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Resumo:
A abordagem por processos constitui-se um dos sete princípios de gestão da
qualidade nos quais a ISO 9001 se suporta, e esclarece que os resultados
consistentes e previsíveis são atingidos de modo mais eficaz e eficiente quando as
atividades são compreendidas e geridas como processos inter-relacionados que
funcionam como um sistema coerente. Cada organização determina e gere os
processos necessários para alcançar os resultados pretendidos, usando uma
abordagem sistémica de gestão.
Este artigo tem como objetivo apresentar a abordagem por processos segundo a
nova versão da norma, descrever um processo e como levar a cabo a sua gestão.
A aplicação desta abordagem num sistema de gestão da qualidade permite a
satisfação dos requisitos, o desempenho eficaz dos processos e uma melhoria dos
mesmos baseada na análise de dados e informação. Neste sentido, as atividades de
trabalho geram valor para o cliente e outras partes interessadas.
A abordagem por processos é transversal a toda a norma podendo ser encontradas
referências a processos em praticamente todas as secções da norma. Integra,
ainda, o ciclo PDCA e o pensamento baseado em risco e oportunidades em todos
os processos necessários para o sistema de gestão da qualidade.
Abstract:
The process approach constitutes one of the seven quality management principles
on which ISO 9001 is supported, and clarifies that consistent and predictable
results are achieved more effectively and efficiently when activities are
understood and managed as internal related processes acting as a coherent
system. Each organization determines and manages the processes required to
achieve the desired results using a systemic approach to management.
Applying this approach in a quality management system allows the satisfaction of
the requirements, the effective performance of processes and improves them based
on the analysis of data and information. In this sense, the work activities create
value for the customer and other stakeholders.
The process approach is present across the standard and can be found references
to processes in almost all sections of the standard. Also integrates PDCA cycle
and risk and opportunity based thought in all processes necessary for the quality
management system.
1.Introdução
O risco designa o efeito da incerteza (ISO 9000:2015). O efeito consiste num desvio ao
esperado que pode ser positivo ou negativo (ISO 9000:2015). A incerteza é o estado, ainda
que parcial, de deficiência de informação, relacionado com a compreensão ou conhecimento
de um evento, sua consequência ou verosimilhança (ISO 9000:2015).
O risco caracteriza-se por referência a potenciais eventos e consequência ou uma combinação
dos dois, sendo expresso em termos de uma combinação das consequências de um evento
(incluindo alterações nas circunstâncias) com a verosimilhança de ocorrência associada (ISO
9000:2015).
Uma organização deve planear e implementar ações para tratar os riscos e as oportunidades
que (ISO/TC 176/1289):
a) podem afetar a capacidade de atingir os resultados pretendidos do SGQ;
b) potenciam efeitos desejáveis;
c) têm o potencial de causar efeitos indesejados, devendo ser prevenidos ou reduzidos;
d) permitem obter melhorias.
O pensamento baseado em risco permite uma redução nos requisitos prescritivos e a sua
substituição por requisitos baseados no desempenho.
Face à ISO 9001:2008, a edição atual confere uma maior flexibilidade nos requisitos para
processos, informação documentada e responsabilidades organizacionais.
Embora no requisito “6.1 Ações para tratar riscos e oportunidades” se especifique que a
organização deve planear ações para tratar os riscos, não há nenhum requisito para métodos
formais de gestão do risco ou para um processo documentado de gestão do risco (Fonseca,
2015). Desta forma, as organizações podem decidir desenvolver ou não metodologia mais
extensas de gestão do risco através da aplicação de outras orientações ou normas.
Os riscos e oportunidades associados aos resultados pretendidos do SGQ são os que
influenciam a capacidade de fornecer produtos e serviços conformes e que aumentam a
satisfação do cliente (APCER, 2015). Exemplos de riscos:
a) incumprimento de requisitos legais;
b) insatisfação dos clientes;
c) entrega de produto não conforme;
d) não cumprimento dos objetivos de gestão da qualidade.
São exemplos de oportunidades:
a) aumento da satisfação dos clientes pela antecipação de necessidades e expectativas;
b) alteração de métodos de trabalho com impacto positivo nos processos do SGQ;
c) aquisição de novos equipamentos com impacto positivo na produção da organização;
ABORDAGEM POR PROCESSOS 17
2.3.2.Metodologia PDCA
Inicialmente desenvolvida por Walter Shewhart, na década de 30, foi sendo aperfeiçoada,
dinamizada e generalizada por Edwards Deming, advindo daí a origem de outra denominação
porque é conhecido – ciclo de Deming (Juran, 1989).
A ISO 9001:2008 incorporava a metodologia PDCA na gestão dos seus processos, mas a nova
versão promove um conceito de melhoria mais abrangente do que a melhoria contínua da
eficácia do SGQ. A figura 1 mostra o ciclo PDCA na abordagem por processos (Aranaz et al.,
2003; Cicco, 2007; ISO/TC 176/1289; Paiva et al., 2001; Riley, 1998).
3.Conceito de processo
O processo designa o conjunto de atividades inter-relacionadas e interatuantes que
transformam entradas (inputs) em resultados desejados (outputs, produtos, serviços) (ISO
9000:2015), acrescentando valor durante esta transformação. As entradas e saídas podem ser
tangíveis ou intangíveis (QSP, 2007). Por outras palavras, um processo não é mais do que a
sucessão de passos e decisões que se seguem para realizar uma determinada atividade ou
tarefa e que está orientado para atingir o resultado pretendido (Aranaz et al., 2003).
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cultura organizacional. Estes processos ‘chave’ assumem, pela sua natureza, um papel mais
relevante no âmbito do SGQ e são os que apresentam um maior impacto na qualidade do
produto e serviço, risco para o cumprimento dos requisitos do cliente, risco para o
cumprimento dos requisitos legais, riscos económico-financeiros, maior competência por
parte dos colaboradores, maior complexidade e falhas na organização (seja em maior número,
maior gravidade e/ou maior custo).
Para além destes, há os processos de ‘suporte’ que, apesar de não terem interações diretas com
os clientes, interagem com os primeiros suportando o seu funcionamento (Castilho, [s.d.]).
Numa organização podem ser identificados os seguintes tipos de processos (ISO/TC 176,
2008; QSP, 2007; IAT, [s.d.]):
processos para atividades de gestão – referentes ao planeamento estratégico,
estabelecimento de políticas, definição de objetivos, promoção da comunicação,
garantia da disponibilidade dos recursos necessários e análises críticas pela direção;
processos para a gestão de recursos – referentes à provisão dos recursos que são
necessários para os processos de gestão, de realização e de medição;
processos de realização do produto – fornecem as saídas desejadas da organização;
processos de medição, análise e melhoria – necessários para medir e recolher dados
para a análise do desempenho e para a melhoria da eficácia e da eficiência.
De referir que não é requerida uma hierarquização dos processos, ainda que o estabelecimento
de processos ‘chave’ possam suportar uma maior orientação da organização para atividades e
processos de valor acrescentado.
Tornar visível a rede a rede de processos e as atividades da organização deve ser feito com a
linguagem e cultura da própria organização, para que possa ser claramente compreendido a
todos os níveis. Parece fácil, mas é na realidade um desafio.
A forma mais utilizada para representar os processos identificados e as suas interrelações é
através de um mapa de processos que consiste na representação gráfica que mostra as
interações entre todos os processos integrantes do SGQ de uma organização.
A figura 4 representa um exemplo de um mapa de processos de um Serviço de Sangue.
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Para ilustrar a sequência das atividades que compõem um processo, é muito comum
recorrerem-se aos fluxogramas, na medida em que proporcionam uma visão global do
processo. A escolha das formas de expressão depende apenas da linguagem/cultura da
organização, mas é muito importante que seja a mais adequada, uma vez que é determinante
para o sucesso do entendimento generalizado na organização (Castilho, [s.d.]).
Apesar dos fluxogramas se constituírem como uma ferramenta poderosa de apoio à execução
de atividades de determinado processo, devem ser suportados, sempre que necessário, por
outros meios, em virtude de nem todos os recursos humanos de uma organização poderem
estar familiarizados com a interpretação desta forma de representar as atividades e as tarefas
(Paiva et al., 2001). Tem a vantagem de utilizar símbolos padronizados para definir ações,
decisões, entradas e saídas dos processos. O quadro 1 mostra um exemplo de símbolos que
podem ser utilizados na construção dos fluxogramas.
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Símbolo Legenda
Limites do processo
“Início” ou “Fim”
Ponto de decisão
(Sim/Não, Verdadeiro/Falso, Conforme/Não
Conforme)
Direção
Processo relacionado
Processo a montante/jusante ou sub-processo
Conexão
Elemento de ligação entre fluxogramas ou partes do
mesmo (preenchido com uma letra)
3.3.Avaliação do desempenho
Cada organização determina os métodos de monitorização, medição, análise e avaliação
adequados para obter informação válida sobre o desempenho do SGQ e a satisfação do
ABORDAGEM POR PROCESSOS 29
cliente. Apesar de existirem vários sistemas de monitorização e medição, este artigo refere
apenas os formados pelos objetivos, indicadores e metas.
Depois de estabelecidos os objetivos, os indicadores e as metas, recolhem-se os dados e
analisam-se ao longo do tempo.
O quadro 2 apresenta exemplos de objetivos, metas e indicadores relativos ao processo da
colheita de sangue e validação de componentes de um Serviço de Sangue.
Garantir o crescimento da base de Manutenção da base nº de dadores de 1ª vez /nº de dadores rácio < 1
dadores de dadores que deixaram de ser regulares
Diminuir o número de doentes que Desistências do (nº de doentes que desistiram/nº de diminuir 10% em relação ao
desistem de participar no programa de doentes propostos) * 100 ano anterior
programa de autotransfusão autotransfusão
Para cada uma das metas, deve estar associado um prazo (mensal, trimestral, semestral, ...),
indicação dos resultados obtidos no ano anterior, o(s) responsável(eis) pelo acompanhamento
e o processo a que está associado.
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NÚMERO TEMÁTICO 3 | 2016
Os indicadores devem ser apresentados graficamente para se ter uma noção da variabilidade e
tendência que ajudarão na pesquisa de soluções para a melhoria com o intuito de atingir a
meta proposta ou de definir novas metas para aquele indicador (ABCQ, 2013).
A grande maioria das organizações não documenta a fórmula de cálculo dos indicadores. Esta
situação cria equívocos decorrentes da não formalização das fórmulas de cálculo, porque o
entendimento deixa de ser unânime entre os gestores (Pires, 2007).
Apresentam-se alguns erros a evitar com o sistema de medição (Araújo, 2005; Pires, 2007):
medir muitos indicadores sem estabelecer a prioridade e a hierarquia;
medir apenas para controlo das metas em vez do foco estar na melhoria;
medir para cortar custos em vez de melhorar o desempenho e a qualidade;
os objetivos gerais do negócio não estarem articulados com os objetivos dos processos;
os objetivos dos processos não estarem alinhados com os de outras atividades,
nomeadamente com as atividades típicas da qualidade.
Estas situações resultam da pouca experiência das organizações com a abordagem por
processos. Os objetivos são estabelecidos mais por necessidade de mostrar aos auditores do
que por necessidades do negócio (Pires, 2007).
Muito importante mostrar ‘como’ a organização consegue atingir os objetivos definidos
podendo ser necessário estabelecer programas para alcançar os objetivos devendo constar as
ações implementadas, os responsáveis, os recursos, os prazos e a eficácia das ações
implementadas (Pires, 2007).
3.3.2.Objetivos da qualidade
A ISO 9000:2015 define o objetivo da qualidade como um resultado que se procura obter ou
atingir relacionado com o grau de satisfação de requisitos dados por um conjunto de
características intrínsecas.
Os objetivos da qualidade são estabelecidos pela organização, suportando a política da
qualidade, para atingir resultados específicos. Estão alinhados com os restantes objetivos e a
direção estratégica da organização e não serem considerados como algo separado.
A ISO 9001:2015 requer que os objetivos da qualidade sejam documentados e tenham as
seguintes características (APCER, 2015):
a) consistentes com a política;
b) mensuráveis;
c) consistentes com os requisitos legais;
d) relevantes;
e) monitorizados;
f) comunicados;
g) atualizados.
Torna-se, assim, necessário realizar um planeamento adequado que assegure:
a) o que vai ser feito;
b) com que recursos;
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c) quem é responsável;
d) quando será concluído;
e) como são avaliados os resultados.
A abordagem 5W2H (Who – What – When – Where – Why – How – How much) é um modo
útil de gerir objetivos e está alinhada com a norma (APCER, 2015).
Este sistema de monitorização e medição fica completo quando se juntam os indicadores que
se constituem com o alicerce para a gestão por factos. Não basta garantir o controlo sobre os
processos da organização, é preciso conseguir uma melhoria quanto ao desempenho do SGQ
(G-QUOD, 2010).
3.3.3.Indicadores de desempenho
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, a palavra indicador significa “que indica”; “que
dá indicações”. O indicador pode ser definido como a representação quantificável das
características de produtos e processos sendo utilizado para a melhoria da qualidade e
desempenho de um produto, serviço ou processo, ao longo do tempo (Lorentz et al., 2012).
O uso de indicadores é uma das formas de se medir e avaliar a qualidade dos produtos, dos
processos e dos clientes (Lorentz et al., 2012). A existência de um conjunto de indicadores de
desempenho para os processos que permite a avaliação da sua eficácia, tal como da sua
eficiência, permite a consolidação das bases para que a tomada de decisões possa ser feita
baseada em factos concretos, mais que em perceções (G-QUOD, 2010).
Devem estar perfeitamente alinhados com os objetivos e podem fornecer o elemento
‘mensurável’ do acrónimo SMART (EQUABENCH, [s.d.]) podendo existir mais de um
indicador para um único objetivo (ABCQ, 2013).
Ao selecionar os indicadores, a organização deve assegurar-se que os mesmos proporcionam
informação que é mensurável, exata e fiável e que pode ser utilizada para implementar ações
corretivas quando o desempenho não está em conformidade com os objetivos ou para
melhorar a eficiência e a eficácia do processo.
Existem vários tipos de indicadores (Freitas, 2011):
a) indicadores estratégicos: refletem o desempenho em relação aos fatores críticos de
sucesso;
b) indicadores de produtividade (eficiência): medem a proporção de recursos consumidos
em relação às saídas dos processos;
c) indicadores de qualidade (eficácia): focam as medidas de satisfação dos clientes e as
características de produto/serviço;
ABORDAGEM POR PROCESSOS 33
4.Conclusão
Na revisão da ISO 9001 de 2000 foram introduzidas alterações significativas, sendo a mais
pragmática a ‘abordagem por processos’. A edição atual da ISO 9001 vai mais longe e centra
a sua atenção no desempenho organizacional exigindo às organizações que façam a gestão dos
seus processos de modo a atingir os resultados pretendidos, que façam uso do ‘pensamento
baseado em risco’ na determinação do grau de planeamento e controlo necessários, gerindo
processos e o sistema como um todo e aplicando o ciclo PDCA.
Torna-se cada vez mais necessário desenvolver um pensamento sistémico e uma visão da
totalidade ao nível organizacional.
A aplicação da abordagem por processos num SGQ traz inúmeros benefícios, como sejam
(Araújo, 2005; ISO/TC 176, 2008; Juran e Godfrey, 1998; ISO/TC 176/1289): compreensão e
a satisfação consistente dos requisitos, considera os processos em termos de valor
acrescentado, obtém-se um desempenho eficaz dos processos, melhoria dos processos baseada
na avaliação de dados e de informação, identifica e elimina qualquer atividade desnecessária,
assume-se como uma ferramenta importante na eliminação de barreiras organizacionais,
potencia o alinhamento dos sistemas de gestão com as atividades de negócio e da cultura da
organização, melhora a realização dos produtos e serviços, facilita a avaliação do desempenho
34 TMQ – TECHNIQUES, METHODOLOGIES AND QUALITY
NÚMERO TEMÁTICO 3 | 2016
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Curriculum Vitae:
Margarete Cardoso é Mestre em Gestão e Avaliação de Tecnologias em Saúde. Desde 2001 que trabalha como
Técnica de Análises Clínicas no Serviço de Imuno-hemoterapia do Hospital Vila Franca de Xira onde acumula
funções de coordenação técnica das áreas da colheita de sangue e hospital de dia e é a Dinamizadora para a
Qualidade e Segurança do Doente. As suas áreas de interesse são a imuno-hematologia, a gestão da qualidade e a
área renal.
Authors Profiles:
Margarete Cardoso has a Master in Management and Technology Assessment in Health. Since 2001 works as a
Lab Technician at Vila Franca de Xira Hospital Blood Bank. Acumulates with Blood Collection and Day
Hospital Coordination and is also Promoter for Quality and Patient Safety. Her research interests are in the areas
of imuno-hematology, quality management and renal area.