6914-Texto Do Artigo-30179-29307-10-20221004
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Eric Hobsbawm (1917-2012) era formado em História pela Universidade de Cambridge, sendo
que também fez seus estudos em Viena, Berlim e Londres. Foi “fellow” da British Academy e da
American Academy of Arts and Sciences e professor visitante em diversas universidades da Europa
e da América, lecionando até aposentar-se no Birbeck College (da Universidade de Londres). Desde
então foi professor na New School for Social Research, em Nova Iorque. Escreveu, entre outros, “A
Era das Revoluções”, “A Era do Capital”, “A Era dos Impérios”, “Da Revolução Industrial Inglesa ao
Imperialismo”, “Ecos da Marselhesa” e “Mundos do Trabalho”.
Um dos mais renomados historiadores do século XX, Hobsbawm foi um intelectual público,
cujas obras e opiniões eram conhecidas de grande parte do mundo anglófono, mas também com
relevante aceitação no Brasil e América Latina. Seu marxismo (era membro da denominada Escola
Britânica do Marxismo 2, bem como do Partido Comunista da Grã-Bretanha, que jamais abandonou)
lhe incutiu a problemática do movimento estrutural da sociedade, favorecendo a elaboração de
sínteses históricas que o tornariam famoso (MASSERONI, 2021, p. 374).
1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Programa de Pós-
Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas. E-mail: [email protected].
2 Também chamada de Escola Inglesa, reuniu, na segunda metade do século XX, historiadores de orientação relacionada
ao materialismo histórico, como Hobsbawm, Edward Thompson (1924-1993) e Christopher Hill (1912-2003).
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Como citar este artigo/How to cite this article
Cavallaro Filho, H. D. Era dos extremos: o breve século xx: 1914-1991, de Eric Hobsbawm. Revista de Direitos Humanos
e Desenvolvimento Social, v. 3, e226419, 2022. https://doi.org/10.24220/2675-9160v3e2022a6914
Recebido em 17 de agosto de 2022 e aprovado em 23 de agosto de 2022.
Não obstante, em Era dos Extremos, Hobsbawm não se limita a uma análise meramente
economicista, apresentando seu testemunho e visão particular sobre o século XX, em uma posição
que ele próprio denomina de “observador-participante” (HOBSBAWM, 2006, p. 6).
O autor busca, nesta obra, “[...] compreender e explicar por que as coisas deram no que deram
e como elas se relacionam entre si” (HOBSBAWM, 2006, p. 12), descrevendo o século XX, no período
que se estende do início da Primeira Guerra Mundial até a dissolução da União Soviética, como sendo
verdadeiramente terrível e fugaz, marcado por guerras, bem como pelo nascimento e
desaparecimento de utopias, genuína “era das ilusões perdidas” (LEITE, 2020).
Outrossim, defende a ideia de “continuum” temporal, isto é, que passado, presente e futuro
estão relacionados, interagindo reciprocamente (LÔBO, 2003, p. 71), figurando os acontecimentos
públicos como formadores de nossas vidas públicas e privadas, razão pela qual o passado é parte de
nosso presente permanente (HOBSBAWM, 2006, p. 12).
Assim, dessume-se a relevância da obra na medida em que fornece um olhar panorâmico da
estrada que nos trouxe até aqui, com diversos problemas atuais tendo origem nos escombros do século
passado, a demandarem devida reflexão do período. Ademais, o livro aborda as grandes questões que
ocuparam os talentos intelectuais ao longo do século, transitando da economia e política às artes e
ciências, sendo aclamado por estabelecer o padrão para as contas do século XX, mostrando-se,
portanto, como um importante referencial de estudo e análise deste momento histórico
(FREEDMAN, 1997).
Considerando-se, ainda, que todo o sofrimento, atrocidades e massacres ocorridos no século
passado vieram, nas palavras de Fabio Konder Comparato (2015, p. 68-69 e 226), a aprofundar a
afirmação histórica dos direitos humanos, abrindo-se as consciências para o fato de que a
sobrevivência da humanidade exige a colaboração de todos os povos, visando a reorganização das
relações internacionais com fundamento no respeito incondicional à dignidade humana, de grande
valia é o estudo de Hobsbawm acerca dos caminhos trilhados no século XX, para que possamos
compreender como eles moldaram o que mesmo se entende, atualmente, por “direitos humanos” 3.
3 A propósito, Flávia Piovesan afirma que: “Considerando a historicidade dos direitos, destaca-se a chamada concepção
contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela
Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Essa concepção é fruto da internacionalização dos direitos
humanos, que constitui um movimento recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, como resposta às
atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. [...] É nesse cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução
Em 598 páginas, a obra divide a história do século XX em três “eras”. A primeira, “da
Catástrofe”, é marcada pelas duas grandes guerras, pelas ondas de revolução global em que o sistema
político e econômico da União Soviética surgia como alternativa para o capitalismo e pela gravidade
da crise econômica de 1929. A segunda são os anos dourados das décadas de 1950 e 1960 que, em
plena Guerra Fria, viram a viabilização e a estabilização do capitalismo, responsável por uma
extraordinária expansão econômica e profundas transformações sociais. Por fim, na terceira (entre
1970 e 1991) ocorre o “desmoronamento” final, em que caem os sistemas institucionais que previnem
o barbarismo contemporâneo, dando lugar a um futuro muito mais sombrio e incerto.
Na primeira parte, denominada “A Era da Catástrofe” e que compreende os capítulos 1 a 7, o
autor inicia sua exposição, no 1º capítulo, tratando do contexto, do desenrolar e das consequências
das duas guerras mundiais, desde 1914 (início da 1ª Guerra Mundial) até 1945 (final da 2ª Guerra
Mundial), e termina sua exposição discorrendo sobre um dos frutos da “era da guerra total”: a
chamada “revolução mundial”.
Em seguida, no 2º capítulo, assevera que as tensões das duas guerras mundiais do século XX
sobre os Estados e povos nelas envolvidos foram tão impactantes que quase os levaram até o “ponto
de ruptura”; consequentemente, o fim das guerras significou levantes.
Segundo Hobsbawm, o velho mundo estava condenado, a humanidade estava à espera de uma
alternativa, que era conhecida em 1914: o socialismo (representado pelos partidos socialistas, que
recebiam o apoio das classes trabalhadoras). A Revolução Russa, que teve repercussões profundas e
globais, foi a “força motriz” e inspiração de vários dos movimentos revolucionários subsequentes que
varreram o globo, sendo que a força do movimento pela revolução mundial estava na forma
comunista/leninista de organização (representada pela dedicação e autossacrifício de seus membros).
Tal onda revolucionária foi caracterizada tanto por golpes militares executados, principalmente, por
oficiais subalternos de simpatias radicais e/ou esquerdistas, quanto por movimentos rurais de
guerrilha.
Já no 3º capítulo, Hobsbawm trata do colapso econômico entre as guerras (a conhecida
“Grande Depressão”) e de suas consequências e/ou frutos: Hitler, Roosevelt, a estagnação/regressão
do processo de globalização da economia, a queda de diversos governos na América Latina, entre
dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea”
(PIOVESAN, 2019, p. 64).
outros. Além disso, o autor suscita um importante aspecto desse período: a queda do velho
liberalismo, que representou a destruição de toda esperança de restaurar a economia e a sociedade
do século XIX, isto é, o retorno a 1913 tornou-se impossível e impensável.
No 4º capítulo, Hobsbawm passa a desenvolver melhor tal ideia, tratando do colapso dos
valores e instituições da “civilização liberal”, quais sejam: desconfiança da ditadura e dos governos
absolutos; um conjunto aceito de direitos e liberdades dos cidadãos; a valorização da razão, da
educação, da ciência; dentre outros. As duas décadas entre a ascensão de Mussolini e o ápice do
sucesso do Eixo na 2ª Guerra Mundial presenciaram uma retirada acelerada e catastrófica das
instituições políticas liberais, com rápido declínio do número de governos constitucionais e eleitos
(de 35 em 1920 para 12 em 1944, de um total global de 65).
Continuando sua exposição, o autor trata, no 5º capítulo, dos movimentos e coalizões
europeus que visavam combater o “inimigo comum”: o fascismo, representado, principalmente, pelo
nacional-socialismo da Alemanha de Hitler. Como exemplos de tais movimentos o autor cita tanto
as “Resistências” (a francesa, por exemplo) quanto a improvável aliança antifascista entre EUA e
URSS, que nunca deixaram de ser um jogo político entre Estados e grupos ideológicos pautado por
interesses e pela situação geral.
No 6º capítulo, Hobsbawm trata da ampla “revolução cultural” que ocorreu no mundo
ocidental entre 1914 e 1945, notadamente na Europa, centro “exportador” das novas ideias para
outros locais do globo, que, por sua vez, representou o rompimento com a tradição liberal-burguesa
do século XIX nas artes. Como exemplo de tais mudanças, o autor menciona o surrealismo, o
dadaísmo, o cinema, principalmente as produções advindas da Alemanha de Weimar e da Rússia
soviética, e até o jazz; todos configuraram-se como movimentos de vanguarda. O autor também
menciona a popularização e massificação dos veículos de comunicação (o rádio, por exemplo) e,
consequentemente, das artes, que passaram a ser produzidas por e para o homem comum.
Encerrando a primeira parte, o 7º capítulo discorre sobre a crise do colonialismo, que teve
início na primeira metade do século XX, ganhando força nos anos 30, e se estendeu até os anos 1970,
quando a “era colonial” efetivamente acabou. A “Grande Depressão” foi a principal força catalisadora
de tal movimento, pois, pela primeira vez, os interesses de economias dependentes e metropolitanas
entraram claramente em choque, sendo que colonialismo e dependência deixaram de ser rentáveis
até para os que se beneficiavam com eles nas colônias; além disso, ela levou à radicalização,
propiciando o contato entre as minorias politizadas e as pessoas comuns de seus países. A 1ª Guerra
Mundial também abalou seriamente a estrutura do colonialismo mundial, destruindo dois impérios
– alemão e otomano –, e derrubando temporariamente um terceiro, a Rússia.
Iniciando agora a segunda parte de sua obra, denominada “A Era de Ouro” e que abarca os
capítulos 8 a 13, o autor, no 8º capítulo, tece considerações acerca do período de constante confronto
das duas superpotências que emergiram da 2ª Guerra Mundial: a chamada “Guerra Fria”. Segundo
Hobsbawm, não havia perigo iminente de guerra mundial, os governos de EUA e URSS aceitaram
uma distribuição global de forças, controlando os soviéticos as zonas ocupadas pelo Exército
Vermelho ou outras forças comunistas no término da guerra e os americanos exercendo controle e
predominância sobre o resto do mundo capitalista, havendo equilíbrio de poder desigual, mas não
contestado em sua essência.
Tal período, segundo o autor, é subdividido em duas fases: a que vai do fim da 2ª Guerra
Mundial até o começo da década de 1970, marcada inicialmente pelos perigosos anos de 1947 a 1950-
3 (Guerra da Coréia) e posteriormente por uma relativa estabilização entre as relações das duas
superpotências. Já a segunda fase vai dos anos 1970 até os anos próximos à dissolução da URSS
(décadas de 1980-1990), que teve como principais aspectos uma séria crise econômica mundial, que
afetou fortemente os países capitalistas ocidentais, e a acelerada decadência social, econômica e
política dos soviéticos, até o derradeiro fim de seu Estado. Os conflitos ocorridos neste período entre
os campos socialista e capitalista restringiram-se a certos países/territórios, muitas vezes de forma
indireta, por meio de ajuda financeira e militar, e ao aspecto puramente ideológico.
No 9º capítulo, o autor trata dos “anos dourados” (1947-1973), marcados pela grande
recuperação e prosperidade econômica nos países da Europa ocidental, pelo predomínio das ideias
keynesianas na condução da economia, pela construção do “Estado de bem-estar social” (welfare
state) em vários países europeus, pela construção de uma nova ordem econômico-financeira
internacional liderada pelos EUA (definida em Bretton Woods), pelo avanço na internacionalização
da economia, pelo surgimento de diversas tecnologias novas (“terremoto tecnológico”), entre outros.
Referido período representou uma total reestruturação e fortalecimento do sistema capitalista, que
apresentava péssimas perspectivas para os anos do pós-guerra, posto que todos temiam uma nova
“Grande Depressão”.
exemplo, em seus “estados-satélite” da Europa oriental. Esse grupo de países permaneceu por um
bom tempo isolado econômica e politicamente do restante do mundo, especialmente durante a
Guerra Fria, tal como aconteceu com a Rússia logo após a Revolução de Outubro — paulatinamente,
a ideia de expandir a “revolução” para todo o mundo arrefeceu, prevalecendo o argumento do
“socialismo em um só país” — sendo este isolamento era compensado por uma gigantesca política de
autossuficiência. Em determinadas áreas, como educação e desenvolvimento industrial, os países
socialistas conseguiram enormes avanços, porém, existiam muitos problemas inerentes à própria
dinâmica do sistema, como a inflexibilidade da economia, não planejada para diversificar e/ou inovar,
e a excessiva burocratização estatal, que acabaram contribuindo para sua própria estagnação e
dissolução. Apesar de constituir um bloco relativamente coeso, Hobsbawm assevera que a influência
da URSS sobre os outros países socialistas nunca foi total e irrestrita, começando a se fragmentar este
“monólito” a partir dos últimos anos de vida de Stalin, sendo maiores exemplos a Iugoslávia de Tito
e a China de Mao. Assim, o sistema conseguiu se manter estável até os anos 1980, quando começa a
desfazer-se rapidamente.
O 14º capítulo, a partir do qual inicia-se a última parte da obra, denominada “O
Desmoronamento” e que se estende até o capítulo 19, trata das “décadas de crise”, caracterizadas pela
instabilidade e pela perda das referências. Mais especificamente, esse período é marcado pelas crises
do petróleo (em 1973 e 1979), que minaram o contínuo crescimento das países capitalistas
desenvolvidos; pela abertura dos mercados financeiros, com menor regulamentação; pelo contínuo
descrédito das teorias keynesianas de condução da economia e consequente aumento do prestígio
das teorias neoliberais; pelo desmonte do “Estado de bem-estar social” construído nos anos
anteriores, ressurgindo o “Estado mínimo”; pelo aumento da pobreza e do desemprego nos países
retromencionados; e pelo colapso do bloco socialista. Nesse momento, o capitalismo viu-se em uma
crise tão séria e global quanto a “Grande Depressão” dos anos 1930, não representando sua “vitória”
sobre o sistema socialista sinal de pujança e estabilidade, mas o exato oposto rondando-o durante tais
anos.
Prosseguindo em sua explanação, Hobsbawm, no 15º capítulo, discorre sobre o potencial
revolucionário do Terceiro Mundo, representado, geralmente, pelas guerrilhas rurais, como aquela
liderada em 1958 por Fidel Castro e Che Guevara em Cuba; pelas guerrilhas urbanas, movimentos
estes classificados como “terroristas” (ETA basco, “Brigadas Vermelhas” italianas); e pela força social
dos estudantes. Entretanto, tais movimentos não seguiam a tradição de revolução social no estilo da
Revolução Russa (que se exauriu), surgindo diferentes modelos de revolução durante a segunda
metade do século XX: de cunho militar, religioso, anti-imperialista. A única semelhança que
guardavam entre si foi proporcionarem a revivescência das massas.
No 16º capítulo, o autor discursa sobre o fim do “socialismo real” nos países do bloco soviético,
inclusive na própria URSS. Neste país, problemas sistêmicos insolúveis combinados com aqueles
advindos de uma economia mundial mutante e problemática levaram no final dos anos 1980 ao
colapso do sistema e ao fim do próprio Estado, apesar de Mikhail Gorbachev, secretário-geral do
Partido Comunista soviético entre 1985-91, e dos reformadores de seu governo buscarem tornar a
economia e a política mais racionais e flexíveis, o que foi representado pelos slogans: “perestroika”,
ou reestruturação, e “glasnost”, ou liberdade de informação. Na Polônia dos anos 1980, um
movimento trabalhista politicamente organizado (o Solidariedade) e a Igreja Católica, que
apresentavam grande apoio popular, aceleraram a dissolução do regime comunista instalado desde o
fim da 2ª Guerra Mundial, não contando este com o apoio soviético, pois a URSS não estava mais
disposta a intervir em seus “estados-satélite”. Na China, o “socialismo realmente existente” de Mao
Tsé-Tung foi sendo paulatinamente reformado e modificado a partir do governo de Deng Xiaoping,
abandonando-se a ideia original de uma economia centralmente controlada e estatalmente planejada,
baseada num Estado coletivizado. Em suma, Hobsbawm aponta que o problema da Revolução Russa,
bem como dos governos/sistemas de outros países que foram inspirados nela, foi a de que ela só pode
produzir seu tipo de socialismo de comando brutal e inflexível, o que dificultava qualquer tipo de
flexibilização e/ou reestruturação na essência desse, medidas necessárias para sua própria
permanência, após certo tempo.
Em continuidade, o 17º capítulo trata das artes após 1950, que sofreram uma grande revolução
por meio da tecnologia: tornaram-se onipresentes (uma música, por exemplo, pode ser ouvida em
qualquer lugar utilizando-se fones de ouvido) e tiveram a maneira como são percebidas totalmente
modificada. Com relação às “grandes artes”, como o cinema, literatura, arquitetura, houve uma
acentuada mudança geográfica para longe dos centros tradicionais (europeus) de cultura de elite,
florescendo em países como Japão, Brasil e Índia. Por sua vez, os países comunistas foram marcados,
em grande parte, pela opressão ideológica do partido no campo cultural, o que comprometeu a livre
produção artística, ainda que não totalmente, pois certa criatividade floresceu sob os regimes
comunistas da Europa Oriental em áreas como a cinematografia. Hobsbawm ainda trata da integração
e inserção das artes na vida acadêmica, do declínio da alta cultura clássica, devido a fatores como o
triunfo universal da sociedade de consumo de massa e a morte do “modernismo”, assim como do
surgimento de diversos movimentos denominados “pós-modernistas” nas artes, nas ciências sociais e
na antropologia.
No 18º capítulo, o autor faz considerações acerca do papel das ciências naturais na segunda
metade do século XX, sendo que essas se tornaram essenciais para vários aspectos da vida comum,
como a biotecnologia na área de alimentação, porém, paradoxalmente, esse foi o período em que as
próprias pessoas comuns, beneficiárias de tais avanços, sentiram-se menos à vontade com as
descobertas destas áreas do conhecimento. Outros pontos levantados por Hobsbawm são a
desnecessidade de os operadores destas novas tecnologias entenderem o mecanismo de seu
funcionamento, não sendo necessário mais do que o reconhecimento dos números cardinais e um
mínimo de atenção;, o fim das “velhas certezas” que conduziam a observação e a produção teórica
científica, como o abalo sofrido pelo paradigma newtoniano na física com o surgimento da mecânica
quântica e da “teoria da incerteza” de Heisenberg; a politização dos cientistas, que cada vez mais se
envolviam em questões ideológico-partidárias; e a maior preocupação da comunidade científica com
as mudanças que as inovações tecnológicas poderiam produzir no planeta, o que envolve questões
como o “buraco” na camada de ozônio e o “efeito estufa”.
Por fim e encerrando a terceira e última parte de seu livro, Hobsbawm discute no 19º capítulo
sobre a conjuntura política, social e econômica dos últimos anos do século XX e sobre as perspectivas
nada promissoras do futuro que nos aguarda. Segundo o autor, o século acabou numa desordem
mundial, cuja essência não era clara, e sem um mecanismo que pudesse acabar com ela ou mantê-la
sob controle, o que é representado, por exemplo, pelo fracasso de todos os programas destinados a
melhorar os problemas da raça humana (modelo soviético, modelo religioso, modelo do “laissez-
faire”), bem como pela falta de um sistema ou estrutura organizacional internacional, precipuamente
no que diz respeito a questões diplomáticas.
Outros problemas apontados, e que segundo Hobsbawm serão decisivos a longo prazo, são o
demográfico, que também envolve a questão da imigração ilegal para os países desenvolvidos, o
ecológico (crise ecológica global), o econômico, que abarca questões como o aumento do “fosso” entre
países ricos e pobres, e o político, no que diz respeito ao enfraquecimento da entidade “Estado-
nação”.
Concluindo seu pensamento, o autor afirma que não sabemos para onde estamos indo, porém,
assevera que não devemos prolongar no futuro os problemas e equívocos do passado se desejarmos
construir um terceiro milênio de sucesso.
Em suma, a obra traz uma visão geral do impacto que o “breve século XX” causou na vida e
na história de toda humanidade: ao mesmo tempo em que se chegou a níveis de bem-estar nunca
antes imaginados, nele mataram-se mais seres humanos do que em qualquer outra época. É uma
leitura indispensável para quem deseja compreender, de forma ampla e contextualizada, porque a
história nos trouxe até este ponto e porque tantos sonhos e ilusões foram idealizados e desfeitos com
a mesma rapidez que caracterizou o decorrer dos dias deste século paradoxal e extremo, com
consequências diretas na concepção e aplicação jurisdicional dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
FREEDMAN, L. Review of The Age of Extremes: the short twentieth Century, 1914-1991. Reviews in
History, 1997. Disponível em: https://reviews.history.ac.uk/review/28. Acesso em: 18 set. 2022.
HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
LEITE, G. A era dos extremos. Jornal Jurid, 29 maio 2020. Disponível em:
https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-era-dos-extremos. Acesso em: 18 set. 2022.
LÔBO, I. G. O tempo presente na obra de Eric Hobsbawm. 2003. 172 f. Dissertação (Mestrado em História)
— Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003. Disponível em:
https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/7798. Acesso em: 18 set. 2022.
MASSERONI, V. O. Hobsbawm: uma vida na história e a história de uma vida. Revista Brasileira de História
& Ciências Sociais – RBHCS, v. 13, n. 26, p. 366-375, 2021.
PIOVESAN, F. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais
europeu, interamericano e africano. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.