Texto Do Artigo
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DOI: XXXXXXX
RESUMO Este artigo tem por escopo analisar o termo “ideologia de gênero” nas políticas
públicas no âmbito educacional brasileiro. Identificado enquanto uma categoria do discurso de
ódio, o termo contempla uma lógica de colonialidade de gênero. Analisar-se-á a importância
dos estudos de gênero para a ampliação de espaços democráticos, em cooperação com um
processo de interculturalidade das diversas vivências dentro de instituições de ensino,
proposta fundamentada na Constituição Federal, bem como nas diretrizes do Plano Nacional
de Educação. O trabalho possui abordagem indutiva, de cunho descritivo-explicativo, pelo
método de procedimento de revisão bibliográfica narrativa. O artigo não pretende esgotar o
assunto, tendo em vista sua complexidade, mas levantar reflexões necessárias a partir de
teóricos de estudos feministas e queer.
ABSTRACT: This article aims to analyze the term “gender ideology” in public policies in the
Brazilian educational field. Identified as a category of hate speech, the term contemplates a
logic of gender coloniality. The importance of gender studies will be analyzed for the
expansion of democratic spaces, in cooperation with a process of interculturality of the
different experiences within educational institutions, a proposal based on the Federal
Constitution, as well as on the guidelines of the National Education Plan. The work has an
inductive approach, of a descriptive-explanatory nature, by the method of narrative
bibliographic review procedure. The article does not intend to exhaust the subject, given its
complexity, but to raise necessary reflections from feminist and queer studies theorists.
1. INTRODUÇÃO
O termo “ideologia de gênero” surgiu no vocabulário da população brasileira
como um discurso de resistência de grupos políticos após a formulação do Plano
Nacional de Educação, pelo qual foram apresentadas metas a serem alcançadas pela
educação básica nacional, estadual e municipal entre os anos de 2014 e 2024, tais
como a garantia do direito à educação básica, a redução das desigualdades e a
valorização da diversidade, dos profissionais da educação e de metas para o ensino
superior (BRASIL, 2014).
A mudança no Plano Nacional de Educação desencadeou uma série de
alterações nos demais planos estaduais e municipais da Educação no ano de 2015, o
que ocasionou a retirada das questões relativas ao tema “gênero” e “sexualidade” das
discussões educacionais. Posteriormente, houve intensa propagação do termo
“ideologia de gênero” no ambiente político, disseminado por candidatos de diferentes
partidos, bem como por diversos grupos religiosos.
No primeiro capítulo o presente trabalho analisará como se propagou esse
discurso, seu objetivo, possíveis efeitos e consequências ou sequelas à população
brasileira e grupos alvo. No segundo capítulo examinará o significado de discurso e
ódio, para, posteriormente, definir o direito à liberdade de expressão, que é utilizado
como escusa por sujeitos que manifestam discursos de ódio, tendo em vista a
controvérsia acerca do limite entre a liberdade de expressão e tal discurso.
O terceiro capítulo abordará a disseminação do discurso da “ideologia de
gênero” enquanto uma categoria de discurso de ódio no ambiente educacional,
observando as narrativas dos agressores e o relato das vítimas. Assim, traça-se uma
linha de comunicação entre a epistemologia decolonial e o Direito, a fim de melhor
demonstrar o uso do discurso de ódio da “ideologia de gênero” enquanto uma forma
de colonização de gênero.
Desse modo, o presente trabalho apresenta abordagem indutiva, de cunho
descritivo-explicativo, pelo método de procedimento de revisão bibliográfica narrativa,
com levantamento de legislação e documentos pertinentes ao tema. O artigo não
pretende esgotar o assunto, tendo em vista sua complexidade e dimensão teórica, mas
levantar reflexões necessárias acerca do fenômeno estudado a partir de teóricos de
estudos feministas e queer.
2. DA IDEOLOGIA DE GÊNERO.
[...] há no sujeito que nasce com vagina, por exemplo, um tornar-se que
parece sugerir uma escolha, mas que no contexto da heterossexualidade
compulsória será apresentada ao sujeito como um imperativo, uma ordem:
‘torna-se mulher!’ (FIRMINO; PORCHAT, 2017, p. 55).
[...] é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso
rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram
um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina,
nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os
homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo "gênero"
torna-se uma forma de indicar "construções culturais" - a criação
inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às
mulheres (SCOTT, 1995, p. 75).
De acordo com a análise científica de Joan Scott (1995, p. 72) o gênero é uma
“maneira de se referir à organização social de relações entre os sexos”, assim como na
“gramática, o gênero é compreendido como uma forma de classificar fenômenos, um
sistema socialmente consensual de distinções e não uma descrição objetiva de traços
inerentes”. Para Scott (1995, p. 75) gênero “trata-se de uma forma de se referir às
origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres”,
“assim, refletir sobre o gênero significa pensar sobre como construímos as
representações culturais e simbólicas de ser masculino e de ser feminino” (ABREU,
2014). Scott (1995, p. 72) ressalta que a palavra “gênero” não exclui “possibilidades
não-examinadas”, tendo em vista a existência de diversos gêneros que não são
contemplados pela categoria binária homem/mulher, como por exemplo os chamados
“sem sexo ou o neutro”. Dessa forma:
1
“Art. 3º, inc. I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária” (BRASIL, 1988).
2
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]” (BRASIL, 1988).
3
“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença; [...]” (BRASIL, 1988).
4
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...]” (BRASIL,
1988).
5
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhe o funcionamento ou manter
com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público; [...]” (BRASIL, 1988).
6
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...]
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional; [...]” (BRASIL, 1988).
7
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; [...]” (BRASIL,
1988).
8
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...] § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher (BRASIL, 1988).
subjugação são alvo de exclusão, discriminação e extermínio, contexto que caracteriza,
assim, um discurso de ódio.
3. DO DISCURSO DE ÓDIO
[...] ele é uma ação com viés comunicativo que, quando assume ênfase no
ato de desvalor da vítima, deixa de ser uma mera opinião, configurando-se
como um discurso de incitação ao ódio, já que acarreta efeitos materiais
lesivos a seus destinatários (CAZELATTO; CARDIN, 2018, p. 99).
De acordo com pesquisa realizada pelo Defensor Público João Paulo Carvalho
Dias, ex-presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do
Brasil - Seccional do Mato Grosso, há estimativa de que o país concentre 82% de
9
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria-Geral da República. Nº 144.923/2017-
AsJConst/SAJ/PGR. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Lei 3.491/2015 do
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gênero, “ideologia de gênero” e orientação sexual. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adpf-467-ideologia-de-genero-ipatinga.pdf. Acesso em: 2 abr.
2019.
evasão escolar de travestis e transexuais, uma situação que aumenta a vulnerabilidade
dessa população e favorece os altos índices de violência (CUNHA; HANNA, 2017).
De acordo com entrevista concedida pelo professor Fabricio Ricardo Lopes
(2020), as histórias de escolarização não se separam das histórias de vida, uma
alimenta a outra, nós somos muito marcados subjetivamente pela forma que somos
tratados em ambiente escolar, portanto, quando há risco à vida ou à integridade física
do indivíduo se torna praticamente impossível sua permanência neste espaço.
A imposição de um ser “normal” (o ser branco, hetero e cisgênero) e o
“anormal” (o outro) pelo discurso da “ideologia de gênero”, como se existisse apenas
uma forma universal do ser, de modo que os que não se enquadrarem neste normal
serão alvo de violência e/ou invisibilidade trata-se de apenas uma das partes de:
10
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e
danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
da personalidade são intransferíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária. Contudo, autores como Szaniawski (2002), Maria Celina
Bodin de Moraes (2002) e Gustavo Tepedino (2006) compreendem que o rol de
direitos da personalidade disposto no Código Civil não é taxativo, de forma que outros
direitos, não contemplados pelo codex, também são fundamentais para o
desenvolvimento da personalidade, sobretudo diante da evolução social e da
dificuldade de o Direito acompanhar e regular todas as esferas e temáticas da ordem
social ao tempo que estas são identificadas e reconhecidas.
Parte da doutrina compreende que a dignidade humana, prevista no art. 1º,
inc. III, da Constituição Federal de 1988 seria uma cláusula geral de proteção da
personalidade, protegendo o ser em sua totalidade (BRASIL, 1988; SZANIAWSKI, 2002).
Verifica-se que a tutela da dignidade humana pressupõe uma série de garantias e
direitos que proporcionem ao indivíduo um mínimo capaz de balizar uma existência
que pudesse ser considerada digna (SARLET, 2009), sob diversos aspectos (políticos,
sociais, econômicos, educacionais, individuais etc.).
Neste sentido, a educação de gênero é um direito humano essencial à
“formação da personalidade do indivíduo; logo, é crucial para uma vida saudável, para
a inclusão social, para a capacidade de autoaceitação, de tolerância e de respeito à
diferença” (TOBBIN; CARDIN, 2020, p. 31).
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o
cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar
diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida
em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo
ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a
exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem
pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização
da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção
o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma (BRASIL, 2002).
Para Tobbin e Cardin (2020, p. 30) a:
Na visão de Valéria Silva Galdino Cardin, Caio Eduardo Costa Cazelatto e Luiz
Augusto Ruffo (2019, p. 430) “a proibição de discriminação se fundamenta na ideia de
que a sexualidade é um dos componentes da personalidade do indivíduo e serve como
raiz para os direitos da personalidade”, entre eles, “o direito à própria identidade e à
sua identificação, que são tutelados pelo ordenamento jurídico”.
A escola é um ambiente fundamental para garantir dignidade à vida do
indivíduo, de modo que deve ser pautada no reconhecimento da diversidade e na
concessão de instrução que garanta igualdade de oportunidades a todas as pessoas.
Logo, é contexto que não pode compactuar com a discriminação, os efeitos do
patriarcado e combater as nuances da desigualdade.
A tentativa de proibição de discussão acerca de questões de gênero nas escolas
é uma ofensa aos direitos humanos, fundamentais e de personalidade do indivíduo,
sobretudo porque a expressão da sexualidade e o debate acerca dos papéis
designados aos gêneros sob a perspectiva binária e cisheteronormativa são essenciais
para que o indivíduo seja inserido em sociedade.
6. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Como citar:
GILI, Ingrid Martins. GALDINO, Valéria Silva Cardim. “IDEOLOGIA DE GÊNERO” ENQUANTO
DISCURSO DE ÓDIO E A OFENSA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, Salvador-ba, v.32, ano 2022:
pág(1-20). DOI: (endereço do DOI desse artigo). Disponível em: endereço eletrônico. Acesso
em: xx mês abreviado. xxxx.