1357905

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 3ª Turma Cível

Processo N. AGRAVO DE INSTRUMENTO 0700516-41.2021.8.07.9000

AGRAVANTE(S) VALERIA DA COSTA BASTOS

AGRAVADO(S) UNIAO SUL BRASILEIRA DE EDUCACAO E ENSINO


Relatora Desembargadora MARIA DE LOURDES ABREU

Acórdão Nº 1357905

EMENTA

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE


SENTENÇA. PENHORA EM CONTA VINCULADA. FGTS. NATUREZA SALARIAL.
IMPENHORABILIDADE. EXECUÇÃO. VERBA. NATUREZA ALIMENTAR. NÃO
COMPROVADA. POSSIBILIDADE.

1. Segundo o art. 833, IV, do Código de Processo Civil, são impenhoráveis os vencimentos, subsídios,
soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias
recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o disposto no § 2º do mesmo
artigo.

2. Os créditos oriundos do FGTS coadunam-se com a identificação de verba salarial, nos termos dos
artigos 2°, § 2° da Lei n.° 8.036/90, razão pela qual são impenhoráveis, salvo quando restar
comprovado que a verba executada possui natureza alimentar.

3. Ausente comprovação que a verba bloqueada em conta corrente possui natureza salarial, de forma a
incidir a impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do Código de Processo Civil, não há que se falar
em desconstituição da penhora.

4. Recurso conhecido e parcialmente provido.


ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, MARIA DE LOURDES ABREU - Relatora, ROBERTO FREITAS - 1º
Vogal e LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA - 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora
Desembargadora MARIA DE LOURDES ABREU, em proferir a seguinte decisão: CONHECER E
DAR PARCIAL PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.

Brasília (DF), 28 de Julho de 2021

Desembargadora MARIA DE LOURDES ABREU


Presidente e Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por VALÉRIA DA
COSTA BASTOS da decisão que, nos autos do cumprimento de sentença requerido por UNIÃO SUL
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ENSINO (processo n.º 0733343-44.2018.8.07.0001), rejeitou a
impugnação, nos seguintes termos (id 85064350 dos autos de origem):

(...)

Trata-se de impugnação apresentada pela executada ao bloqueio de ativos financeiros sob o


argumento de que houve a penhora de verba salarial na conta do Banco do Brasil e do seu saldo de
FGTS em conta na Caixa Econômica Federal (ID 75114071).

Intimada para comprovar a natureza salarial dos valores indicados como salário (ID 76215996), a
executada limitou-se a juntar o extrato analítico de conta vinculada ao FGTS na CEF (ID 77272435).

A exequente manifestou-se sob ID 79877108.

Decido.

Do cotejo dos autos, verifico que foi realizada via BACENJUD ordem de bloqueio no valor de R$
1.608,00 (ID 70624257) e reiterada a ordem em razão da “não-resposta” por meio de ofício (ID
70618118), reencaminhada sob ID 72268056.

A despeito da inércia da Caixa Econômica Federal para prestar informações acerca dos valores
penhorados nas contas da executada, em consulta as contas vinculadas ao presente feito, observo que
além do saldo capital de R$ 1.608,00 na conta nº 4000127405912, consta o saldo capital de R$
36.984,26, na conta nº 1000106253871, aplicado em 02/10/2020, o qual coincide com o valor sacado
da conta do FGTS da executada.

Quanto a quantia de R$ 1.608,00, bloqueada na conta do Banco do Brasil, verifico que a executada
não comprovou que se trata de verba salarial.
No que se refere às verbas das conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
ainda que possuam natureza salarial, não são absolutamente impenhoráveis, conforme fundamentação
a seguir.

O art. 789 do Código de Processo Civil preceitua que "o devedor responde com todos os seus bens
presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei".

Tais restrições estão, em grande parte, elencadas no art. 833 do CPC, que trata do regime das
impenhorabilidades; outras são decorrência da interpretação principiológica da Dignidade da Pessoa
Humana (a exemplo da impenhorabilidade de órteses e próteses que garantam a integridade física da
pessoa, medicamentos de uso pessoal etc.) e também da própria razoabilidade (a exemplo da
impenhorabilidade dos bens semoventes domesticados).

Observando as hipóteses do art. 833, o que se vislumbra, porém, é que a exceção transformou-se em
regra. A proteção dos bens do devedor é tamanha que poucas são as chances de o credor ver satisfeito
o seu direito.

Conquanto indispensável para a proteção da dignidade da pessoa, o regime das impenhorabilidades,


seguindo apenas a leitura do art. 833, conduz a uma ideia de garantismo hiperbólico monocular do
devedor - tomando emprestada a expressão utilizada por parte da doutrina penalista.

O garantismo hiperbólico monocular, expressão adotada por Douglas Fischer, representa, no âmbito
do processo penal, a interpretação dos direitos fundamentais com vistas à proteção e satisfação
(exacerbada e desproporcional) apenas dos direitos dos acusados e/ou condenados, em detrimento dos
direitos coletivos e sociais.

No âmbito do processo civil, guardadas as devidas proporções, é possível identificar semelhante


leitura protecionista quando observamos o processo de execução. Isso porque a realidade
socioeconômica do país aponta que o rol de impenhorabilidades efetivamente blinda o patrimônio de
parcela significativa da população brasileira.

Essa visão míope da garantia patrimonial, contudo, não é condizente com o sistema jurídico, pois o
direito do devedor não se sobrepõe ao do credor. Os interesses devem ser harmonizados, até mesmo
porque o credor tem "o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfativa" (art. 4º do CPC) e "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins
sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência" (art. 8º
do CPC).

Como, então, harmonizar tais interesses? Entendendo a finalidade da referida proteção.

Quanto às verbas salariais, Daniel Neves defende que "[a] justificativa para a impenhorabilidade
prevista no dispositivo legal ora comentado reside justamente na natureza alimentar de tais verbas,
donde a penhora e a futura expropriação significariam indevida invasão em direitos mínimos da
dignidade do executado, interferindo diretamente em sua manutenção, no que tange às necessidades
mínimas de habitação, transporte, alimentação, vestuário, educação, saúde etc." (Novo Código de
Processo Civil Comentado, 2016, p. 1.320).

Consequentemente, se o salário do devedor for suficiente para custear a sua manutenção


(considerando ainda que, para as despesas do lar, os cônjuges têm o dever de contribuir na medida de
suas possibilidades), todo o excedente é penhorável.

A exceção prevista no §2º do art. 833 impõe um regime de penhorabilidade absoluta, isto é, ainda que
os custos de vida do devedor ultrapassem a quantia, a verba é passível de expropriação. O que for
inferior àquele valor deve ser objeto de averiguação, cabendo ao devedor apresentar em juízo os
comprovantes das despesas médias com a sua manutenção e com a de sua família.
Ademais, pela teleologia da norma é possível concluir que, se a verba salarial tem como objetivo a
manutenção das necessidades mínimas de habitação, transporte, alimentação, vestuário, educação,
saúde etc., quanto a estas despesas o regime da impenhorabilidade não pode ser oposto. Ou seja,
despesas com escolas, planos de saúde, aluguel, condomínio não estão sujeitos à alegação de
impenhorabilidade salarial.

Em suma, não existe crédito absolutamente impenhorável e o FGTS não comporá a renda futura do
devedor, mas é uma "poupança forçada", sendo possível o seu saque somente em casos previstos em
legislação específica.

Quanto à impenhorabilidade dos valores depositados na conta de FGTS, esta apenas se justifica se o
devedor se encontre em algumas das hipóteses previstas na legislação que permite o saque do
benefício e desde que o devedor se encontre em situação de anormalidade que exija a utilização
imediata (exemplo: desempregado e sem fontes de renda) ou premente (exemplo: empregado com
aviso-prévio de demissão) daquela verba. Nesta situação, estar-se-á garantindo o patrimônio mínimo
do devedor de forma adequada.

No presente caso, verifico que a executada é empregada do Banco do Brasil e reside em local nobre
nesta capital, bem como verifica-se que o saldo do FGTS está sendo recomposto a partir de novos
depósitos realizados em sua conta vinculada mensalmente.

Cumpre ressaltar ainda que o crédito exequendo nos presentes autos é oriundo do inadimplemento de
mensalidades escolares dos filhos da exequente, de forma que não é possível reconhecer a insurgência
de impenhorabilidade dos valores bloqueados eis que, uma vez revestidos de natureza salarial,
possuem justamente a finalidade de garantir o acesso da exequente e sua família a direitos essenciais,
nestes está incluído o direito à educação.

Assim, considerando que a executada não comprovou que a penhora realizada efetivamente o priva do
sustento familiar e que é de sua responsabilidade pessoal o adimplemento das obrigações assumidas,
rejeito a impugnação de ID 75114071.

Preclusa a oportunidade recursal intimem-se as exequentes para indicar conta de titularidade dos
efetivos destinatários do crédito principal e honorários, no prazo de 5 (cindo) dias.

(...)

Em suas razões recursais (ID 24585971), afirma que “ao tomar conhecimento da penhora realizada, a
agravante apresentou impugnação demonstrando a impenhorabilidade dos valores, por serem
provenientes do FGTS, demonstrando a impenhorabilidade pela juntada do Extrato Bancário emitido
pela própria Caixa Econômica Federal” (id 24585971 – pág. 4)

Defende que os valores do FGTS existentes em conta vinculada são absolutamente impenhoráveis, nos
termos do art. 2°, § 2°, da Lei 8.036/90.

Argumenta, ainda, que “o colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que
somente o crédito de natureza alimentar pode mitigar a impenhorabilidade de saldo de conta
vinculada ao FGTS” (id 24585971 – pág. 9)

Ao fim, requer o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, para que sejam
suspensos os efeitos da decisão agravada, e, no mérito, o provimento de seu recurso, para que seja
reformada a decisão agravada.

Preparo (id 24585972).

Por ocasião da apreciação do pedido liminar, indeferi o pedido de efeito suspensivo (id 24612980).

Contrarrazões (id 25388358).


É o relatório.

VOTOS

A Senhora Desembargadora MARIA DE LOURDES ABREU - Relatora

Pressentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Conforme relatado, trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por
VALÉRIA DA COSTA BASTOS da decisão que, nos autos do cumprimento de sentença requerido
por UNIÃO SUL BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ENSINO (processo n.º
0733343-44.2018.8.07.0001), rejeitou a impugnação, nos seguintes termos (id 85064350 dos autos de
origem):

(...)

Trata-se de impugnação apresentada pela executada ao bloqueio de ativos financeiros sob o


argumento de que houve a penhora de verba salarial na conta do Banco do Brasil e do seu saldo de
FGTS em conta na Caixa Econômica Federal (ID 75114071).

Intimada para comprovar a natureza salarial dos valores indicados como salário (ID 76215996), a
executada limitou-se a juntar o extrato analítico de conta vinculada ao FGTS na CEF (ID 77272435).

A exequente manifestou-se sob ID 79877108.

Decido.

Do cotejo dos autos, verifico que foi realizada via BACENJUD ordem de bloqueio no valor de R$
1.608,00 (ID 70624257) e reiterada a ordem em razão da “não-resposta” por meio de ofício (ID
70618118), reencaminhada sob ID 72268056.

A despeito da inércia da Caixa Econômica Federal para prestar informações acerca dos valores
penhorados nas contas da executada, em consulta as contas vinculadas ao presente feito, observo que
além do saldo capital de R$ 1.608,00 na conta nº 4000127405912, consta o saldo capital de R$
36.984,26, na conta nº 1000106253871, aplicado em 02/10/2020, o qual coincide com o valor sacado
da conta do FGTS da executada.

Quanto a quantia de R$ 1.608,00, bloqueada na conta do Banco do Brasil, verifico que a executada
não comprovou que se trata de verba salarial.

No que se refere às verbas das conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
ainda que possuam natureza salarial, não são absolutamente impenhoráveis, conforme
fundamentação a seguir.

O art. 789 do Código de Processo Civil preceitua que "o devedor responde com todos os seus bens
presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei".
Tais restrições estão, em grande parte, elencadas no art. 833 do CPC, que trata do regime das
impenhorabilidades; outras são decorrência da interpretação principiológica da Dignidade da
Pessoa Humana (a exemplo da impenhorabilidade de órteses e próteses que garantam a integridade
física da pessoa, medicamentos de uso pessoal etc.) e também da própria razoabilidade (a exemplo da
impenhorabilidade dos bens semoventes domesticados).

Observando as hipóteses do art. 833, o que se vislumbra, porém, é que a exceção transformou-se em
regra. A proteção dos bens do devedor é tamanha que poucas são as chances de o credor ver
satisfeito o seu direito.

Conquanto indispensável para a proteção da dignidade da pessoa, o regime das impenhorabilidades,


seguindo apenas a leitura do art. 833, conduz a uma ideia de garantismo hiperbólico monocular do
devedor - tomando emprestada a expressão utilizada por parte da doutrina penalista.

O garantismo hiperbólico monocular, expressão adotada por Douglas Fischer, representa, no âmbito
do processo penal, a interpretação dos direitos fundamentais com vistas à proteção e satisfação
(exacerbada e desproporcional) apenas dos direitos dos acusados e/ou condenados, em detrimento
dos direitos coletivos e sociais.

No âmbito do processo civil, guardadas as devidas proporções, é possível identificar semelhante


leitura protecionista quando observamos o processo de execução. Isso porque a realidade
socioeconômica do país aponta que o rol de impenhorabilidades efetivamente blinda o patrimônio de
parcela significativa da população brasileira.

Essa visão míope da garantia patrimonial, contudo, não é condizente com o sistema jurídico, pois o
direito do devedor não se sobrepõe ao do credor. Os interesses devem ser harmonizados, até mesmo
porque o credor tem "o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfativa" (art. 4º do CPC) e "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins
sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência" (art. 8º
do CPC).

Como, então, harmonizar tais interesses? Entendendo a finalidade da referida proteção.

Quanto às verbas salariais, Daniel Neves defende que "[a] justificativa para a impenhorabilidade
prevista no dispositivo legal ora comentado reside justamente na natureza alimentar de tais verbas,
donde a penhora e a futura expropriação significariam indevida invasão em direitos mínimos da
dignidade do executado, interferindo diretamente em sua manutenção, no que tange às necessidades
mínimas de habitação, transporte, alimentação, vestuário, educação, saúde etc." (Novo Código de
Processo Civil Comentado, 2016, p. 1.320).

Consequentemente, se o salário do devedor for suficiente para custear a sua manutenção


(considerando ainda que, para as despesas do lar, os cônjuges têm o dever de contribuir na medida
de suas possibilidades), todo o excedente é penhorável.

A exceção prevista no §2º do art. 833 impõe um regime de penhorabilidade absoluta, isto é, ainda que
os custos de vida do devedor ultrapassem a quantia, a verba é passível de expropriação. O que for
inferior àquele valor deve ser objeto de averiguação, cabendo ao devedor apresentar em juízo os
comprovantes das despesas médias com a sua manutenção e com a de sua família.

Ademais, pela teleologia da norma é possível concluir que, se a verba salarial tem como objetivo a
manutenção das necessidades mínimas de habitação, transporte, alimentação, vestuário, educação,
saúde etc., quanto a estas despesas o regime da impenhorabilidade não pode ser oposto. Ou seja,
despesas com escolas, planos de saúde, aluguel, condomínio não estão sujeitos à alegação de
impenhorabilidade salarial.

Em suma, não existe crédito absolutamente impenhorável e o FGTS não comporá a renda futura do
devedor, mas é uma "poupança forçada", sendo possível o seu saque somente em casos previstos em
legislação específica.

Quanto à impenhorabilidade dos valores depositados na conta de FGTS, esta apenas se justifica se o
devedor se encontre em algumas das hipóteses previstas na legislação que permite o saque do
benefício e desde que o devedor se encontre em situação de anormalidade que exija a utilização
imediata (exemplo: desempregado e sem fontes de renda) ou premente (exemplo: empregado com
aviso-prévio de demissão) daquela verba. Nesta situação, estar-se-á garantindo o patrimônio mínimo
do devedor de forma adequada.

No presente caso, verifico que a executada é empregada do Banco do Brasil e reside em local nobre
nesta capital, bem como verifica-se que o saldo do FGTS está sendo recomposto a partir de novos
depósitos realizados em sua conta vinculada mensalmente.

Cumpre ressaltar ainda que o crédito exequendo nos presentes autos é oriundo do inadimplemento de
mensalidades escolares dos filhos da exequente, de forma que não é possível reconhecer a
insurgência de impenhorabilidade dos valores bloqueados eis que, uma vez revestidos de natureza
salarial, possuem justamente a finalidade de garantir o acesso da exequente e sua família a direitos
essenciais, nestes está incluído o direito à educação.

Assim, considerando que a executada não comprovou que a penhora realizada efetivamente o priva
do sustento familiar e que é de sua responsabilidade pessoal o adimplemento das obrigações
assumidas, rejeito a impugnação de ID 75114071.

Preclusa a oportunidade recursal intimem-se as exequentes para indicar conta de titularidade dos
efetivos destinatários do crédito principal e honorários, no prazo de 5 (cindo) dias.

(...)

Em suas razões recursais (ID 24585971), afirma que “ao tomar conhecimento da penhora realizada,
a agravante apresentou impugnação demonstrando a impenhorabilidade dos valores, por serem
provenientes do FGTS, demonstrando a impenhorabilidade pela juntada do Extrato Bancário emitido
pela própria Caixa Econômica Federal” (id 24585971 – pág. 4)

Defende que os valores do FGTS existentes em conta vinculada são absolutamente impenhoráveis,
nos termos do art. 2°, § 2°, da Lei 8.036/90.

Argumenta, ainda, que “o colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que
somente o crédito de natureza alimentar pode mitigar a impenhorabilidade de saldo de conta
vinculada ao FGTS” (id 24585971 – pág. 9)

Ao fim, requer o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, para que sejam
suspensos os efeitos da decisão agravada, e, no mérito, o provimento de seu recurso, para que seja
reformada a decisão agravada.

Sem outras questões prejudiciais e/ou preliminares, passo ao exame do mérito recursal.

Dispõe o artigo 833, IV, do Código de Processo Civil, que são absolutamente impenhoráveis as verbas
salariais:

Art. 833. São impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado,


salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio
padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de


aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2°;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis


necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em


educação, saúde ou assistência social;

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação


imobiliária, vinculados à execução da obra.

§ 1° A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive


àquela contraída para sua aquisição.

§ 2° O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de
prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50
(cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e
no art. 529, § 3°. (grifou-se)

Assim, o legislador quis proteger as verbas de caráter alimentar, destinadas à subsistência pessoal e
familiar do devedor, em consonância com o princípio de que a execução deve respeitar a dignidade
humana do executado.

Da mesma forma, os créditos oriundos do FGTS coadunam-se com a identificação de verba salarial,
portanto, absolutamente impenhoráveis, nos termos dos artigos 2°, § 2° da Lei n.° 8.036/90.

Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros
recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a
assegurar a cobertura de suas obrigações.

§ 1º Constituem recursos incorporados ao FGTS, nos termos do caput deste artigo:

a) eventuais saldos apurados nos termos do art. 12, § 4º;

b) dotações orçamentárias específicas;

c) resultados das aplicações dos recursos do FGTS;

d) multas, correção monetária e juros moratórios devidos;

e) demais receitas patrimoniais e financeiras.


§ 2º As contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis. (grifei)

Como já dito alhures, tais verbas, em regra, são impenhoráveis, mitigando-se tal regra apenas para
execução de verba de natureza alimentar, o que não é o caso dos autos, pois se trata de cumprimento
de sentença para satisfação de crédito decorrente do descumprimento de obrigação estabelecida em
contrato de ensino, razão pela qual as regras de impenhorabilidade não podem ser mitigadas.

Sobre o tema, vejam-se os seguintes arestos deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPENHORABILIDADE.


CRÉDITOS EM CONTAS DO FGTS E PIS-PASEP. NORMAIS JURÍDICAS ESPECÍFICAS.
RECURSO DESPROVIDO. 1. Na presente hipótese a questão em exame consiste em deliberar a
respeito da possibilidade de penhora de quantias vinculadas aos saldos do FGTS e do PIS-PASEP. 2.
Os valores depositados nas contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e os
montantes das contribuições ao PIS-PASEP são, por natureza, impenhoráveis, nos termos do art.
2º, § 2º, da Lei no 8.036/1990 e do art. 4º a Lei Complementar no 26/1975. Precedentes deste
Egrégio Tribunal de Justiça. 2.1. Além disso, o crédito a ser satisfeito pela recorrida é decorrente
de ato ilícito relativo e decorre do descumprimento de obrigação estabelecida em contrato de
comodato, razão pela qual as regras de impenhorabilidade não podem ser mitigadas. 3. Recurso
conhecido e desprovido.

(Acórdão 1340796, 07215158320208070000, Relator: ALVARO CIARLINI, 3ª Turma Cível, data de


julgamento: 12/5/2021, publicado no PJe: 8/6/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO


MONITÓRIA. CONTRATO DE COMODATO. PENHORA. FGTS. PIS-PASEP.
IMPENHORABILIDADE. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. VERBA ALIMENTAR EM SENTIDO
AMPLO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. As contas vinculadas
ao FGTS e ao PIS estão abrangidas pela impenhorabilidade, conforme exegese do art. 2º, § 2º da
Lei n. 8.036/90 e do art. 4º da Lei Complementar n. 26/75. 2. A mitigação dessa regra, admitindo-se
a penhora de conta vinculada do FGTS e do PIS-PASEP, é possível para o pagamento de prestação
alimentícia stricto sensu, por envolver a própria subsistência do alimentado e dos seus dependentes
(Lei n. 5478/68), o que não se aplica ao presente caso, porquanto o crédito exequendo é oriundo de
ação monitória ajuizada em decorrência de contrato de comodato rescindido e, malgrado abarque,
também, honorários sucumbenciais, tal verba ostenta caráter alimentar em sentido amplo, não se
coadunando com os fins sociais da Lei n. 8.036/90 o deferimento da pretendida penhora nesses
casos. 3. Recurso conhecido e desprovido.

(Acórdão 1329491, 07266689720208070000, Relator: SANDRA REVES, 2ª Turma Cível, data de


julgamento: 24/3/2021, publicado no PJe: 12/4/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifei)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. AÇÃO DE


CONHECIMENTO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. CRÉDITO
ORIUNDO DE CONTAS VINCULADAS AO FGTS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO
MONOCRÁTIVA REFORMADA. 1. No caso dos autos, a CEF possui interesse processual para
promover a defesa do FGTS, uma vez que é seu "agente operador", conforme dispõe o art. 7º da Lei
n. 8.036/90. Nesta qualidade, à CEF incumbe "manter e controlar as contas vinculadas" ao FGTS.
Tal fato, "per se", legitima a CEF a promover a defesa (judicial e extrajudicial) dos valores
vinculados ao FGTS. 2. Ademais, não há como se promover a penhora sobre crédito oriundo de
contas vinculadas ao FGTS, tendo em vista que o § 2º, do art. 2º, da Lei n. 8.036/90 impede a
penhora de valores vinculados a tais contas. 3. Importa consignar que, embora a
impenhorabilidade de tais valores não seja absoluta, somente é possível relativizar as disposições
acima transcritas, de modo a permitir a constrição judicial dos valores vinculados ao FGTS, na
hipótese de execução de alimentos, o que não é a hipótese dos autos de origem. 4. Agravo de
Instrumento conhecido e provido.

(Acórdão 1305989, 07208827220208070000, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, 8ª Turma Cível, data
de julgamento: 9/12/2020, publicado no DJE: 17/12/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifei)

No mesmo sentido, inclusive, já exarei voto em processo de minha relatoria, senão vejamos:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.


MULTA COMINATÓRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PENHORA. VERBAS. PIS. FGTS.
NATUREZA. SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. 1. Segundo o art. o artigo 833, IV, do Código de
Processo Civil, são impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações,
proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade
de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e
os honorários de profissional liberal, ressalvado o disposto no § 2º do mesmo artigo. 2. Os créditos
oriundos do FGTS e do PIS coadunam-se com a identificação de verba salarial, nos termos dos
artigos 2°, § 2° da Lei n.° 8.036/90 e do art. 4° da Lei Complementar n.° 26/75, razão pela qual são
impenhoráveis. 3. A mitigação prevista no parágrafo § 2º do artigo 833, do Código de Processo
Civil não se aplica ao caso dos autos, que se trata de execução de duplicatas e ainda que os
honorários do patrono da agravante componham o objeto do feito, tais consectários não constituem
o objeto principal da execução. 4. Prevalece a absoluta impenhorabilidade conferida aos créditos
decorrentes do PIS e do FGTS, relativizada apenas quanto à execução de alimentos, o que não é o
caso sob análise. 5. Recurso conhecido e desprovido.

(Acórdão 1305849, 07277913320208070000, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, 3ª Turma


Cível, data de julgamento: 21/10/2020, publicado no PJe: 14/12/2020. Pág.: Sem Página
Cadastrada.) (grifei)

Exatamente por tratar-se a penhora de restrição a um direito fundamental, é preciso que sua aplicação
se submeta à análise das circunstâncias do caso concreto e, no presente caso, não restou demonstrada
a excepcionalidade prevista na legislação (artigo 833, § 2º, do Código de Processo Civil) apta a
desconstituir a proteção conferida aos créditos decorrentes do FGTS, razão pela qual deve prevalecer
a absoluta impenhorabilidade desta verba, relativizada apenas quanto à execução de alimentos, o que
não é o caso sob análise.

Assim, a desconstituição da penhora ocorrida na conta vinculada do FGTS da agravante, no valor de


R$36.984,26 (trinta e seis mil, novecentos e oitenta e quatro reais e vinte seis centavos), é medida que
se impõe.

Quanto ao bloqueio ocorrido na conta corrente de titularidade da agravante no Banco do Brasil, no


valor de R$ 1.608,00 (mil seiscentos e oito reais), verifico que não restou comprovado nos autos que a
referida verba possui natureza salarial, de forma a incidir a impenhorabilidade prevista no art. 833, IV,
do Código de Processo Civil, pelo que a penhora deve ser mantida nos termos da decisão agravada.

Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento, apenas


para determinar a desconstituição da penhora ocorrida na conta vinculada do FGTS da agravante, no
valor de R$36.984,26 (trinta e seis mil, novecentos e oitenta e quatro reais e vinte seis centavos).

É como voto.

O Senhor Desembargador ROBERTO FREITAS - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA - 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO

CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO, UNÂNIME

Você também pode gostar