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Emissário submarino de Santos: estratégias, táticas e colaboração na concepção do

espaço urbano
Rafael Peres Mateus
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP, Brasil
Email: [email protected]
Resumo: O artigo se propõe a analisar a relação entre as estruturas físicas e as pessoas no
contexto urbano. Foi escolhido como estudo de caso o Emissário Submarino de Santos, a fim
de compreender alguns dos processos de uso e apropriação da cidade, que são realizados por
diferentes agentes da sociedade. Resultados obtidos indicam que é indispensável que os
projetos que se propõem a intervir no espaço público sejam realizados colaborativamente, ou
seja, permitam que diferentes grupos sociais atuem na formulação. A contribuição deste
estudo está em revelar a importância da atuação colaborativa que incorpora as táticas nas
estratégias, reconhecendo o papel de toda sociedade.
Palavras-chave: colaboração; emissário submarino; estratégias; táticas; território
Submarine Emissary of Santos city: Strategies, tactics and collaboration in the
conception of urban space
Abstract: The article proposes to analyze the relationship between physical structures and
people in the urban context. It was chosen as a case study the Marine Outfall of Santos, in
order to understand some of the processes of use and appropriation of the city, which are
carried out by different agents of society. Results obtained indicate that it is indispensable that
the projects that are proposed to intervene in the public space be carried out collaboratively,
that is, they allow different social groups to act in the formulation. The contribution of this
research is to reveal the importance of the collaborative action that incorporates the tactics in
the strategies, recognizing the role of all society.
Palavras-chave: collaboration; marine outfall; strategies; tactics; territory

Introdução

Pesquisas têm demonstrado a maneira como as pessoas se apropriam do espaço a partir de


táticas [1]. Diferentes atores que se inserem no âmbito urbano – cada qual presente num grupo
social – constroem significados a partir de táticas que se fundamentam na relação entre as
estruturas físicas e a experiência adquirida no cotidiano. Essa participação de diferentes
grupos sociais identifica o espaço, estabelece identidades e cria um vínculo entre o indivíduo
e o lugar. É o espaço real, vivido, ou seja, o território [2]. Segundo Certeau [2], há diferenças
substanciais entre estratégia e tática. Estratégias são ações realizadas em gabinetes, a partir
de um poder constituído – de caráter político/financeiro – que no âmbito urbano resultam em
intervenções. Táticas são as atividades mais ligadas aos usos das pessoas, conectando-se à
vida ordinária e com a maneira como os diferentes atores da sociedade se apropriam do
espaço. Esse entendimento suscita um questionamento sobre táticas que a população utiliza na

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apropriação de espaços urbanos, configurando-se assim no fio condutor que baliza o estudo
proposto pelo presente artigo.
Objetivos: A princípio, esse artigo tem como foco analisar uma área urbana específica:
Emissário Submarino (Parque Roberto Mário Santini) na cidade de Santos, litoral de São
Paulo. Com isso, o propósito é demonstrar como a colaboração entre diferentes segmentos da
sociedade qualifica o espaço urbano e contribui para a identificação das pessoas.
Material e métodos
O presente artigo baseou-se numa pesquisa de campo, em que foram realizadas observação e
análise de frequentadores e usos existentes no local. Lévi-Strauss [3] define que na
observação a regra principal é que todos os fatos devem ser exatamente observados e
descritos, sem que se estabeleçam preconceitos teóricos que alterem sua natureza e sua
importância [3]. Concomitantemente, também foram analisados os elementos construídos no
parque e as possíveis relações que eles estabeleciam entre si, e com os usuários. Com base
nisso, durante as visitas no local foram identificadas as formas como os frequentadores
utilizam o parque e, por conseguinte, as relações sociais resultantes da apropriação do espaço.
Para dar suporte às análises, foram tiradas fotos e realizadas anotações das atividades
correlatas que aconteciam durante a observação dos eventos.
Resultados
Num primeiro momento, o percurso existente no parque instiga a percepção, além de cativar a
apropriação do parque. Paisagem é tudo o que a visão é capaz de alcançar, e vai além do
visível (volumes e cores), mas também considera odores, sons e movimentos [4]. A
proximidade com o mar suscita diferentes tipos de percepções sensoriais: cores, texturas,
cheiros etc. É possível dizer que o passeio público define o espaço no parque. Há de se
considerar que os caminhos principais levam até a escultura, que fica na borda da plataforma.
Esse é um aspecto importante, porque torna o ambiente com legibilidade clara. Vegetação e
os percursos não apenas direcionam, mas também delimitam os espaços na entrada do parque.
É possível destacar a relação entre as estruturas físicas e a experiência: não há outro lugar na
cidade de Santos com a vista da orla que o emissário propicia (Figura 1). Devido à localização
privilegiada, pessoas sentavam-se nas arquibancadas – a priori destinadas às competições de
surf – e interações sociais ocorriam constantemente. Concomitantemente, as pessoas também
interagiam nas proximidades das obras de arte (escultura de Tomie Ohtake, grafites), no
espaço para recreação infantil e nas pistas de skate e patinação. Particularmente, os locais de
contemplação – em que pessoas observam o mar ou obras de arte – são importantes na

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estruturação do parque, pois sugerem individualidade ou relações mais próximas entre
pessoas.

Figura 1. Fotos do local. Autor, 2015

É importante salientar que a interação entre as pessoas não se dava somente nas áreas do
parque destinadas para isso, pois as pedras que ficam na borda do emissário também eram
frequentemente utilizadas pelas pessoas. Há de se destacar a presença de diferentes grupos
sociais no local: ambulantes, surfistas, skatistas, ciclistas, turistas, entre outros. Todos
compartilham do espaço, interagem e sobrepõem atividades no mesmo contexto urbano: o
vendedor de churros atende a senhora idosa, o surfista pega onda com seu cachorro, crianças
brincam na escultura de Tomie Ohtake, um grupo de pessoas observa o mar, skatistas utilizam
a pista etc. Assim, diferentes grupos sociais tomam posse do existente, vivenciando e
apreendendo o que o local tem a oferecer.

Da mesma forma, é possível observar que os diferentes grupos sociais que frequentam o
parque intervêm constantemente no local. Grafites são alguns dos exemplos de ações
colaborativas que transformam o local e são feitas, ou requisitadas, pelos próprios
frequentadores do parque. Isso faz com que o projeto pertença de fato à coletividade, pois os
grupos sociais registram seus próprios valores ao intervir nas estruturas construídas. Na
colaboração urbana, a produção de referenciais qualifica e contribui na identificação das
pessoas com o lugar. Criando significados, táticas dos usuários se inserem na memória
coletiva e enaltecem aspectos da própria cultura urbana.

Discussão

A princípio, a observação atenta do parque levanta a questão de que é indispensável que os


projetos destinados a intervir no espaço público sejam realizados colaborativamente, ou seja,
permitam que diferentes agentes construam significados no espaço urbano. Constantes
transformações que acontecem no local colaboram para coexistência entre o erudito e o

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popular, como por exemplo, a convivência de manifestações artísticas de naturezas diferentes
(Figura 2).

Figura 2. Intervenções artísticas.


Colaboração no âmbito urbano implica que diferentes atividades humanas (profissionais,
manifestações artísticas, lazer etc.) atuem de forma simultânea nos processos de uso e
apropriação da cidade. Vendedores ambulantes, surfistas, skatistas, turistas e demais grupos
sociais participam ativamente da dinâmica urbana do emissário. Também é recorrente que
diferentes manifestações artísticas e culturais usufruam do espaço. Com isso, atores da
sociedade constroem diferentes significados, ampliando a dimensão da experiência por meio
de processos (urbanos e sociais) potentes. A atuação colaborativa é imprescindível para o
estabelecimento do território. Em espaços de encontro, pessoas identificam valores comuns,
estabelecem interações e dão vida para a cidade. Como destaca Rolnik [2], não existe
território sem sujeito, pois ele dá a identidade ao lugar, atribui a ele um significado. Se o
território é definido pelos usos, o emissário em Santos se configura em um que é dinâmico e
abrange desde o comércio ambulante até atividades de lazer e esportivas que são típicas das
regiões litorâneas.
A observação do parque denota outro aspecto importante: as pessoas sabem como usar a
cidade. É relevante como – apesar da existência de estruturas no parque atual – os
frequentadores também utilizam o espaço de maneira análoga àquela que se fazia no passado
(Figura 3). Isso é um forte indício de que vestígios do passado atuam de alguma maneira no
presente, um patrimônio imaterial embasado na vida cotidiana. É possível dizer que essa
apropriação do espaço é atemporal, e estar num lugar que mostra vestígios de outros tempos
remete à memória coletiva comum. Lembrança é reconhecimento e reconstrução, resgate de
acontecimentos e vivências num dado tempo e espaço, a partir de um conjunto de relações

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sociais. Experiência prévia que dialoga e se adapta ao contexto atual, uma memória-matriz
que permite transformação sem dissolução.

Figura 3. Relação entre a ocupação do emissário em 1989 e atualmente (Acervo do jornal A


Tribuna de Santos/Autor, 2015)
Conclusões

A colaboração dos diferentes grupos sociais vitaliza o contexto urbano, pois não há
referenciais culturais que sejam totalizadores da sociedade. A verdadeira colaboração urbana
envolve diferentes segmentos da sociedade. Dessa forma, as táticas dos grupos sociais devem
contaminar de maneira positiva as estratégias do poder público, e não ser simplesmente
cooptadas por ele. Com base nesse entendimento, este artigo contribui para o debate sobre a
convivência possível entre estratégias e táticas no projeto urbano, reconhecendo a importância
de diferentes atores da sociedade na concepção do espaço urbano.

Agradecimentos: O autor agradece o apoio dado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo auxílio no desenvolvimento desta pesquisa.

Referências

1. Certeau M (1998). A invenção do cotidiano – 1. Artes do Fazer. Tradução de Ephraim


Ferreira Alves. Apresentação de Luce Giard. Petrópolis: Vozes.
2. Rolnik, R (1992). História urbana: história na cidade? In: Fernandes A., Gomes M A F
(org.) Cidade & História: Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX.
Salvador: UFBA/FA-UFBA/MAU, ANPUR: 28.
3. Lévi-Strauss C (1967) Antropologia Estrutural. Tradução de Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires com revisão etnológica de Júlio Cezar Melatti. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro.
4. Santos M (1988). Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos Teóricos e
Metodológicos da Geografia. São Paulo: Hucitec.

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