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VERTENTES

HISTORIOGRÁFICAS DO
SÉCULO XX
AULA 4

Prof. Alexandre Olsemann


CONVERSA INICIAL

Olá, caros alunos e alunas. Nesta aula, veremos como surgiu a nova
esquerda inglesa do século XX. Esse movimento passou a assumir as ideias
de Karl Marx do século XIX, a partir de estudos historiográficos marxistas, que
se consolidaram no meio acadêmico da Inglaterra de meados do século XX.
Depois, é fundamental trabalharmos com os principais historiadores e
acontecimentos que permearam esse cenário, como Eduard Thompson e Eric
Hobsbawm.
Também vamos analisar o crescimento do Partido Comunista Inglês,
sendo essencial considerar nomes como Monton, Maurice Dobb e Dona Torr.
São temas pertinentes ao surgimento da Nova História Inglesa, bem como da
Nova Esquerda Inglesa.
Por fim, trataremos de uma tendência historiográfica que ficou conhecida
como micro-história, ou seja, história com um olhar direcionado, com um
contexto bem definido, com um recorte temático delimitado, que pode ser uma
região, um grupo de pessoas ou mesmo um único indivíduo.

TEMA 1 – MARXISMO INGLÊS DO SÉCULO XX

Iniciamos nosso encontro tratando da recepção do marxismo –


principalmente do núcleo deixado por Engels e Marx ao final do século XIX –
pelos historiadores do século XX. Sabemos que houve algumas poucas
análises historiográficas do marxismo nas décadas iniciais do século, por parte
dos pesquisadores do Ocidente Europeu. A consistência de leituras e estudos
do pensamento marxista é algo conquistado nas ciências sociais, com
consolidação por volta dos anos de 1950.
Nesse período na Inglaterra, rapidamente proliferou-se um grupo de
estudiosos voltados a esse tema, principalmente em razão do vínculo que
passavam a ter com o Partido Comunista. Foram desenvolvidas profícuas
discussões na área, abrindo caminho para outros campos de pesquisas e para
pesquisas derivadas. Um dos nomes que têm muito destaque entre esses
historiadores é Eric John Earnest Hobsbawm.
Hobsbawm nasceu no dia 9 de junho de 1917, no Egito, que na época
era Colônia britânica. Por ter nacionalidade britânica, passou a viver na cidade
de Londres, para onde foi para estudar, também para fugir das investidas

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nazistas. Motivado pela bolsa que ganhou na Universidade de Cambridge, logo
se formou e se tornou um historiador notável. Ele integrou o Grupo de
Historiadores do Partido Comunista. Foi nesse momento que as classes
populares passaram a fazer parte dos estudos historiográficos, o que ficou
conhecido como História Social.
Hobsbawm, assim como toda a formação de historiadores de seu tempo,
teve influência das Grandes Guerras no modo de olhar e analisar a história.
Uma das obras mais famosas de Hobsbawm é A era dos extremos
(1994), na qual desenvolve uma visão aprofundada do século XX,
principalmente entre o início da Primeira Guerra Mundial até a dissolução da
União Soviética, em 1991. Eric Hobsbawm disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Eric_Hobsbawm#/media/Ficheiro:Eric_Hobsbawm.
jpg>. Acesso em: 9 set. 2021.
Na historiografia inglesa, a definição de novos objetos (com novos
personagens, problemas e elementos de pesquisa) revela, assim como
observado em outras vertentes de pesquisadores (a exemplo da Escola de
Annales na França), que o escopo de historiadores e antropólogos passou a se
transmutar, principalmente em relação ao que vinha ocorrendo no pós-guerra.
Além disso, outros nomes passaram a incorporar o cenário das
produções historiográficas na Inglaterra de meados do século XX, tais como:

• Edward Thompson;
• Maurice Dobb;
• Dona Torr;
• Monton;
• Christopher Hill.

A cisão entre socialismo e capitalismo durante a Guerra Fria refletiu em


várias áreas de saber, obviamente também na historiografia que veio a seguir,
dividindo os estudos realizados na Inglaterra, com vários autores que se
mantiveram no Partido Comunista e outros que se distanciaram do socialismo.
Os principais veículos publicados pelos historiadores ingleses foram Our
History e Past and Present. Como mencionamos, apesar do laço marxista, a
historiografia do período passou a fazer recortes variados, como história antiga,
medieval, moderna, além de fazer história sobre o próprio.

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Assim, podemos notar nesse grupo de historiadores, por ora vinculado
ao Partido Comunista, uma fusão entre a reflexão marxista e o trabalho
historiográfico. Depreende-se desses estudos, ainda, o que passou a ser
chamado de História Social, que conferiu visibilidade às classes mais baixas de
toda a hierarquia econômica.

TEMA 2 – NOVA ESQUERDA INGLESA: THOMPSON

Neste tema, vamos nos debruçar sobre o trabalho de Edward Thompson


(1924-1993). Trata-se, como já vimos, de um dos importantes nomes da
Esquerda Inglesa do século XX, considerando esse novo entendimento das
teorias marxistas na historiografia Europeia Ocidental.
Vários são os pontos que elevam o nome de Thompson entre os
pesquisadores ingleses e europeus da época, mas um dos mais relevantes é o
fato de ele trazer à tona, em suas análises, as expressões populares. Autor
vinculado ao Partido Comunista, tinha como foco o empiricismo, sendo por
vezes criticado por relegar a teoria a segundo plano em certos momentos de
suas análises.
Thompson submete a teoria marxista a campos práticos daquilo que é
conhecido como história real. Isto é, na apreensão do conteúdo tradicional,
conceituado e estudado em um recorte histórico, atenta-se para o pano de
fundo, para os contextos “reais”. A análise volta-se, em diversos momentos, às
relações de trabalho e às implicações da exploração econômica. Há, assim, um
caráter experimental na lida com os momentos históricos, ligado à experiência
muito mais do que a história política.
Assim como outros pensadores da época, participou da Segunda Guerra
Mundial, com vasta repercussão de suas ideias e estudos. Duas obras de
Thompson ilustram bem o foco de nosso encontro: A Formação da Classe
Operária Inglesa, disposta em três volumes, e A Miséria da Teoria. Junto com
Christopher Hill, Eric Hobsbawn e Perry Anderson criaram a Esquerda Inglesa.
O autor ainda lecionou cursos para trabalhadores na Universidade de Leeds. E.
P. Thompson disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:E_P_Thompson_at_1980_protest_rall
y.JPG>. Acesso em: 9 set. 2021.
A história vista de baixo, como o autor a conceitua, é reflexo de
releituras das obras de Marx e Engels, aplicadas à história em geral. Aliás, há
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aqui uma crítica à historiografia, por não dar voz a essas minorias – classes
mais baixas economicamente falando, além de outras pessoas, como
mulheres, escravos, prisioneiros, isto é, a grande massa da população. Daí o
nome história de baixo.
Com isso, chegamos à história de classe: burguesia e proletariado. Para
isso, era preciso obviamente dar visibilidade a essas pessoas e às relações
que estabeleciam com o burguês, analisando quais eram as implicações dessa
dinâmica para as construções históricas e sociais.
Nas palavras do filósofo marxista Karel Kosic (1995, p. 23):

Mundo real é o mundo da práxis humana. É a compreensão da


realidade humano-social como unidade de produção e produto, de
sujeito e objeto, de gênese e estrutura. O mundo real é o mundo em
que as coisas, as relações e os significados são considerados como
produtos do homem social, e o próprio homem se revela como sujeito
real do mundo social.

Assim, um dos desafios de seu trabalho é a busca por fontes do


proletariado, tendo em vista que a história sempre deu voz apenas ao
dominador. Definir as classes na história de baixo acaba por afastar, como já
mencionamos, a teoria clássica, de modo a entender efetivamente o marxismo
histórico: grupos sociais relegados e que precisam de visibilidade, para que
seja possível fechar uma lacuna historiográfica, tendo em vista que a história
até então não lhes destinava nenhuma consideração. Faltava, desse modo,
uma peça no quebra-cabeça.

Por “lógica histórica” entendo um método de investigação adequado a


materiais históricos, destinado, na medida do possível, a testar
hipóteses quanto à estrutura, causação, etc., e a eliminar
procedimentos autoconfirmadores (“instâncias”, “ilustrações”). O
discurso histórico disciplinado da prova consiste num diálogo entre
conceito e evidência, um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas,
de um lado, e a pesquisa empírica, do outro. (Thompson, 1981, p. 49)

TEMA 3 – LADURIE: A HISTÓRIA VISTA DE BAIXO

Vamos estudar, neste tema, o trabalho de Emmanuel Le Roy Ladurie, e


sua importância para a historiografia do século XX. Vale ressaltar já de início
que Ladurie é um historiador da Escola de Annales, de extrema importância
para historiografia, pois traz elementos da história vista de baixo, investigando
o popular.
Dentre a profusão de teóricos e objetos no campo de estudo da história
a partir de 1970, temos o nome de Ladurie, que representa uma tendência
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nova em relação ao que vinha sendo feito nas análises históricas. O
pensamento de Thompson (história vista de baixo) lança luz a um escopo bem
específico de estudo: um pequeno povoado francês, sob domínio de processos
inquisitoriais. A obra gerada desse estudo foi chamada de Montaillou –
povoado occitânico de 1294 a 1394.
Emmanuel Le Roy Ladurie é nosso ponto de conexão com a Escola de
Annales. Aluno de Fernand Braudel, ele foi membro e chegou à liderança da
escola dos Annales. Como já vimos, em momentos anteriores ele participou da
Terceira Geração dos Annales, cujos estudos são chamados de "nouvelle
histoire" (nova história). Seus estudos também ficaram famosos por aliarem
história com antropologia. Emmanuel Le Roy Ladurie disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_Le_Roy_Ladurie>. Acesso em: 9 set.
2021.
Para tal reflexão e estudo, imaginemos a dificuldade de buscar as fontes
e entender um pouco das pessoas que viviam em determinado momento,
aquelas que vieram “de baixo”. Era necessário romper com as macroanálises,
como a história serial ou a história demográfica.
O povoado analisado passou por processos investigativos inquisitórios
em um período medieval. Assim, Ladurie utilizou como fontes relatos
interrogatórios de pessoas comuns, todos em latim. Quem fazia esses registros
era a própria Igreja Católica. Há críticas às fontes tidas como fiéis por Ladurie
(como falas do próprio povo), de modo que há quem defenda que ele se
utilizava de fontes oficiais em sua análise.
Porém, para Ladurie, a ideia era fazer uma análise desprovida do olhar
da elite da época. Para ele, essa prática era como uma conversa com um
morador local, um diálogo, de modo a dar voz a essas pessoas – a história
vista de baixo.
Segundo Franco Junior, em Montaillou (1997):

Ladurie desnudou a alma da pequena aldeia.


Graças a ele penetramos na intimidade dos 200 ou 250 habitantes de
Montaillou. Passamos a conhecer de perto a economia agropastoril
da região, baseada em cereais e no gado ovino. Tomamos parte nas
frugais refeições daquelas pessoas, constituídas por pão, algumas
hortaliças, queijo, carne de porco salgada ou defumada, às vezes
peixe e carne de carneiro. O vinho, apesar de apreciado, não era
comum por não ser produzido no local, excessivamente frio para isso.
Conhecemos as casas daqueles camponeses e pastores, feitas ou de
madeira, ou de barro amassado com palha ou de pedra, conforme a
condição socioeconômica de cada um, mas sempre estruturadas em
torno da cozinha, local onde se comia, se conversava, se convertia à
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heresia, local onde às vezes se dormia e se morria. Sabemos que
nessas casas geralmente viviam famílias alargadas, que além do
casal e dos filhos reuniam outros parentes consanguíneos e alguns
criados.

Sendo assim, um dos legados de Ladurie foi a vertente mínima do


recorte histórico, sendo elevadas a protagonistas pessoas simples, sem
alfabetização, segundo ele, como fontes livres do olhar político e aristocrástico
da história.
Veremos agora mais um pouco da análise de Ladurie, da obra
Montaillou – povoado occitânico de 1294 a 1394.

Por meio de casamentos, apadrinhamentos e identidade religiosa


(cátara ou católica), as famílias de Montaillou formavam complexas
redes de alianças. Estas explicam os conflitos pelo poder local, a
facilidade de penetração da heresia, o êxito da Inquisição baseado
nos afetos e desafetos da aldeia. Uma dessas redes fundamentava o
poder dos Clergue, família que contava com pelo menos 22
indivíduos, inclusive o pároco e o representante local do conde de
Foix, senhor da região. Família que manipulava o duplo poder,
espiritual e temporal, para obter vantagens pessoais, o pároco
dormindo com suas paroquianas, o bailio mandando cortar a língua
de uma mulher que falara mal do clã. Família simpática à heresia,
mas que, para salvar seu poder, não hesitou em apoiar a Inquisição
na sua primeira investida. Família rica, que, na tentativa de soltar o
padre herético da prisão inquisitorial, gastou o equivalente a 1.400
ovelhas ou 36 casas (note-se que toda a aldeia era formada por umas
40 casas!). (Ladurie, 1997)

TEMA 4 – GINSBURG E OS QUEIJOS E OS VERMES

No mesmo viés de Ladurie, o historiador italiano Carlo Ginzburg também


toma como fontes registros inquisitoriais das heresias cátaras na França.
Assim, ele se detém em um recorte ainda menor, fazendo uma análise
historiográfica minimalista, para depois propor que isso passa a representar um
grupo maior. O recorte acaba sendo Menocchio, um homem que desafia o
poder inquisidor na Itália do final do século XVI, e que por isso acabou sendo
condenado pela Igreja Católica. A história de Menocchio é retratada no livro O
queijo e os vermes:

Em 2 de agosto a congregação do Santo Ofício se reuniu: Menocchio


foi declarado, por unanimidade, um “relapso”, um reincidente. O
processo terminara. Decidiu-se, porém, submeter o réu a tortura, para
arranca-lhe o nome dos cúmplices. Isto ocorreu em 5 de agosto; no
dia anterior, a casa de Menocchio fora revistada e, na presença de
testemunhas, haviam sido abertas todas as caixas e confiscados
“todos os livros e escritos”. (Ginzburg, 1989, p. 207)

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Saiba mais
Vale a pena assistir Menocchio. Trata-se de um filme bem instigante,
que retrata com detalhes toda a trajetória de Menocchio ao confrontar o alto
clero da Igreja Católica. Acusado de heresia, as únicas ferramentas desse
velho senhor foram os ideários de votos de pobreza e amor.
MENOCCHIO. Direção: Alberto Fasulo. Italia: RAI Cinema, 2018. 103 min.

Ginzburg também traz para o objeto de análise historiográfica as


categorias populares. É o que ocorre em O queijo e os vermes, análise pontual
de um único indivíduo, com análises de documentos inquisitoriais – como
vimos, também foram fonte para os estudos de Ladurie. A região em análise é
Friuli, na Itália.
Além dos processos inquisitoriais contra Mennochio, cujo nome era
Domenico Scandella, analisados na obra de Ginzburg, podemos ainda trazer à
tona questões de reflexão de Mennochio (final do século XV), que
representavam o pensamento comum aos filósofos da época: o que seria o
universo, Deus e a própria existência humana.
Tendo como referência pensadores e historiadores do século XX,
principalmente do pós-Guerra, novos objetos e problemas são trazidos à
historiografia. Assim, um pequeno fragmento de análise passa a refletir um
pouco da cultura e do que se pensava à época de Menoccio, com elementos
que permitem diferenciar a cultura popular e a erudita.
De modo análogo às análises de Ladurie, Ginzburg também deixa como
legado a aproximação com a antropologia. Destacamos ainda os diálogos com
filósofos como Foucalt e Gramsci, além da interação com estudos da
linguagem de Bakhtin, com destaque para a manifestação marxista nessas
relações.
Ainda resta da obra de Ginzburg um legado para outras análises e para
a historiografia das décadas finais do século, considerando a investigação na
análise historiográfica de então.

Ginzburg (2006), com sua investigação, abriu caminho para outras


com sujeitos oriundos de lugares sociais distintos daqueles tratados
pela historiografia tradicional, sobretudo, aquelas preocupadas com o
status científico da História. Seu conceito de circularidade cultural
abriu precedentes para outros aprofundamentos dessa dinâmica da
prática cultural. Foi com essa perspectiva que se buscou conhecer o
processo de formação de José Luiz, um homem comum, oriundo da
classe trabalhadora que, como Menocchio, ousou ler clássicos e
textos religiosos que, a princípio, não se adequavam a seu grau de
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formação. Diferentemente do moleiro de Friulli que tinha como filtro
de suas leituras as tradições culturais do campo, José Luiz fez
leituras dos livros e da vida a partir da doutrina cristã, embora esta
última também tenha participado da configuração dos pensamentos
de Menocchio. Como narrado na história de Menocchio, também
percebo em escritos e marginálias de José Luiz a circularidade da
cultura erudita e da cultura popular — sob a influência dos meios rural
e urbano que compuseram suas experiências —, com a cultura cristã
(católica) e, depois, protestante. Foi na urdidura dessas leituras e
vivências que se teceram as subjetividades do colaborador dessa
pesquisa. (Paiva; Barbosa, 2017).

TEMA 5 – TERCEIRA GERAÇÃO E NOVA HISTÓRIA

Como vimos anteriormente, Ladurie e Ginzburg se ocuparam de um


mínimo recorte histórico, processo de investigação histórica que depois veio a
projetar esses elementos para a compreensão de aspectos sociais e históricos
mais amplos. A essa análise histórica damos o nome de micro-história.
O legado deixado por esses historiadores revela que, ao estudar uma
comunidade muito reduzida entre os séculos XVIII e XIV, ou mesmo apenas
um moleiro – século XV, é possível uma investigação minimalista, para supor
um pensamento de uma comunidade ou aspectos culturais desse povoado.
Destacam-se, na micro-história novos problemas e modelos
metodológicos, incluindo fontes múltiplas e diferenciadas, usadas para ilustrar
aquilo que Thompson chamou de história vista de baixo.
Tendo em vista o reduzido objeto de estudo, é necessário, na micro-
história, além de considerar uma multiplicidade de teorias, relacioná-las com
outras áreas do conhecimento, tais como:

• Sociologia – interações sociais e culturais


• Antropologia – origem de costumes e crenças
• Literatura – registros acessíveis e entendidos por vezes como
documentos históricos
• Psicologia – comportamento e interações entre indivíduos e grupos
• Linguística – relações estruturais de domínio e dominação e análise do
discurso

Também são consagradas na micro-história as densas descrições dos


aspectos analisados, com inúmeros detalhes e pormenores do “personagem”
ou do espaço reduzido analisado, com o intuito de fomentar uma interpretação
plural da cultura.

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Um dos importantes nomes da antropologia ocidental, Clifford Geertz,
passou a privilegiar a micro-história em seus estudos, para conferir mais
centralidade e observar mais detalhadamente um objeto, buscando entendê-lo
melhor. Essa alternância de escalas de observação poderia ajudar a suprimir
falhas em análises muito amplas, com recortes mais amplos ou globais.
Sobre a micro-história, Norbit Elias (2000, p. 20) defende:

o uso de uma pequena unidade social como foco de investigação de


problemas igualmente encontráveis numa grande variedade de
unidades sociais, maiores e mais diferenciadas, possibilita a
exploração desses problemas com uma minúcia considerável –
microscopicamente, por assim dizer. Pode-se construir um modelo
explicativo, em pequena escala, da figuração que se acredita ser
universal – um modelo pronto para ser testado, ampliado e, se
necessário, revisto através da investigação de figurações correlatas
em maior escala.

Essa foi uma ferramenta possível para Geertz (1989), que defendia uma
visão de análise da cultura sob o viés semiótico. Assim, a cultura existiria
enquanto teia de significados. Por isso, as formas culturais são centrais em
seus estudos, aproximando-os da etnografia. Para o autor, os indivíduos de
uma sociedade, por a construírem, devem entender a cultura, que seria uma
entidade pública.
Para conhecer um pouco mais sobre a metodologia historiográfica e
antropológica de Geertz, vale a pena a leitura de A interpretação das culturas.
Nessa obra, Geertz propõe uma análise de culturas (não somente pela micro-
história), com indícios da necessidade de recortes mais precisos (menores ou
mais concisos), que permitam que as culturas sejam interpretadas. Trata-se de
uma ruptura com o olhar tradicional da ciência, tal como usualmente a
concebemos, caracterizando um passo para a análise do microcosmo social,
com a percepção de relatos e dizeres, ou seja, uma fuga da fonte oficial.
Nas palavras de Ginzburg (1989, p. 173):

a complexidade das relações sociais reconstituíveis pelo antropólogo


através do trabalho no terreno contrasta efetivamente com a
unilateralidade dos depósitos de arquivo com que trabalha o
historiador [...] os registros civis apresenta-nos os indivíduos
enquanto nascidos e mortos, pais e filhos; os registros cadastrais,
enquanto proprietário ou usufrutuários; os autos, enquanto
criminosos, enquanto autores e testemunhas de um processo. Mas
assim corre-se o risco de perder a complexidade das relações que
ligam um indivíduo a uma sociedade determinada.

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NA PRÁTICA

Uma atividade bem interessante é a análise de duas obras:

• O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg


• Montaillou – povoado occitânico de 1294 a 1394, de Emmanuel Le
Roy Ladurie

A realização de uma análise das obras em conjunto nos permite


conhecer como certas metodologias, diferentes em alguns aspectos e próximas
em outros, obtiveram seus resultados em uma história investigativa. É
interessante considerar como as fontes, usadas para chegar à voz das pessoas
das épocas retratadas, eram tratadas pelos autores. Com a leitura de Ginzburg
e Ladurie, podem ser reafirmados os conteúdos tratados, como atribuir a uma
região ou a um povo certos indicativos analisados em uma microcosmo. Assim,
podemos entender também como esse desenvolvimento repercutiu na área, o
que nos leva à compreensão desse processo como tendência historiográfica: a
micro-história.

FINALIZANDO

Estudamos, nesta aula, algumas linhas de pesquisa da história (e por


vezes da antropologia) na Europa do século XX. Analisamos inicialmente
produções inglesas que se aproximaram e dialogaram com o pensamento
marxista, sendo fundamentais para a compreensão do ideário de esquerda,
que foi objeto de estudo historiográfico nessa época, em campos de pesquisa e
acadêmicos. Porém, talvez o aspecto mais importante foi mostrar que novos
personagens e cenários passaram a ter voz na história, o que pode ser
chamado de história vista de baixo. A micro-história também contempla essas
parcelas da população, antes excluídas, trazendo uma nova roupagem e uma
nova metodologia para o campo da historiografia do século XX.

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REFERÊNCIAS

ELIAS, N. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder


a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

FRANCO JUNIOR, H. As entranhas de Montaillou. Folha de S. Paulo, 12 jul.


1997. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/7/12/caderno_especial/8.html>.
Acesso em: 7 set. 2021.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livro Técnico,


1989.

GINZBURG, C. O inquisidor como antropólogo: uma analogia e as suas


implicações. In: _____. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel,
1989.

HOBSBAWM, E. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das letras,


1994.

KOSIK, K. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

LADURIE, E. L. R. Montaillou, Povoado Occitânico de 1294 a 1324. São


Paulo: Companhia das Letras, 1997.

PAIVA, J.; BARBOSA, W. R. De Menocchio a José Luiz: escavando sentidos


para a formação de leitores. Rev. Bras. de Educ. de Jov. e Adultos, v. 5, n.
10, 2017.

THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de


Janeiro: Zahar, 1981.

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