Analise de Textos Orais (Selecionavel)
Analise de Textos Orais (Selecionavel)
Analise de Textos Orais (Selecionavel)
)
Textos de
4º, edição
Ângela C. S. Rodrigues
Beth Brait
Diana L. P. de Barros
Dino Preti
Hudinilson Urbano
leda Maria Alves
J. Gaston Hilgert
Leonor Lopes Fávero
Lygia C. D. Moraes
Paulo de T. Galembeck
ISBN 85-86087-55-6
J DB7554
7T8B586
FOSUcAçÇÕES
FFLCH DSP JOS 1999
USP UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ISBN: 85-86087-55-6
Reitor Prof.Dr. Jacques Marcovitch
Vice-Reitor Prof. Dr. Adolpho José Melfi
PROJETO DE ESTUDO DA NORMA LINGUÍSTICA
FFLCH FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS URBANA CULTA DE SÃO PAULO
Diretor Prof. Dr. Francis Henrik Aubert (PROJETO NURC/SP-NÚCLEO USP)
Vice-Diretor Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz
4. edição
Ns
SBD-FFLCH-USP
Wenmanida;
atos silas
PUBLICAÇÕES
Wumáanitas
EELEM/ATISP PUBLICAÇÕES
FELECH/ÁAUSP
mo NATO
Coordenação editorial e
Dino Preti
ramação e C.
Montagem
Charles de Oliveira / Marcelo Domingues
APRESENTAÇÃO
Dino Preti
(1) Dino Preti - À lingungem dos idosos, São Paulo, Contexto, 1991,
* Lxemplos retirados dos inquéritos NURC/SP nº 338 EF e 331 PD?
10 1
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO 1. LÍNGUA FALADA E LÍNGUA ESCRITA
Comentários que quebram a
sequência temática da
exposição; desvio temático ---- ... a demanda de moeda - -
vamos dar essa notação - - Ângela C. Souza Rodrigues
demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade
de vozes ligando as
linhas A. na - casa da sua irmã 1. Considerações introdutórias
B. sexta-feira?
A. fizeram - lá... As reflexões a serem desenvolvidas, neste capítulo, a respeito de
B. [cozinharam tá? língua falada e língua escrita, terão, como ponto de partida, algumas
Indicação de que a fala foi questões sugeridas pelo Diálogo entre Dois Informantes (D2) do Projeto
tomada ou interrompida em NURC/SP abaixo transcrito.
determinado ponto. Não no seu
início, por exemplo, [) (...) nós vimos que existem... LI dizem né? -- você vê -- dentro da profissão do vendedor
.. a coisa mais difícil é você manter realmente o
Citações literais ou leituras
indivíduo .., éh Oto horas em contato direto com os
de textos, durante a gravação “e” Pedro Lima... ah escreve na
clientes ... uma coijsa:: ... realmente difícil ... então a
ocasião... "O cinema falado
235 gente inclusive::... pede para que o indivíduo não perca
em língua estrangeira não
precisa de nenhuma tempo nesses horários certo? ... e procure almoçar ... no
baRREIra entre nós"... seu território de trabalho ... por ali mesmo em vez de ter
que se deslocar de um território de trabalho
para sua ca::sa ...
OBSERVAÇÕES: [a ;
240 LI! para a sua residência ... para voltar:: ... isso acarreta
muita perda de tempo ... mas a coisa mais difícil dentro
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP da profissão do vendedor você realmente ... é conseguir
etc.) manter oito horas naquele território de trabalho SEM
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?) sair de lá .. e MAIS uma vez eu .., eu vejo a influência
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados. 245 do clima e tudo mais ... se é um clima chuvoso tal talvez
4. Números: por extenso. até me ajude ... nesse sentido eu posso ficar ... e nem ter
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa) vontade de de sair de lá, para me deslocar para algum
6. Não se anota o cadenciamento da frase. outro local porque não dá também ... perderia muito
tempo ... dia de chuva ... conforme o:: ... o dia realmente
250 * — prejudica nesse aspecto '
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e- 12 eu:: eu lhe perguntaria aí dentro desse problema ... você
vírgula, ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer não ... possui uma ... um controle -- digamos assim -- em
tipo de pausa. cima de você você deve produzir tanto num dia ;.. ou ...
Ou existe isso ou digamosum dia de chuva está um dia
255 horrível para trabalhar um dia que você está indisposto
você poderia pegar voltar para sua casa entrar num
cinema distrair um pouco entende? ... que (que você) “
13
12
NS SN
ivocê poderia fazer isso? ) mesmo da nossa produção ... então ... o motivo pelo
Li um qual éh:: mais uma vez eu eu chamo o aspecto da da
260 essa responsabilidade ... ela nos é atribuída ... inclusive:: responsabilidade ... a gente tem que ter porque eu
dentro da profissão de vendas o que:: interessa é:: dependo daquilo
faturar ... entende? ... para eles pouco importa:: às vezes a:: L2 certo ...
L2 o tempo de de trabalho né? Li se eu não fizer direito as minhas visitas ou se eu passar
Lt como você utiliza o seu tempo de trabalho ... ele tem 5 três quatro dias interrompendo meu serviço
265 que ser ... bem utilizado para você efetuar suas vendas porque estou cansado ... evidentemente
... uma vez que você utiliza...
[
[ L2 ganhará menos
mas existe um limite em que você deva um mínimo Li vou faturar menos vou ganhar menos
Ie/ levar neste tal de faturamento? L2 lógico
[ 10 Lt e eles baseados em :: ... em estatísticas em previsões eles
L não não existe...não existe... não existe ... podem mais ou menos saber como o indivíduo
270 12 você tem uma vantagem sobre a gente entende? o dia
está se comportando ...
que você estiver chateado o dia estiver muito bonito você
pode pegar seu carro e:: dar uma deslocada L2 então eles têm um certo controle sobre você certo? ...
para o litoral e tal
L1 é um controle existe ...
! ns L2 eles têm uma ... o quanto normalmente você deveria
é mas seria difícil né?
produzir ... se trabalhasse ...
275 que você que para a subsistência você
LI ah sim
[ L2 aquele tempo
um dia chuvoso
L1 baseado evidentemente em estatísticas em:: casos
você precisa trabalhar bastante
vVO anteriores...
L2 precisa ... um dia um dia de chuva você entra num cinema
L2 certo ...
distrai um pouquinho ...
LI e tudo mais não existe aquela aquela rigiDEZ aquele
280 Li não isso realmente não existe não há problema nenhum
controle di/ diÁrio
se o indivíduo que estiver bastante chateado qualquer
coisa assim ... V ... inclusive que o:: que 0:: ... que o
próprio a própria conduta dele naquele dia não está
rendendo ... Trata-se do inquérito nº 62, diálogo entre dois jovens de 26 anos,
285 L2 não é produtiva ... ambos do sexo masculino, solteiros, filhos de pais paulistanos. O primei-
LI não é produtiva ele pode procurar uma uma outra forma ro, de agora em diante L1, é cconomista, exercendo atividades de vende-
qualquer de ... espairecer ... dor, e o segundo, L2, é estatístico. Eles conversam sobre "instituições",
não deixa de ser um privilégio né? ... nós alí dentro
ficamos ali fechados você é obrigado a cumprir ... as oito
"ensino", "profissões" e "tempo cronológico", Neste trecho, o assunto da
290 horas determinadas e ... conversa é a profissão de vendedor: L1 faz comentários sobre as vanta-
você vê que você ganha ... vens e percalços de sua profissão, ao responder às perguntas de L2 sobre
É à prática de venda; este, por sua vez, emite suas opiniões a respeito do
você ( ) fica fechado ali mas você fica ali ... você já titmo de trabalho do vendedor. Trata-se de um diálogo bastante equili-
pensou aquele TÉdio que negócio CHAto ... brado entre "iguais lingiísticos", uma conversa simétrica (Cf. cap. 9), cujo
você vê que você ganha é em é em função da sua
295 produção ... nós estamos mudando um pouco para ...
ritmo é dado pelos próprios interlocutores, que participam com esponta-
profissão ncidade do evento de fala e se mostram à vontade para, a qualquer mo-
podejá () aí... mento, informar, perguntar, avaliar, enfim, ter a palavra (HILGHERT,
você vê que vô/ nós ganhamos mesmo em em função 1990) . No trecho sob análise, 12 divide com o documentador a tarefa de
nun 15
entrevistador, pois é ele quem, de fato, faz perguntas a L1; o documeta- Instala-se a dúvida: a simples fixação dos inquéritos no plano escri-
dor, por sua vez, atua como terceiro participante do diálogo. lo seria suficiente para dar-lhes o estatuto de língua escrita? O uso de si-
Uma questão até certo ponto ingênua poderia ser feita pelo leitor nais gráficos que representam elementos fonológicos e prosódicos seria
leigo, não familiarizado com questões de língua: o texto sob análise cons- suficiente para transformar um texto orali/falado em texto escrito? Em
titui cxemplo de língua falada ou de língua escrita? vaso negativo, que outros traços distinguiriam o oral/falado (Cf. cap. 4)
Pelo menos, alguns sinais gráficos que o falante alfabetizado utiliza lo escrito? Enfim, quais seriam as diferenças entre língua falada e língua
quando cscreve ali estão facilmente identificáveis. É o caso de letras escrita?
maiúsculas c minúsculas cm: Buscar-se-á responder a algumas dessas questões no decorrer do
presente trabalho.
(DD manter oito horas naquele território SEM sair de lá... e mais
uma vez eu... eu vejo a influência
(linhas 243-4) 2. Língua falada
ou dos diacríticos como os acentos agudos em território, difícil, horário. Como vimos, no trecho em estudo, os interlocutores dialogam so-
mínimo e circunflexo, em você, vê, influência, e o til para indicar nasali- bre a profissão de vendedor. Eles já sabiam, no início da gravação, que
7ação em não, profissão, produção, além dos sinais de pontuação como o um dos assuntos em torno dos quais giraria a conversa seria "profissões";
ponto de interrogação e as reticências. Além disso, separam-se por um apesar disso, tal assunto passou a ser tema do diálogo somente no mo-
espaço em branco os vocábulos formais, 1sto é, as unidades lingúísticas de inento em que L1 o introduziu, como parte das considerações que vi-
natureza semântica. nham fazendo, desde o início do inquérito, a respeito do clima de São
Por outro lado, outros sinais gráficos que não os convencionais da I'aulo, Esse trecho da conversa não se desencadeou sob o estímulo de
língua escrita também são utilizados no texto (CASTILHO e PRETI, uma pergunta do documentador, o que comumente se verifica nos Diálo-
1986: [ indica simultaneidade de vozes, -- -- indicam desvio temático, :: pos entre Dois Informantes (D2) principalmente quando se iniciam; a
significam prolongamento de vogal e consoante, / indica truncamento de troca de idélas sobre a profissão de L1 resultou da associação que cle fez
palavra, ( ) correspondem à hipótese sobre o que se ouviu. Mais que isso, entre às condições climáticas de São Paulo e a possibilidade, ou necessi-
os próprios sinais da língua escrita utilizados no texto não têm o mesmo ade, de permanecer no escritório em dias chuvosos. Confira:
valor com que convencionalmente o alfabetizado os emprega: as reticên-
cias indicam qualquer pausa, que, aliás, cle normalmente representa na e) muita perda de tempo ... mas a coisa mais difícil dentro
escrita por vírgula, ponto e vírgula ou ponto final; as letras maiúsculas, da profissão do vendedor você realmente ... é conseguir
por sua vez, não indicam o início da frase, mas entoação enfática, manter oito horas naquele território de trabalho SEM
sair de lá .. e MAIS uma vez cu ... cu vejo à influência
Nosso leitor, porém, sabe que os textos que constituem objeto de
ih) do clima c tudo mais ... se é um clima chuvoso tal talvez
análise dos estudos do presente volume, fazem parte do corpus de língua
falada do Projeto NURC/SP; uma pequena amostra deste material foi (linhas 241-45)
publicada com o objetivo de facilitar o acesso de estudiosos a parte desse
arquivo sonoro, fixado graficamente no plano escrito. O que foi realizado L1 está consciente de não fugir do assunto, digamos, principal, ao
inicialmente no plano da oralidade, "materializou-se" aos olhos do leitor cnlatizar "., e MAIS uma vez eu... eu vejo a influência do clima", ênfase
sob o aspecto gráfico, que evoca a fala. Ou seja, alguns inquéritos do representada graficamente pelas letras maiúsculas. É L2 que "muda a
NURC/SP foram fixados em dois momentos diferentes, c de duas maneci- lirvção da conversa" ao optar pelo abandono do assunto "clima" e manter
ras diversas: inicialmente foram gravados em fitas, que podem ser ouvi- o tópico "profissões", o que ele faz ao perguntar sobre o possível controle
das na sede do Projeto em São Paulo (USP) e Campinas (UNICAMP); ue se exerceria sobre a produtividade dos vendedores. Mas, não deixa
em segundo lugar, foram transcritos. le retomar o assunto, como se observa na sua fala da linha 270 a 278. Os
16 17
dois interlocutores mostram-se inteiramente envolvidos, não só pelo Os interlocutores mostram-se não só perfeitamente conscientes de
assunto do diálogo, mas também pela própria interação, na medida em ue o diálogo está sendo gravado, mas também se preocupam, pelo me-
que trocam idéias sobre o tema com desenvoltura. nos no início do inquérito, com a presença do gravador. À conversa só
A análise deste trecho do inquérito nos sugere algumas reflexões vai tornar-se mais descontraída quando cles se esquecem do aparelho.
sobre as características da língua falada. Neste mesmo trecho há referência a vozes distantes, outro dado de situa-
çao.
|
A conversação é um evento de fala especial: corresponde a uma «los na expressão facial, nos gestos, nos olhares, nos movimentos do cor-
interação verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em que po dos interlocutores, isto é, nos dados paralingúísticos (MARCUSCHI,
dois ou mais interlocutores voltam sua atenção para uma tarefa comum, [986), que, combinados com os dados verbalizados, completam o quadro
que é a de trocar idéias sobre determinado assunto. Conversação natural, «la interação. Todos esses clementos nos dão conta da atmosfera em que
que ocorre espontaneamente no dia-a-dia, dá-se face a face, presentes os s.e desenrola a conversa, Na ausência deles, os dados de língua são pistas
dois falantes, ao mesmo tempo, num mesmo espaço. É o caso da lundamentais para a montagem do contexto situacional da conversação,
conversa que estamos analisando. De fato, apenas a identidade temporal além dos dados relativos aos informantes, como idade, sexo, procedên-
é necessária, e não a identidade espacial, ou seja, a interação face a face via, nível de escolaridade.
não é condição necessária para que haja uma conversação, razão pela
qual as conversas telefônicas também constitaem exemplos de
conversação. No caso dos diálogos do NURC/SP, muito pouca ou quase
nenhuma informação possui o analista a respeito da situação específica 2.2. Planejamento e não-planejamento
em que foi feita cada uma das gravações. Sabe-se que, em geral, ficava à
cargo dos informantes à escolha do local c da hora mais adequados para Vimos que, no inquérito em estudo, os interlocutores sabiam que
a conversa com o documentador. Uma ou outra referência a dados do um dos assuntos da conversa seria "profissões", mas o texto não nos suge-
contexto situacional é feita no decorrer da própria gravação, o que se 1 que eles deveriam seguir um determinado plano de exposição, mesmo
ilustra na passagem, abaixo transcrita, do D2 343 (CASTILHO e PRETI, porque eles se mostram à vontade para, espontancamente, mudar de as-
1987). “umto, ou retomar o lema inicial da conversa, Tal consideração remete à
questão do planejamento discursivo.
(3) Li - - VOCê viu se está gravando aí? - -
Em geral a conversação, como a que estamos analisando, inicia-se
Doc. está está eu já deixo no automático...
Li - - ah o automático não indica veiô/... - - com o tópico que motivou a interação, ou encontro, isto é, ela sc estabe-
Doc. não... ((vozes distantes)) lece ec se mantém na medida em que exista algo sobre o que conversar
(linhas 8- 11) (MARCUSCHI, 1986), e disponibilidade dos interlocutores para o diálo-
18 19
go. O tópico, entendido como aquilo a respeito do que se fala, é, e deve (6) 12 certo certo... e você pretende continuar com isso?
20 21
Em síntese, na língua falada as frases se apresentam mais indepen- que aceita a colaboração de seu interlocutor e à incorpora à sua fala, re-
dentes umas com relação às outras, c sua identificação e classificação prtindo-a,
funcional muitas vezes constitui problema de difícil solução. Ocorrências desse tipo exemplificam uma das facetas do fenômeno
Obscrva-sce, portanto, que as características formais do texto falado lo envolvimento (CHAFE, 1985), característico da língua falada. Trata-
aqui referidas estão relacionadas com o processo de planejamento da lín- se do envolvimento dos interlocutores com o assunto da conversa, o que
gua falada. vaplica o próprio processo de elaboração do texto conversacional, que, já
dissemos, é 6 resultado de um trabalho cooperativo, ou "a duas vozes".
tomo os falantes se encontram em situação de interação face a face com
2.3. Envolvimento e distanciamento seus interlocutores, podemos falar em mais dois outros tipos de envolvi-
mento, ainda na esteira de CHAFE (1985): o do falante consigo mesmo
Já nos referimos ao envolvimento dos interlocutores do inquérito ou cro-envolvimento, e o do falante com o ouvinte, relacionado com a di-
sob análise com o assunto da conversa, ao compromentimento tácito de nimica da interação com outra pessoa. :
cada um deles com o tópico conversacional. Eles mostram terem aceita- No texto sob análise, são diversas as marcas de envolvimento dos
do o assunto sugerido pelo documentador, ou estarem perfeitamente de interlocutores. Considerem-se os exemplos abaixo:
acordo com o tema, e a conversa que se desenrola sugere alguns procedi-
mentos que confirmam a contínua sintonia dos interlocutores com o con- UM TA sair de lá .. e MAIS uma vez eu ... eu vejo a influência do clima e
tceúdo do diálogo. Considerem-se os trechos abaixo transcritos: tudo mais ... se é um clima chuvoso tal talvez até me ajude ... nesse
sentido eu posso ficar ... e nem ter vontade de de sair de lá para me
deslocar para algum :
(9) LI (...) que se deslocar de um território de trabalho
para sua ca::sa ,.. (linhas 244-247)
!
LI para a sua residência ... para voltar::... isso acarreta NE) LI não ... pode perfeitamente eu acho que:: essa:: essa!! ... essa
(linhas 238-40) responsabilidade ... ela nos é atribuída ... inclusive::
(linhas 259-260)
(10) | que o próprio a própria conduta dele naquele dia não está rendendo...
12 não é produtiva ... (Ce Il dizem né? -- você vê -- dentro da profissão do vendedor
[5 não é produtiva cle pode procurar uma uma outra ... à coisa mais difícil é você manter realmente o
forma indivíduo ... éh Olto horas em contato direto com os
(linhas 283-286) clientes ... uma coisa:: ... realmente difícil ... então a
gente inclusive::... pede para que o indivíduo não perca
(1) LI porque estou cansado ... evidentemente
! (linhas 231-235)
L2 ganhará menos
LI vou faturar menos vou ganhar menos Em (12), temos um caso de ego-envolvimento explicitado pelos
pronomes da 1º pessoa do singular eu e me: L1, o vendedor, refere-se a
(linhas 306-308) 11 mesmo c às suas opiniões sobre a própria atividade. Em (13) e (14), ele
se apresenta como parte do grupo de vendedores, donde sua preferência
É evidente que cada um dos falantes está "seguindo o pensamento" por nos, pronome da 1º pessoa do plural, e a gente, substituto de nós. Os
de seu interlocutor. Em (9) e (11), L2 praticamente completa a fala de (168 casos constituem exemplos de envolvimento do locutor consigo mes-
L1, sobrepondo sua voz à de L1. No segmento (10), a expressão "não está mao,
rendendo" de L1 é substituída pelo sinônimo "não é produtiva" de L?2, Consideremos outras ocorrências:
22 23
(15) 12 eu:: eu lhe perguntaria aí dentro desse problema ... você Estas constatações confirmam ser o envolvimento uma caraclerísti-
não ... possui uma ... um controle -- digamos assim -- em
ca da língua falada.
cima de você você deve produzir tanto num dia ... ou ...
Ou existe isso ou digamos um dia de chuva está um dia
horrível para trabalhar um dia que você está indisposto
3. Língua escrita
você poderia pegar voltar para sua casa entrar num
cinema distrair um pouco entende? ... que (que você)
As questões discutidas a respeito da língua falada serão agora reto-
você poderia fazer isso?
macdas tendo em vista as características da língua escrita. O ponto de par-
tida para tais reflexões será o texto de Carlos Drummond de Andrade
(linhas 251-258) que segue.
(16) LL dizem né? -- você vê -- dentro da profissão do vendedor
(linha 231)
A FALSA ETERNIDADE
(07) L2 o tempo de trabalho né?
O VERBO PRORROGAR entrou em pleno vigor, e não só se
prorrogaram os mandatos como o vencimento das dívidas e dos compro-
Os exemplos acima nos remetem à questão do envolvimento do ou- missos de toda sorte. Tudo passou a existir além do tempo estabelecido.
vinte com o seu interlocutor. Tal envolvimento se torna nítido, em pri- Em consceqiiência, não havia mais tempo.
meiro lugar, no uso de pronomes pessoais de 2º pessoa lhe e você em Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários, Foi
(15). Em (16), à expressão você vê, e não exclusivamente o pronome você, eliminado o ensino de História. Para que História? Sc tudo era a mesma
denota o envolvimento do falante com o ouvinte: ele sugere a seu interlo- coisa sem perspectiva de mudança.
cutor que acompanhe seu raciocínio a respeito da profissão de vendas. A duração normal da vida também foi prorrogada c, porque a mor-
Mais que isso, em (17), pelo uso do marcador né, L2 pede a Li que con- te deixasse de existir, proclamou-se que tudo entrava no regime de cter-
firme se interpretou corretamente a fala. nidade, Aí começou a chover, e a cternidade se mostrou encharcada c
Por outro lado, perguntas e respostas também constituem marcas lúgubre. E o seria para sempre, mas não foi. Um mecânico que se em en-
de envolvimento dos falantes, ou, mais que isso, constituem mecanismos tediava em demasia com a eternidade aquática, inventou um dispositivo
típicos de construção do texto conversacional. Em (15), L2 não questiona para não se molhar. Causou a maior admiração c começou a receber inú-
diretamente L1 dizendo "eu lhe pergunto" alguma coisa; atenua o possí- meras encomendas. A chuva foi neutralizada c, por falta de objetivo, ces-
sou. Todas as outras formas de duração infinita foram cessando
vel impacto do pedido de informação, sugerindo, inclusive, a possibilida-
igualmente.
de de o ouvinte não lhe responder a questão formulada, pelo uso da
Certa manhã, tornou-se irrefutável que a vida voltara ao signo do
forma verbal de futuro do pretérito perguntaria, c mais ainda, pelo verbo provisório e do contingente. Eram: obscrvados outra vez prazos, limites.
poder na sua forma poderia. O uso desses procedimentos atenuadores Tudo refloresceu. O filósofo concluiu que não se deve plagiar a eternida-
não deixam de ser marcas do envolvimento do falante com seu ouvinte. de.
No decorrer do diálogo, os falantes estão sempre mostrando que (ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio, José
compreendem a fala de seu interlocutor, assinalando que cle pode conti- Olympio Editora, 1985.)
nuar falando como até então vinha fazendo porque o ouvinte se sente em
sintonia com o que está ouvindo. São sinais de entendimento expressões
como: certo (linhas 303 e 321); lógico. (linha 309); ah sim (linha 317), co- O autor nos fala de um fato que teria acontecido em algum momen-
nhecidos como marcadores conversacionais (Cf. Cap. 4) . to, num plausível mundo dos humanos, quando deixou de existir o tempo
e, conseqiientemente, a perspectiva de mudança. Tudo se tornou eterno,
24 25
. inclusive a chuva. Mas alguém descobriu um dispositivo para seu proble- tor. Aliás, o escritor nem mesmo sabe quem, eventualmente, lerá seu tex-
ma imediato de não sc molhar e foi admirado por isso. Gradativamente, to escrito, nem se pode afirmar que ele se preocupa com tal problema;
tudo foi deixando de ser eterno, como acontecera à chuva, e o provisório ele constrói sozinho o seu texto. O isolamento do escritor com relação ao
da existência voltou a se instalar. E a vida voltou a ser o que sempre fora: leitor faz com que este leitor só possa dispor de informações passadas no
passageira, provisória, contingente. e pelo texto, já que não dispõe de dados do contexto situacional. A língua
Como alguém que tivesse assistido à distância ao desenrolar dos escrita tem de compensar a ausência da situação fornecendo, lingiistica-
acontecimentos, o autor narra a história do mecânico que conseguiu mu- - mente, informação a ela equivalente, ou, em tese, precisa haver a recupe-
dar o rumo da História, para qualquer leitor que, eventualmente, venha a ração lingiística do componente situacional (HALLIDAY, 1974).
ler seu conto; independentememte de ser lido ou não, o conto existe para Além disso, escritor e leitor não alternam seus papéis no decorrer
ele, o autor, mesmo que não se instale uma ponte entre o autor e o even- da elaboração do texto escrito, sempre a cargo de um único sujeito, seu
tual leitor, via processo de leitura. Ou seja, a mensagem do autor não é autor, Ele se mostra sempre preocupado em produzir algo convincente
transmitida de imediato ao leitor c, por isso, o escritor não recebe um re- para diferentes leitores, em diferentes momentos, em diferentes lugares
torno imediato para o que escreveu, resposta que será construída no ato (CHAFE, 1985).
da leitura pelo receptor da mensagem. Além disso, emissor e receptor No texto literário de Drummond, muito de sua beleza resulta das
não se constituem em protagonistas dos acontecimentos narrados e, mui- sugestões a respeito do mundo fictício, em que alguém pretendeu plagiar
to menos, co-autores do texto, pois apenas o escritor o cria, não deixando a eternidade, um mundo sem nome, atemporal, em que, de repente,
sinais do processo de elaboração. Drummond nos apresenta um texto "tudo passou a existir além do tempo estabelecido". Tudo se faz plausível
acabado, sem marcas de produção, um texto coeso, dotado de seqitencia- no contexto criado pelo artista. No texto escrito, principalmente no lite-
ção temporal, na medida em que os fatos narrados se sucedem cronologi- rário, a totalidade da situação é fornecida pelo próprio contexto da obra.
camente. O fato de escritor e leitor não estabelecerem uma interação face a
Ninguém titubearia em rotular de língua escrita a que foi utilizada face leva o escritor a não se preocupar por prender a atenção do leitor
pelo artista em seu conto. Além de terem sido usados os sinais gráficos no momento em que escreve: o escritor tem mais tempo para pensar so-
convencionais da cscrita, como letras e diacríticos, e de o texto se apre- bre o que escreve e como escreve, do mesmo modo que o leitor vai dis-
sentar distribuído em parágrafos, a leitura do texto escrito faz emergir por de mais tempo para entender o escrito, O escritor, livre das pressões
uma oralidade que não é aquela típica da língua falada, mas confecciona- do tempo, tem condições de se abastecer de muitas informações sobre o
da a partir do escrito, caracterizada por um jogo entonacional e de pau- assunto que pretende desenvolver, assim como para se dedicar a uma or-
sas, de uma musicalidade toda própria, característicos da língua escrita. ganização mais cuidadosa dos procedimentos lingiísticos que vai adotar
Estes traços prosódicos são indicados pelos sinais de pontuação conven- no seu texto escrito. Desse processo de elaboração resulta a língua escri-
cionais, com funções definidas nos compêndios de gramática normativa. ta com suas especificidades.
Conseqientemente, o texto sob análise não constitui transcrição de um
texto falado, mas "nasceu" escrito, segundo intenção do seu autor,
3.2. Planejamento e não planejamento
26 27
este o tema desenvolvido pelo artista na narrativa que elaborou. Pode- maior) admiração (linha 11); (receber inúmeras) encomendas. À nomi-
mos falar, então, num planejamento temático como característica do es- nalização permite que uma noção, que é verbal na origem, seja inserida
crito: qualquer um que se proponha a escrever, em princípio, sabe o numa unidade de idéia como se fosse um nome.
tema que pretende desenvolver, escolha unilateral que não leva em conta
interesses e predileções do eventual leitor. A par do planejamento temá- 2. Frases coordenadas — A possibilidade de se apresentarem coor-
tico, ocorre o plancjamento linguístico, ou seja, a formulação verbal é denados entre si sintagmas verbais, de um lado, e sintagmas nominais de
também planejada (URBANO, 1990). Assim, além de ser planejada, a outro, constitui outro artifício pelo qual maior quantidade de informação
língua escrita é também planejável (AKINNASO, 1982), pois pressupõe pode ser concentrada numa unidade de idéia. Sejam os exemplos abaixo:
articulação tanto de idéias como de dados lingúísticos estabelecidos an-
tes (ou durante?) do ato de escrever. (18) e não só se prorrogaram os mandatos como o vencimento das dívidas e dos
Em termos de OCHS (1979), o texto sob análise aponta para um compromissos de toda sorte . (linhas 1-2)
discurso escrito planejado, planejamento que se torna evidente na estru- (19) —Entãosuprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários. (linha 4)
tura narrativa, Trata-se de um texto coeso, dotado de seqúenciação tem- (21) eacternidadese mostrou encharcada e lúgubre. (linha 9)
poral, termo usado no sentido: estrito de tempo do "mundo real" (21) Achuvafoineutralizada e, por falta de objetivo, cessou. (linha 12)
(FÁVERO, 1991). Algumas expressões assinalam a ordenação das sc- (22) avidavoltara ao signo do provisório e do contingente. (linhas 14-15)
qúências temporais , como: então (linha 4), aí (linha 9), certa manhã (li-
nha 14). Se o autor optasse pelo desdobramento dos sintagmas coordenados
Diante do texto acabado de Brummond, nada podemos dizer a res- em orações, o resultado seria, por exemplo, na frase (19), um período as-
peito de possíveis revisões e formulações que tenha feito no decorrer de sim organizado: "Então suprimiram-se os relógios, suprimiram-se as
sua elaboração. Esta é outra característica da escrita: não fornecer pistas, agendas, suprimiram-se os calendários", período pesado, saturado pela
marcas aparentes a respeito do processo de criação. Geralmente ela es- repetição do verbo suprimir, Neste caso, a coordenação constitui um ar-
conde tais processos do leitor e mostra apenas o produto acabado tifício que torna mais complexa uma unidade de idéia.
(CHAFE, 1985).
Como vimos, em 2.2, CHAFE (1985) propõe a noção de unidade (23) proclamou-se que tudo estava no regime de eternidade (linha 8)
(24) — tornou-se irrefutável que a vida voltara ao signo do provisório e do contingente.
de idéia como ponto de partida para caracterização da língua falada e da
(linhas 15-16)
língua escrita. Uma unidade de idéia expressa a totalidade de informação (25) —Ofilósofocanciuiu que não se deve plagiar a eternidade. (linhas 16-17)
a que uma pessoa pode prestar atenção e que pode verbalizar conforta-
velmente. No texto escrito, tais unidades se evidenciam com clareza no
uso de sinais de pontuação para indicação de seus limites ou para sugerir 3. Frases ou orações dependentes — Estes artifícios detectados no
um jogo centonacional típico. A leitura do texto em voz alta faz emergir conto de Drummond levam a confirmar as idéias de CHAFE (1985), se-
tais unidades de idéia. Na língua escrita, as unidades de idéia tendem a gundo o qual o maior tempo de que dispõe o escritor para escrever lhe
ser mais longas e mais complexas do que na língua falada. O escritor tem dá condições para claborar frases mais densas em termos de significado e
mais tempo e artifícios para aumentar o tamanho e a complexidade de mais complexas do ponto de vista sintático, resultando a integração de
uma unidade de idéia. O conto de Drummond apresenta alguns desses unidades de idéias em construções mais complexas.
artifícios sugeridos por CHAFE (1982):
1, Nominalizações — Nominalização é o processo pelo qual verbos e
adjetivos se transformam em nomes que podem ser sujeito ou objeto de 3.3. Envolvimento e distanciamento
outros verbos ou objetos de preposições. É o caso de: o vencimento (das
dívidas) (linha 02); o ensino (de História) (linha 05); (perspectiva de) Como vimos, escritor c leitor não ocupam, ao mesmo tempo, o
mudança (linha 05, 06); a duração (normal da vida) (linha 07); (causou a mesmo espaço no momento em que desempenham sua tarefas respecti-
28 29
vas de elaborar e descodificar a mensagem escrita. Por isso, o escritor se Evidentemente, elas não se diferenciam apenas quanto à substân-
mostra menos preocupado consigo mesmo, ou com qualquer interação cia, ou à matéria prima da língua, substância fônica percebida pela audi-
direta com seu eventual leitor. De fato, ele se preocupa com o processo ção, a da língua falada, substância gráfica ou visual da língua escrita.
de elaboração de um texto consistente e defensável segundo padrões que Afinal, a língua escrita não constitui pura transcrição da falada. Ao mes-
ele mesmo estabelece. Nesse caso, é possível falarmos num distanciamen- mo tempo, não basta que a língua seja realizada oralmente, constituindo
to do escritor correspondente a um distanciamento da língua escrita produto perceptível pela audição, para ser considerada falada. A oralida-
(CHAFE, 1985). O escritor usa alguns artifícios lingúísticos para obten- de é uma característica essencial da língua falada, mas não suficiente, o
ção desse efeito de distanciamento, dos quais Drummond também faz que faz com que notícias transmitidas por rádio e televisão, por exemplo,
uso. se caracterizem pela oralidade, mas não pelo caráter falado (HILGERT,
O primeiro é o emprego de nomes abstratos: o vencimento, o ensi- 1991). São, de fato, textos escritos realizados oralmente.
no, a mudança, a duração, a eternidade. Assim, as diferenças entre língua falada e língua escrita são de ou-
Outro é o uso da voz passiva, de que Drummond faz uso de manei- tra natureza, como se sugeriu no decorrer do trabalho; elas resultam de
ra expressiva. Considerem-se os exemplos abaixo: diferenças entre os processos de falar e de escrever, ou entre condições
de produção do texto falado e do escrito,
(26) —enãosóse prorrogaram os mandatos (linha 1) Num primeiro momento, chamamos a atenção do Icitor para os di-
(27) Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários. ferentes contextos de realização da fala e da escrita. A língua falada
(linha 4)
constitui uma atividade num contexto específico, resultado da tarefa coo-
(28) — Foieliminadoo ensino de História. (linhas 4-5)
(29) —Aduração normal da vida também foi prorrogada. (linha 29)
perativa de dois interlocutores num mesmo momento e num mesmo es-
(30) — Proclamou-se que tudo entrava no regime de eternidade, (linha 30) paço. Em outros termos, é a dialogicidade instaurada pela situação face a
(31) A chuva foi neutralizada. (linha 12) face (HILGERT, 1991) que caracteriza a língua falada.
(32) — Eram observados outra vez prazos, limites. (linha 15) Ao contrário, o ato de escrever constitui algo solitário: o escritor
não interage com seu leitor, ele elabora seu texto sozinho, sem a colabo-
Os dois tipos de construções passivas em português são utilizadas ração do eventual leitor, e as tarefas de planejar e elaborar o texto são de
por Drummond, quer com auxiliar ser, quer com pronome apassivador sua inteira responsabilidade.
se. Em nenhum dos casos ele explicita o agente da passiva, o que poderia Num segundo momento, mostramos que duas outras característi-
ser feito nas frases com verbo ser, ainda que tal procedimento seja raro e cas da língua falada em oposição à língua escrita resultam da diferença
artificial, muito do gosto do estilo técnico-científico, Assim, além de con- básica entre as condições de produção de uma e outra: tendência para o
seguir um efeito de distanciamento do que acontece no seu mundo plau- não planejamento e envolvimento da língua falada e planejamento e dis-
sível, torna claro que nesse contexto de passividade total, o único a agir, tanciamento (ou não envolvimento) da língua escrita. O texto falado
OU à reagir, é o mecânico, que muda a direção da História. apresenta marcas lingúísticas evidentes de seu planejamento passo a pas-
so, enquanto texto construído pelos locutores envolvidos na conversação,
de que resultam frases mais [ragmentadas do ponto de vista sintático.
4. Conclusões O texto escrito não deixa marcas do processo de planejamento: ele
se apresenta como um todo coeso, acabado, com frases mais densas e
A análise dos dois textos, um de língua falada, outro de língua cs- sintaticamente mais complexas.
crita, dá-nos oportunidade de apresentar, mais sistematicamente, algu- Por outro lado, o envolvimento constitui característica da língua fa-
mas diferenças entre as duas faces da língua, ou as suas duas lada, entendido não só como envolvimento dos interlocutores com o as-
manifestações, a falada e a escrita. sunto da conversa, mas também entre eles mesmos. O texto falado sob
30 31
análise apresentou dados lingiísticos que confirmaram tal envolvimento,
Ao contrário, o distanciamento confirmou-se no plano da língua escrita.
2. O TÓPICO DISCURSIVO
Em síntese, ainda que, tanto na produção falada como na escrita, o
sistema lingúístico seja o mesmo, as regras de sua efetivação bem como
os meios empregados são diversos e específicos, o que acaba por eviden- Leonor Lopes Fávero (*)
ciar produtos diferenciados (RATH, 1979, apud MARCUSCHI, 1986).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Os textos sob análise foram extraídos do inquérito nº 360, do tipo D2
(diálogo entre dois informantes), perlencente ao arquivo do Projeto
AKINNASO, F, N. Sobre as diferenças entre a linguagem escrita e a fala-
NURC/SP e publicado em A Linguagem Falada Culta na Cidade de São
da. On the differences between spoken and written language. In: Paulo de A. T. de Castilho e D. Preti, vol. II, São Paulo, T. A. Queiroz —
Language and Speech, 25, 1982, 97-125. FAPESP, 1987,
CASTILHO, A. T. c PRETI, D. (org.) A linguagem falada culta na cida-
de de São Paulo, São Paulo, T. À. Queiroz, 1986, v. 1: Elocuções
Formais. TEXTO 1 (D2 360 - linhas 1-99)
- A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. São Paulo,
T, A. Queiroz, 1986, v. II: Diálogos entre Dois Informantes. 1 Li ..(uma)de no::ve... e a outra de seis...
Doc. — a senhora... procurou dar espaço de tempo entre um e
CHAFE, W. L. Integration and Involvement in Speaking, Writing, and
OUtro...
Oral Literature. In: TANNEN, D. (ed.) Oral and written discourse. L2 aconteceram ou foram
Norwood, N, 1, 1982. [
CHAFE, W. L. Linguistic differences produced by differences between 5s Doc. aconte/...
L2 programados
speaking and writing. In: D, R. Olson; N. Torrance; A. Hildyard
Doc. — (isso)... faz favor ()
(eds.). Literacy, Language, and Learning. The Nature and Conse- [
quences of Reading and Writing. Cambridge, Cambridge, Universi- Li ap/ap/é..a programação...
ty Press, 1985, p. 105-123, havia sido planejada... mas não deu certo...((t1isos))
10 L2 tilhos da pílula não?((risos))
FÁVERO, Lceonar Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo, Ática,
LI não... ((risos))
1991.
L2 nem da tabela?((risos))
HALLIDAY, M. A. K.; McINTOSH, A; STREVENS, P. As ciências LI não justamente porque a tabela não:: não deu certo é
lingiísticas e o ensino de línguas. Petrópolis, Vozes, 1974. que::((risos)) vieram 40 acaso
MARCUSCHI, L. A. Análise da Conversação. São Paulo, Ática, 1986. 15 12 ahn abo
LI e:: nós havíamos programado NOve ou dez filhos...
OCHS, E. Planned and unplanned discourse. Tn: GIVÓN, T. (ed.) Dis-
não é?
course and syntax. New York, Academic, 1979,
|
URBANO, H. Do oral para o escrito. Anais do XXXVII Seminário do L2 (nossa que chique)
GEL. Bauru, 1990, p. 633-41. l
Li então...
(*)Este capítulo contou com a colaboração da professora Maria Lúcia da Cunha Victório de
Oliveira Andrade
32 33
E
20 a sua família é grande? pertence...
nós somos:: seis filhos ah
e a do marido? a Deus e não... a nós
| [
e a do marido... eram doze agora são onze... 1 (realmente deve ser uma delícia ter
ahn aho uma família gran/ bem grande com bastante gente... eu
[ sou filha única... ah tenho um irmão de treze anos... mas
25 quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/ gostaria deMAIS de ter tido... mais irmãos... porque
acho que::... dado esse fator nos acostumamos a:: muita quando::... com meu irmão eu já:: já tinha curso
gente universitário
já já tinha saído da faculdade quer dizer
ahn aho então não tem quase que vantagem nenhuma não é?.. EU
e: 70 queria então uma família grande tínhamos pensa::do...
30 e daí o entusiasmo para NOve filhos... numa família maior mas depois do segundo... já deve
exatamente nove ou dez,.. estar todo mundo tão desesperado que nós((risos))
É estamos pensando...
O |
é e:: mas... depois diante das dificuldades de conseguir O
quem me ajudasse... nó::s paramos no sexto filho... 75 12 é (pensamos)seriamente em parar... depois disso ainda
35 ahno aho tiftive problemas de... saúde problemas de tiróide não sei
não é?... e ..estamos muito contentes e... quê:: então o médico está aconsclhando a não ter mais...
e dão muito trabalho tem esses esses problemas de então nós estamos pensando... estamos pensando não
juventude esses negócios( ) ofic/oficialmente não está encerrado... mas de fato está
(não está muito na idade né?) 80 porque::... o endocrinologista proibiu terminantemente
[ que eu tenha mais filhos...
40 Li não por enquanto não porque... estão entrando na as
mais velhas estão entrando agora na adolescência e...
Í
O
| inclusive...se eu tiver...cle disse que vai ser necessário.. um aborto...
O
mas são muito acomodadas... ainda não começaram então estamos naquele negócio eh... como
assim... aquela fase... chamada de... mais 85 fazer::... se faço operação:: so o marido fa::z mas ele
45 difícil de crítica acha que::... de jeito nenhum::((risos))
| precisa convencê-lo não é?
(chamada mais difícil)
|
né?
é precisa realmente estar convencido disso
ahn aho
e cle é uma coisa que não vai ser fácil convencer então
ainda não... felizmente(ainda não)começaram ;
9 desistimos... eu pelo menos desisti não se toca mais no
5o O !
agora... eu acho que::... eu... espero não:: ter problema Í assunto... mas realmente então está encerrado mas
com elas porque... nós mantemos assim um diálogo bem gostaríamos demais de mais filhos...embora eu fique
aberto sabe? quase biruta...((risos))porque é MUlIto a gente vive de
uhn ubn motorista o dia in TEIRO mas o dia inTVEIro... uma
55 com as crianças... então...esperamos que não :: haja corrida BÁRDara e leva na escola ( )e vai buscar... os
95
maiores problemas
dois estão na escola de manhã -- porque eu trabalho de
12 ahn ahn
manhã --... então eu os levo para à escola... e vou
11 com o avançar dos anos... enfim... o futuro
trabalhar... depois saío na hora de buscá-los... aí depois
|
tem natação segunda quarta e sexta... os dois... das duas
O
34 35
TEXTO 2 (D2 360 - linhas 1511-1600) «pelo menos naquela altura... e então:: eu acho
que fui incutida por ele... e: e e não e não fiz o resto
Doc. — equando vocês quiscram,.. escolher uma carreira. por minha causa... aí... foi...
que as levou escolher a carreira? 1550 1] foram circunstâncias que não favoreceram...
L2 1 minha eu acho... eu não tenho certeza para julgar 12 foi circunstâncias que não favoreceram que eu não:
mas eu acho que fui incutida... meu pai... foi o ur não consegui no Itamarati... () não não consegui não...
1515 era militar:: mas a voc ção dele era ter sido... advogado nem cheguei a tentar... acrescido do fato que que aí depois
então ele vivia dizendo isso... e eu tenho à impressão eu soube que para mulher cera muito difícil que eles quase não
não posso dizer porque é difícil... para a gente dizer 1555 adimitiam cra dificilimo et cetera et eetera... ce affaltou
porque ue jeito nenhum ele falou "você vai fazer isso"... ânimo para tentar para valer... eu acho que aí se eu tivesse
NUNCA... Mas eu acho que ele falava tanto tanto tanto tentado teria conseguido mas realmente faltou ânimo
1520 € eu o admirava muito... eu tenho a impressão que foi... faltou interesse... ((risos)) os interesses começant... d set:
por causa disto embora minha meta fosse Hamarati [
eu Sempre... LL) O
Doc. — Diplomacia 1560 12 diversificar também né” e a gente acaba desistindo
L2 pensei em fazer Diplomacia sempre sempre sempre... € a gente acaba desistindo... e você por que que você fez?
1525 Mast:... depois... por uma série de circunstâncias porque... eu fiz 6 curso normal... porque eu havia perdido
... não foi possível... mas:: então a a minha meta teria Oo meu pai fazia:: ah no no primeiro colegial... e:: eu
sido diplomacia... mas eu acho que Direito precisava... ter uma ah optar por uma carreira pro/--
particularmente foi incutido por ele... principalmente foi 1565 meu retógio está atapalhando à nossa--... por uma
porque ele dizia que depois eu teria condições eu não... carreira profissionalizante... cu achei que as coisas dali
1530 quer dizer a pessoa teria cle sempre:: para frente seriam mais difíceis cu comecei o colegial...
Li (você) () pensando...em Medicina..e pensando em contar com o
meu pai... para... o custeio do estudo mas desde o
Í
L2 era sempre impessoal... 0 negócio né? 1570 momento em que eu... o perdi eus: preferi uma carreira
profissionalizante... um colegial profissionalizante para
LI uhn que eu tivesse chance de já trabalhar assim... que formar
12 à pessoa teria condições... porque naquele altura... não é? ex: daí me empolguei pelo magistério lecionei
1535 à escolha era sempre... ah Direito Engenharia Medicina...
Ti exatamente 1575 E pela Pedagogia que era um curso assim que dá uma
cultura... geral BOa não ah o nosso curso foi...
12 só era uma das três não existia:: toda essa gama bem dado e tudo mais e cu gostei... e não fiz outr
que existe agora... não é? Outras especializações dentro outras especializações não...
LI tanta abertura Outra::: não segui outras carreiras ahi... que o curso
de Pedagogia daria possibilidade como o caso da
1540 12 (era uma) Orientação Educacional... que:: no quarto ano eu poderia
L! né? ter feito... c a Psicologia Clínica que:: eu
poderia ter feito no quarto ano como opção...entre à
12 era uma das três então ele diz/ ele achava que essa a que licenciatura... ou ou a licenciatura em Pedagogia ou à
teria mais possibilida::de de di/ de diversificação Psicologia Clínica sem vestibular naquele tempo era...
depois... e quando as outras eram mais específicas... né?
possível... e:: eu não fiz por falta de tempo porque eu
1545 El certo me casei no:: tereei/ no no terceiro ano... de faculdade
€ daí logo vieram as gêmeas e eu não::... não fiz...
L2 um médico era só médico 6 engenheiro era só engenheiro
36 37
a Orientação no quarto ano porque a carga horária era
Verifica-se que grande parte do espaço conversacional é usado em
1590 muito grande... sabe? então eu...preferi terminar a
trocas nas quais falante e ouvinte procuram estabelecer um tópico dis-
Pedagogia e fiz a licenciatura...mas éh e como:
cursivo e há, além disso, pré-requisitos mínimos para que cles possam
formado em Pedagogia eu não falo como pedagoga
porque:: eu não:: me considero... como formada em
detectar a presença de um tópico.
Pedagogia... eu não usei o meu diploma Porque eu não Assim, o falante precisa garantir a atenção do ouvinte, articulando
1595 lecionei no secundário sabe?,,.. então daí à motivo de eu ter bem sua fala ce construindo seus enunciados de modo tal que o ouvinte
escolhido Pedagogia... e gosto muito... da:: identifique os elementos do tópico e estabeleça relações que colaborem
psicologia da crianç « do adolescente a psicologia em na instauração do mesmo.
geral me cativa sabe?... então... aí está o motivo pelo O ouvinte, por sua vez, precisa prestar atenção no que o falante diz,
qual... eu escolhi esse curso descodificar os elementos (objetos, idéias, indivíduos, etc.) que têm fun-
ção no desenvolvimento do tópico e identificar as relações que se dão en-
1600 Doe. a senhora está com horário?
tre os referentes do mesmo.
Nem sempre, porém, a identificação do tópico é clara porque pode
ocorrer um tópico implícito que provém do conhecimento partilhado.
1. O tópico discursivo
Veja-se o exemplo abaixo:
No texto 1, à Documentadora (Doc.) inicia o Diálogo perguntando
pelos filhos da Locutora (L1), se eles foram programados ou se vieram (3) A- Márcia, já terminou o que eu te peds?
ao
acaso, isto é, ela introduz um tópico discursivo que pode ser denomina B- A reunião ainda não foi marcada.
do
de "Planejamento Familiar" *, A- Mas o cliente tem certa urgência.
Tomado no sentido geral de assunto, o tópico pode ser entendido
como "aquilo acerca do que se está falando" (BROWN e YULE, 1983: Com o auxílio do contexto, consegue-se estabelecer a coerência do
73). Ele é antes de tudo uma questão de conteúdo, estando na dependência texto e perceber que os dois locutores, por possuírem um conhecimento
de um processo colaborativo que envolve os participantes do partilhado, sabem perfeitamento qual o tópico discursivo em andamento
ato
interacional,
" O sentido é construído durante essa interação c está assentado numa
'c interagem perfeitamente,
série de fatores contextuais como: conhecimento de mundo, conhecimento Não é só quanto ao conteúdo que à interação interfere na estrutu-
partilhado, circunstâncias em que ocorre a conversação, pressuposições, ração do tópico, mas também quanto à forma utilizada: à linha 17 (tex-
ete. to 1), há um marcador de assentimento, isto é, de aprovação nãoé,
Observe-se que, às linhas 8 c 9, LI tenta responder à introduzido por L1 provavelmente para certificar-se de que sua interlo-
Documentadora, porém a Locutora 2 (L2) interrompe com um pedido de culora está atenta e de que pode dar continuidade ao desenvolvimento
esclarecimento ("filhos da pílula não?"); L1 responde com uma negativa, de seu tópico. ,
o
que não satisfaz a sua interlocutora que insiste com um pedido de maiores O tópico é, assim, uma atividade construída cooperativamente, isto
esclarecimentos ("nem da tabela?”), colaborando para o estabelecimento
do é, há uma correspondência — pelo menos parcial — de objetivos entre os
tópico que se constrói de acordo com as necessidades locais,
interlocutores.
(1) Será utilizada, neste capítulo, a segmentação do inquérito nº 360
feita por Koch, Fávero, Ju- A noção de tópico é de fundamental importância para o entendi-
bran, Marcuschi, Risso, Santos, Souza e Silva, Travaglia, Urbano, Andrade e Aquino In: Orga- mento da organização conversacional e é consenso entre os estudiosos
nização Tópica da Conversação — In: Gramática do Dortuguês Falado.Vot.
11 — Níveis de que os usuários da língua têm noção de quando estão discorrendo sobre
Análise — organizado por Rodolfo Ilari. Editora da UNICAMP, 1992 D.
357-439. Estes pesqui-
sadores obtiveram um total de 71 Sseginentos. ' ' Us 2a pesiul
o mesma tópico, de quando mudam, cortam, criam digressões, retomam,
cle.
38 39
2. Propriedades do tópico discursivo Para que o conceito de centração possa ser melhor compreendido, ve-
jam-se mais dois exemplos. No texto 2, L1 vinha falando sobre seu abando-
2.1. Centração no da vida profissional por causa dos filhos e das tendências profissionais
de seus filhos, quando à tinha 1511 uma pergunta da Documentadora inicia
Considere-se o trecho das linhas 20 a 36: um novo tópico que, embora tenha sua origem no anterior, centra-se nas
"Razões da Opção Profissional das Loctutoras" e bifurca-se em dois scg-
20 12 a sua família é grande? mentos: das linhas 1511 a 1561 "Opção profissional de L2", e das linhas
11 nús somos:: seis filhos 1561-1599 "Opção profissional de Li".
12 e a do marido? Buscando esclarecer um pouco mais, observe-se novamente o Seg-
l mento que vai das linhas 1511 a 1561:
Li ca do marido... eram doze agora são onze...
12 ahn aho Doc. — equando vocês quiseram... escolher uma carreira...
O que as levou escolher à carreira?
| L2 à minha eu acho... eu não tenho certeza para julgar
25 [9 quer dizer samos de famílias GRANdes e::... então ach/
mas eu acho que fui incutída... meu pai... foi o um
acho que::... dado esse fator nos acostumamos a:: muita
1515 era militar:: mas à vocação dele era ter sido... advogado
gente então ele vivia dizendo isso... e eu tenho a impressão ceu
12 ahnaho não posso dizer porque é difícil... para a gente dizer
Il e: porque de jeito nenhum ele falou "você vai fazer isso"...
30 12 e daí o entusiasmo para NOve filhos... nunca... mas eu acho que ele falava tanto tanto tanto
11 exatamente nove ou dez... 1520 e eu o admirava muito... eu tenho a impressão que foi...
por causa disto embora minha meta fosse ltamarati
|
12 ()
eu sempre...
Doc. — Diplomacia
lL1 é ex: mas... depois diante das dificuldades de conseguir
L2 pensei em fazer Diplomacia sempre sempre sempre...
quem me ajudasse... nó::is paramos no sexto filho... 1525 mas::... depois... por uma série de circunstâncias
35 12 ahn aho ... não foi possível... mas:: então a a minha meta feria
Lt não é?... e ..estamos muito contentes e... sido diplomacia... mas eu acho que Direito
particularmente foi inculido por ele... principalmente toi
O tópico que se vem desenvolvendo está centrado no "Planejamen- porque ele dizia que depois eu teria condições eu não...
1530 quer dizer a pessoa teria ele sempre::
to familiar de L1" (linhas 1 a 19); o que se desenvolve agora é o do "Ta- Li (você) ()
manho da família de origem de L1" que, embora se tenha originado no
tópico anterior, tem outra centração; as pausas e hesitações indicam que 12 era sempre impessoal... o negócio né?
L1 está terminando o tópico e permitem à L2 intervir, fazendo a pergun- À Í
L! uha
ta — "e dão muito trabalho tem esses problemas de juventude..." (linha 37)
L2 a pessoa teria condições... porque naquele altura...
— que sinalizam a introdução de um novo tópico. 1535 a escolha era sempre... ah Direito Engenharia Medicina...
Centração é o falar-se acerca de alguma coisa, implicando a utiliza- LI cxatamente
ção de referentes explícitos ou inferíveis. O tópico tem limites bem defi-
L2 só era uma das três não existia:: toda essa gama
nidos ce pode ser distribuído em segmentos sucessivos, que serão
que existe agora... não é?
explicitados mais adiante, LI tanta abertura
A centração norteia o tópico de tal (forma que, quando se tem uma
nova centração, tent-se um novo tópico. 1540 12 (era uma)
LI né?
40 41
um desses tópicos co-constituintes de FAMÍLIA é formado por subtópi-
12 cra uma das 1rês então ele diz/ ele achava que essa a que
cos.
teria mais possibilida::de de di/ de diversifi
O tópico "Tamanho da Família" contém dois subtópicos: "Planeja-
depois... e quando às outras eram mais específicas... né?
1545 11 certo
mento Familiar" e "Tamanho da Família de Origem". Esses subtópicos,
12 um médico cra só médico o engenheiro era só engenheiro
por sua vez, são formados por segmentos menores ou porções tópicas. Para
«pelo menos naquela altura... e então:: cu acho
que se possa observar a linearidade da fala, esses segmentos são aqui nu-
que fui incutida por ele... ex: e e não c não fizo resto
merados de acordo com a ordem em que ocorrem no texto, a saber:
por minha causa... aí... foi... a- "Planejamento Familiar":
1550 11 foram circunstâncias que não favoreceram...
12 (oi circunstâncias que não favoreceram que eu não: — "Planejamento familiar de L1" — linhas 2a 19 (segmento 1):
não consegui no Hamarati... ( )não não consegui não...
nem cheguei a tentar... acrescido do fato que que aí depois Doc. — a senhora... procurou dar espaço de tempo entre um e
soube que para mulher cra muito difícil que eles quase não OUtro...
1555 adimitiam cra dificlimo et cetera et cetera... e aí faltou L2 aconteceram ou foram
ânimo para tentar para valer... eu acho que aí se eu tivesse [
tentado teria conseguido mas realmente faltou ânimo 5 Doc. aconte/...
faltou interesse... ((risos)) os interesses começam... à se:: L2 programados
Doc. — (isso)... faz favor ())
Il! O
1560 12 diversificar também né? e a gente acaba desistindo Li ap/ap/é..a programação...
€ à gente acaba desistindo... e você por que que você fez? havia sido planejada... mas não deu certo...((risos))
16 L2 filhos da pítula não?((risos))
O segmento que vai das linhas 1511 a 1548 (até ele) está centrado L não...((tisos))
no tópico "Influência do pai na opção profissional de L2 por advocacia”. L2 nem da tabela?((risos))
As proposições que o integram estão associadas por tm conjunto de cle- L1 não justamente porque a tabela não:: não deu certo é
mentos que tratam da influência do pai, Esse conjunto se destaca em re- que::((rtisos)) vieram ao acaso
15 L2 ahn aho
lação à outros que podem ser considerados secundários ce também em
LI e:: nós havíamos programado NOve ou dez filhos...
relação a outros conjuntos circunvizinhos, nesse momento da conversa.
não é?
Já o segmento imediatamente posterior — linhas 1548 (a partir de exe
não) a 1561 (até desistindo) - centra-se no tópico "Cireunstâncias adver-
[
L2Z (nossa que chique)
sas a opção profissional de L2 por advocacia", porque agora há um outro Í
conjunta de elementos que se relacionam por tratar da opção profissio- Lt então...
nal que se sobressai neste outro momento do diálogo. Como já foi dito
anteriormente, esses dois segmentos ou subtópicos formam o tópico "Ra- — "Planejamento familiar de L2" — linhas 75 a 92 (segmento 5):
zões da Opção Frofissional das Locutoras" (Opção de L2).
75 12 é(pensamos)seriamente em parar... depois disso ainda
ti/ftive problemas de... saúde problemas de tiróide não sei
quê:: então o médico está aconselhando a não ter mais...
2.2. Organicidade
então nós estamos pensando... estamos pensando não
ofic/oficialmente não está encerrado... mas de fato está
No texto 1, temos um supertópico FAMÍLIA e dois tópicos co- 8o porque::... o endocrinologista proibiu terminantemente
constituintes; "Tamanho da Família" ce "Papel da Mulher Casada”. Cada
42 43
que eu tenha mais filhos...
gostaria deMAIS de ter tido... mais irmãos... porque
quando::... com meu irmão eu já:: já tinha curso
L O universitáriojá já tinha saído da faculdade quer dizer
L2 inclusive,..se eu tiver...ele disse que vai ser necessário..
então não tem quase que vantagem nenhuma não é?... eu
um aborto... então estamos naquele negócio eh... como
7O queria então uma família grande tínhamos pensa::do...
85 fazer::... se faço operação:: so o marido fa::z mas ele
numa família maior mas depois do segundo... já deve
acha que::.., de jeito nonhum::((risos))
estar todo mundo tão desesperado que nós((risos))
LI precisa convencê-lo não é?
estamos pensando...
Í [
L2 É precisa realmente estar convencido disso
c ele é uma coisa que não vai ser fácil convencer então
11 O
75 L2 é (pensamos) seriamente em parar...
9% desistimos... eu pelo menos desisti não se toca mais no
assunto... mas realmente então está encerrado mas
gostaríamos demais de mais filhos...embora eu fique Quanto ao tópico "Papel! da Mulher Casada", verifica-se que, segun-
do o trecho aqui recortado para análise, ele apresenta um subtópico:
b- "Tamanho da Família de Origem": "Trabalho com os Filhos". Este subtópico é formado pelo segmento "Au-
— "Famanho da família de origem de L1" — linhas 20 a 36 (segmento 2): sência de problemas com os filhos adolescentes de L1", linhas 37 a 62,
numerado como segmento 3:
20 L2 a sua família é grande?
LI nós somos:: seis filhos L2 e dão muito trabalho tem esses esses problemas de
12 e a do marido? juventude esses negócios ( )
[| (não está muito na idade né?)
LI € a do marido... eram doze agora são onze...
L2 ahn aho 40 Lt não por enquanto não porque... estão entrando na as
[ mais velhas estão entrando agora na adolescência e...
25 Li quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/ Í
acho que::... dado esse fator nos acostumamos a:: muita O
gente ” 11 mas são muito acomodadas... ainda não começaram
L2 ahn aho assim... aquela fase... chamada de... mais
Ll e: 45 difícil de crítica |
30 1L2 e daí o entusiasmo para NOve filhos... ;
LI exatamente nove ou dez... (chamada mais difícil)
! né?
L2 O ahn aho
L1 é e:: mas... depois diante das dificuldades de conseguir ainda não... felizmente(ainda não)começaram
quem me ajudasse... nó::s paramos no sexto filho... 50 O |
35 L2 ahn aho agora... eu acho que::... eu... espero não:: ter problema
L não é?,.. e ..estamos muito contentes e... com elas porque... nós mantemos assim um diálogo bem
aberto sabe?
— "Tamanho da família de origem de L2" - linhas 63 a 75 (segmento 4): uhn ubn
55 LI com as crianças... então...esperamos que não :: haja
maiores problemas
! ahn aho
L2 () realmente deve ser uma delícia ter
LI com o avançar dos anos... enfim... o futuro
uma família gran/ bem grande com bastante gente... eu
65 sou filha única... ah tenho um irmão de treze anos... mas [
O
44 45
60 LI pertence... QUADRO TÓPICO
L2 ah
LI à Deus e não... a nós
— descontinuidade
a — decorre de uma perturbação na sec-
qiencialidade: um tópico é introduzi-
do, na linha discursiva, antes de se
ter esgotado o precedente que pode
No texto 2, o supertópico é PROFISSÃO e as Locutoras falam so-
ou não retornar. Se não há retorno,
tem-se um corte e se há, têm-se as in- bre as "Razões de suas Opções Profissionais" com os seguintes subtópicos:
serções ou as digressões que serão
tratadas no item 4 deste trabalho. a- "Opção de L2": :
— "Influência do pai na opção de L2 por advocacia": linhas 1511 a
A noção de verticalidade refere-se às relações de interdependência 1548 (segmento 1)
que se estabelecem entre os tópicos de acordo com a maior ou menor — "Circunstâncias adversas à opção profissional de L2 por diplomacia":
abrangência do assunto c permitem dizer que há níveis na estruturação linhas 1548 a 1561 (segmento 2)
dos tópicos, indo desde um constituinte mínimo — subtópico (SbT) até
porções maiores -— tópicos (T) ou supertópicos (ST), constituindo um b- "Opção de L1":
Quadro Tópico, como ilustra o esquema: — "Necessidade de carreira profissionalizante de L1": linhas 1561 a
1564 (segmento 3)
— "Preocupação de L1 com o horário": linha 1565 (segmento 4)
46 47
— "Necessidade de carreira profissionalizante de L1": linhas 1565 a 1574 Às marcas nem sempre constituem um critério absoluto para a seg-
(segmento 5) mentação, já que são:
— "Opção de L1 por pedagogia": linha 1574 a 1599 (segmento 6)
— facultativas — nem sempre o início e o fim têm uma realiza-
O segmento 4 — "Preocupação de L1 com o horário" constitui uma ção marcada, Podem, por vezes, ser detecta-
digressão. dos no momento em que uma determinada
Esquematizando, tem-se: centração se distingue de uma centração an-
terior, motivada, por exemplo, por uma mu-
PROFISSÃO dança de referentes.
|
Í z ; |
Razões da Opção Profissional | — multifuncionais — os clementos que delimitam os tópicos
das Locutoras | não exercem sempre a mesma função. O
marcador então, que muitas vezes fecha o
tópico (segmentos 1- Texto 1; e segmen-
Opção de L2 opãão de Li to 6 Texto 2), pode aparecer exercendo
NA xD. outras funções. É o que mostra Andrade
2) 1) Esfcaira (1990: 219), a propósito de então acho
que das linhas 25 e 26:
AN
ax
25 LI ..então ach/
acho que::...dado esse fator nos acostumamos a::
3. Segmentação
muita gente
48 49
4. Digressões reintroduzido (4º etapa). No exemplo (4), a digressão se localiza na 2º e
3º etapas.
Foi dito, anteriormente, que a linha 1565 constitui uma digressão. Para analisar-se uma digressão, é preciso observar em que condi-
E o que é uma digressão? ções um desvio tópico origina uma mudança, uma evolução natural ou
Além da linha 1565 ("--meu relógio está atrapalhando a nossa--"), uma digressão. É evidente que num contexto interacional, qualquer in-
observe-se também o trecho abaixo, do mesmo inquérito: tervenção ou mudança pode provocar uma alteração, abandono ou flu-
tuação do tópico. Essa mudança no fluxo conversacional tanto pode
[62 provocar um abandono do tópico que vinha sendo desenvolvido (mudan-
ça tópica) quanto uma reintrodução do tópico original.
895 (.) e porafa
gente vê por FOra... como a coisa está difícil( )por Cabe ressaltar que numa conversação — evento comunicativo dinâ-
isso eu vejo pelo meu marido... como eu falei para vocês mico — há uma constante flutuação de tópicos discursivos e essa flutuação
ele faz seleção de pessoal né?... então... ele diz que para... não é tida ou sentida como incoerente porque, durante a evolução natu-
por exemplo cada cem engenheiros que é pedido... ele
ral de um diálogo, os tópicos têm uma série de relevâncias que podem ser
900 funciona do seguinte modo as firmas precisam... de um
em/ de um cara cntão ah por exemplo (ah)um::() um
detectadas e selecionadas pelos falantes.
banco precisa de um diretor de um banco chega para ele Em geral, as digressões são introduzidas sem qualquer marca for-
diz assim "eu preciso de um diretor de banco para tal ta! mal, mas podem vir com algum tipo de marcador como, por exemplo: à
área para fazer isso assim assim assim assim"... então propósito, isto me lembra que. Esse marcador ou operador de digressão
505 ele vai procurar... certo?... ou então chega uma outra
permite, logo após o trecho digressivo, a volta ao tópico anterior bem
de produção:: o um gerente de ( )" normalmente é um
como a continuidade de novas propostas.
engenheiro isso isso isso então eu estava explicando
... que para cada cem engenheiros que são pedidos...
910 é pedido UM advogado... quer dizer a desproporção é 4.1 Tipos de Digressão
inCRÍvel...
l Dascal e Katricl (1982) sugerem uma classificação das digressões
L! (O “
L2 é incrível mesmo. ..os médicos também muito pouco... em três tipos básicos:
L? está desenvolvendo o tópico À — "Cotação de Algumas Profis- a. digressão baseada no enunciado: caracteriza-se por apresentar uma
sões" — (linha 895 à partir de e por aí à linha 898 até seleção de pessoal espécie de relação de conteúdo (semântico ou pragmático) entre o enun-
né?...), mas o interrompe para explicar como funcionam as agências de ciado principal vigente e o digressivo. Em geral, esta digressão é introdu-
emprego — tópico B (linha 898 a partir de então à linha 908 até isso isso zida ou encerrada por operadores de digressão (marcadores
isso); após a interrupção, L2 volta a desenvolver o tópico À que é rein- conversacionais), tais como: a propósito...; por falar nisso...; isto me
troduzido pelo marcador então (linha 908: "cntão eu estava explican- lembra que /.../ perdão continue; perdão, mas isso parece...; olha tem um
do...”). Esse marcador assinala a retomada do fluxo temático, . negócio...; já que você mencionou isso /../ voltando ao assunto. Um
A digressão pode ser definida como uma porção de conversa que exemplo deste tipo de digressão ocorre no exemplo (4), já comentado
não se acha diretamente relacionada com o tópico em andamento. As- anteriormente,
sim, os falantes estão desenvolvendo um tópico À (1º etapa), o falante 1,
por exemplo, introduz um tópico B (2º etapa). Este tópico é descnvolvi- b. digressão baseada na interação: distingue-se das demais por não apre-
do e, momentos depois, é encerrado (3º ctapa). À seguir o tópico À é sentar relações de conteúdo com o tópico em andamento. No entanto,
so 31
não é considerada inadequada no que diz respeito ao fluxo conversacio- 5. Considerações finais
nal. Sua adequação pode ser encontrada no contexto situacional, seja por
ruídos externos ou algum tipo de distração como, por exemplo, a chega- Os textos aqui examinados mostram que a conversação não é um
da de uma outra pessoa. De modo geral, esta digressão é uma espécie de enfileiramento aleatório de enunciados; ao contrário, ela é altamente es-
resposta adequada a alguma demanda extrínseca ao conteúdo tópico. As truturada e passível de uma análise formal.
conversações nas quais este tipo de digressão está encaixado são obscrva- De um modo geral, o texto conversacional é coerente; o problema é
das como cventos coerentes. O que importa neste tipo de digressão não que como ele obedece a processos de ordem cognitiva, muitas vezes, se
está explicitado verbalmente porque é social, consensual e insere-se torna difícil detectar as marcas lingíísticas e discursivas dessa coerência,
numa dimensão diferente. Um exemplo deste tipo de digressão é o que pois cla geralmente não se dá com base nessas marcas, mas na relação
ocorre na linha 1565: verifica-se que L1 vem desenvolvendo o tópico "Ne- entre os referentes.
cessidade de carreira profissionalizante", mas o interrompe e faz uma di- E como observa Aquino (1991: 89): "..um texto conversacional
gressão ao mencionar o problema do horário: "--meu relógio está pode ser dito coerente se os referentes apresentados nos tópicos discur-
atrapalhando a nossa--...”. A interrupção é bastante rápida e quando L1 sivos puderem ser alinhados como pertencentes a um mesmo quadro tó-
reintroduz o tópico, repete a última estrutura utilizada antes da digres- pico. Além disso, os referentes devem fazer parte de um conjunto
são: "por uma carreira profissionalizantc", possível de referentes, ou seja, os elementos presentes naquele tópico de-
vem ser pertinentes",
c. digressão baseada em sequências inseridas: refere-se a uma grande Nota-se também que um segmento não precisa ser coerente com os
variedade de atos de fala corretivos, csclarccedores, informativos, etc. que lhe são próximos (veja-se Digressão), já que não há transferência de
Observe-se o exemplo: propriedades, mas há sempre alguma associação.
A coerência é, assim, no texto conversacional, uma noção "relativa-
(5) Contexto: O gerente de uma agência de propaganda dirige-se a sua secretária e mente híbrida, que diz respeito a uma organização de vários níveis ao
pergunta: mesmo tempo" (MARCUSCHI, 1988: 2). Daí a importância que a noção
A- Cláudia, onde está o relatório? de tópico e a de desenvolvimento dos tópicos vem adquirindo ultima-
B- Qual reftatório? mente.
" A- Aquele do último trimestre.
1 B- Está na primeira gaveta do arquivo.
À REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A pergunta feita pelo locutor A foi respondida por B apenas na úl-
tima fala de B. Entre a primeira pergunta e a sua respectiva resposta, há ANDRADE, M. L. C. V. O. (1990). Contribuição à gramática do portu-
uma seqiência inserida que contém um pedido de esclarecimento e a guês falado: estudo dos marcadores conversacionais então aí, daí.
resposta a esse pedido. Dissertação de Mestrado, PUC/SP.
A sequência inserida é baseada no ouvinte, visto que é uma respos-
ta a um enunciado anterior não totalmente aceito ou compreendido. O AQUINO, Z. G. O. de (1991). A mudança de tópico no discurso oral
que a distingue do material conversacional em que está encaixada é o dialogado. Dissertação de Mestrado, PUC/SP.
fato de desempenhar uma função metalingiística. Pode-se dizer, então,
que ela marca uma espécie de salto e é vista como uma pausa no fluxo
BROWN, G. e YULE, G. (1983). Discourse analysis. Cambridge, Cam-
conversacional.
bridge University Press.
52
CASTILHO, A.T. de e PRETI, D. (orgs) (1987). A linguagem falada 3.0 TURNO CONVERSACIONAL
culta na cidade de São Paulo: Diálogos entre dois informantes.
São Paulo, T.A. Queiroz/FAPESP, vol. II.
MARCUSCHI, L.A. (1988). Coesão e Coerência na conversação (orga- Uma das características mais evidentes da conversação é, segura-
nização tópica). Versão preliminar datilografada. mente, o fato de que os interlocutores alternam-se nos papéis de falante
c ouvinte. Desse modo, uma das formas de se compreender a organiza-
ção do texto conversacional é verificar os processos pelos quais ocorre a
alternância nos referidos papéis e a maneira pela qual os participantes
atuam conjuntamente na construção do diálogo.
Nesse sentido, este texto propõe-se a efetuar um estudo das formas
de participação de cada interlocutor (turnos) e dos procedimentos pelos
quais ocorre a troca de falantes. O ponto de partida é o exame das duas
modalidades básicas de interação, quais sejam, as situações de simetria e
assimetria na participação dos interlocutores. À seção seguinte é dedica-
da à conceituação e à tipologia do turno conversacional; na última parte,
discute-se a gestão de turno (procedimentos pelos quais o falante conser-
va o turno ou passa-o ao outro interlocutor).
O corpus deste trabalho é constituído pelos inquéritos 062 e 343
(diálogos entre dois informantes — D2), publicados em CASTILHO e
PRETI (1987).
(o)
L2 nós entramos ali no :: ... naquele arroz unido venceremos
((risos)) ... um dia ele sai da colher outro dia não sai ...
((risos)) é fogo ... (entende?) ((risos)) (se bem que ainda
230 é:: bom ... )
Li dizem né? -- você vê -- dentro da profissão do vendedor
... a coisa mais difícil é você manter realmente o
54 55
indivíduo ... éh Olto horas em contato direto com os 275 que você que para a subsistência você
clientes ... uma coisa: ... realmente difícil ... então a |
gente inclusive:: pede para que o indivíduo não perca 12 um dia chuvoso
tempo nesses horários certo? ... e procure almoçar ... no LI! você precisa trabalhar bastante
seu território de trabalha ... por ali mesmo em vez de ter
que se deslocar de um território de trabalho (Tnq. 062, linhas 227-277)
para sua cassa...
|
240 Li para a sua residência ... para voltar:: ... isso acarreta
muita perda de tempo ... mas a coisa mais difícit dentro
Antes de se tratar especificamente da simetria na conversação,
da profissão do vendedor você realmente ... é conseguir cabe definir o conceito de tópico conversacional (ou simplesmente tópi-
manter oito horas naquele território de trabalho SEM co). O conceito adotado é o que foi exposto por BROWN e YULE
sair de lá .. e MAIS uma vez eu ... eu vejo a influência (1983: 73): tópico é aquilo acerca de que se está falando.
245 do clima e tudo mais ... se é um clima chuvoso tal talvez O fragmento citado constitui um exemplo de conversação simétri-
até me ajude ... nesse sentido eu posso ficar ... e nem ter ca: nele ambos os interlocutores contribuem cfetivamente para o desen-
vontade de de sair de lá para me deslocar para algum volvimento do tópico conversacional do fragmento, qual seja, o modo
outro local porque não dá também ... perderia muito como o vendedor organiza o seu dia de trabalho. Com efeito, L2 mostra
tempo ... dia de chuva ... conforme o:: ... o dia realmente
como é o seu almoço (algo que não pertence propriamente ao tópico do
250 prejudica nesse aspecto
fragmento), e L1 introduz o novo tópico e trata do modo como o profis-
eu:: eu lhe perguntaria aí dentro desse problema ... você
não ... possui uma ... um controle -- digamos assim -- em sional de vendas deve organizar os seus horários de trabalho. L2 inter-
cima de você você deve produzir tanto num dia ... ou ... vém e pergunta se há um controle rígido desses horários; L2 responde
Ou existe isso ou digamos um dia de chuva está um dia que não há controle rígido, mas o tempo deve ser bem aproveitado, para
255 horrível para trabalhar um dia que você está indisposto haver produção. L2 faz outra pergunta, indagando se há um mínimo de
você poderia pegar voltar para sua casa entrar num faturamento que deva ser obtido, e L1 responde negativamente. 1.2, en-
cinema distrair um pouco entende? ... que (que você) tão, observa que o tempo de trabalho pode, eventualmente, ser usado
você poderia fazer isso? para o lazer, e L1 retruca, afirmando que é preciso trabalhar bastante
Li não ... pode perfeitamente eu acho que:: essa:: essa:: ...
para a subsistência.
260 essa responsabilidade ... ela nos é atribuída ... inclusive::
dentro da profissão de vendas o que:: interessa é:: ...
No fragmento citado, ambos os interlocutores participam do desen-
faturar ... entende? ... pará eles pouco importa:: às vezes a:: volvimento do tópico conversacional, o trabalho do vendedor. Em outros
L2 o tempo de de trabalho né? termos, há uma situação de simetria entre as falas de ambos os interlocu-
Li como você utiliza o seu tempo de trabalho ... ele tem tores, pois cada um deles engaja-se na consecução do objetivo comum e,
265 que ser ... bem utilizado para você cfetuar suas vendas assim, busca discutir o tópico e expor seu ponto de vista.
... uma vez que você utiliza ...
[ 1.2. Conversação assimétrica
mas existe um limite em que você deva um mínimo
Ie/ levar neste tal de faturamento?
I Antes de se tratar de conversação assimétrica, cabe expor o concei-
Li não não existe...não existe... não existe ... to de intervenção, assim entendidas as diferentes formas de participação
270 você tem uma vantagem sobre a gente entende? o dia dos interlocutores no diálogo. Nesse sentido, consideram-se turnos tanto
que você estiver chateado o dia estiver muito bonito você
as falas de valor referencial (nas quais se desenvolve o assunto ou tópico
pode pegar seu carro e:: dar uma deslocada
para o litoral ce tal
do diálogo), como os sinais que indicam que o interlocutor está "seguin-
[ do" ou "acompanhando" as palavras do seu interlocutor (certo, ubn uhbn,
LL é mas seria difícil né? ahn ahbn).
só s57
Na conversação assimétrica, um dos interlocutores "ocupa a cena", vamos lá se é para conhecimento:: tem que tocar para
por meio de uma série de intervençõesde nítido caráter referencial, ou frente... mas hoje em dia não existem os doutores está
seja, de intervenções nas quais se desenvolve o tópico ou o assunto do difícil... por quê? porque::... muito poucos vão né? para
fragmento, O outro participante só contribui com intervenções episódi- essa área da da essa árca científica mesmo... estudar::
cas, secundárias em relação ao tópico do fragmento conversacional. profundamente defender uma tese tudo isso...
O fragmento a seguir constitui um exemplo de conversação assimé- 1-10 12 — justamente eles vão muitos poucos vão para essa área
trica: científica por causa do problema eu creio mais da... do
problema da... remuneração do indivíduo entende?...
é como você falou...o indivíduo que pesquisa vive de
(02) poesia...
11 Lt ((pigarreou))vejao que está acontecendo... por incrível 11 LI poesia.
que pareça hã falta de doutores hoje... por quê? porque 112 12 — entende?
a tendência é acabar O curso... e muito dificilmente um 1-13 11 poesia... correto... ((risos))
vai sair para a pesquisa... para estudar para [14 12 então: nãodá::o indivíduo falta "poxa eu vou perder
defender uma tese um ano dois anos aí pesquisando vou levantar um
12 L1L2 (defender) umatese problema defender uma tese aí”... e às vezes não tem
13 LI entãonósestamoscom problema inclusive... quais são sorte na vida dele entende?
os cursos de mestrado? não há doutores para... ministrar IH15 Li uhn uhn... é que hoje:: dentro da nossa profissão ainda
esses cursos e precisam ser... e precisam ter a categoria mais uma vez falando nela... até parece que sou
de doutores para poder lecionar nesses cursos de
pós-graduacão,.. então é realmente um fato que está que com a empresa privada hoje em dia ela atende muito
existindo... então...como está existindo essa dificuldade melhor entende”?... que as entidades públicas... hoje em
eu:: não tenha dúvida a especialização é super necessária dia se ganha muito mais... então:: o:: órgãos públicos
».. porque depois de um de um de um estágio em estão assim muito limitados em termos de... de números
trabalho e tudo isso você necessita aquilo você pode de de vagas para determinadas coisas...
coadunar perfeitamente deveriam existir muitos cursos de
especialização...a gente vê alguns vários até aí na nossa (Inq. 062, linhas 802-857)
área por exemplo mercado de capitais existe alguns...
14 12 existe
No exemplo 02, há duas situações de assimetria. Primeiramente
15 11 eoutrosmais.a Getúlio Vargas inclusive é uma que::.
(entre 1-1 e 1-9), o informante L1, em suas intervenções sucessivas, trata
16 12 lançacursosde..
17 11 temoscursosassim nesse sentido é ela...dentro da área
das dificuldades encontradas para serem montados cursos de pós-gra-
de Economia tem o IPE (lá) da USP... e:: sã” poucos... duação. L2, nesse caso, participa da conversação por meio de interven-
existia um outro parece que na Universidade:: ções ocasionais, secundárias em relação ao tópico em andamento
Estadual de Campinas né? da:: CEPAL.... ("defender uma tese", "existe"). |
18 12 CEPAL. A partir de 1-10, a situação inverte-se e é L2 que passa a "dominar"
19 Li maspareceque está agora interrompido no momento... a cena, tratando dos problemas daqueles que se dedicam à pós-gradua-
e:: são realmente poucos e:: às vezes se se pergunta pô/ ção, As intervenções de L1 (I-11 e 1-13) indicam que o citado informante
porque poucos quando a gente tem vontade de dar um "segue" ou "vigia" as palavras de seu interlocutor, manifestando entendi-
prolongamento há falta de doutores... apesar de saber
mento e concordância ("poesia"), ("poesia...correto...”).
que você vai pagar caro esses cursos isso não é problema...
Veja-se o esquema a seguir:
58
59
1. Simetria: ambos os interlocutores contribuem para o desenvolvi- A. Turno nuclear
mento do tópico conversacional.
2. Assimetria: um dos interlocutores desenvolve o tópico; o outro É o que possui valor referencial nítido, ou seja, que veicula infor-
"vigia" ou "segue" o seu parceiro. mações. Num turno nuclear, o falante desenvolve o tópico em andamen-
to:
60 61
A tipologia de turnos apresentados (turnos nucleares e inseridos)
11 12 Dizem que está surgindo agora ... à ... computação... foi estabelecida no texto "O turno conversacional”", escrito pelos pesqui-
1020 12 Li uhn ubn ...
sadores L. A. Silva e M. Miranda Rosa e pelo autor deste trabalho (GA-
1-3
144
L2
Lt
talvez você possa dizer mais alguma coisa do que eu nesse campo ...
certa...
LEMBECK, SILVA, ROSA (1990; 69 e ss.)!. Essa formulação valoriza
15 12 “da computação ... dizem que ... faltam elementos não sei ... ambas as modalidades de turno, independentemente do seu valor refe-
1-6 L1 não cu acho que a tendência da Engenharia ... nuns rencial, por considerar-se que ambas exercem um papel significativo na
campos at ... foi a seguinte é é realmente acompanhar organização dos textos e seqiiências conversacionais.
E
o desenvolvimento certo? o que nós precisamos para É
= Veja-se o esquema a seguir:
o desenvolvimento? a começar ... a desenvolver as ã
indústrias de base ... 1. Turno nuclear: tem valor referencial (nele o falante desenvolve o
1030 17 L2 exato ...
tópico convcersacional ou assunto tratado no fragmento conversa-
IB LI € estava mais voltado para para para a área da das
químicas .., certo ... e o campo da Eletrônica ... que são
cional).
as maiores novidades que estão surgindo ... hoje 0:: a 2. Turno inserido: indica que o interlocutor "acompanha" ou "se-
matéria plástica ela substitui quase tudo ... gue" as palavras do seu interlocutor, Não tem valor referencial
1035 1912 tudo. nítido.
I10L1 então realmente houve uma época inclusive ((pigarreou)
... eu pude acompanhar ... havia uma preferência assim
flagrante ... por Engenharia Química e Eletrônica ...
2.3 Distribuição dos turnos nas situações de simetria e assimetria
(Inq. 062, linhas 1018-1038) Na situação de simetria, ambos os interlocutores participam do diá-
logo com turnos nucleares, nos quais se desenvolve o tópico em anda-
(As indicações 1-1... 10 correspondem às sucessivas intervenções mento. É o que se verifica no fragmento a seguir:
dos interlocutores).
O fragmento anterior apresenta vários exemplos de turnos inseri- [62
dos, que indicam atenção ou concordância, e não contribuem para o de-
senvolvimento do tópico conversacional: L2 certo ... e que que você acha dessa poluí/ poluição que
tanto falam ... que vão controlar vão fazer isso vão criar
L1 12. ubnuhn.. a área metropolitana o que que você acha?
14 certo... 1 estão control/ controlando a poluição do ar agora né? ...
12 17 ecxato 180 ((rivw)) é:: o avanço da tecnologia né? provavelmente
19 tudo... deve ter descoberto aí ... éh:: qualquer técnica que vai::
ajudar a:: ... controlar essa poluição do ar ...
L2 você vê né? o mundo quer que nós conservemos à ...
No exemplo 2 também podem ser encontradas várias ocorrências
Amazônia para controlar a poluição mundial ... que que
de turnos inseridos:
185 você acha disso aí?
LL não entendi bem a pergunta ...
12 1-2 (defender) uma tese
14 existe... (1) Em vários pontos deste trabalho faz-se referência ao texto "O turno conversacionai",
1-6 lança cursos de... escrito pelos pesquisadores Luiz A. da Silva, Margaret de Miranda Rosa e pelo autor des-
1-8 CEPAL.. tas linhas (GALEMBECK et alii (1990)). I'ssa referência é feita porque este trabalho se-
gue as linhas gerais do citado texto; apesar disso, procurou-se sempre uma formulação
11 111 poesia...
pessoal dos assuntos discutidos e também se teve a preocupação em não repetir os exem-
1-13 pocsia...correto...
plos daquele texto.
62 63
L2 o mundo aí o:: naquela:: ... última exposição que houve (6)
agora aí ... -- nosso Ministro do Interior foi L2 agora nessa parte de Engenharia também a parte que eu conheço é a parte
representando -- eles não querem que devastem as áreas 2915 de eletricidade ... entende? ... a:: normalmente os
190 amazônicas ... devido às:: vastas florestas tudo por causa engenheiros ... cletrotécnicos que eles chamam ... eles vão
da poluição ... você acha que seria justo nós conservarmos buscar especialidade no exterior ... entende? ...
aquilo o::u normalmente ... principalmente financiado pela própria
LI precisa manter o oxigênio do mundo né? ... ((risos)) empresa entende? então normalmente você vê ...
L2 e nós é que deveríamos conservar? ... que que você acha? 920 indivíduos se deslocarem daqui fazerem curso na França
195 o pessoal todo mundo cortou progrediu ... -.. em Porto Rico ... ficam dois seis meses ... tudo
L1 sei lá estão falando muito nisso viu? poluição do ar custeado pela empresa entende?
agora é:: [5 ubn ubn
L2 é tema do momento né? L2 então quer dizer eles não encontram aqui dentro do ... do
Lt é a moda mesmo... 925 próprio país ... ainda não há dentro da do campo da ...
í
Eletrotécnica dentro da eletricidade eles não têm ...
condições de especiatizarem em determinados campos ...
(Inq. 062, linhas 176-199) í
então eles eles mandam mas é normal a:: as empresas
mandarem para Porto Rico e França ... fazerem as
930 especializações ... você imagina quanto é que fica um
O fragmento citado é constituído por uma série de turnos nuclea-
negócio desses entende? ... porque o indivíduo além de
res: ambos os interlocutores participam do diálogo por meio de intcrven-
ele estar ganhando o salário norma! aqui ... está buscando
ções de caráter referencial, nas quais expõem suas idéias acerca de uma especialização para ele é ótimo ... está certo ... ele se
poluição e da necessidade de preservação do meio ambiente. prenderá dois anos na firma ... eles obrigam a maioria
Os turnos nucleares que figuram em um diálogo simétrico formam 935 das firmas obrigam isso ele se apre/ ele se prende num
uma seqilência com outros turnos igualmente nucleares. Por causa disso, contrato de DOIS anos terminando o curso ... ele deverá
são esses turnos designados por turnos nucleares justapostos. permanecer na firma ... para ele é bom ... uhn ... vai
O esquema do fragmento citado, é pois, o seguinte: aumentar o ... o currículo dele a capacidade dele ficará
bem superior a todo mundo ... aí você vê acho que ... nós
940
(59) LI TNII já poderíamos partir ... para um ... criar ... fonte de
TNJ2 Pesquisas aqui entende? não:: ter que buscar lá fora
entende?
ERERE
TNJ3
TNJA6 L1 correto
:
TNJ5 : L2 é nor::mal mesmo vai uma base acho que de uns ... cem
TNI6 945 engenheiros por ano ... financiados por Uma empresa
L7 TNJ7 que eu conheço ... você imagine as outras entende? aqui
L8 TNIJ8 eles não têm campo de desenvolver isso ... então a França
(TNI: turno nuclear justaposto) é:: é normal ... colegas nossos de em trezes que nós somos
de uma seção já foram quatro ... os quatro que são
Outros exemplos de sequências de turnos nucleares justapostos po- 950 formados em Engenharia já foram ... porque há
dem ser encontradas nos já citados exemplos 1 e 4. necessidade ... entende? ... ((vozes incompreensíveis)) ...
Na situação de assimetria, verifica-se o seguinte: um dos interlocu- eu acho que é necessário MAIS verbas para ... para
aplicar aqui dentro do ... do próprio país para o pessoal
tores "produz" intervenções de valor referencial, ao passo que o outro in-
não sair entende?
tervém com sinais indicativos de atenção, concordância, etc.:
64 65
955 Li certo... 2a
L2 então vamos aproveitar esse pessoal já fez e criar ... então Sos existia um outro parece que na Universidade::
já ... com conhecimentos que eles adquiriram lá fora e Estadual de Campinas né? da:: CEPAL ...
criar os cursos aqui ... mas se oferece para o indivíduo L2 CEPAL ...
que que acontece? .,, ele vai ganhar muito menos do que Li mas parece que está agora interrompido no momento
960 ele ganha na empresa privada ... ele não saí... (Inq. 062, linhas 825-828)
(Inq. 062, linhas 913-960) (As indicações 1a, 1b..., 2a, 2b... referem-se a fragmentos extraídos
dos já citados exemplos 1 e 2.)
No exemplo citado, L?2 trata do fato de que engenheiros e técnicos
eliana;
vão buscar especialização no exterior; L1, por sua vez, consente que o Os trechos citados das duas intervenções de L1 podem ser reunidos
seu parceiro conversacional exponha suas idéias c limita-se à intervir nas em um período composto:
"brechas" das falas de L2. As breves intervenções de L1 (uhn nhn, corre- "cxistia um outro (curso) — parece que na Universidade Estadual
to, certo) indicam que ele aceita a posição de ouvinte e está entendendo de Campinas, da CEPAL — mas parece que está agora interrompido",
as palavras de L2. Veja-se o esquema a seguir:
No exemplo 6, as várias intervenções de L2 constituem um turno
1. Simetria: — seqilência de nucleares justapostos
nuclear único, já que existe continuidade semântica (de significado) c tó-
2. Assimetria: turno nuclear em andamento
pica (de assunto) centre elas. O turno nuclear que se desdobra por várias
turnos inseridos
intervenções denomina-se turno nuclear em andamento, Às intervenções
de L1 — como já foi visto no item anterior — constitucm exemplos de tur-
nos inseridos. 2.4. Funções dos turnos inseridos
No exemplo 6, o esquema de distribuição dos turnos é o seguinte:
Já foi discutido que o turno inserido não participa decisivamente
(6) L2 TNA do desenvolvimento do tema da conversação, já que seu papel primordial
Li TA
é indicar que um dos interlocutores aceita c assume a posição de ouvinte.
L2 TNA
Lt TI2
No entanto, há casos em que o turno inserido liga-se — mesmo
L2 TNA
marginalmente — ao desenvolvimento do tópico conversacional, por isso
11. TI3 há que se distinguir entre:
12 TNA — turnos inseridos de função predominantemente interacional;
-- turnos inseridos que contribucm (incidentalmente) para o desen-
(TNA: turno nuclear em andamento; TI -1, TI -2...: turnos inseri- volvimento do tópico.
dos. As setas representam a continuidade entre as várias intervenções de
Essa distinção foi estabelecida no já citado artigo "O turno
LD.
conversacional" (GALEMBECK, SILVA E ROSA (1990:88)).
Outros exemplos de turnos nucleares em andamento são, no exem-
plo 2 as séries de intervenções de L1 (11, 13, 15, 17, 19) e de L2 (110, 112, A. Turnos inseridos de função interacional
114) e, também, as várias intervenções de L2, no exemplo 4. Em todas as
citadas verifica-se a continuidade semântica e tópica que caracteriza essa Incluem-se neste grupo os turnos que indicam reforço, (ou seja,
modalidade de turnos. Em alguns exemplos, aliás, ocorrem casos em que que o interlocutor aceita a posição de ouvinte e deseja permanecer como
a continuidade entre as intervenções é igualmente sintática. É o que se tal), concordância ou entendimento, aviso (de que o interlocutor deseja
pode ver no exemplo a seguir: tomar o turno).
66 67
805 vai sair para a pesquisa ... para estudar para
Turnos inseridos cuja função única é o reforço são particularmente
defender uma tese
representados por algumas expressões não-verbais de valor fático (ahn,
uhn). Essas expressões têm por função indicar que o canal de comunica- L2 (defender) uma tese
ção está aberto e que, assim, o falante pode continuar a sua fala, LI então nós estamos com problema inclusive ... quais são
os cursos de mestrado”? (...)
à tendência é acabar o curso ... e muito dificilmente um (Inq. 343, linhas 1542-1557)
68 69
Os turnos de L2 assinalados ("você tem ahn" e "agora a bomba atô- versacional, Apesar disso, têm eles uma função relevante na construção
mica") revelam a intenção de dar início a um turno nuclear, no qual fosse do diálogo, pois assinalam que o ouvinte acompanha atentamente as pa-
possível expor suas opinões. Por isso mesmo, essas intervenções repre- lavras do seu interlocutor. Em outras termos, os turnos inseridos consti-
sentam tentativas frustradas de tomada de turno. tuem meios para o ouvinte indicar que participa de forma decisiva do
desenvolvimento do ato conversacional.
B. Turnos inseridos que contribuem para o desenvolvimento do tópico
3, Estratégias de gestão de turno
Neste caso, o turno inserido está relacionado com o tema da con-
versação, para cujo desenvolvimento contribui, ainda que incidentalmen-
Este item é dedicado ao exame dos procedimentos pelos quais o
te. Um exemplo dessa modalidade de turno inserido figura no exemplo 2,
ouvinte torna-se falante (troca de falantes) e o falante "segura" o próprio
aqui citado como exemplo 2c:
turno (sustentação da fala).
(20)
3.2. Troca de falantes
16 L2 lança cursos de...
17 L1 tem cursos assim nesse sentido (...) A troca de falantes constitui um fato intrínseco à natureza da con-
versação simétrica, na qual ambos os interlocutores desenvolvem o as-
O informante L2, mesmo com uma intervenção truncada, antecipa sunto tratado. Com efeito, a situação de simetria é caracterizada por uma
as palavras que seriam proferidas pelo seu interlocutor. Note-se que L1 alternância contínua nas posições de falante e ouvinte, pois ambos os in-
incorpora parcialmente as palavras de L2: " tem cursos assim nesse senti- terlocutores participam da construção e desenvolvimento do tópico con-
do (...)”. versacional, por meio de turnos nucleares. Devido a isso, é relevante
Outra função do turno inserido de valor referencial é o resumo das verificar os processos de troca de falantes: a passagem e o assalto.
palavras do outro interlocutor. É o que se verifica no exemplo a seguir:
A- Passagem de turno
o
L1 passei ali em frente à:: Faculdade de Direito... então estava Nessa modalidade de troca de falantes, a colaboração do outro in-
lembrando... que eu ja muito lá quando tinha sete nove onze... terlocutor é implícita ou explicitamente solicitada. Em outras palavras, o
(com) a titia sabe?... e:: está muito pior a cidade... está... ouvinte intui que chegou no ponto em que lhe cabe tomar o tópico con-
o aspecto dos prédios assim é bem mais sujo... tudo acinzentado né? versacional (assunto tratado), por meio de um turno nuclear.
L2 uhn:: poluição né?
11 Tuas mais ou menos sujas... ali perto da Praça da Sé da
A passagem de turno está centrada nos lugares relevantes para a
Praça da Sé tudo esburacado por causa do metrô né?... achei transição (LRTs), conceito estabelecido por SACKS, SCHEGLOFF ec
horrível... feio feio feio (...) JEFFERSON (1974). Segundo os citados autores, o LRT é um ponto em
(Ing. 393, linhas 20-28) que o ouvinte percebe que o turno está completo ou concluído. Ainda se-
gundo os citados autores, a existência de LRTs decorre do fato de terem
A intervenção de L2 (uhn:: poluição né?) não só sintetiza as pala- os ouvintes a capacidade de prever a unidade que o falante tem a inten-
vras de L1, como também indica assentimento ou concordância. ção de usar e, assim, perceber o primeiro ponto em que a fala do seu in-
Cabe acrescentar a seguinte observação: mesmo que os turnos inse- terlocutor estará concluída.
ridos tenham valor referencial (estejam ligados ao assunto do diálogo), Cabe, porém, fazer a seguinte ressalva: o conceito de lugar relevan-
eles não exercem um papel decisivo no desenvolvimento do tópico con- te para a transição (LRTs) é intuitivo, por isso o analista da conversação
defronta-se com dificuldade para determinar os LR Ts, ainda que assuma
70 71
e
clear. Existem casos, porém, que mesmo em face de um marcador de
a perspectiva do ouvinte, Essas dificuldades decorrem da circunstância
passagem explícita, o interlocutor intervém com um turno inserido, Nesse
de não ser o final do turno algo que se evidencie por si, assim, é preciso
caso, o interlocutor que já detinha o turno dá prosseguimento à sua fala
identificar os LRTs pelo maior número possível de pistas ou marcadores
anterior:
de final de turno: a entoação ascendente e a descendente, a pausa con-
clusa, os marcadores verbais (sabe?, né? entende? não é?)”, os gestos. (10)
Há duas modalidades de passagem de turno: a passagem requerida 12 você vê em Londres...você::
c a consentida. |
ll (O
AI- Passagem requerida 12 você olha um mapinha qualquer bairro qualquer lugar que
você quei/ que você queira ir tem assim no máximo com
À passagem requerida pelo falante é assinalada por uma pergunta três quarteirões de distância uma linha de metrô que chega
direta (exemplo 14) ou pela presença de marcadores que testam à aten- até lá e:
ção ou buscam a confirmação do ouvinte (né?, não é? sabe/, entende?) LI! mais ou menos não é bem assim não... dá impressão que é
isso... nós estamos com muita política em cima do metrô
(exemplo 2d);
né?
12 uhn uhn
(ta)
1.2 (...) ou digamos um dia de chuva está um dia então quando foram fazer à Paulista...já tinham gastado
255 horrível para trabalhar um dia que você está indisposto três bi sei lá... cacetada de dinheiro (...)
você poderia pegar voltar para sua casa entrar num (Inq. 343, linhas 366-377)
cinema distrair um pouco entende”? ... que (que você)
você poderia fazer isso?
11 não ... pode perfeitamente ceu acho que:: essa:: essa!: ..
No exemplo anterior, L1 solicita explicitamente a colaboração de
2060 essa responsabilidade ... ela nos é atribuída (...) L2 (né?), mas este intervém com um turno inserido de reforço (nhn ubn)
(Inq. 062, linhas 254-200) (ver item 2.3). Esse turno sinaliza que L1 deve continuar na posse do tur-
no c dar sequência à elocução anterior:
fe
12 então:: não dá:: o indivíduo fata "poxa cu vou perder A2. Passagem consentida
um ano dois anos aí pesquisando vou levantar um
problema defender uma tese aí” .., e às vezes não tem
sorte na vida dele entende?
A passagem consentida está exemplificada pelo fragmento a seguir:
850 Li uhn ubn ... é que hoje:: dentro da nossa profissão ainda
mais uma vez falando nela ... até parece que sou (1b)
emPOLGAdo por ela né? ((risos)) não acha? ... 01º... ec MAIS uma vez eu ... eu vejo à influência
245 do clima e túdo mais ... se é um clima chuvoso tal talvez
que com a empresa privada hoje em dia cla atende muito
até me ajude ... nesse sentido eu posso ficar ... e nem ter
melhor entende? ...
vontade de de sair de lá para me destocar para algum
(Inq. 062, linhas 8406-854) outro local porque não dá também ... perderia muito
tempo ... dia de chuva ... conforme o:: ... o dia realmente
Em ambos os casos, verifica-se a presença da entoação interrogati- 250 prejudica nesse aspecto
va. Essa entoação constitui a marca mais nítida da solicitação explícita 12 eu:: eu lhe perguntaria aí dentro desse problema ... você
não ... possui uma ... um controle -- digamos assim -- em
endereçada ao ouvinte que, por isso mesmo, intervém com um turno nu-
cima de você você deve produzir tanto num dia ...
(2) Para uma discussão completa e aprofundada acerca dos marcadores, será útil consultar (Inq. 062, linhas 244-253)
o trabalho de Iudinilson Urbano, incluído neste volume,
73
72
Essa modalidade de passagem de turno corresponde a uma entrega 890 aprende como fazer mas::...
implícita: o ouvinte intervém e passa a deter o turno, sem que o concurso L2 mas você acha que dá”? , acho que algumas coisas dá...
tenha sido diretamente solicitado. (Inq. 343, linhas 888-891)
No caso da passagem conscntida, o lugar relevante para a transição
é assinalado pelo final de uma frase declarativa ("o dia realmente preju- Nesse exemplo, o assalto ocorre em face do alongamento e da pau-
dica nesse aspecto"). Algumas vezes, o final de frase declarativa vem sa (mas:: .): estas são as pistas de que L2 se vale para "invadir" o turno
acompanhado de pausa conclusa (pausa indicativa de final de frase):
dê LI.
No exemplo a seguir, a "deixa" para o assalto é a representada pela
(2)
Muito poucos vão né? para silabação: '
cessa árca da da essa área científica mesmo ... estudar:
profundamente defender uma tese tudo isso ... (o)
12 justamente cles vão muitos poucos vão para essa área L2 mas existe um limite em que você deva um mínimo
científica por causa do problema eu creio mais da ... do le/ levar neste tal de faturamento?
840 problema da ... remuneração do indivíduo entende? ..
(Ing. 062, linhas 835-840) LI não não existe...não existe... não existe ...
(Inq. 062, linhas 267-269)
No cxemplo 2c, o final da frase declarativa vem acompanhado de
pausa conclusa ("defender uma tese tudo isso...”). B2. Assalto sem "deixa"
B. Assalto ao turno
É aquele que não ocorre em face de sinais de hesitação e corres-
pondec, pois, a uma entrada brusca e inesperada do "assaltante" no turno
O assalto ao turno é marcado pelo fato de o ouvinte intervir sem
do outro interlocutor:
que a sua participação tenha sido direta ou indirectamente solicitada. Em
outras palavras, o ouvinte "invade" o turno do falante fora de um lugar re-
(19)
levante de transição (LRT), por isso o assalto representa uma violação L2 (...) odia
do princípio básico da conversação, conforme o qual apenas um dos in- que você estiver chateado o dia estiver muito bonito você
terlocutores deve falar por vez (MARCUSCHI (1986:19)), pode pegar seu carro e:: dar uma deslocada
para o litoral e tal
BL Assalto com "deixa" É
LI é mas seria difícil né?
O assalto pode ocorrer ou não na presença de alguma "deixa". No 275 que você que para a subsistência você
primeiro caso (assalto com "deixa”), o ouvinte aprovceita-se de um mo- [
mento de hesitação, caracterizado pela ocorrência dos seguintes fenôme- 12 um dia chuvoso
nos: pausas (e...); alongamentos (c::); repetições de palavras ou sílabas 1! você precisa trabalhar bastante
(é/cra). Esses fenômenos vêm, com frequência, associados. Vejam-se (Inq. 062, linhas 270-277)
exemplos de assalto com "deixa":
No exemplo anterior, há dois casos de assalto sem sinais de hesita-
(1) ção:
E (...) mas vai chegar uma hora digamos que... que tem L1: é mais seria difícil né?
quase tudo se fazendo por computador então o cara 12: um dia chuvoso
74 75
3
MON
E sunes
Cabe lembrar que o assalto sem "deixa" sempre gera sobreposição um ano dois anos aí pesquisando vou levantar um
problema defender uma tese aí” ... e às vezes não tem
de vozes (fala conjunta dos interlocutores), o que nem sempre ocorre no
——
sorte na vida dele entende?
assalto com "deixa", Além do mais, verifica-se que os momentos de so- 850 L1 uhn uhn ... é que hoje:: dentro da nossa profissão ainda
breposição de vozes tendem a ser breves: os interlocutores têm a cons- mais uma vez falando nela ... até parece que sou
ciência de que ela deve ser evitada, já que constitui um momento de emPOLGAdo por ela né? ((risos)) não acha? ... o:: ...
colapso, de perturbação das regras que organizam o sistema conversacio- que com a empresa privada hoje em dia ela atende muito
nal. melhor entende? ... que as entidades públicas ... hoje em
855 dia se ganha muito mais ... então:: o:: órgãos públicos
estão assim muito limitados em termos de ... de números
Veja-se o esquema a seguir:
de de vagas para determinadas coisas ...
Troca de falantes i
(Inq. 062, linhas 838-857)
1. Passagem de turno: |
Os recursos habitualmente empregados para a sustentação do tur-
— passagem requerida; |
no são:
— passagem consentida. |
— marcadores de busca de aprovação discursiva”: entende?, né?,
2. Assalto ao turno: |
não acha?;
— assalta com "deixa";
— assalto sem "deixa". — repetições: indivíduo/indivíduo/indivíduo, de/de;
— alongamentos: de:: então::, o::;
— elevação da voz: emPOLGAdo.
3.3. A sustentação do turno
Os casos que acabaram de ser expostos constituem exemplos de
sustentação do próprio turno. Mas o participante do ato conversacional
O texto falado é planejado localmente, no momento de sua execu-
também pode sustentar o turno do outro interlocutor, por meio dos tur-
ção: nele o planejamento e a execução se confundem. Esse fato faz com nos inseridos, presentes em vários fragmentos citados neste trabalho
que o texto falado apresente pausas indicativas de planejamento, as quais (exemplos 2, 3, 4, 5, 8, 11). Uma das funções mais relevantes dos turnos
funcionam como "brechas" para que o ouvinte possa tomar a palavra. Por inseridos é confirmar que um dos interlocutores aceita ou consente que o
isso mesmo, o falante tem consciência de que a sua posição é vulnerável, seu parceiro prossiga a fala (continue a deter o turno). É o que se nota
e sabe que é preciso preencher as "brechas", como forma de conservar o nos turnos inseridos (nos quais não se desenvolve o tópico conversacio-
turno, até que a sua elocução esteja completa. nal) ubn, ubn un (exemplo 12) e existe (exemplo 13).
Os recursos que permitem ao falante sustentar ("segurar") o turno
estão presentes no Íragmento a seguir: (12)
L1 é tanto que-se propõe sempre aquilo... o homem... ea
2 máquina né?
& L2 justamente eles vão muitos poucos vão para essa área 815 L2 uhn
científica por causa do problema eu creio mais da ... do Li no colégio... normalmente tem muitas professoras que
840 problema da ... remuneração do indivíduo entende? .. ficam batendo nos alunos para não deixar... se envolver
é como você falou ... o indivíduo que pesquisa vive de:: ... por máquinas et cetera né?
poesia ... L2 ubn
Li poesia ... 820 Li eu por exemplo eu uso muito o computador...
L2 entende?
845 LI poesia ... correto ... ((risos)) (3) À designação "marcadores de busca de aprovação discursiva" figura no já citado traba-
L2 então:: não dá:: o indivíduo fala "poxa eu vou perder lho de H. Urbano.
76 77
SA
CS
SS
12 uhbn uhn
CASTILHO, A. T. e PRETI, D.(orgs.) (1987). A linguagem falada cuita
O
LI então a gente confia no... no () até certo ponto do
na cidade de São Paulo. v. 1 - Diálogos entre dois informantes. São
SN SO
computador a gente dá:: um dado para ele... ele fornece
outro para a gente... e a gente acredita no que ele fornece Paulo, T. A. Queiroz / FAPESP.
(Inq. 343, linhas 813-824) GALEMBECK, P.T. et alii (1990). "O turno conversacional". In: PRE-
TI, D. e URBANO, H. (orgs.) A linguagem falada culta na cidade
SEA
(13) de São Paulo. v. IV - Estudos. São Paulo, T. À. Queiroz / FAPESP.
Emei E
585 Li ( ...) talvez hoje MARCUSCHI, L. A. (1986). Análise da conversação. São Paulo, Ática.
mesmo ... exista uma uma rivalidade entre o engenheiro
McLAUGHLIN, M. L. (1984). Conversation: how talk is organized. Be-
e o técnico ...
verly Hills, Sage.
L2 existe ...
Lt eles brigam pelas posições ...
SACKS, H., SCHEGLOFEFE, E. E. e JEFFERSON, G. "A symplest syste-
(Inq. 062, linhas 585-589) matics for the organization for turn-talking for conversation". Lan-
guage, 50: 696-735.
Observações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
78 79
4. MARCADORES CONVERSACIONAIS
Hudinilson Urbano
1. Introdução
c) "os projetos para o futuro de L1" (da linha 1215: "embora futura-
mente eu pretenda trabalhar" até a linha 1247):
81!
1160 Doc. o seu marido sempre exerceu essa profissão que ele tem Li e eu achei que NÃO.,.poderia haver...assim ahn::
agora? 1200 L2 opção:::nem
L1 não cle teve escritório no início da carreira... teve [
escritório durante... oito anos mais ou menos... eu não poderia ah levar bem ah a o meu...
depois... ainda com escritório... e como ele tinha a a minha profissão...e::e o meu::...status de dona
1165 liberdade de advogar ele também, ..exercia a:: a profi/ de casa de mãe de família
o a advocacia do Estado né”... e::...depois,..é que ele ahn ahn...
começou a lecionar quando houve...a necessidade do 1205 razoável se eu continuasse trabalhando sabe?
regime de dedicação exclusiva...pela posição de sei
DENtro
da carreira...ele precisava optar pela: serviço mas consciente de que aquilo era o melhor...
para aquela família que se iniciava
1170 dedicação
I 1210 ahn abn
dedicação exclusiva sabe?... e::
ahn aho e realmente você conclui agora
É [
sabe?,...então::...ele:::...começou a lecionar foi
O
convidado e:: que foi o melhor
1175 ele leciona onde? 1215 que foi melhor embora futuramente eu pretenda
e:: ele leciona nas FMU trabalhar eu quero continuar os estudos...e::e trabalhar
ahn ahn fora mas por enquanto ainda não as crianças dependem
ele::...é especialista em Direito Administrativo... muito de mim...
ahn aho uhn uh
1180 certo? 1220
[ anos ou três
[ (uhn)
e:::e deu-se muito bem no magistério...cle se realiza [|
sabe? fica feliz da vida...em poder transmitir... L1 a gente nunca pode precisar o tempo...de ah ahn::
o que ele sabe...e os processos também...que cle... ( ) com as crianças...necessitando da gente não pode
1185 recebe ou...e eu não eu sou leiga eu não entendo...mas. 1225 precisar mesmo...com certeza então eu tenho impressão
pelo que a gente...ouve falar são muito bem estudados... de que quando o menor... já:: estiver assim... pela
tem pareceres muito bem dados... não é? ele se dedica quarta série/terceira quarta série...ele já estará mais...
MUItíssimo a...tanto à...carreira de procurador como independente e::...e os maiores poderão fazer as vezes
de professor (tá?)... de::... assim de:: preceptores dos menores e me
1190 12 ele gosta(dela) 1230 aliviarão...nessa parte...e eu terei tempo disponível não
Lt gosta MUIto( ) que eu deseje:: liberda::de deseje eh eh estar assim sem
obrigações para com as crianças...mas é que daí eu terei
| tempo disponível para fazer coisas extras
e você se sentiu frustrada...por ter...
ah:: sido obrigada à parar de trabalhar? tomar conta [
Í (para)
L não... 1235 não é?
1195 só tomar da casa? o que a senhora gostaria de fazer?
| [
Lt não...ceu::...eu me preparei para ser...mãe (o que a senhora)
de muitos filhos...sabe? eu.. gostaria de fazer orientação educacional...sabe?
ahn aho eu gosto eu leio...sobre isso e eu acbo que me
82 83
Da confrontação desta versão com o original verifica-se, nele, a ocor-
1240 realizaria mais..como orientadora do que como
professora quer dizer a professora ela...no fundo
rência de redundâncias e repetições, bem como outros elementos verbais de
ela e uma orientadora,..porque:: quase sempre ela É
procurada pelo alunos...quando surgem os problemas
pouco ou nenhum valor semântico. Além dessas ocorrências, verificam-se
vutras não verbais, como olhar, risos, etc., que não foram consideradas na
não é? entã...mas eu acho que um::trabalho assim...
1245 DEF gabinete...eu gostaria mais sabe?...então... transcrição do corpus e ainda elementos suprassegmentais, como à pausa e a
futuramente eu pretendo... reiniciar os estudos...mas entonação que a audição da fita permite, entretanto, recuperar. Entre os eder
por enquanto não mentos verbais, podem ser mencionados: a::a profi / (linha 1165), o, né ?
(pp.164 - 167)? é que inha 1166), ahn abn (linha 1172), sabe, (linha 1173), ahn aho (linha
1183) não é ? (linha 1187), a / (linha 1188). Entre os suprassegmentais,
destacam-se as pausas longas (além de 1,5 seg), os alongamentos e os vários
Como facilmente se pode observar, a quantidade de elementos de tipos de entonação.
caráter cognitivo-informativo que são veiculados, permeando o texto Se prosseguirmos no levantamento desses elementos no restante do
conversacional, é muito menor do que o texto parece à primeira vista re- texto original, encontraremos, além da repetição de muitos desses elemen-
velar. É que esses poucos elementos se alternam com muitos outros, lin- tos já mencionados, outros, repetidos ou não, como: e você (linha 1192),
gúísticos ou não, que ficam à margem do assunto realmente conversado. ah:: (linha 1193), eu::.. (linha 1196), assim ahn:::... (linha 1199), aha o
Nessa perspectiva, podemos expurgar do texto esses elementos meu...a (linha 1201), meni::... (linha 1202), então eu... (linha 1207), saí
marginais, deixando-o reduzido apenas ao seu volume cognitivo-informa-
do::/... (2 seg) ah ah (linha 1207), ubn ubn (linha 1219), embora (linha
tivo básico. A título de ilustração, reduzimos o primeiro segmento (linha 1215), dois anos ou três (linha 1221), de/ah ahn:: (linha 1223), então (11-
1160 à 1191) aos seguintes termos: nha 1225), eu tenho impressão de que (linha 1225), já::: (linha 1226),
assim... (linha 1226), quarta série/ terceira quarta série (linha 1227),
"ele (o marido) teve escritório no início da carreira, mais... (2 seg). de::... (2 seg) (linha 1229), eh eh (linha 1231), para//fazer//
durante oito anos mais ou menos; depois, como tinha liber- coisas//extras, eu/ (linha 1238), eu acho que (linha 1239), quer dizer (1i-
dade de advogar, também exercia a advocacia do Estado. nha 1241), no fundo (linha 1241), então (linha 1241), então... (linha 1244),
Quando houve à necessidade do regime de dedicação mas eu acho que (linha 1244).
exclusiva, pela posição dele dentro da carreira, ele precisa-
va optar por esse regime, Então ele começou a lecionar. Foi
convidado c leciona nas FMU. É especialista em Dircito 3. Conceituação
Admnistrativo e deu-se muito bem no magistério. Ele se
realiza em poder transmitir o que sabe. Os processos que Esses elementos, típicos da fala, são de grande fregiiência, recor-
recebe são muito bem estudados, tem pareceres muito bem rência, convencionalidade, idiomaticidade e significação dircursivo-inte-
dados. Ele se dedica muitíssimo tanto à carreira de procu- racional. Mas não integram propriamente o conteúdo cognitivo do texto?,
rador como a de professor." São, narealidade, elementos que ajudam a construir e a dar coesão e co-
erência ao texto falado, especialmente dentro do enfoque conversacional.
Nesse sentido, funcionam como articuladores não só das unidades
(2) Acrescentamos à transcrição original os seguintes sinais:
a) números entre parênteses para indicar, em segundos, a
cognitivo-informativas do texto como também dos seus interlocutores,
duração de pausas longas, i.é, igual ou superior a 1,5 seg; revelando e marcando, de uma forma ou de outra, as condições de produ-
b) /, além dasjá existentes,para indicar corte de entonação;
ce) //, para indicar separação fonética entre palavras, i.ó, para
(3) Sobre "Convencionalidade" e " idiomaticidade”, pode se consultar Stella Ortweiler
indicar que as palavras são pronunciadas com autonomia
fonética. Tagnin. .
84 85
ção do texto, naquilo que ela, a produção, representa de interacional e
na transcrição original, não poderão ser analisados aqui. Podemos cha-
pragmático. Em outras palavras, são elementos que amarram o texto não
má-los marcadores paralingúísticos .
só enquanto estrutura verbal cognitiva, mas também enquanto estrutura
Ainda quanto à forma, observa-se que os marcadores verbais se
de interação interpessoal. Por marcarem sempre alguma função intera- apresentam ora como elementos simples (sabe?), ora como compostos
cional na conversação, são denominados marcadores conversacionais ou complexos (quer dizer, no fundo) e, ainda, ora como oracionais (eu
(Marcuschi 1989:282). tenho a impressão de que), podendo aparecerem combinados (mas acho
As gramáticas tradicionais, normalmente voltadas para a língua es- que).
crita, não têm contemplado esses elementos ou os têm estudado envicsa-
damente, Por não se enquadrarem nos critérios de classificação das dez Para maior clarcza, apresentamos abaixo esquemas do aspecto for-
classes de palavras ou por não desempenharem funções exclusivamente mal dos marcadores:
lógicas, alguns desses elementos, quando lexicalizados, receberam na
NGB a classificação pouco esclarecedora de "palavras denotativas".
Décadas antes das reflexões específicas da Lingiística sobre o ca- 7 lexicalizados (sabe?)
ráter e propriedades da língua oral, Said Ali, em 1930, já revelava uma marcadores lingiísticos verbais <<
sensibilidade e uma visão pioneira sobre alguns tipos desses elementos > não lexicalizados (ahn)
prosódicos (pausas, alonga mentos)
estudados sob a denominação de "expressões de situação". Em resumo,
afirma que: não-lingúísticos (ou paralingiísticos) (olhar,risos,etc.)
86 87
mente válidas, como eu acho que, eu tenho impressão de que, mas a in- Como advérbios de enunciação, devem ser considerados cstraté-
formação que passam não integra nem colabora diretamente para o con- Bias conversacionais, pacificamente aceitas pelos parceiros, graças às
teúdo referencial do texto enquanto estrutura tópica. Na realidade, quais se mantém e flui eficientemente a interação.
refere-se à postura do falante em relação ao "dito", ou, mais precisamen- No caso em questão, entendemos que o assim soma as duas fun-
te, ao que vai dizer. Nessa linha, entendemos, com Koch (referindo-se ao ções e, consequentemente, por ser um advérbio de enunciação, é um
exemplo "Eu acho que o réu foi absolvido”), que "o conteúdo proposicio- marcador conversacional.
nal propriamente dito encontra-se, justamente, na segunda parte, servin-
do a primeira parte para modalizá-lo, isto é, para indicar aspectos
relacionados à enunciação." (1987:139) 3.3. O aspecto sintático
Cremos que se pode considerar um quinto tipo: são aqueles ele-
mentos que mantém, em menor ou maior grau, parcela do seu sentido, Quando se consideram os marcadores verbais da forma como esta-
Com efeito, eles mantém parcialmente o sentido c a função sintática ori- mos considerando, uma outra questão se impõe: qual é o seu estatuto sin-
ginais, assumindo, por acréscimo, uma função pragmática?, É o caso, por
tático dentro da estrutura oracional. Para tanto deve-se levar em conta,
exemplo, de palavras como o assim que continuam mais ou menos presas
inicialmente, os marcadores verbais lexicalizados ou não, cujas emissões
a uma estrutura oracional, numa função de adjunto adverbial, ao mesmo
são completas por si c autônomas centonacionalmente, caracterizando,
tempo que sc ligam à enunciação” numa função modalizadora, sinalizan-
uns e outros, a partir disso, total independência sintática. São marcado-
do hesitação ou dúvida do falante:
res do tipo sabe?, certo?, né?, ah, eh, ubn ubn (linhas 1173, 1180, 1166,
L1 eu tenho impressão de que quando o menor... 1223, 1231, 1219).
já:: estiver assim... pela quarta série/terceira No caso dos não lcexicalizados, além dos ahno abn e ubn ubn do "ou-
quarta série... elejá estará mais... (2 seg) vinte" (linhas 1171, 1219), pronunciados em turnos autônomos, há as
emissões do "falante", como ah, ahn, eh etc. (linhas 1223, 1231), que en-
independente, (linha 1225)
tremeiam a estrutura oracional, sem, porém, integrá-la sintaticamente.
Quanto aos lexicalizados, costuma-se dizer que eles são sintaticamente
No exemplo acima, assim liga-se sintaticamente a “pela quarta
independentes, principalmente quando "iniciais" (Marcuschi 1989:299)
série” e sinaliza, ao mesmo tempo, a atitude hesitante do falante, marcada
ou quando não constituídos por verbo (Castilho 1989:254).
também pelo alongamento vocálico no já::, pela reelaboração lexical
Essa falada independência sintática nem sempre é, porém, fácil de
em “quarta série/terceira quarta série” e pela pausa longa depois do
ser identificada. Ademais, comporta exceção como no caso abaixo:
“mais”, Visto apenas sob o aspecto pragmático, assim “preenche” uma
pausa in-dicativa de incerteza, insegurança ou hesitação, que se conver- L1 eu acho que me realizaria mais como orientadora do que como
teria num silêncio constrangedor sem esse preenchimento acautelador. professora
Enquanto preenchimento de pausa, o assim pode ser encarado (linha 1239)
como ruptura informacional, instaurando momentos facilitadores para a
organização e planejamento do texto e dando tempo ao falante para sc em que há uma relação de complemento entre a oração "encaixada"
preparar, Hari c Geraldi classificam o advérbio com essa função, como ("que me realizaria mais como orientadora do que como professora") e o
"advérbio de enunciação", em oposição ao "advérbio de frase", que incide marcador eu acho que ,que funciona sintaticamente como oração princi-
sobre o conteúdo oracional (1985:39). pal.
Nesse caso, pois, eu acho que não é sintaticamente independente,
(4) Por "pragmático" entenda-se a "relação entre a linguagem e seus usuários". mas o é em relação ao conteúdo da oração seguinte. Ou, no dizer de Mo-
(5) Por "enunciação" entenda-se "produção do enunciado”. raes (1987:173):
85 89
“Observe-se que, em qualquer dessas ocorrências, se terlocutores, revelando c marcando, de uma forma ou de outra, as condi-
poderia suprimir eu acho que, sem prejuízo à quantida- coes de produção do texto naquilo que ela, a produção, representa de in-
de de informação. E de resto, também à sintaxe, embora Icracional e pragmático"; que "amarram o texto não só enquanto
alterando a estrutura da frase, o que dá a eu acho que quase o estrutura verbal cognitiva, mas também enquanto estrutura de interação
pessoal",
caráter de frase intercalada, não fora a conexão estabele-
cida pelo que final”. Marcuschi, no trabalho já citado, cuida de destacar as funções in-
leracionais:
"E isto me leva a afirmar que as funções e mesmo as
Nessas condições, segundo sugestão de Koch (1987:139) a frase
"eu acho que me realizaria mais como orientadora do que como professo- posições sintáticas dos MCs são derivadas de outras mais
ra (linha 1239-41), poderia possibilitar ainda as seguintes configurações: altas,ou, seja, as interacionais." (p.300)
"A hipótese central deste tralbalho é a de que os MCs
a) me realizaria — en acho — mais como orientadora do que como têm sua razão de ser em funções aqui genericamente desig-
professora; nadas funções interacionais."
b) me realizaria mais como orientadora — eu acho — do que como (p.304)
professora;
c) me realizaria mais como orientadora do que como professora — Para Castilho, os marcadores discursivos (denominação usada
eu acho. para designar os marcadores conversacionais) exercem uma função co-
mum e ampla: a função textual, ou seja, todos eles organizam o texto. To-
Como se vê, há casos em que os marcadores gozam de certa liber- davia, essa função geral comporta ela mesma, duas funções mais
dade posicional. Todavia, a frequência com que certos marcadores ocor- específicas: a função interpessoal e a função ideacional, às quais corres-
rem em determinadas posições tem levado os estudiosos a pondem dois tipos de marcadores: os marcadores interpessoais ec os mar-
classificarem-nos como iniciais, mediais e finais em relação às unidades cadores ideacionais:
linguísticas com as quais eles estão envolvidos. Assim, marcadores como
Bom e Bem costumam iniciar turnos, enquanto outros como sabe? e cer- "Os marcadores interpessoais servem para adminis-
to? costumam encerrá-los. (v.cap.3) trar os turnos conversacionais,..'; enquanto "Os marcadores
ideacionais são acionados pelos falantes para a negociação
do tema ec seu desenvolvimento."
3.4. Funções comunicativo- interacionais
(Castilho, 1989:273-274)
A reflexão sobre o aspecto sintático dos marcadores leva-nos a
considerar que, para a sua perfeita compreensão e caracterização, mais Essas funções apontadas, segundo variada perspectiva, são funções
do que a eventual função ou relação sintática, interessa que observemos podemos dizer ainda, "gerais", que praticamente todos os marcadores de-
suas funções comunicativas e/ou interacionais, que têm a ver com as pró- sempenham, ora com destaque para as ideacionais, ora para as interacio-
prias funções ou usos da linguagem. nais e/ou pragmáticas.
Já esboçamos algumas funções gerais c mesmo uma ou outra espe- Como ilustração de funções “específicas” já referidas, pode-se re-
cífica anteriormente. Assim, no item 3. Conceituação deste capítulo, fi- portar às observações feitas a respeito dos marcadores eu acho que, assim,
cou dito que os marcadores "ajudam a construir e a dar coesão c por exemplo...
coerência ao texto falado"; que "funcionam como articuladores não só
das unidades cognitivo-informativas do texto como também dos seus in-
90 91
4. Funções de alguns marcadores no texto sob análise "eu acho que me realizaria mais... como orientadora do que como
professora
Uma análise na transcrição original, ainda que rápida, poderá aju- (linha 124041)
dar a compreender melhor não só essas funções já referidas como tam- "mas eu acho que um:: trabalho assim... (1,5 seg) DE gabinete . . . eu
bém outras. gostaria mais sabe?
Antes, porém, cabe lembrar que marcar tem aqui um sentido am- (linha 1245-46)
plo, podendo às vezes equivaler à idéia de "coocorrência" de várias fun- Nesses casos, L1 projeta-se no discurso e marca sua opinião, mas
ções simultâneas. Nesse sentido, pode-se dizer que há marcadores gerais, não de modo categórico e definitivo. Outro marcador semelhante que se
que podem marcar mais de uma função e marcadores específicos, que verifica no texto ocorre à linha 1225: "eu tenho impressão de que".
marcam, num determinado contexto, especificamente um fenômeno ou Retomemos os elementos não lexicalizados do tipo ah, abn, aho
procedimento determinado. ahn. Deve-se levar em conta que há uns produzidos pelo falante (normal-
No primeiro caso, pode-se, por exemplo, apontar, como "marcador mente de formação simples, como ah) e outros, produzidos pelo ouvinte
de pergunta", uma entonação ascendente interrogativa, como acontece (normalmente compostos, como ahn ahn). Os marcadores do falante são
na pergunta da Doc. ("o seu marido sempre exerceu essa profissão que freqilentemente preenchedores de pausas indicativas de hesitação ou mo-
ele tem agora?" — linha 1160), que possibilita também a introdução de mentos de planejamento textual. Os marcadores do ouvinte sinalizam a aten-
novo tópico discursivo: "atividades profissionais de L1". Não fosse o con- ção, interesse, assentimento, e/ou apoio do ouvinte ao falante, valendo como
teúdo da frase destinado à interlocutora com entonação interrogativa, o
"estou entendendo; prossiga". São de grande ocorrência e recorrência e são
tópico certamente não teria sido desencadeado. O que não quer dizer,
conhecidos, de modo geral, como marcadores de monitoramento do ouvin-
todavia, que a simples formulação da pergunta garantisse o descnvolvi-
te. Ao lado desses, há outros de ocorrência excepcional que, sinalizando
mento do tópico. Na verdade, por se tratar de pergunta fechada do tipo
também um ato conversacional cooperativo, correspondem ainda a uma ex-
"sim" ou "não", L1 poderia restringir sua resposta apenas ao "não" inicial
pressão de concordância do ouvinte em relação ao que o falante desse, con-
que efetivamente produziu, à linha 1162, Entretanto, L1 reconheceu den-
tendo, portanto, também um conteúdo referencial. O texto sob análise regis-
tro do contexto do diálogo, que a Doc,, ao fazer a pergunta, não iria se
tra muitas ocorrências do primeiro tipo (linhas 1172, 1177, 1178 etc.), mas
contentar apenas com um "sim" ou um "não", pois buscava, na verdade,
nenhuma, claramente, do segundo caso. À ocorrência sei (linha 1206) não
informar-se muito mais sobre as atividades do marido de L1. Aliás, essa
nos garante tratar-se completamente de uma concordância cognitiva em re-
captação de informação constituía a própria finalidade do diálogo, em
lação ao dito pelo falante. A título de ilustração, observe-se a seguinte ocor-
termos do projeto NURC. rência, registrada no Tnq. 343:
. As chamadas perguntas "abertas" (cujas respostas não se restrin-
gem a "sim" ou "não" ) são reconhecidas por meio de marcadores especí- 1.2 você acredita nisso? em termos de possibilidade?
ficos: onde, como quem, por que etc. O texto sob análise registra um L! eu acredito.
marcador desses na linha 1175: "ele leciona onde?" Esses marcadores são (linha 1676-78)
normalmente "iniciais", mas no caso sob análise, o marcador onde foi
deslocado para o final do turno, a fim de que "ele" (isto é, o marido onde eu acredito corresponde a uma resposta dentro da orientação temática e
de L1) ficasse em destaque no início da pergunta. argumentativa da pergunta.
Como marcador específico, mas não único de sinalização da atitu- Há quem pense que o emprego do mesmo sinal do ouvinte como ahn,
de do falante em face do que vai dizer, retomemos o marcador eu acho ahn em quatro ou cinco espaços consecutivos significa "desinteresse". Tal afir-
que nos enunciados: mação, porém, nos parece muito relativa. Dependerá muito do tipo de entonação
que acompanha a produção desses elementos. Naturalmente poderá significar en-
92 93
fado, se se tratar de uma entonação como a que costuma acompanhar a d) repetições, principalmente de palavras gramaticais (preposições,
produção de baixos murmúrios. Não parece ser o caso, todavia dos pre- artigos etc.): "a a minha profissão" (linha 1202), "eu::... eu me preparei"
sentes marcadores: L2 revela-se sempre muito interessada, (linha 1196)
Quanto aos marcadores do falante, o texto registra uma ocorrência
de ahn:t... (linha 1189); duas de ah (linha 1201); uma de àah:: (linha e) cortes de palavras ou de entonação, interrupções sintáticas ou
1194); uma de ah ah:: (linha 1207), uma de ah ahn... (linha 1223) e uma semântico-sintáticas: "a:: a profi/ o a advocacia do Estado" (linha 1165-6),
de eh eh (linha 1231).
Essas ocorrências sinalizam momentos maiores ou menores de he- meu serviço" (linha 1207), "a/' (linha 1188), "a professora ela/" (linha
sitação, revelando vários aspectos relacionados às condições de produ- 1241), então../ mas eu acho que (...)" (linha 1245). Esses exemplos mere-
ção ce transmissão do texto falado. Pode-se denominá-los, portanto, de cem uma análise mais profunda:
marcadores de hesitação. Deve ficar claro, porém, desde já que não são
apenas esses elementos que marcam a hesitação do falante na conversa- "a:: a profi/ o a advocacia do Estado" (linha 1165-6)
ção. O texto analisado apresenta muitos outros marcadores, que sozinhos
ou em coocorrência, revelam momentos de hesitação, sinalizando nor- Observa se aqui, após o corte na palavra "profissão" e nova hesita-
malmente a intenção do falante em manter o turno, enquanto planeja a ção (o a), a substituição dessa palavra por "advocacia". Na sequência
sequência. Por se tratar de fenômeno típico e muito frequente no texto toda observam-se, na verdade, quatro marcadores de hesitação: alonga-
convcrsacional, ressaltamos no texto sob análise, entre outros, os seguin- mento no "a", repetição desse artigo, corte na palavra "profissão" e alter-
tes marcadores de hesitação: nância dos artigos o a. Tudo, possivelmente, por causa da escolha do
termo "profissão", "advocacia" ou ainda alguma palavra do gênero mascu-
a) alongamentos, combinados ou não com pausas: anos:: (linha lino.
1163), a:: (linha 1165), então::..ele:::... (linha 1173), e::: (linha 1182),
aho::... (linha 1199), opção::: (linha 1200), pela:: (linha 1169), Neste últi- "e eu não/ eu sou leiga eu não entendo" (linha 1185)
mo caso, o alongamento parece significar também pedido de socorro.
Com efeito, a interlocutora (L2) vem em auxílio da parceira, dizendo em Aqui, o corte no contorno entonacional do não foi para possibilitar
sobreposição de voz (linha 1170) a mesma palavra proferida por ela: a introdução antecipada da justificação "eu sou leiga", após o que a locu-
tora retoma desde o início o enunciado suspenso na palavra não/,dizen-
LI1 (...) ele precisava optar pela:: do: "eu não entendo..."
L2 dedicação
[ — "saí do::... ah ah:: pedi demissão do meu serviço"
LI1 dedicação exclusiva (linha 1207)
b) pausas longas: e::... (2 seg) (linha 1166), então eu... (2 seg) saí Trata-se aqui de uma interrupção sintático-semântica. L1 abando-
do::... (2 seg) (linha 1207), então eu::... (2 seg) (linha 1220) etc. na, após do::... ah ah::, o enunciado iniciado, optando por outra estrutura
sintático semântica, substituindo o verbo e respectiva regência sair de
c ) pausas preenchidas por elementos lexicais, como assim, já co- por pedir.
mentados: linha 1199, 1226, 9, 31, 33; Finalmente, vale destacar que os momentos de hesitação decorrem
de várias causas: falta/falha de planejamento verbal e/ou semântico pré-
vio; desconhecimento do assunto, de vocabulário ou de certas estruturas
lingúisticas; falhas de memória etc.
94 95
Outro tipo de marcador bastante freqiiente no pequeno texto refe-
A ocorrência da linha 1235 exemplifica um encerramento de turno,
re se aos marcadores de teste/busca de apoio para a progressão conver- com passagem "consentida" da vcz.
sacional ou "busca de aprovação discursiva". Trata-se também de Frequentemente esses testadores de apoio ou atenção do interlocu-
marcadores do falante, razão por que todos que serão relacionados fo- tor vêm precedidos c/ou seguidos de pausa (8 dos 13 casos) e, também
ram produzidos por L1, que é quem basicamente exerce: esse papel no com frequência, precedidos, seguidos ou sobrepostos sintomaticamente
texto sob análise. Apresentam três formas básicas e uma variante: sabe? do respectivo marcador de apoio ou atenção. (5 dos 13). Sirva de exem-
(8 vezes: linha 1173, 1183, 1197, 1205, 10, 13, 38, 45), certo? (1 vez: linha plo a sequência abaixo:
1180), não é ? (3 vezes: linha 1187, 1235, 44) e uma sua variante: né ? (li-
nha 1166) num total de 13 marcadores. LI (..) cu me preparei para ser... mãe de muitos
A primeira observação que cabe fazer é que se trata de uma espé- filhos... sabe?
cie de pergunta retórica, que abre expectativa de "resposta", mas apenas L2 ahn aho (linha 1196-98)
no nível pragmático e dificilmente com implicações semânticas.
Esses marcadores posicionam-se normalmente no final de unidades A pausa precedente ao testador sabe? parece evidenciar a expecta-
entonacionais”, podendo ocorrer também como marca de passagem con- tiva do falante quanto à manifestação de apoio ou atenção do seu interlo-
sentida ou forçada de turno. eutor.
Analisemos o trecho seguinte: Por outro lado, a posição desses marcadores de busca de apoio
no final de uma proposição reveste-lhes de uma intenção argumentativa,
1207 L1 então eu...(2 seg)saí do::...(2 seg)ah ah:: pedi demissão do meu na medida em que frisam a proposição que finalizam. Nesse sentido, são
serviço mas consciente de que aquilo era o melhor...para
designados "marcadores que buscam aprovação discursiva no contexto
aquela família que se iniciava
de argumentação e interação". Essas observações e a expressão "busca de
[
1210 I2 ahn aho aprovação discursiva" são devidas a W. Settekorn.(1977)
Li sabe?...e:: O texto. analisado revela alguns poucos elementos de mais difícil
L2 € realmente você conclui agora
caracterização como marcadores conversacionais. Trata-se de palavras
1 () que a gramática tradicional classifica como conectivos que ligam palavras
L2 que foi melhor?
1215 LI que foi melhor (...) ou orações, mas que aqui assumem funções de conectores pragmáticos
(linha 1207-15) (Stubbs 1987:87), ligando eventualmente unidades linguísticas, mas en-
quanto atividades de fala. A posição privilegiada é virem no início de tur-
nos ou unidades entonacionais, Vamos nos restringir a dois elementos
A ocorrência da linha 1211 exemplifica uma passagem "forçada". classificados na gramática tradicional como conjunções coordenativas:
L1 terminara de produzir a unidade entonacional "consciente de que
e, mas, que também mereceram atenção no capítulo 8 deste livro.
aquilo era melhor para aquela família que se iniciava sabe 9" (linha
1212-14). Quando pretendia continuar seu turno (e:: linha 1211), L2 in-
terrompeu-a com uma pergunta-comentário: "c realmente você conclui Lembremos, inicialmente, com Garcia (1980) que:
agora que foi melhor?" (linha 1212-14), obrigando L1 a desistir da dire-
ção que imprimia à sua fala e a responder, concordando: "que foi me- "Um dos corolários do conceito de coordenação é o
lhor" (linha 1215), (com entonação descendente). de que os termos coordenados devem pertencer ao mesmo
universo do discurso, ou em outras palavras: à homogenci-
(6) Por "unidade entonacional" entendemos a expressão linguística de uma informação ou
idéia, atualizada e reconhecida num dado momento por meio de uma entonação, específi-
dade formal exigida pela gramática deve corresponder uma
ca.
9%
97
homogencidade de sentido exigida pela lógica" não é então/...mas eu acho que um:: trabalho assim...(1.5)
(p.37) [245 DE gabinete... eu gostaria mais sabe?" (linha 123945)
O e é empregado com função pragmática exclusiva ou coocorrente Em "então/...” (linha 1244) LI esboça uma estrutura, interrompen-
com outra função, entre outros casos, nas linha 1164, 6, 74, 82, 92, 1210. do-a, porém, sintática e semanticamente. Ao reiniciar à fala com mas, su-
Analisemos alguns deles: gere um contraste semântico com aqutio que teria intenção de dizer no
enunciado apenas esboçado pelo então. Na verdade, o contraste sugerido
a) (...) ele teve escritório no início da carreira(...) depois... ainda talvez esteja menos na base de uma relação semântica do que na base de
com escritório... e como ele tinha liberdade de advogar ele tam- uma lógica argumentativa mal esboçada. De qualquer forma fica claro
bém... exercia a:: a profi/ o a advocacia do Estado né? — (linha que a simples conexão gramatical adversativa não ocorre, prevalecendo a
1162-65) função pragmática, embora há que se reconhecer no mas o clemento
cocesivo que continua sendo, Nessas condições, são válidas explicações
Neste caso, feita uma análise sintática tradicional, verifica-se que a como:
esperada coordenação gramatical sugerida pelo e (a adição) não ocor-
re, uma vez que ao e se segue uma estrutura não paralela (não coordena- "o mas não é uma negação do dito e sim uma propos-
da), sintaticamente falando. Os casos seguintes são semelhantes, mas
ta de reordenação num outro ponto de vista"
ressalta nos ee a função de marcador de continuação narrativa: (Marcuschi 1989:299)
"É esse freio à continuação do pensar, ou do falar que
b)L20) o mas marcador conversacional parece indícar quando ir-
L 1 e::: e deu-se muito bem no magistério
rompe na conversação" (Moraes 1987:113)
(linha 1182)
e) LI (...) fica feliz da vida... em poder transmitir
... 0 que ele sabe... e os processos também(...) são muito
Por essa pequena análise, percebe-se a gama de funções específicas
bem estudados... que os marcadores conversacionais podem desempenhar, No bojo dos
(linha 1183) diversos artigos deste livro várias outras funções são referidas. Algumas
mencionadas por nós receberam denominações paralelas.
No item b) é típica a função de continuador narrativo, caracterizan-
do ainda a ligação não de unidades lingiísticas mas de atos lingúisticos;
função que revela também na linha 1212: "e realmente você conclui agora 5. Comentários conclusivos
que foi melhor",
Quanto ao mas, além de "pedi demissão do meu serviço mas Os marcadores conversacionais são elementos lingúísticos que es-
consciente de que aquilo era o melhor" (linha 1207-8), onde mas liga truturam o texto, considerado não só como uma construção verbal cogni-
estruturas não paralelas, sintática e semanticamente falando, sem liva, mas também como uma organização interacional interpessoal. Ou
qualquer sentido aparente de oposição e contraste, no nível da estrutura seja, são recursos que sinalizam orientação ou alinhamento recíproco dos
superficial, podemos analisar a seguinte ocorrência: interlocutores ou destes em relação ao discurso,
Enquanto recursos verbais, esses elementos são normalmente va-
1239 — (.)euachoque me
7zios ou esvaziados de sentido e não colaboram para o referencial tópico
realizaria mais... como orientadora do que como
professora quer dizer a professora ela... no fundo do texto, podendo, porém, às vezes, modalizá-lo,
cla é uma orientadora... porque:: quase sempre cla é
procurada pelos alunos...(1,5) quando surgem os problemas
98 99
Ocorrem com frequência como estruturas sintaticamente indepen- 4) marcadores de apoio/ monitoramento do ouvinte: ahn ahn (6),
dentes c entonacionalmente autônomas. Os marcadores de monitora- ubn ubn (1), sci (1).
mento produzidos pelo ouvinte normalmente equivalem a turnos.
Os marcadores posicionam-sce, de modo geral, antes ou depois das Se atentarmos para à natureza desses marcadores, obscrvaremos
unidades conversacionais. Quando a unidade é maior do que à unidade que os de números 1, 2 c 3 são de produção natural do papel de falante e
entonacional, como o turno ou o tópico, podem também posicionar-se no foram usados por L1, enquanto os de número 4, do ouvinte, foram utili-
seu interior, 7zados por L2. Tal distribuição explica plenamente a atuação de L 1 como
O aspecto relevante dos marcadores é o das funções que desempe- falante e de L 2 como ouvinte, conforme também fica justificado pelo vo-
nham, Pode-se dizer que desempenham funções mais genéricas e funções lume de produção de L1 (cerca de 85%) e de L2 (cerca de 11%), além
mais específicas, sendo bem genérica a função articuladora ou estrutura- dos 4% da Doc.
dora. São específicas as funções de monitoramento do ouvinte ao falante
ou a de busca de aprovação discursiva pelo falante em relacão ao ouvin-
tc, ou ainda, de sinalizadores de hesitação, de atenuação ou de reformu- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
lação por parte do falante, ou ainda, de sua intenção de asserir ou
perguntar. CASTILHO, A.T. "Para o estudo das unidades discursivas" In: Ataliba
Perguntas freqilentemente introduzem tópicos ou mudanças de tó- Teixeira de Castilho(org.) Português culto falado no Brasil, Cam-
picos. Há marcadores que normalmente encerram unidades, enquanto pinas, Edit. da UNICAMP, 1989:249-279,
outros normalmente as introduzem: marcadores de busca de apoio ge- CASTILHO, A.T. & PRETI, D. A linguagem falada culta na cidade de
ralmente encerram; marcadores de continuação, de mudança de tópico São Paulo. v.IlL - Diálogos entre dois informantes. São Paulo, T.A.
(ou subtópico) iniciam unidades; marcadores de hesitação são regular- Queiroz/FAPESP, 1987,
mente localizados no interior das unidades, inclusive das unidades ento- GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. 8 cd. Rio de Janeiro,
nacionais mínimas. FGV, 1980. |
O presente estudo não é — nem poderia ser — exaustivo, de vez que ILARI, R. e GERALDI, J. W. Semântica. 2 ed. São Paulo, Ática, 1985.
os marcadores conversacionais são organizadores de grande complexida- KOCIL 1. Argumentação e Linguagem. São Paulo, Cortez, 1987.
de e frequência em qualquer texto falado, Além do mais, permeiam pra- MARCUSCIII, L. A. "Marcadores Conversacionais no Português Brasi-
ticamente todos os demais temas. No entanto, apenas para ilustrar uma leiro: formas, posições e funções" In: Ataliba Teixeira de Castilho
possível conclusão, podemos dizer que os marcadores que mais sc desta- (org) - Português culto falado no Brasil. Campinas, Edit. da UNI
cam pela frequência, recorrência e função no pequeno texto analisado CAMP, 1989:281 322.
são: MORAES, L. C. D. Nexos de coordenação na fala culta de São Paulo.
Tese de Doutorado, FFLCH/USP, 1987.
1) marcadores de hesitação: ah (3), ah ah, ah abn, eh eb, num to-
SAID ALI, M. Meios de expressão e alterações semânticas. 3 ed. rev.
tal de 7; alongamentos de vogais: quase 30; pausas longas; cerca
Rio de Janeiro, FGV, Inst. Doc., 1971.
de 15;
SETTEKORN, W. - "Pragmatique et Rhéthorique Discoursive" Journal
of Pragmatics 1, North-Holland Publishing Company, 1971.
2) marcadores de teste de participação ou busca de apoio: sabe?
STUBBS, M. Discourse Analysis: The Sociolinguistics Analysis of Natu-
(8), né? / não é ? (4), certa? (1);
ral Language. Oxford, Brasil Blackwel, 1983.
3) marcadores de atenuação da atitude do falante: eu acho que TAGNIN, S. O. Expressões idiomáticas e convencionais. São Paulo,
(2), tenho impressão de que (1); Ática, 1989.
100 101
5. PROCEDIMENTOS DE REFORMULAÇÃO:
A PARÁFRASE
1. Introdução
2. O texto
103
área administrativa ... hoje ele realmente:: se encontra
Po
dd
em grande percentagem na Área administrativa ... inclusive ele vai ... suprir perfeitamente ... vai atender
seria isso porque | perfeitamente à necessidade da empresa ... NAquele
já estaria .., esgotada à área
técnica? aspecto ... como à empresa às vezes não tem
disponibilidade financeira para ... para manter um
não não seria ... talvez
600 indivíduo estudando ... como modificar sua (té/) como
ou seria mais uma razão dum status dum indivíduo de ...
aperfeiçoar tudo is O ... que isso vai acarretar gastos
digamos ... um ... engenheiro metalúrgico ... ficar no
muito grandes então ela prefere ... absorver um
meio de operários qualquer coisa assim ... preferisse...
técnico ...cle executa perfeitamente FAZ
eu não sei porque:: talvez tal VEZ ... o 0 fato da da
a máquina funcionar ... € o engenheiro fica de uma certa
« desse campo da pesquisa que é realmente um pouco
605 forma deslocado ... acredito também seje esse UM
ingrato né? ... em virtude do do próprio fato de nós não
El
cconomistas e administradores
Psicologia ... Economia ... ce Medicina estão:: ... os
campos estão saturados
!
Li nós temos que estudar bastante né? ((risos))
LI por incrível que pareça hoje em dia falar em pesquisa
L2 precisamos qualidade né?
1... achar que a pessoa vive de poesia né? ...
Lt é exato porque:: ... dentro da profissão acho que ...
((vozes incompreensíveis)) você não acha?...
Ps
1
104
105
640 sempre ele é melhor aceito né?
L2 certo... de diálogo, isto é, alternam os papéis de falante e ouvinte, interagindo
LI agora:: ... ((pigarreou)) inclusive falando um pouco entre si. No papel de falante, cada um busca o objetivo último de levar o
da Medicina aí você veja como é que está à situação
hoje ouvinte a mostrar uma certa reação”. No presente diálogo, o falante per-
em dia ela está:: socializada né? ... ela está::
645
| segue quase sempre o objetivo de levar o seu interlocutor a erer no que
completamente o regularizada através de dessas
diz. Para tanto, porém, ele precisa alcançar um objetivo anterior: que seu
interCLÍnicas
L2 VÊ nios
exato con enunciado seja lingúisticamente construído de mancira tal que o ouvinte
[ reconheça a intenção comunicativa do falante, isto é, que lhe compreen-
Lt à situação do médico ... também é uma situação difícil
...
da o enunciado. Em outras palavras, ao falante cabe oferecer uma "pro-
em termos de mercado de trabalho também é uma posta de compreensão" ao ouvinte, à partir da qual este possa mostrar a
650 situação difícil ... HOjejá está existindo também ...
reação esperada.
muita quantidade ... está existindo uma certa facilidad
inclusive parece que existe ... leis aí ... éhi: ... leis
e . Construir lingúisticamente o enunciado ou, em sentido mais amplo,
em
termos de fiscalizar essas escolas de Medicina porque (ter) o texto, significa dar forma ce organização lingúística a um conteúdo, a
uma escola de Medicina tem que ter ... naturalmente um uma idéia, cnfim, a uma intenção comunicativa, o que permite dizer que,
655 um hospital ... tem que estar ligada à um hospital para na construção lingúística do enunciado, desenvolvem-se atividades de
poder atender:: ... atender as:: ... exigências do curso formulação.
do curso de Medicina
“Nas condições de produção do diálogo, essa intenção comunicativa
L2 do curso não é anteriormente planejada. Quando muito, tem o falante uma vaga
so Li o médico hoje em dia ele está... se sujeitando mui:sto noção do que vai dizer ao iniciar o seu turno. Em geral, ele toma a pala-
Mn a Empre:gos tal... à situação do médico eu acho vra e segue falando com "destino incerto", que só se definirá na evolução
que está ... bastante difícii do turno, ou scja, na sequência da formulação. Nesse sentido, então,
Doc. mas dificuldade existe mesmo com as especializações?
12
construir o texto consiste também em plancejá-lo,
eu creio que existe ...
Em suma, destaque-se a simuliancidade desses dois procedimen-
6ós Li olha mesmo com as especializações ... tem as boas tos: construir o texto falado é desenvolver-lhe o planejamento, na medida
65 espe/ especializações as que dão dinheiro... então por em que evolui o processo de formulação. Na realização da atividade co-
exemplo posso te citar se você ... diz que ... olorrino. municativa, a intenção não é anterior à formulação. A intenção é "cons-
...
é uma coisa que dá muito dinheiro ... psiquiatria pô... truída" na ec pela formulação, e o planejamento de uma atividade
dando fortunas ... certo? ... São Paulo é uma cidade
comunicativa só se completa com a construção do enunciado concluída.
cheia de problemas ... ((falou rindo)) ... então psiquiatria
670 está Stimo «.. € de que que você precisa de um divã e
É precisamente esta preocupação simultânea com o "dizer" e com o
paciência para ficar ouvindo ... diz que está dando muito "que dizer" que vai deixar evidente, no texto falado, uma série de marcas
. Psiquiatria ... otorrino ... é outra coisa... oftalmologia responsáveis pela caracterização específica de sua formulação. Elas
« diz que dá bastante ... mas pega um clínico geral... explicitam os procedimentos a que o falante se vê impelido a recorrer
Por incrível que pareça é o que mais ... estuda ... certo? para levar a bom termo o seu objetivo comunicacional. No dizer de
675 ... é O que tem a MAIOR especialização ... em RATH (1979, p. 20), "o processo da construção textual com todos os seus
compensação é o mais injustiçado ...
desvios, = reinícios, repetições e correções é diretamente observável.
Pode-se, portanto, no âmbito da língua falada, assegurar que o texto
3. À construção do texto: formulação e planejamento
consiste, em parte, em produzir o texto como tal..."”. Ou, como diz AN-
(1) Segundo MOTSCIH e PASCH (1987, p. 27-28), são três, em princípio, as reações possí-
| MN segmento conversacional transcrito acima, realiza veis do ouvinte, correspondentes a três objetivos comunicacionais básicos do falante: (a)
m atividades
lingúísticas dois interlocutores: L1 e L2. Eles se encontram que o ouvinte responda à uma pergunta; (b) que o ouvinte cereja em algo; (c) que o ouvinte
numa relação
ê realize uma ação,
106
107
TOS (1962, p. 183), o texto falado mantém explícitos todos os traços de (1)
LI - o exemplo que nós/! que nós que nós temos
seus status nascendi. Nisto ele se distingue do texto escrito, no qual, ao vi isto aí é que principalmente dentro da
menos em grande parte, as pegadas do processo de construção estão área -de investimentos/" ... eu tenho f tenho
apagadas. acompanhado áqui. .
o Engenheiro está muito bem situado...
ele está exercendo perfeitamente aP..a função
4. O fluxo da formulação: descontinuidades e problemas dele... e exercendo/” ::a contento inclusive...
então/”:: eles estão//
108 109
- em /11, pela pausa, repetição "para" com alongamento da vogal
Sob o enfoque do analista do texto, formam as primeiras quatro
final, seguido de nova pausa;
linhas um enunciado semântica e informacionalmente completo, o que
- em /12, pelo alongamento da vogal final de "realmente!::"; teoricamente poderia levar o falante a dar continuidade a seu turno
- em /13, pelo alongamento de "já::", seguido de pausa e da diretamente com a conclusão, a qual ele começa introduzir mais adiante
repetição dessa forma; com "então:: eles estão", conforme mostra a seta. Tudo indica, porém,
- em /14, pela pausa. que ele sente ser a expressão "muito bem situado", do ponto de vista
semântico e, portanto, do ponto de vista do reconhecimento da intenção
Pelo visto, as descontinuidades aqui apontadas se manisfestam em comunicativa por parte do ouvinte, não suficientemente explícita. Esse
hesitações que, em linhas gerais, se realizam da seguinte forma: (a) o fato poderia gerar problemas de compreensão ao ouvintee, quem sabe,
[alante pára o desenvolvimento da formulação; (b) preenche com pausa até provocar um pedido de esclarecimentos. O falante então se antecipa.
alongamentos ou outros recursos à lacuna de tempo necessária para Interrompe, de certa forma, a sucessão de enunciados que realiza o
definir uma alternativa de formulação adequada”; (oc) definida cesta percurso informacional de seu turno e se atém aum deles, retomando-o,
alternativa, com ela continua à formulação. Às vezes, ao prosseguir, o em forma de paráfrase, para dar-lhe maior explicitação. Paráfrase é,
falante retoma (repete) em parte ou no todo o segmento interrompido; portanto, um enunciado que reformula um enunciado anterior,
Outras vezes, não dá continuídade à estrutura sintática do segmento ' mantendo com este uma relação de equivalência semântica. Em termos
interrompido, retomando-o só adiante, depois de intercalar um mais simplês, a paráfrase retoma, com outras palavras, o sentido de um
enunciado com estrutura sintática estranha à que estava em curso (cf, /3). enunciado anterior. Ela, portanto, supõe sempre um enunciado de
Como dissemos, as. hesitações sinalizam. descontinuidades que origém com o qual está em relação parafrástica. Destaquemos esta
denunciam problemas de formulação prospectivos, 'ou seja, o falante relação neste segmento:
deles se dá conta antes de os formular ao contrário do que acontece com
os retrospectivos, os quais, como veremos à seguir, também geram GC) ; e Sa
FO] 1! pengenheiro
está muito bem situado...
descontinuidades — de características próprias — no fluxo formulativo do
texto.
(linhas 548-550)
4.2 Problemas retrospectivos
EO é o enunciado de origem. ER é o enunciado que reformula (=
Destaquemos do texto o seguinte segmento: enunciado reformulador) EO, tratando-se, no caso presente, de uma
reformulação parafrástica. Procedimentos idênticos com finalidades
& semelhantes analisaremos adiante, nas relações parafrásticas que
11-| que nós nós que nós temos visto aí é que principalmente destacamos do texto aqui em foco. e
|dentro da área de investimentos ... cu tenho tenho Mas, se à reformulação parafrástica revela uma descontinuidade no
|acompanhado aqui ... fluxo formulativo do texto, bem mais explícita ela aparece numa
|o engenheiro está muito bem situado ...
ele está exercendo perfeitamente à. à função reformulação de naturéza corretiva, Por meio da correção, o falante
dele ... e exercendo!” à contento inclusive ... anula, total ou parcialmente, a formulação anterior.
entá ot: cles :stão e.
Assim em:
(linhas 544 a 551) 4
O L1 - então eu tenho impressão de que quando
Oo menor... já:: estiver assim... pela
(3) Note-se que poucas vezes o falante sustenta o tempo para encontrar
uma formulação EO quarta série
adequada somente por meio de uma pausa. Em geral, preenche-o com alongament ER terceira quarta série... ele já estará mais...independente
os ou
repetições. Tal procedimento sinaliza o fato de que ele não quer entregar o seu
turno.
Uma pausa mais longa enscja ao ouvinte à oportunidade de tomar o turno. (CASTILHO & PRETI, 1987, p. 267, linhas 1225-1228)
110 111
u titia;
ER corrige parcialmente EO, passando da formulação "quarta série”, que pre destinadas a solucionar os problemas que as deflagraram. Nesse sen-
determina uma faixa de tempo mais delimitada, para "terceira quarta sé- tido, são atividades que procedem à reformulação de formulações ante-
rie", definindo assim um recorte mais amplo no tempo. riores, o que lhes dá o caráter metaformulativo c o nome de atividades
Já em: de reformulação.
112 113
5.2 O caráter reformulador do segundo componente estabelece entre um enunciado de origem e um enunciado reformulador
uma relação de equivalência semântica, responsável por deslocamentos
Denominamos a paráfrase e a correção de atividades de reformu- de sentidos que impulsionam a progressividade textual.
lação pelo fato de o segundo enunciado reformular o primeiro. Com cfei- As relações parafrásticas podem ser focalizadas sob diferentes ân-
to, nos exemplos com que acima ilustramos nossas explicações, as pulos. Restringir-nos-emos, aqui, a apreciá-las sob três deles que nos pa-
atividades de paráfrase e de correção foram deflagradas por algum pro- recem explicar melhor as suas funções na progressiva construção do
blema de formulação, o que também determina, no complexo processo (exto: o aspecto distribucional, o aspecto operacional e a semântica das
de formulação textual, a sua função primeira e imediata: a solução de relações parafrásticas.
problemas desse tipo, Para atenderem a tal objetivo, as formulações pa- Queremos assinalar que, nos segmentos a seguir analisados, identi-
rafrástica e de correção distinguem-se de seus enunciados de origem, por ficamos as relações parafrásticas, dando ao enunciado de origem o nome
apresentarem variações sintáticas, lexicais, fonéticas ou suprassegmen-
de matriz (M) e ao enunciado reformulador o nome específico de pará-
tais, nas quais se identifica, precisamente, o caráter reformulador dessas
frase (P).
atividades.
6.1. A distribuição dos constituintes das relações parafrásticas
5.3 A distinção entre atividades de reformulação
Observemos estes segmentos de nosso texto:
Tdentificamos os traços comuns que permitem classificar a paráfra-
se e a correção como atividades de reformulação. Cabe agora definir os
critérios que as distinguem entre si, A distinção se baseia, fundamental- [1 porque realmente houve assim uma:: ... uma fuga ...
mente, na especificidade da relação semântica entre enunciado de ori- do engenheiro
gem e enunciado reformulador. A paráfrase mantém como seu M | da..daárcade produção...
enunciado de origem uma relação de equivalência semântica, ou scja, P | doslaboratórios
de experiências para ...
ela dele retoma, em maior ou menor grau, o conjunto de traços semânti- paraa...
cos (conforme veremos especificamente em 6.3.). Nesse sentido, a repeti- L2 área administrativa
ção pode ser considerada um caso-limite de paráfrase, na medida em que Li área administrativa ...
manteria com o seu enunciado de origem o grau máximo de equivalência (linhas 551-555)
semântica,
“Na correção, ao contrário, a relação entre enunciado de origem e ())
Ll mas pega um clínico gera! ... por incrível que
enunciado feformulador é de contraste semântico, uma vez que este anu-
pareça
la, total ou parcialmente, à verdade daquele, corifórme ficou evidente no
mM | é o que mais ... estuda .., certo? ...
segmento (5). " | í MAIOR iali
Distinguidas assim entre si as atividades de reformulação, ao menos
(linhas 673-675)
em seus traços essenciais, fixemo-nos, daqui para frente, somente nas pa-
ráfrases. As correções serão objeto de análise em trabalho específico, em
(10)
outro texto deste volume. poxa em outras épocas aí ... talvez hoje mesmo..
M | existia uma uma rivalidade entre.o engenheiro e o técnico...
L2 existe ...
6. A paráfrase P | LI eles brigam pelas posições...
[
Relembramos que parafrasear é, dentro do processo de construção 12 existe ...
do texto, uma atividade lingiística de reformulação, por meio da qual se (linhas 585-590)
114 115
a) mento do texto; às últimas estruturam a conversação num nível mais
abrangente. Dessas funções trataremos no final deste tópico.
No texto aqui em análise, quase todas as paráfrases são adjacentes.
1IOje já está existindo também... muita quantidade...
Só duas não sc enquadram nesta categoria, as quais estão destacadas nos
está existindo uma certa facilidade inclusive dois últimos segmentos acima.
parece que existe ... leis aí ... éh:! ... leisem No que respeita às funções, a distinção entre paráfrases adjacentes
termos de fiscalizar essas escolas de Medicina e não adjacentes é especialmente importante, por revelar diferentes ní-
porque uma escola de Medicina tem que ter...
veis e correspondentes graus de complexidade da organização do texto
naturalmente um::... um hospital ... tem que estar
ligada a um hospital para poder atender:: ...
conversacional. As paráfrases adjacentes exercem funções locais na com-
atender as:: . . exigências do curso do curso de Medicina posição da trama conversacional, resolvendo tanto problemas de nature-
L2 do curso 7a especificamente interacional quanto. problemas determinados pelo
! L! Édi desdobramento temático-argumentativo do texto e pela busca de ade-
“| quação vocabular na construção de enunciados.
Já as paráfrases não adjacentes funcionam como estruturadoras de
tópicos conversacionais mais longos e abrangentes, na medida em que as-
seguram unidade a uma abordagem temática, demarcam diferentes eta-
a» pas de seu desenvolvimento c lhe dão à conclusão necessáriá. Todas
L1
M essas atribuições convergem para definir uma função geral das relações
parafrásticas com paráfrases não adjacentes: realizar uma atividade lin-
São Paulo é uma cidade cheia de problemas... úística dominante em relação a outras consideradas subsidiárias na
((falou rindo))... então a psiquiatria está — construção de um tópico. Quando visam a concluir o desenvolvimento de
ótimo... e de que que você precisa de um tópico, apresentam-se, normalmente, na forma de resumos.
um divã e paciência para ficar ouvindo...
P | diz que está dando muito... psiquiatria...
6.2 À operacionalização nas relações parafrásticas
(linhas 666-672)
Numa relação de diálogo entre L1 e L2, como a apresentada no
As relações parafrásticas nesses segmentos extraídos do texto que
texto que estamos analisando, podem ocorrer as seguintes possibilidades
estamos analisando revelam a existência de paráfrases que seguem ime-
diatamente a matriz (segmentos 8, 9 e 10) e de outras que só se manifes- de produção de paráfrases:
tam mais adiante na sequência textual (segmentos 11 e 12), isto é, entre a) o falante (L1 ou L2) parafraseia o seu próprio enunciado, iden-
elas e a matriz insere-se um segmento textual mais ou menos longo”. tificando-se, neste caso, uma autoparáfrase;
As paráfrases do primeiro tipo damos o nome de paráfrases b) um interlocutor parafraseia o enunciado produzido pelo outro,
adjacentes; às outras, de não adjacentes. À pertinência dessa clas- realizando-se, assim, um heteroparáfrase. |
sificação está no fato de umas outras excrcerem funções distintas na Além disso, é preciso distinguir a produção em si da iniciativa da
construção do texto: às primeiras cabe uma função local no desenvolvi- produção da paráfrase. A iniciativa da atividade cabe àquele que desen-
cadeia o ato de parafrascar. Neste sentido, tem-se:
(4) Por segmento inserido não entendemos uma mera fórmula ratificadora (como é o caso a) uma paráfrase auto-iniciada, quando ela é desencadeada por
da manifestação de L2, no segmento 3) nem a simples tentativa frustrada de retomada do quem a produz; = | |
turno por parte do interlocutor,
116 117
b) uma paráfrase heteroiniciada, quando cla é desencadeada por tificação desejada, o que ocorreu por meio de "é verdade", Caracteriza-se
um interlocutor e produzida por outro, assim uma autoparáfrase heteroiniciada.
A seguir, analisaremos quatro relações do texto aqui em foco, sele-
.cionadas para exemplificar cada uma das formas de operacionalização
que distinguimos. Relação (c):
Relação (b): 6)
L1 .(uma)de no::ve... e a outra de seis...
(14) M | Doc ascenhora. procurou dar espaço de tempo entre um e
1! — porincrível que pareça hoje em dia falarem OUtro..
M! pesquisa é:: ... achar que a pessoa vive de poesia P |L2 aconteceram ou foram programados
né?u, ((vozes incompreensíveis)) você não acha?... Doc. — (isso)... faz favor
Doc. (Jos..
PI |L) hoje:: fazer pesquisa é viver de poesia... (CASTILHO & PRETI, 1987, p.136, linhas 01-09)
P2 | não dá
Doc. — ((riu)) é verdade
L1 e L2 vinham conversando a propósito do número de filhos de
(linhas 573-578) cada uma, da programação de sua concepção, quando Doc interveio com
sua pergunta dirigida a L1. Tendo esta demorado demasiadamente para
Aqui também temos autoparáfrases. O parafraseamento, porém,
tomar o seu turno e dar início à resposta, L2, provavelmente entendendo
foi desencadeado pelo interlocutor de L1, na medida em que Doc hesi-
que L1 não houvera compreendido o enunciado de Doc, reformulou a
tou em ratificar a fala de L1 na matriz (M1). Note-se que este insistiu du-
pergunta desta, retomando a mesma idéia com outras palavras. A refor-
plamente (por meio de "né?" c "você não acha?"”) na busca dessa
— mulação consiste, portanto, numa heteroparáfrase. Quem moveu, porém,
ratificação. Diante da hesitação do interlocutor, L1 decidiu retomar o L2 a tomar a iniciativa da paráfrase foi L1, na medida em que demorou
seu enunciado em duas paráfrases sucessivas até que Doc lhe desse a ra-
em responder à pergunta de Doc. Tivesse ela tomado o turno de resposta
imediatamente, a reformulação parafrástica não teria ocorrido, em prin-
118 119
cípio. Este fato nos leva, então, a distinguir, no segmento (16), uma hete- em que recebe a solidariedade conversacional de seu interlocutor, o que
roparáfrase heteroiniciada. o impele a prosseguir a formulação textual,
Resumindo, podemos dizer que, do ponto de vista operacional, as As heteroparáfrases auto-iniciadas podem também. interferir na
paráfrases podem-se classificar em: condução temática da conversação. Isso acontece, por exemplo, quando
(a) autoparáfrases auto-iniciadas e heteroiniciadas; em relação à abrangência informacional da matriz, dela selecionam, as-
(b) heteroparáfrases auto-iniciadas e heteroiniciadas. pectos, privilegiando alguns e relegando outros a segundo plano.“
As paráfrases heteroiniciadas são menos comuns. Tanto nas auto-
São as autoparáfrases iniciadas as que mais ocorrem no texto paráfrases quanto na heteroparáfrases, ela desencadeiam uma reformu-
que estamos analisandoe nos iálogos em geral, No tocante às suas fun- lação que busca solucionar problemas bem concretos e localizados de
ções, visam precisamente a garantir ao ouvinte a compreensão dos enun- compreensão e formulação com que se deparam os interlocutores.
ciados, a qual poderá, por exemplo, exigir do falante paráfrase que
definam noções e conceitos, precisem ou explicitem uma unidade de sen- 6.3 À semântica das relações parafrásticas
tido, proponham ou cnfatizem soluções, sublinhem pertinências temáti-
cas, procedem à adequação vocabular. Quando acima abordamos os critérios que permitem distinguir
A incidência das autoparáfrases auto-iniciadas parece maior ainda entre si as atividades de reformulação, dissemos que tal distinção se
em turnos longos e, portanto, em textos conversacionais com poucas al- baseia, fundamentalmente, na especificidade da relação semântica entre
ternâncias de turnos ec poucos "sinais do ouvinte" (isto é, sinais do tipo enunciado de origem e enunciado reformulador. Na correção, esta
"unho", "ala ah", "certo", "claro", "é verdade”). Por meio delas, o falante relação é de contraste semântico; na paráfrase, ela é de equivalência
se antecipa à possibilidade de o ouvinte o compreender mal ou nem mes- semântica, na medida em que a paráfrase retoma, em maior ou menor
mo o compreender, Exercem, nesse sentido, uma função preventiva ou grau, a dimensão significativa da matriz.
Efetivamente, as relações parafrásticas que identificamos no texto
profilática na evolução do texto.
Depois
aqui cm análise são todas elas reconhecíveis por algum grau geralmente
das autoparáfrascs auto-iniciadas, chama a atenção, nos
diálogos, a grande incidência de heteroparáfrases auto-iniciadas. São elas acentuado de equivalência semântica entre paráfrase ec matriz. Quando
as que mais nitidamente evidenciam a ação convergente dos interlocuto- falamos, portanto, nesta gradação, admitimos que ela pode ir desde um
res na co-elaboração do texto conversacional. Por meio delas, os interlo- grau mínimo, onde só é perceptível num quadro de conhecimentos extra-
cutores,
textuais comum aos interlocutores, até um grau máximo, traduzido na
num primeiro instante, asseguram-se = mutuamente a
intercompreensão. O autor da paráfrase explicita como compreendeu o- pura repetição. |
enunciado parafraseado e, em geral, recebe de seu interlocutor um sinal Explicitaremos essa noção de grau de equivalência semântica entre
ratificador de que a intenção comunicativa foi devidamente reconhecida, matriz e paráfrasc à luz da análise de três relações parafrásticas selecio-
conforme mostra o segmento (15), que aqui retomamos: nadas em nosso texto.
(linhas 666-673)
120 121
Note-se que a paráfrase mantém uma grande identidade significati- discursivo em que a paráfrase ocorre, os seus traços só em parte
va com a matriz, isto é, a paráfrase explicita os mesmos traços semânticos coincidem com os da matriz. | e
da matriz, estabelecendo um alto grau de equivalência semântica entre os Essas considerações a propósito do grau de equivalência semântica
dois componentes da relação. P é quase uma repetição de M, o que ca- entre matriz e paráfrase nos permitem constatar que, no nível semântico,
racteriza uma equivalência forte. o parafraseamento é um deslocamento de sentido. Ora esse
deslocamento se manifesta do geral para o específico; ora, do específico
Relação (b):
(as)
Li agora:: ... ((pigarreou)) inclusive falando um pouco
ses movimentos.
da Medicina aí você veja como é que está a situação
E
hoje em dia
M | cla
socializada
está:: né? ...
oo LI agora:: ... ((pigarreou)) inclusive falando um pouco
P | cla
compietamente::...
está: regularizada através
de dessas interCLínicas da Medicina aí você veja como é que está a situação
hoje em dia
(linhas 642-646)
M | Ã
Pr
Nesta relação, a base significativa comum já é menor. Na matriz, a
noção de "medicina socializada" aparece ampla e indefinida, isto é, do
ponto de vista semântico, engloba um vasto quadro de traços semânticos. (linhas 642-646)
A paráfrase somente atualiza um desses traços, na medida em que a
acepção de "medicina socializada" está limitada a "está:: completamente Com efeito, a expressão "medicina socializada" reúne um conjunto
regularizada através dessas inter CLÍnicas”. de traços semânticos possíveis de serem atualizados em diferentes con-
textos de comunicação. Mas, nesse parafraseamento, somente um dos
Relação (c): traços é considerado pertinente pelo falante: o de entender, por medici-
na "socializada”", a sua organização em "interclínicas”".
Já nesta relação
(linhas 644-647) e)
M | omédico
hoje em dia ele está
Nesta relação, a base semêmica comum é muito reduzida, icitand .— e:sgostal
configurando, por isso, uma equivalência semântica fraca. Só é possível
estabelecer uma relação parafrástica entre "regularizada através dessas que
bastante
está .. difícil
interCLÍnicas" e "conVÉnios", portanto, a equivalência entre esses (linhas 559-661)
componentes da relação só é perceptível, graças ao conhecimento
extratextual comum aos interlocutores de que a referida "regularização" ocorre um movimento semântico do específico para o geral, na medida
Se dá por meio de "convênios", Manifesta-se, aqui, não uma equivalência em que um traço semântico ("sujeitar-se muito a empregos”) da matriz é
textual, mas uma equivalência referencial, condição bastante para fundar
retomado, na paráfrasc, por uma expressão semanticamente bem mais
uma relação parafrástica.
Do ponto de vista da equivalência semântica, portanto, a paráfrase abrangente ce indefinida ("a situação está bastante difícil") que, no pre-
é dissimétrica em relação à matriz, isto é, em função do contexto sente contexto, engloba aquela.
122 123
Para concluir essas breves considerações sobre a semântica das re- Finalmente, podemos reconhecer paráfrases que se textualizam
lações parafrásticas, queremos com ela relacionar uma tendência na es- com a mesma dimensão sintática de suas matrizes. À guisa de exemplo
trutura formal das paráfrases. Quando, na passagem da matriz para a servem estas relações:
paráfrasc, há um deslocamento de sentido do geral para o específico, ve-
rifica-se uma tendência de a paráfrase, do ponto de vista sintático c Jexi- (ex)
cal, ser mais expandida do que MIL! inclusive ele perfeitamente
val... suprir ...
a matriz. Quando, porém, nessa
passagem, o deslocamento de sentido vai do específico para o geral, P | vai atender perfeitamente a necessidade da empresa...
nota-se uma condensação sintático-lexical da paráfrase. No que respeita; (linhas 596-597)
então, à textúualizáçãoda semântica das paráfrases, identificam-se pará-
frases expansivas c paráfrases redutoras. Além disso, pode ser mantida, 25)
na parálrase, apesar dos movimentos semânticos referidos, a mesma di-
L2 eu acho eu acho que também existe um pouquinho
mensão textualda matriz. Neste caso, registram-se as paráfrases parále-
M| do...
relacionamento...
do da pessoa...
las.
Pr | da
apresentação
do indivíduo dentro de
A expansão parafrástica consiste no fato de o parafraseamento se determinada organização...
realizar por meio de um enunciado, Icxical e sintaticamente mais comple-
(linhas 629-632)
xo do que a matriz, como acontece, por exemplo, no segmento (18) e nes-
ta relação:
Chamamos estas paráfrases de paralelas, porque, em princípio, só
diferem de suas matrizes por variações lexicais, mantendo com elas uma
[63
| Li hoje:: fazer pesquisa é viver de poesia ... simetria sintática.
M Soo
Nestas relações, é muitas vezes difícil perceber os deslocamentos
Doc. —((riv)) é verdade
de sentido acima identificados. Em muitos casos, a paráfrase parece ter
P | Li! — querdizer. o pessoal não teria nem nem para a
uma função semântica sobressalente em relação à matriz, isto é, caso esta
(linhas 577-580) não atenda às exigências de objetividade e clareza significativas para le-
var a bom termo a realização da atividade comunicativa, aquela asscgura,
Quando o movimento semântico da matriz para a paráfrase se tex- com alguma nuança significativa a mais, a qualidade semântica exigida
tualiza numa unidade sintática mais simples, isto é, quando a textualiza- para esse fim. Não raro, essa função é direcionada no sentido de uma
ção da paráfrase se desenvolve em sentido contrário ao da expansão, maior adequação Vocabular ou de uma precisão terminológica. Outras
identifica-se a condensação, como é o caso, por exemplo, no segmento vezes a paráfrase simétrica parece simplesmente concorrer com à matriz,
(19) e nesta relação: para expressar um conceito para o qual o enunciador não encontra uma
formulação específica.
(3) A propósito das funções das paráfrases expansivas e redutoras,
L2 Que eu acho eu acho que também existe um
, do relaci j cabe registrar que às primeiras são devidas as funções de: (a) dar expli-
M d tão do indivíduo d te d ; cações definidoras de matrizes constituídas por noções abstratas; (b) ex-
i isso você não sci se ... se você plicitár, precisando ou especificando, informações contidas nas matrizes.
prestar atenção você:: ... notará às vezes você As explicações ocorrem, com frequência, por meio de excmplificações
possui determinadas ... qualidades superiores a um
competidor seu e você não é aproveitado...
que, então, se identificam com as reformulações parafrásticas. As pará-
PL É uu Sã ão né? ... frases redutoras também exercem duas funções: (a) conferir uma deno-
(linhas 629-636 minação adequada, mais simples ou abrangente a uma formulação
124 125
complexa ou demasiadamente específica da matriz; (b) resumir o conjun-
CASTILHO, Ataliba T. c PRETI, Dino (orgs.) (1987). A linguagem cul-
to de informações que a matriz contém, O exercício desta última função
ta na cidade de São Paulo: diálogos entre dois informantes. São
coincide, normalmente, com o de concluir um tópico conversacional.
Paulo, T. A. Queiro/z/FAPESP, vol. 11.
FUCHS, Catherine (1982). La paraphrase entre la tangue et le discours.
Langue française. Paris, 53:22-33.
7. Considerações finais
GAULMYN, Maric-Madeleine (1986). Reformulation métadiscursive et
Vimos que a produção de um diálogo corresponde à realização su- genêse du discours. Études de linguistique appliquée. Universidade
cessiva c alternada de atividades lingúitísticas. Cada uma delas é movida de Genebra, 63: 98-117.
por uma intenção do falante de atingir determinado objetivo (cf. nota 1). (1987). Actes de reformulation et processus de reformulation.
Para alcançar este objetivo, o falante precisa, fundamentalmente, que o In: BANGE, Pierre (org.) - L'analyse des interactions verbales - La
ouvinte compreenda a sua fala c, assim, reconheça o seu objetivo. Para dame de Caluire: une consultation. Berna, Frankfurt a. M., Nova
tanto, cabe ao falante proceder a uma série de atividades textuais que as- lorque, Paris/Peter Lang, pp. 83-98.
segurem à compreensão (como completar, corrigir, explicar, parafrasear, GÚLICH, Elisabeth e KOTSCHI, Thomas (1983). Les marqueurs de la
repetir, resumir), Atividades desta natureza respondem pela formulação reformulation paraphrastique. Cahiers de linguistique française.
do texto, razão por que as denominamos de atividades de formulação Universidade de Genebra, 5: 305-351.
textual. Entre elas, destacam-se a correção, a paráfrase e a repetição, (1987). Reformulicrungshandlungen als Mittel der textkonsti-
pois, enquanto atividades de formulação, cabe-lhes o papel específico de tuition: Untersuchungen zu franzôósischen Texten aus múndlicher
reformular passagens do texto com vistas à formulação adequada e, em Kommunikation. In: MOTSCH, W. (org.) - Satz, Text, sprachliche
decorrência, à garantia da compreensão por parte do ouvinte. Chamamo- Handlung. Berlim, Akademic- Verlag, Studia Grammatica XXV,
las, por isso, de atividades de reformulação textual. pp. 198-269,
Identificamos, em suma, o parafraseamento como uma atividade de KOCH, Peter & OESTERREICHER, Wolf (1990). Gesprochene Spra-
constituição textual, a que o falante recorre para reformular etapas do che in der Romania: Franzósisch, Italienisch, Spanisch. Túbigen,
desenvolvimento de sua própria formulação textual e/ou da formulação Niemeyer, 1990.
textual de seu interlocutor, visando a promover e assegurar a intercom- KOHLER-CHESNY, Joclle (1981). Aspects explicatils de Pactivite dis-
preensão e a progressividade conversacionais. cursive de paraphrasage. Revue européene des sciences sociales.
Gencbra, Droz, 56:95-114,
MARCUSCHI, Luiz Antônio (1986). Análise da conversação. São Paulo,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ática.
RATH, Reiner (1979). Kommunikationspraxis: Analysen zur Textbil-
ANTOS, Gerd (1982). Grundlagen einer Theorie des Formulierens. Tii-
dung und Texteliederung im gesprochenen Deutsch. Góttingen,
bigen, Max Niemeyer. Vandenhoceck e Ruprecht.
BANGE, Pierre e KAYSER, Hermann (1987), L'organisation d'une con- SHEGLOFF, Emanucl A, JEFFERSON, Gail c SACKS, Harvey
sultation. Approche théorique et empirique. In: BANGE, P. - (1977). The preference for self-correction in the organization of re-
L'analyse des interactions verbales. La dame de Caluire: une con- pair in conversation. Language, 53:361-382,
sultation. Berna, Frankfurt a. M., Nova Iorque, Paris /Peter Lang, VIEHWEGER, Dicter et alii (1977). Problem. der semantischen Analy-
pp. 273-309, se. Berlim, Akademic-Verlag, Studia Grammatica XV.
125 127
6. PROCEDIMENTOS DE REFORMULAÇÃO:
A CORREÇÃO
£&
E.
an
mediocriDAde ... que ela paga muito bem ... então as
pessoas que estão lá dentro não deixam as de fora entrar ,..
então muitos artistas escritores ... ahn compositores
gostariam de ... de ter acesso à televisão mas ela se fecha
550 .. na famosa muralha de mediocridade que agora é um
pouca discutível ... e não se abre mas:: nesse dia ... eu
estava aqui na minha sala ... sintonizei para o canal
quatro ... um programa da::... Elizeth Cardoso...
Brasil Som Setenta e Seis -- eu gosto muito da Elizeth
Cardoso -- .... e daí a pouco quem eu vejo Marília
Medalha ... cantan::do ... umas músicas lin::das ... e
comum a presen::ça extraordinária ... eu acho: .. -
Marília Medalha uma das nossas atrizes MAIS
significativas ... e ela está se dedicando muito à música
560 popular e SEMpre -- creio -- sempre na carreira dela ela
129
se dedicou à nossa música ... vocês devem estar lembrados 600 não SAbem interpretar às vezes não sabem nem sequer
do sucesso ... ah da interpretação dela de Ponteio ... que dizer:: ... as palavras se perdem ... ((buzinas)) c ela não
fo/ do:: daquele menino ela:: ... ela interpreta magnilicamente ...
é família toda interessante inteligente ela o irmão...
E
L2 Ponteio o irmão é maestro né ?
11 do:: ... como é que ele chama ? do autor do Ponteio ? 605 (que) acho que não ...
L2 Edu ... Edu Lobo não é ? !
ovimão cla tem uma irmã que é poetisa
LI Edu Lobo Edu Lobo ... que foi premiado que é muito inteligente também (né ?)
num festival ...
L2 você sabe a história dessa premiação como é que foi ? Li é mas eu acho
L! () eu não estou que não |.
l [
L2 o: 610 L2 jornalista e poetisa
LI bem lembrada LE eu acho que o maestro Júlio Medaglia ele é
L2 o Buarque ... Meda-gli-a e ela é Medalha com Le HH
LL Chico Buarque [
12 o o Buarque queriam dar ... o prêmio para ele ... e ele eu acho que ela modificou
Ri)
A
poetisa ...
LI pois é mas aí não há ... Doc, e sobre o cinema ... o cinema atual ?
L2 premiadas as duas não é ? [
LI aí a Marília então ... aho .., eh cantou lindamente... e o cinema nacional?
ofha o cinema nã/ o atui/ o atual brasileiro eu tenho visto
mais do que cantar eu acho que a Marília tem uma força
Muito porico eu vic o ano passado um filme que me
dramática muito grande o que faz (com) que se suponha
630 deixou MU impressionada ... porque esse filme ...
nela ... uma atriz dramática que não toi aproveitada ... aliás vi dois filmes ... nacionais (batidas de hora de
c é tão raro ... que o ator nosso tenha esses dois rselógio))
predicados ... sabia interpretar:: ... e tenha uma boa Rainha Diaba
VOZ:: e conhecimentos musicais . . que eu :: disse a ela Li é A Rainha DiAba ... que me pareceu assim cem por cento
que ela ah ela ainda não se conhecia ela ainda não tinha nacional ... sem nenhuma influência ... de daqueles:
pal
7
se percorrido porque ela ainda poderia ser ... a estrela lilmes ... de gangsters americanos né? que era um
de um granile musical ... por causa da força marginal bem NO::sso aquele marginal ((rindo)) pobre
interpretativa dela ... que não é comum ... não é ? nós triste com as ... peculiaridades NOssas do submundo
temos às vezes grandes cantores popula::res ... mas que nossa ... e aquele tirado da ... do Marques Rebelo
130 131
o40 680 LI foi ... mas esse já é antigo e foi uma co-produção não é?
A Estrela Sobe ... que eu timbém achei magnífico...
como retrato de uma época ... como justiça que o cinema !
L2 já antigo já faz
fez a um grande escritor ... que foi Marques Rebelo...
muito tempo é
então são dois filmes ... foram acho que foram os dois
11 mas foi uma CO-produção...
únicos filmes nacionais
12 co-produção ( ) com à Argentina ?
l 685 LI agora você vê:: a gente ima/ não não uma co-produção
645 vamos esperar À Muralha não
francesa...
agora Vamos ver se Vai sair
francesa ?
[
com::
se Deus quiser
L2 muito bonito aquele filme
A Muralha né ?
é [
0%) LI com o Camus que seria até um parente do
650 vamos ver há tanto tempo prometida
Albert Camus não é? que era 0... 0 0... 0 diretor do ...
| do Orfeu do Carnaval ., agora você vê não teve
(O) Dinah está com:: ... boas
esperanças de levar agora À Muralha seqiiência ... depois então houve um hiAto grande ... com
mãs produçõ::es ... e agora ... eu acho () éh éh estamos
l
LI Mas agora estão dizendo que 695 vendo ... a lentativa de um cinema ... Mais .. expressivo
estão passando aí um filme muito bom O Predileto do que seja ... do Brasil ... eu tenho confiança nesse
não é ? . você ouviu falar ? cinema ...
L2 é()
LI diz que é um filme também nesta tinha brasiteira ,.. até
achei graça uma amiga minha disse ... "eu gostei muito
1. Identificação do texto
do filme ... porque ele tem sobretudo ... uma cafonice
oo bem brasileira ((tindo)) ...
L2 ah Trata-se de um diálogo entre dois informantes do Projeto NURC/SP
LI retratando determinado mundo" ... eu acho que é muito (Inquérito 333, linhas 534 a 697) (CASTILHO e PRETI 1987:234-264). O
bom ... que 0 Brasil em literatura pelos seus grandes locutor 1 (L1) é uma mulher, de sessenta anos, viúva, jornalista, paulistana,
escritores há bastante tempo... já deixou de ter o seu de pais paulistanos; o locutor 2 (L2), também muther, de sessenta anos,
[66X] cordão umbilical ... preso à Europa .. ex etodoo:: viúva, escritora, paulistana, de país paulistanos, Como se vê, os dados rela-
toda a América Latina já se desprendeu ... desse cordão tivos às interlocutoras fazem prever um diálogo bem equi
umbilical fazendo uma literatura muito ... da terra muito
í (MARCUSCHI 1986:16)
do homem ... nativo ... que é o caso de Gabriel Garcia
Márquez ... e de tantos outros e aqui:: ... no Brasil...
mo exo, o mesmo nível cultural e idêntica posição na
670 Jorge Ama::do e tantos outros ... e:: então agora ... é as profissões são próximas, ambas relacionadas com a co-
no cinema parece também que está havendo essa cao é o uso da língua, O equilíbrio de pap éis na conversação apare-
desvinculação ... do figurino europeu do figurino ce, por exemplo, na escolha dos pronomes «6de
americano ... infelizmente há muito também da chamada QUA. com "você". No entanto, outros elementos “mostram um desequilíbrio
pornochanchada não é ? .., que é uma maneira comercial conver acional que, se não é devido às diferenças de condições sócio-eco-
675 Mas o que se pode dizer ...da pornochanchada aqui se nômicas e culturais, explica-se por fatores de estilo e de temperamento na
ela impera na França sc ela impera no condução do diálogo. Não há dúvida de que a locutora 1, a jornalista, fala
Í bem mais que a escritora, ou seja, conserva seu turno por mais tempo, e di-
L2 H..
rige, de uma certa forma, a conversação: toma c atribui lurnos, controla em
Li mundo todo
L2 um belo filme foi Orfeu do Carnaval serao assunto, responde sempre em primeiro lugar às perguntas do docu-
133
132
mentador. Em suma, tem-se uma conversação, simétrica quanto aos papéis dades que elas oferecem aos artistas nacionais, O trecho em exame inicia-
conversacionais relacionados com o estatuto sócio-econômicoe cultural se aí, com à pergunta que à segunda locutora dirige à primeira a respeito de
das participantes do diálogo, .mas assimétrica quanto às caracilerísticas indi- | Sua crônica sobre Marília Medalha. O texto pode ser divídido cm duas par-
viduais das interlocutoras. tes: a primeira, começada com a pergunta de L2, vai até a intervenção do
Esse diálogo faz parte de uma pesquisa linguística, foi gravado por documentador; a segunda, iniciada com essa manifestação, encerra-se com
um documentador presente e, por isso, está sujelto à uma série de enviesa- nova intervenção do documentador, ainda sobre o cinema.
mentos — caráter mais de entrevista que de conversação, preocupação com
o documentador e com o público. Mesmo assim, é um dos diálogos do ma-
terial do NURC que mais se aproxima do que se convencionou chamar de 2. Caracterização da correção
conversação espontânea ou natural. Em outras palavras, essa conversação
lem o caráter mais intimista do diálogo entre "eu e você, aqui e agora", que
Nesse pequeno trecho é possível confirmar o que se disse no início,
parece caracterizar uma conversação espontânea. Isso se deve, sem dúvida,
Ou Seja, que à correção é uma das características da conversação. Ocorrem
ao fato de que as duas mulheres já se conheciam e eram amigas de longa
nele por volta de trinta e três casos de correção, Vejase seu início:
data e de que, justamente por terem papéis sociais semelhantes e mais ou
menos públicos, se mostram menos preocupadas com o documentador,
12 HH. você escreveu qualquer coisa muito interessante
com à gravação ou com a "entrevista" em si mesma. sobre a a Marília Medalha e eu perdi suar.
gssa 0 que foi que você disse
É preciso mencionar ainda que o tema do inquérito era o cinema, a sobre a Marífia Medalha 0 ( ) me disse que era... que estava muito imeres-
televisão, o rádio e o teatro, assuntos a que ambas estavam afeitas e sobre Same este Sets, esta sua crônica
os quais podiam conversar com naturalidade, sem medo de dizer impro-
priedades. Deve-se ressaltar o vínculo mais estreito da jornalista com o Há aí irês correções grifadas: em primeiro lugar, a locutora interrom-
tema, pois atuava como crítica de televisão. pe o que estava dizendo e corrige a direção da sua fala; no segundo caso,
O inquérito é bastante longo (57 minutos, 30 páginas transcritas) e conserta o "era", substituindo-o por "estava"; no terceiro, corrige "este
nele o documentador intervém nove vezes, geralmente para garantir que os
Senso." (provavelmente artigo, texto) por"esta sua crônica".
diferentes aspectos do tema sejam abordados, Sua pergunta no trecho aci-
ma mostra, por exemplo, preocupação por passar de uma conversa sobre a
Compare-se com parte de uma crônica dialogada de Drummond, em
televisão para a questão do cinema:
que as correções não aparecem (e tampouco outras marcas da fala, como a
repetição):
Doc esobre o cinema... o cinema atual? (linha 626)
134 135
— Foi trato da gente. O Jorge dizia que casamento sete dias por ;ema-
Pode-se, portanto, definir a.LOIIEÇÃO, entre os atos de linguagem,
na é carrapato nas costas, não tem jeito de tirar. Eu concordei, mas « trato
como um ato de reformulação textual (GULICH e KOTSCHI, 1967): Os
não deu certo.
atos de reformulaç Textual
10 Sã
— Você sentia falta dele nos outros dias, e ele de você, não é?
locutor. a reconhecer.a. intenção. do. locutor, ou seja, procuram garantir ain
— Sentir eu sentia, não vou mentir para o senhor. Mas trato é trato, o
tercompreensão na conversação ou em qualquer outro tipo de texto,
senhor sabe que eu nunca faltei com a palavra,
"Ássim, acao reformular "este seu:z..." como "esta sua crônica”, a falante
— Isso é verdade.
— Eu ficava imaginando como havia de ser bacana ter o Jorge a meu
espera fazer sua interlocutora perceber sua intenção de precisão e, também,
de valorização de seu trabalho no jornal, ao incluí-lo, como crônica, em um
lado toda noite, aquele carinho certo, aquela segurança em Cordovil, e de
manhã ver o meu homem preparando o café para mim, antes da gente sair gênero situado entre o literário e o jornalístico. Essa possível interpretação
para a luta, Mas não dizia nada. — (pp. 57-58) da correção sustenta-se no fato de a falante ser uma escritora e defender,
em outros momentos do diálogo, o papel do escritor e do poeta.
Nesse diálogo entre patrão e empregada, à fala, representada pela es- A .paráfrase, examinada cem outro capítulo deste livro,é também um
crita, flui sem correções de espécie alguma. Elas não aparccem ou são pou-
cas, na escrita. As razões que explicam a alta frequência de correções na preensão. À diferença entre a paráfrase ea Correção está na natureza da re-
fala, em comparação com a escrita, são também as que diferenciam escrita lação semântica que existe entre o enunciado a ser reformulado e o
e fala. Uma das especificidades da fala estaria no modo como sc inscreve enunciado reformulador. Examinem-se dois casos do texto:
no, tempo. ou com ele se relaciona. Em outras palavras, quando sc escreve,
um texto há dois momentos diferentes, o primeiro em que se labora «o tex- D que fo do:: daquele menino (linhas 562- 563)
to, o segundo em que ele é efetivamente produzido. Dessa forma, « Éé possí-
<.Yel,.na escrita, 1º ar. o texto. sem deixar Marcas: revê-se o que se DL exe e Ponteio é uma música maravilhosa
escreveu, volta-se atrás, apagam-se os erros, escondem-se as hesitações, uliás uma coisa linda... — (linhas 583-585)
evitam-se as repetições. O texto escrito é o resultado de todo um trabalho
de reescrita, como na crônica de Drummond, Já na fala, isso não acontece,
No primeiro exemplo tem-se um caso de correção: o "do" que deve-
pois clgboração e produção goinçidem no ecixo temporal Por NA
ria anteceder um nome próprio, esquecido, foi corrigido por "daquele meni-
no", Há entre o enunciado reformulado "do + nome próprio" e o enunciado
"Conversação oferece ssempre pistas e2 traços das TCvisões,
r “das reformulações,
das mudanças de encaminhamento, sob a forma, entre outras, de correções. reformulador "daquele + nome comum de uso genérico, menino", uma rela-
ção de contraste, ou seja, há traços semânticos opostos ou contrários que
À corre o é assim, um procedimento de. reelaboração do. discurso distinguem o elemento corrigido do corretor: definição, determinação, es-
que visa a consertar seus "erros". O "erro" deve ser entendido como uma pecificidade vs indefinição, indeterminação, generalidade,
escolha do falante - lêxicár; sintática, prosódica, de organização texteal ou No segundo exemplo, o enunciado reformulado "uma música maravi-
conversacional - já posta no discurso e que, por razões diversas, ele e/ou Ihosa" mantém com sua reformulação "uma coisa linda" relação semântica
seu interlocutor consideram inadequada. de equivalência, no caso, parcial. Há entre eles uma grande quantidade de
Assim, no texto acima, a segunda locutora, formulou o seu discurso traços semânticos comuns: beleza, intensidade forte, etc. Trata-se de uma
como "estava muito interessante este seu::..." e, provavelmente, iria dizer paráfrase.
"artigo" ou "texto". Por algum motivo, quem sabc, a precisão, considerou Os exemplos escolhidos mostram também que nem sempre é fácil ou
Tuim a escolha feita, mas como já tinha dito "este seu", prolongou a vogal possível distinguir correção e paráfrase. Se, na paráfrase, devem existir tra-
final de "seu" e fez uma pausa, para ganhar tempo para reformular, e corri-
ços semânticos comuns, é claro que ocorrerão também traços semânticos
giu sua fala, dizendo "esta sua crônica".
diferentes. "Música maravilhosa" e "coisa linda" distinguem-se em vários
136 137
aspectos, tais como especificidade vs generalidade ou grau de intensidade ção. Melhor dizer que há uma reformulação e que se neutralizaram as opo-
do belo. Da mesma forma, se na correção devem surgir diferenças semãânti- sições entre correção e paráfrase.
Cas, traços comuns existirão para garantir a possibilidade de comparação, Em suma, a correção deve ser entendida como um procedimento de
ação. No exemplo acima, tem-se uma série de traços semânticos co- reelaboração do discurso, com o fim de torná-lo mais "correto" ou "adequa-
muns, como "ser humano" e "sexo masculino", O fato é que todas as rela- do”, segundo o ponto de vista de um ou de ambos os participantes do diálo-
ções semânticas pressupõem semelhanças e diferenças, ou seja, oposições a go, para, dessa forma, levar o interlocutor a seconhecer- a. intenção. do.
partir de mesmos eixos semânticos . Como diferenciar assim os atos de re- falante e garantir a intercompreensão na conversação. Em outros termos,
formulação textual? Pela organização mais global da conversação pode-se, tornar o discurso mais "correto" é um meio para assegurar a compreensão
na maior parte das vezes, definir se o objetivo da reformulação: foi marcar a no diálogo.
Essa concepção alarga os horizontes da correção, Não se trata mais
intenção do locutor com uma diferença de sentido, na correção, ou assina-
de pensar apenas na correção de erros gramaticais, mas de considerar O co-
lar essa intenção, por reforço, com a paráúfrase. Há, ainda, certas txpressões
nhecimento das estratégias de correção como parte da competência do fa-
linguísticas, denominadas marcadores e examinadas em outro capítulo des-
lante para produzir textos e do ouvinte para comprceendê-los. As regras e
te livro, que facilitam, muitas vezes, essa determinação: às expressões isto
mecanismos da conversação incluem as atividades de correção.
É € aliás, do exemplo citado, marcam em geral à paráfrase, o advérbio não,
a correção, como na fala abaixo :
3. Classificação das atividades de correção
LI não não ... parece que não... eu não POsso jurar
sobre os evangelhos mas me parece que... ali
Tendo como critério o modelo da conversação em sistema de turnos
ela seria Medalha com L e H... e ele MeDA-glia
de fala (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 1974), de que se tratou em
(linhas 615-620) outros capítulos deste livro, distinguiram-se dois tipos de correção, a repa-
ração e a correção propriamente dita.
Resta lembrar que nem sempre importa diferenciar a correção da pa-
ráfrase. Algumas vezes há casos intermediários em que essa distinção se 3.1 Reparação
anula e interessa apenas saber identificar que houve uma reformulação e
que, com ela, o locutor procurou obter maior intercompreensão no diálogo. Deve-se entender a reparação como a correção de uma infração con-
É o caso da reformulação que segue: versacional: os interlocutores cometem "erros" no sistema de tomada de
turnos, violam as regras da conversação e essas falhas e desobediências são
Li eu: disse a ela que ela ali ela ainda não se reparadas.
conhecia ela ainda não tinha se percorrido (...) As regras conversacionais estabelecem que deve haver pelo menos
(linhas 5S94-596) uma troca de falante na conversação. Com base nessa regra, pode sofrer re-
parações, por exemplo, o participante do diálogo que falar o tempo todo e |
"Ela ainda não se conhecia" é reformulado por "ela ainda não tinha se não ceder a palavra aos demais. Assim, no diátogo em exame, a segunda
percorrido". Pode-se ver aí tanto uma correção quanto uma paráfrase: há Tocutora algumas vêzes toma a palavra da primeira, em geral com sobrepo-
uma relação de diferença, pois a questão não é apenas de conhecimento sição de vozes, como um meio de reparar as longas falas da primeira, que,
próprio ("conhecer"), mas de consciência de todas as suas potencialidades já se disse, domina a conversação:
(Cpercorrer"), e também de proximidade semântica, dada pela contigitidade
de sentido da metonímia "percorrer-se para conhecer-se". Escolher, nesse L1 retratando determinado mundo"... eu acho que é muito bom... que o Brasil em
literatura pelos seus grandes escritores há bastante tempo... já deixou de ter o seu
“Caso, um ou outro caminho não faz avançar o entendimento da conversa-
cordão umbilical... preso à Europa... e:: e todo o::... toda a América Latina já se
138 139
desprendeu... desse cordão umbilical fazendo uma literatura fuito... da 6) Doc vocês acham então que o noticiário em TV tem
terra muito do homem... nativo... que é o caso de Gabriel Garcia Márquez... melhorado bastante?
e de tantos ouiros e aqui:... no Brasil... Jorge Ama;:do e tantos outros... e:: uu
então agora... no cinema parece também que está havendo essa desvin- tem pode melhorar mais...(...)
culação... do figurino europeudo figurino americano... infelizmente há (linhas 9858-990)
muito também da chamada pornochanchada não é?... que é uma maneira
comercial mas o que se pode dizer... da pornochanchada aqui se ela impera
7) Doc e problemas como o Sílvio Santos como vocês
na França se ela impera no
entendem?
[
L2 H.. 11 oproblema do Sílvio Santos é (...)
LI! nutndo todo (linhas 1068-1069)
L2 um belo filme foi Orfeu do Carnaval (linhas 662-679)
8) Doc (...) ... e só para terminar vocês acham que
Vê-se com clareza, nas linhas grifadas a tentativa de reparação de L2, no futuro a TV vai realmente sobrepujar o
que procura ter vez, após a longa fala de L1. cinema?
Há regras de atribuição de turnos na conversação e, segundo uma de- LI olha..eunãodigo(..) (linhas 1188-1191)
140 141
breposição de vozes, pode igualmente sofrer reparação ou reparar ele pró- papéis sociais e de intimidade entre as interlocutoras, Mesmo assim, certas
prio a infração cometida. Vejam-se no texto as linhas 583-588: características do diálogo o afastam de uma conversação natural, tais como
a presença do documentador que faz que os informantes não falem apenas
L2 e::e:: e Ponteio é uma música maravilhosa um com o outro, mas se dirijam também ao documentador que grava a con-
aliás uma coisa Á Versa e àqueles que examinarão o material registrado. Com isso, os partici-
LI (música maravilhosa... pantes dos diálogos estão, muitas vezes, mais preocupados com o
L2 linda... () mesmo tempo que foram
documentador e analistas do que com seus interlocutores. O diálogo perde
[ :
LI! pois é mas aí não há .. grande parte de seus traços polêmicos, diminui a agressividade, afrouxam-
12 premiadas às duas não é ? se os laços entre os sujeitos.
LI aí a Marília então... ahn... eh Explica-se, dessa forma, a ausência de reparações diretas na conver-
cantou lindamente... e (...) sação em exame. Embora as interlocutoras sejam falantes seguras de seus
papéis e posições e se conheçam bastante bem, não estando, portanto, parti-
A primeira locutora estava falando de sua crônica sobre a Marília cularmente preocupadas com o "público", não há como negar um certo des-
Medalha, foi interrompida pela segunda locutora que contou a história da vio na conversação em que se alarga a circulação do dizer e se afrouxam as
premiação de Ponteio. No trecho citado acima, L1 está tentando reparar a. relações interativas. Além disso, outras razões justificam a fatla de repara-
falta de L2, retomando a fala. Ela começa dizendo "aí a Marília”, seguindo- ções e podem ser encontradas no fato de que escritora e jornalista falam
se uma série de elementos que lhe dão o tempo necessário para o prosse- realmente "bem" e conhecem as regras da conversação.
guimento de seu discurso ("então" pausa "ahn" pausa "eh"), pois até o O exame dos procedimentos de reparação está, pode-se notar, intima-
momento sua fala tivera por objetivo apenas a recuperação do turno. mente ligado ao estudo da organização do diálogo, pois tais mecanismos
Três observações devem ser feitas depois dos casos apontados. A pri-
variam em função dos tipos de texto, das regras conversacionais e do mo-
meira delas refere-se ao fato de ocorrerem, auto e heterorreparações, ou
delo cultural.
seja, o próprio falante repara suas falhas ou elas são consertadas pelo inter-
locutor... Essa questão será retomada quando forem apresentadas as corre-
3.2 Correção
ções propriamente ditas,
À segunda observação é a de que, nesse diálogo, as reparações são
Às correções que não se aplicam a infrações às regras conversacio-
sempre indiretas ou implícitas, isto é, aparecem sob a forma de tomada ou
nais são denominadas correções propriamente ditas ou simplesmente corre-
de devolução de turno, de sobreposição de voz, de manutenção da voz ou
de formulação de novas perguntas. Não há reparações diretas em que o fa” ções. À elas aplica-se a definição genérica de correção como um ato de
lante, de qui tomaram a vez, reltruque, por exemplo, algo como "era eu reformulação, eujo objetivo, ao consertar "erros" e inadequações, é assegu--
quem estava com a palavra" ou "como eu dizia, antes de ser interrompido"
ou ainda "não lhe dei a palavra". Tampouco aquele que interrompeu o ou- Os exemplos que seguem mostram algumas correções no texto:
tro diz "desculpe-me, você estava falando", em um caso claro de auto-repa-
a)l2 euachoqueelamodificou
ração. i
e ele é irmão dela...
Tais fatos se devem ao que se poderia considerar como terceira ob- LI nãonão.. ((clique)) parece que não.. eu não
servação, a de que a reparação está diretamente ligada à organização da POsso jurar sobre os evangelhos mas me parece
conversação..A organização da conversação varia segundo variem as cultu- que... ahn;: ela seria Medalha com L e H.., e
Tas Ou OS grupos é os tipos de conversação dentro de uma mesma cultura. ele MeDA-glia (linhas 615-618)
As regras mudam e, com elas, as infrações cometidas e os mecanismos de
reparação. O diálogo em exame aproxima-se do modelo de uma conversa- DLL (.)Jádeixou deter oseu
cordão umbilical... preso à Europa ... e:: e
ção espontânea, mais interativa, pelas razões já apontadas de equilíbrio de
142 143
todo o::... toda a América Latina já se
No diálogo em exame nem sempre o fatante corrigido aceita a corre-
desprendeu,..desse cordão umbilical fazendo uma
ção, como ocorreu no exemplo acima. Veja-se o caso que se segue:
literatura muito... (...) (linhas 664-667)
L2 oBuarque..
Nos dois casos já se pode perceber que há diferentes tipos de corre- LI Chico Buarque
* ção. Uma diferença facilmente notada é que, no exemplo a, Lt corrige L2; L2 00 Buarque queriam dar... o prêmio para ele...
no exemplo b, a primeira locutora se corrige. Em a, tem-se uma heterocor- eele()
reção, em que o falante comete o "erro" e seu interlocutor o corrige: L2 (linhas 573-575)
afirma ou "acha" que Júlio Medaglia é irmão de Marília Medalha; L1 nega
o fato ("não... parece que não") e afirma o contrário ("me parece que ... L1 corrigiu L2, substituindo "o Buarque" pela escolha mais precisa
ahn:: ela seria Medalha com L e H e ele MeDAgtlia"). Em b, há uma auto- de "Chico Buarque", mas L2 insistiu e manteve, apesar da hesitação inicial,
correção, em que o próprio falante se corrige: ela conserta "e todo o::", "o o Buarque",
quem sabe, país, continente, por "toda a América Latina". Resta lembrar, ainda, sobre as heterocorreções, que, como se espera-
As helerocorreções são bem menos frequentes que as autocorreções va, as heterocorreções são, em geral, efetuadas pela primeira locutora, a
jornalista, que domina a conversação. À única reação da segunda locutora é
no texto ém exame. Há seis casos de heterocorreções e vinte e sete de auto-
teimar um pouco, como no exemplo do Chico Buarque.
correções. Essa parece ser a regra geral (SCHEGLOFF, JEFFERSON e
Pode-se incluir também, entre as heterocorreções, um recurso lin-
SACKS 1977, MARCUSHI 1986; GÚLICH e KOTSCHI 1987; BARROS
gúístico que não é exatamente uma correção, mas dela se aproxima. Frata-
é MELO 1990; BARROS 1990) e a preferência pela autocorreção pode ser
se da negação polêmica (DUCROT, 1973), tampouco muito frequentes
explicada pelo fato de o falante procurar corrigir-se rapidamente na conver-
nesta conversação:
sação, para evitar as conseqiências do erro.
As heterocorreções caracterizam conversações fortemente polêmicas : L2 que não aceitaria... não isso não é fofoca de::de
ou cooperativas, em que os laços interativos são tensos. Não é o caso, como bastidor mas eu:: () você é autêntica... (...)
se viu, dos diálogos do NURC, marcados por interação fraca. Este diálogo, (linhas 578-579)
porém, por ser mais simétrico, com papéis sociais equilibrados e interlocu-
tores que se conhecem bastante, como já se mencionou, aproxima-se mais O falante corrige uma voz subentendida (em outros casos, pressupos-
do modelo de uma conversação natural e apresenta, portanto, mais casos de ta), que se identifica com o público, com o senso comum e que afirma, no
heterocorreções que os demais inquéritos. Veja-se, por exemplo, a longa exemplo áciina, de modo implícito, que essa história da premiação de Pon-
sequência de heterocorreções a respeito do parentesco entre o maestro e a teio é fofoca de bastidor.
artista. As demais correções são autocorreções que, por sua vez, podem
Nessa sequência há, além do caso acima citado, outra heterocorreção: acontecer no mesmo turno em que o "erro" é cometido ou em outros tur-
nos. São mais comuns as autocorreções no mesmo turno e, em geral, na
mesma frase; pois à pressa em corrigir-se é garantia de correção "em tem-
LI a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma
po" JEFFERSON, 1974) e o falante procura não perder a oportunidade de
moça jornalista...
12 poetisa reparar um erro (MARCUSCHI, 1986). Na conversação em exame não
Li poetisa... (linhas 622-625) há autocorreções em turnos diferentes, devido a esses motivos gerais e tam-
bém ao desequilíbrio do diálogo já repetidas vezes mencionado, L1 re-
12, que já afirmara acima que a irmã de Marília é jornalista e poetisa, tém o turno por mais tempo, responde às perguntas do documentador,
corrige L1, que insiste em dizê-la jornalista. L1 aceita a correção e autocor- geralmente inicia ou conclui tópicos e utiliza, por conseguinte, com maior
rige-se, repetindo "poetisa", frequência a correção: são dezenove autocorreções de L1 para oito de
14 145
ria;
L2. Como fala mais, "erra" mais; como domina a conversação, aproveita sintática de "fo/", corrigido por "do". À correção de "do::" por "daquele
melhor a atividade verbal de correção para seus objetivos comunicativos. menino" é um caso de correção de elemento apenas projetado.
Há pouca ocasião, portanto, para correções em turnos diferentes.
Os dois casos de correção, a e b, anteriormente apresentados, não se
distinguiram apenas por terem diferentes sujeitos que corrigem (uma hetero 4. Tipos de erros
e uma autocorreção, respectivamente), mas também pela gradação da rela-
ção semântica que liga o elemento corretor ao elemento corrigido. Em a,” Os mecanismos de correção propriamente dita são empregados para
negá-se o "erro" ("não não.. « parece que não") e afirma-se o "correto" (Cme sanar "erros" diferentes. No texto em exame não há casos de correção de
pareçe que ela seria Medalha com L e H e ele MeDAglia"). Trata-se de cor erros fonética-fonológicos (de pronúncia, por exemplo) ou morfossintáticos
reção total. Já em b, tem-se uma forma atenuada de correção, em que não (erros de gramática normativa, entre outros). Duas locutoras habituadas ao
se nega o elemento anterior e apenas se amplia ou restringe, semanticamen- trato com a língua e a falar em público vacilam pouco na "boa" pronúncia
te, o termo corrigido: de "todo o:: (país, continente)" para "toda a América das palavras ou na concordância e regência verbal. Podem, quem sabe, ser
Latina". Nesse caso, a correção. é parcial e confunde-se, muitas vezes, com consideradas correções morfológicas as mudanças de aspecto ou de tempo
a paráfrase. em "disse que era... que estava muito interessante" (p. 247, linha 537) (do
aspecto durativo para o pontual) ou em "então são dois filmes... foram acho
Há no texto pouquíssimas correções totais e todas elas são heterocor- que foram os dois únicos filmes nacionais" (p. 250, linhas 643-644) (do
reções. A opção pela correção total mostra que o falante procura assinalar presente para o passado).
fortemente o ato de correção e o erro a ser corrigido. No texto, isso só Excetuados esses poucos casos, as correções do texto aplicam-se a
acontece quando o falante corrige seu interlocutor. Vejam-se as linhas 578- "erros" semântico-pragmáticos, que devem ser entendidos, tanto. como im-
579, 615-620 e 685-686. propriedadesde informação quanto como imprecisões nas expressões de
Falta mencionar que o elemento corrigido pode estar verbalizado, sentimentos e opiniões dos interlocutores:
tanto total quanto parcialmente, ou apenas projetado:
a) LI airmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma
moça jornalista...
12 (...) me
12 poetisa
disse que era... que estava muito interessante
(linhas 622-624)
este seu/i.. esta sua crônica (linhas 536-538)
146 147
e)LL não não... parece que não... eu não POsso jurar
h) L2 que não aceitaria, não isso não é fofoca (...)
sobre os evangelhos mas me parece que... ah: Úo)
(linha 578)
(linhas 615-616)
DL2 (...) se não fosse,..0:º... se não recebesse (...)
” As impropriedades de informação são em geral resolvidas por meio (linhas 580-581)
de novas escolhas lexicais, como no exemplo a, ou graças a alteraç
ões de
dire da conversação
ção , como nos trechos gritados em b e c. Já nos exen- LI não não... parece que não (...)
TPlos d e e, as correções dizem respeito à relação entre os falantes, à expres- (linha 615)
são de seus sentimentos e opiniões e ocorrem pela introdução de "creio",
ema, DLI olha o cinema na/o.atu/o atual brasileiro (...)
ce de "parece que não... eu não POsso jurar sobre os evangelhos",
(linha 628)
eme,
A grande frequência de correções semântico-pragmáticas reforça a m) LL (..)porque esse filme aliás vi dois filmes(...)
idéia de que a intercompreensão é o objetivo fundamental da atividade de (linhas 630-631)
correção, seja a compreensão de conteúdos informativos, como em a, b ET
seja, principalmente, à compreensão das intenções do falante, em de e. n)LIi (...) e aquele tirado da...do Marques Rebelo (...)
(linha 639)
5. Marcadores e padrões lingiísticos de correção o) LI (..)então são dois filmes. .foram acho que foram(...)
(linha 643)
Há, sem dúvida, procedimentos lingiiísticos que são utilizados nas
atividades de correção, P) LI (..) e:xte todo ox... toda a América Latina (...)
entre outras, e que constithiem um padrão. (linhas 665-666)
Observem-se algumas situações:
a) 12 (...) e eu perdi essa sua:s,., o que foi que(...) q) L1 agora você vê:: a gente ima/não não não uma
(linhas 535-536) co-produção francesa...
(linhas 685-686)
b) 12 (...) me disse que era... que estava (...)
(linhas 537) NLI (.) do que seja... do Brasil(...)
(linha 696)
CO) L2 ( )este seucesta sua crônica
(linhas 537-538)
.« Estão grifadas as ocorrências que ilustram os mecanismos utilizados.
DMLI (.) fo/do:: daquele menino É fácil perceber que a pausa ... aparece em quase todos, sozinha (b, g, h, j,
(linhas 562-563) m, n, o, p), ou acompanhada de prolongamento de vogais (grafado::) (a, c,
f, i, p), entre o "erro" e sua correção. O prolongamento de vogais também
e) LI (...) que fo/ do:: daquele menino
ocorre sozinho, na mesma posição, em e. Além desses recursos prosódicos
(linhas 562-563)
outros são utilizados, como a interrupção lexical, sozinha, em d e q, e se-
1 LI dos. como é que ele chama? guida da repetição, em 1.
(linha 565) Todos esses procedimentos assumem papel na produção do falante:
marcam suas dúvidas ou dificuldades em relação ao prosseguimento do dis-
&) L2 Edu...
Edu Lobo não é?
(linha 566)
curso e, sobretudo, asseguram-lhe o tempo necessário à reformulação.
148 149
Assinalam também a correção certas expressões verbais como o não, Quando L2 corrige "Edu" por "Edu Lobo" (linha 565) ou quando LI
em h e q, o aliás, em m. Esses marcadores de correção têm, por sua vez, a corrige "porque esse filme..." por "aliás vi dois filmes... nacionais" (linhas
função de forn pistas para que o interlocutor perceba a correção e, por 630-631) ou conserta e "todo o::" com "toda a América Latina", as corre-
meio : dela, à ção do falante. Em outras palavras, são marcadores quêem ções têm por objetivo a adequação informativa, a precisão referencial.
âssumem papel na interpretação de uma conversação. - Nesses casos, o falante que corrige procura levar o o ouvinte a bem com-
Há correções que não empregam procedimentos de produção (pau- Ppreender suas informações "objetivas",
sas, repetições, prolongamentos, interrupções), nem marcadores da inter- Já na longa fala de Li, no início, (linha sa1e é seguintes), há duas cor-
pretação, mas são bem menos frequentes no diálogo: reções em que a locutora está interessada em assegurar a boa compreensão
de suas opiniões e sentimentos ou mesmo em enfatizar seu papel social de
s) (..) foram açho que foram os dois crítica de televisão. Assim, interrompe suas considerações sobre Marília
(linha 643)
Medalha e afirma "eu gosto muito de Elizeth Cardoso" (linhas 554-555) ou
reformula seu discurso pela introdução de "creio". Da mesma forma, L1 al-
1 LI (...) e ela está se dedicando muito à música
popular e SEMpre -- creio -- sempre na carreira
lecra as perspectivas modais de sua fala graças à inserção de "acho que"
dela ela se dedicou à nossa música ("foram acho que foram os dois... (p. 250, linha 643)) ou de "parece que"
(linhas 559-561) ("não não... parece que não" (p. 249, linha 616)). Os objetivos da correção,
NESSES Casos, não são mais informativos, e sim. enunciativos ou pragmáti-
nu) LI (...) que eu:: disse a ela que ela ah ela ainda cos. As funções enunciativas ou pragmáticas garantem, na conversação,
não se conhecia ela ainda não tinha se percorrido como se verificou, a compreensão das opiniões, crenças e sentimentos do
porque (...) locutor e o reconhecimento de seu papel social.
(linhas 681-682)
Reformulações que visem ao reconhecimento da posição social do
falante, pela adequação à norma culta ou aos registros socio-lingiísticos do
v) L2 já antigo já faz muito tempo é
"bem falar", não ocorrem no diálogo em exame. As razões foram já aponta-
(linhas 681-682)
das: as interlocutoras são duas senhoras que, dificilmente, escapam às nor-
mas do registro culto padrão, mesmo em fala coloquial menos tensa, Basta
A ausência de marcadores de quaisquer tipos, caracteriza, em geral, observar, no diálogo, a preocupação delas com a linguagem, até nas esco-
certas classes de correções: as que visam apenas a precisar as opiniões e lhas temáticas. Fala-se de boas e de más pronúncias, no início da conversa-
sentimentos do falante, como em s e t; as que se aproximam da paráfrase ção (ver capítulo sobre a interação verbal) e, no trecho em estudo, da grafia
ou com ela se confundem, como em u e v, pois mais que corrigir, vêm elas correta de Medalha e Medaglia.
reforçar a intenção do locutor. São, em ambos os casos,o que se poderia Além das funções informativas e pragmáticas, acima referidas, as
considerar como correções atênuadas. correções têm, praticamente todas elas, objetivos interacionais. Em outras
palavras, empregam-se as correções para a obtenção de cooperação e de
participação na conversação e para o estabelecimento de relações de envol-
6. Funções da correção vimento emocional.
Veja-se a heterocorreção que segue:
Desde o início deste capítulo definiu-se a função geral da atividade
de correção como sendo a de assegurar a boa compreensão entre os partici- 12 o Buarque...
pantes da conversação, pela reformulação de "inadequações" e "erros", de L1 Chico Buarque (linhas 573-574)
150 151
Ao corrigir e, principalmente, ao corrigir seu interlocutor, o falante Já na correção anteriormente citada do nome de Chico Buarque, não
encontra, muitas vezes, uma forma de participar da conversação ou de coo- há aceitação da correção:
perar para o seu andamento, pois, para reformulá-la, repete ou retoma a L2 o Buarque...
contribuição do outro e, desse modo, se introduz na conversa e contribui LI Chico Buarque
para desenvolvê-la. 12 oo Buarque queriam dar... (...)
Mesmo
à mais violenta correção, por ter esse caráter de retomada, é
sempre, da mesma forma que à repetição (TANNEN, 1985, 1986), um L2 mantém "o Buarque". Esse fato parece indicar que 12, sabe que
meio de compartilhar o discurso, Dêve:se entender por compartilhar não s L1 lhe deixa pouco espaço na conversação e também que, por isso mesmo,
a cooperação acima apófitádá, mas também o envolvimento emocional que não considera a reformulação proposta por Li como uma tentativa de
cooperação e sim como muis uma forma de intromissão.
se cria entre os participantes da conversação. Em outras palavras, com a
Observa-se, com isso, que à relação de interação resultante das
correção mostra-se atenção e interesse pela fala do interlocutor, mesmo que
atividades de correção inclui os dois aspectos das relações intersubjetivas,
dela se discorde.
o do contrato, da cooperação e o da polêmica, do desacordo.
No primeiro turno do texto, L2 corrige-se três vezes. Essas correções Dessa forma, mesmo cm um diálogo claramente cooperativo como
têm, sem dúvida, objetivos informativos de busca de precisão ou de ade- este, em que várias vezes uma locutora repete ou retoma a fala da outra,
quação referencial, na substituição, por exemplo de "este seu (artigo, tex- para passar uma "metamensagem de afinidade e de familiaridade", o ato de
to)" por "esta sua crônica" ou na do aspecto durativo de "era" pelo pontual corrigir e, sobretudo, de corrigir o outro, é uma forma de exercer controle
de "estava". Observa-se, no entanto, que, mais que objetivos de boa com? sobre o parceiro, de mostrar saber e poder, de brigar pela direção da
preensão cognitivo-informativa, as correções acima procuram estabelecer conversação, de acentuar às diferenças e discordâncias entre os
laços interacionais, mais especificamente, laços de envolvimento intersub- interlocutores, Esses traços polêmicos aparecem mais acentuadamente nos
jetivo ou emocional. L2 mostra, por exemplo, com às correções, e-não com momentos em que cada locutor procura bem impressionar o documentador
elogios fáceis, que valoriza o trabalho da amiga, ao lhe atribuir o estatuto ou em que quer assumir a vez na conversação. Examinaram-se já vários
quase literário da crônica, Criam-se ou mantêm-se laços de afinidade e de casos. O mais marcado pela polêmica é a longa seqúência de
familiaridade. heterocorreções, com vozes sobrepostas, sobre um possível parentesco
O sentimento de familiaridade é um dos efeitos de conversações ricas. entre Marília Medalha e Júlio Medaglia (linhas 603-621). L2 afirma o
em correção. Corrigir é fazer passar, entre outras, uma "melamensagem de parentesco, Lt corrige L2 e L2 insiste no fato (no "erro"). Uma vez mais
envolvimento pessoal" (TANNEN 1986), Há um bom exemplo nas linhas 12, como uma débil reação à dominação conversacional de L1, persiste em
622-625: Suas afirmações, mesmo quando corrigida.
152 153
B) correção propriamente dita: conversação, com L1 corrigindo c L2 insistindo. O diálogo prossegue
a) autocorreção e heterocorreção; quando L1 passa a falar da irmã de Marília Medalha e, dessa vez, é L2
b) autocorreção no mestno turno e em turnos diferentes; quem corrige L1 (a correção de "jornalista" por "poetisa"). Como era espe-
c) correção total e correção parcial; rado pelas características de L1, mais segura, L1 aceita a correção. Termina
d) correção com o elemento corrigido totalmente af a primeira parte do texto.
verbalizado, parcialmente verbalizado ou apenas Na segunda parte, L1 responde à pergunta do documentador, embora
projetado; ela não lhe tenha sido direlamente endereçada. Seguem-se duas autocorre-
e) correção de "erro" fonético-fonológico, morfossintático ções de L1, de tipo cognitivo-informativo, que deixam bem esclarecidas
e semântico-pragmático; quais são as idéias da locutora sobre o atual cinema brasileiro, e uma corre-
P) correção com marcadores e sem marcadores; ção pragmática que confirma suas crenças e convicções (linha 643). Há de-
B) correção com função informativa, pragmática pois uma grande sequência (p. 250), com poucas correções, em que se
e interacional. alternam e se sobrepõem vozes, que se repetem e concordam entre si. Éa
fase mais cooperativa do texto em exame. Para terminar o diálogo, encon-
Outros tipos de correção podem ocorrer em textos diferentes, São es- tra-se uma heterocorreção, em que L1 se interrompe apenas para corrigir
sas, porém, as grandes classes que organizam os atos e estratégias de corre- L2 (linha 685), seguida de uma fala de L1 em que, uma vez mais, a locuto-
ção na conversação. ra precisa suas opiniões.
O exame principalmente das funções de correção e de reparação no Podem ser observados nesse esquema, os papéis interacionais assu-
diálogo doa NURC veio comprovar, como já fora apresentado no início do midos pelas interlocutoras e que foram sendo delineados no decorrer da
capítulo, que o conhecimento das estratégias de correção faz parte da com- análise: o domínio de L1, o bom uso que faz das correções, sobretudo prag-
petência necessária à produção e interpretação de textos. . As
As relações entre máticas e também como recurso para recuperar a vez, a insistência de 12 e
rlocutoras organizam-se segundo a presença ou ausência | dee corre
co assim por dianic.
Finalmente, é possível ainda concluir que, se a atividade de correção
ções e de reparações e segundo o tipo delas; há momentos de aproximação —
e afetividade, outros de cooperação na conversação, outros ainda de disputa produz efeitos de relacionamento afetivo e emocional, esses procedimentos
de vez e de voz. é seus efeitos têm, por sua vez, papel na organização geral do texto, na
construção de seus sentidos. Funcionam eles como mecanismos de persua-
Apresenta-se a seguir o esqueleto da conversação, decorrente das ati-
vidades de correção. O exame de outros procedimentos, como a paráfrase
são que deverão ser interpretados. Produtora de efeitos de proximidade
emocional, produtora de uma rede de relações intersubjetivas, a correção
ou a repetição, viria reforçar ou completar o arranjo das relações intersubje-
pertence ao rol de recursos argumentativos e persuasivos empregados no
tivas.
texto. Em outras palavras, os procec tlimentos de correção. criam no texto
O texto começa com a fala de L2 que mostra, pelas correções já exa-
minadas, interesse em interagir: elogia, passa uma mensagem de afinidade. efeitos de verdade e, como tal, fazem parte de sua organização persuasivo-
Na longa fala de L1 que segue, a locutora assinala sua perspectiva, seus argumentativa e de sua estruturação geral.
sentimentos, seu modo de ver e de pensar, nas correções pragmáticas.
Ainda nesse turno, há correções devidas a falhas de memória (PRETI,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1991). Em seguida, L2 volta à conversação com a história da premiação de
Ponteio, interrompendo L1. L1 procura, então, reaver a vez corrigindo L2 ANDRADE, Carlos Drummond de (1989). Boca de Luar. Rio de Janeiro,
(o nome de Chico Buarque), mas L2 "bate o pé" e não aceita a correção, Fi-
Record,
nalmente, L1 retoma o turno (linha 588) e efetua correções, sobretudo,
BARROS, Diana L. P. de (1990). Procedimentos e funções da correção na
parciais, que se aproximam da paráfrase e servem para reforçar suas inten-
ções. L2 interfere com a questão do parentesco entre Marília Medalha e Jú- entrevista. Anais do XI Congresso da ALFAL. Campinas, 1990 (no
lio Medaglia, a que seguem as heterocorreções mais polêmicas da prelo).
154 155
BARROS, Diana L.P. de & MELO, Zilda M. Z. C. (1990) Procedimentos e
funções da correção na conversação. In: PRETI, Dino (org.). A lin- 7. O LÉXICO NA LÍNGUA FALADA
guagem falada culta na cidade de São Paulo. vol. IV Estudos - São
Paulo. T. A. Queiroz/ FAPESFT.
CASTILHO, A.T. de e PRETI, Dino (orgs.) (1987). A linguagem falada
Ieda Maria Alves
culta na cidade de São Paulo. vol.1I - Diálogos entre dois informan-
tes. São Paulo, T. A.Queiroz, Editor/FAPESP.
DUCROT, Oswald (1973). La preuve et le dire. Paris, Mame.
GREIMAS, A. J. e COURTES, 5J. (s-d). Dicionário de Semiótica. São Introdução
Paulo, Cultrix.
GÚLICH, Elisabeth & KOTSCHI, Thomas (1987). Les actes de reformula- Exporemos, neste trabalho, algumas considerações a respeito das
tion dans la consultation. La dame de Caluire. In: BANGE. P. (org). características apresentadas pelo léxico na língua falada.
L'analyse des interactions verbales. La Dame de Caluire: une Os limites desta análise não nos permitem explanar todas as possi-
consultation. Actes du Colloque tenu à L Université Lyon 2, du 13 bilidades lexicais que os falantes manifestam ao construírem um texto fa-
au 15 décembre 1985: Berna. lado. Por essa razão, este trabalho baseia-se apenas num fragmento, de
JEFFERSON, Gail (1974) - Error correction as an interactional resource. tipo Elocução Formal (EF), extraído do inquérito 338 do Projeto
NURCY/SF, Esse fragmento, abaixo transcrito, constitui parte de uma
Language in society 2: 181 : 199.
aula universitária, sobre Economia, que aborda o tema "Demanda de
MARCUSCHI, L. Antônio (1986) - Análise da Conversação. São Paulo,
Moeda".
Ática (Série Princípios). |
PRETI, Dino. (1991). A linguagem dos idosos. Contexto, São Paulo. 1 Inf. (...) oferta de moeda... e nós vimos que existem dois
SACKS, H., SCHEGLOFF, E. E., & JEFFERSON, G. (1974) - A simplest tipos de oferta de moeda... dois agentes que
systematics for the organization of turn-taking in conversation. Lan- oferecem... criam moeda... são... é o banco comercial
isto é os bancos comerciais e o Banco ... Central...
guage 50: 696-735.
5 certo? o Banco Central de uma forma mais direta e os
SCHEGLOFF, E. E., JEFFERSON, G. & SACKS, H. (1977) - The prefe- bancos comerciais... através do mecanismo de
rence for self-correction in the organization of repair in conversation. multiplicação... ao emprestarem os... éh:::... o dinheiro
Language 53: 361-382. que os depositantes deixam no banco... bom hoje
então a gente vai começar... demanda de... moeda...
TANNEN, Deborah (1985). Repetition and variation as spontaneous for-
10 a gente quer saber agora... quais as razões que faz...
mulaicity in conversation. Georgetown University, Mimeo., 45 p. que fazem com que... ah... (estou) meio
TANNEN, Deborah (1986). Ordinary conversation and literary discourse preocupado (com o gravador) ((risos éh... faz
coherence and the poetics of repetition, Gerogetown University, Mi-
pessoas a... demandarem moeda a procurarem moeda
meo.
15 a guarDArem moeda... a moeda como tal... o que...
por que as pessoas retêm moeda ao invés... de
comprar títulos... comprar artigos comprar imóveis...
o que faz com que num determinado instante de
tempo as pessoas tenham moeda... no bolso... ou
20 seja quais os motivos que explicam a demanda de
moeda... por que as pessoas procuram moeda por que
as pessoas reTÊM moeda... essa é a nossa
preocupação... hoje... ((tosse)) razões ou motivo
156
157
pelas quais as pessoas... éh:: demandam ... moeda... 70 cruzeiros... por dia... de tal forma que... quando
existem três motivos clássicos... pelos quais as chegar no último dia desse mês ele fique exatamente
pessoas... retêm moeda... são três motivos... ou três a... zero... certo? quarenta cruzeiros por dia ao fim
razões... que fazem com que se retenha moeda... do trigésimo dia... ele está a zero... se ele não
existe uma... retenção de moeda uma demanda de receber no dia seguinte ((risos)) está frito --...
moeda... por... motivo... transação... existe uma 75 então... é de se supor vamos fazer aqui um
30 demanda de moeda por motiva... precaução... es/ esqueminha?... vamos colocar aqui o tempo... e aqui
esses dois tipos de demanda de moeda já... já neste eixo... a quantidade... de moeda... retida ...
foram... éh discutidos pelos clássicos pelos que é a nossa demanda de moeda por transação --...
economistas clássicos... Keynes... introduziu... uma então no primeiro dia ele recebe... mil e duzentos...
nova razão pela qual as pessoas... demandam moeda 80 no primeiro dia então ele tem mil e duzentos no
35 guardam moeda... demanda de mocda por motivo bolso... ao fim do primeiro dia... ele gastou quarenta
especulação... então Keynes no fundo... ele... admitia Cruzeiros... certo? cafezinho transporte alimentos ...
os motivos transação e precaução e adicionou então ao fim do primeiro dia ele vai ter mil cento
o motivo especulação... vamos então agora... e sessenta ... na bolso... no segundo dia... ele gasta
discutir... cada um deles... ((tosse)) a demanda de 85 mais quarenta... então ao fim... do segundo dia ele
40 moeda por transação... é... principal motivo pelos tem... mil cento e vinte no bolso... e assim por diante...
quais as pessoas... retêm moeda... neceSSltam de dentro dessa hipótese que ele gaste dessa forma
moeda... demandam moeda... ahn:t::... basicamente... homogênea... quarenta cruzeiros por dia... ao fim
ela se deve à diferença que existe entre as datas de... do trigésimo dia... ele não tem nada... de moeda no
recebimento de renda de salário e os pagamentos 90 bolso... ele está a zero... mas... na manhã do dia (se)
45 que a gente efetua... ao longo do mês... basicamente ah:: ou no... no fim da tarde dia trinta ele...
a diferença entre data de pagamento e data de recebe de novo... mil e duzentos:: então ele vai ter de
recebimento faz com que exista uma de/ ... uma
de novo no bolso... ah::... vai ter mil e duzentos
demanda de moeda... uma retenção de moeda... as
novamente de... moeda,,.. e comé/ e reinicia o...
pessoas recebem no início do mês... mas não gastam
95 ciclo... então deve ocorrer algo deste... tipo... eu
5o de uma vez só... elas vão gastando... aos
quero encontrar aqui uma... ah encontrar aqui uma
pouquinhos... elas são obrigadas a deixar... uma
certa reserva para o:: cafezinho para o lanche... para expressão para a demanda... de moeda quat é o
o almoço... para os gastos normais... ou seja as SALdo médio retido ou a quantidade de moeda retida
pessoas recebem... o dinheiro num... no início do ou demandada... certo? a demanda de moeda é
ss mês e vão gastando... de uma forma... gastando aos 100 sinônimo de retenção de moeda de guarda de moeda
poucos ao longo do mês... de tal forma que ela sempre no bolso... de necessidade de moeda...
tenha alguma reserva algum dinheiro no bolso...
enfim... é uma demanda de moeda para satisfazer as
necessidades de... transações... e de... pagamentos...
As gravações EF têm como característica comum a reprodução de
60 nós podemos resumir isso num exemplinhos... uma aula ou conferência e, por isso, constituem inquéritos de caráter di-
numérico... e nós vamos verificar vamos tentar dático. Por tratarem de temas referentes a domínios técnicos ou científi-
explicar por que... a demanda de moeda vamos COS, esses inquéritos veiculam uma terminologia, um vocabulário técnico
dar essa notação demanda de moeda por motivo ou científico próprio de cada domínio analisado,
transação... é uma função... do nível de renda... ()
A aula universitária reproduzida no inquérito 338, a respeito da
65 nível de renda nominal... vamos tentar mostrar por que
que a demanda de moeda é uma função... do nível de Economia, apresenta unidades léxicas da língua comum, compartilhada
renda... vamos supor... que um assalariado receba... por todos os falantes, como também termos especiãeos dessa ciência: de-
um milhão e duzentos... no início do mês... e gaste ma moeda, Q angar moça demanda Ed por motivo
de uma forma homogênea... gasta... quarenta transação, oferta de moeda, entre outros. Ao mesmo tempo em que in-
158 159
troduz esses termos, o informante, o professor de Economia, vai explici- As definições dos termos, ou seja, as explicações apresentadas pelo
tando-os aos seus alunos, c, para tanto, recorre a diferentes procedimen- informante do inquérito EF 338, permitem-nos associar sua aula às defi-
tos. nições características de um dicionário, que contém, igualmente, um dis-
curso pedagógico. Com razão assinala Dubois (1971: 49) que o texto do
dicionário, ou texto Icxicográfico, compartilha da mesma natureza das in-
Características dos termos da Economia formações pedagógicas transmitidas pelo professor. Assim, a unidade le-
xical moeda, citada a título de exemplo, é definida ou explicada, no Novo
A aula transcrita no inquérito estudado trata de demanda de moc- dicionário da língua portuguesa, de Ferreira (1986), como "pequena pla-
da e estabelece uma sequência com a aula anterior, sobre oferta de moe- ca de metal, geralmente circular, cunhada por autoridade soberana e
da. Esses sintagmas nominais constitiem termos específicos da usada, desde a Antigitidade, como meio de troca, de economia, ou como
Economia e, como se observa no inquérito, manifestam uma relação opo- medida de valor". Conseqúentemente, por meio das definições, o aluno e
sitiva: demanda de moeda designa a atividade contrária à oferta de moe- o usuário do dicionário são convidados a participar do saber detido, res-
da. pectivamente, pelo professor e pelo dicionarista, o autor do texto lexico-
Em sua exposição, o informante emprega sintagmas de caráter ver- gráfico.
bal, termos que também denominam conceitos relativos à Economia.
Assim, a oferta de moeda, sintagma nominal, corresponde oferecer moe-
da, sintagma verbal: Definições dos termos da Economia
" oferta de moeda... e nós vimos que existem dois tipos de oferta de Os termos explanados pelo professor de Economia, o informante
mocda,.. dois agentes que oferecem... criam moeda... " (linhas 1-3). do inquérito analisado, refletem os diferentes tipos de definições, de
caráter técnico e científico, características dos textos Iexicográficos (cf.
a demanda de mocda corresponde demandar moeda: Sager, 1990: 42-44),
As definições mais comumente empregadas pelo informante são as
" a demanda de... moeda... a gente quer saber agora (...) quais as de tipo sinonímico, em que um elemento é substituído por outro(s),
razões que levam as pessoas a... demandarem moeda " (linhas 9-14). considerado(s) contextualmente equivalente(s)':
O desenvolvimento da aula permite ao informante, o professor, a " oferecem... criam moeda" (linha 3).
introdução de outros conceitos da Economia, cuja designação coincide
" demandarem moeda a procurarem moeda a guardarem mocda "
com os processos característicos da denominação nos vocabulários técni-
(linha 14-5).
cos e científicos: um elemento, de caráter determinado -- demanda —, é
expandido e explicitado. Desse modo, demanda de moeda, que já consti- " uma demanda de moeda... uma retenção
de moeda" (linha 47-8).
tui um sintagma nominal, dá origem a três diferentes sintagmas nominais,
que representam os motivos ou as razões da demanda de moeda: deman- "a demanda de moeda é sinônimo de retenção
de mocda de
da de moeda por motivo transação, demanda de moeda por motivo pre-
ã manda de moeda por moti ; lação. (linha 99-101).
Ao introduzir esses termos da Economia, o professor é consciente
de que existe uma distância entre o saber que ele transmite e o saber pró- Essas diferentes definições sinonímicas revelam características co-
prio de seus alunos, Uma aula constitui um discurso pedagógico e os muns. Obscrva-se, primeiramente, que um sintagma verbal é sempre de-
conceitos nela transmitidos devem ser explicitados para que, dessa ma- finido por um sintagma verbal e, paralelamente, um sintagma nominal
neira, possa ser reduzida e minimizada a distância entre os conhecimen-
(1) Convencionamos negritar o termo analisado e usar grifos para indicar os elementos de-
tos do mestre e os do aluno.
finidores.
160 161
reaparece na definição de um sintagma nominal. Tal correspondência sob forma de termos. Por meio desse recurso, o sintagma demanda de
transparece igualmente nos textos Iexicográficos, pois um verbo é sempre moeda por motivo transação é definido entre as linhas 40 e 64 do frag-
definido por um verbo ou um sintagma verbal (ex.: oferecer: "apresentar mento analisado:
ou propor para que seja aceito, apresentar à vista ou ao espírito, expor, ". e " a
exibir..."), um substantivo por outro substantivo ou por um sintagma no-
minal encabeçado por um substantivo (ex.: demanda: "ação de deman-
dar, ação judicial, processo, litígio, contestação...") (cf. Ferreira, op.cit.).
Desse modo, as definições sinonímicas empregadas nos textos lexicográ-
ficos, como também no inquérito estudado, reiteram a classe gramatical
de cada termo. cão... é uma função de nível de renda".
Ao propor essas definições sinonímicas, o informante permite-nos
também constatar que os termos da Economia, sob forma sintagmática, Na sequência da exposição do professor, observamos que a defini-
são permutados por unidades léxicas de caráter não-científico. À substi- ção por síntese é complementada por outro tipo de definição, denomina-
tuição assim efetuada possibilita que o aluno do curso de Economia en- da por denotação, que se manifesta mediante exemplos que põem em
contre equivalentes da língua comum, conhecidos por ele, para os termos
prática o conceito de demanda de mocda por motivo transação:
científicos que lhe estão sendo apresentados.
Uma exceção a essa forma de exposição manifesta-se na passagem:
são identilicados no trecho ccompreendido. entre efetuada e despesa. € ainda por denotação:
Ao invés de valer-se desse tipo de definição, o informante opta pela
definição por síntese, na qual são listados, além dos traços específicos do
termo, elementos que com ele estabelecem variadas formas de relações.
Essa fórmula definidora visa a mostrar aos alunos os objetivos, a utiliza-
(linhas 5-8).
ção, as relações de dependência dos conceitos da Economia, expressos
162 163
Assim, por meio desses tipos de definições, o informante do inqué-
Esse procedimento é evitado unicamente na passagem:
rito explicita os conceitos de Economia de diferentes maneiras: sinôni-
mos (definição sinonímica), explicações (definição analítica ou lógica), à... demandam moeda"
relações diversas (definição por síntese), exemplos práticos (definição (linhas 41-2)
por denotação).
em que demandar mocda, o termo da Economia, sucede aos elementos
definidores, de caráter não-científico.
Definições e reformulações parafrásticas
Outros tipos de reformulação parafrástica, utilizados pelo profes-
sor, reproduzem diferentes fórmulas de explicitação de uma terminologia
As definições propostas pelo professor informante a seus alunos e coincidem também com as definições lexicográficasjá expostas.
correspondem, como já observamos, a tentativas de explicitação de fór- Obscrva-se, nessas reformulações parafrásticas, que o informante
mulas — os termos da Economia — antes apresentadas. Tais tentativas de-
nem sempre busca uma simetria sintática entre os termos da Economia e
finidoras coincidem, portanto, com a reformulação de elementos
seus respectivos elementos reformuladores, pois, em passagens do scg-
anteriormente introduzidos e equivalem às atividades de reformulação
mento analisado, essas reformulações parafrásticas manifestam uma cs-
parafrástica, mencionadas por Hilgert no capítulo "Procedimentos de re-
trutura sintática mais complexa, mais extensa do que a apresentada pelos
formulação: a paráfrase”?
As reformulações paralrásticas mais usualmente empregadas pelo termos científicos.
professor mostram que, entre os termos ce suas respectivas definições, Como consequência, tais termos são parafrascados pelo mecanis-
existe uma relação sinonímica. Nesses casos, as reformulações paralrásti- mo da expansão parafrástica, processo que parafrascia utilizando ora
cas repetem a estrutura sintática manifestada pelos elementos reformula- explicações, ora exemplos.
dos ce apenas revelam variantes de caráter lexical. Como exemplo, É possível, portanto, o estabelecimento de equivalências entre defi-
observa-se no segmento: nições por síntese, que procuram definir um termo segundo as diferentes
relações que ele estabelece, e paráfrases explicativo-definidoras, que, si-
"demandarem moeda à procurarem mocda a guardarem mocda" milarmente, paralrasciam por meio de variadas formas de explicações c
(linhas 14-5) de relações:
que o sintagma verbal demandar mocda, ao ser reformulado, apresenta a "demanda de moeda por transação... é... principal motivo pelos quais as pessoas,
retêm macda",
mesma cstrutura nas paráfrases procurar mocda ce rdar mocda, as
quais refletem, unicamente, uma variação lexical: demandar, procurar,
(linhas 39-41)
guardar moeda,
Ao adotar o mecanismo da definição sinonímica — que, de fato, De maneira análoga, pode-se também correlacionar definições por
corresponde à reformulação parafrástica por variação lexical —, o denotação c paráfrases exemplificadoras, já que tanto umas como outras
informante primeiramente introduz o termo científico para, em seguida, explicam, reformulam um clemento mediante exemplos:
explicitá-lo:
" na demanda de moeda por motivo transação as pessoas recebem no início do
mês... mas não gastam de uma vez só... elas vão gastando /.../ aos poucos ao longo
"uma demanda de moeda... uma retenção de mocda"
do mês” (linhas 48-57)
(linhas 47-8)
(2) Gúlich e Rotschi (1987) consideram que a paráfrase constitui um dos protótipos do
A forma de exposição adotada pelo professor, o informante do in-
conjunto dos processos de composição textual, designados atos ou atividades de reformula- quérito 338, levou-o a evitar fórmulas parafrásticas por condensação,
ção, Parafrascar consiste, na verdade, em reformular formulações anteriormente apresen- em que a explicação precede a apresentação do termo científico. Apesar
tadas. dessas restrições às paráfrases por condensação, a passagem:
164 165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(linhas 58-9) CASTILHO, A. & PRETI, D.(org.) - À linguagem falada culta na cida-
resume toda a explicação, anteriormente exposta, à respeito de de São Paulo. S.Paulo, T. A. Queiroz, 1986.
de demanda DUBOIS, J. - Introduction à la lexicographie. Paris, Larousse, 1971.
de moeda por motivo transação c, portanto, corresponde a uma
paráfra- FERREIRA, A. B. H. - Novo Dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio
Se com função de resumo.
As reformulações parafrásticas são, por vezes, introduzidas por de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
cle-
mentos lexicais, os marcadores parafrásticos, que estabelecem GULICH, E, & KOTSCHI, T.- Les actes de reformulation dans la con-
uma inter-
mediação entre o termo da Economia e sua definição, a paráfrasc. sultation La Dame de Caluire. In: BANGE, P.(org.). L'analyse des
No segmento acima mencionado, introduzido por enfim, interactions verbales. La Dame de Caluire: une consultation. Ber-
esse mar-
cador sinaliza que a exemplificação atingiu seu término e, ao mesmo na, Frankfurt a.M., Nova Iorque, Paris, Peter Lang: 15-81, 1987.
tem-
po, exerce ainda a função de iniciar a paráfrase por condensação. SAGER, J. C. - A practical course in terminology processing. Amster-
Em outra passagem do inquérito, a explicitação do termo demand dam, Philadelphia, John Benjamin, 1990.
a
de moeda processa-se por meio de definições sinonímicas
introduzidas
pelo marcador é sinônimo de que, metalinguisticamente, anuncia
sua
função:
(linhas 99-101)
Considerações finais
ses
por variação lexical, entre definições por síntese c paráfra
ses explicati-
vo-definidoras, centre definições por denotação c paráfrases
exemplifica-
doras.
Pode-se, portanto, encontrar um clemento comum nas fórmula
s de-
finidoras e nas suas correspondentes fórmulas parafrásticas:
a busca de
explicação e de clareza, por parte do falante, em vista de seus
interlocu-
tores.
166 167
8. A SINTAXE NA LÍNGUA FALADA
1. Introdução
1.1 O texto
O texto que vamos analisar é o trecho que vai da linha 445 à linha
575 do Inquérito 343 do Projeto NURC/SP, transcrito das páginas 28 a
31 do volume II — Diálogos entre dois informantes — de Preti c Castilho
(orgs.), A linguagem falada culta na cidade de São Paulo.
Os interlocutores, identificados apenas como L1 e L2, são um ra-
paz e uma moça, irmãos, — ele, engenheiro, ela, psicóloga —, de 26 e 25
anos, respectivamente, classificados como informantes da 1º faixa ctária.
Foram convidados a falar sobre a cidade, o comércio. É sobre o primeiro
fema que conversam agora.
169
para fazer você conforme... o azar teu você fica quatro LI crescimento... o Brasi! diz-se basicamente
horas paralisado num trânsito... (lá:: qualquer) 500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo...
465 L2 mas nem por isso deixa de ir ( ) se desenvolvendo... parece que está saindo de uma...
condição de subdesenvolvimenta para chegar sei lá numa
* = [E
de desenvolvido... okay?... uma:: um caminho
ÁROL
LI &Ã masissoételativoné? você
L2 ahn abo
ELLE ERA
pode não ter:: não é global isso né? então sei lá digamos
sos LL! agora PE::gue... os indivíduos... desse país... é melhor
uma regiãozinha ali::... os que não estão acostumados
ou é pior para eles isso?
com a cidade pum se mete no trânsito e se se se (ficam)...
L2 não sci porque acho que aí quando sc fala em
470 talvez até:: em São Paulo... eu nunca pego o trânsito...
desenvolvimento geralmente está se falando num plano
ethics
correto?
material né?... concreto material ou melhores condições
L2 eu já pego ((ri)) S10 materiais de vida...
[ Li é mas se não nã/ não::s,..
LI segundo... a pessoa ali passa um tempo alí...
[
E sc Isso sabe
O LI seja mais ampla... porque::... material envolve...
[ qualquer outro... junto,..certo?
L2 VOCÊ SACAr... SACAT S15 nem sempre M. você va assim:: o povo americano
OS:: Os desvios... não é um povo feliz... em termos de condições materiais::
Li segundo... o quejá PAssa (em) muito lugar de trânsito está ótimo está está:: muito bem mas... realmente eu
ele já sabe 0 caminhozinho saidazinhas especiais ou:: não sei te dizer se... se... se faz tanta diferença assim...
... não vai de carro até lá... vai de metrô e... anda três ((barulho de motocicleta))
quarteirões... quer dizer eu não vou na cidade de carro... 520 L1 então você quer dizer o quê? (vai) cair naquele básico
L2 uhn... vai de moto que... dinheiro não traz felicidade?... então
Li então... a maioria... sei lá... não é afetada... mas não é desenvolvimento está ruim ...
bom... agora... por trás disso você sempre (você) mas que ajuda... NÃO estou dizendo que não SEI::
percebe... parece que a cidade não tem superego para se:: se sabe? melhora a condição assim emocional das
485 para para... funcionar:: elá está... cres::ce descres::ce 525 pessoas que estão... quer dizer ( ) ou não
Í
tem... não que ele não se preocupe::...
LI tem político e... () exageradamente com o emocional não
ah é o meu campo pô
[
funcione bem mais tem::... (pesso/) autoridade é superego
((rindo)) (eu estou falando de) cidade...
não é M.? a:
530 ((rindo)) c daí? a cidade não é também”... a origem das
490 ahé coisas é a emoção... as aulas as aulinhas lá que eu
a polícia e tal que ela funcione num num:: ((ri)) aí já não
concordo mas que existe existe né? vOcê mexe...
uhbn vbn... ela não não coorDEna as partes em um bom estou assistindo
funcionamento
fundamentalmente
[
495 quer dizer que o ego da cidade não funciona bem
S35 oi?
porque::... né? as partes não são integradas... ((ruídos))
com os indivíduos né? é diferente de mexer com casas
LI você acha que... desenvolvimento é BOM ou é ruim?
desenvolvimento em que Sentido?
[
12 eoque
170 171
são indivíduos?... são feixes de emoções... condensadas 1,2 A transcrição
(5)
540 o indivíduo é um todo... A transcrição acima segue estritamente as convenções adotadas no
o que eu Acho... assim... Projeto NURC, Mas, como se verá, no corpo de nosso texto precisamos
por exemplo usar os sinais de pontuação da língua escrita, sós ou combinados com os
[ da transcrição inicial.
ahn
Isso se explica pela necessidade de assinalar a entoação, que é a va-
você acha que um indivíduo... tendo trabalho ou não
tendo trabalho é... é a mesma coisa?... você não acha
riação da linha melódica da voz do falante. Mantendo uma linha melódi-
545
ca no mesmo tom ou variando, subindo, descendo, combinando-se ou
melhor ele não está... emocionalmente melhor que um não com pausas, a entoação não só indica o começo e o fim das frascs,
indivíduo que não tem onde trabalhar e::... et cetera?... como também demarca os grupos sintáticos, os blocos de palavras que se
você acha que não? unem e se relacionam para formar as frases com que nos comunicamos.
550 você diz mais ou menos doente? Ouvindo a gravação, podemos identificar esses componentes da frase,
sei lá... eu não estou pegando nenhum mas para fazê-lo na leitura foi necessário recorrer aos sinais de pontua-
I ção.
nesse sentido assim? Nos exemplos que transcrevemos em nosso texto, a vírgula repre-
caso clínico... um indivíduo qualquer... senta variação ascendente ou descendente na linha entonacional; o ponto
final, queda; o ponto-de-interrogação, entoação ascendente no final da
ahn tudo bem... está está legal...
frasc ou no pronome interrogativo; reticências simples, pausa com entoa-
555 então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá
ção suspensiva; e reticências depois de um dos outros sinais marca pausa
chance de emprego para mais gente...
após a entoação indicada pelo primeiro sinal.
L2 mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um cara
que esteja desempregado também eu posso... usar o
mesmo exemplo num num sentido contrário... o cara
2. À sintaxe no texto falado
560 que está desempregado porque não consegue se empregar
né? na verdade não quer... ou um outro que:: assim...
muito bem empregado executiva chefe de empresa e tal 2.1 A constituição do texto
mas cheio das neuroses de... eu não sei qual está
melhor... = A gravação funciona como meio de fixação do texto falado, apreen-
565 Li então você tem que abstrair desse aspecto porque você sível pela audição, mas priva-o de alguns componentes não linguísticos,
pode ter ambos os ca::sos... você tem que pegar na média como olhares e expressão facial e corporal. Por isso, a transcrição da gra-
esquecendo esse aspecto particular... vação parece dar ao texto falado uma feição de texto escrito; tenha-se em
é mas af:: é o tal negócio eu não mc preocupo muito mente, porém, que não são a mesma coisa.
com a média... pra mim interessa:: o:: indivíduo né?... No texto transcrito, encontramos dois locutores que tomam alter-
S70 salvação individual então eu pensar... como é que está
nadamente a palavra, constituindo em cada intervenção um turno - uni-
essa média como é que está aquela..como é que está
dade construcional da conversação, conforme já foi visto no capítulo
a ou/ ... () realmente me faltam dados né? para eu... mas
dedicado a ele.
que aí é falta de interesse minha né? de eu não
procurar esses dados de eu não me tocar muito...
Os turnos, por sua vez, são constituídos por falas, emissões de voz,
S7T5 e ver...
a que iremos daqui por diante chamar frases,
Alguns teóricos fazem distinção entre frase, entendida como uma
forma virtual de construção existente no sistema da língua (uma abstra-
172 173
ção, portanto) e enunciado, que seria sua realização na fala ou na escrita. "complicada", é que se dá o nome de período composto por subordina-
No entanto, não faremos essa diferença, usando frase para indicar o que ção, i
é rcalmente falado ou escrito. Ou seja, usamos aqui frase no seu sentido Finalmente, as duas formas de organização podem combinar-se,
corrente, o mais usual. dando origem ao chamado período composto por coordenação ce subor-
dinação.
2.1.1 Algumas definições necessárias
2.2 A primeira impressão
Esclareçamos com uma definição: "A frase é a unidade do discurso,
quando um falante se dirige a um ou mais ouvintes sobre um assunto Tal como a apresentamos de início, a transcrição não denota de
dentro de uma situação concreta. Caracteriza-se pela entoação, ou tom imediato a organização interna do turno; não usando maiúsculas, nem
frasal, que é a marca do seu plano hierárquico em face da forma ou for- ponto final (ou equivalente), não indica o começo e o fim de cada frase,
mas linguísticas que utiliza. O que lhe dá individualidade é o propósito como faz, para nossa comodidade, a língua escrita.
definido do falante, e assim a frase varia desde a formulação linguística No entanto, uma primeira leitura da transcrição já fará sentir a di-
complexa até à simples interjeição. E a formulação lingúística pode vir fercnça centre o escrito e o falado: os interlocutores comunicam-se por
incompleta e falha, porque se esclarece pela situação, se complementa frases que, se em geral compreensíveis para ambos na conjuntura em que
com a mímica e se amplia com sons inarticulados à margem da lín- se encontram, nem sempre o são para quem lê,
gua."(CAMARA, 1969: 173) Examinando-as de um ponto de vista sintático, vemos que ora se
Aquilo, pois, a que chamamos frase apresenta-se a nossos ouvidos completam, ora ficam em suspenso; ora abortam, apenas iniciadas, ora se
como uma emissão de voz, delimitada por pausas e acompanhada de en- desenvolvem largamente; ora se intrometem nelas elementos que não fa-
toação. específica. Sua organização interna admite estruturas variadas, zem parte de sua estrutura sintática, propriamente, funcionando sobretu-
que podem ser até mesmo simples ruídos. do — mas nem sempre exclusivamente — como agentes de sustentação da
Ela pode ter ou não ter verbos, pode ser formada por construções interação, de organização do texto conversacional, de garantia do desen-
complicadas, pode interromper-se ou mudar de rumo, mas pode também volvimento do discurso. Referimo-nos aqui aos marcadores conversacio-
completar-se, para a compreensão do ouvinte, com elementos extralin- nais (assunto de outro capítulo deste mesmo livro, a que remetemos o
gúuísticos que se encontram na situação de comunicação, por olhares, ges- leitor).
tos, expressões faciais e corporais, ou por conhecimentos compartilhados Tudo isso, contudo, não nos impede de entender o diálogo repro-
pelos interlocutores, ainda que não expressos. duzido. Ou seja: a estrutura das frases que compócm os turnos com que
O próprio sistema da língua, porém, oferece um tipo de estrutura ele se construiu está dentro dos padrões possíveis na nossa língua, sem o
frasal que independe da situação de comunicação: a oração, que é a frase que, nem nós o entenderíamos, nem se teriam entendido os interlocuto-
construída em torno de uma forma verbal. O que não quer dizer que a res.
oração fica imune às interferências da interlocução.
A oração, por sua vez, pode aceitar parceria com outra oração do
mesmo nível estrutural, formando com ela uma sequência organizada por 3. Sintaxe intraturno
coordenação. É aquilo a que a gramática nos ensinou a chamar de perío-
do composto por coordenação. 3.1 Estrutura sintática das frases
A oração complica-se quando admite que um ou mais de um de
seus termos (sujeito, complementos; adjunto adnominal; adjunto adver- Examincemos de perto o diálogo, analisando a organização sintática
bial etc.) assuma por sua vez a forma de oração, que será chamada, en- das frases a partir de alguns exemplos mais típicos. A localização deles
tão, oração subordinada (respectivamente, subordinada substantiva; está indicada pela primeira linha reproduzida, conforme a numeração do
subordinada adjetiva; subordinada adverbial). A cessa oração complexa, texto original. '
174 175
(1) L1 Mas isso é relativo. NÉ?
(6) O ego da cidade não funciona bem porque as partes não
(...) Não é global isso, né?
estão integradas.
(linha 466)
(2) LI (...) Eu nunca pego o trânsito... correto?
(7) Parece que está saindo de uma condição de
1.2 Eu já pego. ((ri))
subdesenvolvimenta para chegar numa de desenvolvido.
(linha 470)
(3) L1 (...) Quer dizer, eu não vou na cidade de carro.
(linha 480) Em (5), após duas "partidas" em falso - duas orações que começam
(4) L1 Agora PE::gue ...os indivíduos ...desse país... e ficam em suspenso —, organiza-se enfim um período composto por su-
(linha 505) bordinação. Em (6) e (7) há o mesmo procedimento sintático — subordi-
nação.
Despindo-as dos elementos que têm a função precípua de marcar a
(8) 12 (---) Sabe, chega imigrante, chega imigrante, chega imigran::te e...
interação, obtemos as seguintes frases: Cresce E CTesce e Cresce e...e:: ao mesmo tempo (houve) o crescimento
das... digamos das vias... outt...né? de!:... circulação, dentro da cidade, não
(1) Isso é relativo. acompanha esse crescimento da população, né?
Nao é global isso.
(linha 454)
(2) Eu nunca pego o trânsito.
(3) Eu não vou na cidade de carro.
(4) Pegue os indivíduos desse país. (9) L1 Segundo, ... o que já passa em muito lugar de trânsito elejá sabe o
caminhozinho, saidazinhas especiais ou::... não vai de carro até lá, vai de
metrô e... anda três quarteirões, ... quer dizer eu não vou na cidade de
É fácil ver que temos aí orações independentes ce completas - frases Carro...
construídas, cada uma delas, em torno de um só verbo. ” (linha 476)
(5) LI (...) Agora,...por trás disso você sempre (você) (10) L2 (...) Em termos de condições matcriais::, digamos, está ótimo, está
percebe... Parece que a cidade não tem superego está:: muito bem, mas... realmente eu não sei te dizer se,..se...se...faz
para funcionar:: (...) muita diferença assim...
(linha 483) (linha 516)
(6) L2 Quer dizer que o ego da cidade não funciona bem
porque:: né? as partes da cidade não são integra
das...
Mais uma vez, desbastando as frases dos elemento alheios à organi-
(linha 495) zação sintática propriamente dita, encontramos períodos normalmente
(7) LI (...) Parece que está saindo de uma ... condição estruturados, quer por coordenação apenas, quer por subordinação e
de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa coordenação de orações.
de desenvolvido...okay?
(linha 501) (8) (...) Chega imigrante, chega imigrante, chega imigrante e cresce e cresce e
cresce e ao mesmo tempo houve o crescimento das vias ou de circulação,
dentro da cidade, não acompanha esse crescimento da população,
Repetindo a operação de "desvestimento" e eliminando também he-
sitações, que são, como as correções, decorrentes da própria natureza da
(9) Segundo, o que já passa em muito lugar de trânsito ele sabe o caminhozinho,
conversação, obtemos: saidazinhas especiais, ou não vai de carro até lá, vai de metrô e anda três quar-
teirões, eu não vou na cidade de carro.
(5) Por trás disso você sempre...
(Você) percebe...
(10) (...) Em termos de condições materiais, está ótimo, está muito bem, mas
Parece que a cidade não tem superego para funcionar.
realmente eu não sei dizer se faz muita diferença assim.
176 177
Em (13) há uma frasc intercalada, pum, que é uma onomatopéia, a
As frases cxaminadas até agora compóem-sc, pois, de orações que
imitação de um ruído. Em (11), (12) e (14), ubhn ubn ou ubn ec ahn abo
ou se apresentam independentes, ou se associam em um mesmo nível
valem por frases assertivas. Em (15) a interjeição oi forma uma frase in-
funcional (coordenadas), ou se inserem em outra, de que passam a fazer
terrogativa. Contudo, fogem ao sistema da língua. Não são formadas por
parte como constituintes (subordinadas).
palavras moldadas segundo os padrões normais: uhn e ahn parecem
No entanto, houve perdas. O conteúdo cognitivo não se alterou
mais ruídos produzidos com a boca fechada ou semi-aberta do que sons
com a operação de desbaste, é verdade. Alterou-se, porém, a carga infor- normalmente usados na fala.
mativa global, para a qual contribuíam os elementos cortados, que mar- A frase pode também aparecer sob forma nominal, sem articulação
cavam o processamento da informação c assinalavam as relações entre os entre um sujeito e um predicado:
participantes dessa "interação centrada" que é a conversação.
Nos exemplo observados até agora constam orações/períodos a que (16) 1.2 Ahn tudo bem...está está legal. ...
se entrelaçaram elementos próprios da comunicação oral. Contudo, não (linha 554)
é só a oração que se constitui em frase. Vejamos, pois, outros tipos de
frase, assinalando que são freqientes na língua falada, mas não exclusi- Houve apenas, com a frase nominal tudo bem, expressão de con-
vos dela, uma vez que a escrita pode querer reproduzi-los. Lembre-se, cordância, reiterada em seguida com a oração está legal, reassegurando
porém, que são estranhos à língua em sua função estritamente referen- ao interlocutor que está havendo compreensão.
cial, aquela que se realiza quando o falante apenas externa seu pensa-
mento organizado em conceitos. Frases há que se cortam apenas iniciadas:
(linha 481) L2 |
Ahn
(13) L1 (...) Os que não estão acostumados com a cidade pum se mete no trânsito (-) L1 Você acha que um indivíduo (...)
(linha 478) (linha 540)
(14) L1 (...)para chegar sei lá numa de descenvolvido...okay? ... uma:: um caminho
L2 Ahn ahn.
(18) L1 E mas se não ná/não:::
(linha 503)
L2 |
(15) L2 (...) as aulas as aulinhas lá que eu
Se ISso sabe
L1 | L! seja mais ampla...
Você mexe
(linha 511)
1.2 estou assistindo
L1 fundamentalmente
12| Tais fatos certamente sc deven. às próprias condições da conversa-
Oi? ção: em (17) L2 teve o turno arrebatado, não obstante o início tentado
L1 com os indivíduos né? para segurá-lo se alongasse. Em (18), L2, aproveitando a demora de L1,
(linha 531)
Outras frases começam a articular-se e se interrompem, ficando em
Se consideramos turno cada uma das intervenções dos interlocuto- suspenso:
res, aí há turnos, com função específica no intercâmbio conversacional,
mas sempre marcando a presença de um locutor diante do outro e asse-
gurando a interação, (linha 467)
178 179
(20) L2 Nem sempre M,., você vai::...assim:: o povo (---)
desejo de reter a palavra. Que, principalmente em b e c, já que serve para
(linha 515) introduzir orações, marca a incompletude sintática, como que dando a
entender que falta terminar, e assim serve ao propósito de segurar o tur-
Em (19) L1 faz uma primeira afirmação, esboça um argumento, fa- no. À quebra após d, quando o marcador retém a vez, revela uma falha
lha e repete sob nova forma a asserção inicial. Na marcha sincrônica do no planejamento que redunda finalmente em desarticulação sintática.
planejamento e da produção do texto, o pensamento esboçado, a idéia a
que corresponderia a frasc, não se perfaz, e a frase se corta. É algo seme- 3.2 Organização interna do período
lhante o que ocorre em (20).
Outro caso de evidente interferência de fatores conversacionais na Cabe aqui examinar duas asserções muito comuns a respeito da lín-
organização sintática está em (21). gua falada.
A primeira é que nela as Írases são significativamente 1mais curtas
(21) L2 Mas você vê que::...(quer dizer) uma visão que o papai tem né? que ele diz que que na língua escrita. Conforme lembra Marcuschi (1991:22) "isso é em-
vai chegar uma hora que para/que a cidade vai ficar paralisada...
pificamérnite Verdadeiro, mas não na forma como é dito”, isto é, como ver-
(linha 450) dade absoluta,"pois se tomarmos todas as sentenças da fala em que não
ocorrem descontinuidades do tipo apontado veremos que clas são signifi-
Vamos agora reescrever o trecho, separando as orações segundo cativamente mais longas que as demais."
critério estritamente gramatical c afastando para os lados os clementos É preciso não esquecer, também, que pode haver diferenças entre
de função conversacional, interacional. os falantes causadas por suas caractérísticas de personalidade ou pela di-
versidade de instrução e, em conseqiência, de posição em relação à lín-
(2DL2 Mas —ajvocêvê
b) que
gua e ao ato de falar. Até mesmo o tipo de inquérito poderia levar a
quer dizer resultados divergentes.
uma visão De fato, a uma observação extremamente rápida em textos do Pro-
c)queo : jeto NURC/SP, parece que longos períodos complexos e bem estrutura-
d) que o papai tem né? dos são raros, variando também sua frequência conforme a faixa etária.
€) que ele diz A segunda afirmação é que predominaria na língua falada a coor-
f) que vai chegar uma hora
denação entre as orações, dada como construção mais simples, mais fácil
£) que para/
que a subordinação.
h) que a cidade vai ficar
paralisada. Assinale-se, de início, que aí se estão comparando objetos de natu-
reza diferente, não opostos, nem mutuamente excludentes: uma oração
Como se vê, a sequência de orações promete claramente, de início, que é subordinada pode ao mesmo tempo estar coordenada. Além disso,
organizar-se por subordinação. Isso se vai fazendo normalmente, apesar coordenação e subordinação ocorrem em vários níveis de construção, e
da hesitação em b e c; entre d e e a construção sofre uma fratura que né não somente no período: termos da oração desdobram-se por coordena-
procura disfarçar. A oração iniciada em b fica inacabada, e o período, ção (sujeito composto, por exemplo), a oração se estrutura por relações
desestruturado. de dependência ou subordinação entre seus componentes; e assim por
É plausível atribuir a causa disso a fatores conversacionais. diante.
Que, gramaticalmente, é por excelência o instrumento de inserção Observando, porém, apenas o nível do período, concluímos que a
de uma oração em outra; sua presença, portanto, anuncia continuação na nossa amostragem não confirma a predominância da coordenação: dos
oração que se supõe que vá introduzir. Mas, segundo confirmam os alon- quarenta períodos compostos completos que isolamos no texto, dezoito o
gamentos, as pausas e a presença de marcadores conversacionais interca- são por subordinação; doze, por subordinação e coordenação; e dez, so-
lados, 12 não consegue processar o texto com a velocidade adequada ao mente, apenas por coordenação.
180 181
tro da cidade, separado por duas pequenas variações da entoação, acaba
Contudo, seria imprudente generalizar, quer numa, quer noutra di-
por tornar-se sintaticamente ambíguo: é complemento de circulação? E
reção. Conforme observa Akinnaso (1982:109-111), qualquer estudo
sujeito — ainda que indicador de lugar — de não acompanha? Ou é adjun-
comparativo entre a sintaxe (bem como o léxico e a semântica) da língua
to adverbial de houve?
falada e a da escrita deverá enfrentar e resolver preliminarmente proble-
A quantidade de sinais reveladores da necessidade de tomar tempo
mas numerosos e de natureza diversa, tais como o controle de dados, a
definição das variáveis a considerar, a orientação quantitativa, a qualifi- - pausas, alongamentos, uso de marcadores como digamos, ou, né - reve-
cação dos informantes etc. lam que a causa é a dificuldade de acertar a marcha da fala com a do pla-
nejamento.
3.3 Organização interna da oração
(25) L1 Segundo...o que já PASsa (em) muito lugar de trânsito elejá sabe o
caminhozinho (...)
Passando agora a observar o que ocorre dentro da unidade sintáti- (linha 477)
ca oração, encontramos alguns fatos que convém comentar. No corpus
publicado pelo Projeto NURC/SP não é comum a falta de concordância
Como no exemplo acima, é muito comum a retomada do sujeito,
entre o verbo e seu sujeito, o que se compreende em vista do critério de
anunciado no início da frase (aqui, o que já passa em muito lugar de trân-
seleção dos informantes e das próprias condições, algo artificiais, de gra-
sito), por um pronome próximo ao verbo, ele.
vação. Uma dessas faltas dá-se aqui:
Também freqiientes são as clipses, sobretudo do sujeito, nem sem-
(22) L1 (...) os que não estão acostumados com a cidade pum se mete no trânsito (...) pre justificáveis por um motivo estritamente gramatical, isto é, pelo fato
(linha 469) de ser possível identificá-lo apenas pela desinência de número e pessoa
do verbo. Permite-o a consciência dos locutores de que falam sobre um
É bem provável que isso se deva à intromissão da frase onomato- mesmo tema — que nem sempre fica claro para o leitor atual, como se vê
paíca pum, que afastou do verbo o sujeito, sem que tivesse havido o pla- aqui;
nejamento necessário para a concordância.
O anacoluto do exemplo adiante ilustra mais um caso de influência (26) L1 (...) Então você destrói uma ponte e:: fica isolado assim da::
da situação: 12 Uhn ubn
1.1 É diferente da comunicação... tipo humana né? tipo linguagem... Sai do
contexto de linguagem...
(23) L2 (...) Sabe, um cara que esteja desempregado também eu posso... usar o mesmo
exemplo num sentido contrário.
(linha 445)
(linha 557)
Afinal, que é que é diferente da comunicação tipo humana e sai do
Um cara que esteja desempregado, situado no início da frase, parece contexto da linguagem?
que vai ser o sujeito de uma oração que há de vir; surge um desvio brus-
co, o sujeito da oração que se realiza em seguida passa a ser eu, e a cons-
trução anunciada com um cara...fica esquecida. 4, Sintaxe interturnos
(24) 1.2 (...) e:: ao mesmo tempo (houve) o crescimento das...digamos,..das Sendo a conversação o gênero básico da interação humana, há
vias...ou...né? de:: circulação, dentro da cidade, não acompanha esse cres- sempre nela pelo menos dois interlocutores alternando-se nas falas e lu-
cimento...de população né?
tando para reter ou tomar a palavra. Esse fato transparece não só na or-
(linha 455) ganização interna do turno, como já vimos, mas também nas passagens
de um a outro turno e na própria disposição sintática com que isso se faz.
A informante começa por uma oração em que ao verbo impessoal
houve se segue um complemento crescimento das vias de circulação; den-
183
182
Já mostramos atrás que um instrumento gramatical como que pode 11 não é? ..e...estamos muito contentes e...
ser usado para marcar a incompletude sintática e reter o turno. L2 e dão muito trabalho (...)
Também chama a atenção a frequência com que aparecem conjun-
ções coordenativas em início e fim de turno. Passemos a examiná-las, ve- No entanto, é na tomada de turno que se torna mais notável a fun-
rificando que função têm nessas posições. ção de marcador conversacional que as conjunções podem assumir. Já se
Por sua natureza — co-ordenar significa relacionar elementos de observou que "os turnos que não se iniciam ou não terminam com algum
função equivalente — a conjunção coordenativa pela simples presença tipo de marcador são mais propensos a gerarem passagens tumultuadas
anuncia que deverá haver uma continuação, um segundo elemento, pelo entre os falantes. (GALEMBECK et alii, 1990:71)
menos. Na conversação, muito comumente um alongamento denuncia a Observem-se no texto: ó
verdadeira razão de ser usada: tomar tempo para o planejamento e reter
(30) L1 (...) Sai do contexto da linguagem.
o turno, Ilustremos a afirmativa. 12 Mas você vê quett... (...)
(27) 1.2 (...) E. Cresce e cresce e cresce e...e:! ..ao mesmo tempo (houve) o cres- (31) L1 (...) Você fica quatro horas paralisado num trânsito lá... qualquer.
cimento das vias... ou::né? de circulação... L2 Mas nem por isso deixa de ir
(linha 455) l
(28) L2 Não sei por que se dá o valor, mas... o que eu sinto... Li mas isso é relativo, né?
(linha 836) (linha 463)
(29) L2 (...) porque lá es/eh:: tem o kren-akarore não sei o que mas...
Lt Kren-akarore ... (32) L1 Então o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de emprego para mais
gente...
Obscrvação: Os dois últimos exemplos pertencem a outro trecho L2 Mas você está pegando uma coisinha assim.
do mesmo inquérito sob análise. (linha 555)
(33) L2 (...) geralmente se está falando num plano material né? ... concreto, material,
ou melhores condições de vida...
Como se pode ver, a tentativa de tomar tempo foi bem sucedida
L1 É mas sc não nã/não::: ...
em (27) e (28): houve continuação e as conjunções se tornaram mediais. (linha 508)
Outras vezes, a tentativa fracassa, e resta um marcador final, como em
(29). (34) L1 (...) esquecendo esse aspecto particular...
O e é a mais neutra das conjunções coordenativas, caracterizando- L2 É mas aí:: é o tal negócio eu não me preocupo muito com a média. ...
se apenas pelo traço semânticode adição, suficiente para justificar sua (linha 567)
ação no texto conversacional. Em (27) reiterou-se após uma hesitação
inicial, num polissíndeto retórico, até o ponto em que não há mais como Certamente, uma das conjunções coordenativas mais usadas na
continuar, repete-se, alonga-se e, reencontrado o rumo, a frase prossc- função de marcador é mas. Os compêndios de gramática atribucm-lhe a
gue. O locutor conseguiu o que queria. propriedade de exprimir oposição, contraste,
A tal ponto vai essa faculdade do e, que às vezes o segundo locutor Ora, nem sempre é isso que cla faz. É verdade que em (31) a inter-
o retoma; continuando a construção da frase numa legítima sintaxe a venção de L2 contém uma negativa, a qual, portanto, se opõe à afirmativa
dois, como se vê em outro inquérito, o de número 360 (linha 29-36): anterior de L1, sendo por sua vez contestada pela nova intervenção de
L1. Já em (30), L2 inicia sua intervenção com mas e segue com argumen-
Lie: to de natureza inteiramente diferente do que L1 dissera. Na verdade,
L2 e daí o entusiasmo por nove ou dez. mas serviu para marcar sua entrada, ao mesmo tempo conectando os
Co) dois turnos .
184 185
Em (33) e (34), mas vem acoplado ao indicador de concordância é, Então e agora normalmente constam nas gramáticas como advér-
que revela diplomática anuência, como a de quem não quer discutir, po- bios de tempo, agora opondo-se pelo significado a antes e depois, então
rém volta à carga com mas. opondo-se a agora. No entanto, não é esse o valor que têm aqui: não só
Em todos os casos acima, o que se percebe é que mas inicial de- funcionam como marcadores, assinalando a tomada de turno, mas tam-
sempenha várias funções: elemento de conexão por coordenação entre as bém indicam, com um traço semântico comum a todas as conjunções
partes do texto conversacional, os turnos, e portanto fator de coesão; in- coordenativas, o da adição, a relação sintática de coordenação e promo-
trodutor de argumentos que seguem direção diferente da anterior no tex- vem, como e e mas, a coesão no texto conversacional, Além disso, então
to e que vêm frustrar a expectativa; e, em decorrência mesmo da situação pode marcar simplesmente a adição, como em (36), de modo semelhante
de interação, a de marcar a posição dos locutores, não só em relação à ao que se observa em narrativas de crianças, ou funcionar como conclusi-
argumentação, mas também a de cada um em face do outro, como anta- va, como em (37). Agora indica o ponto do discurso em que está (38), ou
gonistas se enfrentando e se preservando, Isso se percebe mais nitida- assume valor adversativo, ao apontar direção diferente da esperada no
mente em (31): os dois locutores, sucessivamente, tomam o turno com desenvolvimento do tópico, como em (39).
mas. Parece lícito concluir que a partir destas funções conversacionais
E segue-se a mas como instrumento de tomada do turno. O exem- poderão então e agora especializar-se nas funções gramaticais de conjun-
plo adiante não consta no texto sob análise, localizando-se em outro pon- ção coordenativa, em cujo rol, de resto, não só as incluíram gramáticas
to do mesmo inquérito. mais antigas, como também o fazem algumas modernas.
(35) LI (...) Mas ((ri)) ficaram duas horas ali em cima cantando pulando eles...suando
né? literalmente. 5. Conclusão
L2 E tiraram o quê? Pena de passarinho do cara?
L1 E... um negócio assim... pronto, sarou, era isso que estava interferindo... era um
Que vimos, pois, ao longo da análise que fizemos?
espírito não sei das quantas... que estava né?
12 É:: o cara ficou bom? Primeiro, que o sistema gramatical mantém-se o mesmo tanto na
(linha 765) língua falada quanto na escrita, é claro.
Segundo, ficou demonstrado que, se é correto afirmar que tudo
Funções semelhantes desempenham então e agora. Observe-se seu que se encontra na língua escrita se acha também na falada, o certo é que
uso nos exemplo que seguem. a recíproca não é verdadeira: nem tudo que há na língua falada está tam-
bém na escrita.
(36) L1 (...) quer dizer, eu não vou na cidade de carro... A razão é óbvia: faltam a esta as condições de produção em que
12 Uhbn... vai de moto. aquela se realiza, falta o intercâmbio direto e tudo que o acompanha e
Li Então, ... a maioria ... sei lá ... não é afetada, mas não é bom. que termina por incorporar-se ao texto, inda mesmo quando não expres-
(linha 480) so lingiisticamente.
(37) L2 (...) Eu não sci qual está melhor... Por outro lado, também a língua falada não tem, para organizar seu
LI Então você tem que abstrair esse aspecto (...)
texto; as condições em que o faz a língua escrita. A simultaneidade entre
(linha 563) planejamento e produção do texto deixa suas marcas na sintaxe: desvios,
(38) L1 (...) uma:: um caminho ...
construções fracassadas, interrompidas, excesso de intromissão de ele-
L2 Ahn aho.
11 Agora PE::gue os indivíduos (...)
mentos extra-estruturais c assim por diante,
(linha 503) A própria natureza da conversação, essa "interação centrada", e a
(39) L1 (...) mas não é bom. Agora, por trás disso ... alternância de vozes governam a organização do texto. Para quem está
(linha 483) alheio, não só o conteúdo como a própria forma gramatical da conversa-
186 187
ção podem parecer confusos, caóticos — mas isso não impede a com-
9. O PROCESSO INTERACIONAL
preensão entre os interlocutores ou mesmo a do observador atento,
A espontaneidade no uso pode revelar as tendências para as quais
se inclina a língua: novas funções podem ser atribuídas a instrumentos
gramaticais como as conjunções. E a sintaxe, construída a dois, leva as
Beth Brait
marcas do processo de interação em que se organizou.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O objetivo deste capítulo é focalizar, a partir da análise de um diálo-
AKINNASO, F. Niyi. On the differences between written and spoken go, algumas estratégias utilizadas por falantes em contextos de interação
verbal.
language. Language and speech, 25 (2): 97-125 1982.
O trecho escolhido para análise" é a parte inicial do Inquérito 333
CAMARA JR,, J. Mattoso. Princípios de linguística geral. 4. ed. rev. c
(CASTILHO & PRETI, 1987:234-237), constituído de um diálogo entre
aum. Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1969. duas mulheres de 60 anos, ambas viúvas e paulistanas, sendo uma delas
CASTILHO, A. T. de e PRETI, D. A linguagem falada culta na cidade jornalista (L1) e outra escritora (L2). É importante observar que, embora
de São Paulo. Vol. 1 - Diálogos entre dois informantes. São Paulo, Teal, não se trata de um diálogo espontâneo, no sentido de ter acontecido
T. À. Queiro7/FAPESP, 1987 por acaso e de ter sido gravado secretamente. Ainda que as interlocutoras
GALEMBECK, P. T, SILVA, L. A. & ROSA, M. M. O turno conversa- se conheçam há tempos, aspecto que pode ser constatado em vários mo-
cional. In: PRETI, D. e URBANO, H,. (orgs.) À linguagem falada mentos do texto e confirmado pelo fato de elas serem primas, elas foram
culta na cidade de São Paulo. Vol. IV - Estudos. São Paulo, T. A. reunidas com o objetivo específico de gravar um depoimento para o
Queiroz/FAPESP, 1990. NURC/SP — PROJETO DA NORMA LINGUÍSTICA URBANA CULTA
MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo, Ática, 1986. DE SÃO PAULO. Há, portanto, além das duas protagonistas do diálogo, a
- Análise da conversação e análise gramatical. ABRALIN, 10: presença de uma documentadora que sugere o tema da conversa e que, de
11-34, jan /1991. certa forma, fará parte da cena da conversação. Ela não apenas motiva o
MORAES, L. C. D. de. Nexos de coordenação na fala urbana culta de diálogo e observa seu desenvolvimento, mas também, em pelo menos um
São Paulo. (Tese de doutorado) São Paulo, USP, 1987. momento da sequência escolhida, é explicitamente considerada por uma
das participantes que a inclui como ouvinte : -- não sei se vocês acompa-
nharam a polêmica em torno de Gabriela... (linhas 75-76).
TEXTO
(1) Outra seqiiência desse inquérito foi utilizada no capítulo cujo objetivo é descrever e anali-
sat os processos de correção. Assim sendo, muitas informações a respeito de características
básicas desse diálogo são repetidas nos dois capítulos não como mera redundância, mas como
necessidade para a explicação dos processos em observação.
188 189
é que na ocasião ... quando ele me incumbiu disso ... so Lt dos erres ... ahn
ele pensou ... que ele ia ::... ficar em face de uma L2 € ... mas eu noto que agora ... sobretudo na nossa
recusa ... e que eu ja ... esnoBAR ((ri)) -- agora vamos família que nós temos muita preocupação ... da da
usar um termo ... que eu uso bastante que todo mundo linguagem simples e da linguagem::... correta
10 usa muito -- eu iria esnobar a televisão ... como todo [
intelectual realmente esnoba ... mas acontece ... que eu LI exata
já tinha visto durante muito tempo televisão ... porque:: Ss é ... exata ... nós ficamos um pouco chocados com
houve uma época na minha vida que a literatura:: me O esse e o erre exagerados dos cariocas
fazia prestar muita atenção ... e eu queria era uma fuga ... [
15 então a minha fuga ... era me deitar na cama ... ligar dos cariocas
o:: receptor e ficar vendo ... ficar vendo ... e:: aí cu L2 que são mesmo um preciasismo inútil né?
comecei à prestar atenção naquela tela pequena ... L1 é:: e agora como o que domina o mercado é a Globo... e
vi ... não só que já se fazia muita coisa boa e também 60 os estúdios da Globo ... estão no no Rio ... isto faz com
muita coisa ruim é claro ... mas:: vi também todas que ... até os paulistas que vão para o Rio ... os artistas
20 as possibilidades ... que aquele veículo ...ensejava paulistas que estão lá ...
e que estavam ali laTENtes para serem aproveitados... [
agora voCÊ ... foi dos tempos heróicos ... da mencionada adotam...
luta Li eles começam a adoTAR ... para não ficar diferente ...
L2 eu estava na Tupi trabalhando como ::... funcionária e: uma vez:: que ::... nós estamos aqui dando um
25 da Tupi ... da rádio .., Tupi ... quando foi lançada a depoimento sobre esse aspecto da linGUAgem ... eu já
primeira ... (primeira) televisão ... de modo que eu vi enfoquei na nas minhas crônicas da Folha ... a pedra
nascer propriamente a a ... televisão... no caminho que é a:: a pronúncia tão diferente ...
| e mesmo ... a maneira de falar as singularidades que
Lt vinte e cinco anos né? 7O tem cada região ... do país ... e e e que ... como isso
L2 é ()eu.., eu vi nascer... eu estava lá ... ah ... constitui numa PEdra no caminho quando é passado
30 em termos de arte cênica ... e no caso televisão uma vez
lembrar a você justamente a respeito de linguagem ... é o que a televisão vai para o Brasil inteiro não é? ... ar/
seguinte que eu noto ... que muito paulista fica um as redes ... das grandes emissoras cobrem o Brasil inteiro
pouco chocado ... com o linguajar carioca ... com os 75 ... então ... vo/ -- não sei se vocês acompanharam
esses e os erres do carioca ... : a polêmica em torno de Gabriela ... Gabriela ... ah ...
[ jornais bajanos::... não é? éh :: fizeram ... editoriais ...
35 Lt sibilados ... a respeito de Gabriela ... indignados porque ... é é que
que eram justamente um dos ... um dos defeitos aquela baiaNIce que se falava ... lá não era
muito grandes do rádio ... daquele tempo 80 absolutamente
que era ... quando:: um::... locutor ja fazer um teste ... [
O::... o chefe dizia a ele... "diga aí os ef/ os esses € os artificial
40 erres"... esse era o teste... 11 a maneira ... como o baiano falava ... depois ao correr
11 é... da novela ... eu tenho a impressão que eles foram
para saber se ele tinha ... ah:: ... boa dicção para falar aparando cssas arestas ... mas a verdade é esta ... é no no
em rádio .., não é? ... então ele caprichava ... é isso que .. por exemplo ... se ... estão gravando agora este ...
o Chico Anísio está ... ah. ah ah ... caçoando... está passando está passando agora em São Paulo O Grito
é não é? no Brasil todo aliás O Grito de Jorge Andrade
no programa dele ... que é um excelente autor um autor paulista ... pois bem
no programa dele ... uma grande atriz que é a Maria Fernanda ... faz uma
do Chico Anísio ... não é? ele ... ca/ eh ... eh... ele 90 paulista de quatrocentos anos eXAtamente com à
inSISte ... DORme em cima dos esses e dos erres né? linguagem que você assinálou ... de esses sibilantes como
190 191
cobras ... que Maria Fernanda tem todos aqueles cacoetes não ... eh eh um uma ... nada normativo... ah
de linguagem ... 135 L2 é)
ela nunca morou aqui não é? Li fica ao sabor:: do do popular
de uma carioca é
Maria Fernanda nunca morou em São Paulo ?
Os traços caracterizadores dos participantes, assim como a situa-
é uma grande atriz ... então choca
ção em que o diálogo se dá, são fatores importantes quando o objetivo da
demais ... aquela paulista quatrocenTOna que ele faz bem análise é o processo interacional. Como nos demais capítulos desta obra,
BriFAdo ... aliás de uma maneira um pouco ... calcada a linha básica de pesquisa é a ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO, pers-
100 demais porque esse tipo acho que já se diluiu nem pectiva que procura "descrever o comportamento verbal dos interlocuto-
existe mais ... mas ... fica fica muito falso ver-se res durante a interação, visando a compreender como se processa a
então ... uma paulista ... éh:: que faz questão de morar::
organização do ato conversacional" (PRETI, 1991:16).
na casa em que moraram seus ancestrais ... embora seja
na borda do Minhocão ... ela faz questão ... porque Nesse sentido, para que se possa analisar o processo interacional
105 foi ali que os pais moraram por sina! então muito na EMANA é necessário considerar a situação, as características dos
conservadora falando como uma carioca com esses
m foco e de r el iliz, =
sibilantes ... então isso é uma PEdra ... que eu vejo no
caminho ;.. nosso ... e::...não sei como isto será
resolvido ... eu acredito que será louvável o empenho do
A análise da sequência escolhida, partindo dos pressupostos acima
110 governo ... numa Unificação pelo menos de pronúncia ... assinalados, procurará observar algumas características da interação, aí
mas que deveria de começar na escola primária .não é? reveladas, bem como as condições de poder evidenciadas por meio des-
ensinar dicÇÃO ... na escola primária e de uma certa sas mesmas marcas, A expressão "estruturas de poder" está sendo utiliza-
forma unificada da aqui no sentido de um conjunto de traços que evidenciam o esquema
mas isso é um pouco utópico H. você veja outros países
por exemplo como têm ... ahn:: na Itália na França ...
de dominância esboçado no transcorrer do diálogo.
115
como No trecho transcrito, as protagonistas encontram-se, em princípio,
em condições de igualdade: são ambas do mesmo sexo, têm a mesma ida-
O de, o mesmo estado civil, formação semelhante, profissão com igual valor
são c e quase às vezes não se ... na Espanha a a há social, mesmos direitos na situação de comunicação focalizada. Isso sig-
dialetos que quase não se não se entende o o::...
nifica que as duas podem opinar livremente sobre o assunto proposto,
120 uns uns () entendem ( )
() pelos outros sem qualquer hierarquia pré-estabelecida, tendo, consequentemente,
pois é mas eles são muito definidos igualdade de papéis na condução do processo de interação representado
por esse diálogo. Entretanto, apesar desse ponto de partida ideal, dessa
L2 é muito difícil isso aparente simetria de características e de papéis a serem desempenhados
LI oh oh 1. eles são muito definidos e isso faz com que no
palco por exemplo ... uma pessoa de Marselha ... um ::
no diálogo, uma leitura um pouco mais detida do texto poderá demons-
125
um habitante de Marselha ... ou um artista que faz o trar que a interação não implica somente cumplicidade e solidariedade,
marselhês ... então ... eles mas também um certo tipo de embate, de disputa, na medida em que os
| interlocutores são parceiros de um jogo: o jogo da linguagem.
eles eles se ironizam hein ? A fim de apontar esses aspectos no texto e interpretar seu funcio-
Li eles se ironizam ele SAbe a maneira como ele deve
falar não é ? ... as deformações que ele deve dar ao
namento interacional, será necessário destacar alguns conceitos teóricos
130
francês ... ao passo que aqui no Lrasil eh eh não há referentes ao processo de interação e, a partir da articulação existente
um:: nada conceitual -- vamos dizer -- ... a respeito do :: entre eles, conferir sua produtividade na análise do diálogo.
da Fonética não é?... e:: e não havendo uma codificação
192 193
1. Interação: características gerais combinam sua competência lingúística com outras competências, o que
lhes possibilita utilizar as formas linguísticas em diferentes contextos, em
A interação é um componente do processo de comunicação, de sig- diferentes situações de comunicação, com diferentes finalidades. Os fa-
nificação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de lingua- lantes não somente trocam informações e expressam idéias, mas também,
gem. É um fenômeno sociocultural, com características lingúísticas e durante um diálogo, constrocm juntos o texto, desempenhando papéis
discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e inter- que, exatamente como numa partida de um jogo qualquer, visam a atua-
pretadas. ção sobre o outro.
A abordagem interacional de um texto permite verificar as relações No texto em questão, como qualquer outro texto oral, as interlocu-
interpessoais, intersubjetivas, veiculadas pela maneira como o evento toras estão atentas para as particularidades dessa situação concreta de
conversacional está organizado. Isso significa observar no texto verbal comunicação. Olhos e ouvidos abertos para esse evento conversacional.
não apenas o que está dito, o que está explícito, mas também as formas Ambas sabem que muitas coisas estão em jogo e que todas clas interfe-
dessa maneira de dizer/ que, juntamente com outros recursos, tais como rem nesse ato social caracterizado como diálogo, Sabem, por exemplo
entoação, gestualidade, expressão facial etc., permitem uma leitura dos que apesar de o tema ser televisão, e de ambas terem sido convidadas
pressupostos, dos elementos que mesmo estando implícitos se revelam e pela experiência com o veículo, o interesse dos proponentes do evento
mostram a interação como um jogo de subjetividades, um jogo de repre- recai na análise da linguagem e não nas características da televisão.
sentações em que o conhecimento se dá através de um processo de nego- Sc cessa particularidade do diálogo tem uma importância funda-
ciação, de trocas, de normas partilhadas, de concessões. mental no processo de interação, como se verá mais adiante, é verdade,
Com a finalidade de trabalhar essas especificidades e tomar a inte- também, que como em qualquer outro evento conversacional elas consi-
ração como elemento essencial a seu objeto de estudo, vários campos do deram, graças às competências acionadas, outros aspectos que consti-
conhecimento, nem sempre teoricamente semelhantes, apresentam suas tuem o diálogo e que nele interferem diretamente:
contribuições. Esse é o caso da Filosofia da Linguagem, da Etnografia da
Comunicação, da Etnometodologia, da Sociologia da Linguagem e da e queméo outro a que o projeto de fala se dirige?
Sociolingiística, da Psicossociologia, da Análise do Discurso, da Teoria e quaissãoas intenções do falante com a sua fala, com a mancira
da Recepção e da Análise da Conversação. de organizar as sequências dessa fala?
A partir da constatação pioncira de Bakhtin de que "a interação e que estratégias utilizar para se fazer compreender, compreen-
verbal é a realidade fundamental da linguagem", o que se observa no con- der o outro e encaminhar a conversa de forma mais adequada?
junto das disciplinas e no esforço em direção aos estudos interacionais é e comolevaro outro à cooperar no processo?
que a inclusão desse novo aspecto só aconteceu a partir de um determi--—
nado estágio das reflexões sobre a linguagem e, mais precisamente, num A pereepção desses componentes e a mancira de lidar com cles
momento em que se abre espaço para as especificidades do texto oral. constituem à dinâmica da interação. Não se trata, portanto, de produzir
Um aspecto destacado por essas novas posturas diante da lingua- enunciados para um falante da mesma língua, com o intuito de trocar in-
gem, e que tem especial interesse para a configuração das marcas intera- formações, mas de organizar a fala de maneira a compreender e a se fa-
cionais apresentadas no trecho transcrito, diz respeito ao seguinte: os zer compreender. Isso implica a mobilização, além do instrumental
falantes de uma língua não são apenas competentes de um ponto de vista lingúístico oferecido pela língua enquanto sistema, de normas e estraté-
lingúístico, isto é, no sentido de que dominam os signos e as possibilida- gias de uso que se combinam com outras regras culturais, sociais e situa-
des previstas por um sistema verbal, mas também têm competência co- cionais, conhecidas e reconhecidas pelos participantes do evento
municativa e textual. Segundo Catherine Kerbrat-Orecchioni (1990:31), conversacional.
"a competência aparece como um dispositivo complexo de aptidões, Para confirmar a validade desses conceitos e sua importância na
onde os saberes linguísticos e os saberes socioculturais estão inestricavel- análise do trecho transcrito, basta obscrvar, por excmplo, que apesar das
mente combinados". Isso significa que os falantes de uma dada língua hesitações e de uma série de elementos caracterizadores da sintaxe do
194 195
texto oral, há algumas marcas que definem muito claramente as interlo- com a sintaxe da língua escrita (como demonstram com muita acuidade
cutoras como falantes da norma culta. Essa particularidade tem, como se alguns capítulos desta obra), acontece porque as interlocutoras obser-
verá, conseqilências bastantes significativas nesse evento interacional. vam, em geral, a ordem direta, sem grandes inserções e, principalmente,
utilizam-se do processo de subordinação. É como se elas, além de domi-
LL) olha... eu... como você sabe ... ut'ma pessoa um narem as formas da língua, estivessem prestando atenção não apenas ao
diretor tá da Folha .. certa feita me chamou ... e me assunto, mas também ao modo de expressar esse assunto. Observe-se que
S incumbiu de escrever sobre televisão ... o que me parece
L1 cfetua uma autocorreção (v. cap. 6 ) que aponta para esse aspecto,
é que na ocasião ... quando ele me incumbiu disso ...
cle pensou ... que ele ia ::... ficar em face de uma
recusa ... e que eu ja ... esnoBAR ((ri)) -- agora vamos ... e que eu iq ... esnoBAR ((ri)) -- agora vamos usar um termo ...
usar um termo ... que eu uso bastante que todo mundo que eu uso bastante que todo mundo usa muito -- eu iria esnobar a
10 usa muito -- eu iria esnobar a televisão ... como todo televisão ...
intelectual realmente esnoba ..,
12 Euestava na Tupi, trabalhando como funcionária da rádio Tupi, quando foi lançada e aprimeira pessoa do plural, utilizada pela documentadora no
a primeira televisão. De modo que eu vi nascer propriamente a televisão.
momento em que dá início ao diálogo — gostaríamos que des-
sem as suas opiniões a respeito de televisão...
Essa passagem pouco problemática do oral para o escrito, fato ra- € a repetição metalingilística do termo esnobar — ... esnoBAR
ramente observável uma vez que a sintaxe da língua oral não se identifica ((ri)) -- agora vamos usar um termo ... que eu uso bastante
Í
que todo mundo usa muito -- eu iria esnobar a televisão ...
(2) A transcrição da linguagem oral para a linguagem escrita é uma forma de demonstrar
as grandes diferenças existentes entre as duas. Talvez essa a razão pela qual essa estratégia
como todo intelectual realmente esnoba...
apareça em vários estudiosos da conversação.
196 197
Com relação ao uso da primeira pessoa, quem é esse sujeito plural descjo de aprovação e reconhecimento (BROWN ce LEVINSON, 1978).
que tem expectativas em relação aos conhecimentos das protagonistas, se No momento em que utiliza o termo esnobar, ela se dá conta da ambigui-
à única presença concreta é a da monitora? dade interpretativa que esse uso pode causar a analistas de linguagem e,
A utilização da primeira pessoa do plural "fnós] gostaríamos" inclui prontamente, recontextualiza-o de forma a não deixar margem de dúvida
a documentadora, no seu papel autorizado de monitorar esse diálogo e sobre seus conhecimentos linguísticos.
registrá-lo por meio de um gravador, c os demais representantes do pro- Nesse sentido, e como consequência das observações feitas até
jeto para o qual as protagonistas foram convidadas a colaborar. Mesmo aqui, é necessário redimensionar as especificidades do quadro participa-
não sendo nomeados e não estando fisicamente presentes, esses outros tivo (KERBRAT-ORECCHIONI, 1990:82-11), ou seja, do número de
sujeitos funcionam como representantes do Projeto NURC, isto é, como participantes envolvidos ec dos papéis que cada um desempenha nessa s"-
destinatários indiretos da mensagem configurada pela diálogo. tuação particular de comunicação representada pelo evento conversacio-
Essc traço sintático, aparentemente simples — sujeito coletivo auto- nal aqui obscrvado.
rizado, mas oculto da perspectiva frasal —, desempenha um papel muito O quadro participativo definido já no início do capítulo parecia ex-
importante no projeto de fala de L1 2, certamente, também no de L2. O tremamente simples: um diálogo entre duas mulheres, presenciado e gra-
tempo todo, L1 parece ter em mente não só o tema da conversa, que po- vado por uma documentadora, que em princípio não é protagonista pois
deria ser esse ou outro qualquer, mas também os verdadeiros motivos tem "apenas" o estatuto participativo de moderadora. Entretanto, os pou-
que levam a documentadora, c à instituição que ela representa, a fazer as cos aspectos levantados até aqui demonstram que o quadro participativo
pessoas falarem. é complexo, na medida em que envolve mais que as três presenças físicas
Dentro dessa mesma perspectiva interacional é que se pode avaliar e que essa complexidade interfere diretamente no processo interacional.
a repetição do termo esnobar. Não é uma simples repetição, mas uma re- LI c L2 são as protagonistas do diálogo e, em princípio, deveriam
construção contextual, frasal, em que o termo é avaliado lingúisticamente comportar-se espontancamente, tratando com familiaridade o tema pro-
pela usuária. Ela toma o termo sob uma perspectiva metalingíútística, di- posto. Nesse sentido, o projeto de fala de L1 deveria dirigir-se unicamen-
mensionando seu uso e o conhecimento que ela tem desse uso. A finali- te a L2, e vice-versa, sem preocupação com a "testemunha" personificada
dade é levar aos ouvintes a certeza de que cela não o está utilizando sem pela documentadora, Entretanto, é possível observar que o processo não
conhecimento de causa. O que ela esclarece, portanto, não é a configura- acontece com essa simplicidade,
ção semântica de esnobar, mas o fato de ela e de todo mundo usá-lo. O projeto de fala das protagonistas incluí outros destinatários além
Por que haveria necessidade desse esclarecimento de ordem lin- delas mesmas. São destinatários que podem ser chamados de indiretos,
gúística, se o tema principal gira em torno dos conhecimentos e ligações como acontece com a documentadora e com os demais envolvidos no
de L1 com a televisão? Afinal, o que está realmente cem jogo? Projeto NURC, e que seriam facilmente explicáveis no caso de tratar-se
Na verdade, o que está implícito é o conhecimento da língua, com- de um evento institucional (um tribunal, por exemplo, ou mesmo uma
partilhado pelas três participantes do evento. L1 acaba deixando passar mesa-redonda acadêmica em que o público não pode se manifestar).
nas entrelinhas que sabe que o verbo esnobar não é próprio do registro Aqui, as marcas explícitas desse endereçamento são poucas, uma vez que
culto, mas que mesmo assim admite seu uso, Essa explicação, desneces- não se trata de nenhum caso clássico de existência de destinatários indi-
sária da perspectiva do tema em questão, e do tópico abordado no mo- retos. Mas são suficientes, como se viu, para confirmar a atuação dos
mento, tem uma fTúnção interacional muito importante. À repetição componentes implícitos no processo interacional. "Todos os destinatá-
recontextualizada funciona como uma estratégia que visa à preservação rios de uma mensagem, mesmo aqueles que o são apenas indiretamente
da auto-imagem pública (GOFFMAN, 1970) construída por uma das Cunaddressed”) desempenham um papel importante no desenvolvimen-
participantes dessa conversação: LL é uma jornalista que conhece à lín- to da interação..." (KERBRAT-ORECCHIONI, 1990:89),
gua portuguesa. De certa mancira, e especificamente com essa estratégia, Os aspectos interativos apontados até aqui ajudam a compreender
cla orienta à interpretação no sentido de salvaguardar essa imagem posi- o texto como um processo de comunicação e interação, Eles conferem
Liva, ou scja, à auto-imagem construída socialmente, e que se refere ao uma dimensão muito particular ao texto oral, a seu processo de constru-
198 199
ção c à mancira como os participantes deixam marcas de seu empenho O grau de formalidade revela-se, entretanto, por meio de vários as-
na negociação da significação. Assim sendo, é possível afirmar, acompa- pectos: há a preparação do ambiente, com a presença da documentado-
nhando o pensamento de vários estudiosos, que um ato de linguagem é ra, do gravador e do provável contato que antecedeu o encontro, um
uma interação pelo fato de fundar-se no olhar avaliativo dos parceiros, tema que não surge espontancamente, mas é dado pela monitora dessa
isto é, daqueles que participam desse ato com a atenção profundamente conversa c, ainda, a consciência por parte das protagonistas de que o ob-
voltada para todos os aspectos que, de alguma forma, interferem nesse jetivo do encontro, da perspectiva da instituição de pesquisa que o pro-
evento. gramou, é observar a linguagem de duas pessoas consideradas usuárias
da norma culta.
Esses dados todos ajudam a pensar à interlocução, a interação face
2, Tipos e níveis de organização interacional
à face, levando-se em conta os diferentes tipos de situação em que se dá
o evento e as conscqúiências para os diferentes processos interacionais.
A questão do olhar avaliativo, mencionado acima c que acaba con-
Há um conto de Guimarães Rosa (1969) intitulado "Famigerado”,
ferindo aos interlocutores a competência avaliativa, permite observar um
em que o autor procura justamente caracterizar uma interação alinhan-
evento interacional à partir de determinados aspectos que, dependendo
da ausência ou da presença, caracterizam níveis de organização e tipos do, nos poucos parágrafos que constituem a narrativa, a complexa série
diferentes de interação. de elementos que atuam num evento interacional. Ainda que a literatura
seja apenas uma das maneiras de reconstituição do evento conversacio-
Para diferenciar os vários níveis de organização da interação, é ne-
nal, o exemplo serve para suprir alguns aspectos impossíveis de serem
cessário levar em conta, por exemplo, as particularidades do modo de
presença dos participantes do evento interacional e o modo de relação
observados diretamente no diálogo escolhido para análise.
que os interdefine em função do quadro situacional, de acordo com as Já no início do texto, o narrador caracteriza uma situação que, sen-
sugestões de CHARAUDEAU (1984) e que serão conferidas à seguir. do um encontro, reitera aspectos mencionados com relação ao diálogo
do NURC. A extrema diferença existente entre as duas situações pontua
No trecho escolhido para análise, as interlocutoras estão fisicamen-
à importância do modo de presença dos participantes na situação comu-
te presentes, uma diante da outra, portanto numa situação de comunica-
nicativa c a dimensão do olhar avaliativo que dispara a competência in-
ção direta, de interação face a face, Entretanto não estão sozinhas. Há a
terpretativa com vistas à elaboração das estratégias interacionais. Essas
presença da documentadora, como já foi mencionado, o que particulari- estratégias são justamente as que convêm ao momento c à atuação per-
7a e diferencia esse evento interacional de outros em que não há a pre-
suasiva dos participantes,
sença de um terceiro, em condição hicrarquicamente diferente da dos
interlocutores protagonistas. Foi de incerta feita — 6 evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés
Além disso, como em toda interação, as parceiras estão reunidas nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqiitlo. Parou-
sob determinadas condições "contratuais", Nesse caso específico, as con- me à porta o tropel. Cheguei à janela.
dições "contratuais" começam antes mesmo do início da transcrição e Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente,
prosseguem por todo o diálogo. Embora não seja uma conversa espontâ- frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três ho-
nea, cla está prevista para transcorrer como se fosse. Duas amigas, próxi- mens a cavalo. Tudo, mun relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos.
mas até por laços de parentesco, estão de acordo em desenvolver um (..) Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão;
diálogo informal, num encontro que se define como institucionalizado, na bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.
medida em que há objetivos-definidos e normas convencionalizadas. À Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado,
informalidade da situação fica por conta da liberdade concedida pela do- nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada,
cumcentadora às duas protagonistas, a partir do momento em que o tema sopitados, constrangidos-coagidos, sim. (...) Tudo envergara, tomando ga-
da conversa é sugerido. nho da topografia. (...)
200 201
O que se observa, no trecho transcrito acima, é que o narrador em Na análise do trecho do NURC, infelizmente, a transcrição não en-
primeira pessoa tem como objetivo principal descrever todos os meandros globa esses aspectos, impedindo o analista de alcançar essa dimensão sig-
que envolveram a conversa com um desconhecido. Enquanto protagonista nificativa, que sem dúvida interfere no processo interacional
de um evento interacional, ele foi totalmente surpreendido pela presença de representado por uma interlocução face a face. Embora essa transcrição
estranhos em seu território e, antes mesmo de ter início o diálogo (se é que já ofereça muitos elementos importantes para avaliar as especificidades
se tralava mesmo de uma conversa...) ele põe em movimento sua compe-
do texto oral, seria preciso gravar a conversa em vídeo para captar a di-
tência interpretativa, isto é, conhecimentos adquiridos na vida em socieda-
mensão abrangida pelo olhar e observar no texto lingúístico a sua interíe-
de e que possibilitam avaliar, prever e organizar comportamentos. Esses
rência. É claro, também, que isso traria outras consequências para a
conhecimentos, de ordem social e cultural, e que podem ser definidos como
o conjunto dos valores pressupostos pelo meio sociocultural em que se dá
"espontaneidade" de uma situação de interação.
Entretanto, no contraste entre os dois textos, é possível perceber
um ato de linguagem, permitiram, de imediato, o reconhecimento de uma
situação anômala. que o trecho do NURC caracteriza-se, ao menos aparentemente, como
O encontro inesperado, sem aviso prévio c sem a conivência do nar- uma situação de comunicação simétrica, pois nenhuma das participantes
rador-personagem, quebra uma regra fundamental que é a previsibilidade sente-se ameaçada ou surpreendida pela presença da outra, o que signifi-
das situações em que à interação pode se dar, mesmo entre estranhos, ca que todos os pressupostos socioculturais que envolvem o diálogo fo-
Numa [esta, num elevador, num ponto de ônibus ou mesmo em outras si- ram obedecidos.
tuações, dependendo do meio sociocultural em que acontece o evento, é A lcitura de mais um trecho do conto, o que vem imediatamente
possível prever a possibilidade de interação entre desconhecidos. Não sen- em seguida ao já transcrito, pode explicar ainda mais os aspectos socio-
do esse o caso, o protagonista aguça olhos e ouvidos para se organizar e en- culturais que envolvem a natureza dialógica da linguagem em funciona-
frentar a situação que o colocou, pela quebra de convenções, em posição de mento e o significado amplo do olhar avaliativo.
desvantagem, e, conseqiientemente, de dúvida e medo.
Como se sabe, uma siluação de interação envolve outros elementos (..) Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquêle ho-
além das palavras: "Nós falamos com os órgãos, mas é com o corpo que mem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até
nós conversamos" (ABERCROMBIE, 1972:64). O olhar, captador e difu- na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras
sor de informações, funciona como uma câmera que, focalizando o exte- de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adian-
rior, interprela e/ou expressa aspectos que, sem serem explicitados por tava. Com um pingo no 1, ele me dissolvia. O mêdo é a extrema ignorância
palavras, interferem diretamente na dimensão interacional assumida por um em momento muito agudo. O mêdo O . O mêdo me miava. Convidei-o a
encontro. Pelo olhar, cada um dos protagonistas de um evento interacional desmontar, a entrar. Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se
pode captar as características exteriores do outro, a dimensão espacial con- de chapéu, (...) Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo
figurada pela situação, as expressões faciais, os gestos, a postura, as atitu- à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a falta de
des corporais e outras marcas que configuram e circunscrevem uma gente de mais longe, talvez são-franciscano. (...) Muito de macio, mental-
siluação, um contexto interacional. Isso significa que essa situação particu- mente, comecei a me organizar, Ele falou: (...)
lar, esse contexto interacional não é algo dado previamente, mas uma cons-
trução negocidada nesse jogo de intersubjetividades e que depende das O narrador-protagonista continua, como se pode notar, avaliando
diferentes competências dos participantes, de seus desejos e de suas inten- os aspectos que configuram a situação comunicativa, as características e
cionalidades, e principalmente da maneira como a interação começa e se as condições que interdefinem os participantes, incluindo aí ele mesmo e
desenvolve no intercurso conversacional. É à isso que o narrador se refere sua desconfortável posição. Comojá fizera no trecho anterior, ele perce-
quando conclui esse trecho dizendo: Tudo envergara, tomando ganho da be e interpreta as possíveis consequências do rompimento de outros
topografia. pressupostos interacionais, e que estão assim representados:
202 203
É interessante observar também o seguinte trecho: Aquêle homem,
Saudou-me seco, curto pesadamente, (trecho anterior) para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na
Nenhum se apeava. (trecho anterior) escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de
Convidei-o a desmontar, a entrar. temeroso. Nesse momento, o narrador-protagonista demonstra que, as-
Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu, sim como ele está desenvolvendo sua competência interpretativa e per-
Perguntei: respondeu que não estava doente, nem vindo à receita suasiva, avaliando vários detalhes para tentar adivinhar as intenções do
ou consulta. outro e agir adequadamente, ele também está sendo obscrvado. Sua ex-
pressão facial, por exemplo, pode gerar no outro uma interpretação que
A saudação seca, o não descer do cavalo, o não aceitar o convite nada ajudará sua situação de desvantagem. Por essa razão ele procura
para centrar na casa, o conservar-se de chapéu e a visita sem ser por docen- construir uma imagem de segurança que, na verdade, não espelha a sua
ça Írustram todas as expectativas interacionais do médico visitado. Todos confusão interior e conduz, ou tenta conduzir, a interpretação do outro.
esses elementos explicitam, por assim dizer, regras reguladoras e consti- Como sc pode constatar, essa é uma estratégia de preservação da auto-
tutivas do processo interacional nessa comunidade. Trata-se, pelas pistas imagem pública, fenômeno já apontado num outro momento deste capí-
apresentadas, de uma região rural onde esses aspectos são essenciais, co- tulo, e que novamente se apresenta como estratégia interacional de
nhecidos e praticados pelos membros que aí interagem, e trata-se tam- persuasão. Da mesma maneira que uma das interlocutoras do texto do
bém de um médico (o narrador) que está recebendo uma visita estranha, NURC realiza uma autocorreção para manter a imagem de conhecedora
que não sc caracteriza como paciente.
do português, o narrador-protagonista cuida dos traços faciais, a fim de
A organização interacional prevê, como já apontaram diversos es- impor a auto-imagem pública de médico, de forte e de corajoso.
tudiosos, um conjunto de regras cuja finalidade é oferecer, aos partici- Do que se inferiu até aqui, a partir da observação dos dois textos, é
pantes de um evento interacional, determinados parâmetros de possível reafirmar que o texto oral, além dos aspectos explicitados, tem
comportamento que estimulam ou prescrevem atitudes caracterizadoras uma dimensão presumida, isto é, uma dimensão extraverbal que se inte-
do intercurso conversacional, Essas regras, que variam de comunidade gra necessariamente ao conjunto textual, participando ativamente da es-
para comunidade, e que não sendo leis podem ser rompidas, estabele- truturação, da organização e da significação compreendidas pelo evento
cendo assim as especificidades da situação interacional, antecipam com- interacional. As estratégias interacionais desenvolvidas pelos interlocuto-
portamentos e funcionam como baliza para a competência interpretativa res visam à adequação do processo, tendo em vista as especificidades de
e persuasiva dos falantes, cada situação.
Se por um lado o cumprimento dessas regras, enquanto práticas re-
conhecidas e implícitas, evidencia um esforço dos interlocutores na dire- Considerando os dois tipos de interação focalizados aqui, e tendo
ção da negociação que caracteriza o diálogo, a quebra autoriza uma série
consciência de que há inúmeros outros, é possível imaginar algumas si-
de inferências no sentido da percepção de um processo interacional po- Ltuações de interlocução:
lêmico, desarmonioso, conflituoso. Se a situação é também produto da
interação, dela emergindo a partir da sequência das ações desenvolvidas e conversa informal, espontânea, travada entre amigos, conheci-
pelos participantes, a não utilização dessas regras leva o interlocutor a dos, sem preparação prévia;
conceber à situação como negativa. O princípio da cooperação, a que e conversa informal, espontânca, travada entre desconhecidos,
todo evento conversacional deve estar sujeito, uma vcz rompido coloca sem preparação prévia nem tema definido (numa festa, num
um dos interlocutores, como é o caso do narrador-protagonista do conto ponto de ônibus);
de Guimarães Rosa, numa situação de desconforto e insegurança, pelo
e conversa entre pessoas que se conhecem muito pouco;
fato de não poder reconhecer o propósito do encontro. É essa a dimen-
€ conversa entre pessoas pertencentes a níveis socioculturais di-
são constrangedora que o leva a avaliar negativamente todos os aspectos ferentes;
captados pelo olhar, antes mesmo de o outro explicitar verbalmente o e conversa entre rivais ou adversários políticos;
motivo de sua presença,
205
204
e cncontro institucionalizado, formal, com objetivos definidos, dos tópicos, no sentido de retomar aspectos diretamente ligados ao que
em situações e contextos caracterizados por normas convencio- foi proposto no começo, conforme se pode observar no texto todo e não
nalizadas; apenas no trecho transcrito,
e conversa informal, travada entre amigos, mas com preparação
prévia e tema determinado. 1 Doc gostaríamos que dessem as suas opiniões a respeito de televisão...
301 Doc. e como vocês vêem a evolução da TV?
Como se pode observar, uma gama muito grande de variações colo- 626 Doc. e sobre o cinema... o cinema atual?
698 Doc.a que se deve esse hiato que a senhora mencionou?
ca-se entre a extrema informalidade de uma conversa espontânea entre
700 Doc. esse hiato
velhos amigos e a extrema formalidade de uma situação num tribunal ou 806 Doc. não mais...mais ( ) :
num encontro protocolar entre um prestdente da República c um prínci- 8O8 Doc, ce quanto ao teatro? ... poderiam comentar alguma coisa?
pe da Inglaterra, 907 Doc. não estava indo para o teatro né? ... e o que vocês acham que seria uma
Apesar dessa variação, os estudiosos destacam aspectos comuns, televisão ideal numa cor .nídade como São Paulo?
constantes nas diferentes situações de interação, e aspectos que acen- 988 Doc. vocês acham então que o noticiário em TV tem melhorado bastante;
tuam, destacam e individualizam o processo interacional numa conversa- 993 Doc. em que sentido
ção. 1068 Doc. e problemas como o Sílvio Santos como vocês entendem?
1188 Doc. anti-psicológico... e só para terminar vocês acham que no futuro a TV vai
Nesse sentido, considerando-se mais uma vez os textos seleciona-
realmente sobrepujar o cinema? ... aqui no nosso caso principalmente
dos para análise c acompanhando MARCUSCEHI (1986), uma primeira 1215 Doc. e a dona IL, também ...
constante deve ser assinalada: a interação acontece, necessariamente, en-
tre pelo menos dois falantes que se caracterizam coma atores da interlo- Os demais aspectos que participam da organização elementar da
cução e que vão se relacionar enquanto parceiros, Esses interlocutores
conversação (MARCUSCHI, 1986) são: ocorrência de pelo menos uma
revezam-se na condição de falante e ouvinte, ou seja, se sujeito comuni-
troca de turno (v. cap. 3), presença de uma sequência de ações coorde-
cante e sujeito interpretante. À primeira consequência a ser tirada dessa nadas, execução efetuada numa identidade temporal e envolvimeto numa
constante diz respeito à mecânica da interlocução: o sujeito interpretante interação centrada.
não reconstrói pura e simplesmente as significações produzidas pelo su- Todos esses aspectos aparecem no texto escolhido para análise e
jeito comunicante. Sendo a interlocução aberta (há o revezamento de po- cada um contribui, a sua maneira, para a particularização do processo in-
sições), cada um dos participantes interage parcialmente no projeto de teracional em observação.
construção de sentido do outro. Isso significa dimensionar a interação
verbal como uma atividade cooperativa, que implica um conjunto de mo-
vimentos coordenados da parte dos participantes e, ainda de acordo com 3. Turno conversacionai e interação
Marcuschi, emergente da sequência da troca interativa organizada, É
provavelmente a partir dessa constatação que se pode definir a interação O ditado Quando um burro fala, o outro murcha a orelha é, em
como negociação de sentido. outras palavras, uma norma conversacional: fala um de cada vez, Esse fa-
Na sequência extraída do Inquérito 333, a interação configura-se tor que visa a disciplinar a atividade conversacional, funcionando como
de imediato na medida em que o diálogo se dá entre duas participantes um mecanismo central da organização do texto, demonstra, por meio de
que se revezam na condição de falante e ouvinte. O modo de presença da uma série de aspectos, as estruturas de poder que governam a conversa-
terceira pessoa — a documentadora, que em Análise da Conversação de- ção: quem fala primeiro, tendo esse direito previamente estabelecido ou
nomina-se audiência individual c, enquanto tal, representa uma extensão não, as falas simultâneas ou sobrepostas, os silêncios, as hesitações, o as-
do ouvinte —, desempenha um papel significativo na interação. Essa im- salto ao turno do outro etc. À forma de presença desses aspectos na se-
portância da audiência se faz notar mesmo num texto que, como o do qiiência textual é que dimensiona o maior ou menor grau de simetria ou
NURC, restringe a participação à proposta do tema e à recomposição assimetria do processo interacional.
206 207
A caracterização dessa marca está diretamente ligada ao tipo de in- marcas das estruturas de poder, isto é, marcas de que L1 assume o papel
terlocução focalizado. Das condições específicas da interação é que vão preponderande na condução das relações interpessoais.
depender os efeitos psicológicos produzidos sobre os interlocutores e, ao
mesmo tempo, são essas condições que vão determinar as características esses e os erres do carioca...
deixa para L2 entrar, propondo o aspecto do tópico a ser tratado. 11 no programa dele
L2 do Chico Anísio ... não é? ele ... ca/eh ... eh ... ele
22 LI agora voCÊ ... foi dos tempos heróicos ... da mencionada luta inSISte ... DORme em cima dos esses e dos erres né?
so 1 dos erres ... ahn
208 209
a
do melhor a auto-imagem pública que cada uma pretende expor, bem protagonistas, Por um lado, é o tópico conversacional que evidencia
como as estratégias utilizadas para constituir e impor essa dimensão per- cumplicidade existente entre as duas, Por outro, é esse mesmo elemento
suasiva. constitutivo do diálogo: que deixa entrever uma certa disputa, que não
O diálogo começa com o tópico proposto pela documentadora, chega a configurar-se como uma luta pela posse do turno, mas que reve-
tendo início, a partir desse momento, o processo interacional, que estará la, por meio de alguns "assaltos ao turno” e algumas inserções, duas inter-
centrado no tema televisão. locutoras caracterizadas como não passivas. |
A primeira fala pertence espontancamente a L1, que de imediato A cumplicidade evidencia-se ao longo de todo o trecho transcrit o.
recorre à sua experiência pessoal para demonstrar conhecimento, intimi- sua experiên cia para
No momento em que L1 interrompe a narrativa de
dade com o assunto. Depois de utilizar o marcador conversacional olha
passar a palavra a sua interlocutora, sugere a narraliva dos tempos passa-
seguido do nome da sua interlocutora, agora lingiisticamente instaurada
dos. L2 revela-se cooperativa, aceita a proposta tópica de L1 e demons-
como ouvinte, L1 recorre à fórmula como você sabe para estreitar os la- a
ços interativos e pressupor conhecimentos partilhados. Mas é verdade tra até um certo interesse. Mas imediatamente, sem comprometer
dá
também que, antes da fórmula mencionada, ela já havia expresso o pro- cumplicidade e o processo cooperativo, lança um subtópico que lhe
oportunidade de demonst rar conheci mentos e impor-se enquant o falan-
nome eu, operando uma espécie de mudança momentânea de foco que,
sem prejuízo do tópico, do objeto central da conversa, ilumina o sujeito e te: L2 resume rapidamente a história de sua experiência ligada ao início
s
sua relação com a televisão, da televisão e deriva o tópico para as diferenças de pronúncia existente
A partir dessa estratégia, uma narrativa é disparada, dando oportu- entre paulistas e cariocas.
nidade a L1 de expor sua condição de intelectual, seu contato com a tele-
L2 é (eu... eu vi nascer ... eu estava lá ... ah ...
visão c sua falta de preconceito em relação ao veículo, apesar de
30 todo momento né? e::: uma coi,a que eu gostaria dez:
considerar que a literatura exigia muita atenção e a televisão, ao menos lembrar a você justamente a respeito de linguagem ... é 0
no início de seu contato, era uma forma de descanso. Há aqui alguns ele- seguinte que eu noto ... que muito paulista fica um
mentos a serem considerados, pouco chocado ... com o linguajar carioca ... com os
Em qualquer diálogo, contar histórias funciona como um aspecto esses e os erres do carioca...
importante para a interação, como demonstra PRETI em sua obra A lin- l
guagem dos idosos (1991). No texto do NURC, o fato de as interlocuto- 35 Lt sibilados ...
ras terem 60 anos é mais uma justificativa para o aparecimento dessa
estratégia interacional. Contar histórias, especialmente de caráter pes- Instaura-se, então, a cumplicidade, na medida em que todas as in-
e
soal, implica à experiência de vida que, nesse diálogo, está ligada ao tema tervenções de L1, até a linha 136, apontam para à aceitação do tópico
tópico principa l acaba
proposto: ambas vivenciaram profissionalmente a televisão. L1 narra o para a eficaz cooperação interativa. Na verdade, o
o que
fato de ter sido convidada para escrever sobre televisão c dá a deixa para apontando para a questão da pronúncia e a televisão é o clement
a
a outra lembrar o início desse meio de comunicação no Brasil, uma vez serve de exemplo às opiniões comungadas pelas duas. Nesse sentido,
que sua interlocutora participou do que ela chama de "tempo heróicos". interação é tão harmoniosa que após criticar de várias maneiras a inade-
bair-
Portanto, ambas são protagonistas e testemunhas diretas das histórias quação desse aspecto da fala carioca, numa atitude profundamente
contadas. rista e mais especificamente paulista na, clas conclue m pela necessi dade
la-
1 O conteúdo é um aspecto essencial a ser observado no desenvolvi- de uma forma unificada da pronúncia, tarefa atribuída ao governo,
fonética . |
mento do tópico, na medida em que fornece importantes pistas interati- mentando a ausência de uma normatização
vas. Mas, além do conteúdo, outros elementos participam de maneira Nesse ponto, é necessário destacar alguns aspectos. Essa particula-
a pronún-
decisiva na estruturação do evento conversacional, rização do tópico numa característica específica da linguagem,
No trecho em exame, é por meio do tópico e da maneira como é cia, e que toma à televisão unicamente como exemplo e pretexto, é 2
conduzido que se pode perceber a ambígua relação estabelecida entre as maneira encontrada pelas interlocutoras para demonstrar seus conheci-
210 211
mentos a respeito do que elas consideram língua culta. A causa desse 5. Algumas considerações finais
desvio parece realmente residir no fato de a língua culta funcionar, nesse
cvento interativo, como uma espécie de "fantasma" motivador do verda- A maneira como a interação foi abordada neste capítulo não é
deiro assunto em pauta, À documentadoura, embora em silêncio e sem in- exaustiva de um ponto de vista teórico e nem dá conta de todos os aspec-
terferir nenhuma vez nessa seqiência, é tomada como a representante da tos interativos envolvidos no diálogo escolhido. Na verdade, cada um dos
audiência a quem a fala, registrada pelo gravador, dirige-se. assuntos tratados pelos diferentes capítulos que compõem esta obra
Assim sendo, a cumplicidade não se dá unicamente porque ambas apontam para clementos que fazem parte do processo interacional da
concordam com o tópico abordado, mas também porque ele é bastante Conversação.
adequado para expor, de forma a impressionar a documentadora, a longa Caracterizar a interação como um fenômeno que inclui aspectos
€ consciente tradição de usuárias desse registro. Ou ao menos daquilo sociais, culturais, discursivos e lingiísticos, e que representa um processo
que clas imaginam ser um aspecto essencial ao conceito de norma culta: essencial na organização do texto oral e nos sentidos e efeitos de sentido
a pronúncia exata e correta dos paulistas... aí constituídos, talvez seja o aspecto a ser destacado no conjunto repre-
Por outro lado, a disputa revela-se na estruturação e na mancira de sentado por este capítulo. O fato de ser uma atividade cooperativa que
conduzir o tópico. Se L2 é a falante que dá a deixa principal para o de-
envolve pelo menos dois participantes numa situação específica demons-
senvolvimento desse aspecto interativo, ou seja, para a exposição de co-
tra, mesmo nos contextos menos formais c aparentemente mais simétri-
nhecimentos a respeito de pronúncia, L1 vai limitando suas intervenções,
cos, como é o caso do diálogo escolhido para análise, que há sempre
até a linha 57, a lacônicas falas cooperativas:
manifestações de poder nas diferentes formas de interação.
28 11 vinte e cinco anos né? Como sc pode observar, conversação e interação são dois conceitos
35 11 sibilados profundamente relacionados: os participantes do ato conversacional en-
4UIA é. gajam-se na conversação porque têm o propósito de interagir. Recipro-
47 11 no programa dele camente, é o desenrolar da conversação que possibilita a continuidade da
50 LI dos erres... ahn
Tinteração. Assim sendo, e como este capítulo procurou demonstrar, é ne-
54 LI exata
S7 LL dos cariocas cessário aproximar conversação e interação, uma vez que a conversação
' éo palco privilegiado da interação.
| Entretanto, a partir da linha 59, L1 retoma a liderança "tópica", re-
duzindo as intervenções de L2 a raras falas que não sejam meros sinais
interacionais de concordância e repetição. Essa situação é exacerbada no REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
momento em que L1 deixa de responder a uma pergunta feita por L2 na
linha 94 e reiterada por meio de uma paráfrasce (v. cap. 5) na linha 96. ABERCROMBIE, D, (1972) "Paralanguagc". In: LAVER, J. & HUT-
CHESON, S. Communication in Face Interaction, Harmonds-
(o)
worth, Penguin books. p. 64-70.
... uma grande atriz que é a Maria Fernanda ... faz uma
il) paulista de quatrocentos anos eXAtamente com a BAKHTIN, M. (VOLISHINOV) (1979) Marxismo e filosofia da lingua-
linguagem que você assinalou ... de esses sibilantes como gem. Trad. M. Lahud, Y. F. Vicira e outros. São Paulo, HUCITEC.
cobras ... que Maria Fernanda tem todos aqueles cacoetes (1981) Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Be-
de linguagem ...
7zerra. Rio, Forense Universitária.
L2 ela nunca morou aqui não é?
LI de uma carioca é BLANCHET, A. et al. (1991) L'interaction: négociation du sens. Conne-
L2 Maria Fernanda nunca morou em São Paulo ? xions, 57. Toulouse, Editions Érês.
Ú BROWN, P. & LEVINSON, S. C. (1987) Politeness: some universals in
LE e é uma grande atriz ... então choca language use, Cambridge, Cambridge University Press.
' .. aquela paulista quatrocenTOna que ela faz bem
212 213
(1989) "La conversation entre le situationnel et le linguisti- 10. A LÍNGUA FALADA E O DIÁLOGO LITERÁRIO
que", Connexions, 53. p. 9-22
CASTILHO, A. T. & PRETI, D. (1987) A linguagem falada culta na ci-
dade de São Paulo. São Paulo, A. T. Queiroz/FAPESP. Vol. 11.
Dino Preti
CHARAUDEAU, P. (1984) "L interlocution comme interaction de sira-
légies discursives". Verbum, VII, fasc. 2/3. p. 165-183.
GOFFMAN, E. (1974) Les rites d'interaction., Paris, Minuit.
KERBRAT-ORECCHIONLI, C. (1990) Les interactions verbales. Paris, TEXTO
Armand Colin. T.I.
MARCUSCHI, L. A. (1986) Análise da conversação. São Paulo, Ática. O caso de FA.
(1988) "Manifestações de poder em formas assimétricas de
interação". Cópia xerografada. Rubem Fonseca
PRETI, D. (1991) A linguagem dos idosos. São Paulo, Contexto.
ROSA, TJ. Guimarães (1969) "Famigerado", In: Primeiras estórias. 5 ed.
Rio, José Olympio. p. 9-13. "A cidade não é aquilo que se vê do Pão de Açúcar. Na casa de Gi-
sele?."
"Foi", respondeu F.A.
"Aquela francesa é mesquinha e ruim. E também uma trepada de
merda. Dizem"
"Eu dou qualquer dinheiro", disse F. A.
“Hum”, respondi.
"Você disse que dinheiro compra tudo. Eu gasto o que for preciso”,
disse F. A.
"Sei. Continua."
"Quem me recebeu foi o... pederasta, a Gisele não estava. Fui cor-
rendo para o quarto, enquanto ele dizia, "uma coisa especial, o senhor vai
gostar, acabou de se perder". Eu estava com medo de ser reconhecido,
havia na sala algumas pessoas, dois homens, uma mulher. Quando entrei
no quarto, ela encostou-se na parede com uma das mãos na garganta.
Apavorada, entendeu?"
"Sei, E depois?"
"Eu disse: não tenha medo, quero apenas conversar com você. Ela
continuou amedrontada, com os olhos arregalados, sem dizer uma pala-
vra.
Segurei sua mão muito de leve, sentei-a ao meu lado na cama. Ela
estava dura de pavor, mal respirava",
F. A. passou a mão sobre os olhos.
"Estou com pressa", eu disse.
214 215
"Ficamos dentro do quarto duas horas. Não toquei nela. Falei, fa- "Você acha graça?" perguntou F.A. ofendido.
"Eu estou rindo? Continua," e
lei, falei, disse que também estava com horror daquilo. Estou mesmo,
não agitento os encontros mecânicos com esses infelizes, sem amor, sem "Não fui para a cama com ela nem uma vc7. Ontem eu avisel que
surpresa. No fim cela começou à chorar. Só falou uma vcz, para dizer que iria tirá-la de lá. Ela tremeu e disse para eu tomar cuidado."
desde que saíra de casa eu era a primeira pessoa que a tratara como um "Cuidado? Um viado e uma puta francesa?"
ser humano. Eu tinha reunião do Conselho ce não podia ficar mais tempo. "Você sabe, eu não posso me expor, um escândalo desses me arrui-
Paguei e saí." | naria. Mas não são apenas os dois, Agora anda por lá um grandalhão de
"Pagou a quem?" bigodes. Elc fica lendo estórias em quadrinhos na sala; quando passo me
“A Gisele, Ela havia chegado e estava na sala." olha com desprezo."
"A Gisele disse alguma coisa?" "Esse sujeito falou alguma coisa com você?"
"Acho que disse. Perguntou se ceu tinha gostado, uma coisa assim. "Não. Mas eu tenho a impressão de que a qualquer momento ele
Eu disse que estava com pressa. Paguei o dobro." vai me cuspir ou dar um soco na cara. É duro passar por aquela sala de
"Por quê?" espera. Não sci o que é pior, o gorila ou os... clientes...” e
"Acho que não preciso saber mais nada. Espera uma notícia minha.
"Não sei. Acho que quis impressionar a Gisele. Não, impressionar
a garota." Vá para casa. Deixa a chave daqui comigo."
"A garota não vai saber de nada. Você devia ter dado o dinheiro "A chave daqui?"
para cla." "Você não está mais usando isto, está? Como posso trazer a garota
"Fiquei com vergonha." para cá sem a chave?"
"Vocêjá deu para outras. O viado estava na sala de espera?" "Como é que você vai fazer?"
"Não. Só a Gisele." "Não sei."
"Alguém telefonou para você depois?" "Não sabe?"
"Não." "Não sei."
"Você ligou para alguém?" "Mas você tem um plano, não tem?"
"Ah... liguci. Mandei chamar a garota. À Giscle disse que cla não "Não tenho porra de plano nenhum."
podia atender, que eu fosse lá." "Mas como?... Me diz... de que maneira...
F.A. me segurou pelo braço: "A garota está numa prisão. Eu quero Eu estava com pressa, sem paciência: "Vai pra casa, para perto de
tirá-la de lá antes que ela se corrompa. Você precisa me ajudar." sua mulher, dos seus filhos, para perto dos seus colegas Conselheiros, vê
"Você voltou 1á?" se não me aporrinha, deixa que eu quebro o galho."
"Não." E.A. passou a mão nos olhos, fez cara de infeliz.
"Você só viu a garota uma vez e ficou tarado por ela?" "Anda logo, a chave", eu disse.
"Bem... eu a vi mais de uma vez..." "Você está precisando de dinheiro?", perguntou F.Á., enquanto me
"Conta essa merda direito, porra." dava a chave. i
"Voltei lá umas quatro vezes..." — "Por enquanto não."
F.A. calou-se. ' "Quando é que você traz a menina?"
"Desembucha logo, estou com pressa." "Não sei." e
"Quero levá-la comigo para Paris, no mês que vem. Vou em missão
"A garota fugiu de casa, depois de fazer um aborto. O pai deu uma
surra nela. Uma parenta do namorado arranjou o endereço da Gisele. À do governo. Uma oportunidade ótima."
"Aposto que você já falou isso com ela." |
Gisele a obriga a prostituir-se, ameaçando-a com o Juiz de Menores."
"Parece um romance intitulado: À Escrava branca da Avenida Rio F.A. se perturbou. O puto tinha falado. O ovo no cu da galinha,
Idem", eu disse. "Vamos embora", disse para ele.
216 217
Descemos.
ns ; z mesmo não saber quem lerá nosso texto e, portanto, só poderemos pres-
e Cuidado com o meu motorista. Não confio nele. Quem empregou supor suas reações às nossas idéias, Além disso, pensamos para escrever,
foi minha mulher", disse FA. temos a oportunidade de refazer nosso texto, corrigi-lo, reelaborá-lo, o
"Me deixa na Gustavo Sampaio", cu disse. que não ocorre com a fala. Sobre a produção de nossos textos pesa inten-
| Viajamos em silêncio. Várias vezes F.A. me olhou anstoso. Quando samente uma cultura lingúística, nosso nível de escolaridade, nossas leitu-
saltei, me apertou a mão com força, "telefone, dê notícias", disse.
ras, nossos conhecimentos gramaticais, nossa possibilidade de consultar
o dicionário. São fatores de controle dos textos que redigimos. A tendên-
("O caso de F.A.". In: O homem de fevereiro ou março. Rio, Artc-
cia, pois, é atendermos com mais atenção às normas da linguagem culta
nova, p. 191-218)
escrita, ainda que o coloquial, o falado possa também fazer parte de nos-
so estilo” *
Embora Coseriu afirme que, consideradas as variações de norma
linguística, pode-se falar em uma “língua literária”, a verdade é que, como
os objetivos do escritor são de natureza estética, não há limites entre as
variações de linguagem para atingi-los.º Logo, não há uma linguagem li-
Este diálogo inicia um conto de um dos mais conceituados prosa-
terária, mas estilos literários diversificados, que se valem das caraclerísti-
dores brasileiros, Rubem Fonseca.
cas mais comuns da língua escrita, mas também da naturalidade da fala,
Quando se analisa um texto literário, é importante observar a épo-
ca em que foi escrito, bem como as características estéticas predominan- mais comprometida com as variantes populares. Ou conforme diz Urba-
tes na obra do autor. Ou melhor dizendo: o estilo do escritor e suas no, apoiado em idéias de Granger: "A língua literária é uma variante da
relações com as correntes literárias. língua escrita, mas também o é da língua popular, da língua culta etc. no
Uma narrativa de um autor contemporâneo não tem as mesmas ca- sentido de ser uma combinação de códigos auxiliares, superpostos ao códi-
racterísticas encontradas na prosa realista ou romântica do século XIX. go comum ' de que fala Granger. Na verdade, sendo a obra literária de fic-
Não nos interessa, porém, dentro dos limites deste estudo, divagar em ção uma transposição da realidade, recria no texto literário todas essas
torno dos problemas das chamadas escolas literárias e de suas manifesta- espécies ou modalidades lingitísticas, porém sob o aspecto abrangente da
ções em nível lingúístico. Se o fizéssemos, todavia, constataríamos que fo- intenção artística e estética *
Como podemos observar esse processo criativo no texto que esta-
ram desiguais, ao longo da história literária, as relações entre à
linguagem literária e a linguagem oral. mos cstudando? Alguns esclarecimentos sobre um contexto maior (o
Como constitui uma manifestação escrita, a linguagem literária tem conto inteiro) são necessários para entender os comentários que se se-
afinidades maiores com essa modalidade de língua. Por mais que se pre- guirão.
No fragmento lido, observa-se o confronto entre duas personagens,
tenda aproximá-la do fenômeno da oralidade, o escrito literário pressu-
que sc revelam ao longo do diálogo inicial e durante a narrativa, bem di-
póôc uma elaboração por parte do escritor, ainda mesmo quando sua
ferentes: de um lado um advogado, a personagem-narrador, que trabalha
intenção seja a de aproximar o que escreve da naturalidade da fala.
em especial com o crime, pouco escrupuloso, mas extremamente esperto,
Além do mais, como língua escrita, o texto literário configura uma
inteligente na execução de suas tarefas, que mais se assemelham às de
situação de comunicação absolutamente diversa da língua oral: "Não te-
um detetive ou delegado de polícia. Os vários momentos da narrativa
mos mais o ouvinte à nossa frente, face a face, com o qual interagimos.
Não conhecemos as reações que nossas palavras provocam. Não conta- (2) Cf. PRETI, Dino. Mas, afinal, como falam (ou deveriam falar) as pessoas cultas? São
mos mais com os recursos entonacionais. Na língua escrita, podemos até Paulo, O Estado de São Paulo, suplemento Cultura, 22/9/90, p. 4.
(3) COSERIU, Eugênio. Teoria del Lenguaje y Linguística General. Madrid, Gredos,
[o Cf. PRETIÍ, Dino. "A língua oral e a literatura: cem anos de indecisão", In: PRETI, 1967, p.98.
Dino. À gíria e outros temas, São Paulo, T. À. Queiroz/ EDUSP, 1984, p. 103-125. (4) URBANO, IHudinilson. A elaboração da realidade lingúística em Rubem Fonseca.
São Paulo, FFLCH da USP, tese de doutorado, 1985, p.152.
218 219
Mostraram sua atuação com as mulheres, seu conhecimento do mundo "Eu dou qualquer dinheiro”, disse F. A.
da prostituição, suas experiências sexuais etc. Trata-se de um tipo que, “Hum”, respondi.
no entanto, assume inteiramente suas atitudes violentas, seus valores afe- "Você disse que dinheiro compra tudo. Eu gasto o que for
tivos e não esconde, nem se questiona moralmente ao longo da narrativa. preciso", disse F. A.
Quanto ao seu interlocutor (também o contexto esclareceria o leitor), é "Sei. Continua."
um ilustre conselheiro de Estado, que se entrega a aventuras extra-conju-
gais, mas que quer manter inalterada sua imagem pública, para a qual é
"Sei. E depois?"
indispensável a sua condição de homem de família. E está disposto a pa-
gar por isso, contratando os serviços do advogado. Esse jogo entre a ver- "Eu disse: não tenha medo, quero apenas conversar com
dade ec a hipocrisia marcará o desenvolvimento do conto. você. Ela continuou amedrontada, com os olhos arregalados,
As personagens se conhecem desde a infância e suas diferenças so- sem dizer uma palavra,
ciais são resumidas pelo narrador (o advogado) numa breve rememora- Segurei sua mão muito de leve, senteia ão meu lado na
ção do passado: cama. Ela estava dura de pavor, mal respirava”.
F. A. passou a mão sobre os olhos.
"Meu pai era imigrante. O pai dele era ministro. Na época em "Estou com pressa", eu disse.
que eu lavava chão e espanava balcões e vendia meias, das 7
da manhã às 7 da noite e corria pro colégio, sem jantar, onde "Você só viu a garota uma vez e ficou tarado por ela?”
ficava até as 11 horas, o puto ganhava medalhinhas no colé- "Bem... eu a vi mais de uma vez...”
gio de padres e passava as férias na Europa." (p. 204-205) "Conta essa merda direito, porra.”
"Voltei lá umas quatro vezes..."
Essas explicações contextuais são necessárias, porque o processo F.A. calôu-se.
interacional da conversação sofre o reflexo, ora de fatores situacionais "Desembucha logo, estou com pressa.”
(isto é, das condições em que o diálogo se realiza, do tema, do grau de
intimidade entre os falantes, do local), ora de outros fatores exteriores à Estas citações nos permitem demonstrar como o narrador
própria conversação, que agem por fora, sobre os interlocutores, como,
exterioriza sua irritação com o interlocutor, que tudo aceita, pois está na
por exemplo, o status social dos falantes, seu sexo, idade, grau de escola-
sua dependência total,
ridade etc. : falantes
Por outro lado, embora os interlocutores sejam, ambos,
No trecho que estamos analisando, vemos que existe uma condição
cultos, sua linguagem c, em particular, seu vocabulário possuem distin-
de poder brum marcado da personagem-narrador sobre o conselheiro, cm
ções evidentes. Gíria, termos obscenos, frases violentas marcam o con-
virtude, principalmente, da situação de comunicação que se instaurou. O
traste entre um narrador de expressão livre, natural, mais autêntica, ao
primeiro sente, desde o início, que tem força sobre seu interlocutor, por-
lado de um interlocutor que hesita em empregar vocábulos chulos, prin-
que este está sob sua dependência, não só pela revelação de um ato mo- cipalmente os que se referem aos atos sexuais, procurando sempre os ter-
ralmente condenável, mas também porque precisa do seu silêncio para mos científicos ou os eufemismos:
acobertá-lo e ajudá-lo na solução. Em conseqiúência, as intervenções da
personagem-narrador revelam esse domínio e, também, a agressividade "Quem me recebeu foi o... pederasta, a Gisele não estava”.
de quem, embora aceitando uma atividade profissional encomendada (e,
portanto, pága) quer fazê-lo, usando à todo momento da humilhação so- O autor marca bem a hesitação, que seria natural na fala dessa
bre seu cliente. personagem, nessa situação. Além disso, pederasta é um vocábulo da
À impaciência é o primeiro índice desse poder e desse desprezo do linguagem culta, pouco empregado na fala do dia-a-dia. Para expressar
falante sobre seu ouvinte:
220 221
essa mesma idéia o advogado usará o vocábulo chulo viado (a grafia se revela agressivo e irônico, enquanto o conselheiro procura "preservar
acompanha a pronúncia popular): sua face", isto é, manter sua imagem social na conversação:
222 223
mos momentaneamente observando. Depois voltamos ao tópico que de- Na verdade o narrador-personagem, na sua impaciência está que-
senvolvíamos, sem que essa alteração cause problema ao interlocutor. O rendo dizer com isso: "Fale, conte logo.”
autor inteligentemente inicia o conto, como se um diálogo já estivesse em São recursos de que nos valemos na realidade falada para economi-
andamento. Dessa forma, a primeira frase do narrador personagem refe- zar nosso tempo e monitorar o falante, para o desenvolvimento do tema
re-se à paisagem que está observando da jancla do apartamento de en- que desejamos ouvir. A literatura pode incorporar esses traços da língua
contros do conselheiro: falada, mas dificilmente o escritor, ainda que adote um ritmo ágil, poderá
lcvar para a escrita toda a variedade dinâmica da conversação, com as
"A cidade não é aquilo que se vê do Pão de Açúcar." sobreposições de vozes ou a luta pela posse dos turnos. Estes são distri-
buídos organizadamente e o próprio escritor se encarrega, pelos verbos
Já a segunda frase é uma pergunta sobre a revelação que o conse- dicendi de indicar qual o interlocutor que está com a palavra:
lheiro lhe fizera antes sobre o local em que se encontrara com a cobiçada
Jovem. E esse trecho de sua narrativa não o conhecemos, pois está suben- "Parece um romance intitulado: A Escrava Branca da Avenida Rio
tendido na pergunta do narrador-personagem: Idem", eu disse.
"Você acha graça?" perguntou F. A. ofendido.
"Na casa Gisele?"
E mesmo que o diálogo se torne nervoso, tenso, ainda assim, no
Trata-se de um recurso original do ponto de vista cstilístico, que texto literário, ele se manterá organizado, pois a literatura não prevê se-
nos introduz na naturalidade da fala: os tópicos ou subtópicos paralelos a quer a possibilidade de indicação gráfica de sobreposições de vozes, que
um tópico principal em desenvolvimento. dificultariam a leitura e que constituem em fenômeno muito frequente na
Embora sem a constância com que surgem na conversação natural, fala, conforme vimos nos textos transcritos em outros capítulos deste li-
o texto estudado também apresenta marcadores conversacionais do ou- vro.
vinte, que são formas de este monitorar o falante, indicando-lhe que deve Mas pode ocorrer a indicação de uma tomada de turno, como
prosseguir, que está entendendo ou até apoiando suas idéias: ocorre neste trecho do diálogo:
224 225
Fundamentalmente, o léxico é o melhor indicador dos registros nas Sintalicamente, ainda, podem-se observar as construções mais ten-
. DU) . " .
falas, como dissemos antes.” PE :
Mas as variações sintáticas, a busca de uma sas na fala do conselheiro, onde cuidadosamente predominam as formas
Írase que exprima o tanto quanto possível, não só o grau de escolaridade cultas:
do falante, mas também a situação de comunicação em que se envolve,
também pode ser uma marca de um diálogo literário "real". 1. Verbo haver no sentido de existir:
Assim, por exemplo, embora os interlocutores sejam falantes cul- "..havia na sala algumas pessoas...”
tos, nota-se que o narrador-personagem mistura constantemente em suas 2. Ênclise pronominal;:
falas a terceira com a segunda pessoa gramatical, Tal fato, longe de re- "Quando entrou no quarto ela encostou-se na parede...”
presentar um índice de incultura tornou-se uma marca característica, da 3. Pronome pessoal oblíquo (objeto direto):
linguagem urbana brasileira, como a do Rio de Janeiro (onde se desen- *..sentei-a ão lado na cama."
volve a história) c São Paulo. O que ocorre é a presença de um tratamen- "Ontem eu avisei que ia tirá-la de lá.'
to você com verbos em segunda pessoa do singular, em especial nos 4. Uso do pretérito mais-que-perfeito, em lugar do tempo compos-
imperativos: to, na reconstituição de falas pelo discurso indireto, cuidadosamente ela-
borado quanto à correlação dos tempos verbais;
"Desembucha logo, estou com pressa." "Só falou uma vez, para dizer que desde que saíra de casa eu
"Vai pra casa...” era a primeira pessoa que a tratara como um ser humano.”
“.. vê se não me aporrinha, deixa que eu quebro o galho.”
5. Uso do imperativo de 3º pessoa com verbo na mesma pessoa:
"Anda logo, a chave", eu disse.
"Telefone, dê notícias", disse.
Apesar de o pronome de tratamento você não estar nessas frases,
ele é o tratamento que vem sendo usado durante todo o diálogo. Do ponto de vista do discurso do narrador-personagem pode-se
Esse comportamento pode sofrer exceção: notar a absoluta cocrência que existe em sua linguagem, em geral disten-
sa e, não raro, violenta, como a sua própria linguagem, enquanto apenas
"Espera uma notícia minha. Vá para casa. Deixe a chave da- narrador. Trata-se de uma qualidade importante da linguagem do conto,
qui comigo." equilibrando perfeitamente a narrativa. Além disso, dá a sensação de que
a mesma personagem ora fala ao consclheiro, ora fala ao leitor. Ea nar-
O uso de vá concorrendo com vai, na mesma situação de comuni- rativa ganha naturalidade própria de uma conversação de que estivésse-
cação pode indicar uma falha da elaboração do diálogo do escritor. mos participando ou ouvindo:
Essa mistura do tratamento tu/você nas pessoas dos verbos reflete-
se igualmente no uso dos pronomes possessivos, que deveriam acompa- "Quero levá-la comigo para Paris, no mês que vem. Vou em missão
nhar as pessoas gramaticais do verbo, o que nem sempre acontece do govemo. Uma oportunidade ótima."
também na realidade falada. Numa frase em que se usam os verbos na se- "Aposto que você já falou isso com cla." |
gunda pessoa, os pronomes possessivos são todos de terceira, o que de- F.A. se perturbou. O puto tinha falado. O ovo no cu da galinha.
monstra que, realmente, o tratamento em uso é você:
Observe-se que a metáfora popular, obscena, ajuda a manter a ilu-
"Vai para casa, para perto de sua mulher, dos seus filhos...” são da narrativa oral. |
Nestas considerações sobre as marcas da oralidade no texto literá-
(9) Registro ou nível de linguagem, ou nível de fala são chamadas as variações que ocor-
rio, não podemos deixar de levar em conta que, apesar da violência da
rer1 na fala de um indivíduo, consideradas as situações de comunicação em que se envolve linguagem — talvez decorrente do próprio tema das personagens envolvi-
;
> das — existe um limite bem demarcado entre uma transcrição de texto
226 227
oral, como vimos em outros capítulos desta obra, e o diálogo literário, GLOSSÁRIO
imaginado na sua realidade pelo escritor. Esse limite, de certa forma,
está regulado pela própria "expectativa" do leitor, pelo seu grau de acei-
tabilidade das formas linguísticas populares na linguagem escrita, ou * ASSALTO AO TURNO: caso de troca dc falantes em que a intervenção
seja, pelo que ele "espera" encontrar num texto literário (desde que ele, a do ouvinte não foi solicitada ou consentida. Neste caso, o ouvinte "inva-
priori, o admita como tal). de" o turno do falante fora de um lugar relevante para a transição
Esses limites entre o oral e o escrito são difíceis de definir e têm (LTR). (v. tb. PASSAGEM DE TURNO)
preocupado os bons prosadores em todas as épocas literárias. O analista
— ec mesmo o leitor comum — não pode deixar de refletir sobre as imensas * ASSIMETRIA: situação de conversação em que apenas um dos interlo-
dificuldades que existem nessa transposição, tendo em conta a unidade cutores desenvolve o assunto por mcio de uma série de intervenções de
da narrativa e a construção das personagens, pois a linguagem é o índice caráter informativo, enquanto o outro apenas "vigia" ou "segue" o seu
inequívoco de personalidade. parceiro com breves turnos inseridos. (v. tb. INTERAÇÃO ASSIME-
Tentamos mostrar aqui que há contrastes entre o narrador-perso- TRICA; SIMETRIA)
nagem e o conselheiro, não apenas nos atos que praticam, mas na sua
origem socioeconômica, nas suas profissões, na sua moral, mas também, * AUTOCORREÇÃO: correção realizada pelo falante ao seu próprio
e sobretudo, na sua linguagem que, afinal, é a revelação imediata de to- texto. (v. tb. CORREÇÃO)
das essas diferenças.
Por que esse texto de Rubem Fonseca revelaria um grande escritor * AUTO-REPARAÇÃO: correção de regra conversacional em que à falha
na organização do diálogo? Apenas porque esses limites entre o oral e o é corrigida pelo mesmo falante que a cometeu, (v. tb. REPARAÇÃO)
escrito foram perfeitamente respeitados considerando-se todos esses fa-
tores apontados. E o alto grau de elaboração que a linguagem revela nos * AUTOPARÁFRASE: paráfrase realizada pelo falante a um seu enun-
[az criar a ilusão da rcalidade que é, afinal, um dos objetivos e um dos ín- ciado anterior. (v. tb. PARÁFRASE)
dices da obra de arte. |
* CENTRAÇÃO: propriedade do tópico pela qual os falantes têm a aten-
ção voltada para um ou mais assuntos do texto conversacional, impli-
cando a utilização de referenciais explícitos ou inferidos. Uma nova
centração supõe necessariamente um novo tópico.
' SBD /FFELCH/ US
Bib. Florestan Fernan
P * COERÊNCIA DISCURSIVA: propriedade de um texto conversacional
em que os referentes apresentados nos tópicos discursivos podem ser
des Tombo: 32
Aquisição: DOAÇÃO,
“O alinhados como pertencentes a um mesmo tópico.
Proc. /
NE.
R$ 40,00 27/7/2010 * CONCERNÊNCIA: traço da centração que corresponde à relação de
interdependência semântica entre os enunciados (v. tb. CENTRA-
ÇÃO).
(10) Na literatura, onde maior é o peso da tradição da linguagem culta, é preciso que o es-
critor rompa com certa expectativa do leitor, para uma linguagem desse tipo e quebre cer- * CONHECIMENTO COMPARTILHADO: conhecimento extra-textual
tos tabus lingúiísticos, introduzindo vocábulos obscenos, formas injuriosas, gírias, quando
comum aos interlocutores. Quanto maior for o conhecimento comparti-
necessários. O grau de aceitabilidade dessas formas dependerá do contexto ftiterário, da
convicção do leitor de que elas são absolutamente indispensáveis para que o autor realize lhado entre os participantes envolvidos na conversação, menor será a
convenientemente sua "realidade" lingitística na obra. necessidade de verbalização.
228 229
* CONTEXTO CONVERSACIONAL: situação em que se desenvolve a * DISTANCIAMENTO: falta de sintonia do(s) interlocutor(es) com o as-
interação entre os falantes. sunto da conversa.
* CONTEXTO INTERACIONAL: conjunto de marcas que configuram a * DIÁLOGO: (v. tb. CONVERSAÇÃO)
interação entre os falantes, como: expressões faciais, gestos, postura,
atitudes corporais etc. * EGO-ENVOLVIMENTO: envolvimento do falante com o texto em ela-
boração.
* CONTEXTO SITUACIONAL: ambiente extralingúístico (momento,
espaço, relações sociais) em que se desenvolve a conversação. Situação * ENUNCIADO DE ORIGEM: segmento textual que, nas relações de
de comunicação, reformulação (paráfrase ou correção), é reelaborado,.
* CONTINUIDADE: organização sequencial dos tópicos, de modo que à * ENUNCIADO REFORMULADOR: segmento textual que, nas rela-
abertura de um se dá após o fechamento do precedente. (v. tb. DES- ções de reformulação (paráfrase ou correção), reelabora o enunciado
CONTINUIDADE) de origem.
* CONVERSAÇÃO : cvento comunicativo dinâmico, que tem por carac- * ENVOLVIMENTO: contínua sintonia dos interlocutores com o conteú-
terísticas básicas a alternância entre os papéis de falante e ouvinte. do do diálogo.
* CONVERSAÇÃO ESPONTÂNEA: conversa que não sofreu qualquer
* FORMULAÇÃO: atividade linguística de um interlocutor para dar for-
tipo de planejamento (temático ou linguístico), e que ocorreu na ausên-
ma e organização lingúifstica às suas intenções comunicativas e garantir
cia de observadores, não participantes da atividade da fala.
a intercompreensão conversacional,
* CONVERSAÇÃO NATURAL: (v. tb. CONVERSAÇÃO ESPONTÃ-
NEA) * FRAGMENTAÇÃO: ruptura na construção sintática por meio de cor-
tes que tornam as frases sintaticamente incompletas.
* CORREÇÃO: reclaboração do discurso que suspende temporariamen-
te o andamento da frase, no sentido de "consertar" formulações consi- * HESITAÇÃO: recurso lingúístico que garante ao locutor o tempo ne-
deradas inadequadas ou pelo próprio falante ou por seu interlocutor. cessário para organização e planejamento do turno em andamento, de-
Alo de reformulação textual, por meio do qual o falante anula, total ou correndo, entre outras causas, de falhas de memória, desconhecimento
parcialmente, a l[ormulação anterior, com função de garantir a boa com- do assunto, vocabulário, estruturas linguísticas etc.
preensão entre os participantes da conversação. (v. tb. REPARAÇÃO,
PARAFRASE)
* HETEROCORREÇÃO: correção realizada pelo falante ao texto do ou-
* DESCONTINUIDADE: interrupção do fluxo formulativo, ou seja, per- tro.
turbação na contigitidade dos tópicos: a descontinuidade caracteriza-se
pela introdução de um tópico na sequência linear, antes de ser esgota- * HETEROPARÁFRASE: paráfrase realizáda por um falante, a partir de
do o precedente, que pode ou não retornar. um enunciado anterior proferido pelo seu interlocutor.
* DIGRESSÃO: desvio tópico por meio da inserção de uma "porção de * HETERORREPARAÇÃO: correção de regra conversacional em que a
conversa" que não se acha diretamente relacionada com o assunto que falha é consertada pelo interlocutor, ou seja, o falante viola a regra e
vinha sendo desenvolvido, mas que culmina com a reintrodução deste. seu interlocutor o corrige.
230 231
que o ou-
* INQUÉRITO: procedimento usado para recolher material lingitístico, nais como o silêncio, pausas longas, gestos, olhares etc, — em
comple to e que, por-
para análise. Material assim obtido no Projeto NURC. São três os t- vinte percebe que o turno de seu interlocutor cstá
ASSAL TO AQ
pos de inquérito: Diálogo entre dois Informantes (D2); Diálogo entre tanto, pode ser a sua vez de falar.(v. tb. TURNO;
Informante e Documentador (DID); e Elocuções Formais (EF). TURNO; PASSAGEM CONSENTIDA)
em que a
* LINEARIDADE: articulação intertópica em termos de adjacências na * PASSAGEM DE TURNO: modalidade de troca de falantes
A pas-
linha discursiva, que se vincula à introdução de informações no- colaboração do outro interlocutor é de alguma forma solicitada.
da pelo falante ou consent ida por este
vas.(v. tb. CONTINUIDADE; DESCONTINUIDADE) sagem de turno pode ser requeri
(v. th. ASSALTO AO TURNO).
* LUGAR RELEVANTE PARA A TRANSIÇÃO (LRT): lugar intuído
pação
pelo ouvinte como adequado para se tomar o turno e dar a sua contri- * PASSAGEM REQUERIDA: passagem de turno em que à partici
buição para o desenvolvimento do tópico. Momento — marcado por si- do ouvinte é explicitamente solicitada.
232 233
* PAUSA: marcador lingúístico de caráter prosódico indicador, de mo- vimento dos interlocutores, até que um deles desista c o outro pemane-
mento para replanejamento e organização verbal. Propicia mudanças ça definitivamente com a posse do turno.
de turno, pois funciona como lugar relevante para a transição (LRT).
* SUSTENTAÇÃO DA FALA: conjunto de mecanismos utilizados pelo
* PLANEJAMENTO DISCURSIVO: processo de-elaboração do texto falante para manter o seu próprio turno, ou pelo ouvinte, para "ajudar"
conversacional, em nível de tema (planejamento temático) ou em nível o falante a continuar com a palavra.
de elaboração lingiúística (planejamento lingiístico).
* TEXTO CONVERSACIONAL: texto falado, resultante de um trabalho
* REFORMULAÇÃO: reelaboração textual, a partir de mecanismos es- cooperativo centre dois ou mais interlocutores que o vão compondo à
pecíficos do texto falado, tais como a correção, a repetição e a paráfra- medida que a conversa se realiza.
se, no intuito de reiterar idéias e facilitar a intercompreensão.(v. tb.
CORREÇÃO; PARÁFRASE; REPETIÇÃO) * TURNO: clemento constitutivo do processo interacional, pelo qual o
interlocutor contribui com dircito a tomar a palavra e participar da con-
* RELEVÂNCIA: traço da centração que corresponde à proemininência versação. Oualquer intervenção dos falantes, com ou sem caráter refe-
de um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis. (v. tb. CENTRA- rencial, no decorrer da conversação.
ÇÃO)
* TURNO CONVERSACIONAL: (v. TURNO)
* REPARAÇÃO: correção de regra conversacional, violada pelos parti-
cipantes do diálogo. (v. th. CORREÇÃO; PARÁFRASE) * TURNO INSERIDO: breve turno por meio do qual o interlocutor indi-
ca que está acompanhando seu parceiro, sem contribuir necessariamen-
* REPETIÇÃO: ato de reformulação do discurso em que a relação se- te para o desenvolvimento do tópico conversacional. Constitui sinal de
mântica entre o enunciado de origem e o enunciado repetido é idêntica que o falante aceita a sua posição de ouvinte e consente que outro Inter-
ou muito forte. locutor prossiga a sua fala.
* SEGMENTAÇÃO TÓPICA: delimitação de pequenas porções tópicas, * TURNO NUCLEAR: intervenção de nítido caráter informativo com
com base no princípio da centração. (v. tb, CENTRAÇÃO) que o falante contribui para o descnvolvimento do tópico da conversa-
ção.
* SEQUENCIALIDADE: sucessão linear dos tópicos. (v. tb. LINEARI-
DADE) * TURNO NUCLEAR EM ANDAMENTO: turno nuclear que não se li-
mita a uma única intervenção: cada participação do interlocutor dá con-
* SIMETRIA: característica da conversação em que os interlocutores se tinuídade, nos planos semântico e pragmático (e às vezes também
revezam constantemente nas posições de falante e ouvinte, colaborando sintático), à sua participação anterior, podendo prolongar-se por várias
igualmente para o desenvolvimento do tópico conversacional com tur- intervenções consecutivas.
nos nucleares. (v. tb. INTERAÇÃO SIMÉTRICA; ASSIMETRIA)
* TURNOS NUCLEARES JUSTAPOSTOS: seqiência de turnos nu-
* SOBREPOSIÇÃO DE VOZES: situação de comunicação em que, por cleares em uma conversação simétrica.
alguns segundos, ocorrem falas simultâneas, que indicam grande envol-
234 235
* TÓPICO: assunto, tema tratado em determinado trecho da conversa-
ção, é o "acerca de" de que se fala, podendo subdividir-se em subtópi-
cos.
p do io:
een
Ficha Técnica
Número de páginas
Tiragem 2000
236
m