SP 1.2 - Dor Neuropática

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Paulo Filipe Nogueira de Queiroga

1 DOR NEUROPÁTICA E ANTIEPILÉPTICOS

DOR NEUROPÁTICA Além dessa classificação, há uma tendência atual de se


classificar a dor neuropática baseada em mecanismos.
A definição inicial de dor neuropática proposta pela
IASP a considerava com o “dor iniciada ou causada por
lesão primária ou disfunção ou perturbação
transitória no sistema nervoso periférico ou central”
(Merskey; Bogduk, 1994). Subsequentemente aos
questionamentos a essa definição por trazer
ambiguidades, foi sugerida a definição de dor
neuropática como “devida à lesão primária do sistema
nervoso periférico ou central” (Hansson, 2005).

O conceito mais amplo de dor neuropática deve


também incluir outras características, como:

✓ Dor e sintomas sensitivos que persistam além


do período de cura.
✓ Presença de fenômenos sensitivos negativos e
positivos.
✓ Presença também de fenômenos motores
positivos e negativos e de fenômenos
autonômicos (Backonja, 2003).

EPIDEMIOLOGIA: apesar de existirem divergências


quanto a sua prevalência na população geral, acredita-
se que cerca de 1/5 das dores crônicas sejam
predominantemente neuropáticas, afetando 6 a 8% da
população.

CLASSIFICAÇÃO DA DOR NEUROPÁTICA: a dor


neuropática é, geralmente e de forma mais simples,
classificada pela etiologia e anatomia.

Do ponto de vista etiológico periférico, a dor


neuropática pode ser devido a neuropatias de
diferentes causas, radiculopatias, plexopatias, sendo
de origem primária ou secundária. As neuralgias são
condições, na maior parte das vezes, de natureza
idiopática ou disfuncionais. A dor neuropática de
origem central tem etiologia vascular, desmielinizante,
traumática, tumoral, compressiva, degenerativa,
malformativa e imunológica.

As síndromes neuropáticas periféricas mais comuns e


NEUROMODULAÇÃO DA DOR
mais pesquisadas são: neuropatia diabética dolorosa,
neuralgia pós-herpética, neuralgia de trigêmeo, dor SENSIBILIZAÇÃO PERIFÉRICA:
persistente pós-trauma e pós-operatória, síndrome
complexa de dor regional, neuropatia na síndrome da ✓ As lesões e os processos inflamatórios
imunodeficiência adquirida, dor neuropática teciduais alteram profundamente a
oncológica e dor pós-amputação. constituição química do ambiente externo
dos terminais dos nociceptores (axônios). As
As síndromes neuropáticas centrais mais comuns: células lesadas liberam o seu conteúdo nesses
AVE, dor pós-lesão medular, esclerose múltipla e de tecidos, como a adenosina trifosfato (ATP) e
forma menos frequente na doença de Parkinson, os íons potássio; enquanto a diminuição do
siringomielia e ouras doenças degenerativas. pH, citocinas, quimiocininas e fatores de
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2 DOR NEUROPÁTICA E ANTIEPILÉPTICOS

crescimento são gerados pelas células ✓ A submissão da sinapse nociceptiva medular a


inflamatórias, as quais são atraídas para o descargas intensas e prolongadas de estímulos
local da lesão. nociceptivos torna os neurônios hiper-
✓ Alguns desses elementos atuam diretamente responsivos. Após esse tipo de reação, o input
sobre os terminais nociceptores para ativá-los não-nociceptivo (toque leve na pele) pode
e produzir dor (ativadores de nociceptores), evocar respostas nociceptivas.
sendo que outros sensibilizam esses terminais, Simultaneamente, áreas vizinhas às lesões
tornando-os hipersensíveis aos estímulos periféricas tornam-se sensíveis ao toque
subseqüentes (sensibilizadores dos (hiperalgesia secundária).
nociceptores). ✓ A sensibilização central requer estimulação
✓ Os agentes sensibilizadores, como a nociceptiva rápida ou prolongada, porém
prostaglandina E2, reduzem o limiar de intensa, para ser iniciada;
excitabilidade do terminal nociceptivo, ✓ Esse tipo de sensibilização dá início a um a
aumentando a responsividade dos receptores cascata de eventos no corno dorsal da medula,
específicos, como os receptores da a qual é gerada pela liberação de uma série de
prostaglandina E e as próprias prostaglandinas neurotransmissores nos terminais dos
da série E. nociceptores centrais, que origina alterações
✓ A sensibilização periférica diminui o limiar de na densidade de receptores sinápticos, no seu
excitação de nociceptores (limiar alto de limiar, na sua cinética e ativação, aumentando
excitação) e de nociceptores silentes, o que o tráfego de sinais nociceptivos na transmissão
explica o aumento de sensibilidade aos medular.
estímulos nociceptivos e não-nociceptivos. ✓ Um ponto-chave nas alterações
fisiopatológicas dos nociceptores medulares
SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL: envolve as que ocorrem nos receptores N-
✓ A sensibilização central amplifica e facilita a metil D-aspartato (NMDA), os quais são
transferência sináptica do estímulo glutamato-ativados.
nociceptivo oriundo do terminal nociceptor o Durante o processo de sensibilização,
central em direção ao neurônio nociceptivo esse receptor é fosforilado,
medular. resultando na sua migração dos
✓ Na fase inicial (fase aguda), a sensibilização é estoques intracelulares para a
gerada pelo input nociceptivo transmitido membrana sináptica, com o também
pelo nociceptor central em direção ao na elevação da sua responsividade ao
neurônio medular - o grau de sensibilização é glutamato.
do tipo atividade-dependente. o Esse aumento de responsividade ao
✓ Na fase tardia da transmissão nociceptiva glutamato ocorre pela remoção do
medular, inicia-se o processo de transcrição bloqueio de voltagem -dependente
genética celular - o grau de sensibilização que o magnésio exerce sobre o
torna-se transcricional dependente. complexo receptor/canal iônico
✓ Geralmente, a sensibilização central é NMDA, elevando o tempo de
semelhante à produzida na periferia. As permanência do canal no estado
quinases intracelulares são ativadas, aberto (fenômeno de Wind-Up ou de
resultando na fosforilação dos canais iônicos e somação temporal).
receptores, além da alteração genética que o Esse processo resulta na elevação da
induz a alterações de caráter químico e responsividade celular aos estímulos
fenotípico no neurônio medular e na sua infralimiares, com o também em um
sinapse. aumento na resposta aos estímulos
✓ As sensibilizações periférica e central são a nociceptivos de limiar alto.
expressão do fenômeno de plasticidade o O recrutamento de estímulos
(cronicidade da dor) do sistema nervoso, fato infralimiares é manifestado
que modifica funções neuronais envolvidas no clinicamente por uma redução no
processamento do sinal doloroso em nível limiar de excitabilidade para a
medular. geração de dor (alodinia), por uma
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exagerada ou amplificada resposta ao mecanismos inflamatórios e neuropáticos devido à


estímulo nociceptivo (hiperalgesia) degeneração do nervo.
ou pela extensão da sensibilidade
álgica para os tecidos vizinhos à lesão
primária (hiperalgesia secundária).
o Após essa atividade precoce, ocorrem
alterações estruturais (translacionais)
dependentes sobre as proteínas
existentes na célula, que resultam na
modificação da sua distribuição e
função, e, consequentemente, altera-
se a regulação da expressão genética
de neurônios centrais, induzindo SENSIBILIZAÇÃO DOS NOCICEPTORES: ocorre
novas proteínas e efeitos sobre o nível redução do limiar de ativação dos nociceptores,
de expressão existentes nessas desencadeada pelos mediadores inflamatórios
proteínas. Algumas dessas liberados devido à lesão aguda dos tecidos. Estes
modificações na expressão genética nociceptores passam a ser estimulados também por
são mediadas pela ativação do sinal de estímulos não dolorosos de baixa intensidade
transdução sináptica nas vias (alodínea).
nociceptivas, sendo essas
DESCARGAS ECTÓPICAS: a lesão dos nervos
modificações restritas às partes do
periféricos determina redução do limiar de ativação
sistema nervoso que recebem sinais
neuronal, assim impulsos elétricos são desencadeados
oriundos dos tecidos lesados.
espontaneamente ou por estímulos normalmente não
MECANISMO PERIFÉRICO DA DOR nocivos (alodínea tátil e hiperalgesia). As descargas
NEUROPÁTICA ectópicas são constituídas de impulsos elétricos
anormais espontâneos evocados e repetitivos a partir
de locais incomuns e diferentes das terminações
nervosas. As fontes incomuns das descargas ectópicas
são constituídas de neuromas, axônios desmielinizados
por trauma, processos autoimunes, aferentes
adjacentes intactos e gânglios da raiz dorsal.

O neuroma é formado no coto proximal do axônio


seccionado ou traumatizado por brotamento de novas
A DN é caracterizada por dor espontânea (não fibras, e a atividade ectópica é originada em fibras
dependente de estímulo), hiperalgesia (dor exagerada mielinizadas (A) e amielinizadas (C). Focos de
a um estímulo normalmente doloroso) e alodínea (dor desmielinização em fibras danificadas por
em resposta a um estímulo não doloroso). Algumas traumatismos são também fontes de atividade
dessas características ocorrem por alterações nos ectópica por brotamento de fibras. Outras fontes de
nociceptores e nervos periféricos lesionados. descargas ectópicas são aferentes residuais intactos
A sensibilização periférica está principalmente expostos aos produtos de degeneração e mediadores
vinculada a uma resposta aumentada dos terminais inflamatórios e corpos neuronais do gânglio da raiz
dos nociceptores, decorrente da ação de dorsal.
neuromediadores inflamatórios, o que dá origem a O crescimento neuronal anormal (sprouting ou
alodinia e hiperalgesia. Isso é consequência, a nível de brotamento) com aumento dos campos receptivos
nociceptores, da diminuição do limiar, indução de alimentam a transmissão anormal da dor.
descargas ectópicas e aumento na quantidade de
canais de sódio. Evidentemente, esse mecanismo está
relacionado à dor nociceptiva inflamatória, mas em
lesões traumáticas, terminais nervosos são
comprometidos, produzindo uma sobreposição de
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ALTERAÇÕES NA EXPRESSÃO DOS CANAIS DE central, alterações da neuroplasticidade e redução ou


CÁLCIO: os mediadores inflamatórios ativam sinais perda de controle inibitório.
intracelulares dos nociceptores com aumento dos ✓ SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL: resultado de
canais voltagem-dependentes. O aumento dos canais ativação do receptor NMDA, aumento do
de sódio determina aumento exagerado das conteúdo de glutamato, aspartato e cálcio
descargas espontâneas nas membranas neuronais e intracelular, além de ativação também de
corpo neural, responsáveis pela perpetuação da dor. receptores AMPA e receptores
Da mesma forma, após a lesão de fibras nervosas A- metabotrópicos de glutamato.
delta e C, surgem novos canais de cálcio estimuláveis ✓ ALTERAÇÕES NA NEUROPLASTICIDADE: essas
a mínimos estímulos sensoriais, com entrada de cálcio alterações que ocorrem na medula espinal
na membrana e consequente despolarização. dizem respeito a modificações dos terminais
EXCITAÇÃO CRUZADA EFÁTICA: além dos neurônios de aferentes sensoriais de neurônios do
lesados, os neurônios adjacentes, até então íntegros e gânglio da raiz dorsal, além de ativação de
intactos, passam a disparar espontaneamente – células gliais implicadas na liberação de
mecanismo conhecido como transmissão efática. citocinas pró-inflamatórias e perda celular no
corno dorsal.
ALTERAÇÕES FENOTÍPICAS: alterações fenotípicas ✓ REDUÇÃO OU PERDA DE MECANISMOS
por expressão gênica modificada de neurônios do INIBITÓRIOS: ocorre em diferentes locais,
gânglio da raiz dorsal e de neurônios do corno dorsal reduzindo a inibição pré e pós-sináptica,
da medula constituem importantes mecanismos de dor expressa também por redução de GABA.
neuropática. Os genes modificados após axotomia aqui
descritos envolvem os relacionados a neuropeptídeos, MECANISMO CENTRAL: as alterações dos
receptores, canais iônicos, enzimas, transmissão nociceptores durante a inflamação determinam
sináptica, proteínas de crescimento, citoesqueleto e alterações nas sinapses do corno posterior da medula
mobilidade celular, metabolismo e outros. espinhal. A atividade persistente dos nervos lesados é
o fator desencadeante da sensibilização central
medular e cortical, determinando alterações
neuropláticas nas sinapses e o envolvimento de vários
moduladores sinápticos, além de alterações de
aminoácidos excitatórios.

A lesão das fibras nervosas sensoriais, e consequente


ativação do fator de crescimento neuronal, estimula o
brotamento anormal de fibras A-beta (normalmente
proprioceptivas) com o prolongamento de suas
terminações das lâminas III e IV do corno posterior da
medula, onde normalmente se localizam, para a
lâmina II. Esse brotamento faz com que estímulos com
limiares não dolorosos sejam interpretados na
medula espinhal como dor (alodínea).

Além desse fenômeno, o aumento de


MECANISMO CENTRAL DA DOR neurotransmissores no corno dorsal da medula
espinhal produz uma despolarização prolongada da
NEUROPÁTICA
membrana pós-sináptica com ativação do receptor N-
metil D-aspartato (NMDA). Em condições normais, o
receptor NMDA permanece bloqueado pelo íon
magnésio; com a despolarização prolongada, ele
permanece aberto permitindo o influxo permanente
de sódio e cálcio para a célula, levando à excitação
Os mecanismos centrais de dor neuropática são intraneuronal maciça e resposta cada vez maior a
consequentes a lesões periféricas ou centrais e se estímulos repetitivos nas fibras C (fenômeno de Wind-
expressam pelo desenvolvimento de sensibilização Up ou de somação temporal).
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O aumento de cálcio intracelular, além de causar da roupa, brisa do ar, alterações da temperatura, etc)
ativação e despolarização da membrana, determina ou desproporcional a um estímulo nociceptivo.
ativação do segundo mensageiro, alterações na
Os sintomas e sinais da DN podem ser negativos
expressão gênica e maior excitação neuronal.
(quando há perda sensitiva) ou positivos (sensações
As células de micróglia proliferam rapidamente após anormais ou exageradas).
a lesão neuronal, com consequente ativação do
sistema imunológico, liberação de citocinas SINAIS NEGATIVOS: indicam disfunções das fibras A-
inflamatórias e substâncias citotóxicas, provocando beta e A -delta.
aumento da excitabilidade medular e alterações ✓ Hipoestesia → perda da sensação normal a
neuroplásticas. estímulos não dolorosos.
Assim como em outros tipos de dor crônica, o sistema ✓ Hipoalgesia → perda da sensação à picada de
descendente noradrenérgico, serotoninérgico e agulha. É comum em neuropatias periféricas e
opioide inibidor da dor, se torna ineficaz na inibição frequentemente coexiste com dor espontânea
do estímulo doloroso. intensa, em queimação.

A excitação exagerada e os fenômenos de SINAIS POSITIVOS:


neuroplasticidade estendem-se aos neurônios ✓ Alodínia;
nociceptivos do tálamo e do córtex cerebral ✓ Hiperalgesia;
(somatossensorial e pré-frontal), causando a ✓ Hiperpatia;
ampliação e persistência dos estímulos nas estruturas ✓ Disestesia.
corticais.

QUADRO CLÍNICO DA DOR NEUROPÁTICA


A apresentação clínica da DN é semelhante nas
diferentes etiologias. A dor paroxística ou persistente,
independente do estímulo, é característica deste tipo
de patologia.

A dor pode ser espontânea, frequentemente episódica


e súbita e, em alguns casos, contínua ou evocada. A dor
evocada pode ser iniciada por estímulos inócuos (roçar
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inclui as drogas antiepilépticas e, em menos vezes, os


psicotrópicos.

As drogas atualmente em uso para o tratamento da dor


neuropática incluem:

✓ Anticonvulsionantes;
✓ Antidepressivos;
✓ Opioides;
✓ Agentes tópicos e antiarrítmicos;
✓ Gabaérgicos (baclofeno);
✓ Antagonistas de NMDA;
✓ Bloqueios anestésicos;
✓ L-dopa, AINHS e neurolépticos.

Dworkin e colaboradores (2003a) recomendam


tratamentos farmacológicos de primeira e segunda
DESCRITORES VERBAIS DA DOR: os descritores linhas, sendo os de primeira linha baseados em
verbais são importantes na caracterização da DN e são resultados positivos de ensaios clínicos múltiplos,
referidos como queimação, calor, choques elétricos, randomizados e controlados. Os autores consideram
dormência, agulhadas, alfinetadas, câimbras, aperto, como medicamentos de primeira linha gabapentina,
etc. lidocaína (adesivo), opióides, tramadol e
antidepressivos tricíclicos. Os de segunda linha são
lamotrigina, carbamazepina e inibidores seletivos da
recaptação da serotonina.

ANTICONVULSIONANTES/ANTIEPILÉTICOS: Os
anticonvulsivantes têm seu papel como analgésicos
por serem drogas que exercem seu efeito sobre os
canais iônicos envolvidos tanto na epilepsia com o na
dor neuropática. Os canais-alvo para esse efeito são os
de sódio e os de cálcio.

Os anticonvulsivantes estudados em ensaios clínicos


randomizados e controlados foram carbamazepina e
gabapentina com resultados positivos e fenitoína e
lam otrigina com resultados conflitantes. Se dividem
em anticonvulsivantes bloqueadores de canais de
sódio (carbamazepina e lamotrigina) e de cálcio
(gabapentina e pregabalina).

BLOQUEADORES DE
TRATAMENTO DA DOR NEUROPÁTICA CANAIS DE SÓDIO
CARBAMEZEPINA Seu efeito é exercido ao
A dor neuropática requer uma abordagem bloquear a condutância
terapêutica diferente da dor nociceptiva. No iônica frequência-
tratamento da dor nociceptiva, deve-se seguir as dependente em canais de
recomendações da escada analgésica da Organização sódio, suprimindo a
Mundial de Saúde (OMS), utilizando-se inicialmente os atividade espontânea de
analgésicos convencionais e, depois, se necessário, os fibras A-delta e C e a
opióides fracos e os opióides fortes. Em qualquer atividade espontânea
etapa do tratamento, podem-se acrescentar as drogas ectópica periférica.
adjuvantes. No tratamento da dor neuropática, a Diminui liberação de
escada analgésica não se aplica, e as drogas glutamato ao bloquear os
canais de sódio.
adjuvantes assumem o papel de protagonistas. Isso
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7 DOR NEUROPÁTICA E ANTIEPILÉPTICOS

Efetiva em dores O mecanismo de ação dos antidepressivos tricíclicos é


paroxísticas e lancinantes. o de inibir a recaptação pré-sináptica de norepinefrina
Menos efetiva em dor em e serotonina e, também, o de antagonizar receptor
queimação e alodínia. NMDA e bloquear canal iônico, principalmente canal
de sódio. São eles: amitriptilina, nortriptilina,
LAMOTRIGINA Derivado do feniltriazínico, clomipramina, imipramina, desipramina.
com ação bloqueadora de
canais de sódio e Os novos antidepressivos com ação antálgica incluem
supressão de descargas os inibidores da recaptação seletiva da serotonina
ectópicas por redução de (paroxetina e citalopram), os inibidores balanceados
liberação de glutamato e da recaptação da serotonina e noradrenalina
aspartato. (venlafaxina e duloxetina), os inibidores seletivos da
noradrenalina (bupropion e maprotilina) e os
BLOQUEADORES DE tetracíclicos (miaserina), sendo os dois últimos grupos
CANAIS DE CÁLCIO os menos comumente utilizados.
GABAPENTINA Análogo do GABA. Seu
OPIOIDES: os principais opióides usados são codeína
mecanismo de ação é
exercido ao se ligar à e morfina (naturais), oxicodona (semi-sintético) e
subunidade a.28 do canal metadona e tramadol (sintéticos). Todos possuem
de cálcio. ação analgésica e têm como efeitos colaterais euforia,
depressão respiratória, náuseas e vômito, prurido,
Atualmente, a obstipação, retenção urinária e dependência física (em
gabapentina é um pacientes predispostos física e psiquicamente). O
anticonvulsivante de tramadol, por sua vez, por ser um opióide (fraco) e ter
primeira escolha no ação de inibição da recaptação da serotonina e
tratamento da dor noradrenalina, se apresenta como uma opção na fase
neuropática, com melhora inicial do tratamento da dor neuropática.
a partir da segunda
semana de tratamento. AGENTES TÓPICOS E ANTIARRÍTMICOS: os agentes
Seu efeito é exercido tanto tópicos utilizados para o controle da dor incluem
sobre dor paroxística anestésicos locais (lidocaína) e, principalmente,
como na hiperalgesia e capsaicina. A lidocaína a 5% é usada na forma de
alodinia. Outras indicações
adesivos, principalmente na neuralgia pós-herpética, e
do uso da gabapentina são
a capsaicina tópica tem sido usada em dor
a neuralgia do trigêmeo,
musculoesquelética e em dor neuropática.
esclerose múltipla,
síndrome de Guillain- Com o antiarrítmico, a mexiletina tem mostrado
Barré, dor pós-poliomielite resultados inconsistentes em dor por neuropatia
e neuropatias associadas a
diabética, HIV e neuropatia periférica, porém, de forma
câncer e AIDS.
dose-dependente, o que contribui para maior
expressão de efeitos colaterais adversos (tremor,
PREGABALINA Análoga estrutural do
GABA, antagonista a28, vertigem, náusea e arritmias), e limita seu uso.
com efeitos indiretos em Outros medicamentos usados incluem baclofeno
canais de cálcio. (gabaérgico), cetamina e amantadina (antagonistas
NMDA e NR2B ), L -dopa, AINEs e neurolépticos com o
ANTIDEPRESSIVOS: os antidepressivos tricíclicos drogas suplementares, porém de eficácia não definida
foram os primeiros a serem utilizados no controle da por estudos controlados.
dor crônica por se considerar, na época, a importância
da depressão na dor. Posteriormente, observou-se
que o efeito desses antidepressivos sobre dor e
depressão era independente.
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8 DOR NEUROPÁTICA E ANTIEPILÉPTICOS

GABAPENTINA
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9 DOR NEUROPÁTICA E ANTIEPILÉPTICOS

DOR POR AMPUTAÇÃO | DOR DO Predominantemente, a dor no coto acontece nos


MEMBRO FANTASMA (DMF) estágios iniciais após a amputação, acometendo
pouco mais de metade dos pacientes ao longo dos dois
A dor por amputação, ou dor do membro fantasma primeiros anos após a cirurgia.
(DMF), tem sido descrita há tempos. A dor é parte de
Diversos tipos de dor podem coexistir após uma
um complexo de sintomas da amputação, com sua
amputação e a dor no coto pode sim desencadear a
incidência variando de 2 a 88%, sendo igual para
DMF devido lesões nas terminações nervosas no local
homens e mulheres. Clinicamente, a dor pode surgir na
ou em função da própria secção do nervo aferente. A
primeira semana de amputação ou mais tarde (meses
DMF ocorre com mais frequência em pessoas cuja dor
ou anos). É possível que aqueles que têm dor desde o
no coto perdurou por mais tempo.
início possam ter pior prognóstico, assim como tem
sido relatado o desaparecimento da condição FISIOPATOLOGIA DA DMF: o mecanismo subjacente
posteriormente. da DMF ainda não foi completamente clarificado.
A dor tem como característica ser intermitente ou Várias teorias sobre a sua etiologia têm vindo a ser
constante em alguns pacientes, estar situada desenvolvidas. Inicialmente foi atribuída à
predominantemente na parte distal e ser descrita imaginação; no entanto, com o acumular de evidências
com o penetrante, pruriginosa e em queimação. nas últimas décadas, os paradigmas centraram-se nas
Fatores predisponentes a essa síndrome incluem dor alterações múltiplas do eixo neural, especialmente do
pré-operatória, fatores genéticos e condições córtex. Mecanismos periféricos e centrais constam
psicológicas, assim como o impacto sobre a vida das hipóteses que ganharam aceitação ao longo dos
econômica e social trazido pela amputação. últimos anos.

Não são apenas membros superiores e inferiores que Os mecanismos que a ela conduzem centram -se em
possuem sensação fantasma. Há diversos casos de alterações neurais que levam a hiperexcitabilidade e
mamas fantasmas após mastectomias radicais e até neuroplasticidade, razão pela qual o tratamento se
mesmo vesícula biliar e apêndice fantasmas, onde baseia em uso local (lidocaína tópica),
dores continuavam a ser relatadas meses após o anticonvulsivantes (gabapentina ou oxcarbazepina,
procedimento de retirada. carbamazepina e lamotrigina em dor lancinante ou
paroxística), antidepressivos tricíclicos, opióides ou
SENSAÇÃO FANTASMA: define-se sensação tramadol.
fantasma como a existência de sensações, que não
O membro-fantasma pode ser entendido como a
dor, no membro amputado. Sabe-se que quase todos
interação entre o que se detecta ao nível periférico
os amputados a têm após a amputação de um
(corpo) e o que se integra ao nível central (mente),
membro. A sensação de membro fantasma é
sendo criada então, a aparência final do corpo no
diferente da dor do membro fantasma.
sistema nervoso. Como o ser humano está
Pode ser dividida em três categorias: acostumado a ter um corpo por completo, o fantasma
acaba sendo a expressão de uma dificuldade de
✓ Sensação cinética → sensação de movimento;
adaptação a um defeito súbito de uma parte
✓ Percepção cinestésica → noção do tamanho,
periférica importante do corpo. Além desse fator, o
do formato e da posição da parte do corpo, que
córtex cerebral, que possui um mapa sensorial das
pode estar normal ou distorcida;
partes do corpo, ainda possui uma área de
✓ Percepção exterocetiva → sensação de toque,
representação da região amputada, o que dificulta o
pressão, temperatura e vibração.
cessar das sensações corporais. Assim, as sensações de
DOR NO COTO: definida como uma dor aguda no membro fantasma são caracterizadas por fatores
local da amputação. A dor nociceptiva no coto da psíquicos e fisiológicos, que agem conjuntamente para
amputação possui etiologia relacionada ao pós- expressar tal fator.
operatório imediato, sendo uma resposta normal que
→ MECANISMOS PERIFÉRICOS: durante a amputação,
costuma reduzir após a finalização do processo
os nervos periféricos são seccionados. Isto leva a uma
cicatricial como qualquer outra dor aguda na ferida
massiva destruição de tecido neuronal, causando
operatória frente à agressão de uma cirurgia
rotura do padrão normal de aferência do nervo para a
ortopédica ou vascular.
medula espinhal. De seguida dá-se um processo de
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desaferenciação e a porção proximal dos nervos com o grau de dor e com o tamanho da região
seccionados pode formar neuromas. Há um aumento desaferenciada.
da acumulação de moléculas que reforçam a expressão
de canais de sódio nestes neuromas, que resulta em IMPLICAÇÕES BIOPSICOSSOCIAIS DA
hiperexcitabilidade e descargas espontâneas. Assim, AMPUTAÇÃO: o paciente amputado defronta-se com
em geral, há um aumento na atividade ectópica e uma uma complexa rede de consequências psicológicas e
perda de controle inibitório no corno dorsal. enfrenta um doloroso processo de dor, de perdas, de
reconstrução da sua imagem corporal e de mudanças
→ MECANISMOS NEURAIS CENTRAIS - ALTERAÇÕES de suas perspectivas pessoais, profissionais e sociais.
AO NÍVEL MEDULAR: Reorganização Anatômica - que Consequentemente, é fundamental para esse
ocorre dentro da medula espinal após a lesão do nervo paciente, que no decorrer desse processo, receba
periférico. As fibras-C não mielinizadas envolvidas na apoio psicológico para que possa ultrapassar os limites
condução da dor normalmente fazem sinapses na de sua nova realidade.
lâmina 1 e 2 do corno dorsal. A lesão do nervo
periférico pode levar à degeneração destas fibras-C. As Os aspectos emocionais mais frequentes (encontrados
grandes fibras mielinizadas AB-fibras, que em três estudos) após a hospitalização foram o
normalmente estão envolvidas no tato, pressão e sofrimento causado pela perda de independência e,
propriocepção, enviam conexões a partir das lâminas 3 consequentemente, pela dependência do outro e a
e 4 (onde normalmente fazem sinapse, para a lâmina 1 sensação de isolamento social. Um participante no
e 2, lâminas estas que foram previamente ocupadas estudo de Seren e De Tilio (2014) relatou que a
pelas fibras C). Isto pode contribuir para o amputação o deixou muito restrito. No estudo de Silva
desenvolvimento da dor do membro fantasma, onde et al. (2009), os participantes representaram-se como
estímulos não dolorosos podem ser experienciados incapazes e inúteis por serem dependentes de outras
como dolorosos. A sensibilização central de células do pessoas.lém disso, Batista & Luz (2012) concluíram que
corno dorsal - ocorre em resposta ao aumento da havia um sofrimento nos pacientes provocado pela
barragem de estímulos dolorosos a partir do local da dependência de outros e dificuldades de realizar
amputação. Este estado de hiperexcitabilidade leva ao atividades. A sensação de isolamento social apareceu
desenvolvimento de hiperalgesia, em que o paciente nos estudos de Batista & Luz (2012), de Gabarra &
experimenta uma resposta exagerada a estímulos Crepaldi (2009) e de Sales et al. (2012): os pacientes
nocivos. Aminoácidos excitatórios, tais como o ácido relataram situações de preconceito e estigma social em
glutâmico e o ácido aspártico, podem estar envolvidos decorrência do membro amputado e de funções que
neste processo, atuando através do N Metil-D- não são mais capazes de exercer.
aspartato (NMDA). PSICOTERAPIA NO TRATAMENTO DA DMF: visa,
→ MECANISMOS NEURAIS CENTRAIS- ALTERAÇÕES sobretudo, trabalhar as necessidades dos indivíduos
AO NÍVEL DO CÉREBRO: Em membros superiores amputados, com intuito de auxiliá-los da melhor
amputados, a área do córtex somatossensorial maneira possível no desenvolvimento de suas
correspondente ao membro perdido aparece para atividades de vida diária.
receber informações sensoriais de outras áreas do Uma técnica utilizada é a Terapia do Espelho para
corpo que fazem sinapse em áreas adjacentes no
tratar o alívio da dor fantasma. A técnica consiste em
córtex somatossensorial. A velocidade com que estas trabalhar com ilusão: é ocultado o membro amputado
alterações ocorrem após amputação de membros e no espelho é vista a imagem do membro oposto
sugere que esta reorganização é provável que seja um existente, o que produz, no paciente, a sensação de
resultado de desmascaramento das sinapses ocultas
possuir os dois membros saudáveis. A estratégia
no córtex somatossensorial, em vez de alterações consiste em enganar o cérebro, na tentativa de ajudá-
anatómicas diretas. A DF nos membros pode surgir a lo a reconstruir seu mapa referente ao corpo, para
partir de erros que ocorrem neste processo de fazer com que a sensação incômoda diminua.
remapeamento cortical, levando à amplificação
excessiva da dor experienciada. Também podem
ocorrer erros nas modalidades sensoriais, com o toque
a ser experimentado como dor. A extensão da
reorganização cortical está diretamente relacionada
Paulo Filipe Nogueira de Queiroga
11 DOR NEUROPÁTICA E ANTIEPILÉPTICOS

predominantemente através de receptores GABA A e


talvez por algumas interações com outros canais
iônicos controlados por ligando como os receptores
de NMDA e canais de K+ de dois poros.

Em concentrações clínicas, os anestésicos gerais


aumentam a sensibilidade do receptor GABA A ao
GABA, intensificando assim a neurotransmissão
inibitória e deprimindo a atividade do sistema
nervoso central. A ação dos anestésicos sobre o
receptor GABA A é provavelmente mediada pela
ligação do anestésico a locais específicos sobre a
proteína do receptor GABA A, já que mutações
pontuais do receptor podem eliminar os efeitos do
anestésico sobre a função do canal iônico.

Os agentes inalatórios halogenados têm uma


variedade de alvos moleculares, o que é consistente
com a sua condição de anestésicos completos (dotados
de todos os componentes). O óxido nitroso, a cetamina
e o xenônio constituem uma terceira categoria de
anestésicos gerais que provavelmente produzem
inconsciência pela inibição dos receptores de NMDA
ANESTÉSICOS e/ou a ativação dos canais de K+ com domínios de dois
poros.
O mecanismo mais aceito que justifica a atividade dos
anestésicos locais (ALs) é o da inibição direta dos
canais de Na+ dependentes de voltagem como
consequência da ligação das moléculas dos ALs com
um ou mais receptores localizados no próprio canal de
Na, impedindo o influxo de Na+ necessário para o
início e a propagação dos potenciais de ação.
REFERÊNCIAS:
Os canais de Na + ocorrem em estado aberto-ativo,
fechado-inativo e fechado-repouso, durante várias Tratado da Dor – Sociedade Brasileira para Estudo da
fases dos potenciais de ação. No estado de repouso Dor.
neural, os canais de Na+ são distribuídos em equilíbrio
entre fechado-repouso e fechado-inativo. Onofre Alves Neto et al. Dor: Princípios e Prática.

As moléculas dos ALs estabilizam os canais de Na+ no http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttex


estado fechado-inativo e impedem que se t&pid=S1806-58212007000300022
modifiquem nos estados fechado-repouso e aberto- CHAMLIAN, Therezinha Rosane et al. Prevalência de
ativado como reação aos impulsos nervosos. Como os dor fantasma em amputados do Lar Escola São
canais de Na+ no estado fechado-inativo não são Francisco. Acta fisiátrica, 2012.
permeáveis, a condução do impulso nervoso não
ocorre. Assim, o bloqueio dos neurônios depende da GRILO, Inês Rua da Silva Teles. Dor no Amputado. 2012
frequência com que os impulsos são conduzidos. https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/8057/1/
O AL deve ser injetado próximo ao nervo que é alvo 5455_10965.pdf
da anestesia, pois isso possibilita que maior Aspectos emocionais presentes na vida de pacientes
quantidade de AL o alcance; a injeção intraneural é submetidos à amputação: uma revisão de literatura
dolorosa e potencialmente letal à fibra nervosa. (bvsalud.org)
As evidências atuais apoiam a concepção de que a
maior parte dos anestésicos gerais intravenosos age

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