O Sentido Geral Do Direito 01.12
O Sentido Geral Do Direito 01.12
O Sentido Geral Do Direito 01.12
Introdução ao Direito
O SENTIDO GERAL DO
DIREITO
O DIREITO E O JURISTA
Desde logo, deparamo-nos com várias perspetivas, sendo elas:
- Perspetiva sociológica, uma vez que o direito é, inquestionavelmente, um
fenómeno social;
- Perspetiva filosófica, já que, se o direito nos dirige deveres e atribui
responsabilidades, podemos sempre perguntar-nos com que fundamento é que o faz;
- Perspetivas epistemológica pois o direito é um objeto que está aberto ao nosso
conhecimento;
Há ainda uma outra perspetiva que se cruza com todas estas perspetivas, contudo,
não se reduzindo a nenhuma delas, que é a perspetiva normativa, que é a que
adotaremos.
Assim sendo, vamos, então, tentar compreender o direito como uma dimensão
normativa da nossa prática já que o direito é o fundamento/critério de muitos dos
nossos comportamentos interferentes dado que é ele que diz a validade, ou
invalidade, da licitude, ou ilicitude, de muitas das ações por mediação das quais
interagimos comunitariamente.
Desta forma, o Direito é a norma do dever ser e, por isso, regula as relações que
estabelecemos uns com os outros.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Em suma:
Numa atitude técnico-profissional, o jurista estuda os critérios positivados e as
normas legais e a sua aplicação a casos concretos. Esta atitude é essencial para
garantir que o direito é realmente efetivado, visto que a maior parte das leis e
normas não consegue valer por si só. É o jurista que tem de trazer as normas do
abstrato para o concreto, algo que a atitude técnico-profissional permite. Outra
atitude, igualmente importante, é a atitude prático-normativa. Ao assumir esta
atitude, o jurista compromete-se a pensar de modo crítico e procura
principalmente encontrar a essência, o fundamento do direito. Esta atitude faz o
jurista aproximar-se muito mais das questões quid ius, permitindo desvendar o
verdadeiro conteúdo material do direito.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Nestas relações intersubjetivas não aparecemos como sujeitos absolutos, mas sim
como sujeitos relativos. E esta relativização é feita tendo em conta o nosso estatuto
de direito, que define as faculdades, as responsabilidades, os deveres e os ónus de
cada um dos intervenientes. Por isso é que o direito nos toca extensa profundamente.
À ordem de juridicidade corresponde uma estrutura formal à qual outras estruturas
da nossa sociedade remetem. Esta estrutura só por si não demonstra nenhum valor
axiológico independente, mas demonstra uma estrutura tectónica própria, funções,
notas caracterizadoras e efeitos imediatos.
O domínio do Direito é o do problema da delimitação e compossibilidade das
nossas relações no horizonte do mundo que pretendemos compartilhar. Diremos ter
o Direito a ver com as relações intersubjetivas suscitadas pela complexa
problemática da partilha do mundo.
O Direito regula, portanto, o estatuto das nossas relações sociais, uma vez que
estamos no Direito com a nossa face societária, com o nosso “eu social” (e não com
o “eu pessoal”).
Antes de analisarmos a Ordem Jurídica, importa precisar: porque precisa o Homem
de uma Ordem Jurídica? Esta pergunta remete necessariamente para a instituição de
uma regra suscetível de ordenar a relação de cada um com os outros, isto é, a
necessidade de criação de uma Ordem. E falamos em Ordem Jurídica porque o
Direito apresenta-se-nos como um cosmos e não como um caos. A Ordem Jurídica é
uma criação cultural com uma certa racionalidade. E a Ordem que o Direito constitui
é a ordem da juridicidade: esta é a síntese de uma estrutura formal e de um sistema
com um determinado conteúdo material.
PRIMEIRA LINHA: a linha das relações entre sujeitos particulares (ordo partium
ad partes)
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Nesta linha encontramos as relações das partes para com as partes (ordo partium ad
partes); lá no fundo está decerto a sociedade, mas, aqui, não é sujeito na relação – é
apenas sua condição, sendo os sujeitos das relações os próprios particulares.
Por seu turno, esta primeira linha tem a ver com um certo tipo de justiça – a justiça
comutativa ou da troca – que, no fundo, significa “a medida do homem para o
homem”, a composição válida das nossas relações, ou o modo como vemos a nossa
situação relativa por mediação de certos valores ou exigências em referência aos
quais nos autocompreendemos e que, por isso, procuramos regulativamente projetar
na ordem comunitária entretecida (invadida) pelas relações sociais.
A justiça traduz “o que devemos aos outros e os outros nos devem a nós para
podermos ser, cada um de nós e todos, verdadeiramente pessoas”, pelo que “não é
mais do que a chamada de todos” à expressão normativa do “axiológico-intencional
comum comunitário”: precisamente com a justiça da troca ou comutativa”.
Nesta linha estamos perante o domínio do direito privado: o direito privado comum
(Direito Civil) e o direito privado especial (Direito Comercial); é a esfera do Direito
civil que tem a ver com as mais das situações em que envolvem os “homens comuns
em comum”.
Nós não somos apenas indivíduos, também somos socii; e as relações que se
estabelecem entre cada um e a sociedade tomado no seu todo é o objeto da segunda
linha estruturante da ordem jurídica.
Aqui, a Sociedade já não está· apenas em fundo, ela emerge como sujeito das
relações que estabelecemos com ela. Com efeito, a Sociedade tem, ela própria,
valores e interesses a garantir, que nos dirige e cujo cumprimento nos impõe. Se
violarmos tais interesses e bens jurídicos fundamentais que a Sociedade pretende
conservar, a Sociedade pede-nos responsabilidades. Nesta segunda linha, a
sociedade surge nas relações que connosco estabelece em primeiro plano.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Nas relações que estabelecemos com a sociedade estamos todos diante dela e não
uns perante os outros e, por isso, esta segunda linha regulamenta as relações das
partes com o todo.
Quanto ao direito, podemos afirmar que ele cumpre aqui as importantes funções de
tutela e de garantia.
Estamos também e ainda perante a justiça protetiva, pois o Direito é aqui chamado a
institucionalizar formalmente, a limitar e a controlar o poder e, consequentemente, a
garantir a situação dos particulares que com ele se confrontam.
Esta terceira linha vem fechar o triângulo a que aludimos. Nesta, a sociedade é
considerada como uma entidade atuante, dinâmica, que tem um programa
estratégico que quer atuar para atingir os objetivos que se propõe.
Estes objetivos podem ser-nos favoráveis, mas podem também visar o benefício da
própria sociedade (como é o caso do direito da previdência e da assistência social,
em que aparecemos como beneficiários, mas também temos de contribuir para
determinados fundos sociais).
Por isso, é que se afirma que o direito aparece aqui como um estatuto de atuação,
mas também
Função do Direito:
Quanto aos ramos do direito que se localizam nesta linha, referiremos o direito
público geral, nomeadamente, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o
Direito da Previdência Social, o Direito Público da Economia, o Direito do
Ambiente…
No que diz respeito aos valores que aqui se relevam, serão o da liberdade pessoal
comunitariamente radicada e o da solidariedade.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
das desigualdades); digamos que, nesta sede, a igualdade não aparece como critério,
mas como objetivo, como que seja o “ponto de chegada” e não o “ponto de partida”,
isto é, pretende-se alcançar uma aproximação à igualdade pelo caminho da
desigualdade.
Podemos também perceber que nem todas as ordens jurídicas dão o mesmo
destaque a todas as linhas da ordem jurídica, sendo esta influenciada em grande
parte pelo contexto histórico. Na verdade, as linhas ascendente e descendente são
típicas da Idade Moderna, sendo que antes dela não existia um conceito de Estado
como o que temos atualmente. Existiam, de facto, leis e governos, mas o Estado
identificava-se com o soberano, cuja autoridade tinha uma fonte divina. Aliás, o
Estado moderno-iluminista (o Estado demoliberal), profundamente influenciado pela
Revolução Francesa, reconhecia apenas a linha de base e a linha ascendente, com
mais destaque para as exigências que os particulares podiam fazer ao Estado do que
as exigências que este podia fazer aos indivíduos, procurando-se acima de tudo
limitar o poder político (o que perde a relevância quando temos em conta que o
Estado moderno-iluminista rapidamente se transformou num Estado-de-direito
meramente formal, onde o direito, que deveria limitar o poder político, era
equivalente à lei, que derivava do poder político). A linha de base ainda não se tinha
desenvolvido porque ainda não havia a mesma ideia de o Estado ser responsável
pelo bem-estar dos cidadãos ou por garantir igualdade de oportunidades.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
FUNÇÃO PRIMÁRIA
Aqui, o direito surge como princípio de ação e critério de sanção, que nos permite
distinguir o direito das outras ordens normativos (como a moral)
Deste modo, podemos afirmar que, como principio de ação, a ordem jurídica
estabelece o nosso estatuto social.
Mas a ordem jurídica não se fica por aqui, não se limita a comunicar que os nossos
direitos são estes e que as nossas responsabilidades são aquelas… seria insuficiente.
Se assim fosse, estaríamos perante uma pura ordem moral.
No campo das relações sociais, se alguém interferir no modo como o outro pode
fruir o mundo comum, cometendo violações à pré-instituída ordem de repartição do
mundo, será por esse facto responsabilizados.
A Ordem Jurídica se, por um lado, prescreve critérios de fruição do mundo (sendo,
portanto, principio de ação), por outro lado, concorre também para que esses
critérios se realizem praticamente, apresentando-se igualmente como critério de
sanção.
A sanção é todo o meio que a Ordem jurídica mobiliza para tornar eficazes as suas
prescrições.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
A IDEIA DE COERCIBILIDADE
Deste modo, não podemos limitar-nos a dirigir, neste âmbito, meros apelos uns aos
outros. Na esfera do Direito, cada um pode exigir ao outro o cumprimento das suas
obrigações.
DIREITO VS MORAL
Para distinguir o Direito da Moral, é necessária a utilização de vários critérios.
Esses critérios são:
1. âmbito ou extensão: também conhecido por critério do mínimo ético
(protegido pela moral e pelo direito). De acordo com este critério, o direito
abrange apenas as regras morais básicas, cuja observância se revela
indispensável para garantir a paz, a justiça e a liberdade no plano das relações
sociais que estabelecemos com os outros. Contudo, se assim fosse, o direito e a
moral seriam materialmente idênticos, distinguindo-se somente quanto à sua
extensão, na medida em que o direito apenas iria cobrir e sancionar o núcleo
essencial dos valores éticos; o direito corresponderia à zona de interseção entre
as várias conceções éticas socialmente vigentes. Desse modo, corresponderia à
zona que exibe maior densidade ética; os bens mais importantes seriam os mais
consensuais em termos éticos. Podemos assim concluir, que o direito tem o
âmbito ou extensão menor que a moral.
2. Fonte ou fundamento de motivação/determinação: também conhecido pelo
critério da autonomia. De acordo com este critério, a moral é autónoma, porque
as suas regras têm por fonte e respetivo juiz de cumprimento a própria
consciência individual, ao passo que o direito traduz sempre uma fonte de
heteronomia, uma vez que implica uma vinculação e sujeição a determinadas
regras alheias. Contudo, a redução do direito uma pura heteronomia (imposto
exteriormente) parece esquecer que a própria normatividade (o direito)
pressupõe sempre a autonomia cultural dos sujeitos humanos, ou seja, o homem
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
é sujeito de direito, o que significa que não se possa afirmar que não haja direito
sem uma aceitação e adesão das pessoas à ordem jurídica. A importância do
principio democrático pressupõe a ideia de que o direito assenta na vontade dos
seus destinatários, que assim são seus sujeitos e ainda estão sujeitos a ele. Por
ultimo, convém não esquecer que também as regras morais adquirem uma certa
heteronomia relativamente aos indivíduos.
3. Perspetiva que assumem: também conhecido pelo critério da exterioridade. De
acordo com este critério, a moral incide sobre o lado interno dos atos dos
homens (interioridade), exigindo uma adesão interior aos imperativos da
consciência ética, enquanto que o direito se limita a atender aos aspetos
exteriores da conduta, contentando-se com a mera observância externa das suas
regras. Nesta perspetiva interessa à moral, sobretudo, a convicção com que se
atua, mais do que a própria prática do ato e os seus resultados; em contrapartida,
para o direito é essencial garantir que as pessoas respeitam as suas normas,
adotando condutas que sejam conformes com elas, independentemente da razão
pela qual o fizeram. Crítica: contudo, contra esta perspetiva, podemos afirmar
que o direito não desconsidera a intenção com que o homem atua e, por outro
lado, a moral também se preocupa com os aspetos exteriores da nossa conduta.
4. Fim que visam alcançar: critério de teleologia (quer dizer fim ou finalidade).
Tendo em conta o fim visado pelo direito e pela moral, seria possível distingui-
las na medida em que o direito tem por objetivo a realização da justiça e da paz
social (fim social); enquanto que a moral visa orientar as pessoas para o fim
supremo da sua plena realização, procurando assim um modelo individual de
perfeição (fim pessoal). Contudo ambos visam fins pessoais e sociais, embora
com pesos distintos.
5. Estrutura que assumem: também conhecido como o critério da bilateralidade.
Afirma-se que o direito e a moral apresentam estruturas diferentes: bilateral no
caso do direito e unilateral no caso da moral. A moral teria um carater unilateral
e imperativo, visto que constitui um conjunto de deveres ditados pela
consciência ao individuo e o desrespeito por tais imperativos tem como
consequência interna e pessoal o sentimento de remorso. Já no caso do direito,
este propõe-se a regular as relações socias dos homens e possui uma estrutura
bilateral, porque para além de reconhecer direitos também impõe deveres. Ou
seja, afirmamos que o direito é bilateral, enquanto que a moral é unilateral,
porque apenas impõe deveres. Contudo, importa referir que existem obrigações
no direito que não são judicialmente exigíveis, como é o caso das chamadas
obrigações laterais previstas no artigo 402º do Código Civil, ou seja, o sujeito
só cumpre deveres se assim o quiser.
6. Relação que mantém com a força ou coação: na verdade o direito pode
recorrer à força (que não é o mesmo que violência) para garantir a observância
das suas normas. O mesmo não acontece com a moral, cujas normas devem ser
compridas espontaneamente, ou seja, sem a possibilidade de recorrer a meios
coercivos. Contudo, este critério não nos convence, visto que sancionabilidade
jurídica não se confunde com coatividade, coercividade ou coercibilidade. A
sancionabilidade do direito traduz-se na suscetibilidade de o mesmo (o direito)
ser feito valer, ou seja, de ser efetivado ou de produzir efeito. No entanto, estes
meios nem sempre se verificam e não implicam necessariamente o recurso à
força, ou seja, existem normas sem sanções e ainda existem sanções positivas e
sanções não coativas ou coercivas. Por tudo isto, o que nos leva à conclusão de
que o verdadeiro sinal ou critério distintivo do direito face à moral reside na
sancionabilidade e não na coercibilidade (possibilidade de recorrer à coação). A
sancionabilidade não constitui senão uma consequência da verdadeira diferença
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
TIPOS/MODALIDADES DE TUTELA
Autotutela: por regra, os meios de autotutela não são admitidos no ordenamento
jurídico português; contudo, admite-se excecionalmente casos de tutela privada,
como é o caso de ação direta (Art. 336º CC), da legítima defesa (Art. 337º CC) e do
estado de necessidade legítima (Art. 339º CC).
MODALIDADES DA INEFICÁCIA
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
SANÇÕES PUNITIVAS
Estão presentes, essencialmente, na linha de base (direito civil) e na linha
ascendente (direito penal).
Estas sanções são as mais pesadas visto que são aquelas que dizem respeito à
aplicação de uma consequência negativa para o infrator como repreensão da
violação de uma norma, privando-o de bens como a liberdade, o património, e, em
certos países, a própria vida.
SANÇÕES PREVENTIVAS
São aquelas que estão destinadas a impedir a violação da OJ e o incumprimento das
normas jurídicas. Desempenha aqui um papel de relevo a atividade das autoridades
públicas que condicionam, limitam e fiscalizam a ação dos particulares. Com
exemplos concretos podemos indicar o internamento de inimputáveis (anomalia
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Entre os arts. 25º e 65º do CC está a indicação da lei competente ou pelo menos dos
critérios secundários para a determinação da conjugação dos diferentes
ordenamentos jurídicos nacionais em causa e de qual vai responder aquele problema
plurilocalizado.
MOMENTO CONSTITUTIVO
Também chamado de momento de desenvolvimento constitutivo, este garante o
desenvolvimento da ordem jurídica.
Ou seja, o problema aponta para a existência do direito vigente na História: a
necessidade de a OJ manter a estabilidade da relação jurídica, existindo uma relação
entre estabilidade e mutação, isto é, se ao direito cabe a conferência de estabilidade
nas relações jurídicas e previsibilidade das resoluções, cabe-lhe também a
atualização e acompanhamento com a realidade.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
FONTES DE DIREITO
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
REALIZAÇÃO PROCEDIMENTAL-PROCESSUAL
CONCLUINDO:
A ordem jurídica tem que estabilizar a sua dinâmica, pois só assim garantirá a sua
subsistência. A função secundaria é a mais importante, porque é por mediação desta
que a ordem jurídica logra subsistir como ordem, evitando quer a obsolescência
anacrónica, quer o utopismo voluntarista.
Outros autores defendem que apenas estes fatores bastariam para tornar a ordem
jurídica uma ordem de direito.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Desta forma, o objetivo do direito vigente não é apenas ser eficaz, mas ser válido
enquanto ordem normativa de cumprimento espontâneo e positivo, com relações
intersubjetivas procuram favorecer uma convivência pacífica entre nós.
O CARÁCTER COMUNITÁRIO
Este esforço cultural assume um caráter comunitário: esforço da OJ visa a
integração dos sujeitos para construir uma comunidade jurídica, baseada na
comunhão de valores relativos ao direito – direito enquanto instância que visa
estabelecer um controlo da vida comunitária de modo pacífico. Portanto, haver áreas
intersubjetivas em que o direito não se intromete ou que nós não permitimos que o
direito o faça, é uma opção cultural.
Tendo em conta que a ordem jurídica é um esforço cultural, podemos afirmar que
irá variar de cultura para cultura, tendo como marca o historicismo.
O que a ordem jurídica cria é uma comunidade concreta: esta comunidade tutela
valores específicos e institui um determinado modo de vida de acordo com estes. Ao
impor-nos prescrições e regras, a ordem jurídica não está só a delimitar as
intersubjetividades para garantir a fruição do mundo, está também a afirmar-se como
um integrante comunitário e como uma conquista civilizacional e cultura.
Assim, o seu caráter comunitário apresenta-se sob 2 formas:
- Sentido formal: em que a OJ define o padrão normativo comum a uma determinada
comunidade concreta
- Sentido material: em que a OJ, no que concerne aos valores que a fundamentam,
define o sistema/padrão normativo de uma comunidade concreta, tornando-se um
fator de integração.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
OBJETIVIDADE
Ao afirmarmos que a ordem jurídica enquanto esforço cultural é uma segunda
natureza, ou um segundo mundo, estamos a reconhecer-lhe uma certa objetividade,
afirmando que existe como algo externo e heterónomo a nós próprios.
Esta objetividade não faz da ordem jurídica um objeto alheio, traduzindo-se em
duas dimensões.
OBJETIVIDADE AUTÁRQUICA
(plano de autossubsistência institucional)
A OJ não é um objeto (“entidade objetiva”) qualquer: a sua objetividade apresenta,
desde logo, uma autossuficiência (a OJ subsiste por si no tempo – estabilidade e
permanência) podendo, por isso, qualificar-se como autárquica (objetividade
autárquica). A autarcia da Ordem surge como uma exigência da própria
objetividade; a subsistência da OJ assenta nas suas próprias forças, das quais ressalta
o carácter autárquico da respetiva objetividade.
Para existir, a ordem jurídica não precisa do nosso consentimento ou aceitação. Mas
isto não significa que não precise de legitimidade para se afirmar.
Para se legitimar, a ordem jurídica tem de estabelecer um diálogo connosco para
que se lhe possa afirmar alguma validade. Aqui, a ordem jurídica legitima-se pela
justificação prática aos seus destinatários, identificando-nos como sujeitos e não
como objetos: a sua
própria instância criadora serve para a legitimar.
Com que legitimidade apresenta uma Ordem Jurídica uma objetividade autárquica?
Quando falamos em legitimidade da Ordem, já não tocamos a sua mera realidade,
mas autenticamente o seu sentido, que remete a uma validade. A legitimidade da OJ
consiste na sua justificação prática para os respetivos destinatários; para a OJ, não
somos apenas objetos, mas autênticos sujeitos, pois o Direito é um modo de
mediação de sujeitos como o mundo.
OBJETIVIDADE DOGMÁTICA
(plano intencional-material)
Por outro lado, intencionalmente e ao nível do conteúdo, a OJ apresenta uma
objetividade dogmática;
Um dogma é uma premissa indiscutível imune à crítica. O estudo do direito
promove o pensamento crítico, mas todas as culturas têm uma dimensão dogmática
dentro da qual encontramos alguns valores, princípios e normas que servem de
premissa e pressuposto para tudo o resto. Mesmo quando se preocupa constituir uma
nova ordem através da crítica da antiga, esta constituição é uma reconstituição, ou
seja, todo o nosso pensamento crítico parte de um dogma.
Mas, fará sentido a ordem jurídica apresentar esta caraterística dogmática? Se
pensarmos na cultura onde está inserida a ordem jurídica, pressupõem a referência a
dogmas, ou seja, todo o agir humano assenta em pressupostos que não se discutam.
Se questionássemos tudo, não agíamos.
Os dogmas são condicionantes da prática, e são condicionantes necessários pois a
prática é essencial para a vida humana, e seria impossível fazer escolhas se sempre
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
A PROJEÇÃO PRÁTICA
NA AUTORIDADE
A nota da objetividade autárquico-dogmática é fundamental para compreender a
prática da OJ (toda a prática postula uma dogmática).
Se considerarmos que a legitimação autárquica da OJ assenta na legitimação
democrática, todos seremos autores da mesma nesse sentido (p.e., na manifestação
da nossa legitimação democrática para a construção legislativa).
Por outro lado, não somos uns meros destinatários da OJ, pois esta é dinâmica e
nela participam todos os sujeitos que lhe são destinatários.
Logo, essa objetividade, faz de nós simultâneos destinatários e autores da OJ (todos
nós participamos na construção da OJ).
Ora, existem certas decisões que damos por adquirido, sendo essas referências
axiológicas que se vão constituindo e impondo (através da prática).
A prática não admite a indefinição, dado que implica uma base dogmática e exige
uma decisão – p.e., o art. 8º do CC. No direito, não pode deixar de existir decisão,
mesmo que existam discordâncias.
Por exemplo, seria muito difícil se todos os dias de manhã nos levantássemos e
tivéssemos de deliberar quem ia fazer o almoço. Não o fazemos porque isso vai
sendo constituído ao longo do tempo. Assim, com todas estas características, a OJ
projeta-se como autoridade, delimitando a posição dos sujeitos e regulando as suas
intersubjetividades.
RACIONALIZAÇÃO
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
INSTITUCIONALIZAÇÃO
A racionalização, em qualquer dos seus tipos, tem como efeito a
institucionalização.
Uma instituição é uma organização que persiste, pelo que se traduz na estabilização
dessa persistência para permitir criar padrões de comportamento a que obedecemos
quase sem pensar e aos quais as gerações vão recorrendo sucessivamente.
A ordem jurídica é uma instituição, estabelecendo padrões de comportamento com
um sentido e valores próprios. Dentro da grande instituição que é a ordem jurídica
encontramos outras instituições, que correspondem a categorias próprias do direito.
- Status = aquilo que está organizado para subsistir/está estabilizado
- In status ou “institucionalizar” = garantir a subsistência e estabilidade
Fazemo-lo através de instituições: estas garantem-nos um conjunto de apoios aos
mais diversos níveis (sentidos, prestações, organização logística, etc.), que nos
permitem encontrar um sentido já estabilizado onde nos integramos e com o qual
dialogamos.
Podemos perguntar qual o sentido das instituições, mas sabemos que todas as
instituições têm já um valor intrínseco, bem como um padrão estabilizado de
comportamentos que nos garante estabilidade.
Por isso, para a integração social do ser humano, as instituições oferecem um
horizonte de referência que lhe poupa as angústias e o trabalho (p.e., a universidade,
os hospitais, as associações, as ordens profissionais e até a OJ são uma instituição).
As instituições judiciais (da OJ) constituem a nossa sociedade.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Liberdade vs Comunidade
Como sabemos, o mundo vai-se institucionalizando e as instituições desoneram o
Homem do esforço requerido por um permanente exercício da liberdade. A
institucionalização limita a liberdade, mas sem ela a liberdade não poderia realizar-
se, pois consumir-se-ia a si própria.
Por outras palavras, as instituições são igualmente perpassadas por tensões
insuportáveis, logo também estimulam o exercício da liberdade, para se
dinamizarem e a liberdade não deixa igualmente de recear a abertura que a predica,
para se viabilizar.
Em suma, a OJ é também uma instituição. As instituições são necessárias, pois
compensam o Homem das suas naturais indeterminação, abertura e mutabilidade.
Por isso, podemos afirmar que a comunidade é autenticamente dimensão e condição
de humanização do Homem. Quer tudo isto dizer também que somos
simultaneamente seres sociais e anti sociais.
SEGURANÇA
A institucionalização tem como efeito imediato a segurança. Aqui, segurança surge
no sentido de estabilidade e previsibilidade, permitindo-nos saber quais serão as
consequências das nossas ações.
Para alguns filósofos, como Hobbes, a segurança era o valor mais importante da
ordem jurídica e do direito em si. As sociedades caracterizadas pela insegurança e
incerteza são também marcadas pelo medo, pelo que o motivo porque necessitam
principalmente do direito é para sentirem que estão protegidas. Nestas sociedades, e
na filosofia de Hobbes, o trabalho do governante é precisamente garantir a
segurança.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Para Hobbes, para isto ser possível era necessário transmitir-lhe alguns dos nossos
direitos, limitando a nossa liberdade em troca de segurança.
LIBERDADE
Assim sendo, a ordem jurídica só se traduz em paz enquanto for válida e eficaz.
Podemos então afirmar que a paz é tanto efeito como objetivo da ordem jurídica.
Afirma-se como um regulativo orientador permanentemente inacabado.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Sendo a paz um objetivo, o direito substitui a força bruta pela razão, motivo pelo
qual os conflitos entre partes são resolvidos ao dar a razão a quem tiver a
argumentação melhor fundamentada (tanto em termos lógicos como normativos), e
tenta acima de tudo prevenir os conflitos antes de estes acontecerem, principalmente
através da sua função primária (mais precisamente, pela sua afirmação enquanto
princípio de ação).
EXCURSO
A distinção entre Direito Público e Direito Privado encontra as suas raízes num
fragmento do Corpus Iuris Civilis, que definia o Ius Publicum como o governo da
república e o Ius Privatum como o que vela pelos interesses dos particulares.
Não utilizaremos este critério, embora seja o critério mais geralmente aceite, salvo
algumas exceções.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
- As relações estabelecidas por esses entes públicos entre si no exercício dos poderes
que lhes competem
Isto acontece, pois, o órgão público atua no exercício da sua autoridade pública e
os particulares são os sujeitos que se lhe dirigem, procurando obter uma resposta
dessa autoridade à pretensão afirmada.
Existe direito privado (que regula as relações entre sujeitos privados e/ou sujeitos
privados e públicos) quando estes não atuem no exercício da sua publica potestas,
não estando revestidos de um poder de autoridade e, assim, se encontrarem num
plano de igualdade.
DIREITO PÚBLICO
Organização e atividade do Estado e outros entes públicos menores (autarquias,
regionais e locais);
Relação dos entes publicas entre si no exercício dos poderes que lhes competem
Relações dos entes públicos, enquanto revestidos de poder de autoridade
(publica protestos), com os particulares.
DIREITO PRIVADO
No direito privado já não será tanto assim, embora haja refrações fundamentais das
relações jurídicas privatísticas, já que elas produzem efeitos que têm relevância
também pública, como p.e. o direito da família, direito da propriedade, etc…
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Este não é um sentido objetivo e universal visto que, dada a importância da cultura,
isto seria impossível. O que se pretende aferir é o sentido do direito para nós, o seu
sentido enquanto instância socialmente regulativa e intencionalmente humanizante.
Alguns poderiam dizer que o sentido da ordem jurídica é ser uma ordem, criar um
sistema coerente de prescrições, etc... Qualquer ordem que demonstre uma estrutura
formal com as mesmas funções, notas caracterizadoras e efeitos da ordem jurídica é
uma ordem jurídica. Mas nem todas as ordens jurídicas são ordens de direito.
Um regime totalitário, por exemplo, pode impor uma ordem com uma estrutura
triangular onde se reconhecem as relações entre particulares e Estado, funcionando
como princípio de ação e critério de sanção, ordenando as prescrições de forma
coerente e apresentando-se como um cosmos cultural dotado de dogmaticidade
autárquica e dogmática. Mas, os regimes totalitários em si, são uma negação do
direito. Até os efeitos dessa ordem seriam manchados: a paz, nessas ordens, seria
uma paz opressiva onde não há crítica não porque os recipientes da ordem estão
satisfeitos e sentem-se seguros, mas sim porque não lhes é reconhecido o direito de
criticar a ordem. Essa paz seria a negação da liberdade.
Nem é preciso que uma ordem negue diretamente o direito para considerarmos que
não é uma ordem de direito. A eficiência, por exemplo, é considerada importante
para o bom funcionamento da ordem jurídica, realçando-se até a importância de um
processo célere e em tempo útil. Mas, uma ordem jurídica que adote apenas a
eficiência enquanto valor, não se irá preocupar realmente se as suas instituições (e
principalmente a sua justiça) são corretas ou boas, irá preocupar-se se são ou não
eficientes. Aqui podem perder-se direitos essenciais como o direito à defesa.
Existem também várias ordens análogas à ordem jurídica, como a máfia, que são
dotadas de características semelhantes, mas que não podem de maneira alguma ser
consideradas ordens de direito. Isso significa que, a existência de uma Ordem é
condição necessária do Direito, mas não suficiente.
Estamos perante uma Ordem, mas será uma ordem de Direito? Ora, o Direito (a
Ordem autenticamente de Direito) tem uma carga axiológica que o Homem,
enquanto sujeito ético, assume. Uma Ordem, tal como a descrevemos até aqui, não
define objetivamente o Direito. Assim, a OJ manifesta uma insuficiência objetiva,
pois não basta só por si, para nos revelar o sentido do Direito.
Não podemos simplesmente afirmar que uma ordem de direito é qualquer ordem
jurídica marcada pela estadualidade, pois nem todos os Estados são Estados-de-
direito. A estadualidade não é condição necessária.
A equiparação entre Ordem normativa e a Ordem Política do Estado, não é exata por
3 razões basilares:
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
- O estado afirma um poder e este liga-se a uma estratégia, que se define pelos
objetos que visa; a validade do Direito, está conexionada com valores em que se
funda obrigatoriedade.
2. A Ordem de Direito não e exclusivamente criada pelo Estado: com efeito, nem
todo o Direito que existe é constituído pela imediata mediação do Estado; grande
parte tem como fonte o poder estadual, mas não tem de sê-lo. Para isso, basta pensar
na circunstância de nem todos os sistemas jurídicos serem sistemas de legislação
(como é o caso dos sistemas da Common Law); E mesmo num sistema de legislação
como o nosso, nem todo o direito vigente é criado pelo Estado (o Direito
consuetudinário resulta de uma prática social estabilizada). Note-se ainda que a
distinção entre estado e direito se manifesta logo na prática expressão "estado de
direito". Esta fórmula integra duas dimensões: a da estadualidade e a da juridicidade.
Só por isso se pode afirmar que só é possível estabelecer uma relação por se tratar de
categorias ou realidades diferentes. Ou seja, só estaremos perante um estado-de-
direito quando a juridicidade (e, portanto, a realidade) que nele se manifesta por
autonomia do poder político, pelo que uma OJ não será de Direito apenas por lhe
aditarmos a nota da estadualidade.
3. O poder político que o Estado titula não é fundamento da OJ: se todo o direito
fosse estadual, o poder seria o seu fundamento, mas não é. É certo que o direito e o
poder se cruzam: o direito precisa de autoridade e, por dentro dela está o poder
político. Na verdade, há valores jurídicos que transcendem a legalidade e isto
significa que a legislação para constituir uma Ordem de Direito tem que se inserir no
universo de validade que lhe confere esse carácter. Aliás, a aspiração que hoje se
manifesta é até a inversa; a de dar dimensão de direito ao poder, ou seja, a de
juridiciar o Estado e é por isso que o Estado tende a ser hoje um Estado-de-direito
material - um estado em que o direito é não apenas o limitador do poder, mas o seu
verdadeiro fundamento legitimante.
EM SUMA:
De tudo o que foi dito podemos concluir não ser a estadualidade uma nota
decisivamente caracterizadora do direito.
Por outras palavras, a Ordem é um elemento necessário para que se possa falar de
direito, mas não é um elemento suficiente. Uma ordem socialmente
regulamentadora não pode dizer-se de direito pelo facto de ter sido criada pelo
Estado.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
O homem, e principalmente o jurista, não pode ficar como espetador. Aqui exige-se
que seja um agente-sujeito capaz de pensamento crítico, determinando-se reflexiva e
Esta determinação é feita através de analogias entre as experiências práticas
concretas e os referentes que nos são propostos (poder político, cultura e economia).
Para fazer estas analogias não nos podemos servir de um mero raciocínio teórico e
analítico (inteligência definida como Verstand pelos alemães), visto que esse apenas
nos permite apreender os factos empíricos da ordem jurídica. Exige uma razão
prática, conhecida como Vernunft.
Diz-se que a nossa civilização é uma civilização de direito pois reconhece que
todos têm um direito ao direito em si. Reconhece-se que há uma diferença entre o
ilícito e o pecado, e que as pessoas têm o direito de se defenderem e justificar as
suas ações.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Percebemos, então, que a ordem jurídica assimila valores, valores esses que são
influenciados por um determinado contexto histórico e cultural. Para permanecer
enquanto ordem de direito, a ordem jurídica tem que sustentar valores vigentes que
sejam aceites pela sociedade atual em geral. Pede-se não só uma intenção normativa
como também eficácia quanto à sociedade em si.
É exatamente por isso que a ordem jurídica subsiste sem ter de vigiar
constantemente os seus cidadãos: nós próprios condicionamos o nosso
comportamento de acordo com os valores que interiorizamos. Quanto mais
interiorizados estiverem os valores vigentes da ordem jurídica, menor será o
sentimento de que é algo externo e alheio que nos é imposto e mais eficaz será a
ordem.
Estes valores refletem-se por isso nas prescrições para que estas sejam mais fáceis
de serem aceites, pelo que o que se exige do jurista é que conheça tanto o critério (a
norma, a lei) como o fundamento que o justifica. A materialidade normativa é
determinada pelos seus referentes axiológicos, não pelos seus critérios pré-definidos,
mas por vezes é difícil determinar exatamente que valores nos servem como
fundamento, nem de que medida.
Já aqui podemos ver alguns problemas da própria dimensão jurídica. É aqui que se
fala de insuficiência normativa. É necessária uma dimensão normativa capaz de
sustentar a vigência da ordem jurídica, transcender as suas prescrições positivadas e
afirmar uma axiologia fundamentante, devendo para isso mobilizar valores mas não
quaisquer valores, nem os mesmos valores para sempre. E para percebermos esta
materialidade normativa essencial à ordem jurídica (e porque é que se afirma esta
insuficiência normativa), temos primeiro de perceber algumas coisas em relação aos
valores: o que são, quais são e como é que nos afetam.
Além disso, os valores integrados nas ordens jurídicas não são universais (apesar
de termos valores com intenções universais que perderiam o seu significado e
importância se não tivessem essas mesmas intenções, como a igual dignidade da
pessoa humana). Na verdade, muitos valores surgem ligados a um determinado
espaço e tempo, afirmando-se como uma manifestação cultural vigente. Uma ordem
jurídica não pode subsistir com os valores de outra cultura, tal como não pode
subsistir com os valores de outro tempo.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Enquanto ordem cultural, a ordem jurídica tem tendência para permanecer fechada.
Mas essa ordem cultural está inserida numa ordem histórica, que é uma ordem
aberta: a passagem do tempo e acontecimentos externos (que estão fora do nosso
controlo e previsão) fazem com que a perceção que os homens têm do mundo se vá
alterando, e com ela os valores que tutelam e interiorizam. Basta ver a forma como
certos acontecimentos históricos (Revolução Francesa, Revolução Industrial, guerras
mundiais) representaram um corte com os valores tradicionais. Estes revelaram-se
insuficientes na sua resposta à nova realidade concreta, não oferecendo segurança
suficiente, pelo que se tornaram obsoletos.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Por isso definimos um princípio que pode servir como última instância do direito e
identificamos esse valor como sendo a igual dignidade da pessoa humana.
É a partir do momento em que nos reconhecemos uns aos outros (e que a ordem
jurídica nos reconhece a nós) enquanto sujeitos éticos que começamos a afirmar uma
normatividade baseada numa validade. Aqui, afirmam-se como direitos
fundamentais aqueles que são essenciais para a proteção da dignidade da pessoa
humana (procurando especificamente protegê-la do Estado), e o ilícito torna-se tudo
aquilo que representar uma violação significativa dessa dignidade.
Mesmo assim, vale notar que nem tudo se torna claro sob este princípio, mesmo
que este seja visto como a derradeira instância. Podemos reconhecer que o direito à
vida e à liberdade é essencial à dignidade da pessoa humana, mas mesmo assim o
debate em relação à pena de morte continua. Agora encontramos outros como o
debate em torno do aborto, da procriação assistida e da eutanásia.
Tudo isto contribui para uma das perguntas mais prementes da filosofia jurídica
atual, especialmente tendo em conta que o imperativo de Kant de tratar o homem
como fim e não como meio não oferece nenhuma solução concreta: como é que se
dá este mútuo reconhecimento do homem enquanto sujeito ético dotado de
dignidade?
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Foi John Rawls, no desenvolver da sua teoria da justiça, que afirmou a teoria
consensual (descendente do modelo contratual do iluminismo). As leis consideradas
universalmente importantes (como os direitos fundamentais) eram aceites e
reconhecidas quando os decidentes utilizavam o mesmo veil of ignorance que se
deveria usar para determinar a justiça. Este veil of ignorance convida o decidente a
decidir se a norma em questão é boa ou má sem ter em conta a sua posição social
mas sim a posição de qualquer um. A norma deveria então beneficiar se não todos,
então o maior número possível de pessoas. Isto permitiria a todos partir da mesma
posição original de igualdade. Assim, da mesma forma como o contratualismo
afirmava que dávamos o nosso consentimento a estarmos vinculados ao contrato
social pelo seu caráter geral e abstrato, Rawls afirmava que nos vinculamos à ordem
jurídica pelo seu caráter igualitário.
O direito não surge num vácuo. Na verdade, afirma-se como normatividade vigente
dentro do seio de uma sociedade. É uma normatividade societária pois visa regular
as nossas relações dentro e com a sociedade tendo em conta certos referentes.
É sobre isso que temos versado: perguntamos qual a função que o jurista encara e
como a desenvolve. Vimos, por outro lado, que mesmo não sendo juristas (e
analisando a OJ), fizemos a descrição à luz de um pressuposto fundamental,
concluindo que o problema do sentido não é meramente observável.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Respostas plurais:
Do ponto de vista por que olhamos para o direito (que tem a ver com uma linha de
evolução de pensamento e com a convicção direta e tomada de posição da
professora), significa que pensar no direito hoje nos obriga a dialogar com diferentes
compreensões daquilo que o direito seja e do pensamento que o pensa (em termos
dogmáticos imediatamente ou filosóficas mediatamente).
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Esta perspetiva deixa de fora das interações sociais a mera coexistência, pois esta
não conta com interações significativas. Weber tinha apenas em conta as relações
intersubjetivas que desenvolvemos por necessidade por ou vontade própria.
Dentro deste quadro, Durkheim fez uma diferenciação entre solidariedade mecânica
(predominante em sociedades onde todos os sujeitos desempenhavam funções
semelhantes, mantendo a coesão social através do respeito por valores pré-
instituídos) e solidariedade orgânica (onde cada sujeito desempenha uma função
específica e a coesão mantêm-se graças à interdependência) para justificar a
superioridade económica da sociedade capitalista, mas também a anomia.
A solidariedade orgânica é a mais característica das sociedades atuais, marcadas
por uma nítida divisão social do trabalho; contudo, a solidariedade mecânica não
deixa de se afirmar neste quadro, articulando-se com a solidariedade orgânica.
Neste ponto de vista, a sociedade é a teia integrante das nossas ações, pelo que, na
sociedade, só estaríamos materialmente nós próprios, todavia interagindo.
A orientação mais recente da sociologia não avança da parte para o todo, mas
centra-se nesse todo estruturado, compreendendo a sociedade como o sistema social,
ou seja, como uma entidade integradora que subsiste numa unidade.
2. A perspetiva do sistema (Parsons, Luhmann) – estruturalismo e funcionalismo:
Segundo o estruturalismo de Parsons, cada pessoa representa um sistema e procura
descobrir e realizar o papel tipificado que a sociedade lhe atribui. A sociedade surgia
assim como um sistema integrador de vários outros sistemas.
Porém, este estruturalismo iria traduzir-se numa sociedade estática e incapaz de
mudar. Por isso, Parsons atribuía ao sistema global (e aos sistemas dentro dele) uma
função capaz de dinamizar a estrutura e de estruturar a dinâmica. A economia seria
então o sistema encarregue de estruturar a dinâmica da alocação eficiente de meios,
a política seria o sistema dos fins programados da sociedade e as normas
(especialmente as normas jurídicas) seriam o sistema das ações concretas segundo
certos padrões.
A sociedade seria então composta de instituições.
Luhmann, desenvolveu uma teoria semelhante, mas com uma ideia diferente de
sistema.
Para Luhmann, o grande problema da sociedade era a fruição partilhada do mundo,
uma questão complexa. Assim sendo, a sociedade deveria simplificar essa questão,
mostrando respostas eficientes e satisfatórias para reduzir a complexidade do
mundo. Essa era a sua função, e enquanto a cumprisse poderíamos dizer que os
homens estavam ordenadamente orientados.
Este sistema é auto-organizado e auto-reprodutivo, subsistindo através de atos
comunicativos.
O mundo funcionalizado de Luhmann era uma sociedade que absolutivizava a
objetividade e não permitia a autonomia individual, reduzindo todos os referentes e
valores (incluindo, para o direito, a justiça) à sua eficiência.
Num mundo como o nosso, onde o comportamento humano (tanto nas suas formas
como nos seus fins) é extremamente variável, não se pode optar por uma ordem
social (e muito menos uma ordem jurídica) que negue qualquer tipo de
complexidade.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Em suma:
Estes elementos incluem os interesses, a nossa ligação com o mundo enquanto
objeto que pode ser apreendido para satisfazer as nossas necessidades. Os
interesses só por si não são nocivos, afinal de contas, é normal que num mundo
de possibilidades e tempo limitados que os homens tenham interesses e
mobilizem aquilo que têm ao seu dispor para os conseguirem.
Mas quando não são controlados, os interesses podem tornar-se perigosos para a
dignidade da pessoa humana. Os outros podem tornar-se meios para atingir o
fim do nosso interesse, ou podem até tornar-se um objeto.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Em suma:
Havia 3 modalidades que eram:
1. Legalismo normativista, que defende a redução do direito à lei;
2. Funcionalismo tecnológico, segundo o qual o direito é o regulativo instrumental
de objetivos político-sociais;
3. Funcionalismo ideológico, em que o direito seria equiparado à política.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Quais as dimensões?
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
“Por-quê direito?” é a pergunta que busca pelo fundamento originário (porque não
o não direito?). É realmente uma opção cultural e histórica.
Temos expressões de civilizações cuja organização não corresponde ao direito
(cultural e historicamente assim reconhecido), falando das expressões de um “Estado
de não direito”: um Estado cuja organização do ponto de vista axiológico, normativo
e prático é contrária ao direito.
Quando perguntamos “O quê? Por-quê?” estamos à procura de saber do que
falamos e porque chegamos aqui: perguntamos à história sobre o direito com que
nos deparamos.
E “Para-quê direito?” Qual a função do direito na sociedade?
Por isso, se o direito não se reduz a nenhuma das dimensões, embora seja
fortissimamente codeterminado por elas (não está isolado das mesmas), então, que
funções desempenha na sociedade? “para-quê” do direito? Temos, primeiro, de
perceber o “por-quê” do direito, isto é, as suas condições de emergência na
sociedade. Para que possa emergir, tem de se verificar 3 condições:
1. condição mundanal, que nos remete para o problema da partilha do mundo (é
apenas um, com recursos escassos que têm de ser repartidos – direito responde a
este problema, definindo que o nosso acesso ao mundo tem de ser legítimo)
2. condição antropológica, que reflete o modo de ser do Homem e a sua natural
indeterminação (num plano biológico-instintivo, o homem é um ser inacabado –
somos, assim, autores de nós mesmos)
As condições anteriores verificam-se sempre, sendo, por isso, estáveis. Exigem a
existência de uma ordem que compense a indeterminação do Homem, por um lado, e
estabilize regras de partilha dos bens escassos, por outro.
Ora, se considerássemos apenas estas duas condições, a ordem exigida não teria
necessariamente de direito. Por isso, para que seja de direito, é necessária uma 3ª
condição, que é variável (pois está dependente da perceção do Homem enquanto
pessoa/ser de valor).
3. condição ética, que assenta na forma como o Homem se autocompreende,
remetendo-nos para o pressuposto axiológico do direito (sentido e conteúdo
material que fundamenta o direito, que já se sabe que provém da consideração
do Homem como um ser com dignidade ética).
Só se o Homem se reconhecer enquanto sujeito portador de uma ineliminável
dignidade ética (reconhecermo-nos como pessoas jurídicas – com autonomia e
responsabilidade, para além da dignidade e liberdade) é que temos as condições para
ter uma ordem de direito.
No fundo, as funções (para-quê) do direito são determinadas pela 3ª condição:
essas funções foram variando ao longo dos tempos, em função da forma como o
Homem se foi autocompreendendo. Portanto, o direito varia de acordo com a
evolução histórica. O Homem não se compreendeu sempre da mesma forma, logo as
funções do direito não foram sempre as mesmas (remissão para os 3 grandes ciclos
histórico-funcionais)
Em suma, a condição mundanal e a condição antropológica surgem como
condições estáveis.
A condição ética é a condição mais variável, pois radica-se na auto-compreensão
historicamente situada que o homem tem de si mesmo e dos outros. Designa o quê
do direito, o seu fundamento material. Atualmente, esse “o quê” do direito é a
dignidade da pessoa humana, princípio escolhido tanto pela sua importância como
pela necessidade de não ficar preso num vórtice eterno de fundamentos.
A função do direito na sociedade traduz-se numa exigência sistemática a todos os
elementos subsistentes da ordem.
Põem-se, então, questões para definir o que é ser sujeito de direito ➜ o referente
axiológico (não apenas antropológico) do sujeito de direito é a pessoa, num certo
sentido cultural.
Ora, isto leva-nos a dizer que ser sujeito pode não corresponder ponto por ponto a ser
pessoa, tal como a ser indivíduo – do ponto de vista cultural.
O individualismo liberal assumia como sujeito de direito uma dimensão do ser
humano que não implicava toda a complexidade da construção da pessoa, estando
em causa fundamentalmente a relação de autonomia (e não a da referenciação
axiológica da relação entre essa autonomia e a responsabilidade).
Ser sujeito pode não implicar ser pessoa, por não lhe ir referido o juízo de dignidade e
por se considerar que o sujeito pode não ser livre.
Concluímos, então, que há duas dimensões fundamentais na construção da pessoa
(jurídica): Pág. 1
Dignidade
Uma ineliminável dignidade ética.
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
O DIREITO PRÉ-MODERNO
Vem desde a antiguidade clássica à idade média.
Aqui, o homem compreendia-se enquanto zoon politikon, um animal político, um
cidadão integrado numa ordem social ditada pela ordem do direito natural.
A ordem natural estava além do controlo do homem, e era pré-ordenada, translegal
e imutável. No mundo definido por ela, o homem servia apenas como hermeneuta da
ordem, e as leis que positivava tinham um caráter meramente declarativo. O quê do
direito era a racionalização e explicitação da ordem natural: desempenhava uma
função legitimante e tinha intenção declarativa de uma ordem natural pressuposta,
onde ser humano se inscreveria ao nascer e da qual dependeria para a sua própria
identificação cultural – manifestação da inserção do ser humano numa ordem natural
pressuposta (por referência teológica, a lei eterna ou cosmológica),
independentemente da sua vontade.
Isto levou à distinção entre ius e lex que se reflete nos tempos modernos na
distinção entre common law e statute law no direito inglês.
O direito natural com diversas sedes (referenciação cosmológica/ontológica a
apelar ao princípio racional de construção da normatividade e teológica a pressupor
na razão divina o sentido de construção de direito natural a partir da ideia de lei
eterna) e como fundamentação do direito positivo.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
O DIREITO MODERNO-ILUMINISTA
O direito surge com uma função constituinte de uma legalidade que nasce do
pensamento moderno, onde se abdica da influência divina na ação humana e se
assume o modo de estabelecimento das relações intersubjetivas dos sujeitos o seu
nascimento livre e desvinculado, mas que, por sua vontade racionalmente
confluente, se relacionam entre si juridicamente.
Surge, então, a primeira forma do Estado moderno que conheceremos (e que
aponta para a separação de poderes).
Assim, o teocentrismo é substituído pelo antropocentrismo: caminho para a
consideração de que o direito deve ser criado para todos (ainda que implique a
divisão da sociedade em classes), que confere à lei uma manifestação racional e
politicamente legitimada para a criação do direito.
O pensamento moderno-iluminista conflui que o direito deve ser lei (a definição da
posição relativa dos sujeitos), assentando na racionalidade humana.
Aponta-se aqui para um Estado de direito demoliberal, cujo princípio da separação
de poderes é essencial.
O DIREITO CONTEMPORÂNEO
Surge uma proposta de uma validade axiológico-normativa e reflexivamente crítica
como função do direito na sociedade – temos de salientar que esta não é a via única,
necessária ou maioritária, mas é a proposta considerada.
Iremos, então, pensar no direito com uma função regulativa, constitutiva de um
certo sentido cultural, e com um papel de reflexibilidade prática que obriga a que se
discutam os seus fundamentos para se perceber qual o sentido normativo pretendido
(para que seja vigente e, com isso, quanto menos se der conta por ele mais eficaz
seja, pois aí o direito corresponderá à valoração intersubjetiva da convivência
pacífica, havendo um consenso).
Criar direito é papel de uma entidade legitimamente formada para tal e que é criado
para todos.
Hoje, há a colisão dos discursos e o direito é pressionado pelas outras áreas da
sociedade, o que o leva a reagir de formas diferentes e, assim, formalizar a lei e
abster-se à assunção de fins (tentando recuperar a autonomia).
Nota:
Salientamos Niklas Luhmann, que defende que o direito tem a função de
dirimir/dissolver conflitos sem se comprometer com os objetivos que os outros
subsistemas da sociedade, para lá do jurídico, pretendem prosseguir.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
FUNÇÃO INTEGRANTE
De facto, nestas sociedades heterogéneas, o direito surge como único referente
integrante e comum, que torna possível a clareza das relações intersubjetivas e
deixa, assim, de ser poder.
Existem, de facto, referentes muito mais valiosos nas relações intersubjetivas do
que aqueles que o direito estabelece, no entanto, quando estamos perante a ausência
de outras notas comuns de orientação ao sentido da ação e da orientação, temos o
direito enquanto agente integrante.
O direito é, assim, um apoio axiológico a um sentido de construção da
intersubjetividade, o que não significa a concordância individual das prescrições que
o direito estabelece, mas sim que o direito é uma expressão cultural em que se
projeta o sentido das relações intersubjetivas.
Nota:
Esta função integrante hoje não é tão enfatizada quanto já foi e quanto pode ser,
i.e., dizer que o direito tem uma base axiológica que é intersubjetivamente
construída é tomar um compromisso decisivo e, com isso, dizer que tem uma função
integrante confere ao direito uma relevância fundamental nas nossas relações
intersubjetivas.
Nós estamos numa civilização de direito e, sabendo que há zonas da nossa
intersubjetividade em que não admitimos que o direito interfira, há outras em que o
direito é o único referente comum.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Função integrante: tem dimensão negativa, pela qual se constitui a ordem em que
nos encontramos integrados por um referente comum. Atualmente, é o direito que
nos integra dentro da nossa sociedade eticamente fragmentada, tomando o lugar
anteriormente designado para referentes como a religião. Para isso desempenha
determinadas subfunções.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Mas não é isso que está em causa: há uma tutela fundamental de discrição que o
direito garante – a não interferência indevida dos outros sujeitos e do próprio Estado,
o que anui a autonomia a cada sujeito – permitindo uma convivência pacífica.
Então:
- Primeira dimensão da função integrante: garantia recíproca/tutela de discrição e de
participação (salvaguarda das subjetividades de cada um), correspondente ao sentido
negativo.
- Segunda dimensão da função integrante: sentido regulativo-constitutivo e função
de validade legitimante e crítica, correspondente ao sentido positivo.
Em suma:
A função integrante tem um caráter negativo, uma vez que o direito, ao tutelar
certos valores interesses fundamentais, proíbe (sanciona negativamente) a sua
transgressão; ao fornecer critérios para a repartição dos bens e ao resolver os
conflitos de interesses que possam irromper, impede a perturbação injustificada das
posições jurídicas em que cada um esteja validamente investido; e ao consagrar o
princípio da legalidade da incriminação, limita a legitimidade punitiva do poder.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
NOTA CRUCIAL:
O reconhecimento recíproco entre cidadãos entre si e entre cidadãos e o Estado é algo que vimos corresponder à linha
ascendente, com origem no Estado moderno (pensamento moderno-iluminista, com a institucionalização do Estado
demoliberal).
Surgem-nos,
Esta afirmaçãoentão,
é uma algumas questões
opção cultural quanto:
e histórica, pois consideramos uma perceção jurídico-política do ser humano e da sua
ÀS CONCEÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
manifestação em interação do que uma específica fundamentação material para o direito que é historicamente anterior à
afirmação/institucionalização
Visão humanista: hádosquem direitosentenda
humanos.que os direitos humanos são direitos
intrínsecos ao ser humano por ser humano.
Visão política/convencional: há quem entenda que os direitos humanos são o
resultado de estabelecimento intersubjetivo de um núcleo fundamental de
proteção.
Via da índole/natureza: “o que são direitos humanos?”
Visão universalista: há quem entenda que direitos humanos são universais e
intemporais
Visão regionalista: há quem entenda que direitos humanos são resultado de uma
afirmação e evolução cultural que tendeu para o reconhecimento recíproco de
uma específica qualidade e de titularidade de certos direitos e deveres pelos
seres humanos
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Atualmente:
Hoje fala-se ainda de 3a ou 4a geração de direitos humanos, que vai dizer respeito
ao património comum da humanidade, direito ao ambiente, à paz, e mais do que
isso, acrescentando ainda mais uma
geração (século 21), o direito ao silêncio, o direito ao esquecimento nas redes
sociais, a proteção de dados, a identidade genética. Todos estes passos são decisivos
na constituição daquilo que se diz, hoje, direitos humanos.
Para temos a ideia até onde a sequência nos traz, todas estes passos são decisivos
na constituição dos atuais direitos humanos.
Por exemplo, para além da DUDH de 1948, temos a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos de 1950, que provém do Conselho da Europa (que não é um
órgão da UE) e que institucionaliza o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (que
não é um tribunal da UE), onde estão 47 juízes de cada país europeu e de onde
provém as decisões sobre esta temática.
Ora, a existência de tantos documentos sobre direitos humanos implica reconhecer
que ser humano e ser titular de direitos humanos pode não significar o mesmo em
todo o planeta – e outras implicações também.
Esses direitos humanos (de origem natural, política, etc.) são direitos morais ou
direitos jurídicos?
Há autores que consideram que são direitos morais, outros consideram que são
direitos jurídicos e outros consideram que são direitos conjugáveis (não sendo
confundidos nunca).
Para a cultura anglo-saxónica, falar de moral rights não significa necessariamente
falar de moral substancial e referente a valores agregadores da sociedade, pois,
embora inicialmente seja a pressuposição objetiva de um sentido orientador dos
valores em que assenta a subjetividade, existem propostas sobre o que seja a
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Esclarecimento:
No início, direitos do homem e do cidadão como um sujeito liberal burguês, com uma origem
política (embora exista quem diga que a origem é anterior a isso e tem a ver com o modo de
constituição da intersubjetividade na nossa matriz cultural, o modo como se organiza a
autonomia e responsabilidade – desde o DR e o cruzamento da filosofia grega e revelação
cristã, admitindo a existência da dignidade).
É de notar que a ideia de dignidade, na antiguidade oriental, tinha diferentes sentidos (como
tem hoje).
Quando hoje se afirmam, simultaneamente, várias matrizes culturais, ao falarmos de
dignidade humana podemos estar a referir um significante cujos significados se dissipam.
Notas:
Considerar que o direito é o direito positivo, implica reconhecer a positividade do direito como vigência (ainda que hoje,
implique validade e eficácia).
Falar de positividade (qualidade daquilo que é positivo, i.e., positividade jurídica não implica a redução do direito ao direito
positivo) não é sinónimo de falar de positivismo (redução ao que é positivo -ismo reduz/leva ao limite, i.e., positivismo
jurídico é a redução do direito ao direito positivo, identificando-o com o direito positivado – pode ser sob a forma de lei).
Positivismo (jurídico = redução de todo o direito ao direito positivo) e legalismo (positivismo legalista = redução do direito
ao direito positivado sob a forma de lei), mesmo conjugáveis, não são sinónimos.
Legalismo (redução do direito à lei) pode não implicar positivismo – p.e., se direito tiver como única fonte admissível a lei,
será funcionalista (direito é meio para os objetivos externos) e não positivista.
Há experiências de positivismo do século XIX que não eram legalistas, p.e., o positivismo científico/dogmático alemão (a
fonte do direito crucial não era a lei, mas sim o costume) – diferente do francês.
Se do ponto de vista de compreensão da ciência do direito, há uma confluência entre o positivismo legalista francês e o
positivismo dogmático alemão, do ponto de vista das fontes, é diferente – mostra que a institucionalização política do
direito nas duas matrizes (francesa e alemã) foi radicalmente distinta.
Se o positivismo jurídico do século XIX reduzia todo o direito ao direito positivo, isso implicava excluir/abdicar/rejeitar a
referência da fundamentação da validade do direito positivo a qualquer outra entidade que não seja o direito positivo
(fechamento do direito) – esta não é a nossa herança histórica.
Como o nosso primeiro CC é de 1867, não vigorou entre nós o CC francês de 1807, mas inspirou o nosso.
O segundo CC (e último) é de 1966 e tem forte influência da sistematização alemã com origem na Escola Histórica do
direito.
SURGIMENTO DO POSITIVISMO JURÍDICO DO SÉCULO XIX
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pensar no direito positivo enquanto direito vigente ao longo dos séculos foi distinto.
Consideraremos duas linhas fundamentais quanto à redução do direito ao direito positivo
(positivismo jurídico):
- Problema da fundamentação do direito:
Resposta idealista
Desde o século VIII a. C. que identificamos como referente fundamental uma
resposta idealista (segundo, p.e., Reis Marques) do direito (fundamentado no
direito natural, como um ideal material e estrutural a atingir e a concretizar sob a
forma de direito positivo).
Essa resposta idealista implica que tenhamos o direito natural como fundamento
positivo e como limite (positivo e negativo) do direito positivo admissível.
Este pensamento durou até ao século XIX, fosse ele de índole cosmológica,
teológica ou antropológica.
Resposta positivista
Por outro lado, contraposta à resposta idealista, temos a resposta positivista, que
sendo mais recente, só vem a efetivar-se de modo institucional/decisivo/absoluto no
século XIX.
Diversos tipos de racionalidade, com diferentes horizontes de concretização prática
e diferentes frentes temporais:
Ora, se no arco pré-moderno (desde a antiguidade clássica grega até ao fim da
idade média) o direito é referido a uma racionalidade primeiro cosmológica e depois
teológica, a partir da idade moderna o referente racional passa a ser humano
(antropológico).
DIREITO PRÉ-MODERNO
Quando o referente do direito natural assume a existência do direito natural como
fundamento positivo, consideramos sempre o equilíbrio do cosmos como horizonte
referencial de validade.
A assimilação, no DR e ao longo da idade média, da referência teológica leva-nos a
assumir que o direito positivo (a dita lei humana) veja como ideal de referência
axiológico a manifestação da razão divina.
Determinação do sentido material que o direito deve seguir enquanto direito
positivo (lei humana):
Marco fundamental I de Santo Agostinho:
o Encontramos isto no século IV e V, quando este nos apresenta uma divisão
tripartida da lei que distingue lei humana, lei natural e lei eterna.
o Como a lei eterna é inacessível à inteligibilidade humana, a possibilidade
de compreender o que a lei eterna estabelece faz-se através da lei natural.
o A lei natural é vista como a transcrição na mente humana da lei eterna.
Marco fundamental II de São Tomás:
o Vemos aqui que, mais tarde no século XIII, por inspiração em Aristóteles, a
conjugação entre a matéria leva a afirmação de que a lei natural é a
participação da mente humana na lei eterna.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Isto não significa que a referência à transcendência tenha desaparecido, mas que,
numa assimilação do “Deus cartesiano”, passamos a identificar duas grandes
dimensões de configuração e fundamentação da ação humana: uma parte referida ao
horizonte transcendente e outra não.
De facto, a intersubjetividade social vai progressivamente sendo objeto de
justificação pela dimensão racional humana.
O antropocentrismo moderno traz-nos a acentuação progressiva do horizonte de
validade à racionalidade humana.
Não significa que o direito natural tenha desaparecido, mas que a referência à lei
eterna se vai esbatendo na problemática da fundamentação específica do direito (e
não nas outras dimensões da ação humana).
A redução progressiva da secularização ao secularismo vai levar ao
afastamento/rejeição da referenciação transcendente (algo não idêntico em todos os
autores).
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Do ponto de vista das fontes, é crucial a identificação do direito como texto (pensar
juridicamente é pensar nos textos e decidir juridicamente é aplicar o conteúdo desses
mesmos textos) e a sua análise – princípio da autoridade dos textos deixa-nos a nota
crucial de que o direito positivista pode ser identificado com textos do passado.
Do ponto de vista do pensamento, surgindo a ciência iuris num sentido prático,
com um pensamento prático e que é dialético (construído com base na
argumentação).
A idade moderna, com a acentuação da relevância da determinação epistémica, traz
que o paradigma da validade de pensamento vai centrar-se nas determinações de
verdade face à intencionalidade epistémica do que ao referente da sapiência.
Há uma confluência no sentido de que a racionalidade (que permite tornar
inteligíveis as observações e confere cientificidade ao pensamento) é a determinação
de verdade epistémica e não de discussão argumentativa-prática.
Se a construção medieval tinha como pressuposto dogmático a referência à
entidade de validade teológica, o pensamento moderno deixa esse referente e
encontra outros: referente fundamental da determinação epistémica de verdade, que
culmina nas propostas das compreensões positivistas da ciência.
Se, no século XIX, o pensamento jurídico quis ser ciência, teria de ter o mesmo
estatuto do pensamento das mesmas ciências e seguir esse paradigma –
racionalidade implica uma conjugação com a compreensão axiomático-dedutiva de
si mesma.
Lateralmente, a esta construção de uma nova racionalidade, verificamos que o
próprio ser humano se autocompreende de modos diversos: na idade moderna, há
um desligamento/desvinculação do ser humano face a uma ordem externa e
transcendente.
Sendo trazido pelo antropocentrismo moderno, implica-se uma progressiva
assimilação do individualismo (ser humano é compreendido e considerado como ser
des-ligado).
A construção do coletivo implica uma racionalidade humana – construção da
societas como resultado da vinculação de vontades livres no contrato social
moderno.
FATORES DETERMINANTES
O PENSAMENTO MODERNO-ILUMINISTA
Uma nova compreensão da prática
Os grandes autores do pensamento jurídico que estabeleceram as teorias de direito
natural, nos séculos XVII e XVIII, partem de pressupostos escolhidos dentre as
características humanas, observáveis e consideradas universais e intemporais para as
assumirem como axiomas a partir dos quais serão deduzidos os princípios de direito
natural – é assim, p.e., em Hugo Grócio com a sociabilidade, em Samuel Pufendorf
com uma certa fragilidade que conjuga a apetência para a sociabilidade com uma
certa fragilidade inspirada também na compreensão antropológica negativa de
Thomas Hobbes (não um egoísmo, mas sim uma fragilidade associada à
sociabilidade), em Kant com a insociável sociabilidade do Homem como um ponto
de partida.
Mas há uma distinção muito relevante entre estes: enquanto em Grócio, Pufendorf,
Volf e Thomasius o pressuposto vai constituir o axioma a partir do qual se deduzem
os princípios de direito natural (que vai ser encontrado numa característica
empiricamente observável), em Kant (e mais do que em Rosseau) a compreensão da
fundamentação do direito num direito natural, se assumida como uma referenciação
deontológica para o conteúdo do direito positivo, não pode ser empiricamente obtida
– ponto de partida deixa de ser empiricamente observável, sendo contingente nesse
sentido (será o conhecimento obtido antes e através da experiência, a priori).
Neste sentido, para Kant, o direito natural é uma forma a priori, o que lhe confere
vinculatividade. Mais ainda, a referência no direito natural implica a consideração de
um sistema racional de fundamentação autónomo do direito positivo.
Podemos distinguir dois grandes arcos, seguindo Castanheira Neves:
1. no âmbito da fase moderna até ao final do século XVII
Encontramos aqui um direito naturalmente racional – pressuposição de que o
direito é racional, com um ponto de partida obtido pela observação, assumindo uma
característica como universal e intemporal que será o axioma para a dedução de
princípios do direito natural.
Devemos referir também Thomas Hobbes, cuja compreensão axiológica negativa
fazia identificar um certo egoísmo como uma característica empiricamente
observável e suscetível de universalização por parte da racionalidade humana. De
facto, encontramos uma compreensão da ideia de Estado da natureza que implica,
pela natureza egoísta e pela própria fragilidade humana, o Estado de guerra de todos
contra todos.
Desta forma, Hobbes irá projetar no seu Leviatã a ideia de que a superação desse
Estado de anomia/desorganização tem como remédio a constituição de um Estado
forte e absoluto (monárquico ou ligárquico), o que implica que tenhamos a
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
FATOR CULTURAL
Divide-se em 3 planos
Plano da religião – secularismo:
Os valores do mundo já não eram só projeções da vontade divina; o
homem é responsável pelos valores, pela sua história;
Rutura com a transcendência;
O homem é responsável pela sua própria história;
O homem distancia-se de Deus;
Hipertrofia (absolutização) da secularização → secularismo.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
CONTEXTO IDEOLÓGICO
Duas ideologias pautaram o surgimento do positivismo;
o Liberalismo – afirma a liberdade “acima” da igualdade, sobrevaloriza as
garantias individuais, direitos naturais, direitos fundamentais (perspetiva de
Locke);
o Democracia – afirma a igualdade “acima” da liberdade, sobrevaloriza a
igualdade, vontade da maioria, participação de todos na formação da
vontade geral (perspetiva de Rosseau);
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Esta transição, na medida em que representa uma cisão com o direito natural, vai
acabar por conduzir ao positivismo.
FACTO POLÍTICO
A Revolução Francesa tornou este pensamento realidade, instituindo o estado de
legalidade formal.
Quando nos centramos no pensamento moderno-iluminista, vimos a codificação a
transformar o direito natural em direito positivo. Agora, acabamos de ver a
revolução como o mediador necessário da realização histórica deste pensamento,
levando-o à efetivação na prática política.
Ainda segundo Rosseau, estas duas traduzem a ideia de que a lei é um ato de todo o
povo para todo o povo sobre uma matéria comum, existindo uma conjugação do
ideário liberal com o ideário democrático.
Traduzem dois sentidos de universalidade racional da lei. Quais sentidos? A
generalidade quanto aos sujeitos, pois a lei é geral porque se aplica a todos. A
abstração quanto à matéria, pois a lei é universal quanto ao conteúdo, não versando
casos concretos (faz uma padronização da realidade para determinar um certo tipo
de situações a que se dirige).
Mas o que significa, para Kant, dizer que a lei moral é formal e que a lei jurídica é
formal?
São sentidos diferentes de formalidade.
Especificamente, enquanto a lei moral é autónoma (i.e., o sujeito é autónomo
quando a sua vontade é legisladora de si própria, sendo uma ação moralmente boa
aquela que se submete ao imperativo categórico – na moralidade kantiana não se
impõe um conteúdo, o “faz isto porque é bom”, mas considera-se que a ação é
moralmente boa quando é tomada por dever/cumprimento do imperativo categórico,
o “age de tal modo que a máxima da tua vontade possa ser considerada como um
princípio de legislação universal/age de tal modo que o critério que te orienta possa
ser um critério para todos, em todo o tempo e em todos os lugares”), o direito é
formal em sentido diverso pois basta-se com a conformidade externa dos
comportamentos às suas prescrições.
Por outras palavras, a vontade livre, aquela que é legisladora de si própria e que
implica o cumprimento do imperativo categórico, não é arbítrio (fazer o que se quer,
dado que consciência tem de aderir a esse imperativo categórico).
Então, o direito também não se comprometerá com o conteúdo dos arbítrios, mas
tratará da forma na relação entre os arbítrios, i.e., vai regular as esferas nas quais
cada um age conforme entender (a sua formalidade basta-se com o cumprimento
externo, mesmo que a consciência não adira à intenção).
O direito é coercível, a moralidade não o é.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
De facto, cabe à lei delimitar as esferas dos sujeitos sem se comprometer com a
intenção da atuação que assumem, desde que os limites não sejam tocados.
A lei iluminista, no sentido da sua formalidade, é uma delimitação externa quase
pela negativa (limite que estabelece o que não pode ser ultrapassado), onde o sujeito
agirá conforme o seu arbítrio que não é suscetível de ser compreendido como ação
moral.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Dualismo metodológico:
▪ Por um lado, temos uma técnica: interpretação da lei e aplicação e as decisão das
questões de quid iuris → tarefa do juiz, imediatamente prática;
▪ Por outro lado, temos a teoria da ciência do direito: o pensamento jurídico fornece,
para auxiliar, uma teoria da interpretação e aplicação das leis pré criadas pelo poder
legislativo.
Dualismo intencional:
▪ A intenção/tarefa prática do direito era deixada ao poder legislativo;
▪ A intenção teorética do discurso decisório era deixada aos juristas que deviam apenas Pág. 1
conhecer esse direito objetivado nas leis, interpretá-lo segundo a teoria da ciência do
direito e aplicá-lo depois lógico-objetivamente, de modo neutral.
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
COORDENADA POLÍTICO-INSTITUCIONAL
O positivismo jurídico identifica-se principalmente com o Estado demo-liberal.
Este Estado era uma efetivação do contratualismo individualista, baseando-se nos
valores da liberdade e da igualdade, exigindo que as normas que regulavam a vida
em sociedade fossem gerais, abstratas e formais, sem chegar a conter nenhum
conteúdo normativo específico. Por isso se diz que este era um Estado-de-direito
meramente formal. Este Estado guiava-se por três princípios.
1. princípio da separação de poderes
Este vinha sendo construído por vários autores, nomeadamente John Locke,
Montesquieu e Kant, em sentidos diferentes. Agora, irá projetar-se numa efetiva
atribuição de cada poder aos sujeitos que o titulam de modo constitucionalmente
consagrada e legislativamente estabelecido.
Esta separação de poderes, que permite distinguir o poder legislativo, executivo e
judicial, assume-se como, essencialmente, distinguido nestas três vertentes,
originariamente de forma a evitar ingerências recíprocas, i.e., no sentido de
estabelecer um sistema de pesos e contrapesos com uma divisão quase empírica dos
poderes, no sentido de que os poderes devem limitar-se reciprocamente (segundo
Montesquieu) quase que negativamente (no sentido de que uma delimitação que visa
evitar que os poderes extrapolem as suas fronteiras).
De facto, ao poder legislativo cabia criar direito em forma de lei; ao poder
executivo cabia a dimensão administrativa e a execução do que fosse determinado
pela lei; ao poder judicial cabia dizer a lei, isto é, aplicar em concreto aquilo que a
lei em geral e abstrato determinasse.
Para Montesquieu, existe uma ligação entre estratos sociais e distribuição dos
poderes: o poder legislativo, nas diferentes câmaras, representaria a aristocracia e o
povo (reside aqui uma ideia de democracia); o poder executivo representado pelo
monarca; o poder judicial, pelos diferentes tipos de jurisdição, não seria
verdadeiramente representativo, mas, de certo modo, nulo (por não ser um poder
constitutivo e sim declarativo, cuja relevância da sua atuação reside na sua
independência).
Depois, segundo a construção kantiana, a exigência racional da delimitação passa a
residir na assunção das competências, onde, pela positiva, teremos os três poderes
enquanto constituição do Estado, por excelência, que garante o poder criativo que
cabe ao legislador e a independência judicial.
2. o princípio da legalidade
Este determina que o direito é criado sob a forma de lei, o que nos traz as noções de
reserva de lei e de preferência de lei (i.e., em princípio o direito é preferencialmente
criado sob a forma de lei).
Há matérias sobre as quais só a lei pode criar direito – mantemos, em parte, essas
matérias na reserva de competência legislativa da AR (absoluta, no art. 164º da
CRP, e relativa, no art. 165º da CRP).
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
COORDENADA AXIOLÓGICA
A validade concedida ao direito não é, agora, substancial/material.
Segundo uma axiologia puramente formal, a validade do direito resulta da
universalidade racional das normas (uma norma é válida se for geral, abstrata,
formal, imutável e composta pela estrutura hipotético-condicional), que constitui o
direito (sob a forma de lei) e lhe garante validade.
Consolidando…
A formalidade da lei, segundo a distinção entre moralidade e direito de Kant, significa genericamente
a ausência de imposição de conteúdo e a mera delimitação de fronteiras onde os sujeitos poderão
agir conforme o seu arbítrio (opostamente à lei moral, onde existe uma exigência de adesão da
consciência ao imperativo categórico).
Esta formalidade é distinta da formalidade associada ao direito que trata da sua exterioridade: a
interioridade moral e a exterioridade do direito, que nos é imposto de fora e se basta com a
conformidade externa dos comportamentos às suas prescrições.
A lei jurídica é formal porque não faz relevar a intenção com que os sujeitos atuam; a lei moral é
autónoma porque é legisladora de si própria (o sujeito impõe à sua consciência o cumprimento da
norma moral), o direito é heterónomos porque não compromete a realização da ação livre e
moralmente boa mas apenas regular os arbítrios (e não o seu conteúdo), consoante o horizonte da lei
geral de liberdade.
A imutabilidade aparece-nos em dois planos: o plano ideológico-político e a garantia da certeza das
decisões jurídicas (lei ser imutável é um fator de segurança).
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
COORDENADA FUNCIONAL
Esta vai dirigir-se à função desempenhada pelo direito, por um lado, e pelo
pensamento jurídico, por outro.
Durante todo o período pré-positivista, dominou uma compreensão de que o direito
é uma ordem normativa prática e o pensamento jurídico é um pensamento
intencionalmente prático.
Já na viragem do pensamento moderno-iluminista para o positivismo, com a
assimilação das exigências racionais das disciplinas empírico-analíticas, o
pensamento jurídico, querendo ter o estatuto de ciência, teve de assumir-se como
ciência na relação entre um sujeito e um objeto (em que o sujeito é cognoscente o
objeto é o objeto conhecido).
Esta cisão gera um dualismo normativo-intencional e metodológico.
O dualismo normativo traduz-se na afirmação de que o direito é criado e
pressuposto como dado/objeto cognoscível, enquanto que o pensamento jurídico é o
conhecimento desse direito.
Por outras palavras, traduz-se em continuar a reconhecer que o direito é uma ordem
normativa prática (constituída legitimamente pelo poder legislativo e pressuposta)
criada e dada ao pensamento jurídico, que surge como um pensamento teorético-
cognitivo e lógico-apofântico a quem cabe o conhecimento desse objeto dado e a
construção de enunciados de universalidade explicativa (teorias) sobre esse mesmo
objeto. Com isto, o direito é criado pelo poder politicamente legitimado para tal e a
ciência do direito assume-o como um pressuposto.
Temos com isso, consequentemente, um dualismo intencional, porque a função que
o pensamento jurídico assume é, agora, a de estabelecer o conjunto de afirmações
sobre a regularidade de fenómeno direito (enquanto objeto dado cognoscível) e, por
isso, se o direito é intencionalmente prático o pensamento jurídico é
intencionalmente teorético.
Este dualismo normativo-intencional projetar-se-á no dualismo metódico: o direito
é, no sistema jurídico, constituído, assumindo-se como uma entidade racionalmente
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Conclusão:
Temos de considerar a relação entre o direito e o poder, no sentido de que o direito
é criado por um poder legitimamente estabelecido para tal e, uma vez criado, é, para
o pensamento jurídico, pressuposto.
O direito é um ordenamento normativo prático e o pensamento jurídico é um
pensamento teorético que visa ser ciência e, por isso, tem de cumprir as exigências
das ciências empírico-explicativas na conceção positivista do século XIX.
Significa que o direito é criado pelo legislador e vai ser tratado pela ciência do
direito como um objeto cognoscível.
Se a intenção do direito é prática (porque regula a vida social), a intenção do
pensamento jurídico é teorética (porque é a construção de uma ciência do direito).
• Dualismo normativo: o direito é criado pelo poder legislativo e não pelo
pensamento jurídico ou pelo poder judicial;
• Dualismo intencional: o direito é intencionalmente prático e o pensamento jurídico
é intencionalmente teorético;
• Dualismo metódico: transitamos para a próxima coordenada;
COORDENADA EPISTEMOLÓGICO-METODOLÓGICA
De facto, o método jurídico positivista que encontramos na confluência das
propostas de duas escolas, implicava alguns momentos fundamentais numa
construção hermenêutica, primeiro, e científica, depois, bem como um momento
técnico de aplicação.
Nos dois primeiros momentos (relacionados entre si), estamos no âmbito da
intenção teorética do pensamento jurídico – a ele cabe pensar e interpretar (momento
hermenêutico) o direito pré-dado e, subsequentemente, a construção teorética e
conceitual sobre o objeto (momento científico), onde já teremos o direito objetivo
enquanto direito cientificamente tratado em princípios gerais de direito e em
conceitos.
Já no terceiro momento, encontramos a aplicação do direito pré-constituído e já
hermenêutico-cientificamente tratado.
Neste sentido, existe uma cisão lógica e cronológica entre o momento da
interpretação/construção conceitual e o momento da aplicação.
A aplicação é tida como cientificamente aproblemática porque todas as questões
referentes à elaboração científica e sentido do direito já estão tratadas.
Isto não significa que a norma não seja interpretada e que o juiz ou outro operador
jurídico) não interpretasse a norma, mas sim que a interpretação era feita num
momento anterior ao momento da aplicação.
Que aplicação?
A aplicação lógico-dedutiva das normas no positivismo do século XIX, seja ele
legalista ou científico-dogmático.
Isto é, a aplicação é considerada como uma operação de lógica formal que é feita
através da convocação de um silogismo jurídico, onde teremos uma premissa maior,
uma premissa menor e a conclusão.
- A premissa maior é a norma jurídica.
- A premissa menor é a subfunção do facto à hipótese da norma (só faz sentido
falar de uma relação entre facto e norma se o facto for uma espécie em concreto do
género que a norma descreve em abstrato).
Temos, então, uma relação entre factos e normas que é ajuizada.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Logo, temos toda uma recompreensão do sentido da prática que verificamos: se até
aqui tínhamos uma cisão entre o logos teorético com efetiva racionalidade e verdade,
de um lado, e o logos prático, do outro, agora temos uma recuperação da
racionalidade prática que convoca uma fundamentação material para a conferência
de sentido numa relação de fundamento-consequência para as suas prescrições e
decorrentes ações.
Assim, há dois paradigmas que agora convivem, bem como correntes que
avançarão no sentido da técnica/saber fazer dadas pela epistemologia.
Toda esta construção encaminha-se para as considerações de que:
- além dos problemas do conhecimento/determinação epistemológica, há problemas
de compreensão que, por serem do ser humano, não se reduzem apenas à primeira
dimensão
- o ser humano não é definível em geral e abstrato, mas sim um ser que particular e
concretamente assume características muito específicas (sendo a dimensão material
crucial)
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
O COMPROMISSO SOCIAL
(O Estado social ou o Estado providência e a sua crise atual)
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Por outras palavras, veremos que além da dimensão da legalidade, a dimensão dos
fundamentos materiais (reconhecidos sob a forma de princípios normativos).
Direito penal: a acentuação progressiva do direito penal do facto (e não da
personalidade), de que a pena só pode corresponder à prática de um facto típico,
ilícito e punível com base na perceção ética de pessoa, incluindo o arguido.
Direito privado civil (onde nos concentraremos):
Aqui, iremos analisar a relação direta que, no nosso direito positivo se verifica,
entre a construção individualista do CC de 1867 e as propostas de superação
materializante do CC de 1966.
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
2) Momento da celebração
3) Momento da execução/cumprimento
Os sujeitos estão vinculados ao cumprimento do contrato, mas existem exceções.
P.e., supondo que em virtude de alguma situação imprevista que implicasse que
uma das partes se visse na contingência de cumprir a sua obrigação. Quid iuris?
Pág. 1
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Introdução ao Direito
Para uma compreensão positivista, o pacta sunt servanda implicaria que os sujeitos
ficassem absolutamente vinculados à vinculação livre.
Na superação do positivismo, é proposta a cláusula rebus sic stantibus que permite
a alteração superveniente das circunstâncias das coisas – no art. 437º/1 do CC.
AS CLÁUSULAS GERAIS
Os conceitos indeterminados são conceitos cujo conteúdo e extensão são incertos e
indeterminados – pensamos em circunstâncias de facto, que só em concreto são
possíveis de determinar, como p.e., as circunstâncias do caso, o feito
social/económico do direito, a afetação grave, os riscos próprios do contrato, etc.
As cláusulas gerais são conceitos normativos extralegais para que a lei nos remete,
que serão fundamentais para uma realização normativamente adequada do caso
concreto.
Seguindo a noção de Reis Marques, temos de verificar que as cláusulas gerais são
remissões que as leis fazem para juízos extralegais, para a dimensão trans-legal e
para a fundamentação material.
Por exemplo, a referência ao princípio da boa-fé.
Desta forma, temos aqui vários mecanismos que nos mostram que, por um lado, o
só formalismo da terminação legal é redutor para a realização do direito, por outro
lado, que o juízo decisório não pode ser lógico-dedutivo porque, se o for, realizará
logicamente o direito, mas não a justiça material (jurídica) para o caso concreto.
Pág. 1