Ordenador de Despesas Gestão e Discricionariedade

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Artigo //

Ordenador de despesas:
gestão, discricionariedade e
responsabilidade pessoal

Expenses manager: management, discretion


and personal responsibility

Carlos Wellington Leite de Almeida


auditor federal do Tribunal de Contas da União (TCU), doutor em Administração pela Universidad de la
Empresa (UDE-Uruguai) e doutorando em Estudos Marítimos pela Escola de Guerra Naval (EGN).

RESUMO

O ordenador de despesas pratica atos de gestão que exigem particular atenção por
representarem efetiva disposição do patrimônio público. Tais atos de gestão constituem
atos discricionários, de responsabilidade delegável em sua prática, mas indelegável em sua
essência, e que importam na responsabilidade pessoal do ordenador e na inversão do ônus
de prova em favor do Erário, competindo ao ordenador demonstrar a correção de seus atos.
No âmbito de suas atribuições, o ordenador de despesas mantém especial relacionamento
funcional com os ordenadores delegados, os pareceristas jurídicos e técnicos, os membros
das comissões de licitação, os fiscais de contrato e os agentes do controle interno, com os
quais deve manter especial harmonia. Ao dispor do patrimônio público, mediante a realização
de despesa financeira ou de outro ato de disposição patrimonial, como a alienação de um bem
público, o ordenador de despesas deve estar alinhado com as normas legais e regulamentares
da despesa pública, bem como com o interesse da sociedade.

Palavras-chave: Administração Pública. Despesa Pública. Ordenador de Despesas.

ABSTRACT

The expenses manager performs management acts demanding particular attention as they
represent an effective disposition of public assets. Such management acts are discretionary and
generate a kind of responsibility that can be delegated in the practice, but not in the essence.
Management acts that bring to the manager personal responsibility together with the pro-
Treasury burden of proof inversion, it being up to the manager to demonstrate the correctness of
his acts. Within the scope of his attributions, the expenses manager holds a particular functional

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relationship with delegated managers, legal and technical experts, members of the procurement
committees, contract inspectors and internal control agents, with whom it must ensure special
harmony. When disposing of public wealth, upon financial expense or other asset disposal
act, such as the disposal of a public asset, the expenses manager must be aligned with public
expenditure legal and regulatory rules, as well as with the interest of society.

Keywords: Public Administration. Public expenses. Expenses manager

1. INTRODUÇÃO

Este artigo trata das atribuições e responsabilidades do ordenador de despesas, enquanto


agente público essencial para a Administração Pública e para a sociedade. Atribuições típicas
do ordenador de despesas, os atos administrativos onerosos, representam efetiva disposição
do patrimônio público e tornam indissociáveis as noções de autoridade e responsabilidade. Ao
se tratar do caráter discricionário da ordenação de despesas, destacam-se a responsabilidade
pessoal do ordenador, a distinção entre a delegação de competência e o assessoramento, a
tomada de decisão com base em pareceres jurídicos e técnicos e a relação do ordenador de
despesas com o fiscal de contratos. Ressalta-se o importante tema da inversão do ônus de
prova, traço particularmente distintivo da Administração Pública em comparação com a gestão
de bens e valores privados. Sublinha-se a necessidade de que a conduta do ordenador de
despesas esteja sempre alinhada com o interesse público e com a qualidade da gestão.

O estudo seguiu metodologia qualitativa e teve como elementos de análise os acórdãos e as


decisões integrantes da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU). Os acórdãos e
as decisões selecionados foram integrados de forma temática, com o propósito de destacar os
principais conceitos e entendimentos técnicos no âmbito do controle externo.

2. ATOS ADMINISTRATIVOS ONEROSOS

Ordenador de despesas é a autoridade competente de cujos atos resultam disposição


patrimonial para o Erário mediante emissão de empenho, autorização de pagamento,
suprimento ou dispêndio de recursos públicos. Normalmente, consiste na autoridade de maior
hierarquia para a prática de atos administrativos em um órgão ou uma entidade do poder
público. Na União, esfera federal da Administração Pública, tem sua competência estabelecida
pelo Decreto-Lei 200/1967.

As atribuições típicas do ordenador de despesas dizem respeito aos chamados atos


administrativos onerosos, aqueles que fazem com que a Administração realize gastos
custeados com recursos públicos. O ordenador de despesas é o agente público que autoriza a
utilização de valores financeiros, à conta dos cofres públicos, com a finalidade de entregar um
bem ou serviço público à sociedade. O ordenador de despesas presta contas de seus atos e,
no caso de ser gestor de recursos federais, sujeita-se à fiscalização e ao julgamento do TCU,
além da supervisão exercida por outros órgãos integrantes do sistema federal de controle da
Administração Pública, como o Congresso Nacional, titular constitucional do controle externo; o

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Ministério Público da União, fiscal da lei; e os órgãos de controle interno dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário Federais.

Constituição Federal

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido


com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(...)

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,


bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e
as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público (BRASIL, 1988).

Lei Orgânica do TCU

Art. 1º. Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete,


nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:

I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,


bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades
da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas
e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem
causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário
(BRASIL, 1992).

Decreto-Lei 200/1967

Art. 80. Os órgãos de contabilidade inscreverão como responsável


todo o ordenador de despesa, o qual só poderá ser exonerado de sua
responsabilidade após julgadas regulares suas contas pelo Tribunal de
Contas.

§ 1º Ordenador de despesas é toda e qualquer autoridade de cujos atos


resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou
dispêndio de recursos da União ou pela qual esta responda (BRASIL, 1967).

A ordenação de despesas não é mero ato formal, mas ato de efetiva gestão, que vai muito além
da simples concordância com outras instâncias do funcionamento organizacional. Ao lado
do componente formal, o ato de ordenar despesas tem forte componente material, que lhe é
indissociável, já que irregularidades na ordenação de despesas causam dano concreto à gestão
pública. Por isso, a assinatura de documento gerador de despesa somente deve ocorrer após
rigorosa análise de todo o conteúdo envolvido na decisão que se está tomando, bem como dos
efeitos esperados com a realização do gasto público (TCU, 2011b).

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O ato de ordenar despesas não é meramente formal. Cabe ao ordenador de


despesas analisar se o processo contém todas as informações necessárias
para autorizar a realização do pagamento (TCU, 2013c).

3. ATOS DISCRICIONÁRIOS

Os atos típicos da ordenação de despesas são constituídos por três aspectos essenciais:
a onerosidade, a formalidade e a discricionariedade. A onerosidade diz respeito
à disposição patrimonial que resulta desses atos, seja de forma financeira, mediante
dispêndio financeiro propriamente dito, seja de outra forma que em termos financeiros
possa ser medida, como a alienação de um bem, móvel ou imóvel. A formalidade remete
aos requisitos de forma previstos em lei ou outro normativo, sem os quais o ato não se
aperfeiçoa ou é considerado viciado e sujeito a anulação. A discricionariedade diz respeito
ao exercício de poder em sua forma mais evidente, vez que o ordenador de despesas
tem a faculdade de decidir pela realização, ou não, do ato. Em que pese ao eventual
assessoramento recebido, o ordenador de despesas goza de independência em sua
atuação e, portanto, deve ser responsabilizado na medida dessa independência.

A jurisprudência do TCU consagra o caráter discricionário dos atos onerosos praticados


pelos ordenadores de despesas. Fixa com clareza essa independência da atuação do
ordenador de despesa em relação às demais instâncias administrativas ao definir que seus
atos devem constituir controle efetivo da legalidade e da regularidade da despesa pública.
No mesmo sentido, estabelece que a assinatura de ordem de despesa sem os devidos
cuidados caracteriza a falta do necessário zelo profissional para evitar fraudes e prejuízos
ao Erário (TCU, 2007b; TCU, 2011b; TCU, 2015a).

4. RESPONSABILIZAÇÃO DE NATUREZA PESSOAL

Importante aspecto dos atos de ordenação de despesas é a responsabilidade de natureza


pessoal que acarreta para a autoridade que toma a decisão. Esse caráter pessoal decorre
do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, de que resulta que o
agente público causador de dano ao Erário deve responder pelo dano com seu patrimônio
pessoal. A regra é que o prejuízo aos cofres públicos, salvo em casos especiais para os
quais existe tratamento específico, não deve ser suportado pelo órgão ou entidade, de
forma abstrata, mas pelo agente que lhe deu causa, sem impor mais ônus aos cofres
públicos. Trata-se, portanto, de responsabilidade atribuída à pessoa do ordenador de
despesas, de forma bastante concreta.

Quando da Decisão 667/1995-P (TCU, 1995), o Tribunal deixou claro que a responsabilidade
por irregularidades na aplicação de recursos cabe à pessoa física autorizadora do
gasto. Esse posicionamento foi reforçado por ocasião do Acórdão 484/2007-1C, no qual,
novamente, destacou-se a obrigação de o causador de dano ao Erário ressarcir os cofres
públicos com seu patrimônio (TCU, 2007a). Posteriormente, quando do Acórdão 1194/2009-
1C (TCU, 2009b), confirmando posição que há muito tempo já sustentava, o Tribunal

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assentou que ao gestor público, além do dever de ressarcir o Erário de prejuízos, cabe
também o ônus de prova, isto é, demonstrar que agiu correta e legalmente.

É obrigação do ordenador de despesa ressarcir o erário dos prejuízos


a que tenha dado causa por ação ou omissão no cumprimento da lei ou
das normas do direito financeiro. É responsabilidade pessoal do gestor a
comprovação do bom e regular emprego dos valores públicos que, nessa
condição, tenha recebido, cabendo-lhe, em consequência, o ônus de
prova (TCU, 2009b).

Decorrências da natureza pessoal, entre outras, são os impedimentos e vedações ao ordenador


de despesas. Condutas que, em outras circunstâncias, seriam consideradas normais são vistas
com suspeição a partir do momento em que o agente público se vê investido da atribuição
de ordenar as despesas de um órgão ou entidade. Alguns desses impedimentos e vedações
são claramente expressos em leis e outros normativos, outros, por sua vez, vinculam-se ao
campo da ética e da moralidade na Administração Pública, sendo igualmente relevantes. O TCU
ocupa-se, sempre que possível, em nome da clareza e da segurança jurídico-administrativa, de
esclarecer regras costumeiras ou doutrinárias. Uma delas, apenas como exemplo, é a que veda
ao ordenador de despesas a concessão de suprimento de fundos a si mesmo. “É vedada a
concessão de suprimento de fundo na qual a pessoa do suprido se confunda com a pessoa do
ordenador de despesas” (TCU, 2008a).

5. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA

A delegação de competência é instituto jurídico de singular importância para o ordenador


de despesas. Configura-se quando uma autoridade superior, no contexto hierárquico da
organização, permite a execução de ações e a tomada de decisões, em seu nome, por
outra autoridade que lhe é subordinada. Entretanto, a delegação de competência não afasta
completamente a responsabilidade do ordenador de despesas titular pelos atos praticados
por seus subordinados. O jargão público-administrativo, muito comum no meio militar, por
exemplo, costuma expressar que se delega a autoridade, mas não a responsabilidade, isto é, o
superior concede autoridade a seu subordinado para agir em seu nome, mas conserva consigo
a responsabilidade pelos resultados alcançados.

O instituto da delegação é uma manifestação da relação hierárquica


que transfere atribuições ao agente delegado, mas não exime o autor da
delegação do dever de acompanhar os atos praticados. Isso porque as
prerrogativas e os poderes do cargo, tais como a supervisão, não são
conferidos em caráter pessoal ao agente público, mas sim para o bom
desempenho de seu papel institucional, sendo, portanto, irrenunciáveis
(TCU, 2014d).

O entendimento de que se delega a autoridade conservando-se a autoridade amolda-se,


portanto, às noções da culpa in eligendo e da culpa in vigilando, segundo as quais a autoridade
é responsável pela escolha de quem exercerá sua autoridade, assim como pela vigilância

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constante sobre os atos praticados por seu subordinado. O ordenador de despesas continua
responsável pela gestão de sua unidade, mesmo quando a execução se dá diretamente
por outra autoridade ou servidor, em hierarquia subordinada. Instruções, ordens de serviço
e portarias têm o condão de traduzir a estrutura interna e a distribuição de tarefas entre os
quadros dirigentes, mas não se sobrepõem ao caráter originário da responsabilidade do
ordenador de despesas titular do órgão ou entidade (TCU, 2015c; TCU, 2015e).

A autoridade delegante pode ser responsabilizada sempre que verificada: a)


a fiscalização deficiente dos atos delegados, pela lesividade, materialidade,
abrangência e caráter reiterado das falhas e pelo conhecimento efetivo ou
potencial dos atos irregulares praticados (culpa in vigilando); ou b) a má
escolha do agente delegado, comprovada circunstancialmente em cada
situação analisada (culpa in eligendo) (TCU, 2019b).

A delegação de autoridade não importa na delegação de responsabilidade e, embora traga


para o núcleo responsável o ordenador de despesas delegado, dele não retira o ordenador
titular. Há casos, entretanto, em que pode ocorrer a responsabilização isolada do ordenador
delegado, sem a correspondente responsabilização do ordenador titular. Em geral, a
responsabilidade do ordenador de despesas delegado somente será exclusiva, afastando
a responsabilidade do titular, nos casos em que exorbitar de suas funções ou quando a
supervisão dos atos praticados mostrar-se comprovadamente inviável, cabendo o ônus da
prova dessas circunstâncias ao ordenador de despesas titular (TCU, 2015f).

A delegação de competência não implica delegação de responsabilidade,


competindo ao delegante a fiscalização dos atos de seus subordinados,
especialmente em situações nas quais, pela importância do objeto e pela
materialidade dos recursos envolvidos, a necessidade de supervisão não
pode ser subestimada (TCU, 2018a).

A culpa in vigilando é caracterizada pela falta de fiscalização sobre


procedimentos exercidos por outrem. Contudo, não é possível o exercício
da supervisão de forma irrestrita, sob pena de tornar sem sentido o instituto
da delegação de competência e inviabilizar o exercício das tarefas próprias
e privativas da autoridade delegante (TCU, 2021).

Não é demais relembrar, contudo, que em qualquer caso o ordenador de despesas


titular retém para si o dever de supervisão. Qualquer que seja a forma da delegação de
competência, o titular jamais deixa de ser responsável pela gestão. Pode até, circunstancial
e pontualmente, não ser responsabilizado por um ou outro ato específico, mas essa isenção
da responsabilidade ocorre apenas excepcionalmente. Em especial, nos casos em que se
configure omissão do ordenador titular nos deveres de supervisão hierárquica das ações de
seus subordinados, sua responsabilidade será inafastável (TCU, 2010b; TCU, 2011b).

O instituto da delegação de competência não exime o autor da


delegação do dever de acompanhar os atos praticados pelo agente
delegado. Mesmo quando não há a prática direta de atos administrativos

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(...) podem ser responsabilizados, se as irregularidades tiverem um


caráter de tal amplitude e relevância que, no mínimo, fique caracterizada
grave omissão no desempenho de suas atribuições de supervisão
hierárquica (TCU, 2013a).

O ordenador de despesa tem o ônus de demonstrar a regular aplicação dos


recursos públicos, presumindo-se sua responsabilidade por irregularidade
material ou formal na liquidação da despesa, salvo se ele conseguir
justificar que a irregularidade foi praticada exclusivamente por subordinado
que exorbitou das ordens recebidas (2019a).

6. PARECERES JURÍDICOS E TÉCNICOS

Discussão relevante diz respeito aos pareceres que subsidiam a ordenação de despesas,
tanto os pareceres jurídicos, quanto os técnicos. O ordenador de despesas costuma
fundamentar sua tomada de decisão nessas manifestações de assessoramento, o que
as torna relevantes. Contudo, em que pese à sua importância no contexto da tomada de
decisão pelo ordenador, os pareceres, como regra, não têm natureza vinculante, isto é,
não obrigam o ordenador de despesas a atuar de acordo com a orientação neles contida.

A função de ordenador de despesa não está adstrita ao mero


acatamento ou acolhimento das solicitações de outras instâncias
administrativas, devendo exercer um verdadeiro controle quanto à
regularidade e à legalidade da despesa pública (TCU, 2007b).

Importante na análise relativa aos pareceres jurídicos e técnicos é a distinção entre


delegação de competência e assessoramento. Na delegação de competência, o titular
da atribuição delega autoridade a outra pessoa para a prática de atos administrativos
em seu nome, retendo consigo, entretanto, a responsabilidade pela supervisão dos atos
praticados e pelos resultados alcançados. No assessoramento, diferentemente, não há
sequer essa delegação de autoridade. O assessor é um conselheiro qualificado, contudo,
sua manifestação, como regra, tem natureza opinativa. A autoridade recebe e avalia as
informações da assessoria, mas toma as decisões com exclusiva responsabilidade.

A ação respaldada em parecer jurídico não exime o gestor de


responsabilização pela prática de ato irregular, uma vez que cabe a
ele, em última instância, decidir sobre conveniência e oportunidade de
efetivar o procedimento administrativo (2014c).

A emissão de pareceres jurídicos e técnicos constitui ato de assessoramento, não ato


de delegação, ou seja, os pareceres constituem apoio à tomada de decisão, mas que,
como regra, não importam na responsabilidade dos pareceristas. A combinação entre a
natureza de ato de assessoramento e o caráter não vinculante dos pareceres traz para a
esfera de responsabilização do ordenador uma atribuição adicional, consistente no dever
de verificar a sua correção. Salvo em situações em que o parecer contenha tecnicidade

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muito específica, não sendo razoável exigir seu conhecimento do chamado gestor
médio, em geral, um parecer não serve para afastar a responsabilidade do ordenador
de despesas, ainda que haja servido para fundamentar sua convicção e sua decisão. A
existência de parecer jurídico não afasta a responsabilidade dos gestores (TCU, 2008b).

O TCU tem plena ciência de que sobre o ordenador de despesas recaem


responsabilidades muito severas. Ministros e auditores são conscientes dessa realidade
e, por isso mesmo, ao lado de ações repressivas das irregularidades identificadas,
conduzem outras, de cunho pedagógico, preventivo. Importante orientação da Corte
de Contas acerca dos pareceres técnicos e jurídicos e seus efeitos sobre as decisões
dos ordenadores de despesa é a de que, se de seu conteúdo discordarem, façam-
no de forma fundamentada, isto é, esclareçam a razão pela qual deixam de seguir as
orientações contidas nos pareceres. A responsabilidade final pela realização da despesa
pública, salvo situações muito excepcionais, como por exemplo a ação dolosa de seus
subordinados, recairá invariavelmente sobre o ordenador de despesas.

Os pareceres técnicos e jurídicos não vinculam as autoridades


competentes, que permanecem responsáveis pelos atos que praticam.
A autoridade administrativa, quando da avaliação dos aspectos técnicos
e jurídicos do edital e do projeto básico, possui liberdade para discordar
dos pareceres, desde que o faça de forma fundamentada (TCU, 2013e).

O TCU reconhece ainda que, em determinadas situações, o ordenador de despesas não


deve ser o único responsabilizado por erros e falhas na gestão dos recursos públicos.
É o caso, por exemplo, de haver decidido equivocadamente alicerçado em pareceres,
jurídicos ou técnicos, emitidos de forma intencionalmente errada ou, ainda, de forma
negligente, imprudente ou em desacordo com a técnica aplicável. Nesses casos, existe
a possibilidade de ser o parecerista responsabilizado, mas, como regra, não se exclui
a responsabilidade do ordenador. O que ocorre, em princípio, é a responsabilização
de outros agentes públicos juntamente com o ordenador de despesas. Eventual
afastamento da responsabilidade do ordenador dependerá do caso concreto julgado e
das circunstâncias envolvidas.

É possível a responsabilização do parecerista jurídico quando a sua


manifestação não estiver devidamente fundamentada. Caso o parecer
induza o administrador público à prática de irregularidades, haverá
solidariedade entre gestores e pareceristas, pois serão considerados os
responsáveis pelos atos inquinados (2013b).

Embora não exerça função administrativa estrito senso, o parecerista


jurídico pode ser considerado responsável perante o TCU nos casos de
parecer que, por dolo ou por culpa, induza o administrador público à
prática de irregularidade (TCU, 2015b).

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7. COMISSÃO DE LICITAÇÃO E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO

Assim como ocorre com relação aos pareceristas técnicos jurídicos e técnicos, de
singular importância para o bom trabalho do ordenador de despesas são os profissionais
que integram as comissões de licitação. A principal característica do trabalho dessas
comissões é a independência funcional de seus membros, os quais, para fins de sua
atuação específica, não agem em cumprimento a ordens do titular do órgão ou entidade.
Não deve o ordenador de despesas, portanto, interferir nas decisões das comissões de
licitação. Previstas na Lei 8.666/1993 como responsáveis pelo julgamento objetivo das
propostas das empresas fornecedoras, entre outras responsabilidades, no âmbito da
nova Lei 14.133/2021, passam a ser denominadas comissões de contratação.

Lei 8.666/1993

Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de


licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos
de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de
acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar
sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle (BRASIL, 1993).

Lei 14.133/2021

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: (...)

L - comissão de contratação: conjunto de agentes públicos indicados pela


Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber,
examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos
auxiliares (BRASIL, 2021).

Devendo ser composta por no mínimo três membros, dos quais pelo menos dois servidores
públicos permanentes, a comissão de licitação (contratação) tem sua independência funcional
garantida pela lei e muito reafirmada pela jurisprudência do TCU. No desempenho de suas
atribuições, os membros da comissão, como dito, não cumprem ordens de quem quer que
seja, sendo os únicos responsáveis pelo julgamento das propostas, pelo cadastramento dos
licitantes e pela análise de todos os documentos e informações da licitação. Suas ações são
sujeitas ao crivo dos órgãos de controle, e subsiste sua responsabilidade pessoal por ressarcir
eventuais danos aos cofres públicos.

A comissão permanente ou especial de licitação deve conter, no mínimo,


03 (três) membros, sendo pelo menos dois deles servidores qualificados
pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração
responsável pela licitação (TCU, 2003).

Incumbe à comissão de licitação o recebimento, a análise e o julgamento


de todos os documentos e procedimentos relativos às licitações e ao
cadastramento de licitantes (art. 6º, inciso XVI, da Lei 8.666/1993), sendo que

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quaisquer decisões que afrontem a lei ou resultem em prejuízos aos cofres


públicos sujeitam os infratores, membros das comissões de licitação, à
devida responsabilização (TCU, 2015g).

Em razão dessa independência funcional, a responsabilidade dos membros da comissão


de licitação é apurada em separado das ações do ordenador de despesas. Os membros
respondem solidariamente pelas irregularidades cometidas pela comissão, ressalvando-se os
casos em que algum membro registre posição divergente, devidamente fundamentada, na ata
em que se toma a decisão contestada. O ordenador de despesas torna-se solidário aos atos da
comissão a partir do momento em que homologa o procedimento licitatório.

Ao homologar a licitação, a autoridade pública vincula sua


responsabilidade com os atos praticados pela comissão de licitação,
reconhecendo-os como válidos, razão por que responde por
irregularidades verificadas na condução do certame (2010a).

A comissão de licitação responde solidariamente pelos atos irregulares


praticados, salvo se posição individual divergente estiver devidamente
fundamentada e registrada em ata. A autoridade homologante é
alcançada pela solidariedade quando aprova os procedimentos
licitatórios. A responsabilidade pelos atos da CPL e da autoridade que
homologa a licitação são intransferíveis (TCU, 2013d).

A homologação de um processo licitatório afirma-se como atribuição típica do ordenador


de despesas e exaure a competência discricionária sobre o processo. Constitui efetiva
ordem para contratar e caracteriza-se como ato de efetiva gestão, nunca como mero
ato formal. Da mesma forma que a comissão de licitação é independente do ordenador
de despesas para analisar e julgar o procedimento licitatório, o ordenador também
é independente da comissão para homologá-lo, não se aceitando a ideia de que a
homologação constituiria mero impulso processual. É na homologação que o ordenador
de despesas decide definitivamente acerca da licitação, convalidando todos os atos
praticados e tornando-se por eles responsável.

A homologação de procedimento licitatório não é ato meramente


formal, mas sim a aprovação das decisões tomadas pelos membros
da comissão de licitação. A autoridade administrativa, ao apor a sua
assinatura para homologar o certame, ratifica todos os atos da referida
comissão, tornando-se por eles igualmente responsável (TCU, 2014a).

8. FISCAL DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Agente público de especial relevância para o bom trabalho do ordenador de despesas é o


fiscal de contratos. Esse é o responsável pela exigência do cumprimento das obrigações
contratuais por parte das pessoas jurídicas ou naturais contratadas pela Administração.
De seu desempenho, muito depende a correta atuação do ordenador de despesas, sendo

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ambos, ordenador de despesas e fiscal de contratos, portanto, agentes públicos que


devem atuar em clima de harmonia e confiança mútua.

Entretanto, o fiscal de contratos, mesmo nomeado pelo ordenador de despesas e a


ele subordinado, exerce suas atribuições com independência funcional, pelo que lhe
é atribuída responsabilidade própria. Essa independência funcional, a exemplo do
que ocorre com os membros das comissões de licitação, é garantida tanto pela Lei
8.666/1993, Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública Federal, quanto pela
Lei 14.133/2021, destinada a substituí-la.

Lei 8.666/1993

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por


um representante da Administração especialmente designado, permitida
a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações
pertinentes a essa atribuição (BRASIL, 1993).

Lei 14.133/2021

Art. 117. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1


(um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente
designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos
respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e
subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição (BRASIL, 2021).

O fiscal de contratos, portanto, não é um mero cumpridor de ordens do ordenador de despesas


ou de qualquer outra autoridade. Atua sob a supervisão hierárquica da autoridade que o
nomeia, mas exerce suas atribuições com independência funcional garantida por lei e, por isso
mesmo, pode ser responsabilizado diretamente pelos órgãos de controle. Em certos casos,
ainda que raros, a atuação deficiente do fiscal de contratos pode resultar em sua exclusiva
responsabilização, eximindo o ordenador de despesas. É o caso, por exemplo, quando o fiscal
atesta a execução de serviços que, na verdade, não foram executados, induzindo o ordenador a
autorizar pagamento indevido.

A responsabilidade pelo débito por pagamento de serviços não executados,


mas atestados, deve recair sobre os agentes que têm o dever de fiscalizar o
contrato e atestar a execução das despesas, e não sobre a autoridade que
ordenou o pagamento (2019c).

Em qualquer caso, é sempre oportuno repisar, permanece com o ordenador de despesas o


dever de supervisão sobre todos os seus subordinados: pareceristas, membros da comissão
de licitação ou fiscais de contratos. Nos casos em que o fiscal desempenhe suas atribuições de
forma habitualmente deficiente e o ordenador não adote medidas corretivas, a responsabilidade
será normalmente atribuída aos dois agentes públicos. Além disso, compete ao ordenador
de despesas examinar a correção do trabalho do fiscal de contratos, não lhe sendo facultado
simplesmente anuir às informações do fiscal, haja vista o caráter oneroso e discricionário dos

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Ordenador de despesas: gestão, discricionariedade e responsabilidade pessoal

atos de ordenação de despesas. É o caso, por exemplo, em que o fiscal atesta serviços não
fazendo acompanhar a atestação dos necessários documentos comprobatórios.

A atestação da execução de serviços de engenharia desacompanhada de


boletins de medição, com base apenas em documentos produzidos pela
própria empresa contratada, constitui irregularidade apta à responsabilização
do fiscal do contrato, independentemente da caracterização de dano ao
erário. A autorização de pagamento sem os referidos boletins atrai também a
responsabilidade do ordenador de despesas (TCU, 2020).

9. CONTROLE INTERNO

Normalmente, duas são as instâncias de exercício do controle administrativo sobre os atos


de gestão na Administração Pública: o controle externo e o controle interno. O controle
externo diz respeito à supervisão do uso dos recursos públicos a partir de uma perspectiva
exterior à administração. O controle interno, por sua vez, é a fiscalização dos mesmos
recursos a partir de uma perspectiva interior à própria administração, normalmente auxiliar
ao controle externo.

No Brasil, nos termos constitucionais e legais, o controle externo da União é exercido pelo
Congresso Nacional com o auxílio do TCU. A mesma lógica estruturante é replicada nos
estados, nos municípios e no Distrito Federal. Nos estados, o controle externo é exercido pelas
assembleias legislativas com o auxílio dos tribunais de contas estaduais. Já o controle externo
nos municípios é exercido pelas câmaras municipais de vereadores com o auxílio também dos
tribunais de contas estaduais, exceto nos dois maiores municípios do Brasil, São Paulo e Rio
de Janeiro, os quais contam com tribunais de contas municipais. Em alguns estados, existem
os chamados tribunais de contas dos municípios, mas estes não são órgãos municipais, e sim
desdobramentos da competência estadual. Finalmente, no Distrito Federal, o controle externo é
exercido pela Câmara Legislativa com o auxílio do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

O controle interno, por seu lado, é exercido a partir de oficinas orgânicas da própria
administração. No Brasil, a Controladoria-Geral da União (CGU) atua como órgão central do
sistema de controle interno federal, mas cada órgão ou entidade dispõe da sua estrutura
de controle. Em casos específicos, como os do Ministério das Relações Exteriores, do
Ministério da Defesa e dos comandos das Forças Armadas, as estruturas de controle
interno são separadas da competência geral da CGU. De acordo com o American Institute
of Certified Public Accountants (AICPA), os controles internos da organização devem
atender aos seguintes requisitos:

a. ter caráter prioritariamente preventivo;

b. estar voltado, permanentemente, para a correção de desvios;

c. prevalecer como instrumento auxiliar de gestão, devendo auxiliar a própria administração


e também o controle externo;

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Artigo //

d. estar direcionado para o atendimento a todos os níveis hierárquicos da administração,


de forma a orientar todos quanto à correção dos procedimentos a serem adotados.

A independência dos integrantes do controle interno é sua principal característica essencial


para garantir que possa apoiar o ordenador de despesas na melhor de suas capacidades.
Assim como ocorre com relação aos pareceristas jurídicos técnicos, com os membros da
comissão de licitação e com os fiscais de contrato, deve o ordenador de despesas também
relativamente ao controle interno atuar em clima de harmonia e parceria. Em atendimento ao
princípio da segregação de funções, não devem os integrantes do controle interno imiscuir-
se na prática dos atos de gestão, mesmo porque, se assim se der, estarão comprometendo
a isenção e a imparcialidade necessárias à adequada avaliação desses atos. Além disso,
deve o controle interno vincular-se diretamente à instância hierárquica mais elevada do
órgão ou entidade, sem que haja níveis intermediários entre referido controle e o dirigente
máximo (TCU, 2009a; TCU, 2015d).

A unidade de auditoria interna deve estar vinculada à instância à qual


cabem as deliberações finais em matéria administrativa, em observância
às normas de auditoria interna e às boas práticas de governança nacionais
e internacionais (2018b).

Inversão do ônus de prova

A inversão do ônus de prova é um instituto jurídico característico da Administração Pública


que importa em grande responsabilidade para o ordenador de despesas. Ao contrário do
que ocorre em outros ramos do Direito, nos quais ao “acusador”, genericamente falando,
cabe provar o que alega, no Direito Orçamentário e Financeiro, o ônus de prova incumbe
ao gestor público (TCU, 2016). Por isso, quando da realização de despesa pública, a culpa
do ordenador de despesas por eventuais atos irregulares é presumida e a ele incumbe
demonstrar que sua conduta se pautou pela regularidade, pela conformidade com leis e
regulamentos, pelo compromisso com o interesse público e pela boa-fé.

Nos processos relativos ao controle financeiro da Administração Pública,


a culpa dos gestores por atos irregulares que causem prejuízo ao erário
é legalmente presumida, ainda que não se configure ação ou omissão
dolosa, admitida prova em contrário, a cargo do gestor. Na fiscalização
dos gastos públicos, privilegia-se, como princípio básico, a inversão do
ônus da prova. Cabe ao gestor demonstrar a boa aplicação dos dinheiros
e valores públicos sob sua responsabilidade (TCU, 2014b).

O ordenador de despesas deve estar sempre pronto para demonstrar o bom e regular
uso dos recursos públicos sob sua gestão. Na Administração Pública, vigora o princípio
da supremacia do interesse público sobre o privado, e não o princípio do in dubio pro
reo. Ao gestor público compete o ônus de demonstrar a regularidade dos atos de gestão
praticados, e essa exigência vale especialmente para o ordenador de despesas, habilitado
a dispor do patrimônio público que lhe é confiado e pelo qual responde. Pode-se chegar,
até mesmo, em certos casos, à presunção de dano ao erário.

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Ordenador de despesas: gestão, discricionariedade e responsabilidade pessoal

(...) a ausência de comprovação da boa e regular aplicação de recursos


federais, com a omissão no dever de prestar as contas satisfatoriamente,
configura ofensa não só às regras legais, mas também aos princípios
basilares da administração pública, já que, ao final e ao cabo, o gestor
deixa de prestar satisfação à sociedade sobre o efetivo emprego dos
recursos postos sob a sua responsabilidade, dando ensejo, inclusive,
à presunção legal de dano ao Erário pela integralidade dos valores
transferidos. (TCU, 2017).

Considerações finais

O ordenador de despesas é agente público investido de particular poder, haja vista sua
competência para realizar gastos à conta da Administração Pública e, em última análise, do
cidadão, contribuinte. A esse poder, como convém aos regimes democráticos, corresponde
responsabilidade igualmente singular. As atribuições dos ordenadores de despesa, os
chamados atos administrativos onerosos, caracterizam-se pela disposição do patrimônio
público e pela indissociabilidade entre as noções de autoridade e responsabilidade. A gestão
dos recursos públicos é confiada, primariamente, ao ordenador de despesas, e é por esse
prisma que se dá toda a avaliação de sua conduta.

A atuação do ordenador de despesas faz com que a Administração realize gastos custeados
com recursos públicos. Trata-se de atuação de extrema relevância para a entrega de bens e
serviços públicos à sociedade e que importa no dever de prestar contas dos atos praticados.
Tratando-se de recursos federais, essa prestação de contas é devida ao TCU, bem como
ao Congresso Nacional e aos outros órgãos integrantes do sistema federal de controle da
Administração Pública. Nos casos de recursos estaduais, municipais ou do Distrito Federal, as
prestações de contas são devidas aos respectivos órgãos competentes: tribunais de contas
estaduais ou municipais, Tribunal de Contas do Distrito Federal, assembleias legislativas,
câmaras de vereadores e Câmara Legislativa do Distrito Federal.

A ordenação de despesas é ato de efetiva gestão, o qual ultrapassa a mera formalidade


e a concordância com outras instâncias do órgão ou entidade. Os atos de ordenação de
despesas são caracterizados pela discricionariedade e importam no dever de supervisão
dos atos dos subordinados, o que se amolda aos institutos jurídicos da culpa in eligendo e
da culpa in vigilando. Os atos de realização de despesa pública devem ser, obrigatoriamente,
precedidos de rigorosa análise de todo o conteúdo envolvido na decisão, bem como dos
efeitos esperados, os quais devem estar em perfeita consonância com o interesse público. A
partir da assinatura em uma ordem bancária, em um cheque administrativo, em um despacho
de homologação de licitação ou outro documento similar, o ordenador de despesas assume
integral responsabilidade pelo uso que determina fazer do dinheiro público que lhe é confiado.

Na essência dos atos de ordenação de despesas, estão a onerosidade, a formalidade e


a discricionariedade. A onerosidade refere-se à efetiva disposição patrimonial, mediante
dispêndio financeiro ou outra forma que em termos financeiros possa ser medida. A formalidade
remete aos requisitos previstos em lei ou outro normativo, sem os quais o ato é considerado

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Artigo //

viciado e sujeito a anulação. A discricionariedade trata do exercício de poder em sua forma mais
evidente, já que o ordenador de despesas pode praticar o ato, ou não.

Os atos de ordenação de despesas geram responsabilidade pessoal do ordenador e são


caracterizados pela inversão do ônus de prova. A responsabilidade pessoal decorre diretamente
do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e importa em que eventual
dano ao Erário, salvo casos especiais, deva ser suportado pelo agente que lhe deu causa, com
seu patrimônio pessoal. A inversão do ônus de prova, também vinculada ao mesmo princípio,
faz incumbência do ordenador de despesas demonstrar que sua conduta é regular e conforme
com as normas aplicáveis, além de comprometida com o interesse público e movida pela
boa-fé. Ainda, como decorrência da natureza pessoal da responsabilidade, impedimentos e
vedações são impostos aos ordenadores de despesas.

Em princípio, nem mesmo a delegação de competência e o assessoramento afastam


a responsabilidade do ordenador de despesas. Os dois institutos são de fundamental
importância para a boa tomada de decisão pelo ordenador, mas, salvo hipóteses bastante
excepcionais, o ordenador de despesas retém consigo a responsabilidade pela realização da
despesa pública. Quanto à delegação de competência, pode-se delegar a autoridade, mas
não a responsabilidade, isto é, o ordenador titular conserva consigo a responsabilidade pelos
resultados. No que se refere ao assessoramento, importa esclarecer que o assessor auxilia o
ordenador na tomada de decisão, mas não é por ela responsável.

Caso de assessoramento particularmente relevante para o ordenador de despesas é o


decorrente dos pareceres jurídicos e técnicos. Embora importantes para a tomada de decisão,
os pareceres não têm natureza vinculante. O parecerista pode até ser responsabilizado perante
os órgãos de controle, mas isso não significa a isenção da responsabilidade de quem ordena a
despesa. Só muito excepcionalmente, em geral nos casos em que há dolo ou má-fé da parte do
parecerista, será o ordenador de despesas eximido da responsabilidade.

A relação do ordenador de despesas com os pareceristas jurídicos e técnicos deve ser pautada
pela harmonia e pela parceria. O mesmo ocorre relativamente a outros agentes públicos
cuja atuação se mostra particularmente relevante para o bom desempenho do ordenador
de despesas em suas atribuições, como é o caso dos membros das comissões de licitação,
dos fiscais de contrato e dos integrantes do controle interno. Todos esses agentes, ainda
que hierarquicamente subordinados ao ordenador de despesas, atuam com independência
funcional, o que deve ser compreendido e implementado pelo ordenador de despesas.

A atuação do ordenador de despesas está na essência da entrega de bens e serviços públicos


à sociedade. Raros são os casos em que essa entrega não importa em ônus financeiro ou
patrimonial a ser suportado pelo Erário. Por isso mesmo, o ordenador de despesas, agente
encarregado de autorizar a realização da despesa pública, ao mesmo tempo em que é dotado
de elevados poder e autoridade, também é depositário de grande responsabilidade, traduzida
em rigorosas exigências técnicas e de conduta. Compete ao ordenador manter-se alinhado
com os interesses e aspirações da sociedade e fazer o melhor uso possível das prerrogativas
de seu cargo, sempre em benefício da cidadania e em perfeito acordo com as normas que
regem o gasto público.

142 Revista TCU | 148


Ordenador de despesas: gestão, discricionariedade e responsabilidade pessoal

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Julho-Dezembro | 2021 143


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__________. Acórdão 2491/2016-TCU-1ªCâmara. Tomada de Contas Especial. Ministro-Relator


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__________. Acórdão 2597/2013-TCU-Plenário. Recurso de Reconsideração em Tomada de


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Bruno Dantas. Brasília: TCU, 2015d.

__________. Acórdão 289/2018-TCU-1ªCâmara. Prestação de Contas. Ministro-Substituto


Weder de Oliveira. Brasília: TCU, 2018b.

__________. Acórdão 2904/2014-TCU-Plenário. Recurso de Revisão em Tomada de Contas


Especial. Ministro-Substituto Marcos Bemquerer. Brasília: TCU, 2014c.

__________. Acórdão 300/2011-TCU-Plenário. Tomada de Contas. Ministro-Relator José Múcio


Monteiro. Brasília: TCU, 2011b.

__________. Acórdão 3045/2013-TCU-Plenário. Representação. Ministro-Relator Raimundo


Carreiro. Brasília: TCU, 2013d.

__________. Acórdão 3227/2017-TCU-2ªCâmara. Tomada de Contas Especial. Ministro-


Substituto André Luís de Carvalho. Brasília: TCU, 2017.

__________. Acórdão 336/2008-TCU-Plenário. Prestação de Contas. Ministro-Relator Ubiratan


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__________. Acórdão 337/2019-TCU-Plenário. Auditoria. Aplicação de recursos transferidos


pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) ao Fundo Municipal de Saúde de Dourados/MS. Ministro-
Relator Augusto Nardes. Brasília: TCU, 2019a.

144 Revista TCU | 148


Ordenador de despesas: gestão, discricionariedade e responsabilidade pessoal

__________. Acórdão 3389/2010-TCU-Plenário. Representação. Ministro-Relator Augusto


Nardes. Brasília: TCU, 2010a.

__________. Acórdão 4447/2020-TCU-2ªCâmara. Representação. Irregularidades em licitações


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TCU, 2020.

__________. Acórdão 479/2010-TCU-Plenário. Recurso de Reconsideração em Tomada de


Contas Especial. Ministro-Relator Raimundo Carreiro. Brasília: TCU, 2010b.

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__________. Acórdão 7477/2015-TCU-2ªCâmara. Recurso de Reconsideração em Tomada de


Contas Especial. Ministra-Relatora Ana Arraes. Brasília: TCU, 2015e.

__________. Acórdão 7575/2015-TCU-1ªCâmara. Tomada de Contas Especial. Ministro-Relator


Benjamin Zymler. Brasília: TCU, 2015f.

__________. Acórdão 828/2013-TCU-Plenário. Pedido de Reexame em Relatório de Auditoria.


Ministro-Relator Benjamin Zymler. Brasília: TCU, 2013e.

__________. Acórdão 830/2014-TCU-Plenário. Embargos de Declaração em Tomada de Contas


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Os conceitos e interpretações emitidos nos trabalhos assinados são de exclusiva


responsabilidade de seus autores.

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