Asociedadecapitalista Livro

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Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas


(LeMarx/FACED/UFBA)
Título: Marx/Engels: A sociedade capitalista
Autores: Sandra M. M. Siqueira e Francisco Pereira
LeMarx/FACED/UFBA
Salvador, janeiro de 2020.
Capa: Dielson Costa
3

Em homenagem a todos os revolucionários e


revolucionárias que lutaram, sem retroceder, pela
superação do capitalismo, e que tiveram em O Capital
(1867), de Karl Marx, o seu guia para a defesa do
socialismo.
4

“O objetivo final desta obra, diz Marx no seu prefácio


a O Capital, é descobrir a lei econômica do movimento da
sociedade moderna”, isto é, da sociedade capitalista, da
sociedade burguesa. O estudo das relações de produção
de uma sociedade historicamente determinada e concreta
no seu nascimento, desenvolvimento e declínio, tal é o
conteúdo da doutrina econômica de Marx. (V. I. Lênin,
Karl Marx, 1914).
5

SUMÁRIO

1. Apresentação ................................................................................................6

2. A Sociedade Capitalista ...........................................................................9

2.1. Introdução .........................................................................................9

2.2. O Manifesto Comunista e a crítica do capitalismo ..........................12

2.3. Estudos econômicos anteriores a O Capital ...................................27

2.3.1. Trabalho assalariado e capital ..........................................27


2.3.2. Para a crítica da economia política ...................................40
2.3.3. Salário, Preço e Lucro ......................................................48

2.4. O Capital: obra magna de Marx ......................................................54

2.4.1. O método de O Capital ......................................................54


2.4.2. Trabalho e Teoria do valor-trabalho ..............................60
2.4.3. A mercadoria e o dinheiro...............................................64
2.4.4. A transformação do dinheiro em capital.........................68
2.4.5. Mais-valia absoluta e mais-valia relativa..........................77
2.4.6. A acumulação de capital..................................................84
2.4.7. Tendências e crise do capitalismo..................................88

3. Conclusões ...........................................................................................110

4. Bibliografia ...........................................................................................101
6

1. Apresentação

Em 2017 publicamos um livro intitulado Marx e Engels: Uma introdução,


no qual tratamos do desenvolvimento geral do pensamento dos fundadores do
marxismo, nos seus múltiplos e variados aspectos: filosofia, economia, política,
ciência e a atividade revolucionária.
Por conta da decisão do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas
(LEMARX-UFBA) de proporcionar aos estudantes, professores e à militância
em geral uma Formação Marxista cobrindo aspectos como o materialismo
histórico, a crítica da sociedade capitalista, a luta pelo socialismo e o combate
às opressões, decidimos destacar do livro acima mencionado dois capítulos
que tratam da crítica marxista da economia e da sociedade capitalista, a partir
das análises fundamentais elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels em
toda a sua obra de crítica da Economia Política e do capitalismo, em especial,
em O Capital (1867).
Muito se tem discutido hoje sobre a pertinência dessas análises não só
entre os seguidores de Marx e Engels, como também entre os representantes
ideológicos e políticos da burguesia. É evidente que os intelectuais e políticos
da classe dominante procuraram desqualificar a teoria marxista e defender que
o capitalismo sofreu muitas transformações, desde a época de Marx, e que,
hoje, daquele tempo até hoje, os trabalhadores conseguiram melhorar as suas
condições de vida e trabalho.
O objetivo dessas críticas ao marxismo é tentar comprovar que é possível
“humanizar” o capitalismo, que, por meio de melhorias graduais, sem a
necessidade de uma revolução social, pode-se civilizar o capital e construir
uma sociedade “mais justa” nos limites mesmos da ordem capitalista.
Essa tentação de reformar o capitalismo por meio da obtenção de
pequenas reformas graduais passou a ser defendida por uma ala da
socialdemocracia a partir do final do século XIX e inícios do século XX. Eduard
Bernstein foi quem deu expressão teórica a essa corrente, que teve,
obviamente, de romper com o método dialético e a caracterização marxista dos
métodos de exploração e acumulação do capital.
Entretanto, coube aos revolucionários como V. I. Lênin, Leon Trotsky,
Rosa Luxemburgo, entre outros, a tarefa de defender a teoria marxista sobre o
7

capitalismo e atualizá-la no que se refere à nova fase que se iniciava no final


do século XIX e primeiros anos do século XX: a fase imperialista. Mas, entre
esses marxistas, foi Lênin quem melhor caracterizou a fase imperialista do
capitalismo, mostrando que se tratava de uma época de domínio do capital
financeiro e dos grandes monopólios e oligopólios. Uma época de guerras,
revoluções e contrarrevoluções.
Portanto, os textos procuram sintetizar os fundamentos da crítica marxista
da sociedade burguesa, buscando compreender a origem, as transformações e
o processo de decadência da ordem do capital. No que for necessário,
completaremos as análises de Marx e Engels, com as contribuições dos
revolucionários do século XX, especialmente as de Lênin.
Defendemos algumas teses nestes textos, entre as quais:
1) O capitalismo é um modo de produção social fundado na exploração
da força de trabalho assalariada, por meio da qual extrai a mais-valia
(sobretrabalho ou trabalho excedente), base da acumulação do
capital;
2) Toda a obra econômica e social de Marx e Engels consiste em estudar
as leis de movimento da formação social capitalista, sua origem,
desenvolvimento e decadência;
3) Para os fundadores do marxismo, o capitalismo é apenas mais uma
fase transitória na história da humanidade, portanto não têm sentido
as teorias que tentam torná-lo imutável ou insuperável;
4) A formação social capitalista não pode ser humanizada e, ao contrário,
tem de ser superada, levando em conta as condições objetivas e
subjetivas de sua superação.
Se cumprirmos com o objetivo de estimular os leitores a estudar e debater
criticamente a teoria marxista, teremos atingido as nossas metas.

Salvador, janeiro de 2020.

Comissão Editorial do LEMARX


8

Os fundadores do marxismo (socialismo científico)

Karl Marx (1818-1883)

Friedrich Engels (1820-1895)


9

2. A Sociedade Capitalista

2.1. Introdução

Os textos a seguir têm como objetivo apresentar as análises de Marx e


Engels sobre a origem, desenvolvimento, contradições e possibilidades de
superação da sociedade capitalista, que se encontra visivelmente em processo
de decadência, desenvolvendo as suas tendências de barbárie social.
Trata-se, portanto, da aplicação do Materialismo Histórico à compreensão
crítica da ordem do capital, do seu movimento histórico, desde a sua formação
– a partir da crise e desagregação da ordem feudal -, às contradições internas
que levam a sua decadência e à possibilidade de sua superação pela via da
luta de classes dos trabalhadores contra a classe dominante burguesa. 1
O marxismo concluiu da análise do processo histórico que não há
formação social que seja imutável, absoluta, definitiva ou insuperável. As
diversas formações sociais construídas ao longo de milhares de anos pelos
indivíduos foram varridas pelas transformações históricas, sendo substituídas
por outras, com suas próprias particularidades e contradições.

1
Além das obras de Marx e Engels citadas ao longo desta introdução e em anexo, para uma
visão geral sobre o processo de conformação do pensamento de Marx e Engels sobre a
Economia Política e a sociedade burguesa é preciso estudar as seguintes obras: LÊNIN, V.I.
As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo: Global, 1979;
Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2012; TROTSKY,
Leon. Noventa anos do Manifesto Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto
Comunista. São Paulo: Boitempo,1998; O marxismo de nossa época. In: TROTSKY, Leon. O
Imperialismo e a crise econômica mundial. São Paulo: Sundermann, 2008; LUXEMBURGO,
Rosa. Introdução à Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 1978; A acumulação de
capital. São Paulo: Nova Cultural, 1985; MANDEL, Ernest. O lugar do marxismo na história.
São Paulo: Xamã, 2001; A formação do pensamento econômico de Karl Marx (de 1843 até a
redação de O Capital). Rio de Janeiro: Zahar, 1968; Introdução ao marxismo. Lisboa: Antídoto,
1978; A crise do capital. São Paulo: Ensaio, 1985; O capitalismo tardio. São Paulo: Abril
Cultural, 1985; Tratado de economía marxista. México: Era, 1969; SWEEZY, Paul M. Teoria do
desenvolvimento capitalista. Rio de Janeiro: Zahar, 1962; BARAN, Paul A. A economia política
do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1977; BARAN, P. A. e SWEEZY, P. M. Capitalismo
monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1974; DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de
Janeiro: Zahar, 1976; BUKHARIN, Nicolai. ABC do comunismo. Bauru-SP: Edipro, 2002; A
economia mundial e o Imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1984; ROSDOLSKY, Roman.
Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Eduerj: Contraponto, 2001;
SALAMA, Pierre e VALIER, Jaques. Uma introdução à economia política. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975; MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da
transição. São Paulo: Boitempo, 2002; COGGIOLA, Osvaldo. O Capital contra a história:
gênese e estrutura da crise contemporânea. São Paulo: Xamã, 2002; NETTO, José Paulo e
BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006.
10

Diferentemente do que a classe dominante de uma dada forma de


sociedade costuma supor – isso também ocorre com a burguesia no
capitalismo -, seu modo de produção e seu processo de dominância não é o
“fim da história”, mas uma etapa transitória da história da humanidade. Isso
vale para as sociedades classistas pré-capitalistas (escravismo antigo,
feudalismo), conhecidas pela historiografia, quanto para o capitalismo atual, por
mais que o senso comum e o próprio pensamento burguês não o reconheçam.
Marx expressou essa posição em A Miséria da Filosofia (1847), quando
demonstrou o caráter transitório da sociedade capitalista e das categorias
econômicas que expressam as suas relações sociais:

Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua


produtividade material produzem também os princípios, as ideias, as categorias,
de acordo com as suas relações sociais. Por isso, essas ideias, essas
categorias, são tão pouco eternas como as relações sociais que exprimem. São
produtos históricos e transitórios.2

Marx e Engels começaram a estudar a Economia Política e a sociedade


capitalista no decorrer da década de 1840, quando ainda eram muito jovens.
Engels despertou para esse estudo movido pela influência da realidade das
condições de vida e trabalho da classe operária inglesa, que conheceu
diretamente, a partir de sua mudança da Alemanha para a Inglaterra em 1842,
para trabalhar nas fábricas têxteis do seu pai, e por observação pessoal da
vida operária nos bairros populares da época.
Marx, por sua vez, se viu diante de “questões materiais”, quando atuava
como redator-chefe da Gazeta Renana (1842-1843), às quais precisava dar
respostas e não as encontrava na perspectiva da filosofia de Hegel e dos
jovens hegelianos de esquerda – à qual pertencia -, e, sob influência de
Ludwig Feuerbach, realiza uma releitura da obra hegeliana. Marx chegou então
à conclusão, desde essa época, que era necessário fundamentar a
compreensão da superestrutura jurídico-política (Estado, instituições, direito) e
as formas de consciência social (filosófica, jurídica, artística, religiosa, entre
outras) na produção e reprodução material da vida social.
Nas suas próprias palavras, presente no Prefácio a Para a Crítica da
Economia Política (1859):

2
Cf. MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. São Paulo: Centauro, 2003, p. 98.
11

Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais


como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si
mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito
humano, mas, pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida,
cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de “sociedade civil”
(bürgeliche Gesellschaft), segundo os ingleses e franceses do século XVIII; mas
que a anatomia da sociedade burguesa (bürgeliche Gesellschaft) deve ser
procurada na Economia Política.3

Como tal, era preciso estudar a própria sociedade, a sua base, a


produção e reprodução da vida social, a “anatomia” da sociedade burguesa. Ou
seja, era urgente investigar a fundo a Economia Política. Por influência do
próprio Engels, autor de um genial artigo para os Anais Franco-alemães, de
começos de 1844, intitulado Esboço de uma crítica da Economia Política, Marx
se dedica à leitura de diversos pensadores da Economia Política clássica, entre
eles, Adam Smith e David Ricardo.
Os fundadores do marxismo cumpriram esta missão de maneira rigorosa
e incansável. Em quatro décadas publicaram diversas obras e deixaram todo
um conjunto de manuscritos, que só vieram a lume no século XX, que
demonstram o cuidado e o esforço por se apropriar do conhecimento
historicamente desenvolvido pelos estudiosos da Economia Política burguesa e
seus críticos, bem como dos fundamentos da sociedade capitalista, em seus
mais diversos elementos e nuances.
Além dos primeiros textos como o Esboço de Engels, os Manuscritos de
Paris e Manuscritos Econômico-Filosóficos, de Marx, de 1844, podem-se citar
como expressão desse processo A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra (Engels, 1845), A Miséria da Filosofia (Marx, 1847), Princípios do
Comunismo (Engels, 1847), O Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels,
1848), Trabalho Assalariado e Capital (Marx, 1849), os manuscritos de
Grundrisse (Marx, 1857-1858), Para a Crítica da Economia Política (Marx,
1859), Os manuscritos de 1861-1863 (Marx), Salário, Preço e Lucro (Marx,
1865) e, finalmente, a publicação da obra mais importante de análise da
sociedade burguesa, O Capital (Marx, 1867). Desse conjunto, resulta uma
análise crítica do pensamento econômico burguês e das bases da sociedade
capitalista.
3
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, pp. 24-25.
12

2.2. O Manifesto Comunista e a crítica do capitalismo

O Manifesto Comunista de 1848 é um marco na história do pensamento


da humanidade, constituindo uma síntese monumental do desenvolvimento
histórico da sociedade burguesa e de suas contradições. Representa o
desenvolvimento do materialismo histórico e sua aplicação à compreensão da
história da sociedade moderna, das suas transformações, das relações entre
as classes sociais, do caráter do movimento socialista e das diversas
tendências que atuavam em seu seio, do sentido do comunismo como um
processo histórico, das relações entre os comunistas e o movimento operário,
do programa comunista e da necessidade de constituição do proletariado como
partido político na luta contra a dominação burguesa.
Os dois autores iniciam a análise no Manifesto com a seguinte frase: “Um
espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da
velha Europa unem-se em uma Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar,
Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha”. A
aversão às ideias comunistas era uma prova clara de que: “1º: O comunismo já
é reconhecido como força por todas as potências da Europa; 2º: É tempo de os
comunistas exporem, abertamente, ao mundo inteiro, seu modo de ver, seus
objetivos e suas tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda
do espectro do comunismo”.4
Para os autores do Manifesto Comunista, a história da humanidade (das
sociedades de classes) até a sociedade burguesa é a história da luta de
classes:

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de


corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos em constante
oposição, têm vivido em uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma
guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da
sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito.5
4
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, p. 39.
5
Idem, p. 40. Engels, numa nota à edição inglesa de O Manifesto Comunista, publicada em
1888, completou a assertiva do Manifesto de que “A história de todas as sociedades até hoje
existentes é a história da luta de classes” da seguinte forma: “Isto é, toda história escrita. A pré-
História, a organização social anterior à história escrita, era desconhecida em 1847. Mais tarde,
Haxthausen (August von, 1792-1866) descobriu a propriedade comum da terra na Rússia,
Maurer (Georg Ludwig von) mostrou ter sido essa a base social da qual as tribos teutônicas
derivaram historicamente e, pouco a pouco, verificou-se que a comunidade rural era a forma
primitiva da sociedade, desde a Índia até a Irlanda. A organização interna dessa sociedade
comunista primitiva foi desvendada, em sua forma típica, pela descoberta de Morgan (Lewis
13

Assim se organizaram as sociedades escravistas da Antiguidade e as


sociedades feudais. A sociedade burguesa, por acaso, aboliu as classes
sociais? De maneira nenhuma. Pelo contrário, dizem os dois revolucionários, a
“sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não
aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas
classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das que
existiram no passado”.6 A burguesia, por meio da grande indústria, criou as
bases para o advento do proletariado moderno, seu antagonista.
O capitalismo foi resultado de todo um processo de transformações
iniciadas no ventre da sociedade feudal, mudanças que culminaram com o
fortalecimento do poder econômico da burguesia e sua conquista do poder
político do Estado. Marx e Engels citam as principais transformações ocorridas
ao longo de pelo menos quatro séculos: as grandes navegações, a colonização
de novas terras, a expansão dos mercados, o desenvolvimento da manufatura
e do comércio, a formação dos Estados nacionais, a concentração da riqueza
nas mãos dos comerciantes, a Revolução Industrial, a formação de um
mercado mundial, entre outras.
No seio do mundo feudal, baseado na produção agrícola e na exploração
do trabalho servil pela nobreza e pelo clero, desenvolveu-se, portanto, um
conjunto de mudanças, que incrementou as forças produtivas, que entraram
em choque com as relações de produção servis e com a economia limitada do
feudalismo. As novas forças produtivas criadas estavam em franco conflito com
as relações de propriedades feudais. Na verdade, com o avanço das forças
produtivas, as relações sociais de produção servis acabaram por se tornar um
estorvo, uma barreira à continuidade desse desenvolvimento.
Marx e Engels explicam sinteticamente a essência da transformação de
um modo de produção e o advento de outro nos seguintes termos:

os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram


gerados no seio da sociedade feudal. Em uma certa etapa do desenvolvimento
desses meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade feudal
produzia e trocava – a organização feudal da agricultura e da manufatura, em
suma, o regime feudal de propriedade – deixaram de corresponder às forças
Henry, 1818-81) da verdadeira natureza de gens e de sua relação com a tribo. Após a
dissolução dessas comunidades primitivas, a sociedade passou a dividir-se em classes
distintas” (Idem, p. 40).
6
Idem, p. 40.
14

produtivas em pleno desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de


impulsioná-la. Transformaram em outros tantos grilhões que era preciso
despedaçar; e foram despedaçados.7

O avanço do comércio centralizou as forças produtivas diluídas na


economia artesanal, doméstica e nas corporações de ofício e as substituiu por
manufaturas, que concentravam mais trabalhadores e aumentavam a
produtividade do trabalho. A burguesia, em ascensão, estabeleceu
internamente uma divisão do trabalho. No século XVIII, o capitalismo avançou
e suprimiu a dominação feudal da economia europeia, abrindo caminho à
criação de um mercado mundial:

A grande indústria criou o mercado mundial, preparado pela descoberta da


América. O mercado mundial acelerou enormemente o desenvolvimento do
comércio, da navegação, dos meios de comunicação. Este desenvolvimento
reagiu por sua vez sobre a expansão da indústria; e à medida que a indústria, o
comércio, a navegação, as vias férreas se desenvolveram, crescia a burguesia,
multiplicando seus capitais e colocando em um segundo plano todas as classes
legadas pela Idade Média.8

Essas transformações na base material da sociedade, isto é, nas


condições materiais da existência social, foram acompanhadas por profundas
mudanças na estrutura social e nas instituições político-jurídicas, criando as
condições para uma transformação completa das formas de consciência social
até então dominantes, constituindo novas formas de pensar o mundo, a
história, a sociedade, o Estado e os indivíduos. Como observam Marx e
Engels, seria

preciso grande inteligência para compreender que, ao mudarem as relações de


vida dos homens, as suas relações sociais, a sua existência social, mudam
também as suas representações, as suas concepções e conceitos; em uma
palavra, muda a sua consciência? Que demonstra a história das ideias senão
que a produção intelectual se transforma com a produção material? As ideias
dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante. Quando
se fala de ideias que revolucionam uma sociedade inteira, isto quer dizer que no
seio da velha sociedade se formaram os elementos de uma sociedade nova e
que a dissolução das velhas ideias acompanha a dissolução das antigas
condições de existência.9

Nesse processo de transição do feudalismo ao capitalismo, a burguesia,


em sua luta contra a dominação da nobreza e do clero e o domínio das

7
Idem, pp. 44-45.
8
Idem, p. 41.
9
Idem, pp. 56-57.
15

relações de produção e de trocas servis, jogou um papel revolucionário: “A


burguesia desempenhou na História um papel revolucionário”. Sua intervenção
histórica é notadamente marcada por profundas contradições. Destruiu as
relações feudais, patriarcais e idílicas. Em lugar dos laços feudais colocou o
laço do frio interesse do pagamento à vista, substituiu pelo cálculo egoísta os
antigos sentimentalismos e os fervores sagrados da exaltação religiosa.
A burguesia fez da dignidade pessoal um simples valor de troca,
substituiu todas as liberdades pela liberdade do comércio, converteu as
atividades anteriores e os profissionais em seus assalariados, criou e
desenvolveu novas forças produtivas, aumentando a produtividade do trabalho,
conquistou novos mercados e deu caráter cosmopolita à produção e ao
consumo capitalista, desenvolveu um intercâmbio universal, inclusive no campo
da cultura e a interdependência das nações, submeteu o campo à cidade,
concentrou os meios de produção, de distribuição e de trocas, revolucionou os
meios de comunicação e de transporte.
Um conjunto de transformações que destruíram definitivamente as antigas
relações de produção, consolidando a nova sociedade burguesa, o domínio do
capital sobre os trabalhadores assalariados. O trabalho do proletário cria

o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode


aumentar sob a condição de gerar novo trabalho assalariado, para voltar a
explorá-lo. Em sua forma atual, a propriedade se move entre dois termos
antagônicos: capital e trabalho. Examinemos os termos desse antagonismo.
Ser capitalista significa ocupar não somente uma posição pessoal, mas
também uma posição social na produção. O capital é um produto coletivo e só
pode ser posto em movimento pelos esforços combinados de muitos membros
da sociedade, em última instância pelos esforços combinados de todos os
membros da sociedade.
O capital não é, portanto, um poder pessoal, é um poder social.10

Mas as transformações não pararam por aí. Na verdade, a burguesia não


pode existir

sem revolucionar os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de


produção e, com isso, todas as relações sociais (…). Essa subversão contínua
da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação
permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as
precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com
seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que
10
Idem, pp. 52-53. Marx e Engels advertem: “Na sociedade burguesa o trabalho vivo é sempre
um meio de aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista o trabalho acumulado é
um meio de ampliar, enriquecer e promover a existência dos trabalhadores”. (Idem, p. 53).
16

as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era


sólido e estável se desmancham no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os
homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição social e
suas relações com os outros homens. (…) Impelida pela necessidade de
mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita
estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda
parte. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países (…). No lugar do
antigo isolamento de regiões e nações autossuficientes, desenvolvem-se um
intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações.11

Sob “pena da ruína total, ela obriga todas as nações a adotarem o modo
burguês de produção, constrange-as a abraçar a chamada civilização, isto é a
se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e
semelhanças”.12 Na verdade, as economias de países de continentes como a
América, a Ásia e a África foram integradas ao mercado mundial capitalista,
desde a sua fase comercial até a época imperialista, dissolvendo ou
submetendo as antigas relações de produção, de troca e de distribuição
existentes, colocando-as sob o signo do capital. Esse processo obedeceu,
evidentemente, à lei do desenvolvimento desigual e combinado.13
A economia capitalista tem como um traço essencial a anarquia da
produção. Significa dizer que o capitalista individual, ou a empresa, só tem
controle sobre a sua produção interna, mas não controla os outros capitalistas,
nem muito menos a economia como um todo. Não se sabe quanto o seu

11
Idem, p. 43.
12
Idem, pp. 43-44.
13
Mais a frente, no prefácio da primeira edição de O Capital, Marx dirá que “O país mais
desenvolvido industrialmente não faz mais que mostrar aos de menor desenvolvimento a
imagem de seu próprio futuro”. Trotsky, analisando essa passagem de O Capital, já em plena
fase imperialista do capitalismo, observa o seguinte: “Esse pensamento não pode ser tomado
literalmente, em circunstância alguma. O crescimento das forças produtivas e o
aprofundamento das incompatibilidades sociais são indubitavelmente o destino que
corresponde a todos os países que tomaram o caminho da evolução burguesa. No entanto, a
desproporção nos “ritmos” e medidas, que sempre se produz na evolução da humanidade, não
somente se faz especialmente aguda sob o capitalismo, mas também dão origem à completa
interdependência da subordinação, a exploração e a opressão entre os países de tipo
econômico diferente. Somente uma minoria de países realizou completamente essa evolução
sistemática e lógica que parte do artesanato e chega à fábrica, passando pela manufatura, que
Marx submeteu a uma análise tão detalhada. O capital comercial, industrial e financeiro invadiu
do exterior os países atrasados, destruindo em parte as formas primitivas da economia nativa e
em parte sujeitando-as ao sistema industrial e banqueiro de Ocidente. Sob o chicote do
imperialismo, as colônias viram-se obrigadas a prescindir das etapas intermediárias, apoiando-
se ao mesmo tempo e artificialmente em um nível ou em outro. O desenvolvimento da Índia
não reproduziu o desenvolvimento da Inglaterra; completou-o. No entanto, para poder
compreender o tipo combinado de desenvolvimento dos países atrasados e dependentes,
como a Índia, é sempre necessário não esquecer o esquema clássico de Marx derivado do
desenvolvimento da Inglaterra. A teoria operária do valor guia igualmente os cálculos dos
especuladores da City de Londres e as transações monetárias nos rincões mais remotos de
17

concorrente produzirá, nem quanto a sociedade demandará em termos de


mercadorias (bens e serviços). Na verdade, a economia capitalista não é uma
economia centralmente planejada. O único laço que liga os capitalistas é o
mercado. O movimento dos preços serve de sinal aos capitalistas sobre a
maior ou menor adequação da produção ao consumo, mas não há um
planejamento de todo o processo econômico.
Ao impulsionar as forças produtivas (meios de produção e organização da
força de trabalho), as contradições da sociedade, ao invés de cederem,
tornam-se cada vez mais profundas e explodem em crises cíclicas de
superprodução de valores periodicamente. É a contradição entre as forças
produtivas e as relações de produção.
Desde 1825, quando explodiu uma crise de superprodução no capitalismo
– ainda que circunscrita à Europa e, mais especificamente, à Inglaterra
industrializada – a economia burguesa convive permanentemente com crises
cíclicas, que fazem acumular as suas contradições. Mesmo depois da criação
de instrumentos de política econômica pelos governos dos Estados capitalistas
e pelos grandes conglomerados econômicos não se conseguiu superar essa
contradição ao longo do século XX.
Marx e Engels descrevem essa contradição do sistema capitalista da
seguinte forma:

A sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o


regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou
gigantecos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não
pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história
da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças
produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as
relações de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu
domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se
periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa.
Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos
fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já
criadas.14

Neste sentido, as “armas que a burguesia utilizou para abater o


feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia”. Isso porque as

Hyderabad, exceto que no último caso adquire formas mais singelas e menos astutas”. Cf.
TROTSKY, Leon. O marxismo e nossa época. In: O Imperialismo e a crise econômica mundial.
São Paulo: Sundermann, 2008, pp. 186-187.
14
Idem, p. 45.
18

forças produtivas de que dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das


relações burguesas de propriedade; pelo contrário, tornaram-se poderosas
demais para estas condições, passam a ser tolhidas por elas; e assim que se
libertam desses entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a
existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado
estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. E de que maneira
consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta
de grande quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de novos
mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao
preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios
de evitá-las.15

O Manifesto Comunista deixa evidentes as condições objetivas para o


advento do socialismo. Como dissemos, o desenvolvimento do capitalismo é
contraditório. Ao mesmo tempo em que faz avançar as forças produtivas,
estimula o desenvolvimento da técnica e da ciência em sua ascensão, constrói
as bases para a superação do próprio capitalismo. A produção no capitalismo é
cada vez mais social. Os trabalhadores só produzem de maneira coletiva, nas
grandes fábricas e indústrias modernas. Não há uma única mercadoria que não
seja resultado do trabalho de vários operários na economia moderna.
Entretanto, contraditoriamente, a apropriação dos produtos do trabalho é
privada, isto é, a riqueza se acumula nas mãos dos capitalistas. Essa
contradição se reflete no choque profundo entre as forças produtivas altamente
desenvolvidas e as relações de produção, transformadas em barreira ao
avanço da humanidade como um todo. O resultado disso é a irrupção de crises
periódicas cada vez mais intensas. Mas, uma vez acumuladas essas
contradições durante o longo processo de existência do capitalismo,
desenvolve uma crise estrutural de grandes dimensões e impactos na vida
social.
Esse impasse precisa de uma resposta. Em A Ideologia Alemã, Marx e
Engels haviam sintetizado a concepção materialista da história e mostrado que
o choque entre as forças produtivas e as relações de produção abre uma
época revolucionária, de transição de um modo de produção decadente em um
novo modo de produção, em uma nova organização social, cujas relações de
produção liberem as forças produtivas e possam abrir uma nova etapa de
desenvolvimento da humanidade.

15
Idem, ibidem.
19

Mas, para isso, não são suficientes as condições objetivas. Elas são a
base para as transformações políticas, sociais e econômicas, mas é preciso a
gestação de condições subjetivas: a consciência de classe e a organização
política da classe revolucionária. No caso do capitalismo, a classe
verdadeiramente revolucionária é o proletariado, por seu papel nas relações de
produção. A classe operária, imersa em condições de vida e trabalho marcadas
pela exploração, é o coveiro do capital, das relações de produção e de
propriedade capitalistas:

A burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe trarão a


morte; produziu também os homens que empunharão essas armas – os
operários modernos, os proletários. Com o desenvolvimento da burguesia, isto é,
do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários
modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto
seu trabalho aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se a
retalho, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em
consequência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, atodas as
flutuações do mercado.16

Para os dois revolucionários, de “todas as classes que hoje em dia se


opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente
revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com o
desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu
produto mais autêntico”.17
De uma massa indiferenciada e desorganizada como era no início do
século XIX, a classe operária vai sendo forçada a reagir contra as condições de
exploração impostas pelo capital nas indústrias, nas minas, na agricultura. A
classe operária é a classe que produz a riqueza social, apropriada pelo capital
sob a forma de sobretrabalho, que vive inteiramente de seu próprio trabalho e
que não tem, portanto, interesse em manter a sua exploração social. Os
assalariados trabalham e produzem a riqueza social coletivamente. Para os
trabalhadores não há solução possível para os problemas sociais, econômicos,
políticas e culturais a não ser pelo debate e pela ação coletivos.
Daí porque, logo em seguida, os trabalhadores começam a formar
associações secretas e, uma vez conquistado o direito de associação,
formaram associações e sindicatos para a defesa de suas reivindicações. Por
meio da greve e de outros métodos de luta os operários defendem as suas
16
Idem, p. 46.
17
Idem, p. 49.
20

reivindicações e direitos, combatem as ações dos capitalistas contrários aos


seus interesses e avançam na sua consciência política. Os trabalhadores
assalariados dos bancos, do comércio, das finanças e dos setores de serviços
das atividades econômicas também seguiram os operários da indústria em
muitos aspectos da organização e da luta.
A organização dos trabalhadores é um contrapeso à concorrência interna
à classe, estimulada, aliás, pelas relações capitalistas e pelo mercado de
trabalho. O exército industrial de reserva (os desempregados) é manejado pela
burguesia para forçar a baixa dos salários e incrementar a competição entre os
trabalhadores. Marx e Engels notaram que a organização do proletariado em
classe e, portanto, em partido político é

incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os próprios


operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mais sólida, mais
poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia para obrigá-la ao
reconhecimento legal de certos interesses da classe operária, como, por
exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra.18

Portanto, ao se organizarem, os trabalhadores combatem coletivamente


as tendências desagregadoras ditadas pela concorrência capitalista em seu
seio. Mas, para além da organização sindical e das lutas econômicas, os
trabalhadores também formaram organizações políticas (partidos) de caráter
nacionais e internacionais. Desenvolveu-se uma vanguarda no seio dos
trabalhadores, que representam o setor mais avançado e combativo.
Diferenciando-se progressivamente das tendências utópicas do socialismo e do
comunismo, passaram a assentar as suas análises, tarefas e ações em uma
concepção científica do capitalismo.
Mas qual a relação dos comunistas com o movimento operário? Para
Marx e Engels, os comunistas

não têm interesses diferentes dos interesses do proletariado em geral. Não


proclamam princípios particulares, segundo os quais pretendam moldar o
movimento operário. Os comunistas se distinguem dos outros partidos somente
em dois pontos: 1) Nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e
fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente da
nacionalidade; 2) Nas diferentes fases de desenvolvimentos por que passa a luta
entre proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte, os
interesses do movimento em seu conjunto.19

18
Idem, p. 48.
19
Idem, p. 51.
21

O que caracteriza o comunismo

não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade


burguesa.
Mas a moderna propriedade privada burguesa é a última e mais perfeita
expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonismos
de classes, na exploração de uns pelos outros.
Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria numa única
expressão: supressão da propriedade privada.20

Nesse caso, o objetivo “imediato dos comunistas é o mesmo que o de


todos os demais partidos proletários: constituição do proletariado em classe,
derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo
proletariado”.21
Atuando no seio do movimento operário, jamais apartado dos seus
problemas e sentimentos, os comunistas se esforçam por organizar e mobilizar
os trabalhadores a partir de um programa revolucionário que aponte
efetivamente para um processo de transformação do capitalismo e de
construção do socialismo. Marx e Engels procuraram diferenciar os comunistas
das diversas vertentes de socialismo utópico, a partir de uma análise histórica
do capitalismo, das classes sociais e da luta de classes. A exemplo de
Princípios do Comunismo, redigido por Engels, trataram de fazer uma análise
crítica das correntes socialistas da época e esclarecer a posição dos
comunistas em relação aos partidos políticos existentes em vários países.
Destacaram na literatura socialista e comunista, as vertentes do
socialismo reacionário (socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês, o
socialismo alemão ou “verdadeiro” socialismo), o socialismo conservador ou
burguês, o socialismo e o comunismo crítico-utópicos, que ora tentavam girar a
roda da história para o passado, ora limitavam as transformações necessárias
a reformas no interior do capitalismo, ora se apegavam a frases e slogans
vazios, sem ligação concreta com a luta de classes do proletariado.

20
Idem, p. 52.
21
Idem, ibidem. É preciso lembrar que, em 1914, deu-se a maior divisão do movimento
socialista, com a separação entre a socialdemocracia (reformistas, revisionistas) e os
revolucionários comunistas. Líderes socialdemocratas em vários países votaram a favor dos
créditos de guerra para que a burguesia imperialista pudesse travar a Primeira Guerra Mundial
e submeter os países capitalistas atrasados à sua influência econômica e política. Esse fato
anunciou o fim da Segunda Internacional (1889-1914) e antecipou a necessidade de
construção de uma nova internacional, a Terceira Internacional, fundada por V. I. Lênin, em
1919, na Rússia, depois da vitória do proletariado revolucionário na Revolução de Outubro de
1917.
22

De certa forma, o fato de terem denominado a sua obra de 1848 de


Manifesto Comunista e não de socialista tem a ver com a realidade do
movimento e das tendências socialistas da época. Engels explicou essa
questão no Prefácio à edição inglesa de 1888 do Manifesto Comunista:

Em 1847, consideravam-se socialistas dois tipos diversos de pessoas. De um


lado, havia os adeptos dos vários sistemas utópicos, principalmente os
owenistas, na Inglaterra, e os fourieristas, na França, ambos já reduzidos a
meras seitas agonizantes. De outro, os vários gêneros de curandeiros sociais
que queriam eliminar, por meio de suas várias panaceias e com todas as
espécies de cataplasma, as misérias sociais, sem tocar no capital e no lucro.
Nos dois casos, eram pessoas que não pertenciam ao movimento dos
trabalhadores, preferindo apoiar-se nas classes “cultas”. Em contrapartida, o
setor da classe trabalhadora que exigia uma transformação radical da sociedade,
convencido de que revoluções meramente políticas eram insuficientes,
denominavam-se então comunista. Tratava-se ainda de um comunismo mal
esboçado, instintivo, e, por vezes, grosseiro. Mas era bastante poderoso para
dar origem a dois sistemas de comunismo utópico – na França, o “icariano” de
Cabet, e, na Alemanha, o de Weitling. Em 1847, o socialismo significava um
movimento burguês, e o comunismo, um movimento da classe trabalhadora. Ao
menos no continente, o socialismo era muito bem considerado, enquanto o
comunismo era o oposto. E como, desde então, éramos decididamente da
opinião de que “a emancipação dos trabalhadores deve ser obra da própria
classe trabalhadora”, não podíamos hesitar entre os dois nomes a escolher.
Posteriormente nunca pensamos em modificá-lo.22

Marx e Engels mostraram que o comunismo não é uma utopia, no sentido


de sonho impossível de ser concretizado, ou um modelo de sociedade futura
formulado por geniais pensadores, ao qual a realidade deve se adequar, mas
uma possibilidade aberta pelo desenvolvimento da sociedade burguesa atual,
com o processo de industrialização, a articulação da economia mundial, o
desenvolvimento da ciência e o surgimento do proletariado. Na verdade, o
socialismo se tornou uma necessidade histórica, sob pena de se impôr a
barbárie no curso do aprofundamento da crise do capitalismo.
Relatam que as “proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de
modo algum, em ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou
aquele reformador do mundo. São apenas a expressão geral das condições
efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se
desenvolve diante dos olhos”.23 A revolução comunista, dizem, “é a ruptura
mais radical com as relações tradicionais de propriedade; não admira, portanto,
que no curso de seu desenvolvimento se rompa, do modo mais radical, com as
22
Idem, p. 77.
23
Idem, pp. 51-52.
23

ideias tradicionais”.24 Os comunistas “se recusam a dissimular suas opiniões e


seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser
alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente”. 25 Com o
processo revolucionário, ocorre

a elevação do proletariado a classe dominante, a conquista da democracia. O


proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o
capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas
mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e
para aumentar o mais rapidamente possível o total das forças produtivas. Isso
naturalmente só poderá ser realizado, a princípio, por intervenções despóticas
no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas, isto é, pela
aplicação de medidas que, do ponto de vista econômico, parecerão insuficientes
e insustentáveis, mas que no desenrolar do movimento ultrapassarão a si
mesmas e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de
produção.26

Marx e Engels apresentam no Manifesto Comunista um conjunto de


medidas a serem colocadas em prática no processo revolucionário, medidas
essas que estavam ligadas em grande medida à realidade da época e ao
caráter da revolução nos países mais adiantados no desenvolvimento do
capitalismo (Inglaterra e França) ou mais atrasados no processo de
industrialização (como na Alemanha). Mas, o fundamental é que, quando

no curso do desenvolvimento, desaparecerem os antagonismos de classe e toda


a produção for concentrada nas mãos dos indivíduos associados, o poder
público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de
uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a
burguesia, se organiza forçosamente como classe, se por meio de uma
revolução destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói,
juntamente com essas relações de produção, as condições de existência dos
antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua
própria dominação como classe. Em lugar da antiga sociedade burguesa, com
suas classes e antagonismos de classes, surge uma associação na qual o livre
desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de
todos.27

É preciso, uma vez mais, considerar o aspecto fundamental do Manifesto


Comunista: a necessidade de a classe operária organizar-se em partido
próprio, diferenciado, portanto, dos partidos da classe dominante. Além do
exame das condições objetivas para a superação do capitalismo, ausente nas
diversas vertentes utópicas do socialismo e a clara compreensão do caráter
24
Idem, p. 57.
25
Idem, p. 69.
26
Idem, p. 58.
27
Idem, pp. 58-59.
24

histórico e transitório da sociedade burguesa (afinal, o capital é um poder


social, nada tem de natural), o comunismo de Marx e Engels se destaca por
indicar que a emancipação do proletariado deve ser realizada pelo próprio
proletariado.
O comunismo não será produto da humanização do capitalismo. Também
não é resultado da ação de pequenos grupos de intelectuais da pequena
burguesia, em substituição aos trabalhadores, mesmo que bem armados e
treinados. Marx e Engels não contemporizaram com as tentativas de golpes
espetaculares por grupos da pequena burguesia. Para Marx e Engels, apenas
os trabalhadores, organizados de maneira independente da burguesia, pode
conquistar a sua emancipação. Para tanto, deixam patente a necessidade de
organização política do proletariado em partido, nas tarefas de transformação
social, até a completa superação do Estado burguês, que, para os autores do
Manifesto Comunista, não é “senão um Comitê para gerir os negócios comuns
de toda a classe burguesa”.28
Em 1872, sob o impacto recente da tomada do poder pelo proletariado
parisiense, no grande acontecimento da Comuna de Paris, Marx e Engels
escreveram um Prefácio à edição alemã do Manifesto Comunista. 25 anos
distanciavam o referido prefácio do texto original. Os fundadores do marxismo
afirmaram o seguinte:

Por mais que tenham mudado as condições nos últimos 25 anos, os


princípios gerais expressados nesse Manifesto conservam, em seu conjunto,
toda a sua exatidão. Em algumas partes certos detalhes devem ser melhorados.
Segundo o próprio Manifesto, a aplicação prática dos princípios dependerá, em
todos os lugares e em todas as épocas, das condições históricas vigentes e por
isso não se deve atribuir importância demasiada às medidas revolucionárias
propostas no final da seção II. Hoje em dia, esse trecho seria redigido de
maneira diferente em muitos aspectos. Em certos pormenores, esse programa
está antiquado, levando-se em conta o desenvolvimento colossal da indústria
moderna desde 1848, os progressos correspondentes da organização da classe
operária e a experiência prática adquirida, primeiramente na revolução de
fevereiro e, mais ainda, na Comuna de Paris, onde coube ao proletariado, pela
28
Idem, p. 42. Sobre a caracterização do Estado moderno, diz Leon Trotsky: “Nesta fórmula
concentrada, que para os dirigentes socialdemocratas aparecia como um paradoxo jornalístico,
encontra-se, na verdade, a única teoria científica sobre o Estado. A democracia criada pela
burguesia não é, como pensavam Bernstein e Kautsky, uma concha vazia que se pode,
tranquilamente, encher com um conteúdo de classe desejável. A democracia burguesa só pode
servir à burguesia. O governo de “Frente Popular” dirigido por Blum ou Chautemps, Caballero
ou Negrín é tão somente “um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe
burguesa”. Quando este comitê se sai mal em seus negócios, a burguesia expulsa-o do poder
a pontapés”. Cf. TROTSKY, Leon. Noventa anos do Manifesto Comunista. In: MARX, Karl e
ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, p. 161.
25

primeira vez, a posse do poder político, durante quase dois meses. A Comuna
de Paris demonstrou, especialmente, que “não basta que a classe trabalhadora
se apodere da máquina estatal para fazê-la servir a seus próprios fins” (ver A
Guerra Civil na França; Manifesto do Conselho Geral da Associação
Internacional dos Trabalhadores, de 1871, onde essa ideia é mais desenvolvida).
Além do mais, é evidente que a crítica da literatura socialista mostra-se
deficiente em relação ao presente, porque só chega a 1847; as observações
sobre as relações dos comunistas com os diferentes partidos de oposição (seção
IV), embora em princípio corretas, na prática estão desatualizadas, pois a
situação política modificou-se totalmente e o desenvolvimento histórico fez
desaparecer a maior parte dos partidos ali enumerados.29

No Prefácio à edição alemã de 1883 do Manifesto Comunista, Engels


sintetizou a teoria geral orientadora da análise na obra, que, na verdade,
constitui a concepção materialista da história. Como era característico de
Engels (já discutimos isso antes), atribuiu “única e exclusivamente” a Marx a
sua autoria. Hoje sabemos da axial participação de Engels na formulação
dessas ideias, sendo pioneiro em muitas delas. Vejamos a tese central do
Manifesto Comunista:

em cada época histórica, a produção econômica e a estrutura social que dela


necessariamente decorre, constituem a base da história política e intelectual
dessa época; que consequentemente (desde a dissolução do regime primitivo da
propriedade comum da terra) toda a História tem sido a história da luta de
classes, da luta entre explorados e exploradores, entre as classes dominadas e
as dominantes nos vários estágios da evolução social; que essa luta, porém,
atingiu um ponto em que a classe oprimida e explorada (o proletariado) não
pode mais libertar-se da classe que a explora e oprime (a burguesia) sem que,
ao mesmo tempo, liberte para sempre toda sociedade da exploração, da
opressão e da luta de classes – este pensamento pertence única e
exclusivamente a Marx.30

O Manifesto Comunista de 1848 que, para Engels, era “a obra de maior


circulação, a mais internacional de toda a literatura socialista, o programa
comum adotado por milhões de trabalhadores, da Sibéria à Califórnia” 31 é,
29
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, pp.
71-72.
30
Idem, p. 74. Leon Trotsky se posiciona sobre a concepção materialista da história presente na
obra de Marx e Engels da seguinte forma: “A concepção materialista da História, formulada por
Marx pouco tempo antes da aparição do texto e que nele se encontra aplicada com perfeita
maestria, resistiu completamente à prova do conhecimento e aos golpes da crítica hostil.
Constitui-se, atualmente, em um dos mais preciosos instrumentos do pensamento humano.
Todas as outras interpretações do processo histórico não possuem qualquer valor científico.
Podemos afirmar, com segurança, que atualmente é impossível não apenas ser um militante
revolucionário, mas simplesmente um homem politicamente instruído sem que nos apropriemos
da concepção materialista da História”. Cf. TROTSKY, Leon. Noventa anos do Manifesto
Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo,
p. 159.
31
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, p.
77.
26

ainda hoje, uma fonte de inspiração para os revolucionários de todos os países


e continentes, que lutam pela superação do capitalismo e a construção de uma
sociedade socialista. Tem um espírito eminentemente internacionalista, de
união dos trabalhadores de todo o mundo na tarefa de sepultar a sociedade de
classes e, com ela, as próprias classes, a propriedade privada, a exploração da
força de trabalho, a alienação e o Estado. Marx e Engels finalizam a sua
análise com um lema que se tornou parte da luta socialista em todo o mundo:
“Proletários de todos os países, uni-vos!”.32
Fica claro que o objetivo de Marx e Engels, com o Manifesto Comunista
de 1848, era dotar o movimento socialista de uma base científica, de um firme
conhecimento sobre a história e a sociedade capitalista, das suas contradições
e das possibilidades concretas de sua superação. Para isso, Marx e Engels
vinham avançando a passos largos os seus estudos sobre a Economia Política
burguesa, em vínculo estreito com a experiência concreta do movimento
operário e socialista do proletariado. De cada acontecimento histórico os
fundadores do marxismo tiravam as conclusões necessárias para o futuro da
luta da classe operária.

32
Sobre o internacionalismo presente no Manifesto Comunista, Trotsky observa: “O
desenvolvimento internacional do capitalismo determina o caráter internacional da revolução
proletária. Uma das primeiras condições para a emancipação da classe operária consiste em
sua ação comum, pelo menos nos países civilizados. O desenvolvimento do capitalismo uniu
de forma tão estreita as diversas partes do nosso planeta, as “civilizadas” e “não-civilizadas”,
que o problema da revolução socialista adquiriu, completa e definitivamente, um caráter
mundial”. Afirmou também: “Os operários não têm pátria. Esta frase do Manifesto foi
frequentemente considerada pelos filisteus como um simples trocadilho de agitação. Na
verdade, ele oferece ao proletariado a única diretriz justa a respeito da “pátria” capitalista”. Cf.
TROTSKY, Leon. Noventa anos do Manifesto Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.
Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, pp. 162-163.
27

2.3. Estudos econômicos anteriores a O Capital

2.3.1. Trabalho assalariado e capital

Em 1849, Marx publicou na Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische


Zeitung) uma síntese de uma série de conferências sobre a economia
capitalista proferida para os trabalhadores da Associação dos Operários
Alemães de Bruxelas sob o título Trabalho assalariado e capital. O objetivo do
texto é claro: “Queremos que os operários nos compreendam”. Esse texto é
parte do trabalho de Marx e de Engels no seio do movimento operário para
superar os estágios utópicos do socialismo e dar-lhe um embasamento
científico com base na análise das relações de produção capitalistas e das
classes sociais existentes.
A leitura atenta do texto demonstra, da parte de Marx, certo conhecimento
das categorias e do funcionamento da estrutura econômica capitalista.
Constitui uma análise da lógica da exploração do trabalho pelo capital, da base
econômica em que se funda a dominação capitalista sobre o trabalho
assalariado e da luta de classes moderna, que Marx desenvolverá em O
Capital (1867), inclusive em relação ao uso das categorias. É preciso deixar
claro, entretanto, que, em Trabalho assalariado e capital, Marx ainda não havia
desenvolvido plenamente sua teoria da mais-valia, como o fez posteriormente,
e ainda utilizava, por exemplo, a categoria trabalho por força de trabalho.
A primeira categoria analisada é a do salário, a sua determinação na atual
sociedade. Na vida cotidiana da sociedade burguesa, parece que, ao contratar
os seus trabalhadores assalariados, digamos por uma jornada de oito horas
diárias, os capitalistas lhes pagam todo o trabalho realizado. Aparentemente,
não existe qualquer injustiça na relação entre capital e trabalho, afinal de
contas o burguês emprega o trabalhador e paga-lhe, em troca do seu trabalho,
uma contraprestação: o salário. Mas não é exatamente assim que as coisas
ocorrem nas relações concretas de trabalho na sociedade burguesa.
Ao analisarmos a fundo o funcionamento das relações de trabalho e de
produção, veremos que, na verdade, “o que os operários vendem ao capitalista
em troca de dinheiro é a sua força de trabalho. O capitalista compra essa força
de trabalho por dia, uma semana, um mês etc. E, depois de comprá-la, utiliza-a
28

fazendo com que os operários trabalhem durante o tempo estipulado”. 33 No


nosso caso, trata-se da jornada de trabalho de oito horas diárias.
De fato, os trabalhadores são levados a pensar que recebem por todo o
trabalho desenvolvido e os próprios capitalistas e governos se esforçam por
apresentar as suas relações econômico-sociais como as mais justas da
história. Porém, não há dúvida de que, na sociedade capitalista, a força de
trabalho transformou-se em mercadoria, igual a qualquer outra, que se compra
e se vende no mercado de trabalho. Com o adendo de que a força de trabalho
é a única mercadoria capaz de produzir não só o seu sustento, os seus meios
de vida (trabalho necessário), mas também mais valor, isto é, trabalho
excedente, que é apropriado, sem qualquer contrapartida, pelos capitalistas.
É o que explica Engels em sua Introdução a Trabalho assalariado e
capital:

A força de trabalho é, na sociedade capitalista dos nossos dias, uma mercadoria


como qualquer outra, mas, certamente, uma mercadoria muito especial. Com
efeito, ela tem a propriedade especial de ser uma força criadora de valor, uma
fonte de valor e, principalmente com um tratamento adequado, uma fonte de
mais valor do que ela própria possui. No estado atual da produção, a força de
trabalho humana não produz só, em um dia, um valor maior do que ela própria
possui e custa; a cada nova descoberta científica, a cada nova invenção técnica,
esse excedente do seu produto diário sobe acima dos seus custos diários;
reduz-se, portanto, aquela parte do dia de trabalho em que o operário retira do
seu trabalho o equivalente ao seu salário diário e alonga-se, portanto, por outro
lado, aquela parte do dia de trabalho em que ele tem de oferecer o seu trabalho
ao capitalista sem ser pago por isso.34

Por mais que a legislação e as Constituições em todos os países


estabeleçam as condições de aquisição dessa mercadoria valiosa e alimente a
ilusão de que existe uma igualdade real entre capital e trabalho, o fato é que a
força de trabalho é cotidianamente comprada, vendida, explorada e
dispensada. Os assalariados modernos têm formalmente a aparência de
liberdade, quando se trata de escolher para quem quer trabalhar, mas, se não
trabalham, morrem de fome, passam as mais terríveis necessidades.
Os trabalhadores são, portanto, obrigados a trabalhar para satisfazer as
necessidades básicas de si e da sua família. A liberdade de trabalho no
capitalismo esconde o fato de que a burguesia domina os meios de produção e

33
MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital. São Paulo: Gobal, 1987, p.34.
34
ENGELS, Friedrich. Introdução. In: MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital. São Paulo:
Expressão Popular, 2006, p. 27.
29

os operários não têm outra forma de ganhar a vida a não ser com a venda da
sua força de trabalho. Assim, o capitalista troca seu dinheiro pela utilização da
força de trabalho durante uma determinada jornada, por tantas horas de
trabalho.
O primeiro segredo da sociedade burguesa está desvendado. Agora que
sabemos que o capitalista na verdade compra a força de trabalho e não todo o
trabalho realizado pelo trabalhador, é preciso analisar o que a mercadoria força
de trabalho tem de comum com as mercadorias em geral. Toda mercadoria tem
um valor de uso e um valor de troca. O valor de uso é a capacidade de atender
a determinadas necessidades ou utilidades. Toda mercadoria tem um
determinado valor de troca, isto é, pode ser trocada em determinadas
proporções por outras mercadorias ou por dinheiro.
Como isso é possível? É possível porque a mercadoria é produto do
trabalho humano (embora, realçamos, nem todo produto do trabalho humano
seja mercadoria), o seu valor consiste em uma determinada quantidade de
trabalho socialmente necessário para produzi-la. Significa dizer que nem todos
os produtos do trabalho são mercadorias. Alguns são produzidos para o
consumo imediato do produtor ou de sua família e, neste caso, não se trata de
mercadoria, mas simplesmente valor de uso. A mercadoria, diferentemente dos
produtos do trabalho para o consumo imediato do produtor, é produzida para
ser trocada, intercambiada por outros produtos ou por dinheiro. A expressão
em dinheiro do valor de troca da mercadoria chama-se preço. Como diz Marx,
o “valor de troca de uma mercadoria, avaliado em dinheiro, é o que se chama
precisamente o seu preço”.35
Como toda mercadoria, a força de trabalho também tem um valor de uso
e um valor de troca. O valor de uso da mercadoria força de trabalho diz
respeito à sua capacidade de produzir, de transformar a natureza, de extrair
dela bens, enfim, de poder ser utilizada no processo da produção social. O
valor de troca da mercadoria força de trabalho é a quantidade de trabalho
socialmente necessário à produção e reprodução da força de trabalho, ou seja,
a quantidade de produtos necessários à produção e reprodução da força de
trabalho e de sua família.

35
MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital. São Paulo: Gobal, 1987, p. 35.
30

Afinal, os trabalhadores e suas famílias precisam comer, beber, morar,


vestir-se, entre outras coisas. E todos esses produtos e serviços são frutos
também de trabalho humano, portanto, corporificam uma determinada
quantidade de trabalho socialmente necessário para a sua produção. O salário
é o preço da mercadoria força de trabalho: “salário é apenas o nome especial
dado ao preço da força de trabalho, a que se costuma chamar preço do
trabalho; é apenas o nome dado ao preço dessa mercadoria particular que só
existe na carne e no sangue do homem”.36
Dessa forma, o trabalhador, ao receber pelo uso de sua força de trabalho
o seu preço, o salário, recebe na verdade uma determinada quantia que pode
ser trocada por uma determinada quantidade de produtos (bens e serviços)
necessários à sua reprodução e da sua família. Se essa quantia (o salário, o
preço da força de trabalho) é suficiente ou não para garantir uma vida digna
para os trabalhadores nos mais variados países é precisamente o que
tentaremos mais a frente analisar a partir das indicações de Marx sobre a
diferença entre salário nominal e salário real. Mas continuemos.
Sendo uma mercadoria, que o seu proprietário (o trabalhador) vende ao
capitalista, dono do dinheiro e dos meios de produção, a força de trabalho
produz bens (conjunto de mercadorias) que não são apropriados pelos que
produzem a riqueza. Os produtos produzidos pelos trabalhadores, que
representam tempo de trabalho incorporado, não lhes pertencem, mas ao
capitalista. O trabalho, na sociedade burguesa, é trabalho explorado, como em
todas as sociedades de classes existentes até hoje na história da humanidade,
desde a Antiguidade escravocrata (trabalho escravo), passando pelo
feudalismo (trabalho servil). No capitalismo, o trabalho humano é explorado na
forma de mercadoria, de trabalho assalariado.
Na sociedade burguesa moderna, diz Marx, o trabalho é

essa força vital que ele (o trabalhador) vende a um terceiro para se assegurar
dos meios de vida necessários. A sua atividade vital é para ele, portanto, apenas
um meio para poder existir. Trabalha para viver. Ele nem sequer considera o
trabalho como parte da sua vida, é antes um sacrifício da sua vida. É uma
mercadoria que adjudicou a um terceiro. Por isso, o produto da sua atividade
tampouco é o objetivo da sua atividade. O que o operário produz para si próprio
não é a seda que tece, não é o ouro que extrai das minas, não é o palácio que
constrói. O que ele produz para si próprio é o salário; e a seda, o ouro e o

36
Idem, ibidem.
31

palácio reduzem-se, para ele, a uma determinada quantidade de meios de


subsistência, talvez a uma roupa de algodão, a umas moedas, a um quarto em
um porão. E o operário – que, durante 12 horas tece, fia, perfura, torneia,
constrói, cava, talha a pedra e a transporta etc. – valerão para ele essas 12
horas de tecelagem, de fiação, de trabalho com o arco de pua, ou com o torno,
de pedreiro, ou escavador, como manifestação da sua vida, como sua vida? Ao
contrário. A vida para ele começa quando termina essa atividade, à mesa, no
bar, na cama.37

Os economistas e representantes políticos da burguesia tentam de todas


as formas passar a imagem de que os homens sempre viveram da
concorrência, da competição, do individualismo e do egoísmo. Defendem a
falsa ideia de que os indivíduos sempre viveram em sociedades classistas e
que não adianta lutar para suplantar esse tipo de sociedade, porque as coisas
naturalmente convergem para a via da sociedade classista.
Mas, a pergunta que devemos fazer é: a força de trabalho sempre foi
mercadoria? Marx responde que não. Para ele, o

trabalho nem sempre foi trabalho assalariado, isto é, trabalho livre. O escravo
não vendia a sua força de trabalho ao proprietário de escravos, assim como o
boi não vende os seus esforços ao camponês. O escravo é vendido, com a sua
força de trabalho, de uma vez para sempre, ao seu proprietário. É uma
mercadoria que pode passar das mãos de um proprietário para as mãos de
outro. Ele próprio é uma mercadoria, mas a força de trabalho não é uma
mercadoria sua. O servo só vende uma parte de sua força de trabalho. Não é ele
quem recebe um salário do proprietário da terra: ao contrário, é o proprietário da
terra quem recebe dele um tributo.38

E completa:

O servo pertence à terra e rende frutos ao dono da terra. O operário livre, ao


contrário, vende-se a si mesmo e, além disso, por partes. Vende em leilão 8, 10,
12, 15 horas da sua vida, dia após dia, a quem melhor pagar, ao proprietário das
matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de subsistência, isto
é, ao capitalista. O operário não pertence nem a um proprietário nem à terra,
mas 8, 10, 12, 15 horas da sua vida diária pertencem a quem as compra. O
operário, quando quer, deixa o capitalista ao qual se alugou, e o capitalista
despede-o quando acha conveniente, quando já não tira dele proveito ou o
proveito que esperava. Mas o operário, cuja única fonte de rendimentos é a
venda da sua força de trabalho, não pode deixar toda a classe dos compradores,
isto é, a classe dos capitalistas, sem renunciar à existência. Ele não pertence a
este ou àquele capitalista, mas à classe dos capitalistas, e compete a ele
encontrar quem o queira, isto é, encontrar um comprador nessa classe de
capitalistas.39

37
Idem, pp. 36-37.
38
Idem, pp. 37-38.
39
Idem, ibidem.
32

Após essa diferenciação da condição do trabalhador assalariado moderno


em relação aos trabalhadores das formações pré-capitalistas, Marx enfrenta a
questão fundamental sobre o que determina o preço de uma mercadoria, em
particular da mercadoria força de trabalho (o salário). Para Marx, em Trabalho
assalariado e capital, o preço de uma mercadoria qualquer é influenciado pela
“concorrência entre compradores e vendedores, a relação entre a procura e
aquilo que se fornece, a oferta e a procura. A concorrência, que determina o
preço de uma mercadoria”. Os vendedores disputam entre si os mercados, uns
vendem mais barato que outros. Os compradores disputam a compra dos
produtos entre si. Há também uma disputa entre compradores e vendedores,
cujo desenlace depende da relação existente entre as partes. A alta e a baixa
dos preços das mercadorias influenciam os movimentos dos capitais para os
setores mais lucrativos.
Os preços das mercadorias flutuam, conforme a oferta e a procura, para
cima ou para baixo do custo de sua produção. Portanto, “as oscilações da
oferta e da procura reconduzem sempre o preço de uma mercadoria aos seus
custos de produção. É fato que o preço real de uma mercadoria está sempre
acima ou abaixo dos custos de produção; mas a alta e a baixa dos preços se
compensam mutuamente, de forma que, em um determinado período de
tempo, calculados conjuntamente o fluxo e o refluxo da indústria, as
mercadorias são trocadas umas pelas outras de acordo com os seus custos de
produção. O preço delas é, portanto, determinado pelos seus custos de
produção”. Marx esclarece, entretanto, que isto “não é válido, naturalmente,
para um único produto da indústria, mas apenas para o ramo inteiro da
indústria. Isso também não é válido, portanto, para o industrial individual, mas
apenas para a classe inteira dos industriais”. 40
Em última instância, a

determinação do preço pelos custos de produção é igual à determinação do


preço pelo tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria,
pois os custos de produção se compõem de: 1. Matérias-primas e desgaste de
instrumentos, isto é, de produtos industriais cuja produção custou uma certa
quantidade de dias de trabalho, que representam, portanto, uma certa
quantidade de tempo de trabalho; 2. trabalho direto, cuja medida é precisamente
o tempo.41

40
Idem, pp. 42-43.
41
Idem, p. 44.
33

É preciso acrescentar uma passagem da Introdução de 1891, escrita por


Engels, a Trabalho assalariado e capital:

O que os economistas burgueses haviam considerado como custos de


produção “do trabalho”, eram os custos de produção, não do trabalho, mas do
próprio operário vivo. E o que o operário vendia ao capitalista não era o seu
trabalho. “No momento em que começa realmente o seu trabalho – disse Marx –
este deixa logo de lhe pertencer e o operário não poderá, portanto vendê-lo”.
Poderia, quando muito, vender o seu trabalho futuro, isto é, comprometer-se a
executar um dado trabalho em um tempo determinado. Mas, então, o operário
não vende trabalho (que ainda teria de ter lugar); põe, sim, à disposição do
capitalista a sua força de trabalho, a troco de um salário determinado, por um
determinado tempo (se trabalha por tempo) ou para determinada tarefa (se
trabalha por peça): ele aluga ou vende a sua força de trabalho. Mas essa força
de trabalho incorpora-se indissoluvelmente ligada a sua pessoa e é inseparável
dela. Por conseguinte, os seus custos de produção coincidem com os custos de
produção (do operário); o que os economistas chamavam custos de produção do
trabalho são precisamente os custos de produção do operário e, por isso, os da
força de trabalho. E, assim, já podemos relacionar os custos de produção da
força de trabalho ao valor da força de trabalho, e determinar a quantidade de
trabalho socialmente necessário que é requerido para a produção de uma força
de trabalho de determinada qualidade – como o fez Marx no capítulo da compra
e venda da força de trabalho.42

Mas, continuemos analisando o texto, na linguagem do seu autor. As


mesmas leis que determinam o preço das mercadorias em geral se aplicam à
mercadoria força de trabalho. Tal como qualquer mercadoria, o preço da força
de trabalho depende da relação entre compradores (capitalistas) e vendedores
(trabalhadores), das altas e das baixas do mercado de trabalho, mas tendem
em média aos custos de produção da força de trabalho. Tal como as
mercadorias em geral, o custo de produção da mercadoria força de trabalho
corresponde ao custo dos meios de existência necessários para manter o
trabalhador vivo e para reproduzi-lo como força de trabalho. É o seu salário.
Explica Marx: os

custos de produção da força de trabalho simples se compõem, portanto, dos


custos de existência e de reprodução do operário. O preço desses custos de
existência e de reprodução constitui o salário. O salário assim determinado
chama-se o mínimo de salário. Esse mínimo de salário, tal como a determinação
do preço das mercadorias pelos custos de produção em geral, é válido para a
espécie e não para o indivíduo isolado. Há milhões de operários que não
recebem o suficiente para existir e se reproduzir; mas o salário de toda a classe
operária nivela-se, dentro de suas oscilações, a esse mínimo.43
42
ENGELS, Friedrich. Introdução. In: MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital. São Paulo:
Expressão Popular, 2006, pp. 24-25.
43
Idem, p. 45.
34

Depois de analisar essas categorias, Marx parte para a caracterização do


capital. Os economistas burgueses44, antes de Marx e Engels, procuravam
apresentar o capital como um conjunto de matérias-primas, instrumentos de
trabalho e meios de subsistência empregados para produzir novas matérias-
primas, novos instrumentos de trabalho e novos meios de subsistência.
Como tudo isso é produto do trabalho, logo o capital para eles era apenas
trabalho acumulado que serve para uma nova produção. Colocadas as coisas
dessa forma, podiam esses economistas encontrar capital em todos os modos
de produção e assim eternizá-lo, naturalizá-lo como algo permanente, perene,
dado de uma vez para sempre, insuperável. Em que erram esses
economistas? Em desconsiderar as condições reais, históricas e sociais em
que os produtos do trabalho humano se tornam efetivamente capital.
Marx responde: “Um negro é um negro. Só em determinadas condições é
que se torna escravo. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina para fiar
algodão. Apenas em determinadas condições ela se torna capital. Fora dessas
condições, ela é tampouco capital como o ouro, por si próprio, é dinheiro, ou
como o açúcar é o preço do açúcar”. Assim, para produzirem,

os homens não agem apenas sobre a natureza, mas também uns sobre os
outros. Eles somente produzem colaborando entre si de um modo determinado e
trocando entre si as suas atividades. Para produzirem, contraem determinadas
ligações e relações mútuas, e é somente no interior desses vínculos e relações
sociais que se efetua a sua ação sobre a natureza, isto é, que se realiza a
produção.45

As relações sociais entre os produtores e as condições de produção e de


troca variam com as transformações nos meios de produção. Conforme Marx,

as relações sociais de produção alteram-se, portanto, transformam-se com a


alteração e o desenvolvimento dos meios materiais de produção, as forças

44
Falamos é claro da Economia Política clássica (em particular Smith e Ricardo), como Marx a
considerava, uma vez que a Teoria Econômica vulgar, desde a Teoria Marginalista, abandonou
a teoria do valor-trabalho, de modo que, ao contrário dos clássicos, sequer consideram
seriamente o trabalho como produtor da riqueza na sociedade capitalista e tentam de todas as
formas velar o fato de que o trabalho está na base do valor das mercadorias e que os
capitalistas exploram os trabalhadores, extraindo da força de trabalho a mais-valia, isto é, a
fonte do lucro. Para Marx, “a economia política burguesa, isto é, a que vê na ordem capitalista
a configuração definitiva e última da produção social, só pode assumir caráter científico
enquanto a luta de classes permaneça latente ou se revele em manifestações esporádicas”. Cf.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v. I,
2002, p. 23.
45
Idem, p. 46.
35

produtivas. As relações de produção, na sua totalidade, formam aquilo a que se


dá o nome de relações sociais, a sociedade, e, na verdade, uma sociedade em
um estágio determinado de desenvolvimento histórico, uma sociedade com
caráter próprio, diferenciado. A sociedade antiga, a sociedade feudal, a
sociedade burguesa são conjuntos de relações de produção desse tipo, e cada
uma delas caracteriza, ao mesmo tempo, um estágio particular de
desenvolvimento na história da humanidade.46

O capital é, conforme Marx, uma relação social de produção. Nada tem de


natural, de dádiva da natureza ou da providência divina, nem é algo
insuperável. Mas o “capital não consiste apenas de meios de subsistência,
instrumentos de trabalho e matérias-primas, não consiste apenas de produtos
materiais; compõe-se igualmente de valores de troca. Todos os produtos de
que se compõe são mercadorias. O capital não é, portanto, apenas uma soma
de produtos materiais, é também uma soma de mercadorias, de valores de
troca, de grandezas sociais”. E continua: “embora todo capital seja uma soma
de mercadorias, isto é, de valores de troca, nem toda soma de mercadorias, de
valores de troca, será, por isso, capital”.47
O que faz então uma soma de valores de troca, de mercadorias,
converter-se em capital? Marx esclarece:

Conservando-se e multiplicando-se como força social independente, isto é,


como força de uma parte da sociedade, por meio da sua troca pela força de
trabalho viva, imediata. A existência de uma classe que possui apenas sua
capacidade de trabalho é uma condição preliminar necessária ao capital.
Somente quando o trabalho materializado, passado, acumulado, domina sobre o
trabalho vivo, imediato, é que o trabalho acumulado se transforma em capital
(…). Consiste no fato de o trabalho vivo servir ao trabalho acumulado como meio
para manter e aumentar o seu valor de troca.48

Nesse sentido, o “capital pressupõe, portanto, o trabalho assalariado; o


trabalho assalariado pressupõe o capital. Um é a condição do outro; eles se
criam mutuamente”.49 Isso significa uma identidade de interesses? De
nenhuma forma. Nessa condição de mútua dependência, ou seja, como dois
aspectos da mesma relação social, se autocondicionam historicamente. No
mais, capital e trabalho, capitalistas e trabalhadores assalariados disputam,
permanentemente, aberta ou veladamente, a apropriação do excedente

46
Idem, p. 47.
47
Idem, pp. 47-48.
48
Idem, pp.48-49.
49
Idem, p. 50.
36

produzido. Como nas sociedades de classes anteriores, a sociedade capitalista


é marcada pela luta de classes, já dizia o Manifesto Comunista de 1848.
O capitalista deseja se apropriar do máximo de excedente possível, seja
aumentando a jornada de trabalho, seja introduzindo técnicas modernas e
reorganizando o trabalho na fábrica para aumentar a produtividade, isto é, a
capacidade de produção de mais mercadorias na mesma jornada de trabalho.
O trabalhador, por outro lado, organiza-se em associações e sindicatos e luta
por condições mais suportáveis de vida, de trabalho e de salário. Tenta limitar a
sanha de lucro do capitalista e conquistar direitos sociais e trabalhistas.
Dito isto, é preciso realçar que Marx estabelece uma distinção entre
salário nominal e salário real: “O preço em dinheiro do trabalho, o salário
nominal, não coincide, portanto, com o salário real, isto é, com a soma de
mercadorias que é realmente dada em troca do salário. Ao falarmos, portanto,
do aumento ou da queda do salário, não temos de considerar apenas o preço
em dinheiro do trabalho, o salário nominal”. Significa que os trabalhadores
recebem uma determinada soma em dinheiro do capitalista como salário (valor
nominal), que corresponde a uma determinada quantidade concreta de bens e
serviços (valor real, poder aquisitivo real).
Marx cita exemplos em que o valor nominal do salário não coincidia com o
valor real. No século XVI, quando uma grande quantidade de ouro e prata
transbordou a Europa, vinda das colônias, desvalorizou a moeda
sensivelmente em relação às demais mercadorias. O valor nominal (salário
nominal) da remuneração dos trabalhadores continuou o mesmo, mas o seu
poder aquisitivo (salário real) diminuiu. A inflação corrói o valor real dos
salários. Com o mesmo valor se podia adquirir menos produtos.
Em 1847, com a má colheita, os meios de subsistência aumentaram de
preço. O salário dos trabalhadores permaneceu o mesmo, mas não se poderia
comprar a mesma quantidade de produtos como antes. Mas, suponhamos, em
consequência da aplicação de novas máquinas ou de uma boa colheita (mais
mercadorias disponíveis), é evidente que os preços tendem a baixar, com o
salário mesmo permanecendo inalterado, os operários poderiam adquirir mais
produtos que antes.
Marx alerta ainda para o chamado salário comparativo ou relativo. O
salário relativo “exprime a cota-parte do trabalho direto no novo valor por ele
37

criado, em relação à cota-parte dele que cabe ao trabalho acumulado, ao


capital”. A parte que capital e trabalho se apropriam da riqueza produzida é
completamente diferente. Para o capitalista, a soma de mercadorias obtida pela
exploração do trabalho deve ser suficiente para, com sua venda, garantir “a
reposição do preço das matérias-primas por ele adiantadas; assim como a
reposição do que se desgastou nas ferramentas, máquinas e outros meios de
trabalho, igualmente adiantados por ele; segunda, a reposição do salário
adiantado por ele; terceira, o excedente que resta, o lucro do capitalista”. Essa
repartição entre operário e capitalista é desigual.
Significa que o “salário real pode permanecer o mesmo, pode até subir, e,
não obstante, o salário relativo pode cair”. Pode-se ter uma situação (é isso
que de fato acaba ocorrendo) em que a cota-parte do capital pode subir em
relação à cota-parte do trabalho: “A repartição da riqueza social entre capital e
trabalho tornou-se ainda mais desigual. O capitalista domina com o mesmo
capital uma quantidade maior de trabalho. O poder da classe dos capitalistas
sobre a classe operária cresceu, a posição social do operário piorou, caiu mais
um degrau em relação à do capitalista” 50. Portanto, salário e lucro estão na
razão inversa um do outro: a “cota-parte do capital, o lucro, sobe na mesma
proporção em que a cota-parte do trabalho, o salário, cai, e, inversamente, o
lucro sobe na medida em que o salário cai, e cai na medida em que o salário
sobe”.51
Marx realça que “se, a receita do operário aumenta com o rápido
crescimento do capital, a verdade é que, ao mesmo tempo, aumenta o abismo
social que afasta o operário do capitalista, aumenta ao mesmo tempo o poder
do capital sobre o trabalho, a dependência do trabalho relativamente ao
capital”. Neste sentido, afirmar

que o operário tem interesse no rápido crescimento do capital significa apenas


afirmar que quanto mais depressa o operário aumentar a riqueza alheia, tanto
mais gordas serão as migalhas que sobrarão para ele; quanto mais operários
possam ser empregados e se reproduzir, tanto mais se multiplica a massa dos
escravos dependente do capital.52

50
Idem, p. 55.
51
Idem, p. 56.
52
Idem, p. 58.
38

Na sociedade capitalista, a concorrência entre os capitais estimula a


introdução de novas técnicas e métodos de organização do trabalho na fábrica,
tendo em vista o aumento da produtividade, a produção de mais mercadorias e
a acumulação de trabalho excedente. É assim que os capitalistas podem
vencer uns aos outros e conquistar mercados. Devem, pois, vender as suas
mercadorias a um preço menor que as mercadorias de outros. Na visão de
Marx, um

capitalista só pode pôr outro capitalista em debandada e conquistar-lhe o capital


vendendo mais barato. Para poder vender mais barato sem se arruinar tem de
produzir mais barato, isto é, aumentar tanto quanto possível a força de produção
do trabalho (produtividade). Mas a força de produção do trabalho é sobretudo
aumentada por meio de uma maior divisão do trabalho, por meio de uma
introdução generalizada de maquinaria e de um aperfeiçoamento constante da
mesma.53

Ao agir dessa forma, o capitalista, em condições técnicas e de


organização do trabalho mais vantajosas, pode embolsar uma parte maior de
lucros que os seus concorrentes, conquistar-lhes uma parte dos mercados.
Entretanto, “o privilégio do nosso capitalista não é de longa duração; outros
capitalistas concorrentes introduzem as mesmas máquinas, a mesma divisão
de trabalho, introduzem-nas à mesma escala ou a uma escala superior, e essa
introdução se torna tão generalizada até que o preço do pano cai não somente
abaixo dos seus antigos custos de produção, mas também abaixo dos novos
custos”. Recomeça a concorrência em novo patamar com mais maquinaria,
mais divisão do trabalho, maior escala: “Vemos como o modo de produção, os
meios de produção são assim continuamente transformados, revolucionados”. 54
Continua Marx: imaginemos “agora essa agitação febril ao mesmo tempo
em todo o mercado mundial e compreende-se como o crescimento, a
acumulação e concentração do capital têm por consequência uma divisão do
trabalho, uma aplicação de nova e o aperfeiçoamento de velha maquinaria
ininterruptos, que se precipitam uns sobre os outros e executados em uma
escala cada vez mais gigantesca”. Do ponto de vista do trabalhador, a

maior divisão do trabalho capacita um operário a fazer o trabalho de 5, 10, 20:


ela aumenta, portanto, 5, 10, 20 vezes a concorrência entre os operários. Os
operários não fazem concorrência uns aos outros apenas quando um se vende

53
Idem, p. 59.
54
Idem, p. 61.
39

mais barato do que o outro; fazem concorrência uns aos outros quando um
executa o trabalho de 5, 10, 20; é a divisão do trabalho introduzida e
constantemente aumentada pelo capital que obriga os operários a fazer essa
espécie de concorrência.55

Outra consequência do aumento da divisão do trabalho é a simplificação


do próprio trabalho, um processo social que ocorre constantemente nas
relações de produção capitalistas:

A habilidade especial do operário torna-se sem valor. Ele é transformado em


uma força produtiva simples, monótona, que não tem de pôr em jogo energias
físicas nem intelectuais. O seu trabalho torna-se trabalho acessível a todos. Por
isso, de todos os lados, seus concorrentes fazem pressão e, além disso,
devemos nos lembrar que, quanto mais simples, mais fácil de aprender é o
trabalho, quanto menos custos de produção são necessários para se apropriar
do mesmo, tanto mais baixo será o salário, pois, tal como o preço de todas as
outras mercadorias, ele é determinado pelos custos de produção.56

A maquinaria, do seu lado,

produz os mesmos efeitos em uma escala muito maior, ao impor a substituição


de operários especializados por operários não especializados, de homens por
mulheres, de adultos por crianças, pois a maquinaria, onde é introduzida pela
primeira vez, lança os operários manuais em massa na rua; e onde é
desenvolvida, aperfeiçoada, substituída por máquina de maior rendimento,
despede operários em grupos menores. Retratamos atrás, rapidamente, a
guerra industrial dos capitalistas entre si; essa guerra tem a particularidade de as
batalhas serem ganhas menos pela contratação e mais pela dispensa do
exército operário. Os generais, os capitalistas disputam entre si quem pode
dispensar mais soldados da indústria.57

Como os economistas explicam a situação dos operários tornados


supérfluos pela maquinaria? Encontrarão novos ramos de ocupação? Marx
observa que os economistas

não se atrevem a afirmar diretamente que aqueles mesmos operários que foram
despedidos arranjam emprego em novos setores do trabalho. Os fatos contra
essa mentira são demasiado gritantes. Eles, de fato, somente afirmam que, para
outras partes constitutivas da classe operária, por exemplo, para a parte da
jovem geração operária que já estava pronta para entrar no ramo da indústria
desativado, novos meios de ocupação se apresentarão. Esse é, naturalmente,
um grande consolo para os operários desempregados. Não faltarão aos
senhores capitalistas carne e sangue fresco para serem explorados e aos mortos
será determinado que enterrem seus mortos. Isso é mais um consolo que os
burgueses oferecem a si mesmos do que aos operários. Se a classe inteira dos

55
Idem, pp. 63-64.
56
Idem, ibidem.
57
Idem, p. 65.
40

operários assalariados fosse aniquilada pela maquinaria, que horror para o


capital, o qual sem trabalho assalariado deixa de ser capital!58

Os capitalistas, portanto, enfrentam uma contradição fundamental.


Quanto mais mobilizam

meios de produção gigantescos já existentes e a pôr em movimento, para tal fim,


todas as possibilidades do crédito, nessa mesma medida, aumentam os
terremotos industriais, nos quais o mundo do comércio só se mantém
sacrificando uma parte da riqueza, uma parte dos produtos e mesmo uma parte
das forças de produção aos deuses das profundezas – aumentam, em uma
palavra, as crises. Elas se tornam mais frequentes e mais violentas pelo próprio
fato de, na medida em que cresce a massa de produtos, portanto, a necessidade
de mercados mais extensos, o mercado mundial se contrair cada vez mais,
restarem para exploração cada vez menos mercados, novos, porque todas as
crises anteriores sujeitaram ao comércio mundial mercados até então não
explorados, ou apenas superficialmente explorados pelo comércio. O capital,
porém, não vive só do trabalho. Senhor ao mesmo tempo elegante e bárbaro,
arrasta consigo para a cova os cadáveres dos seus escravos, em uma
verdadeira hecatombe de operários que naufragam nas crises.59

Marx finaliza a sua análise mostrando que as contradições do capitalismo


levam a uma situação em que a sociedade burguesa só consegue se
reproduzir criando periodicamente crises cada vez mais profundas, cujas
consequências são as falências, o desemprego, a fome, a miséria e o aumento
da exploração da força de trabalho. O que Marx queria dizer aos operários é
que o capitalismo criava as bases objetivas da sua própria superação, mas que
essa superação depende de condições subjetivas, quais sejam, a organização
dos trabalhadores e o desenvolvimento de sua consciência de classe. Um ano
antes de publicar Trabalho assalariado e capital, Marx havia defendido no
Manifesto Comunista a necessidade de constituição do proletariado como
partido político independente da burguesia. Essas análises se completam.

2.3.2. Para a crítica da economia política

Com o retorno aos estudos econômicos, Marx escreveu entre 1857 e


1858 volumosos manuscritos preparatórios às suas obras de economia,
conhecidos posteriormente por Grundrisse (fundamentos para a crítica da
economia política), publicados pelo Instituto Marx-Engels de Moscou, em 1939-
1941. Esses manuscritos, realçamos, não foram publicados em vida por Marx.
58
Idem, p. 65.
59
Idem, p. 68.
41

Eram apontamentos sobre os seus estudos. Não obstante, os Grundrisse


tiveram uma grande influência nos debates marxistas no século XX e
continuam a despertar a atenção de muitos estudiosos. De qualquer forma, é
um texto fabuloso, que deve ser estudado por todos os marxistas, porque ele
nos dá um quadro de como Marx desenvolvia suas pesquisas. É uma fonte
valiosa para a questão do método.60
Mais intessante ainda é analisar o patamar de conhecimento da economia
política alcançado por Marx nesse período. Marx trabalhou resolutamente para
a publicação de sua primeira grande obra econômica, Para a crítica da
economia política.61 Acumulou longos anos de estudo, desde a década de
1840, quando iniciou as primeiras leituras dos economistas clássicos. A obra
tão esperada foi adiada por vários anos, até que finalmente veio a lume em
1859.
Em uma linguagem rebuscada e difícil, poucos compreenderam a
complexa análise empreendida pelo gigante Marx. 62 Os contornos
fundamentais de sua teoria econômica estavam sedimentados, como o estudo
da célula da sociedade capitalista, a mercadoria e o dinheiro. Trata-se de uma
obra ímpar na história da economia, mas pouco lida pelos próprios marxistas.
Marx começa a sua análise da mercadoria com uma frase que será
praticamente reproduzida em O Capital: “À primeira vista, a riqueza burguesa
aparece como uma enorme acumulação de mercadorias, e a mercadoria
isolada como seu modo de ser elementar”. 63

60
Uma parte dos Grundrisse, sobre as sociedades pré-capitalistas, foi publicada em português:
MARX, Karl. Formações econômicas pré-Capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. O
texto completo foi publicado recentemente em português: MARX, Karl. Grundrisse. São Paulo,
Boitempo, 2011.
61
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Junto com
os estudos econômicos, Marx dá continuidade à elaboração de artigos sobre problemas da
conjuntura da época para o New York Daily Tribune e Das Volk.
62
É precisamente no Prefácio à Para a Crítica da Economia Política, que Marx expôs uma
síntese da sua trajetória até a concepção materialista da história que, conforme o próprio autor,
tornou-se o fio condutor de toda a sua obra. Logo de ínicio, Marx expressa os temas que
pretende analisar em sua crítica da economia política: “Examino o sistema da economia
burguesa na seguinte ordem: capital, propriedade, trabalho assalariado; Estado, comércio
exterior, mercado mundial. Sob os três primeiros títulos, estudo as condições econômicas de
existência das três grandes classes nas quais se divide a sociedade burguesa moderna; a
redação dos três outros capítulos é evidente. A primeira seção do primeiro livro, que trata do
capital, compõe-se dos seguintes capítulos: 1. a mercadoria; 2. o dinheiro ou a circulação
simples; 3. o capital em geral. Os dois primeiros capítulos formam o conteúdo do presente
volume” (Idem, p. 43).
63
Idem, p. 31.
42

Destaca as duas qualidades da mercadoria, quais sejam a de ser valor de


uso, atendendo a uma determinada necessidade ou utilidade, e a de ser valor
de troca, de poder ser intercambiada por outras mercadorias ou por dinheiro.
Como diz Marx: “as mercadorias cobrem-se umas às outras em quantidades
determinadas, substituem-se entre si na troca, valem como equivalentes e,
apesar de sua aparência variegada, apresentam a mesma unidade”. As
mercadorias são, portanto, produtos do trabalho humano de indivíduos
distintos, mas como valores de troca “apresentam trabalho igual, sem
diferenças, isto é, trabalho em que a individualidade dos trabalhadores se
extinguiu. Trabalho que põe valor de troca é, por isso, trabalho abstratamente
geral”.64
O valor das mercadorias é determinado não pelo trabalho individual, cujos
tipos são muito diferentes entre si, mas pelo trabalho socialmente necessário
para produzi-las, o trabalho humano geral, indiferenciado, abstrato,
correspondente a um nível médio de desenvolvimento das forças produtivas e
da produtividade do trabalho. Significa dizer que “o trabalho que põe o valor de
troca é um trabalho abstratamente geral e igual, o trabalho que põe valor de
uso é trabalho concreto e particular, que se subdivide em infinitos modos de
trabalhos diferentes, segundo a sua forma e sua matéria” 65
Na sua forma de trabalho concreto, útil, como “atividade que visa, de uma
forma ou de outra, à apropriação do que é natural, o trabalho é condição
natural da existência humana, uma condição do metabolismo entre homem e
natureza”.66 Nessa condição, toda sociedade humana tem como fundamento o
trabalho. É a partir do trabalho humano, na relação com a natureza, que se
extrai os bens necessários à existência da vida social.
Historicamente, o trabalho ganha determinações sociais, dependendo da
forma de sociedade analisada. Na sociedade escravista antiga o trabalho
tomou a forma de trabalho escravo, explorado. Na sociedade feudal, a forma
de trabalho servil, também explorado. No capitalismo, o trabalho existe sob a
forma de trabalho explorado assalariado. Por isso, o “trabalho que põe valor de
troca é uma forma especificamente social do trabalho”. 67
64
Idem, p. 32.
65
Idem, p. 37.
66
Idem, p. 37.
67
Idem, ibidem.
43

Da análise da forma mercadoria, Marx passa à explicação do dinheiro em


meio ao desenvolvimento do processo de troca. O dinheiro, como mercadoria
universal, capaz de ser trocado por todas as outras mercadorias, cumpre as
funções de equivalente geral, proporcionando a equiparação das mercadorias;
meio de troca, facilitando a circulação das mercadorias; medida de valor,
possibilitando um padrão de mensuração para as mercadorias; meio de
acumulação ou entesouramento, sendo guardado para utilização futura; e meio
de pagamento, na quitação de dívidas, inclusive no pagamento da força de
trabalho, na forma de salário.
Na sua análise do dinheiro e do processo de circulação, Marx estabelece
a diferenciação entre circulação mercantil simples e circulação mercantil
capitalista. Na primeira, o dinheiro comparece como meio de circulação das
mercadorias, produtos do trabalho. Na segunda, o dinheiro é ao mesmo tempo
o início e o final do processo. O dinheiro, portanto, é o resultado

do processo de circulação na forma M – D – M e constitui o ponto de partida do


processo na forma D – M – D, isto é, a troca de dinheiro por mercadorias, para
trocar mercadorias por dinheiro. Na primeira forma, é a mercadoria e na
segunda, é o dinheiro que constitui o ponto de partida e o ponto final desse
movimento. Na primeira forma, o dinheiro atua como mediador da troca de
mercadorias, na segunda, é a mercadoria que serve ao dinheiro como mediador
de seu próprio processo de vir-a-ser dinheiro. O dinheiro que aparece na
primeira forma como simples meio, aparece na segunda como meta final da
circulação, enquanto a mercadoria, que na primeira aparece como meta final, na
segunda forma aparece como simples meio. Se o próprio dinheiro já é o
resultado da circulação M – D – M, na forma de D – M – D, o resultado aparece
ao mesmo tempo como seu ponto de partida. Enquanto é em M – D – M que se
dá o metabolismo das mercadorias, é o modo de ser formal da própria
mercadoria resultante desse primeiro processo que constitui o conteúdo efetivo
do segundo processo D – M – D.68

Essa análise é a base da diferenciação entre a produção mercantil


simples, que prevaleceu até o advento do capitalismo moderno e a produção
mercantil capitalista, base da realidade burguesa atual. Na primeira, o objetivo
fundamental da produção realizada por famílias camponesas e artesãos é a
satisfação das necessidades do produtor e da sua família. As mercadorias
podem ser trocadas por outros produtos ou por dinheiro, mas este último
funciona simplesmente como meio de circulação das mercadorias. Na
produção mercantil capitalista, o dinheiro comparece como o início do processo
68
Idem, p. 91.
44

e como sua meta final. O objetivo da produção não é a satisfação de


necessidades sociais, mas a acumulação de riqueza, de capital. Não é o caso,
aqui, de mostrar como se dá o processo de transformação do dinheiro em
capital, que será analisado na parte referente a O Capital.
No mais, é preciso analisar a síntese do materialismo histórico realizada
por Marx. No Prefácio à Para a Crítica da Economia Política (1859), ao relatar a
trajetória dos seus estudos de economia política e da sociedade burguesa,
Marx estabeleceu, à base dos conhecimentos obtidos em mais de uma década
de estudos e de lutas operárias, posteriores aos manuscritos de A Ideologia
Alemã, o núcleo da concepção materialista da história:

na produção social da própria existência, os homens entram em relações


determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de
produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas
forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a
estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona
o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens
que determina o seu ser; ao contrário, é o ser social que determina sua
consciência (…) do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de
si mesmo diz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela
consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar essa
consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as
forças produtivas sociais e as relações de produção.69

As sociedades construídas pelos homens concretos, ao longo da história


da humanidade, são sistemas de relações sociais, econômicas, políticas e
culturais muito complexas. Os homens entram em relações de produção, que
independem de suas vontades individuais, porque a história é uma síntese dos
atos dos indivíduos, mas que não se reduz aos atos individuais de cada um. Os
homens constituem essas relações sociais de produção porque necessitam
viver, comer, beber, vestir-se, ter uma moradia, entre outras necessidades,
como base para poder fazer a própria história, para construir a sociedade.
É, evidentemente, a partir dessas condições materiais de produção da
existência social dos indivíduos (nas sociedades divididas em classes sociais,
os indivíduos estão inseridos nessas classes,) e da estrutura social, que os
indivíduos e classes sociais produzem as suas ideias, concepções, visões de
mundo, as ciências, as filosofias, as teologias, as religiões, enfim, o
69
Idem, p. 46.
45

conhecimento geral acumulado historicamente pela humanidade, as chamadas


formas de consciência social, a partir das quais se pensa a realidade e as
coisas do mundo e se procura explicar a própria relação do homem com a
natureza e a história.
Marx e Engels, ao colocar os fundamentos gerais da sua concepção de
mundo, de história e de sociedade, estão com os pés na filosofia materialista,
mas em um materialismo profundamente dialético e histórico. Dialético, pois
toda a construção do conhecimento pelo marxismo se dá a partir da análise
das contradições da realidade social, do processo de transformação e de
mudança presente na história dos homens. Materialista, por que as próprias
ideias se fundam no desenvolvimento material da sociedade humana, nas
condições materiais de existência (econômico-sociais).
Para Marx, o mecanismo de transformação dos modos de produção da
vida social ocorre da seguinte forma:

Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da


sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o
que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no
seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das
forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se,
então, uma época de revolução social. A transformação que se produziu na base
econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal
superestrutura. Quando se consideram tais transformações, convém distinguir
sempre a transformação material das condições econômicas de produção – que
podem ser verificadas fielmente com a ajuda das ciências físicas e naturais – e
as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficos, em resumo, as
formas ideológicas sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito
e o levam até o fim.70

A análise da história e das suas transformações leva Marx a dizer que


uma

sociedade jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças


produtivas que possa conter, e as relações de produção novas e superiores não
tomam jamais seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas
relações tenham sido incubadas no próprio seio da velha sociedade. Eis porque
a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver,
pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se
apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em
vias de existir. Em grandes traços, podem ser os modos de produção asiático,
antigo, feudal e burguês moderno designados como outras tantas épocas
progressivas da formação da sociedade econômica. As relações de produção

70
Idem, p. 45-46.
46

burguesas são a última forma antagônica do processo de produção social,


antagônica não no sentido de um antagonismo individual, mas de um
antagonismo que nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as
forças produtivas que se desenvolveram no seio da sociedade burguesa criam,
ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver esse antagonismo. Com
essa formação termina, pois, a pré-história da sociedade humana.71

No seio de toda sociedade humana os homens são obrigados, para


poderem sobreviver à base da transformação da natureza, a desenvolver as
forças produtivas (os meios de produção e a própria força de trabalho humana),
a partir das quais, em relações sociais de produção adequadas produzem e
reproduzem a existência material, histórica. A forma como os homens articulam
historicamente as relações de produção e as forças produtivas caracteriza os
diversos modos de produção ao longo da história da humanidade. Não à toa,
ao estudarmos a história, deparamo-nos com diversas e complexas formas
como os homens produzem cotidianamente a sua existência, em sua relação
com a natureza, mediada pelo trabalho. Marx chega a citar alguns desses
modos de produção: asiático, escravista antigo, feudal e capitalista moderno.
71
Idem, ibidem. Aqui é preciso considerar que o capitalismo liberal-concorrencial do século XIX,
portanto da época em que Marx nasceu e viveu, foi substituído pela fase imperialista do
capitalismo, em que dominam os grandes conglomerados econômicos e financeiros - os
monopólios e oligopólios -, além do capital financeiro, cujo impacto no funcionamento geral da
economia capitalista só aprofundou as crises econômicas ao longo do século XX e dos
primeiros anos do século XXI. O caráter progressivo do capitalismo de desenvolvimento das
forças produtivas chegou ao seu limite histórico e, hoje, vivemos uma época de guerras,
revoluções e contrarrevoluções. Quanto mais se desenvolvem a técnica e a ciência e são
aplicadas ao processo de produção, mais se aprofundam a crise estrutural do capitalismo e as
tendências de barbárie social em todos os países e continentes, além da fome, miséria,
desemprego, das formas precárias de trabalho, destruição da natureza, a exploração e a
opressão. As condições objetivas para a revolução socialista mundial estão dadas pelo nível de
desenvolvimento das forças produtivas em escala mundial, embora, do ponto de vista subjetivo,
da organização política e do avanço da consciência de classe do proletariado e demais
explorados e oprimidos, tenha havido um profundo recuo com o processo de burocratização e
degeneração dos Estados, onde a burguesia foi expropriada, particularmente a Rússia, em que
o estalinismo levou ao processo de restauração das relações de produção capitalistas e à
burocratização e degeneração do Partido Bolchevique (depois, Partido Comunista da União
Soviética-PCUS) e da III Internacional. Por isso, Trotsky argumenta: “Lembremos acima que,
segundo Marx, nenhuma ordem social deixa a cena da História antes de haver esgotado todas
as suas possibilidades. Entretanto, uma ordem social, mesmo já tendo caducado, não cede seu
lugar sem opor resistência a uma nova ordem. A sucessão dos regimes sociais supõe a mais
áspera luta de classes, isto é, a revolução. Se o proletariado, por uma razão ou por outra, se
mostra incapaz de derrubar a ordem burguesa que sobrevive, não resta ao capital financeiro,
em luta para manter seu domínio abalado, senão transformar a pequena burguesia, por ele
levada ao desespero e à desmoralização, em um exército de terror e do fascismo. A
degenerescência burguesa da socialdemocracia e a degenerescência fascista da pequena
burguesia estão entrelaçadas como causa e efeito”. Cf. TROTSKY, Leon. Noventa anos do
Manifesto Comunista. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo:
Boitempo, 1998, p. 168. A caracterização científica e marxista da fase imperialista do
capitalismo foi realizada por Lênin. Cf. LENIN, V. I. O Imperialismo: fase superior do
capitalismo. São Paulo: Centauro, 2005.
47

Durante certo período de cada modo de produção, as relações sociais de


produção, que correspondem a determinadas formas de propriedade, fazem
avançar as forças produtivas, incentivam seu desenvolvimento, favorecem as
iniciativas e a evolução técnico-científica. Entretanto, a certa altura, essas
mesmas relações de produção se tornam cada vez mais um estorvo, uma
verdadeira barreira ao avanço das forças produtivas da humanidade e, nesse
caso, devem ser substituídas por outras. Sem isso, a história não seria possível
e a humanidade restaria estancada. Esses conflitos se expressam
frequentemente nas consciências dos homens de cada época, que procuram
resolver essas contradições nas sociedades classistas mediante a luta de
classes.
Ao longo das sociedades de classes, esses antagonismos não puderam
ser suplantados a não ser constituindo uma nova sociedade baseada na
exploração do homem pelo homem. Excetuando o comunismo primitivo, em
que os homens viveram durante milhares de anos, desde pelo menos a
Antiguidade escravista os homens vivem divididos em classes sociais
antagônicas. Na Antiguidade, entre a nobreza proprietária e escravos; no
feudalismo, senhores feudais e servos; no capitalismo, burguesia e
proletariado. Entre essas classes fundamentais de cada época se ergueram
evidentemente outras classes sociais intermediárias.
Apenas com o desenvolvimento do capitalismo, marcado pela
industrialização das fábricas modernas e pela concentração de milhares de
trabalhadores, com o profundo avanço das forças produtivas, em uma escala
jamais vista na história da humanidade, com a concentração e a centralização
do capital, isto é, da riqueza nas mãos de um número cada vez menor de
pessoas e empresas (grandes capitalistas) e com o conflito aberto entre as
forças produtivas altamente desenvolvidas e as relações de produção (entre a
produção social e a apropriação individual), é possível se levar adiante a luta
pela superação da sociedade de classes e pela construção do socialismo,
como ponte ao comunismo, a sociedade sem classes, Estado e alienação, na
qual os indivíduos possam, efetivamente, desenvolver a sua humanidade, suas
capacidades, seus conhecimentos e seus sentimentos.
Com o fim do capitalismo, termina, na visão de Marx, a pré-história da
humanidade e começa a história do desenvolvimento pleno dos indivíduos e da
48

sociabilidade humana, desta vez, sem as peias da exploração do homem pelo


homem, enfim, da sociedade de classes.

2.3.3. Salário, Preço e Lucro.

Em 1865, Marx apresentou ao Conselho Geral da Associação


Internacional dos Trabalhadores (AIT), a Primeira Internacional, um relatório
em que expôs os fundamentos da sua teoria da mais-valia, ou seja, a
explicação de como se dá a exploração do trabalho assalariado pelo capital na
sociedade burguesa, que constitui a base da formação do lucro dos
capitalistas. Esse relatório só foi publicado em 1898 por Eleanor, filha de Marx,
com o título Valor, Preço e Lucro. Outras edições foram publicadas com o título
Salário, Preço e Lucro.
A primeira pergunta feita por Marx é: “o que é o valor de uma mercadoria?
Como se determina esse valor?”. E responde em seguida: “quando falamos do
valor, do valor de troca de uma mercadoria, temos em vista as quantidades
proporcionais em que se troca por todas as demais mercadorias”. Continua
Marx: “como se regulam as proporções em que umas mercadorias são
trocadas por outras?”.72 Ou, mais exatamente, o que há de comum nas
diversas modalidades de mercadorias, que permite que elas sejam
intercambiadas em certas proporções? Marx responde:

Como os valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais


das mesmas, nada tendo a ver com suas propriedades naturais, devemos, antes
de mais nada, perguntar: qual é a substância social comum a todas as
mercadorias? É o trabalho. Para produzir uma mercadoria, deve-se investir nela
ou a ela incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não
simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para
seu uso pessoal e direto, para seu consumo, produz um produto, mas não uma
mercadoria. Como produtor que se mantém a si mesmo, nada tem a ver com a
sociedade. Mas para produzir uma mercadoria, não só é preciso um artigo que
satisfaça uma necessidade social qualquer, mas também o trabalho, nele
incorporado, deverá representar uma parte integrante da soma global de
trabalho investido pela sociedade. Tem de estar subordinado à divisão de
trabalho dentro da sociedade. Ele nada é sem os demais setores do trabalho;
por sua vez, ele é necessário para integrá-los.73

72
MARX, Karl. Salário, Preço e Lucro. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 97.
73
Idem, p. 99.
49

Portanto, uma mercadoria tem um valor e pode ser intercambiada com


outras mercadorias, em proporções diferentes, pelo fato de serem produto do
trabalho humano, de serem a “cristalização de um trabalho social”. 74 Como não
estamos falando do trabalho individual, mas da quantidade de trabalho
socialmente necessário para a produção dessas mercadorias, importa
esclarecer que se trata de uma “quantidade de trabalho necessária para
produzir essa mercadoria em uma dada situação social e sob determinadas
condições sociais médias de produção, com uma determinada intensidade
social média e com uma destreza média do trabalho utilizado”. 75
O preço de todas as mercadorias nada mais é que a expressão em
dinheiro do valor dos produtos. Os preços de mercado podem variar para cima
ou para baixo do valor da mercadoria por causa das oscilações entre a oferta e
a demanda. Como esclarece Marx, de um modo geral e

considerando períodos de tempo bastante longos, se todas as espécies de


mercadorias são vendidas pelos seus respectivos valores, é absurdo supor que
o lucro – não em casos isolados, mas o lucro constante e normal das diversas
indústrias – seja resultado de uma majoração dos preços das mercadorias, ou
da sua venda por um preço consideravelmente superior ao seu valor. O absurdo
dessa ideia torna-se mais evidente pela sua generalização. O que se ganha
constantemente como vendedor, perde-se constantemente como comprador. E
para nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores
que não são produtores. O que esses consumidores não produtores pagam ao
produtor teriam antes de receber desse produtor gratuitamente. Se uma pessoa
recebe o seu dinheiro e logo o devolve comprando suas mercadorias, por esse
caminho nunca enriquecerá por mais caro que venda as suas mercadorias. Esse
tipo de negócio poderá reduzir uma perda, mas jamais contribuirá para realizar
um lucro.
Portanto, para explicar a “natureza geral do lucro” devemos partir do
teorema segundo o qual as mercadorias são vendidas, em média, pelos seus
verdadeiros valores e que os lucros são obtidos vendendo-se as mercadorias
pelo seu valor, ou seja, proporcionalmente à quantidade de trabalho nelas
incorporada. Se não conseguirmos explicar o lucro a partir dessa hipótese, de
nenhum outro modo conseguiremos explicá-lo. Isso parece paradoxo e
contraditório com a observação de todos os dias. Mas também parece paradoxo
que a Terra gire em torno do Sol e que a água seja composta por dois gases
altamente inflamáveis. As verdades científicas são sempre paradoxais quando
julgadas pela experiência de todos os dias, que somente capta a aparência
enganadora das coisas.76

O capital precisa, nesse caso, encontrar uma mercadoria, entre as várias


existentes no mercado, que tenha a capacidade de, uma vez adquirida pelo

74
Idem, p. 100.
75
Idem, p. 103.
76
Idem, p. 108.
50

seu valor, sendo colocada no processo de produção, produzir em uma


determinada jornada de trabalho um valor superior ao seu, isto é, além do seu
próprio salário (seus meios de vida, trabalho necessário) seja capaz de
produzir mais valor, trabalho excedente, que possa, enfim, proporcionar lucro
aos capitalistas, de modo que o valor inicialmente investido na forma de
capital-dinheiro na compra de matéria-prima, meios de produção e força de
trabalho, volte ao seu proprietário acrescido de um valor a mais. Essa
mercadoria especial é a força de trabalho.
Isso porque, como alerta Marx, o que o operário vende ao capitalista não
é

propriamente o seu “trabalho”, mas a sua “força de trabalho”, cedendo


temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela. Tanto é assim que, não
sei se as leis inglesas o fazem, mas, desde logo, algumas leis de países do
continente fixam um “tempo máximo” durante o qual uma pessoa pode vender a
sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo,
teríamos imediatamente restabelecida a escravatura. Semelhante venda – se o
operário vendesse a sua força de trabalho por toda a vida, por exemplo –,
convertê-lo-ia imediatamente em escravo do patrão até o final de seus dias.77

Mas, pergunta o autor, em Salário, Preço e Lucro: o que é o “valor da


força de trabalho”?

Como o de qualquer outra mercadoria, esse valor é determinado pela


quantidade de trabalho necessária para sua produção. A força de trabalho de
um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para
poder se desenvolver e se manter, um homem precisa consumir uma
determinada quantidade de meios de subsistência. Mas o homem, como a
máquina, desgasta-se e tem de ser substituído por outro homem. Além da
quantidade de meios de subsistência necessários para o seu “próprio” sustento,
ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado
número de filhos, que terão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a
classe dos trabalhadores. Além disso, tem de gastar uma soma de valores no
desenvolvimento de sua força de trabalho e na aquisição de uma certa
habilidade.78

Tal como o preço das mercadorias em geral, o salário é a expressão em


dinheiro do valor da força de trabalho. É preciso, entretanto, deixar claro que a
definição dessas grandezas sofre também o impacto das condições histórico-
culturais, ou, mais propriamente, a influência da luta de classes. Quanto mais
organizados os trabalhadores, tanto mais serão capazes de arrancar dos

77
Idem, p. 110.
78
Idem, p. 111.
51

capitalistas condições mais favoráveis de venda da sua mercadoria força de


trabalho, melhores condições de trabalho e salariais.
Adquirida a força de trabalho por um determinado salário no mercado de
trabalho, o capitalista a aplica ao processo de produção em sua fábrica. Marx
analisa esse processo de extração da mais-valia em Salário, Preço e Lucro:

Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagar o seu valor, o capitalista


adquire, como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a
mercadoria que comprou. A força de trabalho de um homem é consumida, ou
usada, fazendo-o trabalhar, assim como se consome ou se usa uma máquina
fazendo-a funcionar. Portanto, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força
de trabalho do operário, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de
fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. (…) Tomemos o exemplo
do tecelão. Para recompor diariamente a sua força de trabalho, esse operário
precisa reproduzir um valor diário de três xelins, o que faz com um trabalho
diário de seis horas. Isso, porém, não lhe retira a capacidade de trabalhar dez,
12 ou mais horas diariamente. Mas, ao pagar o valor diário ou semanal da força
de trabalho do tecelão, o capitalista adquire o direito de usar essa força de
trabalho durante todo o dia ou toda a semana. Portanto, digamos que irá fazê-lo
trabalhar 12 horas diárias, ou seja, além das seis horas necessárias para
recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar
outras seis horas, a que chamarei “horas de sobretrabalho”, e esse
sobretrabalho se traduzirá em uma “mais-valia” e em um “sobreproduto”. Se, por
exemplo, nosso tecelão, com o seu trabalho diário de seis horas, acrescenta ao
algodão um valor de três xelins, valor que constitui um equivalente exato de seu
salário, em 12 horas acrescentará ao algodão um valor de seis xelins e
produzirá uma “correspondente quantidade adicional de fio”. E, como vendeu
sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado
pertence ao capitalista, que é dono, por um tempo determinado, de sua força de
trabalho. Portanto, desembolsando três xelins, o capitalista realizará o valor de 6
xelins, pois pelo pagamento de seis horas de trabalho recebeu em troca um
valor relativo a 12 horas de trabalho. Ao se repetir, diariamente, tal operação, o
capitalista adiantará três xelins por dia e embolsará seis xelins; desse montante,
a metade tornará a investir no pagamento de novos salários, enquanto a outra
metade formará a “mais-valia”, pela qual o capitalista não paga equivalente
algum. Esse tipo de troca entre o capital e o trabalho é que serve de base à
produção capitalista, ou ao sistema de trabalho assalariado e tem de conduzir,
sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista
como capitalista.79

O capital tenta de todas as maneiras extrair uma maior quantidade de


valor da mercadoria força de trabalho, utilizando para tanto dois métodos
fundamentais para os capitalistas: a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa.
Ou seja, expandindo a jornada de trabalho, aumentando o ritmo e a
intensidade do trabalho, diminuindo o tempo de trabalho socialmente
necessário à produção das mercadorias, via inovação técnica e organização do

79
Idem, pp. 113-115.
52

trabalho, e, por consequência, diminuindo o tempo socialmente necessário à


produção das mercadorias necessárias à manutenção dos trabalhadores, e,
com isso, o valor da força de trabalho.
Mas Salário, Preço e Lucro não é só uma exposição da crítica marxista da
Economia Política burguesa e da sociedade capitalista, especialmente a
origem do lucro a partir da exploração da força de trabalho e da extração de
trabalho excedente (mais-valia). Marx mostra o papel da força de trabalho e
dos trabalhadores na criação da riqueza social, apropriada privadamente pela
classe dominante. O texto também combate as tendências, dentro e fora da
Primeira Internacional, que defendiam a falsa posição de que não adiantava os
trabalhadores lutarem por aumento salarial, tendo em vista que essa ação não
resultaria em melhores condições de vida e trabalho. Essa visão equivocada
levava à negação das greves como um instrumento de luta dos trabalhadores e
à disseminação da passividade na classe operária.
Salário, Preço e Lucro é uma demonstração da importância da
organização dos trabalhadores nos sindicatos e das greves, como instrumento
de luta dos trabalhadores. Porém, ao mesmo tempo, demonstra o alcance e os
limites da luta econômica sindical, além da necessidade da luta política geral
do proletariado. Marx afirma:

Depois de demonstrar que a resistência que os trabalhadores fazem


periodicamente à redução dos salários e suas tentativas periódicas para
conseguir um aumento de salários são fenômenos inseparáveis do sistema de
trabalho assalariado e correspondem ao fato de o trabalho se equivaler às
mercadorias e, portanto, submetido às leis que regulam o movimento geral dos
preços; tendo demonstrado, ainda, que um aumento geral de salários resultaria
em uma diminuição da taxa de lucro, sem afetar, porém, os preços médios das
mercadorias, nem os seus valores, surge a questão de se saber até que ponto,
na luta incessante entre o capital e o trabalho, este tem possibilidade de êxito.
(…)
Pelo que diz respeito à limitação da jornada de trabalho, tanto na Inglaterra
quanto em todos os outros países, ela nunca foi regulamentada a não ser por
intervenção legislativa. E sem a constante pressão exterior dos operários, essa
intervenção nunca se efetivaria. Em todo caso, esse resultado não seria nunca
alcançado por acordos particulares entre os operários e os capitalistas. É a
necessidade de uma ação política geral que demonstra claramente que, na luta
puramente econômica, o capital é a parte mais forte. (…)
Essas breves indicações bastarão para demonstrar, precisamente, que o
próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui forçosamente para
inclinar, cada vez mais, a balança em benefício do capitalista contra o operário e
que, em consequência disso, a tendência geral da produção capitalista não é
elevar o nível médio do salário, mas, ao contrário, diminuí-lo, baixando o valor
do trabalho mais ou menos até seu limite mínimo. Porém, sendo essa a
53

tendência das coisas neste sistema, isso quer dizer que a classe operária deva
renunciar a se defender dos abusos do capital e deva abandonar seus esforços
para aproveitar todas as possibilidades que surgirem de melhorar em parte a
sua situação? Se assim proceder, será transformada em uma massa informe de
homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação. Creio haver
demonstrado que as lutas da classe operária pelo padrão de salários são
episódios inseparáveis de todo o sistema de trabalho assalariado; que, em 99%
dos casos, seus esforços para elevar os salários não são mais do que esforços
destinados a manter o valor dado do trabalho e que a necessidade de disputar o
seu preço com o capitalista é inerente à situação do operário, que se vê
obrigado a se vender como uma mercadoria. Se em seus conflitos diários com o
capital cedessem covardemente, os operários ficariam, por certo,
desclassificados para empreender outros movimentos de maior envergadura.
Ao mesmo tempo, e ainda abstraindo totalmente a escravização geral que
o sistema de trabalho assalariado implica, a classe operária não deve exagerar,
a seus próprios olhos, o resultado final dessas lutas diárias. Não deve se
esquecer de que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses
efeitos; que luta para retardar o movimento descendente, mas não para mudar
sua direção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermindade. Não deve,
portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de
guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou
pelas flutuações do mercado. A classe operária deve saber que o sistema atual,
mesmo com todas as misérias que lhe são impostas, engendra simultaneamente
as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução
econômica da sociedade. Em vez deste lema conservador: “Um salário justo por
uma jornada de trabalho justa!”, deverá inscrever na sua bandeira esta divisa
revolucionária: “Abolição do sistema de trabalho assalariado!”.80

O limite da luta econômica sindical está em se circunscrever aos limites


do sistema vigente, em atacar apenas os seus efeitos, em vez de, como diz
Marx, “ao mesmo tempo, se esforçarem para transformá-lo, em lugar de
empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final
da classe operária, isto é, para a abolição defintiva do sistema de trabalho
assalariado”.81

2.4. O Capital: a obra magna de Marx

2.4.1. O método de O Capital

O primeiro livro de O Capital: crítica da economia política (O processo de


produção do capital), a obra magna de Marx, só veio a lume em 1867. Marx só
cuidou em vida, portanto, da publicação de duas edições alemãs de O Capital,
respectivamente em 1867 e 1872 e da edição francesa de 1872-1875. E tão
80
Idem, pp. 134-142.
81
Idem, ibidem.
54

somente do Livro I. É preciso dizer que os livros II (O processo de circulação


do capital) e III (O processo global de produção capitalista) de O Capital, foram
publicados por Engels, respectivamente, em 1885 e 1894. O livro IV (Teorias
da mais-valia) foi publicado por Karl Kautsky, entre 1905 e 1910. Há também
um escrito intitulado O Capítulo VI Inédito de O Capital, que deveria se
constituir o sexto capítulo do primeiro livro, conforme indicação de Marx, mas
que não chegou a ser publicado junto com o Livro I. Somente em 1933 seria
publicado em Moscou.82
Em se tratando dos planos elaborados por Marx para a produção de sua
obra maior, é importante observar a posição de Roman Rosdolsky:

Como se sabe, Marx elaborou dois planos – em 1857 e 1866 (ou 1865) –
que deveriam servir de base para sua principal obra econômica. Entre ambos há
um período de nove anos de experimentação e de permanente busca da forma
expositiva adequada. Verifica-se uma progressiva contração do plano inicial e,
ao mesmo tempo, uma ampliação da parte remanescente.
No plano de 1857, o conjunto da obra estava dividido em seis “livros” (ou
“seções” ou “capítulos”). O primeiro deveria versar sobre o capital; o segundo,
sobre a propriedade da terra; o teceiro, sobre o trabalho assalariado; o quarto,
sobre o Estado; o quinto, sobre o comércio exterior; o sexto, sobre o mercado
mundial e as crises. Além disso, Marx pretendia redigir uma introdução que
explicitaria “as determinações gerais e abstratas que estão presentes, em grau
maior ou menor, em todas as sociedades”. Mas, já em fins de 1858 ele desistiu
de fazer essa introdução, pois considerava ruim “antecipar resultados que
deveriam ser demonstrados”.
De acordo com o plano inicial, os três últimos dos seis livros da obra –
sobre o Estado, o comércio exterior e o mercado mundial – seriam apenas
esboçados, limitando-se, como disse o próprio Marx, ameros “traços
fundamentais”. Mesmo assim, a carta dirigida a Kugelmann em 28 de dezembro
de 1862 trata desses livros, o que demonstra que nessa época eles ainda não
tinham sido eliminados do plano geral. Isso veio a ocorrer pouco depois. O
terceiro manuscrito de Marx, redigido em 1864-1865 (manuscrito que serviu de
base para Engels organizar o terceiro tomo de O Capital), já não se refere a
esses livros, relegando-os – pelo menos a um deles, aquele sobre o mercado
mundial – à “continuação que, no devido tempo, daremos à obra”. Assim, já
estaríamos diante de uma restrição do plano inicial.
A segunda restrição diz respeito ao segundo e ao terceiro livros, que
tratariam da propriedade da terra e do trabalho assalariado. Também nesses
casos não se pode ter certeza do momento em que Marx renunciou a escrever
os livros imaginados. Sequer suas anotações para as seções I e III do “Livro
sobre o capital”, datadas de janeiro de 1863 e publicadas posteriormente por
Kautsky, respondem de forma concludente a essa questão. Mas os temas

82
No Brasil, a obra foi publicada em: MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São
Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v. I, 2002; MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Abril
Cultural, col. Os Economistas, 1982. Mais recentemente, uma nova tradução diretamente do
original em alemão foi publicada no Brasil: MARX, Karl. O Capital: Livro I. São Paulo:
Boitempo, 2013. Cf. Também: MARX, Karl. O capital:livro I, capítulo VI (inédito). São Paulo:
Ciências Humanas, 1978.
55

fundamentais dos livros sobre a propriedade da terra e o trabalho assalariado


foram incorporados aos manuscritos do primeiro e do terceiro tomos da obra
definitiva, escritos originalmente entre 1864 e 1866. Assim, os seis livros
planejados reduziram-se a um: aquele sobre o capital.
Ocupemo-nos agora da ampliação do primeiro livro, o remanescente. A
ele, é claro, incorporou-se muito material dos livros suprimidos, especialmente o
segundo e o terceiro, na medida em que continham elementos do
“desenvolvimento econômico propriamente dito”. Mas isso não é tudo. Conforme
o plano original, também o “Livro sobre o capital” estava dividido em quatro
seções, que deveriam tratar: (a) do “capital em geral”, (b) da concorrência, (c) do
crédito e, finalmente, (d) do capital dividido em ações. As duas primeiras versões
da obra – ou seja, os Grundrisse e o já mencionado segundo manuscrito de
1861-1863 – restringiram-se basicamente à análise do “capital em geral”. Na
carta a Kulgemann de 28 de dezembro de 1862, Marx escreveu sobre o
segundo manuscrito: “De fato, só traz aquilo que deveria compor o terceiro
capítulo da primeira seção, ou seja, o ‘capital em geral’. Por isso, não analisa a
concorrência entre os capitais nem o sistema de crédito”. Um mês depois,
porém, Marx esboçou as citadas anotações para a “terceira seção”. Nelas,
aparece uma ruptura radical com o antigo esquema do livro sobre o capital. Nos
dois anos seguintes, ele abandonou a intenção de tratar separadamente a
concorrência, o sistema de crédito e o capital dividido em ações, ampliando, no
entanto, progressivamente, a seção I do primeiro livro, que trataria do “capital
em geral”. No novo plano estrutural, a parte essencial dos três “livros” previstos,
que passariam a tratar de: (1) o processo de produção do capital, (2) o processo
de circulação e (3) o processo global da produção capitalista. O capital recebeu
assim sua forma definitiva.83

Com O Capital, Marx não só se consolida como um dos mais importantes


pensadores da história da humanidade, como chega ao auge do
desenvolvimento de sua crítica da Economia Política burguesa e do próprio
capitalismo. E, ao contrário do que em geral se possa pensar, O Capital não é
uma obra simplesmente econômica, mas uma obra sobre a sociedade
capitalista, a sua origem, o seu desenvolvimento, a sua dinâmica, a sua
estrutura e as suas contradições, que possibilitam a luta pelo socialismo. Além
disso, Marx é obrigado, pelas próprias circunstâncias da análise, a retomar,
frequentemente, elementos das formações sociais pré-capitalistas, agregando,
dessa forma, conhecimentos importantes em vários campos das ciências
sociais.
O objetivo fundamental de O Capital, como afirma Marx, é “descobrir a lei
econômica do movimento da sociedade moderna”. 84 Marx desejava
compreender a origem, a estrutura, a dinâmica e as contradições da sociedade
capitalista moderna, que levam à sua superação. A partir da análise da forma
83
ROSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro:
EDUERJ: Contraponto, 2001, pp. 27-28.
84
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v. I,
2002, p. 18.
56

mercadoria, que, como falamos, é a parte mais simples da sociedade


burguesa, Marx realiza uma análise profunda da organização capitalista e de
suas contradições socioeconômicas.
O estudo da sociedade capitalista se dá a partir do método do
materialismo histórico, de base dialética, como explica o autor:

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano,


sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento – que
ele tranforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia – é o criador do real, e o
real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é
mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela
interpretado.85

Como avalia Coggiola, todo o trabalho de análise e elaboração teórica de


Marx, em toda a sua obra e, particularmente, em O Capital teria sido
impossível

Se Marx não houvesse contado com o método adequado para realizá-lo. O


ponto mais alto alcançado pela filosofia burguesa lhe foi proporcionado na forma
da dialética, verdadeira ciência das leis do movimento – da natureza, da
sociedade e do pensamento -, cujas bases já haviam sido sistematizadas por
Hegel.
A dialética condena a ideia de um progresso linear e coloca que, tanto na
natureza como na sociedade, a passagem de um estágio para outro acontece
através da negação da etapa anterior, de “saltos” e revoluções. O motor desse
movimento por meio de saltos é a contradição: todas as coisas possuem em seu
seio o elemento contraditório, que as levará ao seu desaparecimento.
Também nesse caso, Marx assimilou criticamente essa conquista do
pensamento: em sua forma hegeliana (...). Marx a utilizou em um sentido
materialista, convertendo-a na crítica mais impiedosa da religião e do Estado:
“Em sua forma mistificada, a dialética esteve em moda porque parecia glorificar
o que existia. Em sua forma racional, é escândalo e abominação para a
burguesia e seus porta-vozes doutrinários, porque na compreensão positiva do
que existe inclui também, ao mesmo tempo, a compreensão da sua negação, de
sua necessária ruína; porque concebe toda forma desenvolvida no fluir do seu
movimento, e portanto sem perder de vista seu lado perecível, porque nada a
faz retroceder e é, pela sua própria essência, crítica e revolucionária” (Marx,
prólogo a O Capital). Por isso, em O Capital a dialética não se limita a por em
relevo a origem e o desenvolvimento do capitalismo, mas também, sobretudo, as
tendências que o conduzem até a morte inevitável. Mais do que fazer uma
radiografia do capital, dá-lhe um certificado de óbito antecipado.86

Para Marx, a realidade não é produto das ideias, pelo contrário, as ideias
são forjadas em determinadas condições históricas concretas. Por isso, Marx
parte sempre da realidade concreta, mas não se restringe a ela. Por um
85
Idem, p. 28.
86
Cf. COGGIOLA, Osvaldo. Introdução à teoria econômica marxista. São Paulo: Boitempo,
1998, p. 12.
57

processo de abstração, os conceitos (categorias) são extraídos da realidade


para, dialeticamente, voltar à realidade para compreendê-la como uma
totalidade concreta, desta vez como uma síntese de múltiplas determinações.
Mas, aqui nada tem a ver com uma realidade morta, imóvel. Trata-se, isto sim,
da realidade em movimento, em constante transformação. Portanto, o
marxismo encara a realidade de maneira muito complexa: “O concreto é
concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do
diverso”.87
Marx observa que é “mister, sem dúvida, distinguir, formalmente, o
método de exposição do método de pesquisa”. O Capital, como se sabe, foi
elaborado à base de muita pesquisa das relações e processos capitalistas, de
experiências, fatos, acontecimentos e dados concretos, a partir de jornais,
revistas, livros, documentos e relatórios oficiais ou não. Para o fundador do
marxismo:

A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de


analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão
íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode
descrever, adequadamente, o movimento real. Se isto se consegue, ficará
espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada (…).88

Como ocorre com todas as ciências, e, em particular com as ciências


sociais, a produção do conhecimento não acontece de maneira isolada do
mundo e das relações econômicas, sociais, políticas e culturais. Só podemos
elaborar as ideias e os conhecimentos inseridos em uma teia de relações, que
conformam a sociedade na qual vivemos, produzimos e atuamos. A sociedade
capitalista é, antes de tudo, um sistema de relações sociais muito complexo
baseado na divisão de classes e, portanto, na diferença dos interesses
materiais em torno do excedente produzido pelo trabalho humano. Esse
excedente econômico é a base da manutenção de toda a estrutura social,
política e jurídica.
É, portanto, compreensível que os conhecimentos no campo da
Economia Política e da sua crítica despertem os mais profundos conflitos: “A
pesquisa científica livre, no domínio da economia política, não enfrenta apenas

87
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 14.
88
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v. I,
2002, p. 18.
58

adversários da natureza daqueles que se encontram também em outros


domínios. A natureza peculiar da matéria que versa levanta contra ela as mais
violentas, as mais mesquinhas e as mais odiosas paixões, as fúrias do
interesse privado”.89
No caso da Economia Política burguesa podemos perceber claramente as
suas mudanças na medida em que a luta de classes entre a burguesia e o
proletariado se tornava mais candente. A Economia Política teve a seguinte
origem, de acordo com Netto e Braz:

A expressão Economia Política, que tem origem no grego politeia e


oikonomika, aparece, pela primeira vez, em 1615, quando Antoine Montchrétien
(1575-1621) publica a obra Traité de l´Économie Politique [Tratado de Economia
Política]. E embora surja em textos de François Quesnay (1694-1774), James
Steuart (1712-1780) e Adam Smith (1723-1790), é apenas nos primeiros vinte
anos do século XIX que passa a designar um determinado corpo teórico. Mas
isso não significa que a Economia Política só se constituiu e sistematizou como
campo teórico na entrada do século XIX – significa apenas que nesses anos ela
passou a ser reconhecida como tal.
Com efeito, ao longo dos séculos XVII e XVIII, desenvolveu-se e
acumulou-se o estoque de conhecimentos que haveria de estruturar a Economia
Política, resultante da contribuição, nesse decurso temporal, de um largo rol de
pensadores, dentre os quais caberia lembrar William Petty (1623-1687), na
Inglaterra, e Pierre de Boisguillebert (1646-1714), na França. No entanto, o que
se pode denominar de período clássico da Economia Política (ou, ainda,
Economia Política clássica) vai de meados do século XVIII aos inícios do século
XIX; mais precisamente, a Economia Política clássica “começa na Inglaterra,
com Petty, e na França com Boisguillebert” e "termina com [David] Ricardo
[1772-1823] na Inglaterra e [Jean-Charles-Leonard Simonde de] Sismondi [1773-
1842] na França".90

Os primeiros economistas burgueses, pelo caráter ainda embrionário da


luta de classes entre proletariado e burguesia, puderam produzir um conjunto
de conhecimentos sobre a sociedade burguesa em expansão, que
representaram um grande avanço em relação aos conhecimentos anteriores
sobre a produção social e as relações de trabalho. Entretanto, quando o
proletariado começa a aparecer como uma classe politicamente independente,
defendendo reivindicações econômicas, sociais e políticas próprias,
organizando-se em associações, sindicatos, movimentos e partidos políticos e
confrontando-se com a burguesia, a classe dominante teve, cada vez mais,

89
Idem, ibidem.
90
NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006, p. 16.
59

que aliar-se aos setores conservadores da sociedade e enfrentar com violência


a luta de classes.
Essas transformações e posturas das classes dominantes se refletiram na
elaboração dos conhecimentos no campo da Economia Política e, porque não
dizer, de todas as ciências sociais:

A economia política burguesa, isto é, a que vê na ordem burguesa a


configuração definitiva e última da produção social, só pode assumir caráter
científico enquanto a luta de classes permaneça latente ou se revele apenas em
manifestações esporádicas.
Vejamos o exemplo da Inglaterra. Sua economia política clássica aparece
no período em que a luta de classes não estava desenvolvida. Ricardo, seu
último grande representante, toma, por fim, conscientemente, como ponto de
partida de suas pesquisas, a oposição entre os interesses de classe, entre o
salário e o lucro, entre o lucro e a renda da terra, considerando, ingenuamente,
essa ocorrência uma lei perene e natural da sociedade. Com isso, a ciência
burguesa da economia atinge um limite que não pode ultrapassar. Ainda no
tempo de Ricardo e em oposição a ele, aparece a crítica à economia burguesa,
na pessoa de Sismondi. (…)
A burguesia conquistara poder político, na França e na Inglaterra. Daí em
diante, a luta de classes adquiriu, prática e teoricamente, formas mais definidas
e ameaçadoras. Soou o dobre de finados da ciência econômica burguesa. Não
interessava mais saber se este ou aquele teorema era verdadeiro ou não; mas
importava saber o que, para o capital, era útil ou prejudicial, conveniente ou
inconveniente, o que contrariava ou não a ordenação policial. Os pesquisadores
desinteressados foram substituídos por espadachins mercenários, a
investigação científica imparcial cedeu lugar à consciência deformada e às
intenções perversas da apologética.91

Assim, a Economia Política burguesa passou à condição de apologia da


sociedade burguesa, procurando legitimar o processo de dominação capitalista
e a exploração do proletariado pelo capital. Não importa mais compreender a
sociedade burguesa, a sua estrutura, dinâmica, funcionamento e contradições,
mas encontrar a melhor política econômica que garanta a estabilidade social e
política e as condições para a retomada, em maior escala, da acumulação de
capital.

2.4.2. Trabalho e Teoria do valor-trabalho

É preciso ressaltar, em primeiro lugar, que no bojo de toda a análise de O


Capital está a ideia de que o trabalho é a relação metabólica do homem com a
natureza, a partir da qual se extraem os meios de produção e os meios de
91
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v. I,
2002, pp. 22-23.
60

subsistência, indispensáveis à existência social. A força de trabalho produz, em


seu intercâmbio com a natureza, desde as sociedades mais simples às mais
complexas, o conteúdo material da riqueza social. Evidentemente, nem sempre
a força de trabalho foi explorada, assim como nem sempre existiram
propriedade privada, classes sociais, mercadoria e dinheiro. Durante milhares
de anos, os homens viveram em relações sociais de cooperação, sem
exploradores nem explorados. Conhecemos essas formações sociais como
sociedades comunistas primitivas.
A esse respeito, observa acertadamente Marx, em O Capital:

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a


natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona,
regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a
natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de
seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de apropriar-se dos
recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim
sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua
própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete
ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata aqui das formas
instintivas, animais, de trabalho. (…) Pressupomos o trabalho sob forma
exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do
tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o
que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho
aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do
trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele
imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual
constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar
sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos
órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através
da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário
quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de
execução de sua tarefa, que lhe oferece, por isso, menos possibilidade de fluir
da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais.92

Dessa forma, Marx destaca os elementos do processo de trabalho


humano, quais sejam: a) a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio
trabalho; b) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os
meios de trabalho, o instrumental de trabalho. O objeto do trabalho, as
matérias extraídas da natureza, quando experimentam alguma modificação
pelo trabalho, são chamadas de matéria-prima. Assim, se “o objeto de trabalho
é, por assim dizer, filtrado através de trabalho anterior, chamamo-lo de matéria-

92
Idem, pp. 211-212.
61

prima. Por exemplo, o minério extraído depois de ser lavado. Toda matéria-
prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima”. 93
Os meios de trabalho são uma coisa ou complexo de coisas que o
“trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para
dirigir sua atividade sobre esse objeto”. O processo de trabalho, uma vez
atingindo certo nível de desenvolvimento, exige meios de trabalho já
elaborados. É claro que os homens desenvolveram ao longo das diferentes
formas de sociedades na história, diferentes meios de trabalho, diferentes
instrumentos, com os quais realizavam a atividade de produção de bens para a
subsistência e para a própria produção. Para Marx, o “que distingue as
diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios
de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento
da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em
que se realiza o trabalho”.94
Por meio do processo de trabalho, os homens imprimem transformações
nos objetos de trabalho, a partir do seu projeto incial (ou como Marx, diz,
“subordinada a um determinado fim”), por meio dos instrumentos de trabalho.
Como consequência desse processo de trabalho, resultam determinados bens,
indispensáveis à existência social. Resulta daí um produto, “um valor de uso,
um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da
mudança de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou.
Concretizou-se, e a matéria está trabalhada”. O trabalho que produz valor de
uso, produtos que têm uma determinada utilização ou atendem a uma
necessidade humana, Marx denomina de trabalho útil ou concreto. 95
Essa forma de trabalho, que produz valor de uso, transformando
cotidianamente a natureza e dela extraindo os materiais necessários à
produção por meio dos instrumentos de trabalho (meios de produção), é
inerente à sociabilidade humana:

O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e


abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os
elementos naturais às necessidades humana; é condição necessária do
intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da

93
Idem, p. 212.
94
Idem, pp. 213-214.
95
Idem, pp. 214-215.
62

vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo
antes comum a todas as suas formas sociais.96

Desde que surgiram as sociedades classistas, a força de trabalho é


explorada pela classe dominante nas várias formações econômico-sociais
fundadas na propriedade privada dos meios de produção e na exploração do
homem pelo homem. Na sociedade escravista antiga, os escravos eram
explorados pelos ricos proprietários de terra. No feudalismo, os camponeses
eram submetidos ao trabalho servil pela nobreza e clero (senhores feudais).
Sob o capitalismo, o proletariado e demais assalariados são explorados pelas
frações da burguesia (industrial, comercial, agrária, financeira, bancária).
O trabalho toma determinações históricas, dependendo da formação
social em análise. Mas nenhuma dessas formações societárias pode existir
sem a relação com a natureza, sem a produção da riqueza social. Mesmo no
socialismo, as condições de vida devem ser satisfeitas (meios de produção e
meios de subsistência). Logicamente, uma vez que os meios de produção
estejam sob o controle coletivo e a economia seja socializada, as
possibilidades de produção, distribuição e consumo serão alteradas, de modo
que os indivíduos trabalhem cada vez menos, para que possam se dedicar a
outras atividades (estudo, lazer).
O fundamental é compreender que todas as sociedades, sejam classistas
ou não, tiveram de produzir cotidianamente as condições materiais da vida
social, os valores de uso, sem os quais nenhuma sociedade pode se reproduzir
socialmente. Os valores de uso são os bens ou produtos do trabalho humano.
Nas sociedades de classes, o intercâmbio entre os povos se ampliou, de modo
que certos valores de uso foram transformados em valores de troca, isto é, em
mercadorias, para serem vendidas nos mercados. Portanto, a mercadoria e o
dinheiro são bem anteriores ao surgimento da sociedade capitalista.
A teoria do valor-trabalho é a base a partir da qual Marx analisa a
sociedade burguesa e desenvolve suas ideias econômicas. Como dissemos
anteriormente, esta teoria foi desenvolvida inicialmente pelos economistas
clássicos, em particular por Adam Smith e David Ricardo, nos quais Marx tanto
se inspirou para aprofundar a sua análise da sociedade capitalista e a crítica da
própria economia política burguesa. Como destaca Netto e Braz:
96
Idem, p. 218.
63

nas origens mesmas da Economia Política clássica, a questão do valor (ou seja:
do constitutivo da riqueza social) aparece vinculada ao trabalho. Essa vinculação
surge, já em 1738, em um panfleto de autor desconhecido: o valor de uma
mercadoria “depende da quantidade de trabalho necessário que ela demanda”
(apud J. Bidet, in Labica e Bensussan, 1985: 1.193) – trata-se de noção
generalizada entre os pensadores do século XVIII; é assim que Smith abre o seu
célebre Inquérito das causas da riqueza das nações (conhecido,
resumidamente, como A riqueza das nações), uma das obras que marca o
apogeu da Economia Política clássica: “O trabalho anual de uma nação é o
fundo de que provêm originariamente todos os bens necessários à vida e ao
conforto que a nação anualmente consome, e que consistem sempre ou em
produtos imediatos desse trabalho ou em bens adquiridos às outras nações em
troca deles” (Smith, 1999, I: 99). Dentre todos os economistas clássicos, foi
Ricardo, porém, aquele que mais desenvolveu a chamada teoria do valor-
trabalho: ela ocupa as sete seções que compõem o primeiro capítulo dos seus
Princípios de economia política e tributação, e não é por acaso que o título da
primeira daquelas seções enuncia a tese ricardiana: “O valor de uma
mercadoria, ou a quantidade de qualquer outra pela qual pode ser trocada,
depende da quantidade relativa de trabalho necessário para sua produção […]”.
(Ricardo, 1982:43). Em resumidas contas, essa teoria sustenta que o valor (a
riqueza social) resulta exclusivamente do trabalho. Obviamente, nem tudo que é
valioso para a sociedade resulta do trabalho; pense-se, por exemplo, nos
elementos naturais, sem os quais a vida seria impossível (o oxigênio da
atmosfera) – mas o interesse dos economistas políticos dirigia-se para a
compreensão da riqueza social, tal como ela se apresentava na nascente
sociedade burguesa.97

Essa teoria mostra não só que a riqueza é produto do trabalho humano,


como também que as mercadorias, por serem fruto do trabalho humano e
conterem trabalho, podem ser intercambiadas umas pelas outras em
determinadas proporções, convergindo para a formação e realização do valor.
Se nos adiantarmos ao momento em que Marx produz a sua teoria da mais-
valia (ou mais-valor), a teoria do valor-trabalho nos mostra também que,
aqueles que produzem a riqueza social no capitalismo, encontram-se imersos
em um processo de exploração e de opressão profundo e que essa realidade
tem de ser transformada.

2.4.3. A mercadoria e o dinheiro

A mercadoria é a forma elementar da riqueza da sociedade burguesa, e


esta constitui uma coleção de mercadorias. Conforme Marx, “a riqueza das
sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em imensa

97
NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006, pp. 48-49.
64

acumulação de mercadorias, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a


forma elementar dessa riqueza. Por isso, nossa investigação começa com a
análise da mercadoria”.98
Mas é preciso esclarecer uma questão importante. Os produtos do
trabalho humano em todas as sociedades são valores de uso, isto é, por suas
propriedades materiais atendem a determinadas necessidades humanas,
portanto, têm uma determinada utilidade. A partir do desenvolvimento do
excedente econômico e, com ele, das trocas e do intercâmbio comercial e da
constituição de economias mercantis, estruturadas a partir dos mercados, os
produtos do trabalho humano adquiriram outra característica: a de serem
valores de troca. A mercadoria, portanto, possui dois fatores: ela é valor de
uso, pois atende a uma determinada utilidade ou necessidade humana, e é
valor de troca, pois pode ser trocada por outras mercadorias ou por dinheiro
em determinadas proporções. Como afirma Marx, a

mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas
propriedades, satisfaz necessidades humanas, sejal qual for a natureza, a
origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira
como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de
subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente, como meio de produção.99

Dessa forma, os “valores de uso formam o conteúdo material da riqueza,


qualquer que seja a forma social dela. Na forma da sociedade que vamos
estudar, os valores de uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais do
valor de troca”.100 Os valores de uso no capitalismo são portadores do valor de
troca. Assim, o “valor de troca revela-se, de início, na relação quantitativa entre
valores de uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam, relação
que muda constantemente no tempo e no espaço”. 101 No caso do capitalismo,
como economia monetarizada, as mercadorias são trocadas por dinheiro.
Milhões de trocas são realizadas cotidianamente na sociedade capitalista
pelos indivíduos. Mercadorias são trocadas por dinheiro que, por sua vez, pode
ser usado para adquirir outras tantas mercadorias, em um intercâmbio
permanente. Basta observar as feiras e os mercados. Há algo em comum nas
98
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v. I,
2002, p. 57.
99
Idem, ibidem. Ou como diz Marx: “A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso” (Idem,
p. 58).
100
Idem, p. 58.
101
Idem, ibidem.
65

mercadorias, por mais diferenciadas que sejam do ponto de vista de suas


propriedades físicas, que possibilita a troca entre elas, em determinadas
proporções. Se “prescindirmos do valor de uso da mercadoria, só lhe resta
ainda uma propriedade, a de ser produto do trabalho”. Abstraindo-se os
diferentes tipos de trabalho concretos usados na sua fabricação, as
mercadorias podem ser reduzidas a “uma única espécie de trabalho, o trabalho
humano abstrato”.102
O valor é a substância ou elemento comum a todas as mercadorias, o
fato de serem produto do trabalho humano, de serem cristalização de trabalho
humano. O valor de troca é a forma de expressão ou manifestação do valor, o
que se obtém em troca de uma determinada mercadoria ou a proporção em
que as mercadorias são trocadas. Mas, como se mede a grandeza desse
valor? Por meio da substância criadora de valor nela contida: o trabalho. Por
sua vez, a quantidade de trabalho se mede "pelo tempo de sua duração, e o
tempo de trabalho, por frações de tempo, como hora, dia etc.". 103
Se o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho
gasto durante a sua produção, poderia parecer que quanto maior o dispêndio
de trabalho, tanto maior o valor de tal mercadoria. Em outras palavras, quanto
“mais preguiçoso ou inábil um ser humano, tanto maior o valor de sua
mercadoria”. Entretanto, não é disso que se trata. A explicação está em que
não é o trabalho individual que forma o valor da mercadoria, mas o trabalho
socialmente necessário, em condições sociais normais de produção, grau
social médio de destreza dos trabalhadores e grau social médio de intensidade
do trabalho. Nas palavras de Marx: “O que determina a grandeza do valor,
portanto, é a quantidade de trabalho socialmente necessária ou o tempo de
trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso”. 104 Em
outros termos: “quanto maior a produtividade do trabalho, tanto menor a

102
Idem, p. 60. “Esses produtos passam a representar apenas a força de trabalho humana
gasta em sua produção, o trabalho humano abstrato” (Idem, ibidem). Ou: “Um valor de uso ou
um bem só possui, portanto, valor, porque nele está corporificado, materializado, trabalho
humano abstrato” (Idem, ibidem).
103
Idem, ibidem.
104
Idem, p. 61. Cf. Também BRUSCHI, Valeria et. al. Mais Marx: material de apoio à leitura d
´Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 44.
66

quantidade de trabalho para produzir uma mercadoria, e, quanto menor a


quantidade de trabalho que nela se cristaliza, tanto menor seu valor”. 105
Em seguida à análise dos dois fatores da mercadoria, Marx passa a falar
do duplo caráter do trabalho contido nela: trabalho concreto (útil) e trabalho
abstrato. O trabalho concreto, útil, é a atividade humana produtora de valores
de uso. É o trabalho do sapateiro, marceneiro, carpinteiro, pedreiro, entre
outros, cada um com suas próprias características individuais concretas. Como
trabalho concreto ou útil, criador de valores de uso, o “trabalho é indispensável
à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedades –, é
necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem
e a natureza e, portanto, de manter a vida humana”. 106
O trabalho humano abstrato é o trabalho humano geral abstraído das
atividades concretas, é a redução ao trabalho humano indiferenciado, mero
dispêndio de trabalho humano geral e, como tal, é a substância do valor das
mercadorias. Para Marx, o “valor da mercadoria, porém, representa trabalho
humano simplesmente, dispêndio de trabalho humano geral”. No processo de
troca, de equivalência, ocorre a redução dos distintos dispêndios de trabalho a
trabalho socialmente necessário, assim como o trabalho complexo é reduzido a
trabalho simples por um processo social que acontece na sociedade
capitalista.107
Após a análise do duplo caráter do trabalho contido na mercadoria, Marx
passa à descrição do desenvolvimento da forma valor, desde a sua forma mais
simples até a forma-dinheiro, mais desenvolvida. Esse processo expressa o
avanço das trocas e do comércio, de modo que uma mercadoria assume a
forma-dinheiro, passa a exprimir o valor de todas as outras mercadorias e
funciona como equivalente universal de todas as outras mercadorias. Essa
mercadoria é o dinheiro. O dinheiro pode assumir variadas funções, como meio
de circulação, reserva de valor, meio de pagamento, meio de poupança ou
entesouramento. Quando falamos de Para a crítica da economia política,
havíamos apontado essas funções do dinheiro e definimos cada uma delas.

105
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
I, 2002, p. 62.
106
Idem, p. 64.
107
Idem, p. 66.
67

Aparentemente, a mercadoria é uma coisa muito simples, compreensível.


Entretanto, avalia Marx, “ela é algo muito estranho, cheio de sutilezas
metafísicas e argúcias teológicas (…). Mas, logo que se revela mercadoria,
transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável”. 108 Na
sociedade capitalista, os produtos do trabalho humano adquirem
características tais, que não parecem ser produtos do trabalho humano, como
se não viessem de uma fábrica concreta, onde trabalho e capital se
relacionam. De onde vem esse caráter misterioso dos produtos do trabalho
humano, quando assumem a forma mercadoria? Marx responde: “Dessa
própria forma (…). as relações entre os produtores, nas quais se afirma o
caráter social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social entre os
produtos do trabalho”.109
A mercadoria é misteriosa, acrescenta Marx, simplesmente por encobrir
as

características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como


características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do
trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos
produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à
margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho. Através dessa
dissimulação, os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais,
com propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos.110

Em uma sociedade mercantil, baseada na propriedade privada e na


divisão social do trabalho, o mercado é laço social fundamental, que une os
diferentes produtores individuais. Cada produtor tem o controle de sua própria
atividade, mas perde a noção do conjunto da vida social e da produção, já não
sabe o que os outros produtores produzem, nem a quantidade, nem o ritmo da
produção. Somente no momento da troca, da compra e venda, o produtor pode
saber se o seu trabalho privado é parte do trabalho socialmente necessário ou
se, simplesmente, é trabalho supérfluo, inútil.
Embora não tenham noção dessa realidade, os produtores, mediados
pelo laço do mercado, agem de acordo com essa relação social. As
mercadorias, produtos do trabalho humano, parecem adquirir vida própria e
poder sobre os próprios produtores. Marx denomina esse fenômeno social

108
Idem, p. 92-93.
109
Idem, p. 94.
110
Idem, ibidem.
68

como fetichismo da mercadoria. Os capitalistas não controlam a produção de


conjunto, porque a economia capitalista é baseada na anarquia da produção,
portanto não é planejada coletivamente. Os trabalhadores não controlam os
produtos do seu trabalho, pois não controlam os meios de produção, que estão
sob o domínio dos capitalistas.
Em uma sociedade baseada no mercado e no dinheiro, as pegadas que
levam à produção, às relações entre capital e trabalho, são apagadas por um
processo social, obscurecendo a própria compreensão da origem, estrutura e
dinâmica das relações de produção capitalistas. Só assim, podem ser aceitas
as concepções ideológicas que apresentam as próprias relações de dominação
e de exploração capitalistas como relações de igualdade, como a sociedade da
liberdade, quando, na verdade, reina a mais profunda desigualdade entre os
indivíduos e classes sociais.

2.4.4 A transformação do dinheiro em capital

Como dissemos na primeira parte, a riqueza na sociedade burguesa, em


que domina o modo de produção capitalista, aparece como uma imensa
coleção de mercadorias. Trata-se de uma verdade elementar constatável por
via empírica, tendo em vista que toda a vida no capitalismo é mediada pelo
mercado e pelo dinheiro. A produção de bens ou produtos (mercadorias) no
capitalismo se destina ao mercado, à venda e não ao consumo imediato do
produtor direto. Não se consegue fazer nada no capitalismo sem que se tenha
dinheiro disponível, até mesmo um simples ato de ir e vir, de se deslocar de um
local a outro depende do dinheiro.
Mas, para que o capitalismo fosse imposto definitivamente como uma
formação social dominante foi preciso muito tempo. A própria produção e
circulação mercantil, isto é, a produção de mercadorias e as trocas comerciais,
inclusive mediadas pelo dinheiro, foram constituídas muito antes do próprio
capitalismo. Na chamada Economia Mercantil Simples, anterior ao capitalismo,
o produtor direto (camponês, artesão) produzia para o seu próprio consumo e
da sua família e o excedente trocava por outros bens produzidos por outros
produtores, igualmente para atender às suas necessidades.
69

A fórmula que sintetiza a produção mercantil simples é: M (mercadoria) –


D (dinheiro) – M (mercadoria). Em uma economia desse tipo, a produção de
mercadorias se destina à satisfação de necessidades de matéria-prima e de
consumo, de modo que o excedente é intercambiado com outros produtores
diretos, na qual o dinheiro figura apenas como intermediário na circulação das
mercadorias, mas de nenhuma forma como meio de obtenção de lucro ou de
acumulação de riqueza. Uma economia mercantil dessa natureza supõe,
evidentemente, que os meios de produção estejam na posse dos produtores
diretos.
A produção mercantil surgiu na Antiguidade escravocrata, quando a
propriedade privada dos meios de produção e a divisão social do trabalho já
estavam claramente estabelecidas. Os mercados foram se constituindo como
um laço social importante para a produção e aquisição de bens. A produção de
mercadorias era feita por trabalhadores livres, artesãos. Entretanto, apesar do
largo desenvolvimento das trocas e das atividades comerciais, predominou na
sociedade escravista o trabalho do escravo, considerado um instrumento
falante, de propriedade dos nobres. No feudalismo, a produção era realizada
no campo pelos camponeses e suas famílias e, na cidade, pelos artesãos, por
meio das corporações de ofícios (guildas). A base dessa produção mercantil
era o trabalho pessoal e a propriedade dos meios de trabalho, ainda sob
controle dos produtores.
A desagregação do feudalismo e o desenvolvimento do capitalismo foram
marcados, entre outras coisas, pela ampliação das atividades comerciais,
abertura de novos mercados, maior circulação de moeda, alargamento dos
meios de comunicação, avanço dos conhecimentos científicos e processo de
urbanização. A atividade de comércio ganha novos contornos, passando a
existir intermediários (comerciantes) entre a produção e o consumo. Para os
comerciantes, interessava comprar produtos fabricados pelos camponeses e
artesãos mais baratos e vendê-los por um preço maior.
O caráter da produção mercantil muda de configuração, pois se trata de
investir dinheiro na compra de determinadas mercadorias para obter, mediante
venda, um lucro. O comerciante, que não estava diretamente ligado à produção
de bens, comprava produtos para revender a um preço maior. A fórmula nesse
caso passa a ser a seguinte: D – M – D+. O dinheiro figura no início e no final
70

desse processo mercantil. No final do processo, pretende-se obter mais do que


se investiu inicialmente. A circulação mercantil já não tem como objetivo
fundamental a satisfação de necessidades de produtores direitos, mas a
obtenção de lucro, a acumulação de riquezas nas mãos desses comerciantes.
Esse processo de intensificação e expansão das atividades comerciais e,
portanto, da produção mercantil, leva à constituição de uma burguesia que
passa a concentrar capitais para investir diretamente no processo de produção,
constituindo manufaturas, contratando trabalhadores assalariados, organizando
a produção na fábrica, mediante certa divisão do trabalho cada vez mais
complexa. Esse processo de concentração de uma soma de capial nas mãos
desses burgueses não foi pacífico, mas violento e dependeu não só da
expropriação dos produtores diretos (camponeses e artesãos), como do
processo de colonização europeia e de exploração das riquezas de diversos
povos. Marx chamou esse processo, em O Capital, de acumulação primitiva do
capital.
Nesse sentido, a pequena produção mercantil e sua circulação mercantil
simples cedem lugar à produção mercantil capitalista e à circulação mercantil
desenvolvida. Não se trata mais do pequeno produtor, que trabalha a sua terra
ou produz os seus bens, por meio do trabalho pessoal e através dos seus
meios de produção para garantir a satisfação de suas necessidades mais
elementares.Trata-se, agora, de uma produção mercantil capitalista, em que os
donos dos capitais e dos meios de produção (burguesia) contratam
trabalhadores e os submetem às relações de assalariamento, obrigando-os a
vender a sua força de trabalho por um salário.111
O processo de circulação mercantil não se destina mais à mera satisfação
de necessidades dos produtores, mas à acumulação de capital, à obtenção de
lucro. O dinheiro deixa de ser puramente meio de troca, convertendo-se em
meio de acumulação de capital. Entretanto, se esse processo originalmente
ocorreu no plano do comércio (capital comercial) não podia permanecer por
muito tempo apenas dependente dele. O burguês, evidentemente, aprendeu,
pela própria experiência, que não era possível obter um lucro sólido e
consistente por meio do processo de circulação, do comércio. O que se ganha

111
NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006, p. 125.
71

com a venda das mercadorias se perde com a compra. Era preciso encontrar,
entre as várias mercadorias existentes, uma que fosse capaz de produzir para
além do seu próprio custo. Não teria sentido, para os capitalistas, investir seus
capitais, se, ao final, não pudessem obter algo maior do que o seu investimento
inicial. Essa mercadoria foi encontrada: a força de trabalho.
Na economia capitalista, o dinheiro empregado na compra de
mercadorias (força de trabalho e meios de produção) se destina à produção de
mercadorias novas para a venda e a sua transformação (realização) em
dinheiro, para a acumulação privada pelo capitalista. O lucro e a acumulação
de capital são os objetivos fundamentais da economia capitalista. A fórmula da
produção e reprodução capitalista é: D (dinheiro) – M (mercadorias: força de
trabalho-ft e meios de produção-mp) que, levados ao processo de produção,
resulta em M´ (novas mercadorias, contendo mais-valia produzida pela força de
trabalho) – D´ (realização da mais-valia, na forma de capital-dinheiro). Esse
processo pode ser expresso na fórmula:

D – M [mp e ft] ... P ... M’ – D’

Trata-se, pois, da rotação do capital, que “configura o movimento do


capital: ele sai da esfera da circulação (capital monetário), ingressa na esfera
da produção (capital produtivo) e retorna à esfera da circulação quando a
mercadoria é finalmente comercializada e, pois, realizada (de novo, capital
monetário)”.112
O capitalismo, pela sua própria lógica expansiva, foi a única fomação
econômico-social que generalizou a produção de mercadorias e
internacionalizou o comércio entre os vários países e continentes. É também
no capitalismo que todos os bens ou produtos do trabalho humano, e, inclusive,
coisas jamais pensadas como mercadorias (saúde, educação, previdência,
orgãos humanos, pessoas, conhecimento), podem ser transformados em
valores de troca, em mercadorias a serem negociadas. Com a expansão das
relações capitalistas de produção em todo o mundo, mercantilizam-se as
relações sociais. Diversas coisas e relações passam a ser exploradas pelo
capital.
112
Idem, pp. 142-143.
72

Mas como se dá a relação entre capital e trabalho na sociedade


burguesa? Como dissemos mais acima, na parte sobre a acumulação primitiva
do capital, Marx analisa como foram constituídas as pré-condições para a
sedimentação do capitalismo, através da transformação dos produtores diretos
(camponeses e artesãos) em trabalhadores assalariados, de modo que a
classe dominante os expropriou de quaisquer meios de produção. Coube aos
governos e Estados imporem o trabalho assalariado como forma dominante
através de leis de assalariamento, as chamadas leis sanguinárias, com penas
para os que não se sujeitavam a elas.
Dito isto, Marx estuda em O Capital como se realiza a relação entre
capital e trabalho no processo de produção. Através da exploração da força de
trabalho pelo capital, os trabalhadores engendram a riqueza social, apropriada
de forma privada pela burguesia. Trata-se de uma das maiores contradições do
modo de produção capitalista: a produção da riqueza é social, coletiva, mas a
apropriação da riqueza é privada. Marx explica que, na sociedade burguesa, o

trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho.


O capitalista cuida em que o trabalho se realize de maneira apropriada e em que
se apliquem adequadamente os meios de produção, não se desperdiçando
matéria-prima e poupando-se o instrumental de trabalho, de modo que só se
gaste deles o que for imprescindível à execução do trabalho.113

Porém, desenvolve Marx:

o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador.


O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua
utilização, como de qualquer outra mercadoria – por exemplo, a de um cavalo
que alugou por um dia –, pertence-lhe durante o dia. Ao comprador pertence o
uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho, apenas cede realmente o
valor de uso que vendeu, ao ceder seu trabalho. Ao penetrar o trabalhador na
oficina do capitalista, pertence a este o valor de uso da sua força de trabalho,
sua utilização, o trabalho. O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o
trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, os quais
também lhes pertencem. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho é
apenas o consumo da mercadoria que comprou, a força de trabalho, que só
pode consumir adicionando-lhe meios de produção. O processo de trabalho é
um processo que ocorre entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas
que lhe pertencem. O produto desse processo pertence-lhe do mesmo modo
que o produto do processo de fermentação em sua adega.114

113
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
I, 2002, p. 218.
114
Idem, p. 219.
73

Sob a aparência de uma igualdade jurídico-formal, expressa nas


Constituições, no Direito do Trabalho e no próprio contrato de trabalho (Direito
burguês), o capital adquire a mercadoria força de trabalho no mercado,
colocando-a a seu serviço durante certa jornada de trabalho. Como explica
Marx:

O capitalista compra a força de trabalho pelo valor diário. Seu valor de uso
lhe pertence durante a jornada de trabalho. Obtém, portanto, o direito de fazer o
trabalhador trabalhar para ele durante um dia de trabalho. Mas que é um dia de
trabalho? Será menor do que um dia natural da vida. Menor de quanto? O
capitalista tem seu próprio ponto de vista sobre esse extremo, a fronteira
necessária da jornada de trabalho. Como capitalista, apenas personifica o
capital. Sua alma é a alma do capital. Mas o capital tem seu próprio impulso
vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte
constante, com os meios de produção, a maior quantidade possível de trabalho
excedente. O capital é trabalho morto que, como um vampiro, se reanima
sugando o trabalho vivo, e, quanto mais o suga, mais forte se torna.115

Pela utilização da força de trabalho, o capitalista paga o preço desta


mercadoria, ou seja, o salário. O valor da força de trabalho, tal como de todas
as demais mercadorias, é determinado, no limite, pela quantidade de trabalho
socialmente necessário para a produção e reprodução da força de trabalho e
de sua família, ou seja, “o valor da força de trabalho é determinado pelo valor
dos meios de subsistência habitualmente necessários ao trabalhador médio”. 116
É evidente que o preço da força de trabalho, o salário, varia para cima ou para
baixo do seu valor e depende da oferta e da procura, mas sofre também os
condicionamentos histórico-sociais da luta de classes.
Marx continua: durante uma parte da jornada (chamada de jornada
necessária ou tempo de trabalho necessário), o trabalhador produz o seu
próprio salário, que lhe foi pago pelo capitalista. Na outra parte da jornada
(chamada jornada excedente ou trabalho excedente), o trabalhador produz
uma quantidade de trabalho e de riquezas a mais, não paga pelo capitalista, o
excedente econômico, apropriado sob a forma de mais-valia pelo capitalista.
Expliquemos: após certo número de horas da jornada (digamos, quatro
horas), o trabalhador reproduz o valor do salário que lhe foi ou será pago. No
entanto, pelas normas do Direito burguês, expressas no contrato de trabalho, o
trabalhador deve continuar trabalhando o restante da jornada de trabalho (mais
115
Idem, p. 271.
116
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
II, 2006, p. 591.
74

quatro horas, supondo uma jornada de oito horas diárias), pois foi contratado
para trabalhar por uma jornada de oito horas e não de quatro. O valor criado
nas horas excedentes é apropriado pelo capitalista sem pagar absolutamente
nada ao trabalhador. A mais-valia é constituída na produção social, enquanto a
sua realização, a sua transformação em capital-dinheiro, depende do comércio,
da circulação, da venda das mercadorias. Como diz Marx, deduzindo-se “o
custo das matérias-primas, das máquinas e do salário, o restante do valor da
mercadoria constitui a mais-valia, na qual estão contidos todos os lucros”. 117
Reforçando a análise de Marx, Engels esclarece o que acontece depois
de o operário vender a sua força de trabalho ao capitalista, em troca de um
salário:

O capitalista leva o operário para a sua oficina ou fábrica, onde já se


encontram todos os objetos necessários ao trabalho: matérias-primas, matérias
auxiliares (carvão, corantes etc.), ferramentas, máquinas. Aí começa o labutar
do operário. Suponhamos que o seu salário diário seja de 3 marcos, como no
caso acima – pouco importando que ele os ganhe por tempo ou por peça.
Suponhamos, novamente, que o operário, em 12 horas, acrescenta às matérias-
primas utilizadas, com o seu trabalho, um novo valor de 6 marcos, novo valor
que o capitalista realiza vendendo a peça uma vez pronta. Desse novo valor,
paga 3 marcos ao operário, mas guarda para si os outros 3 marcos. Ora, se o
operário cria um valor de 6 marcos em 12 horas, em 6 horas (criará) um valor de
3 marcos. Portanto, ele já reembolsou o capitalista com o valor equivalente aos
3 marcos contidos no salário depois de trabalhar 6 horas para ele. Ao fim das 6
horas de trabalho, ambos estão quites, não devem um centavo um ao outro.
- Alto lá! Grita agora o capitalista. – Aluguei o operário por um dia inteiro,
por 12 horas. Seis horas são só meio dia. Portanto, vamos continuar trabalhando
até completar as outras 6 horas – só nessa altura é que ficaremos quites. E, com
efeito, o operário tem de se submeter ao contrato aceito “de livre vontade”,
segundo o qual se compromete a trabalhar 12 horas inteiras por um produto de
trabalho que custa 6 horas de trabalho (…).

117
Idem, p. 11. Canary nos fornece um exemplo interessante: “A produção média da indústria
automobilística, segundo os dados da própria patronal, está hoje (2010) em 2,25 carros por
trabalhador por mês. Arredondemos para 2, apenas para facilitar as contas. Isso significa que,
ao longo de 1 mês, cada trabalhador do setor produz em média 2 carros. Supondo que o valor
médio desses carros, para tomar apenas os mais baratos, seja R$ 24.000,00, cada trabalhador
gera, ao longo de 1 mês, um total de R$ 48.000,00 em novas riquezas antes não existentes.
Suponhamos também que o salário desse trabalhador seja de R$ 2.000,00 e que ele trabalhe,
de fato, apenas 24 dias por mês, pois folga aos domingos e em alguns sábados. Dividindo-se
os R$ 48.000,00 pelos 24 dias em que o trabalhador trabalha, temos exatos R$ 2.000,00. Esse
é, em média, o valor gerado por um trabalhador da indústria automobilística em um único dia
de trabalho. Ou seja, o trabalhador médio de uma montadora produz em um único dia o valor
de seu próprio salário mensal. Mas o contrato “justo e democrático” estabelecido com o patrão
diz que o trabalhador deverá trabalhar não apenas 1 dia, mas sim 24 dias inteiros. Somente
depois disso receberá o seu salário. Isso significa que, em 1 mês, o trabalhador trabalha 1 dia
para pagar o seu salário e os outros 23 dias trabalha absolutamente de graça, sem nenhuma
contrapartida por parte do patrão”. Cf. CANARY, Henrique. O que é ... Conceitos fundamentais
de política, economia e sociedade. São Paulo: Sundermann, 2012, pp. 11-12.
75

Tal é a constituição econômica da nossa atual sociedade: é somente a


classe trabalhadora que produz todos os valores. Pois o valor é apenas outra
expressão para trabalho, aquela expressão pela qual se designa, na sociedade
capitalista dos nossos dias, a quantidade de trabalho socialmente necessário
incorporada a uma determinada mercadoria. Esses valores produzidos pelos
operários não pertencem, porém, aos operários. Pertencem aos proprietários
das matérias-primas, das máquinas e ferramentas e dos meios financeiros que
permitem a esses proprietários comprar a força de trabalho da classe operária.
De toda a massa de produtos criados pela classe operária, ela só recebe
portanto uma parte. E, como acabamos de ver, a outra parte, que a classe
capitalista conserva para si e que divide, quando muito, ainda com a classe dos
proprietários fundiários, torna-se, a cada nova descoberta ou invenção, maior
ainda, enquanto a parte que reverte para a classe operária (parte calculada por
cabeça) ora aumenta, mas muito lentamente e de maneira insignificante, ora não
sobe e, em certas circunstâncias, pode mesmo diminuir.118

A relação entre o capital constante (cc), investido em máquinas,


equipamentos e matéria-prima e o capital variável (cv), investido em salários é
chamada de composição orgânica do capital (co) e pode ser expresso pela
fórmula: co = cc/cv. O valor total da mercadoria compreende a soma de capital
constante (cc), do capital variável (cv) e da mais-valia (mv) produzida. Assim m
= cc+cv+mv. O mais importante é compreender que a taxa de mais-valia (tmv)
mede o grau de exploração da força de trabalho. Ela é a relação entre trabalho
necessário e trabalho excedente ou, de outra forma, a relação entre a mais-
valia (mv) e o capital variável (cv). Pode ser expressa na fórmula: tmv =
mv/cv.119
A taxa de lucro (tl), por outro lado, é a relação entre a mais-valia
produzida pelos trabalhadores e a soma total do capital constante (cc),
investido em meios de produção, e do capital variável (cv), investido em força
de trabalho, expressa na fórmula: tl = mv/cc+cv. Como afirma Netto e Braz, o
“lucro é a forma metamorfoseada com que a mais-valia aparece ao capitalista,
118
ENGELS, Friedrich. Introdução. In: MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital. São Paulo:
Expressão Popular, 2006, pp. 27-28.
119
Há uma diferença entre taxa de mais-valia e massa de mais-valia (ou mais-valor). Conforme
Harvey, “Os capitalistas, sugere ele (Marx), estão muito interessados em maximizar a massa
de mais-valor porque seu poder social individual depende da quantidade total de dinheiro que
controlam. A massa de mais-valor é dada pela taxa de mais-valor multiplicada pelo número de
trabalhadores empregados. Se esse número diminui, a mesma massa de mais-valor pode ser
ganha com um aumento da taxa de mais-valor. Mas há um limite para a taxa de mais-valor,
dado não apenas pelo fato de o dia ter apenas 24 horas, mas também por todas as barreiras
sociais e políticas discutidas anteriormente. Diante desse limite, os capitalistas podem
aumentar o número de trabalhadores empregados. Num certo ponto, porém, outro limite se
apresenta: o do total de capital variável disponível e da oferta total de população trabalhadora.
Obviamente, o último limite seria a população total, mas existem outras razões para que a força
de trabalho disponível seja muito menor do que ela. Diante desses dois limites, o capital tem de
lançar mão de uma estratégia inteiramente diferente para aumentar a massa de mais-valor”. Cf.
HARVEY, David. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 159-160.
76

e é esta forma a que imediatamente lhe interessa – com efeito, a rentabilidade


de uma empresa é determinada pela sua taxa de lucro”. 120 Entretanto, para o
trabalhador interessa, sobretudo, compreender a taxa de mais-valia e o grau de
exploração da sua força de trabalho.
Com a obra O Capital, de Karl Marx, estava desvendado o segredo da
produção capitalista, da riqueza social e da acumulação de capital. A riqueza
do capitalista não é produto de sua natural capacidade de negociar, nem de
nenhuma qualidade especial, como defendiam teóricos burgueses anteriores a
Marx (e mesmo posteriores a ele), nem da proteção divina, como imaginavam
outros, mas da exploração da força de trabalho assalariada na base da
propriedade privada dos meios de produção.
Embora a Economia Política burguesa tomasse um caminho conservador
a partir de meados do século XIX com a Economia Neoclássica, passando a
negar a teoria do valor-trabalho, e, portanto, criticando fervorosamente a obra
de Marx e Engels e a explicação marxista da estrutura, da dinâmica e das
contradições da sociedade capitalista, o desenvolvimento da economia mundial
ao longo do século XX só confirmou as tendências analisadas por Marx em O
Capital.

2.4.5. Mais-valia absoluta e mais-valia relativa

Os capitalistas procuraram, ao longo da história, formas de aumentar a


extração de mais-valia dos trabalhadores, isto é, do trabalho excedente
produzido pela força de trabalho e apropriado privadamente pelos capitalistas.
Como dissemos, a jornada de trabalho é dividida em duas partes: trabalho
necessário e trabalho excedente. Na primeira parte da jornada, o trabalhador
produz uma quantidade de trabalho (riqueza) correspondente ao salário
recebido do capitalista. Na segunda parte da jornada, os trabalhadores
produzem trabalho excendente, uma quantidade de riqueza não paga pelo
capitalista. Marx denominou o trabalho excedente apropriado pelo capital à
custa do trabalhador de mais-valia. Explica esse processo em O Capital:

120
NETTO, josé Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006, p.144.
77

Já sabemos, entretanto, que o processo de trabalho continua além do


ponto em que se reproduz o simples equivalente do valor da força de trabalho
incorporado ao material, ao objeto de trabalho. Em vez das 6 horas para isso
suficiente, dura o processo, por exemplo, 12 horas. A força de trabalho em
atividade não só reproduz seu próprio valor, mas também cria valor excedente.
Essa mais-valia constitui o excedente do valor do produto em relação ao valor
dos componentes do produto consumidos, a saber, os meios de produção e a
força de trabalho. Ao discorrer sobre os diversos papéis que os diferentes fatores
do processo de trabalho desempenham na formação do valor do produto, na
realidade caracterizamos as funções dos diversos componentes do capital no
processo de produzir mais-valia. O excedente que o valor total do produto tem
sobre a soma dos valores de seus elementos constitutivos é o excedente do
capital ampliado sobre o capital originalmente despendido. Os meios de
produção, de um lado, e a força de trabalho, do outro, são apenas diferentes
formas de existência assumidas pelo valor do capital original ao despir-se da
forma dinheiro e transformar-se nos fatores do processo de trabalho.121

Portanto, interessa ao burguês, desde o desenvolvimento do capitalismo,


extrair o máximo possível de trabalho excedente. Para tanto, foram constituídos
historicamente dois métodos de extração de trabalho excedente: a mais-valia
absoluta e a mais-valia relativa. Marx resume esses métodos de extração de
mais-valia assim: “Chamo de mais-valia absoluta a produzida pelo
prolongamento do dia de trabalho, e de mais-valia relativa a decorrente da
contração do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração na
relação quantitativa entre ambas as partes componentes da relação de
trabalho”.122
O primeiro desses métodos se concretiza pelo alongamento da jornada de
trabalho ou pela intensificação do ritmo de produção durante a jornada, o que,
na prática, corresponde ao aumento da jornada, tendo em vista que o
capitalista consegue extrair da força de trabalho uma quantidade de trabalho
excedente, de mais-valia, que só conseguiria em uma jornada maior. 123 Toda a
história do capitalismo, desde a criação das primeiras fábricas até o século XIX
é marcado por uma luta tenaz entre o capital e o trabalho em torno do
prolongamento ou da redução da jornada de trabalho. Mesmo quando se

121
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
I, 2002, p. 244. Para facilitar o entendimento do exemplo dado por Marx, é melhor o leitor
utilizar a jornada de 8 horas diárias divididas em 4 horas de trabalho necessário e 4 de trabalho
excendente, tal como o utilizamos mais acima, quando falamos da compra e da venda da força
de trabalho.
122
Idem, p. 366.
123
Cf. COGGIOLA, Osvaldo. Introdução à teoria econômica marxista. São Paulo: Boitempo,
1998, p. 21.
78

conquistou a diminuição da jornada de trabalho para dez ou oito horas, essa


luta não cessou. Como diz Marx:

O estabelecimento de uma jornada normal de trabalho é o resultado de


uma luta multissecular entre o capitalista e o trabalhador. A história dessa luta
revela duas tendências opostas. Compare-se, por exemplo, a legislação fabril
inglesa de nossa época com os estatutos de trabalho ingleses desde o século
XIV até a metade do XVIII. Enquanto a legislação fabril moderna reduz
compulsoriamente a jornada de trabalho, aqueles estatutos procuram prolongá-
la coercitivamente.124

Por outro lado, a mais-valia absoluta tem os seus limites, impostos pela
própria constituição física e biológica dos indivíduos. Não é possível, dessa
forma, um prolongamento permanente da jornada de trabalho, para além do
limite físico da sobrevivência do trabalhador. O trabalhador precisa reproduzir a
sua força de trabalho, precisa de repouso, de descanso, de alimentação, ou
seja, o trabalhador precisa de um tempo, na escala das 24 horas do dia, para
dedicar-se a outras coisas que não o trabalho, sob pena do esgotamento físico
da classe operária. Marx resume dessa forma a avidez de lucro dos capitalistas
e os limites do alongamento da jornada de trabalho:

O que é uma jornada de trabalho? Durante quanto tempo é permitido ao


capital consumir a força de trabalho cujo valor diário paga? Por quanto tempo se
pode prolongar a jornada de trabalho além do tempo necessário para reproduzir
a própria força de trabalho? A estas perguntas, conforme já vimos, responde o
capital: o dia de trabalho compreende todas as 24 horas, descontadas as poucas
horas de pausa sem as quais a força de trabalho fica absolutamente
impossibilitada de realizar novamente sua tarefa. Fica desde logo claro que o
trabalhador, durante toda a sua existência, nada mais é que força de trabalho,
que todo o seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho, a
ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem qualquer sentido o
tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para prencher
funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e
espirituais, para o descanso dominical, mesmo no país dos santificadores do
domingo. Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por
trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da
jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao
desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se
respirar ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado às
refeições para incorporá-lo, sempre que possível, ao próprio processo de
produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos como a caldeira consome
carvão, e a maquinaria, graxa e óleo, como se fosse meio de produção. O sono
moral necessário para restaurar, renovar e refazer as forças físicas reduz o
capitalista a tantas horas de torpor estritamente necessárias para reanimar um
organismo absolutamente esgotado. Não é a conservação normal da força de
trabalho que determina o limite da jornada de trabalho; ao contrário, é o maior
124
Idem, pp. 312-313.
79

dispêndio possível diário da força de trabalho, por mais prejudicial, violento e


doloroso que seja, que determina o limite do tempo de descanso do trabalhador.
O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho.
Interessa-lhe exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta
em atividade. Atinge esse objetivo encurtando a duração da força de trabalho,
como um agricultor voraz que consegue uma grande produção exaurindo a terra
de sua fertilidade.
A produção capitalista, que essencialmente é produção de mais-valia,
absorção de trabalho excedente, ao prolongar o dia de trabalho, não causa
apenas a atrofia da força humana de trabalho, à qual rouba as suas condições
normais, morais e físicas de atividade e de desenvolvimento. Ela ocasiona o
esgotamento prematuro e a morte da própria força de trabalho, encurtando a
duração da sua vida.125

Dada a luta de classes histórica do proletariado e demais assalariados


pela diminuição da jornada de trabalho e a impossibilidade de prorrogá-la, sem
uma luta de vida e morte contra os trabalhadores, os capitalistas inventaram a
chamada mais-valia relativa, que, mantendo a mesma jornada de trabalho,
procura, mediante o aumento da produtividade do trabalho, diminuir o tempo de
trabalho necessário à produção da força de trabalho, mediante o barateamento
dos produtos indispensáveis à reprodução da força de trabalho. Diminuindo-se
o tempo de trabalho necessário, aumenta-se o tempo de trabalho excedente e,
portanto, a mais-valia produzida, base do lucro capitalista.
O segredo da extração de mais-valia pela forma da mais-valia relativa
está em diminuir o valor da força de trabalho, mediante a redução do tempo de
trabalho necessário à produção e reprodução da mercadoria força de trabalho,
aumentando a produtividade e a produção de mercadorias dos ramos de
produção direcionados aos produtos consumidos pelos trabalhadores:

Para diminuir o valor da força de trabalho, tem o aumento da produtividade


de atingir ramos industriais cujos produtos determinam o valor da força de
trabalho, pretendendo ao conjunto dos meios de subsistência costumeiros ou
podendo substituir esses meios. (…)
A mercadoria que barateia diminui naturalmente o valor da força de
trabalho apenas na proporção em que participa na reprodução da força de
trabalho.126

Desde a Revolução Industrial, do final do século XVIII e começos do XIX,


os capitalistas têm respondido constantemente às mobilizações, greves e
resistências dos trabalhadores por meio dos aperfeiçoamentos tecnológicos da
maquinaria e das instalações das fábricas. Na época do artesanato e das
125
Idem, pp. 306-307.
126
Idem, p. 366.
80

manufaturas, o capital tinha apenas um controle formal sobre o trabalho, o que


Marx chama de subsunção formal dos trabalhadores aos capitalistas. Como o
processo de produção era manual e dependia basicamente das capacidades e
destreza da força de trabalho, o trabalhador podia ter certo controle sobre sua
atividade, sobre o tempo e o movimento nos locais de trabalho. O capitalista,
evidentemente, ficava muito insatisfeito com isso.
Com a Revolução Industrial, o capitalista implanta as máquinas em suas
fábricas, impondo a chamada subsunção material dos trabalhadores ao capital.
Agora, os trabalhadores se tornaram apêndices das máquinas. O ritmo de
trabalho e da produtividade da força de trabalho é dado pelo movimento do
sistema de máquina na empresa, sob controle integral do capital. Isso
comporta uma intensificação do processo de trabalho e, portanto, o aumento
da produtividade e da produção de mercadorias. Esse aumento da
produtividade e da produção de mercadorias, à escala maior que nos períodos
anteriores, levou à redução do tempo socialmente necessário à produção das
mercadorias e, portanto, à redução do seu valor, refletindo na queda dos
preços.
Isso ocorreu particularmente na produção de bens de subsistência,
ligados ao consumo da maior parte da população, constituída pelos
trabalhadores assalariados. É uma estratégia do capitalista para ganhar a
concorrência com outros capitalistas e dominar mercados cada vez mais
crescentes. Mas é, sobretudo, uma necessidade do capital para diminuir o valor
da força de trabalho e, portanto, do seu preço: o salário. O capitalista sabe
calcular bem o que é trabalho necessário e o que é trabalho excedente.
Diminuindo a parte da jornada de trabalho na qual os trabalhadores produzem
o trabalho necessário, isto é, o seu próprio salário, aumenta-se a parte da
jornada dedicada à produção de trabalho excedente, ou seja, a mais-valia.
Mas, como dissemos, na formação do nível dos salários entram também
os aspectos histórico-sociais e o desenvolvimento da luta de classes em cada
país. O nível de organização dos trabalhadores assalariados é fundamental
para reagir contra os processos de exploração introduzidos pelos capitalistas.
Os trabalhadores, por meio de sua organização em associações e sindicatos,
lutam não só contra a concorrência no seio da classe, como contra os ataques
promovidos pelo capital para extrair a mais-valia. Por meio da organização,
81

mobilização e luta, nas quais se inserem as ideias e a política socialistas, os


trabalhadores vão desenvolvendo a sua consciência de classe e acumulando
forças necessárias ao combate mais decisivo: a luta pelo fim do próprio regime
de assalariamento.
Evidentemente, em vários momentos da história do capitalismo, a
burguesia utilizou – e continua a utilizar - ambos os métodos para o incremento
da extração da mais-valia. Do ponto de vista do desenvolvimento do modo de
produção capitalista, verifica-se que se procurou aperfeiçoar e revolucionar os
meios técnicos e os métodos de produção para possibilitar uma maior extração
de mais-valia relativa. As três grandes etapas desse processo são:
1) Cooperação: no início do capitalismo, os burgueses, que tinham
dinheiro disponível, adquiriam matéria-prima e instrumento de trabalho, que
eram distribuídos aos trabalhadores que não dispunham de meios de
produção, responsáveis pela execução dos trabalhos encomendados por meio
do trabalho em domicílio, característico das primeiras fases da indústria téxtil.
Posteriormente,

um salto no desenvolvimento das forças produtivas aconteceu quando foi


possível reunir sob um mesmo teto os meios de trabalho e os trabalhadores.
Para isso, foi preciso enfrentar as regulamentações dos “grêmios” medievais,
que impedia aos que não eram seus afiliados de executarem o ofício
correspondente; muitas das primeiras oficinas se localizavam fora das cidades,
para escaparem do controle. Depois, com o auge da produção capitalista,
empregando mão de obra assalariada, as “corporações” e os “grêmios” foram
varridos do mapa através de uma série de revoluções políticas. Do ponto de
vista da produtividade, a cooperação nas oficinas possui vantagens evidentes
em relação ao trabalho domiciliar: a) permite um incentivo e uma nivelação dos
trabalhadores baseando-se no trabalhador mais rápido e mais hábil; b)
complementarmente, permite um controle mais direto do capitalista sobre a
qualidade e o ritmo de trabalho. O processo de trabalho ainda se mantém, sem
dúvida, em nível artesanal: cada trabalhador processa a totalidade do produto,
desde a primeira até a última fase.127

2) Manufatura: com um maior aperfeiçoamento dos instrumentos de


trabalho, ocorre também um aprofundamento da divisão de trabalho e maior
especialização dos trabalhadores nas fábricas e oficinas. O fato é que

O processo de trabalho se divide em várias fases e cada trabalhador executa


uma fase diferente. Por exemplo: na cooperação, cada fabricante de alfinetes
produzia um alfinete; na manufatura, a operação de produzi-los se divide em
127
Cf. COGGIOLA, Osvaldo. Introdução à teoria econômica marxista. São Paulo: Boitempo,
1998, pp. 25-26.
82

várias fases como cortar o arame, endireitá-lo, afiá-lo, colocar-lhe a cabeça, etc.,
cada uma das quais é executada por um operário diferente. Consequências:
aumento na velocidade e eficiência do trabalho, possibilidade de um maior
controle por parte do patrão, desqualificação do trabalhador e maior
dependência deste em relação ao capitalista. O período de aprendizagem do
ofício se encurta bastante, aumenta a mão de obra no nível de qualificação
exigido, e começam a desparecer as exigências individuais do operário diante do
patrão, de que se queixavam os capitalistas anteriormente.128

3) Maquinismo e grande indústria: nas décadas finais do século XVIII e


primeiras do século XIX, ocorreu um maior aperfeiçoamento técnico e dos
métodos de produção, que passaram para a história com o nome de Revolução
Industrial, com a introdução do sistema de máquinas no processo de produção
nas grandes fábricas, que concentravam um grande número de trabalhadores.
Um aparato mecânico é implementado na produção, que possui um sistema de
ferramentas funcionando ao mesmo tempo, utilizando uma determinada forma
de energia. Essas transformações técnicas e produtivas respondiam às
necessidades do sistema capitalista, tendo em vista a expansão do comércio
dentro dos países e internacionalmente, que impulsionava a produção de
mercadorias e, portanto, uma maior extração de trabalho excedente, a mais-
valia. Dessa forma,

As possibilidades de desenvolvimento das forças produtivas e,


consequentemente, a do barateamento do trabalho operário praticamente não
conhecem limites. O processo produtivo ganha, por um lado, em velocidade, pois
uma máquina executa simultaneamente operações antes separadas, mas
sobretudo em continuidade, pois as máquinas permitem que o processo
produtivo não sofra interrupção (por exemplo, a linha de montagem
permanente), aparecendo a possibilidade de fazer funcionar uma fábrica 24
horas por dia. (...) essa revolução em matéria de economia de trabalho humano
converte-se contraditoriamente no grande meio de escravização dos
trabalhadores.129

Esse processo de aperfeiçoamento técnico, por meio da introdução de


máquinas modernas no processo de trabalho, teve consequências muito
profundas nas relações de trabalho, particularmente por meio da simplificação
de uma série de operações executadas pelos trabalhadores anteriormente. Do
ponto de vista do operário, significa uma maior desqualificação, tendo em vista
que a nova divisão do trabalho, aprofundada pelo maquinismo nas fábricas
impõe ao trabalhador um domínio cada vez menor do processo de trabalho em

128
Idem, p. 26.
129
Idem, p. 27.
83

sua totalidade, restringindo a participação dos operários a uma parte do todo.


Se antes era necessário um tempo muito grande para a assimilação de um
ofício, com a introdução do sistema de máquinas e a simplificação das
operações – o trabalhador se torna, como diz Marx, em O Capital, um apêndice
da máquina -, em pouco tempo se consegue uma qualificação para realizar
uma determinada operação na produção, como parte de um conjunto de
operações de trabalho. O resultado é que quanto “maior a desqualificação,
maior é a dependência do operário em relação ao capitalista, pois este tem à
sua disposição um número muito grande de pessoas prontas a qualificarem-se
rapidamente para ocupar um posto de trabalho”. 130
Por outro lado, a introdução dessas máquinas modernas no lugar de
aliviar o processo de trabalho da classe operária, leva não só à intensificação
do ritmo de trabalho nas fábricas como também às iniciativas de prolongar o
máximo possível a jornada de trabalho. É uma contradição não da máquina, da
ciência ou da técnica em si, mas do fato de serem criadas e implementadas na
produção capitalista, no âmbito da sociedade burguesa. Afinal de contas, trata-
se de uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção,
na divisão aprofundada do trabalho e na exploração da força de trabalho. Não
é casual que, ao mesmo tempo em que aumenta a produtividade do trabalho e,
portanto, reduz a quantidade de trabalho socialmente necessário à produção
das mercadorias, resultando numa economia de trabalho, se não fossem as
limitações físicas dos trabalhadores, impostas pela sua constituição biológica,
as máquinas, controladas pelo capital, sugariam até o último segundo do dia,
pois, tendo autonomizado o movimento e a atividade operativa do meio de
trabalho, a produção ganha continuidade e intensidade, podendo funcionar
durante todo o dia. Significa que as

máquinas sofrem, além do seu desgaste material, um desgaste “moral” (ficam


obsoletas), com o constante aparecimento de novos modelos, mais baratos e
aperfeiçoados no mercado. O capitalista tem interesse em “amortizá-la”,
transferindo seu valor aos produtos o mais rápido possível, para evitar que se
desvalorize. Para isso, usa um só método: fazê-las trabalhar sem parar; e, para
isso, prolonga ao máximo a jornada de trabalho. O maquinismo é o instrumento
e o motivo mais poderoso para a tendência dos capitalistas de prolongar a
jornada de trabalho até os limites físicos da classe operária.131

130
Idem, p. 28.
131
Idem, p. 29.
84

Outra consequência da introdução das máquinas ao processo de trabalho


na sociedade burguesa é o fato de que o trabalho fica submetido à repetição da
mesma atividade durante o tempo em que a executa. Trata-se, claramente, de
um processo de embrutecimento dos trabalhadores, em particular as mulheres
e jovens. O trabalho, regulado pelo relógio do capitalista, torna-se cada vez
mais enfadonho, de modo que, como afirma Marx, em Miséria da Filosofia, o
tempo é tudo, o homem já não é nada; é quando muito a carcaça do tempo.
Nesse sentido, sob “o capitalismo, o enorme progresso que significa o
aperfeiçoamento da maquinaria se transforma no meio mais eficaz de
desumanização do homem: o pleno desenvolvimento de suas possibilidades
físicas e intelectuais (espirituais) é exatamente o oposto da unilateralidade
repetitiva da tarefa, a qual é constrangido pelo maquinismo”. 132

2.4.6. A acumulação de capital

Marx afirma em O Capital:

A conversão de uma soma de dinheiro em meios de produção e força de


trabalho é o primeiro passo dado por uma quantidade de valor que vai exercer a
função de capital. Essa conversão ocorre no mercado, na esfera da circulação.
O segundo passo, o processo de produção, consiste em transformar os meios de
produção em mercadoria cujo valor ultrapassa o dos seus elementos
componentes, contendo, portanto, o capital que foi desembolsado, acrescido de
uma mais-valia. A seguir, essas mercadorias têm, por sua vez, de ser lançadas
na esfera da circulação. Importa vendê-las, realizar seu valor em dinheiro, e
converter de novo esse dinheiro em capital, repetindo continuamente as mesmas
operações. Esse movimento circular que se realiza sempre através das mesmas
fases sucessivas constitui a circulação do capital.
A primeira condição da acumulação é o capitalista conseguir vender suas
mercadorias e reconverter a maior parte do dinheiro por elas recebido em
capital.133

O primeiro processo no movimento do capital se expressa na utilização


pelo capitalista do capital-dinheiro na aquisição de meios de produção e força
de trabalho. Esse primeiro momento ocorre na circulação capitalista, tendo em
vista que os meios de produção (máquinas, equipamentos, matéria-prima,

132
Idem, p. 30.
133
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
II, 2006, p. 657.
85

instalações etc.) e a força de trabalho são mercadorias disponíveis no


mercado.
A aquisição desses meios de produção e da força de trabalho se destina,
evidentemente, ao processo de produção propriamente dito, quando,
articulando-se meios de produção e força de trabalho, consegue-se transformar
esses meios de produção em mercadorias novas, contendo não só o valor dos
meios de produção, transferidos pelo trabalhador às novas mercadorias, como
a mais-valia, o trabalho excedente não pago pelo capitalista.
Essas mercadorias são postas em circulação no mercado, e, quando
vendidas, o valor é convertido em dinheiro, a mais-valia produzida antes, no
processo da produção social, é realizada, transformada em capital-dinheiro.
Esse capital-dinheiro volta ao capitalista, que terá de converter parte dele em
nova fonte de valor, em capital. Essa é a primeira condição da acumulação
capitalista, do seu lucro.
O capitalista é quem primeiramente se apropria dessa mais-valia, produto
da exploração da força de trabalho. Mas não fica com toda a mais-valia
produzida. Ele deve repartir com outros que cumprem funções no processo de
produção e circulação de mercadorias, sejam também frações da burguesia ou
não. É o caso do comerciante, que obtém uma parte dessa mais-valia na forma
de lucro comercial. É o exemplo também da burguesia bancária e financeira,
que se apropria de uma parte da mais-valia na forma de juros. O proprietário da
terra, onde está instalada a fábrica, obtém uma parcela da mais-valia sob a
forma de renda da terra. Enfim, os próprios capitalistas estão obrigados a
repartir uma parte dessa mais-valia com os trabalhadores na forma dos salários
pagos pela compra da força de trabalho.
O fato é que, seja qual for a forma social da produção, ela deve ter
continuidade, tem de passar por determinados estágios para que possa cumprir
com o seu papel social na reprodução da vida em sociedade. Significa dizer,
como está analisado em O Capital de Marx, que “todo processo social de
produção, encarado em suas conexões e no fluxo contínuo de sua renovação,
é, ao mesmo tempo, processo de reprodução”. 134 Em se tratando do
capitalismo, estamos lidando com um modo de produção social mundializado,

134
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
II, 2006, p. 661.
86

que abarca e influencia de alguma forma todos os países e continentes, que


atende a um mercado internacional e a bilhões de consumidores.
Marx explica esse processo contínuo de produção e reprodução social:

As condições da produção são, simultaneamente, as de reprodução.


Nenhuma sociedade pode produzir continuamente, isto é, reproduzir, sem
reconverter, de maneira constante, parte de seus produtos em meios de
produção ou elementos da produção nova. Permanecendo invariáveis as demais
condições, só pode reproduzir ou manter sua riqueza no mesmo nível
substituindo durante o ano, por exemplo, os meios de produção consumidos, isto
é, instrumental de trabalho, matérias-primas e substâncias acessórias, por
quantidade igual de artigos da mesma espécie, separados da produção anual e
incorporados ao processo de produção que continua. Determinada parte do
produto anual pertence, portanto, à produção. Destinada, desde a origem, ao
consumo produtivo, essa parte possui formas que, em regra, tornam-na
inteiramente inadequada ao consumo individual.135

Tanto a produção quando a reprodução têm caráter capitalista em uma


sociedade burguesa. Assim como o trabalho, no capitalismo, não é senão um
meio para a valorização do capital, também a reprodução contínua das
relações de produção capitalistas se destina a garantir a valorização do capital
adiantado, em meios de produção e força de trabalho. Esse processo deve se
repetir pelo menos na mesma escala ano a ano. Trata-se de reprodução
simples, diz Marx,

Se o capitalista só utiliza esse rendimento para consumo, gastando-o no


mesmo período em que o ganha. (…) Embora esta seja mera repetição do
processo de produção na mesma escala, essa mera repetição ou continuidade
imprime ao processo certos caracteres novos ou, antes, faz desaparecerem os
caracteres aparentes que apresentava em sua ocorrência isolada.136

Entretanto, o capitalista deve, para acumular capital, aplicar uma parte da


mais-valia produzida pela força de trabalho no processo de produção. Marx
adverte: “Vimos como a mais-valia se origina do capital e veremos agora como
o capital nasce da mais-valia. Aplicação de mais-valia como capital ou
conversão de mais-valia em capital é o que se chama acumulação de
capital”.137 O capitalista utiliza parte da mais-valia acumulada na forma de
capital para inverter em meios de produção e força de trabalho.

135
Idem, ibidem.
136
Idem, p. 662.
137
Idem, p. 677.
87

Como afirmam Netto e Braz, a forma típica da reprodução na sociedade


capitalista

é a reprodução ampliada (ou alargada). Nela, apenas uma parte da mais-valia


apropriada pelo capitalista é empregada para cobrir seus gastos pessoais; outra
parte é reconvertida em capital, isto é, utilizada para ampliar a escala da sua
produção de mercadorias (aquisição de máquinas novas, contratação de mais
força de trabalho etc.).138

O autor cita o seguinte exemplo para enterder a reprodução ampliada:

Um capitalista investe, na produção de mercadorias, R$ 10.000.000,00,


sendo oito milhões em capital constante (cc) e dois milhões em capital variável
(cv). Supondo-se que a taxa de mais-valia (mv) seja de 100% e que todo o
capital constante entre no valor do produto, as mercadorias produzidas terão um
valor total equivalente a R$ 12.000.000,00 (8 milhões cc + 2 milhões cv + 2
milhões mv). Dessa mais-valia equivalente a R$ 2.000.000,00, metade o
capitalista a gasta em consumo pessoal, metade utiliza-a para ampliar a
produção, na mesma proporção anterior (800 mil cc + 200 cv); assim, na nova
produção, o capitalista terá um capital investido de R$ 11.000.000,00 (8 milhões
e 800 mil cc + 2 milhões e 200 mil cv); mantida a taxa de mais-valia e a
participação de todo o capital constante no valor do produto, a nova produção
terá valor equivalente a R$ 13.200.000,00 (8 milhões e 800 mil cc + 2 milhões e
200 mil cv + 2 milhões e 200 mil mv). (...)
Importa assinalar, antes de mais, que a acumulação de capital depende da
exploração da força de trabalho. Retornemos ao exemplo referido há pouco: o
capital de R$ 10.000.000,00 investido na proporção de 8 milhões em cc e 2
milhões em cv, com uma taxa de mais-valia (...) de 100%, apropria-se de mv
equivalente a 2 milhões; mas se a taxa de exploração for de 200%, mv será
equivalente a 4 milhões. Ou seja: quanto maior a exploração da força de
trabalho, maior será a mais-valia e a acumulação. (...) o capitalista pode
aumentar a taxa de exploração prolongando a jornada de trabalho, intensificando
o ritmo e as cadências, introduzindo inovações, pressionando os salários para
abaixo do valor da força de trabalho etc. Dos outros elementos interferem ainda
no processo de acumulação. O primeiro é o aumento da produtividade do
trabalho, que acelera a acumulação; o segundo é a magnitude do capital
investido: (considerando a proporção cc e cv), maior a acumulação.139

O capitalista sabe que a acumulação de capital depende da exploração


da força de trabalho e, por isso, tenta de todas as formas extrair o máximo
possível de trabalho excedente. Mas, como veremos em seguida, a
concorrência entre os capitalistas os empurra a investir uma soma dos seus
capitais, acumulados sob a forma de mais-valia, em aperfeiçoamentos técnicos
para incrementar a produção de mercadorias e baixar o preço, vencendo os

138
NETTO, josé Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006, p.125.
139
Idem, pp.126-127. Com as adaptações necessárias ao presente texto.
88

seus concorrentes e conquistando novos mercados. Entretano, esse processo


leva à tendência à queda da taxa de lucro.

2.4.7. Tendências e crise do capitalismo

Marx analisa, na parte sobre A lei geral da acumulação capitalista, a


concentração e a centralização do capital, a tendência à queda da taxa de
lucro, enfim a tendência do capitalismo de produzir, de um lado, uma imensa
quantidade de riqueza, acumulada pela burguesia, e, de outro, uma enorme
miséria, vivenciada cotidianamente pelos trabalhadores. Na concorrência
acirrada, ocorre a centralização e a concentração do capital entre cada vez
menos capitalistas, formando-se grandes monopólios e oligopólios. A
concentração do capital ocorre internamente à produção com o aumento global
do capital por meio da reprodução ampliada. A centralidade ocorre pelos
processos de fusões e aglutinações de capitais, particularmente nos momentos
de crise, em que uns capitalistas saem ganhando, enquanto outros acabam
perdendo.
Portanto, o capitalismo produz de um lado uma grande quantidade de
riquezas, por meio da utilização da força de trabalho dos trabalhadores e da
extração da mais-valia no processo de produção social, e, de outro, miséria,
fome, exploração, desemprego, precariedade do trabalho e opressão. A
pauperização das massas é uma tendência geral do desenvolvimento
capitalista, tendo em vista a desproporção crescente entre o que o trabalhador
recebe, em termos de salários, e o que o capitalista acumula, em capitais. O
capitalismo, em seu desenvolvimento, determina

uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital.


Acumulação de riqueza em um polo é, ao mesmo tempo, acumulação de
miséria, de trabalho atormentante, de escravatura, ignorância, brutalização e
degradação moral, no polo oposto, constituído pela classe cujo produto vira
capital.140

A ciência e a técnica se tornam, nas condições de aplicação burguesa,


instrumentos de opressão dos capitalistas sobre os trabalhadores,
incrementando o desemprego, comprovando as análises das contradições do
140
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l. 1, v.
II, 2006, p. 749.
89

capitalismo, desenvolvidas por Marx, convertendo as crises conjunturais em


uma crise estrutural profunda e insuperável nos limites do capitalismo. O
problema, como coloca Marx em O Capital, não é a ciência ou a técnica em si,
mas a sua função social na sociedade capitalista, a sua utilização no seio das
relações de produção e de propriedade burguesas, fundadas na exploração do
trabalho pelo capital. A sua aplicação na produção, ao invés de melhorar as
condições de trabalho e aliviar o ritmo e a intensidade do trabalho humano, na
verdade, tem efeitos contrários: o ritmo e a intensidade do trabalho só têm
crescido com o objetivo de extrair o máximo de valor possível da força de
trabalho, aumentando, dessa forma, o processo de acumulação de riquezas
nas mãos de uma pequena minoria de capitalistas, em detrimento, inclusive, da
saúde dos trabalhadores.
Mas, nesse processo, é preciso analisar alguns problemas fundamentais
para entendermos a atual crise do sistema capitalista: a formação de uma taxa
média de lucro, a tendência à queda da taxa de lucro e como o
desenvolvimento das forças produtivas leva ao choque com as relações de
produção capitalistas. Primeiramente, vejamos a questão da taxa média de
lucro. Ávido pela extração de trabalho excedente (mais-valia) e pela obtenção
de uma taxa de lucro maior, o capitalista procura investir o seu capital naqueles
ramos mais lucrativos da economia. Como afirma Netto e Braz:

Ora, o objetivo do capitalista é aumentar sempre (ou, no linguajar técnico,


maximizar) a sua taxa de lucro, é facilmente compreensível que ele queira
investir o seu capital naquela empresa ou naquele ramo produtivo em que a taxa
de lucro é mais alta e, na realidade, as taxas de lucro variam entre empresas do
mesmo ramo e entre empresas de ramos diferentes. Essa variação é explicável
pela diferente composição orgânica do capital (seja em empresas do mesmo
ramo, onde umas se encontram mais avançadas que outras, seja em empresas
de ramos distintos, com diversificados graus de mecanização), o que faz com
que iguais investimentos totais obtenham taxas de lucro diferenciadas.
Entretanto, tal variação está sempre posta em questão e há formas de travá-la
transitoriamente.141

Considerando a fórmula da taxa de lucro, qual seja, lt = mv/cc+cv, no


sentido de que a taxa de lucro (tl) é uma relação entre a mais-valia produzida
(mv) e a soma total do capital constante (em máquinas, ferramentas,
equipamentos, matéria-prima) e variável (salários) investido, utilizemos um

141
NETTO, josé Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006, p.144.
90

exemplo dado por Netto e Braz em seu livro Economia Política: uma introdução
crítica:

Suponha o leitor duas empresas do mesmo ramo, nesta ilustração o têxtil: a


empresa A e a empresa B. Admitamos que, em ambas, a taxa de mais-valia seja
a mesma (100%) e que o investimento total dos capitalistas (cc e cv) seja o
mesmo, da ordem de R$ 10.000.000,00, mas que a composição orgânica seja
distinta: em A, cc equivale a R$ 5.000.000,00 e cv a R$ 5.000.000,00, enquanto
em B, respectivamente, a R$ 8.000.000,00 e a R$ 2.000.000,00. Neste caso, se
os tecidos produzidos fossem vendidos pelo seu valor, a taxa de lucro seria
muito diferente: em A, 50% e, em B, 20%.142

De fato, poderia se pensar que se há duas empresas (A e B) que


investem o mesmo capital total em capital constante (cc) e capital variável (cv),
em proporções diferentes e se a empresa que investe menos em
aperfeiçoamento técnico, isto é, em cc, é a que obtém uma maior taxa de lucro,
chegaríamos à conclusão de que os capitais da empresa mais avançada
tecnicamente – com mais investimento em máquinas, ferramentas e
equipamentos -, tenderia a se deslocar para as empresas mais atrasadas e
investir menos em cc para obter taxas semelhantes à sua concorrente. Mas,
como afirmam Netto e Braz, as coisas se passam de maneira oposta:

Se assim fosse, o capital, nesse ramo, para obtrer mais lucros, se moveria,
numa verdadeira migração (movimento distinto da rotação que já analisamos),
para as empresas mais atrasadas, de mais baixa composição orgânica do
capital: o capitalista proprietário da empresa B trataria, bem depresa, de tornar a
sua empresa igual à A. Todavia, a análise da dinâmica capitalista demonstra e
comprova que não é assim que as coisas se passam – passam-se exatamente
ao contrário.143

Na verdade, ao contrário do que poderia pensar o senso comum, o que


ocorre é o seguinte:

No caso do exemplo acima, dada a diferente composição orgânica do capital, o


valor das mercadorias (tecidos) produzidas pelas duas empresas será também
diferente; entretanto, a concorrência entre elas fará com que o preço dos tecidos
seja determinado não pelo valor das mercadorias que cada uma delas produz,
mas pelo valor socialmente determinado, que corresponde ao tempo de trabalho
socialmente necessário nessa conjuntura para a produção de tecidos. Isso
significa uma vantagem para as empresas mais avançadas, com mais alta
composição orgânica do capital; mas em pouco tempo, essa vantagem
desaparecerá: a concorrência obrigará a empresa menos avançada a se
modernizar, alcançando os ganhos da outra (caso contrário, ela será alijada da
competição) – e não é preciso dizer que esse movimento é infindável,

142
Idem, p. 145. Com as adaptações necessárias ao presente texto.
143
Idem, ibidem.
91

reproduzindo sempre um relativo desnível entre todas as empresas do ramo;


também não é preciso dizer que, nesse processo interminável, muitas empresas
sucumbem e outras se fortalecem. Mas o que esta ilustração indica – e este é o
fato a ser ressaltado – é que as taxas de lucros das empresas tendem, ao cabo
de certo tempo, a se nivelar: se, inicialmente, as empresas mais avançadas
obtêm um lucro adicional (ou superlucro), logo depois as outras também
alcançarão a mesma taxa de lucro.144

É possível analisar esse processo também se comparadas empresas de


ramos diferentes da economia. Vejamos outro exemplo dado pelos mesmos
autores:

Tomemos agora, como exemplo para ilustrar com indústrias de ramos


diferentes, três empresas, uma do setor têxtil (empresa X), uma do setor
metalúrgico (empresa Y) e uma do setor de produção de bens de capital
(empresa Z). Suponhamos que, em todas elas, o investimento total (cc e cv)
tenha sido o mesmo: R$ 10.000.000,00; mas admitamos que a composição
orgânica de cada uma delas seja diferente: na empresa X, cc equivale a R$
7.000.000,00 e cv a R$ 3.000.000,00/ em Y, cc equivale a R$ 8.000.000,00 e cv
a R$ 2.000.000,00 e, em Z, cc equivale a R$ 9.000.000,00 e cv a R$
1.000.000,00; admitamos, também, que em todas elas a taxa de mais-valia seja
a mesma: 100%. Nesse caso, se as mercadorias fossem vendidas pelo seu
valor (cc+cv+mv), a taxa de lucro seria muito diferente: 30% na empresa X, 20%
em Y e 10% em Z. Ora, pelo caráter mesmo da produção capitalista, que visa ao
lucro, isso ocasionaria a migração do capital para os setores mais lucrativos – o
capitalista da empresa Z trataria rapidamente de abandonar a sua área de
produção para investir numa empresa similar à X.
Essa migração de capitais efetivamente existe e constitui, ela também,
parte do movimento do capital (...). Mas também aqui a migração não se opera
do modo como, aparentemente, ela se realizaria no exemplo que acabamos de
oferecer: de um setor onde as forças produtivas se mostram mais avançada (a
empresa Z, com elevada composição orgânica do capital) para um setor de
menor desenvolvimento (a empresa X, com baixa composição orgânica do
capital). Não é isso o que de fato ocorre na dinâmica capitalista; ao contrário, o
que se passa é a migração de capitais para os setores mais avançados (com
composição orgânica de capital mais alta) da economia.
Vejamos as nossas empresas X, Y e Z. Se as suas mercadorias fossem
vendidas pelo equivalente ao seu valor, a taxa de lucro beneficiaria a empresa
X, fazendo com que o capitalista da empresa Z migrasse para o setor têxtil.
Haveria, pois, uma oferta aumentada de têxteis, o que levaria os capitalistas,
pressionados pela concorrência, a reduzirem a sua taxa de lucros para poder
vendê-los – uma redução, por exemplo, a 20%. Por outra parte, a produção de
máquinas, permanecendo a mesma demanda, tornar-se-ia menor, permitindo ao
capitalista que nela permanece aumentar o preço de suas mercadorias e elevar
a sua taxa de lucro, por exemplo, para 20%. Evidentemente, esses ajustes
demandam algum tempo, mas acabam, por fim e por algum período, por
estabelecer uma taxa de lucro similar (neste exemplo, da ordem de 20%) em
todos os ramos e setores.145

144
Idem, ibidem.
145
Idem, pp. 145-147. Com as adaptações necessárias ao presente texto.
92

A conclusão dos autores é que, de fato, a dinâmica capitalista,


compreendida como movimento total do capital, e não apenas as suas
manifestações particulares,

engendra uma tendência ao nivelamento das taxas de lucro. Daí que se tenha
uma taxa média de lucro, que não resulta apenas da exploração a que cada
capitalista particular submete os trabalhadores que subordina e que proporciona
por algum tempo um lucro similar a capitais de mesmo volume investidos em
diferentes ramos da produção. É por isso que a migração de capitais, mesmo
ocorrendo, não compromete a reprodução – comprometeria se essa taxa média
não fosse assegurada pelo próprio movimento total do capital. Mas note o leitor
que, aqui como em todas as outras situações, estamos mencionando a dinâmica
capitalista; isso significa, mais uma vez, que, sendo o movimento a própria
condição para a valorização do capital, os equilíbrios alcançados são sempre
relativos e momentâneos – a taxa média de lucro também varia e está sempre
em modificação.146

Outro problema relevante é a tendência à queda da taxa de lucro. A


concorrência entre os capitalistas leva-os a inovar permanentemente,
introduzindo a técnica mais moderna no processo de produção (capital
constante), tendo em vista a produção de mais mercadorias, a um preço
menor. Assim, inovam tecnologicamente para reduzir o tempo socialmente
necessário para a produção das mercadorias e ganhar a concorrência com
seus pares. A mudança na composição orgânica do capital – relação entre
capital constante (cc) e capital variável (cv), expressa na fórmula co=cc/cv -
leva à tendência à queda da taxa de lucro, com a redução do capital variável
(cv), investido em salários, e aumento do capital constante (cc), investido nas
máquinas, equipamentos, instalações e matéria-prima.
Mas essa tendência geral do modo de produção capitalista comporta
contratendências:

Em suma: na medida em que cada capitalista procura maximizar seus lucros, a


taxa de lucro tende a cair. A concorrência obriga cada capitalista a tomar uma
decisão (a de incorporar inovações que reduzem o tempo de trabalho necessário
à produção da sua mercadoria) que lhe é individualmente vantajosa, mas que,
ao cabo de algum tempo imitada pelos outros, tem como resultado uma queda
da taxa de lucro para todos os capitalistas. A lei tendencial que leva à queda da
taxa de lucro não tem nada de misterioso. Recordemos que a taxa de lucro se
expressa pela fórmula tl = mv/cc+cv (tl, taxa de lucro; mv, mais-valia; cc, capital
constante e cv, capital variável); ora, se se eleva cc – e é isso o que ocorre com
a introdução de novos métodos produtivos -, tl necessariamente cai. O
significado crucial desse fenômeno é que ele demonstra que a produção
capitalista, no seu próprio desenvolvimento, engendra barreiras e obstáculos à
146
Idem, 147.
93

sua expansão. (...) Entretanto, estamos em face de uma tendência que é


constitutiva do Modo de Produção Capitalista (MPC) – trata-se mesmo de
tendência: se ela se realizasse integralmente, o MPC entraria em colapso. A
história do MPC é também a história de como a classe capitalista, a burguesia,
tem desenvolvido meios para aumentar e conservar a taxa de lucro ou, se se
quiser, para reverter a tendência à queda da taxa de lucro; a simples existência
desses meios (que operam como contratendências) é uma comprovação
adicional dessa lei. Entre tais meios, contam-se: a) o barateamento do capital
constante – com isso, mesmo que se eleve a composição orgânica do capital,
seu valor pode continuar o mesmo ou até cair; b) a elevação da intensidade da
exploração – através do incremento da produção de mais-valia absoluta ou
relativa; c) a depressão dos salários abaixo do seu valor – através da
implementação de reduções salariais; d) o exército industrial de reserva – a
“superpopulação relativa” é utilizada pelos capitalistas ou para reduzir os
salários ou para aproveitá-la em empresas com baixa composição orgânica do
capital que, assim, tornam-se competitivas; e) o comércio exterior – o comércio
entre um país mais desenvolvido e um menos desenvolvido dá vantagens
especiais (superlucros) aos capitalistas do primeiro.147

A tendência à queda da taxa de lucro, o caráter anárquico da economia


burguesa e as condições de exploração e miséria da classe trabalhadora são
parte das contradições do modo de produção capitalista, que estão na base
das crises do sistema. Marx deu ao problema das crises do capitalismo uma
atenção determinante em O Capital. Ao contrário dos economistas burgueses,
que defendiam um suposto equilíbrio permanente do mercado e desprezavam
a importância das crises, Marx demonstrou o caráter cíclico da economia
capitalista. O capitalismo desenvolve contradições internas, que,
periodicamente, levam-no a crises cada vez mais profundas. São as leis
históricas da sociedade burguesa, estudadas em O Capital, desenvolvidas
posteriormente por outros teóricos marxistas, particularmente quanto ao
domínio dos monopólios e do capital financeiro, previstos em suas tendências
por Marx.
Analisando o problema das crises econômicas do capitalismo, Mandel
destaca:

O capitalismo tem tendências a expandir a produção de maneira ilimitada,


a alargar o seu ramo de atuação ao mundo inteiro, a encarar todos os homens
como clientes potenciais (há que sublinhar uma curiosa contradição, da qual
Marx já falou: cada capitalista quereria sempre que os outros capitalistas
aumentassem os salários dos seus operários, porque os salários desses
operários representam poder de compra para as mercadorias do capitalista em
questão. Mas não admite que os salários dos seus próprios operários
aumentem, porque isso reduziria evidentemente o seu próprio lucro).

147
Idem, pp.153-154. Com as adaptações necessárias ao presente texto.
94

Existe por conseguinte uma extraordinária estruturação do mundo que se


torna uma unidade econômica, com uma interdependência extremamente
sensível entre as suas diferentes partes. São conhecidos todos os estribilhos
que a este respeito foram utilizados: se alguém espirra na Bolsa de Nova Iorque,
há 10.000 camponeses da Malásia que ficam arruinados.
O capitalismo produz uma extraordinária interdependência dos
rendimentos e unificação dos gostos de todos os homens. O homem torna-se
bruscamente consciente de toda a riqueza das possibilidades humanas, ao
passo que na sociedade pré-capitalista estava fechado nas estreitas
possibilidades naturais de uma só região. (…)
É nas crises econômicas que a contradição entre a socialização
progressiva da produção e a apropriação privada que lhe serve de motor e de
suporte se revela de maneira mais extraordinária. Porque as crises econômicas
capitalistas são fenômenos inverossímeis, como nunca antes se tinha visto. Não
são crises de penúria, como todas as crises pré-capitalistas; são crises de
superprodução. Não é por haver demasiadamente pouco que comer, mas por
serem relativamente demasiados os produtos alimentares que os
desempregados bruscamente morrem de fome.
À primeira vista, isto parece ser uma coisa incompreensível. Como é que
se pode morrer de fome por haver alimentação demais? Mas o mecanismo do
regime capitalista faz compreender este aparente paradoxo. As mercadorias que
não encontram compradores não somente deixam de realizar a sua mais-valia,
mas nem sequer mesmo já reconstituem o capital investido. A má venda obriga,
pois, os empresários a fechar as portas das empresas. São, por isso, obrigados
a despedir os seus trabalhadores. E visto que esses trabalhadores despedidos
não dispõem de reservas, visto que não podem subsistir senão vendendo a sua
força de trabalho, o desemprego condena-os evidentemente à mais brutal
miséria, precisamente porque a abundância relativa das mercadorias provocou a
sua má venda.
As crises econômicas periódicas são inerentes ao regime capitalista e
permanecem para ele insuperáveis. (…) As crises são a mais nítida
manifestação da contradição fundamental do regime, e o aviso periódico de que
está condenado a morrer tarde ou cedo. Mas não morrerá jamais de morte
automática. Será sempre preciso dar-lhe um empurrãozinho consciente para o
condenar definitivamente, e esse empurrão é a nós e ao movimento operário
que compete dar.148

O capitalismo desintegrou a velha sociedade feudal, de alto a baixo, por


um processo de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais
profundas, convertendo os produtores diretos em trabalhadores assalariados,
proletários, sem nenhuma outra forma de ganhar a sobrevivência a não ser
vendendo a sua força de trabalho como mercadoria, pondo-a à disposição do
capitalista. Posto o modo de produção a andar com seus próprios pés,
desdobra-se outra etapa, em que prosseguem, sob nova forma, a socialização
do trabalho, a conversão do solo e de outros meios de produção em meios de

148
MANDEL, Ernest. Iniciação à Teoria Econômica Marxista. In: MANDEL, Ernest, SALAMAS,
Pierre e VALIER, Jacques. Introdução à teoria econômica. São Paulo: Sundemann, 2006, pp.
57-59.
95

produção coletivamente empregados, em comum, e, consequentemente, a


necessidade de expropriação dos proprietários privados burgueses.
O conflito entre a produção social e a apropriação privada da riqueza tem
raízes profundas e precisa ser resolvido, sob pena de se imporem as
tendências bárbaras do desenvolvimento da crise estrutural do capitalismo.
Esse nó, não desatado pelas crises de superprodução, só pode ser desfeito
por uma transformação social profunda, que supõe todo um processo político
de constituição dos trabalhadores em força social politicamente organizada,
capaz de superar o capitalismo e reconstituir a sociedade em bases socialistas,
como ponto de partida para sociedade sem classes, o comunismo.
Em outras palavras, o que tem de ser expropriado agora não é mais
aquele pequeno trabalhador independente, e sim o capitalista que explora
muitos trabalhadores:

Essa expropriação se opera pela ação das leis imanentes à própria produção
capitalista, pela concentração dos capitais. Cada capitalista elimina muitos
outros capitalistas. Ao lado dessa centralização ou da expropriação de muitos
capitalistas por poucos, desenvolve-se, cada vez mais, a forma cooperativa do
processo de trabalho, a aplicação consciente da ciência ao progresso
tecnológico, a exploração planejada do solo, a transformação dos meios de
trabalho em meios que só podem ser utilizados em comum, o emprego
econômico de todos os meios de produção manejados pelo trabalho combinado,
social, o envolvimento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com
isso, o caráter internacional do regime capitalista. À medida que diminui o
número de magnatas capitalistas que usurpam e monopolizam todas as
vantagens desse processo de transformação, aumentam a miséria, a opressão,
a escravização, a degradação, a exploração, mas cresce também a revolta da
classe trabalhadora, cada vez mais numerosa, disciplinada, unida e organizada
pelo mecanismo do próprio processo capitalista de produção. O monopólio do
capital passa a entravar o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A
centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um
ponto em que se tornam incompatíveis com o envoltório capitalista. O invólucro
rompe-se. Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores
são expropriados.149

Como ficou evidenciado ao longo do século XX, o capitalismo não cai de


podre, por mais desagregadoras que sejam as suas contradições, que levam a
humanidade a guerras, à destruição de forças produtivas, à miséria, ao
desemprego, à fome e ao exaurimento da natureza. Como observou Marx, “A
produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a combinação do

149
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, l.1, v.I,
2002, pp. 876-877.
96

processo social de produção, exaurindo as fontes originais de toda a riqueza: a


terra e o trabalhador”.150
No máximo, ao desenvolver as suas contradições sociais, arrasta a
humanidade para a barbárie, mas descarrega sobre os trabalhadores os efeitos
nefastos das crises econômicas. É o que percebemos na atual crise
econômico-financeira, iniciada nos EUA em 2007-2008, expandida para a
Europa, América Latina e demais continentes. Para quem achava que Marx
estava morto e o capitalismo triunfante, surpreendeu-se com o estouro da crise
e a profunda atualidade da teoria marxista.
Engels resumiu a explicação marxista sobre a exploração capitalista da
seguinte forma:

O socialismo [utópico] criticava o regime capitalista de produção existente e suas


consequências, mas não conseguiu explicá-lo e, portanto, também não poderia
destruí-lo, limitando-se apenas a repudiá-lo, simplesmente, como imoral. Era
preciso, porém, entender esse regime capitalista de produção em suas
conexões históricas, como um regime necessário para uma determinada época
histórica, demonstrando, com isso, ao mesmo tempo, seu aspecto condicional
histórico, a necessidade de sua extinção e do desmascaramento de todos os
seus disfarces, uma vez que os críticos anteriores se limitavam apenas a
apontar os males que o capitalismo engendrava em vez de assinalar as
tendências das coisas a que obedeciam. A principal máscara, sob a qual se
disfarçava o capitalismo, caiu por terra com a descoberta da mais-valia. Esta
descoberta revelou que o regime capitalista de produção e a exploração dos
operários que dele se origina tinham, como base fundamental, a apropriação do
trabalho não pago. Revelou ainda que o capitalista, mesmo supondo-se que
comprasse a força de trabalho de seu operário por todo o seu valor, por todo o
valor que representava como mercadoria no mercado, e que este excedente do
valor, esta mais-valia era, em última instância, a soma do valor de que provinha
a massa cada vez maior de capital acumulado nas mãosdas classes
possuidoras. Desde então, o processo da produção capitalista e o da criação do
capital já não continham nenhum segredo. Estas duas descobertas: a
concepção materialista da história e a revelação do segredo da produção
capitalista que se resume na mais-valia são devidas a Karl Marx. Graças a estas
descobertas, o socialismo converte-se em uma ciência, que não é preciso senão
desenvolver em todos os seus detalhes e concatenações.151

Marx e Engels levaram adiante a tarefa de aprofundar a sua concepção


materialista da história com a análise crítica da Economia Política e da própria
sociedade burguesa, o que se fez com a publicação das obras econômicas
mais importantes como Para a crítica da economia política (1859) e O Capital
(1867). O conjunto da análise de O Capital sobre as categorias da sociedade
150
Idem, p. 571.
151
ENGELS, LÊNIN e TROTSKY. Breve introdução ao O Capital de Karl Marx. Brasília: Ícone,
2008, pp. 117-118.
97

capitalista, a sua origem, desenvolvimento, estrutura e contradições, que


desembocam em crises periódicas, forneceu ao movimento operário e
socialista uma base científica à luta pela superação do capitalismo e
constituição do socialismo.
Claro que, como marxistas, não podemos nos limitar às análises
empreendidas por Marx em O Capital. Marx viveu e escreveu na época do
capitalismo liberal-concorrencial, e somente depois da sua morte o capitalismo
se converteu em imperialismo, fase de desenvolvimento do capital marcada por
guerras, revoluções e contrarrevoluções. Assim, toda a análise de Marx em O
Capital deve ser completada pelas contribuições do marxismo ao longo do
século XX, especialmente as análises de V. I. Lênin, Leon Trotsky e Rosa
Luxemburgo sobre a fase atual de decadência do capitalismo de monopólios, o
imperialismo, e a relação com as economias capitalistas dos países capitalistas
atrasados (chamados também de periféricos, dependentes), como parte da
economia mundial.
Não é objeto desse livro expôr as contribuições dos marxistas no século
XX sobre a sociedade capitalista em sua fase imperialista. É preciso,
entretanto, deixar claro que, para Lênin,

O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das


características fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo só se
transformou em imperialismo capitalista, quando chegou a um determinado grau,
muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas de suas
características fundamentais começaram a transformar-se em seu contrário,
quando as características de uma época de transição do capitalismo a uma
ordem econômica e social superior ganharam corpo e se revelaram em todas as
esferas. O que há de fundamental neste processo, do ponto de vista econômico,
é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A
livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção
mercantil em geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre
concorrência, mas vimos ela transformar-se diante dos nossos olhos em
monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a
grande por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a tal ponto
que do seu seio surgiu o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trustes e,
fundindo-se com eles, o capital de não mais que uma dezena de bancos que
manipulam bilhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, decorrentes da livre
concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando
assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e imensos. O
monopólio é a transição do capitalismo para uma ordem superior.
Se fosse necessário definir o imperialismo da forma mais breve possível,
dever-se-ia dizer que ele é o estágio monopolista do capitalismo. Essa definição
compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital
bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital de
98

grupos monopolistas de industriais e, por outro, a partilha do mundo é a


transição da política colonial, que se estende sem obstáculos às regiões ainda
não apropriadas por nenhuma potência capitalista, para a política colonial de
dominação monopolista dos territórios de um mundo já inteiramente repartido.
Mas as definições excessivamente breves, ainda que cômodas por conter
o principal, são insuficientes, já que é necessário extrair delas características
muito importantes do fenômeno a ser definido. Por isso, sem esquecer o caráter
condicional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem
abranger as múltiplas relações de um fenômeno na integralidade de seu
desenvolvimento, convém dar uma definição do imperialismo que inclua as
seguintes cinco características fundamentais: 1) a concentração da produção e
do capital alcançou um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os
monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a
fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse
“capital financeiro”, da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais,
diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância
particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais
monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si; 5) conclusão da
partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O
imperialismo é o capitalismo no estágio de desenvolvimento em que ganhou
corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro; em que a exportação
de capitais adquiriu marcada importância; em que a partilha do mundo pelos
trustes internacionais começam; em que a partilha de toda a terra entre os
países capitalistas mais importantes terminou.152

Certamente, as análises empreendidas por Marx em O Capital –


somadas, evidentemente, às análises de Engels em outras obras – foram
fundamentais para que Lênin e outros marxistas do século XX efetuassem a
explicação científica da fase imperialista do capitalismo e, a partir dessa
elaboração, produzissem toda a análise da estratégia e da tática adequada ao
movimento operário e socialista. Para isso, foi imprescindível a assimilação do
método do materialismo histórico, base de toda a obra de Marx e Engels. Esse
método, aplicado de forma criadora em O Capital, permite à teoria marxista

152
Cf. LÊNIN, V. I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Expressão
Popular, 2012, pp. 123-124. Consultar também: LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação de
capital. São Paulo: Nova Cultural, 1985; MANDEL, Ernest. Introdução ao marxismo. Lisboa:
Antídoto, 1978; A crise do capital. São Paulo: Ensaio, 1985; O capitalismo tardio. São Paulo:
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Teoria do desenvolvimento capitalista. Rio de Janeiro: Zahar, 1962; BARAN, Paul A. A
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P. M. Capitalismo monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1974; DOBB, Maurice. A evolução do
capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1976; BUKHARIN, Nicolai. ABC do comunismo. Bauru-SP:
Edipro, 2002; A economia mundial e o Imperialismo. São Paulo: Abril Cultural, 1984;
ROSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Eduerj:
Contraponto, 2001; SALAMA, Pierre e VALIER, Jaques. Uma introdução à economia política.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975; MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a
uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002; COGGIOLA, Osvaldo. O Capital contra a
história: gênese e estrutura da crise contemporânea. São Paulo: Xamã, 2002; NETTO, José
Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006;
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais. São Paulo: Expressão Popular, 2006;
WILLIAMS, Eric. Capitalismo e Escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
99

penetrar profundamente na realidade em movimento, desvelando-a e extraindo


o que há de essencial em sua transformação histórica.
100

2.5. Conclusões

Toda a análise de Marx e Engels sobre a sociedade capitalista se apoia


no materialismo dialético, como método de pensamento, e na concepção
materialista da história. O objetivo fundamental dessa análise é compreender a
origem, o desenvolvimento, as contradições e a crise da sociedade burguesa,
em síntese, as condições objetivas e subjetivas para a luta pelo socialismo,
como transição para uma sociedade sem classes, comunista.
O fundamental é que, ao contrário das ideologias burguesas de
justificação do capitalismo, Marx e Engels concluem que, tal como as demais
formações sociais e econômicas ao longo da história da humanidade, o
capitalismo é uma sociedade transitória, e que, portanto, é superável e
substituível por outra forma de sociabilidade. Os fundadores do marxismo
colocam abaixo toda e qualquer pretensão da classe dominante de transformar
a sua forma de dominação econômica, social e política como o fim da história,
como a última etapa no desenvolvimento da vida social.
Nesse sentido, Marx e Engels, ao criarem a concepção materialista da
história e desvelar todo o processo de produção de riqueza da sociedade
capitalista – fonte do lucro do capital - fundamentam de maneira científica o
processo de organização política da classe trabalhadora, e constituem uma
base segura de conhecimentos e um método de análise da realidade, que
forma o que chamamos de socialismo científico.
Por isso, sem a assimilação e desenvolvimento da teoria marxista, de
acordo com as condições da atualidade, não é possível travar uma luta
consequente contra a exploração do capital sobre o trabalho e, portanto, pela
revolução proletária. A tarefa colocada é unir dialeticamente a teoria
revolucionária com a prática política de classe com o objetivo de concretizar a
tarefa de superação da sociedade capitalista e reconstruir a sociedade sobre
bases socialistas.
101

2.6. Bibliografia

BRUSCHI, Valeria et. al. Mais Marx: material de apoio à leitura d´Capital. Livro
I. São Paulo: Boitempo, 2016.
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