Jandevaldo Felipe Dos Santos

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Jandevaldo Felipe dos Santos

OS ENCONTROS CULTURAIS ENTRE MISSIONÁRIOS E INDIGENAS: NAS


CARTAS DO PE. JOSÉ DE ANCHIETA

MESTRADO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO

São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Jandevaldo Felipe dos Santos

OS ENCONTROS ENTRE MISSIONÁRIOS E INDIGENAS: NAS CARTAS DO PE.


JOSÉ DE ANCHIETA

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
Ciência da Religião, sob a orientação do Prof.
Dr. Ênio José da Costa Brito.

São Paulo
2017
Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

______________________________________
Dedicatória
AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi construído com uma história de desafios, momentos


inspirados, criativos, lúdicos, momentos de muitos impasses e de sofrimentos,
limitações, cansaços, desgastes e fadigas se agregaram aos obstáculos, porém, o
desejo de conhecer de forma cuidadosa o início da história de nosso país, e a
inquietação como historiador, dava-me força e prazer para continuar. Desde as
manifestações e comemorações do período quinhentista, cresceu o desejo de
aprofundar nas pesquisas para maior conhecimento do período estudado,
consciente das limitações de meu trabalho, sei que falta muito e a estrada ainda é
longa para se caminhar.

Nessa caminhada que se iniciou com esse trabalho, tive incentivo de


amigos, colegas de sala, que em determinados momentos da pesquisa, foram
fundamentais para o andamento e maior entendimento, professores que me
encorajaram com seus ensinamentos e dedicação, porém, não posso descrever os
apoios, sem mencionar o Professor Ênio José da Costa Brito, orientador que sempre
presente apostou nesse trabalho, me incentivou desde o início do pré-projeto,
articulou, concordou, discordou, instruiu, deu sugestões, me ouviu e muito
contribuiu com sua experiência e paciência, a quem me tornei um devedor e registro
aqui minha gratidão consciente da dívida impagável. Ao Professor Fernando Torres
Londoño, por suas leituras atenciosas, sugestões e apoio.

Meus agradecimentos se estendem aos amigos que sempre estiveram


presentes, e que de alguma forma, contribuíram, não posso deixar de mencionar, o
amigo Claudio Santana Pimentel, que com suas leituras e ricas sugestões, muito
contribuiu para realização desta pesquisa, é considerável mencionar que suas
contribuições se fizeram presentes antes de minha entrada no Mestrado, não por
menos que os livros que estudei para meu ingresso eram pertencentes de sua
biblioteca particular.
E por fim, meus sinceros agradecimentos à CAPES e a FUNDASP
(Fundação São Paulo) e a oportunidade de ser bolsista, pois, sem sua contribuição
através da bolsa concedida, este trabalho não teria sido realizado.
RESUMO

A presente dissertação tem como objeto as zonas de contato e os encontros


culturais entre indígenas e missionários jesuítas na América Portuguesa no século
XVI. Para perceber suas tensões e conflitos, optamos por analisar conjunto de
cartas do Pe. José de Anchieta que se referem à atividade missionária em São
Vicente e Piratininga (1554 a 1570). Partindo de uma premissa interdisciplinar,
tendo como referenciais as colaborações da Antropologia e da História sobre o
tema, nosso recorte propõe identificar nas cartas dos missionários elementos que
permitam refletir sobre a maneira como os indígenas receberam e resistiram à nova
religião e cultura que lhes estava sendo imposta, assim como os desafios e as
possíveis contradições presentes na práxis do colonizador. Pretendemos, dessa
maneira, contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a introdução do
catolicismo no Brasil do século XVI, no âmbito da Ciência da Religião.

Palavras-chave: Cartas de Anchieta; Encontros Culturais; Missão; Zonas de


Contato.
ABSTRACT

This dissertation is focused on studies of contact zones and the cultural meetings
between native Brazilian people and Jesuits missionaries in Portuguese America,
dated by sixteenth century. For noticing the stress and conflicts, we choose analyses
some letters written by priest Jose de Anchietain reference to the missionary
activities in the cities of Sao Vicente and Piratininga (1554 1570). Based on an
interdisciplinary premise, in cooperation with Anthropology and History references
about the theme, the proposal of our analysis is identifying references in the
missionary letters which allow us to think how native Brazilian people were instructed
about religion and how they resisted to the new culture that they were being forced
to, as well as the challenges and possible contradictions shown in the Colonizer’s
praxis. We intend, this way, contribute to the knowledge expansion about the
introduction of the Catholicism in Brazil by sixteenth century, in the context of
Science of Religion.

Key-words: Priest Anchieta’s letters; Cultural Meetings; Mission; Contact Zones.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................10

CAPÍTULO I – JOSÉ DE ANCHIETA E SEU CONTEXTO.....................................17

1.1 A Companhia de Jesus e seu projeto missionário.......................................17


1.2 José de Anchieta: vida e obra......................................................................22
1.3 Considerações finais do capítulo.................................................................27

CAPÍTULO II – A COMUNICAÇÃO NA COMPANHIA: AS CARTAS DE


ANCHIETA.............................................................................................................29

2.1 Correspondências de Anchieta.........................................................................29


2.2. A função das cartas jesuíticas.........................................................................34
2.3 Considerações finais do capítulo......................................................................49

CAPÍTULO III – OS ENCONTROS CULTURAIS ENTRE MISSIONÁRIOS E


INDIGENAS...........................................................................................................51

3.1 Tensões e desafios na evangelização.............................................................52


3.2. As cartas de Anchieta: revelando sinais das influências jesuítas nas tradições
indígenas................................................................................................................65
3.3 Considerações finais do capítulo......................................................................68

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................71

ANEXO...................................................................................................................74
10

INTRODUÇÃO

Como estudante da área de história, ao ler alguns livros que comemoravam


os 500 anos do descobrimento do Brasil, me entusiasmei e emergiu um grande
interesse em conhecer de forma minuciosa esta terra, que, em vários documentos
é descrita como o campo a ser evangelizado. Como uma terra onde “o
descobrimento Conquista”, foi mais uma forma de dominação e opressão de um
mundo subordinado à cultura europeia. Ao mesmo tempo em que comemorava
seus quinhentos anos, também comemorava cinco séculos de evangelização como
afirma o historiador Evandro Faustino.

O tom dessa cantilena é mais ou menos o mesmo por toda parte: “O


descobrimento foi na verdade uma conquista, foi o início da opressão da Europa
sobre a América. O ensino religioso foi o instrumento dessa dominação. O objetivo
da Igreja Católica ao enviar os seus missionários para o Novo Mundo em geral e
para o Brasil em particular foi o de garantir, através do <<ópio do povo>>, a
submissão passiva do gentio ao conquistador (FAUSTINO, 2000, p. 4-5).

O contato com temas, como o da evangelização, escravidão indígena e


negra, marcados por contradições, despertaram meu interesse em buscar
explicações para entendimento historiográfico e antropológico sobre as mais
diversas articulações ideológicas, que contribuíram para formação da nação
brasileira.

Abordamos as cartas de Anchieta, nosso objeto de estudo. Recorrendo as


leituras antropológicas de textos de autores como Paula Monteiro, Cristina Pompa
e do historiador John Manuel Monteiro, que nos auxiliaram na compreensão dos
processos de mediação entre os jesuítas e índios, bandeirantes e Portugueses e
das tensões geradas por esses encontros culturais.
A obra Operários de uma Vinha Estéril foi de suma importância para
11

esclarecimento do projeto missionário em questão, pois nos informa das


reformulações do projeto, uma vez que os missionários perceberam a fragilidade e
ineficácia do mesmo para conversão dos indígenas. Esta obra contribuiu para
elaboração do terceiro capítulo da dissertação, pois possibilita o discutir, refletir
sobre uma possível interculturalidade.

Jesuítas e Selvagens, de AdoneAgnolin, nos mostra como os missionários


se reestruturaram na missão, tendo em vista dificuldades encontradas, em grande
parte pelos costumes tribais, que chocavam de frente com os ensinamentos e a
visão de mundo dos missionários.

Para melhor desenvolvimento da pesquisa outras obras foram


fundamentais. O Apetite da Antropologia, de AdoneAgnolin, que pontua questões
da inter-relação entre Antropologia e História, ponto que nos possibilitou uma melhor
compreensão do nosso objeto de estudo. Ampliou o nosso conhecimento da cultura
colonial sobre o processo de negociação, que ocorreu no contexto colonial,
produzindo uma história cultural própria. Ressaltamos a densa perspectiva
antropológica presente nesta obra de Agnolin, presença esta que favoreceu uma
leitura peculiar do período colonial, proposto para o estudo. Destaque, especial para
a questão referente a antropofagia, prática que assustou os europeus que aqui
desembarcaram.

A obra Espelho índio de Roberto Gambini, nos auxiliou no conhecimento da


visão indígena, relacionados com a natureza, com seus deuses e ainda com as
temáticas do batismo indígena, do conhecimento do outro, e da identidade
brasileira.

Eduardo Viveiros de Castro, em A inconstância da Alma Selvagem,


mostrou-nos, o que dificultava as relações entre os missionários e os indígenas,
especialmente, as, relacionadas com o processo de conversão.
12

Seu texto, rico e complexo, nos deu a oportunidade de ampliar e muito


nossa compreensão do comportamento indígena. Entendemos um pouco mais a
rejeição indígena para converter-se, não se trata apenas da rejeição a uma nova
religião, mas de uma rejeição lastreada numa base cultural-religiosa, na sua
cosmovisão.

Manuela Carneiro da Cunha enriqueceu de forma muito significativa as


obras já citadas, com seu trabalho História dos Índios no Brasil. A antropóloga ao
organizar este belíssimo trabalho, nos possibilitou, principalmente, nos capítulos
referentes à liberdade indígena, escravidão indígena, legislação, entender o
processo gradual de submissão a Coroa Portuguesa.

Um vasto conjunto de leis emanadas pela Coroa aponta para o controle e


submissão indígena, gradualmente, implantadosna colônia.

A obra Os vivos e os mortos, de Gloria Kok,contribuiu e muito para a análise


das dimensões simbólicas, presentes nos encontros entre índios e missionários.
Kokapresenta, pormenorizadamente, os hábitos culturais indígenas, como a
poligamia, a bebedeira, a nudez. Outra contribuição importante da autora é sua
análise do relacionamento dos indígenas com a morte. Ela deixa claro o contraste
com a visão dos missionários.

No conjunto, estas obras auxiliaram no entendimento acerca das


tensões/disputas ocorridas nas zonas de contato entre missionários e jesuítas.

Meu objeto de estudo são as cartas do Pe. José de Anchieta, mais


precisamente as que se referem a São Vicente e Piratininga. Por uma questão
didática, numeramos as cartas que totalizam doze, assim sempre que nos
referirmos às mesmas, utilizaremos a numeração. Nosso objetivo é realizar uma
leitura da presença jesuítica, na figura do Pe. José de Anchieta no Brasil Colônia.
A partir da carta, que foi escrita, em 1º de junho de 1560, iniciamos a abordagem.
13

As datações das cartas nos ajudaram a delimitar o período a ser abordado.


Centralizar esta pesquisa na pessoa do Pe. José de Anchieta, não se dá só devido
a sua importância para a igreja no Brasil, mas o fato de termos acesso a estas
cartas, nos proporcionou não só uma leitura contextualizada, mas, principalmente,
a percepção sua visão de mundo, de suas percepções missionárias e das tensões
vividas no contato com as culturas indígenas.

Nosso esforço, num primeiro momento, foi de visualizar a concepção de


missão, jesuítica, suas dificuldades para introduzir o evangelho no mundo indígena,
as reformulações no projeto missionário. Procuramos perceber, nas entrelinhas do
diálogo missionário, dados que evidenciassem a resistência por parte dos indígenas
e permitissem perceber sua visão de mundo e da nova religião. Tentamos desvelar
indícios do que ocorreu no encontro, nas zonas de contato coloniais e como os
jesuítas se viram obrigados a reformular o projeto missionário.

Esta pesquisa pretende responder algumas questões:

1. Qual a finalidade das cartas de Anchieta: evangelizar, dar suporte simbólico


a conquista, preservar a memória das ações jesuíticas?
2. Como o encontro entre missionários e indígenas afetou a cosmovisão de
ambos?
3. Como se pode perceber e explicar nas cartas de Anchieta (12) componentes
da cosmovisão cultural e religiosa indígena e sua recepção/reação ao projeto
missionário

Na pesquisa trabalhamos com a seguinte hipótese: as cartas do Pe. José de


Anchieta deixam transparecer a presença de uma dinâmica reveladora de tensões
tanto entre os missionários, como entre os índios no processo de evangelização no
espaço colonial.
Paula Montero, em Deus na Aldeia, nos apresenta os métodos utilizados
14

para abordar o problema da aculturação entre missionários e índios no Brasil. Relata


as abordagens, feitas de início pela escola Antropológica americana e seguida pelo
historiador Serge Gruzinski. Sua reflexão ajudou-nos a pontuar com mais clareza o
encontro intercultural e suas implicações e ainda a superar visões dicotômicas das
relações tecidas entre missionários e indígenas.

A autora mostra, ainda, a importância da utilização dos materiais históricos


e da observação antropológica, ou seja, a relação entre História e Antropologia para
entendimento da interpenetração das civilizações. Mas, não deixa de destacar os
riscos existentes, num primeiro momento no tratamento dado pela etnografia a
documentação histórica, e em seguida ao uso que se faz desta documentação.
Tendo presente este alerta, foi feita por nós uma leitura cuidadosa das fontes.
Entendemos, que a obra contribuiu em nossa pesquisa pelas abordagens e
métodos que propõe. O livro da Cristina Pompa, Religião como tradução, destaca o
campo religioso, como sendo o lugar privilegiado para análise antropológica, que
visa investigar a dinâmica e as mudanças culturais.

A obra de John Manuel Monteiro, Negros da terra, destaca os conflitos e


tensões geradas nos contatos entre missionários e índios, os desafios missionários
e resistências indígenas.

AdoneAgnolin, em seu trabalhoJesuítas e Selvagens, analisa o processo da


negociação da fé, descrevendo de modo cuidadoso a mentalidade que marca o
processo catequético, e os obstáculos. O texto de Agnolin amplia as informações
dadas por John Manuel Monteiro.

Ressaltamos, também, sua obra O Apetite da Antropologia, trabalhando as


culturas que constituíam dois mundos extremamente distintos, com o objetivo de
contribuir para um melhor entendimento do fato antropofágico, incompreendido pelo
mundo europeu.
Quanto à análise de conteúdo, a obra de Laurence Bardim, nos orientou na
15

análise do material coletado na pesquisa bibliográfica, apontando os métodos a


serem utilizados.

Nossos objetivos na pesquisa são examinar cuidadosamente as tensões


geradas no processo de evangelização. Mostrar a visão do Pe. José de Anchieta
expressa em sua correspondência. Explicitar as tensões geradas entre índios e
missionários no espaço de colonial e o processo de contato e suas consequências
por ocasião do encontro entre índios e missionários.

Nosso primeiro passo foi a seleção das cartas a serem analisadas, em


seguida, iniciamos uma série de leituras que nos auxiliaram na contextualização das
missões e do mundo indígena. Após estas leituras exploratórias, empreendemos
fichamentos relacionando com as temáticas a serem desenvolvidas nos capítulos.

Tendo em mãos este material/dados demos início a análise das cartas de


Anchieta. Contando com auxílio dos estudos históricos para edificar as
especificidades do projeto missionário jesuítico, suas potencialidades e suas
limitações.

Organizamos nossa dissertação em três capítulos.No primeiro, intitulado


José de Anchieta e seu contexto, apontamos, brevemente, o projeto missionário.
No segundo capítulo, A comunicação na Companhia: as cartas de Anchieta,
analisamos as cartas de José de Anchieta (12), para no terceiro capítulo
intituladoOs encontros culturais entre missionários e indígenas, centrar nossa
atenção nos encontros culturais ocorridos na colônia, tendo presente suas tensões.
16

Fonte: Júlio Moreno. Pe. José de Anchieta

CAPITULO I – JOSÉ DE ANCHIETA E SEU CONTEXTO


17

1.1 A Companhia de Jesus e seu projeto missionário

Nosso objetivo neste capitulo é de aproximarmos do contexto das missões,


explicitar o projeto missionário passando pelas cartas e trazer alguns dados
biográficos de Anchieta. Os missionários chegaram na Colônia com a ideia de que
os habitantes da terra eram “tabula rasa”, nela seria fácil escrever a mensagem
cristã.

O termo “tabula rasa”, “teve muitos equivalentes, a começar


por Caminha (1968)): “nos pareceu a todos que nenhuma
idolatria, nem adoração tem. Gandavo (1980: 142-143) fala
que os índios aceitam bem a doutrina por não terem “nenhuma
lei nem coisa entre si que adorem, sendo-lhe fácil tomar essa
nossa”. (MOREAU, 2003, p. 112)

No entanto, a realidade pensada era diferente da real. As dificuldades se


fizeram presentes muito rapidamente. A questão do índio é um dos temas mais
recorrentes nas correspondências jesuíticas. Mas a relação dos jesuítas com os
indígenas é muito complexa. Nesse contexto, encontrou-se o responsável por toda
essa resistência, o diabo. A iconografia do diabo ajuda-nos na compreensão da
visão cristã que norteou o processo de evangelização, ocorrido na Colônia
Brasileira.

Ao analisarmos os trabalhos missionários da Ordem jesuíta, percebemos


algo que lhe é peculiar, isto é, a forma de interpretar a alteridade não se diferencia
nos continentes, tanto no Brasil colonial quanto no Japão. Interpretação que
entendemos como inadequada. Esta consideração ajudou-nos na percepção do
“modus operandi” dos jesuítas nas missões. Com a análise de uma passagem de
uma das cartas de Anchieta damos início ao capítulo.
Este é o seu mal maior, donde lhe vêm todos os outros. De
18

fato, quando estão bêbados, renova-se a memória dos males


passados, e começando a vangloriar-se deles logo ardem no
desejo de matar inimigos e na fome da carne humana.
(ANCHIETA, 1984 [1560], p. 37).

No nosso entendimento, a bebedeira levava os povos indígenas a confirmar


e valorizar as suas antigas práticas culturais, isso quer dizer, a retomar suas
memorias e viver o que lhe foi ensinado através de seus antepassados, ou seja,
uma pratica cultural que legitimava sua pertença a tribo. Para Anchieta, que
desconhecia, o papel da bebida na economia simbólica daquele povo, essa pratica
era uma atitude nefasta e contrária a cultura religiosa cristã, e antes de mais nada,
um ato de selvageria. Assim, as práticas de evangelização jesuítica tentariam
extirpar este hábito tão arraigado entre os indígenas.

Para Anchieta, as práticas de embriagues poderiam despertar velhos


hábitos, entre eles, o da antropofagia, pois como explica AdoneAgnolin 1 , a
Antropofagia, fazia parte de uma cerimônia ritualística, que obedecia às regras
estabelecidas de cuidados com os prisioneiros até o dia determinado para tal
cerimônia. Na sua descrição percebe-se que, no ato da antropofagia, há uma
hierarquia, reveladora de um ato ritual importante para a tribo. Pois, como nos diz
Bosi, essas práticas culturais eram:

Verdadeiramente ricas de significado [...] retos que atavam a


mente do índio ao seu passado comunitário ao mesmo tempo
que garantiam a sua identidade no interior do grupo. (BOSI,
1992, p. 69)

A ordem estabelecida para alimentação era a seguinte: homens, mulheres


e jovens. A antropofagia era uma cerimônia cultural e religiosa. Dimensão, que não
foi percebida pelos missionários recém-chegados no Novo Mundo. No horizonte

1
Para melhor entendimento deste assunto, ver O Apetite da Antropofagia. Segundo capítulo: O Canibalismo,
p. 133-196.
19

cultural dos missionários tal prática devia ser extirpada, o mais cedo possível;
constituía um desafio e uma ameaça ao sucesso da implementação do catolicismo.
Na América Portuguesa, a prática da Antropofagia é combatida e condenada pelas
missões. Há, um espanto por parte dos missionários diante do hábito antropofágico.

A dificuldade de perceber experiências e manifestações religiosas das


outras culturas é notória entre os jesuítas. A forma de interpretação jesuítica se
repete em várias experiências missionárias. No processo de evangelização do
Japão, os jesuítas, também, não foram capazes de compreender o papel da
divindade MeikiraDaisho2da cultura japonesa. Eles veem na sua imagem de fúria,
uma manifestação exaltando o mal. Quando, na verdade, a representação furiosa
da divindade expressa justamente o combate ao mal.

Fonte: Luther Link, MeikiraDaisho.

Para Link,
O que interessa sobretudo é o fato de que os cabelos

2
Para um aprofundamento, ver Link, Luther. O diabo. A máscara sem rosto. Nesse contexto, Link acompanha
a iconografia do diabo durante treze séculos. As ilustrações presentes no texto são esclarecedoras.
20

flamejantes são uma indicação do mal na arte cristã, enquanto


na arte budista eles indicam a tremenda tensão gerada pela
ira contra o mal. Este exemplo é um lembrete de como a
aplicação de teorias junguianas ou universais nas tentativas
de interpretar a iconografia podem contribuir mais para
confundir do que para esclarecer. (LINK, 1998, p. 78)

Como afirma Luther Link, as interpretações dos jesuítas sobre a divindade


e suas manifestações são inadequadas, ou melhor, insuficientes para o
conhecimento das alteridades. Na nossa compreensão, a Ordem começou o projeto
missionário demostrando pouca sensibilidade com relação as culturas dos outros 3.
Ao longo da implantação do projeto, missionários, no contato direto com o mundo
indígena ocorrerá mudanças, pequenas, é verdade, no modo de olhar o outro.
Anchieta utiliza com frequência a iconografia do Diabo em suas pregações e no seu
teatro. Nas palavras de Bosi:

O missionário que se volta para o índio, prega-lhe em tupi e


compõe autos de volta (e, por vezes, circenses) com o fim de
convertê-lo é um difusor do salvacionismo ibérico para quem
a vida do selvagem estava emersa na barbárie e as suas
práticas se inspiravam diretamente nos demônios. (BOSI,
1992, p. 92)

Anchieta usa os mais diversos recursos para vitalizar a figura do diabo, uma
delas é a da onça. Numa das cartas, que escreveu descrevendo seu trabalho
evangelizador, em São Vicente, relata mortes indígenas causadas por onças.

O que acontece a muitos outros a quem as mesmas onças


arrebatam no primeiro sono e levam para comer... ...outra,
muito feroz tinha feito grande carnificina, matando e
devorando muitos; e quarenta homens armados... ... tentaram
matá-la. A fera sem medo de tanta gente armada, atirou-se a

3
Sobre a presença jesuítica no Extremo Oriente e a tensão provocada pelo desafio de (não) compreender as
culturas locais, sugerimos a leitura de AdoneAgnolin, História das Religiões, Cap. 6 Religião e Civitas no
Renascimento, especialmente pp. 272-283.
21

um, e agarrando-o com as unhas pela cabeça e peito o teria


matado. (ANCHIETA, 1984 [1560], p. 37)

Anchieta apresenta a imagem da onça, que ele procura associar com o


diabo possuindo uma força, que supera as forças indígenas, daí a necessidade
destes abraçarem a nova religião, isto é, se converterem.

A iconografia do Diabo ganha na Nova Terra, a cara de Onça, animal que


representava um perigo constante no mundo indígena, como já citado
anteriormente.A iconografia do Diabo, não tem uma identidade, por isso, é oportuno
para a Ordem neste contexto de evangelização no Brasil colonial, projetar na figura
da Onça, a personalidade do Diabo, que personifica o mal.

Para Ronald Raminelli:

O teatro de Anchieta acentua o teor das cartas jesuíticas,


desenvolvendo a concepção do índio como ser demoníaco, o
que não havia nas crônicas portuguesas até a metade do
século XVI. (RAMINELLI, apud Moureau, 2003, p. 46)

Jesuítas e cronistas, como já referimos no início, acreditavam serem os


índios “tabula rasa”, frente aos problemas e dificuldades na
catequese/evangelização passaram a ver uma ausência de religião e,
posteriormente uma vaga ideia de Deus. O não reconhecimento das crenças
indígenas também levou a identificar os traços de sua religiosidade como obra do
demônio.

Alfredo Bosi, no livro Dialética da Colonização, apresenta-nos uma hipótese


forte ao afirmar que:
22

[...] as mensagens fundadoras e originais do cristianismo,


como a igualdade de todos os homens e o mandamento do
amor universal tenham sofrido, no processo de catequese um
alto grau de “entropia”, que teria levado a “uma franca
regressão da consciência europeia quando absorvida
pelapráxis da conquista e da colonização. Como nas cruzadas
e nas guerras santas, a religião e a moral coletiva degradam-
se rápida e violentamente a pura ferramenta do poder (BOSI,
1992, p. 92-93).

1.2 - José de Anchieta: vida e obra

Para analisar a vida do Apostolo do Brasil, José de Anchieta, optamos por


acompanhar de perto o seu primeiro biografo QuirícioCaxa4, escolhido pela ordem
para prestar este serviço. Além do que, ser a biografia por ele escrita a primeira de
Anchieta em língua portuguesa.

O perfil da biografia é laudatório, visa enaltecer a figura de José de


Anchieta. Mesmo tendo este perfil, o texto traz informações preciosas sobre José
de Anchieta.

O texto de Caxa apresenta-se como movimento de divulgação


da figura do padre Anchieta e da província do Brasil e segue
a orientação comum dos textos de divulgação das ordens
religiosas e de suas províncias à época: a ênfase nas virtudes
cristãs e o objetivo da exemplaridade. O exemplo das ações
heroicas de Anchieta, do pleno exercício das virtudes cristãs
e de sua devoção completa à missão evangelizadora deveria
conquistar os religiosos da Companhia na Europa e atraí-los
para a província brasileira, então bastante carente de
missionários. Era a perspectiva espiritual básica do jesuíta
que era mobilizada: salvar o outro para salvar a si. O texto

4
QuiricioCaxa, nascido na Espanha, membro da Companhia de Jesus desde 1559, de notória sabedoria,
carregava as características de um grande intelectual, tinha grande influência nas decisões da Ordem,
professor e teólogo, veio ao Brasil em 1563, logo foi trabalhar com seu companheiro José de Anchieta, com o
qual dividiu trabalhos no Novo Mundo. Os escritos da Companhia o colocam como sucessor do Pe. Manuel
de Nobrega, como afirma o historiador Serafim Leite, autor da introdução da biografia de Anchieta. Logo após
a morte de Nobrega, assumiu as decisões complexas da Província.
23

também defende, em diversos momentos, as adaptações


feitas pelos missionários à catequese face às dificuldades
encontradas, e as justifica pelas vitórias alcançadas entre os
índios. A postura contrária de Anchieta ao cativeiro dos
indígenas pelos portugueses e sua repreensão pública aos
colonos não são deixados de lado por Caxa, o que indica a
importância da questão para a província brasileira. (FREITAS,
2011, p. 1)

Caxa constrói, com habilidade, uma imagem de Anchieta, em sua obra


Breve relação da vida e morte do Padre José de Anchieta. Com esta obra, ele quer
preservar a memória do grande missionário, enaltecendo a obra da Companhia de
Jesus.

Não pretendemos elaborar uma nova biografia do Pe. José de Anchieta, e


sim averiguar como foi construída sua imagem, tendo como ponto de partida a visão
do biógrafo escolhido pela Ordem para tal tarefa.

No século XVI, mais precisamente, em 1553, o território brasileiro recebeu


aquele, que viria a ser o Apóstolo do Brasil, e iria protagonizar conflitos religiosos
no Novo Mundo. Dando início, ao que nos leva a esta pesquisa, os conflitos gerados
nos, primeiros contatos entre as culturas religiosas jesuíticas e
indígenas,relembramos que Anchieta tem uma presença significativa nesse
contexto.

É nesse contexto, que José de Anchieta ganha espaço para ser


protagonista da relação Missionário-Índios. Nascido nas Ilhas Canarias, em 09 de
julho de 1597, cedo aprendeu latim, tal era o seu dote para línguas.Já no Brasil,
logo é encarregado por Nobrega de ensinar a gramatica, como nos relata Caxa.

Como em S. Vicente estava a maior parte dos nossos que


então havia no Brasil, e não tivessem nenhum gênero de
estudo por falta de mestre, o Pe. Nóbrega não nos deixava
24

estar ociosos: antes com o muito fervor que êle tinha e grande
zêlo da perfeição os trazia abrasados em fervor de devoção,
mortificados e todas as mais virtudes com vivo exemplo e
contínuas praticas espirituais... ...Chegando, pois, o Ir. José a
S. Vicente, logo o Pe. Nóbrega ordenou lêsse gramática aos
nossos e a muitos moços de fora, filhos de portugueses. O
qual ele fez por muitos anos em Piratininga. (ANCHIETA, 15??
[1984, p.?).

Ainda, em Coimbra, José de Anchieta mostra ser um estudante piedoso e


dedicado, fato que é reconhecido pelos jesuítas e que favoreceu seu ingresso na
Companhia, em 1551.De saúde frágil, teve de interromper os estudos de filosofia,
que realizava no Real Colégio das Artes e Humanidades.

Na esperança, que o clima da colônia fosse propicio a saúde do irmão José,


os superiores o enviaram para o Brasil. Os rumores da Nova Terra, já tinham
chegado em Portugal. A terra era fértil e os ares saudáveis. QuirícioCaxa, com
frequência valoriza as qualidades de José de Anchieta, além das qualidades
espirituais, já mencionadas, destaca suas habilidades para ensinar.

Entrando no navio lançou logo mão do fogão e cozinha, e


assim, da dispensa dos Nossos com que a todos veio
servindo, começando Nosso Senhor a lhe dar esperanças de
melhor disposição, que lhe havia de conceder, pois ele assi o
mostrava, que assi se havia de aproveitar dela, e emprega-la
em servir a Deus como sempre fez. (CAXA, 1965, p. 17)

Anchieta chegou na Bahia, em salvador aos 13 de julho de 1553, onde se


juntou aos seus companheiros de Ordem. Permaneceu ali por pouco tempo, sendo
enviado para São Vicente, onde foi recebido pelo vice provincial Padre Manuel da
Nobrega para ensinar, logo o responsabilizou como professor. Mesmo tendo
problemas de saúde, sua formação se deu na Ordem Jesuítica. O tempo de
formação deixou marcas profundas na vida de José de Anchieta.
25

Compartilhamos com o que diz Charlotte L’ Estoile:

A construção de uma figura de santidade é indissociável de


um processo literário, de uma escrita da vida do personagem.
Depois de sua morte, José de Anchieta se torna o tema de
diferentes Vidas, todas representando etapas importantes no
caminho da santidade... ... Daí em diante, na província do
Brasil, a escrita da missão pode ser a da santidade
missionária. A hagiografia, escrita totalmente ordenada pela
edificação, oferece a missão do Brasil o meio de se registrar.
Com a esperança de obter um santo, a missão do Brasil não
é mais “uma vinha estéril”, nem no plano espiritual nem no
plano literário. (CHARLOTTE-L’Estoile, 2006, p. 484.)

A construção da imagem heroica de José de Anchieta objetiva a


manutenção do poder estabelecido pela Ordem. QuiricioCaxa realiza com cuidado
a missão a ele dada pela Companhia, a de perpetuar a imagem do grande apostolo
do Brasil. O mesmo vale para os biógrafos Pero Rodrigues e SebastianoBeretarri.

A vida de santo está, antes de tudo, como diz Michel de


Certeau, “do lado da calma e do repouso”. Ela é lida nos
refeitórios, durante o tempo livre para que justamente esses
nomes não sejam “perdidos”, mas sirvam à edificação. As
vidas devem, portanto, ser fáceis e agradável de ler.
(CHARLOTTE L’ Estoile, 2006, p. 484)

Um ponto sugestivo a ser explicitado, o fato da biografia não toca em termos


da vida política ou em questões de cunho jurídico, está concentrada na dimensão
religiosa, Caxa os negligenciou. Isso nos possibilita entender que sua intenção era
de fato construir uma narrativa heroica. Tais relatos mostram sua intencionalidade
e parcialidade ao relatar só fatos voltados para a vida religiosa de Anchieta.

Outro fator importante é o convívio do biografo com Anchieta, os dois


compartilharam trabalhos em locais comuns.
26

O primeiro texto contando a vida do Pe. Anchieta é uma


simples biografia escrita em 1598 pelo Pe. QuirícioCaxa. O
texto aparece como um desenvolvimento do elogio fúnebre
que este pronunciara quando das exéquias solenes de
Anchieta, e das “conferências” que fez sobre sua vida
exemplar. QuirícioCaxa, então com 60 anos de idade, era um
jesuíta espanhol, chegado ao Brasil em 1563, onde tinha sido
professor de teologia e o cânone da província... ... e um velho
companheiro de Anchieta. Seu texto intitulado Breve Relação
da Vida e Morte do Pe. José de Anchieta, apresenta-se como
uma curta biografia; os 13 capítulos seguem um plano
cronológico, do nascimento à morte. O elogio de Caxa
desenvolve apenas a dimensão missionária do personagem e
não evoca o papel político. (CHARLOTTE L’Estoile, 2006, p.
486-487)

Fatores de comprometimentos com a Ordem, como os já citados, eo


envolvimento direto com Anchieta permite inferir que o biógrafo construiu
cuidadosamente uma imagem heroica do Pe. José de Anchieta.

Sem dúvida, a biografia de José de Anchieta, escrita por QuirícioCaxa, traz


informações significativas sobre sua vida e atuação, mas devem ser olhadas
criticamente. Ressaltamos, ainda, que a obra destaca em várias passagens, o
heroísmo e bravura de José de Anchieta de forma apologética, com intenção de
levar o leitor a vê-lo como o herói do processo de evangelização missionária no
Brasil colonial.Vale a pena ressaltar que o processo de evangelização apresentou
muitos problemas.

HelioViotti, na Introdução às Primeiras biografias de José de Anchieta,


afirma que QuiricioCaxa apresenta Anchieta como homem e não como santo.A
leitura atenta do texto, não nos habilita a concordar, pois, a intencionalidade do autor
da biografia está muito clara, apresentar um modelo de missionário.

1.3 Considerações finais do primeiro capítulo


27

Este capítulo apresentou brevemente o projeto missionário e a biografia de


José de Anchieta. O projeto missionário, ao passar por diversos momentos de
dificuldade, teve que se readaptar para alcançar seus ideais na evangelização
indígena. Em uma das alternativas, os jesuítas recorreram aos aldeamentos, como
alternativa de alcançar a salvação indígena.

Após se deparar com o povo indígena, que ao contrário do que os jesuítas


pensavam, tinham suas culturas, costumes e religião. Não sendo uma “tabula rasa”,
como pensavam os missionários. Os jesuítas se mostraram frente a nova cultura
indígena, incapazes de reconhecer o seu significado. Se mostraram insensíveis à
religiosidade dos povos nativos. Atitude que se repetiu em outras missões, mundo
afora.

Em resumo, após a análise do projeto missionário, entendemos que os


jesuítas foram incapazes de reconhecer na cultura indígena, seus significados e
valores religiosos e culturais, tendo um método inadequado para entendimento da
cosmovisão indígena.

Quanto à biografia do Pe. José de Anchieta, recorremos ao biografo


QuirícioCaxa, que nos forneceu os elementos necessário para abordagem de sua
vida. Ao longo de seu relato, nos mostrou uma biografia laudatória, uma escrita
tendenciosa, que visava atender aos anseios da Ordem, objetivando registrar e
enaltecer a vida e os sacrifícios realizados pelos missionários

Embora a biografia de José de Anchieta, escrita por QuirícioCaxa, tenha se


mostrado tendenciosa, após uma leitura cuidadosa e critica, nos
forneceuinformações preciosas sobre a vida e obra de seu companheiro de Ordem,
José de Anchieta.
28

Fonte: Júlio Moreno. Carta escrita a punho por José de Anchieta.

CAPITULO II – A COMUNICAÇÃO NA COMPANHIA: AS CARTAS DE

ANCHIETA
29

Este capítulo tem por finalidade, fazer uma investigação com o objetivo de
identificar e compreender os indícios, que possibilitem identificar na narrativa do Pe.
José de Anchieta fundamentos para construção de uma imagem heroica dos
missionários e também de uma terra atrativa para os futuros missionários
trabalharem o processo de evangelização.

Os jesuítas recorriam às cartas para informar sobre a missão e fazer


solicitações aos membros da Ordem que estavam na Europa. As cartas jesuíticas
do Brasil tinham como destinatários um superior da Companhia em Portugal ou
Roma.

2.1 Correspondência de Anchieta

Em 1551, ocorreu em Portugal a publicação de as cartas dos jesuítas do


Ocidente e do Brasil – 1549-1551, uma das partes era dedicada aos índios intitulada
Cópias de unas cartas embiadasdel Brasil, trazia depoimento de Nóbrega e de
outros jesuítas (RAMINELLI, 1994, p. 51).

Em geral, os estudiosos classificam as cartas em dois tipos, as de “negócio”


ou “Letras missivas” e as de “edificação”, estas últimas eram copiadas e distribuídas
pelas comunidades jesuíticas e entre os admiradores da Companhia, continham
notícias sobre os índios e sobre a terra (GAMBINI, 1998).

Após as análises das cartas do Pe. José de Anchieta, temos a tarefa de


verificar suas funções e características. Os escritos jesuíticos obedecendo, uma
ordem Inaciana, visavam relatar as ações evangelizadoras dos seus membros na
colônia, relatos marcados pelo zelo.

As cartas jesuíticas do Brasil tinham como destinatários um


superior da Ordem em Portugal ou Roma, informando sobre a
30

nova terra e as ações cotidianas dos missionários. Através


delas, o próprio Inácio de Loyola podia acompanhar e orientar
a expansão da Ordem. Algumas foram vertidas para o latim e
enviadas às missões de outras partes do mundo (Alemanha,
Índia, China) servindo de exemplo, estimulo ou mesmo como
prova de milagre (MOREAU, 2003, p. 52).

No entanto, olhar as cartas só sobre este prisma não daria conta da


complexidade das mesmas. Antes, se faz necessário ressaltar que tais cartas
visavam a implantação de um projeto missionário que tinha como referência o
poder.

Elas seriam recolhidas e enviadas à Europa constituindo


textos diferenciados, produzidos como parte de um projeto
missionário que estava sendo construído e para o qual o poder
sempre foi uma referência fundamental. E nessa construção
da missão, a escrita cumpriu um papel estratégico.
(LONDOÑO, 2002, p. 13).

José Einsenberg fez alusão tanto ao poder exercido pela Ordem, como a
importância da escrita, sendo detentora de pensamentos da Instituição. Como fonte
histórica é de extrema importância para o estudo do Brasil colonial.

Outros estudos mais recentes das missões jesuíticas fazem


contribuições significativas à sua compreensão, a maioria
convertida em uma preocupação antropológica com aspecto
simbólico-cultural da dominação dos jesuítas sobre os índios.
O que une todas essas interpretações das cartas jesuíticas é
o fato de serem usadas como um veículo para a compreensão
de inúmeros aspectos da história das atividades missionárias
dos irmãos e de sua interação com os nativos no novo mundo.
O valor das cartas jesuíticas enquanto fonte histórica é
incontestável, mas além de serem instrumentos para
desvendar narrativas do Brasil colonial, estas cartas são
também importantes eventos daquelas narrativas, expressões
de um conjunto de práticas discursivas formatadas por uma
instituição religiosa e por formas retóricas do início da era
31

moderna. ( EINSENBEG, 2000,p.47)

Para melhor entendimento, classificaremos as cartas por gênero e


seguiremos a ordem numérica. As doze (12) cartas analisadas são encontradas na
obra Minhas Cartas, por José de Anchieta, que teve seus textos extraídos do livro
Cartas, Correspondência Ativa e Passiva, do padre Hélio Viotti, S.J.

Mesmo que as cartas tratem de outras temáticas, direitos europeus,


entidades familiares etc. Faremos nossa abordagem visando a reflexão sobre os
que levaram a elaboração das cartas, que indicam as virtudes da nova terra,
detalhando a riqueza da fauna e da flora do país tropical. Um lugar a se desejar. Já
então apresentavam uma imagem heroica vitoriosa dos missionários, pelos desafios
enfrentados, não só no campo espiritual na evangelização indígena, mas também,
ao enfrentar as tradições tribais, a antropofagia, a bebedeira, seus relacionamentos
com os colonos, com os padres que aqui representavam o clero, porém, um clero
marginalizado e que dificultava o trabalho missionário, a ação da nova Ordem, (cf.
KARNAL, 1998, p. 70). Os missionários percorriam longa distancias para anunciar
o evangelho em uma terra sem os recursos devidos.

Até agora estive sempre em Piratininga, que é a primeira


aldeia de índios, que está pelo sertão dez léguas do mar,
como em outras vos escrevi, na qual sarei, porque a terra é
muito boa, e porem não tinha xarope nem purgas, nem os
mimos da enfermaria. Muitas vezes e quase o mais
continuado, era o nosso comer folhas de mostardas cozidas e
outros legumes da terra, e outros manjares que lá não podeis
imaginar. Junto com ensinar gramática em três classes
diferentes, de pela manhã até à noite. (6) E às vezes estando
dormindo, me iam despertar para me perguntarem, no qual
tudo parece que sarava. E assim é, porque, desde que fiz
conta que não era enfermo, logo comecei a ser são. E
podereis ver minha disposição pelas cartas que lá escrevo, as
quais parecia impossível eu poder escrever estando lá. E mais
quem toda a quaresma comia carne, como vós sabeis, agora
a jejua toda.
32

O mesmo vos digo do Irmão Gregório, (7) o qual ainda que


não é tão valente como eu, por ser de mais fraca compleição,
todavia ele não me quer dar vantagem e tem para se que é
tão bem disposto como eu. Ao menos sei-vos dizer que, para
um negócio de importância, em que foi necessário irem daqui
a Piratininga depressa, que é caminho mui áspero e creio que
o pior que há em muita parte do mundo, de atoleiros, subidas
e matos, o escolheram a ele como mias valente havendo
outros são em casa. (ANCHIETA, 1984 [1555], p. 17-18)

Esta carta de 20 de março de 1555, escrita por Anchieta aborda os fatos de


maneira edificante sobre a nova terra boa, de ar puro e quase milagrosa, onde se
cura sem a necessidade de tomar os xaropes europeus, nem quaisquer outros
cuidados medicinais. Atribui só às propriedades da terra, o restabelecimento da
saúde, por sua alimentação baseada na fartura dos legumes e manjares que
existiam, atributos dessa terra prometida. Fartura que nem chegava ao
conhecimento dos que estavam na outra margem do Atlântico. Ao mencionar o
Irmão Gregório, destaca outro atributo da terra, a disposição que em outros tempos
lhe faltava, agora encontrava-se em condições de desenvolver importantes tarefas,
mesmo que enfrentar a natureza física da terra, que era um dos grandes desafios:

Os jesuítas tinham apreço por cada carta recebida, o que se


nota na constante insistência por respostas. As poucas que
chegavam (muito menos do que as enviadas, fazendo com
que cada navio atracado causasse enorme ansiedade) davam
consolo à solidão da perigosa empreitada no desconhecido.
Elas eram lidas na hora da ceia, em voz alta, madrugada
adentro. (MORENO, 2003, p. 52).

A famosa carta, datada em 31 de maio de 1560, apresenta com clareza a


nova terra, tendo por intuito despertar a curiosidade de quem ainda não conhecia,
terra rica em fauna e flora além de sua beleza dispor de atributos sem igual.

Apanha-se infinita quantidade de peixes em certo tempo do


ano, que os índios chamam de pirâiquê, que quer dizer
“entrada dos peixes”... São apanhados sem trabalho algum,
33

às vezes mais de doze mil peixes grandes. E isto é comum


fazer-se em muitos lugares... ... Também há lagartos,
igualmente fluviais que chamam jacaré. (19) de tão grande
corpulência, que podem engolir um homem, cobertos de
duríssimas escamas e armados de agudíssimos dentes... ...
Há outros animais de gênero anfíbio, de nome capivara, isto
é, “que pastam ervas”, não muito diferente dos porcos, de cor
tirante a ruivo, dente como de lebre, exceto os molares, parte
dos quais se fixam nas mandíbulas, parte no meio do céu da
boca: (20) e carecem de caldo... ... Há muitas Lontras, (21)
que vivem nos rios. Das suas peles, de pelos muitos macios,
fazem-se cintos... ...O (cancro que lá é tão difícil de curar)
cura-se facilmente pelos índios. (23) Eles à doença, que é a
mesma que entre nós, chamam: (24) e curam-na assim: do
barro de que fazem vasilhas, aquecem ao fogo um pouco,
bem amassado, e, tão quente quanto a carne a possa
suportar, aplicam-no aos braços do cranco, que pouco a
pouco morrem; e repetem isto tantas vezes até que, mortas
as pernas e o corpo, o cancro desprende-se e cai por si. Há
pouco se provou isto por experiência com uma escrava dos
portugueses quando padecia desta doença. (ANCHIETA,
1984, [1560], p. 32-34).

Anchieta inicia a carta destacando a abundância de alimentos, que se


encontram no mar, e a facilidade com que são capturados, e ainda as diversas
espécies de animais marinhos, crustáceos, anfíbios, os animais terrestres, como
onça, e em fim uma terra rica em fauna e flora. Com que intenção Anchieta
escreve? Com a intenção de animar, de despertar o interesse pelas missões. Seu
propósito é convencer os jovens sacerdotes a partirem para o Brasil. Podem estar
tranquilos que aqui não se passa fome, tal a abundância de alimentos.

Quanto à cura do cranco, o missionário atribui poderes curativos a terra. Ela


liberta os seres humanos de qualquer doença. A Europa desconhecia tanta fartura
e beleza, realidade que não deixaria de chamar a atenção dos europeus. Quanto
aos missionários, é bom saber que na terra onde se necessita de ceifeiros para
anunciar o evangelho, há tanta virtude, beleza que pode se conciliar com a tarefa
evangelizadora. Espaço pronto para receber a Boa Nova. A messe é grande e os
34

operários são poucos.

2.2 A função das cartas jesuíticas

Estamos diante da tarefa de analisar as cartas, atento ao caminho que a


Ordem percorreu, visando criar uma imagem heroica dos missionários. Dinâmica
que vem entrelaçada com o ato de informar, deestabelecer vínculos entre súditos e
superiores, manter a doutrina, determinar as obrigações, e as decisões. Iremos
analisar nas cartas essa tendência de atribuir aos missionários uma virtude de
desbravador, herói e vitorioso.

Estando a descansar uma noite à beira dum rio em pequenas


cabanas alguns cristãos, numa delas debaixo da cama ou
antes debaixo da rede suspensa por duas cordas, dormia um
índio: eis que veio um tigre na calada da noite e por uma
perna, talvez um pouco de fora, o agarrou e levou, não
podendo a gente que aí se achava, arrancá-lo das suas unhas
e dentes; o que acontece a muitos outros a quem as mesmas
onças arrebatam no primeiro sono e levam para comer...
...Outra, muito feroz, tinha feito grande carnificina, matando e
devorando muitos; e quarenta homens armados de
arcabuzes, arcos e flechas, tentaram matá-la. A fera sem
medo de tanta gente armada, atirou-se a um, e agarrando-o
com as unhas pela cabeça e peito o teria matado, se uma
flecha dirigida pelo senhor, a não atingisse no coração e
derrubasse morta. Andando dois índios peto de Piratininga no
caminho onde por onde com frequência imos e voltamos, saiu-
lhes ao encontro uma onça. Um fugiu. O outro não só com
flechas, mas também com destreza do corço repeliu
valorosamente o ímpeto da ferra até trepar a uma árvore, mas
nem a árvore é fortaleza bastante segura contra estas feras
dotadas de grande agilidade. Ela ficou ao pé da árvore
procurando por onde subir e toda a noite (isto passava-se
quase a o pôr do sol) se mexeu e urrou até que subindo ou
derrubou o homem ou ele caiu cansado de tão longa aflição e
susto. Havia à roda um lugar alagado e lodoso onde ele
ao cair se afogou, não o podendo a fera tirar embora gastasse
35

nisso inutilmente o resto da noite; e por fim cansada, se deitou


no chão.( ANCHIETA, 1984 [1560], p. 37-38).

A carta descreve indiretamente, os perigos que rondavam os missionários


no exercício de sua missão, em seus descansos noturnos. Alojados em suas
cabanas, eram presas fáceis das feras, que habitavam a terra, cenário de seus
projetos missionários.

A carta acima mostra uma fera indomável e sempre disposta a atacar e


descreve a trajetória dos dois índios, sendo que um foge, mas lamentavelmente o
segundo morre, após lutar bravamente por sua vida, cansado acabou despencando
da árvore, seu refúgio contra o animal.

Ao destacar que este caminho era o mesmo frequentado pelos missionários,


em suas idas e vindas para exercer o trabalho, deixa claro os desafios enfrentados
por eles na missão.

Outros exemplos revelam a postura dos missionários. O caso do irmão


Gregório, citado na carta 2, solicitado para ir às presas a Piratininga, lugar distante,
cheios de atoleiros, áspero, com subidas e decidas, matas e geografia difícil. Os
missionários não só enfrentaram os problemas geográficos, físicos, mas também
estavam envolvidos com os problemas de saúde dos indígenas. Cuidavam não só
da alma, mas também do corpo, é o que nos relata a carta 2, na qual Anchieta nos
diz que sob ordem de Nobrega tratava dos doentes.

Neste tempo que estive em Piratininga, que foi mais de um


ano, servi de alveitar algum tempo, isto é, de médico daqueles
índios, e isto foi sucedendo ao irmão Gregório, o qual, por
mandado do P. Nóbrega, sangrou (8) alguns índios, sem
nunca o ter feito se não então, e viveram alguns de que se não
tinha esperança, porque outros muitos daquelas
enfermidades eram mortos. (ANCHIETA, 1984 [1555], 1555,
36

p. 18).

Ao anunciar os desafios enfrentados pelos missionários, as cartas de


Anchieta contribuem para a construção de um personagem heroico. Querem
também, despertar o entusiasmo pelas missões. Na colônia havia muito trabalho a
ser feito e os missionários eram poucos. Daí a exaltação da atividade heroica dos
missionários e das belezas da terra brasileira.

No entanto, as cartas, deixam transparecer, que não só obedecem às


funções burocráticas e eclesiásticas de hierarquia da Ordem, mas elucidam os
embates existenciais, as tensões e choques culturais. Acabam contribuindo
fortemente para a construção de um imaginário acerca da Companhia de Jesus e
dos próprios missionários.

Desde sua origem, a Companhia de Jesus estabeleceu forte relação com a


escrita, Inácio de Loyola seu fundador ordenou que em intervalos de cada quatro
meses os superiores escrevessem ao provincial e o mesmo escrevesse ao padre
Geral.

O vínculo entre súditos e superiores através da obediência


(número 659), o incentivo do "espírito de corpo", a
uniformidade de vida e doutrina e o combate às divisões
(números 663-665 e 671-672), a chamada "união dos ânimos"
e a comunicação permanente através de cartas (números 662
e 673-676), foram prescritos por Loyola como respostas ao
desafio da dispersão e da "diversidad que no dañe a launión"
(Loyola, 1963, pp. 561-563). Importava assim, neste
momento, estabelecer os canais e formas de comunicação da
Companhia, das corriqueiras às mais complexas, como a que
passava pela convocação da Congregação Geral.
Interessava, em particular, cuidar da circulação de
informações pessoalmente ou por "letras" (número 679).
No que diz respeito às "letras missivas", determinaram-se
obrigações em dois sentidos: entre súditos e superiores e
entre casas e províncias. No primeiro sentido, o padre geral e
37

os provinciais deveriam saber e "entender lasnuevas e


informaciones que de unas y otras partes vienen" (número
673). Para garantir que as cartas fossem realmente enviadas,
os superiores deveriam escrever para os provinciais cada
semana e estes responderiam e escreveriam também ao
padre geral a cada mês. (número 674). ( LONDOÑO, 2002, p.
12)

Estabelecendo assim uma rede de ligações que manteria informada toda


Ordem sobre o trabalho missionário. A orientação era que a correspondência
deveria ser escrita em dois idiomas, uma versão em latim e outra em língua vulgar.
Estes critérios faziam parte da organização determinado pelo próprio Loyola, as
cópias em latim se destinavam para leitura dos superiores, com o objetivo de
edificação dos membros da Companhia. Através destas informações, a Companhia
estabelecia suas ações nos quatro cantos do globo onde estava inserida.

Para isso, os superiores escreveriam ao provincial a cada quatro meses,


“una letra que contengasolamentelas cosas de edificación em lalegua vulgar de
laprovincia y outra em latíndelmismo tenor” (LONDOÑO, 2002, p. 14).

As cartas deveriam tratar de determinados assuntos de modo que


pudessem contribuir para tomada de decisão dos jesuítas. Algumas cartas deveriam
ser edificantes, outras, informar o estilo de vida, as atividades dos missionários,
suas conquistas e suas dificuldades. Outras ainda contariam os problemas de
saúde, pessoais e estas cartas não seriam objeto de leitura por parte dos membros
da Companhia e dos leigos, mas apenas dos superiores. Já as “cartas edificantes”
eram para serem lidas nas comunidades e também pelos leigos.

Sua importância justifica que a troca epistolar seja codificada


de maneira relativamente precisa, que procure não multiplicar
as prescrições contrariamente aos costumes da Companhia.
Em 1547, o secretário de Inácio, Polanco envia a toda a
Companhia uma instrução que desenvolve com minúcia “as
38

regras” da correspondência, especificando o tipo de cartas


que se deveria escrever, os temas que deveriam ser
abordados, o estilo a ser utilizado, a frequência de observação
no envio das cartas. Não há liberdade de escrita na
Companhia; a correspondência era muito representativa para
o bom funcionamento da ordem para ser deixada à livre
iniciativa dos padres dispersos. (L’ESTOILE, 2006, p. 72-73)

Inácio de Loyola, como primeiro superior geral, teve muito claro que havia
de produzir uma imagem da Companhia através das letras. Qualquer notícia deveria
primeiro edificar, e para conseguir a consolação nada melhor que mostrar os
avanços da gloria divina nas obras e ações apostólicas dos padres e irmãos. Sendo
este o objetivo, a missiva não poderia ser deixada ao acaso das impertinências
cotidianas do padre ou á intensidade de seus sentimentos espirituais. Escrevendo
para serem lidas por muitos outros, os padres deveriam ter a consciência de que
estavam produzindo um texto para, ser interpretado e lembrado.

Porém superiores, provinciais e o governo geral, precisavam de


informações e noticiais para tomar decisões relativas ao envio de padres, à abertura
de residências, nomeação de superiores, procura de auxilio de nobres e poderosos,
e em muitos casos, correção de desvios e abusos. Sobre isto era urgente escrever,
mas de forma separada, estabelecendo a diferença entre o produzido para mostrar
e edificar e as novidades do complexo cotidiano das casas, eivado de sentimentos
que deveriam permanecer reservados aos superiores e interessados. Diferença de
texto prescrito por quem fez da identificação de distinção de estados e meios um
dos elementos fundamentais do método dos exercícios espirituais.

Entre várias manifestações do santo concernente a esse


entendimento da multiplicidade de textos presentes na
correspondência, existe uma carta de dezembro de 1542,
escrita para o padre Pedro Fabro, que estava por ordem do
papa na Alemanha, na corte de Carlos V. o primeiro
companheiro de Inigo desde os tempos de Paris se queixava
de ter que escrever com frequência, deixando o santo
39

impaciente pela falta de compreensão da importância das


cartas para a companhia e de suas diversas formas, conteúdo
e sentidos. Santo Inácio escreve ao companheiro de forma
direta e repetitiva na ênfase de escrever a Roma a cada
quinze dias. (LONDOÑO, 2002, p. 18)

Em seguida, passaremos a examinar as cartas que veiculavam informações


destinadas aos superiores para que pudessem tomar decisões com conhecimento
de causa. As cartas contribuíam, também, para que jesuítas espalhados pelo globo
terrestre se mantivessem unidos. Também, não podemos deixar de ressaltar os
laços políticos presentes nas cartas. Pode-se perceber, então, a importância que a
escrita terá para Companhia.

No que se refere a dimensão política da Ordem, destacamos as cartas


sobre o sertão, que para Charlotte de L’Estoile,as cartas relacionadas são
confeccionadas em um ambiente favorável a defesa da aliança com o governo civil
colonial, e ao mesmo tempo favorecem a relação entre missão e política
obedecendo a hierarquia da Companhia.

As cartas sobre as missões do sertão se inscreve nesse clima


agitado em que os jesuítas procuram justificar sua estratégia
política simultaneamente diante da hierarquia jesuíta das
autoridades civis da colônia e da metrópole. Assim ela tem
vários destinatários; é, por tanto, uma carta pública.
(CHARLOTTE-L’Estoile, 2002, p. 443).

Como já mencionamos, o próprio Inácio de Loyola orientava a política da


comunicação através das cartas. Informação que é confirmada por Moreno:
40

Os superiores deveriam escrever ao principal e estes ao Pe.


Geral, a cada quatro meses uma carta com informações sobre
o trabalho missionário e escrita em língua local e outra, com o
mesmo teor, em latim. (MORENO, 1994, p. 4)

A importância da escrita se mostra a cada instante na Companhia, logo em


seu início, o fundador Inácio de Loyola determinou que as cartas fossem escritas
com certa periodicidade. Foi dele a ordem para que os superiores da Companhia
escrevessem as cartas a cada quatro meses, obedecendo a ordem dos superiores
eclesiásticos. Primeiro ao provincial e este ao Padre Geral. As cartas deveriam
conter os fatos edificantes, as atividades dos jesuítas, seu progresso, suas
dificuldades e tudo que fornecesse informações precisas aos superiores da
Companhia.

Percebemos que as regras estabelecidas para a confecção das cartas,


deixavam transparecer a estrutura hierárquica da Ordem. A carta quadrimestral,
datada de maio a setembro de 1554, considerada Certidão da Cidade de São Paulo,
por ser o documento mais antigo a relatar o que seria a Cidade, é um relato ao
superior por parte de Anchieta. Ele começa descrevendo os trabalhos missionários
realizados pelos padres e irmãos nos espaços ocupados pela Missão. Sua
localização nas províncias, as dificuldades encontradas com os índios, que segundo
Anchieta, tem uma forte personalidade, o que dificulta o trabalho missionário.
Informa sobre os escravos que era grande maioria na população da época, os filhos
gerados de suas relações com as nativas.
Ao menos sei-vos dizer que, para um negócio de importância,
em que foi necessário irem daqui a Piratininga depressa, que
é caminho mui áspero e creio que o pior que há em muita parte
do mundo, de atoleiros, subidas e matos, o escolheram a ele
como mais valente, havendo outros são em casa. E assim foi,
dormindo de noite com a camisa empapada em água e sem
fogo, entre matos. (ANCHIETA, 1984 [1554], p. 18)
41

A distância e as dificuldades geográficas para se chegar às aldeias é


destacada por Anchieta, como forma de valorização do trabalha missionário, que
enfrenta as longas distâncias sem recursos os desafios naturais do local e a
aspereza da terra e, o informa a decisão tomada pelos padres para se deslocar de
uma aldeia para outra. Em relação aos tratos com as crianças e os recursos
oferecidos em cada lugar e a cautelas com a missão são objetivos de consideração
do autor da carta.

Para sustento destes meninos, a farinha de pau era trazida do


interior, da distância de 30 milhas. Como era muito trabalhoso
e difícil por causa da grande aspereza do caminho, ao nosso
padre (20) pareceu melhor no Senhor mudarmo-nos para esta
povoação de índios, que se chama Piratininga. (ANCHIETA,
1984 [1554], p. 143).

Relata também o caso de Piratininga, onde lograram sucesso com 130


crianças levadas ao catecismo e também 36 ao batismo. Anchieta aponta otrabalho
missionário, realizado no ensinamento e as missas celebradas diariamente com a
frequência de ambos os sexos. Enfatiza que a presença feminina é maior.

Nestas aldeias, foram admitidos para o catecismo 130 e para


o batismo 36, de toda idade e de ambos os sexos. Ensina-se-
lhes todos os dias duas vezes a doutrina cristã, e aprendem
as orações em português e na língua própria deles. A
frequência e concurso das mulheres é maior. (ANCHIETA,
1984 [1554], p. 143-144).

Anchieta enfatiza também a importância da manutenção do trabalho com


os novos na fé, para que ao ausentarem-se para lugares distantes, não voltassema
praticar os velhos hábitos, sendo eles: anudez, a poligamia, a cauinagem, o
nomadismo, as guerras e a antropofagia que facilitava seu distanciamento da
fé.Vale lembrar que, como diz João Adolfo Hansen, no prefácio do livro de Felipe
42

Moreau:

[...] os textos de Nóbrega e Anchieta fazem um mapeamento


exaustivo descritivo das práticas indígenas, ao qual associam
prescrições tecnológicas-políticas que interpretam as imagens
com o sentido provindencialista da história que faz Portugal a
nação eleita por Deus para difundir a verdadeira fé. (HANSEN
in MOREAU, 2003, p. 19)

Anchieta, valorizando a sua religião destaca a morte5 de um indígena, que


por ter se entregado as práticas da bebedeira, devido a sua ida a povoação dos
portugueses, se viu arrependido e após confessar e ter recebido o batismo, veio a
falecer. Outro relato, ainda mais grave, se deu com relação a um índio que se
afastando das doutrinas, contraiu uma doença, e veio a falecer sem poder contar
com o apoio dos irmãos. Anchieta, também, relata o caso dos Carijós, que
pretendiam se afastar dos padres, não aceitando a nova religião, mostrando as
dificuldades no trabalho missionário.

Os deslocamentos indígenas são fortes empecilhos à


conversão. João Monteiro (1995) nos relembra que há dois
tipos de deslocamentos, os que ocorreram durante a
conquista e aqueles ocorridos antes dela. Desses últimos
muitos eram as causas: “ações bélicas, explosão
demográfica, diminuição da caça e, no caso dos tupis,
horticulturas, desgaste do solo, em consequências da
“caivara” (Técnica de queimada para limpar o terreno e adubá-
la com as cinzas, preparando a lavoura). (MOREAU, 2003, p.
172)

Ao relatar as lutas entre as tribos, Anchieta mostra ao Superior seu


conhecimento dos costumes indígenas, e principalmente seu trabalho, que envolve
o desafio de combater os rituais das tribos, e a constância na evangelização.

5
Para aprofundamento deste assunto, ver Gloria Kok, na obra: Os vivos e os mortos na América portuguesa:
da antropofagia à água do Batismo. p. 96-102.
43

Mostra, ainda,como a missão se encontrava naquele momento, a recusa dos índios


novos ao evangelho e a participação nas guerras tribais. Demostra o sucesso do
trabalho da Ordem, referindo-se especificamente ao trabalho realizado em
Piratininga.

Não podemos deixar de ressaltar que a intervenção nas guerras, estratégia


para receber apoio dos indígenas visando obter uma maior liberdade em seu
trabalho no interior das aldeias.

John Manuel Monteiro, já descrevia que no caso especifico de São Vicente,


os portugueses chegaram a firmar alianças com a tribo tupiniquim, visando
aumentar sua mão de obra indígena.

A antropologia considerou a antropofagia como um sistema


cultural, que garantia a continuidade das gerações. Daí as
guerras de reprodução do grupo. (MOREAU, 2003, p. 142)

A Europa do século XVI levou um tempo para condená-la. Para Moreau:

A repulsa que a antropofagia causou na Europa “pura e


civilizada” do século XVI não foi imediata. A oposição
irredutível se deu em torno da disputa a terra, pois quando os
índios viraram obstáculos à ocupação os colonos e a coroa
resolveram alertar as consciências cristãs para o grau de
barbárie daquela prática. Por porta-vozes oficiais e oficiosos,
a antropofagia foi considerada obstáculo à pregação da fé, isto
é, à colonização e expansão territorial portuguesa. (MOREAU,
2003, p. 142)

As consequências desta posição foram terríveis para as populações


nativas: a antropofagia confirma serem elas bárbaras e precisarem de serem
civilizadas.
44

O ritual antropofágico passava por um momento de fragilidade, pois os


índios que foram contagiados com a palavra do evangelho, ao retornarem das
guerras abandonavam seus costumes antropofágicos e davam aos vencidos um
enterro cristão, demostrando com esse ato que o evangelho moldava seus
corações.

Estes, com quem vivemos, têm muito antigas inimizades com


outros da mesma nação e por isso frequentemente há guerra
entre uns e outros para a qual se juntam muitos de diversas
partes; e até quando nós estávamos entre eles, partiram
contra os inimigos. Na véspera de entrarem em luta, os que
tinham vindo doutras partes, como é costume deles,
construíram uma pequena cabana (e) começaram a oferecer
sacrifício aos seus feiticeiros (a quém chama pajés) (32)
perguntando-lhes que lhe iria suceder no combate. Sendo
convidados para isso também os nossos catecúmenos e
outros entre os quais a palavra de Deus já fora semeada por
meio dos irmãos da Companhia, responderam que não
queriam prestar fé aquelas mentiras que traziam o seu Deus
nos próprios corações e que fiados no seu auxílio haviam de
ganhar maior vitória do que eles com os seus sacrifícios
imundos.Travando-se a batalha e aparecendo grande
multidão de inimigos, os nossos tomados de medo e terror
começaram a perder o ânimo. Vendo isto a mulher do principal
(33) desta aldeia, já batizada, a qual partira para a guerra
juntamente com o marido, como é costumes deles, exortou a
todos com espírito viril a que, perdendo o medo, fizessem o
sinal cruz na fronte. E deste modo só dois que deixaram de
fazer, foram feridos e um morreu. Os inimigos foram dispersos
e postos em fuga pelos restantes; e, sendo alguns tomados
pelos nossos catecúmenos, foram mortos e sepultados à
maneira dos cristãos. Antes costumavam-se comer com a
maior alegria e grande vozerias e cantos. (ANCHIETA, 1984
[1554], p.145)

É nosso interesse aprofundar a temática do encontro cultural a ser discutido


no próximo capítulo. Esses relatos de Anchieta dão aos superiores uma visão não
só dos acontecimentos burocráticos da Ordem no Brasil, mas, principalmente, do
45

trabalho missionário e seu desenvolvimento positivo.

No interior das aldeias existiam constantes conflitos, casos de maridos


entrando nas missas para retirarem suas esposas, como foram relatados por
Anchieta, mostrando que a relação não era só de momentos harmônicos.

Os missionários contavam com o auxílio do principal das aldeias, que,


intermediavam nos conflitos indígenas, principalmente, quando se referiam as
desavenças religiosas, onde os maridos se opunham a evangelização de suas
mulheres. Anchieta descreve que com o sucesso evangelizador, muitos índios se
dedicavam ao evangelho; no entanto existiam sempre os conflitos culturais,
ocorridos em função da prática da bebedeira, como também da prática da
antropofagia. Práticas ainda realizadaspor boa parte daqueles que se negavam a
aceitar o evangelho, anunciado pelos padres jesuítas.

No que se refere à bebedeira, é significativo ressaltar a fragilidade dos


índios ao se afastarem das comunidades cuidadas pela igreja, acabam por retornar
as antigas práticas:

Afastado de nós 9 milhas, e sendo convidado por um cristão


a beber, respondeu que determinara deixar os antigos
costumes e que isso lhe estava proibido por nós. Insistiu o
outro: não tenhas medo, que eles não virão a saber. Vencido
a final por longa importunação, consentiu deu-se à bebida.
(ANCHIETA, 1984 [1544], p. 144)

Gloria Kok ressalta que a prática da bebedeira era um perigo real e


constante para os missionários, pois não se tratava de um simples habito, era,
portanto, parte de um processo cultural que reafirmava os laços afetivos e sociais
dos índios, e que os deixava com os exaltados ao ponto de representar sérios
perigos físicos para os missionários.
46

A realização dasCauinagens punha em perigo a doutrina


cristã e, algumas vezes, a própria vida dos jesuítas. Em todas
as festas e cerimonias tribais, os índios dedicavam-se ao
consumo desenfreado de bebidas fermentadas extraídas de
diferentes plantas, sendo as mais comuns a mandioca doce
ou amarga, o milho e o caju, cuja preparação era confiada
exclusivamente às mulheres. Essas cauinagens, imbricadas
fortemente à vida social indígena, reforçavam os laços de
solidariedade e, em última instância, a coesão tribal. (KOK,
2001, p. 84)

Vários índios mostravam interesse pela nova fé, alguns casos são
destacados pelo missionário, que se mostra satisfeito e enfatiza para os superiores
o desenvolvimento do trabalho da evangelização. Ênfase dada ao caso de uma
criança indígena, que no calor da enfermidade pedia para ser levada a igreja,
mostrando de forma clara a influência e almejo pela nova religião cristã.

Todos esses cuidadosos e minuciosos relatos deixam claro como as cartas


trazem inúmeras informações, visando deixar muito bem informado os superiores,
confirmando a função de veículo intermediador entre as distâncias. Porém, não
podemos deixar de destacar que as cartas quadrimestrais são reveladoras dos
choques gerados entre as duas culturas. A carta toca em pontos fundamentais para
ilustrar nosso pensamento. Em primeiro lugar, o caso da criança e mais
precisamente abandono da antropofagia por parte de alguns índios, que ao vencer
a guerra davam ao seu rival um enterro cristão. Deixando caminho para uma
cuidadosa averiguação de possíveis sinais de um novo significado ao enterro no
ambiente indígena.

Ao chegar à Europa, a correspondência era preparada para poder realizar


sua função de edificar para a fé e estimular novas vocações missionárias. O cuidado
da Companhia com relação ao que as cartas circulavam era tanto que algumas
passavam pelas mãos de Loyola para garantir que de fato edificasse. O primeiro
Superior Geral se encarregou de modificar algumas delas. A carta principal tinha as
47

seguintes características (duas vias) que a configuravam com o perfil desejado por
Inácio de Loyola como descrito no trecho abaixo.

Desta forma, segundo o santo, escrevendo duas vezes ele se


persuadia que as letras fossem “más concertadas y más
distintas”. Produção do texto com a clareza de seu caráter
documental. Ainda para não deixar dúvida, mencionava como
refazia a cópia das cartas que recebia de diversas partes
antes de enviá-las a outros jesuítas, retirando “lo que es
edificación y ponerpostponerlasmismaspalabras, cortando e
quitando las impertinentes, por daros a todos placer em
señornuestro y edificación de los que lasoyeren de
nuevo”(Loyola, 1963,p.650). (LONDOÑO, 2002, p. 190)

As cartas principais obedeciam este padrão com o objetivo de levar as


informações aos quatro cantos do mundo. Francisco Xavier, também, escreveu
suas cartas com esta intenção. As distâncias não eram problema. O conteúdo das
cartas acabava sendo conhecido mundo afora. Na Europa, Ásia e nas colônias
portuguesas.

Partindo para tão longe, Francisco Xavier queria se manter a


par do que acontecia em Goa tanto no plano do temporal
como no avanço da glória de Deus. Queria saber “as novas”
e em que condições andava a missão. Queria saber, que não
era só curiosidade ou fervor missionário, mas também
interesse em estar informado para poder participar e intervir
com recomendações e comentários. Francisco Xavier se
fazia presente desde a Ásia com suas cartas e não demorou
para que muitos desejassem lê-las e conhece-las na Europa.
(LONDOÑO, 2002, p. 20).

Desta forma, os Superiores ao mesmo tempo que mantinham a


comunicação entre os membrosda Companhia, estabeleciam de forma precisa o
domínio sobre os mesmos, com conhecimento de causa e podiam intervir sobre o
48

projeto missionário. Isto fica claro nas descrições das cartas mensais, que
informavam sobre o proceder dos estudantes. Seus desempenhos e devoção ao
trabalho eclesiástico.

Esse laço com a escrita se mostra de extrema importância, pois mesmo


sendo peculiar a Inácio de Loyola, outros jesuítas também o cultivava como
Francisco Xavier. A missão jesuíta foi marcada pela escrita desde sua fundação,
característica que é mantida no decorrer da mesma, sua importância é reforçada
pelas distâncias entre o Gerais e os missionários, espalhados pelo mundo.
Distância, que os obrigou a criarem meios seguros de comunicação importante para
tomadas de decisões relacionadas com os projetos missionários.

Esta relação entre escrita e missão contribui para a comunicação e a


divulgação da missão. Em citações anteriores, descrevemos que algumas cartas
serviriam para divulgação do evangelho, para descrever as necessidades básicas
dos missionários, algumas adversidades menores, enquanto as espirituais e
também burocráticas referiam-se ao andamento do projeto missionário, como
também para alianças com os infiéis, e com as autoridades que faziam parte de
suas relações oportunas, entre elas, as alianças com o governo colonial, que
financiava a missão.

2.3 - Considerações finais do segundo capitulo.


49

Neste capitulo, buscamos explicitar a natureza, as características e as


funções das cartas e ainda apontar questões relevantes presentes nelas. Entender
a função da escrita é de extrema importância para a compreensão do
funcionamento da Companhia de Jesus. A relação existente desde sua fundação é
um traço peculiar à Ordem, que tem na escrita a base de comunicação entre os
membros, servindo não só como veículo de informação para que os Gerais tivessem
as informações necessárias para administração, como também marcavam os sinais
de pertença dos membros.
.
Os gêneros das cartas estabelecidos pela ordem indicavam seus
destinatários e funções, atendendo às necessidades da Ordem na sua pratica
missionária.

A escrita serve para a Ordem, como forma de registro e memória, ao mesmo


tempo em que registra os acontecimentos das missões nos continentes mais
distantes, serve como marco identitário dos membros. As cartas jesuíticas,
informam, registram, testificam os acontecimentos tanto de crescimento, como as
dificuldades do projeto missionário.

As cartas do Pe. José de Anchieta, além de serem uma fonte de


informações sobre a nova terra, suas riquezas naturais, biodiversidade registram as
relações entre missionário e índios, objeto de nosso estudo.

Em resumo, entendemos que a escrita é um sinal distintivo do traço


identitário da Companhia de Jesus. Traços este, que a distingue das demais ordens
presentes naquele momento no território brasileiro.
50

Fonte: Alfedro Bosi. Pe. José de Anchieta.


51

CAPÍTULO III - OS ENCONTROS CULTURAIS ENTRE MISSIONÁRIOS E

INDIOS

A exigência epistemológica e política de “redução” do Outro


ao Eu atribui aos índios uma crença, ou melhor, uma
possibilidade de fé (cuja “inconstância” constituirá o drama
institucional da missão e pessoal dos missionários no Brasil).
(POMPA, 2006, p. 120)

Nos capítulos anteriores, descrevemos o contexto europeu da Companhia


de Jesus, sua vocação missionária e, portanto, as condições que tornaram possível
a vinda de Anchieta para a América portuguesa. Tendo analisado as cartas para
apresentar suas características e funções, analisamos também a vida de José de
Anchieta, com o auxílio de seu primeiro biógrafo, QuirícioCaxa. Neste capítulo
queremos aprofundar os processos de contatos ocorridos entre missionários e
índios, também, o contexto eclesial e político no qual Anchieta desenvolveu sua
atividade. O que pede uma análise cuidadosa das cartas do Pe. José de Anchieta
para explicitar o que ocorreu nos espaços de encontros coloniais.

Processo no qual os jesuítas ao levarem a mensagem cristã acabaram por


desconstruir o mundo indígena e atribuir a estes um novo ressignificado.
Começaremos, pois, abordando as tensões e os desafios de que se fizeram
presentes no processo da evangelização.

3.1 Tensões e desafios na evangelização


52

Se a dominação permeia o conjunto da vida social, a


resistência está aí igualmente presente, não apenas de
forma organizada, mas também sob formas “surdas”,
“implícitas”.

Mariado Rosário

Optamos fazer nossa análise a partir da carta (5), escrita em São Vicente,
datada de 1º de junho de 1560, destinada ao Geral Pe. Diogo Laínes (1512-1565)
em Roma. Essa carta revela fatos importantes do trabalho missionário, das
dificuldades encontradas na conversão indígena, o que nos possibilita fazer uma
abordagem voltada para o desenvolvimento da evangelização jesuíta. Com seus
momentos de consolação e de desanimo frente as dificuldades. O que explica do
envio de cartas, para que pudessem ser orientados, segundo os critérios
estabelecidos pela hierarquia jesuítica. Adotamos o método de comentar as
citações por nós selecionadas, que facilita, tanto a leitura, quanto a reflexão
posterior.

Adoeceu um dos catecúmenos numa aldeia não longe de


Piratininga. Fomos lá para lhe da um remédio, principalmente
para sua alma. Dissemos-lhes que olhasse por sua alma, e
deixando os costumes passados, se preparasse para o
batismo. Respondeu ele que o deixássemos sarar primeiro, e
esta era a única resposta que nos dava a tudo o que lhe
dizíamos... ... Adoeceu outro noutro lugar, a quem como
muitas vezes admoestássemos a mesma coisa, deferiu-o ele
pensando que iria sarar, mas crescendo cada dia mais a
enfermidade visitei-o eu, indo a outra parte, quando já estava
in extremis. Comecei com palavras a agradá-lo e exortá-lo ao
batismo. Ele muito indignado , com a voz que lhe restava ,
gritava que não o molestasse, que estava são. Trabalhei
contudo por todas as vias (o que já alguns irmãos em vão
haviam tentado) de ganha-lo ao Senhor. E esforçando-me
nisto com muitas palavras, parecia que já dava
consentimento, ao qual disse: pois que assim, é batizar-te-ei
53

e alcançarás a eterna salvação. Ele não somente não


consentiu, mas antes, cobrindo o rosto me afastou de si, sem
responder mais palavra alguma. (ANCHIETA, 1984, [1560], p.
57)

Se tomarmos como base essa carta, percebemos que a enfermidade dos


indígenas, possibilitava a visita dos missionários, que consideravam este momento
propicio, para levá-los a conversão e batizá-los. No entanto esta carta confirma não
ser este momento tão propicio para tentar levar os indígenas a se converterem. Os
indígenas ofereciam resistência, que encontrava raízes nos costumes antigos. Entre
as manifestações de resistência podemos destacar a embriagues, a poligamia e a
nudez. Categoria que discutiremos mais adiante.

Há tão poucas coisas dignas de se escreverem, que não o que


escreva, porque se esperava V. Paternidade que haja muitos
dos brasis convertidos, enganar-se-á sua esperança. Por que
os adultos, os quais o mau costume de seus pais quase se
converteu a natureza, ceram os ouvidos para não ouvi a
palavra de salvação e converter-se ao verdadeiro culto de
Deus. (ANCHIETA, 1984 [1560], p. 56-57).

Gradualmente, as cartas confirmam, explicitam as dificuldades presentes na


missão, que visava converter os indígenas. Isso nos leva a apontar nosso primeiro
problema: olhar com cuidado para detectar o que ocorreu nesse encontro cultural,
que se deu numa zona de contato, nas palavras de Mary Pratt zona de contato são:
“Espaços de encontros coloniais, no qual as pessoas geográfica e historicamente
separadas entram em contato umas com as outras e estabelecem relações
contínuas, geralmente associadas a circunstâncias de coerção, desigualdade
radical e obstinada” (PRATT, 1999, p. 30).

Na época colonial esses encontros culturais eram frequentes, marcados


sempre por tensões que brotam de resistências claramente manifestada na carta
(5), “ ele não somente não consentiu, mas antes, cobrindo o rosto me afastou de si,
54

sem responder mais palavra alguma” a resistência à conversão era uma forma de
manter sua identidade ao seus costumes ancestrais. Costumes, que os ligava a
tribo. Na mesma carta, encontramos vestígios, que nos possibilita entender as,
dificuldades jesuítas para realizar, correções no projeto missionário e na vida
indígena. Ao fechar os ouvidos, evitando assim envolver-se com a religião, que lhe
era anunciada, o índio demostrava com sua atitude de rejeição a nova religião e um
vínculo forte a sua gente, a sua cultura. A não relação com a nova religião oferecida
pelos missionários, aflora de maneira muito significativa na carta. Desde o início da
mensagem cristã, para eles os indígenas eram inconstantes.

Como diz Eduardo Viveiro de Campos6, a inconstância indígena se dava pela


falta de interesse em ouvir os novos dogmas. A falta de sensibilidade a se envolve
com a nova religião, ia além dos conceitos religiosos, tal inconstância fazia parte do
caráter indígena.

Ainda na esteira do pensamento de Viveiros de Castro, a inconstância, ou


melhor, o rótulo inconstante, não ficou coarctado a questão religiosa, ou a coisas da
fé, mas passava a ser um:

Traço definidor do caráter ameríndio, consolidando-o como


um dos estereótipos do imaginário nacional: o índio mal
converso que à primeira oportunidade manda Deus, enxada e
roupas ao diabos retornando feliz à selva” ( 1992, p. 22).

As dificuldades missionárias referentes aos costumes indígenas são


relatadas em outras cartas, reforçando a dificuldade de se implantar o projeto
missionário levando a Ordem a repensar suas estratégias. Uma das estratégias

6
Eduardo Viveiros de Castro aprofunda essa discussão, na obra A Inconstância da Alma selvagem. Onde dedica
o terceiro capitulo a desenvolver a inconstância indígena (p. 181-264).
55

usadas foram os aldeamentos, que para Cristina Pompa7, não tinham o objetivo de
desarticular o espaço indígena, uma vez que índios influenciavam nas
características das aldeias. O que nos chama atenção é a proposta de manter os
índios dentro de um espaço controlado pelos padres jesuítas, ditando sua forma de
proceder, como vestir, se comportar. Eis aí, os sinais de que o plano eclesiástico
tridentino não estava conseguindo solucionar os problemas relacionais com os
índios. Destruindo a ideia de que na nova terra existia um povo sem pecado e sem
religião, uma tabula rasa.

O projeto da Companhia de Jesus para os índios se resume


nos aldeamentos: agrupamentos de populações indígenas
para sob o comando dos padres, serem catequisados,
protegidos de ataques (na prática, eram protetores) e,
teoricamente, de serem escravizados. (MOREAU, 2003, p.
204)

O aldeamento não é mais um espaço indígena, mas um espaço cristão,


escolhido pelos missionários. Espaço que acolhia indígenas de diversas etnias.
Para Monteiro:

Os aldeamentos preservaram algumas estruturas existentes


no mundo indígena, como a roça, a moradia a família e uma
certa estrutura política dos grupos indígenas. Mas se
constituíam num celeiro de mão-de-obras. (MONTEIRO,
1955, p. 44)

Outra fonte de preocupação dos missionários era os casos de fornicação,


que ocorriam não só entre os indígenas, mas também entre os cristãos e indígenas.
Caso relatado pelo próprio Anchieta.

7
Para maior aprofundamento deste assunto, ver POMPA, Cristina.Religião como Tradução. Mais precisamente
o segundo capítulo: A missão no Brasil. Onde a autora descreve o processo missionário Jesuíta. Cf. p. 57-80.
56

As mulheres andam nuas e não se sabem negar a ninguém,


antes elas mesmas acometem e importunam aos homes,
lançando-se com eles nas redes, porque tem por honra dormi
com os cristãos. E assim quererá Nosso Senhor que daqui a
oito nove anos, sendo eles o que devem e tendo as partes que
se requerem para a Companhia. (ANCHIETA, 1984 [1554], p.
13)

O habito da nudez dificulta o processo de evangelização e também a


manutenção do casamento dos que já tinham acolhido a mensagem cristã, uma vez
que segundo a descrição da carta acima, as próprias mulheres insinuavam-se
principalmente para os cristãos, desestruturando o trabalho missionário. Vale a
pena ressaltar que a prática da nudez não era uma prática comum no mundo
europeu.

Para os jesuítas, o corpo e seus sentidos eram vistos como a origem do


mal. Roberto Gambini, observa bem que as dificuldades não se concentram em só
coibir a nudez indígena, mas sim, trabalhar a questão da nudez corpo e, a
sensualidade que por sua vez desperta no homem interior seus velhos instintos
vistos pelos jesuítas cristãos como uma referência e convite ao mal. Para os
jesuítas, o corpo e seus sentidos eram vistos como a origem do mal.

O que Nóbrega diz revela o preconceito cristão contra o corpo


e a sensualidade: os instintos, manifestação por excelência do
arquétipo do homem natural, ele os associa sempre ao mal.
Tendo excluído esse aspecto de sua própria personalidade, o
missionário passa a vê-lo no Outro em termos exclusivamente
negativos. Sua psicologia consistirá, por tanto, em destruir nos
indígenas aquilo que destruiu em si mesmo. A bem da
verdade, trata-se aqui de uma problema que afeta a civilização
cristã como um todo. No caso em pauta, a crítica “hazen
quanto se les antojo” explicita exatamente o que é proibido a
um jesuíta, pois este deve apenas pôr em prática os desejos
divinos revelados pela interpretação dogmática (GAMBINI,
2000, p. 93-95)
57

Buscamos subsídios para o aprofundamento desta questão na obra da


historiadora Gloria Kok, Os Vivos e os mortos, que apresenta seis categorias
responsáveis pela resistência indígena a religião cristã proposta pelos jesuítas. São
elas: nudez, poligamia, cauinagens, nomadismo, guerras e antropofagia.

Nudez dos corpos, este costume fora observado já pelos europeus e se


transformou no primeiro problema para o trabalho missionário. Não podemos deixar
de considerar a importância do corpo para os indígenas, era no corpo que se
apresentava suas expressões de guerra, de luta, de poder guerreiro e vitorioso. Ou
seja, uma expressão cultural. Já os jesuítas viam no corpo o templo do Espírito
Santo. Entendemos, então, todo o embate acerca das vestes, cobrindo o corpo.
Inúmeros foram os conflitos, a nudez para os missionários era vista como
degeneração, algo contra a lei natural.

Preocupados, com esse costume indígena, os jesuítas através do Pe.


Manuel da Nóbrega manifestavam sua insatisfação e falta de habilidade para lidar
com os problemas, que tais costumes indígenas geram. Escreveu a Portugal que
tinha dificuldades para tratar com os gentios que desejavam o batismo, porém, lhes
procuravam nus para realização do ritual.

Maria Antonieta Antonacci 8, aborda a concepção ocidental que de certa


forma deu novo significado a questão do corpo. Se debruçando e desconsiderando
as tradições, vivenciais, memórias, valores e símbolos que constituía todo um
imaginário existente manifestando-se através dos corpos do novo mundo. A
concepção ocidental negligenciou os valores da memória americana. Trazendo
novos valores e conceitos para interpretação ao tratamento a se dar ao corpo

8
Para aprofundamento dessa questão ver Maria Antonieta Antonacci, Memória ancorada em corpos negros,
no capítulo 6, Decolonialidade de corpos e saberes. A autora tece considerações sobre a representação do
corpo e os saberes negligenciados por parte dos colonizadores. Cf. 333-372.
58

(ANTONACCI, 2016, p. 333-334).

Percebemos que na relação missionário/índio existia um conflito entre dois


mundos, pois os índios ao continuarem com suas práticas de nudez descumpriam
as orientações dadas pelos missionários, questionando no fundo o projeto
missionário.

Poligamia, este costume foi uma prática combatida pelos jesuítas com
relação aos indígenas e também com aos próprios cristãos. Esta prática foi motivo
de muita preocupação por parte os Jesuítas. Na prática missionária os jesuítas
procuravam realiza os casais indígenas na tentativa de firmar o matrimônio nos
moldes da concepção cristã. Era comum aos índios possuírem mais de uma
mulher.

A poligamia na nova terra não era uma prática que ocorria,


apenas, entre os indígenas, a poligamia firmava uma aliança
entre os portugueses e índios. (MONTEIRO, 1994: p.34).

Para Moreau, “o sistema matrimonial poligâmico faz parte da estrutura


social de diversos grupos, determinando laços de parentescos e tendo pouca ou
nenhuma relação com a sexualidade de seus praticantes” ( 2003, p. 104).

Para alguns autores no mundo indígena, há uma relação entre poligamia e


guerras tribais. Os principais guerreiros tomam para si várias mulheres. A questão
da poligamia é um assunto que retorna com certa frequência nas cartas de Anchieta.

O costume da nudez e a poligamia tornam-se problemas entrelaçados para


o trabalho missionário. Uma vez que as índias ao continuarem com a prática da
nudez, acabavam estimulando. Estes problemas geravam muito descontentamento
tanto para os missionários como para os novos cristãos que não aceitavam casar-
se com as índias que praticavam a poligamia. Nos cultos, a poligamia era
condenada com frequência, na esperança de coibir sua prática.
59

Nesse ensejo vale ressaltar a fala do chefe guarani Miguel Atiguayu


referente a poligamia indígena citado por John Manuel Monteiro.

Meus irmão e filhos, chegou a hora de acabar com todos os


males e calamidades que aqueles a quem chamamos de
padres nos trouxeram. Eles nos trancam numa casa e lá
gritam conosco; dizem-nos o contrário do que nos disseram e
ensinaram nossos ancestrais: estes tinham várias mulheres e
aqueles querem que nos contentemos apenas com uma.
Vamos! É preciso mudar tudo isso! (LEITE apud, MONTEIRO,
1994, p. 59)

Com o objetivo de firmar o projeto missionário, os jesuítas demostram


agilidade para adequar os ensinamentos cristãos, a alguns costumes e cultura
indígena. Ciente que o batismo e os ensinamentos cristãos não foram vitoriosos
diante das práticas e costumes no mundo indígenas, coube aos missionários
reavaliarem o processo evangelização, para conquistar a alma indígena.

Dando prosseguimento as considerações acerca das categorias indicadas


por Glória Kok, encontramos a embriaguez. Prática realizada, especialmente, nas
festas e cerimonias tribais. Práticas, que não só colocavam em cheque as doutrinas
Cristãs, como a vida dos próprios missionários. Nos dias de festas, bebem sem
parar por vários dias, galanteiam as mulheres, insultam uns aos outros, fugindo
completamente dos padrões ensinados pela nova religião, deixando o mundo
completamente adverso ao desejado para o trabalho missionário.

Ao apresentar Minhas Cartas, Júlio Moreno nos diz, que: a


bebedeira era o maior mal dos índios, pois os levava a
voltarem a todos os antigos hábitos, como por exemplo, o
desejo de comer a carne humana após as guerras contra os
inimigos. (MORENO, 1994, p. 7.)
60

Porém, esses rituais de festas e cerimonias tribais, não tinham a simples


função de deixar os homens embriagados e entregues aos próprios hábitos, eles
desempenhavam uma função social. Fortaleciam os laços de pertença ao grupo,
pois trazia de volta as lembranças de seus ancestrais. No auge de sua embriagues
os índios reafirmavam seus costumes de enfrentar os inimigos e suas práticas
antropofágicas.

Em todas as festas cerimônias tribais, os índios dedicavam-se


ao consumo desenfreado de bebidas fermentadas, extraídas
de diferentes plantas, sendo as mais comuns a mandioca
doce ou amarga, o milho e o caju, cuja preparação era
confiada exclusivamente às mulheres. Essa cauinagens,
imbricadas fortemente à vida social indígena, reforçavam os
laços de solidariedade e, em última instância, a coesão tribal.
(KOK, 2001, p. 84.)

O nomadismo deixava as estratégias jesuítas fragilizadas, uma vez que se


deslocavam para outra região, refaziam os vestígios de seus costumes, tradições e
dificultava o trabalho missionário. O nomadismo, como as outras categorias
descritas, anteriormente, também faziam parte dos costumes indígenas deixados
por seus antepassados. Fundamentados na cultura e nos seus costumes, os índios
dificultavam o projeto missionário. Não podemos deixar de ressaltar que as práticas
culturais tinham a função de legitimar, ou dar continuidade às tradições tribais.

Estas práticas expostas até então, oferecem os sinais necessários para


compreendermos a resistência indígena ao trabalho evangelizador dos
missionários. Pois, ao abandonar o local onde estavam, colocavam uma barreira
para a evangelização. Sem o contato, os missionários ficavam impossibilitados de
evangelizar e conduzir os gentios a nova religião.
Conforme as observações do Pe. José de Anchieta, às dificuldades
61

espirituais somavam-se as físicas, os padres tinham que percorrer grandes


distâncias em condições precárias para a realização da catequese. Às guerras
pode-se juntar outros costumes que tornavam difícil a vida dos missionários,
costumes que perpetuavam a memória dos antepassados como a vingança, que
colocava em cheque o projeto de evangelização.

Nos dias passados, indo contra os inimigos, venceram um


lugar e tornaram cativos a muitos, dos quais se dizia que um
iria ser morto numa povoação próxima de Piratininga, com
seus cantares, vinhos e festas, como é de costume sabendo
disso o P. Luís da Grã, foi lá para proibir. Rogou aos
moradores que não quisessem cometer aquela maldade
prometeram eles que não havia de deixar sujar sua aldeia, em
que havia tantos cristãos, com derramamento de sangue
inocente. Mas como depois houvesse fama, que se
aparelhava tudo o necessário para a matança, tornou lá uma
e outra vez, estando à aquela aldeia quatro milha de
Piratininga. (17) E embora os que já eram batizados
prometessem que não se faria, todavia seu senhor, que o
cativara infiel, que ali viera de outra parte, para ganhar aquela
misérrima e torpíssima honra, e induzido pelo conselho de
algumas velhas, determinou mata-lo e tomar seu nome por
insígnia honorífica”. (ANCHIETA, 1984 [1560], p. 65).

A antropofagia, entre os costumes indígenas, era o mais desprezado pelos


jesuítas. Essa pratica de comer carne humana desconstruía todo o trabalho de
convencimento dos missionários. A carta acima mostra um dos desafios
enfrentados pelos padres na tentativa de impedir tais práticas.

A rejeição ao batismo9 colocava enorme dificuldade para os missionários.

9
Para melhor entendimento deste assunto, ver AdoneAgnolin. O historiador trata do batismo na concepção
pós concilio de Trento. Com suas reorganizações doutrinais por motivos políticos que levaram a Europa a
reorganizações profundas e concretas. Também trabalha as dificuldades linguísticas dos jesuítas para
realização do batismo indígena. (Cf. Agnolin, Adone. Jesuítas e Selvagens: A negociação da fé. São Paulo.
Humanitas Editorial, 2007, pp. 168-172; 304).
62

Os índios entenderam que com a realização do ritual a prática antropofágica perdia


sua força e, trataram de impedir as práticas do batismo.

A relação entre valor nutritivo e valores simbólico é, portanto,


um mecanismo complexo que corresponde à complexidade
das hierarquias sociais e a reforça. Quanto mais o rito
alimentar assume esta configuração complexa, tanto mais
carrega-se de valores simbólicos dificilmente subordináveis
ao valor nutritivo. O condicionamento que recebemos deste
retículo oculta e condiciona nossas escolhas alimentares, a tal
ponto que os alimentos e as práticas alimentares, diferentes
das nossas preferências culturalmente dadas, podem
provocar um tal desgosto, de outra forma não compreensível.
(AGNOLIN, 2002, p. 135)

O historiador AdoneAgnolin, nos relembra que os valores implícitos na


antropofagia vão além dos costumes culturais alimentares indígenas, tal ideia de
alimentar-se dos corpos dos inimigos atinge um campo espiritual ritualístico, pois
trata-se de apropriar-se da força, das qualidades do outro. Ultrapassando os hábitos
e costumes alimentares, algumas passagens nos mostram que os índios sentiam-
se enjoados após alimentar-se dos corpos dos inimigos, mostrando assim que esta
prática ultrapassado seus gostos e, assumia um caráter simbólico muito maior.

Uma planície verde serve de cenário a um combate sangrento


onde valentes guerreiros lançam-se em uma batalha de vida
ou morte. O embate travasse em nome da vingança em nome
dos antepassados mortos na luta ou em rituais
antropofágicos. Os homens enfeitam suas cabeças e armas
com penas de aves tropicais e munem-se de maças, arcos e
flechas, partindo em busca de uma recompensa, de uma
conciliação com o passado, com os entes arrebatados nesses
campos paradisíacos. Depois do confronto, os vencedores
retornam a aldeia, trazendo os corpos, vivos ou mortos, de
seus inimigos. Os nativos, assim, iniciam um ritual destinado
a consumir a carne do oponente e atualizar um ciclo, há muito
difundido no litoral da América portuguesa. Na cerimônia a
memória da vingança perpetua-se, criando elos entre os
63

tempos pretérito e futuro, sendo a única instituição transmitida


para a posteridade. Apenas a obsessão da desforra
permanece como vínculo entre as gerações, pois os nomes e
as posições cerimoniais não resistem ao tempo. A vontade de
vingar cria identidades, marca as fronteiras entre inimigos e
amigos, entre presente e passado, tornando-se uma
promessa que se concretiza com a morte do “contrário”. Ao
vingador, privilégios são reservados; Aos guerreiros cabe a
condução dos destinos da tribo. O papel social do homem
entre os tupinambás está estreitamente vinculado ao
canibalismo e à vingança. (RAMINELLI, 1996, p. 84)

Ronaldo Raminelli, começa apresentando o ritual de guerra e o


antropofágico, relacionando-o a uma imagem verdejante, onde as práticas
assumem um caráter normativo entre os indígenas. O ritual simbólico de enfeitarem-
se com penas de aves silvestres (cabeças e armas), nos dá os primeiros sinais
religiosos e, partindo para busca desenfreada (guerreiam) para vivificar a relação
com o passado no intuito de vivificar e da força ao elo com os entes queridos.

As guerras não são só um ritual de força, pois carregam em si valores e


significados religiosos e culturais que assumem o caráter de ressignificar o elo entre
os entes queridos, vivificados pela antropofagia que assume o caráter de mediação
e, resgate entre passado e presente.

Na perspectiva de Ronald Raminelli, o canibalismo e antropofagia, também


assumem um caráter social entre os homens, deixando-os com uma função de
conduzir a tribo nos caminhos tanto de vida social como cultural.

Estas práticas culturais deixam claro as dificuldades do trabalho


missionário, muito embora os missionários se esforcem para superar as dificuldades
e realizarem seu trabalho evangelizador. Como no caso da embriagues, onde os
missionários se guardavam das violências possíveis e em alguns casos reais; daí a
tentativa de se controlar a bebida, pois os próprios missionários administravam a
quantidade que os índios deviam beber, através de uma licença cedida por eles
64

mesmos.

Após as análises das próximas cartas que compõem este capítulo,


pretendemos averiguar como os missionários ressignificaram as tradições culturais
indígenas.

Trata-se de compreender o modo como a ação missionária


estimula a ressignificação da “tradição” (indígena e não
indígena) para adaptá-lo aos novos contextos de
intercomunicação cultural. (MONTERO, 2006, p. 32)

Queremos averiguar a interpretação que os missionários deram a cultura


indígena, nosso propósito é mostrar o que ocorreu nesse choque cultural. Tendo
em vista os impactos das culturas missionários/indígenas e, reconhecer os
parâmetros que norteiam o processo que está em jogo.

Apresentado de maneira breve através de duas cartas abordadas na


pesquisa, temos a condição de debruçar no olhar proposto por Gasbarro, que
descreve o processo missionário como um processo de continua construção e
desconstrução cultural, desconstruindo o mundo religioso indígena e construindo o
novo mundo religioso proposto pelos missionários. Nosso desafio é entender como
os missionários de alguma forma estimulam uma ressignificação dos símbolos e
imaginário religioso indígena.

3.2 As cartas de Anchieta: revelando sinais das influências jesuítas nas tradições
indígenas.
65

Para esta abordagem referente às tensões e encontros ocorridos tanto no


âmbito das culturas dos missionários como no das tradições indígenas, recorremos
ao texto de Nicola Gasbarro. “Missão: A civilização cristã em ação”, que se mostra
importante para a análise em questão. Não ignorando as obras já estudadas e
referenciadas no decorrer da pesquisa. O texto proposto nos dá o respaldo para
iniciarmos a abordagem de forma a contribuírem com um melhor desenvolvimento
da nossa pesquisa. Recorreremos também a obras como as de John Manuel
Monteiro, Paula Montero, Cristina Pompa, AdoneAgnolin, Eduardo Viveiro de
Castro, Charlotte L’Estoile entre outros.

A HISTÓRIA DAS RELIGIÕES, como disciplina, não pode


ignorar a história das missões: ela permite rever criticamente
e repensar historicamente, numa perspectiva antropológica,
seja seu objeto intelectual – a religião e as religiões -, seja seu
método, que deve permanecer rigorosamente histórico e
necessariamente comparativo.
A História das Religiões, como a Antropologia, nasceu e
desenvolveu-se no interior da consciência europeia como
exigência de compreensão histórico-social da religião e das
religiões... ... Mas encontrou um “objeto intelectual”
historicamente já constituído e socialmente funcional,
culturalmente consolidado e simbolicamente eficaz,
comparativamente já explorado e universalmente
reconhecido. Daí decorre, por um lado, a ilusão etnocêntrica
de um “universal concreto” (as religiões), analisável
objetivamente no plano histórico-social, ou, por outro lado, sua
tradução subjetiva, típica da filosofia da consciência, em
termos de “sacralidade” transcendente e fenomenológica.
(GASBARRO in MONTERO, 2006, p. 67-68).

Como nos diz Gasbarro, a História das religiões já fora projetada com o
objetivo de responder a questões implícitas do pensamento europeu. É bem sabido
que o olhar para o novo mundo tinha uma roupagem própria. No processo de
evangelização a cultura religiosa jesuíta visa ditar regras, estabelecer critérios
normatizando a vida indígena e tentando manter as missões.
66

Paula Montero reflete sobre o processo de incorporação por


parte dos indígenas de categorias, valores religiosos cristãos.
Esta incorporação implica na negação de seus valores
ancestrais. Por outro lado, a visão de mundo dos missionários,
também, foi impactada (MONTERO, 2006, p. 33-34).

Nessa zona de contato resultante do encontro de duas culturas ocorreram


influencias mútuas. Não se pode esquecer, no entanto, serem as relações
assimétricas.

Para Paula Montero (2006), o eixo do trabalho missionário consistia em


elencar no novo contexto de diversas diferenças culturais, uma ordem classificatória
para o entendimento e conhecimento das culturas nativas ou mais precisamente
indígenas. É nesse contexto, que percorreremos os passos observados por
NicolaGasbarro, tentando resgatar o trabalho missionário no âmbito da
ressignificação religiosa de elementos culturais indígenas. As relações entre as
diversidades culturais e suas particularidades.

Na carta (5), datada de 1560, dirigida ao Geral Pe. Diogo Laínes,


encontramos vestígios da incorporação de valores cristãos pelos indígenas. Uma
vez que encontramos os próprios índios (neste caso uma índia) solicitando a
realização de cerimonias religiosas (batismo) que outrora seria contrário a seus
costumes e crenças:

Uma catecúmena, que havia dois anos que estava enferma


de febre, fez-se transportar a Piratininga por seus parentes,
para que curássemos. Aplicamos-lhe os remédios possíveis,
mas como quer que a febre estava já arraigada, demos mais
atenção à salvação de sua alma e a incitávamos ao desejo da
vida eterna, o que ela abraçando com todo o afeto do coração
desejava, e pediu muito o batismo... ... depois de uma grave
67

doença esteve quase meio dia fora de si, e tornando em si


mais tarde, como se despertada de algum sonho, mandou
logo uns rapazes que nos chamassem. Fomo lá sem demora,
sendo já o sol posto e achamo-la já in extremes, e dando-lhe
de comer, admoestamo-la a que se preparasse para o
batismo. Respondeu ela que estava preparada e que o
desejava muito. (ANCHIETA, 1984 [1560], p. 59)

Percebemos que o trabalho missionário demostra sinais de transformação na


mentalidade dos povos indígenas, considerando os relatos acima, podemos
constatar que a procura pelo batismo, deixa de lado as práticas ritualísticas culturais
indígenas.

Há de se considerar que entre os índios e missionários existiu uma enorme


barreira no que se refere ao batismo, como nos diz Gloria Kok, os próprios pajés se
encarregavam de alarmar que o batismo jesuíta trazia a morte indígena. (Kok,
2001)

É possível apontar alguma modificação na visão de mundo jesuítico, no


projeto de Missão. O contato e o conhecimento gradual dos missionários do mundo
indígena e da vivencia concreta na missão com suas dificuldades, levou a criação
da Aldeia.

Charlote de L’Étoile sintetiza bem o processo:

À fase da descoberta e das ilusões, sucederam-se


decepções: os índios do Brasil apresentavam-se como pouco
aptos à religião cristã. Diante dessa dificuldade, os padres da
província procuraram adaptar seus métodos de evangelização
e criaram a aldeia, agrupamento fundado pelas necessidades
68

de evangelização, na qual os índios são reunidos e isolados


das populações europeias. Essa experiência de fixação das
missões impôs-se aos atores locais (jesuítas e o governo) ao
mesmo tempo por razões políticas, religiosas e econômicas,
e constitui a marca original da experiência missionária
brasileira (2006, p. 89).

3.3 - Considerações finais do terceiro capitulo.

Ao longo do terceiro capitulo recorremos a entender através dos elementos


selecionados, a relação entre os missionários e índios, as tensões geradas no
69

espaço de encontro colonial. Como as cartas são objetos de nosso estudo e trazem
em si o universo estudado, recorremos a elas.Nelas pode-se perceber claramente
o imaginário cristão e principalmente o dos missionários além disso elas revelam
sinais de coerção na relação desenvolvida entre as culturas em questão no espaço
colonial.

As articulações da igreja para se sobrepor a cultura religiosa indígena, sua


estratégia de evangelização se realizam em parte, devido à resistência por parte do
mundo indígena. Conforme descrito no primeiro capítulo, os missionários fizeram
uma leitura tendenciosa e equivocada das práticas religiosa indígenas. Como os
casos estudados em capítulos anteriores, da Antropofagia e da bebedeira,
exemplos concreto dessa leitura cristã, incapaz de reconhecer a alteridade
indígena.

Na verdade, os missionários não chegaram a entender a cosmovisão


indígena, as poucas aberturas que tiveram com relação a ela, não chegaram a
captar a alma dos nativos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação no decorrer do trabalho teve como objetivo analisar através


das cartas do Pe. Jose de Anchieta, as zonas de contato e os encontros culturais
ente indígenas e missionários jesuítas no Brasil Colonial do século XVI. No decorrer
do trabalho conseguimos perceber as tensões e conflitos revelados nas cartas de
Anchieta.
70

Após a analise dos conjuntos de cartas do Pe. José de Anchieta, referentes


às atividades missionárias em São Vicente e Piratininga do inicio do século XVI,
amparado pela interdiscilinalidade entre Antropologia e História, conseguimos
identificar nas cartas os elementos necessário que nos deram a possibilidade de
refletir a maneira de como os indígenas receberam e resistiram à nova religião e
cultura que lhe foram impostas pelos missionários e também os obstáculos,
contradições por parte dos colonizadores em sem projeto missionário.

No primeiro capítulo, analisamos o projeto missionário passando pelas


cartas, que nos possibilitou identificar as dificuldades missionárias na tentativa de
interpretar o mundo religioso indígena. Deixando entender que seu projeto, sua
forma de interpretar as divindades de outros povos, neste caso indígena, era
ineficaz para entender a alteridade em indígena.

No capitulo seguinte, estudamos a comunicação de Anchieta, as cartas e


suas funções. As analises nos permitiu identificar que o objetivo das cartas se
baseavam em relatar de forma cuidados as ações evangelizadoras, estreitar os
laços entre os membros na tentativa de amenizar a distância, informar o Geral sobre
o andamento do projeto missionário, para que o mesmo pudesse tomar as decisões
com conhecimento de causa, alem da tentativa de implantar através do projeto o
poder.
E por final, no terceiro Capítulo identificamos que as cartas são reveladoras
de sinais da influência Jesuítica na tradição indígena, identificamos as tensões e os
desafios no processo de evangelização.

Quanto ainda que as dificuldades no decorrer foram presentes, cabendo


ressaltar que entre elas estão a dificuldade de conhecer as manifestações indígenas
referente a sua posição religiosa, considerando que nossa conhecimento se
baseava nos relatos missionários, que traziam em si suas intenções como as já
relatadas anteriormente.
71

O que entendemos ter por resultado, é o entendimento de que os


missionários através de seu projeto se mostrou incapaz de entender o mundo
religioso e cultural indígena. Porém, acreditamos que tal estudo posso se
aprofundar com o objetivo de contribuir, para a ampliação do conhecimento da
introdução do catolicismo no Brasil Colonial do inicio do século XVI.

E por fim, esta pesquisa lhes deixa com um pouco do que se desencadeou
na relação entre índios e missionário jesuítas na zona de contato no Brasil no inicio
do século XVI.

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ANEXOS
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