Louis Riboulet - História Da Pedagogia

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L.

R I B O U L E T
Diplomado em Estudos superiores de Filosofia e História da educação,
Professor no Instituto N. D. de Valbenoite, em Saint-Etienne

H I S T O R I A
D A

P E D A G O G I A

Traduzida da segunda edição por Justino Mendes

Prefácio de André Baudrillart


Agregado da Universidade

Obra premiada pela Academia francesa

LIVRARIA FRANCISCO ALVES


EDITORA PAULO DE AZEVEDO LTDA. ,
Rio de Janeiro ( São Paulo I Belo Horizonte
Eu a do Ouvidor, 166 E. Libero Badaró, 292 I E. Rio de Janeiro^ 655
,i*# >
Toaos os direitos reservados
N IH IL OBSTAT.
Scti Pauli, 14 aprilis 1951

Pe. M atheus M . Garcez


censor ad hoc.

IM P R IM A -S E
t Paulo
Bispo A u x ilia r
São Paulo, 16 de A b ril de 1951.
L. R I B O U L E T
D iplomado em Estudos superiores de Filosofia e História da educação,
Professor no Instituto N. D. de Valbenoite, em Saint-Etienne

H I S T O R I A

D A

P E D A G O G I A

Traduzida da segunda edição por Justino Mendes

Prefácio de André Baudrillart


A gregado da Universidade

,O bra prem iada pela A ca d em ia fra n cesa

L IV R A R IA F R A N C ISC O A L V E S
E D IT Ô B A P A U L O DE A Z E V E D O L T D A .
R io d e Janeiro I S ã o P a u lo I B e lo H orizon te
Eua do Ouvidor, 166 | E. Libero Badaró, 292 | E. Bio de Janeiro, 655

Todos os direitos reservados


P R E F Á C I O

O livro que se vai ler é, antes de tuáo, uma história da


pedagogia, nom e um tanto singular de uma ciência e de
um a arte. Ciência, pois que supõe, pelo menos, o conheci­
m ento da psicologia e até duma parte da fisiologia; arte,
pela adaptação, flexibilidade, habilidade e até dons natu­
rais que ela exige. Os principais sistemas, e êles são le­
gião, que se têm aberto caminho quase desde as origens
históricas são, portanto, aqui analisados e apreciados su­
cessivam ente, e expostas e julgadas as suas aplicações.
Mas é tam bém um livro de princípios, e o autor não
hesitou em sustentar os seus com uma generosa firm eza,
em afirm á-los co m uma lealdade à qual os m esm os adver­
sários do seu pensam ento prestarão certam ente hom ena­
gem. É que a pedagogia não é uma ciência abstrata. Ela
age sôbre a m atéria viva e sôbre o que há de mais essencial
e de mais precioso na natureza humana, a alma, cuja fo r­
mação ela assegura. C redes em D eus? Na alma im ortal?
Adm itis a R evelação, e que Jesus Cristo veio ao mundo
para a salvação dos hom ens? É claro que, conform e as
respostas afirmativas ou negativas que derdes a estas ques­
tões, o fim suprem o da educação, todo o seu fundo, será
modificado. No prim eiro caso, pois que a vida atual não
é senão uma preparação, uma provação da qual depende a
sorte do hom em na vida eterna, o prim eiro cuidado do edu-
caãor será assentar sôbre bases sólidas as relações ão ho­
m em com o que é Divino, ãar à vida moral a preferência'
sôbre a vida intelectual, fazer ãesta a serva e o apoio ãa
viãa espiritual. Não se proceãerá ão m esm o m oão se se
crer que a criança faz a sua entraãa no mundo com a tara
ão pecado original; ou se, com Rousseau, se julga que a
natureza a faz nascer boa. D esconfiar-se-á da ingerência
ão Estaão, que poã e ser imparcial ou até favorável à fo r­
mação religiosa ãa infância, mas tam bém poãe ser inteira­
m en te o contrário, ãiverso, segunão os tem pos e lugares;
em toão caso, su jeito a tem íveis variações. Se form os ao
fundo das coisas, verificarem os que as mais essenciais di­
vergências que apresentam os sistemas ãe eãucação p roce­
dem ãesta concepção primária, e não som ente ãos antago­
nismos decisivos, mas até ãos m atizes que distinguem as
famílias religiosas e as escolas filosóficas. É preciso, por­
tanto, tom ar um partido.
O autor adere claram ente aos princípios católicos. M e­
rece elogios, entretanto, por ter sabido conservar-se juiz
imparcial e por não ter hesitado em ãar a sua plena apro­
vação ao que êle encontrou de sábio e de útil nos escritos
ãos racionalistas, dos protestantes e até dos inimigos decla­
rados das verãaães ãe que êle se m ostra decidido campeão.
Plenam ente de acôrdo com êle, quanto aos princípios,
eu faria talvez algumas reservas na aplicação. Há dema-
siaãas contingências que é preciso levar em conta. In fe­
lizm ente é um fato que, nas socieãaães m oãernas, a uniãade
ãe pensam ento de que gozou quase unânim em ente a Iãade-
Méãia, por exem plo, foi rompida. A divisão das opiniões,
a oposição das crenças criam uma situação extraordinària-
m en te ãifícil. P or outra parte, as naçoes m uito mais nu­
m erosas, m uito mais ativas que outrora, tornaram -se form i­
dáveis máquinas cuja rodagem tôda é solidária, cujos órgãos
d evem ser regulados, vigiados, mantidos, assegurados no
seu funcionam ento, sob pena das mais perigosas perturba­
ções. Nestas condições, e sobretudo na nossa velha Europa,
e particularm ente en tre os povos latinos, parece difícil n e­
gar que a instrução pública seja um dos prim eiros deveres
do Estado. Para os estudos superiores, a questão não pare­
ce duvidosa. Só o Estado os pode assegurar.
Entre nós, no nosso tem po, levando em conta a nossa
econom ia e os nossos costum es, os progressos ãa ciência e
a sua difusão não poderiam ser en tregu es ao risco ãa ini­
ciativa privaãa. Só o Estaáo poãe áistribuir êste ensino,
kegunão as prec.isões, por tôãas as partes do território; só
êle é bastante rico para o subvencionar. A experiência o
ãemonstra. Os m esm os m otivos, na nossa opinião e em
graus ãiversos, valem para o ensino secundário e para o
ensino primário. Entretanto, deveria haver, por um lado,
largueza ãe espírito n este ensino oficial que d eve respeitar
tôda form a respeitá vel e séria ão pensam ento e, por con­
seguinte, recon h ecer os ãireitos ão pensam ento religioso;
e, por outro laão, a mais larga benevolência conceãida ao
ensino livre em todos os seus graus. Esta largueza ãe es­
pírito não tem sofrido, creio eu, m uitos ataques nas ãuas
prim eiras ordens ãe ensino. As universiãaães ão Estaáo
têm contado e contam ainãa em inentes representantes ãa
ãoutrina católica e sabe-se que vários, en tre os mais em i­
nentes ãefen sores ãa Igreja e ãa liberãaãe ão ensino, têm
recebido a form ação universitária. É que aqui o bocaão era
ãuro ãem ais para ser arrebataão pelos políticos. O inãivi-
ãualismo é irreãu tível na Universidade. Esta ãisposição
não é sem in convenientes, eu o reconheço. É certo que o
ensino ganharia em coesão se o entenãim ento fôsse mais
estreito en tre os professores ãuma m esm a classe. Evitar-
se-ia especialm ente a sobrecarga e se obteria, pelo menos,
uma m elhor ãivisão ão trabalho fora ãa classe. As tentativas
feitas neste sentião até hoje não têm sião infelizm ente nem
seguidas nem perseverantes, bem que fôssem conform es às
Instruções. A culpa é da pouca boa-vontaáe dos professôres
a êste respeito e da falta ãe firm eza dos ch efes ãe estabele­
cim entos. P or que o ãevotam ento tão real ãos professôres
ãa Universiãade, o seu sentim ento geralm ente tão escrupu­
loso do d ever profissional é incapaz ãe lhes im por êste leve
sacrifício? Seja com o fôr, o indiviãuálismo tem pelo m enos
esta vantagem ãe ter até o presen te salvaguardado a inde­
pendência do pensam ento.
A lém ãisso, habituaãos ao m anejo e à luta ãas iãéias,
a maior parte dos professôres sabem guardar o respeito às
oniniões alheias e têm bastante tato vara não ofen d er n e­
nhuma delas. Quanto ao _ensino primário, ninguém ignora
com o está. e o m otivo não honra os dirigentes sectários: é
que êles têm que lidar com uma clientela sem defesa e com
um pessoal mal prevarado para a crítica ãas iãéias que lhes
im põe uma form ação autoritária e dogmática. Aqui, mais
que em qualquer outra parte, é vela liberdade que tem os
ou e lutar, e vão haverá nem liberdade cnm vleta nem v er­
dadeira igualdade enauanto o pai de família, que ao ensino
oficial p refere o ensino livre, tiver que vagar ãuas v êzes;
uma vez. com o contribuinte para a escola oficial e, outra,
para sustentar a escola livre.
Estamos absolutam ente ãe acôrdo com o autor dêste
livro: esta ã ev e receb er a sua parte proporcional ãos ãinhei-
ros públicos.
A s questões peãagógicas estão mais que nunca na or-
ãem ão dia. A ãa escola única que surgiu bem recen te­
m ente é uma ãas mais graves. Tanto haveria que ãizer
que vão a voãeríam os tratar aqui com o ãesenvolvim ento
que ela com vorta. C ertam ente, e todos estão ãe acôrão
sôbre êste ponto, é para ãesejar que os alunos ão futuro
tenham a maior segurança ãe passar, se seus pais o ãeseja-
rem , ão ensino primário para o secunãário e depois para. o
superior. Mas faltar-lhes-ão os m eios no estado atual?
Seriam mais eficazes se a concessão ãas bôlsas escapasse ao
favoritism o. As garantias atuais são insuficientes e as nos­
sas classes contam bolseiros vindos do ensino primário, in­
capazes ou indignos, que ocupam um lugar que deveria p er­
ten cer a outros mais m erecedores. Os favorecidos com bôl-
sa, é certo, podem ser riscados a juízo das assembléias de
professores, mas com preende-se fàcilm en te que estas não
recorrem a uma medida tão grave e tão com prom etedora
para aquêle-a quem se aplica, senão na última extrem idade.
E ainda a últim a palavra perten ce à administração central
na qual as influências ex terio res concentram o seu esfôrço.
P or mais amplo, por mais liberal que se suponha o re­
gim e da escola única, o qual está m uito sujeito a se tornar
trote e tirania, seria porventura prudente e dem ocrático
privar a agricultura e o operariado da flor das inteligências,
na escola primária? P or alguns êxitos, quantas desclassi­
ficações! Quantas candidaturas ao pequ en o funcionalismo,
quantas fôrças perdidas por alguma pouca vantagem ! Que
exército de mal sucedidos e ãe descon ten tes se prepararia!
Sem falar nos ciúm es e discussões de famílias, produzidos
pela desigualdade ãe tratam ento dos seus m em bros. En­
tão a sorte de todos os joven s franceses, qualquer que seja
a sua origem , se deciãirá pela idade dos áoze ou treze anos.
E será nessa iâaãe que se poãe seguram ente julgar ão fu ­
turo dum m enino? Um desen volvim en to tardio está longe
de prenunciar uma irrem ediável incapacidade. Entram na
P olitécnica alguns que aos quatorze anos não com preen ­
diam nada de m atem ática; e quantas vêzes tem os visto alu­
nos, um pouco lentos ou retardaãos por sua saúáe, rem on­
tarem o v ôo na terceira ou na segunda classe, ao passo que
m eninos precoces, depois de com eços admiráveis, encontra­
vam um lim ite nessas mesmas classes e até um pouco antes.
Êsse últim o caso será in evitàvelm en te o de m uitos m eninos
p recoces vindos das escolas primárias. É que as qualida­
des necessárias para ter bom êxito ou para distinguir-se
nas classes elem entares não são de todo as mesmas que para
jazer bom curso de humanidades ou estudos científicos le­
vados um pouco mais longe. P or que dar o m esm o ensino
a m eninos que tudo esperam da escola e àqueles cuja vida
de família os im pregna cada dia duma form ação moral e
intelectual bem mais íntima que a da escola? A s necessi­
dades não são as mesmas. É ainda uma m anifestação dêste
espírito ãe falsa igualdaáe, tôãa ãe aparência e ãe superfí­
cie, à base de inveja, que enven en a os nossos costum es e
se infiltra nas nossas instituições. H averia bem outras coi­
sas a dizer, mas vam os adiante.
Q ueixam -se ãa decaãência ãos estuãos. Mais ãuma
causa contribui para isso, em particular dois defeitos do
atual plano ãe estudos. A barca demasiado e é falto de fle-
xibilidaãe. Quanto à sobrecarga, todos estão ãe acôrão. É
demasiaão o que se p reten ã e fazer o aluno aprenãer para
que êle aprenãa bem.
O m enino consciencioso, verãaãeiram ente laborioso, a
não ser dotado ãuma m em ória e ãuma faciliãaãe ex cep cio ­
nais, m ata-se nesse trabalho. Nós o esmagamos para maior
ãano ão seu equilíbrio intelectual e fisiológico. Quanto aos
outros, êles m esm os sabem guarãar-se ão esfalfam ento, mas
então ãe que serve para êles o plano de estudos? A falta
ãe flexibiliãaãe! A qu i não ignoro que m e arrisco a p er­
turbar os espíritos amigos ãum belo regulam ento. E no
entanto! O autor lem bra m uito a propósito a palavra tão
justa ãum Oratoriano: “ Não se poãe ter êx ito nas ciências
para as quais não se sen te nenhum atrativo” . O que um,
m enino faz com ãesgôsto claro e persisten te não lhe pode
ser proveitoso. Se ãeciãiãam ente se verificam essas ãuas
conãições, por que exigir ão aluno um esforço que não lhe
poã e ser proveitoso e que até lhe é prejuãicial, porque o
fatiga e o im pede de se consagrar a estudos que, êstes sim,
lhe são úteis? P or que perseverar em fazer aprender o
latim ou o grego a um aluno que, no fim de dois ou três
anos, não com preend e nada nas versões e a quem o tema
não faz ob ter senão hábitos deploráveis de negligência e de
incorreção? E a sacrossanta m atem ática? Está verificado
que, nas classes inferiores, a tirania dos problem as é um
flagelo abom inável. Em dez m eninos, oito se em brutecem
nêles e, se m ostram trabalhos apresentáveis, é porque tôda
a família se pôs a ajudar; a irmã mais velha que prepara o
seu diploma; o pai, que volta fatigado ao lar, para se ver
logo convidado a êste atraente trabalho suplem entar e não
consegue sem pre levá-lo a bom têrm o ainda que seja po­
litécnico. Não estou inventando. Mais tarde é outra coi­
sa. Eu não quereria contristar a ninguém , mas é preciso
dizê-lo, um d efeito bastante difundido en tre os professores
de m atem ática é não com preenderem que não se com preen­
de. Como êles têm naturalm ente o espírito de geom etria e,
por conseqüência, a dem onstração geom étrica lhes aparece
com a claridade da evidência, não con ceb em que esta clari­
dade possa ser para outros claro-escuro- ou noite profunda.
No fundo se explica bastante bem esta ilusão. P or mais
fortes que sejam , contudo, êles m esm os têm seus limites
que outros exced em . Para m uitos espíritos literários, ou
sim plesm ente um pouco curtos, aquêle limite está bem p er­
to do ponto ãe partida. Isto êles deveriam perceber. E
Pascal enfim não opôs o espírito de finura ao de geom etria?
Em todo caso, os programas são prem aturos. M uitos joven s
não se abrem para a m atem ática senão pelos 15 ou 16 anos.
Mas há as Escolas! Muitas vêzes professores experim en ta­
dos ãe m atem ática especial nos têm ãito: “ Enviai-nos bons
espíritos form aâos por sóliãos estuãos literários; êles farão
em áois anos o que teriam feito em três e talvez em quatro” .
Que resposta mais autorizaãa! A té lá, portanto, redijam
programas mais accessiveis à m aioria; êstes estudos tão
particulares sejam diviáiãos não por classes mas por cursos
ãe fôrça áesigual. Quanto ao m enino’ inteiram ente refra-
lário à m atem ática (e ex istem !) d eixem -n os em paz e p er­
m itam -lhes d esen volver-se conform e as suas aptidões. É
todo o contrário do que nós fazem os.
Êste m enino é áotado unicam ente para as letras, para
as artes? depressa, dêem -lhe lições de matemática!
E inversam ente, se êle se anuncia com o bom geôm etra
e deplorável latinista, depressa, d êem -lhe rep etições de la­
tim ! E não digo que a aventura não valha alguma vez a
pena ãe ser tentaãa, mas se não se obtém naãa, perseverare
diabolicum . Mas é que há o bacharelado! M eu Deus, diz-
se m uito mal ão bacharelado; e, certam ente, êle se presta
à critica. Tem pelo m enos uma vantagem que é a de ser
um estim ulante. Mas não ãeveria ser um obstáculo ao
justo desen volvim en to do aluno no sentião das suas facul­
dades. Bastaria, para isso, praticar largam ente o sistema
ãas notas com pensador as. Ora, é a eliminação que v en ce
e no últim o Congresso ão Ensino secunãário, pleiteanão
caãa qual pro dom o, ainãa peãiam que fôsse reforçaão. B em
v e jo que se pode objetar ao que p reced e; mas quê! naãa é
p erfeito n este m unão e. ãos resultaãos atuais, parece que
ãe todos os in con ven ien tes escolhem os os piores. Aliás
m uitos ãos alunos ão ensino secunãário, sobretuão nas clas­
ses sem latim, estariam m uito mais em seu lugar no primá­
rio superior. Eles aí encontrariam programas, m étoãos e,
digo-o por experiên cia pessoal, bem que não seja para m i­
nha honra, professôres m uito m elhor aãaptados à sua ma­
neira ãe espírito e às suas necessiãaães.
Na escola primária, ãemasiaãa ambição nos programas
e ãemasiaãa uniformidade. Os estudos prim ários não de­
vem ser um m edíocre resum o ãos secunãários. Se tantos
conscritos provam nos exam es regim entais que esqueceram.
í
tudo ou nunca com preenderam nada, é porque encheram
os seus cérebros duma multidão de noções mal digeridas,
acima do seu alcance de m eninos incultos. E será sã p e ­
dagogia aplicar os m esm os programas aos m eninos da gran­
de cidade e aos da roça ao que vigia as vacas no intervalo
das classes e ao filho do artífice ou do operário urbano que
v ê e ou ve cada dia uma multidão, de coisas boas ou más,
mas cujo espírito está muitas vêzes singularm ente desper­
to? N em as necessidades são as mesmas, nem as capaci­
dades.
Uma palavra para term inar sôbre uma questão deli­
cada mas m uito im portante: as relações entre as famílias
e os m estres. “ Que o pai tenha um amigo no m estre de
seu filh o” , escrevia o judicioso Quintiliano. Que verdade
em poucas palavras, e quanto é d e s c o n h ec id a !... Certa­
m en te o fato ex iste e, para um e outro, é um grande auxí­
lio, um grande conforto, e, para o menino, um grande b e­
nefício. A s mais das vêzes. porém as famílias confiam o
m enino à escola ou ao colégio e depois se retiram com a
consciência satisfeita, persuadidas de que cumpriram todo
o seu dever. Na realidade só se desem baraçaram dêle. 'No
entanto, não há,' educação com pleta senão pela colaboração
da família e dos m estres, verdade que não deveria haver
necessidade ãe repetir É difícil ao m estre, encarregado
duma classe num erosa, con h ecer bem todos os seus alunos,
sobretudo con h ecê-los em pouco tem po.
A s aparências podem enganar. Alguns se lhe esqui­
vam sem pre. P oucos m inutos de conversação podem escla­
recê-lo m elhor do que m eses duma observação sem cessar,
distraíáa por outros cuidados. P or 'sua vez o m estre pode
dirigir discretam ente a atenção dos pais para os in con ve­
nientes de certas maneiras para com seus filhos, demasiada
exigên cia e rudeza; e, m uitos mais com um ente, uma com ­
placência cega. C ertos m eninos têm necessidade de ser
poupados; outros, de ser estimulados sem escrúpulo. Se o
d ever dos pais é esta belecer relações com o m estre, o dever
dês te é facilitar-lhas. Há pais que não ousam, quer por
uma espécie de tim idez para com o m estre, herdada da sua
i infância, quer por desconfiança de si m esm os, quer por uma
discrição mal entendida. Saibam êles que en tre a absten­
ção e o abuso possível, o bom educador preferirá sem pre o
segundo inconveniente.
A o invés destas úteis e cordiais relações que coisa sin­
gular a atitude de certos pais para com os m estres! Con­
fiam -lhes os filhos e desconfiam dêles. Estão sem pre pron­
tos a suspeitar da sua consciência, ãa sua imparcialidade,
do seu zêlo. E ntre a palavra ão m estre e os áizeres inte-
ressaãos ãum m enino preguiçoso ou dissipado, ou que se
conhece com o m entiroso, não se hesita. É sem pre o m eni­
no que tem razão. E à m esa da familia? Com que malig­
no prazer pai, mãe, irmãos e irmãs não vêem o aluno arre­
m edar o m estre, não o ou vem contar com chiste e abundân­
cia as peças que pregam , êles e os seus colegas! Ainda bem
quando o pai, toáo regozijado com a narração de proezas
que lhe recorãam os belos ãias ãa sua infância, não entra
tam bém com a narração ãas suas. E ainãa os pais têm m ui­
tas vêzes a pruãência ãe ser bastante reservaãos sôbre êste
ponto, mas os tios! E a mãe e a irmã mais velha sorriem
com placentem ente, bem que elas sintam que talvez aquilo
não seja m uito ortoã oxo! S entem -se um pouco orgulhosas
no funão, por terem um filho, um irm ãozinho tão vivo, tão
espirituoso; e, bem que êle o nota, o levaão! E ãepois, qual
é o francês que não se ri ao v er o ãelegaão apanhar? E
tuão isso não é naàa. Em com pensação, infeliz ão professor
aue tiv er ãeixaão escapar alguma palavra m uito viva e
sobretuão se, por seu mal, ela foi pouco acertada! Uma
carta pungente, se não é francam ente descortês, bem de­
pressa o chamará à orãem . E, bem entenãião, a inãignação
se terá m anifestado prim eiram ente na presença do menino.
A s vêzes é ainda pior. Um reitor de Academ ia nos dizia:
“ Sabei, m eus senhores, que não há. um só dentre vós, ouvi
bem , não há um só, contra o qual eu não tenha recebido
cartas anônimas” . Ingênuos educadores, ide lá fiar-vos na­
quela palavra .prelim inar e jalaz: “ Entre nós, m eu senhor,
diante do m enino, é sem pre o professor que tem razão!”
R econhecim ento, os m estres não o pedem .
Talvez fôsse justo que as mesmas penas, tão prontas a
repreend ê-los, se utilizassem, às vêzes, para lhes agradecer.
Tal não é o costum e. “ No dia da entrada, dizia um velho
professor, não sei onde dar com a cabeça. Os pais m e ro­
deiam, m e lisongeiam, m e esmagam com recom endações
No dia ãa saída, não há atropelo para m e agradecer. Posso
sair m uito sossegadam ente” . B em excepcion ais são as pa­
lavras ãuma mãe ãe família que foi ter com igo um dia para
m e dizer: “ O senhor naãa perdoa a m eu filho, o senhor o
vigia e o segu e ãe perto. V en h o agraãecer-lhe; seria mais
fácil ãeixar passar tuão e não se ocupar com um aluno que
tão pouco satisfez” .
Rara avis. Pois bem tuão isso é deplorável e, no fun­
do, os pais bem o sabem ; mas que fazer? a fraqueza triunfa.
“ Os m eus pequ en os são engraçadinhos” . F elizm ente o pro­
fessor é suptentaão pelo seu ideal superior. Mas quanto
seria mais viável a tarefa. quanto lhe seria mais fácil fazer-
se respeitar e, por conseguinte, amar se os pais colaboras­
sem com êle para o maior bem de seus filhos!” Com o lhes
posso fazer bem ? dizia tristem en te a Rollin um regen te de
colégio, êles não m e amam!”
A afeição é m etade ãe tôda pedagogia; o autor dêste
livro e x celen te e que não tinha necessiãaãe ãe prefácio para
se fazer apreciar, não m e contestará, tenho certeza. Pai
ãe família, faze um amigo do m estre ãe teu filho!

A ndré B audrillart
I N T R O D U Ç Ã O

O estudo das doutrinas pedagógicas é um elem ento in­


dispensável na form ação dos educadores. Dá-lhes idéias
gerais sôbre as questões essenciais da educação, faz-lhes
conhecer o desenvolvim ento das instituições escolares, a
evolução dos m étodos e o valor das obras que terão que
consultar mais tarde.
A ciência da educação não é uma ciência a priori. A
geração espontânea não existe no m undo intelectual com o
não existe no m undo físico. Todo progresso supõe uma
tradição, porque tem um ponto de partida e êsse ponto de
partida está necessàriam ente no passado. A pedagogia atual
constituiú-se lentamente com as idéias, as experiências dos
sistemas, que apareceram através dos séculos e nas diferen­
tes nações civilizadas, e que são as mais apropriadas para
atingirem o fim que se propunham educando a mocidade.
Está, portanto, intim amente ligada à historia da educa­
ção. Am bas têm o m esm o dom ínio; elas se com pletam e se
inspecionam mutuamente. “ O estudo histórico não nos dis­
pensa de têrm os uma doutrina, diz M. Rousselot; mas, agindo
com o um estimulante e com o um guia. ajuda-nos a form á-la
e nos forn ece têrm os de com paração para julgarm os a que
estabelecem os para nós” .
A história da pedagogia, além do interêsse que apresenta
a todo espírito cultivado, nos revela a origem , a evolução,
o aperfeiçoam ento incessante dos m étodos; faz conhecer a
contribuição de cada século para os progressos do ensino, a
influência dos acontecim entos históricos na fundação das es­
colas; julga, em nom e da moral, e de uma sã psicologia, as
idéias dos clássicos da pedagogia; enfim, ela recolhe as v er­
dades duradouras cuja reunião constitui os elementos duma
teoria, senão definitiva da educação, pelo m enos fixada nas
suas grandes linhas.
O conhecim ento das doutrinas pedagógicas tem com o
efeito m anter mais elevado o ideal dos mestres, abrir-lhes
horizontes mais vastos, preservá-los da rotina e conservá-
los em guarda contra uma presunção e uma arrogância que
lhes seriam funestas. Se foram precisos longos séculos para
form ular um princípio, perceber-lhe tôda a importância,
fazer dêle judiciosas aplicações, quão tem erário seria o edu­
cador-qu e quisesse contentar-se com as suas próprias luzes
e a sua experiência pessoal! É fácil verificar: os progressos
na arte de ensinar não se realizam senão pela introdução,
na escola, dos princípios e das leis que decorrem do estudo
atento dos grandes escritores pedagógicos. A prática, é cer­
to, precedeu a teoria; mas a teoria reage contra a rotina e
fiscaliza os dados da experiência.
A história da pedagogia nos faz conhecer as mais belas
páginas dos grandes educadores. Que proveito não tiramos
dêste estudo quando nos põe em relação com gênios im or­
tais, com o Platão, Santo Agostinho, Descartes, Fénelon; com
ilustres benfeitores da m ocidade, com o Gerson, S. Pedro
Fourier, São J. B. de La Salle, Pestalozzi, o Pe. Girard, o
Ven. Champagnat, Mons. Dupanloup, D. Bosco! Haverá
coisa mais atraente do que a narração dos seus trabalhos,
das suas fadigas, das provações sem núm ero que os acom e­
teram sem jam ais abalar a sua constância? Os seus nobres
exem plos são de natureza a fortificar os corações e as vonta­
des que se sentiriam fracassar num labor sempre penoso e
muitas vêzes ingrato. A sua vida “ estimula para o bem ” , e
;; mais bela página que deixaram é a do seu sublime devo-
tamento ao apostolado da infância. O conhecim ento das
quimeras e dos erros pedagógicos tam bém não é sem pro­
veito. Estes são, com o se tem dito, experiências falhas que
contribuem para o progresso dos métodos, prem unindo-nos
contra os escolhos que convém evitar. Assim êste estudo
aviva o espírito crítico, habituando os mestres a não aceita­
rem as teorias senão quando receberam a sanção do tempo
e da experiência.
Nesta obra estudamos sucessivamente a antiguidade, os
prim eiros séculos do cristianismo, a Idade Média, a Renas­
cença e os tem pos modernos, seguindo o desenvolvim ento
das instituições escolares e indagando, dos mestres em inen­
tes de cada época, com o êles conceberam o problem a da
educação. Assim unim os constantem ente a história das ins­
tituições à análise das doutrinas; agir de outro m odo seria
isolar idéias e fatos que, na realidade, nunca estiveram se­
parados.
As doutrinas e os sistemas não têm valor senão enquan­
to se preocupam com a form ação integral do menino. A
educação m uda de caráter, é incom pleta e superficial quan­
do não é baseada em crenças.
A religião é, na fam ília e na escola, um elem ento indis­
pensável. Poder-se-ia dem onstrar isso exam inando os tris­
tes resultados da escola que pretende ser neutra, escutando
as aflitivas lam entações das vítimas da dúvida, das almas
angustiadas pelo torm ento do infinito. Só ele revela ao m e­
nino a sua grandeza e os seus destinos imortais; só ela,pode
dar-lhe a vitória sôbre os seus maus instintos; só ela pode
consolá-lo nas provações e sofrim entos da vida.
O exam e das idéias filosóficas não é m enos importante:
em cada século a educação é o éco da filosofia dominante.
Por trás da Ratio studiorum e da Com panhia de Jesus,
já se disse, por trás do Emilio de J. J. Rousseau, apa­
rece tôda uma filosofia. Existem, portanto, relações bem es­
treitas entre a filosofia e a pedagogia; duma doutrina m ate­
rialista, por exem plo, é difícil deduzir princípios de educa­
ção religiosa. Eis por que é necessário conhecer as bases
sôbre que certos educadores têm edificado os seus sistemas,
a fim de não se deixar ofuscar pelos aspectos brilhantes que
as suas concepções apresentam.
A influência da fam ília é um fato que também não se
deve negligenciar. A fam ilia é a célula da sociedade. É
para o m enino a escola por excelência. A sua inteligência,
o seu coração, a sua vontade nela recebem impressões que
jamais se apagam. É no lar que êle haure princípios reli­
giosos, com eça a lutar contra os seus maus instintos e a pra­
ticar as virtudes que estão na raiz de tôda organização do­
méstica e social: simpatia, afeição, gratidão, respeito, obe­
diência, espírito de sacrificio, devotam ento ao bem comum.
A educação, na fam ília, varia conform e a convicção dos pais
e a autoridade que lhes é dada pelo costum e e pelas leis. O
papel da mãe sobretudo é de uma im portância extrem a; tudo
que tendesse a torná-lo m enos eficaz prejudicaria a educa­
ção da criança. (
O m eio social com pleta a educação familiar. As con­
versações, as leituras, os acontecim entos da vida material,
intelectual, m oral e religiosa m odificam as idéias, os senti­
mentos, o caráter da criança. A té o solo e o clim a contri­
buem numa m edida variável para a form ação da sua indivi­
dualidade.
Será necessário acrescentar que êste volum e é uma obra
de boa-fé e de im parcialidade? Já não é perm itido negli­
genciar, de caso pensado, certos períodos da história da edu­
cação e certas categorias de educadores. A creditam os sin­
ceramente, por exem plo, que os prim eiros séculos do cristia­
nismo apresentam algum interêsse no ponto de vista das es­
colas, e que a idade Média não é “ uma época verdadeiram ente
pobre sob o ponto de vista pedagógico” . Todos os devota-
mentos, quaisquer que sejam as crenças que os inspiram,
m erecem a nossa adm iração; e, procuram os lealm ente em
todos os sistemas a parte de verdade que êles encerram. Não
se surpreenderão, portanto, de nos ver glorificar os séculos
de fé, fazer justos elogios aos benfeitores cristãos da infân­
cia e fazer justiça à Igreja Católica, “ luz das nações” e “ ins-
Trutora dos povos” há vinte séculos. Às vêzes querem que
se ignore o m érito que lhe com pete na fundação de escolas
e nos progressos do ensino. Entretanto, os trabalhos dos
historiadores mais eminentes demonstram claramente que
ela foi desde os prim eiros séculos a principal; e, em certas
épocas, a única conservadora e dispensadora dos conheci­
m entos humanos.
Dedicam os especialm ente este livro aos pais e mestres.
Oxalá êle lhes dê uma idéia mais alta da sua incum bência,
nobre entre tôdas! É o nosso m aior desejo. E se os exem ­
plos de devotam ento à infância que nêle acham os levarem
a um cum prim ento mais perfeito dos seus deveres de estado,
será isso a nossa mais agradável recompensa.
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA
4 W . ----------- \--------------------------------------------

NA ANTIGUIDADE
---- — ............................................= .

C A PÍTU LO PRIM EIRO

A E p tíC A Ç Â O NOS P O V O S N Ã O C IV IL IZ A D O S

Entre os povos não civilizado^, a educação se apresenta


sob a mais simples das suas form as: não há escolas propria­
m ente ditas, nem program a de estudos; uma imitação servil
é o único m étodo em pregado.
A form ação da juventude é instintiva, rotinera e lim i­
tada somente às coisas que têm por objeto a satisfação das
precisões materiais: alimentação, vestuário, abrigo. Sob a
direção dos pais, o m enino se inicia pouco a pouco nas várias
ocupações da tribo: cuidados da casa, fabricação de utensí­
lios, tecelagem >de vários panos, pesca e caça, m anejo de
armas, guarda dos rebanhos, trabalhos agrícolas. Não obs­
tante, êste m odo de proceder im plica uma espécie de edu­
cação intelectual e até o cultivo de certas qualidades morais.
É possível, portanto, depreender desta form ação rudimentar
alguns traços da educação com o nós a concebem os, isto é,
ocupando-se ao m esm o tem po do corpo, da inteligência e da
alma, em geral.

Educação física — Os selvagens deixam grande liberda­


de a seus filhos. Êstes aproveitam -na para se entregarem a
alegres divertim entos. Um dos. seus jogos prediletos con­
siste em arrem edar as ocupações da vida dos adultos. Entre
as tribos guerreiras fazem espadas, escudos, arcos e flechas,
simulam em boscadas e com bates; entre as tribos mais pací-
íicas, imitam os trabalhos que têm à sua vista: tecelagem,
construção de cabanas, obras de cerâmica, trabalhos de roça,
pesca e caça, navegação em canoas. Estas diversões os pre­
param para a vida real; contribuem à sua form ação intelec­
tual, apurando as suas faculdades de observação, de im agi­
nação e de invenção.

Educação intelectual — A educação é sobretudo prática;


tem por fim tornar o m enino capaz de prover às suas pre-
cisões e, mais tarde, às da sua família.
Cedo com eça esta form ação e varia conform e ao sexo
da criança e à maneira de viver da tribo. Se o m enino está
destinado a viver de caça e pesca, habituam-no, a princípio,
a encontrar raízes, larvas de form iga e verm es; mais tarde,
exercita-se em matar lagartos ou outros pequenos animais
de que a tribo se alimenta.
E, enquanto se torna hábil no m anejo das armas, apren­
de a trepar com agilidade, a preparar e colocar aparelhos de
pesca. Segue o rasto de animais selvagens e conhece pelos
mais leves indícios a presença da caça que procura.
Se se destina aos trabalhos agrícolas, guarda os reba­
nhos, aguça e alisa as ferram entas; vai à roça no m om ento
da maturação dos grãos, afim de espantar os pássatos. Bem
cedo se torna hábil em tôda espécie de trabalhos manuais.
As ocupações da m enina são mais ou m enos as mesmas
em tôda a parte: aprende a levantar a choupana, a ajuntar
lenha ou mariscos, a trançar esteiras e cestas, a preparar
argila para os vasos de barro. A ju d a nas colheitas, joeira
o grão, pisa-o e coze-o.
Entr-p êstes povos, a escola propriam ente dita não existe.
Entretanto, algumas grandes aldeias possuem uma constru­
ção especial que os m eninos procuram aos grupos. Entre os
B ororos do Brasil, por exem plo, essa construção toma o no­
me de bahito, e os m eninos ali se reúnem para aprender a
fiar, tecer, fazer armas e cantar as suas m elodias nacionais.
Esta educação não dá às faculdades uma form ação sis­
temática e racional, mas apura as que lhes são mais neces­
sárias no seu gênero de vida. Os pais, obrigados a lutar
contra perigos de tôda sorte, com preendem instintivamente
que devem exercitar os sentidos de seus filhos e dar-lhes
uma agudeza extrem a. E, realmente, o que im pressiona logo
nos selvagens, é a acuidade m aravilhosa das suas p ercepções
sensoriais. O seu ouvido é de grande delicadeza; os seus
olhos são tão exercitados que certas tribos errantes podem
conhecer pela vista o núm ero, a idade e até a nacionalidade
das pessoas que passaram. O seu olfato pode rivalizar com
o dos cães.
São dotados de m em ória prodigiosa. O dono dum re­
banho, vendo desfilar os seus animais, às vêzes bem num e­
rosos, verifica se o rebanho está com pleto, indica e descreve
as cabeças que faltam . A sua imaginação é igualm ente m ui­
to viva, com o atestam os seus discursos, os seus cantos de
guerra, as suas parábolas e contos. O poder de reflexã o
atinge, às vêzes, um grau tal que excita admiração.

Educação móral e religiosa — O senso m oral dos povos


não civilizados é m uito em botado, mas a sua alma conserva
ainda impressões da lei natural. A sua consciência fala-
lhes, e im põe a seus pensamentos e a seus atos uma certa
sanção. Com preendem a obrigação que têm de transmitir
a seus descendentes alguns preceitos de boas maneiras e de
bom procedim ento. A s suas recom endações dirigem -se ao
culto dos antepassados, ao respeito aos anciãos e aos pais, ao
sentimento de honra, à fidelidade à palavra dada, à obediên­
cia às autoridades legítimas. No entanto, esta form ação se
faz sem nenhum constrangim ento: os selvagens crêem que
todo castigo corporal degrada e que a alma do m enino com
quem m uito se ralha ou que m uito se espanca, se sente mal
no seu corpo e procura separar-se dêle.
A s tribos guerreiras sempre cultivaram com cuidado o
valor, a paciência, o desprêzo da dor e da morte. O P. Bres-
sani cita rasgos adm iráveis verificados por êle entre os índios
da A m érica do Norte: meninos aturam a fom e durante oito
ou dez dias sem se queixar; rapazinhos amarram os braços,
colocam uma brasa sôbre os seus braços amarrados e por-
fiam para ver quem a aguentará por mais tem po; furam ou
fazem ' furar a sua pele com uma agulha, uma sovela aguça­
da ou uma ponta aguda e desenham assim sôbre os seus
corpos, para ficar indelével, uma águia, uma serpente, um
dragão ou qualquer outro animal favorito.
Em numerosas povoações, a passagem da infância para
a adolescência é distinguida por certos ritos particulares que
têm o caráter duma form ação moral.
Os jovens são separados da com unidade e enviados por
algum tempo, sob a guarda dos anciãos mais respeitáveis da
tribo, para uma residência especial afastada da aldeia. A
princípio executam certas cerim ônias de caráter purificató-
rio: jejuns, privações de certos gêneros de alimentos, por
exem plo, dos que êles consideram gulodices. V êm depois os
ritos da iniciação.
Com preendem invariàvelm ente uma representação m ím i­
ca da m orte e da ressurreição; de então em diante estão m or­
tos para a vida irresponsável da sua infância e devem viver
para os deveres mais graves de que vão ser incum bidos.
Dão-lhes um nom e n ovo e fazem -lhes aprender um dis­
curso esotérico somente conhecido pelos iniciados. Os jo ­
vens são, às vêzes, submetidos, no curso da iniciação, a pro­
vas brutais e repugnantes: extração de dentes, tatuagem,
escarificação, circuncisão. Estas provas perm item avaliar a
coragem dos candidatos. Estimam m uito os que podem su­
portar os mais graves sofrim entos com o ânimo do Espar­
tano.
A s instruções que lhes são dadas por essa ocasião, refe­
rem -se às leis do m atrim ônio, às tradições sagradas da tribo,
às divisas do território, às precauções a tom ar contra certos
vícios degradantes, à fidelidade ao chefe da nação. Os ins-
rrutores não esquecem o lado material- e prático da vida.
Dão aos seus ouvintes instruções judiciosas sôbre a guerra,"
a caça, a pesca e as artes manuais; exortam -nos a combater
com coragem , a proteger os fracos e a defender os oprimidos.
A s noções religiosas que os povos de civilização inferior
transmitem a seus filhos são quase sempre eivadas de cren­
ças supersticiosas, de práticas exquisitas, frequentem ente
imorais e cruéis. Distinguem -se nelas, contudo, dum m o­
do mais ou m enos claro, um conjunto de preceitos, de prá­
ticas, de instituições, que razoàvelm ente se podem conside­
rar com o os elem entos prim ários da religião. Mons. Le R oy
assim resume êstes dados fundam entais:
“ Distinção entre o m undo visível e o m undo invisível;
sentim ento de dependência do hom em com relação a êsse
m undo superior; crença em um poder supremo, organizador
e senhor do m undo e, ao m esm o tempo, pai dos homens;
crença em espíritos independentes; uns, tutelares; outros,
hostis; crença pa alma humana distinta do corpo e separan­
do-se dêle à hora da m orte; crença no m undo do Além , o
m undo das almas e dos espíritos; senso m oral baseado na
distinção do bem e do m al; sentim ento de pudor, de justiça,
de responsabilidade, de liberdade, de dever;' reconhecim ento
explícito ou im plícito da consciência; noção de pecado, com
sanção aplicada pela autoridade do m undo invisível ou de
seus representantes; organização cultuai: oração, oferenda,
sacrifício, ritos, cerim ônias, sím bolos; sacerdócio, prim eira­
m ente representado pelo chefe de fam ília; depois, pelos an­
ciãos ou sacerdotes; distinção entre o sagrado, e o profano,
e atingindo as pessoas, os lugares, os objetos e as palavras;
estabelecim ento e organização da fam ília com o centro social
e religioso procurando conservar a pureza do sangue, im ­
pondo leis a si mesma, distinguindo-se por sinais especiais,
fortificando-se por alianças (toténs) e transm itindo as suas
tradições, sobretudo por ocasião das principais fases da vida:
nascimento, adolescência, casamento e m orte” . (A la re-
cherche ãe Vorigine ães religions, p. 21-22. Paris, 1922).

B ib lio g r a fia O) — A . B r o s , La Ueligion ães peuples non civilisés ( P a r i s ,


1 9 0 7 ) . — C h ris tu s, Manuel ã ’ lústoire ães R eligions, eh. I et I I ( P a r i s , 1 9 3 2 ) .
-— Cyelopeãia o f éãucation, art. Prim itive peoples ( N e w - Y o r k , 1 9 1 1 ) . — Dic-
tionnaire apologêtique, art. Anim ism s, Fêtidhisme, Naturalisme. — E a s t m a n ,
Inãian boyhooã ( N e w - Y o r k , 1 9 1 2 ) . — M g r . L e R o y , La Ueligion ães primi,
tifs ( P a r i s , 1 9 0 9 ) . — P . M o n r o e , A text-booh in the history o f éãucation,
c li. I (N e w -Y o rk , 1 9 0 6 ).

C A PÍTU LO II

A EDUCAÇÃO NA CHINA

Resumo histórico. “ . . . Os Chineses se atribuem origens fabulosas,


mas a existência regular da sua nação parece remontar ao anoi três
mil antes cTa era cristã. Os fatos autênticos de sua história só datam
de três séculos antes de nossa era. O prim eiro imperaefor célebre foi
Chewang-te (246-210) que fêz construir a grande muralha.
Desde os tempos mais remotos até a aurora do século X X , a form a
de govôrno foi o absolutismo. O imperador, Filho do Céu, segundo pen­
savam, participava da força do alto. Ninguém ousaria examinar ou

(1 ) D e p o is de c a d a estudo im p o rta n te , in d icam os algum as o b r a s nas


quais se en con tra rã o d esen volvim en tos que p odem interessar. É in ú til dizer
que n ão pretend em os dar — o que aliás seria im p ossív el — um a b ib lio g r a fia
com p leta do assunto. O Dicionário e o N ovo D icionário ãe P eãagog ia são
os de B u is s o n ; — a C yelopeãia é que apareceu em cin co volum es, sob a d i­
reçã o de M on roe, n a liv ra ria M acm illan , N e w -Y o r k (1 9 1 1 - 1 9 1 3 ) .
contradizei as suas ordens consideradas divinas. Hoje. a China é uma
república constitucional.
Sob a influêncià das idéias ocidentais, o povo chinês, entorpecido
durante longos séculos numa meia civilização, parece entrar hoje na ca­
minho do progresso, mas não se desembaraça senão com dificuldade do
seu estreito formalismo.
* Religião. —: Og chineses professam sobretucfo o confudonismo, o
budismo © o taoismo.
O confucionism ò é a doutrina de Çonftícia (551-478). Êste filósofo
tratou soibretudo, nos seus ensinamentos, C nos seus escritos, de elevar a
trad içã o., A doutrina que melhor se desprenderia das suas obras, diz
Mons. E. Blanc, seria um vasto naturalismo panteístico ( Diccion. ãe
p'hilosophiel art, Confuoius). Os seus livros form am o código m oral e
político da China.
Buda (622-543), filósofo indu, é o autor dfo &udismo. A sua doutrina
compreende a eternidade da matéria, a transm igraçâo das almas e o
nirvana ou aniquilamento. Ensina também que todos os hcimens são ir­
mãos e que se devem tratar com bondade, piedade e amor.
Renúncia, vida virtuosa, supressão de todo am or próprio, caridade
para com o próxim o, tais são, conform e Buda, as virtudes cardeais que
n traem as bênçãos sôbre a humanidade.
O taonismo é a doutrina do Taot livro principal de Lao tseu, filósofo
contemporâneo de Confúcio. O seu ensino se resume numa espécie de
panteísmo, e a sua m oral na doutrina do não-agir. Quer êle que o povo
viva no bem-estar e na tranqüilidade, mas sem receber instrução, a fim
de fugir aos (Tesejos inquietos, insatisfeitos, que são a conseqüência dela.

A educação tradicional — O antigo sistema de educação


existia vários séculos antes da nossa era e ainda não desa­
pareceu completamente; o que nos permite descrevê-lo como
atual. _
A primeira educação se faz na família. Confúcio diz
no pai: “Educa teu filho desde cedo, ensina-o a mover-se,
a ficar em pé, a falar, a comportar-se em visita, a distinguir
ü> que deve aos velhos e aos moços. Aos sete anos ensina-
lhe os caracteres. Enquanto é pequeno não o acostumes a
comer bem e. andar bem vestido; que não tenha fome nem
frio, é quanto basta”.
Considera-se a educação fam iliar, m uito importante. A
fam ília é o núcleo da organização social; se os pais dão aos
filhos bons princípios, a vantagem será para o Estado todo:
“ Se os negócios da casa são bem dirigidos, os do Estado o
serão também, porque êstes descansam sôbre aqueles; quem
venera seus pais venerará tam bém o rei” .

Educação escolar — O m enino vai à escola pela idade


de sete anos. Na China as escolas são numerosas. Nas ci­
dades grandes cada bairro possui uma ou duas. Os alunos
são obrigados a ter grande veneração pelo mestre. Há uma
m áxim a que diz que se deve venerar tôda a vida com o um
pai, o professor que se adotou: “ Quando um aluno acom ­
panha seu m estre na estrada, não o deve deixar para falar
a outra pessoa; tam bém não deve caminhar atrás dêle, mas
deve conservar-se um pouco à direita. Quando o m estre se
apoia sôbre o seu om bro para lhe dizer alguma coisa ao ou­
vido, deve colocar a m ão sôbre a bôca para o não incom o­
dar com o seu hálito; jam ais deve interrom pê-lo quando êle
lhe fala” .
A peça principal da m obília da classe é a prateleira de
C onfúcio; o aluno saúda-a ao entrar, prostra-se, oferece o
arroz, o incenso, velas para as festas. Um assento e uma
mesa para o mestre com pletam a m obília. Os alunos for­
necem tudo o que lhes é necessário: mesa, cadeira, livros e
papel.

Curso de estudos — P odem os distinguir, na China, os es­


tudos elem en tares e os estudos superiores. Os estudos ele­
mentares fazem -se dos sete aos doze anos. É seu fim .prin­
cipal conservar a unidade da nação, m anter as tradições an­
cestrais e preparam o m enino para os deveres da vida. Para
conseguir êsse resultado em prega-se, com o m eio, a educação
religiosa que faz conhecer 0 bem ; com o aplicação, as boas
maneiras, que exprim em a retidão do coração, e o cerim o­
nial que presta a cada um as honras que lhe são devidas.
A ciência religiosa é tomada dos livros sagrados que são
em núm ero de nove: os quatro livros clássicos e os cinco
livros canônicos, escritos ou colecionados por C onfúcio e seus
discípulos, e cu jo conjunto form a um código político e m oral
universalm ente respeitado, que todos os festudantes devem
aprender de cor.
Ligam os Chineses grande im portância ao que êles cha­
mam as cinco correlações com uns a todos os homens: rela­
ções entre soberano e súditos, pais e filhos, espôso e esposa,
irm ão e irmã, com panheiro e com panheira. E imaginam,
diz o P. Ricci, que nos países estrangeiros não se ocupam
dessas relações.
O m enino é form ado com grande cuidado na polidez e
boas maneiras. Um dos prim eiros livros que lhe põem nas
mãos, é um tratado sôbre a Piedade filial, escrito em form a
de diálogo e que contém os deveres dum filho para com seus
pais.
O curso de estudos elem entares com preende, além disso,
a leitura, a escrita e os elem entos do cálculo. Acrescentam -
lhe a m úsica com o ,um m eio de introduzir a harmonia nas
?lmas. Os elem en tos ãe leitura e de escrita são aprendidos
tendo à vista os objetos cujos signos se estudam: tem-se as­
sim a coisa, o nom e e 0 sinal escrito. Para o cálculo ser­
vem -se do suan-pon, espécie de ábaco-contador. O m enino
é subm etido a três espécies de trabalhos: exercícios de m e­
mória, explicação de sentenças e com posições elementares.
Os estudos superiores têm por fim form ar letrados ou
nspirantes às funções do Estado. O curso de estudos é so­
bretudo literário: o aluno estuda os nove livros sagrados que
encerram tôda a filosofia ortodoxa e quase tôda a história
antiga da China; depois, a literatura de certas épocas, es­
pecialm ente as poesias da dinastia dos Tangs; as odes de
Li-Ta-K o, cuja riqueza eqüivale, ao que parece, às de Ho-
:. ácio ou de Anacreonte. Depois disso, dedica-se ao estudo
dos ensaios dos mestres antigos; em seguida, à historia por­
m enorizada da China; e, enfim , à filosofia nos com entadores
de C onfúcio e nas obras dos filósofos que ocupam o prim eiro
lugar entre os pensadores do im pério. D eve adquirir ain,da
noções sôbre os astros, minerais, flores, animais, e conhecer
as grandes leis da natureza. A os dezoito ou- dezenove anos
está m aduro para os exames.

Apreciação — Este gênero de educação presta-se muito


à critica. Liga-se demasiado à cultura da m em ória e negli­
genciam -se as demais faculdades. O trabalho é difícil, abor­
recido, sem atrativo; é obtido, antes, pelo temor do que pelo
interêsse. — A cultura m oral é igualm ente insuficiente: nada
ou quase nada para a form ação do caráter e da consciência.
O m enino é subm etido a uma passividade quase absoluta, a
qual sufoca a personalidade. O estudo exclusivo da litera­
tura nacional desenvolve um patriotism o exagerado que leva
a desprezar o que é estrangeiro.

Educação nova — De alguns anos para cá os m étodos


europeus de educação se têm introduzido na China, à im i­
tação das escolas fundadas pelos missionários católicos (La-
zaristas, A ssociação das Missões estrangeiras, Jesuítas, Ir­
mãos Maristas, etc.) e dos m issionários protestantes. Em
1898, o im perador decretou a fundação de escolas médias e
superiores e organizou uma universidade conform e o m odêlo
das universidades do Ocidente. Esta medida, porém , desa­
gradou e o inovador foi destronado. Entretanto, a univer­
sidade subsistiu. Em 1902 ela foi unida ao colégio dos In­
térpretes que existia em Pekin, havia quarenta anos. Rea­
briu-se com o tal em 1903. Um decreto de 1904 a reorganizou
em quatro secções: m oral e filosofia, línguas estrangeiras,
direito e ciências políticas, história e belas-letras. Deixa-se
uma grande parte aos clássicos chineses. H oje, cada pro­
víncia tem sua universidade. O ensino m inistra-se à euro­
péia em grande núm ero de escolas secundárias e primárias.
As nacionais de estrangeiros se subm etem à fiscalização
oficial.
Esta educação nova m uito pouco se preocupa com a for­
m ação moral. A própria fam ilia deixa ao m enino uma li­
berdade excessiva. Os professôres, na m aior parte, estão
convencidos da inanidade das religiões, do valor exclusivo
das ciências empíricas, e estão im pregnados das doutrinas
materialistas de Büchner e H eckel; confessam que, para êles,
o fim m oral e religioso é secundário e que o fim humanitá­
rio e social é preferido. Os Chineses que fizeram os seus
estudos na Europa e na A m érica, voltam à pátria persuadi­
dos de que a religião já teve seu tem po e repetem, nas re­
vistas e livros, as velhas fórm ulas do positivism o: “ A ciên­
cia substitui a religião! A humanidade substitai-se defini­
tivam ente a D eus!”
Os alunos, ao invés de seguirem seus cursos, fazem con­
ferências, organizam m anifestações; os manuais são im buí­
dos de idéias revolucionárias; os livros de m oral não ensinam
senão um grosseiro materialismo. (L. Coiffard, N otes sur
Venseign. en Chine, E nseignem ent ch rétien (juin 1922). Tal
form ação faz desclassificados, folgazões ou revoltados. Üni-
camente o cristianism o seria capaz de reagir contra a corru­
ção dos costum es e de form ar corações e vontades; mas êste
ainda não penetrou as massas.

B ib lio g r a fia — B iO t, E ssa i sur 1’ instruction publique cn Chine (P a r is ,


1 8 4 7 ). — M. C ou ra n t, É tu d es sur 1’éãucation ct la colonisation (P a r is ,
1 9 0 4 ). — C yclop eã ia of eãucation, art. China. — S. S. L a u r j e , T lislorical
s u rv ey o f P rc-C h ristia n eãucation (L o n d r e s, 1 9 0 7 ). — M a r t i n , T h e Chine set
tlieir eãucation, philosophy anã letters (N e w -Y o r k , 1 8 8 1 ). — Nouvcau Vic-
tionnaire de Péclagogic, «rt. Chine. — B. P. W ie g e t La Chine moâerne,
3 vol. (Paris, 1922). •

C A PÍTU LO III

A EDUCAÇÃO NO JAPÃO

Regumo histórico. — Compõe-se o Japão d e cinco grandes ilhas, a


saber: Hanto ou Nipon, Sikoku, Kiusa, Yezo, Form osa e algumas outras
ilhas de menor extensão.
A fundação dó império remonta; segundo os anais japonêses, áo sé­
timo século ant«s t’.a ncissa era. O imperador exerceu diretamente 'i
autoridade militar até o século X I I , em que a entregou a um genera-
Hssirno chamado Shagun. Na século X V II a dignidade de Shagiln tor­
nou-se hereditária e o imperador não exerceu mais que uma autoridade
n om in al; os nobres foram reduzidos ao estado í e vassalos com o nome
de daimios- Êste período (le feudalismo militar durou até 1868. Nessa
época o imperador tornou a ser soberano efetivo. Desde então o Japão
tem realizado um progresso intelectual e material “sem precedentes nos
anais da humanicíade.”

Religião. — Três religiões dividem as crenças do povo ja p on ês:


oi shintoísnu)' o budismo e o cristianismo.
O sintoismo (shinte, voz ílos deuses) é a religião prim itiva dos Ja­
ponêses. Consiste na veneração dos deuses, isto é, dds antepassados da
casa imperial, e em certas orações aos deuses do vento e dfo fogo, à
deusa da alimentação e da cozinha. Prescreve também certas p u rifi­
cações que têm em vista as manchas corporais mais do que ás morais.
O budismo foi introduzido no Japão no sexto século da nossa era
e adotaiío, pouco a pouco, pela grande massa da nação. Desde então a
civilização japonêsa seguiu um desenvolvimento ao mesmo tempo para­
lelo e subordinado ao da China. Tôdus as obrigações, m orais'im postas
pelo budismo se resumem nos Goleai e nos Gorin. Os Gokai são os prin­
cipais m andam entos: nãi matar, não furtar, não se entregar à luxúria,
não mentir, não tomar bebida alcoólica. Os Gorin são as cinco relações
humanas dos Chineses.
O cristianismo, perseguido por muito tempo, é tolerado hoje em vir­
tude da liberdade dos cultos. O juãmimo e o maometismo têm poucos
adeptos no .TapãQ.

Educação antiga — Pelo ano 270 da nossa era, um le­


trado chinês, vindo da Coréia, trouxe para o Japão a escrita
chinesa. Até ,essa época a maior parte dos japonêses igno­
rava a arte’ de escrever. O rei Mommu estabeleceu, em 701,
uma universidade em .Tóquio, ordenou a criação de escolas
em cada província e promulgou regulamentos relativos à
educação.
O pessoal da universidade de Tóquio constava de um
superintendente, um adjunto e professores. Uniam-se à uni­
versidade as escolas especiais de medicina, astrologia e mú­
sica.
Os estudos começavam entre os treze e os dezesseis anos.
Dois íivròs, de início, eram pçstos' nas mãos dos estudantes:
o Kokio, ou Livro do dever filial, e o Rongo, ou filosofia de
Confúcio. Estudavam a seguir as especialidades a que se
consagravam. Os exames do fim dos estudos eram presidi­
dos pelo ministro das cerimônias. Os candidatos eram gru­
pados em categorias, conforme as especialidade? que tinham
estudado: clássicas chineses, ciências políticas, jurisprudên­
cia, matemática, medicina, astronomia.
Cada escola de província tinha um professor escolhido
pelos notáveis; se ninguém era capaz de desempenhar êsse
cargo, dirigiam-se ao ministro das cerimônias o qual desig­
nava o titular. Aprendiam primeiro a ler; depois, a com­
preender os caracteres chineses; por último, liam o Kokio
e o Rongo. Os alunos que desejavam ler mais de dois livros
clássicos eram transferidos para a universidade.
Durante o shagunato, a universidade de Kioto, que havia
desaparecido, foi substituída pelo Colégio de Confúcio, em
Yedo. Êste estabelecimento chegou a contar três mil alu-
nos. Os daimios tam bém criaram escolas em suas provín­
cias. Os negociantes, os agricultores e os artífices que qui­
sessem fazer instruir seus filhos, deviam confiá-los a profes­
sores particulares. O núm ero de Japonêses que recebiam
uma educação elementar, era considerável. À s m ulheres só
se dava uma instrução limitada; algumas, no entanto, se
distinguiram pela erudição e talentos poéticos.

Educação nova — Desde 1868, a educação é organizada


no Japão segundo os m étodos ocidentais. É dirigida por um
ministro de instrução pública, inspetores especiais para cada
gênero de ensino e um conselho de instrução pública.
A s escolas de todos os graus são numerosas: escolas pri­
márias e primárias superiores, escolas normais, escolas se­
cundárias, universidades (Tóquio, K ioto, S a p p o ro ); escolas
profissionais para o com ércio, a agricultura, engenharia flo ­
restal e engenharia civil; escolas especiais de música, de lín­
guas estrangeiras, de m edicina, de direito, de letras, etc.
O Japão exerce uma influência intelectual considerável
sôbre todos os povos da Ásia: Chineses, Indus, Coreanos,
freqüentam as suas escolas e universidades.

Apreciação da educação nova — Fazem -se algumas cen­


suras à educação atual dos Japonêses. — A prim eira é a de
ter destruído, sem os substituir, os fundam entos das reli­
giões de origem chinesa. A legislação im põe neutralidade
absoluta às escolas primárias e secundárias. O ensino m o­
ral é baseado unicam ente no culto do im perador e no amor
da pátria. Enche-se a cabeça dos m eninos com a narração
das m aravilhosas proezas dos antepassados, mas esquecem
de falar-lhes das virtudes ordinárias. O resultado prático,
é uma juventude precoce e pretenciosa, com ares pessimistas
e desiludidos. O problem a seria achar uma m oral que pu-
desse-satisfazer às almas: os sistemas propostos pecam pela
base. Só o cristianismo podia satisfazer. Além disso, os
Japonêses dificilmente aceitam o sobrenatural; êles mesmos
confessam ter a alma “profundamente agnóstica”. As con­
versões aò protestantismo não têm maior importância “do
que um mudar de roupa”.
Censur4-se*à pedagogia japonêáa ser por demais calcada
iôbre a dos povos ocidentais; têm, daí, resultado defeitos
consideráveis: os livros são muitas vêzes acima do alcance
dos alunos e os professores apegam-se de preferência às pas­
sagens mais abstrusâs; os professores empregam por demais
a forma unicamente expositiva. A fiscalização do Estado
parece excessiva. Está tudo tão minuciosamente previsto
que'não fica lugar para nenhuma iniciativa pessoal. Os me­
ninos sonham só em ser funcionários, e os educadores pro­
curam demasiadamente salvar as aparências.
O barão Aruske assim caracteriza a educação nova: “A
pedagogia japonêsa é tôda de fachada, admirável no papel,
de fato “puramente decorativa”. Os estudantes saem das
universidades pelos vinte e cinco ou vinte e oito anos, le­
vando uma formação de pouco uso. Tôdas as suas energias
foram dirigidas para o que ér m eio: mas o fim, a vida real,
foi completamente Tiegligenciada. Em compensação esta mo­
cidade tem a cabeça repleta de teorias revolucionárias que
ela vai propagando pelo país, “o que não acontece sém causar
justos receios aos espíritos bons”.

B ib lio grafia. — C h b is t t s , Manuel ãss Seligiont, ch. I V . — CyrXo-


pedia a f eãucation, art. Japan. — Étufies, n.o du 20 mai 1914. — Aperçu
gênêral fie 1’ éfiucation au Japon (T ok io, 1905JV — Bevue hebãomadaire,
n.o du 31 décembre 1910.
A EDUCAÇÃO DOS INDUS

Resumo histórico. — A história antiga da Índia é puuco conhecida.


O livro de .Tó faz alusão às riquezas destas regiões e, às vêzes, tomam
pela índia o país de Ofir, aonde Salomão, de combinação com ofe Fení-
clos, enviava suas frotas. Êste país ;só entra definitivamente na história
pela invasão de Alexandre (327 a. C .). Os Árabes nela fizeram in­
cursões no século V III. Tam erlãa fundou ali, alguns séculos1 mais
tar(Te, um vasto império, cujas ruínas algumas potências européias,
sobretudo a Inglaterra, repartiram entre si. Não obstante as- oposi-
ções e revoltas, os ingleses não têm cessado de estender os limites das
suas possessões e têm permanecido os 'senhores da Índia.

Religião. — O bramqnitsmo, religião primitiva, foi um instante des­


tronado pelo budismo que procurou a destruição das escolas existentes;
mas êste novo culto não "tardou em perder seus partidários. Não existe
hoje senão em Ceilão e na vizinhança da China.
Os livros sagrados dos Indus sãoi os Vedas, aos quâis acrescentam
os Puranas (livros de orações), o Mahabârata, o Samaiana (livros épi­
cos) e as 'leis de Manu, coletânea de preceitos morais, de leis, de tradi­
ções e de costumes.
Os Vedas são a mais importante dessas colefáneas. Contêm as
idéias religiosas da raça Ariana e a narração dos principais acontecia
mentos nesses povos desde o comêço das suas invasões até o seu estabe­
lecimento definitivo na Índia. Dêste livro se destaca uma espécie de
panteísmo cujos traços principais são os seguintes: no princípio existiu
uma espécie de deus adormecidV), Bralim. ■ O seu acordar foi o sinal da
criação e da produção dos fenômenos. Do seu seio saíram Brahma,
Vishnu e Siva, que formam a trimurti indiana.

Castas. — Nas Índias, o povo está há muito tempo dividido em


castas: 110 grau mais elevado estavam os brâmaneg. Compreendem os sa­
cerdotes e os sá b io s: juriscansultos, méd'icos, p rofessôres; em seguida,
vinham os guerreiros, oficiais e soldados, os negociantes, os artífices, os
agricultores; por líltimo, qs servos que não tinham direito a nenhuma
educação. A baixo destas castas estavam os párias, reputados infames
e indignos de tér comunicação com os outros membros da sociedade.
Durante longna séculos os brâiíianes ('xeivevairt n m aior influência.
Foram, ao mesmo tempo, sacerdotes, pl-cfessôres, legisladores, guardas
da literatura védica e de todos os conhecimentos- Fdram éies que de­
terminaram a s ciências que cada uma das outras castas deve possuir.

Educação na família — Os Indus amam muito os filhos


e os educam para a vida futura. Inspiram-lhes grande res­
peito pelos; pajs e mestres. A instrução familiar limita-se a
algumas práticas de piedade e à aprendizagem dum ofício.
Tudo se aprende por imitação e o nascimento fixa o destino
de cada menino. Disto resulta uma rotina que abafa tôda
individualidade, todo talento pessoal, e não deixa nenhuma
possibilidade „de alguém se elevar pelo esforço acima da sua
condição.

Educação elementar — Os meninos das castas superiores


têm direito à educação, e os livros sagrados .(Shastras) orde­
nam a fundação duma escola em cada aldeia. Mas as moças
não recebem educação; são consideradas sêres inferiores, e
os Indus acreditam que a mulher letrada não obedece nem
quer trabalhar.
O professor pertence à classe dos brâmanes. É objeto
r’ e grande e proferida veneração. Os Vedas aconselham que
levem um assento atrás dêle quando sobe umá montanha,
nara que possa descansar, e recomendam que lhes segurem
as sandálias enquanto êle se veste. E o livro sagrado acres­
centa: “Aquêle que censurar seu mestre, ainda quando êste
se tivesse enganado, entrará depois dai morte no corpo dum
burro; se o censurar falsamente transformar-se-à num cão;
se êle se servir do que lhe pertence sem lho pedir, passará
para o corpo de um verme; enfim, se invejar os seus méritos,,
será transformado em vérminà” .
O mestre é considerado como quem faz um trabalho todo
espiritual, e seria urn insulto oferecer-lhe retribuição. Mas
os seus alunos podem dar-lhe presentes e oferecer-lhe, con-
form e seus'm eios, “ um cam po, ouro, pedras preciosas, uma
vaca ou um cavalo, um guarda-sol, um par de chinelos, um
escabêlo, cereais, roupas ou um m anjar delicado” .
O curso de estudos é, por assim dizer, exclusivam ente
religioso. O m enino é instruído a princípio oralm ente; de­
pois, estuda os livros sagrados: catecism o budista e Vedas.
A m oral se ensina sobretudo por m eio de provérbios e fá­
bulas. O catecism o budista é dividido em duas partes. A
prim eira encerra dez m andam entos com relação: a) aos
três pecados ão c o rp o : assassínio, furto, im pureza; b) aos
quatro pecados ãa língua: mentira, calúnia, injúrias, conver­
sações ociosas; c) aos três pecaãos do espírito: cobiça, ma­
lícia, ceticism o. A segunda aponta cinco perigos que cum ­
pre evitar: o abuso de licores que produzem embriaguez, o
jôgo, a preguiça, a com panhia dos maus, os lugares de di­
vertim entos públicos.
A s outras matérias do program a são a leitura, a escrita
o a aritmética.

Métodos — O m estre dá o ensino individual, e cada alu­


no form a uma divisão. À s vêzes, os m aiores e mais adianta­
dos dirigem os trabalhos dos menores. Daí seguiu-se o sis­
tema mútuo.
Para aprender os caracteres, o m enino traça-os prim eiro
sôbre a areia com os dedos ou uma vara, depois os grava
com uma ponta de ferro em fôihas de palm eira; finalmente,
perm item -lhe reproduzi-los a tinta em fôlhas de plátario.
Em aritmética, o conhecim ento das tabuadas precede o es­
tudo das quatro operações.
A disciplina é geralm ente suave e paternal. As leis de
Manu prescrevem não em pregar a vara senão depois que
todos os outros m eios forem esgotados: “ Se um aluno se
torna culpado duma falta, o seu professor o repreenderá
severam ente e o advertirá que na próxim a transgressão o
corrigirá com a vara. E se a falta é com etida num tem po
frio poderá lançar-lhe água fria” .

Educação superior — A educação superior é organiza­


da, na índia, há m ilhares de anos. Com o nom e de pa-
rishadas existiam colégios m uito tem po antes de Cristo. No
princípio, a parishada tinha três professôres; mais tarde,
leve vinte e um e tornou-se verdadeira universidade.
Durante m uito tempo, os altos estudos foram únicamen-
(e reservados aos brâmanes. Mas, à m edida que se desen-
' olveram as cidades, nelas fundaram -se escolas de litera­
tura, de direito, de astrologia, de astronomia e de medicina.
O program a com preende o conjunto dos conhecim entos
humanos: relig !ão gramática, matemática, astronomia, li­
teratura, filosofia, direito e medicina. Nas leis de Manu
é que se deve procurar o ideal a atingir: ‘A prender e com ­
preender os Vedas, praticar piedosas m ortificações, adqui­
rir o divino conhec;m ento da fé e da filosofia, tratar com
veneração o pai natural e o pai espiritual” .
Os livros sagrados form am a base e a coroa da cultura
intelectual dos Indus. D o estudo atento dos Vedas têm
feito derivar a m aior parte das suas ciências: a fonética,
pronúncia verdadeira e natural dos sons; a gramática, arte
ua construcão das frases: a m étrica, a liturgia e os seus
ritos, a exegese para explicar-lhe a significação, a astrono­
mia para a determ inação cronológica dos sacrifícios. A es­
tas ciências prim itivas se acrescentaram outras da mesma
origem : a jurisprudência, as lendas, a lógica e a dogmática.
Ass:m se form ou o sistem a ãas dez ciências às quais vieram
ajuntar-se a música e a medicina.
Os Indus têm levado bem longe os estudos gramaticais;
o seu m étodo tem servido de m odelo aos gramáticos m o­
dernos. Em todo tem oo têm cultivado com cuidado a m a­
temática. A tribui-se-lhcs a invenção do sistema decimal.
Apreciação geral — Graças ao seu sistema de educação
superior e ao espírito de espiritualidade que a anima, a
índia sempre foi um país de ascetas, de letrados, de filóso­
fos e de matemáticos. Mas a educação elementar é preju­
dicada por graves defeitos: rotina excessiva dos mestre?,
cultura demasiado exclusiva da memória, negligência sis­
temática da educação das mulheres, das crianças, dos ser­
vos e dos párias. Ocupa-se muito pouco com a formação
do caráter e o cultivo da vontade. O regime das castas
mantém, entre os Indus, um espírito de egoísmo, de sufi­
ciência e de orgulho que os impede de adotar as idéias e
os métodos dos Ocidentais.
A educação' antiga tende a desaparecer. Colégios e
universidades, fundados sobretudo pela Inglaterra, existem
em várias cidades. A difusão do cristianismo enfraquece
pouco a pouco o espírito de casta e prepara o reino de uma
íraternidade conforme o espírito do EVangelho.

B ibliografia. — Chri-Stus, Hintoires de.s religions, cli. V I . — Cyelo.


pedia o f ( ducalion, art.' índia. — líüTT, O. R., History o f civilization in
■ Aiicieiil índia, 3 rol. (Londres et Caleutta, 1900). — L a u rie, Pre-christian
(ducation. — P a roz, Histoire universelle de la pédagoyie (P a ris, 1883 y.
— W arren, .1. SchooJn in British índia ( Washington. 1873).

CAPÍTULO V

EDUCAÇÃO DOS ASSÍRIOS E BABILÔNIOS

Resumo histórico. — A Assíria ocupava n parte superior (la bacia


do Tigre e (To K ufrates: e, Babilônia, a parte inferior. A Caldéia, pla­
nície imiitu rica e muito fértil, era uma província de Babilônia. Qs
povos que habitavam êsses países erain originários dos elevados planal-
11is da 'Ásia. ' Os Caldeus, primeiros possuidores do solo,, tinliam um a-
civilização muito adiantada foram subjugados e absorvidos peliís Ba-'
liilônios.

Religião. — Pelos textos conhecidos até << dia de hoje, a mais an-
llga form a dê religião dos Assírios tf dos Babilônios fói o politeísmo.
Cada cidade tinha o seu (1'eus, o qual possuía .d seu templo, recebia as
homenagfns <io póvo e o protegia. Este deus era assistido poiv uni nú­
mero considerável de divindades secundárias. O rei da cidade não era
mais do que oi seu representante ou o seu sacerdote. No decurso dos
séculos o número das divindades diminuiu e uma hierarquia se formou,
íi lesta da qual se achava reunida Uma espécie de tríade composta de
.Inou, deus do céu de En-lil, deus da terra e de Ea, delis do mar.
Os Assírios e Babilônios tinham a alma religiosa- Os textos dos
li i dos
e das orações que dirigiam fi divindade exprimem sentimentos
muito elevados. Acompanhavam as suas súplicas com presentes, li-
bações e sacrifícios. Tinham a noção, do liem e do mal e consideravam
a doença e ás provações como castigos. O culto que tributavam aos
mortos, prova que tinham idéia da vida futura. Mas nenhum texto
conhecida atesta a sua crença na ressurreição geral ou 11a transmigra-
ção das almas.

Educação — Os Caldeus tiveram escolas, e os magos-


foram os seus primeiros professores! Os templos eram os
principais centros de atividade intelectual. Os Caldeus de­
sapareceram como raça; mas legaram a seus vencedores
uma civilização muito adiantada. O seu idioma, estudado
como língua morta, só era empregado nas cerimônias reli­
giosas.
Nada se sabe de preciso sôbre a organização escolar
dos Assírios e Babilônios, mas o estado da sua civilização
leva a supor que tinham escolas numerosas. O .saber lhes
era necessário para assegurar ao povo o bem-estar e manter
no exterior o bom nome da nação.
A alta educação era reservada aos magos e às castas
superiores. Um menino inteligente podia, porém, chegar
a uma cultura elevada, que lhe dava acesso aos empregos
do Estado. A instrução era sobretudo técnica e prática:
tratava-se de form ar com erciantes e escrivães. Entretanto,
em certa época, os estudos ditos liberais estiveram em gran­
de aprêço: houve especialistas em literatura religiosa, em
astronomia, em história. A profundou-se sobretudo a ciên­
cia do com ércio e adotou-se um engenhoso sistema de con­
tabilidade.
A s grandes cidades possuíam bibliotecas cujos livros
eram pranchetas ou cilindros sôbre os quais estavam gra­
vados os caracteres cuneiform es. O descobrim ento de al­
guns dêsses “ manuais” , destinados aos escolares, perm itiu
conhecer de m odo mais preciso a civilização dêsses povos.
O program a de estudos com preendia a religião, a gramáti­
ca, a aritmética, a história e a geografia. Os manuais de
história são m uito m etódicos. A tabuada de m ultiplicação
estava em uso nas escolas e conhecia-se o sistema decimal.
Os elem entos da leitura se ensinavam por sílabas que se
com binavam para form ar palavras: era um passo para o
alfabeto.
A s escavações têm trazido à luz inúmeras obras sôbre
todos os conhecim entos humanos. Sabemos, por outro la­
do, que os magos eram versados em tôdas as ciên cia s., São
considerados com o os fundadores da matemática e da as­
tronom ia. Acharam -se os relatórios dirigidos ao rei com
os resultados das suas observações: estudavam os astros,
sobretudo com o fim de tirar presságios para o bem ou mal
da humanidade. Estabeleceram a semana de sete dias, in­
ventaram os signos do zodíaco e determ inaram a duração
do ano. A sua literatura epistolar era considerável; os frag­
m entos que nos restam são preciosos para a história.
O código dos Caldeus e dos seus sucessores continha
leis m uito sábias baseadas na justiça e na probidade natu­
ral. A s ordenações do rei Hammurabi (2342-2288) são cé­
lebres. A m edicina foi m enos florescente, porque conside-
ravam as doenças efeitos da influência dos maus espíritos.
Para curar os doentes, em pregavam principalm ente encan­
tamentos. Segundo M. Lenorm ant e outros orientalistas,
os Assírios tinham feito engenhosas classificações do reino
animal e do reino vegetal. Descobertas recentes fazem su­
por que os sábios dêsse país tinham à sua disposição certos
instrumentos de óptica e que dêles se serviam para gravar
os caraciereF sôbre as pranchetas e os cilindros.

Universidade «?e Babilôn*a — Babilônia foi o centro de


uma grande atividade intelectual. O próprio rei mantinha,
em seu palácio, uma escola superior em que se estudavam
as línguas, as ciências naturais, a astronomia e a m atemá­
tica. O curso dos estudos se fazia em três anos. Os estu­
dantes eram m antidos pelo Estado. No fim do curso o rei
os exam inava com cuidado a fim de conhecer o seu juízo
o a inteligência. F oi nesta escola que o profeta Daniel e
os seus com panheiros se instruíram em tôdas as ciências
do seu tempo.

Cultura moral — Infelizm ente a form ação m oral dos


alunos fo i por dfemais negligenciada nas escolas da Assíria.
Êstes povos se entregaram a tôda espécie de desordens.
Deus foi ofendido de tál m odo que pronunciou contra Ní-
nive e Babilônia terríveis ameaças cujos efeitos não tarda­
ram a se fazer sentir. Suas cidades foram destruídas e,
alguns séculos mais tarde, m al se recordava o lugar que
elas haviam ocupado.

B ibliografia. — - C i i r i s t t t s , Hirtoire ãcs rrlipions, Ch. XTT. — Cyrlo.


prãia o f cducaticn, art. Assyro-BabyTonians. — L a u r i e . Prr-CMMinn etln.
cation. — M a r p é r o , Histoire ancirnnc des pcuplm <7' 1’ Oricnt ( P a r i s , 3 9 0 0 ) .
—- Nouvcau Dictionnairc de pcdaçtogic, art. ChaldCe, Chaldíens. — D e l a -
roE TE , L a Mcsopotamie (P a r is 1 9 2 3 ).
EDUCAÇÃO DOS PERSAS

Resumo histórico. — Os Persas descendiam dos Árias que se haviam


estabelecido, no oitavo século antes da nossa era, a leste do Tigre, entre
o mar Cáspio e o gôlfo Pérsico. A Pérsia foi, durante vários séculos,
um grande e poderoso império que Alexandre conquistou. Ápós a
morte do grande conquistador, êste país foi entregue sucessivamente aos
Selêucidas, aos Partas e aos Sassânidas. Os Árabes se apoderaram dêle
no século V II.

Religião- — Os Persas adoraram, a princípio, os astros, os elementos


e os fenômenos naturais. Zuroastro foi o fundador da religião dualista
cujos princípios estão contidos no Zend-Avestn. A base desta crença é
a dciutviníi da existência de dois princípios hostis e opostos: Ormuzd,
espírito do bem e Ahriman, espírito do mal. As vii^tades que é preciso
praticar para ser agradável a Ormuzd s ã o : a reti<?8u, a 'ca rid a d e para
com «s pobres, a hospitalidacíe com os estranhos. Os Persas acredi­
tavam ainda no julgam ento das almas, depois da morte, nos castigos e
recompensas da outra vida.

Educação — O sistema escolar dos Persas ieve o mérito


de atrair a atenção dos grandes pensadores' da antiguidade,
sobretudo dos Gregos. Esteve em vigor até a conquista
árabe.
Começava a educação na família. O p.ai possuía um
poder soberano; era obedecido e respeitado. Formar .os fi­
lhos na virtude, velar pela sua saúde, fazer dêles úteis ser­
vidores do Estado, tal era o seu ideal. Heródoto nos diz
que os Persas ensinavam aos filhos três coisas: montar a
cavalo, atirar com o arco e dizer a verdade. Cultivavam
nêles sólidas.qualidades morais: a obediência, o amor aos
pais, a justiça, o valor, a temperança, o sentimento de honra
e o desejo de ser agradável a Ormuzd. Aos sete anos, a
criança considerava-se do Estado.
Seria a educação dada a todos por igual? Inclina-se a
crer que erã principalmente reservada à classe elevada.
O Avesta contém alguns preceitos a êste respeito: “A edu­
cação é a vida da humanidade. . . Os homens elevam-se
aos empregos mais ilustres pela educação que os torna ca­
pazes de íler* e. escrever” . Uma secçãó, hoje perdida, do
livro sagrado era dedicada unicamente à arte de educar a
mocidade. Os filhos ^dos pobres provàvelmente não rece­
biam senãtí uma educação muito sumária. Strabão e ou­
tros escritores asseguram que os filhos dos nobres e dos
ricos eram educados na côrte do rei, por homens graves e
de procedimento irrepreensível.

Períodos de educação — A instrução formal principiava


aos sete anos. No ponto de vista físico, compreendia a cor­
rida, a equitação, o tiro de flecha e de dardo. A alimenta­
ção era das mais frugais: pão, agrião e água. A formação
intelectual compreendia a leitura do Avesta e a escrita.
A religião era considerada” a base necessária da formação
do cidadão”. (Avesta)
Dos quinze |toá vinte é cinco anos, efetuava-se a forma­
ção militar. O jovem recebia primeiro o cinto da virili­
dade; depois, prestava juramento de seguir a lei de Zoroas-
tro e de servir o Estado com fidelidade. Exercitava-se tam­
bém na equitação e no manejo das armas.
Dos vinte e cinco aos cinqüenta anos, òs Persas eram
soldados: tomavam parte nas guerras e expedições. Aos
cinqüenta anos, os cidadãos mais instruídos e mais virtuo­
sos tornavam-se educadores. Na Persia, como na Caldéia.
os magos foram os mestres por excelência. O Avesta lhes
recomendava que estabelecessem entre êles e os alunos um
laço comparável ao de um irmão com seu irmão ou dum
pai com seu filho. Os Persas tributavam a seus mestres
uma grande veneração e, após a m orte, punham-nos muitas
vêzes no núm ero dos santos.
A aula com eçava cedo porque estava prescrito aos
jovens levantarem -se antes do canto do galo. Estrabão nos
inform a que se reiíniam desde a aurora na praça pública
com o se estivessem dispostos a tom ar as armas ou a sair
para a caça. D ividiam -se em com panhias de quinze; e sob
a direção dos seus mestres ou dos sátrapas, faziam uma
marcha assaz longa. Os exercícios intelectuais alternavam
com os exercícios militares. Os professores exigiam uma
exposição das suas lições.
O curso de estudos não era uniform e. O dos soldados
com preendia religião, leitura, escrita e, sobretudo, educa­
ção física. O dos m agos era m uito mais extenso. Com ­
preendia religião, história, matemática, astronomia, astro­
logia, alquimia, etc.

Apreciação — Êste sistema de educação, se realmente


existiu com o o descrevem alguns escritores da antiguidade,
m erece graves censuras. Favorecia o estadismo e destruía
os direitos da fam ília sôbre o filho. Parte da população
recebia educação insuficiente. A cultura física tinha uma
im portância exagerada em detrim ento da form ação inte­
lectual. Apesar dos seus defeitos, esta educação deu resul­
tados apreciáveis. A Pérsia teve os seus poetas ilustres:
Ferduci, Saadi, Hafiz; e os Contos das Mil e uma N oites
estão traduzidos em tôdas as línguas.

B iM io g ra fia . — C h r is tu s , M an uel d ’ liistoire ã : s religion s , c h . V . —


Cyclopcãia of educai ion, a r t . P crsiun éãucation. — L a u r i e , P re-C h ristia n .
— M a s p é r o , I I i loire a n ci.n n c â es p eup les dc V O ricn t. — N o u v ca u D ie -

Uonnaire ãe p éd a g o g ie , a r t . P er se . — X énophon, L a C yropéd ie.


EDUCAÇÃO DOS EGÍPCIOS

Resumo histórico. — O E g i t o f o i p o v o a d o dV sde n m ain r e m o ta a n ­


tig u id a d e . N u m e r o s a s d in a s t ia s de f a r a ó s o g o v e r n a r a m n o s te m p o s
m a is r e m o to s . O s H ik s o s , h a v e n d o -s e a p o d e r a d o d e nina p a r t e d o t e r r i­
t ó r io , s u c e d e r a m n « s r e i s ; fo r a m , p o r é m , e x p u ls o s p e lo a n o d e 1700
a n te s d e C r is to e a (Vina&tia n a c io n a l to rn o u a r e in a r s ô b r e to d o o E g ito .
E m 525, C a m b is e s s e a p r d e r o u d o p a ís e to r n o u -o p r o v ín c ia d a P é rs ia .
C o n q u is t a n d o -o p o r seu tu rn o , A le x a n d r e fu n d o u a c id a d e d e A le x a n flr ia
(p ie se to r n o u f o c o d e c iê n c ia e c iv iliz a ç ã o . O E g it o p r o s p e r o u m u ito
s o b o g o v ê r n o d o s P to lr m ie u s ; f o i p r o v í n c i a ,r o m a n a a lg u n s a n o s a n te s
d a e r a c r is t ã e c o n q u is t a d a p e lo s S a r r a c e n o s n o s é c u lo V I I .

Religião. — T in h a m o s E g íp c io s u m a d o u trin a r e lig io s a q u e c o n s i­


d e r a v a m r e v e la d a . E s t a v a c o n t id a n o s liv r o s hcrm áUcos , c u jo a u to r , s e ­
g u n d o a t r a d iç ã o , n ã o e r a s e n ã o o d e u s T o t, o M e r c ú r io d f «3 G re g o s.
E sses liv r o s c o n tin h a m h in o s e c â n t ic o s s a g r a d o s e t r a ta v a m d e to d o s
o s c o n h e c im e n t o s h u m a n o s. Em to d o te m p lo d o E g it o d e v ia h a v e r um
e x e m p la r .
A p r in c íp io ê s t e p o v o a d o r o u u m só D e u s ; c a ;u, p o r é m , em breve
n a m a is g r o s s e ir a id o la t r ia . P r e s to u c u lt o a o s m a is v is a n im a is e at»3
a o s le g u m e s d a s h o r ta s.i " N o E g ito , d iz B o ssu e t, tm lo e r a d eu s e x ce to
o p r ó p r io D e u s .” O s E g íp c io s a c r e d it a v a m na im o r t a lid a d e d a a lm a ,
n a s r e c o m p e n s a s e c a s t ig o s da o u t r a viría. E s t a v p m c o n v e n c id o s d e qu e
a s a lm a s t o r n a r ia m a h a b it a r o s c o r p o s : c o m e s ta id é ia e m b a ls a m a v a m
o s c a d á v e r e s e o s c o n s e r v a v a m p r e c io s a m e n t e .

Castas. — O s E g íp c io s d iv id ia m -s e e m t r ê s c a s ta s - A m a is e le v a d a
e m a is in flu e n t e e r a a d o s sa cerd o tes. E x e r c ia m a m a io r a u to r id a d e
s ô b r e o p o v o e a t é s ô b r e c s f a r a ó s . T in h a m o m o n o p ó lio d a c iê n c ia e
d a a r t e d o g o v ê r n o . U s a v a m u m a e s c r it a e s p e c ia l, os h ier ó g lifo s. A b a i x o
d ê le s d is tin g u ia m s e q u a t r o o r d e n s d e p r o f e t a s ; a m e sm a c a s t a c o m ­
p r e e n d ia a in d a p r o fe tis a s , cscrib a s e hom en s dc a rte ou c iê n c ia ; m é d ic o s ,
e m b a ls r m a d o r e s , a r q u ite t o s e e n g e n h e ir o s . A s e g u n d a c a s t a e r a f o r ­
m a (Ta d o s g u erreiro s, c o n s id e r a d o s n o b re s.' A t e r c e ir a , d o p o ro , e r a d i­
v id id a e m v á r ia s c o r p o r a ç õ e s : o p e r á r io s , a r t ífic e s , b a r q u e ir o s , n e g o c ia n ­
te s e p a s t o r e s .
Educação — Reconhece-se h oje que a civilização dos
egípcios precedeu a dos Caldeus. Os Egípcios sempre es­
timaram a instrução, y m sábio dizia ao filho: “ Dá teu
coração à ciência e ama-a com o a uma mãe, pois não há
nada mais precioso que a instrução” . E acrescentava: “ O b­
serva bem : não há nenhuma profissão que não seja gover­
nada. Só o hom em instruído se governa a si próprio” .
Encaravam o saber sobretudo com o m eio de alcançar fo r­
tuna e honras. O iletrado era visto com o um animal de
carga. Estas idéias levaram -nos a m ultiplicar as escolas.
De todos os países da antiguidade, diz Maspero, o Egito é
talvez aquele em que a instrução foi mais geralmente di­
fundida” . Os mestres pertenciam geralm ente à primeira
casta, e visavam sobretudo manter a supremacia dos sa­
cerdotes, a autoridade das castas superiores e a submissão
das castas inferiores.

Educação na família — A té a idade de quatro anos a


criança só vivia para os seus brinquedos: bonecas, crocodi­
los de qu eixos móveis, etc. Era criado sem m oleza; desde
o prim eiro ano, andava descalço e com a cabeça rapada. O
seu alim ento principal era a bolacha de durah ou o m iolo
do papiro assado. “ Um menino, dizia D iodoro de Sicília,
em sua criação até os vinte anos, não custa vinte francos” .
A mãe dava-lhe pouco a pouco noções elementares de reli­
gião e moral.

Escolas elementares — Faltam -nos porm enores precisos


sôbre a organização escolar do antigo Egito. A escola cha-
mava-se a casa de instrução. O program a de estudos com ­
preendia a religião e as conveniências, a leitura, a escrita,
o cálculo, a natação e a ginástica. Havia, nas grandes ci­
dades, o que chamaríamos hoje escolas primárias superio­
res. Ensinava-se ali a escrita dos caracteres hieráticos e
üemóticos, o desenho, a contabilidade, a com posição lite­
rária' e a geom etria prática. Um exam e determ inava a pas­
sagem da escola elem entar para a escola superior.

Ensino superior — Os estudos superiores tinham, antes


de tudo, um caráter técnico e profissional. A própria lite­
ratura era estudada com um fim prático: adquirir as fó r­
mulas da linguagem e a facilidade de elocução a fim de
chegar a redigir convenientem ente os atos legais e com er­
ciais.
Parece ter havido no Egito um com êço de especializa­
ção: escribas, arquitetos, engenheiros, médicos, sacerdotes,
recebiam uma form ação em relação com a sua profissão
futura.
Os escribas estudavam as três espécies de escrita: de-
mótica, hierática e hieroglífica; contabilidade, desenho e re­
ligião. A posição de escriba era m uito invejada: “ Faze-
te escriba, dizia uma máxima, faze-te escriba e chegarás às
honras e à fortuna; a profissão de escriba avantaja-se a
tôdas as outras profissões” . Os escribas chegavam aos em ­
pregos mais elevados, às posições mais consideradas da cor­
te. Suas ocupações consistiam em registrar as transações
comerciais, em escrever os relatórios das cerimônias, em
tirar cópias do “ Ritual dos M ortos” , etc.
Os engenheiros e os arquitetos estudavam mais espe­
cialmente a geometria, a mecânica, a hidráulica e a astro­
nomia. Os conhecim entos matem áticos dos Egípcios eram
muito im perfeitos. Não tinham senão os sinais 1, 10, 100,
1000, para exprim ir todos os números, o que tornava o seu
sistema de num eração extrem am ente com plicado. Não sa­
biam resolver as frações que tinham 1 por numerador. Para
conseguir a superfície dum círculo elevavam ao quadrado
a metade do diâm etro A necessidade lhes fêz achar as
fórmulas para m edir os cam pos e determ inar o volum e dos
celeiros. Os seus astrônom os tinham feito mapas das cons­
telações e calculado, antes dos Caldeus, o ano de 365 dias.
Os engenheiros executavam trabalhos admiráveis. Os ar­
quitetos im aginaram construções simples e grandiosas a
um tempo, e certos m onum entos erguidos por êles excita­
ram a adm iração do m undo inteiro.
Os m édicos faziam tam bém estudos aprofundados. Os
tratados de terapêutica eram num erosos e os estudantes
tinham que dar provas sérias do seu saber antes de serem
autorizados a exercer a profissão m édica. A lguns se con­
sagravam mais exclusivam ente à ar!e de embalsamar; e,
o segrêdo de preparar as múmias foi por m uito tem po a
glória dos em balsam adores egípcios,
Os soldados só tinham uma instrução elementar, à qual
se ajuntavam os conhecim entos especiais da sua profissão.
Julga-se que cada regim ento tinha um corpo de músicos.
Platão diz que a m úsica egípcia era grave e séria.
Os sacerdotes estudavam tôdas as ciências: religião,
literatura, ciências naturais, astronomia, m edicina, filoso­
fia, engenharia e música. Sobretudo a ciência religiosa
tinha as suas predileções. Os seus conhecim entos eram
m uito vastos: Platão, que tinha estudado sob a sua direção,
dizia a seus com patriotas: “ Gregos, não passais de crian-
cas!” De tôda parte iam consultá-los, e os homens mais
ilustres da Grécia gloriavam -se de ter sido seus discípulos.
A s suas escolas mais célebres foram as de M êmphis, Tebas
e Heliópolis.

Métodos e d’scipl’na — A m aneira de ensinar era tôda


de rotina. Punham -se deante dos olhos do aluno as car­
tilhas que lhe m ostravam classificados, de acôrdo com sua
natureza material, os sinais usuais, com a pronúncia res­
petiva em caracteres alfabéticos e com indicação dos prin­
cipais sentidos. Decorava-os, copiava-os; e, quando os sa-
bia, podia dizer que sabia sofrivelmente ler e escrever.
Entregavam-lhe, ao mesmo tempo, extratos de autores clás­
sicos ou minutas de cartas que copiava a cálamo 'sôbre ta-
buinhas de madeira, fina, recobertas de fracá camada de
estuque branco ou vermelho. Mais tarde, passava-se aos
alunos papird sôbre que copiavam e escreviam, sob ditado,
outros trechos seletos dos autores clássicos. O mestre revia
o trabalho e traçava, à margem, os sinàis mal desenhados
ou palavras erradas. Boa parte da íiteraturá egipciana só
nos chegou pelos cadernos escolares. (Masperó, art. Egito
antigo, no novo Dic. Pedag.).
A escrita exigia longos anos de prática. A escrita hie-
' roglífica se compunha de 650 símbolos; a hierática era uma
simplificação da precedente; a demótica abrangia pelo me­
nos 350 sinais. Os alunos que sabiam escrever, copiavam
máximas de moral ou de civilidade.
A disciplina era severa. Máxima corrente rezava: “Os
alunos têm costas e compreendem melhor quando apanham”.
Diz um- professor irritado ao aluno: “Ensina-se ao falcão
a voar; eu também te ensinarei as letras, seu preguiçoso!”
Antigo estudante^ao escrevér ao mestre, dizia que na escola
“lhe moeram os ossos como a um burro” .

Contribuição à árte de ensinar. — Os Egípcios foram o» 'primeiros


a se servirem, da fôlha do papiro para os exercícios da escrita. Empre­
gavam métódcs concretos para o tusir.o da numeração e das operações
fundamentais. Serviam-se de figuras para o ensino da geometria-
Devemos-lhes a funá'açâo das prim eiras bibKotecac. Desde a época
mais remota possuíam grande quantidade de livres tô b fe todos os assun­
tes. A literatura enriqueceu-s.e sobretudo durante o Impário Médio.
Certos autores dizem que o número de livros publicados atingiu o nú­
mero sim bólico 36.525, uilmtVo d<s dias de um século. Um funcionário
‘especial, encarregado das bibliotecas, tinha o título de governador ãa
casa dos livros.
Ápreciaçãc geral — É louvável, no sistema de educação
dos Egípcios, uma preocupação cpnstante de formação reli­
giosa e moral. Os métodos concretos só podiam produzir
excelentes resultados. A alta educação, mais ^accessível
neste país que nos outros, produziu homens eminentes em
todos os domínios das ciências; atraiu muitoá viâjantes e
estudantes estrangeiros. A influência da cultura egípcia
fêz-se sentir principalmente entre os Hebreus, os Fenícios
e os Gregos.

Bibliografia. — B r e a s t e d , A hisiory o f ancient Egyptians (New-York,


1905). — Cyclopcõia o f education, art. Egypt. — E r m a n , JAfe in ancient
■Egypt. — L a u m e , Pre.christian eãucation. — M a s p é r o , Histoire ancienne
ães peuples áé VOrient (Paris 1909). — R a w u n s o n , History o f Ancienl
Egypt., I. (Londres, 1881).

CAPÍTULO VIII

A EDUCAÇÃO DOS HEBREUS

Fim da educação — “Em tôdas as nações, diz José Si-


mon, a, direção imprimida à educação depende da idéia
que elas formam dó homem perfeito. Entre os Romanos,
é o soldado valente, insensível à fadiga, dócil à disciplina;
entre os Atenienses, é o homem que reúne em si a feliz
harmonia .da perfeição moral e da perfeição físiGa; entre
os Hebreus, o homem perfeito é o homem piedoso, virtuoso,
capaz de atingir o ideal do povo hebreu, traçado pelò pró­
prio Deus nestes têrmos: “Sêde santos còmo eu, vosso
Deus, sou santo”. ( L e v i t . , X IX , 2). Quando a povo judeu
cài sob o jugo estrangeiro, a educação tem por fim sobre-
tudo reabilitar a raça, conservar as tradições e salvaguar­
dar a unidade nacional.

Educação na família — A família hebréia é a mais pura


da antiguidade. Os filhos são consagrados a Deus desde o
nascimento. A mãe tem o sentim ento de sua responsabi­
lidade com o educadora; dá aos filhos as primeiras noções
religiosas, narra-lhes os favores singulares de que Deus
cum ulou o seu povo e lhe faz soletrar os preceitos divinos
na Sagrada Escritura. O pai é igualmente obrigado, pelos
livros Sagrados, a transmitir aos filhos as tradições nacio­
nais e a explicar-lhes as divisas das terras. O menino cres­
ce assim numa atmosfera de religião, de piedade e de re­
conhecim ento para com Deus.
Os pais lhe ensinam igualm ente a leitura, a escrita e
os elementos do cálculo. O pai se ocupa especialmente dos
meninos; deve ensinar-lhes um ofício conform e ã recom en­
dação da Sagrada Escritura: “ Quem não ensina um ofício
no filho, ensina-o a ser ladrão” . A mãe é incum bida sobre­
tudo das meninas; ela as inicia nos trabalhos domésticos:
preparação das comidas, fiação, tecelagem e trabalhos de
costura; dá-lhes a'con h ecer os grandes feitos da história do
povo de Deus. A literatura profana não é proibida, às jo ­
vens e, quando a influência helénica penetra na Judéia,
muitas delas aprendem o grego.
A disciplina, na fam ília é de grande severidade. O m e­
nino que se mostra rebelde às lições dos pais é rudemente
castigado. Acham êstes que é m elhor servir-se da vara do
que deixar o m enino crescer com um caráter vicioso e to­
mar o cam inho da peídição. O livro dos P rovérbios, que
‘•■e pode tomar com o a expressão do ideal da educação entre
os judeus no m om ento em que apareceu (1000 A. C.) insiste
na necessidade da correção: “ A estultícia está ligada ao
coração do menino: mas a vara a afastará dêle” (X X II, 15).
“ Não poupes ao m enino a correção; se lhe bateres com uma
vara não m orrerá por isso. Bater-lhe-ás com a vara, mas
]ivrarás sua alma do sepulcro” (X X III, 13, 14). “ A vara
r- a repreensão dão a sabedoria; mas o m enino abandonado
a si próprio envergonha a m ãe” (X X I X , 15). Os outros
livros exortam do m esm o m odo os pais a não se descuida­
rem do dever da correção: “ Faze-lhe curvar a cabeça en-
cuanto está pequeno para que não se torne teimoso, não te
desobedeça e não seja a dor da tua alma” . ( E c l e s i á s t i c o ,
X X X , 12).

Educação moral e religiosa — Form ar o m enino na vir­


tude tal era a principal preocupação dos judeus: “ Um es­
cravo virtuoso dom inará o filho depravado” , diz o livro dos
P rovérb ios (X V II, 2 ). Daí a im portância que dão à educa­
ção m oral e religiosa. Inclinam os filhos à virtude, corri­
gem -nos dos seus defeitos, reprim em -as suas m ás inclina-
cões; inspiram -lhes o am or do trabalho, o horror da pre­
guiça e dos prazeres nocivos, a ca r;dade para com os pobres
e aflitos. A fim de prevenir o mal, vigiam -nos com cuida­
do, conservam -nos semDre ocupados, acom panham-nos à es­
cola e vão esperá-los à saída.
Instruem -nos nos preceitos divinos e levam -nos à sina­
goga a ouvir a explicacão dos Livros Sagrados. Com o
mesmo fim tôda a fam ília vai a Jerusalém em certas épocas
do ano..

Períodc da educação judaica — P ode dividir-se a edu­


cação judaica em três períodos: '
1. A n tes do cativeiro ãe Babilônia — Durante êste
período não havia escolas. A fam dia dava o ensino ele­
m entar e a form ação religiosa, com pletada pelas instruções
recebidas na sinagoga. Os L ivros Santos m encionam as
escolas ãe projetas. Eram provavelm ente escolas superio-
ros de Sagrada Escritura. Os alunos viviam em comum.
Estudavam, além das ciências sagradas, a miísica, de uso
constante nas cerim ônias do culto, e a poesia lírica, de que
os Salmos são a mais sublim e expressão.

2. D o cativeiro à. era cristã — O cativeiro de Babilô­


nia deu aos Judeus um sentimento mais vivo da sua nacio­
nalidade e lhes fèz procurar os m eios de a conservar. O
povo manifestou .o seu desejo de se instruir dizendo a Es-
dras: “ Lê-nos o livro da doutrina de M oisés” . Esdras fêz
leituras públicas às segundas e quintas-feiras. Os seus su­
cessores dotaram as principais cidades de escolas, em que
r-e ensinavam as doutrinas religiosas, a literatura e as leis
nacionais. Os escribas e os rabinos dedicaram-se ao estudo
das línguas estrangeiras. Fizeram uma tradução -arâm ica
das Escrituras, e explicaram a lei. O conjunto das suas
interpretações form ou mais tarde o Talmud. Escolas ele­
mentares abriram-se por tôda parte ao lado das sinagogas.
O program a dos estudos rabínicos estava determ inado
pelo próprio Deus. O livro da Sabedoria enumera os co­
nhecim entos que o hom em sábio deve ter: deve conhecer
a posição do globo terrestre (geografia) e as virtudes dos
elem entos; o com êçb, o m eio e o fim dos tem pos (cronolo~
çiia); a m udança das estações (cosm ogra fia ); as revoluções
dos anos e as disposições das estréias (astron om ia ); as na­
turezas dos animais e as cóleras da,s feras ( historia natu­
ral) ; a fôrça dos ventos e as virtudes dos homens; as di­
ferenças das plantas e as virtudes das raízes. (Sabedoria,
VII, 17).
No fim dos cursos, o m estre im punha as mãos a seus
discípulos e entregava-lhes uma chave e uma tabuinha,
sím bolos do direito de explicar as Escrituras. A s mais cé­
lebres escolas rabínicas foram as de Jerusalém, de A lexan­
dria e de Babilônia.
Não obstante o seu número, as escolas elementares tor­
naram-se insuficientes.
P or isso, 104 antes de Cristo, Sim eão-ben-Shatash cha­
m ou sôbre êste ponto, a atenção dos seus compatriotas. Ele
próprio fundou em Jerusalém escolas a que deu o nome de
“'casas do liv ro” . Õ seu exem plo, pòrém, teve poucos im i­
tadores. Foi precisa a ameaça duma ruína com pleta para
levar os Judeus a confiarem , com o m eio supremo, a santa
doutrina à m em ória dos filhos.
3. Da era cristã ao ano 200 — Cêrca do ano 64 da nossa
era o rabino José-ben-Gam ala com pletou a obra de Simeão-
-ben-Shatash, ordenando sob pena de excom unhão, a cada
cidade que tivesse escolas. A o lado das escolas públicas,
autorizou a abertura de escolas particulares, com o m eio de
excitar a em ulação dos mestres: “ A emulação, diziam os
rabinos, aumenta a ciência” . Estas escolas foram organi­
zadas com m uito cuidado. Em prim eiro lugar, ligou-se a
m aior im portância à escolha dos m estres. Deviam possuir
muita ciência, ser pacientes, devotados aos interêsses dos
alunos, cheios de doçura e de afabilidade. Eram preferidos
os de certa idade: “ Quem aprende alguma coisa dum m es­
tre m oço, dizia uma m áxima, é semelhante a um homem
que com e uvas verdes e bebe vinho que sai do lagar; mas
quem tem um mestre de idade madura, é semelhante a
um hom em que com e uvas escolhidas e bebe vinho v elh o” .
Eram objeto de grande respeito; cham avam -nos luzes de
Israel, príncipes do povo. sustentáculos da sociedade. Diz
o Talmud “ Se vosso pai e vosso mestre necessitam da vos­
sa assistência, socorrei o vosso m estre antes de socorrerdes
vosso pai” . O núm ero dos mestres de uma escola era de­
term in ado'pelo dos discípulos: “ Se o núm ero dos m eninos
não passa de vinte e cinco, a escola será dirigida por um
só mestre; a partir de vinte e cinco, a cidade pagará um
adjunto; adima de quarenta, serão necessários dois direto­
res” ( T a lm u Ò T . ,

Organização dos- estudos — A Bíblia é, em tôdas as es­


colas, a base do curso de estudos; tudo o que se ensina
tem, de algum çiOdo, relação com ela: historia, geografia,
aritmética, ciências naturais. Tôdas as lições são impreg­
nadas de ensinamento moral.
A “casa de estudos” divide-se eirç três classes: A Mi-
krah, a Mishnah e a Guemara. A Mikrdh, divisão inferior,
é para os meninos de seis a dez anos. Estudam leitura, es-
rrita, elementos de hebraico e caldeu. A aula dura o dia
todo, e até, conforme Maimônides, parte da noite.' Os alu­
nos da Mishnah são de dez a quinze anos. O mestre explica
a lei oral, .que compreende as leis civis, comerciais e penais.
A Guemara é dos rapazes de quinze a dezoito anos. Apro-
íundam mais as leis orais e adquirem noções elementares
de história natural, anatomia, medicina, geometria e astro­
nomia. Em tôdas as classes exige-se dos .alunos um tra­
balho sério, que se continua no seio da família.

Métodos — Os Judeus usavam métodos atraentes. Sa­


biam ensinar o alfabeto por meio de jogos ou de histó­
rias, relacionadas com cada letra. Serviam-se até de bolos
ou letras de açúcar. O ensino era sobretudo oral. A re­
petição e a revisão eram os dois princípios capitais da pe­
dagogia judaica. O Talmud incita o mestre a repetir qua­
trocentas vêzes o que não foi compreendido, e os pedagogos
não incorriam na falta de esquecerem êsse conselho. Os
sábados e dias de festa eram consagrados às recapitulações.
Para dar mais vida às recitações empregavam a forma de
diálogo. Por meio de processos hábeis, travavam-se dis­
cussões entre mestres e alunos ou entre alunos. Era “o -
ferro afiando o ferro”. Usavam vários meios mnemotécni-
cos. Havia até um com êço de ensino m útuo e o mestre
empregava, às vêzes, monitores.

Disciplina — A disciplina era relativam ente suave. “ O


menino, diz o Talmuã, deve ser punido com uma das mãos
e "acariciado com as duas. “ Os rabinos não admitiam pu­
nições corporais a não ser excepcionalm ente. R ecom enda­
vam grande doçura sobretudo para com os mais novos. Nos
casos de revolta ou de preguiça inveterada o culrado era
privado de pão e podia ser batido com uma correia.

Apreciação geral — A organização escolar dos Judeus


produziu bons resultados. Os m eninos adquiriam, em pou­
co tempo, conhecim entos bastante extensos. O historiador
Josefo declara que, na idade de quatorze anos, êle podia
explicar as questões mais difíceis da lei. Sob o ponto de
vista da educação propriam ente dita, êste sistema é o mais
perfeito da antiguidade. Os H ebreus com preendiam a im ­
portância superior da form ação religiosa e moral. Nada
pouparam para terem escolas em núm ero suficiente e de­
ram uma solução conveniente a alguns problem as que em ­
baraçam os educadores m odernos: assiduidade, liberdade
de ensino, curso de estudos, etc. O seu ideal de form ar
hom ens piedosos e bons cidadãos encontravam nesta orga­
nização todos os elementos para a sua realização.
A história atesta que o povo ju deu foi laborioso, inteli­
gente, ativo, em preendedor, extrem am ente ligado às suas
tradições religiosas e nacionais. Censuram-lhe, com certa
razão talvez, o ter ficado estreito, acanhado, e m alévolo
para com os outros povos. Os doutores da lei temiam, não
sem' m otivo, as infiltrações m itológicas das nações estran­
geiras; as suas invectivas, porém , já não eram razoáveis
quando envolviam no m esm o desprêzo “ o criador de porcos
e o que ensina ao filh o a ciência grega” .
Os Judeus e a cultura ocidental — D epois da sua disper­
são, os Judeus abriram escolas em tôdas as localidades onde
podiam mantê-las. A s suas academias lançaram vivo es­
plendor na idade média, especialm ente em cerfas épocas
perturbadas, em que a cultura das letras e das ciências era
quase im possível em varios países. Na Espanha, no seculo
XI, distinguiram -se em tôda sorte de ciências: ciências na­
turais, astronomia, filosofia, música, poesia. Tiveram esco­
las célebres em Toledo, Granada, Córdova, Lunel, Beziers,
Narbona, Pádua, Gênova, Roma. Estas escolas desaparece­
ram no século X IV , mas os Judeus continuaram amigos da
ciência. Nos três últim os séculos êles têm produzido sá-
I ios, artistas e letrados em núm ero considerável: Spinoza,
Mendelsohn, lord 'Beaconsfield, etc.

o f eã u ca tion , a r t . Jew isli eã u ca tion . — L a t i-


B i b l i o g r a f i a . — C y c lc p c â ia
kie, .V rc-eh ristia n eã u ca tio n . — L e i i v .i g k r . Edii^-atiun o f 1lic J c w s ( N
V o rk , 1 R 9 0 ). — K o n rc a tt D u tio n n a ir c ric p ê tla g o g i; a rt. J n ifs . — S i m o n ,
Y o r k , 1 8 1 )0 ). — N ou v ca u D ic tio n n a ir c de p ed a g n g i a r t . Jiiifft. — S u r o x .
1 ,’éiiu ca tion et V in s tru c tio n d es e n fa n ts c h r s J e s a uri nte. Juiftt ( L e ip z iç ;.
1s 71)) . — S a n t e G i d f e t í i d a , S to ria delta p ed a g o g ia , p . 2 4 -3 0 ( T u r im , 1 9 1 2 ) ,
— ypiE RS, Tlie scliool sy vtem o f thc Tahnud ( L o n d r e s , 1 8 9 8 ) .

C A PÍT U L O IX

A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA

Fim da educação — O fim da educação grega, ao mes­


mo tem po idealista e utilitária, pode resumir-se nesta fór­
mula: “ cultura do “ eu” moral, intelectual e físico em vista
de um aperfeiçoam ento contínuo de que o Estado se possa
aproveitar” . Todos os m eios que em pregavam tendiam a
aumentar a fórça, a agilidade, a beleza do corpo, e ao mes­
mo tempo, o respeito, a m oderação, o senso de justiça e o
<;ôsto estético. Este ideal é tão antigo com o Hom ero e He-
síodo; para o realizarem, empregaram quatro meios prin­
cipais: a religião, a literatura, a música e a ginástica.

Religião — A educação helênica foi essencialmente m o­


ral e religiosa. Êste ponto era objeto das mais vivas preo­
cupações dos pais: “ A mãe e a ama, o pai e o tutor alter-
cam entre si para assegurar o progresso da criança à medida
que com eça a com preender Nada pode e la ' dizer nem fa­
zer sem os ouvir assegurar-lhe que isto é justo e aquilo
injusto: que isto é honesto, aquilo desonesto; que isto é
santo e aquilo, não; faze isto, não faças aquilo ( P l a t ã o . Pro-
tágoras) ” .
O ensino religioso nada tinha de dogm ático nem de
form al; agia sôbre o m enino indiretamente. Êste tinha sob
os olhos os exem plos de seus pais que invocavam cada dia
as divindades, honravam por festas periódicas, os antepas­
sados e os m ortos mais recentes da família. As estátuas
dos deuses, pela beleza das suas formas, davam -lhe a idéia
da perfeição. Enfim as festas públicas, brilhantes, de um
notável caráter estético, em que êle não era simples espec­
tador, mas as mais das vêzes ator, eram m uito próprias para
desenvolver nêle sentimentos de piedade. Além disso, para
se oferecerem aos olhos dos deuses, os jovens deviam os­
tentar todos os dotes da alma e do corpo; consideravam
honra m uito grande trazer a còroa sagrada e aproxim ar-se
muito particularm ente dos altares.

Literatura — O ensino literário tinha com o fim form ar


o gôsto e fazer amar a virtude. A literatura foi o elemento
habitua] da juventude grega. Não concebiam até outra
escola senão a dos poetas. No lar paterno o menino ouvia
narrações maravilhosas, e quando, pelos sete anos, se apre­
sentava à escola a sua imaginação estava cheia de ficções
poéticas. Na escola , era nas obras dos grandes poetas que
fazia suas leituras.’ Aprendia trechos de Homero, sobre­
tudo da Ilíada, porque Aquiles era o herói preferido do
povo grego; ao;lado*de Homero, colocavam Hesíodo e Eu-
rípedes; extendiaih-se muito sôbre- os gnômicos: Sólon,
Minmerne, Teognis, etc. Os outros exercícios escolares, es­
crita, gramática, ensaios de composição, eram feitos por
meio de trechos de autores. Enfim o meio em que vivia o
menino era eminentemente poético. Os oradores citavam
os grandes escritores para terem o apoio da sua autoridade;
nos teatros representavam as obras de Ésquilo, de Sófocles,
de Eurípedes; nas panatenéias liam-se trechos de Homero.
A poesia tinha seu lugar em tôdas as festV- Enfim a es-
tatuária e a cerâmica reproduziam as mais belas inspira­
ções dos poetas épicos e dramáticos.

Música — Os Gregos consideravam a música um dos


melhores meios de educação. Os filósofos espalhavam essa
idéia entre o povo dizendo que o ritmo e a harmonia agem
sôbre a alma, a despojàm da sua rudeza, lhe comunicam o
tato e a moderação; a tornam accessível às idéias do belo
e do justo.
A educação musical teve, portanto, sempre um fim mo­
ral: amaciar a alma, regular os seus movimentos desorde­
nados, inspirar sentimentos. de virtude e patriotismo, dar
('legância à atitude. Servia de corretivo a uma cultura fí­
sica excessiva. “É preciso considerar os Gregos, diz Mon-
tesquieu, como uma sociedade de atletas e combatentes;
ora, êstes exercícios, tão próprios' para formar gente resis­
tente e selvagem, precisavam ser temperados por outros
que pudessem suavizar os costumes. A música que atinge
o espírito pelos órgãos do corpo, era m uito própria para
isso” .
Os instrumentos usados eram a lira e a citara, o aulos,
espécie de flauta de bico, e a siringe, espécie de flauta de
Pan. Os antigos proibiam a flauta com o própria para ex ­
citar as más paixões. Depois das guerras médicas, esteve
algum tem po em uso; mas abandonaram-na porque as contra­
ções dos labios, que ela ocasiona, deform am o rosto e im ­
possibilitam o canto.

Ginástica — A ginástica, necessária ao desenvolvim ento


harm onioso do corpo, foi ensinada com particular cuidado.
O Estado preocupava-se com ela e ligava a êste ensino a
m aior importância.
Os exercícios físicos contribuíam para a form ação m o­
ral do m enino; êles o acostum avam à submissão às autori­
dades, à disciplina, ao endurecim ento e à fadiga, davam a
seus m ovim entos a elegância e a graça e contribuíam para
a harm onia do corpo e da alma.
A dança era contem plada com o o com plem ento da m ú­
sica e da ginástica. “ Falava à alma, pelo gesto, pelas atitu­
des nobres ou graciosas e sentido das palavras cantadas; fa­
voreciam a saúde, a beleza dos m ovim entos e a agilidade
( D a m s e a u x , História ãa peãagogia, p. 2 5 )” . Entre os ate­
nienses a dança era uma instituição nacional. Figurava em
todos os program as de festas religiosas ou cívicas.

Educação dos Gregos antigos

Platão tem razão de dizer que H om erò foi o verdadeiro


educador dos Gregos. Bem antes da aparição da Ilíada, ti­
nham recebido do Oriente certas doutrinas que conserva­
vam preciosam ente; mas nenhum livro nos inform a sôbre
esta cultura tradicional. Desde que as obras-primas de
H om ero receberam a sua form a definitiva, a Grécia reco­
nheceu nelas as suas tradições. A lliaãa tornou-se o poema
nacional por excelência, a epopéia da pátria helènica. Os
G regos acharam nela, com a história da raça, a sua teologia
e as suas ciências sagradas. Os bardos, os pintores, os es­
cultores nela procuraram a inspiração das suas obras mais
célebres.
A Odisséia foi o poem a das tradições e dos costumes
domésticos. Dela tiraram os G regos a sua filosofia moral,
a sua eloqüência, a sua genealogia e conhecim entos geográ­
ficos. Mais tarde fizeram dela até o fundam ento da sua
filologia, da sua crítica dos textos c da sua gramática.
Acharam igualm ente, nas obras de H om ero, o seu ideal
de educação: fazer de cada cidadão um hom em de ação e
um sábio. Ulisses, por sua bravura, seu respeito aos deu­
ses e aquêle dom ínio de si mesm o que o im pede de ir aos
extremos, tornou-se o tipo do hom em de acão. Aquiles,
cujo pensamento está sempre subm etido à razão e à refle­
xão, foi o tipo do hom em sábio. Sob o ponto de vista re­
ligioso o ideal dos Gregos, calcado sôbre o dos seus heróis,
foi elevar-se para a divindade pela cultura form al das fa­
culdades corporais e espirituais. Esta tendência da educa­
ção desenvolveu entre êles o individualism o e o séntimento
da liberdade civil.
Tal foi, em seu conjunto, a educação grega. Mas cada
uma das grandes raças dórica e jónica aplicou estes princí­
pios conform e o seu ideal particular. É, portanto, necessá­
rio estudar separadamente os Espartanos e os Atenienses

A educação em Esparta

A o r g a n iz a ç ã o d a e d u c a ç ã o , e s p a r ta n a r e m o n ta a I J r u r g o fSSO A.
C .). E ste ilu s t r e le g is la d o r t in lia h a u r id o a lg u m a s d a s su a s id é ia s em
M in o s, r e i de C r e ta , q u e n a m a is r e m o t a a n tig u id a c fe t in h a levado esta
iih a a um n o t á v e l e s t a d o d e c iv iliz a ç ã o .
L ie u r g o t i v e p o r fim s « jr e t u d o f o r m a r s o ld a d o s , p o r q u e E s p a r ta
e s t a v a s e m p r e a m e a ç a d a p e r o u t r o s p o v o s d a L a c ô n ia , e êle m esm o,
p a r a se m a n te r n o p o d e r , tin h a p r e c is ã o d e u m a f ô r ç a m ilit a r im p o m e n t a

Educação na família — A s leis de L icu rgo autorizam o


odioso costum e de matar ou expor as crianças. O recém -
nascido débil ou deform e é fatalm ente sacrificado. Se é bem
constituído e se a fam ília não é demasiado numerosa, o pai
pode deixá-lo viver, mas a sua decisão deve ser aprovada
pelo conselho da tribo.
Os pais dão ao pequeno espartano a prim eira educação.
Êles sabem que “ a infância é apta a receber tôda sorte de
im pressões” ; tam bém afastam de seus filhos os meninos v i­
ciosos e põem -nos em contacto com os com panheiro que têm
boa pronúncia. E nrobustecim ento físico e m oral é o seu
ideal; chegam a êste resultado habituando o corpo à sobrie­
dade, à fadiga e à insensibilidade, e lançando na alma os ger­
mes da virtude: obediência às autoridades, respeito aos an­
ciãos, coragem e patriotismo.

Educação pelo Estado — A os sete anos, a criança perten­


ce ao Estado, que se encarrega da sua educação. Sendo o
fim suprem o do indivíduo o serviço m ilitar, êste ideal serve
de base à educação. Trata-se de form ar homens robustos,
corajosos, hábeis e capazes de aturar as m aiores fadigas. Os
jovens Lacedem ônios são divididos em três classes, abran­
gendo as idades de sete a doze, de doze a quinze, de quinze
a dezoito anos. R ecebem suas lições em grupos de sessenta
e quatro, sob a direção de m onitores, escolhidos entre os mais
inteligentes e os mais distintos. D evem aceitar sem um m ur­
m úrio as ordens, os trabalhos, e até os castigos. A alta
direção dos grupos é confiada a um vigia geral (p ed ôn om o),
assistido por corretores ( m astigóphoros, porta-chicotes). Faz-
se uso corrente do azorrague. Cada ano, os mestres admi­
nistram a correção publicam ente com o fim de desenvolvei
o espírito de submissão. O pundonor exige que o m enino
não grite e suporte as pancadas sem pedir com paixão.

Educação física — Tudo, na educação física, é disposto


com vistas a conseguir o endurecim ento e o vigor. Os m e­
ninos vestem a mesma túnica em tôda estação; trazem o
cabelo aparado rente e dorm em num leito de palha e de
caniço.
Os exercícios ao ar livre são variados: luta, corrida, sal­
to, arremesso do disco e do dardo, natação, equitação, dança.
São executados, na m aior parte, em dança ritmada. Mas, a
todos os exercícios da palestra, os espartanos preferem a caça
em que êles se sobressaem. Praticam tam bém vários espor­
tes: um dos seus jogos favoritos, o episkyros, tem semelhan­
ça com o nosso m oderno futebol.

Educação intelectual — Os Espartanos só davam im por­


tância m edíocre ao saber. Não cultivavam as ciências e ar­
tes senão excepcionalm ente. No entanto, os m eninos apren­
diam a ler e a escrever. Cantavam as leis de Licurgo e
trechos de H om ero, bem com o hinos religiosos e patrióticos.
Davam -lhes lições de m úsica e de citara com o fim de lhes
suavizar o caráter.

Educação moral — P ode-se dizer que a educação m oral


era a base do sistema de educação de Licurgo. Era preciso
formar o caráter do m enino para o habituar às privações, à
<ior, ao sofrim ento, ao desprendim ento dos pais; uma grande
fôrça de vontade era necessária aos joven s para reprimirem
os maus instintos e procederem com honra.
A proveitavam tôdas as ocasiões para impressionar as
imaginações juvenis e dar-lhes o am or pelo bem e o horror
ao mal: festas em honra dos deuses, cerim ônias com em orati­
vas dos grandes acontecim entos. . A s refeições públicas ser­
viam também para tal form ação: a m ocidade ouvia os ho­
mens discutirem os negócios do Estado. Cumpre acrescen­
tar que à sociedade espartana não falta nem alegria nem
espírito; com preende perfeitam ente o gracejo, as leves zom -
barias; distinguém -se respostas espirituosas. A êste contato
os joven s desenvolvem o seu m odo de ver, form am o cará­
ter, adquirem hábitos de urbanidade e sociabilidade.
A mesa espartana é frugal e o m enino é obrigado a pro­
curar o com plem ento necessário para se saciar. “ Singular
educação a de encorajar os m eninos a furtar, a de exercitá-
los na astúcia e na dissimulação! Esta prática, contudo, não
tem nada de im oral, visto que os espartanos consideravam a
propriedade individual com o uma espécie de usufruto. Na­
da impedia, portanto, o Estado proprietário de lhe im por
uma servidão. O roubo, dos meninos, estava nesse caso. (A.
B a u d r i l l a r t , L ’edueation en G rèce, p. 30) ” .

Período da educação espartana — A os doze anos, o m e­


nino vestia o m anto da virilidade. Dos dezoito aos vinte
os m oços form avam kruptoi ou grupos encarregados do po­
liciamento do território. V iviam fora das cidades e faziam
executar pelos hilotas trabalhos de utilidade pública. Era
o periodo da form ação militar. Dos vinte aos trinta, passa­
vam para a classe dos iréns; m oravam em quartéis e eram
íubm etidos a exercícios ginásticos e militares. A os trinta
anos adquiriam os seus direitos de cidadãos; podiam consti­
tuir fam ília mas ficavam soldados.

Apreciação geral — A história de Esparta é a crítica


mais severa à sua pedagogia. A s leis de Licurgo tinham
banido o luxo e a extravagância, bem como tinham dado aos
lacedemônios certas qualidades secundárias, como o valor,
a resistência, a -disçiplina, o espírito empreendedor. Mas
uma educação tão exclusivamente física os predispunha à
crueldade, ao orgulho, e a um egoísmo violento e brutal;
Jevava-os até a dçstruição das crianças fracas e mal confor­
madas. O estádismo destruía os laços da família e, por isso
mssmo, feria o verdadeiro patriotismo porque, quanto mais
o soldado é apegado aos seus lares, tanto mais corajoso é>
Licurgo fêz dos espartanos um exército, nada maiá que um
exército. A educação intelectual e estética, é nula; a edu­
cação moral é grosseira e imperfeita. A mãe de família é
pouco preparada para a missão delicada que lhe incumbe;
a criança, muito cedo afastada do lar, carece de virtudes
domésticas e não possui mais do que virtudes sociais. Esta
formação só dá as qualidades especiais do soldado.
A educação espartana foi acanhada e rotineira. Ficou
no eme Licurgo estabeleceu. Pondo a sua glória em nada
modificar, os Lacademônios cedo foram excedidos pelos Ate­
nienses, que souberam evoluir para um ideal mais elevado,
tendo por fim “dar ao corpo e à alma tôda a perfeição de
que são suscetíveis”.

A educação em Atenas

Atenas foi o verdadeiro centro da cultura helênica. Os


Atenienses tiveram como ideal formar homens capazes de
cumprir todos os deveres da vida civil e militar. Procura­
vam o harmonioso desenvolvimento do homem pela cultura
física, pelo trabalho intelectual e formação na virtude. Tu-
r ídides escreveu oue êsse povo soube, com o seu sistema
de educação, “combinar o amor do belo com a simplicidade
da vida e filosofar sem se enervar”.
Educação na família — Com o em Esparta, o pai dispu­
nha dos filhos e podia matá-los ou expô-los. Em certas épo­
cas remotas, a miséria pública enchia os m ercados de es­
cravos com infelizes crianças postas a venda pelos pais. Esta
prática dim inuiu pouco a pouco, mas não cessou senão com
o cristianismo.
A educação n a ,fa m ília deixa m uito a desejar. O pai
v iv e'm u ito pouco em casa; divide o tem oo entre o cuidado
dos negócios, longas conversas com os amigos e ass:stência
aos discursos e espetáculos. A mãe, profundam ente honesta
mas ignorante e acanhada, exerce pouca influência sôbre os
filhos; muitas vêzes, confia-os a m ercenários. Abandonado
quase a si mesmo, o jov em ateniense entrega-se aos jogos
da sua idade. Os seus brinquedos são auase os mesmos da
nossa época: bola, arco, cabra-cega, papagaio, pião, balanço,
boneca. Conhece igualm ente as pernas-de-pau. as bolinhas,
o encarne (nom e de iô g o ). Mas a bola tem tôdas as suas
preferências. É de várias qualidades; a mais simples, o fol-
lis, consiste em aparar a bola oue outro atira; na nvoraxis,
atira-a ao chão, retom a-a no pulo e a reenvia ao chão com a
palma da mão.
A s meninas tam bém jogam a bola para em belezar a gra­
ça das suas atitudes e para aumentar a elasticidade dos
gestos. Era o jô g o favorito de Nausica e das companheiras
em tem pos da Odisséia.
A educação intelectual e m oral, entretanto, não é nula.
O m enino aprende poesias e cantos, próprios a inspirar-lhe
bons sentimentos e a form ar o coracão à virtude. A sua
inclinação para contos e fábulas é utilizada para lhe inculcar
verdades morais, fazer-lhe com oreender a necessidade da
correção dos defeitos e da aauisicão de bons hábitos. Se a
lição indireta não basta, em orega-se a repreensão e. em
casos extrem os, a punição infligida com sandálias e chine­
los. A sua piedade para com os deuses desenvolve-se pelo
culto dom éstico e pela assistência às cerim ônias públicas.
Educação elementar — Aos sete anos, o menino atenien­
se vâi à escola, levado pelo pedagogo, que é geralmente um
velho escravo inválido e ignorante. Êste acompanha o me­
nino em suas idas e vindas, faz-lhe recitar as lições em casa,
forma-o às boas maneiras e preserva-o das más companhias.
Os pedagogos foram, muitas vêzes, corruptores de seus alu­
nos. Pois como seriam dóceis os meninos para com escra­
vos cujas paixões grosseiras e. inferioridade social muito
bem conheciam?
O aluno divide o tempo entre a palestra e o didascâleo.
Fica na palestra ( palê, luta) quasé metade do dia. Nesta
instituição os alunos são classificados em grupos conforme a
sua idade. Antes do exercício são untados com óleo pelos
aliptâs ou massagistas. O pedotriba preside aos exercícios
corporais e o sofronista exerce a vigilância moral. Sob a
sua direção, os jovens gregos se entregam aos exercícios do
pentatlo: lúta, corrida, salto, arremêsso de disco e de dardo.
Os principiantes tornam-se ágeis por movimentos de braços
e pernas, saltos, etc. Òs mais hábeis praticam o murro e o
pancrácio.
O didascâleo é a escola de gramática. ■Nela aprende o
aluno a leitura pelo método de soletração, a escrita e os ele­
mentos de cálculo. JPéssa, em seguida, ao estudo dos poetas
e aprende as fábulas de Esopo, trechos de Homero e Hesío-
rio, de Teognis, Focilides Sólon, etc. Os Gregos reservavam
um lugar importante à recitação. Êste exercício apresenta­
va uma vantageih tripla: permitia aos meninos tornarem-
se mais hábeis no manejo da língua, contribuía para o de­
senvolvimento do gôsto; enfim, familiarizava os alunos com
certo número de noções úteis à sua cultura geral ou profis-
nional. Através dos poetas, o jovem ateniense estudava a
religião, a história, a geografia e até adquiria alguns sumá­
rios de economia política, física e ciências naturais. Êste
ensino muito vivo, muito concreto, fixava solidamente os
conhecimentos na memória.
A pós esta educação elementar, os m eninos pobres dei­
xavam a escola, mas deviam preparar-se a exercer o seu
ofício por um aprendizado obrigatório. O filho que não ti­
nha recebido êste ensino profissional era dispensado de tra­
tar do pai na velhice, e o pai que fôra negligente recebia
assim uma justa punição. Os ricos continuavam os seus
estudos, acrescentando-lhes a música, a dança e algumas
outras ciências que pouco a pouco se introduziram nas es­
colas atenienses: aritmética, geom etria e desenho.
O curso de música com eçava pelos treze anos. Sob a
oireção do citarista, os m eninos aprendiam a cantar; ensina­
vam -lhes ao m esm o tem po o ritm o poético e a teoria m usi­
cal. Os trechos que estudavam eram escolhidos de m odo a
desenvolver o sentimento religioso, patriótico e moral. O
nitarista ensinava tam bém os seus alunos a tocar varios ins­
trumentos. T odo ateniense, mais ou menos, devia ser capaz
de cantar acom panhando-se na sua lira.

Educação mora! e relig'csa -— A form ação m oral era,


com o vim os, uma das graves preocupações dos Gregos. Con­
tavam com os mestres para continuar esta obra importante,
pois consideravam o culto dos deuses com o o laço da família
e da sociedade. Os deuses, a pátria, o lar, eis três coisas
que não faziam mais que uma para o Grego. “ Do mesm o
m odo que um altar dom éstico tinha grupados em seu redor
os m em bros duma fam ília, a cidade era a reunião dos que
tinham os mesm os deuses protetores e que desempenharam
o ato religioso no m esm o altar ( F u s t e l de C o u l a n g e s , La
cité antique, 23.a ed., p. 166)’'.
A educação m oral era sobretudo dada indiretamente;
penetrava todo o ensino. Os exem plos, as conversas, as fes­
tas religiosas, o teatro, o estudo dos poetas, gravavam no
coração dos futuros cidadãos o conjunto daquelas virtudes
em que M ontesquieu viu o fundam ento necessário duma. de­
mocracia. Os escritores mitológicos, cujas narrações dema­
siado livres poderiam escandalizar a mocidade, eram remo­
vidos com cuidado. A música exercia uma influência feliz
EÔbre a sensibilidade; a ginástica não tinha outro fim senão
realizar a máxima tantas vêzes repetida: “uma alma sã num
corpo são”. -
As boas máneiras, expressão de sentimentos, eram culti­
vadas com um cuidado todo particular: a graça do porte
(eukosmia) não se separava dos outros dois fins da educa­
ção: sophrosine (govêrno de si mesmo) e arete (excelência,
perfeição da alma e do corpo).

G násio — Aos quinze anos o jovem Heleno entrava para


o ginásio pelo espaço de três anos. O ginásio se ocupava
sobretudo da formação física, mas as faculdades intelectuais
também achavam ali um al;msnto: execução de obras mu­
sicais, declamação de poemas, discursos e conferências. Foi
nos ginásios que começou o ensino filosófico e sofistico. Mais
tarde, as escolas de filosofia também se chamaram ginásios.
O Estado intervinha na organização e direção dêstes es­
tabelecimentos. O ginasiarca é escolhido, todos o& anos, pela
assembléia do povo. <*Finha sob sua autoridade um vigilante
para a moral e alguns empregados subalternos. Cada giná­
sio constava de quatro grandes pórticos em quadrado. Três
dêstes pórticos eram reservados aos ociosos è aos passeantes;
o ouarto servia para os exercícios. Pouco a pouco, estas ins­
tituições aumentaram e possuíram, além do local destinado
nos exercícios, jardins, bibliotecas, teatros e estádios para
as corridas. Atenas tinha três ginásios célebres: A Aça-
ctemia, o Liceu, o Cinowrnn. Os primeiros dois foram ilus­
trados pelo ensino de Platão e Aristóteles.

Efeb‘a — O jovem ateniense entrava, aos dezoito anos,


na categoria dos efebos. Era a coroa da sua educação e o
com eço do seu serviço ativo que durava dois anos. Os jo ­
vens recrutas passavam o prim eiro ano no Pireu; o segun­
do, nas fortalezas da fronteira. Êste serviço, a princípio
obrigatório, tornou-se, sob o govêrno dos m acedônios, volun­
tário e aristocrático. Felipe o reduziu a um ano. P ouco a
pouco, o período da e fe lia tornou-se uma vida de estudo e
de universidade.

Educação secundária — D o sétimo século ao quinto antes


da nossa era, houve com o que um esboço de educacêo secun­
dária. Filósofos abriram escolas nas principais cidades da
Grécia. Com o procuravam explicar a origem das cousas,
criaram pouco a pouco uma atividade científica e filosófica.
Fizeram progredir a matem ática e a astronomia. Um déles,
Tales, introduziu nas escolas o estudo da geometria.
P elo ano de 350 A. C. a instrução primária e a secun­
dária foram claram ente separadas; o program a dos estudos
secundários com preendia gramática, literatura, estudo dos
poetas, desenho, geografia, geom etria e música.

Educação seperior — No quinto século antes da nossa


era com eçou a organização da educação superior. As circuns­
tâncias eram favoráveis para isso: o núm ero de m oços de
família abastada tornava-se considerável; os cidadãos das
grandes cidades gozavam de mais lazeres, interessavam-se
pelas questões científicas; as com unicações com os países
estrangeiros tornavam -se mais fáceis. A lém disso, a exten­
são e im portância das transações com erciais, o govêrno da
coisa pública, exigiam naquela época uma preparação mais
especial, para a qual as escolas de filosofia não eram sufi­
cientes. Isócrates foi um dos que m elhor com preenderam
o caráter dos estudos superiores.
Segundo êle, a alta educação devia ser: prática, onosta
a subtilezas; racional, visar sobretudo a form ação das facul-
dades;\ efctensa, não preparando somente para umã profissão
mas dándo cíiltura géral (1).
O Curso de estudos se organizou lentamente. Os sofis­
tas elaboraram a arte da retórica; os sábios aplicaram a ma­
temática à teoria musical e aos estudos dos astros; Aristó­
teles aperfeiçoou a dialética, a ética e a físicá; estudou os
problemas metafísicos e deu à filosofia seu remate: a teo-
dicéia ou teosbfia, que o cristianismo devia utilizar em pro­
veito da doutrina verdadeira. Quando esta organização fi­
cou definitiva, o ensino superior compreendeu: a filosofia, a
retórica, a eloqüência, a política, a matemática, a astronomia,
as ciências ,e música. As primeiras quatro eram considera­
das como estudos superiores por excelência.
A filosofia e a retórica tomaram-se extremamente po­
pulares. Algümas das escolas em que eram ensinadas ad­
quiriram grandè celebridade: tais foram a escbla de retó­
rica de Isócrates, as escolas filosóficas de Platão (Academia),
de Aristóteles (Liceu) e de Zénon (Pórtico).
Ao tempo em que florescia a escola de Alexandria, ãs
ciências helênicas formavam três grupos: disciplinas filoló-
gicas: gramática, retórica, dialética; disciplinas matemáti-

(1 ) Isócrates (436-3^8) exerceu influência considerável sôbre a edu­


cação dos Gregos e dos Romanos. Eeagiu contra o ensino dado pelos so­
fistas e, cêrea de 390, abriu uma esco’ a de retórica onde se propunha formar
os jovens para a vida pública e para a ação. Admitia às s u a s lições Os
alunos que já possuíssem conhecimentos bastante extensos, e lhes'ensinava
filosofia, literatura e arte oratória. Pela feliz esc-olha dos assuntos a tra­
tar, pelo ideal elevado que lhes propunha, Isócrates trabalhava na formação
do caráter e na educação moral. O bom-gôsto, a retidão d o juízo, o pro­
cedimento exemplar, o domínio de si, a modéstia, tais são, segundo êle, os
caracteres p-elos quais se conhece o homem bem educado.
A sua escola teve pleno êxito; saíram dela Tiomens de Estado, oradores,
advogados e historiadores. Contribuiu em larga medida para fazer de Ate­
nas o centro intelectual do mundo. Escolas do mesmo gênero espalharam-se
110 Oriente e sobretudo em Eoma, onde durante longos séculos prepararam
a mocidade para as carreiras liberais e os empregos públicos.
cas: aritmética, geometria, música e astronomia; disciplinas
filosóficas: filosofia e teologia. Fàcilm ente se reconhecerão
aqui as sete artes liberais da Idade-Média. Êste curso de
estudos foi m antido em tôdas as cidades do M editerrâneo por
varios séculos depois de Cristo.

Organização das escolas atenienses

A escola — Quanto à escola Sólon só tinha dado pre­


ceitos gerais: “ Os rapazes devem, antes de tudo, aprender
a nadar e a ler; os pobres serão em seguida exercitados na
agricultura ou num ofício; os ricos tratarão da música e da
equitação, e se dedicarão a freqüentar os ginásios, à caça
e à filosofia ” . A organização escolar foi o resultado da ini­
ciativa privada dum povo amigo das artes e das ciências.
A República não interveio nem nas construções de escolas
nem na nom eação dos mestres nem na escolha das matérias
ou em prêgo dos m étodos de ensino.
Nos tem pos antigos dava-se aula numa esquina ou numa
praça pública. Mais tarde locais especiais foram construí­
dos. As grandes cidades tiveram várias escolas.

O mestre e a ctasse — O m estre era cham ado gramatista.


O seu em prêgo, considerado inferior, era pouco estimado. O
ensino era o últim o refúgio de quem já experim entara tudo.
Dizia-se com um ente de alguém que desaparecera: “ M or­
reu” ou “ ensinou o alfabeto” .
Demóstenes, no seu Discurso pela coroa, exprobra a seu ad­
versário ter ajudado o pai a varrer a escola.
Na aula o mestre se colocava sôbre um assento eleVado;
os alunos agrupavam-se em seu redor, porque não havia
bancos nem carteiras. A o longo das paredes estavam ex-
postos1 vários objetos necessários ao ensino: quadros de lei­
tura e1 escrita, caixas para os rolos manuscritos, tabuinhas
para o cálculo, seixos para a numeração, estantes para os
instrumentos de música. Pretende-se até que houvesse qua-
dros-negros para as demonstrações. Certas salas de classe
eram ornadas de estampas e pinturas.

M étodos de ensino — Os G regos ignoram a palavra e a


coisa. Os mestres to m a m 'p o r guia o bom -senso e a expe­
riência. A leitura se ensina por soletraçáo e procede-se por
síntese: letras, sons, sílabas, palavras. O alfabeto é escrito
ou pintado sôbre placas de argila cozida. Os exercícios de
escrita se fazem por m eio dum estilete sôbre tabuinhas un-
tadas de cera. O cálculo elem entar é facilitado pelo uso de
objetos ou duma espécie de contador cujas bolas têm valo­
res diferentes. Os trech os ãe autores, às mais das vêzes, são
ditados. O mestre explica sempre o trecho antes de o fazer
aprender. Os alunos não fazem tarefas em casa. Não são
cxam inaáos senão em ginástica e música.
Para o ensino em prega-se o m étodo individual. A aula
consta de m uitos entretenim entos particulares, entre o gra-
matista e cada um dos alunos, que se aproxim am dêle, um
depois do outro. Durante êste tem po os outros ficam ocu­
pados sob a vigilância de adjuntos ou m onitores. Entretan­
to, aprendem sim ultâneam ente os trechos de poesia, o canto
e a tabuada de multiplicação.

D isc‘plina — Uma passagem das N uvens de Aristófanos


descreve a disciplina das escolas atenienses. Os rapazes de­
vem guardar silêncio diante dos mais velhos. Os meninos
vao à escola em grupos; e, do m esm o m odo, voltam para casa;
n.io podem dem orar-se pelo caminho. Na aula, a disciplina
e bastante severa; muitas vêzes os m estres recorrem à vara
/

para conseguir atenção e' docilidade e fortificar a autoridade


do ensino. Nos casos mais graves em pregam sandálias e
chinelos com o instrumentos de correcão. /
/
Os Gregos e a pedagogia — Os filósofos gregos ocupa­
ram-se com as questões de educação; não fizeram dela uma
ciência particular mas ligaram -na à política, ciência da or­
ganização dos estados. Platão e A ristóteles consagraram a
êste ponto estudos especiais. A ristipo e Teofrasto deram,
sôbre a educação, judiciosos conselhos. Zénon escreveu um
tratado sôbre -a educação grega. Crisipo ocupou-se da m a­
neira de estudar os poetas; Isócrates, nos seus Conselhos a
T)emônico e a N icocles adverte aos m oços sôbre o procedi­
m ento que devem ter em tôdas as condições em que se pos­
sam achar.

Aprec‘ação da educação ateniense — Podem os admirar


dos atenienses um grande cuidado da form ação m oral e reli­
giosa. Concebiam a educação com o um desenvolvim ento
harmonioso de tôdas as_ faculdades, o qual devia dar ao jo ­
vem ateniense a beleza da form a, a penetração da inteligên­
cia e a nobreza do coração. N otem os tam bém a liberdade
quase sem reserva deixada aos pais e aos mestres. (A . Bau-
d r illa r t , L ’Education en G rèce, p. 37). O govêrno ateniense
demonstrava, por êste m odo de agir, grande largueza de vis­
tas e profundo respeito à personalidade. Não vem os que
esta atitude tenha sido nociva à prosperidade das escolas;
muito pelo contrário. Platão, pôsto que partidário do esta-
dismo, sente-se feliz em verificar que “ os Atenienses são os
únicos que não devem a sua virtude a uma educação fo r­
çada” .
O bservem os ainda que se em pregavam todos os meios
para chegar aos m elhores resultados. A té o jô g o era consi-
deraop como muito favorável à educação física e ainda inte­
lectual do menino.
G^ave lacuna existia nesse sistema. A educação das
memní is não estava organizada. Deixava-se à mãe o cuida-
do de as ensinar a fiar. tecer, costurar, e iniciá-las nos tra-
balhos do interior. O ideal de uma mulher ateniense acha-
• nester quadro de Xenofonte: “Receber e distribuir
as provisões, cuidar-que sejam de boa qualidade, mandar às
escraVas fazer vestimentas com a lã, dirigir no trabalho as
mesmas, ativar a sua preguiça, pôr em ordem a casa, guardar
e conservar as jóias, os ricos tapêtes, os ornamentos de tou­
cador, contar, guardar, verificar os objetos que servem só
nos dias de festa e de gala, tér os olhos na única porta de
comunicação entre os homens e o gineceu, para evitar rela­
ções intempestivas entre os escravos dos dois sexos. “Êste
ideal não comporta nenhuma educação literária ou artística.
Só o cristianismo, dando à mulher tôda a sua dignidade de
rainha do lar, lhe assegurará uma formação intelectual e
moral conforme à sua missão de educadora.

. B ib lio g ra fia . — A. B audrillat , ILes conãitions de Venfant ãans l’an-


tiquité. — L ’ éãuçaUon ert Grèce (Paris, s. d .). — Cavaignac , Histoire de
Vantiqmtê, II, pág. 221-234. — Cyclopeâia of eãucation, art. Greece. — D a -
vidson, Eãucation of íhe GreeTc people (Londres, 1898), — F üstel de
Coulanges , La citê antique, 23e. édition (Paris, 1916). — G ibard , P.,
L ’éãucation athénicnne (Paris, 1889). — L aurie , Pre-christian education.
— M a r tin , Les doctrines pédagogiqms ães Greco (Paris, 1879). — M on -
koe, Scurce booTc for the Tiistory of çducation for GreeTc and Boman perioi

(New-York, 1906). — S c h o e m a n n , Antiquités grecques, trad.- Galuski. 2


vol. (Paris, 1887). — W aldíIn , Vniversities of ancient Gresce (New-York,
11)09). — W il k in s , National education in Greece (Londres, 1S73).
ESCRITORES E EDUCADORES GREGOS

I. — Pitágoras (582-500)
Pitágoras nasceu em Sumos. Tules e Forécides o iniciaram na fi­
losofia- Continuou os estudos nu Egito onde morou vinte e dòis anos.
Cambises, levando-o cativo para Babilônia, aproveitou-s.e dêle para ss
instruir nas ciências dos Oalaeus. Uma tradição admite que êle tenha
ido até as Índias para consultar os brâmanes dêste pais.
A sua volta abriu em Crotona, uma escola filosófico-ascética, na
qual reuniu até 300 discípulos, listes, antes de serem admitidos a re­
ceber diretamente rs lições do filósofo, deviam, durante vários anos.
guardar silêncio rigoroso, exercitar st' na prática da virtude, ocupar-se
com o estudo, jam ais interrogar o mestre e aceitar sem discussão o que
lbes ensinava.

Ensino — O fim de Pitágoras, ao fundar a sua escola,


foi fazer florescer nela tôdas as virtudes que, segundo as
idéias gregas, deviam form ar o hom em honesto. O fim dês­
te ensino era m oral e m ístico; era a purificação da alma e
sua união com Deus, fundam ento de tôda harmonia. Os pi-
tagóricos estudavam:
a) A religião e a música, consideradas com o dois meios
de dom inar as paixões, de elevar o espírito e o coração, e de
aproxim ar a alma de Deus.
b) As matemáticas, que colocavam em prim eiro lugar
entre as ciências. “ Os pitagóricos, sendo os prim eiros que
cultivaram a matemática, diz Aristóteles, deram -lhe a pre­
ferência sôbre tôdas as coisas; e, im buídos destas especula­
ções, pensaram que os princípios m atemáticos eram também
os princípios de tôdas as coisas ( M e t f ., I, 3 ). D eve-se a
Pitágoras a tabuada de m ultiplicação, a regra de três e o
teorem a do quadrado da hipotenusa.
<t) A filosofia, que se resumia nesta fórm ula: “ Tudo
que ^xiste é um núm ero; a essência e o princípio das coisas
é um' núm ero” , Pitágoras em pregava o m étodo da autori­
dade. Aceitavam suas idéias dizendo: O mestre disse: “ C o­
m o rião era perm itido aos discípulos entrar em discussão
com êle, o seu processo habitual era uma exposição pura­
mente dedutiva.
d) A física e a m edicina, de cu jo ensino nada temos
de preciso.

Idéias pedas:cg'cas — A tribui-se a Pitágoras um tratado


sôbre a educação, que não tem os mais; as grandes linhas da
sua doutrina, porém , nos são conhecidas, e o escritor as resu­
m e assim: “ perfeita harm onia do corpo e do esnírito, instru­
ção gradual e diversificada conform e as aptidões dos alu­
nos; em prêgo do m étodo sintético; temperança, austeridade
da vida, m oralidade irrepreensível, inspirada pelos senti­
m entos religiosos” .
Têm -se conservado algumas das suas máximas pedagó­
gicas: “ A Educação baseia-se na proporção e na harmonia.
— Os bons costumas são preferíveis às ciências. — O rosto
é o espelho da alma. — Não se d eve expulsar ãa vida o
prazer, mas banir os prazeres vulgares, e não aãmitir senão
os que se seguem ao que é justo e belo” .
A escola de Pitágoras forneceu magistrados às princi­
pais cidades da Itália e da Grécia. Os pitagóricos trataram
da educação e, com o seu mestre, foram partidários do esta-
dismo. Pitágoras teve o m érito de sei' inspirador de P la­
tão. “ Pode-se considerar, sem receio de engano, a pedago­
gia de Platão com o o desenvolvim ento da de Pitágoras, diz
V. Brochard; é através de Platão que percebem os mais cla­
ramente as teorias pitagóricas sôbre a educação” . O fun­
dador da escola de Crotona é o m aior educador de raça dó-
rica, e pode servir de ligação entre o tradicionalism o cjrlen-
tal e o hum anism o helênico.

B i b l i o g r a f i a . — D a v i d s o n ; A r v t o t c l ; anã a n c ie n t eá u ca tion a l ideais,


(N e w -Y o v k , 1 8 9 2 ). — N o u v ra u D ic tio n n a ir :■ dc p é d a g o g ie , art. È y th a g o -
rism c. — Z e l l e r , P rc-S o cra U c p h ilo so p h crs (L o n d r e s, 1 8 8 1 ) ,

II. — Sócrates (469-399)

Sócrates foi a princípio escu ltor; mrs, a conselho cie Critos. vol­
tou-se para a filosofia. Prrpôs-se um fim duplo: combater os sofistaa
e instruir a juventude. A firm eza foi a sua virtude dm in an te. Distin-
guiu-se na batalha de A n fípolis: salvou a vida a Alcebíades. cm Poti-
déia e a Xenofonte, na retirada de Délium. Provocou o ódio dns sofistas
convencendo-os de ignorância, lílps o acusaram de desprezar os deuses
e de corromper a mocidade, sendo Sócrates condenado a beber cicuta.

D ou trin a filo só fic a . — Sócrates não deixou nenhum escritoi. A sua


doutrina e o seu método nos sãr, conhecidos por Platão e Xenofonte, seus
discípulos. A sua fib sofia repousa neste princípio fundam ental: “ Conhe-
cc-te a li próprio” , file crê na existência (Te um Ser snpremo. Autor do
universo, na im ortalidade da rima, numa vida futura cm que os bons
serão recompensados e os maus punidos. Segundo êle. a felicidade é
inseparável da virtude: a justiça é o fundamento da sociecTrde, e o
melhor inverno seria a aristocracia do saber e da virtude. “ Sócrates,
diz de W ulf. é sobretudo moralista. A seus olhos os filósofos têm se­
guido caminho errada por terem negligenciado os fenômenos (Ta vida
moral ( História ãa filosofia medieval p. 11).”

M étodo. — Sócrates não formulou sistema mas contribuiu para


tornar r. ensino mn5s fecundo. O seu método compreende dois processos:
a ironia e a maiêutica. A ironia lhe serviu contra os sofistas: com êles
finge ignorân cia: e, espremendo as respostas recebidas, convence cs
adversários de ignorância, vaidade e má-fé. Com os seus discípulos usa
a m aiêutica: insensivelmente a f; sta todr, ôrro das respostas que lhe dão
t* leva os ouvintes a descobrir a verdade por si mesmos. Pode-se consi-
fle raü S ó c r a t e s c o m o o f u n d a d o r d o m étodo analítico , p o r q u e o s p r o c e s s o s
p o r êle u sados n ã o são m a is d u que a p lica çõ e s dêste m étodo.

Idéias pedagógicas — Parece que só aconselhou a seus


ouvintes os estudos úteis e práticos. Condena todos os as­
suntos de pura especulação. É o testem unho de X enofonte:
“ Aconselhava a seus alunos que aprendessem a geometria
até ser capazes de m edir exatam ente um terreno; e, astrono­
mia, o suficiente para reconhecer as divisões do dia e da
noite quando viajassem por terra ou estivessem de sentinela.
Mas desaprova o levar o estudo destas ciências até os pro­
blemas difíceis e o internar-se em vãs investigações” .
A tribuem a Sócrates algumas m áxim as notáveis: “ A
ciência não é útil senão enquanto torna a alma m elhor. —
É m elhor estudar a fundo algumas ciências áo que querer
con h ecer tudo. — A perfeição m oral consiste em elevar-se
acima das fraquezas da natureza, em resistir aos apetites
naturais , em tornar a alma senhora do corpo. — É preciso
sacrificar, ao dever, o interêsse e o prazer. — A simpatia do
m estre e a confiança do aluno são a chave da educação” .

Influênc*a de Sócrates — “O ensino de Sócrates, diz H.


Joly, resum e-se em ,du as palavras que anunciam uma revo­
lução tanto na pedãgogia com o na religião e na ciêncià: re­
flexã o e persuasão. É pela reflexão que cum pre procurar
o segrêdo da natureza e da divindade, o segrêdo da arte e
da beleza, da justiça e da lei. Pela persuasão, um espírito
refletido leva outro a fazer as mesmas reflexões e achar as
mesmas verdades. Fundando a filosofia, Sócrates criou a
pedagogia, porque jam ais se encontrarão para a dirigir, duas
noções mais fecundas que as encerradas nas duas palavras:
reflexão e persuasão. ( Notions ãe pédagogie suivies ã’un
résum é historique, X V II. Paris, D e la la in ) ” .
A influência de Sócrates foi continuada por seus discí-
d u Io s : Antístenes, fundador da escola cínica; Aristipo, fun-
/
/
dador da escola eirenaica; Euclides, fundador da escola de
M égara; Platão, que nos deixou, nos seus diálogos, a doutrina
do mestre; X enofonte, que reproduz, nos seus E ntretenim en­
tos m em oráveis, o gênero, o m étodo e a maneira do ilustre
filósofo.

B ibliografia. — G odlf .y , Sócrates and Athenian cociety in Ms day


( N c iv -Y o r k , 1 8 9 0 ). — Xouveau Dictinnnaire de pedagogie, a rt. Soerate. —
P i a t , Sfícrat • ( P a r i s , 1 9 0 1 ). -— Z e l l e r , Sócrates and soeratio schooU
( L o n d i e s , 1SS5).

III. — Platão (429-347)

P l a t ã o n a s c e u e m A t e n a s n o m e s m o a n o d a m ort e ' d e P é r i e l e s . D e s ­
t i n a v a - s e à p o e s ia , m a s C r á t i l o o in i c io u na f i l o s o f i a d o s jô n io s- A o s
vin t e a n o s a p e g r j~ s e a S ó c r a t e s , (Ve q u e m f o i o m a i s b r i l h a n t e alu no.
D e p o i s dc’ r e s id ir e m M é g a r a . f ê z v i a g e n s ã S i c il i a , a C ir en e, a o E g ito .
T a m b é m v i s it o u a I t á l i a e t e v e r e l a ç õ e s d e a m i z a d e coiu A r q u i t a s de
T a r e n t o e o s p i ! a g ó r i c o s . A o s q u a r e n t a an os, f u n d o u a A c a d e m ia qu e
l o g o se c e l e b r i z o u . O se u c a s i n o f i l o s ó f i c o f o i i n t e r r o m p i d o p o r u m a
n o v a e s t a d a n a S ic ili a . V olta ndo su a p á t r i a e n s in o u a t é a m<«rte.

Suas idéias filosóficas. — R e s t a m - n o s , c o m o u n i n e d e P l a t ã o , d i á ­


lo g o s , c a r t a s , o d e f i n i ç õ e s m o r a i s . Y á r h s d a s s u a s o b r a s s ã o d c a u te n ­
ticid a d e duvidosa. E i s as p r i n c i p a i s c u j a a u t e n t i c i d a d e n<c- é a f i a n ç a d a
p e l o s t e x t o s (Ve A r i s t ó t e l e s : a HrjmbJira, as L eis, o Ti m m . P hédon , F cd ro,
O B a n q u e t e . fí órg ia s , M i l t o n , I lí p ia s , T h c t e t o s t P h il eb o, S o fista , a Pol ít ic a ,
a A p o lo g i a , etc..
D e s t a s o b r a s s;J d e p r e e n d e m a s l i n h a s e s s e n c i a i s d a s u a f i l o s o f i a :
A s n o s s a s id é i a s n ã o s ã o m a i s q u e r e m i n i s c ê n c i a s d u m a e x i s t ê n c i a a n ­
t e rio r . D e u s é o liem a b s o l u t o o a m a t é r i a é e t e r n a c o m o êle. A a l m a
é d is t in t a d o c o r p o : é-liie, p o r é m , u n id a a c i d e n t a l m e n t e p a r a e x p i a ç ã o
d a s f a l t a s e o n v i i d - o s nu m a v i d a a n t e r i o r : p o ssu i trê s f a c u l d a d e s : a
r a z ã o , o a p e t it e irascível e o cip itite ceneiepiseúvel. A d i a l é t i c a d e v e s e r v i r
p a r a e h v a r a a l m a à i n t u i ç ã o o a m o r d a s id é ia s p u r a s - Chegando a
e s t a p e r f e i ç ã o , a a l m a torna a d escer p a r a a s r e a l i d a d e s d ê s t e m u n d o ,
a f i m d e a e x p l i c a r e d i f u n d i r a luz e m t ô r n o d e si. H á t r ê s v i r t u d e s
fundâmentaiS': a prudência, a fôrça e a ttmperança. A justiça é a har­
monia das outras virtudes. A moral tem uma sanção na vida futura.
A felicidade e a justiça reinam núm Estado qua nd« ns elementos da sso-'
cicdade estão pm harmonia completp. As belas artes estão ligadas il
idéia do bem, e os artistas devem propor-se com fito moral:

Teorias pedagógicas — As teorias pedagógicas de Platão


decorrem das;suâs concepções filosóficas. Conforme êle, a
percepção sensível não levaria à verdade; para chegar a esta,
é preciso procurar a realidade acima do mundo sensível e
fora de si mesmo, n.a Idéia. Porque a opinião não é senão
a sombra da ciência, como o mundo sensível não é senão a
somara do mundo ideal (República, VII) . Um impulso ir­
resistível da nossa natureza faz-nos elevar acima do que é
perecível, para a realidade única.
O seu sistema corresponde a esta escala do saber. Pri­
meiramente põe òs meninos em contacto com o mundo sen­
sível, iniciando-os na música e na ginástica. Com o estudo
das ciências e da matemática, aprendem em seguida a des­
prender-se do mundo sensível para contemplar a única rea­
lidade. A filosofià é o têrmo da educação. Sob o ponto de
vista moral esta pedagogia aspira a sujeitar à razão todos
os apetites animais e é assim que ela está de acôrdo com a
doutrina do cristiarnsmo. Foi Platão que deu, na antigui­
dade, a mais bela definição da educação: “A boa educação,
diz êle, é a aue dá ao corpo e à alma tôda a beleza e tôda
a perfeição de que são capazes” .

A Rejública e as Leis — Estas duas obras encerram as


idéias de Platão sôbre educação. Nem uma nem outra são
um tratado em forma sôbre a arte de educar a mocidade mas
encerram vistas profundas sôbre êste assunto. As Leis ser­
vem de corretivo às utopias e ousadias da República..
Platão divide o povo em três classes: a) Os artífices
e os operários, cuja virtude dominante é a temperança. A
sua educação limita-se a aprender um ofício, b) Os guer­
reiros, cuja virtude especial é a fôrça ou a coragem . A sua
educação inclui a m úsica e a ginástica, c) Os magistrados
ou filósofos, cuja virtude é a prudência ou ciência. Só êles
recebem uma educação superior.
A educação dos guerreiros e magistrados é com um até
aos vinte anos. Baseia-se em dois elem entos: ginástica para
o corpo e música para o espírito. Mas estes dois ensinos de­
vem dar o v igor à alma: “ Nos exercícios do corpo, os nos­
sos jovens procurarão sobretudo aumentar a sua fôrca m o­
ral” . (República III, X V II).
Com o condição para esta educação, Platão pede: 1.°)
que êstes m oços possam consagrar a vida inteira ao serviço
do Estado; 2.°) que sejam robustos de corpo e aptos para
as mais altas especulações do espírito; 3.°) que unam à fe ­
rocidade contra os inim igos uma grande am abilidade para
com os seus am igos e os seus concidadãos.

Períodos de educarão — 1.”) Dos três aos seis anos. Nes­


ta idade as crianças são sujeitas a uma espécie de treinam en­
to físico, estético e moral. Sob a vigilância dos pais ou dos
tutores, exercitam -se na luta e no arremesso do dardo; apren­
dem a dançar e cantam as obras dos poetas. A educação
dos prim eiros anos exerce uma influência pelo resto da vida:
“ Os com eços são tudo numa natureza jovem e tenra cujas
partes tôdas conservam o cunho que se lhes dá. ( República
II, X V II) ” .
2.°) Dos seis aos dez anos. Os sexos são separados mas
a educação é a mesm a para meninos e meninas: “ Os m eni­
nos aprenderão a firm ar-se montados a cavalo, a lançar fle-
xas, a servir-se do dardo e da funda. O m esm o se dará com
as meninas se elas não se recusarem, e ensinar-se-lhes-á pelo
m enos a teoria (Leis, V I I ) ” .
3.°) D os dez aos treze anos. Só nesta idade os m eninos
aprendem a ler e escrever. Afasta-se aqui Platão do costu­
me dos Atenienses, os quais com eçavam antes dos dez anos
a educação intelectual.
4.°) Dos treze aos dezesseis anos. O m enino recebe
educação musical. O program a é dividido em duas secções: -
uma parte literária, com preendendo leitura, escrita e ele­
mentos de aritmética, e outra especialm ente musical, com ­
preendendo a poesia, a música e a coreografia. Platão re­
com enda afastar-se cuidadosam ente tôda literatura capaz de
produzir na alma impressão má. P roíbe igualm ente as árias
lúgubres, apaixonadas ou demasiado suaves; não tolera se­
não o m odo dórico ou o frígio, am^os em harmonia com
pensamentos calmos, enérgicos .e viris.
5.°) Dos dezesseis aos vinte anos. É o período da edu­
ca rã o m ;litar. Trata-se de fazer adquirir aos jovens uma
resistência e uma saúde a tôda prova. Nesta form arão será
preciso ajuntar ainda a música á ginástica. A ginástica só
daria ferocidade e crueldade; a música por si só produziriâ
cfem inação. A sua união harm oniza os dois princípios da
natureza humana: .0 princípio animal e o princíp:o espiritual.
Os jovens Drec’ sam um ideal relig :oso e moral. Cumore,
portanto, inculcar-lhes a idéia dum Deus bom, im utável e
perfeito, a crenca numa P rovidência que se interessa nelos
negócios humanos, e que se deve honrar, não por sacrifícios
e cerim ônias vãs, mas pela justiça e virtude.

Educação erpecial dos magistrados e dos filósofos —


Esta educação especial não será dada ao acaso. Os chefes
de Estado escolherão entre os jovens, obrigados ao treina-
m snto militar, aquêles cuja alma m anifestar as mais nobres
inclinações e as disposições mais sérias para a filosofia. Os
futuros magistrados deverão aplicar-se totalm ente ao conhe­
cim ento da verdade. A sua form ação com preenderá dois
períodos:
1. Dos vin te aos trinta anos. Os estudos têm um ca­
ráter científico; têm por fim levar a alma do sensível ao
real, do visível ao invisível e ao eterno. Com preendem : a)
aritmética, que desenvolve o pensam ento puro e prepara o
espírito para as idéias abstratas; b) a geom etria, útil na guer­
ra e na prática dos negócios: “ É a ciência que eternamente
existe” ; c) a astronomia, que se estudará sobretudo para co­
nhecer as leis do m ovim ento, para “ habituar a alma a olhar
para cim a” e passar das coisas da terra à contem plação das
do céu; d) a harmonia. ciência abstrata da música; leva ao
descobrim ento do belo e do cem .
2. D os trinta aos trinta e cinco anos. Platão dá uma
m argem m uito ampla — demasiado ampla talvez —• à m ate­
mática. Mas êle a considera com o o vestíbulo da dialética
ou filosofia, da qual êle faz o vértice das ciências humanas.
Os futuros magistrados se aplicarão a êste estudo por cinco
anos. Ele os elevará “ pela razão, semente, até a essência
das coisas” ; e, prosseguindo as suas investigações, chegam a
apreender “ pelo pensamento a ciência do bem, têrm o de
todos os conhecim entos com o, quem vê o sol, chegou ao têrmo
do conhecim ento das coisas visíveis (República, V I I ) ” .
Dos trinta e cinco aos cinqüenta anos o magistrado será
incum bido de uma função pública e em pregará os seus ta­
lentos para a prosperidade do Estado. A os cinqüenta anos
sairá do seu retiro e governará para o m aior bem de todos.

A - r ec'arão jreral — Nem tudo é para louvar no sistema


pedagógico de Platão. O povo. “ êste animal robusto e indó­
cil” , não tem direito a nenhuma instrução; é certo, no en­
tanto, que nas Leis corrige esta exclusão e pede a instrução
para tôdas as classes. Transviado pelo fanatism o do Estado,
faz-se advogado da exposição e m orte das crianças doentias
ou deformes. A sua república ideal é por demais aristocrá­
tica. Tam bém erra em pensar que a ciência basta para tor­
nar o m enino virtuoso. Um dos seus erros é ainda im por
às mulheres os mesmos exercícios que aos homens; a sua
missão não é a mesma a sua educação deve diferir.
As ciências físicas e naturais não figuram no program a
de estudos dos magistrados, porque Platão professa que as
coisas são irreais e que “ nada de sensível é objeto da ciên­
cia” . Entretanto preocupa-se, nos seus diálogos, com a cu l­
tura das ciências que devem assegurar o poder da sua pátria.
A história falta no seu program a: é uma grave lacuna que se
explica pelo desprêzo da tradição e desdém pelo passado.
O estadismo de Platão é nocivo à família. Desde o seu
nasc:mento, as crianças são confiadas a amas, verdadeiras
funcionárias que devem agir de maneira que nenhuma mãe
reconheça o filho. Assim o indivíduo já não existe; é uma
parte do Estado, bem do Estado. Êste ideal não é nada mais
elevado do que o de Esparta.
Entretanto, apesar dos seus erros e lacunas, o sistema de
educação do filósofo é um dos m enos im perfeitos da antigui­
dade. Observa-se nêle uma constante preocupação moral,
e os joven s não adquirem conhecim entos senão com o fim
de se elevarem à contem plação da verdade eterna. A pró­
pria educação física não é mais do que um m eio de chegar
à mais com pleta form ação intelectual e moral. Acham os,
na República, a prim eira idéia duma educação liberal com o
oposta à educação utilitária e prática. Os estudos literários
e a música form am a base dêste sistema; a filosofia é o seu
remate: é o ideal da cultura clássica.
As várias seleções feitas para escolha dos guerreiros e
dos magistrados fazem -nos com preender: a) que cada qual
deve consagrar-se à profissão para a qual tem mais aptidões;
b) que uma das funções principais da educação é estudar
os meninos, os seus talentos, os recursos do seu espírito, os
seus gostos particulares, a fim de os guiar na escolha da sua
vocação.

B i b l i c g r a f i a . — P l a t o n , L a Póp u bliqu e, les L o s. — A d a m s o x , The


t h e o r y o f edueatio n in P I a t o ’ s R e p u b l ic (L o n d r e s , 1 9 0 3 ). — P . r y a n , W . and
Cn.. P : a t o the t e a r h ( r ; The R e p u blic o f P la to ( N e w - Y o r k , 1 8 9 8 ). — C a n t u ,
L ’ édu catio n d ’ a pr ès P la to n (P a r is , A i c a n ) . — N o u r e a v Uictio nn ai re de P é ­
d a g o g ie , art. P la to n . — Z k l l e r , P l a t o and the old a c a ã e m y (L o n d r e s , 18 8 8 ).

IV . — Aristóteles (384-322)

A r i s t ó t e l e s n a s c e u e m E s t n g i r a , c o l ô n i a g r e g a (la T r á c i a . O p ai
in l c i o u - o na m e d i c i n a e n a fil. «sofia. S e g u i u d u r a n t e v in t e at .os as l i ­
ções de P latão. F i l i p e d a i l a c c lô nia ( e n f i o u - l h e a e d u c a ç ã o d o f i l h o
A lexandre. C o n j e t u r a - s e q u e o f i l e s ifo a c o m p a n h o u o r ea l a l u n o e m a l ­
gu m as expedições. V o l i o u o f i x o u - s e c m A t e , . a s o n d e fu n d o u , n o g i n á s i o
d o L i c e u , u m a e c n Ja c é le b r e . A c u s a d o d e d e s p r e z a r a r e l i g i ã o d o p o v o
fu g iu p a r a C á lcis ond e m orreu.

Obras. — A r i s t ó t e l e s t r a t o u de t o d o s o s c o n h e c i m e n t o s h u m a n o s .
A s s u a s o b r a s f o r m a m v a s t a e n c i c l o p é d i a e s ã o (ã o n «iá veis p e l a be l e z a
d a f o r m a c o m o p e l a s q u a l i d a d e s (lo pe .s ..m en te . S ã o a s m a i s i m p o r t a n ­
t e s : a s C a te g o r ia s, a s A n a lí tic a s, os T óp ic os, a s l i ç õ e s d e Física, o t r a t a d o
d a A l m a , <$ t r a t a d o s m e t a f í s i c o s , a M ora l a N i t ó m a c o , a P o l í t i c a ; a E c o .
nôm ica, a R e t ór ic a , a P o é t i c a t etc..

Idéias filosóficas. — A s id é ia s f u n d a m e n t a i s d a sua f i l o s o f i a s ã o as


s e g u i n t e s : T o d o s e r r e s u l t a d o c o n c u r s o d e q u a t r o p r i n c í p h < s : m a té r ia ,
fo rm a , p rin cíp io do m ovim ento e causa final. A existência d e Deus ê
p r o v a d a p e l o m o v i m e n t o e ne< e s s i d a d e d u m p r i m e i r o m o t o r . Deus é
um s e r p e s s o a l, in t e li g e n t e e b o m . m a s d e s c o n h e c t o m u n d o . O homem
é um t o d o r.aturai f o r m a d o pela u n iã o s ub sta nc ia l da a l m a e d'o en r p o
A a lm a , a l é m d a s p o t ê n c i a s d o a n i m a l, possui a r a z ã o e a v o n t a d e ; é
i m o r t a l . A c i ê n c i a n ã o b a s ta p a r a c o n s t i t u i r a v irtu d e. O E s t a d o é
uma reiiniãu* d e h o m e n s iguais e liures, c u j o s d i r e i t o s d e v e m s e r t o d o s
respeitados. A fam ília é a base da sociedade. A maior de tôdas as
nrtes é a polítlcn, n aint» de povernar a sociedade de moilo a lhe fazer
p r o d u z ir o m ai'jtr b e m p o s s ív e l.

O Liceu. — A r is t ó t e le s fu n d o u esta e s c o la em 335. D ava d u a s li­


ç õ e s p o r d i a : n u m a t r a t a v a d a s q u e stõ e s m a is ín Y u a s c e r a p a r a os
a lu n o s m a is a d i a n t a d o s ; a o u t r a tin h a c a r á t e r m a is f á c il e p o p u la r . O
p r rira m a a b r a ç a v a o e s tu d o d o s o r a d o r e s e n o e ta ^ j; h is to r ia , fil o s o f ia ,
p o lít ic a , c iê n c ia s f í s i c a s e n a tu r a is . T ô d a s a s liç õ e s d o m estre’ e r r m
im p r e g n a d a s de v is t a s s u p e r io r e s , c a p a z e s d e s u b lim a r o c o r a ç ã o e o e s­
p ír it o (Tos a lu n o s. I íe s ta m -m r; d e s te e n s in o liv r o s a d m ir á v e is q u e o
c r is t ia n is m o u t i l i z o u : e, p o r isso. o E s t a g ir it a e x e r c e u u m a in flu ê n c ia
q u a se u n iv e r s a l s ô b r e a e d u c a ç ã o .

Teorias peíagógicas — No desenvolvim ento do homem,


Aristóteles distingue três graus: a vida física, o instinto e a
razão. É preciso graduar, por êstes três degraus, a progres­
são dos exercícios e dos estudos. O corpo reclama os pri­
m eiros cuidados, e é preciso dirigir-se ao instinto antes de
apelar para a razão. Esta teoria contém os prim eiros linea-
mentos do que chamam os educação progressiva.
A o invês de adm itir a pré-existência das idéias em nos­
so espírito, A ristóteles ensina que todo conhec:mento com e­
ça pelos sentidos: “ Nada há no m eu entendimento que não
tenha passado pelos,'sentidos” . Esta idéia serve de base ao
ensino intuitivo e ao estudo das ciências concretas.
A educação deve ser juntam ente utilitária e desinteres­
sada, m aterial e formal. D evem -se com unicar os conheci­
m entos úteis que não im põem um gênero de vida sórdido e
m ecânico. A s artes manuais não deixam ao pensamento
liberdade nem elevação. As ciências liberais até tornam-se
nocivas ouando são levadas m uito longe e estudadas com
espírito de curiosidade. Cum pre sobretudo abster-se de a--;
estudar com o fim de fazer delas um m eio de subsistência.
Esta restrição dá-nos a conhecer que se considerava então
com o indigno de hom em livre tudo o que tinha um caráter
de utilidade prática.
Há quatro estudos desinteressados: ginástica, gramática,
música e desenho. Êstes exercícios serão feitos sucessiva­
m ente e em ordem determinada.
O estadismo de Aristóteles é menos tirânico do que o de
Platão. Sendo o cidadão parte do Estado, êste deverá vigiar
a sua educação. Em mais de um lugar com bate o com unis­
m o platônico. M ostra que, em uma sociedade sem fam íba,
as afeições humanas se desvaneceriam ccm o o sator de al­
gumas gotas de m el desaparece numa grande quantidade
dágua.
A educação, diz Aristóteles, deve ser trabalho da vida
tôda. Deve ser baseada no conhecim ento dos indivíduos.
No ensino, é preciso ir do concreto ao abstrato, do simples
ao com posto. T odo estudo deve tender a form ar a alma na
prática da virtude. Assim, a ginástica não terá semente por
fim fortificar o corpo, mas tam bém torná-lo digno da alma
que o habita; a música será estudada com o recriação, mas
sobretudo com o m eio de inspirar bons sentimentos e de acal­
m ar as paixões. O valor de cada estudo m ede-se pelo apoio
que dá à alma para progredir na virtude: esta é a idéia
dom inante da pedagogia de Aristóteles.

Períodos de educarão — 1. Os prim eiros anos. É pre­


ciso dar especial atenção à educacão física; dar à criança um
nutrim ento são mas com um , vesti-la com sim obeidade, dar-
lhe jogos próprios a estim ular a sua atividade física e inte­
lectual. É preciso pô-la em relação com com panheiros v ir­
tuosos, afastá-la das coisas grosseiras que possam .atingir os
seus sentidos, velar com zêlo a sua linguagem. O m enino
será preparado longam ente para as suas futuras obrigações.
“ Tudo, na educação dos meninos, deve ser disposto em vista
dos trabalhos que os esperam. Que os seus próprios jogos
sejam com o esboços dos exercícios aos auais se entregarão
em idade mais avançada (P olítica, IV, X V )
2. D os sete aos catorze anos. A os sete anos com eça
a instrução propriam ente dita: leitura, escrita, música, gi­
nástica, desenho e gramática. Êste programa encerra os
quatro estudos especialm ente dignos do hom em livre: gi­
nástica, gramática, música e desenho. Aristóteles atribui à
m úsica o poder de m odificar as afeições e as paixões.
3. D os catorze aos vinte e um anos. Chegando aos
catorze anos, o jov em com eça os seus estudos superiores,
tais com o os concebia A ristótoles e com o êle os ensinava no
Liceu. A o m esm o tem po que se ocupa de música, retórica,
matemática, filosofia e política, o estudante trabalha para
o seu desenvolvim ento físico e a sua form ação militar.

B ibliografia. — A r i s t o t e , P o litiq u c , M o ra le, — Cycloprd ia o f citveatíon,


a rt. A r is to tle . — D a v i d s o n , A r is to ile and t h e m c ie n t cducatie.nal ideal
( N e w - Y o r k , 1 8 9 2 ) . — M o n r o e , Te.xt honl; in tlir h isto ry o f eãucation anã
Source hoolc f o r the h isto ry v f eãucation f o r tlic fírccle and E om an perioã.
— N o u v ea u D icticn n aire ãe p é d a g o y ic t art. A ri. tote. — P iat, A r is to te
( P a r is, 1 9 0 3 ).

V . — Xénofonte (430-355)

N a sce u X e n o fo n te em Atenas. Alistou-se alguns n n w a o serviço


de C iro o M oço. D e p o i s d a b a t a ll ia d e C u n a x a ( 4 0 1 ) e d o a s s a s s í n io
d o s generais g r e g o s , f i c o u sOndo o c h e f e d o e x e r c i t o e d i r i g i u a f a m o s a
r e t i r a d a d o s D e z M il. F o i c m S eilo nte. na ft li aa, q u e ê l e e s c r e v e u a
m aior p arte das suas obras. M o r r e u e m C o r in t o .

Doutrir.as pedagógicas — A s idéias pedagógicas de X e ­


nofonte estão contidas na Econôm ica, na Ciropédia, e na Ci-
negética.
A E conôm ica é um esbôço da educação feminina. Antes
do seu casamento, a jo v e m ateniense exercita-se na prática
das virtudes e reprim e sobretudo a sua curiosidade natural.
Seu m arido continua essa form ação; ensina-lhe os deveres e
virtudes da vida de fam ília: ordem, economia, bondade para
os criados, ternura para os filhos. X en ofon te não esquece
nenhum dos deveres do lar: oração em com um, ternura con- -
jugal, trabalho manual, vigilância das crianças, preocupação
legítim a de aumentar a propriedade. Apresenta-nos a m u­
lher grega em tôda a sua dignidade de espôsa e mãe.
A Ciropédia é a história da infância de Ciro. É um ro­
mance pedagógico no gênero do Emílio. Mas não nos deve­
mos enganar: êste livro nos apresenta sobretudo, duma m a­
neira indireta, o ideal da vida espartana tal qual o autor o
concebia.- Nesta época a sociedade grega era prêsa dos re­
quintes e subtilezas dos sofistas X en ofon te com bate êsses
professores de retórica malsã, êsses letrados elegantes
que m udavam a antiga ordem das coisas; visa tam bém a
vida requintada e sensual dos atenienses. A Ciropédia é,
portanto, a apologia da educação espartana; descreve exata­
mente o que nela se praticava: exercícios físicos, form ação
militar, negligência da instrução. O autor teria feito m e­
lhor se tomasse por ideal Atenas, porque os atenienses ti­
nham sabido achar o justo m eio-têrm o entre o abuso dos
exercícios físicos e as especulações intelectuais ociosas e
enervantes.
A C inegética está escrita com o m esm o fim de reagir
contra o ensino dos sofistas. P ropõe a caça com o exercício
que mais convém aos m oços. Não há virtude que ela lhes
não ensine: é escola de franqueza, de suavidade e de m ode­
ração. Produz resistência porque acostuma a levantar-se
cedo, a tolerar o frio, o calor e as fadigas das corridas e das
viagens. V ários dos efeitos da caça são exagerados, mas
não esqueçam os que X en ofon te reage contra o sensualismo
e a vida ociosa dos seus compatriotas.
Períodos de educação — 1. Até aos dezesseis anos, os
meninos aprendem a atirar eom o arco e a lançar dardos.
Doze anciãos, escolhidos pelo povo, dirigem a sua educação
e os habituam à fadiga, à fome e à sêde, não lhes dando se­
não uma nutrição muito frugal. A instrução propriamente
dita mal existe, mas a educação moral é assunto de preocu­
pação constante. -Os meninos vão à escola para aprender a
justiça; todo o ensino deve tender a êsse fim: “A terra, diz
Xenoforite, ensina a justiça”. Na aulã os.mestres organizam
processos de meninos para os exercitar a julgar. Inspiram
a seus alunos grande respeito pela autoridade e ódio pro­
fundo à ingratidão.
2. Dos dezesseis aos vinte e seis anos. Ao sair da es­
cola, os meninos começam o aprendizado da vida militar.
Ficam de sentinela dia e noite na praça pública. Quando o
rei sai para a caça, leva consigo metade dêsses moços. Cada
um leva um arco, flechas, espada ou machadinha, um es­
cudo de vime ou dois dardos.
3. Aos vinte e seis anos os guerreiros entram para a
classe dos homens. São êles aue tomam parte nas expedi­
ções militares. Os anciãos são incubidos da educação;
ministram justiça e exercem outras funções públicas.

B ib lio g ra fia . — X é n o p h o n . Gouvemement âes Lacêãêmoniens, Cyro-


ptâie, Eniretiens mémorables, Économiques. — Cyclopeãia of eãucation,
nrt. Xenophon. — Nouveau Dictionnaire ãe •pêãagogie, art. Xênophon-,

V I. — Plutarco (50-120)

P lu tarco nascem em Q ueronéia. P ôsto que se ja grego, a s su a s id éias


«wtiio pouco em r ela çã o com a s <?e seu p a is e, a ju lg a r p elo s m odos prtV ■
p r io s (l.i s f u p a ís , p e r t e n c e n n tos a o m u n d o r o m a n o . A b r iu , em Eoma,
11 d i a e s c o la oni q u e e n s in a v a lite r a t u r a , r e tó r ic a e f i l o s c f i a . A s su as
l'últix ilos hom ens ilu-.tn-# têm fe it o a s d e líc ia s de n u m e r o s a s g e r a ç õ e s (le
luitori'.*. D e ix o u um T ratado dc educação dos m eninos e v á r io s o p ú s c u lo s
r e lV r in c o -s e ã f o r m a ç ã o in te le c tu a l e m o r a l : M o d o dc en tend er os p oeta s,
M od o de entender o:; f i l ó s o fo s . M eio:: de eonhecer p o r si m :s m o os p r o .
y r esso s ijnc se têm f e it o na prática da virtude.

Idéias petagógicas — Observa-se em todos os escritos de


Plutarco um v iv o sentimento de fam ília e constantes preo­
cupações morais. Segundo êle. a educação individual e do­
méstica é a m elhor; o m enino não deveria freqüentar as es­
colas públicas senão para receber um ensino superior. A
mãe é a prim eira educadora e professora de seus filhos.
A instrução é superior aos outros bens temporais. “ A
nobreza, diz êle, nos vem dos antepassados; podem os perder
as riquezas; a glória é coisa pouco sólida; a beleza é efêm era;
a saúde é um tesouro fácil de perder; o vigor corporal não
resiste à velhice e à doença. A instrução é o único bem
que seja inperecível, e os dois principais apanágios da natu­
reza humana são a inteligência e o raciocínio.
Deve-se escolher o m estre com m uito cuidado e procu­
rar nêle a ciência e a virtude, porque “ é para o m enino o
que a estaca é para o sarmento: apoio e guia” .
A poesia é um m eio de educação. Não se deve, portan­
to, privar a m ocidade da leitura dos poetas, dos fabulistas
e dos narradores; esta leitura, porém , deve ser feita com cri­
tério. “ Guardem o-nos, diz Plutarco, de destruir a poesia,
esta vinha fecunda plantada pelas mãos das Musas. Onde
a fábula se dilata com uma confiança presunçosa, reprim a­
mos esta exuberância; mas em tôda parte onde a doçura
atrativa da ficção não deve ser sem frutos, lim item o-nos a
corrigir o que ela teria de perigoso” .
A ginástica é necessária à evolução física. O tem po que
se lhe consagra não deve ser excessivo; o menino^ cansado
por longos exercícios, seria incapaz de se ocupar com a
instrução.
A form ação do caráter é de grande importância. É pre­
ciso habituar cedo os m eninos a vencer-se, a governar-se e a
dirigir-se pela razão e consciência. Plutarco parece exagerar
o papel da razão na repressão das paixões; a razão pode
m uito; mas tam bém muitas vêzes é im potente e a paixão
vence.
A exortação e a persuasão são os principais meios de
êxito na educação. A violência nada vale e só produz maus
resultados. A disciplina baseia-se principalm ente na afei­
ção e na confiança.
Cum pre exercitar a m em ória, mas dando sempre a pri­
mazia às faculdades de razão. “ A alma não é um vaso que
se deve encher, é uma lareira que se deve aquecer” .
Plutarco aconselha ao jovem que deseja adiantar na v ir­
tude, entreter-se cada dia com um filósofo da sua escolha,
o qual será para êle um verdadeiro diretor de consciência
e a quem dará a conhecer os seus defeitos e faltas. Deverá
sobretudo pôr em prática os avisos e conselhos do seu guia,
a fim de se tornar hom em perfeitam ente honesto.

B i b l i o g r a f i a . — P l i tt a r q u e , Opusculcs s ii r 1’éduration. — O . G r é \ r d ,
La morale de Plvtarque ( P a r i s , 1891) . — Xonreau Dictionnaire de pcda.
fiogie, a r t . Piutarqnc. — S a n t e G i u f f r i d a , Storia delia Pedagogia, 2e.
íV lition ( p . 91- 101) .

C A PÍTU LO X I

A educação em Roma
Podem os dividir a educação em Rom a em três períodos:
o período antigo, da fundação de Rom a até a conquista da
(írécia (753-146); o período ãe transição, da conquista da
Grécia ao reinado de Adriano (146 A.C. - 117 D .C .}. Carac­
teriza-se pela introdução da língua, costumes de idéias gre­
gas; o período grego-roma.no, do reinado de Adriano ao ano
200. A cultura grega faz parte da educação. O ideal é for­
mar magistrados e oradores.

Período antigo
Para fazerm os idéia do espirito sob o qual se concebia a educação
nesta época cumpre conhecermos alguns traços do caráter dos antigos,
romanos.
1 . Espírito religioso. Entre os Rom anos a organizaçâa do culto é
perfeita (V . A. B audrillart , La religion romaine, Coll. Science et re-
ligion, n.ç 348.) No la r a piedade se m anifesta pela devoção aos
penates e a<»3 deuses lares. O pai, em nome dos seus, oferece Sacrifícios
à divindade para obter a proteção do seu lar, a prosperidade dos seus
bens temporais e a segurança do Estado- A criança cedo aprende que
os deuses presidem a tôdas as ações da vida, a todos os fenômenos da
natureza. Vê quadros religiosos em todos os monumentos públicos.
Pouco a pouco impregna-se de espírito religioso e penetra-se da presença
divina.
2. Espírito prâtieo. O ideal desta época parece ser “form ar almas
sSs em corpos sãos-” Para estabelecerem o seu cíomínio sôbre ■£« outros
povos os Romanus trabalham com cuidado tio desenvolvimento das qua­
lidades pessoais do m enino: virilidade, energia, honestidade, senso de
justiça e fôrça de alma- O Romanoi procura sôbretucío o que é útil;
o belo deixa-o sem entusiasmo. As suas preferências são pelas riquezas,
e para as adquirir m ostrar se-á muitas víízes rapace e cruel. Nisso di­
fere profundam ente do Grego; apaixonado pelo iâeal e pelo lado ima­
ginativo da vida.
3. Dedicação à República. o cidadão existindo para o Estado,
está convencido de que o E stado existe para êle. Daí as virtudes cí­
vicas dignas de ad m iração: patriotismo, espirito de disciplina, coragem,
heroísmo. A proxim idade de numerosos inimigos era para os Romanos
motivo poderoso para conservar as qualidades que tiuliam tornado passí­
vel a existência de Rom a.” Os Rom ance, diz Ozanam, trabalhavam
para o império. A lembrança dos negócios públicos está impressa nas
suas obras mais belas, assim com o o nome do senacfo e do povoi sôbre
os seus monumentos.”
4 . Fôrga da organização familiar. Os laços d « matrimônio s ã o s a ­
grados ; os costumes são severos e a poligam ia não existe. A fam ília é
m do para o cidad ão; serve de base â sociedade e ao Estado. A mãe
exerce tôda a sua autoridade. As traClçOes se perpetuam pelo culto £
veneração dos antepassados. “No átrio colocavam estátuas de madeira
dos membros da fam ília que se haviam ilustrado. Nas cerim ônias pú
blicas, descobriam-nas e enfeitavam -nas; nos funerais, punham as m e s ­
mas m áscaras em Homens que mais se assemelhavam pelo talhe e porte
geral ao corpo, àqueles que representavam e assim os levavam no prés-
tlto. Depois, do alto da tribuna, fazia-se o e lig io d'e tòdos os ante­
passados gloriosos. Políbirc que- nos descreve êste costume, acrescenta” :
'“Que aguilhão mais poderoso para um moço. que sente a paixão da glória
e da virtude? (A . B audrillabt , A educação em Roma, p. 1 5 .)”
Na fam ília a autoridacíe do pai era. por assim dizer, sem limites.
Tinha todo o poder sôbre os seus. Êste direito era ex cessiv o; mas
pouco a pouco o antigo direito fam ilial, estrito e autoritário, tomou
form a mais suave e melhor aprrpriada a uma civilização mais com ­
preensiva- O Indivíduo ganhòu, em valor próprio, o que perdia o agru­
pamento.

5. Espírito ãe respeito. Os antigos Rom anos manifestavam uma


grande veneração pelos pais. superiores e anciãos. £stes, por sua vez,
tratam os meninos e moços erm o m aior respeito. É recomendado aos palè
de fam ília não comerem nem beberem senão em companhia dos filhos
a fim de se conservarem sempre nos limites cTa moderação.
6. Vectruição ãas crianças. Infelizmente uma horrível chaga moral
desfigura tantas qualidades preciosas. A lei das D oze Tábuas ordena
a destruição das crianças deformes, e esta ordenação causa numerosos
abusos. No entanto, o rigor desta lei diminui pouco a pou co; ernten-
taram-se com expr>r essas crianças nos degraus cío templo da Piedade,
nnde eram recolhidas. O Estado, depois de Augusto, designou recom ­
pensas às fam ílias num erosas: mas o crim e de infantlcídio não cessou
de desonrar o povo romano.

Educação dos antigos Romanos

Fim da educação — Durante êsse período, os Romanos


tiveram como ideal a preparação duma juventude forte e
guerreira, com a qual o Estado pudesse contar. Esta fo r ­
m ação foi essencialm ente prática e utilitária. Já se aplica­
va a m áxim a tão repetida em nossos dias: a es'cola para a
vida. As artes só foram cultivadas enquanto correspondiam
às necessidades da vida. A idéia da cultura por si mesma
nunca foi aceita senão por metade entre os Romanos.
ak, '.
V
Educação r.a família — Durante quatrocentos ou quinhen­
tos anos a família foi praticam ente a única escola da ju v en ­
tude romana. Esta educação era m uito séria e dava resul­
tados excelentes. Algum as fam ílias abastadas encarrega­
vam um escravo letrado de dar a seus filhos as noções mais
indispensáveis; mas nunca lhe deixavam com pletam ente ês­
te cuidado porque o escravo era para o filh o antes adulador
do que mestre. Plauto pôs em cena um pedagogo que dá
conselhos morais ao aluno. Êste, im paciente lhe diz: “ Mas
afinal sou eu teu escravo ou tu o m eu ?” (Bacch, I, 2 ) . Esta
cena devia renovar-se muitas vêzes.
O pai era o educador e o com panheiro do filho, Pobre,
form ava-o para o trabalho; rico, ensinava-lhe leitura, escri­
ta, elem entos de cálculo e fortificava o seu corpo com exer­
cícios corporais proporcionados à sua idade: m anejo das ar­
mas, natação, equitação. A crescentavam , às vêzes, a esta
instrução sumária noções de agrimensura, de astronomia e
de geografia. T odo cidadão devia conhecer o código prático
e a lei das Doze Tábuas.
N o seu cargo de educador o pai era secundado muito
eficazm en te pela mãe. A matrona Rom ana tinha alguma
coisa da dignidade da m ãe cristã, e a sua bondade contra­
balançava a severidade do pai. A sua influência persistia na
adolescência e na idade madura.
A educação era em in en tem en te m oral e religiosa. Cada
dia' o m enino tom ava parte nas orações recitadas pelo pai;
as festas de* fam ília, m uito numerosas, tinham tôdas algo de
religioso. “ Nessas solenidades. geralm ente acompanhadas de
refeições que reuniam, à mesma mesa, pais e amigos, os deu­
ses lares eram coroados de flores; ofereciam -lhes bolos, favos
de mel e incenso; às vêzes, sacrificavam -lhes animais” . (A.
B a u d r i l l a r t , A s condições da infância na antiguidade, p.
42). J (
Os jovens, desde os dezesseis anos, aprendiam pràtica-
mente os seus deveres de cidadãos. “ Entre nossos antepas­
sados, diz Plínio, a instrução não era som ente pelos ouvidos,
mas tam bém pelos olhos. Os mais novos, olhando para os
mais velhos, aprendiam o que breve êles m esm os teriam que
fazer, e o que um dia ensinariam aos seus descendentes” .

Escolas — Algum as escolas foram fundadas durante a


última parte deste período e eram dirigidas quase tôdas por
escravos. São m encionados, por vez primeira, no trágico
episódio de Virgínia. A o program a de que falamos atrás,
alguns m estres acrescentaram a dança, com grande escân­
dalo de Catão.
Estas escolas eram chamadas ludi (ludus, jôgo, espor-
l e ) ; os mestres chamavam-se “ ludi m agistri” . O m enino ia à
i scola acom panhado p'elo pedagogo, que era geralm ente es­
cravo de confiança. Não havia ensino superior propriam en­
te dito. A religião era estudada com cuidado mais particu­
lar nos colégios sacerdotais.

. Período de transição

Êste período caracteriza-se pela introdução da cultura


urega. Esta mudança produziu uma verdadeira revolução
i >s costumes. Os anciãos e, Catão à frente, indignaram-se
rctudo por verem introduzir nas escolas a dança e o can-
lo “ artes que podiam con vir a escravos mas que eram indig­
nas de hom em livre” . Não obstante esta oposição, as idéias
gregas seguiram seu canvr.ho e e^íuiou-s^, c?da vez mais,
H om ero e os escritores gregos. Pelos meados do terceiro
século antes da nossa era a influência grega era tão pronun­
ciada que os diplomatas rom anos falavam grego e os livros
gregos encontravam leitores em Roma. Mas os Romanos
nunca adotaram o ideal grego; estudaram sobretudo as ciên­
cias práticas: gramática, retórica, matemática deixando de
lado as ciências especulativas.

Escolas — As escolas tornaram-se mais numerosas; al­


gumas foram célebres, entre outras, as de Carvilius, Nae-
vius e Livius Andrônieus. Explica-se isto pela influência
grega e também porque os Rom anos com eçavam a preferir
a educação com um à educação particular.
A princípio, o program a era o das escolas ant:gas. P ou ­
co a pouco am pliou-se pala introdução dos estudos hterários.
Este gênero de estudos cham ados humanitas foi inaugurado
pelo ano 230 antes de Cristo. Os jovens estudavam os auto­
res e se exercitavam na declam acão; alguns até seguiam
cursos de dialética e retórica sob a direção de mostres gre­
gos, honrados com o titulo de grammntici. Assim é que foi
inaugurado praticamente o ensino secundário.

Bibl ■otecas — Acham os, na organização de numerosas


bibliotecas uma indicação de que os rom anos desta época
apreciavam cada. vez mais a educação o os trabalhos do es­
pirito. Augusto fundou várias delas; Tito festab-eleceu uma ,
no Capitólio; Vespasiano colocou outra r o tom olo ria Paz.
Os particulares possuíam notáveis coleções de obras. Sere- j
nus A m m onicus legou, por testamento, ao im perador Gor-
diano o jovem , a sua biblioteca composta de sessenta e dois
mil volum es, núm ero prodigioso para a época.
Vindo a Grécia a ser província romana, em virtude da
lei segundo a qual o povo mais civilizado impõe á outro a
sua civilização, devia conquistar Roma definitivamente para
a cultura grega. •
O fim principal da educação nesta época foi formar ora­
dores e magistrâdos. Conseqüentemente os estudos foram
especialmente dirigidos para a gramájica, a eloqüência e o
direito. O ensino organizou-se pouco a pouco e Roma pos­
suiu escolas- elementares, secundárias e superiores. “Os anti­
gos,'diz G. Boissier, não tinham o hábito de distinguir tão
claramente como nós as diversas ordens de ensino; entretan­
to vê-se, nas Floridas de Apuleio. uma passagem curiosa em
que o autor parece criar entre elas uma espécie de hierar­
quia, “Numa refeição, diz êle, o primeiro copo é para a sêde;
o segundo, para a alegria; o terceiro, para o prazer; e, o
quarto, para a loucura. Nos festins das Musas, pelo contrá­
rio, quanto mais nos dão a beber, tanto mais a nossa alma
ganha em sabedoria e razão. O primeiro copo nos é servido,
pelo litterator (o que nos ensina a le r); êste começa a polir
a rudeza de nosso espirito. Depois vem o gramático, que
nos orna de conhecimentos variados; por fim, rhetor que
põe em nossas mãos a arma da eloqüência”. Eis aí os três
graus de instrução indicados de maneira assaz precisa.

Escolas elementares — Estas escolas, públicas ou parti­


culares, estavam sob a direção do litterator ou grammatista.
As matérias essenciais do curso de estudos eràm leitura, es­
crita e cálculo. Os alunos aprendiam os caracteres latinos e
l',rogos. O cálculo mental estava em voga. A lei das Doze
Tál.uas ssrvia de base à educação cívica. Todos os trabalhos
Hi i tinham uma tendência moral; o mestre fazia apren­
di r máximas, ditos célebres, poesias gnômicas próprias para
fazer amar a virtude. A cultura grega fazia parte da edu­
cação, mas sem destruir o ideal romano.

Escolas secundárias — O conhecimento» dos elementos


era necessário para ser adm itido às escolas secundárias. O
gram m aticus tinha com o fim, no seu ensino, fazer adquirir
a êsses joven s uma grande facilidade em falar ou escrever.
O program a era exclusivam ente literário, com a particulari­
dade do ser o grego ensinado freqüentem ente antes do latim.
O ensino gramatical form ava a base dos estudos; acrescenta­
vam -lhe o estudo literário e crítico dos textos. O curso de
literatura era sobretudo prático e incluía trechos de H om e­
ro, M enandro, Plauto, Terêncio. H orácio e Esopo. O estudo
dum texto com preendia os exercícios seguintes: áitado do
trecho com o exercício de ortografia; reprodução oral e de­
pois escrita; imitação e tradução dos versos em prosa e re­
ciprocam ente; desen volvim en tos diversos duma mesma idéia;
explicação das passagens difíceis; análise e decom posição
.das palavras; enfim com posição, consistindo geralm ente na
explicação de uma m áxim a ou no elogio duma bela ação.
Para tratarem um assunto, os retóricos tinham adotado
um m étodo uniform e, o dos tópicos: a) elogio do autor da
m áxim a ou da ação; b) paráfrase da m áxim a ou exposição
do fato; c) m otivo ou principio que justifica a verdade do
pensamento; d) com paração com outros pensamentos ou ou­
tros atos; e) exem p lo dado por alguma personagem distinta;
f) confirm ação por autoridades que tenham dito ou feito
cousa sem elhante; g) conclusão em form a de exortação.
O gramatista ensinava, muitás vêzes, os elem entos de
retórica. Êste estudo foi cada vez mais reservado à escola
do rhetor. A s escolas secundárias davam ainda noções de
geografia, aritm ética, geom etria e m úsica, bem com o ele­
m entos de astronom ia, necessários ao cálculo do calendário.
A educação física não era negligenciada; mas sôbre êste
ponto as idéias dos Rom anos eram diam etralmente opostas
as dos Gregos. O seu fito era form ar homens de guerra,
hábeis no m anejo das armas. Os m oços se reuniam no Cam­
po de M arte e se exercitavam no arco, no disco, na corrida,
na esgrima e na equitação. Em Roma, êstes exercícios se
terminavam muitas vêzes por um banho nas águas do Tibre.
O jô g o da bola era preferido pelos escolares. A dança,
tão apreciada pelos Gregos, nunca foi aceita em Roma. Cí­
cero diz que ninguém quereria dançar em público, a não ser
que estivesse ébrio ou fôsse doido.
Er.sino técnico — A m aioria dos joven s term inava os
seus estudos aos dezesseis anos. Os que se destinavam à
agricultura punham-se debaixo da direção dum agricultor
experim entado; os que se destinavam ao exército entravam
para uma companhia. Havia, em Siracusa. uma escola de
administração da casa. Em parte alguma se faz menção de
escolas preparatórias para engenharia civil, mas tudo faz
supor que existiam ; as obras dos arquitetos e engenheiros
romanos denotam conhecim entos especiais bem amplos.

Escolas superiores — Estas escolas preparavam para as


carreiras liberais e os em pregos públicos. A s primeiras não
eram bem vistas. Os mestres, a semelhança dos sofistas gre­
gos, form avam os seus alunos pleiteando em favor do êrro
e da injustiça tanto com o em favor da verdade e do direito.
Fm 593, o senado proibiu aos retores habitarem Roma. A l­
guns anos mais tarde. D om ício A enobarbo inflige um a cen­
sura aos retores e aos que vão escutá-los; Crasso lhes proíbe
<■ ensino e lhes exprobra o charlatanismo. Certamente se
corrigiram pois que Júlio César os reabilitou e Augusto fêz
instruir o neto por Verrius Flaccus ao qual dava por ano
'00.000 sestércios (20.000 fran cos). Posteriorm ente o Esta-
do pagou o ordenado dos retores.
O program a destas escolas era m uito extenso mas os
estudos literários sempre tiveram a primazia. Os exercícios
a que se entregavam com preendia a eloqüencia demonstra­
tiva, a eloqüencia política e a eloqüencia judiciária. Os alu­
nos cultivavam , a princípio, o gênero narrativo; depois, a
controvérsia e a crítica. P or último, com punham panegí­
ricos e filípicas. A dm itia-se que eram necessárias cinco
condições para bom êxito: a) invenção, procura das idéias;
b) disposição, arranjo lógico destas idéias; c) elocucnn, ex ­
pressão destas idéias de m odo elegante e perfeito; d) m e­
morização, estudo do discurso para o ter sabido; e) ação,
recitação com graça e dignidade.
A explicação de um trecho literário fazia-se, conform e
Varão, da maneira seguinte: a) leitura: o mestre lia pri­
meiro, os alunos repetiam em seguida; à leitura ligava-se a
recitação; b) com entário, trabalho laborioso com preendendo
a biografia do autor, a gênese das suas obras, uma discussão
sôbre o sentido de certas palavras ou de cortas passagens,
explicações históricas, m itológicas e geográficas. Ass^m os
luturos oradores aprendiam quantidade de coisas úteis; c)
crítica 'd o tex to : em prim eiro lugar fixação e correção do
texto, porque as cópias eram m uito incorretas. A crítica
dirigia-se em seguida sôbre o acertado das palavras, a legi­
timidade do seu em prêgo em tal ou tal sentido, sôbre a
sintaxe, sôbre o uso mais ou menos feliz das imagens; d)
juízo: apreciação de conjunto sôbre o texto estudado.

Universidade — A fundação do A ten eu pelo im perador


Adriano foi o prim eiro passo para a organização das univer­
sidades romanas. A lexandre Severo criou cadeiras de m e­
dicina, m atemática e m ecânica aplicada. A o mesmo tempo
assegurou o recrutam ento de alunos por m eio de bôlsas da­
das a m eninos pobres. Outros im peradores aperfeiçoaram
a obra e as escolas superiores de Rom a e de Constantinopla
tornaram-se verdadeiras universidades, regidas por uma le-
g ;slacão m inuciosa e severa. Durante a sua permanência
na m etrópole, os estudantes viviam sob uma vigilância con­
tínua. Surpreendidos em flagrante delito de mau procedi­
mento, eram batidos com varas em público e reenviados às
suas famílias.
Depois de uma freqüência mais ou menos longa na uni­
versidade, muitos estudantes iam com pletar os estudos numa
escola criada ou desenvolvida por influência grega. Os R o­
manos escolhiam geralm ente Atenas, Marselha ou A lexan­
dria.

Organização das escolas romanas

Liberdade de ensino — Os Rom anos tiveram a mais com ­


pleta liberdade de ensino. Esta liberdade nunca foi discu­
tida. O Estado não interveio senão para secundar os esfor­
ços dos particulares. C ícero assegura que a educação dos
meninos, em Roma, não era regulada por nenhuma lei nem
submetida a nenhuma direção do Estado nem obrigada a
nenhuma uniform idade (Republica IV. 3). As escolas ele­
mentares foram num,erosas por tôda parte; os próprios es­
cravos podiam instruir-se. Os ricos preferiam geralmente a
educação com um à educação privada. Quintiliano na Ins­
tituição oratória pronuncia-se fortem ente em favor da es-
<ola.

Os mestres — O litterator era pouco estimado; não tinha


direito ao título de professor e nunca participou das honras
<■ privilégios do grammaticus nem do rhetor. O grannnati-
fiis era mais honrado; entretanto as liberalidades dos impe-
r.idores e dos grandes raras vêzes os atingiram. Os rheto-
■c:; de quem, a princípio, se havia desconfiado, foram depois
cumulados de honras e dinheiro. Os seus vencimentos, nas
grandes cidades, elevavam -se a somas fabulosas. Lucius
A pulejus recebia anualmente da sua escola 400.000 sestér-
cios
A s escolas — O m estre entrava com o prédio da escola,
o qual podia ser um alpendre, um pórtico fechado por panos,
um celeiro. A ordem era ali difícil de se manter porque
“ o barulho da rua perturbava os alunos tanto quanto a m o­
notonia dos exercícios aborrecia o transeunte” (Marcial) . O
m estre tom ava um assento elevado: os m eninos se assenta­
vam no assoalho ou, sôbre pedras, raras vêzes em bancos.
Algum as classes eram ornadas com imagens, com bustos de
grandes hom ens; o m aior luxo consistia em cobrir as pare­
des com mapas geográficos. O m aterial de ensino constava
do abacus, especie de contador de bolas, de cubos e esferas
para o ensino da geometria.

Métodcs — Cada mestre ensinava a seu m odo porque os


Rom anos nunca procuraram regulam entar os estudos. Os
alunos levavam à escola, a m odo de livros, rolos colocados
em estojos cilíndricos, tabuinhas cobertas de cêra para os
exercícios de escrita e saquinhos cheios de tentos para os
exercícios de leitura e de cálculo. Traçavam caracteres sô­
bre as tabuinhas por m eio de um estilete. Servindo-se dos
dedos, de pequenos seixos e do ábaco, faziam as operações
concretas do curso elementar. A s tabuadas se aprendiam
cantando, com o em nossos dias. Êste estribilho horrível
exasperava Marcial. “ É im possível viver em Roma, diz êle;
pela manhã somos assassinados pelos m estres-escola; e, à
noite, pelos padeiros” . Os cálculos difíceis se faziam por
escrito.
O ensino era dado sobretudo oralmente, pela raridade
dos livros. Êste m étodo, apesar dos seus inconvenientes,
form ava os alunos para a atenção e dava um desenvolvi­
m ento feliz à memória.
A escola abria-se, ao rom per do dia, e durava o dia todo,
com curto intervalo para o jantar. O ano escolar era corta­
do por certo núm ero de suetos. A s férias nas escolas rurais,
com eçavam por m eados de junho para term inarem em ou­
tubro; nas cidades eram ainda mais longas.

Discipl'na — A s punições eram freqüentes e severas. A


correção se aplicava por m eio da férula ou dum chicote de
correias. Juvenal, Aúsônio, M arcial salientam os abusos que
se faziam da vara, cetro do pedagogo. Orbilius tornou-se
célebre pela crueldade. Fustigou mais de uma vez Horá-
cio, seu aluno, o qual largamente lho retribuiu nas sátiras.
Os estóicos recom endavam os castigos corporais e M enandro
dizia que “ quem não foi fustigado não recebeu educação” .
Em vão Quintiliano, Catão, Flaccus, Sêneca recom enda­
vam aos mestres a doçura; que se fizessem amar, que tor­
nassem o ensino interessante. A odiosa prática sobreviveu,
e Santo A gostinho nos diz que, quando bem pequeno, orava
a Deus cada manhã que lhe desse amor ao trabalho e afas­
tasse dêle o que chama “ a mais terrível das desgraças” .

Apreciação geral — Os Rom anos com preenderam em to­


do o tem po a im portância de boa educação. Com a m aior
liberdade fundaram numerosas escolas de todos os graus, as
quais deram ao Estado, não só cidadãos devotados mas “ um
contingente, renovado sem cessar, de hom ens eminentes, à
altura da incum bência sempre m aior que tanto as circuns­
tâncias com o a am bição impuseram a R om a” (A. B a u d r i l -
l a r t , A educação em Roma, p. 5 5 )” . Não obstante a invasão
da cultura helênica, conservaram as qualidades próprias da
raça. D eixaram de lado o que havia de subtilezas, de dile­
tantismo no gênio grego, para se prender, “ em filosofia, à
m oral; em retórica, à eloqüência aplicada; em ciências, aos
dados pràticam ente úteis” .
Os estudos eram convenientemente graduados. Tendiam
a dar um mínimo de conhecimentos e preparavam pâra uma
cultura mais alta. Nunca se teve em Roma a pretensão de
fazer do menino uma enciclopédia viva. Talvez se pudesse
censurar a esta educação o ser exclusivamente prática e dei­
xar num plano inferior a verdadeira formação intelectual.
A emulação estava em grande voga. O amor à gloria,
natural aos romanos, era encorajado na escola. Houve até
excesso a êste respeito.
Melhor inspirados do que os gregos, os Romanos em
nenhuma época negligenciaram a instrução das mulheres, o
que permitiu a estas velarem pelos estudos dos filhos, guiá-
los, aconselhá-los e exercer considerável influência nos des­
tinos do império.

Expansão das escola? romanas

A educação latina difundiu-se sobretudo nos países ocidentais, su­


jeitos à dominação dos Césares. 'A Espanha teve numerosas escolrs e
produziu homens em inentes: Séneca, Quintiliano, M arcial, Silius Itá-
licus, Trajano. A mais antiga escola superior da península foi fundada
pol* Sertório, em Huesca. Na Á frica do Norte ns estudos latinos flores­
ceram especialmente no século segundo da nossa e r a : Útica, Madauro,
Cartago e nutras cidades, possuíram escolas fam osas. M as em nenhuma
parte foram tão brilhantes com o nas Gálias.
A s e sc o la s rom an as n a s G á lia s. — Antes <?a conquista, os gauleses
tinham escolas druídicas. Os rrananos, subjugando-os, fundaram nas
cidades importantes muitos estabelecimentos de instrução. Lião, com os
seus cursos de poesia e eloqüência, tórnou-se o centro literário das Gá­
lia s; Autun contou um grande número de estudantes; Langres possuiu
várias cadeiras cíe gram ática e retórica. Aries, Nimes, Tolosa, Narbona,
Viena, Reims, Tréveris, tiveram escolas, onde se ensinavam gramática,
dialética, astrologia, medicina e jurisprudência.
Nestas escolas nada faltava do que facilita os exercícios do corpo e
doí esp írito : palestra para a ginástica, piscinas para a natação, avenidas
para passeios, clareiras pàra os jogos. Cada auditoriwn tinha as suas
classes distribuídas à direita e à esquenta dum vestíbulo e munidas de
assentos em semi-círculos. O, corpo docente compreendia ordinàriamente
três oradores e dez gram áticos para a língua latina, cinco sofistas e dez
gramâticns para a língua grega, um professor de filosofia transcendental
e. dois para as lições de jurisprudência.
Além do ordenado oficia l a algumas vêzes, uma contribuição oficial
cobrada das fam ílias, os mestres tinham vários privilégios inscritos nas
leis. O mais iínpcrtante era a isenção de impostos, fav or imenso, sobre­
tudo quando a' pentiria do fisco os tornou exorbitantes.

Os gauleses e as ciências. — Os gauleses se entusiasmaram pelas


ciências. As escolas do sul sobretudo cferam a Rom a muitos homens dis­
tintos. Os gauleses passaram cs Alpes não só com o soldados mas como
pedagogos, médicos, retóricos. Derain a RQina Marcus Gnypho, que en­
sinou no palácio de Júlio César; Cornelius Gallus, poeta amigo de Vir­
g ílio ; Lucius. Plotius, que Quintiliano chama o oraâor insigne; Valerius
'Cato, apelidado a Sére-ia latina; o Arquitan© Roseius que fazia as delí­
cias do teatro de Rom a ; fis dois gêmeos marselheses, Telon e Gyaré,
astrônomos e m atem áticos; Varrão dè Atax, êmulo de Propércio e de
Tibulnr; Trogo Pompeu que émpreendeu contar os feitos dos reis e 'd o s
povos, dêsde o coraêço Co m undo; Domitius A fer, demandista infatigável,
amigo de Tibério, Calíguía, Cláudia e Nero.
Muitos gauleses distintos permaneceram em seu país e aí adquiriram
reputação. Citemos os mais célebres: Oseus de Marselha, advogado es­
tourado, soberbo e m ord a z; Agrotas, orador de fa cü n íia jô jiic a ; Voe-
timis, Montanus, célebre professor de Narbonaj_ Julius, o irmão, que era
tido còrno c< mais suav^-e'gracioso poeta do sen tem po; Graecipus. autor
de um tratado de agricultura, cujo estilo elegante e polido se g a b a ;
Petronius A rbiter (Petronio) que esboçou, no seu festim de Trimalcion,
um quadro impressionante cTa degradação moral do povo romanri; fin al­
mente o poeta Ausônio que, quando a decadência invade a metrópole,
suspira idílios, que não teriam desaprovado os mestres da elegância
clássica.

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E om a n period. — N ou vea u D ictionnaire de p éd a gog ie, art. R om a m s. —
W i l k i n s , E om an edueation (C a m b r id g e , 1 9 0 5 ).

C A PÍTU LO X II

ESCRITORES E ED UCAD O RES ROM ANOS

I — Sêneca (4 antes — 65 depois de Cristo)


Sêneca nasceu em Córdova, na Espanha, onde o pai era
professor de retórica. Recebeu, em Roma, educação muito
com pleta. Cedo distinguiu-se e ocupou, sob o im perador
Cláudio, cargos importantes. A cusado de intrigas, foi e x i­
lado para a Córsega, mas consolou-se da sua desgraça m o­
mentânea entregando-se com ardor ao estudo favorito, a fi­
losofia. Mais tarde foi preceptor de N ero; a sua influência
sôbre os prim eiros anos de reinado do seu real aluno é in­
contestável; mas não pôde im pedir mais adiante que êle se
entregasse às mais vis paixões. Foi até uma das vítim as do
“m onstro” .
Tôda a obra m oral de Sêneca reflete as suas preocupa­
ções pedagógicas. Com efeito, passou quase tôda a vida con­
solando, exortando e. ensinando. Encarou a tarefa de filó­
sofo com o um apostolado: ' “ Sabemos v iver? sabemos m or­
re r?” Isto é para êle o essencial. Os seus preceitos peda­
gógicos estão contidos nas suas Cartas a Lucilius e nos seus
opúsculos filosóficos. Encerram a form ação com pleta do
menino.

Ec’ ucação física — Sêneca não quer que se negligencie a


educação do povo; mas é preciso notar que esta é m eio e
não fim . O fim da nossa vida é mais nobre: “ V iver é com ­
bater” diz ele a Lucilius. E tam bém : “ Trata particular­
m ente da saúde da tua alma; que a do corpo esteja em
segundo lugar” . É preciso conceder ao corpo o que basta à
saúde e nada mais: “ o alim ento deve saciar a fom e; a be­
bida, extinguir a sêde; o vestuário, resguardar do frio ” . R e­
clama para o m enino uma alim entação frugal, roupas sem
lu xo e vestuário sem elhante ao dos com panheiros; entretan­
to, é necessário levar em conta a natureza e o temperam ento.
R econhece a necessidade dos exercicios físicos; entre­
tanto, não se lhes deve dar senão o cuidado necessário: o
abuso dos cuidados pelo corpo abafado espírito. Os melhores
são os exercícios breves e fáceis, que dão agilidade ao corpo
sem distraí-lo demasiado, e poupam tem po: a corrida, o ba­
lançar das mãos sustentando algum pêso, o salto de altura e
de extensão. “ Seja o que fôr que tu faças, acrescenta, volta
logo do corpo para a alma; exercita esta noite e dia” .
Ecüucação intelectual — Antes de obrigar o m enino a um
regim e, cum pre estudar-lhe o caráter, as qualidades, as dis­
posições de espírito. Sêneca deseja uma educação prática:
“ N on scholae sed vitae est ãocendum ” . Para exercitar a m e­
m ória e ornar o espírito com bons pensamentos, recom enda
fazer aprender sentenças e ditos notáveis. Quanto à leitura
dos poetas, a escolha deve ser feita com severidade. Muitos
poetas cantam os vícios dos deuses e, com exem plos augustos,
acendem os maus instintos dos homens. Cum pre ler m uito
um pequeno núm ero de autores excelentes; ler para se ins­
truir e não para se divertir. Um hom em que, por m uito
tempo, concentra o seu espírito num ponto, torna-se tem ível:
“ temo o hom em de um só liv ro ” .
Na com posição propõe, com o m odêlo, Cícero: “ Lê Cí­
cero, diz êle; a sua com posição é una, flexív el e calma, suave
sem ser efem inada” . O que louva num escritor é a energia,
a firm eza, a elevação, a nobreza do pensamento.
Enumera as artes liberais>na ordem seguinte: gramáti­
ca, música, geom etria, aritmética e astronomia. Inclui a dia­
lética e a retórica nas ciências lógicas. A utilidade dêsses
estudos é habilitar a alma a receber a virtude. “ Não são úteis
senão enquanto preparam a in te lig ê n cia ... P ode-se parar
nêles enquanto a alma não é capaz de nada mais elevado:
são aprendizados e não obras de m estre” . Sêneca não é, p or­
tanto, inim igo dos estudos liberais. A s suas críticas são so­
bretudo ao m étodo: os professores do seu tem po apegam-se
demasiado à letra que mata e não suficientem ente ao espírito
que vivifica. Os gramáticos e os retóricos discutem futilida-
des e negligenciam o essencial. O seu ensino tornou-se for-
malista e rotineiro, ocupam -se m uito pouco da vida m oral
dos meninos.

Educação moral — Sêneca deseja que o ensino resulte


em benefício moral para os alunos. Diz ao professor de m ú­
sica: “ Faze com que a minha alma se afine por si e que os
meus sentimentos não tenham dissonância. Tu m e explicas
os m odos lamentosos, ensina-me antes a não exalar lamentos
no m eio da adversidade” . A cha que é inútil saber o que é
uma linha reta, se se ignora o que é reto, no ponto de vista
m oral; e acrescenta: “ De que m e serve saber dividir um
campo, se não sei repartir com um irm ão?”
A educação d eve ser viril: a vida é luta incessante que
exige energia e perseverança: uma educação suave não pre­
para o m enino para as vicissitudes da existência. “ Não re­
sistirá a uma ofensa aquêle que nunca experim entou uma
recusa, aquêle cu ja mãe atenciosa sempre lhe enxugou as
lágrimas” . E diz ao am igo: “ Foge das delícias, foge dessa
moieza enervante que em bebe a nossa alma e a adormece
numa em briaguez contínua” .
Aconselha Sêneca a punir o m enos possível. Quanto
menos se castiga, tanto menos se é obrigado a castigar. É
necessário poüpar o pundonor do menino: “Conserva-se e
procede melhor, aquêle que não morreu de todo para a honra.
À honra perdida já não se liga importância, e é impunidade
não haver cabimento para o castigo” . Um receio moderado
contém os espíritos; mas, contínuo, violento, ergue a audácia
dos mais abatidos e impele a tudo arrostar. Muito se obtém
pelo afeto e respeito. Se a correção é, às vêzes, necessária,
seja imparcial e ratíiocinada; empregue-se, como remédio, e
não como meio de satisfazer vinganças.
O exemplo é o melhor meio de educação moral. Sêneca
exorta os discípulos a procurarem um modêlo de vida ao
qual se esforcem por se assemelhar. “Cumpre escolhermos,
diz êle, um homem virtuosá e tê-lo constantemente sob os
olhos, afim de vivermos como que em sua presença”. Há
homens cuja vida é um ensino: vendo-os, ouvindo-os, torna-
mo-nos melhores. “O encontro com o sábio faz bem; e tudo,
em um grande homem, aproveita em algum sentido”.
Com o exemplo, são necessários preceitos precisos e po­
sitivos. Não é bom multiplicá-los por demais. Certos con­
selhos gerais bastam para guiar na vida. Êsses preceitos de­
vem prender-se a dogmas; dali tiram a sua seiva e o seu
valor. “Unamos, portanto, dogmas e preceitos, conclui, por­
que, sem a raiz, os rairiós são estéreis, e a raiz aproveita por
suá vez dos ramos que produziu”.
Tal é em substância a doutrina pedagógica de Sêneca.
Toca as questões mais importantes da educação. “Quer se
trate da discipliná, quer da educação da vontade; quer da
formação de caráter; percebe-se, lendo-o, que refletiu em cada
uma de'stas questões. Os seus protestos contra o autorita­
rismo, — o caporalismo — a erudição vã, ou ainda o abuso
dos exercícios físicos, acham eco em todos os pedagogos es­
clarecidos”. (C h . B u r n i e r ) .
B ibliografia. — Sénèque, Lettres à Lucilius; De la clémençe; De la
rnlère; Oeuvres moráles. — C h . B u e n i e b , La péâagogie de Sénèque ( L a u -
sanne — Paris, 1914). — S a n t e G it jfp e x d a , Storia delia pedagogia (p.
125-135). — W illia m s , Hictory o f ancient eãucation, p. 240 (S y r acuse,
J íew -Y ork, 1903).

II — Quintiliano (40-118)

Q u in tilian o n asceu em C alagu rris (C a la h o rra ) na E sp an h a. F êz


estu d os b rilh an tes em Rcana, fix o u -se n e sta cid a d e tornand o-se n e la um
d'os advogad os de m a is fa m a ; m a s d istin gu iu -se sobretudo com o pro­
fesso r de eloqüência. D ep o is d e e n sin a r por u n s v in te anos, retirou -se
da vid a pú blica e escrev eu o seu livro fam oso d a Instituição oratória.
Ê ste tratad o contém e x c e le n te s id é ia s sôb re a ed u cação in telectu a l e
m oral, porque o autor tan to s e propõe form ar um hom em h on esto eom ô
um a r tis ta da p a la v ra .
P rin cip alm en te três liv r o s da Instituição oratória ap resen tam um in -,
terêssev e sp e c ia l p a r a o educador : o 1.*, o 2.* e o 12.". O 1.*. tr a ta da
e íu c a ç S o do m enino a n te s d o s seu s e stu d o s; o 2.’, dos p rim eiros p rin cí­
p io s d a r e tó r ic a ; o 12.9, dos m eios de form ar o orador no. ponto de v ista ’
in te le ctu a l e m o r a l; em segu id a, da m an eira com a se devem tr a ta r a s
c a u sa s ; e, pur últim o, do e stilo da eloq üência.

Idéias pedagógicas de Quintiliano — Princípios geráis.


A educação deve começar desde a infância porque as im­
pressões são tanto mais vivas quanto o coração é mais puro.
“Um vaso conserva sempre o cheiro do líquido que conteve
quando n o v o .. . mas são principalmente as más impressões
què deixam vestigios mais duradouros”.
Durante os primeiros anos, o ensino será indirecto e in­
tuitivo: jogos, contos, histórias. A instrução propriamente
dita começará pelos sete anos.
Sustenta Quintiliano que a instrução comum é preferível
à particular; e, desenvolvendo esta idéia, escreveu em favor
âa educação pública o mais belo arrazoado que jamais sé
proferiu. Baseia-se unicam ente em razões didáticas para pro­
ferir a instrução em com um : em ulação e form ação social do
m enino; mas é contrario ao ensino pelo Estado.
Para dirigir o espírito dos meninos e form ar-lhes o ca­
ráter, cum pre aplicar-se prim eiram ente a conhecê-los bem.
Aquêles que são sensíveis à em ulação são os mais aptos para
o trabalho. “ Quanto a mim, diz êle, quero um m enino que
se excite com o louvor, que seja sensível à glória, que uma
derrota faça chorar. A am bição será o seu alimento; uma
censura feri-lo-á ao vivo, a honra o aguilhoará. Jamais re­
cearei a preguiça num m enino desta natureza” .
Os pais devem interessar-se nos trabalhos de seus filhos,
entender-se com o mestre e cooperar com êle na obra da
educação. .

Curso de estudos — Prim eiram ente se ensinará o grego.


Para a leitura, Quintdiano recom enda o em prêgo de letras
de marfim. Na escolha dos textos de leitura corrente, nun­
ca se deve perder de vista a form ação do coração. Os pri­
m eiros exercícios de com posição serão feitos oralm ente; con­
sistirão em reproduzir as fábulas de Esopo. Para ensinar os
elem entos da escrita,,aconselha dar ao m enino tabuinhas nas
quais as letras são escavadas; desta maneira, a mão inexpe­
riente não arrisca extraviar-se. Mais tarde far-lhe-ão traçar
os caracteres sôbre tabuinhas revestidas de cêra.
A gramática é a base dos estudos dos futuros oradores.
É m uito própria para form ar o entendimento. “ O que um
gram ático deve sobretudo aplicar-se a fazer o seu aluno no­
tar, é a arte com que tôdas as partes do poem a são distri­
buídas, e a conveniência observada, quer em relação às coi­
sas, quer em relação às pessoas; é a beleza dos pensamentos
e expressões; os trechos em que o escritor foi, às vêzes, abun­
dante ou sóbrio, conform e as circunstâncias (Instituição,
I, V I I I )” .
A história pode também servir ao orador; mas a música
]he é particularmente necessária porque deve sentir-lhe o
ritmo e pô-lo em prática na sua elocução e ria declamação:
“A música tem duas espécies de harmonia, diz Quintiliano,
uma que se aplica à voz, a outra aos movimentos de corpo.
Não é tudo isso necessário ao orador?. . . Não é somente nos
versos e canções que se exibe um certo arranjo, uma combi­
nação harmoniosa das palavras. (Instituição I, X ) ” .
A geometria faz parte do programa. Dá grande vivaci­
dade de percepção, mas o orador é obrigado a conhecê-la por­
que se vê muitas vêzes obrigado a pleitear em processos re­
lativos aos limites de propriedades. Parenta próxima da
dialética, a geometria ensina a distinguir o verdadeiro do
falso e constitui excelente discipl;na do espírito. O futuro
orador estudará também astronomia porque esta ciência pode
contribuir para lhe dar prestígio.

Educação especial do orador — Quando o estudante co­


nhecer suficientemente a gramática, começará os estudos es­
peciais que devem fazer dêle um orador perfeito. A retórica
terá o lugar de honra; a filosofia lhe fará conhecer a nature­
za humana. A dialética e a moral fornecer-lhe-ão idéias, en­
sinando-lhe a arte de distribuir metodicamente os seus ar­
gumentos. Elas completarão a sua formação moral e con­
tribuirão á dar-lhe as virtudes de justiça, discernimento, pru­
dência e juízo que devem ser a suas virtudes cardiais.
O or'ador deve ser homem de bem, do contrário nunca
será verdadeiro orador, porque “o homem vicioso é um doido
e o doido não pode ser eloqüente”. Tomará, portanto, como
modelos os grandes homens da Grécia e de Roma, o regulará
o seu procedimento pelos seus exemplos.

Métedos — É dever do mestre estudar os seus alunos,


conhecer os seus talentos, as suas qualidades intelectuais,
a fim de os dirigir mais seguramente na escolha de uma vo­
cação. É preciso evitar o cansaço mental, verter a ciência
gôta a gôta. Cada meniho será tratado conforme o seu ca­
ráter e todos com grande bondade. O mestre se considerará
pai dos seus discípulos e os castigos corporais serão rigorosa­
mente desterradps da escola. Quintiliano recomenda fazer
os meninos brincar; o momento do jôgo é muito favorável
para os observar e conhecer.

B ib lio grafia. — Q u i n t i l i e n , Instítution oratoire. — Cydopcdia o f


education, art. QuintUan. — Kouveau Dictionnaire ds 1’ éducation, art.
Quintilien. — D a m s e a u x , Histaire de la péãagogie, 4e. Édition p á g . 73.
— S a n t e G i u f f r i d a , Stortii dríla pedagogia , p. 113 (
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

DA ERA CRISTÃ AO RENASCIMENTO

C A PÍTU LO PRIM EIRO

I. Os Primeiros Séculos de Cristianismo


O M OD ÊLO DOS M ESTRES

Nosso Senhor Jesus Cristo é o m odêlo perfeito do mestre


cristão. Clem ente de A lexandria chama-o, com razão, o pe­
dagogo da humanidade porque Êle deu, pelo seu exem plo e
ensino, os princípios eternos da pedagogia.
O ideal que Êle propõe é infinitam ente mais elevado do
que* o dos filósofos da antiguidade: “ Sêde perfeitos, diz Êle
a seus discípulos, com o vosso Pai celeste é perfeito” . Êste
ideal abraça os interêsses do tem po e os da eternidade; inclui,
com as virtudes teologais, a subnvssão à legítim a autoridade,
a renúncia ao m undo, e desprendim ento das riquezas,' a pu­
reza do coração, o am or aos inimigos, a lem brança do últim o
fim.
Jesus Cristo ama ternam ente as criancas. Em várias
cenas adm iráveis do Evangelho, o seu coração deixa trans­
bordar sôbre elas tesouros de amor. Exalta a sua dignidade,
insiste m uito sô^re o respeito aue lhes é devido, e ameaça
com os mais form idáveis anátemas ou °m , pelas suas palavras
ou pelos seus atos, fôr para elas m otivo de escândalo. Faz
as mais m^smíficas prom °ssas às almas do escol que consa­
grarem a vida ao apnstolado da infância.
O divino M estre tem tôdas as qualidades do educador.
Possui, em sua perfeição, a ciência divina e a ciência huma­
na: “ É a verdadeira luz” . O seu m étodo de ensino nada
deixa a desejar. Consiste em fazer penetrar nas almas uma
verdade essencial: o reino dos céus. Para chegar a êsse
fim , em prega os processos da mais sã pedagogia:

1. O seu ensino é sem pre adaptado ao seu auditório e


apropriado às precisões do m esm o. A sua palavra atinge a
cada um pelo seu lado sensível; a sua alma se dobra a tôdas
as almas com uma facilidade adm irável. Conhece o hom em
a fundo, conhece cada um em particular e trata-o com um
acêrto e um tato m aravilhosos.
2. Torna o seu ensino sensível e intuitivo pelo uso de
parábolas, figuras, exem plos tirados das coisas mais comuns.
Êle se conform a ao espírito da literatura judaica pelo seu
freqüente em prêgo do paralelism o e arranjo em estrofes.
A perfeiçoa a parábola na sua form a e reveste-a de um es­
plendor literário incom parável. Sob o ponto de vista peda­
gógico, êste m odo de ensinar é excelente: a parábola força a
atenção e apela para a experiência; esclarece com vigor as
verdades abstratas.,' Nosso Senhor serve-se de constantes
aproxim ações entre o m undo dos espíritos e o m undo dos
corpos. Os exem plos são tirados da família, da pesca, da
agricultura; são tom ados do que há de mais v iv o na vida
cotidiana. É a intuição posta em prática com arte consu­
mada. ‘

3. O ensino do M estre é gradual e progressivo. Isso é


necessário visto a lentidão dos espíritos de seus ouvintes e
discípulos. O êxito das suas instruções não é nunca com ­
prom etido por uma precipitação inconsiderada; lança a se­
mente e aguarda pacientem ente que germ ine e produza fru ­
to. Espera, às vêzes, ocasião mais favorável: “ Tenho m ui­
tas outras coisas a vos dizer; mas, por enquanto, não as po­
deis com preender (Jo. X V I, 12)
4. Cristo possui, em sumo grau, a arte de interrogar, a
arte de expor, a arte de excitar o interêsse e de aliciar a
simpatia do auditório. Em prega promessas e ameaças e ape­
la para o tem or dos castigos. Acham os tam bém na sua m a­
neira de ensinar m odêlo para o m estre cm aula. É digno e
fala com autoridade; é calmo e p a cien te. paciente com os seus
discípulos de espírito inculto, com o povo im portuno e gros­
seiro, com os grandes, indiferentes e egoístas. Emnrega tô­
das as m odificações de voz, a fim de penetrar nas almas com
a sua palavra. Manda com autoridade aos espíritos m alig­
nos, às ondas do mar, às inteligências, às vontades. Salien­
ta-se na arte de aconselhar e com um cuidado todo especial
form a os apóstolos para a missão divina que lhes quer confiar.
5. Nosso Senhor é o m odelo dos m estres cristãos pelo
seu zêlo em difundir a verdade. Realiza eminentemente, diz
o P. Longhaye, o que os atenienses dirão mais tarde de São
Paulo: é por excelência um sem eador de palavras, semini-
verbus. Êste zêlo se alim enta na oração, e ainda levando
uma vida bem ativa, Cristo está em união constante com seu
Pai celeste. Z êlo paciente que procede da imensa bondade
do seu coração. Z êlo prudente que escolhe os meios apro­
priados para chegar ao fim e é sempre sàbiamente com edido,
ainda com os ouvintes mal dispostos. Z êlo constante, que
nada enfraquece nem desanima. Z êlo sinc.ero\ Jesus nunca
age por interêsse pessoal mas sempre para o bem das almas;
não procura os sucessos fáceis nem os aplausos dos ouvintes.
Diz a todos a verdade sem acepção de pessoas. Z êío univer­
sal: preocupa-se com todos mas sobretudo com os abandona­
dos, enferm os, pobres, pecadores: lição fecunda para o mes­
tre cristão que deve dedicar-se sem esperar recompensa al­
guma dos homens, desprender o coração de todo apêgo ter-
reno, triunfar de suas repugnâncias naturais e dedicar os
cuidados mais atentos às crianças pobres e aos mais despro­
vidos com relação à inteligência.
6. Por último o divino Mestre é moãêlo de autoridade.
Êle próprio diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a v id a ...
Todo poder me fbi dado”. E os seus atôs provam-no. Re­
conhecem que é o Salvador do mundo, crêem na sua missão.
Os próprios inimigos o proclamam: “Jamais homem algum
falou como êste (Jo. VIII, 45, 46)” . Exerce esta autoridade
de modo suave mas firme. Responde com bondade aos con-
traditores de boa fé; aos outros responde com uma exposição
mais viva, mais urgente da verdade. Às vêzes, põe os con-
traditores em oposição consigo e êles se retiram cheios de
confusão.
A sua autoridade é firmada pelo exemplo. Pode dizer
aos inimigos: “Quem de vós me convencerá de pecado? E
as multidões repetem, a porfia, que tudo jêz bem. Feliz o
mestre cristão do qual se pode fazer tal elogio!

B ibliografia. — G. A ttd ollext, Le divhi M.attre (Paris, 1919), — Cy-


elop cd ia o f eüncation art. N e w T estam ew t, P ed c .g o g y r ' . — B e l b r e l , J esu s
éüupateur de sen a p ô tres 6Paris, 1916)»-----R. P. L o n c h í y e , L i p rédirntion,
th. II (Pa-is, 13‘nS). —f M o e s c h i e r , Jééux Ch. II. Ti,ntl. de C. L. d e l a
C h a p e l l e (P. 1910), E. À . P a c e . How Christ tnught Beligion , “ in Catholie
TJniversity Bullt tin, deeember 1908 (Washington).

CAPÍTU LO II

O CR ISTIAN ISM O E A EDUCACAO — OS TEMPOS


APOSTÓLICOS

O cristianismo não deu ao mundo um sistema de peda­


gogia. Mas a educação baseada no Evangelho é perfèita:
nbrange o hom em todo, alma e corpo; tem por fim fazer dêle
cidadão da terra e eleito para o céu. O Evangelho encerra
os grandes princípios da psicologia humana; contém lições
sôbre a natureza da criança, os seus deveres, a autoridade dos
mestres, etc. Traz certos elem entos que têm exercido gran­
de influência na educação:
1. Dá idéia clara da divindade. O mais hum ilde dos
mestres cristãos possui, sôbre êste ponto, noções mais pre­
cisas do que os m aiores filósofos da antiguidade. O estoicis-
m o-acreditava numa divindade confundida com a natureza;
para Aristóteles, Deus ignorava o m undo depois de o haver
criado; Platão não via nêle senão o arauiteto do universo. O
cristianism o nos ensina que Deus é distinto do m undo e que,
depois de o haver criado por um ato de liberdade e de amor,
vela por êle pela sua Providência.
2. O cristianismo dá a verdadeira noção da liberdade.
Na antiguidade, esta noção era im precisa; cada sistema filo ­
sófico exagerava o “ eu” , restringia-o a vontade. O Evange­
lho nos ensina que o hom em é livre e que pode, com o au­
xílio de Deus, tornar a subir gradualm ente a um estado per­
feito de que decaiu. Estas idéias abrem aos homens “ a pers-
petiva dum progresso não inevitável mas dependente dos li­
vres esforços de uma hum anidade reconciliada com o seu
A utor” . (H. J o ly ).

3. O cristianismo aperfeiçoou os atos religiosos. O cul­


to, entre os antigos, consistia sobretudo em práticas exterio­
res, prescritas por leis, e que exerciam por vêzes sôbre os
atos da vida verdadeira tirania. A essência da religião cris­
tã consiste na vida interior, na pureza dos sentimentos, na
caridade das intenções, na boa-vontade.

4. O ideal proposto pelo cristianismo é mais elevado do


que o do pensam ento antigo, mais prático, mais desinteres­
sado, de um alcance universal. Este ideal é a perfeição in­
finita; esta se encontra em Deus e não pode ser realizado
senão com o seu auxílio. Mas, para o atingir, não é neces­
sário fazer com o os estóicos que se desprendiam de todo bem
exterior. A religião cristã permite, e até recom enda o cui­
dado vigilante e prudente no que respeita os bens terrestres.
O pai de fam ília que o Evangelho propõe com o m odêlo, é
cheio de condescendência e de doçura com o também de ju s­
tiça, e Cristo divinizou, de certo m odo, as lágrimas e a pie­
dade.
Não é difícil entrever o que será a educação inspirada
por tal espírito. “Não se pode colocar em oposição nem com
as exigências da natureza, nem com as precisões do corpo
humano, nem com a ciência, nem com as leis emanadas re­
gularmente dos poderes públicos da nacão. Deve dobrar-se
a todos os progressos e favorecê-los todos poraue se ocupa,
acima de tudo, em desenvolver nas almas virtudes sem as
ouais nenhum progresso poderia consolidar-se nem produzir
resultados perfeitamente felizes para a humanidade, isto é,
a retidão de intenção, a probidade da vontade, a confiança
na vitória definitiva do bem, e essa caridade que é paciente,
que é suave, que não é çuriosa, que não procura o seu próprio
interêsse, que não se iirita, que não pensa no mal, que não
se alegra com a injustiça mas que põe a sua alegria na ver­
dade (H. Joly, N oções de pedagogia, p. 263)” .

Mas, além desses grandes princípios, o cristianismo trou­


xe ao m undo preceitos e conselhos que exerceram influência
imediata sôbre a educação:
a) Proclam ando a necessidade da fé para a salvação,
im pôs a todos os fiéis o dever de conhecerem as verdades da
religião; e, á Igreja, a missão de as ensinar;
b) Dando-nos o princípio essencialm ente dem ocrático
da igualdade e da fraternidade, o cristianismo estabelece,
como conseqüência, o direito de todos à instrução e à edu­
cação:
c) É a religião cristã que difundiu por tôda a parte a
gratuidade do ensino. O cristão encara o ensino como obra
de misericórdia espiritual. São os conselhos evangélicos que
têm inspirado a uma multidão de mestres uma renúncia com­
pleta de si mesmos e de todos os bens da terra para se de­
dicarem com mais devotamento ao apostolado da educação;
d) A filosofia da antiguidade era aristocrática e a ciên­
cia não era dada senão a uma elite. Mas a Igreja, desde a ,
sua fundação, instruiu tôdas as classes da sociedade, sem
distinção. Tomou até cuidado particular em elevar o nível
intelectual e m oral dos pequenos e dos pobres; através das
idades nunca postergou o seu título de educadora dos povos.

- O cristianismo e a ciência — O cristianismo tomou a ciên­


cia da antiguidade, aperfeiçoou-a e, mais do que qualquer
outra religião, contribuiu a .todos os progressos de que a
humanidade se orgulha.

1. Deu o primeiro lugar ao ensino religioso porque esta


ciência revela ao homem a sua origem e os seus destinos
imortais. A Igreja fêz da instrução religiosa uma das suas
funções mais sagradas porque está convencida de que a fi­
losofia luminosa do catecismo dá a solução a todos os gran­
des problemas e esclarece magnificamente a razão humana.
2. A moral evangélica é superior à. moral pagã. Vê
no homem não só um cidadão, um membro do Estado mas,
sobretudo, o futuro cidadão do Reino da Glória. Se lhe re­
comenda a dignidade exterior, aconselha grande vigilância
sôbre os seus pensamentos, desejos e sentimentos. Ésta mo­
ral, diz Damseaux, dirig'e-se à humanidade tôda e traz con­
sigo os gérmens da regeneração social.
3. 0 cristianismo deu grande impulso à ciência geo­
gráfica e fundou a história universal. Na antiguidade não
se conhecia mais do que o Estado e a cidadania; os outros
povos eram tidos com o bárbaros. Os A póstolos do Evange­
lho, ocupando-se com zêlo igual de tôdas as nações, de tôdas
as raças, por isso m esm o se interessaram pela história e geo­
grafia de todos os países.
4. O cristianismo d esen volveu os estudos lingüísticos.
Os povos civilizados da antiguidade não se ocupavam senão
com as línguas estrangeiras cu jo conhecim ento era um meio
de cultura superior: os Assírios estudavam o caldeu; os R o­
manos, o grego. Desprezavam os outros dialetos. A reli­
gião cristã não rejeitou nenhuma form a da linguagem hu­
mana; não desdenhou nenhum idiom a; e, fazendo-os servir
para a difusão da boa nova, fixou -os e enobreceu-os.
5. Enfim, o cristianismo ex erceu influência profunda
sôbre as letras e as artes. Deu aos escritores e aos artistas
profundeza de concepção e de sentimentos desconhecida das
civilizações antigas. A música sagrada, a eloqüência, a poe­
sia, a pintura, a escultura, devem às idéias cristãs as suas
mais nobres inspirações

Os apóstolos e a educação — L ogo depois de Pentecostes


os apóstolos, obedecendo à ordem do Mestre, repartiram en­
tre si o m undo para o reform ar e civilizar. O seu ensino
operou, por tôda a parte, maravilhas. Na Grécia, na Espa­
nha, nas Gálias, na Ásia, na Á frica, legiões de cristãos, pela
santidade da vida, deram eloqüente hom enagem à verdade
que haviam recebido.
O ensino dos apóstolos era sobretudo em três pontos:
resus Cristo, a sua doutrina e a vida cristã. Insistia sôbre
'luas idéias capitais: a) V ido e doutrina de Nosso Senhor.
K o assunto da prim eira pregação de São Pedro; São Paulo
declara não conhecer senão a Jesus Cristo crucificado; b)
aplicação do cristianismo ao procedim ento, na vida. Tôdas
as epístolas, as de São Paulo em particular, têm por fim
exortar os fiéis a reproduzir, nos seus pensamentos e ações,
a imagem de Jesus Cristo.

São Paulo e a educação — São Paulo, escrevendo a cris­


tãos que viviam no m eio de pagãos onde a fam ília estava em
“ ruínas” insistiu fortem ente na santidade', indissolubilidade
do matrim ônio e nos deveres recíprocos dos cônjuges (Efes.
V . ) . Lem bra aos pais que devem cuidar do corpo e da alma
dos filhos, form á-los ao trabalho, perm itir-lhes que sigam a
vocação, repreendê-los, corrigi-los, puni-los com prudência,
doçura e firm eza e instruí-los nas verdades cristãs. (Efes.
V I ) . Recom enda aos filhos que obedeçam aos pais, no Se­
nhor, que os honrem e assistam. Prom ete-lhes, em recom ­
pensa, a felicidade e as bênçãos celestes. (Efes. V I ) . Mas se
alguém não tem cuidado dos seus, renegou a fé e é pior que
um infiel. (I. T i m ., V, 8),

A c escolar cristãs nos tempos apostólicos — Nenhum tes­


temunho escrito nos revela a existência de escolas propria­
m ente ditas, no tem po dos apóstolos. Mas exam inando o
fato da propagação rápida do Evangelho, chega-se a certas
deduções interessantes. Prim eiram ente a educação dada aos
prim eiros cristãos teve caráter dom éstico. Cada casa, diz
São João Crisóstomo, era um santuário. No fundo das cata­
cumbas, na intim idade da fam ília, nas solidões em que lhes
era oferecido um asilo, os cristãos se reuniam para orar, ler
e transm itir aos filhos os conhecim entos sagrados.
V erificam os tam bém que a instrução era dada a todos
indistintam ente. O Judeu e o Gentio, o amo e o escravo,
foram objeto da mesma solicitude. É conhecida a ternura
de São Paulo pelo escravo Onésimo.
Os ensinos dados aos cristãos eram principalm ente limi­
tados à instrução religiosa. Freqüentar as escolas pagãs não
teria sido sem perigo nesta época. Os fiéis deviam com pe­
netrar-se profundam ente das verdades, de que eram os pro­
pagadores e, muitas vêzes, os mártires. Esta instrução estava
longe de ser superficial; Rossi encontrou a prova nas cata­
cumbas: a enum eração dos pontos de doutrina, fam iliares
aos cristãos, com preende tôda a teologia dogmática.

Bibliografia. — B. B . Amado, Hisloria ã? la cãneachn, p. 89-93 ( B a r .


eelone, 1911). — Cyclopedia o f edueation, art. Christian ediwation in tlis
early clmrch; New Tc-Jamcnt, padagogy of. — D a s i s e a u x , Histoire ãe la
pédagogie, 4e. é d iíion , livre I V (Liògc, 3915). — H o d g - o n , Primitive,
christian edueation ( E d õ n b o u r g 19 0 G) . — II. Jor.Y, K o'io:ns de pédagogie,
ch. X V I I . — MONROE, Text b o o l s in the hi tory o f edreation, p. 221-228.
— M acevney Christian edueation in the first centuries (N. Y., 1900

II. Período Patrístico

C A P ÍT U L O III

A EDUCAÇÃO NA ÉPOCA DOS PA D R E S D A IGREJA

Os Padres da Igreja e a educ3ção — O período patrístico


se estende desde o fim do prim eiro século até a form ação
das nações modernas. V em -lhe o nem e da influência exer­
cida pelos Padres da Igreja. Êstes homens, eminentes em
santidade com o em doutrina, tiveram por missão explicar as
verdades da religião, defendê-las contra os ataques de pagãos
e heréticos e lançar os fundam entos da doutrina católica.
Não se desinteressaram dos estudos estranhos à religião. Fo-
ram amigos e ardentes propagadores das letras, ciências e
artes, e todos se distinguiram por alta cultura clássica.
Sob o ponto-de-vista da educação, os Padres se aplica­
ram principalm ente a conciliar a ciência profana com a dou­
trina m oral e religiosa dos cristãos. Tendo êles próprios
haurido nas escolas romanas a brilhante educação que lhes
dava tanta influência, na Igreja, julgavam o estudo dos clás­
sicos indispensável. P or outro lado, os chefes da Igreja
nunca proibiram estudar os autores gregos e romanos nem
ensiná-los. “ Excetuando alguns intransigentes, diz Allard,
os cristãos dos prim eiros séculos tiveram sempre, nestas m a­
térias, o espírito de largueza, porque eram realm ente escla­
recidos” .
A censura feita, algumas vêzes, aos Padres da Igreja, de
não terem insistido na im portância da educacão clássica, não
tem fundam ento. Os cristãos recebiam a educacão tal qual
se dava nesta época. Im portava sòmente preservá-los do
perigo que podia apresentar o estudo dos autores pagãos.

A educação na família — A transform ação da fam ília pelo


cristianismo aproveita logo à educação doméstica. O pai é
o representante de Deus; a mãe já não é a serva humilhada
mas a com panheira do homem, a rainha do lar. A religião
lhe oferece um m odelo incom parável na Mãe de Deus a
quem Jesus esteve submisso durante a vida mortal.
Os filhos, considerados com o dons do céu e santificados
pelo batismo, são objeto dos mais tenros cuidados. Se é
perm itido castigá-los e corrigi-los, é crim e prejudicá-los no
corpo ou na alma. Desde os mais tenros anos, os pais fo r­
m am-nos para a oração e para os cânticos sagrados; narram-
ihes a história do povo de Deus, a vida, os sofrim entos e a
m orte de Jesus, fazem -lhes aprender as m áxim as do Evan­
gelho e dos Santos Padres, lêem -lhes as atas dos mártires;
em sua com panhia visitam os túm ulos dos confessores da fé,
freqüentam as assembléias religiosas, assistem os pobres,
doentes e presos.
O cuidado com que São Leônidas educou seu filh o Orí-
genes é exem plo desta educação na família. Todos os dias,
o m enino estudava a Sagrada Escritura sob a direção do pai
ao qual dava contas do trabalho. Todos os pais não eram
capazes de dirigir assim a educação dos filhos “ mas, pode-se
crer, diz Allard, aue, diretam ente ou por interm édio de um
pedagogo cristão, muitos entre êles seguiam de mais ou m e­
nos perto êste exem plo. (Dic. apologético, II, art. Instrução
da ju v e n tu d e )” .

Escolar, crir*ãs ctos primeiros sécuíos — As escolas cris­


tãs dos prim eiros séculos foram os catecum enatos, as escolas
de gramática e retórica.. as escolas episcopais e as escolas
catequéticas.
1. Catecum enatos. Estas escolas estavam abertas aos
catecúm enos adultos que se preparavam para o batismo. Um
sacerdote lhes dava, o ano todo, mas sobretudo durante a
quaresma, instruções sôbre as verdades de fé. Existiram os
catecumenatos em tôdas as cristandades nascentes: santuá­
rio, cripta, catacumba, casa particular, era tudo centro de
onsino.
2. Escolas de gramática e de retórica. Desde o 2.° sé­
culo, aproveitaram -se os cristãos da liberdade dada para fun­
dar escolas nos lugares onde as podiam manter. Em outros,
enviavam os filhos às escolas pagãs onde ensinavam muitos
cristãos. A Igreja animava aos professores na manutenção
de seu pôsto pois seu ensino não tinha os perigos do pagão.
A o passo que o professor cristão louvava a form a clássica
dos autores, podia ter as reservas quanto ao fundo. A rnóbio
cita, entre os homens que pelo fim do século III, abraçavam
o cristianismo, “ oradores de grande talento, retores, médicos,
m estres de filosofia” .
3 . Escolas eclesiásticas ou episcopais. Na sede de seu
bispado, fundaram os bispos, escolas de grau superior para
a form ação do clero. A religião era o principal objeto do
curso de estudos; era preciso form arem -se controversistas e
apologistas aptos a refutar as opiniões e os sistemas dos he-
reges e os erros dos filósofos pagãos; mas não se descura-
vam as ciêências profanas; seu conhecim ento era necessário
para a confusão dos inim igos da Igreja.
4. Escolas catequéticas. Vários catecumenatos se trans­
form aram paulatinamente em escolas catequéticas cu jo ob ­
jetivo era dar, com a instrução religiosa, uma cultura geral
e bastante vastà. Pagãos e cristãos tinham admissão às m es­
mas. Algum as dessas escolas tornaram-se verdadeiros esta­
belecim entos de ensino sunerior, “ obra original do cristia­
nismo e sem análogo fora dêle” .
O tipo mais célebre dessas escolas é o “ diãascaleu” cris­
tão de Alexandria. A sua origem parece rem ontar a São
Marcos. No segundo século a sua fam a atraía já a seus
cursos a elite do m undo greco-rom ano. Os mestres célebres
desta universidade podiam confundir os professores de filo ­
sofia e de belas-letras da escola pagã dessa cidade, que eram
os inim igos mais esclarecidos e mais encarnicados do cris­
tianismo, e os com batiam não só nos seus escritos com o nas
'■uas escolas onde eram ob jeto dos seus sarcasmos diários.
Os mestres do “ diãascaleu” ensinavam, paralelam ente com a
teologia, a filosofia platônica e aristotéfica, física, geometria,
astronomia, gram ática e retórica. O curso de religião ter­
minava-se por estudo com pleto da Sagrada Escritura.
Os m estres mais eminentes desta célebre escola foram
São Pantênio, Clem ente de A lexandria e Orígenes.
A Igreja fundou escolas s;m ilares nas grandes cidades
onde uma dem onstração científica das verdades da fá era
necessária. As de Cesaréia. Antioquia, Jerusalém, Edessa,
Smirna, Nísibe, Rom a gozaram de grande celebridade.
Juli&no o Apóstata e a educação — Depois do edito de
Milão, Juliano o apóstata foi o únicó imperador que tentou
infringir á liberdade de ensino. Êle o fêz com o fim de des­
truir a influência dos cristãos e de fazer pesar sôbre êles “a
vergonha da ignorância e o desprezo público”'. Por um pri­
meiro edito decretou que a nomeação dos professores retri­
buídos pelo Estado seria submètida a ratificação. Atingiu
assim os mestres "cristãos muito numerosos nas escolas mu­
nicipais. Em 362, puMicou segundo edito proibindo'a todos
os mestres que não fôssem pagãos ter escolas. Censura a
êsses mestres o explicarem autores de cujas crenças não
participam e taxá-los “de impiedade, loucura, e êrro religio-'
só”. O ed:to foi executado. Mu’ tos professores desceram
das suas cadeiras. São Gregário Nazianzeno censurou vigo-
-rosamente êste golpe contra a liberdade. São Basílio dizia
igualmente: “Em nenhum ponto Juliano se mostrou mais
odioso: indigne-se comigo auem auer que ame a eloqüência
e pertença, como eu, ao mundo dos oue a cultivam”.
Fm ?64, Valentmiano sunrnru -oficialmente a lei de Ju- .
liano. Vinte anos depois, São Jerônimo declarava que a lei­
tura das coméd’ as antigas e das ovras de Virgílio era ne­
cessária à educacão dps. meninos. E êle prónr’ 0 comentava
aos alunos da escola anexa ao morteiro de Belém os poetas
latinos, especialmente o autor da Eneida.

B i b l i o g r a f i a . — A l l a e d , J u 'ien V A p o s t c t , 2 v o l. (P a r is . 1 9 0 3 ). — C y -
c-o p -d ia o f eflucaticn , art. C a ’ echetioal sch oo1x ; Catechnm enal s e h o o ls ;
C lirist:an and the carly ch urch ; A lexa n d ria ( soliool and u n iv ersity o f ) ;
 n i o o h , sohool o f . c te „- Diciic-nnaire npolotjêtiqu ? art. In stru otion d e la
jcunesse.i I I . — F é z a f d . E ir to ir e riu C atéchism e ( P v í s , 1 9 0 5 ). — K u r t h ,
L m origin es d e ia civilisaV.on m odern e, I , 6e. É d jfio n (P a r is , 1 9 1 2 ). —
M o n r o e T c x t boolc in. the H ie t o r y o f cdu ca'ion, eh V — M o r . P a q t je t ,
L ’Églvsc- et VCducation, Ire . p a r ti? , eh. I I I et I V (Q u â b e c, 1 9 0 9 ). — L a .
l a n x e , I n f l n e n e ; ãrs J’.5rrs de 1’É g l L e sur 1’édu cation p end a n t les cinq
p rem iers siècles (P a r is , 1 8 5 0 ).
EDUCADORES E ESCRITORES DO PERÍODO

PATRÍSTICO

I. — Clemente de Alexandria (160-220)


C l e m e n t i 1, f i l ó s o f o p l a t ô n i c o , foi c o n v e r t i d o ao c r i s t i :ini --ni-> p o r Sfío
P a n t ô n i o . a o q u a l s u c e d e u c o m o d i r e t o r d a e s c o l a e a q u ó t i c a (le A l e ­
xan dria. lí c o n s i d e r a d n pai <la filo s o fia c r is t ã ; S ã o .l e r ô n i m o c h a m a - o
o m ais sábio escritor da Ig r e ja . A s s u a s o b r a s p r i n c i p a i s s ã o : a lixor-
hição aos G e n t i o s ; o P ed a g o g o , c o l e ç ã o d e r e g r a s d e p r o ; s c^uinicvito p a r a
o s n e ó f i t o s ; os Strom a tcs « u T apeçarias q u e t r a t a m d e v á r i a s qm -stõe s
r eligios as.

Suas idéias pedagógicas — Para fazer bem ao menino, é


preciso amá-lo, devotar-se ao mesmo, ter confiança nêle. “ O
m enino é brando; é m anejável, terno, simples, incapaz de
ocultar o que se passa na alma. A sua própria debilidade é
um encanto. É deliciosam ente agradável auxiliar tudo o
que é im potente; e, por isso mesmo, reclam a o nosso auxílio” .
O mestre deve ser bondoso e firm e, “ deve segurar com
vigor o lem e até que o m enino tenha lançado âncora no pôrto
dos céus” . Clem ente não admite a correcão senão depois
do ensaio infrutuoso de todos os outros meios. “ Se as amea­
ças não influem sôbre o m enino, a vara o encontrará ma:s
sensível” . R ecom enda hábitos viris e uma higiene m ovi­
mentada. Os exercícios ginásticos têm a dupla vantagem
de conservar ao m esm o tem po a saúde no corpo e alegria na
alma.
A m úsica é um m eio de educação. O m enino cantará,
se exercitará em tocar citara e outros instrumentos. "Que
a tua música seja m odesta e pura; foge às m elodias ener-
vantes; evita essas m odulações de garganta alimentadas no
vinho, que se saúdam com chuvas de flores ( 1 ) ” .
O m enino cristão deve ser m odêlo de bom com portam en­
to e de urbanidade. Cumpre habituá-lo a ser sóbrio, a re­
gular a alim entação pelas precisões do corpo. “ Há homens,
diz Clemente, cuja vida inteira se passa diante da colher e
do prato, ao ruído das pingadeiras. Não são homens, são
maxilas. Parecem ter o coração enterrado no estôm ago” .
É dever rigoroso dos pais co/.servar os filhos afastados
das ocasiões perigosas. Proibir-lhes assistir aos banquetes
públicos em que a virtude se arrisca a soçobrar. Clemente
recom enda ao jov em santa intransigência com relação às
r ■'nversações: “ Se alguém te fala coisa inconveniente, fe-
cha-lhe a bôca com ar severo ou desviando a cabeça ou até
.ustigando-o com um epíteto áspero” .
A bondade será a virtude dominante do mestre: “ É m e­
dicina divinam ente tenra que faz florescer o rubor da con­
fusão e nos dá vergonha de cair em falta para o futuro” .
Não deve degenerar em fraqueza: “ bondade demasiado con­
tínua gera quase sempre o desprêzo, enquanto a firm eza justa
e benévola traz sempre consigo o r e s p e ito .. . o mel, que é
tão doce, acaba por produzir fe l” .
O jovem , chegando à idade crítica, precisa uma direção
inteligente. Empregar-se-ão, prim eiro, conselhos que são
“ com o que uma determ inação de dieta para a alma indispos­
ta” . Se os bons conselhos não bastarem, virão as repreen­
sões que são “ cirurgia dos afetos da alm a” . Mas repreensões
e correção terãp caráter de bondade. “ Duas espécies de ho­
mens nos censuram: os nossos amigos e os nossos inimigos.
O que nos quer mal, repreende-nos m otejando; e nosso amigo
nos repreende por benevolência” .

O) As ritaçõcs dôstr artigo são t i r a d a s do l i vr o d o R. P . L l i a n d o:


J u n n litde, pequeno có d igo dc educação no lar, segu ndo C lem ente de A le .
randria.
Clem ente aconselha o estudo da filosofia pagã contanto
que seja com precaução: “ É preciso pedir de em préstim o à
sabedoria e à filosofia grega com o se colhem rosas em m eio
dos espinhos” . Tem m agníficos pensamentos sôbre a neces­
sidade e as vantagens da ciência: “ Quem quer atingir a
gnose sem filosofia, sem dialética e sem o estudo da natureza
é semelhante àquele que, sem ter cultivado a vinha, quises­
se colher uvas” .

B i b li o g r a f i a . — Clément d ’ A i . e \-a x d : : i e , O a t* r m (P a fr o l^ g le (le


M : g n c , vo l. V I I I et I X ) . — I I i t c t i c o c k , C lcm cn t o f A h *r,n 4 ria ( L n t u l r c s ,
1 8 !)!)). — I?. P. L i t a n d e . Jcnncxsc. — S l a f e k t , U n éducatcur c p tim is te :
C lcm cnt d 'A l.x a n c lrie (Ktudes, 5 juin 1 9 1!3 ) .

II. — São Basílio (329-379)

S ã o B a s ílio n a s c e u em C e s a r é ia (la C r p a d ó o ia - F ê z o s seu s e s tm lo s


em C o n s t a n tin o p la e na u n iv e rs id a d e ' de A te n a s o n d e te v e p o r c o n d is ­
c íp u lo s S ã o G r e g ó r io N a /.ia n z e n o e J u lia i.o o A p ó s ta ta . I* oi p r o t e s s o i- d9
r e tó r ic a e a d v o g a d o , r c t ir a n d o -s e d r p o is ã s o lid ã o . Inundou un ia c o m u ­
n id a d e r e lig io s a . V in d o a s e r liisp • (le C e s a r é ia . c o m b : teu c o m v ig o r
o s h e r e j f s e t r iu n fo u c a s p e r s e g u iç õ e s p e la fir m e z a , s a b e d o r ia e v irtu d e s.

Idéias pedagógicas — A s suas idéias sôbre a educação,


estão contidas em papte numa h om ;lia aos m oços sôbre a
utilidade que podem tirar da leitura de autores profanos.
Determ ina prim eiram ente que a Sagrada Escritura, com seus
exemploá, suas promessas, sua doutrina, deve ser o livro por
excelência dos cristãos. Pode-se, porém, acrescentar ao es­
tudo dos livros sagrados o dos autores profanos. Êstes estu­
dos amadurecem e fecundam o espírito: “ O destir.o de uma
árvore é dar fruto; entretanto, as fôlhas que se agitam em ro­
da dos seus galhos, a enfeitam. Assim o fruto essencial da
alma é a verdade; mas o vestuário èxterior da sabedoria não
deve ser desprezado”.
O estudo dos autores pagãos fornece ac>s cristãos armas
para defender a verdade. “No combate que temos de travar
em favor .da Igpeja, devemos estar armados de ponto em
brahco; e, para isso, pode ser-nos muito út;l a leitura dos
poetas, dos historiadores, dos oradores. “Os livros profanos
contêm preceitos e exemplos próprios para inspirar o amor
do bem: “Dado oue é pela virtude aue devemos chegar à
vida futura, aplicar-i-os-emo'; utilmente aos poetas, aos his­
toriadores e, sobretudo, aos f ;lósofos que a têm celebrado...
Ouvi dizer a um hom?m inteligente que tôdas as poesias de
Kcmero podiam inspirar o amor à virtude”. Entretanto,
certos autores devem ser lidos com precaução.
“É preciso fechar os ouvidos às más leituras como Ulis­
ses fechou os dêle aos cantos sedutores das sereias. O há­
bito de ler más ações leva a praticá-las” .
São Basílio e as escolas monásticas — No mosteiro que
tinha fundado, São Basílio estabelecera um internato para
meninos que se destinavam à vida do século. Confiou a
nrssão de os instruirá religiosõs cheios de bondade, de saber
e de experiência; recomendava-lhes que tivessem sentimen­
tos paternais, repreendessem com doçura os jovens discípulos
e os formassem com cuidado às virtudes cristãs. Mas quer
também que os mestres lhes façam amar o estudo e a ciên­
cia. Para conseguir a sua atenção e interessá-los no traba­
lho, aconselha oue se examinem freqüentemente.
São Basílio é, por conseguinte, o precursor dos grandes
educadores da época monástica oue foram, durante longos
séculos, os mestres e benfeitores do povo.
PiMlogrcfic. — Saint Basils. TlomCie cv x j unes gens rv r Vutiliti
ãe 1’fJu'le â r f autrurs profanas; A vrêia u es; V?nler (M ign e,. Patrologie
ãe l ’ítudes ãcs cuicurs profanes; Aszéiiques; Bègles (Migne, Patrologie
greeque, vol. X X I X - X X X I I ) . — A l l a r d , Saint Basile (Paris, 1 8 9 9 ) .—
B. B . A m a d o , La Iglecia y la Ubertaâ ds E n sen a n za , p . 30 (Barcelone,
G ili). — D a m s e a u x , Histoire de la Pédagogie, 4 e. Édition, p. 91. — P.
B a r b i e r , Saint Basile (Paris, 1899).

III. — São João Crisóstomo (347-407)

João, apelidado Crisóstomo, ou Bôca de ouro, nasceu etn Antioquia.


Estudou retórica sob a direção do célebre Libânio. Após grandes êxitos
no fôro, abraçou a vida religiosa. Cómo bispo de Coi_stantinopla, dis-
tinguiu-se pslo seu zêla apostólico e empreendeu reform as que lhe atraí­
ram inimigos numerosos e influentes, entre outros, a imperatriz Eudóxia.
Morreu em viagem para o exílio.

Idéias pedagógicas — As obras de S. João Crisóstomo


encerram numerosos conselhos sôbre a educação, “Educar
meninos, diz êle, é principalmente inspirar-lhes o temor e o
amor de Deus, formar o coração para a ciência e a piedade”.
Fazendo isto, dá-se-lhes um tesouro, uma riqueza incompa­
rável. A mais bela herança que os pais possam deixar aos
filhos, “é ensiná-los a domar as paixões”. A fim de não ter
de que'censurar-se neste assunto, “é preciso dobrá-los ao
iugo desde a juventure, formá-los ao dever, extirpar os ger­
mes das más inclinaçõès”. Cumpre ousar fazê-los sofrer pa­
ra o bem das suas almas. Os pais que negligenciam tal de­
ver incorrem em terrível responsabilidade. Perdem os filhos.
“A alma dos adolescentes torna-se caverna de bandidos se
os pais não os corrigem, se deixam que as mais vis paixões,
as cobiças mais vergonhosas tomem raiz nas almas dos jo­
vens”.
Os princípios religiosos são a base de boa educacão. Não
se deve desprezar êstq meio. O conhecimento das Sagradas
Escrituras é contraveneno para as más inclinações e as lei­
turas perigosas. São Crisóstom o não reprova as ciências
profanas mas deseja que não se faça delas o ponto principal
da vida. “ Procurai menos ver vossos filhos fazer-se um
nom e nas ciências profanas do que inspirar-lhes o desprezo
desta vã fum aça de glória, diz aos pais. Sêde menos desejo­
sos de os form ar para a arte de falar bem do que para a arte
de viver bem. Que im porta que vosso filho seja ou não
orador distinto e aplaudido? Sem a sabedoria, que fruto
tiraria do rico talento? Que im portam os discursos eloqüen­
tes e pom posos? Deus só recom pensa a boa vida e os atos
de virtude. Regulai antes as suas ações do que as suas pa­
lavras; é pelas obras que se chega ã plenitude de todos os
bens. A alma é que se deve em belezar, a alma é que se
deve adornar” .
O mestre assume tarefa m uito grande e m uito nobre.
“ A precia-se um grande escultor, um grande pintor, mas que
é a sua arte comparada com a daquele aue trabalha, não no
mármore, mas nos espíritos?” D eve dedicar-se inteiramente
a êsse apostolado; com o o divino M estre “ descerá até o me­
nino a f :m de o elevar até Deus” . Mas sob pretexto de lhe
tornar fácil o trabalho, não excluirá o esfôrço pois não se
deve fazer para oh alunos o oue êles próprios podem fazer.
Servir-lhes-há de m odêlo em tudo e em tôda parte, uma vez
oue o exem plo de uma vida santa é a m elhor de tôdas as
lições.
B ibliografia. — S. .T. C k y s o s t o m e , Oeuvrrx, éditio n M igne. — C y c lo .
pedia o f edu eation , art. C h ryxostom .

IV. — São Jerônimo (331-420)

O r i u n d o (Ta P a n ô n i a , S ã o .Terônhno fê z , e m K o m a , p r o f u n d o s e s t u d o s
sob a d ire ç ã o d o g r a m á tico Donato. M ais tarde, São O re g ó rio N azian-
z o n o l h e e n s i n o u a t e o lo g ia . A p ó s n u m e r o s a s v i a g e n s p e l o O r i e n t e e u m
t e m p o d e r e s i d ê n c i a em l í o n i a . r-etirou-úo' a um m o s . e i r o d e líel.u n e em -
p r w i . d e u o s se u s g r a n d e s t r a b a l h o s d e r e v i s ã o c tra iA iç ã t d a B í b l i a .

Idéias pedagógicas — A s idéias de São Jerônim o sôbre


educação manifestam-se nas suas duas cartas, uma a Leda
CLaeta) sôbre a educação de sua filha Paula, e a outra a
Gaudêncio sô’:re a educação de sua filha Pacátula.
Paula destinava-se à vida religiosa. P or isso, em sua
carta a Leda, o santo encara so’:retudo o lado ascético da
educação. Recom enda guardar ciossm snte as jovens almas
destinadas a sérem os tem plos do Ssnhor. Não devem re­
ceber senão bons exem plos. É preciso acostumá-las à m or­
tificação e afastar delas tudo o que pode levar à sensuali­
dade.
O vestuário r ã o terá nada de esmerado. Paula não
usará as futilidades brilhantes com que se orna a vaidade.
Daixará os cosm éticos de lado. Não tocará instrumentos
de música, mas se exercitará no canto dos salmos e dos cân­
ticos.
São Jerônim o recom enda o afastamento e a fuga do
mundo. A jov em se retirará o mais que fôr possível ao
seu aposento ou ao santuário para ali entregar-se à m edi­
tação das Sagradas Escrituras.
Quanto ao m étodo de instrução, São Jerônim o inspira-
se em Quintiliano. Ensirar-se-á o alfabeto, servindo-se de
letras de m adeira ou de m arfim . O ardor para o trabalho
í.erá excitado por elogios, recom pensas e emulação. A jo ­
vem aluna terá com panheiras cu jo bom exem plo será para
ela um estímulo.
Para textos de leitura e escrita, escolher-se-ão passa­
gens tiradas dos profetas, dos A tos dos apóstolos, do Evan­
gelho. Os livros saerados devem ser os diamantes e as
pedras preciosas de Paula: “ Que a jov em aprenda os Sal­
mos, os P rovérbios, o Eclesiastes, Jó; depois, os Evangelhos,
os A tos dos A póstolos e as Epístolas” . Lerá em seguida
os outros livros do A ntigo e do N ovo Testamento. R eco­
menda ainda as obras de São Cipriano, as cartas de Santo
Atanásio e de santo Hilário. A jov em Paula se aplicará
prim eiro à poesia grega; e, depois, à poesia latina.
É necessário tornar o estudo agradável aos meninos e
r.ão os tratar com aspereza se acham alguma dificuldade
cm com preender: teriam pelo estudo uma aversão que con­
servariam por tôda a vida. O m enino deve estar sempre
ocupado. A m enina em pregará as horas vagas “ em traba­
lhar a lã, em segurar uma roca, em fazer girar um fuso e
em fazer hàbilm ente um tecido com agulhas”
O m estre apresentará tôdas as garantias com relação à
instrução e à m oralidade. Um hom em idôneo sabe dar de
m odo bem diverso do ignorante os princípios e os conheci­
m entos elementares.
Êste program a de instrução não está certam ente livre
de lacunas, com relação à cultura física, intelectual e esté­
tica; mas acham-se nêle as idéias mais sãs sôbre os métodos
e sôbre a form ação dos espíritos jovens. P rim eiro entre os
Padres da Igreja, 'São Jerônim o tratou a questão da edu­
cacão e lhe deu uma solução conform e ao espírito do tempo.
Tem o grande m érito de haver substituído, à disciplina
bárbara e desumana que reinava então em tôdas as eccolas,
um sistema todo de am or e de doçura oue respeita a per­
sonalidade do aluno e dá ao educador dignidade m a:or.

B ib lio g r a fia . — S a i n t J é ^om k , Lettrcs à Lacta ct à Gavãcntins. rlnns


Lettres clioisies ãe Saint Jérôme ■ ( F n r i t IS S O ). — Vn P m -
L a gra n ge,
fccscur d ’École Normalc, Histoire ãc la pedagogie , p. 91 (Gc-nbloux, 19 1 9 ).
Santo Agostinho, nascido em Tagaste, na África, recebeu cl-e? Santa
Mônica, a mãe, êxcelente educação; mas deixou s;? arrastar a tôda í,orte
de erros e vícios. Professou retórica em Cartago, Rom a e' Milão,. As
suas relações com Santo Am brósio e as orações da mãe deram em resul-
trdo a sua conversão -que foi completa c admirável. Após a volta à
Á frica, foi e le v a ío ao sacerdócio, feito coadjutor de H ippon a; e depois,
bispo desta cidade por Pingos anos. Empreendeu grandes trabalhos para
defender a Igreja contra os maniqueus, donatistas e pelagianos. Morreu
no momento t'm que cs Vánclalos sitiavam a sua cidade episcopal.

Idé:as pedagógicas — Santo Agostinho não deu teoria


da educação; mas, em suas obras mais importantes, toca
as questões mais vitais do ensinò. Em seu livro sôbre a
Ordem, demonstra que é a lei do universo, é que a confor­
midade dos seres inteligentes com o princípio regulador desta
ordem constitui a disciplina, que abrange, ao mesmo tempo,
a educação propriamente dita e a instrução. Quatro capítu­
los desta obra indicam e caracterizam os degraus do ensino,
isto é, a série das ciências que os meninos e jovens devem
estudar. São: leitura, escrita, numeração, gramática, dialé­
tica, retórica, música, poesia, geometria e astronomia. Con­
tenta-se com mencionar êste curso de estudos como o uso o
tinha estabelecido. Acrescenta que, se a inteligência chega
a perceber o fundo idêntico das várias ciências e a reduzi-las
tôdas á certa unidade, haverá de se elevar a Deus.
O Tratado da Doutrina cristã traça um plano quase com­
pleto de educação religiosa e moral. O primeiro livro nos
ensina a conhecer e, sobretudo, a amar a Deus; o segundo
indica o meio de chegarmos à inteligência das Escrituras;
trata da linguagem e dos tropos; recomenda o estudo do gre­
go e do hebraico, línguas das Sagradas Escrituras. Santo
Agostinho faz observar que certas ciências humanas são su­
persticiosas (idolatria, superstição); dev,em ser rejeitadas.
Cumpre adquirir, em primeiro lugar, as línguas e os diversos
processos de escrita. A s ciências de observação facilitam,
cada uma a seu m odo, a inteligência das Escrituras: a histó­
ria, a ciência dos animais e das plantas, se são desembaraça­
das do que mais ou m enos se assemelha à magia; a astrono­
mia, que inclui o risco de levar os espíritos à astrologia; as
ciências mecânicas, isto é, as várias profissões: medicina,
agricultura, navegação, que podem auxiliar a com preender
certas passagens; a dialética que será poderoso auxiliar, se
empregada com discrição.
Depois dêsses estudos, se iniciará a filosofia que é o
estudo por excelência. Tudo absorve e tudo resume; as dis­
ciplinas clássicas não têm valor senão para ela e por ela.
Procurar-se-á nessa disciplina tudo quanto os filósofos pu­
deram dizer de verdade. “ Foi assim que os hebreus, ao
saírem do Egito, levaram os vasos preciosos dos egípcios.
Cita, em favor dêsse uso Cipriano, Lactâncio, Vitorino, Opta-
to e Hilário, e conclui: “ M unido com êsses auxílios com eçar-
se-á o estudo das Escrituras” .
A Sagrada Escritura contém a plenitude da ciência por­
que “ tôda ciência aprendida noutra parte, ela a condena se
c nociva; ela a contém se é util” . Santo Agostinho consagra
um livro inteiro à retórica sacra. O orador cristão deve es­
tudar a arte de falar bem com o fim de difundir a verdade
e com bater o êrro. A ciência é preferível à habilidade; o
essencial é exprim ir a verdade, exprim i-la com convicção.
A s Confissões contêm vários capítulos de onde se pode­
riam extrair os pensamentos mais justos e mais eloqüentes
sôbre a educação física, intelectual e moral.
Santo Agostinho, ensinando em Milão, aplicava à procu­
ra da verdade estas três questões: “ Qaid sit? Quiã velit?
Quid valeat? Que é isto? Que quer? Que v a le?” Era fo r­
m ular mais de m il anos antes de Bacon, o fam oso trinôm io
do saber, querer e poder de que certos escritores mal infor­
mados fazem homenagem ao pseudo-fundador do método
experimental.

Ens*no religioso — No seu livro da Doutrina Cristã, o


santo doutor tratou, ponto por ponto, do m odo de levar os
fiéis ao conhecim ento gradual da Sagrada Escritura. Ocu­
pou-se mais especialm ente do ensino do catecism o numa ins­
trução dirigida a Deogratias, diácono de Cartago. D esenvol­
ve nela as idéias seguintes: É preciso basear o ensino áa
doutrina cristã na história do antigo e do n ovo Testam ento;
recordar freqüentem ente as grandes verdades, mostrar-lhes
a importância, explicá-las de’ maneira conveniente; ter por
fim d esen volver na alma dos ouvintes, a caridade perfeita,
o amor de D eus; lem brar muitas vêzes os castigos com que
Deus fer e os pecadores. O cateauista terá cuidado de pôr
o seu ensino ao alcance do auditório; êle se dedicará alegre­
mente, sacrificará tudo a êste santo m inistério, identifican­
do-se com o espírito de Cristo e penetrando-se do seu amor
pelos hum ildes e abandonados. D eve exprim ir-se com gran­
de clareza, dirigir-se à inteligência, ao coração e à vontade.
Pela oração, por lima vida constantem ente exem plar chama­
rá, sôbre os seus trabalhos, as bênçãos dos céus. Uma das
suas principais quahdades será o zêlo, um zélo verdadeira­
m en te avostólico; não se deixará desanimar pelas causas de
aborrecim ento que podem provir do ensino. Santo A eosti-
nho reduz estas causas a cinco: 1. Fraaueza de inteligên­
cia no auditório, à qual é preciso acom odar-se; de boa von ­
tade se abaixa a êste nível a exem plo de Jesus Cristo; 2.
tim idez do catequista; reagirá fortem ente contra êste defei­
to que poderia com prcm eter o êxito do seu apostolado; 3.
repetições fastidiosas das mesmas verdades; no ponto de vis­
ta humano, estas repetições r ã o são agradáveis; mas o de­
sejo de fazer conhecer e amar a Deus derramará encantos
sôbre elas; 4. falta ãe atenção no auditório; rem ediará a
isso tomando o ensino claro e interessante e fazendo uso
freqüente da interrogação; 5. provações, dificuldades, con­
trariedades, de tôda espécie; eleve o coração a Deus e cffere-
ça-lhe os sofrimentos pela salvação das almas que lhe são
confiadas.

A tjottstin. ünnfe-x’ryns: T)? VOrrt": Trait‘ ãe


la Pnrtrinfi rhrêtínvne; Inst^UfHon fur l^nseiancmewt dit catê^sm* ( trad.
fr. .Bair-KDtut. 1 87 3 ). — M a rtin . La âoctr*n* forialf de .Snint. JiigvrHi
(P aris, T ra lin ). — L . d í ; M o n d a d o n , Saint Augustin professeur, dana
Êtudes âu 5 jau vier 1910.

III. Período Monástico

CAPÍTULO V '

AS ORDENS MONÁSTICAS E A EDUCAÇAO


Terminou o quinto s $ u lo em calrm idades de tôda ordem. Nuvens
de bárbaros caíram sôbre a Europa ; saqueando, incendiando as cidades,
não deixando atrás ãe si senâo sangue e ruínas. As obras-primas da
antiguidade teriam perecido, r s escolas teriam desaparecido se a Igreja
n flj as tivesse salvado c protegido. “ O espírito humano, pode se dizer
sem exagêro, o espírito huinano. batido pela tempestade, Tefugiou-se no
asilo das igrejas" e dos m osteiros; abraçou sspllcante os altrres para
viver ao seu abrigo e a seu serviço até que melhores tempos lhe permi­
tissem reaparecer no mundo e respirar ao ar livre (Guizot, História Aa
civilização na França, I. p. 137)” . 0 'n x n e de monástico, dado ao período
que se estende do sexto ao duodécimo sáculo es.tá, portanto, amplamente
justificado.

Origem e evolução da vida monástica. — A vida monástica teve as


suas origens no Oriente. Cristãos fervoros.es. cniuarlosos da sua salva-
Cão abandonaram o mundo e se refugiaram na solidão. São Pacôm io
e, mais tarde, SSo B asílio deram -lhe uma regra de vida. Ràpidpmente '
aumentou 0 número doS monges. No quarto século., Santo Atanásio fêz
conhecer, no Ocidente, fts+e gênero de vida. Levífntaram-ss m r?teiros na
Itália, nas praias do Mediterrâneo, na costa da África. Foi S3o Mar-
tinho que introduziu o monaquismo nas Gálias com as fundrçõe'3 de Li-
gugé e Marmoutier. Os seus discípulos o difundiram nas principais ci­
dades fias G á lia s: Lião. Marselha, Aries, Aix. Viena, Sa^pí-Claude, Or-
léans, Brive, e tc.; um dêles, São Patrício, introduziu-n na Irlanda. No
quinto século, a vida monástica existia em tôda a cristandade.

O mora^uifmo e a educação — Desde a sua origem, os


mosteiros foram centros de instrução. A regra de Sâo Pa-
cômio imounha a obrigação estrita de estudar a Sagrada Es­
critura. Todo religioso devia saber ler e escrever. São Ba­
sílio recomenda o estudo com insistência. São João Crisós­
tomo e os anacoretas de Antibauia consagravam a maior
parte do tempo ao estudo e à leitura <Èos livros sagrados.
Nas casas fundadas por São Martmho, o trabalho intelectual
foi sempre estimado. “Estes estabelecimentos, diz Lecoy de
la Marche, estão à testa dessa gloriosa linhagem de mosteiros
pelos quais nos têm sido transmitidos os tesouros da literatura
antiga, profana e sagrada (Vida de São Martiriho, p. 187)”.
Os monges estavam longe de conservar para si unica­
mente os tesouros dos conhecimentos divinos e humanos. As
famílias lhes- confiavam a educação dos filhos. São Pacômio
recebeu alunos nos seus mosteiros; São Basílio deu regras
especiais para a sua educação. São Jerônimo exprime o
desejo de ver os meninos colocados cedo nos mosteiros, e a
história nos informa de que numerosas famílias cristãs pu­
seram os filhos nestas instituições desde a mais tenra ,idade.
São Bonifácio foi internado aos cinco anos; S. Beda ingres­
sava em Wearmouth aos sete anos; São Bruno tinha quatro
quando foi confiado aos religiosos de Utrecht.
Os Padres da Igreja e os principais escritores dos pri­
meiros séculos foram educados em casas religiosas ou nelas
receberam um com plem ento de form ação; Santo Atanásio,
São Basílio, São Crisóstomo, São G regório Nazianzeno, São
Jerônimo, São Fulgêncio, Sulpício Severo, V icente Lerinen-
se, Cassiano, Salviano, São G regório o Grande etc. As suas
obras dão eloqüente testemunho da cultura que aí haviam
recebido.
No quinto século, o Ocidente já possui numerosos mos­
teiros; quando desapareceram as escolas municipais, a Igreja
e os monges ficaram sendo os únicos dispensadores da ciên­
cia. Não obstante, os religiosos não tinham uma organiza­
ção definitiva que mais exatam ente correspondesse às ne­
cessidades da época. Estava reservado a São Bento dar à
vida monástica a sua expressão mais perfeita, por uma regra
adm irável que logo penetrou nas congregações de fundação
anterior e na qual se inspiraram a m aior parte das ordens
modernas.

Os Beneditinos — A ordem beneditina foi fundada em


529, no m esm o ano em que Justiniano abolia as escolas pa-
gãs. Breve se difundiram nas Gálias, na Inglaterra, na
Alemanha e em todos os países do Norte. A regra de São
Bento não contém disposição alguma relativa às escolas mas
prescreve aos religiosos várias horas de estudo por dia; daí,
para cada m osteiro, a obrigação de possuir uma blibioteca e
copistas para m ultiplicar os manuscritos. A lém disso, a fo r­
m ação ascética e a instrução dos oblatos e noviços impunham
a cada casa a organização de curso com pleto de estudos. Mal
se tinha fundado a ordem quando fam ílias cristãs pediram
a são Bento que se encarregasse da educação dos filhos. O
santo não derrogou a uma tradição já estabelecida na Igreja.
Onde quer que se estabelecesse nova colônia beneditina era
o m osteiro a única escola accessível aos filhos dos servos e
dos homens livres. Assim se form aram nas abadias duas
escolas: uma interior para os oblatos e noviços; a outra, e x ­
terior para os outros meninos. Estas escolas que foram a
princípio elementares, abraçaram mais tarde tôdas as disci­
plinas das ciências e das artes liberais.
A influência dos Beneditinos na civilização foi imensa.
‘Foram êles os apóstolos dos A nglo-Saxões, dos Germanos,
dos Eslavos, e dos Escandinavos; conservaram as letras, ar-
rotearam as florestas, construíram cidades e foram vistos
simultâneamente assentados na cátedra de são Pedro, nas
sedes da cristandade, nos conselhos dos im peradores e dos
reis ao m esm o tem po que, na escola, reproduziam os oráculos
da ciência ( Enciclopédia do século X IX , art. B en ed itin os)” .
Já no ponto de vista da educação, esta influência foi prodi­
giosa. Com efeito, no século V III o núm ero de mosteiros, em
que se seguia a regra beneditina, vai além de tôda imagina­
ção e, seria fácil demonstrar, diz dom Piolin, com as crôni­
cas e os docum entos em mão, que em tal diocese da França
não havia m enos de oitenta casas desta ordem.
No século IX , depois da R eform a de são Bento de Ania-
no, êste núm ero ainda aumentou. Form aram -se associacões
de conventos governados por uma poderosa abadia que lhes
impunha a regra beneditina e velava pela estrita observân­
cia. C :tem os entre essas casas-mães: Cluny, que teve sob
a sua dependência até dois m il m osteiros; Fécamp, Saint-
Vanne de Verdun, la Chaise-Dieu, la Grande-Sauve, Saint-
Victor de Marseille, etc. Novas congregações adotaram a
regra de São Bento ou nela se inspiraram, em particular a
Congregação de Fontevrault, fundada por R oberto d’A rbris-
fplle, a de M onte-Virgiliano, perto de Nápoles, fundada por
São Guilherm e de V erceil (1119), a dos G uilherm istas, fun­
dada em Sena por São G uilherm e de M alaval (1156). Tôdas
essas congregações mantinham escolas: o ensino era gratuito.
Muitas vêzes, os religiosos forneciam até o abm ento e a roupa
aos meninos das fam ílias ma:s pobres. A tualm ente esque­
cem-se demasiado êstes benifícios. Manuais de história de
pedagog;a ousam ainda falar da ignorância geral do povo na
Idade M édia e dum clero sistematicamente contrário a tôda
instrução. Que insigne má-fé!
Mas a grande ordem de São Bento teve êmulas glorio­
sas. A m aior parts das congregações rehgiosas da Idade
M édia trabalharam com o m aior zêlo para difundir as luzes
da ciência. Algum as m erecem m enção especial.
Cônegcc regirlares ce santo Agostinho •— Os cônegos re-
gulares ersm verdadeiros religiosos, com vida com um e votos
solenes. Fundaram, do seculo. IX ao X IV , grande núm ero
de mosteiros e de escolas superiores com o anexo obrigatório
(cum pre rã o esquecer) da secção do abc, da escola m enor
onde se ensinava aos pobres e aos ricos, juntam ente com “ a
erenca, o alfabeto e a escrita, matinas e cantos semente de
igreja” .

D rn rn icrn ss — Os Frades Pregadores ou D om m icanos


ensinaram com brilho as ciências filosóficas e teológicas nas
universidades e sem ináros. Estabeleceram, para a form a­
ção dos seus m embros, Escolasticados ou Studium generale,
e esta instituição foi imitada por outras ordens religiosas.
Estas casas de estudos a^riam-se igualmente, às vêzes, a jo ­
vens deseio^os de se form arem nas ciências ma;s elevadas.
O f'm dos D om m icanos não era dirigir escolas elementares
mas fundaram grande núm ero delas vigiando-lhes a direção.
Nos países de rrrssão dirigiram colégios e escolas pr'm ár;as
e escreveram , nara os seus alunos, manuais de gramát;ca,
geografia, história e ciência. Foram ainda em m entes edu­
cadores nela pregarão e n°los escritos, em que resolveram ,
muHas vêzes de m odo d if;m'tivo, os proM em as mais suMis
do direito, da exegese, da filosofia, da teologia e da mística.

F r -nc*sc"ncs — O fim dos Franciscanos era pregar a fé,


mas não tardaram m uito em unir à pregação o ensino. Trin-
la e cinco anos depois da m orte de São Francisco de Assis
rivalizavam com os Dom inicanos na atividade intelectual.
Fêz-se sentir a sua influência em tôdas as universidades; foi
preponderante em O xford e em Cambridge, até a Reform a.
Fizeram-se os professores dos pobres. Na Inglaterra, trinta
anos depois da suas fundação, mais de m il Franciscanos es-
tavam ocupados na instrução dos filhos do povo ( P a r m e n -
t t e r , História da educação na Inglaterra, p. 198). Na Pales­
tina, na China, nas índias, na A m érica, em tôdas as suas
rnigsões, abriram escolas e ensinaram, com a religião, os de­
mais conhecim entos elementares. Escreveram manuais es­
colares muitas vêzes reeditados.

Premonstratenses — Os Premonstratenses, fundação de


1120, tiveram , em certas épocas, mais de m il abadias. D edi­
caram zêlo inteligente à instrução da juventude e fundaram
numerosas escolas. Trataram, tam bém de organizar ricas
bibliotecas. Enon, um dos seus abades, copiou, ajudado pelo
iim ão, todos os autores de literatura, teologia e direito que
tinham estudado nas universidades de Paris e- Orléans.

Organização das escclas monásticas — Com o vim os, os


mosteiros da Idade Média, tiveram duas escolas: uma in te­
rior, outra exterior. A prim eira destinava-se sobretudo aos
oblatos, noviços e religiosos. A pós o estudo das ciências ele­
mentares, os alunos recebiam a educação com um a tôdas as
casas religiosas desde o sexto século até a fundação das
universidades: o estudo das artes liberais e das ciências
exatas.
Algum as abadias possuíam uma escola superior chama­
da com um ente escola abacial. Destinava-se aos alunos que
sobressaíam e que, depois do curso de estudos teológicos,
queriam dedicar-se às ciências em que tinham m aior aptidão.
A escola exterior recebia os meninos que não se desti­
navam à vida religiosa. Ficava fora do recinto por dois
motivos: para evitar aos estudantes do mosteiro as comu­
nicações com o exterior e para assegurar aos estudos a calma
que o ruído das escolas primárias poderia perturbar.
p
B ibliografia. — B ro . A z a r ia s , Ersays eãucational (N e w - York, 1896).
— U . B e r l iè r e , L ’orãre monastique âes origines au X IIs.. sièele, 2e. édi-
tion (Paris, 1921). — E. P. B e r n a r d . De Venseignement êlémentaire en
France aux X le , et X I I siècl.s (Paris, 1894). — Cyclopedia o f éãucation,
art. Benedictines, Dominicali í , Franciseans. — B e s s e , Le moine tênéãictin
(Ligugé, 1908), — N e w m a n , The mission o f saint Beneãit, in Histor.
Sketches, I I (Londres, 1872). — D o u a is . Esmi snr Vem- ignement ães
étuães ãans l ’ordre âes Frères Prêcheurs (Paris, 1884). — U ba l d d ’ A l e n -
ço n , Leçons ã ’hisloire franciscaine (Paris, 1918).

CAPÍTULO VI

AS OUTRAS^ ESCOLAS DÊSTE PERÍODO

Durante o período monástico, não foram os religiosos os


únicos que ministraram o ensino. O clero secular, animado
de grande zêlo pela educação, contribuiu, em grande escala,
para a fundação e desenvolvimento das escolas. É geralmen­
te admitido que essas escolas foram numerosas proporcio­
nalmente à população e que, por sua variedade, correspon­
diam a tôdas as necessidades do tempo
Escolas preebiteriais — Datam do comêço do cristianis­
mo; a primeira foi fundada em Edessa pelo sacerdote Pro-
tógenes. A medida que desapareciam as escolas pagãs, mul­
tiplicavam-se as cristãs, e a Igreja, sem monopolizar o ensino,
tratou de lhes assegurar o funcionamento regular. Um con-
cílio reunido na Itália em 443, ordena aos sacerdotes que
reúnem na casa presbiterial os joven s dos arredores e que
os instruam. O concilio de Vaison (529) recom enda ao clero
das paróquias que mantenham escolas conform e o costuma
seguido na Itália. Êste regulam ento foi renroduzido por ou­
tros c o " c íl:os, entre outros, o de Tours (567).
A Espanha também foi dotada de escolas presbiteriais;
o ouarto con cíb o de Toledo (624) ordenou, r o r inspirarão
de Santo Isidoro, oue se m ult;pl'casscm as escolas nesse pa;s,
que as possuía já desde os prim eiros séculps. Os p r:m eiros
apóstolos da Irlanda, da Inglaterra e da Alem anha fu^da-am
por tôda parte centros de instrução para os m eninos de tôdaa
as classes da sociedade. Um con cíbo de fn ^ ctan tm oola
(680) recom enda aos padres eue abram r o r tôda parte es­
colas e oue tratem da educação dos meninos.
Na Franca, a Igreja não se ocupou nunca tão ativamente
ccm a instrução com o durante o reinado de Carlos M ag^o
e os desgraçados t e r r a s que se lhe secu^am . De^o'^ de
Teodulfo, bisno de Orléans, oue recom endou ao seu clero
instruísse gratuitamente a juventude, vem os Hincmar. bisno
de R e;ms. Herald. arcebisro de Rnuen o vários outros pre­
lados, lem brar a seus padres, a obrigação de m anterem es­
colas primárias. O sínodo de Langres e o concího de Sa-
vonnières (859) fazem as mais instantes exortações a êsse
'•espeito. A h ;stória atesta que essas ordens foram observa­
das. O biógrafo de R oberto de A rb r;sselle faz rota r oue as
escolas p rm á rias r ã o são raras na Bretanha (História lite­
rária da Franca. IX , p. 90-91). Mapas num erosos corro1'o -
rrm esta afirmarão. Na Norm andia ersm talvez amda mais
numerosas segundo o testem unho de L^onoldo D^lisle ( Es­
tudos sôhre a covdicão da classe aqrícola. p. 176). O ut"o
erudito, M. de Beaurepaire, acrescenta oue as mais modestas
v ;las desta provínc;a tinham a sua escola (Investiqar-õ-s
v.ôbre a instrução pública na diocese de R ousn antes de 1783,
I, pág. 26-27). O m esm o foi com provado nas principais pro­
víncias da França. A Idade-M édia não foi, por conseguinte,
com o pretendem os inim igos da Igreia, época de trevas e de
ignorância.
Sôbre êsse ponto, os escritores m enos suspeitos fazem
justiça à Igreja. “ Era preciso, diz M ichelet, que a Igreja so
tornasse m aterial e bárbara para elevar os barbaros a s i . . .
Fêz-se pequena para incubar êste m undo novo (História ãa
França, I, p. 254) ” . Théry, historiador da educação, pôde
di/er, falando dessa época: “ Quantas igrejas, tantas escolas
( História da educação na França, I. Citado pelo P. Ber-
nard) ” . A ugusto Comte escreveu que, duronte dez séculos,
o catolicism o foi o prom otor mais eficaz da evolução popu­
lar do espírito humano (Filosofia positiva. V, p. 2553). Gui-
yot proclam a lealm ente que do IV ao X IIIo seculo é a Igreja
aue marcha à frente, no caminho da civilização. Allain, que
resume a m aior parte dos trabalhos sôbre os escolas da
Idade-Média, assim se exprim e: “ Do V o ao X IIIo século só
o clero se. ocupa com coisas do ensino, e, se querem os ter
uma idéia do estado intelectual de nossos país nesses tempos
remotos, é unicam ente aos docum entos eclesiásticos aue é
creciso recorrer; é p. coleção dos concílios que é preciso es­
tudar (A instrução1primária na França antes da R evolução,
c. II) ” .

Er>ccl's mvnicinais — As escolas m unicipais foram fun­


dadas pelas comunas cm época em que as escolas iá existen­
tes rã o bastavam às necessidades da nopulacão. Os burgue­
ses desenvolverpm nelas grande zêlo, sobretudo no norte
da França, nas Flandres, no Bra^ante e na Holanda. Houve
t?m v ém escolas mantidas por diversas corporações. Nestas
escolas não se deve ver uma tentativa de libertação da tutela
da igreja. Não tendo esta jam ais pretendido o m on opóbo
do ensino, não podia senão aplaudir a iniciativa das m unici­
palidades. Ela reservou para si a instrução religiosa, e 0
ensino das ciências foi confiado a professores recrutados en­
tre os alunos das escolas monásticas e presbiteriais. A s es­
colas das corporações eram geralm ente dirigidas por clérigos.
As gildas ou associações ãe professores, que prestaram tão
grandes serviços ao ensino prim ário, datam desta época.

Encol?s de caridade — Existiam na Idade M édia muitas


escolas de caridade. Estas escolas, diz M aggiolo, são uma
das fundações mais antigas e mais gerais do cristianismo.
Desde o terceiro século a Igreja con fiou aos diáconos e dia-
conisas, o cuidado de velar pelos órfãos. Nos séculos seguin­
tes, o hospital, a esmolaria, o albergue, a casa dos pobres,
não se destinam só ao alívio dos viajantes, enfermos, incurá­
veis e velhos; são também refúgio e asilo das crianças expos­
tas. É aí que se deve procurar a origem das escolas de ca­
ridade. A s regras e constituições dos Beneditinos, dos A gos-
tinianos e da Ordem Terceira de são Francisco im põem aos
religiosos o dever de criar os m eninos pobres e abandonados
e de lhes distribuir o pão material juntam ente com o pão
da palavra (Dicionário ãe Peãagogia, art. Escolas ãe Cari­
dade).

Esxolas episcopais cu d?s catedrais — Foram- fundadas


desde o prim eiro século da Igreja para a form ação dos aspi­
rantes ao sacerdócio. No século IV o eclipsaram as escolas
pagãs que sucum biam ao pêso da sua impopularidade. No
século V Io só elas ficaram de pé. Carlos M agno ordenou,
numa capitular, que se estabelecessem escolas episcopais em
todos os bispados em que não e x ;stiam. O terceiro e o quar­
to concilio de Latrão (1179 e 1215) tam bém trataram delas.
Estas escolas tornaram-se m uito numerosas. Os autores da
História literária m encionam 46 na França; mas o seu fim
não é passá-las tôdas em revista. Mais adiante dom Rivet,
após longas investigações, afirm a que “ cada catedral tinha
a sua escola (História literária, IX , p. 32)
A princípio, os bispos consideravam uma honra ensinar
êles próprios aos clérigos a sagrada Escritura e a teologia.
Mas êste cuidado foi deixado mais tarde ao diretor dos estu­
dos, que era escolhido entre os sacerdotes mais _distintos da
diocese.
A s escolas episcopais exerceram feliz influência no de­
senvolvim ento das escolas elementares. Esta observação
não deixa de ter sua im portância: com efeito, “ a existência
das escolas em que se ensinavam as ciências elevadas é pro­
va de aue existiam outras m enores, porque não se podia
chepar às outras sem ter passado por essas (História literá­
ria, VI, p. 2 9 )” .
Quando se fundaram as universidades, as escolas das ca­
tedrais correram alguns perigos: professores e alunos, por
m otivos diversos, sentiam-se atraídos para,os grandes centros
de instrução. Mas os papas concederam aos mestres dessas
escolas os direitos e privilégios dos professores de universi­
dades: as escolas eclesiásticas estavam salvas.

Encolís cclegia’s ou canôn’cas — As colegiais eram igre-


;,as servidas por cônegos regulares ou seculares. Form aram -
se, em roda destas igrejas escolas célebres, com caráter mais
profano oue as escolas episcopais. Estas escolas correspon­
diam provavelm ente ao que hoie chamamos estabelecimentos
de p^sino m édio secundário (G. K u r t h , Notc/er ãe L iège, I,
p. 259), ao passo que a escola da catedral tinha o caráter do
sem inário-m aior ou de universidade. Em certa época, as es­
colas canônicas se confundiram com as episcopais, mas até
a Revolução, os capítulos m antiveram escolas nas paróquias
sob seu patronato.
R i,'lie !TrnfÍ!>. — Bro. A z a r t a s . Misays eãuealional. — B e r n a r d , De
1’ensctgnemcnt élcmcniaire cn France aux X l c e t X IIc. siècles. — O y c l o -
PF.niA of Efhtcatlon, art. b is h o p ’s r c lo o ls , catheâral sohoolr, rhanreUot
x rh oo 's, cliurch achools. — D iction n aire de Pédacoxe, ariicle sur 1 ’é d u -
<11 icn õans lcs provinccn ãe Francc avant la B cvn 'u tion . — M ageíney,
Chrixiian eãucation in the darh a g is (N ew -Y ork 1 9 0 0 ).

C A PITU LO V II

ALGUNS OUTROS SERVIÇOS PRESTADOS


À EDUCAÇÃO P E L A IGREJA D U R A N T E
O PERÍODO M ONÁSTICO

A cabam os de o com provar: sobretudo depois do V I sé­


culo, a Igreja, por m eio dos seus religiosos e dos seus sacer­
dotes, cobriu a Europa de uma m ultidão de escolas; mas
nesta época de agitação desem penhou outras missões pro­
videnciais sem as quais tôda e cultura m oderna teria sido
impossível. A história da pedagogia não as deve passar em
silêncio. Assinalem os quatro serviços im portantes que pres­
tou: a organização do curso de estudos; a conservação daS
obras primas da antiguidade clássica: a redação dos anais e
das crônicas que têm servido de base à historia m oderna;
a cultura e o desen volvim en to das ciências e das artes.

A orgairzação co curso de estudos — A Igreja reuniu os


destroços dia ciência greco-latina em duplo feixe, tendo o
prim eiro o caráter literário e o segundo caráter cien t:fico.
O grupo literário, cham ado triviurn, com preendia gram át:ca,
retórica e dialética; o grupo científico cham ado auadriv'um,
com preendia aritmética, música, geom etria e astronomia.
Esta divisão já era m encionada em Platão, Quintiliano,
o judeu P hilon e alguns outros autores dos prim eiros séculos;
mas foram dois monges, Cassiodoro e M arciano Capella que
a dividiram em trivium e quadrivium e determ inaram o pro­
grama de cada matéria. Os clérigos e religiosos sempre lhe
acrescentaram o estudo da Sagrada Escritura e dos Santos
Padres, porque cada uma das ciências do septivium era con­
siderada com o um degrau pelo qual se elevavam até ao san­
tuário da teologia.
A s sete artes liberais estão longe de representar tôda a
ciência da Idade-Média^ Fazem parte de um coniunto mui­
to mais importante. A palavra filosofia, diz Leão Gaut^er,
designava então a totalidade das ciências humanas; d iv id e -
se em teórica, prática, lóaica e m ecânica. Esta classificarão
prevaleceu no século X II e form ou a base do ensino (La
C hevalerie, V ) . Dam o-la no ouadro seguinte que contém
as sete divisões: trivium e quadrivium.
1. Filosofia teórica: a) teologia; b) física; c) matemá­
tica: aritmética, música, geometria, e astronomia;
2. Filosofia prática: a) m oral; b) econom ia; c) política;
3. Filosofia lógica: a) gram ática; b) dialética; c) re­
tórica;
4. Filosofia m ecânica: a) indústria da lã; b) fabrica­
ção de armas; c) navegação; d) agricultura; e) caça; f) m e­
dicina; g) teatro.

Conservação das ob~as <ia antigirdsde; crgn'zação de bi­


blioteca — O clero sempre se ocupou em conservar e colecio­
nar livros. No V século, junto às grandes igrejas, era re­
servada uma sala especial para biblioteca. Cada m osteiro
tinha a sua biblioteca. “ Indicar um m osteiro é ao mesmo
tem po assinalar uma espécie de oásis da ciência. Todos os
abades notáveis, todos os religiosos célebres pela sua ciência
ou austeridades, salientavam-se pelo zêlo e esforços laborio­
sos em colecionar, com prar e conservar livros e aumentar o
número dos mesmos por cópia. D uvido que seja possível
citar um m osteiro ou abade que faça excecão à regra geral
( M o n t a l e m e e r t , Os m onges ão O cidente, VI, 193)” .
A idéia de um m osteiro sem biblioteca não se admitia.
‘M osteiros sem livros, dizia-se, é fortaleza sem víveres” .
Uma sala especial, o scriptorium , era consagrada para a cópia
dos manuscritos. O núm ero de copistas elevava-se a 12, em
certas abadias. Reproduziam com o m aior cuidado o texto
que tinham sob os olhos: o trabalho era em seguida revisto
por uma comissão de religiosos dos mais instruídos da co ­
munidade. Graças ao zêlo constante dos conistas, as b iblio­
tecas possuíram verdadeiras riquezas. Continham não só as
Sagradas Escrituras, os Santos Padres, os historiadores sa­
grados com o a m a’ or parte das obras da antiguidade Prega e
latina. Eram os tesouros mais caros aos religiosos. “ Os nos­
sos livros, dizia H ugo de W itham, são as nossas delícias e as
nossas riquezas em tem no de paz, as nossas armas ofensivas
o defensivas em tenw o de guerra, o nosso alimento na fome,
e nosso rem édio na enferm idade” . Um m onge de M uri di­
zia: “ Sem estudo, sem livros, a vida não é nada” . Tendo
es Lom ^ardos invadido o M onte Cassino (5P0), os religiosos
fó levaram consigo os seus livros e o texto das suas regras.
Os de Novalaise, obrigados a fu gir diante dos Sarracenos,
carregaram-se com os m anuscritos e os transportaram pelas
montanhas até Turim.
Foi nas bibliotecas dos m osteiros que os humanistas reen­
contraram mais tarde as obras preciosas da antiguidade.
Tam bém o trabalho silencioso e m odesto dos frades serviu
de base aos grandes m ovim entos literários de que se orgu­
lham as nações civilizadas.

Redscão des snais e d?s crôn’cas — Os anais existiam em


todos os m osteiros da Idade-Média. Foi ordenado, diz o au- ■
tor de uma crônica, que houvesse, cm cada m osteiro de fu n­
dação régia, um religioso encarregado de escrever segundo
a ordem dos tempos, tudo quanto se passava em cada reinado
na extensão do reino ou pelo menos no seu mosteiro. Cada
uma destas obras era seriamente examinada no primeiro
Capítulo que se reunia depois da m orte do rei; depositavam-
nas nos arquivos cio m osteiro é estas crônicas possuíam tôdas
as garantias de perfeita autenticidade.
Se as nações m odernas conhecem a história das suas
próprias origens, devem -no aos cronistas monásticos. Assim
são os m onges Gildas, Beda. O derico Vital, que nos inform am
dos com eços da história da Inglaterra. ‘•Sem os monges, diz
Marsham, não saberíamos m a;s do que crianças a respeito
da nossa história nacional” . É a êles que devem os as fontes
dos tem pos antigos da nossa história: São G regório de
Tours, Eginhardo, Flodoardo, A bbon. Raul Glaber, são indis­
pensáveis ao estudo da sua época. A abadia de Saint-Denis
form ou, do conjunto dos anais, uma vasta enciclopédia, as
Grandes Crônicas da França, uma das fontes mais preciosas
da nossa história.
Na Itália, um historiador dos papas, Anastásio o B iblio­
tecário, era abade de um m osteiro romano. Os primeiros
volum es da c o le ç ã o 'd e M uratori estão cheios de crônicas,
fonte indispensável ao estudo das origens italianas. A Crô­
nica do M onte Cassino, m onum ento histórico de primeira
ordem, foi obra dos beneditinos. Foi ainda um m onge de
M onte Cassino que narrou a história da conquista das Duas
Sicílias.
A Alem anha não tem fonte histórica mais preciosa do
que os Anais de São GaU. Os religiosos que os escreviam
eram, pela m aior parte, contem porâneos dos fatos que nar­
ram. Ditmar, de M agdeburgo, deixou a crônica mais por­
menorizada sôbre o período dos im peradores da casa de Saxe.
Herman Contract ocupa um dos prim eiros lugares entre os
historiadores do X I o seculo. Lam berto d’A schafenburg nar­
rou a grande luta entre o im pério e a Igreja com uma auto­
ridade e uma im parcialidade que ninguém jamais lhe ousou
contestar.
Um m onge irlandês, M ariano Scoto, retificou tôda a cro­
nologia usada até então. O seu trabalho foi continuado por
cutros frades. O prim eiro historiógrafo da Polônia foi um
religioso francês ch am ado M artinho. Na mesma época, Nes-
tor, beneditino polonês, redigia em K iew os anais da Rússia,
novam ente convertida à fé cristã.

Trzdução e composição de obras; progresso das ciências


e das artes — O clero e os frades traduziram a m aior parte
das obras filosóficas e científicas dos sábios gregos. P re­
tendeu-se que os escritos de Aristóteles não nos foram co­
nhecidos senão por uma versão árabe de A verróis. Nada
mais falso. A m aior parte dos doutores e hom ens notáveis
da Idade-M édia conheciam grego. É pelos m onges gregos
c sírios, pelo contrário, que os arabes conheceram Arquim e-
des, Euclides, A polônio, Ptolom eu, A ristóteles e Diophante
(v. O r t o l a n , Sábios e cristãos, pág. 198 a 206).
Foram eclesiásticos que publicaram as obras de teologia
e de direito, bem com o as prim eiras coleções de capitulares.
Foram os eclesiásticos, sobretudo, que cultivaram as ciências
exatas: aritmética, álgebra, geometria, trigonom etria, astro­
nomia, etc. B oécio, Beda, A lcuino, Raban-M aur, Gerbert,
R ogério Bacon, Leonardo de Pisa, publicaram tratados im ­
portantes sôbre estas questões.
Ocuparam -se m uito tam bém com as ciências físicas e
naturais. Desde o século VI, A rthém io de Tralles fazia ex ­
periências sôbre a elasticidade do vapor; foi êle quem cal­
culou a imensa cúpula de Santa Sofia em Constantmopla.
Boécio, Gerbert, V icente de Beauvais, Sto. A lb erto o Gran*
de. Santo Tom ás de Aquino, eram m uito versados nestes co­
nhecim entos.
A m edicina e a cirurgia foram ensinadas nos claustros
desde São Bento. W alafrid Strabon com pôs um tratado sô­
bre as virtudes das plantas. Outros religiosos, traduzindo
as obras gregas e árabes contribuíam para popularizar a
m edicina. O dom inicano Teodorico escreveu uni tratado de
cirurgia em que alude à anestesia por inalação. Preconiza
igualm ente várias operações que na sua época constituíam
progresso imenso.
Mas os clérigos e religiosos não só conservaram e au­
mentaram o patrim ônio das ciências com o também inventa­
ram, aperfeiçoaram ou regeneraram tôdas as artes. A ar-
auitetura eclesiástica lhes deve os mais notáveis progressos.
Ergueram em Cluny a mais vasta basílica da cristandade;
cobriram a Europa de igrejas e claustros. A s mais belas ca­
tedrais da Inglaterra: Canterbury, Lincoln, Rochester, Du-
rham, G locester foram obras dos monges.
A s igrejas abaciais e as salas capitulares eram ornadas
de pinturas e esculturas que fazem a adm iração dos artistas.
Os vitrais são tam bém uma criação monástica. Os ourives
e cinzeladores de prata mais célebres da Idade-M édia eram
frades; um dêles, Teófilo, que vivia entre o seculo X e o X II,
deixou-nos um livro em que descreve de m odo interessante
os processos de sua arte.
F oi nas abadias que se form aram as mais sãs tradições
da m úsica e do canto da Igreja. O sistema das notas m o­
dernas foi pôsto em uso no convento de Córbio. Guido de
Arezzo, m onge de Pomposa, anotando a escala dos sons, foi
o inventor do solfejo. Os religiosos aperfeiçoaram vários
instrumentos de música e principalm ente o órgão. Foi, gra­
ças a êles, que êste se espalhou pelo Ocidente.
À m edida que os mosteiros se desenvolviam , organiza­
vam, pouco a pouco, verdadeiras escolas técnicas e profissio­
nais. Os mostres espreitavam os talentos especiais e as apti­
dões dos alunos para os dirigir e aperfeiçoar. Foi assim que
vc form aram muitos artistas anônimos que trabalharam na
ereção e em belezam ento dos m onum entos dessa época. A
história conservou os nomes de alguns religiosos que se sa­
lientaram por form ar alunos hábeis. Tutilo, tão célebre
pela m ultiplicidade de seus talentos, ensinava escultura, ou-
rivesaria e música instrumental. Outros davam lições de
pintura, arauitetura, miniatura, ferraria, mecânica, etc. Os
abades de Solignac tinham fundado uma escola de esmalte
- e de fundição de que por m uito tempo foram diretores. Saí­
ram ainda das escolas monásticas e particularm ente das de
Metz e de W earm outh excelentes cantores que form aram
numerosos discípulos. Portanto, podem os concluir que o
ensino profissional e técnico não data do seculo X X . M uito
antes da Reform a, m uito antes da Revolução, a Igreja o tinha
organizado; tão certo é que ela sempre se achou à altura da
sua missão de m estra e civilizadora dos povos.

B i b l i o g r a f i a . — P o i s o x n a d e , L e frarail âuns V K n r o p e chrcticnne au


m o yc n à ge. — C i i a g n y , L '< ib b a ye de C luny ( M í k o i i , 1 9 :2 1 ). — D iu t ir ,
,'f n< y. o f fíiith , éiliíion i n - 4 j I V ( N o w - Y o r k ) . — J (IriiiAUD, I lis to ir j pa r-
liai , histoire r m i c , I I ( P a r i s , 11111). — M o >;t a i . k .,id e r t , L e s M o in es
«/ 'O ceiilent, V I . — O r t o l a x , S a n v its rt c h r é tim s ( P a r i s , 1 8 9 8 ). -— P e
L a u i i i o l l e , lli&toirc de la littérature latino chrcticnnc.

C A PÍTU LO V III

CARLOS M AGNO E O R EN ASCIM EN TO DOS ESTUDOS

A prim eira metade do século V III foi desfavorável ao


estudo: as devastações dos Sarracenos. as incursões dos Go-
dos, as ameaças dos Saxões e sobretudo o culpável procedi­
m ento de Carlos M artelo apropriando-se dos bens da Igreja
e nom eando para as abadias e bispados pessoas indignas,
fizeram desaparecer, em parte, as escolas e o gôsto pela ins­
trução. Um renovam ento com eça no reinado de Pepino o
Breve; sob Carlos Magno. e n f;m, assistimos a um verdadeiro
renascim ento dos estudos. O ilustre m onarca considerou
sempre a ciência com o m eio de com bater a barbárie. A gindo
de concerto com a Igreia para difundir a instrução no seu
im pério, obteve resultados m agníficos.
Fm prm eiro lugar, cercou-se de mestres hábeis: Paulo
D ;ácono. Pedro de P :sa, Teodulfo, Clemente da Escócia, Lei-
drade, Eginhardo. O papa enviou-lhe de Rom a chantres,
gram áticos e matemáticos. A chou, enfim, no m onge inglês
A lcuíno, um executor das suas vontades. Fêz dêle o seu con­
selheiro íntim o e uma espécie de ministro da instrução pú­
blica.
Sustentado por êstes espíritos eminentes pôs mãos à
obra com energia. D irigiu aos bispos e aos abades num ero­
sas circulares em que lhes lem brava os deveres com relação
às escolas e aos estudos. Em 787, escreveu a Baugulfo, abade
de Fulda, carta célebre exortando-o a êle e a seus religiosos
a não negligenciarem o estudo das letras, a fim de com preen­
derem m elhor os mistérios das Sagradas Escrituras. Foi o
sinal de um renascim ento intelectual.
Uma capitular de 789 aconselhava aue aprendessem canto
rom ano e o cmDregassem nos ofícios religiosos. A o mesmo
temno. o ím nerador exortava os padres a honrarem o seu
m inistério pela ciência e lem brava aos m osteiros e abadias a
obrigação de m anterem uma escola exterior em que se ensi­
nassem o saltério, o cálculo, o canto e a escrita.
Uma ordenação de 804 fixa o program a dos conhecim en­
tos que se exigirão dos clérigos antes de os ordenar. Ao
m esm o tem po exorta os pais a mandarem os filhos às escolas.
Carlos M agno cuidava pela execução das suas ordena­
ções. Os missi dominici deviam inform ar se as capitulares
relativas às escolas eram fielm entes observadas. Os bispos
e os superiores de com unidades secundaram com tôda a
sua autoridade as ordens do príncipe. O concilio de Châlons
fêz regulam entos conform es à sua vontade. “ É preciso, di­
ziam os Padres desta assembléia, estabelecer escolas em que
se ensinem as letras e as Sagradas Escrituras, de m odo que
os alunos m ereçam ser chamados sal da terra e resistam às
heresias com o ao A nti-C risto” .
Sob êste duplo impulso, do im perador e da Igreja, as
instituições retomaram o antigo esplendor; muitas outras
foram fundadas. O im enso im pério carlovíngio cobriu-se de
escolas que, conform e seu gênero e seu destino, podem os di­
vidir em quatro classes:
Escolas im periais: a escola do Palácio, centro intelectual
do im pério, à qual estava anexa uma academia de que o im ­
perador foi m em bro bem com o as principais personagens da
sua côrte; a escola de Osnabruck, fundada especialmente pa­
ra o estudo do latim e do grego; as escolas de canto de Metz
e de Soissons;
Escolas das catedrais: as mnis célebres foram as de Or-
léans, de Lião, de Metz, de Colônia, de A ix-la Chapelle, de
Reims;
Escnlns monásticas: eram as mais numerosas. M encio­
nemos São M artinho de Tours. Córbio, Fontenelle, F leury-
sur-Loire, Arnane na Franca: Sain-Am and, Utrecht, Prum,
L ’ ège, Saint-Bertin, nos Países B aixos; São Gall, Fulda,
Reichnau, na Alem anha; B obbio e o M onte-Cassino, na Itália;
Escolas presbiteriais: m ultiplicaram -se a ponto de as
localidades mais pobres as possuírem. J. J. Am père, depois
de ter estudado esta questão, dizia ao Instituto, em 1837:
“ Carlos M agno provavelm ente tinha estabelecido mais esco­
las primárias do que h oje existem ” .

Car!os M rgno esiuáante — A atividade intelectual de


Carlos M agno não foi sem influência na sua roda e nos seus
r.úkditos. Educado na escola do Palácio, ali havia estudado
o latim e as artes liberais. A perfeiçoou mais tarde os co­
nhecim entos e acrescentou-lhes o grego, que aprendeu sufi­
cientem ente para corrigir a versão latina dos Evangelhos.
Era apaixonado pelo estudo; as suas conversas com os fam i­
liares versavam ora um ponto de história ora questões
de m oral ou literatura; às vêzes, até tratavam de teologia.
A sua correspondência não é muitas vêzes senão uma série
de perguntas dirigidas aos bispos e abades sôbre varios pon­
tos da dialética e da astronomia. Era tam bém êsse um m eio
de vigilância qúe lhe perm itia animar os professores e apre­
ciar o nível dos estudos. Durante as suas refeições gostava
de ouvir uma narração ou uma leitura. Liam-se, de ordiná­
rio, algumas passagens de história e as mais das vêzes a
Cidade de D eus de Santo Agostinho, seu livro predileto.

R e:uTtedos — O zêlo de Carlos M agno pelos estudos teve


os mais felizes resultados. Notem os a criação de grande
núm ero de escolas, o im pulso dado à instrução nos m osteiros
e uma form ação mais séria do clero; notemos igualmente
uma revisão com pleta dos Livros Sagrados, a fim de os ex ­
purgar dos erros que os Copistas. nêles haviam introduzido.
A escola de Osnabruck produziu uma pléiade de helenistas
distintos. E n fm , é a partir do século IX que, nos mosteiros,
um religioso foi especialm ente encarregado de escrever os
fatos notáveis de cada reinado.
A obra de Carlos M agno não desapareceu com êle. É
certo que a sua m orte foi seguida de um período m uito agi­
tado; as incursões dos normandos, Magiares e Sarracenos,
as perturbações do reino, foram funestas aos estudos. Mas
o im pulso dado pelo grande m onarca jam ais foi anulado.
Tal é a opinião geral. Hallam diz: “ A França parece ter
progredido uniform em ente, em bora lentamente, desde o rei­
nado de Carlos M agno” . M ullinger escreveu que se pode
fàcilm ente fazer uma lista dos mestres célebres desde A l-
cuíno até G uilherm e de Champeaux. Com efeito, uma su­
cessão de grandes homens: Raban Maur, Servat-Loup, Héric
d A u x erre , une A lcu ín o a Odon de Cluny e à esplêndida
renascença do seculo X II. Êstes testemunhos são corrobo­
rados pelo de G. Kurth. O em inente historiador diz que as
escolas fundadas ou restabelecidas por Carlos M agno lan­
çaram v iv o esplendor durante dois séculos e não foram eclip­
sadas senão pela instituição das universidades. (Origens da
civilização, II, pág. 266).

Alcuíno (735-804)

A lcu ín o foi o principal colaborador de Carlos Magno. O


ilustre beneditino tinha recebido, no convento de York, o
ensino de dois discípulos de Beda o Venerável. Sobressaía
em tôdas as ciências, possuía a fundo o grego, e conhecia não
só a literatura patrística com o os grandes cláss;cos da anti­
guidade, que cita freqüentem ente nos seus escritos.
Em 782, veio para a côrte de Carlos M agno e logo foi o
amigo, o confidente, o auxiliar mais em inente do príncipe.
A sua correspondência atesta o zêlo pela instrução. Exorta
os bispos e abades a aperfeiçoarem as escolas. Pede a um
m issionário apostólico que lem bre aos párocos o dever que
lhes incum be de instruir os meninos. Aconselha afetuosa­
mente ao bispo R igbod que nutra a alma com os Evangelhos
de preferência à Eneida; ao arcebispo de Y ork recom enda
que distribua os alunos por várias classes: uma para a es­
crita, outra para o canto e uma terceira para a leitura. A té
ao im perador anima em tôd a oca siã o a difundir a luz. “ Tudo
passa, lhe escreve êle; só a ciência perdura” .
Os resultados do zêlo de Carlos M agno e de A lcuíno
foram surpreendentes. P or tôda parte, nas escolas das ca­
tedrais e dos m osteiros entregam -se aos estudos com um
ardor novo. O m ovim ento intelectual foi m aravilhoso. T or­
nou-se a haurir. nas fontes da antiguidade; juntam ente com
os livros sagrados estudaram-se as obras primas de Grécia
e Écm a. Sobretudo a escola do Palacio brilhou com esplen­
dor incom parável. “ É a datar desta época que a influência
do clero aumenta e se fortifica conform e os seus conheci­
mentos; torna-se poderoso auxiliar ao poder do príncipe que
Jhe confia, nas cidades, aldeias e vilas, a educação dos m e­
ninos m a;s humildes, bem com o das classes mais elevadas
(Dicionário de pedagogia, art. A lcuíno ) ” .
Em 796, A lcu ín o largou a côrte retirando-se a São Mar-
tinho de Tours. Mas o-im perador não cessa de o consultar
em assuntos referentes ao bem da Igreja e à prosperidade
das escolas. O m osteiro de Tours, dirigido por tal mestre,
tornou-se célebre. A princípio, os manuscritos eram raros,
mas A lcu ín o m andou por tôda parte copistas; e, logo, segundo
fua expressão, a Touraine tornou-se jardim fechado onde
se encontravam os eflúvios e frutos do paraíso. Organizou
um scriptorium que se tornou a mais fam osa escola de cali­
grafia da época carlovíngia.
Vários de seus alunos levaram aos conventos da França
e dos estrangeiro a ciência e os m étodos da escola de Tours.
A dalberto e A ldric renovaram, em Ferrières, o cultivo das
letras sagradas e profanas; o m onge Sam uel foi mais tarde
;il-ade de Lorch e bispo de W orm s. O mais ilustre, porém,
discípulo de A lcu ín o foi Raban-M aur, um dos grandes teó­
logos do século nono, sucessivamente professor e abade de
Fulda e depois arcebispo de M oguncia.
A lcu ín o deixou escritos volum osos mas nenhum dêles
se distingue por grande originalidade. O seu principal m é­
rito é ter contribuído nesse renascim ento dos estudos que,
não obstante as agitações dos séculos seguintes, devia sub­
sistir e preparar os séculos X II e X III. P or seus m étodos
de ensino, suas criações de escolas, sua influência pessoal,
deu im pulso e eficácia às idéias civilizadoras de Carlos M ag­
no. Foi no Ocidente um dos m aiores prom otores da ins­
trução.

B ibliografia. — K u b t t i , O rigines ãc la civilisntion , eh. X I T I . —


M o n n i e r , A lcu in(Paris, 1 8 03). — M u l l i n c e r , The schools o f Charles the
G rea t (Londres, 3 8 7 7 ) . — R O o e r , L ’ .n -.eig m m c n t des lettrrs cias. iques
ã ’ A u so n e à A lcuin (Paris, 1905). — W e s t , A lcuin and ilie rise o f Chris-
tian schools (Londres, 1S 93 ).

C A PÍTU LO IX

A INSTRUÇÃO DEPOIS D E CARLOS M AGNO NA


FRAN ÇA, N A IN G LATER R A E NA A L E M A N H A

Os sucessores de Carlos Magno. — Ainda cm vida do pai, Luis a


Bom quis realizar, na Aquitânia, o que se 1'azia no Norte com respeito
à educação. Desde o princípio do seu reinado tratou da reunião em
Aquisgrana, de um concilio em que se ocuparam com a questão dos es­
tudos. Em >S22, lembrou aos b is p .« a nevess.dade d,; ttmdar escolas.
No concilio de Paris (820), êle inspirou o seguinte decreto: 'C a d a bispo
ou pároco apresentará ao concilio provincial o.s s^vis escolares a fim (i‘e
que assim se possa ju lgar do zélo em instruí-los.” Infelizmente as per­
turbações do seu reinado não llif permitiram executar os planos, e o
número das escolas diminuiu-
Sob Carlos o Calvo, os estudos reflorescerrm por algum tempo.
Êste príncipe recebeu, em sua côr te, mestres distintos e especialmente,
Scoto Erígena. A escola do Palácio recupJrou o antigo esplendor; as
escolas c p ! s e a > ° i s e monásticas se povoaram rle estudantes. Os seus su-
c e s o r f s , porém, pouco pensaram v.as nece; s irados intelectuais dos povos.
A desagregação do reim de Carlos Magno foi muito funesta às escolas.
Entretanto ao p; f=so que a luz parecia extinguir-se, entre os Francos,
reaviva-se mais brilhante do cue nunca, i a Inglaterra, pelo zêlo de Ai-
frt'lr> o Grande, que a história coloca ;;o lado de Carlos Magno como
conquistador e legislador.

Al'redo o Grande (849-901) — Quando êste príncipe foi


proclam ado rei dos Saxões do Oeste, os Dinamarqueses sa­
queavam e assolavam tudo. Tinham incendiado as igrejas
e as abadias, trucidado os clérigos e os frades. Lindisfarne,
Coldingham , Tynem outh, Bardney, Croyland, Elv, estavam
em cinzas. “ Nesta época, diz Lingard, a Inglaterra oferecia
aos amigos da religião um espectáculo triste e aflitivo. Os
leigos tinham voltado a ser grosseiros com o os seus antepas­
sados: o clero era relaxado e ignorante; as ordens religiosas
estavam, por assim dizer, aniquiladas” . O reino de A lfredo
era o mais ignorante da região. “ Quando com ecei o meu
reinado, diz êle, não havia um único hom em ao sul do Tamisa
que fôsse capaz de explicar o seu livro de reza em saxônio” .
Êle pôs resolutam ente mão ã obra da regeneração inte­
lectual do seu reino. A o m esm o tem po que repelia os as­
saltos dos dinamarqueses e levantava fortalezas e disciplina­
va a sua milícias, estudava sob a direção dos beneditinos de
O xford, gramática, filosofia, retórica, música e versificação.
Tendo dado o exem plo do trabalho intelectual, podia pres­
crevê-lo aos nobres e aos senhores da côrte. Exigiu que
“ todo jovem de condição livre fôsse pôsto nos estudos, por
todo o tem po em que não fôsse apto a qualquer outra ocu­
pação e aue aauêles aue desejassem exercer funções elevadas
aprendessem o lat:m ” . A plicou a oitava parte dos seus ren-
d ;mentos à fundação de uma escola palatina para educação
dos filhos da nobreza e dos oficiais de alta graduação.
Asser, religioso do País de Gales, foi o seu colaborador
mais devotado. A lfredo nom eou-o diretor da escola do P a­
lácio e o incum biu de abrir escolas por tôda a parte onde
se pudessem manter. Os conventos destruídos pelos dina­
marqueses foram reconstruídos; outros foram fundados; to­
dos se tornaram centros de vida intelectual.
A lfredo fêz indagar por hom ens instruídos em Flandres,
Alem anha e França; conseguiu, por êste m e'o, certo núm ero
de religiosos que se fixaram nos m osterios dos seus Estados.
Êle próprio trabalhou na educação dos vassalos pela tradu­
ção para o saxônio de certas obras im portantes: a História
eclesiástica de Beda, as Consolações da filosofia de B oec:o,
o Pastoral de São G regório, a História romana de Orósio.
As suas produções originais, h oje perdidas, com preendiam
estudos sôbre direito e teologia.
A obra de A lfred o o Grande não pereceu com êle. Foi
continuada por São Dunstan, m onge de Glastonbury. Sob
a inspiração dêste ilustre religioso, os conventos de Peter-
borough, Ely, M alm esbury e Thorney foram reerguidos de
suas ruínas; mais de quarenta abadias foram levantadas ou
reconstruídas. Graças ao zêlo de Dunstan e de seus em i­
nentes discípulos, o seculo X o foi para a Inglaterra a época
de uma atividade intelectual que devia continuar-se até a
Reforma.

A educação na Alemanha — Os im peradores da A lem a­


nha imitaram Carlos M agno e A lfred o o Grande. A dinas­
tia dos Otões (936-1024) fundou num erosos estabelecimentos
de instrução. Êstes príncipes tiveram uma escola do Palá­
cio que foi m uito florescente; contou, entre os seus profes­
sores, o ilustre beneditino G erberto.
Os bispos secundaram os desejos dos soberanos e fun­
daram escolas de todos os graus. Nos centros ponulosos to­
maram-se de zêlo ardente pelos estudos. Algum as escolas
monásticas brilharam com v iv o esplendor, sobretudo as de
Utrecht, Einsiedeln, Tréveris e Hildesheim. Os grandes pre­
lados da época, São Bruno de Colônia e Santo A dalberto de
Praga assinalaram-se pelo devotam ento à causa da educação.
O século X o não foi, portanto, com o algumas vêzes se
tem pretendido, século de trevas e ignorância absoluta. Na
Inglaterra, Bélgica, -Alem anha e até na França existiram
numerosas escolas, algumas das quais tiveram esplendor que
nunca haviam conhecido.

B ibliografia. — A sser, life o f Icing A lfr e ã , eãited b y Steveiison (O x­


fo r d , 1 9 0 4 ), — B a r n a r d , G erm an tcaohcrs, eh. i ( H a r t f o r d , E . U ., 1 8 7 8 ) .
— M agevkey, Christian E d u ea tion in thi ãarh a ges (N e w .Y ork, 1 9 0 0 ).
— L éon >M a í t r e , L i s ccolcs (p isco p n leé e i monantiques (P a r is , 1 8 0 6 ). —
P ic a v e t , G crbcrt, eh . I I I (P a r i s , 1 8 9 7 ). — P l u j i m e r , T h e life anã tim es
o f A l fr e d the G reat (O x fo r d , 1 9 0 2 ).

C A PÍTU LO X

ESCRITORES E EDUCADORES D O PERÍODO


M ONÁSTICO

I. — São Patrício (372-4S5)

São Patrício, de origem francesa, fêz os prim eiros estu­


dos na abadia de M arm outiers; prosseguiu-os, em A uxerre,
perto de Saint-Germ ain, em Lerins e no colégio de Latrão,
em Roma. D esignando-o o papa Celestino para evangelizar
a Irlanda, o ardente missionário “ acendeu nessa região o
fog o da ciência tanto quanto o da fé ” , fundando por tôda a
parte escolas juntam ente com igrejas. Essas escolas torna­
ram-se, em seguida, tão célebres que os estrangeiros acorre­
ram a elas de tôda parte e por séculos.
Ainda em vida do fundador algumas escolas irlandesas,
as de Arm agh e de Kildare, sobretudo, estenderam bem ao
longe a sua fama. A primeira, fundada cêrca de 455, se
destinava exclusivam ente à form ação dos clérigos; mas os
estrangeiros eram aí m uito numerosos. Arm agh foi o centro
intelectual ao qual se liga a fundação das demais escolas da
Irlanda e m esm o da Inglaterra. De acôrdo com o cardeal
Newman, esta escola chegou a contar até sete m il estudantes.
Os A nglo-Saxões eram ali tão numerosos que, em certas
épocas, ocupavam a têrça parte da cidade. A escola de K il­
dare, destinada sobretudo às jovens, foi fundada por santa
Brígida. Os antigos escritores da Irlanda não regateiam elo­
gios a êste m osteiro cuja reputação foi universal.
Os prim eiros discípulos de São Patrício fundaram novos
centros de instrução, em K ibannon e Tawnagh. Outro m os­
teiro, o de Louth, recebeu grande núm ero de estudantes.
Afluíram em roda da cela de São M oehta “ com o abelhas no
verão” . Sob a direção dêsse mestre eminente, a escola pros­
perou maravilhosamente, tanto que, antes da sua morte,
dizem as crônicas, M oehta teve o prazer de contar entre os
discípulos cem bispos e trezentos sacerdotes. A escola de
Noendrum foi igualm ente viveiro de santos e sábios. M en­
cionem os ainda as escolas de Elphin e de Beg-Eri; esta úl­
tima, construída em uma ilhota da costa da Irlanda, serviu
de m odêlo a m uitos conventos que adotaram os programas
e os métodos.
' A pós a m orte de São Patrício, o ardor pelos estudos
aumentou. São C olom bo fundou as escolas de D erry, K ells
e Durrow . São Com gall reuniu, na de Banger, cêrca de três
mil estudantes. A história tem conservado o nom ? de al­
gumas outras instituições não m enos célebres: Clonard,
Glendalough, Lism ore, Clonm acnoise. Estas escolas deram
à Irlanda sábios e doutores cuja erudição era proverbial. O
grego lhes era fam iliar. Usavam a língua latina com rara fa­
cilidade (P arm en tier, História da educação na Inglaterra,
pág. 186).
Os sacerdotes e os m onges irlandeses, herdeiros do espí­
rito de proselitism o do prim eiro apóstolo da sua terra, le­
varam a várias regiões do Ocidente o facho da fé e da ciên­
cia. São C olom ba foi ter com os Pictos e construiu o célebre
m osteiro de lona; São C olom bano fundou A nnegray e Lu-
xeuil, nas Gálias; e, depois Bóbbio, na Itália; São M aidulfo
foi o prim eiro abade de M asm elbury.
Tal foi a influência de São Patrício na fundação das es­
colas. Não m erecerá êle figurar entre os grandes benfeitores
da infância?

B ibliografia. — C y c l o p e d i a o f edueation, a rt. Ireland , Edueation in.


— H e a ly , Ireland’# aneient schools and seholars (D u b l i n , 1 8 9 0 ) . — H o n -
Les moines d ’Occiã.nt, I , I I et 11T. — P ; < k j i e x t i e r , Tlistoire
ta le m b e r t,
de 1’ éãucation cn Angletcrre, p . 179-18G. — D o u G o u g a u d , Les clirétiens
mitigues.

I I . — Boécio .(470-524)

B oécio foi um dos hom ens mais instruídos do seu tempo.


Longa freqüentação das escolas de Atenas havia-lhe dado
conhecim ento profundo da filsofia grega. Num espírito de
apostolado e exercendo ao m esm o tem po im portantes fun ­
ções na côrte de Teodorico, em preendeu trabalhos imensos.
“ A instrução dos meus concidadãos, diz êle, pareceu-m e fazer
parte dos deveres do meu cargo. D eixo aos meus predeces-
sores a honra de haverem estendido as conquistas do Estado
e de lhe terem subm etido cidades ou dado províncias. Quan­
to a mim, quero enriquecê-lo com os despojos da Grécia,
com unicando-lhe a luz e a sabedoria de que foi outrora de­
positária durante tão longos anos” . Foi com essa intenção
que traduziu as principais obras de Platão, a Isagoge de Por-
fírio, quase todo Aristóteles e os tratados científicos mais
notáveis: a A ritm ética de Nicóm aco, a G eom etria de Eucli-
dcs, a Música de Pitágoras, a M ecânica de A rquim sdes e a
Astronom ia de Ptolom eu. M etido no cárcere por uma in-
iusta denúncia, escreveu as consolações da filosofia, um dos
livros mais célebres da Idade-M édia, que, traduzido em tôdas
as línguas, introduziu as idéias platônicas regeneradas pelo
m isticism o cristão.
Os seus conhecim entos eram universais. Bem antes dos
árabes em pregava a num erarão decimal. Explicou passa­
gens obscuras de Euclides. D ?vem -se-lhe tratados de este-
reom etria e de planimetria. Foi o prim eiro a form ular a
teoria dos poços artesianos. Seus conhecim entos sôbre o
pêso e a lei do escoam ento dos líouidos nernrtiram -lhe cons­
truir engenhosos relógios hidráulicos. Deu tam bém notável
teoria matemática da música.
B oécio prestou m u;to grandes serviços à educação. É,
com Santo Isidoro de Sevilha, S Beda e A lcum o, um dos
grandes professores do Ocidente. Foi êle, diz L éon Maitre,
oue representou o m aior papel nas escolas da Idade-Média.
Os tratados, para os quais com nulsou tudo o oue a antigui­
dade grega ou romana tinha ensinado sôbre as artes liberais,
ouase por si sós serviram de base a tôdas as o^ras clássicas
dos séculos IX . X. X I e X II. A erudição oue havia "ali acu­
m ulado faziam dêles um tesouro inesgotável que cada b i­
blioteca monástica se apressava em aproveitar (A s escolas
episcopais e monásticas, p. 210).

Bibliografia. — A b t t l s o n , The srrrn liberal a r ts . ( N c w - Y o r k , lílO G ).


— T om G e r v a is e , Yie <lc Boèce ( P a r i s , 171(> ). — M i r a n d o l , •Conxolation
philosophique (P a r i s , 1 8 6 1 ) . — O r to la n , Savatitx ct ehrcticvs (P a r is , 1 8 0 8 ).
— T a y i .o r , The tiasttical hcritaye of the middle a g .s ( N . Y ., 1 9 0 1 ) .
São\ Bento é um dos maiores luminares do Ocidente.
Talvez sèja o fundador cuja influência foi mais considerável
sôbre a civilização por meio das suas legiões de discípulos
que desbravaram o solo e deram, durante longos séculos,
instrução a todes os povos da Europa. A regra beneditina
une ao trabalho manual o trabalho da inteligência. O car­
deal Newman assegura que ela é a regra normal dos primei­
ros temoos da Igreja: a expressão perfeita do gênio monás­
tico. Foi o que a fez adotar por tão grande número de
congregações. Os conventos de fundação anterior a utiliza­
ram: foi recebida em todos os mosteiros ingleses: e, no século
IX , em todo o império de Carlos Magno. No século X jea-
lizou-se a fundarão de Cluny cuia aoão devia ser tão impor­
tante na Idade-Média (1). Nos séculos seguintes, novas

(1) Cluny foi fundada em 910. S^nto Odon. abade êm 927, ê o seu
verdad«iro organizador. Depois dêle. Maicul, Odilon ps Huguas tiveram o
báculo abadai durante 160 anoa. Em tôdi a pàrte p. reforma de Clu^y
reergue a dischp'ina e faz reflorescer as escolas. 03 Cortumes ãe Cluny, redi­
gido? pelo m'Jige Bernardo (1068), tornam-se o código de disoip ina da
maior parte dos most-eir^j francesas e estrangeiros. A ação de Cluny breve
se estendeu a todos os países civilizados. Os mais belos florões da sua
coroa eram fia França: Baume, S^uvigny, la Charié.eur-Loir?. S int-Ben^it-
-sur-Loire, Charlieu, Mareigny, Paray-le-Monial, Ainay, la-Chaise-Dieu, Au-
rillae, Nantiia, S^int-Benifrne de D»ion, Molesm^s,'Saint-D°pis. Slint-Birtin,
Jumièges,. S int-Pierre-le-Vif em Sons, Saint-Martin-des-Champs, em Paris,
Saint-Etienne de Caen. le Mont Saint-Michel, Angers, Tours, MarmouHer,
Limogos, Mo-issae, S~int-Sermin de Tculouse, Saint-Victor de Marse-ha,
Saint-Honorat de Lérins, etc.: ria Alemanha: P adjrbom e vários conventos
das margens do Beno; na Suiça: Bomainmotier, Saint-Victor de Genebra,
E-aüit-Alban de Basiléa, etc.; na Espanha: Lcyva-, Majera, Compostela, etc.;
cm Chipre-: Famagusta; na Itá lia: la Clusa. Cavngnolo. Santo Antônio na
Toscan-'., a Trindade de Vencsa, na Apfília, Rão Paulo fora dos Muros, etc.;
na Inglatería: Lowes. Mont-'«ute. Tetliford, Ler^on. etc.- Paislry na Es­
cócia; Tyneetz e Mohilow na Polônia, etc.. “ Cluny brilhava nesta épo­
ca como outro sol sôbre 0 mundo, segundo a expressão do papa Urbano
ordens se inspiraram na regra beneditina: Camaldulenses,
m onges de Valom brosa, Cistercienses, m onges de M onte-
V ergine e de Fontevrault, abadias de Espanha e Flandres,
Silvestrianos, Celestinos. Olivetanos, Humilhados, sem falar
numa m ultidão de casas de religiosas, com o as Gilbertinas
e as Oblatas de São Francisco. A crescentem os a famosa con-
gregacão de Saint-Maur, que floresceu nos séculos X V II
e X V III, tão afamada pelos seus trabalhos escriturários, ar­
tísticos e históricos e cujos eruditos célebres, M ontfaucon,
M abillon, Rivet, etc. são contados entre as grandes ilustra­
ções científicas da França.
Considerando-se que estas ordens religiosas tiveram um
núm ero considerável de casas, em cada uma das quais m an­
tiveram, durante longos séculos, uma escola para a form ação
dos seus súbditos e outra para a instrução dos filhos do povo,
pode-se avaliar a influência que São Bento exerceu sôbre a
educação e a civilização.

B ibliografia. — C i t a g n y , L ’ abbaye de Cluny fM ftco n, 1 9 2 1 ). — P.


Kek, N os ãoctrines clnssiqurx traditinnn :llc.t (P a r is , 1 9 2 1 ). — M a b i l l o n ,
TraiU' des ctu drs mnnailiquru, — M o x t a l e m b e r t , Z>.v m oines á ’ Oecxdent.
— X e a v m a x , The m ission o f Saint B en cu ict , in l li s t Sk elch es (L o n d r e s ,
1 8 7 2 ), — trailuit en fr a n ça is sous <*e t i t r e : L a m ission de Sa int B en o lt.
— T o s ti. Saint Bcnoit , son aclion rcligicuse ct soeialc, traduetion ãu latin
(P a r i s , 1 8 9 3 ).

II. Os seu arquitetos, escultores, pintores, v idrac eiros , ourives, es malt ado-
res, miniaturistas, são os d ign os êmulos dos seus poetas, c u j o lirismo atinge
m uita s vêzes o sublime, dos seus pensa dores <|ue, no ous ado vôo das suas
especulações escolástieas, est ab eleceram p or assim dizer os limites da m eta­
fí si ca. F o i por Cluny e pelos seus m on ges que a influênc ia do esp írito
fr a n c ê s se d ifu n d i u e p red om in ou minto tem p o no mundo ci v i li z a d o .” (B a-
belon, do Instituto, B cu is.a hebdom adária, 1.» de Outubro 1 9 10).
Cassiodoro, ministro e amigo de cinco reis, tinha-se
ocupado com os mestres das escolas e tinha obtido as suas
simpatias fazendo-lhes elevar o salário e defendendo os seus
interêsses perante o senado romano. Em 538 abandonou as
suas dignidades e retirou-se para a sua propriedade de V i-
viers (Grande G récia) e construiu ali um mosteiro pelo m o­
dêlo do de M onte Cassino. U tilizou em benefício de seus
m onges as ciências que possuía e deu aos estudos sustentá-
culos que êles raramente haviam conhecido: a oração, o si-
% lêncio e o pensam ento do dever. O m osteiro de Viviers
tornou-se uma espécie de academ ia cristã e o principal foco
da atividade literária do V I século. Cassiodoro dava aos
seus discípulos, sôbre a Sagrada Escritura, as artes liberais
e a literatura profana, lições que revelavam erudição pouco
comum.
Fundou vasta biblioteca enriquecida continuam ente pelos
copistas e escreveu numerosas obras. A sua célebre H istó­
ria tripartita foi o manual histórico da Idade-M édia. Mas
a sua obra capital, a que exerceu a influência mais conside­
rável sôbre o ensino, é o tratado das Instituições literárias
divinas e humanas; dá nêle a teoria dos conhecim entos e
distingue as artes (gramática, retórica e dialética) das ciên­
cias (aritmética, geometria, música e astron om ia). Esta di­
visão conservou-se durante longos séculos. O livro das Ins­
tituições foi um dos manuais mais seguidos da Idade-Média.
“ O ferecia aos estudantes a vantagem de uma reunião, m etó­
dica e fácil de com preender preceitos hauridos nas melhores
fontes, e ajudava-os a colhêr mais fielm ente as lições do
mestre. Achava-se nêle a doutrina de C icero e de Quinti-
liano sôbre a retórica, a de B oécio e de Varrão sôbre a dia­
lética e a geom etria, a de N icôm aco sôbre aritmética, a de
/
/

Gaudêncio sôbre a música, a de Censório e de B oécio sôbre


a astronom ia” (L. M a i t r e ) . /
Cassiodoro considera a ciência profana introdução indis­
pensável ao estudo das ciências sagradas. “ Julgamos dever
advertir-vos, diz êle aos seus religiosos, que nas sagradas
letras tanto com o nos mais sábios intérpretes, muitas co:sas
são com preendidas pelas imagens, muitas pelas definições,
muitas pela gramática, muitas pela retórica, muitas pela
geom etria e muitas pela astronomia (In stit. I, X X V I I ) .
O imnulso que deu aos estudos teve renercussão na ati­
vidade literária dos beneditinos. M abillon proclam ou-o
arauto e restaurador da ciência, no século VI. Prestou inú­
meros serviços às letras instituindo nos seus mosteiros um
scrivtorium que m ultiplicava as cópias das obras primas da
antiguidade.

— MABTT.T.ON, T r a ití rlrs H tvâ es m n v "S l:tjvrs.


Sn ra n fs rt — PcnER.- I 'r vsrln n cm r vt ârs Irtlrrs c 1n -s in ir s cl'A u -
sm.p à A l m h (P a r is , 1 9 0 5 ) . — - S a n d y s , U i s t o r y o f classical scholarship
(C a m b r id g e , 1 9 0 3 ) . ’ *

V — São Gregór-‘o o Grands (5Í0-601)

G regório fêz os estudos na universidade de R om a que


era, nessa época, a escola mais afamada do Ocidente. Es­
tudou de m odo especial a gramática, a retórica, a dialética,
o direito, a m edicina e a cosm ografia.
D epois de papa, desenvolveu grande atividade para fazer
florescer as ciências, difundir o ensino e associar as letras ao
culto católico. Reuniu, no; seu palácio, os sacerdotes e os
m onges mais sábios do seu tempo. Desejava, que em redor
dêle, tudo respirasse o gênio latino e que a sua côrte se tor­
nasse o tem plo da ciência ao qual as sete artes liberais ser­
viriam de colunas” .
A plicou-se de m odo especial à reíorm a do canto da Igre­
ja. Êle próprio colecionou no seu Antifonário, os cânticos
sacros antigos e m odernos, com pôs o texto e a música de
vários hinos e fundou uma escola de canto destinada a per­
petuar sua reform a. A s Gálias, a Germânia, a Inglaterra,
aí foram haurir a arte de reproduzir as suaves m elodias do
canto eclesiástico.
A escola de canto foi verdadeira escola de catedral. Com
efeito, a música, a últim a das sete ciências profanas, exigia
o conhecim ento de tôdas as demais. Esta escola tornou-se,
pois, a sede dum ensino literário e teológico que ainda du­
rava após vários séculos. D ela saíram m estres de canto­
chão, gramática e cálculo que ensinaram essas ciências em
diversos países. Vários bispos, entre outros, Santo Atanásio
de Nápoles, fundaram escolas de canto pelo m odêlo da es­
cola de Roma.
São G regório m ereceu o reconhecim ento particular da
Inglaterra pela remessa para aí de uma falange de benedi­
tinos. D eixou grande núm ero de obras aue não foram sem
influência sôbre a educação. Citemos o Sacramentário, que
fix ou o canto, a língua e a form a da liturgia; o Pastoral,
regra de vida e de doutrina dos pastores. Este livro, diz
Ozanam, deu a form a e a vida a todo o corpo hierárquico, e
fêz os bispos que fizeram as nações modernas.

B ibliografia. — C a t it o U C E ncyclopedta , nrt. Grerjory ilie G reat. —


Saint G rfg o ire 1: Granâ (P a r i s , D eselé e). — C y c l o p e d i a o f Erlu-
C r .A t r s i E R ,
cation, art. G rrg o ry the G reat. — KoaEB L ’cn scign em en t des lettres clas&i-
ques d ’Â u s o n e à A lcu in .
- VI ~ São Columbano (543-615)

São Columbano, de origem irlandesa, foi discípulo de


São Comgall, abade de Bangor. Em 572, foi para as Gálias,
em com panhia de doze religiosos. O rei Gontran deu-lhe
o dom ínio de A nnegray para aí estabelecer um mosteiro.
A lguns anos depois, o santo fundou Luxeuil, nos Vosges.
Esta nova abadia tornou-se breve escola célebre em que se
ensinavam as artes liberais, a eloqüência e a teologia. Nos
péculos seguintes, a m ocidade de várias grandes cidades,
com o Lião, Besançon, Estrasburgo, Langres, Autun, etc. fre-,
qüentava-a em grande número, para se form ar nas letras
e na virtude.
Os discípulos de São Colum bano fundaram , por sua vez,
outros m osteiros que se tornaram outras tantas escolas. Êle
próprio fundou terceira abadia, B obbio, que foi o facho da
Itália setentrional. A lém da sua escola, que foi célebre,
B óbbio possuiu uma biblioteca notável. Incluía, no século
X , 700 volum es cu jo catálogo foi dado por M uratori.
N o m esm o ano em que Colum bano fundava B óbbio (614),
um dos seus discípulos lançava os fundam entos de Saint-Gall
na Suíça. Esta abadia tornou-se um dos grandes centros da
atividade intelectual da Idade-M édia. Nas duas escolas do
m osteiro estudavam-se os clássicos gregos e latinos; os fra­
des estudaram o grego com m uito ardor e form aram uma
academia, a dos Irm ãos helenos. A biblioteca se enriqueceu
pouco a pouco, graças à habilidade dos copistas e ao zêlo
dos ilustres abades que governaram a casa.
Saint-Gall foi viveiro de hom ens eminentes. M encio­
nem os o abade Salomão, que foi bispo de Constança, m inis­
tro de Luís o G erm ânico e dos seus quatro sucessores; M oen-
gall, que introduziu o grego nos estudos; Rutperto, poeta
delicado; bibliófilo, o qual tão pouco abandonava os livros
que só gastava um par de calçado por ano. A abadia teve
com o que duas dinastias de m onges célebres: os Ekkehard
e os Notker. Quando o abade Ekkehard II chegou ao con­
cilio de M ogúncia, seis bispos, seus ex-alunos, ergueram-se
para o saudar. Ekkehard IV foi sábio filósofo e o autor da
Crônica ãe Saint-Gall. N otker o Gago traduziu, do grego
para o alemão, a lógica de Aristóteles. Notker V passou por
hom em mais douto e mais am ável do seu tempo. Foi tam­
bém teólogo, poeta, músico, filósofo, astrônom o e m atemá­
tico. Conhecia com perfeição o grego e o latim, e foi o
criador da literatura germ ânica pela sua tradução dos sal­
mos, do livro de Jó e por um com entário de Aristóteles,
escrito em alemão.
Tal foi a influência de São Colum bano na educação;
durou a mesma séculos e fêz-se sentir na França, Suíça,
Alem anha e Itália. Assim vem os pouco a pouco que a
Idade-M édia esteve longe de ser época de ignorância e trevas.

B i b l i o g r a f i a . — C a t h o l i c E n o y c l o p e d i a , a rt. Notker . — D i g b y . A ç e s
of fa ith . vol. I V . édition in-4 ( N e w - Y o r k ) . — H e \ l y , IrelancTs anrirnt
r.chools anã scholars (D u b li n , 1 8 9 0 ). — M o n ta le m b e s t, L cs m oines ã ’ O cci-
demt. — S a n d y s , n :s 'o r y o f classical scholaruhip (C a m b r id g e , 1 9 0 3 ). —
E u a . M a r t i n , Saint C o lo m ia n .

VII — Sarto Isidoro de Sevilha (570-636)

Santo Isidoro form ou-se na ciência pelo irmão, São Lean­


dro, arcebispo de Sevilha. Sucedeu-lhe e em pregou os meios
mais eficazes para m ultiplicar as escolas na sua diocese.
Foi a alma do quarto concilio de Toledo, que ordenou a
fundação de escolas episcopais em todos os bispados da Es­
panha, e escolas primárias em tôdas as localidades que ainda
não as possuíam. A Espanha ameaçada do arianismo, pre­
cisava de clero bem instruído. Para isso o program a das
escolas episcopais foi ampliado; ccm preendeu não só as par­
tes liberais e as ciências sagradas com o a história, a geo­
grafia, a cosm ografia, o direito, o grego e o hebraico.
A escola episcopal de Sevilha serviu de m odêlo às que
foram fundadas por tôda a parte, em Toledo, Saragoça, Bar­
celona, Braga, Córdova, Vich, etc.
Isidoro deixou obras numerosas, pela m aioria destinadas
aos estudantes: Crônicas desde a criação até 626, História
dos reis Godos, Vândalos e Suevos, um Tratado da natureza
das cousas, livros de moral, etc. Sua obra principal é uma
enciclopédia conhecida pelo nom e de Tratado das etim olo­
gias ou Origpm das coisas; encerra tudo quanto, no sét;m o
século, constituía o dom ínio do saber. Com o livro das Ins­
tituições de Cassiodoro, foi o manual dos estudantes da Ida­
de-M édia. Santo Isidoro o escreveu com o f ’ m de iniciar as
nações ocidentais nas riquezas literárias e científicas da an­
tiguidade. Esta enciclopédia resume, em vinte livros, os
princípios das sete artes liberais, da m edicina, jurisprudên­
cia, teologia, história natural, agricultura e artes mecânicas.
Adm ira-se nela bela disposição e sobretudo vasta erudição,
fruto de leitura abundante, “ despojos de uma biblioteca,
cuia metade teríam os perdido, se o bispo de Sevilha não
tivesse salvo os débeis restos” . ( O z a n a m ) .
O im pulso ru e dera à instrução do Hero e do po ” o foi
continuada por ilustres discípulos: Santo Ildefonso, São Bráu-
lio. bispo de Saragoça, e o rei S ‘se^erto. oue, conform e um
historiador beneditino. t°v e duplo m érito em apreciar as
letras, por ser rei e rei Godo.

R i M i o n r f i a . — R . R. A m a d o , La I/jlcsia y la U bertaâ de cnsriíansa


(Mnrlrirl, 19071. — W o N T A u n r s r ^ r , Le.” ifo ln rx rt’ 0 "r í d r v t . — O r to t ,» N ,
S a v a v t '1 et rh rítirn s ( P -iri«, ]8 Í)S ). •— Tíooeg, L ’cn seign cm en t ã is letlrcs
classiqucs á ’A u so n e ú A lcu in ,(P a r i s , 1 9 0 5 ).
Beda é perfeito m odêlo da santidade aliada à vida es­
tudiosa e sábia. A os sete anos, entrava com o oblato no
convento dos Beneditir.os; aos nove aros, foi para a abadia
de Y arrow onde passou o resto dos dias. Sob a direção de
mestres hábeis estudou o grego e o hebraico, a Escritura e
os Santos Padres. A s antigas literaturas se lhe tornaram
f~m :l ;ares. Cita freoüentem enta Aristóteles e Hipócrates,
Platão e Sêneca, Cícero e Lucrécio. Ovídio, Luciano e, sobre­
tudo, V irgíbo. “ Êste conhecim ento dos antigos, diz Roger,
rã o se mostra arenas em algumas exnressões, alguns herrrs-
iír-u^os alinhavados na sua prosa, a alguns epítetos interca­
lados em seu e^t:lo, a fragm entos de versos reunidos em
centão, mas a hábitos de língua que corresnondem a cultura
r e a l ... Beda realm °nte sofreu a influência dos antigos;
no trato com êles, adou;riu algumas das oualidades do esní-
rito a n fg o . (O ensino áas letras clássicas ãe A usônio a A l-
cuíno, p. 303) ” ,
Estudar, escrever, orar, meditar, ensinar, tal foi a vida
dêste ilustre relig :oso. Estas nobres ocupações nem foram
interromnidas, pela últ:ma doença. M orreu ao acabar de
ditar o ú lt:m o capítulo de um dos seus livros.
Com seu ensino, exerceu a m aior influência. Sozinho
ensinava o que hoje necessitaria uns vinte professores. Isso
nos perm ite julgar a extensão do program a das escolas m o­
násticas no século VIII, quando tinham à sua frente homens
superiores. O seu auditório constava dos seiscentos frades
de W earm outh e de Y arrow e de certo núm ero de esudantes
estrangeiros atraídos pela sua imensa erudição.
Dêste ensm o resultou obra prodigiosa, verdadeira enci­
clopédia das ciênc5as divinas e humanas. Seus Com entários
sôhre a Saqraãa Escritura encerram a m edula dos Santos
Padres e dos escritores eclesiásticos; sua História eclesiástica
da Inglaterra, m ereceu-lhe, no seu país, o título de historia­
dor nacional. Com pôs sôbre artes e ciências mais de oitenta
tratados, todos notáveis pelo m étodo e clareza. As o V a s de
Beda passaram ao continente, encheram em breve tôdas as
bibliotecas monásticas, espalharam-se pelas escolas e foram
clássicas até o Renascimento.
Pela c’ ência, com o pela em m ente virtude. Beda m ereceu
a adm irarão universal. São B onifácio o cham ava a “ Lâm ­
pada da Igreja” ; G uilherm e de M alm esbury dizia: “ É mais
fácil adm irá-lo em segredo do que achar expressões pronor-
cionadas ao seu m érito” . Burke lhe decreta o título de “ Pai
da ciência inglêsa” . Leland por sua vez o chama “ o m a:s
belo ornamento da nação inglêsa. o hom em mais digno de
reputação Universal que jam ais h ouve” .

B ibliografia. — C y c l o p e d ia of c ã w a tio n , a rt. B òde. — Ortolan, ~


Sa va nts et rhrótitns. — R o g e r , L ’ c n seig n cm :n t ãcs Icttrcs clasíiqucs ã ’A u -
sonc ã A lcuin.

IX — São Bonifácio (675-755)

São B onifácio se tinha preparado a sua missão de após­


tolo e civilizador da Alem anha por longos estudos e brilhante
professorado no convento de Nutshell. Passando a ser m is­
sionário entre os Germanos, por tôda a parte, ao lado das
igrejas que erigia fundava escolas nas quais, diz M abillon,
esta nação inculta e feroz largou pouco a pouco os costumes
bárbaros, form ou-se às práticas suaves e tom ou sent'm entos
mais humanos. Numerosas escolas episcopais também lhe
deveram a existência.
Duas das abadias que fundou foram célebres na Idade-
Média: a de Fulda e de Bischofsheim . A prim eira tornou-
se, durante o professorado de Raban-M aur, a grande escola
do im pério corlovíngio. Ensinavam-se aí tôdas as artes, tô­
das as artes, tôdas as ciências, tôdas as indústrias que fazem
o ornam ento da civilização. A biblioteca era m uito rica, e
o trabalho dos copistas aumentava-a de contínuo.
A abadia dos religiosos de Bischofsheim foi célebre em
tôda a Alem anha. T eve por fundadora santa Lioba, irmã
de São B onifácio, “ bela com o os anjos, encantadora em sua
conversa, sábia nas Escrituras e nos santos cânones” . Outro
convento de religiosas, o de Hildesheim, foi igualm ente cé­
lebre pelas escolas.
À instigação de B onifácio, um concilio foi celebrado na
Alemanha, em 747. N êle fizeram -se vários decretos, com
relação à educação do clero e do povo. Bispos, abades, aba-
dessas, devem tratar diligentem ente de difundir a instrução.
Os sacerdotes de cada paróquia são obrigados a lecionar sem
exigir rem uneração alguma. O trabalho educativo de São
B onifácio preparou a Alem anha católica da Idade-M édia e
da Renascença.

B i b l i o g r a f i a . — K u r t i i , Saint Boniface ( P a r i s, 1 9 0 2 ). — S a n d y s ,
Tlistory of c.assical scholarnhip (190 3 — C a m b i i d g e ) . — W e r n e r ., Boni.
facius, der Apostei der 'Dcutsclicn ( L e i p z i g , 1 8 7 5 ).

X — Raban-Maur (786-856)

Raban-M aur era oriundo de M ogúncia. Mandado aos


dez anos a Fulda, revelou aptidões pouco comuns para as
ciências. A os vinte anos, foi para Tours, e sob a direção
de Alcuíno, adquiriu conhecim entos m uito extensos sôbre
artes liberais, m edicina e teologia. De volta a Fulda, foi
nomeado proféssor do mosteiro. Os alunos acudiam em m ul­
tidão à sua cadeira; saíram desta escola os prelados mais
ilustres da Alem anha e grande núm ero de sábios doutores.
A s famílias nobres lhe confiaram os filhos, de que tra­
tava com “ extraordinária gentileza e paciência” .
Foi, ao depois, bispo de M ogúncia Serviu-se dessa alta
posição para favorecer o cultivo das letras e fundar num e­
rosas escolas.
D eixou, do m esm o m odo que os seus êmulos Sto. Isido­
ro e S. Beda, vasta enciclopédia em .vin te e dois livros. Os
prim eiros seis versam teologia e Sagrada Escritura. Os mais
tratam das ciências humanas. Seu plano é mais vasto do
que o de Sto. Isidoro. Esta obra imensa revela, em seu
autor, trabalho gigantesco e erudição prodigiosa: foi o di­
cionário enciclopédico da alta Idade-M édia e o manual dos
estudantes de numerosas escolas.
Tal foi a influência de Raban-M aur na educação. M e­
receu o título de “ preceptor da Germ ãnia” . O seu biógrafo
Tritem ;us escreveu: “ Tôdas as gerações da Alem anha de­
vem puM icar eternam ente os louvores de Raban, porque foi
o prim eiro que lhes ensinou a ãrticularcm sons gregos e
latinos” . Finalm ente, Barônio lhe dá êste m agnífico tes­
tem unho: “Raban brilhou com o astro lum inoso; os escritos
que deixou à posteridade são outros tantos raios de luz que
atestam o gênio do seu autor, e a Alem anha tem razão de
se orgulhar de tal m estre” .

B ibliografia. — O r t o l a n . Ravfiv'.? et —
cliréíievs. S a n d t s , IT i-inry
of claítical schotarship (Ciiiubvirlgr-, 1 0 0 3 ). — Turnau, E a ba n u s M anrus
der P ra eeep ín r Germ nniar (M u n i c h 1 0 0 0 ) . — W est, A lcu ln and the rie.c
o/ the Chrhtian scheols ( N . Y .. 1 9 0 3 ).
IV. Período Escolástico

C A PITU LO X I

A ESCOLÁSTICA

Definição -— O têrm o “ escolástica” tem várias signifi­


cações. Dssígna, con form 2 os casos, deternrnado conjunto
de doutrinas, m étodo particular de exposição e de ensino,
ou, em accepção um tanto diversa, o m ovim ento intelectual
oue prevaleceu desde o século X II até a Renascenca. A his­
tória da pedagogia tcm a-o sobretudo nos dois últim os sen­
tidos.
A época escolástica caracteriza-se, no ponto-de-vista fi­
losófico, por uma tendência a dem onstrar o acôrdo entre a
fé e a razão; no ponto-de-vista pedagóaico, por um m étodo
de ensino das artes li’:era;s, da filosofia e da teologia em
oue tudo está disposto para dirigir e sustentar uma inteli­
gência novica na arte do pensamento e do raciocínio; e n fm
por uma vida intçletual intensa, à qual devem os o renasci­
m ento ou criarão de uma m ult;dão de escolas de todos os
graus e de obras imortais que até o dia de h oje ficaram sem
rivais.

Épocas movVner.to esco’ ásfico — O m ov m ento esco-


Jástico rem onta à criacão das escolas episconais e monásticas.
No século IX caracter’ za-se pela renovarão dos estudos fi­
losóficos. A ouestão dos universais dirige-se a seu pleno
desenvolvim ento cu e se efetua no século XTI, quando a fi­
losofia se torna serva da teologia, sua aliada e sua amiga.
Nesta época, o gôsto pelas ciências e pelas especulações m e­
tafísicas revela-se mais v iv o que nunca. A Europa cobre-
se de universidades, e de todos os lados, os alunos acorrem
a ouvirem m estres célebres, pela maioria, filhos de São D o­
m ingos e de São Francisco.
Mas no século X V I, o m ovim ento se retarda, as discus­
sões filosóficas degeneram em argúcias; e, o que é mais sério,
a filosofia separa-se da teologia e procura tornar-se inde­
pendente. Assistim os a uma reação contra a escolástica,
julgada esta somente pelas obras da decadência e mal com ­
preendida das inteligências, nutridas por demais exclusiva­
mente de autores pagãos. A lguns filósofos se fazem dis­
cípulos de Platão e Aristóteles; outros rejeitam tôda espécie
de iugo e inventam os sistemas mais extravagantes; outros,
en f:m, deixam -se em balar suavamente no berço da dúvida
ou m ergulham nos sonhos do ilum inism o. A corrente filo­
sófica que rejeita a teologia engendrara o lado papão da
Renascença, produzira o ceticism o de M ontaigne e irá ter­
minar através de mudanças e vicissitudes, no filosofism o do
século X V III e na R evolução francesa.

Ob :et'vo Esro’ ástica — Os escolásticos, procurando


harmonizar a filosofia e a revelação, propunham -se: a) D e­
fen d er o doama contra os hereqes. Form avam -se certas sei­
tas aue tentavam rebater as crenças cristãs. F oi necessário
refutar os seus erros e expor a doutrina católica, b) Inves­
tigar as razões de crer. A fé foi sempre considerada com o
superior à razão, mas os escolásticos não podiam concordar
em que houvesse conflito entre a razão e a fé. É falso, por­
tanto, considerar a escolást:ca com o espécie de emancipacão
da razão em detrim ento da crença; o seu f'm foi sempre,
pelo contrário, conciliar a razão com a autoridade, c) R efu ­
tar os erros filosóficos. Êstes erros haviam -se espalhado por
interm édio dos m uçulm anos e de seus dois grandes filósofos:
A vicena e A verróes. É especialm ente contra êles oue se
dirige a Suma de Santo Tomás contra os Gentios, d) Dar
aos conhecim entos uma classificação verdadeiram ente cien­
tífica. Cum pria sobretudo fazer esta classificação nas dou­
trinas filosóficas e religiosas, e espalhá-las pelas escolas por
m eio de manuais destinados aos estudantes. Os dois mais
célebres dêsses manuais foram : o L ivro das Sentenças de
P. Lom bardo e a Suma de Sto. Tomás de Aquino. Mas os
escolásticos não se limitaram às ciências religiosas. Estuda­
ram com o m esm o m étodo todos os conhecim entos humanos:
letras, ciências, direito, medicina, etc. A sua erudição faz
hoje a adm iração do m undo sábio.
Os m étodos em pregados foram a observação, a exp eri­
m entação e a indução. R. Bacon foi o m aior experim enta-
dor do seu século. No seu tratado sôbre os vegetais e as
plantas, Sto. A lberto o Grande escreve: “ Tudo o que deixo
aqui escrito é o resultado da nossa própria experiência ou
é tirado de certos autores que escreveram o que a sua expe­
riência pessoal havia confirm ado; porque, nestas matérias,
só a experiência dá certeza” .

M étoío — Os escolásticos procuram sobretudo a perfei­


ção lógica, e isso em tôdas as ciências, até na gramática.
Antes dêles faziam uso, no ensino, sobretudo do m étodo
catequético e do m étodo dialógico.
Os m estres dividem suas lições em capítulos, parágrafos,
títulos, subtítulos e subdivisões. A form a dos meamos é
rigorosam ente científica; e, a êsse respeito, nada m elhor se
faz hoje, em dia. Assim, a Suma de Sto. Tomás se divide
em quatro partes. Cada uma delas consta de certo núm ero
de questões representando uma verdade doutrinai, p. ex., a
Trindade. A s questões são seccionadas em sub-questões.
Vem , em seguida, o enunciado das objeções; depois, os ar­
gumentos a favor da verdadeira solução. Enfim, as respos­
tas às diversas objeções. Tudo sem ornatos, sem pretensões
literárias, mas com lógica tão rigorosa quanto possível.
Em sua obra Sic et Non, A belardo propõe as suas teorias
sob form a de perguntas; Deus é ou rã o o autor do m al? —
Deus é ou não uma substância? — Pode-se resistir a Deus
ou não? — Deus castiga o m esm o pecado neste m undo e no
outro n ão?” Esta form a tinha o m érito de excitar o inte­
rêsse. Os escolásticos em pregam constantem ente a form a
rilogística. Cada questão é submetida às regras do raciocí­
nio e discutida sob toemos os pontos-de-vista. Dão sempre a
iese ou proposição, a discussão, a prova, a exposição das ob­
jeções e a resposta às mesmas. Êste m eio perm itia expor e
defender perfeitam ente a verdade.

Juízo rôbre a escclástica — A lguns historiadores da edu­


cação têm pronunciado sôbre a escolástica os juízos mais er­
rôneos. Têm -se fe :to eco dos escritores da Renascença que,
por demais im buídos da antiguidade clássica, consideravam
épocas de barbárie os séculos que os separavam da civiliza­
ção grega e romana. “ Assim com o o classicismo italiano do
século _XVI em pregou o epíteto gótico com o sinônim o de
bárbaro para caracterizar a arquitetura da Idade-M édia, as­
sim também o humanismo, a R eform a e, mais tarde, a filo­
sofia moderna, deram sentido infam ante ao epíteto escolás­
tico pára designar a filosofia da Idade-M édia, com o a conhe­
ciam ou julgavam conhecer (Dè W u l f , História da filosofia
medieval, pág. 106)” . É desfigurá-la dizer dela que “ não
com preendeu m elhor os m eios do que o fim da educação” .
Em prim eiro lugar, o m ovim ento escolástico teve pro­
porções imensas. A sua influência, nos estudos, foi extraor­
dinária; as escolas primárias se m ultiplicaram a ponto de
cada vila ter a sua; as escolas episcopais e monásticas atin­
giram alto grau de prosperidade. Enfim, foi pelos princípios
e m étodos da escolástica que foram fundadas e regidas as
universidades.
Esta época nos deu uma produção literária que contri­
buiu para o desenvolvim ento de todos os conhecim entos hu­
manos. Os grandes escolásticos em pregavam a m aior parte
dos m étodos científicos atuais. Os seus escritos pedagógicoa
revelam grande experiência na arte de ensinar.
' As discussões, em bora estéreis no ponto de vista prático,
não eram sem utilidade. A gitavam questões capitais que
não têm cessado de apaixonar os espíritos; davam às inteli­
gências hábitos de ordem, de lógica e de precisão. Contri­
buindo para a elaboração do pensamento colaboravam para
a sua expressão. O idiom a escolástico teve sua influência
sôbre a form ação do francês. “ Saiu das escolas do século
X III, diz Hauréau, uma língua pura, soberba e cheia de
energia, a qual devia, com o tempo, perder a sua rudeza mas
não a sua precisão, e tornou-se, após algumas outras trans­
formações, a nossa língua nacional” .
Enfim a escolástica preparou a Renascença. A o seu de­
sabrochar esta encontrou um m ündo preparado para a re­
ceber: universidades, bibliotecas de riqueza incom parável,
eruditos, sociedades de doutos, escolas secundárias e prim á­
rias. Pode-se dizer que a Renascença não fêz mais do que
ampliar e aperfeiçoa^. Os trabalhos dos mestres da Idade-
Média, digam o que quiserem os Rabelais, os M ontaigne, os
Ramus, constituem o fundam ento da educação duma porção
considerável da nossa sociedade m oderna. O P. Gratry que,
muitas vêzes tem falado tão bem da filosofia medieval,
nas suas Cartas sôbre a religião, aprecia m agnificam ente a
obra dos escolásticos; “ Êstes obreiros prodigiosos, diz êle,
deram ao pensam ento humano, durante séculos, o hábito
prático da atenção, da precisão e da distinção. Form aram
o próprio instrum ento para pensar: a língua filosófica e a da
ciência. Deram às línguas m odernas a sua exatidão e o seu
rigor analítico; ao hom em, a fé no poder da razão. É o m aior

lm i
progresso intelectual que em qualquer tempo uma escola
tenha causado no espírito humano”.

Bibliografia. — C y c l o p e d i a o f cducation, art. Seholasticism. — Drane,


Christian schools and scholars (Londres, 1 8 8 1 ) . — H a u b é a u , Eistcirs de la
philozophie scolaire (Paris, 1 8 7 2 ) . ■— M o n r o e , Text booJc in the higtory
o f eãucation (New-York, 1 9 0 5 ) . — D e W u l p , Eistoire de la philosophie
méãiévale (Louvain, 1 9 1 2 ) .

CAPÍTULO X II

AS. UNIVERSIDADES

O têrmov universitas, tirado t?o direito romano, designava corpora­


ção. Deu se, a princípio, íis universidades o nome de Studium Generale.
Essa expressfto designava um local onde podiam ir os estudantes de
todos os países e onde se ensinavam tôdas as ciências.

Fundação das universidades — V árias causas contribuíram para a


criação das universidades:
a) A evolução das escolas monásticas, especialmente nos séculos
X I e X II. Assim a universidade de P aris nasceu do agrupamento dos
professores e alunos incorporados nas escolas da catedral de Notre-
Dam e e sujeitos à (Vireção do chanceler. Pouco a pouco a identidade
dos interêsses agrupou os professores em quatro facu ldades: teólogos,
artistas ou filósofos, decretistas e médicos;
b) A evolução dos estudos filcsóficos e teológicos. £ o que se vê
igualmente da fundação da universidade de P a ris: os estucTantes se
agruparam em redor dos mais fam osos teólogos da época- D o mesmo
m odo em O xford. As ordens m onásticcs apressaram-se era fundar ca­
sas na vizinhança das universidades a fim de dar aos súditos cultura
m ais com pleta;
c ) As condições da sociedade. Nessa época cessam as invasões,
a civilização toma-se estável; os povos podem entregar-se mais assidua­
mente aos trabalhos literários e científicos è às especulações filoètfficas-
A realeza, fortaTeqemlo-se pela aquisição de novas províncias, fa z desa­
parecer pouco a pouco as perturbações interiores suscitadas pela cubiça,
am bição e despotismo dos senhores cujo pocter se enfraquece aos pou­
cos. Os povos estão ávidos de saber. Cada govêrno fa z questão de
possuir belas escolas e de atrair os estudantes estrangeires. A s cruza­
das fazem conhecer tesouros literários e cientlfcos até então ignorados;
excitam uma nobró emulação nos trabalhos do espírito-

A Igreja e a fundação das universidades — A criação dàs


universidades tem sido considerada por alguns historiadores
como movimento de emancipação religiosa. Atribuíram, até,
a alguns dos fundadores dessas grandes escolas laivos de
ceticismo e de racionalismo. Nada mais falso. Luchaire
definiu exatamente aS universidades como “associações de
eclesiásticos organizados religiosamente (A Universidade de
Paris sob Filipe-Augusto, p. 15)” .* E acrescenta: “Não é
verdadé que a fundação das universidades designe, como se
tem pretendido, uma emancipação do espírito no domínio
religioso, nem que o “movimento universitário” tenha tido
por fim substituir, por corporações penetradas do espírito
leigo, as escolas clericais dos capítulos e das abadias. Pelo
contrário, o que é verdade é jque, tornando-se universidades,
as associações escolares se libertaram do poder eclesiástico
local para se colocarem sob a mão dos papas”. Com efeito,
os papas foram os fundadores das universidades francesas
da Idade-Média. Os professores foram eclesiásticos ou clé­
rigos. Eram eclesiásticas pelos seus regulamentos penetra­
dos de vida cristã, pelo seu ensino essencialmente católico,
pela jurisdição exclusiva da Igreja.

Organização das universidades — a) Constituição. A


constituição da universidade era geralmente outorgada pelo
papa. Em 44 universidades tundadas antes de 1400, diz o P.
Denifle, 31 estão de posse de uma carta papal. Quando o rei
concedia a constituição, agia sempre com aprovação da Igreja.
b) G overno. Um chefe com um , eleito todos os meses,
mais tarde de três em três meses, tinha o título de reitor.
Grandes honras lhe eram dadas; tinha até precedência sô­
bre os bispos. Era assistido por dois chanceleres, ambos cô­
negos, um dos quais conferia os graus da faculdade das ar­
tes; e o outro, os graus de teologia. Cada uma das quatro
faculdades tinha um deão encarregado de a representar.
c) C olégios universitários. Os colégios universitários
tiveram por origem doações feitas em benefício dos estudan­
tes pobres. Um dos mais antigos foi fundado em Paris por
R oberto Sorbon, em favor dos estudantes de teologia. Outros
colégios, m uito numerosos, foram construídos em Paris e
perto de tôdas as universidades. No século X V , criaram-se,
para os alunos d^ faculdade das artes, mais jovens do que
os das outras facu ldades' pensionatos chamados pedagogias,
os quais, em seguida, tom aram o lugar das antigas escolas.
d) Nações. Os estudantes estrangeiros form aram gru­
pos ou nações. Assim em Bolonha houve, a princípio, qua­
tro universidades: duas Cisalpinas com preendendo dezessete
nações e duas Transalpinas com preendendo dezoito. Em Pa­
ris, os estudantes, a partir de 1245, agruparam-se cm quatro
nações: a honrosa nação dos Gauleses, a ven erável nação de
Normandia, a fidelissim a nação de Picardia, a m uito cons­
tante nação dos Inglêses.

Privilégios — A s universidades e os seus estudantes go­


zavam de certos privilégios:
a) Isenção do serviço das armas, mas com certas ex ce­
ções. Assim, em Paris, os estudantes eram obrigados a tomar
as armas quando o inim igo já estava a cinco léguas da ca­
pital.
b) Dispensa ãe taxa, im postos e contribuições e até de
direitos de pedágio. No ponto-de-vista religioso, os privilé­
gios eram consideráveis Era proibido excom ungar um m em ­
bro da universidade sem a autorização da Santa Sé. Gre-
gório IX lhes outorgou o que chamaríamos hoje o direito de
g reve, autorizando os professores a suspender os seus cursos
quando a universidade fôsse lesada e recusassem fazer-lhe
justiça.
c) Jurisdição no seu próprio território. Felipe A u ­
gusto isentou a universidade da jurisdição do preboste de
Paris. Para a garantir contra as exorbitâncias da autorida­
de do chanceler de N otre-Dam e, o papa Inocêncio III de­
clarou que professores e alunos form avam verdadeira cor­
poração. Êsses privilégios se estenderam à m aior parte das
universidades.
d) D ireito ãe con ced er licença para ensino. Esta li­
cença dava direito de ensinar em tôda parte. As universi­
dades foram sem pre a favor da internacionalização de estu­
dantes e mestres e da liberdade de ensino. M ediante algumas
form alidades, quem quer que tivesse talento podia ser pro­
fessor; em principio, os estudantes não eram mais do que
uma preparação para o professorado.

Graus universitários — As universidades conferiam o


bacharelado, a licença e o doutorado.
Bacharelado. O m enino de treze a quatorze anos que
ia para a universidade punha-se sob a direção de um mestre
que ficava responsável pelo seu procedim ento e pelo seu
trabalho. Ficava assim por seis a sete anos estudando gra­
mática, retórica e dialética. Quando estava apto para definir
hs palavras e determ inar o sentido das frases podia enfrentar
o exame. Para esse prim eiro grau, as questões se referiam
principalm ente à Introdução de Porfírio, à Sintaxe de Pris-
ciano, aos Tópicos, à Fisica e à M etafísica de Aristóteles, às
D ivisões e aos Tópicos de B oécio. Sem deixar de continuar
os estudos, o bacharel tinha o encargo de explicar aos estu-
danteç mais novos algumas passagens do Organon.
Licença. Na origem a licença era uma permissão de
ensinar dada pelo chancheler da catedral. Mais tarde foi
ela o segundo título universitário. O exam e para êsse grau
consistia na explicação de vários textos à maneira dos mes­
tres. O licenciado tornava-se mestre em artes quando tinha
tom ado posse da sua cadeira e pronunciado o seu discurso
de abertura.
Doutorado. O nom e de doutor era dado aos mestres que
liam publicam ente o L ivro das Sentenças de P edro Lom bar-
do. Mais tarde foi dado após a defesa duma tese.

Faculdades — Uma universidade com pleta abrange qua­


tro faculdades: teologia, direito, m edicina e artes.
Teologia. A Faculdade de teologia era o fastígio dos
estudos universitários. A base do ensino era a Sagrada Es­
critura; e, depois, o L ivro das Sentenças e a Summa. O
estudante podia obter sucessivamente o bacharelato, a licen­
ça e o doutorado.
Direito. O curso de direito com preendia o estudo das
leis romanas, do código de Justiniano, das decretais dos
papas, e dos com entários dos vários doutores. Algum as
universidades se especializaram no ensino do direito civil:
Bolonha, Orléans, Tolosa, M ontpellier.
Medicina. Os estudos prelim inares levavam dois ou três
anos. «Êste prim eiro curso conduzia ao bacharelato. Eram
necessários em seguida cinco ou seis anos para chegar ao
doutorado. Em Cam bridge o estudante devia ser mestre
em artes; seguia durante cinco anos os cursos da Faculdade
e praticava a m edicina durante dois ou três anos antes de
receber o doutorado.
A rtes. O program a da Faculdade das artes era mais
extenso do que o das outras Faculdades. Com preendia o
que form a h oje a Faculdade de letras e parte da Faculdade
de ciências. Os estudos tinham por base as artes liberais
que se consideravam outros tantos degraus para se elevar
ao conhecim ento das coisas divinas cuja chave é a teologia.
“ O estudante, diz R oberto Sorbon, deve percorrer a estrada
que leva ao poço com o Isaac, isto é, passar pela ciência au­
xiliar antes de chegar à teologia” . Jacques de V itry acres­
centa: “ Cada ciência deve referir-se ao conhecim ento de
Jesus Cristo” .

As grandes universidades — A s universidades célebres


foram numerosas na Idade-M édia. Cum pre citar, na Itália:
Salerno, Bolonha, Nápoles, Rom a e Pádua; na França: Paris,
Orléans, M ontpellier, Tolosa, Cahors, Poitiers; na Inglaterra:
O xford e Cam bridge; na Alem anha: Praga, Heidelberg, Leip-
zig, Colônia e Erfurt; na Áustria: Viena; na Espanha: Sala-
manca, Palência, Valladolid, Siguenza; em Portugal: Coim ­
bra e Lisboa; na Bélgica: Lovaina; na Holanda: Leyde, etc.
Os estudantes eram m uito numerosos, na m aioria dessas
universidades. No século X III calculava-se em 30.000 o
núm ero dos estudantes de Paris. Na mesm a época, B olo­
nha contava 20.000. P ode-se avaliar o núm ero dos alunos
pelo dos profêssores. Em 1349 a lista da Faculdade das artes
da universidade de Paris dá 502 regentes; em 1403, 790. No
FÍnodo de 1406, falando Jean Petit em 1000 m estres em artes,
um assistente corrigiu-ó dizendo 2000. Juvenal des Ursins
diz acêrca de uma procissão de 1412: “ Fêz também uma, a
universidade de Paris; e, qUando os prim eiros chegavam a
Saint-Denis, o reitor estava ainda em Saint-Mathurim, na
rua Saint-Jacques” . Isso dá idéia de um préstito de estu­
dantes que se desenrolava por mais de 12 quilômetros.

Influência das uníversiditJes — As universidades foram


por tôda a parte centro de vida intelectual intensa. “ Em
certas ruas de Paris, diz Coville, não havia casa sem escola;
de todos os lados se erguiam as construções mais imponentes
dos colégios; por tôda a parte se ensinava e se discutia. A
vida se passava em longos com entários de autores e argu­
m entações ou disputas, tal é a palavra que foi consagrada.
Havia sessões solenes de argum entação na faculdade das
artes, nos colégios de Navarra e da Sor^ona onde êsses exer­
cícios se prolongavam até durante as férias” .
D eixando a universidade, os estudantes por tôda a parte
se faziam cam peões da instrução e da educação. Mas houve
outras espécies de influência: as grandes escolas estabele­
ceram relações entre jovens de nacionalidades diversas, de­
senvolveram certa largueza de espírito, contribuírem para
unificação de hábitos e costumes.- Ensinaram a lição, tão
necessária nessa época, da superioridade da razão sôbre a
fôrça bruta.
A s universidades im prim ;ram im pulso vigoroso às esco­
las preparatórias; a prosperidade do ensino secundário e su­
perior supõe naturalmente um grande desenvolv:m ento da
instrução primária. Quando se considera a m ultidão de co ­
légios de que se comnunham as universidades da Europa, o
grande núm ero de hôlsas a favor dos estudantes pobres, é
im possível não concluir daí a prosperidade das escolas ele­
mentares, pois que a adnrssão aos colégios universitários
não era concedida senão aos m eninos que já possuíam certos
conhecim entos.

B ibliografia — Buo. A z a r t a s , Fxtsay* eãn-a'ira-l. — O y'T,ope t>t a of


eãncalion, a rt. Vnivcrsitics, — D e x ifle , Die univenitatcn des Miítelalters,
I (Berlin, 1S 85 ). — P . Ker, N o s ãoctrin es classiques trartrtionnelles ( P a -
lis, 1 9 2 1 ). — L u c i i a i e e , i Univ.rsUé de Çaris »ous Philippr.Auguxte ( P a ­
ris, 1 8 99). — R a s i i d a l l , U n iv e n iiic t: o f E v r o p e ( O x f o r d , 1 8 9 5 ). — W a l s i i ,
The thirtecMh grealc.t of ctnlnvics, 4 e . éd. ( N e w - Y o r k , l i ü l i ) . — R o b e k t ,
Les ceahs et 1'cnseignement dc la théologic dans la pranière moilié du
X lle . sièeic ( P a r i s ) .

C A PÍTU LO X III

A EDUCAÇÃO F E U D A L : A CIVILIZAÇÃO Á R A B E : AS
CR UZADAS

Pelo décim o século organizaram -se escolas nos castelos


para educação dos jovens fidalgos. Preparavam -se aí os fu ­
turos cavaleiros para a missão que eram chamados a desem­
penhar. A educação feudal abrangia três períodos:
1. A n tes ãos sete anos, fazia-se na fam ília, sob a dire­
ção da mãe, que inspirava aos filhos a piedade para com
Deus, a obediência aos superiores, a cortesia, o amor à justiça
e à verdade, o respeito pelos fracos e velhos, a com paixão
pelos infelizes e oprim idos. Ensinavam-lhes leitura, escrita
e os elementos do cálculo. E xercícios físicos proporciona­
dos à sua idade desenvolviam nêles a fôrça e a resistência.
2 . A os sete anos, o jovem nobre deixava a casa paterna
para ir à côrte, se era da prim eira nobreza; para o castelo
do suserano, se era de classe inferior. Na qualidade de pa-
gem, de escudeiro, de donzel, prestava serviços vários e
acompanhava os castelães à caça e aos torneios.
Ocupações diversas enchiam -lhe o dia. Consagrava um
tem po determ inado ao estudo, à poesia, ao jô g o do xadrez.
Isso, porém , provàvelm ente o interessava menos do que a
esgrima ou a caça. A esgrima com preendia exercícios de
espada, lança e bastão. A caça era arte com plicada que se
dividia em dois ramos; a montaria e a falcoaria. Nas caça­
das o jov em senhor era encarregado de soltar e chamar o
falcão.
A educação m oral do jovem feudal era objeto de cuidado
particular. D evia adquirir maneiras distintas, penetrar-se
de horror à mentira, à duplicidade, à cobardia e cum prir,
fielm ente os seus deveres para com Deus. A form ação re­
ligiosa era confiada especialm ente ao capelão do castelo.
Durante as longas velas do inverno, o sacerdote contava
belas histórias da Bíblia, as maravilhosas vidas dos santos,
os sofrim entos dos m ártires e os trabalhos dos confessores.
Às vêzes, a vela tom ava outro caráter; chegara pela tarde
um prestidigitador com uma sanfona e até bem tarde na
noite escutavam -no avidam ente cantar as façanhas de Carlos
Magno, de Rolando e dos cavaleiros da Mesa redonda.
3. A os quatorze anos, o jovem senhor era escudeiro.
Nas grandes solenidades tom ava parte no séquito do caste­
lão e da castelã. Em casa aprendia a trinchar e servir as
carnes; e era incum bido tam bém de tratar dos cavalos e de
cuidar das armaduras.
Cada dia consagrava várias horas ao estudo;' o resto do
tempo, em pregava-o na sua educação física e militar. A
religião envolvia-o constantem ente em sua benéfica influên­
cia e com preende-se com o se form avam as grandes e nobres
almas de um G odofredo de B ouillon ou de um São Luís.
4. A os d ezessete anos, o escudeiro partia muitas vêzes
em expedições longínquas com o fim de praticar alguma
proeza brilhante antes de receber a ordem da cavalaria. A os
vin te e um anos, era armado cavaleiro. Antes de lhe cingi-
rem a espada, faziam -no jurar submisão a Deus e à Igreja,
devotamento ao rei e à patria, observância de todos os de-
veres feudais, proteção a tôdas as fraquezas, ódio à desleal­
dade e à mentira.
Tem-se querido fazer dos cavaleiros da Idade-Média
bárbaros ignorantes. A história prova, pelo contrário, que
a maioria era instruída e muitos se faziam os protetores das
letras quando hão eram seus iniciadores.

A civilização árabe — Os Árabes exerceram na Idade-Mécfra, certa


Influência s.ôbre a educação. Tendo-lhes os cristãos da Síria feito co­
nhecer a ciência grega, apaixonaram-se dela e fizeram traduções das
principais obras de ciência e de filrsofia a fim de as estudar e comen­
tar. Fundaram escolas em tocíos os países submetidos a seu dom ínio;
algumas foram célebres: Brgdad, Cairo, Alexandria* Fez, Córdova.
Granada, Toledo, Sevilha, etc. Cultivaram com êxito a medicina, a quí­
m ica, a ms temática e a geografia. Atribut-se-lhes a Introdução de
certas culturas n ovas: trigo mourisco, oliveira, amoreira, cana de açú­
car. Mas distinguirrm se sobretudo em filo s o fia : Avicenna (980-1037)
e. A vçrróes (1126-1198) adquiriram por seus .trabalhos renome que pe­
netrou em tôdas as grandes escolas. O prim eiro foi grande admirador
de Aristóteles. Escreveu, glém de comentários, grande número de obras
originais. Os escolásticos o consideram sobretudo como um dos mais
fiéis intérpretes do Estagirita. O segundo passa por um dos maiores
filósofos da Idade-Média; Publicou tratados de medicina, de astrono­
m ia e de filosofia. Mas o seu mérito principal é o de ser oi comentador
da enciclopéctia aristotélica.
A influência dos Árabes tem sido muitas vêzes exkgerada. Não se
deve esquecer que, em seu princípio, o islam ism o é oposto ã ciência. “ O
que distingue essencialmente o mundo muçulmano, diz Renan, é a per­
suasão de que a investigação é inútil, frívola, quase ím p ia ; ímpia a
ciência da natureza porque é uma concorrência feita a D eu s; ímpia a
ciência histórica, porque, ap lican d oa a tempos anteriores ao Islam,
poderia resvivar antigos erros. Conseqüências: a preguiça do espírito,
a indiferença tornam se virtudes” . Deus sabe melhor ccm o é “é a úl­
tima palavra em tôda discussão muçulmana (Conferência na Sorbona
a 29 de m arço de 1888, inserta nos Discursos e conferências)” .

• A s Cruzadas — Os resultados intelectuais das Cruzadas foram de


mais de uma espécie. O Ocidente tom ou' contacto com c b sábios gregos
e os monges sírios que haviam transmitido aos Árabes os conhecimen-
tos dos Gregos e <?os Indus. Verificou os imensos tefouros acumulados
na biblioteca de Constantinopia. A conseqüência imediata foi um surto
para o estudei dos autores antigos.
As relações com os povos do Oriente desenvolveram várias correntes
de idéias. A vista de pafses desçor.hecidos, a arquitetura bisantina- os
conhecimentos práticos dos sarracf. os. o sen a rd -r peln a ru ;s i'ã o da
ciência, os seus êxitos na poesia e filosofia, tudo isso criou nas nações
ocidentais novo ideal, rr/vas aspiraçces, desejo de adruirir conhecimen­
tos oue podiam tornar a vida mais rgradável. Resultou dai m aior
impulso em fav or dos estudos e cs jovens afluíram a tocíos os centros
intelectuais.
A s lendas orientais penetram nas literaturas enrorvMps e as ani­
mam com novo sôpro. Nesta época aparecem em m aior nrtmern. poetas
e historiadores e as primeiras durs obras nrimas históricas são escritas
por dois cru z a d c c : Villehardouin e Joinville.

PM ioprí*f:a — R. P. BíTWARn. L 'enseif/nement elêmentaire en Frrnce


aux X le . et X IIc. siè^les, ch. V (Paris, 1894). -— C r o n i f h . Chivalry (Lon­
dres, 1901). — Cyclopedia o f eãura/ion. a.rt. arabir ertu-ation. — L. Gau-
tier. La ChevaUrie. — 'J. •Gum*.rD, Binto-'re partirfe, histoire vrai», T,
Ch. XXIT. — M onroe. Text booh in lhe hisfory o f cãuwticn, pa*. 284. —
O rtola n , Savants et chréHens. — Eibetia. La Envrnanza entre loa Mu-ul.
manes erpanoles (Saragosse, 1893). — P e W ü ij. Histoire de la philosophie
méãiévale, p. 272. — H u art) Histoire des Árabes.

CAPÍTULO X IV

EDUCAÇÃO DAS MULHERES NA IDADE-MÉDIA

Na Idade-Média a educação dos rapazes foi mais cuida­


da do que a das moças; a Igreja se preocupava antes de
tudo com a formação da mocidade no meio da qual se recru­
tavam os seus ministros. Mas, diz Jourdain, até nas épocas
mais sombrias da nossa história, desde a queda do império
romano, nunca a instrução das joven s foi negligenciada.
A inda que faltassem provas históricas, a razão o afirmaria
a priori. O cristianismo tinha reerguido a condição da m u­
lher; tornara-se, aos olhos dos verdadeiros crentes, igual ao
hom em perante Deus. A inda mais, o povo cristão, tinha
concebido pela Virgem , m ãe do Salvador, tal amor que, pela
veneração que lhe tributava, ia outorgar à m ulher honras
desusadas.
Mas as provas históricas existem. A Igreja se preocu­
pou com essa educação desde os prim eiros séculos e desde
cedo se faz m enção de m ulheres notáveis. Febrônia, supe­
riora do m osteiro de Nísibe, no terceiro século, era célebre
pela profundidade da sua ciência ascética, e pelas pregações
eloqüentes que ela dirigia às matronas da cidade ( M onta -
l ^ m e e r t , M onges do O cidente, I, p. 54). Santo Agostinho,
Sto. A m brósio, nos sermões ad virgin es, recom endam v iva­
mente o estudo das Sagradas Escrituras. Algum as cartas
de S. Jerônim o contêm todo um plano de educação. É para
Paula, M arcela e as suas companheiras que em preende a
tradução da BíMia. A regra de S. Cesário de Aries exigia
cue tôdas as religiosas soubessem ler e prescrevia consagrar
duas horas por dia à> leitura. Sob a direção do santo bispo,
duzentas rel:g :osas se entregavam à copia de manuscritos.
O m oste;ro de Kildare, na Irlanda, foi durante a vida e vá­
rios séculos após a m orte da sua fundadora, Sta. Brígida,
uma escola tanto de c :ência quanto de virtude. O m osteiro
de Santa Cruz de Poitiers foi célebre pelo estudo das belas
letras. A fundadora, Sta. Radegunda, conhecia o grego e o
lat'm : as reclusas copiavam as obras primas da antiguidade
clássica. As filhas de Carlos M agno tom avam parte nas
reuniões da A cadem ia palatina. Dodana, duqueza de Sep-
timânia, mandava instruções por escrito aos filhos e lhes
recom endava oue form assem uma biblioteca para si. No
tem po do feudalism o muitas m ulheres se gabavam dum gran­
de am or pelos versos; no núm ero dos trovadores contavam -
se dezessete poetisas quase tôdas da mais nobre linhagem.
A s escolas beneditinas foram os prim eiros estabeleci­
mentos abertos às donzelas. As religiosas desta ordem ti­
nham, nàs suas abadias, duas escolas, uma interior para fo r­
mação das noviças e outra exterior para as m oças que não
se destinavam à vida religiosa. No século X II originaram-
se vários m osteiros òu ordens que se ligavam às beneditinas:
a Congregação de Fontevrault, que possuiu núm ero consi­
derável de casas, e as Cistercienses ou Bernardinas. O Pa-
ráclito, na diocese de Troyes, ficou célebre com o casa de
estudos.
A História literária inform a-nos que os estudos das re­
ligiosas foram m uito elevados e até exagerados. Durante
longos séculos só se aceitaram à profissão religiosa as jovens
que conheciam o latim. Estavam, portanto, bem preparadas
para o ensino.
Escolas de moças, dirigidas quer pelas Beguinas quer
por senhoras leigas, estabeleceram -se nas comunas à medida
que estas obtinham a sua em ancipação. A instrução não era
dada somente nas escolas mas tam bém nos lares. O exem ­
plo do cônego Fulbert que tom ou um preceptor para com ­
pletar a educação de sua sobrinha não era caso isolado.
O ensino, no grau inferior, com preendia leitura, escrita,
noções de catecism o, as orações essenciais e instruções sôbre
o m odo de ouvir missa. O program a era, em geral, mais
elevado. Com preendia, além do que se acaba de m encionar,
a recitação de romanças, cantos, música instrumental (harpa
o viola) e os trabalhos particulares das mulheres: costura,
tecelagem , bordado e pintura. Para as nobres acrescentava-
se um tanto de astronomia e de falcoaria, a ciência do xadrez
e dos dados e, enfim, conhecim entos de medicina, para tratar,
de volta de um torneio, caçada ou com bate, dos cavaleiros
feridos.
Esta instrução m ediana bastava às necessidades bem
com o à curiosidade literária e científica. Certos mosteiros,
porém, organizaram estudos superiores e tornaram-se, na
expressão de M ontalem bert, “ as escolas normais das outras
abadias” . Citam-se particularm ente as de Roncerai, perto
de Angers, a da Trindade, em Caen, a de A rgenteuil, perto
de Paris, a de Belém, na diocese de Utrecht, a de Dartford,
de C arrow e de W inchester, na Inglaterra. A s religiosas
que davam êsse ensino eram, por conseguinte, m uito ins­
truídas. B ertile dava, em Chelles, no século VI, lições de
Sagrada Escritura que atraíam auditórios numerosos. Sta.
Lioba discorria acertadamente sôbre tôdas as ciências do
septivium . A religiosa irlandesa H ilda era autoridade nas
cidades monásticas do seu país. Roswitha, abadessa de Gan-
dersheim, sabia latim, grego e os princípios da filosofia.
Escreveu seis dramas cristãos, uma história do im perador
Otão V I e um poem a sôbre a fundação da sua abadia. As
religiosas de Saint-Pierre-aux-N onains, em Metz, estudavam
os livros sagrados, o cálculo, os cânones, as hom ilias dos
Santos Padres e as leis civis. A abadessa H errade conden­
sou tôda a erudição do seu tem po no seu H ortus ãeliciarum,
m aravilha de arte e prodígio de ciência. A s religiosas in-
glêsas distinguiram -se pela sua erudição; quase tôdas co ­
nheciam o latim e o grego; os grandes escritores da antigui­
dade lhes eram familiares. A maravilha da Idade-Média
foi, sem contradição, Sta. Hildegarda, religiosa alemã, con­
selheira de reis e de príncipes, de bispos e de doutores.
Escreveu vidas de santos, com entários sôbre a Bíblia e tra­
tados sôbre tôdas as ciências: mística, ascética, moral, teo­
logia, herm enêutica, m edicina, farm ácia, física, história na­
tural, m etalurgia, astronomia, m eteorologia, geologia, etc.
O seu Tratado de física não tem m enos de trezentas páginas
in-fólio. Todos os seus trabalhos são notáveis pelo m érito
científico.
B i b . i o g r a f i a — B e r n a r d , L 'em cignem ent prim aiti cn F ra n c e aux X l e .
e t X l l r . s iè clcs . c li. V I I I . — L u c i e F . F . G o t a d , C hrixtianism c e t eu ltu re
fc m h u n e ( P . , 1 0 1 4 ). — GtnEATTD. H isto ir e p a r tia 1 , e, h isto ir e r r a ie , I . <h.
X X . — .TotiRDAiN, M c m o ir : sur l ’érh toat:cn ã es frm m ^ x au m oyrn nrje ( M é -
m o ir e s d e 1’ A e a d ó m ie d es I n s e r ip t io n s , I , tnme X X V I T ) . — O r t o l a n , S a-
v a n ts et e h r ítie n s p. 447. — R o u s s e l o t , T lislo ire de 1’ c ã u ra tion des f e m .
m es cn F ra n c c , I ( P a r i s , 188'3). — P . P r a n c h e , S a in te H ü d :g a r ã e .

C A PÍTU LO X V

ORG ANIZAÇÃO DO ENSINO NA ID A D E -M É D IA

1 — Curso de estudos

Nas escolas elementares, o curso de estudos com preen­


dia religião, leitura, escrita e cálculo. O program a religioso
era determ inado pela autoridade eclesiástica. O m enino
devia conhecer a oração dom inical, a saudação angélica, o
sím bolo dos apóstolos, o decálogo, os preceitos da Igreja, o
m odo de se confessar em latim, e em língua vulgar, o cate­
cismo e os fatos principais da história sagrada. A religião
penetrava todo o ensino; as ciências eram referidas a um
objeto único, a um m esm o fim : o conhecim ento de Deus.
Os mestres dedicavam -se particularm ente a form ar a cons­
ciência, a dar a com preensão e o am or do dever. A con­
fissão, a com unhão e as práticas religiosas operavam nos
meninos adm iráveis transform ações morais. A Igreja não
perdia de vista a form ação do cidadão: ensinava tôdas as
virtudes sociais: aos poderosos aconselhava o uso m oderado
do poder, a bondade para com os humildes, a justiça para
com todos; aos fracos pregava o respeito à ordem estabele­
cida, a paciência e a resignação cristãs.
Leitura. Ensinava-se a ler em latim. D epois da Cruz
ãe Deus ou A lfabeto, liam os ofícios do dom ingo; e, depois,
o saltério. Os alunos mais adiantados liam a Bíblia, deci­
fravam cartas e manuscritos. A estas obras acrescentava-se
um código de civilidade, resumos de gramática e coleções
de sentenças sob form a de m etrificação. Os Dísticos de Ca­
tão, bem com o as Fábulas de A viano e de Fedro postas em
prosa foram clássicas por longo tempo.
Escrita. A arte de escrever tinha grande im portância
na Idade-M édia; as capitulares insistem freqüentem ente na
necessidade de a ensinar aos alunos com cuidado. Mas o
mestre-escola, que era geralm ente o escrivão da vila, não
em pregava senão zêlo m edíocre, muitas vêzes, em form ar
calígrafos hábeis, cioso com o era de conservar a preem inên-
cia numa arte que o punha em evidência e lhe dava aumento
de salário.
Cálculo. O cálculo l:mitava-se à num eração e às opera­
ções fundam entais: Os alunos mais adiantados aprendiam
a calcular o calendário eclesiástico.
Os estudos secundários com preendiam , com o vimos, o
trivium e o quadrivium. D em os alguns porm enores da ex ­
tensão e do espírito dêsse programa.

Trivium — a) Gramática. No ensino da gramática com ­


preendia-se tôda a form ação literária. . Depois do estudo
dos elementos, entrava-se nos manuais mais sábios de Donat,
Prisciano, Isidoro de Ssvilha, R em 'gio de A uxerre. Depois
vinha o estudo dos autores. Prudêncio era geralm ente es­
colhido para o princípio. V irgílio e Lucano eram m uito
difundidos. Os autores mais apreciados eram Cícero, Quin-
liliano, Estácio, Salústio, Tito Lívio, Sêneca, Horácio, Juve­
nal; acrescentavam -se alguns autores m edievais: G regório
de Tours, Orósio, Boécio. Os cristãos da Idade-M édia admi­
ravam os grandes clássicos da antiguidade. Havia entre êles
Virgilianos e Ciceronianos entusiastas. Apreciavam , sobre­
tudo, nos autores gregos e latinos, esse caráter de im perso-
nalidade e universalidade que faz dêles homens de todos os
tempos e de todos os países, e tam bém aquela nobre sim pli­
cidade que os coloca ao alcance dos espíritos menos exerci­
tados. Não obstante, não se liam senão com precaução, fa­
zendo uma escolha delicada. Os frades e os sacerdotes viam
na criança um “ Deus em flo r ” , e rodeavam dos mais tenros
cuidados êsse ente tão débil mas tão grande pelo destino.

b) Retórica. Estamos menos inform ados quanto ao


programa de retórica. Seguia-se Quintiliano, C ícero ou com ­
pêndios imitados dêstes dois autores. K urth diz que as
aplicações consistiam essencialmente em exercícios de reda­
ção sob temas dados. Redigiam diplomas, escreviam cartas
com o nom e de tal ou qual personagem, sôbre esta ou aquela
questão, e êstes exercícios, quando bem feitos, foram tom a­
dos mais de uma vez por verdadeiros docum entos históricos.
(N otger de L iège, I, p. 279). Em muitas escolas eram estu­
dadas as regras com vistas à pregação, e ^ com posição de
sermões servia de exercício de aplicação.

c) Dialética. Sob o nom e de dialética com preendia-se


todo o ensino da filosofia. A arte de raciocinar era, na Idade-
Média, a arte das artes, a ciência das ciências. No século
X I form ou-se a filosofia escolástica aue se tornou a filosofia
tradicional da Igreja. No século X III o curso de dialética
com preendia lógica, física, m etafísica e moral.
O ensino se ministrava sob form a de lições e de discus­
sões. O professor tom ava por base um texto que explicava.
Nas discussões procedia-se por objeções e respostas. Todos
eram convidados a tom ar parte na discussão.

Quadrivium — a) Aritm ética. Tinha-se em grande aprê-


ço a aritmética. Ignorá-la, dizia Cassiodoro, é assemelhar-
se ao animal. Uma parte da im portância que se lhe dava
provinha da crença no “ valor m ístico dos núm eros” . Em­
pregavam , para o ensino, o ábaco espécie de contador m e­
cânico. Antes do século X I serviam-se dos números ro­
manos e os cálculos eram m uito com plicados; estas dificul­
dades dim inuíram com o em prego dos algarismos árabes
e da num eração decimal. A Igreja im pôs estrita obrigação
aos clérigos, frades e até às religiosas, de estudarem o cál­
culo.
b) G eom etria. Sob o nom e de geom etria com preen­
dia-se o estudo das proposições elem entares de Euclides,
aplicáveis às figuras planas consideradas na agrimensura,
o m odo de m edir a altura de uma m ontanha, a profundida­
de de um poço. Em certas escolas uniam à geom etria
noções de geografia.

c) Astronom ia: O program a de astronomia reduzia-


se à teoria dos astros e ao cálculo do calendário. Os m es­
tres serviam-se, sobretudo, do astrolábio. Os m onges de
São G all construíram um globo terrestre. Atribui-se a
G erbert a invenção de uma espécie de lente astronômica
porque, con form e o testem unho dos seus contemporâneos,
observava os astros “ através de longo tubo” .

d) Música. Na Idade-M édia considerava-se a música


com o a prim eira das artes. Sto. Tom ás de A quino dá-lhe o
lugar de honra e considera-a a mais nobre das ciências e
obra de razão antes que de sentimento. Nas escolas dava-se
aprêço sobretudo à filosofia da música, a suas relações com
a aritmética, à harmonia dos astros e às leis da acústica.
Sob o nome de música com preendia-se, às vezes, o conjunto
cias belas artes: canto, desenho, pintura, escultura e arqui­
tetura.

Encino su jerior —• M uito antes da criação de universi­


dades, o ensino teológico estava organizado nas escolas m o­
násticas e nas escolas catedrais. A teologia era considerada
a rainha dos estudos; com portava estudos suplementares:
Sagrada Escritura, liturgia, exegese. A o fundarem -se as
universidades o direito canônico foi ensinado a todos os clé­
rigos. O direito civil teve as suas universidades titulares:
i3olonha, Orléans, M ontpellier, etc. Os estudos de m?dicina
desenvolveram -se a ponto de necessitarem uma Faculdade
especial. As ciências físicas e naturais e a m ecânica eram
estudadas a fundo; sabcm o-lo pelos conhec;m entos m uito ex-
tensos dos grandes escolásticos. A s relações que se estabe­
leceram com os Sarracenos, Sírios e Gregos, deram impulso
no estudo das línguas orientais: grego, hebraico, árabe, cal-
daico. As belas artes, enobrecidas pela inspiração cristã e
animadas pela Igreja, atingiram rara perfeição.

2 — D .reção e cicciplina

O d retor (écolâtre, em francês) — Tinha êle a direção


das escolas da diocese. A princípio era designado- pelo bispo.
As suas funções consistiam em exercer vigilância sôbre os
estabelecim entos de instrução, sobretudo no que dizia res­
peito à escolha dos mestres. Era êle quem concedia, em
nome da Igreja, a licença de ensinar aos candidatos achados
dignos de instruir a juventude e de a form ar nas virtudes
cristãs. Havia tam bém um diretor em todos os mosteiros.
Os professores — Ninguém podia ensinar sem licença
concedida pelo d ;retor. Escolhiam-se os professores com o
m aior cuidado. D eviam distinguir-se por conduta exemplar,
fé isenta de tôda heresia, conhec'm entos sólidos e aptidões
profissionais suficientes. Não se desdenhava o hom rm sá­
bio, mas preferia-se o hom em honesto convenientem ente
instruído.
Na m aior parte das nossas antigas províncias a situação
material dos professores deixava pouco a desejar (A llm n ,
A instrução primária na França antes da Revolução, p. 142).
Recebiam abono para a instrução dos indigentes e retribui­
ção escolar que variava segundo a idade e a capacidade in­
telectual dos alunos; além disso, uma com pensação pelo
aquecim ento lhe era paga se os alunos não forneciam o com ­
bustível. Os serviços que prestavam à Igreja, ersm -lhes
igualm ente retribuídos. Se em certas localidades a sua si­
tuação era precária, constituía isso exceção.

Organizarão escoar — Durante varios séculos davam-se


as aulas np igreja e no presbitério. Antes do século X III
fizeram -se construções especiais para a separação dos sexos
e das várias divisões.' A s escolas episcopais eram construí­
das nos claustros da catedral. Quando havia fundação, as
aulas eram dadas em casas cedidas para êsse fim ; às vêzes
eram dadas nas igrejas e capelas, com o provam as proibi­
ções publicadas pelos bispos. Muitas vêzes, o mestre e a
mestra reuniam os alunos cm suas casas ou no prim eiro local
que se lhes deparasse. ( Dicionário de pedagogia, art. Nor-
m and ia).
A s classes só com preendiam pequeno núm ero de alunos;
geralm ente não passavam duma dezena. Os alunos eram
colocados, por ordem de mérito. A em ulação era ardente
quando estimulada por m estre zeloso. No ensino seguia-se
o m étodo individual; contudo, em certas escolas, serviam
monitores.

Gratirdide — Na Idade-M édia a gratuidade era real e


não' de superfície com o atualmente. Prescripções m uito an­
tigas ordenam aos padres das paroquias rurais que dêem
instrução com cuidado igual aos m eninos de tôdas as con­
dições e gratuitamente. “ Em teoria, diz Luchaire, a Igreja
recom endava até aos professores das grandes escolas que
não exigissem salário algum. Na prática, entretanto, fazia-
se distinção. As escolas de abadias davam e podiam dar
instrução g ra tu ita ... A s escolas episcopais e catedrais nada
reclam avam dos clérigos de famílias pobres; pediam, porém,
aos joven s nobres. A exigência era legítim a” .
O corpo docente era convidado a dar m eios de subsis­
tência aos alunos que não os tinham. Fulbert de Chartres
escrevia ao am igo Hildegaire: “ V ê que os alunos não sofram
fom e nem falta de roupa” . Na m aior parte das escolas m o­
násticas, não somente ricos e pobres, servos e livres, rece­
biam uniform em ente as lições por caridade, mas muitos
alunos sem recursos eram sustentados pela comunidade. A
abadia de Salzburgo tinha m andado gravar à porta de en­
trada o seguinte verso que proclam ava a gratuidade do en­
sino: “ D iscere si cupias, gratis quod quaeris habebis” .
Em certas épocas o desejo de ajuntar dinheiro se tinha
apoderado de alguns professores. A belardo, sobretudo, ven­
dia as suas lições por bom preço. Outros sub-alugavam as
escolas que mantinham. O con cilio de Londres (1138) fêz
cessar êsse abuso por uma proibição form al. Em 1179, o
con cilio de Latrão deu solene consagração ao princípio de
gratuidade. Em muitas escolas era assegurada pelas eco­
nomias dos clérigos, pela fundação de bôlsas e pelo benefício
de generosos doadores. Encontram os nas constituições da
Idade-M édia numerosas doações feitas com essa expressa
declaração: A d ãocendum puerum .

Disciplina — A lguns historiadores representam a vida


dos alunos, nessa época, com as côres mais negras. O seu
fim é evidente: lançar o descrédito sôbre o s mestres, porque
eram clérigos ou bons cristãos. Sem dúvida, a disciplina era
severa e pecava-se talvez m enos vêzes do que h oje por de­
masia de mansidão; sem dúvida — e devem os deplorá-lo —
alguns m estres abusaram da vara com o haviam abusado os
G regos e os Romanos, com o abusaram os mestres da Renas­
cença e dos séculos seguintes e com o, infelizm ente, abusam
ainda alguns mestres dos nossos dias. Êstes abusos fizeram
se notar nas escolas das aldeias ou nos arrabaldes das gran­
des cidades; nas escolas dirigidas por eclesiásticos ou reli­
giosos, a disciplina era geralm ente m antida por uma suave
firm eza. Educavam -se os m eninos para o futuro; tratá-los
com demasiada condescendência teria sido crueldade. Os
mestres não achavam que fôsse m oral subtrair às raízes da
ciência a sua amargura e à vida cristã os seus espinhos e
cravos. Esta educação forte foi fonte de robustas virtudes.
A recom endação dos santos e dos fundadores de ordens,
foi sempre a doçura. E num erosos docum entos provam que
a bondade foi a virtude dom inante dos educadores da Idade-
Média. Aliás os seus alunos o têm proclam ado altamente;
recordavam com prazer os dias felizes que tinham passado
nas escolas. A inda aqueles que haviam sido tratados um
tanto duram ente não deixavam de testemunhar aos mestres
que os tinham castigado justamente, a sua sincera gratidão
pelos bons serviços que lhes haviam prestado.
A disciplina era facilitada por num erosos m eios de em u­
lação, pelo canto, suetos, passeios, representações e sobretudo
pelos m eios que a religião inspira. Era ainda facilitada pela
dedicação dos mestres e pelo afeto profundo e sobrenatural
aue tinham pelos alunos.

t!i! [‘ ogrnfla — A l l a in , L 'c n s"ig n c m e n t prim aire cn Francc art ml la


líív o lu tio n (P ri?, 1 8 8 1 ). — B r r n a r d L ' i nsciç/ncmcnt p rim a irj cn F ra n ce
a v x X I c . ct X I I c , M M c * . — C l e r v a l . Lc.i cco 'c .s dc C h a r t r s au m oycti
âp c ( P . lS!>r>). — <'u< C k h. ii oh X I c . :.ic h , 4 r. cilitmn ( A u t u a ,
1 8 8 5 ) . — K i - r t h , X c lç /c r i!c L i tf/r , I ( B i u x o llo s , P e w e t ) . — L e o o y d e l a
M a r c h e , L c trrizicm r x 'è r'c li^tcrairc ct ,s"‘í n ’ ifu pic (P a r is , 1 8 8 7 ). —
O r t o l a n , S a v a n l x ct chrc icnc. — W a l s i i , T h e t h i r t i c n t h g rca tcst o f ccn-
htrics , 4c. éd. ( X . Y . 1 9 12).

C A PÍTU LO X V I

EDUCADORES E ESCRITORES DO PERÍODO


ESCOLÁSTICO

I — G e r ò e r t (7 -1 0 0 3 )

Gerbert, oriundo da Aquitânia, recebeu o hábito reli­


gioso r.o convento de São Geraldo, em Aurillac. Depois de
haver esgotado os conhecim entos dos seus mestres foi para
Espanha a fim de se aperfeiçoar nas ciências; não, entre os
Árabes, com o se repete com demasiada freqüência, mas na
escola episcopal de Vich. O bispo dessa cidade o apresentou
ao papa que o encarregou de ensinar aos Italianos as artes
liberais. G erbert dirigiu em seguida a escola do palácio dos
Otões e, depois, as cscolas de R e'm s e de Paris. T eve por
aluros Otão I e Otão II da Alemanha, R oberto o Piedoso e
o célebre A bdon, abade de Fleury. Nom eado arcebispo de
Ravenna, sucedeu, em 999, ao papa G regório V.
O principal título de glória de G erbert é o de ter sido
o restaurador dos estudos, sobretudo das ciências exatas.
A tribui-se-lhe a invenção do zero, invenção que revolucio­
nou o estudo da matemática. C olocou em plena luz a nu­
m eração dec:mal, escreveu para os alunos um tratado sô^re
o á^aco em que em prega os algarismos árabes para faciTtar
com binação dos núm eros: dêle são ainda tratados sôbre
a m ultivlicação e divisão, nos quais introduz frações e nú­
meros fracionários.
O seu tratado de geom etria era apreciado pelo m étodo e
pela clareza. D eixou diversos trabalhos sôbre o astroláNo,
os quadrantes solares e a construcão de esferas celestes. Em­
pregou ccm êxito os m étodos concretos. Ensinou geometria
por m eio de figuras oue tornavam ma!s sensíveis as suas
demonstrações. Constru;u um ábaco, plobos terrestres e
esferas celestes de grandes dimensões, das nuais se servia
para explicar os fenôm enos astronômicos. Fie próprio ob­
servava os astros com uma espécie de óculo astronômico.
Tinha inventado um relógio de rodas, euio m ov:m ento regu­
lava pela rotação aparente das constelacões em redor da
estrêla polar, e um órgão hidráulico m ovido pelo vapor.

F * i ! v o r r c f * — GlTTRAFD, TTvtnirr p arlia lr, h istrirc rra ir , TI. o h . TI.


— TT \t:r6at*. TTisfoir*> dr la p ^ ilo w n lr e aro V.s* ?>»'', T. p. 210. — ( P i r í s ,
I f f S O ) . — O r t o l . ^ n . Srva n ’s rt cVrcIirns, — F . P t c a v e t , G rb rrt , un pape
pln1físophr (P n r i s . 1 S 97 ). — P. M a n f j o n t , iJ lyfoir? des mathcm atiqvcR dons
V an tiqu U c rt ru v u y c n â gc ( P o m o , 1 8 7 5 ). D e l a S a l l e d e I í o c ü e m a u r e ,
G erbert (P a r i s , 1 9 22).

II — Sto. Anselmo (1033-1103)

Sto. Anselm o, nascido na Itália, foi discípulo do célebre


Lanfranco, na abadia du Bec. Sucedeu-lhe na direção da es­
cola e no governo do m osteiro; por últim o foi arcebispo de
Cantuária. Êsses dois ilustres beneditinos são considerados
os fundadores da escolástica. Lanfranco esboçou tal m éto­
do; Anselm o o aperfeiçoou e o aplicou ao seu ensino e às
suas investigações filosóficas.
A escola du Bec, sob a direção de Anselm o, foi foco de
riência onde floreceram as artes liberais, os estudos filosó­
ficos e teológicos. A lunos da França, Gasconha, Bretanha,
Flandres, Itália, se com prim iam em volta da cátedra dêsse
m estre incom parável. A s suas doutas lições os arrebatavam
aos altos cum es da ciência, às questões mais difíceis da fi­
losofia e da teologia, que se esforçavam por resolver pelo
concurso dos princípios da fé e das luzes da razão.
Os trabalhos de Lanfranco e de A nselm o levaram a fi­
losofia a uma nova era. “ Com êles, em erge das sombras
que a conservavam oculta, havia m uito tem po; graças a um
estudo de A ristóteles inteligentem ente dirigido, purificado
no cadinho da fé, desem baraçada das suas escórias, sobe, por
ensaios progressivos, às esferas elevadas que, no século XIII,
iam ilum inar-se de tôdas as claridades dos mais ilustres
gênios cristãos” . (M ons. P aquet, A Igreja e a educação,
p. 67).
Sto. A nselm o foi teólogo profundo. Um universitário,
M. Duruy, prestou-lhe hom enagem nestes têrmos: “ Sto.
A nselm o estabeleceu-se no coração do dogm a cristão e en­
vidou as fôrças do seu poderoso espírito e todos os recursos
da dialética em dem onstrar-lhe a verdade. Êle procede com
o rigor de Descartes; e^a famosa prova da existência de Deus
dada pelo pai da filosofia m oderna, quando se eleva só de
fato do pensam ento ao ser absoluto que encerra a razão e a
origem do mesmo, não passa de argum ento de Sto. A nselm o” .
(História da Idade-Média, p. 254).
Em pedagogia, o ilustre m estre reage contra a rudeza
excessiva de alguns educadores do seu tempo. Na escola
d o Bec, com preendiam -se adm iravelm ente os graves cuida­
dos da educação. A form ação do espírito e do coração era
objeto dos cuidados mais absorventes. Os religiosos inspi­
ravam aos alunos sentimentos profundos de fé e de honra.
Para os corrigir preferiam , aos rigorès da vara, as influên­
cias persuasivas da doçura e da razão. Tratavam-nos, diz a
História literária (vol. VII, p. 75-76), com o plantas novas que
para se expandirem em bela e forte ramagem, precisam de
luz e de espaço; consideravam -nos com o metal que não recebe
form a só pelo m artelo mas que exige polim ento com instru­
m entos mais suaves.

B i b l i o g r a f i a — D o m e t d e V o r g e s , Saint Arnclme (P a r is, 1 9 0 1 ). —


P . K a g e y , Eistoire de Saint Anselmc, 2 v o l. ( P a r i s , 1 8 9 0 ). — Bcvue ãe
philosopJde, n.o (le dée 190!), consacré à saint Anselme. — D e W u l f , Uis-
toire de la philosophie meãicvalc, p. 184.

III — Abelardo (1079-1142)

A belardo foi dos mais ilustres professores do século X II.


Após estudar filosofia, com G uilherm e de Champeaux, ata­
cou-o na questão dos universais, venceu-o e fundou, às portas
de Paris, sôbre a montanha de Sta. G enoveva, uma escola
que contou m ilhares de estudantes. A sua fam a foi tal que
chegou a reunir, em tôrno da sua cadeira, cinco m il ouvin­
tes. Infelizm ente deixou-se inebriar pelos aplausos duma
multidão entusiasta. Daí o orgulho que foi o princípio dos
seus extravios e dos seus erros doutrinários. A belardo foi
condenado por varios concílios; subm eteu-se às suas decisões
e acabou os dias nos sentimentos da mais sincera penitência.
No século X II, os escolásticos form avam duas categorias:
os realistas e os místicos. Os prim eiros, representados por
Abelardo, davam im portância demasiado grande à dialética
e cuidavam menos das demais disciplinas do septivium . Os
segundos, cu jo chefe, era Hugo, abade de São Vítor, susten­
tavam a necessidade de um curso com pleto de estudos libe­
rais e afirmavam , com razão, que o trivium , pelo exercicío
e os conhecim entos que dava ao espírito, era excelente pre­
paração ao estudo da lógica.
O ensino de A belardo era, portanto, baseado no m étodo
dialético. Uma das suas obras, Sic et non, dá-nos do mes­
m o a idéia mais perfeita. Reuniu nessa obra, a propósito
de 150 questões teológicas, uma coleção de textos hauridos
nas Escrituras e nos Santos Padres. É uma exposição do
pró e do contra que, longe de em preendida ccm segundas
intenções de cético, serve de prelim inar a um trabalho de
harmonia, devendo explicar-se as contradições aparentes por
distinção de têrmos, por diferenças de tem po e de lugar. O
f'm que colim a é didático: reunir materiais de discussão
para os exercícios dialéticos em teologia, destinados aos
principiantes. Já vim os que propõe os assuntos em form a
de interrogações. Não é o inventor do processo, que já apa­
rece entre os canonistas do século X I, mas deu-lhe larga
expansão nas escolas. O m étodo será retom ado pelos su-
mistas; e, os escolásticos do século X III, lhe darão a perfeição,
fazendo seguir a exposição do pró e do contra de uma ex ­
posição sistemática (D e V / u l f , História áa filosofia m edieval,
p. 223).
Esta maneira, cum pre confessá-lo, avizinha-se um tanto
do ergotism o, o que já é. para a escolástica, uma decadência
e um encam inham ento para a sofistica. Mas os m éritos de
Abelardo, ccm o professor e iniciador, são inegáveis. A per­
feiçoou o m étodo e^colástico; e, se daí resultaram abusos, é
im possível desconhecer os seus brilhantes resultados cientí­
ficos.
B i b l i o g r a f i a — • P i c a v e t , A b f l a r d e t A l ? » . He JTalcn, fondateur.i ãe la
m cth od e scolcstiqu e (P a r is , 1 8 9 0 ) . — D e B k m u z a t , A b é la r d , sa vie, sa
‘p ln loscphic rt sa thcolo/jic (P a r i s , 18.35). — Jio i:ti\ L r s rrnlcs rt V cn -
;r 'r n r m c n i de 'a tlicrdor/i? p 'n d a v t la prcm icrr m oitic du X l l r . siccle (P .
1 9 0 9 ) . — D e W u l f , H is to ir e dc la philosophie mêd-iévalc, p. 222.

IV — Vicente de Beauvais ( f 1264)

Vicente de Beauvais, da ordem dos Pregadores, a um


tem po teólogo, filósofo e enciclopedista, foi dos mais ilus­
tres representantes da educação escolástica. São Luís que o
tinha em alta estima, confiou-lhe a educação dos filhos e
exprim iu-lhe o deseio de o ver resumir, em vasta en ciclo­
pédia para uso dos estudantes, tôdas as ciências de sua época.
A o^ra apareceu com o nom e de Speculum majus (espelho
g e r a l).
O Speculum divide-se em três partes: a prim ara, o
Espelho natural, é tratado universal das ciências fís:cas e
naturais: antropologia, cosm ografia, física, zoologia, botâni­
ca, mmeralogia, m eteorologia, anatonra, e ciências agrícolas.
Term ina em considerações filosóficas sôbre o sistema do
universo.
Na segunda, o Esvelho doutrinai, V icente eons;dera as
ciências e as artes com o m eio de que o h o n r m disnõe para
m elhorar a sua sorte depois da queda. Trata da ló g :ca, da
d !alética, da retórica, da poética, da moral, das artes indus­
triais. da m edicina, das ciências físicas e matemáticas, da
filosofia e da teologia.
A terceira parte, o Espelho histórico, contém a história
do m undo desde a criacão. V icente e~creve a história, não
com o s;mnles espectador, mas com o filósofo cu e mostra a
ação da P rovidência e, dos fatos, tira lições de grande al­
cance. Possui, em grau notável, o espírito crítico e guarda-
se bem de dar a todos os docum entos confiança igual. Dis­
cute os textos e reconhece aquêles cuja autoridade é incon­
testável.
O Speculum constituía, no século X III, uma suma dos
conhecim entos humanos. A classificação das ciências que
dá é superior a tôdas as que tinham aparecido.
V icente de Beauvais sustenta que uma cultura literária
e científica bem extensa é indispensável a quem se quer
entregar aos estudos filosóficos e teológicos. Dá também
ajuizados conselhos sôbre o m étodo próprio a cada matéria,
sôbre a m aneira de estudar, sôbre o trabalho realizado em
espírito cristão. ‘Três coisas, diz, afligem o gênero hum a­
no: a ignorância o vício e os males físicos. Deus nos deu,
com o rem édio a êsses males, a filosofia e a teologia, a m oral
e a graça, as artes e as ciências ( 1 ) ” .
A pedido de São Luís e de Thibaut, rei de Navarra,
V icente escreveu um tratado sôbre a Educação dos Príncipes.
Esta obra contém as suas idéias acêrca da educação; mostra
conhecim entos m uito extensos e revela rara penetração psi­
cológica. Cinqüenta e um capítulos tratam da educação
dos rapazes; os últim os dez se referem à educação das jo ­
vens. Este tratado, com o as obras similares, de Sto. Tomás
de Aquino, de D ionísio o Cartuxo, de Albertani, de Peraldus,
do papa P io II e de m uitos outros escritores da Idade-Média,
prova a solicitude com que a Igreja, nesta época, se interes­
sava pela educação.

(1 ) A in flu ê n c ia de V ic e n t e de B e a u v a is fo i m u ito gran de, não só


sôbre os e s tu d a n t e s com o tam b ém sôbre os a r t is t a s , f^ te s , com e fe ito ,
e x p e r im e n t a r a m ,e x p r im i r , em sua.s o b r a s , as i d é ia s dos t e ó lo g o s , dos e n c i­
c lo p e d is t a s , d o s in t é r p r e t e s da B íb l i a . P a r a estudar co m m é to d o a ic o n o ­
g r a fia do s é c u lo X III não há m e llio r g u ia que o E sp elh o de V ic e n t e de
B e a u v a is . C o n s u lte -s e , a r e s p e it o , a g r a n d e o b r a d e E m ílio M â le : A a rte
r e l i g i o s a ã o s c c u l o X I I I , n a F r a n ç a , i . o ed . em 1919.
Bibliografia — B ou roea t, É tudcs sur Y in ccn t dc B ea u va is (-P a ris,
1 8 5 6 ). — D ran e, C h ristia n sch o o ls anã scholnrs (L o n d re s , 1 8 8 1 ). — M.
C o r m ic k , H i s t o r y of ed u ea tio n , p. 118 (W a s h i n g t o n , 1 9 1 5 ). — O r to la n ,
S avants ct chrétiens.

V — Alberto o Grande (1193-1280)

A lberto foi dos mais ilustres professores e dos maiores


sábios da Idade-M édia. Em 1222 recebeu o hábito dos do­
minicanos, ensinou nas grandes cidades da Alem anha e por
último em Paris. Nesta cidade os alunos foram tão nume­
rosos que se viu obrigado a instalar a cátedra em praça
pública, h oje praça M aubert. O seu aluno mais ilustre foi
Sto. Tomás de Aquino.
Do ensino do sábio doutor restam-nos num erosos trata­
dos sôbre tôdas as ciências divinas e humanas e cu jo conjunto
não consta m enos de vinte e um volum es in-fólio. As ciên­
cias físicas e naturais foram para êle objeto de longas pes­
quisas e engenhosas experiências, considerava-as m eio para
chegar ã dem onstração das verdades m etafísicas e delas se
servia com êxito para sustentar a teologia. A quím ica foi
dos seus estudos preferidos. O seu tratado dos minerais e
metais expõe a ciência dos antecessores e as próprias inves­
tigações; fêz descobertas im portantes a respeito do enxofre,
potassa, ácido nítrico e cinábrio. Em física, os seus conhe­
cim entos eram talvez mais extensos ainda. Escreve acêrca
das propriedades do ímã e da bússola. A sua explicação
das águas termais foi ratificada pela ciência m oderna.
O seu tratado dos animais é notável. P ôsto que apoian­
do-se nos antigos, o autor se reserva a mais com pleta liber­
dade de exame. Convence-se, por exam es e observações
pessoais, que certas teorias sustentadas até então não têm
nenhum valor científico. De B lainville assegura que A l­
berto o Grande caracterizou e determ inou quatrocentas es­
pécies. Os seus conhecim entos em botânica foram profun­
dos. Antes de Linneu, ensaiou uma classificação das plan­
tas; os seus trabalhos sôbre a flor prepararam o m étodo
natural de Tournefort. Antes de M alpighi, penetrou a es­
trutura da semente, fêz a fisiologia do em brião e estabeleceu
a lei da geração das plantas. As suas vistas em anatomia
e fis;ologia atraíram a atenção dos sábios m odernos.
O ilustre dom inicano, por seus tratados de teologia e
ciências, pelos desenvolvim entos dados à observação e á
exoerim entação, exerceu em seu século, e na Idade-M édia,
influência extraordinária. Entretanto, o seu nom e não fi­
gura nem nos com pêndios de história da educacão nem nos
dicionários franceses de pedagogia, enquanto colunas intei­
ras se consagram à glorificação de ilustres desconhecidos.
Felirm ente os verdadeiros sáMos tem honrado, com suas
homenagens, êsse gênio incom parável. J. B. Dumas louva,
nos tratados relativos à q ifm ica . uma exposição ao mesmo
tem po sá’'ia, precisa e elegante, juntam ente com um grande
senso de observação. “ A lberto o Grande, diz Chereau, é o
verdadeiro chefe, na Idade-M édia, da escola exper:mental.
Foi, para o Ocidente, o oue A vicena fôra para o Oriente;
am oliou o cam po das ciências natura:s, form ulando leis cha­
madas a lhes lançar o brilho mais v iv o ” . Outro- sábio, Pou-
chet, lhe deu o belo testem unho: “ Sábio profundo, imensa
e imortal figura oue só por si bastaria a im ortalizar uma
época tôda, nenhum hom em talvez tenha sido dotado de
mais vasta intehgSncia. Parece ter atingido o últ:m o limite
da ciência humana. O que não descobriu, adivinhou-o, pres­
sentiu-o, predisse-o de certo modo. Tinha a intuição de
tôdas as coisas. Denom inaram -no o Aristóteles da Idade-
Média, excedendo-o em m uitos respeitos” .
B i b l i o g r a f i a — G u ir a u d , TTixtoirc p a rtialr , h ix to h e vraic, TT, eh. 171
c t I V . — J o u k d a i n , a i t . A lb e r t le G m ntl ilaus Ir D U tlon uaire de.; srienc s
p h tiosop h iqu ts, — Por< i : e t . llislcnrcs tira neU-ner» vu ln riilcs _ au mnycn
á g : (P a r i s , 1 8 5 3 ). — S i o h a r t , A b i r t lhe G rcat, Ira iim lion Dir< n ( L o n ­
dres, 1 8 7 6 ). — T o w n s e n d , Grcat sclioo'.men o f the midtlle age;: (L o n d r e s ,
18 81 ).

VI — Sto. Tomás de Aquino (1227-1274)

Sto. Tomás, da fanvlia dos condes de Acmino, fêz os


prim eiros estudos em M onte Cassino e na universidade de
Nápoles. Entrou para os dom inicanos que o mandaram com ­
pletar a form ação, cm Colônia e em Paris. O seu professor
A lberto o Grande, foi o prim eiro a reconhecer-lhe o gênio,
predizendo-lhe fam a universal. O seu ensino teve imenso
êxito. Escreveu obras inum eráveis e m orreu quando se di­
rigia ao concilio de L ;ão.
Sto. Tomás é considerado o m aior filósofo e o maior
teólogo da Idade-Média. Pode dizer-se das suas obras o que
dizia Quintiliano de Cícero: “ Deleitar-se nelas é aprovei­
tar” . A sua filosofia é adm irável esfôrço do espírito humano
para associar dois elem entos diversos: a filosofia humana e
a divina, A ristóteles e o cristianismo.
Foi sobretudo professor incom parável. “ É, diz Cousin,
professor consumado, cu>o m érito essencial está na clareza.
Decom põe, divide e subdivide as questões, só tratando de
as esclarecer” . A Snmma theologica nos dá o seu m étodo
sob form a mais determ inada e mais perfeita. Lsm bra o dos
escolásticos precedentes, com o o de Sócrates, mas resume
tôdas as suas vantagens de maneira nova e original. Com
efeito, o mestre divide cada tratado cm ccrto núm ero de
questões,, com eçando por aquelas cuja solução esclarecerá
tôdas as demais; depois, em cada questão distingue dado
núm ero de pontos a tratar especialmente, com eçando sempre
pelos principais. Cada um dêsses pontos é objeto duma
questão particular ou artigo, geralm ente pouco extenso, bem
preciso e sempre distribuído da mesma form a, isto é, em
três partes: Prim eiro, as objeções, ou antes, as dúvidas, as
hipóteses e diversas soluções propostas que se trata de dis­
cutir; em seguida, o corpo do artigo ou a solução da questão;
por últim o a solução das dificuldades, a explicação e a con­
ciliação dos textos alegados. As objeções e as respostas, o
exam e das soluções apressadas ou das opiniões provisórias,
lem bram -nos os processos socráticos e sobretudo o m étodo
silogístico, tão cultivado na Idade-M édia; o corpo do artigo
nos lem bra o ensino m agistral e a form a didática de A ristó­
teles (M r. E. B lanc, Dicionário de filosofia art. Tomás de
A q u in o ).
D evem os a Sto. Tom ás um escrito pedagógico intitulado
D e Magistro, do M estre. Trata das questões fundamentais
do ensino, sobretudo no ponto de vista psicológico e baseia
êsse trabalho nos princípios essenciais de sua filosofia. A p li­
ca aos diversos aspetos do ensino a sua teoria da origem e
aquisição das idéias. Faz notar que, tendo tôda ciência a
sua origem em Deus. cum pre recorrer muitas vêzes à oração
para fazer progressos rápidos ( 1 ).

(1 ) A um jo v e m q u e p e d ia a o s a n to a lg u n s c o n s e lh o s p a r a assegu ra r
ê x it o de seu s e s tu d o s , T o m á s resp on d eu : “ O c o n s e lh o que lh e dou é de
não so a m a r r a r , a p r i n c íp i o , às q u e s tõ e s d i f íc e i s , m as de ir s u b in d o com o
que por degrau s; o c o n h e c im e n t o que poderá a d q u ir ir das verdades m a is
s im p le s o c o n d u z ir á in s e n s iv e lm e n te a o c o n h e c im e n t o d a s v e r d a d e s m a is p r o ­
fu n d a s. . . F a le pou co; fu ja das con v ersa s in ú te is . C on serve so b re tu d o
c o m c u id a d o a p u r e z a d e c o n s c i ê n c i a e n u n c a f a ç a o q u e p o s s a m a n c liá -la
o u t o r n á - l o m e n o s E g r a d á v e l a D e u s. S e ja a s u a o r a ç ã o c o n t ín u a . G oste
d e se o c u lt a r e d e d a r à le it u r a e à m e d it a ç ã o t o d o o t e m p o q u e e m p r e g a r ia
em se e n t r e t e r sem f r u t o com as c r ia t u r a s ... Im p o rta in fin ita m e n te e v i­
t a r a s c a m in h a d a s o v is it a s i n ú t e i s . . . G u a r d e s e m p re a le m b r a n ç a d o que
O professor deve possuir grandes qualidades, qualidades
morais sobretudo. D sve ter inteligência cultivada, conhe­
cim entos profissionais extensos; deve conhecer a alma hu­
mana e os processos pelos quais o espírito adquire as ciên­
cias. T odo sistema de instrução deve tender a êsse fim : dar
ao m enino o hábito ãe d esen volver tôda a sua energia mental.
Cum pre cultivar as faculdades superiores, mas a m emória
e a imaginação não devem ser negligenciadas.
Sto.. Tom ás enuncia uma idéia genial quando sustenta
oue a educacão não é simples com unicação ou infurão, mas
solicitacão, excitarão, direção nela oual o espírito é levado a
desenvolver o poder natural de maneira nonnal. R ecom en­
da também a educação física: o vigor do espírfto corresponde
à saúde do corpo e o arganismo mais são perm ite m aior per­
feição intelectual.
O tratado do M estre é excelente m odêlo de filosofia es­
colástica aplicada à educação.
I í i l K Í o ; ; r ; 'f 'a — P h a n e ; Cltrixlian srhoolx and srJiolarx (Londres, ]881),
-— P a p e , S. Thnmns threry o f rducaten denx Cnlhnlin Univrr. ity Bnlctin,
j u ' v ÍOH- ( W .T l i in g nn ). — V a i ' G h a x , Lift- and labora o f saint. Thamas
(Londres, 1S90). — S e i ; t : l l a n c e s , Saint TItomas d ’Aquint 2 vol. (P a r .s ,
19X0). — D e A V u l f , Histoire d: Ia philosophic mcdiCvalc.

VII — Rcgér‘o Bacon (1214-1294)

R ogério Bacon nasceu na Inglaterra, no condado de So-


merset. Entrou na ordem dos Franciscanos. fêz os estudos

a p r e n d iu de bem cm q u a lq u e r p a rte que o ten h a a p r e n d id o ; não se con


t c n .e cem receber s u p e r fi c i a lm e n t e o (, 11c lê /m 0 que ou v e; m as p rocu re
p en etra r e a p r o fu n d a r -l h e 0 s e n t id o . N unca p erm an cç! em d ú v id a sôbre
as c o is a s que pode í-ab er com c e r te z a . T r a b a lh e com s a n íi a v id e z cn ;
e n r iq u e c e r 0 e s p ír it o ; d a s ifiq u e com ord em , nos c o m p a r t im e n t o s da sua
m e m ó r ia , tod es o s c o n h e c im e n t o s que p u d e r a d q u ir ir ; e n treta n to, n ão e v ite
f o r ç a r c s t a le n to s q u e r e c e b e u d e D e u s e n ã o p r o c u r e p e n e t r a r 0 q u e e s ta r á
s e m p re a c i m a d a su a i n t e l i g ê n c i a ” .
em O xford e em Paris e depois foi fixar-se no seu país natal.
É considerado dos m aiores sábios que existiram. Pelo seu
gênio inovador e ousado é superior ao hom ônim o, Francisco
Bacon, que apareceu três séculos mais tarde.
Os seus trabalhos abraçam tôdas as ciências: teologia,
matemáticas, quím ica, ciências naturais, geografia, direito,
astronomia e medicina. Proclam a a necessidade de aliar o
estudo das letras ao das ciências, e êle próprio estudou grego,
hebraico, árabe para poder perscrutar os textos dos autores
antigos e estrangeiros. A cham -se nos seus escritos freqüen­
tes citações de Euclides, A ristóteles e Ptolom eu. Os seus
estudos de predileção foram as ciências, em particular, a
matemática, íjue considerava a chave dos conhecim entos
científicos.
É considerado o fundador do m étodo experim ental. A pli­
cando-o ao estudo dos fenôm enos, fêz descobertas im portan­
tes. Form ulou as regras da je fr a ç ã o e da reflexão da luz.
Estabelecidas estas leis, deu a teoria de certo núm ero de
instrumentos de óptica (m icroscópio, óculos) dos quais, com
verossim ilhança lhe atribuem a invenção. D escreve o teles­
cópio com o m aior rigor; as suas observações astronômicas
o levaram a pedir a reform a do calendário. D evem os-lhe a
teoria do arco-íris. Reconheceu nos metais a atração do fer­
ro pelo ímã e a das bases pelos seus ácidos. D escobriu o
magnésio, o fósforo e o bismuto. Falou tam bém da esferi-
cidade do m undo e da terra.
Bacon estava tão convencido dos progressos constantes
:3a ciência que, com adiantamento de seis séculos, previa e
concebia as invenções mais extraordinárias. “ Pode-se, diz,
fazer saltar do bronze raios mais tem íveis do que os da na­
tureza; pequena quantidade de m atéria preparada produz
horrivel explosão acompanhada de viva luz. Pode-se m ul­
tiplicar êsse fenôm eno até destruir uma cidade e um ex ér­
cito. A arte pode construir instrumentos de navegação tais
que os m aiores navios, pilotados por um só homem, percor­
rerão os rios e os mares com m aior rapidez do que se estives­
sem repletos de remadores. Tam bém podem -se fazer carros
que, sem o auxílio de animal algum, rodem com enorme
rapidez. É possível fazer u m . aparelho dentro do qual um
homem, assentado e fazendo m over asas artificiais, viaje
com o um pássaro pelos ares” . (De secretis artibus et na-
tu r a e ).
Dando ao m étodo experim ental o verdadeiro lugar no
estudo dos fenôm enos, Bacon prestou à ciência e aos estudan­
tes imensos serviços. Mas não é êle dos que rejeitam com ­
pletamente a autoridade dos antigos: êles nos abriram o
caminho; no entanto, não faltam enganos por vêzes a tal
respeito. Os seus erros podem ser tanto mais numerosos
quanto mais antigos. A s gerações m odernas devem exceder,
com relação às luzes, as gerações anteriores pois que herdam
todos os trabalhos do passado.
Em ciência, é o fato q u e . é preciso verificar e estudar
bem. T o d o s 'o s argumentos do m undo jam ais prevalecerão
contra um fato bem verificado. P or conseguinte, ao invés
de sofism ar com os m erecim entos dos antigos, é m elhor es­
tudar o grande livro da natureza. O Criador, depois de o
escrever com a m ão divina, colocou -o debaixo dos nossas
olhos para nos incitar à sua leitura e à sua compreensão.
Dêste resum o das idéias de Bacon podem os deduzir os
quatro processos do seu m étodo: a autoridade, o raciocínio,
a observação e a experim entação. U tilizando-os para as suas
investigações é que obteve tão notáveis resultados. A li­
berdade de que usou nos seus trabalhos constituiu uma das
causas por que foi alvo das contradições dos contemporâneos.
Foi preciso que um dos seus discípulos se tornasse papa
para lhe fazer justiça e o im pelir a escrever.
Mas a liberdade de exam e de Bacon pára no limiar do
dogma. A o repudiar a autoridade dos sábios que o prece­
deram, acrescenta: “ Não pretendo, de m odo algum, falar
dessa autoridade sólida e verdadeira que a escolha de Daus
colocou nas mãos da Igreja ou que os santos filósofos e os
profetas infalíveis adquiriram pela excelência dos seus me-
rec mantos” . E eis o verdadeiro senso crítico unido à v er­
dadeira fé cristã!

B i b l i o g r a f i a — E. C a r t o n , É tv flrs rvr 7?. B a ron . — E . C h a r l e s . 71.


B a c on , sa v ir , scs cu vra g cs, ses ãortrincs (P a r i s , 1 8 6 1 ) . — G u ir a u d . B i s .
to ire p a rtialr, Ivstoire vraíc I I , eh . I I I . — O r t o i . a n , S a r cn ts et cliréti n-\
—• Sandy. B i s t o r y o f cias- i< ai scholarship, I ("O a m b rh lg e , 1 T 6 3 ) . — P e
W c l p , B iíiloire cl la p hiloscphie m c ilic u íc , p . 4 8 7 - 4 0 6 ) . — P . T X ba ld D ’ A -
l e n ç o x , L c ço n s d ’h istoires fra n c L c a in e , p . 7 3 -1 1 3 (P a r is , 1 9 1 8 ).

V III — Duns S e d o (1263-1C03)

Duns Scoto era provàvelm ente de origem inglesa. Fêz


os estudos em O xford e em Paris e ensinou nessas duas ci­
dades. Uma lenda admite que tenha reunido junto a sua
cátedra de O xford trinta n r l ouvintes. Esse número, m uito
exagerado; sem dúvida, é não obstante testem unho em favor
do êxito do seu ensino.
Em filosofia, Duns Scoto não concordava com tôdas as
idéias de Sto. Tom ás de Aquino, porque a escola franciscana
diferia um tanto da tomista. Julgou até poder refutar e re­
jeitar algumas opiniões do doutor angélico. 1
O seu m étodo de ensino é interessante. Consistia, ao
tratar de qualquer questão, em passar em revista, para as
criticar a fundo, tôdas as opiniões dos grandes autores con­
temporâneos. Tal m étodo crítico parece ter sido m uito apre­
ciado dos estudantes. Adm iraram e exaltaram êsse argu-
mentador incom páravel que em tôda opinião achava um lado
fraco, a todo argum ento uma distinção capaz de lhe atenuar
a fôrça. Cum pre confessar que êsse ensino era bem mais
vivo, bem m a's atual do que o dos outros autores. Não visa­
va adversários de convenção, mas atacava as opiniões dos
maiores doutores do século X III, êsses doutores cuios no­
mes andavam em tôdas as bô?as, cuios manuscritos estavam
cm tôdas as mãos e cujos adm iradores se viam em tôdas as
•universidades.

P H v o r ç r r F n , — R . R. d e M a p , t t í ; n é . La r,-ola$'iqnc et I s tra ã ition s


fr -n H sc a in c s (P a r i s . 1 8 8 8 ). — P e W u l f , ü i s lo i r e de la p hilosophie m c .
ã ic-a le, p. 450. — U u a ld D ’A le n ;;o :i, L e ç o iu ã h is lo ir e fra n cU oain e, p.
73-113 (P a r is , 1 9 1 8 ).

IX — João Gerson (1363-1429)

Gerson, depois de ter exercido m uito altas funções na


universidade de Paris, consagrou as fôrças e o saber à refor­
ma do clero, à extirpação de erros doutrinais e à pacificação
do Estado. Foi a alma do concilio de Constança (1414-1416)
onde recebeu o título de doutor cristianíssimo. Passou os
ú lfm o s anos em Lião, dedicando-se m uito particularm ente
à educação religiosa das crianças. Um dia, diz Faugère, foi
à igreja onde as reunia. M andou fechar as portas e quis
falar-lhes sem testemunhas; a sua voz estava com ovida e
solene e sua alocucâo foi ainda mais afetuosa que de costu­
me. T erm ;nou-a fazendo repetir esta oração: “ M eu Deus.
meu Criador, tende piedade do vosso servo João G erson” .
.No dia seguinte entregava a alma a Deus.
Gerson ccm pôs, para instrução do povo, alguns tratados
cm língua vulgar: a A rte de v iv er bem e ãe bem m orrer,
o A B C da gen te simples. Mas ocupou-se sobretudo com os
meninos; reunia-os em redor de si e lhes ensinava as ver­
dades da religião. Nos seus escritos considera a educação
um dos fundam entos da ordem social. Recom enda aos mes­
tres a doçura, a paciência e uma ternura de pai. É pelo afeto
que se ganha o coração dos m eninos; o tem or os irrita e os
flfasta. Sobretudo deve ter-se cuidado das suas almas, afas­
tar dêles tudo o que poderia levá-los ao mal, com o os maus
exem plos e as leituras perigosas.

G erson catequista — G erson foi catequista incom pará­


vel. No seu livrinho sôbre o D ev er de conduzir as crianças
a Jesus Cristo, pede aos mestres que im item a ingênua sim­
plicidade da infância, im ite-os a pôr a sua linguagem ao al­
cance dos alunos, a não desdenhar, com o fim de m elhor os
conduzir a Jesus Cristo, as expressões simples e comuns.
Faz depois algumas considerações importantes:
1. Cum pre guardar-se de escandalizar as crianças e
de as afastar de Jesus Cristo. “ Essa idade, diz Horácio, é
de cêra para receber a impressão do vício; mas, corrom pida
que fôr, já não é com a mesm a facilidade que se pode culti­
var e am oldar à virtude” . O escândalo é uma palavra, uma
ação que afasta de Deus. Mas não é suficiente abster-se de
ihes dar maus exem plos; cum pre form á-las, sustê-las para
se sujeitarem a uma boa disciplina, educar-lhes o espírito, o
coração e a consciência.
2. A vocação do m estre cristão é sublim e. Está encar­
regado de levar a Jesus Cristo as crianças. Para desem pe­
nhar dignam ente a tarefa porá em ação tôdas as indústrias
que lhe sugerir um zêlo esclarecido; a confissão freqüente
é o m eio por excelência para m anter as joven s almas na
amizade de Deus. Torna-se, às vêzes, necessário afastar do
rebanho algumas ovelhas sarnentas; mas só deve chegar a
êsse ponto depois de esgotar todos os outros meios.
3. Gerson se defende dos ataques ãe que e alvo porque
catequiza as crianças. Não faz mais do que im itar ao divino
Mestre, que abraçava as crianças e as abençoava. Observa-
ram-lhe que podia entregar-se a ocupações mais importantes.
Responde que nada conhece mais im portante que a iniciação
da infância à vida e às virtudes cristãs.
Êsse escrito de G erson dá aos mestres cristãos uma idéia
m uito alta da nobre missão que a Igreja lhes confia.

B ibliografia — Gerson, T ra ité ãu d evoir dr cnnduirr h x <nfa-nta à


J ésu s-C h rist, trad. Saubiu (Coll. Science et B e li g io n , n . ° 5 3 1 ) . — L a f o n -
t a i n e , Jclran G e r s o n ; D r Jolianne G erson io , pucrorum adulcscentium qur
in stitn to re (P n r is. ] 9 0 6 ) . - V a t a n t , D iction a ire dr Ihâolngir, art. Gerson.
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA
DO RENASCIMENTO AO SÉCULO XVII

I . O Renascimento e a Reforma

CAPITULO PRIMEIRO

CARACTERES GERAIS DO RENASCIMENTO


O R en ascim en to do sóculo X V I — Certos autores que datam, da
R eform a, a fundarão do ensino popu lfr, vêem-se (òrigatVos a admitir
três renascimentos: um sob Cnrlos Magno, rutro no sieulo X II e outro
no -século X V I. Mas essa divisão é arbitrária; em tôdas as épncas
tem havido renascimentos num pafs ou noutro. Cassiortoro, ua S icília ;
Isidoro de Sevilha. na Espanha: Reda, na Inglaterra: A lfredo o Gran­
de, Notger de Liège, Fulberto de Chartres foram inicia.Vores dum re­
nascimento que trrnspôs os limites do seu.pafs. N o século XT form a -ie-
a escolá stica: no século X II. evolui maravilhosam ente: no X I I I 9. res­
plandece com brilho incomparável. Trdos fsses renascimentos prepara­
vam o do século X V I. que é o têrmo normal e brilhrnte dos mesmos.
Sob 01 ponto de vista da educaçgo. o ner.asHmento traz poucas mo-
diflcagões. N5o criou escola s: estas existiam , em tôda a JEurona oci­
dental. Não introduziu, nos programas, os autores e latinos.
Nao convém. pó‘ s, rínrThe o alcance que nSo teve nem fazer datar des­
sa época a intrriduçUo da civilização 110 Ocidente.
O rigens do R en ascim en to — O Renascimento níío se produziu de
maneira repentina: foi uma conseqüência remota de todos, os trabalh' s
da Ida(i'e-Média de que conservou o conjunto dos métrdos e até o ideal.
F oi igualmente conseqüência de certas condições históricas e sociais
que v im o s apresentar resumidamente.
A s cruzadas haviam col t ado umas em presença das outras as ci­
vilizações do Leste e do O este: tinham revelado ros povos .ocidentais cs
tesouros literários e cie n tífic <n dos Gregos. A toma:Va de Constantino-
pla pelos Turcos (1453) obrigou os sábios bisantines a refug;arem-se na
Itália. I.evaram consigo obras Importantes dos escritores da antigui­
dade. Os estud g gregos, cumpre dizê-lo, nunca haviam sido completa­
mente õeix ad os; as dou tís lições de Chrysoloras lhes haviam dado. no
século X IV , um impulso considerável: a influência do cardeal Bessarion
e o ensino de Láscaris.fizeram nascer verdadeira paixão pelo grego. Na
Franca os Budé, os Es.tier.ne, os Scaliger, fizeram -se ardentes propug-
nadores desse Culto pelas llngurs antigas.
No século X V I, a form ação das nacionalidades está feita e vem^s
aparecer as primeiras obr' s primas das línguas modernas. A obra de
Pan*e 'ò u ã literatura itaTann impul.so imenso. A Defesa e Ilustração
(te, Língua francesa e rs obras de Ronsard aperfeiçoam a n ssa língua,
aguardando cue a reform a de M alherbe prepare o século X V II.
A cs;abi 1idade social torna mais fácil, nessa época, a cultura das
artes e ciências: também por tôda a parte se multiplicam as escolrs e
as sociedades doutrs- M rs a Invençãr. (Ta imprensa contribui de ma­
n e ia mais eficaz para o desenvolvimento de tfldas as form as da ativi­
dade intelectual M ult!plica os 1'vros põe-nos ao alcrnce do público,
fpv v ece as invpstVações dos professflrrs e lhes dá uma ciência mais
m n la - m ris o r ’ g;nal- P'spensa os estudantes <?as longas peregrina­
ções: sem ?e derl^car. tfm íi m io as ed^^es das oviras-pr'm as do pen-
pamenfo. Permite suprim 'r rs lifões ditadas: a cultura do entendimen­
to se aprove;tará do oue p'>'lia ter d e excessivo *o trabalho da memória.
Os 1'vros se difundem pL'io povo e lhe dão o desejo e a faculdade de
se Instruir.
T a ‘ s são r s principais causas que contribuíram a desenvolver o
am or ã ciência e deram ao estudo dos autores antigos um surto de
atividade.

O Rerascímento e a eíura»ão — O Renascimento dedica


uma parte ma!s considerável ao estudo das obras-primas da
ant!guidade. A Idade-Média as estudava, m^s dava atenção
demasiado exclusiva à d!alét;ca. O século X V I se. ocupará
sobretudo da nerfeicão da forma. É o Renascimento oue
emprega a nalavra humanidades para designar os estudos
cue pão de interêsse huma^n. cue firmam. que civilizam e
para os opor aos estudos teológicos chamados ãivivns. Êsse
têrmo se apl:ca hoje à educação exclusivamente clássica.
O rome de humanistas foi dado aos literatos italianos
que, seguindo Petrarca, se encantaram com a bela antigui-
dade e lhe votaram culto entusiasta. Publicaram obras nu­
merosas, ensinaram nas escolas e universidades, tornaram-se
educadores dos príncipes e dos grandes senhores. Form aram
nova classe, e classe poderosa, de propagadores da cultura
antiga.
Duas correntes não tardaram a dcsenhar-se entre os hu­
manistas. H ouve humanistas cristãos que pretendiam res­
taurar as humanidades no m esm o espírito dos Padres da
Igreja, isto é, fazendo-as servir ã glorificação da religião
cristã. P or tôda a parte foram os mais num erosos e a sua
influência foi benfazeja. H ouve humanistas pagãos, m ate­
rialistas e céticos, que preferiram as doutrinas de Platão e
de Cícero às do Evangelho. A sua influência foi nefasta.
Paganizaram a cultura e pediram , às vêzes, aos antigos a
solução de certos problem as religiosos e sociais de há m uito
resolvidos pela Igreja. Fizeram -se propagandistas do natu­
ralismo, cu jo fim últim o é a glorificação da carne, a satis­
fação de todos os instintos e a negação do sobrenatural.
Uma adm iração excessiva da antiguidade leva os huma­
nistas néo-pagãos ao desprêzo da Idade-Média. Consideram
com o uma época de barbárie todos os séculos que os separam
da antiguidade e dão um sentido pejorativo ao têrm o Idade-
Média. A escolástica, de que não conhecem senão os abusos
e as obras da decadência, é objeto principal dos seus ludí-
brios. Petrarca ridiculariza os doutores em silogism o “ in­
chados de nada, trabalhando no vácuo e exercitando-se em
tutilidades” . Ramus passa parte da sua vida a rebater as
antigas doutrinas. Segundo M ontaigne, é Baroco e Bara-
hpton que tornam as bases da filosofia tão enlameadas e
enfumaçadas. Rabelais não com preende m elhor as obras da
grande época escolástica; admira-se, no m eio das luzes do
seu tempo, de encontrar ainda gente “ que não pode ou não
quer tirar os olhos dêsse nevoeiro gótico e cim eriano” .
Fundação de escolas e criação de bibliotecas — A Renas­
cença deu origem , por tôda a parte, a numerosas escolas, na
m aior parte fundadas ou protegidas pela Igreja. Janssen
cita nove universidades novas erigidas na Alemanha, no
século X V , as quais tôdas, m enos uma, tinham do papa os
seus títulos de fundação. A Santa Sé não cessava de exortar
os mestres e os alunos ao estudo da literatura e das línguas.
No concilio de Viena (1312), o papa ordenara se estabeleces­
sem cadeiras de hebraico, de caldaico e de árabe em Roma,
Bolonha, Paris, O xford e Salamanca. Na Espanha, o cardeal
Xim enes acrescentou à universidade de Alcalá, de que era
fundador, o C olégio das Três Línguas, onde se entregavam
especialm ente ao estudo do latim, do grego e do hebraico.
A fundação de bibliotecas não preocupava menos a Igre­
ja. Papas, cardeais, bispos, sacerdotes e leigos, todos desen­
volviam o m aior zêlo nessa obra de progresso. João X X II
com eçou, em 1317, em Avinhão, uma biblioteca que contou
em breve 2200 volum es. Os mais ilustres cardeais possuíram
ns bibliotecas mais ricas do Renascim ento e davam accesso
às mesmas a todos os literatos sem exceção. Favoreceram
com todo o seu poder a difusão da ciência e se tornaram
nrotetores dos escritores e dos artistas.

Tendências na educação — As novas idéias deviam trazer


novas tendências em educação. Certos educadores acharam
que o humanism o não era suficientem ente prático; elabora­
ram um program a em m aior relação com as necessidades da
vida e no qual deram larga parte às ciências naturais e ao
ensino profissional. Estas m odificações levantaram discus­
sões, por vêzes bem ásperas, aduzindo os cam peões do hum a­
nismo e os partidários da educação científica, em defesa da
sua causa, argumentos que não eram sem valor.
O naturalismo tornou-se um exagêro e um desvio da
cultura científica. Rabelais foi o iniciador. Dá demasiada
im portância às ciências naturais e, em educação, aplica com
demasiada freqüência a m áxim a da abadia de Thélèm e:
■‘Faze o que quiseres” . Locke e Rousseau irão mais longe:
esquecerão a queda original e o seu sistema se tornará a
glorificação de todos os instintos. Atualm ente o natural's-
m o encontra a sua realização mais com pleta nas escolas sem
Deus.

B i b l i o g r p f í i — L. B v h f o t .. La R enai s r n "''. ■
— M . G. 7?. B at- ^ ^ la r t ,
L ' f :g ' i s c c a th o '!qu?, li Rrv.nv .irnre, le p rotesta n tism o (P a r i s , 1912"). -—-
T S R U N F .T ifx E . U i s ’ rire de la littcra tvre fran^aise rTcss-qn", I. — B u bc-
k iia r d t , La civiliscJion cn I alie rn tn n p s d " In. Ttrn~i •' tn l. R ch ip tc
(P a r is . 1 9 0 0 ). — J. G u i^a u d , T íisto:r? p artiale. hirtoirr t-raic , TT. — P.
K er , N o -í d oetrines cla?s'mi.rr. tv d V im tn ellrst (P a r i s , 1 9 2 1 ). — M oxkoe ,
Te.rt boolc in the ‘h k t o r y o f ed u eation , cli. V I .

C A PÍTU LO II

O RENASCIMENTO NA ITÁLIA >

A Itália foi a prim eira a se tom ar de entusiasmo pelos


autores antigos. Não teve mais do que rever o seu passado.
Roma, a cidade “ das ruínas eloqüentes” , com o diz Ozanam,
tinha provocado m uitos retornos à antiguidade clássica, e
suscitado muitas vocações artísticas, literárias e históricas.
O estudo dos m onum entos e as escavações iam m ultiplicar o
núm ero dêsses retornos e dessas vocações.
Três hom ens célebres foram os precursores desta Renas­
cença: Dante, Petrarca e B ocáccio. Foi encorajada por tudo
o que a Itália possuía então em hcm ens distintos, na prim ei­
ra linha dos quais é preciso colocar os papas e, em particular,
Nicolau V, Júlio II e Leão X , os cardeais, os bispos e os
m em bros mais em inentes das congregações relig;osas. Como
vim os, porém, duas correntes se form aram de idéias, às vêzes,
diam etralm ente opostas, entre os partidários dos novos m é­
todos; uns se deixaram m agnetizar unicam ente pelo encanto
Co estilo. Não perceberam que as obras de que faziam as
suas delícias continham venenos perigosos. A sua alma se
inebriou nessas fontes pérfidas e o entusiasmo pelos seus
autores favoritos foi muitas vêzes até a mais vergonhosa e
escandalosa apoteose das idéias, dos costumes e das institui­
ções do paganismo.
Êsse desvio se explica fàcilm ente. A Renascença só
produziu numa época de relaxam ento, de abatimento quase
geral da vida religiosa, cujos caracteres são, a partir do
com eço do século X IV , o enfraquecim ento da autoridade dos
papas, a invasão do espírito m undano no clero, a decadência
da escolástica, uma assustadora desordem na vida política e
civil ( P a s t o r , Historia ãos papas, V, p. 160)
A corrente cristã foi fielm ente mais poderosa que a ou­
tra. Trou xe uma sã renovação literária. Os humanistas
cristãos procuraram na literatura clássica um m eio de fo r­
m ar o próprio gôsto. Esforçaram -se por atenuar os perigos
que podia oferecer a literatura antiga, fazendo uma escolha
judiciosa de textos e m isturando nêles os m elhores escritos
dos Stos. Padres e dos escritores eclesiásticos. Estavem per­
suadidos de que, para apreciar semente uma obra da anti­
guidade, é preciso basear o seu juízo nos princípios do cris­
tianismo. O humanismo cristão não tardou a irradiar-sa
para a França, Espanha, Inglaterra e Alem anha, onde deu
n ovo vigor às instituições escolares dêsses países.

Precursores e protetores c?e Rerascimento italiano —-


D ante (1264-1321) foi o mais antigo dêsses precursores. Es­
crevendo a Divina Com édia em língua italiana, deu ao seu
país uma língua nacional. Não deixou tratado de educação,
mas o espírito dos seus últim os escritos deixa entrever que
é partidário duma cultura mais ampla. No C onvívio pede
que se satisfaça o mais possível o desejo de saber que todo
hom em tem. Preconizando a educação com o uma form ação
do espírito, não esquece que deve contribuir para a elevação
do coração e da alma.

Petrarca (1304-1374) foi um dos principais fautores da


Renascença. C om o poeta, com o adm irador entusiasta da
antiguidade, com o humanista, com o chefe de escola, exerceu
influência considerável sôbre a educação.
A pós os seus estudos, feitos em Carpentras, M ontpellier
e Bolonha, entregou-se inteiram ente às letras. Procurou e
íêz copiar preciosos manuscritos gregos e latinos. O seu
espírito sinceram ente cristão o pôs em guarda contra os
perigos do estudo demasiado exclusivo dos autores pagãos.
Apaixonou-se pelo estudo dos Livros sagrados, mas sem
abandonar C ícero e V ir g ílio ... “ Ainda adm irando o gênio
dos antigos, escrevia a um amigo: Reservem os a nossa h o­
menagem ao autor de todo gênio; que a com paixão pelos
seus erros nos lem bre o reconhecim ento a que nos obrigam
as graças que tem os re ce b id o . . . Façamos, pois, filosofia
mas não esqueçam os o ponto im portante que é o am or da
sabedoria. Ora a verdadeira sabedoria de Deus é o Cristo;
não se poderia fazer verdadeira filosofia sem o amar e hon­
rar acima de tudo. Em tudo e antes de tudo, é preciso ser
cristão (C artas II, p. 310)” .
Apesar de desvios passageiros, o seu procedim ento foi o
eco dessas belas palavras. Sem pre se curvou perante a
Igreja, seus dogmas e sua moral. Fêz várias vêzes a apolo­
gia do cristianismo, e no dia em que recebeu no Capitólio a
coroa da poesia, o seu prim eiro ato, ao term inar a cerim ônia,
foi dirigir-se à basilica de São Pedro para ali depor a sua
coroa sôbre o túm ulo do príncipe dos apóstolos.
Boccaccio (1313-1375) foi igualm ente um precursor do
Renascim ento. P elo seu D ecam eron e é o criador da prosa
italiana. Em pregou grande zêlo na difusão das letras clás­
sicas e fêz despesas consideráveis para conseguir m anuscri­
tos gregos e êle próprio estudou a língua de H omero. É um
exem plo dêsses humanistas que se deixaram possuir do es­
pírito pagão dos clássicos. O seu D ecam erone é a obra
licenciosa, e, na sua velhice, conjurava os pais de fam ília a
hão o colocar nas mãos dos filhos.
A s universidades da península foram tôdas focos do R e­
nascimento. A de Pádua m erece especial menção. Dois dos
seus professores, João de Ravena ( t 1405) e Barzizza ( f 1431),
por suas doutas lições form aram humanistas célebres, como
V itorino de Feltre e Guarino de Verona. A universidade
de Florença teve a glória de ter com o professor de grego o
ilustre Chrysoloras (1350-1413). A sua fama lhe atraiu mui­
tos alunos que difundiram em muitos países o gôsto pelos
estudos gregos.
Os papas dessa época fizeram -se protetores esclarecidos
dos humanistas. Eugênio IV (1431-1447) reconstituiu em tô­
das as suas- Faculdades a Universidade rom ana degenerada.
Enriqueceu a biblioteca Vaticana com grande núm ero de
manuscritos e obras preciosas. Facilitou o estudo aos lite­
ratos por m eio de pensões e do livre accesso às bibliotecas.

Nicolau V (1447-1455) chamou aos seus Estados num e­


rosos artistas que restauraram as igrejas e os monumentos.
Mas os humanistas foram objeto da sua mais viva solicitude.
Cham ou-os à sua côrte, confiou-lhes missões científicas ou
os encarregou de criticar os textos e de traduzir as obras
antigas. M andou com prar, no Oriente, m uitos manuscritos
e os m andou depositar na biblioteca do Vaticano que se tor­
nou uma das mais ricas do mundo.
Eneas Sílvio que tinha escrito o tratado Da Educação
dos filhos e que apaixonadam ente amava a cultura clássica,
se apressou a imitar os seus predecessores quando foi papa
com o nom e de Pio II.

J ú lo II (1503-1513) protegeu os artistas e sábios, enco­


rajou os que se entregavam ao estudo: “ As letras, dizia, são
prata para os plebeus, ouro para os nobres e diamantes para
es príncipes” .

Leão X foi o M ecenas da Renascença e m ereceu dar o


r.ome ao século. Sob o seu pontificado (1513-1521) a Uni­
versidade romana atingiu prosperidade extraordinária. Fun­
dou um colégio para ensino de tôdas as línguas e criou, para
os estudos gregos, uma academia e uma imprensa cuja dire­
ção confiou a Láscaris. A parece-nos rodeado dos grandes
escritores e dos grandes artistas do seu tempo.

Bibliografia — M cr. B a u d rilla rt, L 'f:rr'ise mihoUqu-, la Jlcnaissan.


cr, 1: P rotrxtaH tU m e (P a r is , 1 9 1 2 ). — BrncKiiARDT, La cirC isaH on cn
Italir an 1rm])< <lc la B a iiis s a n c c . — .T. G r i R u n , L ’ É<iVxr rom aine rt lrs
orifiinr.i rida Jírnaissancc, 4 e. éd. (P a r is, 10 0 7 ). — Ovkn, Sc p ties of. lhe
Jtrnaisxnncr (L o n d r e s , 3 8 9 3 ) . — M gr . P a q i k t , I / É r /l i c rt VTitlncat o n ,
Ire. p n r t H fli. I X (Q ueb ec , 1 9 0 9 ). — Simomüs. Tlie. Scnainsanoj in Ita h j
( N e w Y o r k , 18 8 8 ).

C A PÍTU LO III

ESCRITORES E EDUCADORES ITALIAN O S NO


R EN ASCIM EN TO

I — Vitorino de Fel':re (1378-1446)


V i f o r i n o prev.de £e a o l m m a n ! s t a s pcl--. c o n j u n t o (lo so n s do^cs. d os
c o n h e c i m e n t o s , q u e f a z e m d e l e fs._e hc;:,'.em u n i v e r s a l a d m ir r .u o p e lo s
homens da Renascença. FPz os estudos em Pádua e em Veneza. E n s i ­
nou h u m a n i d a d e s , d e p i's foi p r e c e p t o r d o s f i l h o s d e J . F . de G ov.z aga,
p r í n c i p e d e M â n t u a . N ã o r c e i t o u . c o n t u d o , e s s e c a r g o s e n ã o ccm a
c o n a i ç ã o d e te r t ô d a a a u t o r i d a d e s ô b r e se u s alu n os. F<ii i n s t a l a d o
c o m o s f i l h o s d o p r í n c i p e n u m a c a s a s e p a r a d a , s u n t u o s a m e n t e d .' o r a d a
c r o d e a d a d e j a r d i n s ?t qu al d eu o n r m e d e Casa alegre. R e c e b e u nela
o u t r e s a l u n o s qu e v i n h a m d a l t á l ' a . F r a ;i '- a A l e m a n h a . ClrtVif. etc. Sua
v i d a t ô d a p a s s o u se no n o b r e e x e r c í c i o (Ta m i s s ã o d e e d u c a d o r .
T e m - s e d it o d e V i t o r i n o q u e f o i o “ F é i v i o n d a I t á T a ” . í: c o n s i d e ­
ra d o o m aior ed u cad or da R enascença. N enhum escrito d eixou sôbre a
e d u c a ç ã o : o q u e í a b e m o s d o se u s i s t e m a v e m - n o s (T s a lu n o s. A s r e c o r ­
d a ç õ e s d e ste s p e r m i t i r a m d e li n e a r , a g r a n d e s t r a ç o s , a f o r m a ç ã o fís ic a ,
i n t e l e c t u a l e m o r a l q u e r e c e b i a m n a C a s a a le g r e .

Educsção fís"ca — V indo a ser preceptor dos príncipes


de Gonzaga, V itorino fêz tábua rasa dos preconceitos quo
havia então. Os m anjares delicados foram banidos; a ali­
mentação tornou-se simples e frugal. T odo o luxo no ves­
tuário e na moM lia desapareceu para dar lugar a uma nobre
simplicidade. Hábil em todos os exercícios físicos, e per­
suadido de que um corpo robusto exerce feliz influência
sôbre a alma, deu grande im portância a tudo o que pudesse
desenvolver, com a fôrça muscular, a energia do caráter,
P or uma série de exercícios graduados, buscava aperfeiçoar,
nos alunos, a graça, a flexibilidade, a beleza do corpo. A
cav eça, o tronco, os traços, as mãos, as pernas, eram suces­
siva ou simultaneamente, exercitados nos m ovim sntos que
com portam a danca, a luta, a equitação, a esgrima, a nata­
ção, a caça, o em prêgo dos instrumentos de música e de canto.
No estio, sobretudo, as classes eram muitas vêzes interrom ­
pidas por longas recriações e passeios interessantes. À s vê­
zes. m?stres e alunos organizavam vequenas guerras em que
■‘fort:ficavam vilas, ocupavam colinas e davpm combates
em que se via voar poeira com o em cam po de batalha” .

E duczçã» "ntelectuel — “ Quero ensinar os jovens a pen­


sar e não a disparatar” , dissera V itorino, tom ando a direção
da Casa alegre. Tudo no seu sistema tenderá ao desenvol­
vim ento da razão, do raciocínio, do espírito-de-iniciativa e
de espontaneidade.
Segundo a recom endação de Quintiliano, em pregou todos
os meios para tornar o ensino atraente. A os principiantes
ensinava leitura e escrita por m eio de tabuinhas de diversas
côres com letras que se com binavam para form ar palavras.
Aos mais adiantados, explicava, com m étodo e clareza, os
autores antigos, pondo em evidência as idéias religiosas e
m orais que seus escritos contêm, fazendo-lhes observar que
tudo o que é bom nas suas obras tem a sua origem na reve­
lação divina.
V itorino propunha sempre aos discípulos vários estudos
ao m esm o tempo, porque o espírito descansa alternando os
assuntos. Elogiava m uito o que os G regos denominavam
enciclopédia porque, dizia, a ciência e a erudição constam
de numerosas disciplinas, e seria m uito bom que cada um,
conform e a ocasião e a utilidade, soubesse discorrer sôbre as
coisas naturais, moral, astronomia, música, canto, aritmética
e estereometria.
Um dos seus discípulos, Sassuolo, deu-nos o programa
de estudos da Casa alegre. “ A pós os elem entos de leitura e
escrita, diz, vêm exercícios destinados a explicar e comentar
os poetas, ensinar a história, form ar a pronúncia com acen­
tuação correta. O m estre apresenta prim eiro, aos meninos,
Virgílio, H om ero, Cícero e Dem óstenes; e, depois de se nu­
trirem dêsses com o de leite puro, com eçam os historiadores
e os demais poetas. Nos prim eiros quatro anos, explica
com pletam ente tôdas as leis da gramática. Depois, dividin­
do tôda a eloqüência em duas partes, a dialética e a retórica,
faz aprender prim eiro a ciência do raciocínio; depois, ensina
os sofismas, para que possam, com m aior segurança, distin­
guir entre a verdade e a falsidade nos seus próprios juízos.
Em seguida, passa-se à retórica, e quer que, unindo a ação
io s preceitos, os joven s façam assiduamente exercícios de
declamação, sôbre assuntos tirados dos arrazoados do fôro,
dos discursos populares ou senatoriais. À retórica seguem-
se a aritmética, a geometria, a astrologia e a música. Com ­
pletado o curso acima, julgando os alunos capazes de apren­
der com fruto a filosofia, Vitorino os introduz à palestra
acadêm ica com Platão e Aristóteles. Só então é que des­
pede os discípulos afirm ando que, qualquer que seja a arte
ou estudo a que se consagrarem , tanto a m edicina quanto a
jurisprudência ou a teologia, adquirirão o conhecim ento de
tudo o que quiserem aprender” .
Seu m étodo de ensino era racional e baseado na psico­
logia. M andava ler, em voz alta, as passagens difíceis, e a
expressão que os discípulos davam à leitura o habilitava a
conhecer se tinham com preendido ou não. Não dava nenhu-'
ma aula sem a haver preparado cuidadosamente; conhecia
a arte difícil de se pôr ao alcance de todos os espíritos. P ro­
digalizava cuidados especiais aos alunos m enos inteligentes
e não ficava satisfeito senão quando todos os ouvintes ti­
nham com preendido perfeitam ente. Exigia atenção cons­
tante. Os exercícios escritos deviam ser feitos com o maior
cuidado; o professor os corrigia com discernimento, não re­
ceando a exuberância nas com posições e encorajando os
ensaios poéticos.

Educação moral e disciplina — Cada dia com eçava com a


assistência à 'missa na capela da casa. O mestre, por sua
piedade e por todo seu procedim ento, servia de exem plo aos
discípulos. V itorin o procurava conhecer bem os jovens que
lhe eram confiados; punha-os à vontade nas relações que
tinham com êle. P rocurava tam bém conhecer as condições
anteriores da fam ília “ para descobrir influências de here­
ditariedade e de atavismo e escolher o gênero de atividade
a que era oportuno levar de preferência os exercícios e as
artes a que convém aplicar todos sem exclu ir nem os m ai3
fracos nem os mais viciados” .
Uma vigilância ativa conservava os alunos no caminho
da virtude e do dever. Y itorino se m ostrava de rigor in­
flexív el em tudo ó que diz respeito à m oralidade e às boas
maneiras. Exigia atitude nobre, linguagem culta, pronúncia
sem defeito e tom de voz m oderado. Preocupava-se com o
futuro dos alunos, mas não se pronunciava sôbre a vocação
senão depois de madura reflexão.
O entusiasmo pelo bem e o gôsto pelos estudos eram
conservados na Casa alegre m ediante hábil distribuição de
elogios. V itorino cultivava, com esmero, o sentimento de
honra e o amor da glória no coração dos alunos. A s puni­
ções repugnavam à sua natureza tão boa e tão paternal.
Pensava que mais valia prevenir as faltas por sábia disci­
plina, e que a bondade inteligente unida à firm eza é o me­
lhor sustentáculo da disciplina moral. P or isso não em pre­
gava os castigos corporais senão em casos de extrem a gra­
vidade. Nesse sistema de educação era o afeto que dom i­
nava; era êsse o laço que ligava m estres e alunos. “ No
amor, dizia Vitorino, residem a alegria e a dignidade, o
caráter divino do apostolado de ensino” .

Influência — A fam a do diretor da Casa alegre se espa­


lhou ao longe. Vieram -lhe alunos de quase tôda a Europa.
Üs que estavam desprovidos de recursos feram acolhidos
com predileção notável; não satisfeito com lhes ministrar a
instrução gratuitamente, V itorino lhes dava à própria custa,
o alimento, a roupa e os livros; muitas vêzes até socorria-
lhes as famílias. Recebia-os, dizia, por am or de Deus. Fun­
dou para êles um estabelecim ento especial, mas ligado por
estreitos laços à escola dos príncipes.
Essa reputação foi tal que o papa Eugênio IV permitiu
ao cônego Cassiano entrar na casa leiga de Mântua. “ Vai,
meu filho, lhe disse, de boa vontade te envio a um hom em
que honra tanto a ciência quanto a re lig ã o , e cuja probidade
e piedade estão suficientem ente demonstradas” . Frederico
de M ontefeltro, duque de Urbino, fizera gravar no busto de
seu antigo mestre estas belas palavras: “ Hom enagem de
Frederico a seu santo mestre V itorino de Feltre, cujas lições
e exem plos lhe deram a conhecer a dignidade do hom em ” .
Uma tal influência lhe vinha dos seus sentimentos religio­
sos, das suas qualidades morais, do seu absoluto desin-
terêsse, da sua com ovedora humUdade, da sua simplicidade,
da pureza m aravilhosa dá sua alma virginal.

’ •Di^üORPrfia — D ictionnaire dc pâdapogie, art. V ictcrin dc F e ltr e . —


M. C o k m : c k , ü l s i n r y o f cd u -a ticn , p. 174 ( W a s h i n g i r n , 1 9 1 5 ) . — IÍO M'NT,
Jdca d ell'ctt'.m o p r :c c ttc r c n d 'a xita c â isc ip ln a di V itto rin o ãa F e ltr e
("Milan, 1 3 4 5 ) . — S a n i f . G iu f f p . i d a , Storia dclla ped a gog ia , p . 1 9 7 ) . —
, W o o C w a r d , V i.o r in o da F e ltr e and otlier H u m a n iU cducators ( C _ m b r i d .
g e , 1 8 9 7 ).

C A PÍTU LO III

II — Sadoleto (1477-1547)

S a d o l e t e n a s c i d o e m M ó d e n a . f o i h u m a n i s t a c é le b r e , q u a n t o t e ó lo g o ,
f i l ó s o f o , o r a d o r , p e t a e s c r i t o r , d i p l o m a t a e m o d ê l o de v i r t u d e s s a c e r -
d itais. I i i s p o d e C a r p e n t r a s , d e p o i s c a r d e a l , m o r r e u e m R o m a d e p o is
d e ter s i d o o c o n s e l h e i r o m u i t o a c a t a d o d e (Tiversos p a p a s .
D e i x o u s ô b r e a e d u c a ç ã o u m a o b r a i n t it u la d a De llberis recte ins-
tituendis liber, q u e o c o l o c a e m l u g a r d i s t i n t o e n t r e o s e d u c a d o r e s (la
s e u séc u lo . í: u m t r a t a d o c o m p l e t o d e tut.o q u a n t o c o n c e r n e educado
m o r a l e i n t e l e c t u a l d o s m e n i n o s . E i s i.s p r i n c i p a i s i d é i a s :
t . . Ê preciso oarrjeçar (Jes.de a mais toara idade a fqrmar o caráter
dos meninos, e sobretudo de modo in d ireto: pelo bom exem plo e cTisd-
I>lina razoável.
2. As primeiras impressões são as mais duradouras; devem ser
excelentes: “Querendo form ar o menino & virtude e à honra, tomemos
muito cuidado em náo o prejudicar com o exem plo, do m al que descubra
em nós” . Sejam, portanto, os pais- modelos de seus filhos. Desde que
êstes têm algum conhecimento, é sobre ò pai e a mãe que lançam o s ,
olhos. Observam-nos, examinam atentamente todos os seus modos de
agir ou de falar. '
3. A educação deve ter por fundamento o temor de Deus. Não.
se deve dar ao menino êsse temor servil que avilta o homém e não
«g ra d a a Deus, mas o que se baseia no am or e do qual a Sagrada Es­
critura diz que é o princípio da sabedoria.
4. Sadolete trata da emulação como de meio excelente para inspi­
rar ao menino o gôsto pelo trabalho. Os elogios e as recompensas dis­
tribuídas a propósito são estimulantes preciosos que favorecem o pro­
gresso na ciência e na virtude.

5. O programa de instrução compreende, primeiro, o estudo si­


multâneo do grego e do latim. A língua materna é esquecida: é uma
lacuna lamentável. Vem, em seguida, a gram ática, a poesia, e a elo­
qüência. Cícero é dado com o o modêlo da arte d e fa la r bem. O aluno
estudará também com proveito Homero, Demóstenes, Virgílio, Terêncio
e Plauto. Este estudo dos grandes escritores da antiguidade não ensina
sòmente a arte de escrever, “desenvolve ainda a faculdade de raciocinar
que exercita em gêneros múltiplos e variados” . A história é grande
ed u ca d ora: “dá lições de prudência humana- Lendo e relendo as pala­
vras e ações dos antigos generais e dos homens que sé têm distinguido
na gestão dos negócios públicos, a pessoa se instrui maravilhosamente
no que. é preciso procurar ou evitar na vida” . Sadoleto dá lugar sufi­
ciente ás ciências : a aritmética, particularmente, será ensinada não só
com fim prático com o em preparação dos estudos abstratos e filosóficos.

6. O canto parece-lhe meio de éducação estética e moral “próprio


para criar e manter no> espírito a bela aliança do agradável com o ho­
nesto” . Mas requer “ uma intisica em que o pensamento seja belo, 0
ritm o severo, e que, pelos acentos de voz viril, eleve a alma. Se se lhe
acrescentam os movimentas do corpo regulados pelos sons e-Cadência,
temos a dança e os c o r o s : não os proibirem os absolutamente à mocidade,
«tntanto que sejam pouco freqüentes ei que nêles se guarde ã sobriédade.
Servirão para alegrar os espíritos jovens e para distraí-los dó trabalho
absorvente dos estudos” .

7. A. filosofia, considerada sobretudo como ciência da vida e <?


felicidade, com o preparação aos estudos superiores ou ao trato dos ne-
gócice pilblicoS, será a coroa da educação. Sadoleto, dirigindo-se ao
estudante dite:' “ Dedica-te á filosofia que nos ensina não só a bem pen­
sa r como a bem agir. Dar-te-á a firm ezá e a constftncia nos bons cos­
tumes : enriquecerá os teus discursos em maravilhosa abundância e- fer­
tilidade de idéias e de conhecimentos. - É ela que te há de sugerir o
bom conselho e bem assim a boa-vontade” .

Bibliografia — Chakpbnné, Traité ãe l ’Éãucation ãu Cardinal Sa.


dolet (Paris, 1855), — Dictionnaire de péãagogie, art. Sadolet. —r J o ly ,
Jítuãe sur Sadolet (Caen, 18'56).

CAPÍTU LO IV

A R ENASCENÇA NA A L E M A N H A

Caracteres desta Renascença — As idéias da Renascença não tar­


daram em penetrar na Alemanha. Mas esta renascença não foi, cómo
se tem querido dar a entender, uma etapa no decurso d'a qual o espirito
alemão “ teria passado da teologia estreita da Idade Média à larga f i ­
losofia, negadclra de tôda religião” . O humanismo, na Alemanha, foi
cristão, antes' e depois de Lutero.
“ Os prim eiros humanistas alemães, diz Janssen,.. os do século X V ,
tinham visto no estudo da antiguidade um dce mais poderosos meios de
cultivar com êxito a inteligência humana, um terreno inesgotável e fe ­
cundo. No seu pensamento, os clássicos gregos e liitinos não deviam
ser estudados no único objetivo d e.a tin g ir nêles e por êles o objetivo
de tôda a educação. Entendiam colocá-los a serviço deis interêsses cris­
tãos..". Pelo estudo dos clássicos não queriam lim itar-se a form ar a
inteligência e o gôsto f desejavam chegar, graças a êles, a uma inteli­
gência mais profunda do cristianismo e ao melhoramento da vida m oral” .
Os progrerso3 da instrução (oram fa v o r e cid a , na Alemanha, por
causas e clreunstflnclas diversas, cujas tr fs principais nos parecem a
invenção da imprefr.oa, o Instituto dos Irm ãos da Vida comum e n Im­
pulso dado aos estudos e às pesquisas científicas pelo célebre ca rdaal
de Cusa. Graças a ecsas fôrças providenciais a vida d o espírito se
desenvolveu no povo e uêle se manifestou com intensidade até aí desco­
nhecida. “ Por tôda, a parte, diz Jai^sen, nas cidades como nos cam p s.
novas escolas foram estabelecidas, e as antigas foram melhoradas. P ro­
curou-se d r r brees firm es ô instrução p çra la r em sistema escolar bem
compreendido (A Alemanha e a.Eeforma, I, p. 5 ) ” . O ensino rei'gloso
e moral, fundamento de tôda stl eduraçSo, devia começar no seio da
fam ília e seguir te stravés õas fases da form ação intelectual.
O ensino não era obrigatório; entretanto, as escMns eram muito
freqüentadas, com o provam os documentos da época. O ensina superior
prosperavp, e mal se pode apontar uma cidade, excetuando a de Brande-
burgo, que n ío tenha visto fundar ou melhorar-te nesta época uma
escola secundária ao lado das escolas elementrres-
É ju sto dar a conhecer o instrumento por excel?ncia dêsre maravi­
lhoso desabr »h p r do espfrito germ ftnico: “ O Instituto dos Jerônim os”
ou Irmãos da Vida Comum.

OS JERÔNIMOS OU IRMÃOS DA VIDA COMUM

• A ordem dos Jerônimos foi fundada por Geraldo de


Groot (1340-1384), origináro de Dsventer (Holanda). De­
pois de seus estudos filosóficos e teológicos, em Paris é em
Colônia, dedicou-se ao ministério da pregação. Tendo-so
colocado alguns padres sob a sua direção, déu-lhes um regu­
lamento que dividia o tempo entre o estudo e a oração.
Pouco a pouco a comunidade organizou vários cursos de alto
ensino eclesiástico; ocupou-se igualmente com os estudantes
pobres e lhes fêz copiar manuscritos, e depois lhes deu gra-
luitamente repetições ve lições. Foi assim que, pouco a pou­
co, os discípulos de Geraldo se dedicaram à educação.
Desde a invenção da imprensa, os Jerônimos instalaram
prelos nas principais casas da ordem e foram os primeiros a
publicar manuais escolares e edições de obras antigas para
uso dos estudantes. Mas a sua glória incom parável assenta
em sua obra de educadores.
As suas escolas se dividiam geralm ente em duas secções:
a secção primária cu jo program a com preendia todos os estu­
dos elementares, e a secção secundária onde ensinavam não
só as humanidades com o tôdas as ciências úteis aos alunos.
Acrescentavam , ao estudo dos autores antigos, trechos da
Sagrada Escritura e dos Padres.
Sua fam a se expandiu por tôda parte. Fundaram nu­
m erosos estabelecim entos nos Países-Baixos, na Alem anha e
na Franca onde a Sor^ona lhes confiou a direção do colégio
de M onta;gu. Fm 14?0, a com unidade dirig:a 45 casas. P or
tôda parte os seus sucessos foram V^rilhant^s. Em Zvoll, o
núm ero dos alunos variava entre 800 e 1000: em Alkmaar,
co^tavarn-se 900; em Bois-le-Duc, 1203: em Deventer, houve
cité 2200. Com o o ensino era gratuito, estas escolas eram
acessíveis à gente de poucos recursos. Nas c;dades onde não
possuíam estabelecim entos escolares, os Jerônim os tom avam
v;v o interêsse pela educarão da iuventude. davam mestres
às escolas, pagavam a contrihuicão dos alunos pobres, obti­
nham-lhes livros e outros m eios de instrução.
A eficácia do seu ensino se demonstra pelo núm ero de
humanistas célebres que saíram de suas escolas. Thomás
de Kém pis foi das glórias da sua ordem. O cardeal de Cusa,
Jean de Wessel, Hégius, A grícola, Busch, Sturm, Erasmo,
foram seus alunos.
Os Jerônim os continuaram as tradições pedagógicas da
Idade-M édia e as aperfeiçoaram . Foi inspirando-se em seus
m étodos que Sturm assegurou o êxito do seu fam oso ginásio
de Estrasburgo.
Êsse Instituto tem, por conseguinte, prestado os m aiores
serviços à educação. R esolveu eficazm ente o problem a da
perm anência dos professores e preparou, pelas escolas, a
corrente cristã da Renascença na Alem anha e nos Países
Baixos. “ Não é possível, diz M. Paroz, indicar as m odifica­
ções que sofreram as escolas dos Irmãos da V ida Comum
conform e os lugares, as circunstâncias e a individualidade
dos diretores. Mas é fato constante que m antiveram firm e
a base cristã que lhes havia dado G eraldo; de m odo que,
quando a Renascença penetrou na Alem anha, em parte por
estas escolas, o elem ento cristão que as caracterizava fêz
contrapêso ao elem ento pagão dos estudos clássicos e nêles
conservou assim a ciência sob o im pério das idéias cristãs.
(História da Pedagogia, p. 87, Paris, 1883). A R eform a não
respeitou êsses benfeitores da infância; expulsou-os, fechou- .
lhes as casas e apoderou-se das escolas. No século X V II, a
ordem tão benem érita dos Jerônim os não mais existia.

OS H U M A N IS T A S A L E M Ã E S

Os grandes humanistas alemães que tinham fama de


educadores, foram , pela maioria, alunos dos Jerônimos. D i­
fundiram , nos países do Norte da Europa, o amor da cultura
antiga mas com o objetivo de a fazer servir em benefício
dos interêsses cristãos. Os mais ilustres foram J. de Wessel,
Agrícola, Hégius, Reuchlin, W im pheling e Erasmo. A esta
lista acrescentarem os Platter cujas M em órias nos inform am
a respeito dos estudantes preguiçosos dessa época.

J. de W essel (1420-1489), aluno dos Jerônim os com pletou


os seus estudos em Colônia e em Paris. Residiu longo tem ­
po no m osteiro de Zvoll, onde trabalhou com tôdas as fôrças
no desenvolvim ento dos estudos clássicos. C ícero era o au­
tor favorito; os outros escritores que mais recom endava eram
Plutarco, Salústio, Heródoto, Tucídides, Justino, Platão,
Aristóteles. Mas a Bíblia era para êle “ o livro dos livros” ?'
Incitava os joven s a estudá-la sem cessar e a familiarizar-se
com as obras dos grandes doutores da Igreja. A influência
de W essel foi imensa na Alemanha. Seus contem porâneos
cham avam -no “ luz do m undo” e “ mestre controversista” .

Agrícola (1443-1485), foi igualm ente aluno dos Jerôni­


mos. Era a um tem po poeta, pintor, músico, orador e filó­
sofo. Consideravam -no m aravilha de erudição. Foi pionei­
ro dos estudos filológicos na Alemanha.
Em carta ao am igo Barbirianus, dá preciosos conselhos
sôbre o estudo e a arte da com posição: “ Quem quer estudar
com êxito, diz, deve exercitar-se em três coisas: em bem
conceber, em gravar na m em ória o que com preendeu e a
produzir âlguma coisa do próprio fu n d o . . . Aconselho-te
estudares a filosofia, isto é, a ciência que ensina a pensar
com justeza e a exprim ir exatam ente o p en sa m en to.. . A con ­
selho-te a traduzires os clássicos à língua materna tão exa­
tamente quanto possível. Assim se aprende a encontrar
fàcilm ente as expressões latinas necessárias à expressão do
que se pensou na língua m a te rn a .. . É necessário exercer-
nos na com posição: quando não produzim os nada, tudo o
que aprendem os fica com o m orto em nós. Para produzir,
são necessárias duas coisas: poder dispor a “ vontade das no­
ções confiadas à nossa m em ória e em seguida fazer desabro­
char algo de novo do que tem os” . Em sua grande obra “ A
Invenção dialética dá esbôço das leis do pensamento e das
regras naturais que devem determ inar o espírito e a marcha
do ensino nas diversas ciências. A crescentem os que A g rí­
cola foi dos prim eiros a procurar um m eio de educação para
-urdos-mudos.
Foi o tipo perfeito do humanista cristão. Sua ciência
era prodigiosa; sua hum ildade não o era menos. Fêz dò
pensamento cristão a regra de conduta. W im pheling, dos
seus admiradores, escreveu: “ Se A grícola é tão grande, é
porque sua ciência e sua filosofia não lhe serviram senão
para se libertar de tôdas as paixões e para concorrer à gran­
de obra de aperfeiçoam ento pessoal de que Deus próprio
é o arquiteto, na fé e na oração” .

H ég'us (1420-1498) foi aluno de Thomás de K em pis e


m em bro da ordem dos Jerônim os. D r ig iu por vinte e cinco
anos a famosa escola de Deventer. Foi considerado o orga­
nizador do antigo ginásio clássico M elhorou os m étodos de
ensino e soube inspirar a grande núm ero de seus alunos,
r ã o só o amor ao estudo, com o a paixão de ensinar. Os
mais notáveis fo r fm : Erasmo, Busch, M urm éllius, Cesá-
rius, professor de grego, editor de P lín io - Coclénius, profes­
sor em Lovaina; Camener. reitor em Múnster; Horlénius,
professor em H erford. Foi para os estudantes verdadeiro
pai; para os pobres, grande benfeitor; para todos seus Ir­
mãos. m odêlo de p>edade.
Tinha um conhecim ento profundo do erego. “ Anuêle,
diz, que ru e r aprender a gramática, a retórica, a m atemá­
tica e a Sagrada Escritura, deve aprender o g re?o” . Eno­
brecia o trabalho realizando-o num f :to dp apostol^do e de
elevarão moral. Sua m áxim a era oue “ tôda erudição oue
se adouire com dptrim ento da piedade é corruotora” . De-
p o’’ s da m orte pubbcarem -lhe as Obras oue constam sobre­
tudo de diálogos. Erasmo, interpretando o sentimento dos
humanistas, as julgava dignas da im ortalidade.

Reuc.bl'n (1455-1522) publicou algumas obras clássicas


cuia voga foi imensa, na Alem anha: manua;s de gramática
latina, grega e hebraica. R ecebeu o nom e de “ restaurador
dos estudos hebraicos” . Preju dicou o renom e por publica­
ções sôbre cabala e ciências ocultas, por sarcasmos contra
a escolástica e sobretudo pelos ataques às ordens religiosas
e o poder pontificai. Preparou assim a revolta de Lutero.
Entretanto, os inovadores não conseguiram arrancá-lo à fé
católica.

W im pbelirg (1450-1528) foi apelidado “ o preceptor da


Alem anha” . Esta q u a lfica çã o aplica-se-lhe perfeitam ente
porque foi professor, reitor de universidade, diretor de gi­
násio, autor de obras clássicas e de tratados pedagógicos em
que form ula a doutrina dos humanistas cristãos. O seu li­
v ro Da Juventude é do pequeno núm ero das obras que fazem
época. O P raeceptor Germanice foi o prim eiro tratado pu­
blicado, na Alem anha, sôbre pedagogia racional. O Issodo-
nus se consagra sobretudo à m etodologia do ensino das artes
liberais e especialm ente dos autores clássicos. O autor in­
voca o testemunho dos Padres e, em particular, de São G re­
gório o Grande para m ostrar quanto a cultura antiga pode
servir ao pensam ento cristão. Recom enda instantemente a
leitura da Bíblia. W im pheling teve o m érito de ser dos
prim eiros a versar certos problem as im portantes da pedago­
gia; entre outros, o das qualificações intelectuais e morais
dos mestres e o das relações da educação com a vida social.
Tôda educação, segundo seu ensino, deve tender ao aper­
feiçoam ento m oral do indivíduo: “ Que proveito tiramos da
ciência, diz, se o nosso caráter não se torna mais nobre; de
nosso trabalho, se o fazem os sem piedade; de nossa prudên­
cia, se não somos mais hum ildes; de nossos estudos, se não
nos tornam os m elhores e mais caridosos?”

Erasmo (1467-1536)

Erasmo, nascido em Rotterdam , fêz os estudos com os


Jerônim os e entrou nessa ordem . Ele os deixou em seguida
1
a

para levar vida boêmia, em Paris, Turim, Roma, Oxfórd,


Cambridge, Lovaina e, por último, em Basiléia onde faleceu.
Seu caráter é pouco sim pático; é falto de ideal, egoísta
e misantropo. O que mais im pressiona nêle é um am or apai­
xonado pelo estudo: “ Quando tiver dinheiro, diz, com pra­
rei prim eiram ente livros e, depois, roupa” . Tornou-se céle­
bre humanista; mas o estudo demasiado exclusivo dos auto­
res pagãos fo i prejudicial a suas convicções religiosas. “ A d o­
rava Jesus Cristo, mas de bom g ra d o 'te ria canonizado Só­
crates” , tem-se dito dêle. Religioso, abandona o convento e
criva os religiosos de sarcasmos; padre, raramente celebra a
missa, zom ba das orações do breviário, da abstinência, do
jejum , da penitência. Entretanto, nunca esteve ao lado dos
reformados.

Seus escritos — São estas as obras de Erasmo que apre­


sentam algum interêsse no ponto de vista educacional:
a) A s suas edições dos Padres da Igreja e dos autores
antigos: São Jerônim o, Sto. Atartásio, Sto. Agostinho, S.
Basílio, Terêncio, Plauto, Cícero, Sêneca, Aristóteles, Demós-
tenes, etc.
b) As suas obras clássicas. O seu De copia verborum
et rerum (1511) teve mais de sessenta edições em. vida do
autor. Algum as outras obras do m esm o gênero fizeram de
Erasmo o restaurador da latinidade.
c) Os seus escritos origin.ais, entre os quais é necessário
citar o Elogio da loucura, sátira violenta contra a escolásti­
ca; os Colóquios, o M étodo nos estudos, a Prim eira educação
liberal dos meninos. Os Colóquios encerram ataques contra
os m onjes e os conventos, frivolidades perigosas, quadros
licenciosos. Os protestantes espalharam êsse livro por cau­
sa das suas diatribes contra a fé e as práticas religiosas.' A
Razão dos Estudos é uma coleção de conselhos sôbre a ma­
neira de dar à criança sólida educação literária. A Primeira
educação liberal trata da educação em conjunto e dos ele­
m entos que para ela concorrem : a natureza, o m étodo e o
exercício; da maneira de os pôr em obra, da escolha do
mestre, da arte de instruir as crianças divertindo-as e sem ,
as subm eter à disciplina bárbara que reinava nas escolas.
Este tratado de pedagogia é a obra mais m etódica, senão
a mais brilhante, que Erasmo com pôs sôbre a educação” .
(Dicionário de pedagogia art. E r a s m o ) .

A s suas idéias pedagógicas — A pedagogia de Erasmo


pode-se resum ir nos pontos seguintes:

1 — A educação é de im portância capital. “ Toma-se


m uito trabalho, diz, para ter um cão bem adestrado à caça,
um cavalo fogoso na corrida mas, para se ter um filho que
seja a honra e arrim o dos pais, ninguém faz esforços; ou
então, os faz demasiado ta rd e. . . Para quem se constrói?
Por que se corre após o dinheiro? Não é para os filhos?
Se aquêle para quem amontoais esta fortuna fô r bem edu­
cado, esta será instrum ento que o firm e na virtude; se tiver
o espírito inculto e grosseiro, que tereis feito senão fornecer-
lhe m eios de fazer o mal e de ser crim in oso?”

2 — 4 form ação da criança com eça com o despertar da


razão. A mãe, sobretudo, deve-se ocupar desta primeira
educação; aquela que negligencia êsse dever “ não passa de
madrasta” . É necessário ensinar a criança a obedecer mas
sem lhe quebrar a vontade. Os educadores brutais desgos­
tam da classe e do estudo. Erasmo quer, com o dirá mais
tarde M ontaigne, que as classes sejam “ juncadas de flores e
folhagem ” e não de “ varas sanguinolentas” . A doçura tem
m elhor êxito do que os maus tratos. “ Há m eninos qu e.m or­
reriam de pancadas sem se em endar; pela doçura e senti­
m entos de benevolência faz-se dêles o que se quer” .
É necessário preocupar-se com o lado religioso da edu­
cação e inclinar o coração da criança à piedade. Nos pro­
gramas, dar-se-á grande destaque à literatura cristã porque
a Sagrada Escritura e os Santos Padres contêm tesouros de
sabedoria.
Antes dos sete anos, as lições não terão nada de form al;
utilizar-se-á, sobretudo, a m em ória que é mais tenaz; nesta
idade, a criança pode aprender m uito; tudo isso será aquisi­
ção para mais tarde.

3 — Os estudos form ais com eçarão pelos sete anos. A r-


rostar-se-á o estudo do grego e do latim. A gramática deve
ser estudada sèriam ente; todavia, não é necessário que seja
m uito abstrata e árida; deduzir-se-á de exem plos t.omados
dos grandes escritores. Para a form ação do estilo, Erasmo
recom enda freqüentes exercícios de tradução do grego para
o latim.

4 — O ensino d eve ser adaptado à idade e às disposições


da criança. Êste princípio supõe estudos sérios da psicologia
da criança. Pela observação, o m estre com preenderá fàcil­
m ente que o aluno gosta dos m étodos ativos, do jôgo, da
ginástica. Deverá, portanto, m ostrar-se amável, m uito pa­
ciente, m uito hábil em excitar o interêsse e a curiosidade.
Procurará, portanto, por todos os m eios desenvolver o amor
ao belo e o sentlm snto de admiração. Em pregará constan­
temente o m étodo objetivo. A ciência será dada progressi­
vamente, con form e a capacidade da criança. “ Assim como,
diz Erasmo, o corpo é nutrido em pequenas doses distribuí­
das a intervalos, tam bém o espírito da criança deve ser nu­
trido de conhecim entos apropriados à sua debilidade e apre­
sentados aos pou cos” .
5 — ' O ensino deve desenvolver o espírito de observação

— A natureza, a história, a vida contemporânea contribuirão
a desenvolver essá preciosa qualidade, e isso em proveito da
formação literária porque o escritor encontrará em suas
observações manancial abundante de metáforas, imagens e
comparações. Erasmo aconselha observar as plantas e os
^nimais e verificár, de per si, o que dêles disseram os auto­
res antigos, a 'fim de yivlficar a ciência livresca pelo senso
da realidade.
6 — Uma formação completa é necessária aos mestres.
Duas coisas são essenciais, diz Erasmo: escolher os mestres
com cuidado e proporcionar os ordenados ao seu mérito. O
professor deve ter certa idade e seja qual fôr a especialidade
a que se quer consagrar, é necessário que tenha seguido o
ciclo inteiro dos estudos; ensinará mal se não souber muito
mais do que o mesmo ensina. Sérá bom proporcionar o seu
ordenado ao zêlo e progresso dòs alunos. Procurar-se-á sus­
citar-lhe concorrentes para evitar que se esfrie a sua dedi­
cação. Tanto quanto possível será escolhido entre as pessoas
bem educadas e, pelo acolh-mento que- lhe fizerem na' so­
ciedade, acostuma-lo-ão a comprazer-se nela e a nela per­
manecer.
Erasmo, como se vê, não é nada partidário do monopólio
do ensino.. Por que meios recrutará mestres tais como os
deseja? Não se explicou a respeito.

Tórnás Platter (1499-1582)

Platter descreveu-nos em suas M em órias a vida dos estutfantes pe-


regrinantes- (le sua época. Para descobrir a origem dessas peregrina­
ções de estudantes é necessário remontar ao V 9 século onde vemos os
clérigos procurar as escolas mais afamadas- Más foi, sobretudo, no sé­
culo X I I I que ê s s e m ovipiento se acentuou. Im porta distinguir os m es­
tres ambulantes dos estudantes ambulantes. Os primeiros tinham fre­
qüentemente por fim principal procurar melhor posição. Alguns «lei»
x í ram nome à posteridade, como Süo Guilherme, diretor de uma escola
célebre e Menegold ou Manegaud que foi professor na Alsácia, Poitou e
Touraine. .Certo número dêsses mestres r.ão se distinguiram senão por
ignorância profunda e procedimento deplorável.
Os e stu d a n tes p eregrin an tes são conhecidos sob o nome de B a c ch a n ts
e Goliards* Iam de cidade a cidade, de universidade a universidade,
levando consigo meninos muito noves que chamavam béjaun es. Êstes
mendigavam para os protetores que devi ame cm compensação, dar-lhes
liçfcs, dever de que freqüentemente se desempenhavam muito mal.
O B a c ch a n ts s j fizeram notáveis, salvo raras exceções, pela rudeza
das maneiras, preguiça inveterada, procedimento pouco edificante. For­
maram entre si espécie de irmandades mais ou menos secretas e com­
puseram canções em mau latim contra os professôrés, os monges, o
clero, os senhores. D esde o século X IV haviam perdido a estima da
gente honrada, e os magistrados tiveram que lhes fazer ministrar, por
vêaes, muitos golpes de azorrague. Nos séculos X V e X V I, tornaram-
se muito numerosos e provocaram desordens em vários lugares. A s
grandes cidades publicaram ordenações para regulamentar a mendicftn-
ciii dos béjau n es. Mas os abusos se'torn aram tão grandes que a Igreja
proibiu ir em auxílio c;'os G oliards, e isso sob penalidades rigorosas.
Tomás Platter foi dêstes estudantes nômades. Nasceu nas proxi­
midades de Viège (S u íç a ); foi, a princípio pastor de cabras nas m onta­
nhas do Vaiais- Um de seus tios lhe deu algumas liç õ e s ; mal sabia
ler quando um primo, indo à Alemanha, o levou na qualidade de béjau-
ne. Seguiu a companhia dos b acch an ts de que fazia parte o parente,
e visitou Constança, Augsburgo, Batisbona, Praga, Breslau e algumas
outras cidades. Instruiu-se muito laitam ente nesta escola de nomadis-
mo. A os deeoito anos, compreendia a custo os exercícios de D onato; e,
quando se apresentou a uma esccla elementar de Zurich, aí deu a im­
pressão de “galinha em meio a pintainhos” . Entretanto, seu mestre,
tomando-lhe afeição, deu-lhe lições particulares, fê-lo traduzir Terêucio
e lhé explicou as Sagra dí:s Escrituras.
Plâtter, a fim de obter recurs s para continuar os estudos, exerceu
a profissão de copdoeiro. Aprendeu perfeití.ment.0 o latim ; depois, o
grego e o hebráico. Fixou se. em seguida, em, Basiléia e ainda prosse­
guindo no ofício, deu lições da hebraico na universidade. Enfim, con-
fiaram -ihe a organização das escolas públiess da cidade, consagrando
quarenta anos, da vida ao ensino. Em sua ex:trema velhice, escreveu
para o filh o “M em órias” que se tornaram célebres. Terminou, em 1582,
a vicía de trabalho e devotam ento à educação*
Bibliografia B arnard, German teáchers anã edvcators, p, 45-97
(H artford, E. U. 1878). •— B o n n e t - M a u r y , Gcraã ãe Groot (Paris, 1878).
— C a t h o l ic E n c y c l o p e d ia , art. Brethren o f the Common life. —• C y c l o p e -
d ia o f éãucation, art. Brethren o f the Common life: Traveling as éãucation.
— D ic t io n n a ir e de péãagogie, art. Erasme. —■ G. F eu g è r e , Erasme, sa
Vie et scs ouvrages (Paris,. 1874). -— P. M o n ro e , Th. JVatter anã the
eãucQticnal Renaicsance o f the sixteenth oentury (New York, 1904). —
W o o d w a r d , Erasme çoncerning éãucation (-Cambridge, 1904). — C y c l o p e -
d ia o f éãucationj art. B eg g in g ' stuãents, Bacchants, Goliarãs, Wanâering
etuãevts. — P. SotrQUET, Les écrivains péãagogistes ãu X V Ie. sièele (P a­
ris, Delagravel).

CAPÍTULO V

A RENASCENÇA NA INGLATERRA

P rom otores d essa R en ascen ça — A Benascença, na Inglaterra, co­


meçou em princípio do século X Y , pelas relações do clero c«m os hu­
manistas da Cúria rom ana: Poggi, Bruni, Atberti. A imprensa acele­
rou-! h:> os progressos; Caxton e os Cistercienses publicaram numerosas
edições dós autores antigos: Cícero. V irgílio, Ovídio, Esopo, Bcécio, etc.
Alguns anos mais tarde, personagens eminentes pela ciência como
Grocyne. Linacre, Colet. estudaram 6' grego em Florença sob a dirc';ão
de Chalcondyle e de Ângelo Policiano- A o voltarem à Inglaterra, fo r ­
maram uma associação para a (ufusão das letras antigas- A residên<ia
de Tomás M ore tornou-se o centro de süa rCaniões- A seu pedido,
Erasm o se fixou na Inglaterra para acelerar o movimento da Renas­
cença.
Em 1540, a universidade de Cambridge criou uma cad-.lra de grego,
e êsse exemplo foi seguido pvr outros estabelecimentos de ■ensino supe­
rior. Colet, seniVo já deão d? São Paulo de Londres, fundou uma escola
de gram ática rcide se ensinavam as letras antigas- Mais de cinqüenta
escolas semelhantes se* abriram nas principais cidades do reino. Êsse
movimentp em fav or da instrução foi considerável: um .biógrafo de
Colet escreveu que, durant» os trinta anos que precederam a Reform a,
se fundaram mais escclas de gram ática, na Inglaterra, que durante 03
três séculos precedentes.
Colet m e rcm i lugar èmlnènté éhfre òs’ prom otores da éâücáçHo.
Ê dos mais nobres representantes do clero católico dessa época. Tinha-
se aprofundado no grego com o objetivo da melhor penetrar o sentido
das Sagradas Escrituras. O misticismo néc-platônico e a semi indife­
rença drs sábios que cercaram Lourenço de Médici não tinhaip exercido
Eôbre fie nenhuma influência e havia ficado profundamente ligado ít
doutrina católica. Admitia qi]c' a Igreja tinha necessidade de uma re­
form a e se alegrava «Í-* que já e « tinha realizado p e la 'cú ria romana e
operários apostólicos. Cada dia orava ao Senhor pedindo que apressasse
a realização dessa ob ra /d e restauração. -
A Renascença, na Inglaterra, é representada sobretudo por trPs
escritores pedagógicos: J. L. Vives, R ogcr Ascham e R ichard Mulcaster.

I — João Luís Vives (1492-1540)

Vives era de origem espanhola mas pertence à Inglaterra


pelo ensino e pelo espírito. Imprimiu cunho profundo nos
pedagogos inglêses’ dos séculos X V I e X V II e, em geral, nos
grandes educadores dêstes dois séculos.
Fêz os seus estudos em Valença e Paris. Foi professor
em Lovaina e em Oxford. Por seus merecimentos, foi es­
colhido preceptor de Maria, filha de Henrique VIII e de
Catarina de Aragão. Foi encarcerado por ter tomado a peito
a defesa da rainha. Os últimos anos da vida passou em Bru-
ges. Deixou numerosos escritos. Os que interessam a edu­
cação, compreendem o tratado De anima et vita, que pode
servir de introdução à grande obra De disciplina, verdadeira
obra-prima de pedagogia católica. É necessário acrescentar
o Institutio jeminae christiahae e duas cartas: uma a Cata­
rina de Aragão com plano de estudos para a filha Maria;
outra, ao filho de lord Montjoie, amigo e protetor de Erasmo.

Idéias pedagógicas — 1 — Períodos de cultura intelec­


tual — Vives distinguiu três períodos de cultura intelectual:
a) De sete a quinze anos: a instrução tem por base o estudo.
das línguas: latim, grego, hebraico, árabe; b ) de quinze a
vinte e cinco anos, a instrução tem por fim o estudo das
ciências que o conhecim ento das línguas perm ite adquirir:
lógica, dialética, eloqüência, matemática, astronomia, histó­
ria natural, ciências físicas, desenho o música; c) de vinte
e cinco anos à idade m adura: para o corpo, estudo da m edi­
cina; para a alma, conhecim ento prático tirado da experiência
e da história, estudo da m oral, do direito e da econom ia
política.
2 — M étodo de ensino e de educação — V ives traça os
métodos que convêm especialm ente ao período de sete a
quinze anos. Podem -se resunrr assim: a) basear-se na e x ­
periência da criança, isto é, estudar as disposições, a maneira
do seu espír;to, conform ar-se ao seu m odo de com preender,
ir do conhecido ao desconhecido, do fácil ao difícil, proceder
sobretudo por 'nvta^ão: b) estudar a natureza pela obser­
vação direta. É o m étodo indutivo em uso desde longo tem ­
po nas escolas da Idade-M édia. V ives o torna a pôr em
voga cinaüenta anos antes de Bacon; c) em pregar para o
estudo do latim o m étodo da dupla tradução. “ Quando o
menino, diz, conhecer a sintaxe, façam -no traduzir trechos
da língua materna para o lat:m e do latim novam ente para
a língua vernácula. Tem -se repet;do m uito que R. Ascham
foi o inventor dêsse m étodo. A V ives pertence essa honra.
d) fazer a criança estudar a língua materna. É nessa língua
cu e o m °stre dará a m r o r parte de seu ensino; faça-a co­
nhecer, r ã o só em sua fo r im atual com o nas form as antigas;
e) estudar as línquas com.o m?.io ãe chegar ao conhecim ento
dos autores clássicos. “ É necessário, diz ainda Vives, que
aouêles cu e se dedicam ao estudo não percam de vista que,
se não sa^em as línguas, apenas se acham no vestíbulo da
c;ênc'a. Pela língua devem propor-se chegar a alguma coisa
mais” . Dá a m aior im portância ao estudo dos autores anti­
gos mas trata tam bém m uito dos es.critores do seu tem po:
Erasmo, Sadoleto, Bem bo, P ico de la M irandola, etc. R e­
jeita tôdas as obras licenciosas que seriam um perigo para
a alma; f) todos os estudos d evem servir à form ação in te­
lectual e moral. A história é um dos m elhores meios de
educação: a biografia dos grandes hom ens e dos santos ins­
pira nobres ações; a geografia com pleta os estudos históri­
cos; presta serviços sob ponto de vista com ercial e prático;
g) não se d eve desprezar a educação física. D eve-se dar à
criança uma boa alim entação e levá-la a contrair hábitos de
ordem e de asseio. A s recriações e ,o s exercícios corporais
são indispensáveis. Os passeios restauram as fôrças, des­
pertam o bom hum or e dispõem ao trabalho do espírito, h)
é necessário fazer a educação dos caracteres por instruções
morais e religiosas. A influência da religião sôbre a educa­
ção é a idéia dom inante da pedagogia de Vives. Os seus en­
sinos se baseiam na Sagrada Escritura e na teolog'a. Os
conselhos e as instruções do m estre terão grande eficácia,
sobretudo se são acompanhados do exem plo de vida santa.
Nesse ponto, o próprio V ives foi m odêlo para todos os edu­
cadores.

3 — o seu ideal do m estre — V ives pede prim eiram ente


que tenha cultura ampla e sólida: a ignorância o desonraria.
Um hom em apaixonado pela ciência está mais apto a co­
municá-la. O m estre deve se instruir tam bém para se adian­
tar na virtude e tornar-se m elhor. D eve possuir a avtidão
para o ensino e cum prir o seu dever com um devotam ento
sem limites. O seu procedim ento deve estar ao abrigo de
tôda censura. A sêde das honras e do dinheiro o im pediria
de pensar nas obrigações. O seu salário o colocará ao abrigo
da necessidade, mas será antes m odesto “ a f :m de não excitar
a avidez das pessoas cobiçosas e incapazes” . Am ará os
alunos, tratá-los-á com tôda doçura e paciência. No século
X V I, a vara estava em voga. V ives aconselha reservá-la
para os casos mais graves e a sua m oderação tornou-se tra­
dição nas teorias de educação na Inglaterra ( P a r m e n t i e r —
História ãa educação na Inglaterra, p. 12).
O educador deve procurar con h ecer bem os alunos a fim
de regular, êsse conhecim ento, a sua conduta com cada um
dêles. A boa m archa do ensino exige a exclusão dos alunos
aos quais a instrução seria mais nociva do que útil.
Enfim, recom enda aos m estres de uma mesma escola
reunirem -se todos, de dois em dois ou ãe três em três m eses
para conferenciarem sôbre as matérias do ensino, preparar
o trabalho dos alunos e com unicar as suas idéias e senti­
mentos. A lguns pedagogos m odernos falam das “ reuniões
de professores” com o de progresso recente. V ê-se com o es­
tão bem inform ados.
Tais são as idéias gerais de V ives sôbre a educação. Não
nos adm irem os se foi saudado em seu tem po com o outro
Quintiliano. Os pedagogos da Alem anha e da Inglaterra
lhe devem muito. Fénelon inspirou-se em suas idéias sôbre
a educação das mulheres. Os seus escritos são até h oje uma
das fontes mais puras da pedagogia católica e lhe asseguram
um lugar em inente entre os grandes educadores de todos os
tempos.

B ib lio g r a fia — II. B a r n a r d , E ngllsli peclagoçiy, new and olel. D cu x


(êries (H a r t fo r d , E . U . 1 8 7 0 ). — B o x illa y San M a r t i n , L uís V iv e s y la
filo : o fia di l E cn aeim icn io ( M a d iid , 1 9 0 3 ). — C y c lo p e d ia of eã u ca tion ,
art. C olet. — L u p t o n , L i f e o f John C olet ( L o n d r e s , 1 8 8 7 ). — P a r m e n t i e r .
J lU toire de l 'íilucation cn A n g l U r r e ( P a r i s , 1 8 9 0 ). — W a t s o n , V iv e s on
cãuealion ( C a m b r i d g e , 1 9 1 3 ). — E i n s t e i n , T h e Ilalian Benaissance in
E n gla n á (N e w Y o rk , 1 9 0 2 ).
Ascham fêz os estudos em Cam bridge onde ensinou o
grego. Foi professor da rainha Isabel; e, depois, seu secre­
tário para as cartas em latim. A sua reputação é devida a
dois m otivos: foi o prim eiro Inglês que escreveu um tratado
de educação em língua vulgar e as qualidades do seu estilo
lhe deram lugar na história literária, ao m ssm o tem po que
as suas idéias lhe asseguravam lugar na história da educação.
A obra de Ascham , intitulada The Schoolm aster, o M es-
tre-escola foi redigida para a educação de seus três filhos.
Trata nela sobretudo de três coisas: a verdade na religião,
a honestidade da vida. o verdadeiro m étodo do estudo. Êste
últim o ponto é o mais desenvolvido e, ainda que se aplique
especialm ente ao ensino do latim, interessa a todos os educa­
dores. Ascham recom enda o m étodo da dupla tradução,
indica os autores que convêm aos alunos: as Cartas, D e
Senectute, e D e A m icitia de Cícero, algumas comédias de
Terêncio e de Plauto, os Com entários de César e certos dis­
cursos de Tito Lívio.
R eprova o hábito que se tem de aprender a gramática
com o fim ; o m elhor m étodo consiste em procurar no manual
a regra que se aplica a cada exem plo. Quer essas regras
curtas e pouco numerosas. “ A Gramática, diz, aprende-se
mais depressa e mais seguramente pelos exem plos dos bons
autores do que só pelas regras” . Tão acertada recom enda­
ção será com preendida m esm o h oje em dia?
Impunha-se aos alunos das escolas públicas o uso e x ­
clusivo da língua latina. Ascham deseia ver acabar-se tal
costum e e invoca o testem unho de Budé. Este erudito, por
ter feito uso exclu sivo do latim, oueixa-se de não ter nunca
podido, ao depois, falar com facilidade nem escrever com
discrição. Os m eninos assim constrangidos a falar uma lín­
gua que não é a dêles, fazem -no de maneira bárbara e sem
reflexão; “ torna-se necessário grande trabalho para os re­
conduzir ao bom cam inho” . O que o autor do Schoolm aster
recomenda, tinha-o êle próprio experim entado e o seu m é­
todo havia dado excelentes resultados. Isabel, no fim de
dois anos de estudo das línguas-antigas, possuía conhecim ento
lão perfeito do grego e do latim que' poucos homens, na
Inglaterra, lhe eram superiores nisso.
Um estudo sôbre Ascham seria incom pleto se não m en­
cionasse as suas insistências sôbre a doçura. “ Se um aluno
com ete erros, diz, quer esauecendo uma palavra, quer colo­
cando uma palavra im própria em lugar da boa, ou cons­
truindo mal a sua frase, não gostaria que o m estre franzisse
a testa ou o repreendesse. Basta oue a criança tenha feito
o possível e se tenha aplicado. Sei, p or experiência, que
um aluno tirará mais proveito de duas faltas de que o te­
nham advertido com suavidade do que de quatro coisas em
aue se tenha saído bem. O m estre aproveitará a ocasião
para lhe dizer: Cícero se servia dêste têrm o e não daauele;
teria colocado esta palavra anui e não ali, teria term inado
esta frase por êste verbo e não por êste substantivo ou êste
partiçínio” . Com pleta os seus conselhos ,°ôv re a doçura di­
zendo r-ue não se deve im por o saber pelo tem or; adverte
aue não há pedra oue se com pare ao elogio para aguçar
um espírito e estimular a vontade.

n iH io ^ r -fV — Tí^n^atwvol opinam- frnm 1he Renaissawee. p .


T.ATr-jE,
58 85 fCambn^íTP. M » y o i? . T h ° 8*lwolmast;r ( L o n d r e s , 1 8 6 3 ) .
1 0 0 4 ). —
P a e m e n t ie ií, llistoire ãe 1’éãucation cn Angleterre.

III — Richard Mulcaster (1531-1611)

M ulcaster fêz os seus estudos em O xford e Cambridge.


S m 1561, a corporação dos com erciantes-alfaidtes confiou-lhe
a direção de uma escola que acabava de fundar. Conce­
diam -lhe vinte dias de licença por ano e m eio dia de repouso
por semana. O salário global do diretor e dos mestres era
de quarenta libras esterlinas por ano. O presidente da cor­
poração assegurava ao headm aster um salário suplementar
de dez libras esterlinas, mas essa soma não foi regularmente
paga. O fendido na sua dignidade de squire, M ulcaster re­
signou o cargo (1586) e tom ou por divisa ‘Servus fide-
lis, perpetuus asinus” . T eve então vaga para se ocupar das
obras que já tinha esboçado: as Posições, o Graviático que
ficou inédito e o Elem entário do qual só a prim eira parte foi
publicada.

Idéias pedagógicas — A s idéias pedagógicas de M ul­


caster são expostas no livro das Posições, que trata das
questões fundamentais da educação. Opina que não é ne­
cessário apressar-se a enviar as crianças à escola, porque
nessa idade, perder tem po é, às vêzes, ganhá-lo.
Quatro matérias devem form ar a base dos estudos: lei­
tura, escrita, desenho e música instrumental ou vocal. Rous-
seau não foi, portanto, o prim eiro a recom endar o desenho.
M ulcaster reclama para tôdas as crianças uma instrução
elem entar e deseja que ao m enos aprendam a ler e escrever.
Condena o uso dos livros latinos para aprender a leitura: é
natural com eçar a ler na própria língua materna. O m étodo
fundam ental de todos os estudos consiste em passar do co­
nhecido ao desconhecido, do simples ao com posto, do fácil
ao difícil. A tribuir a Ratich e a Com enius o descobrim ento
dêstes princípios, é com eter êrro considerável.
Um capítulo das Posições, o 38.°, é consagrado à educacão
rjas meninas. É necessário fazer instruir as m oças e M ul­
caster assinala entre as suas aptidões a de aprenderem fa­
cilm ente as línguas. Com muita razão deseja oue o amor à
ciência não lhes faça esquecer os deveres mais simples, mais
esseftciais: “ saber m anejar a agulha, cuidar da cozinha, diri­
gir uma casa, velar pelas crianças que estão de saúde e dar
inteligentes cuidados às que estão doentes” .
A escolha áos m estres e a sua form ação, eis o objeto de
viva preocupação de Mulcaster. O m estre deve possuir uma
ciência vasta, com preender perfeitam ente os autores, ser
capaz de com entar inteligentem ente um texto. A form ação
para ensinar deveria fazer-se em escolas especiais (sem iná­
rios) criados perto das universidades.
Essa idéia é m uito avançada para a época. M ulcaster
deplora a ausência de regulam entos escolares e a falta de
direção no ensino. Uma autoridade dirigente poria mais uni­
form idade nos livros e nos métodos.
O m estre obterá a afeição e a confiança dos alunos por
grande m oderação no uso das punições e das correções. G a­
ba-se de empregar, raras vêzes, a violência. “ Tenho tido sob
minha direção, diz, milhares de m eninos nos quais jamais
bati e que nunca tiveram precisão de apanhar” .
Para levar a cabo a obra da educação, tôdas as influên­
cias devem ser postas em exercício. As conferências entre
professores duma mesma escola produzirão os m elhores re­
sultados; é preciso ajuntar-lhes a cooperação dos pais. Os
mestres serão seus delegados e os seus esforços serão tanto
mais eficazes, qüanto mais. esclarecidos forem sôbre o caráter
e as disposições das crianças e quanto mais agirem em per­
feita conform idade de vistas com os pais.
Em tem po em que se negligenciava a educação do corpo,
M ulcaster não esqueceu êsse im portante assunto. “ Um es­
pírito vigoroso num corpo vigoroso, diz, é coisa digna dos
desejos dos pais que engendram e do mestre que educa” .
T odo professor deveria fazer estudos filosóficos a fim de co-
nhecer a im portância dos exercícios aos quais submete os
alunos. O autor das Posições prefere, aos exercícios pura­
m ente atléticos, os que enrijam o corpo; e os divide em duas
categorias: os do interior, que com preendem a palavra, a
leitura em voz alta, o canto, a dança, a esgrima e o jo g o do
pião; os do exterior, entre os quais assinala o passeio, a
corrida, o salto, a natação, a equitação, a caça, o tiro ao alvo,
o jô g o da bola. A poia a sua doutrina da necessidade dos
exercícios corporais no testem unho dos m slhores escritores
clássicos. Entretanto, a cultura física não é um fim : não
se deve procurar nela senão um m sio de realizar bem a
finalidade da vida tornando os nossos corpos sãos, á g eis, e
vigorosos.

Bibliografia — H. B . Englir.h peâagogy, seccnã series (H a r t ­


arnard

fo r d , 1 8 7 6 ). — o f ccluraticn, rrt. Mulcaitcr. — O l i p i i a n t , T he


Cy c l o p e d i a
EãucaUonal Writings o f Bicharã Mulcaster (G la fg o w , 1 9 0 3 ). — P a r m e n -
t i e r , Histoire ãe 1’íãucation cn Ánçf aterre. — Q u : c h , E/lwational Kefe.r-
mers (N e w -Y o r k , 1 9 0 7 ). —- P o s itic n s b y M u l c a s t e r , eãiteã by Quick
(L o n d r e s , 1 8 8 8 ).

C A PÍTU LO V I

O R EN ASCIM EN TO NA FRANÇA

O Renascim ento na França, foi retardado, por diversas


causas entre as quais é preciso assinalar:
1) A guerra dos cem anos, e. as dissenções interiores.
A s invasões inglêsas, as nossas derrotas de Crécy, de Poi-
tiers, de Azincourt, a ocupação pelo inim igo das nossas pro­
víncias do sul, as lutas sangrentas entre Arm agnacs e Bour-
guignons, as destruições realizadas no Norte pela Jacquerie,
a loucura de Carlos VI, a conquista de Paris pelos Inglêses,
são outros tantos elem entos de depressão e de decadência
para os estudos; -
2 ) A p este negra. Segundo um cronista, matou a “ ter­
ça parte do m undo” . Em Paris, a rre b a to u '80.000 pessoas;
e, no sul, mais da m etade dos habitantes;
3) O cism a do ocidente. A igreja, dividida a respeito
do papa legítim o, cai em desordens e desregram ento que
prejudicam o trabajho intelectual, cu jo elem ento essencial
é a calm a e a paz.
4) A invasão do espírito pagão. Esse espírito tem sua
fonte num estudo demasiado exclusivo dos autores pagãos.
Leva a rejeitar tudo quanto há de austero na religião, tudo
quanto contraria às propensões desregradas. A questão de
reform a não é senão um pretexto grosseiro do qual se ser­
virão Lutero, Calvino, H enrique V III e tantos outros, para
se livrarem de obrigações que acham m uito rigorosas. Disto
resultam conflitos, lutas encarniçadas que arruinam num e­
rosos estabelecim entos de educação e. paralisam os estudos
durante longos anos.

O Renascimento c"o r,scu’ o X V — Entre as causas que


contribuem para a volta da atividade intelectual, é preciso
m encionar a invenção da imorensa, as vitórias de Joana
d A r c sôbre os inglêses e a influência das outras nacões, da
Itália sobretudo. Mas não se deve esquecer que a França,
no século X V , colhe o fruto dos seus esforços anteriores.
“ Nem na literatura, nem na ciência nem na arte francesa, o
Renascim ento foi inteiram ente uma im nortação; constitui
antes o desabrochar e com o que a floração da nossa velha
civilização. Não se deve considerar com o revolução. mas
com o evolução, isto é, com o desenvolvim ento natural ( 1 ).

(1 ) K am baud, H istó r ia da C ivilização.


Êsse renascim ento teve um caráter cristão bem notável.
Manifestou-se:
1) No ensino superior, pela fundação de várias univer­
sidades: Nantes (1460), Bourges (1465), Bordéus (1473),
Reim s (1548), Douai (1562), Pont-à-M ousson (1572). Uma
das fundações mais célebres foi a do Colégio de França.
Buré foi o verdadeiro criador dessa instituição, dirigindo a
atenção de Francisco I para os progressos científicos da
época e o desenvolvim ento dos estudos filológicos. Em 1545,
o Colégio de França já contava doze cadeiras gratuitas: sete
para o grego e o hebraico, duas para matemática, uma para
o latim, filosofia e medicina. Budé foi, portanto, um dos
m elhores fautores do Renascim ento francês. É o tipo per­
feito dos humanistas católicos da época. D evem os-lhe, além
disso, o livro da Educação do príncipe, no qual desenvolve
as suas idéias sôbre o estudo dos autores antigos.
2) No ensino secundário, pela transform ação dos pro­
gramas de estudo. Sturm adapta, ao colégio de Estrasburgo,
os program as e os m étodos dos Jerônim os. Êsse sistema,
cuja eficácia se reconhece e se propaga pouco a pouco pelas
instituições de ensino secundário, tem por base essencial o
estudo das literaturas antigas.
3) N o ensino primário, pela fundação ou reorganiza­
ção de grande núm ero de escolas na m aioria das grandes ci­
dades: Lille, Douai, Dunkerque, Valenciennes, A uxerre,
Rouen, Cham bery, Nantes, Cherbourg, M ende, Bordéus,
Blaye, Libourne, etc. A briram -se até nas povoações e al­
deias.
As perturbações da R eform a e da Liga paralisaram por
longos anos os esforços da Igreja. L ogo, porém , que a tem ­
pestade se acalmou, as antigas escolas se reergueram ; cria­
ram-se outras. “ À voz dos concílios, almas nobres tomaram
em mãos a causa da infância e o nosso solo se cobriu de uma
floração m agnífica de escolas cristãs e de congregações
votadas ao ensino” . ( A l l a i n , A instrução primária em Fran­
ça, antes ãa Revolução, p. 42).
A França contou nessa época, com dois grandes escrito­
res que se ocuparam da educação: Rabelais e Montaigne.
Com méritos diferentes, deixaram páginas que se recom en­
dam à atenção dos educadores, e cuja influência se fêz sentir
m enos nas escolas do que nos grandes escritores pedagógicos
dos séculos seguintes.

Bibliografia — A l l a i x , L 'T n sirn ction primaire en Francc arant la


Févolution ( P a r i s , 1 8 8 1 ). — L e m e n e s t r e l , L ’ Instruction cn France da.
tcJ-cUc dc la T.cvolution? 4c. p a rtie ( P a r i s , 1 9 1 2 ). — M o r . B a u d r i l l a r t ,
L ’Êgluc calhctiqne, l a Fcnaissmce, 1c. Frotcstantisme ( P a r i s , 1 9 1 2 ). —-
E . d e B i i d é , Vic dc GuiUcntvic Budc ( P a r i s , 1 8 3 7 ). — P l a t it a t,t>, fíuillaume
Furte ct les origines dc 1’ humanismc français ( P a r i s ) . — R e b i t t é , Guillau-
me Fudé ratauraícur des études greeques cn France (P a r i s ).

I — F. Rabelais (1483-1553)

Rabelais inspira pouca simpatia. Alternadam ente reli­


gioso, m édico, pároco, hom em de ciência, se ridiculariza a si
próprio, zom bando dos seus diferentes estados: com o desfra-
dado, detesta os religiosos; com o pároco, não tem espírito
apostólico; com o médico, amarra ao pelourinho da irrisão os
m édicos de seu tem po e seus m étodos antiquados; com o ho­
m em de estudos e de letras, zom ba da ciência, dos humanistas
e dos letrados. No conjunto da sua obra, se manifesta
“ m onstro incom preensível” .
Entretanto, ao lado de suas depravações de espírito e de
imaginação, o seu livro encerra páginas delicadas, cheias de
bom senso e de razão. “ Onde é mau, diz La B r u y è r e , faz o
encanto da canalha; onde é bom , vai até o delicioso e o
excelente; pode ser o m anjar dos mais delicados” . A s pá-
ginas que tratam da educacão estão no núm ero das que
iustificam a adm iração de La Bruyère.

Caráter da pe:Tagogia de Rabeíais — A pedagogia de Ra-


belais é a prim eira aparição do realism o com o oposição à
educação da Idade-M édia. O autor do Pantagruel não co­
nhece a escolástica senão nos seus excessos e sua decadência,
c escreve: “ C om o é que, no m eio da luz que brilha em
nosso século, se acha ainda gente que não pode ou não quer
tirar os olhos dessa névoa gótica e cim eriana na qual esta­
mos en volvidos?” É tratar bem levianam ente um m étodo
ao qual devem os o adm irável século X III. Para êle, Gar-
gântua personificará o antigo sistema; e o pagem Eudemon,
representará a nova educação.
A educação antiga é m uito livresca. A pós vinte anos de
estudos, Gargântua sabe de cor todos os seus livros e pode
recitá-los até de trás para diante. “ Entretanto, o pai perce­
beu que nada aproveitava e, o pior, é que tais livros o pu­
nham doido, bobo, m uito cismador, e enfatuado” . A con­
versação, a inteligência, a cortesia e o sangue frio do jovem
pagem causam adm iração geral e Gargântua, diante de Eu­
demon, não pode articular uma palavra; contenta-se com
“ ch orar-com o vaca e esconder o rosto no chapéu” . Panta­
gruel consternado ccm esse resultado, confia o filh o a Po-
nócrates que recom eça a sua form ação, pelas bases, dando-
lhe educação ao mesm o tem po física, intelectual, m oral e
religiosa.

Educação fís*ca — Rabelais quer que o aluno seja m odêlo


de asseio. Gargântua se penteava prim eiro “ com os quatro
dedos e o polegar” mas, em breve, procura assemelhar-se a
Eudemon que estava “ tão frisado, tão elegante, tão escovado
que mais parecia anjinho do que hom em ” .
Faz tôda espécie de exercícios ao ar livre. Dá passeios,
m onta um corcel, fá-lo rodopiar, transpor fossos, saltar pa-
lissadas, dar voltas apertadas à direita e à esquerda; serve-
se do m achado, da lança, da adaga e do punhal, sempre com
a mesm a habilidade; dá caça ao cervo, ao corço, ao javali
e aos animais selvagens, joga a pela, luta, corre, salta, “ sobe
seis passos por uma m uralha” , nada com facilidade, manobra
o rem o e a vara de maneira adm irável. Em uma palavra,
sobressai-se em todos os exercícios corporais. Come com
apetite, mas “ o seu alm ôço é sóbrio e fru gal” . A sua ceia,
ao contrário, é “ copiosa e abundante” . Durante a refeição
lê-se alguma história agradável de proezas antigas e, logo
que se tern rn a a leitura, conversa-se sôbre “ a virtude, pro­
priedade, eficácia e natureza de tudo quanto se serviu à
mesa, ou se passa o tem po em boas conversas literárias e
úteis” .

Educação intelecturl — O aluno de Rapelais consagra


seis horas por dia ao estudo. L °vanta-se às quatro horas
da manhã; ao vestir-se repete as lições do dia anter;or. As
lições da manhã duram três horas. D epois do jantar, se­
guido de longo recreio, volta ao trabalho por mais três
horas.
Os estudos têm caráter educativo; com preendem , em
substância as sete artes liberais. Prim eiro, o estudo das lín­
guas: “ A ch o bom e quero que aprendas as línguas perfei­
tamente: prim eiram ente, o grego; em segundo lugar, o
lat:'m; e; depois, o hebraico para as letras sagradas; o cal-
daico e o árabe igualm ente” . Mas o aluno não menospreza
a própria língua; deve falá-la com clareza e precisão. Es­
tudará igualm ente a geom etria, a aritmética, a astronomia,
a história, o direito civil e a filosofia. A matemática será
ensinada por m eios intuitivos: mapas, jogos, desenhos, figu ­
ras geométricas, etc. As lições de astronomia se dáo pràti-
cam ente por observação “ das figuras, situações, aspectos,
oposição e conjunção dos astros” .
Rabelais dispõe as ciências da natureza em prim eiro
lugar, entre os estudos dignos do hom em . “ Eu quero, diz,
que não haia m ar nem rio nem ribeiro nem fonte, de que
não conheças os peixes; de tôdas as aves do ar, de tôdas as
árvores, arbustos e frutos das florestas, de tôdas as ervas da
terra e de todos os metais encontrados nas profundezas dos
abismos, das pedrarias de todo o oriente e do sul, nada te
seja desconhecido” . As lições de coisas se fazem sobretudo
à mesa, conversando alegremente “ sôbre a virtude, proprie­
dade, eficácia e natureza do pão, do vinho, da água, do sal,
das carnes, dos peixes, das frutas, ervas, raízes e do preparo
das mesmas” . Com pletar-se-ão as liçõ e s-co m visitas a m i­
nas, fundições, oficinas, canteiras, à casa dos ourives, alqui-
mistas, relojoeiros, impressores, tintureiros, etc., ouvindo
lições públicas, declsm ações, processos, sermões.
A s artes de divertim ento fazem parte do curso de estu­
dos. O aluno de Rabelais “ recreia-se” cantando por música
e aprende a tocar alaúde, espineta, harpa, flauta, viola e a
“ sacaue^outte” . O -program a é m uito vasto. Pelos desejos
do mestre, o aluno tornar-se-á “ poco de ciência” . Mas o
entendim ento não será sufocado sob êsse am ontoado de co­
nhecim entos? C oncordam os oue o program a não tem nada
demasiado abstrato; o preceptor a^re ao discípulo o livro da
natureza; dá grande im portância às lições de coisas, e o en­
tendim ento não pode senão ganhar nesse passeio através do
mundo. Entretanto, carrega a m em ória com tanta ciência
que é difícil não crer que terá “ a cabeça antes bem cheia
do que bem form ada” .

Educação mural e religiosa — Rabelais deseja fazer de­


senvolver em seu aluno as mais sérias qualidades morais.
Cerca-o de am igos alegres, instruídos, virtuosos; nesse m eio
assim escolhido, florescerão a amizade, as conversas alegres,
as qualidades sociais. Q m r mais ainda: recom enda-lhe en-
carecidam ente que sirva e tema a Deus, que ponha n’Êle
todos seus pensamentos e tôda sua esperança. “ Ciência sem
consciência, diz, só serve para a ruína da a lm a ... Descon­
fia dos abusos do m undo. “ Não deixes a vaidade tomar conta
do coração; esta vida é transitória,'m as a palavra de Deus
perm anece eternam ente; sê serviçal para com teu próxim o
e ama-o com o a ti próprio. Respeita os teus preceptores;
foge da com panhia de gente com a qual não te queres pare­
cer; não recebas em vão as graças que Deus te concede” .
Essa educacão é religiosa na prática; a piedade deve ser
verdadeira e não só exterior. Já, ao levantar-se, manda-se
o jovem ler uma página da Sagrada Escritura. Da contem-
placão das obras da natureza, a sua alma se eleva em ado­
ração íntima e pessoal “ ao divino plasm ador do universo” .
Após as refeições, dá graças a Deus “ por m eio de algum
belo cântico em lou vor da m unificência e benignidade di­
vinas” . À noite, antes de se deitarem, m estre e aluno rezam
ainda a Deus Criador “ adorando-o e confirm ando a sua leal­
dade para com Êle, e glorificando-o por sua bondade imensa;
e, rendendo-lhe graças por todo o tem po passado, se reco­
m endam à sua divina clem ência para o fu tu ro” .

Conclusão — Têm -se feito, ao sistema de Rabelais, dife­


rentes censuras. Antes de tudo seria bom ver a educação
m oral e religiosa basear-se em sólido conhecim ento de dou-
ti’ina cristã. Nenhuma m enção é aí feita dos deveres posi­
tivos do cristão e da freqüência aos sacramentos. Que ficará
dêsse vago deísmo, dessas efusões piedosas em face das obras
da criação? Essa religiosidade desaparecerá ao prim eiro
sôpro das paixões. É necessário a um m enino um conheci­
m ento aprofundado dos seus deveres para com Deus, para
com o próxim o e para consigo. Tais lacunas são inconcebí­
veis se se pensa que Rabelais era padre; justifiam demasiado
£> adrmraeão que lhe têm hipotecado os grandes escritores
naturalistas da educação: M ontaigne, Locke e Rousseau.
É ainda censurado por descuidar-se da form ação do senso
estético. Tal educação não é, entretanto, com pletam ente es­
quecida: o espetáculo da natureza, o canto, a música, a con­
tem plação do céu estrelado, as visitas aos artistas, “ corrigem
graciosam ente a febre da erudição” .
A educação que dá não é bastante literária. O aluno
estuda mais os com piladores da antiguidade, do que os ora­
dores, os historiadores, os poetas de Grécia e Roma. Enfim,
no curso de estudos falta a moderação. O m enino se torna
verdadeira enciclopédia. ’Sob êsse acúm ulo de conhecim en­
tos a sua personalidade arrisca-se a definhar e desaparecer.
4

B ibliografia — C o u t a u d , La p 'á a g o g ic d? R a b ela is (Paris, 1839). —


N ouyeau l m n i o n x a i r e de píüagoyic, ait. K \ i : k : , a i s . — D a m s e a u x , ll l s t o i -
re de la p cd a g o tjic , 4o. értition. — C o m p a y í ; é , I lislt.ire c ritiq u e des doetrinea
pédu/or/iques, I, 8 j . édition (Paris, 1011). — P. S o r Q U E T , L e s écriv a in s
p ed a g o g iq u e s du X I I : . -Jècle (Paris, s. d.). — A t a p p e b , S a b e la ú , sa per.
noniH , son tjenie, son o cu v rc (Paris, 1889).

II — M. de M ontaigne (1533-1592)

M ontaigne não é pedagogo de profissão. Os capítulos


dos “ Ensaios” que consagra à arte de educar os meninos são
de um conversador e nao de um profissional que tivesse a
pretensão de escrever uma teoria da educação. Mas, com o
se tem notado, “ M ontaigne que, de ordinário, tão pouco caso
faz do que diz, neste assunto tem idéias muito determinadas.
Expressa-as, por exceção, com seriedade, em concatenação,
sem se contradizer nem hesitar. Em parte alguma, talvez,
s e mostra tão original e tão interessante” . (F. K l e i n , E x­
trato de M ontaigne. Introd. p. 14). Essas idéias estão en­
cerradas no “ Ensaio sôbre o ped.antismo” . no capítulo da
Instrução dos m eninos e em vários outros lugares dos “ En-
f-aios” , principalm ente no livro II, cp. VII, “ Da afeição dos
pais pelos filhos e no livro III, cap. VIII, D e Vart de conférer.
Pode-se distinguir, na pedagogia de M ontaigne, uma
parte negativa e outra positiva. Assinala prim eiro os abusos
de seu tem po, depois expõe as idéias pessoais.

1. Os vícios <Ja educação no X V I século — M ontaigne


assinala, sobretudo, três defeitos que prejudicavam a edu­
cação de seu tem po:
a) Os maus tratos. Certos mestres faziam da escola
nm inferno. M ontaigne reprova energicam ente essa severi­
dade. “ Largai, diz, a violência e a fôrça; não há nada em
minha opinião que faça degenerar e apatetar tanto uma na­
tureza bem n a sc id a ... Essa disciplina da m aior parte dos
nossos colégios sempre m e desagradou. É uma verdadeira
enxovia de juventude cativa. Chegai à escola à hora dc
exercerem o seu m ister: não ouvireis senão gritos e vereis
crianças supliciadas e en coleriza d as... Não tenho visto ou­
tros efeitos das varas a não ser tornar as almas mais pusi­
lânimes ou mais m aliciosam ente obstinadas” .
b) O pedantismo. Entre os contem porâneos de M on­
taigne, êsse defeito consistia sobretudo, no abuso da dialética
e na audição indigesta. Ensinava-se, nas escolas, uma esco-
iástica que o autor dos Ensaios ju lga m uito severamente;
faz-se depreciar pela sua mania de discussão: “ Quem deri­
vou da lógica o seu entendim ento? diz; onde estão as belas
promessas? Vê-se, porventura, mais confusão na tagarelice
das vendedeiras de arenque do que nas discussões públicas
dos dialéticos? Baroco e baralipton é que tornam as suas
escoras tão enlameadas e enfum açadas” .
O pedantism o «dos humanistas o irrita profundamente.
Acha-lhes “ o cérebro demasiado cheio” de uma erudição de
má liga; entre êles a m em ória abafa o entendim ento: “ D i­
rei de bom grado que, com o as plantas se sufocam com a
demasiada umidade e as lamparinas com demasiado azeite,
assim sucede com a ação do espírito por demasiado estudo
e matéria excessiva; ocupado e em baraçado com grande di­
versidade de coisas, perde o m eio de se desem baraçar e esta
carga o conserva curvado e encharcado” .
c) A educação dem asiadam ente livresca. Tais mestres
são incapazes de bom ensino: recorrem à m em ória de m odo
demasiado exclusivo. Tratam a criança com o ser passivo e
lhe im põem as idéias já feitas e “ emplumadas com o orá­
culos” .
Assim com o os pássaros levam o grão no bico sem o
provar, assim tam bém êsses pedantes “ vão pilhando a ciên­
cia nos livros e não a colocam senão na ponta dos lábios,
sòmente para a despejar e publicar” .
M ontaigne desconfia, não sem razão, da febre de ciência
dos humanistas e o program a enciclopédico de Rabelais lhe
parece m onstruosidade à qual endereça várias das suas crí­
ticas.

2. Idéias de Mcntaigne sôbre a educação — Depois dessa


censura dos abusos, M ontaigne expõe as próprias idéias.
Podem reduzir-se aos pontos seguintes:
a) Seu ideal é preparar um hom em social. Inform a-
nos que o seu sistema é feito “ pará um filho de casa nobre
que procura as letras e a disciplina, não tanto pelo lucro
nem pelas com odidades exteriores quanto pelas próprias” .
Esta idéia nos faz com preender por que quer uma form ação
que auxilie servidores e preceptores. Mas sai muitas vêzes
do quadro da instrução privada e trata questões de alcance
mais geral. Salvo alguns porm enores, seu sistema convém
a todos os tem pos e a tôdas as condições.
b) A instrução d eve prevarar a criança para a vida
real. A utilidade. tal é o ideal de M ontaigne. o fundo de
sua pedagogia. A crianca não aprenderá as ciências a não
ser para se servir das mesmas; e o nrim eiro resultado da
instrução deve ser o de torná-la m elhor, mais precavida.
“ Se a sua álma não tem nor ela m °lh or imnulso. antes ti­
vesse passado o tem no a jogar a pela. “ Fm tôdas as c ;ên-
cias, será nreciso lim ítar-se ao aue é verdadeiram ente útil;
com o resultado definitivo, o alu^o deverá ficar anto a “ fazer
tôdas as coisas e a não gostar de fazer senão as boas” .

c) O v recev to r terá antes a cabera bem fn^mnda do


que “ bem cheia” . Tal é a oualidade especial oue Montaigne
exige do educador. A missão do m estre não é encher a
memória, mas form ar o entend:mento. O seu principal
cuidado será habituar a crianca a desconfiar das palavras,
a não aceitar as ooiniões já feitas, “ a inspirar-lhe o ódio da
convencão, das fórm ulas vazias ou mal comnreendidas, o
horror dos arrazoados m ecânicos, e dos cham ados princípios,
de que se quereria, num abrir e fechar de olhos, extrair a
verdade tôda pronta, com o a farinha de um m oinho girató­
rio” . (F. K l e i n ) .

d) Form ar o entendim ento da criança. É o pensamen­


to dom inante da pedagogia de M ontaigne. Levanta-se com
energia contra o que se chama hoie o atocham ento. “ Não
cessam de vociferar a nossos ouvidos com o quem despeja
num f u n i l... Não trabalhamos senão para encher a m em ó­
ria e deixam os o entendim ento e a consciência v a z ia ...
Tem os a alma não m uito cheia mas até enturgecida. “ O
resultado mais evidente da sobrecarga é em brutecer a
criança: “ não há nada tão gentil com o as criancinhas da
França; mas ordinàriam ente iludem a esperança que delas
se concebeu. Eu tenho ouvido sustentar, a gente entendida,
que êsses colégios a que as mandam as em brutecem assim” .
Para im pedir esta deform ação, é preciso desenvolver o
pensamento pessoal da criança: “ Que o que se acaba de lhe
ensinar, lhe façam exprim ir de cem maneiras diversas para
ver se o fêz bem seu e está bem com preen d id o. . . A s
abelhas saqueiam as flores aaui e acolá, mas fazem depois
o m el que é todo delas; não é mais nem alecrim nem man-
gerona. Ass m o aluno transform ará as pecas montadas por
outro, e as misturará para fazer obra tôda s u a ... Oculte
tudo o que é emprestacfo e não apresente senão o que fêz” .
e) Im portância áa educação física. M ontaigne reclama
em favor do corpo, que é por demais esquecido. “ Não basta
enrijar a alma, diz, é preciso também enrijar os m úsculos” .
Os jogos e os exercícios corporais deverão tomar parte de­
terminada do dia do aluno: “ Endurecei-o para o calor e
pará o frio, para o vento e para o sol; tirai-lhe tôda efem i-
nação e delicadeza no vestir, no deitar-se, no com er e no
beber; acostum ai-o a tudo; que não seja m oço belo e galã
mas robusto e vigoroso” .
Montaigne com preende excelentem ente a máxim a dos
antigos: A lm a sã em corpo são. “ Não é urm alma. diz, não é
um corpo que se adestra, é um hom "m . Não se deve tratar
de duas coisas. C cm o diz Platão, rã o se deve adestrar um
sem o outro mas conduzi-los igualm ente com o uma parelha
de cavalos atrelados à mesma lança” .
f) Tornar o ensino interessante. A classe deve ser
agradável e não parecer prisão. M ontaigne a quereria “ jun-
eada de flores” e ornada de lindas estampas: “ Nela man­
daria pintar a A legria e- Flora e as Graças” . Mas é preciso,
sobretudo, tom a r as lições atraentes. Para isso, o mestre
estudará os gostos da criança a fim de a dirigir ao invés de
a constranger. Dar-lhe-á, em seguida, “ uma honesta curio­
sidade sôbre tôdas as coisas” ; êle lhe ensinará a observar
“ tudo quanto há de singular em volta dela: um edifício, uma
fonte, um homem, o lugar de uma batalha antiga, a passa­
gem de César ou de Carlos M agno” . Enfim, deverá colocar-
se à altura dela “ fazê-la correr diante de si para julgar o
seu andar e ver até que ponto se deve abaixar para se aco­
m odar a sua fôrça ” .
g) M anter uma disciplina de “ severa doçura” . É a
própria expressão: “ Tôda escola deve ser guiada por seve­
ra doçura” . Os mestres m ostrar-se-ão severos no que con­
cerne ao enrijam ento do corpo; para tudo o mais se despoja­
rão de tôda severidade e tornarão raros os castigos: “ Se
tendes desejo de que a criança receie a vergonha e o castigo,
não a calejeis nêles” . Mas a doçura não deve degenerar em
fraqueza, e .M ontaigne não é partidário do “ deixar fazer” e
do "deixar passar” . Quer que sejam m uito firm es na re­
pressão da ■m entira” e da “ obstinação” .
A indisciplina provém , muitas vêzes, de que as crianças
não estão suficientem ente ocupadas: “ Com o vemos, diz,
terras incultas, se são fortes e férteis, form arem cem m il
espécies de ervas silvestres, o m esm o se dá com os espíritos;
se náo as ocupam em certo exercício que as reprima e as
constranja, nao há loucura nem invento que não produzam
em sua agitação” .

3 . O cu rso de estudos — Que devem aprender as crian­


ças? “ O que terão de fazer quando forem hom sns” , respon­
de M ontaigne, indicando-nos assim que o seu program a é
sobretudo prático. O curso de estudos é m uito superficial;
mas não esqueçam os qüe o autor dos Ensaios reage contra
o program a enciclopédico de Rabelais e que educa um filho
de família. O aluno estudará:
a) A natureza. Êle se fam iliarizará com as cousas
usuais, aquelas que vê todos os dias. O m undo, eis o seu
íivro favorito. “ Um gabinete, um jardim , a mesa, o leito, a
solidão, a companhia, a manhã e a tarde, tôdas as horas lhe
serão iguais, todos os lugares lhe servirão de estudos” . É a
lição de coisas antes da letra.
a) A natureza. Êle se fam iliarizará com as coisas
prim eiro a língua materna. ■ “ Eu quereria prim eiram ente sa­
ber bem a minha língua e a língua dos meus vizinhos” , diz.
O estudo das línguas se fará cedo e, quanto possível, por
uma estada no estrangeiro. R elega a segundo plano as
línguas mortas; o aluno as estudará m enos pela gram ática do
que pelo uso e pela conversação.

c) A história. M ontaigne a julga m uito útil para a


form ação do entendimento. “ É espelho a que’ devem os olhar
para bem nos c o n h e c e r ... Tantos temperam entos, seitas,
juízos, opiniões, leis e costumes nos ensinam a julgar sensa­
tamente os nossos” . E acrescenta, com infinita razão: “ Não
ihe ensinem tanto as histórias com o a julgá-las” . O intuito
final dêste estudo é “ tornar m elhor e mais sábio” .

d) A filosofia prática. A filosofia é, para M ontaigne,


estudo de im portância capital. Talvez até exagere o valor
quando diz que ela “ nos ensina a viver e que a criança aí
tem sua lição com o as outras idades” . Tem razão quando
deseja vê-la ensinada pela prática, fazendo apêlo à reflexão
da criança e não semente à sua mem ória. Com esta condi­
ção será em inentem ente “ form adora dos juízos e dos costu­
m es'’. Noções de física e de geom etria acom panharão o en­
sino da lógica.
4. Os métodos — Os conselhos de M ontaigne sôbre os
m étodos são cheios de exposições interessantes. Em prim ei­
ro lugar, insiste constantem ente no em prêgo dos m étodos
ativos. Viu, até demais, que os educadores do seu tem po
tratam a criança com o um ser passivo; êles lhe im põem
idéias feitas. Quer que o aluno com preenda o que aprende,
que o aplique e tom e o hábito de provar o que afirma. É a
conseqüência da sua idéia fundam ental da educação do juízo.
O trato dos hom ens é m eio muito eficaz de forrnar o
espírito: “ Para aprender a julgar e a falar direito, tudo o
que se apresenta a nossos olhos serve de livro suficiente: a
doença de um pagem, a tolice de um em pregado, uma con­
versa à mesa são outras tantas matérias novas” .
M ontaigne, tendo horror à educação livresca, insiste sô­
bre a necessidade da observação direta. Nada substitui o
contacto com a realidade. Uma lição que saia, r ã o dos li­
vros, mas das coisas e dos fatos observados, retém-se bem
melhor, sobretudo se é acompanhada de aplicações práticas.
Assim o m étodo intuitivo é claram ente indicado.
E n f:m. recom enda as viagens com o com plem ento de tôda
educacão esitierada. São indispensáveis ao estudo das lín­
guas vivas; ocasionam o conhecim ento dos hom ens e form am
o entendim ento. Tira-se uma luz maravilhosa para o juízo
humano do trato habitual do m u n d o ... A crianca aprende­
rá a atritar e a lim ar seu cérebro de encontro ao de outrem ” .
A s viagens alargam o espírito e destroem os preconceitos de
castas e de países. É por falta de viaiar oue pessoas há
que têm “ a vista limitada ao com prim ento do nariz” .

CVítío^s dVfiti^a" à re^agopra de Mortaigne — Tem-se


julgado severam ente algumas idéias de M ontaigne. E em
prim eiro lugar não insistiu êle demais sôbre a educarão do
entendim ento e negligenciou a das outras faculdades? Êle
esquece que a m em ória e a im aginação dão elem entos à
razão e que convém apoderar-se desde a infância dessas duas
faculdades: de uma “ para aí im plantar alguns princípios que
é menos fácil fixar mais tarde” , e da outra para alm en tá-la
convenientem ente de imagens, cenas, quadros, que servem
para gravar mais profundam ente, no espírito, as verdades
gerais.
Seu program a é com pletam en te insuficiente. O jovem
form ado por M ontaigne r ã o passará de amador, que nada
terá aprofundado. A juntem os qu°.. desejando tornar o es­
tudo agradável, chega a destruir tôda a energia, tôda a von­
tade na criança.
Mas o ma;or defeito talvez dessa pedagogia, é a falta de
coração. M ontaigne é um egoísta: não ama os iov°ns. Quan­
do peouenos, os afasta de si, não com oreendendo r o r oue
são amados. Chega até a dizer oue é nreciso prpfar;r livrns
aos filhos. “ A s criarõ^s de no^so esnírito são m a;s rossas” .
Acêr^a da educarão fem inina, su^s vistas são m uito es­
treitas. Recu=a-lhes m esm o o entpndim^ntn. e a nrova oue
dá p oue dos filhos amam soVpt.udo os mais fracos e os nue
se lhes pendem do colo. Para êle. a m ulher é ^a^ta^t" sá^ a
ouando d :ferencia a camisa do gibão do m arido. L " m ^ t a
cu e suas contem porâneas pretendam erudição e “ cit°m P la­
tão e santo Tom ás” , nos quais nada com preendem . Retórica,
ciência, dialética, são para elas “ drogas vãs e inúteis” . O
estudo da poesia lhes convém . Adm ite que tenham noções
de história e de filosofia m oral; “ nesses conheom -m tos apren­
derão a dirigir a sua liberdade, amnliar os prazeres da vida,
e suportar humanamente a inconstância de um servo, a ru­
deza de um m arido e a im portunidade dos anos e das rugas” .
Suas vistas são igualm ente m uito incom pletas no oue
diz respeito à educarão moral. Algum as vagas roções de fi­
losofia são im potentes para form ar a consciência de uma
criança; é necessário um ensinamento baseado no Evangelho,
e êsse ensinam ento falta no sistema de M ontaigne. O dever
está igualm ente ausente, e a vontade encontra pouco para
se exercer, pois que tudo é calculado para pedir à criança o
m enos possível de esfôrço. Esta pedagogia poderá dar-nos
um epicurista de hábitos côm odos; não nos dará um caráter
viril, uma consciência esclarecida, uma alma franca e soli­
damente cristã.

IníluSncia de Montaigne — Concorda-se em reconhecer


em M ontaigne um dos “ pais da pedagogia” . Os solitários
de P rot-R oyal inspiraram-se nêle; L ock e e Rousseau pedi­
ram -lhe largos empréstim os; Q uick colocu -o no núm ero dos
grandes “ reform adores” da educação; a Inglaterra, a A lem a­
nha, a-A m érica lhe consagraram num erosos estudos. E isso
não nos deve surpreender. Apesar das suas lacunas, o es­
boço de M ontaigne contém excelentes idéias. Guizot escre­
veu um arrazoado que resume todos os seus m éritos: “ M on­
taigne oferece-nos tudo quanto pode dar uma cabeça equi­
librada livre e forte, que penetra as leis da natureza huma­
na, e apoia todas as suas opiniões sôbre um conhecim ento
profundo do hom em , de seus direitos e do desenvolvim ento
de suas faculdades. Creia-se tudo quanto aconselha; faça-se
tudo quanto ordena; poder-se-á ter alguma coisa a acres­
centar mas é preciso passar pelo cam inho que tom ou” .

B ibliografia — M o n ta ig n e , De 1’In stru ction ães en fa n ts ct cxtra lts


p cã a g og iq u cs, prr G. C om p a yré ( P a r s, 1SSS). — C om p a yré, M o n ta ign e
ou l ’ éilucationdu ju g cm cn t (P a r is , T to l a jf a u e ). — E . IlÉitON, Cours ãe
litícra turc, I (P a r i s , D e l a g r a v e ) . — F. K l e i n , E x tra its de M o n ta ig n e ( P a ­
ris, 1 8 9 5 ). — Q u i c k , E duea tional lic fo r m cr s (L o n d r e s , 18 33). — V i l i . e y ,
Influen.ee clie M o n ta ig n e lu r lcs idces p cã a g og iq u cs ãe L ocV c et de lio u s-
seau (P a r i s , 1 9 1 1 ) . •—• M i c i i a u t , D e V eãucation des en fa n ts ( P a r i s ) .
PEDAGOGIA PR O TESTAN TE

A m aior parte dos manuais de história da educação afir­


mam com o verdades incontestáveis: 1. Que a escola popu­
lar data da Reform a. 2. Que a R eform a reergueu a ins­
trução. V ejam os ràpidamente o que se deve pensar disso.

A esccla popular data da reforma? — M. Com payré asse­


gura-o: “ O ensino prim ário em seu com êço, diz, é coisa
protestante e a R eform a foi seu b erço” (1 ). M. Bréal é do
m esm o parecer. Diz que a fé católica dom inou durante lon­
gos séculos sem pensar em instruir o povo, e que o ensino
popular estabelecido antes do X I X o século é “ filh o do pro­
testantism o” (2 ).
Com o já vimos, o ensino elem entar rem onta bem mais
alto. J. J, A m père não receia afirm ar que Carlos M agno
havia estabelecido mais escolas populares do que as que
existem hoje (3). Num artigo retumbante, M. Louandre
rfirm ava, em 1877, aue desde o X o século, todos os cam pone­
ses da Norm andia sabiam ler e escrever (4). Os arquivistas
têm provado de maneira irrefutável que numerosas escolas
existiam, desde o X IIo século, em tôdas as províncias da
França (5 ). A Alem anha nossuía igualm ente grande núm e­
ro de escolas primárias. “ O catolicism o, diz M. Eug. Rendu,

(1 ) TJistoire d c la pcãac/opic% ÜS.a erl., p. 00.


(2 ) Q aelques m o ts sur V in stru ctio n publique cn F r a n cc , 2 o cd.,
p. i 3 .
(3 ) H iulnire litirrnirr ilr 7a Frnvrr ovnnt Charlcvmgne, I I I , p. 230.
(4) Turvr der- Frux-Wcmâ nt 1 5 j a n v i e r 1 87 7 .
A l l a i n , L ’Initruciion primairc cn France avant le Févolution,
p. 21 à 40.
havia povoado a Alem anha de escolas populares com o o res­
to da Europa; quis què o clero chamasse a essas escolas tanto
os filhos dos servos com o os dos hcm ens livres; que todo
padre tendo cura de almas desse a instrução ou pessoalmente
ou por um clérigo, e que o vigário de cada paróquia propor­
cionasse ao povo ensino gratuito” ( 6).
■ Em seu livro sôbre as escolas paroquiais da Escócia, J.
Grant diz: “ Nossas escolas não foram criadas por ato do
parlam ento mas fundadas pela Igreja ou pelo próprio p ov o”
(7 ). D ocum entos autênticos provam que êsse país possuía
grande núm ero de escolas primárias no com êço do X IIo
século.
R oger Baeon escrevia que jam ais tinha havido tanto de­
sejo de instruir-se, tanta aplicação ao estudo, com o em sua
época em que existiam escolas em cada povoação ou castelo.
As pesquisas mais recentes não fazem mais que confirm ar
essa asserção. A Igreja, m uito antes da Reform a, havia or­
ganizado, na Inglaterra, todo um sistema de educação po­
pular. “ Estou convencido, disse um autor protestante, que
o núm ero extraordinário de fundações de escolas após a re­
form a de 1547 não era a conseqüência de um zêlo novo pela
ciência mas uma reorganização bem im perfeita do que se
havia destruído de maneira tão súbita e tão desastrosa” (8).
O presidente do Parlam ento dizia à rainha, em 1562, que mais
de cem escolas destruídas pela R eform a não haviam sido
reabertas. Rashdall, em sua grande obra sôbre as universi­
dades; dom Gasquet, em seus estudos sôbre a vida paroquial,
na Idade-M édia, chegaram a essa mesma conclusão de que
o ensino popular estava perfeitam ente organizado, na Ingla­
terra, antes da Reform a. O m esm o se dava em todos os
outros países da Europa.

(<>) H a p p orts sur V in sfn trlio n pnpnlaire ânns 1’ Allcmartne du N ord .


(7 ) I l i s t o r y c f the burgh and parinh schn oh os Scoíland, p. 25.
(8 ) T h o e o ld TOGEKS, Six ccnturics of worls and w agcs, I, p. 1G5.
A reforma reergueu o esrta^o da instrução? — Certos es­
critores, entre outros d’A ubigné e M ichelet, afirmaram, com
cr de triunfo, que no m om ento da Reform a a instrução se
achava em estado deplorável Nada mais falso. Nessa épc-
fa havia, na Europa, 72 universidades tôdas católicas (1).
A o redor dessas universidades, agrupavam-se m ultidões de
colégios e escolas: contavam -se 300 em O xford; 60, em Paris;
mais de 40, em Lovaina. etc., sem contar as casas de estudo
fundadas pelas ordens religiosas e pelos seminários estabe­
lecidos pelos bispos.
Junto a cada catedral elevava-so um pequeno seminário
para a form ação dos m eninos destinados ao estado eclesiás­
tico. Todos os m osteiros tinham sua escola interior e sua
escola exterior. A s escolas elementares eram inujn-ráveis.
Os. Jerôm m os hav:am fundado Prarde núm ero delas na A le­
manha e nos Países Baixos. Na Franca, elas existiam até
nas mais hunvldes aldeias. ProD ordonalm ente à população,
as grandes cidades possuíam mais esta b elecim en to escolares
do oue em nossos dias Havia, em Paris, no X IV século,
trinta escolas paroauiais para as meninas.
A freqüência escolar era, em coniunto, sat:sfatória. A
Instrução rã o estava, pois, cm situação deplorável: podia ser
melhorada, sem dúvida, mas estava em plena prosperidade.
Mas há mais. N ão só a R eform a n^o reergueu a instru­
ção, com o até lhe foi prejudicial em todos os países onde se
estabeleceu. Seria excessivo acusar os çhefes da heresia de
se terem pronunciado contra a cultura das letras e a educa­
cão do povo. Entretanto Janssen, segundo D ollinger, não
hesita em escrever que “ onde a nova doutrina se desenvolvia
livrem ente, inum eráveis pregadores trabalhavam para arrui­

(!)■ Est av am assim r e p a rt id a s : 20 na F r a n ç a , 15 na Alem a nh a, 15


n a I t á l i j . 7 na E-p nn lia, 3 na E sc ó ci a . 2 na Ing laterra , na Á u st r ia e na
Suiça, uma na B é 'g i c a , em P o r t u g a l, na P o lô n ia , na I lu n g r ia , na D i n a m a r c a
t na Suécia.
nar inteiramente tôda cultura intelectual. Conscientemente
tinham em mira fundar o reino da m ultidão ignorante. V ol­
tavam às doutrinas que os hussitas haviam pregado no X V o
século: quem se entrega às artes liberais é um o r g u lh o s o ...
as escolas devem ser destruídas” (1) Lutero mostra-se par­
ticularm ente irritado contra a filosofia e a teologia escolás-
tica; não há invectivas bastante brutais contra as instituições
em que são ensinadas. Chama às universidades “ templos
de M oloque, cavernas de m alfeitores, sinagogas de perdição” .
Qualifica os teólogos de “ asnos grosseiros, velhacos miserá­
veis, caldo m aldito do in fern o” . Chega até a dizer: “ De-
via-se deitar fogo às universidades, porque nada de mais dia­
bólico existiu desde o com êço do m undo” (2 ). Infelizm ente
nuas palavras não ficaram letra morta. “ Na Alemanha, es­
crevia, deixam definhar o ensino. A s escolas superiores es­
morecem , os conventos são fechados, a planta seca, a flor
cai. Onde os conventos e as abadias foram supressos, nin­
guém consente em educar os filh os” (3). M elanchton escre­
via igualm ente: “ Nos países alemães, tôdas as escolas de­
sapareceram. Desgraça para o m u n do!” Os humanistas não
escondiam seus receios de ver reaparecer uma barbárie capaz
de destruir os últim os fracos vestígios da religião e das letras.
Algum as cifras acabarão de provar o que afirmamos. A
Universidade de Praga, tão orgulhosa de contar, no com êço
do X V o século, até 60.000 estudantes, não tinha, em 1550,
senão 8 professores e .30 alunos; a de Viena que, em 1519,
Lavia recebido 661 inscrições, não recebeu senão 12 cm 1532;
Colônia desceu, em 1534, de 2.000 estudantes a 54; Erfurt, de
311 a 14, em 1527. Heidelberg, Rostock, G rifswald, foram
obrigadas a fechar as portas e os professores viveram em
estado vizinho da miséria. Os alunos que restavam nessas

(1) D o l l i n g e r . R e fo r m e , I . p. 4 4 0 ; J a n s s e x , I I , p. 315.
(-) Cita do p or J a n s s e n , I I , p. '3 1 1 ; I I I , p p . 433-43 4.
(3 ) V e ja - s e J a n s s e n , I I e I I I .
universidades eram tão viciados, tão independentes, que se
tornaram ingovernáveis. Os próprios mestres estavam p ro­
fundam ente divididos por questões político-religiosas.
Êsse estado de coisas foi com um a todos os países onde
se inrtoduziu a Reform a. Um vento de m orte soprou sôbre
a Alemanha, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, a Suíça,
os Países Baixos, e mais tarde, sôbre a Inglaterra, a Escócia,
a Irlanda e até a França.
Adem ais, a R eform a nos legou certo núm ero de princí­
pios funestos, entre outros, a intervenção abusiva do Estado,
a sua apropriação ou tentativas de apropriação das escolas,
a idéia da neutralidade escolar. É evidente que o Estado,
guarda dos interêsses públicos, deve ocupar-se do ensino;
mas, suas funções em m atéria ed&cacional, restringem -se a
proteger, a velar, a prom over. . Os reform adores não o en­
tendiam assim e desejavam “ ver só a autoridade tem poral
encarregada da organização das escolas” . Éberlin de Gunz-
burg, religioso desfradado, pregador e panfletário, pedia o
ensino gratuito e obrigatório. Com o se a gratuidade não
houvesse sido, desde os prim eiros séculos, um dos princípios
das escolas fundadas pela Igreja! Com o se até então a Igre­
ja e o Estado não houvessem constantem ente unido seus es­
forços para assegurar a freqüência escolar! O mesmo Éber­
lin quereria banir das universidades a filosofia e os autores
escolásticos; quanto aos livros de direito canônico deseja vê-
los queim ados nas praças públicas.
Eis os hom ens que certos historiadores da pedagogia nos
apresentam com o fundadores do ensino popular. É difícil
crer que sua influência tenha sido favorável à instrução.
Não chegarem os a dizer, com Stockl, que não há um só prin­
cípio de pedagogia nos ensinos da Reform a, mas é bem per­
mitido verificar que, desde essa época, a pedagogia tem sido
im pregnada de funestos princípios, cujos traços encontram os
nos escritos de Sturm, Rabelais, Montaigne, Coménius Rous-
seau, Pestalozzi, Froebel, Herbart, Spencer, e dos nossos m o­
dernos racionalistas e livres-pensadores.

B ibliografia — M gk. B a u d k illa r t , L ’Ê g lise ca th o liq u e, la B en a issa n .


ce, le p rotesta n tism o. — J a n s s e n t L ’A H . magnc ct la R e fo r m e , 3 vol. (P a­
ris. 1 S S 9 ) . '— P. M c G i v n e y , B efo rm a tio n and eãucation ( N e w - Y o r k , 1 9 03).
— M o r . P a q u e t , L ’£ g l i s e et 1 ’éJ v ea tio n , eh.. I X (Q uébee, 1 9 0 9 ) . — R. P.
S c h w i c k e b a t h , J e m i t E d u c a tio n , eh. I I (S a i n t L ou is. 1 9 0 4 ).

LU TER O (1483-1546) E SEUS DISCÍPULOS

A vida e ação religiosa de Lutero são conhecidas. O or­


gulho foi a causa de sua revolta, e sua pretendida reform a
cobriu de sangue e de ruínas grande parte da Europa. Não
se deveria chamar reform ad or; é essencialmente um rebelde,
um revoltado, um destruidor.

Seus escritos pedagógicos — Consistiram, sobretudo, em


três cartas em que convida pais, pastores, magistrados e ho­
mens de Estado a se ocuparem diligentem ente da educação
da juventude.
a) Carta aos senhores alemães (1520). Atrai a aten­
ção sôbre a má organização das universidades. R eprova fo r­
temente a antiga educação. Os ginásios e os mosteiros são
“ estábulos de. burros bípedes” e deseja ver essas escolas
desaparecerem. Os senhores farão boa obra favorecendo o
estabelecim ento de bibliotecas onde se reunirão sobretudo a
história e as crônicas do passado. O Estado deveria intervir
e forçar os pais a instruir os filhos. “ É preciso, escreve
Lutero, que os senhores tom em essa causa em mãos, que as
autoridades responsáveis pela fôrça e prosperidade públicas
as assegurem pela instrução, honra e educação dos cidadãos” .
b) A p êlo aos magistrados (1524). Lutero, tendo veri­
ficado a decadência dos estabelecim entos de educação, exorta
os conselheiros a fundar por tôda a parte escolas cristãs.
Pespendem -se im portâncias consideráveis em trabalhos de
utilidade pública: não se deveria tratar da educação? E os
alemães não deveriam em penhar-se em se colocarem a par
dos povos vizinhos aue os chamam de loucos e de animais
(Germ aniae bestiae) ?
A pós tais observações recom enda o estudo das línguas
antigas: latim, grego, hebraico. “ A s línguas são o estojo que
contêm o espírito e os vasos que contêm as verdades religio­
sas” . Os m eninos aprenderão ainda a história, o canto, a
música, a matemática. Para êles, urge fundar numerosas
bibliotecas. Lutero lamenta que se descure a literatura na­
cional e trata os com patriotas de “ ingênuos que não sabem
senão rastejar, com er e beber” .
c) D iretivas aos inspetores (1538). Essa carta dá as
grandes linhas do sistema de educacão de Lutero. Êsse sis­
tema nada tem de original; o dos Jerônim os era m uito su­
perior. A s idéias pedagógicas contidas nesse escrito não são
novas. Só alguns princípios funestos: estadismo, obrigação
escolar, etc., são dêle. Um exam e rápido nos convencerá
fàcilm ente disso.

Princíp-os de educação — a) Os pais são resvonsáveis


pela educacão dos filhos. Sua autoridade vem de Deus. D e­
vem m ostrar-se por sua vez brandos e firm es, não abusar da
vara, porque os maus tratos irritam os m eninos e fazem nas­
cer, em seu coração, sentimentos de ódio.
b) O Estado d eve organizar o ensino; sua intervenção
é obrigatória. A cim a julgam os essa concepção de Lutero e
dos doutores luteranos Foi por êles que essa concepção
passou a ser hábito dos governos.
c) L utero se pronuncia pela escola obrigatória. Dá
com o m otivo que os pais são negligentes em mandar instruir
os filhos. Quer que se obrigue, coisa que a Igreja jamais
fêz. A obrigação escolar é um produto do “ cesarismo p ro­
testante e do absolutism o jacob in o” . “ É abuso do poder.
Não é perm itido ao Estado im por aos meninos, por via penal,
a freqüência em uma escola qualquer. A obrigação vai dar
fàcilm ente na regulam entação oficial de tudo quanto se re­
laciona com o funcionam ento da escola. Essa uniform ização
é absurda, perigosa e tirânica: absurda porque tende a
cunhar as almas mais diversas e as inteligências mais desi­
guais numa mesma efígie; perigosa, porque prepara os ca­
minhos à neutralidade escolar; tirânica, porque muda a ini­
ciativa particular, entrava o progresso, paralisa a liberdade
( 1) ” .

d) A religião é a base ãa ed,ucação. Idéia justa, ex ce­


lente; mas é de L utero? A Igreja já não havia feito da reli-
irão a ciência fundam ental. D o m esm o m odo Lutero con­
sidera o canto com o elem ento im portante da educação reli-
giosa. Escrevia a Sensel: “ A juventude deve ser educada
nessa arte divina que torna os hom ens m elhores, e não con­
sidero bom mestre quem não cabe cantar” . Lutero não faz
: enão recom endar o que, desde os prim eiros séculos, estava
( m uso na Igreja. Santo Agostinho fala das lágrimas deli­
ciosas que lhe faziam verter os hinos sacros na época da sua
conversão. Na Idade-M édia os m eninos cantavam cantigas
cujo assunto ordinário eram as verdades da religião, as nar-
i ações da Bíblia, os atos dos santos e dos heróis.

(1) Mgii. P a q u e t , L yÉ,glise et V ed u ea tio n , p. 258.


e) L u tero faz boas recom endações con cernentes aos
m étodos: necessidade de adaptá-los à natureza da criança;
obrigação para o mestre de conhecer as faculdades da alma,
os instintos, as inclinações, o caráter. A educação física pa-
rece-lhe digna de atenção: recom enda a ginástica, a esgrima
e todos os exercícios próprios para conservar a saúde do
corpo. A s crianças deviam aprender, na escola, os deveres
práticos da vida: os meninos, uma profissão; as meninas, a
econom ia doméstica.
f) O recrutam ento e a form ação dos m estres são ãe
importância capital. “ D evem os dar-nos ao trabalho de edu­
car e de preparar os m estres” , diz. O m elhor m eio de re­
crutam ento consiste em escolher, nas escolas, os m elhores
alunos, e dar-lhes lições particulares. Lutero exalta a dig­
nidade da missão dos educadores: “ O mestre instruído e
devotado, diz, não pode ser bastante louvado e seus trabalhos
não podem ser pagos com o u r o . . . Sua missão é talvez mais
eficaz que a do pastor, porque êste se acha, muitas vêzes, na
condição do jardineiro que não pode curvar velhas árvores” .

Influência de Lutero sôbre a educacão — É preciso reco­


nhecer que Lutero interveio enèrgicam ente em favor das
escolas e que obteve na Alem anha resultados consideráveis.
Mas é im possível v e r n êle o fundador do ensino popular que
existia desde séculos. Não é o seu fundador, “ com o César
não é o inventor do telescópio nem N abucodonosor o inven­
tor da locom otiva” . Sua influência foi prejudicial e destru­
tiva, no ensino secundário e superior. Suas invectivas e as
de seus discípulos causaram a decadência das universidades.
Destruindo o ensino superior, prejudicou o progresso de tôdas
as ciências. Erasmo indignou-se: “ Lutero não chama dia­
bólica tôda a filosofia de Aristóteles? Não e s cre v e u 'q u e
tôda ciência, tanto prática quanto especulativa, é condenada?
que tôdas as ciências não são mais que pecados e erros? Como
se quereria que tais princípios produzissem outra coisa a
não ser o desprêzo pelos estudos?”
G lorificam -no de ter enfim em ancipado a razão humana,
prêsa por m uito tem po às cadeias, pela Igreja católica. Nin­
guém mais do que êle rebaixou a razão, e ainda nisso seu
papel foi funesto à educação com o à religião. A principal
virtude que atribui à fé é calcar aos pés a razão, ou com o
diz, “ amordaçar e sufocar o anim al” . Chega a dizer: “ Os
analfabetos sustentam que a razão é um archote. A razão
espalha luz? Sim, com o a que espalharia uma im undície
posta num a lanterna.”
Foi igualm ente um apóstolo da liberdade de pensar. Essa
liberdade,- não adm itia senão para si. A pós ordens suas, a
censura foi exercida, na Alem anha, com um rigor que não
se havia jam ais conhecido, o que foi prejudicial às letras e
às escolas. Erasmo caracterizou perfeitam ente a nefasta in­
fluência de Lutero sôbre a educação quando escreveu: “ Por
tôda a parte onde reina o luteranismo, é a m orte das letras” .

Philippe Melanchton (1479-1560) — M elanchton foi o


braço direito de Lutero. M enos violento que o mestre, tor­
nou o protestantism o aceitável à gente culta. T eve êxito
junto aos príncipes cu jo poder sabia lisongear; mas se ocupou
pouco do povo ao qual aplicava essas palavras bíblicas ditas
dos antigos escravos: “ A o asno a forragem , o bastão e a
carga; ao escravo, o pão, a correção e o trabalho” (1 ). Sua
reputação foi grande, na Alem anha, onde seu zêlo pela res­
tauração das escolas o fêz apelidar p recep tor da Germânia.
Diversas causas contribuíram para tal celebridade:
a) O valor do seu ensino. Milhares de ouvintes reu­
niram-se ao redor de sua cadeira, e suas lições de grego e de
Sagrada Escritura tiveram um sucesso prodigioso. Os hu-

. (1 ) E cr l., X X X I I I , 25.
manistas mais destacados dessa época, Neander e Trot^en-
dorf, eram seus alunos.
b) Os manuais que escreveu para os estudantes. Essas
obras de lógica, de gramática, de física, de retórica, de m o­
ral, de história difundiram -se em tôda a Europa e tiveram
numerosas edições.
c) A s rejorm as que operou nas escolas e universidades.
No livro de Visita das escolas, escrito sob a inspiração de
Lutero, esboçou algumas de suas idéias. Ele as aplicou às
universidades que reorganizou e transform ou em universida­
des protestantes: M arbourg, K oenigsberg, Iena, Halmstadt,
Dorpat, Leipzig, H eidelberg M anteve correspondência se­
guida com grande núm ero de pastores, de mestres-escolas,
de magistrados e de senhores, aos quais não cessava de re­
com endar os interêsses da educação.
d) Seu talento ãe organizador. A tribuem -lhe a fun­
dação do sistema escolar de Saxe. De todos os lados se re­
corria a seus conselhos para reanimar as escolas ou fundar
novas.
e) O valor de algumas das suas idéias pedagógicas.
Atribui grande im portância ao estudo das letras: só elas en­
sinam a pensar, a falar, a escrever. São escola de virtude:
o conhecim ento de bons escritores form a tanto “ o coração
quanto a bôca e a língua” . A im portância da filosofia é
m aior ainda; não cessa de lhe aconselhar o estudo, e escre­
veu um tratado de psicologia baseado em Aristóteles. Não
é, porém, intolerante, e as ciências devem fazer parte do pro­
grama de estudos. A idéia dom inante de sua pedagogia é a
necessidade, para quem pretende seguir as carreiras liberais,
de possuir cultura geral.

Trotzendorf (1490-1556) — Valentin Friedland, que se


fêz cham ar Trotzendorf, dirigiu, durante 25 anos, a escola de
Goldberg. Fêz dela uma casa célebre e recebeu alunos de
várias regiões da Europa. Essa reputação da escola provi­
nha sem dúvida da escassez das escolas protestantes mas
também dos talentos de seu diretor. Resta-nos dêle uma
idéia interessante que tem sido relem brada em nossos dias
com êxito em alguns países: o govern o pelos alunos. Na es­
cola de G oldberg era posta em prática da seguinte maneira:
em cada divisão do estabelecim ento, os alunos escolhiam ca­
da mês os vigilantes, os ecônom os da casa, os éforos para a
mesa, os questores para a classe. Os ecônom os faziam rei­
nar a ordem nos dorn rtórios e salas-de-estudos; o questor
v ig ;ava os recreios, estimulava os preguiçosos e dava temas.
Acim a de todos os professores, estava o questor geral.
Essa organização, baseada na em ulação e disciplina e
controlada com inteligência, produziu maravilhas segundo o
testemunho dos contem porâneos. M elanchton dizia que Trot-
i;endorf fôra feito para dirigir um colégio com o Cipião o
A fricano para dirigir um exército.

João Sturm (1507-1589) — Sturm foi aluno dos Jerôni-


mos em Liége, e com pletou os estudos em Lovaina e em Paris.
Fm 1537, abriu, em Estrasburgo, um ginásio que dirigiu até a
morte. Êsse estabelecim ento foi, durante m uito tempo, a
mais célebre das escolas secundárias protestantes. Não foi,
porém, com o se tem dito, o tipo das escolas de humanidades.
Sturm não fêz senão adaptar os program as e os m étodos de
ensino dos seus prim eiros mestres, os Irmãos ãa vida comum.
O Ginásio de Estrasburgo teve uma prosperidade inaudi­
ta. Em 1578, contava vários milhares de estudantes vindos
de todos os pontos da Europa, entre os quais se distinguiam
duzentos de fam ília nobre, 24 dos quais tinham o título de
conde ou de barão, e três o de príncipe.
As idéias pedagóg:cas de Sturm se resumem nesta fó r­
mula que deixou: “ Devem os, diz, propor-nos três coisas
numa escola: a piedade, o saber e a eloo±üência” Em outra
fórmula, especialm ente aplicável à form ação literária, dizia:
“ Conhecim ento, pureza e ornam ento da linguagem, tais são
os elem entos da educação científica” . Essa última fórm ula
deixa entrever as lacunas da form ação dada no ginásio de
Estrasburgo. O ideal de Sturm é fazer de cada aluno um im i­
tador dos antigos, de Cícero, em particular. Cai no defeito
tão reprovado por Erasmo: a ciceromania. Foi ainda mais
longe: sob pretexto de cultura clássica, fêz representar pelos
&lunos as peças mais licenciosas de Terêncio.
Outra lacuna do program a foi o abandono da língua ma­
terna. Queria restringir ao estudo de uma língua estran­
geira tôda a cultura científica; daí a omissão do cálculo ele­
mentar, da geografia, da história, das ciências naturais, do
desenho e das línguas vivas.
Apesar das im perfeições de sua obra, Sturm adquiriu
reputação européia. Representa a transição do catolicism o
ao protestantismo, com o Pestalozzi, dois séculos mais tarde,
'-epresentará a transição do protestantism o ao racionalismo.

B ibliografia — B arnard, Germ an T earhers ( H a r t f o r d , 1 8 7 6 ). — De-


x i f l é , L u il u r et le luthérianism e, t-rad. P a q u i c r , 4 vol. (P a r is , P i c a r d ) . —
•Tanssen, L ’ A ilcm a gn e et Ia R e fo r m e . — D am seaux, ITi. toire de la p é .
d ngogie, 4c. éd iti o u p. 159. — B. P. M c . G i y e n e y , T he S r fo r m a tio n anã
Eãucation (N . Y. 1 9 0 3 ). — L eacii, E nglixh x eh o o h al llie R efo rm a tion
( WestminstcT, 1 8 9 0 ). — P a r o u , iH s to ir e i í j la p c â a g og iet 5e. é d it io u ( P a ­
ris, 1 8 8 3 ). - P au lsen , German eãucation, paxt anã prcscnt, traduit par
Lorenz (N cw -Y ork. 190S ). — M on u m en ta Germaniac P eã a g ogiea (B er liu,
I l o f n i a n ).
II A Ação católica.

A R ESTAU R AÇÃO CATÓLICA

A s guerras civis, ocasionadas na França pela Reform a,


duraram de 1563 a 1593. Foi “ verdadeira guerra de Trinta
anos francesa precedendo m eio século a guerra de Trinta
anos alem ã” . Muitas escolas foram suspensas ou fechadas.
Os colégios da universidade de Paris foram transformados
em corpos de guarda e até em estábulos.
Essas lutas desenvolveram , entre os católicos, imenso
m ovim ento a favor da educação popular. “ A Igreja, diz M.
Allain, não teve dificuldade em com preender que se queria
prejudicar a alma das criancinhas; ela os defendeu com a
paixão de m ãe” . Num erosos concílios se ocuparam das es­
colas, entre outros os de Cambraia (1565), de Rouen, de Bor-
déus, d A i x (1585), de Bourges, de Melun, etc. A s cidades
e os cam pos se preocuparam vivam ente com essa questão
durante todo o século X V I. “ Não se poderia crer, diz M.
Quantin, quanto a instrução estava espalhada no fim do X V I"
século, até nas aldeias. Já os registros de batizados fornece
prova pela " existência de numerosas assinaturas que nêles
se encontram ; mas as minutas dos autos perante os tabeliães,
as declarações de inventário dos recenseadores, assinadas
por vinhateiros, lavradores e até mulheres, tudo isto é uma
prova positiva da existência de uma cultura, restrita se qu i­
serem, mas certa, em tôdas as classes sociais” ( 1 ).
H ouve assim uma restauração no ensino secundário.

(1 ) L 'i n s t r w t i o n p rim aire avant- 1789 dans les c a m m u n r * par.


tir. ãu ã ép n rtem ev i âe 1’ Y on n c.
Antes de 1600 os Jesuítas haviam fundado na França nume­
rosos colégios: Paris (C lerm om ), Billom , Mauriac, Rodez,
Pamiers, Tournon, La Flèche, Bordéus, Eu, Dole, Le Puv,
A uch, Périgueux, Agen, Rouen. Outros colégios foram fun­
dados nessa mesma época: D reux, Évreux, Châteaudun, To-
losa. Em 1560, Carlos IX publicou uma ordem a prescrever
que em cada igreja catedral ou colegial, houvesse prebenda
especial cu jo rendim ento seria consagrado ao salário de um
preceptor encarregado de instruir gratuitamente os jovens
da cidade. Esse edito deu origem a um certo núm ero de
colégios: B lo is ,, Dijon, Toulon, Chartres, Le Mans, Rennes,
Dieppe, Beaune, etc. A reform a da universidade de Paris
com pletou a organização da instrução na França.
O século X V I viu nascer certo núm ero de institutos v o ­
tados ao ensino, entre os quais é preciso m encionar em pri­
m eiro lugar a Companhia de Jesus (1534). Em 1592, o Ven.
Cesar de Bus fundava, em Cavaillon, a Congregação da Dou­
trina Cristã. Um tanto mais tarde, São Pedro Fourier es­
tabelecia, em Mattaincourt, a Congergação de N otre Dame.
Em Bordéus, a Bem -aventurada M adre de Lestonnac, so­
brinha de M ontaigne, fundava a Congregação das Filhas de
N otre Dame. A s Ursulinas, originárias da Itália, foram in­
troduzidas na França em 1596. Em 1610, São Francisco de
Sales e santa Chantal fundavam a Ordem da Visitação. Em
1611, o cardeal de B érulle instituía o Oratório de França,
cu jo fim era a instrução da juventude e a form ação do clero.

I — A Companhia de Jesus

A Com panhia de Jesus foi fundada, em Paris, em 1534


por Santo Inácio de Loiola (1491-1556). Seu fim, que não
tem variado, era “ pregar, confessar, consagrar-se à educação
da juventude católica seguindo os princípios da fé c as re­
gras da ordem ; enfim dirigir colégios e sem inários” .

A companhia de Jesus e a educação — Santo Inácio de


Loiola quis que a educação fôsse uma das principais ocupa­
ções de seus discípulos. O ideal que a Com panhia procura
realizar, pode resumir-se assim: no ponto de vista da educa­
ção, pôr em prática os m étodos mais eficazes, corresponder
às necessidades dos tem pos ensinando tôdas as ciências que
possam ser úteis.
O Jesuíta se prepara a sua missão por lçngos e sólidos
estudos. Um capítulo especial das Constituições com preen­
de êsse assunto nos detalhes mais precisos. Tam bém a Com ­
panhia goza, desde a fundação, de uma popularidade extra­
ordinária devida à santidade, à ciência dos m em bros e à
excelência dos m étodos de educação. Um século após a m or­
te de Santo Inácio estava espalhada pelo m undo inteiro.
Foram os Jesuítas que organizaram definitivam ente o
ensino das humanidades. 'Pretendeu-se que desdenharam o
ensino popular. Nada mais falso; não podiam tudo em preen­
der e deviam forçosam ente restringir-£e. Ademais, todos
seus colégios, tinham classes ou escolas preparatórias. Nas
missões, os Jesuítas fundaram em tôda a parte escolas ele­
mentares; assim, em 1635, abriram, em Quebec, pequena es­
cola; em 1692 estabeleceram outra, em M ontreal. É o que
eles têm feito e fazem ainda na Síria, na China, em Mada­
gascar, nas índias, etc.

A Ratio Studiorum i— A Ratio Stuàiorum contém o p ro­


grama, o m étodo de instrução, e o espírito que deve animar
os mestres na prática de seus deveres de estado. Êsse livro
apresenta-se com o o prim eiro sistema organizado de educa­
ção católica; é obra pedagógica de prim eira ordem. Para
corresponder aos desejos dos prim eiros jesuítas, o P. Cl.
A quaviva (1581-1615) chamou a R om a um representante de
cada província da Europa. Êsses delegados, após terem es­
tudado as m elhores obras de pedagogia e consultado num e­
rosos regulam entos de colégios e de universidades, publica­
ram um volum e que foi enviado a tôdas as casas da ordem
com pedido de o exam inarem sèriamente. A s críticas e ob­
servações recolhidas foram utilizadas na redação definitiva
que foi publicada em 1591.
A Ratio ficou sendo até a supressão da Companhia o li­
v ro conform e o qual se dava a instrução e a educação nos
colégios que ela dirigia. Sua aplicação não foi invariável;
íizeram -se-lhe derrogações razoáveis, segundo os tempos e
os lugares, sobretudo em m atéria de disciplina e de estudos.
Em 1832, o R. P. Roothan m andou fazer-lhe uma revisão.
A s alterações se fizeram especialm ente sobre as matérias de
ensino. O latim e o grego perm aneceram a base dos estu­
dos, mas consagrou-se mais tem po às ciências e à m ate­
mática.
Desde essa época a preocupação dos Jesuítas tem sido
corresponder a tôdas as exigências dos program as e a tôdas
as necessidades atuais. C om o fêz justam ente notar um b ió­
grafo de Sto, Inácio, há lugar, na Ratio, para todo progresso
legítimo.

Cursos àe estudos — O curso de estudos tal com o foi


apresentado na prim eira edição da Ratio, era organizado con­
form e o da universidade de Paris. Com preende atualmente
as mesmas divisões: letras, filosofia e teologia.
a) O ensino das letras humanas dá aos alunos o conhe­
cim ento das línguas antigas e lhes faz conhecer os clássicos
gregos e latinos. No século X V I, os alunos aprendiam o la­
tim com o uma língua viva, para o falar e escrever. O estu­
do das línguas antigas é sempre considerado base indispen­
sável da form ação intelectual; dispõe para a eloqüência, de­
senvolve a razão, disciplina o espírito. O ensino das letras
com preende três graus: gramática, humanidades, retórica.
b) O ensino da filosofia está dividido em três anos. A
doutrina é baseada na de A ristóteles e de Santo Tomás de
Aquino. Estudam-se ao m esm o tem po a m atemática e as
ciências.
c) O curso de teologia é destinado aos m em bros da
Companhia, aos alunos dos seminários e das universidades.
Está dividido em quatro anos.
O ideal da Ratio é dar cultura geral tendo por caracteres
principais ser: a) com pleta, sendo os conhecim entos super­
ficiais incapazes de form ar e de disciplinar o espírito; b)
su ficien tem en te longa: o tem po é um elem ento essencial
para am adurecer o espírito e o caráter. A êste respeito a
educação deve se conform ar à natureza que age lentamente
e jam ais em sobressaltos; c) antes liberal do que prática e
utilitária, visando aperfeiçoar o que é verdadeiram ente hu­
mano e durável. Consegue-se isto pelo estudo das línguas
antigas, da literatura e da filosofia; d) simples, isto é, b a ­
seada nas matérias essenciais. Tôdas essas idéias são ex ce­
lentes, e o P. de R ochem onteix não faz senão justiça à Ratio
quando escreve: “ Se ela tem suscitado críticas, nem por
isso deixou de ser, nos séculos X V II e X V III, o guia mais
perfeito do pedagogo cristão. Os grandes educadores dela
se serviram. R ollin e alguns outros apropriaram-se dela em
mais de um lugar, sem a citarem em seus tratados de peda­
gogia” ( 1 ).

Educarão intelectual — A lguns m eios de educacão inte­


lectual em pregados pelos Jesuítas merecem a atenção de to­
dos os educadores:

(1 ) Un eollrfu: de Jénuiten: L t collège H en ri I V ã< la Flèclt <( I I , j>. í>.


1. A P releção. Ê a explicação fundada em razões de
um texto nos pontos de vista literário, histórico, etim ológico,
gramatical. “ O mestre lê em voz alta a passagem que êle
quer explicar, faz brevem ente a sua análise, mostra, se é
necessário, a lig a ção’ e encadeam ento com o que precede;
depois, dá o sentido das frases e das expressões obscuras,
não palavra por palavra mas por elegante perífrase. Vem ,
em seguida, a tradução em francês que deve ser feita com o
m aior cuidado. Enfim, tom ando tôda a passagem, o profes­
sor ajunta as notas de gramática, de literatura, de história,
de erudição e até de filosofia m oral que podem ser úteis ao
adiantamento da classe” (2 ). Êsse m eio é excelente, e é
preciso má fé para ousar dizer que a educação dada pelos
jesuítas é o triunfo da m em orização (3).
2. A concertatio ( debate) — Os Jesuítas são igualm en­
te mestres na arte de utilizar a concertatio. ■Esta palavra
designa aqui espécie de repetição por perguntas vivas e cur­
tas. A concertatio perm ite rever sem cessar os pontos es­
senciais. Com o ela agrada ao caráter batalhador dos alunos,
pode ser posta em uso cada dia. Que vida, que emulação
numa classe do que quando ela está em jôgo! “ Tudo respira a
juta e o ardor guerreiro. Ora a elasse inteira entra em luta,
cra a batalha se trava numa elite. P or vêzes, é um com bate
singular entre dois chefes ou dois soldados. P or vêzes, um
soldado que se quer distinguir desafia ousadamente um chefe
na esperança de lhe tom ar o lugar. P or vêzes, enfim, um
só e, quase sempre um chefe, sustenta o em bate de todo o
exército adversário.
Mas o interêsse chega ao auge e a batalha se encarniça
quando os dois campôs de uma classe ou quando duas classes
distintas se desafiam públicam ente diante de espectadores

(2 ) I?. P. D u L a o , J e m it e s , p. 238.
(3 ) D iscurso de J. F e r r y jia Câm ara do s De putad os .
escolhidos” (1 ). A Ratio dá grande im portância à con cer­
tatio, e convida os mestres a consagrar-lhe a última meia-
nora de aula.
3. A s lições decoradas — Quais as idéias dos Jesuítas
sôbre as lições m em orizadas? A Ratio recom enda prender-
se às coisas mais do que às palavras. Mas não é suficiente
com preender, é preciso reter. Quanto mais n ovo é o meni­
no tanto mais a m em ória deve ser exercitada. “ A memória,
diz o P. Patchler, é das nossas faculdades a que atinge pri­
m eiro o seu com pleto desenvolvim ento. Tem o seu apogeu
durante a infância e nos prim eiros anos dá adolescência.
Mais tarde não faz senão decrescer. É preciso bater o ferro
enquanto quente e aproveitar esta disposição para aprender
as matérias que requerem m em ória, tais a gramática e as
línguas, que são os fundam entos por excelência de tôda a
educação” . Os grandes educadores, incluídos os que acusam
os Jesuítas, de abusarem das lições de m emória, não falam
de maneira diversa.
4. Os exercícios escritos — O tema é considerado o
mais im portante dêsses exercícios. Não deve constar de fra­
ses isoladas, mas deve ser tom ado num autor, num historia­
dor, num moralista, etc. Será uma descrição, uma narração,
uma dissertação. Se fôr preciso, o próprio mestre o escre­
verá. Assim, a tradução com pleta a explicação e a preleção.
Esse exercício obriga os alunos a refletir no valor das pa­
lavras, a penetrar as idéias do m odêlo, a com preender o sen­
tido das frases, a fam iliarizar-se com as figuras de estilo, e
lhes descobre pouco a pouco o gênio das línguas antigas e
da língua pátria. Não é justo considerar êsse trabalho com o
uma das m elhores ginásticas do espírito?

(1 ) E, P. B a in v e l, Causerics •pcdagogiques, p . 12.


5. A imitação — Eis ainda um exercício m uito apro­
veitável, com a condição de não passar de m ixórdia. Para,
que tenha tôda sua eficácia, o P. Jouvancy recom enda os
processos seguintes: “ Traduzi uma passagem de Cícero, por
exem plo; depois, sem olhar o texto, passai-a novam ente para
o latim e com parai com o m odêlo” . É o m étodo da dupla
tradução “Resum i brevem ente um trecho de autor; depois,
com essas poucas idéias, discuti o assunto imitando, tanto
quanto possível, o estilo do autor cujos argumentos resumis-
tes; depois com parai com o original” .
Escolhei um parágrafo e im itai-o m udando o assunto ou
tratando de um assunto contrário. Num dos seus discursos,
Cícero demonstra que uma população em revolta não m ere­
ce ser honrada com belo nom e de “ povo rom ano” . De ma­
neira semelhante pode-se facilm ente determ inar os que m e­
recem o belo nom e de cristão, de cidadão, de sábio, etc.
Essas espécies de im itações podem tornar-se originais e fo r­
mar verdadeiros escritores. Quantos autores latinos se fo r­
maram pela imitação dos gregos! Entre nós, La Fontaine
foi um im itador genial. Os oradores da R evolução estavam
im buídos dos discursos de Dem óstenes e de Cícero.
A Ratio insiste sôbre a necessidade de exam e dos tra­
balhos escritos. É um exercício enfadonho, mas que produz
os melhores resultados se é feito com inteligência e método.
t

Educação moral e religiosa — Parecem acreditar, em


certos meios, que a educação consiste unicam ente em dar
conhecim entos, e que a ciência é suficiente para form ar o
homem perfeito. Instruir o menino, dizem, é preservá-lo do
mal. A experiência tem de há muito, dem onstrado a falsi­
dade dessas idéias. Instruir não é senão a m enor parte do
programa do educador; deve sobretudo velar pela form ação
do coração, da consciência, da vontade. Os Jesuítas jamais
perderam de vista a im portância da educação religiosa e
moral. Para form ar a alma da criança em pregam sobretudo
os seguintes meios:
1 . O bom exem plo, que auxilia o ensino e lhe dá plena
eficácia. Os inim igos mais obstinados dos Jesuítas admitem
que, quanto a isso, a Companhia só m erece elogios.
2. A vigilância, uma vigilância de todos os instantes,
mas suave, paterna, afável, e severa somente para os m eni­
nos viciosos, perigosos para os colegas.
3. A escolha dos livros e as boas leituras. Nas edições
dos clássicos bania-se tudo quanto poderia escandalizar as
jovens almas. Nenhum livro devia ser trazido de fora sem
permissão.
4. As exorta ções em público e os conselhos dados con ­
form e a ocasião, em particular. O mestre aproveita tôdas
as circunstâncias favoráveis para lembrar aos m eninos que
êles vêm de Deus, e que vão para Êle, e que tôdas as suas
ações devem tender para êsse fim supremo. Utiliza para tal
as explicações dos autores, os catecismos, as conversas; êsses
meios têm sempre produzidô felizes resultados.
5. A prática dos d everes religiosos — A religião, diz
em substância a Ratio, deve ser a base e a coroa, o centro e
a alma de todo estudo, de tôda educação. É preciso que o
jovem faça antes de tudo progressos no conhecim ento do seu
Criador e Salvador. O m estre ensinará a piedade em pri­
m eiro lugar. É preciso que êle próprio a tenha. R ecom en­
dará muitas vêzes os seus alunos à Santíssima V irgem e aos
santos padroeiros da juventude. E xortá-los-á à recepção
freqüente dos sacramentos; a confissão é fonte de bênçãos
celestes; a com unhão é a grande fôrça do jovem , a fonte da
energia moral. Enfim êle lhes inspirará o desejo de fazer
parte das piedosas associações organizadas nos colégios: con-
gregações da Santíssima Virgem, dos anjos da guarda, de
São Luís de Gonzaga, etc. Os mestres vigiarão para que
todos recitem devotam ente as orações comuns. Enfim nada
é esquecido do que pode form ar o hom em honesto e o cristão
fervoroso.

Métodos e disciplna — Os m étodos valem o que vale o


mestre. Uma das preocupações constantes da Companhia
tem sido a form ação profissional dos professores. — A se­
gunda Congregação geral (1565), pediu a fundação, em cada
província, de um seminário pedagógico.
A Ratio manda confiar os futuros professores a um ho­
m em experim entado que lhes ensine pràticam ente a maneira
de dar as lições, de corrigir as tarefas e de dirigir os alunos;
êsse m eio lhes fará evitar as pesadas faltas da inexperiência.
A Companhia de Jesus foi a prim eira em se ocupar com a
form ação dos mestres do ensino secundário.
Os Jesuítas fazem uso m uito hábil da em ulação baseada
no sentim ento da honra. Êles julgam que êsse m eio é bem
mais nobre para fazer os m eninos agir do que o tem or dos
castigos e punições. A quêles que os censuram o ter abu­
sado dela, o recom endam com instância. A emulação, com
efeito, é precioso auxiliar, fonte de energia e de esfôrço. Nas
aulas dá-se à cada aluno um êm ulo; nom eiam -se também
oficiais: magistrados, questores, censores, decuriões.
Lugares de honra são conferidos aos alunos m elhores;
recompensas são concedidas aos mais enérgicos e diligentes;
o trabalho pessoal feito em suplem ento é sancionado por um
exam e de honra. Quem ousaria contestar o valor pedagó­
gico dêsses m eios?
A autoridade é necessária ao mestre. Segundo a Ratio,
três coisas lhe asseguram essa autoridade: a estim a de que
goza junto a seus alunos, a afeição que lhes inspira e o tem or
que lhes sabe im por. Será estim ado se fôr piedoso e ins­
truído, se as suas aulas forem bem preparadas, se fôr digno
em suas maneiras e verdadeiram ente distinto. Conquistará
a afeição dos alunos pelo desejo sincero do seu bem moral,
do seu progresso nas ciências, m ostrando-se a um tem po se­
vero e indulgente, tão am ável em conversa particular quanto
enérgico em aula, tendo cuidado em perm anecer senhor de
si, em não castigar senão quando a falta é certa e, quanto
possível, confessada pelo culpado. É preciso conquistar tam­
bém um tem or respeitoso por suave firm eza, sem esquecer,
todavia, que a paciência é uma das virtudes capitais do edu­
cador. Quem fôsse desprovido dela arriscaria a ver o zêlo
tornar-se triste severidade. Essas três condições de autori­
dade terão seu efeito com pleto contanto que o mestre se
dedique a conhecer bem os alunos a fim de tratar cada um
segundo a idade, o caráter e a feição do espírito.
Quanto aos castigos, a Ratio faz recom endações muito
judiciosas. Não convém castigar em m om ento de cólera, e
de excitação; é preciso aguardar que a em oção esteja acal­
mada. Evitar-se-á essa vigilância inquieta que procura en­
contrar os alunos em falta; mas sem jam ais cessar de ver
tudo, de observar tudo. Os castigos deverão ser raros e
sempre proporcionados à falta.
Os castigos corporais, universalm ente adm itidos na épo­
ca da fundação da Companhia, foram reservados aos casos
mais graves. Nenhum m estre devia tocar os alunos com a
mão. Com parada com a rude disciplina dessa época, a dos
Jesuítas foi relativam ente m uito branda. Têm -se censurado
as punições, as linhas a serem decoradas. Entretanto, podia-
se tirar partido disso m esm o para fazer o m enino estudar
coisas úteis. A m atéria não devia ser tomada no catecismo
ou na história sagrada para não se fazer tom ar aversão pelos
assuntos religiosos. .
Críticas dirigidas à educação dada pelos jesuítas — Os
Jesuítas têm sido objeto das críticas mais absurdas e mais
contraditórias. Um historiador da educação, Davidson, che­
gou a ponto de representar a Com panhia com o uma vasta
organização m ilitar, espécie de E xército católico de Salva­
ção. Os sectários contem porâneos têm aumentado, de p ro­
pósito, contra o ensino dos mesmos, recrim inações que não
têm consistência, quando examinadas com im parcialidade.
Censura-se-lhes o ensinarem m uito latim, quando seus co ­
légios nunca diferiram , a êsse respeito, das outras escolas
de humanidades; não ensinarem bastante grego; entretanto
o têem ensinado com êxito; deixarem de lado a língua ma­
terna, os nossos m aiores escritores dos séculos X V II e X V III
não foram seus alunos? — ensinarem m uito pouco ciências;
foram os prim eiros a abrir cursos públicos de matemática.
No século X V III, haviam fundado, em Quebec, uma escoía
de hidrografia. O núm ero de seus matem áticos notáveis é
considerável. Descartes e Galileu foram alunos dêles; —
im obilizarem a história; alguns de seus m em bros têm lugar
entre os m aiores historiadores; — - ignorarem a geografia;
foram, nesse assunto, iniciadores e vulgarizadores; — supri­
m irem a originalidade e a independência ãe espírito. Pode-
se responder, citando a lista dos hom ens ilustres que foram -
seus alunos: São Francisco de Sales, Descartes, Corneille,
Bossuet, M olière, Réaumur, Pothier, B uffon, Voltaire, La-
lande, Ducange, Muratori, Galileu, Cassini, Calderon, G oí-
doni, etc. O p. Porée, professor de Voltaire, viu, ao que pa­
rece, dezenove de seus alunos na Academ ia. Que outro
professor se pode gloriar de igual resultado? Se êsses alunos
não deveram a celebridade aos mestres que os haviam edu­
cado, pelo m enos os mesm os não destruíram a sua originali­
dade; — habituarem os jo ven s à delação. Entendamo-nos.
Uma denúncia é necessária quando se trata de um fato, de
uma falta grave, que poderia ter conseqüências funestas.
Diga-se o que se quiser, o veredito geral é a favor dos Jesuí­
tas. Os protestantes lhes têm muitas vêzes, prodigalizado
os mesmos louvores que os bons católicos. “ Quanto à ins­
trução da juventude, dizia Bacon, examinai ás aulas dos Je­
suítas; não se faz nada m elh or” . M acaulay atesta, na sua
História da Inglaterra, que êles dão a educação com habili­
dade consumada, à qual os próprios inim igos prestam hom e­
nagem. (V ol. II, cap. V I ) .
Sir John M c Intosch diz: “ Os Jesuítas têm cultivado
as letras com êxito extraordinário; têm sido os m aiores re­
form adores da educação na Europa” (R eign o f James II,
cap. V I I I ). V oltaire prestou m agnífica hom enagem aos an­
tigos mestres: “ Fui educado por sete anos entre homens
que tom am trabalhos gratuitos e infatigáveis para form ar o
espírito e o coração da juventude. .. Nada apagará, de meu
coração, a m em ória do P. Porée. Jamais hom em algum tor­
nou mais amáveis o estudo e a virtude. As horas de suas
iicões eram para nós horas deliciosas. (Carta do P. de La
Tour, m arço 1746)” . F rederico II e Catarina da Rússia os
tomaram sob sua proteção. ‘Nêles veio, dizia Frederico,
homens de letras aue seria difícil substituir. Vereis na Fran­
ça, os efeitos da destruição dessa famosa sociedade” . Cha-
teaubriand verifica, em o G ênio do Cristianismo, os efeitos
deploráveis dessa destruição. “ A Europa sofreu perda irre­
parável nos Jesuítas. A educação nunca mais levantou a
cabeça” .
Causas do êxito dos Jesuítas — Resta-nos exam inar as
causas do êxito dos Jesuítas. A lguns historiadores protes­
tantes: Ranke, Paulsen, etc. atribuem -no à excelência de
seus m étodos. Pela publicação da Ratio foram , com efeito,
os prim eiros a terem um sistema organizado de estudos e de
m étodos de ensino. Essa obra apareceu um século antes do
M étodo de Thomassin, um e m eio antes do Tratado dos estu­
dos m onásticos de M abillon (1691) e cêrca de dois séculos
antes do Tratado dos Estudos de R ollin (1740).
É preciso procurar as verdadeiras causas, julgamos nós>
na formação profissional dos mestres, no seu desintçrêsse,
no seu devotaménto absoluto. Cada lição que recebe o jo­
vem Jesuíta é um exemplo prático da arte de ensinar, e
quando se lhe confia uma classe, começa sob a direção d e '
mestre experimentado.
Os Jesuítas deram ensino gratuito em todos os seus colé­
gios. Esta até foi uma das razões por que as universidades
lhes fizeram tanta oposição. Mas o# público se alegrou e
nêles pôs a sua confiança. Entretanto, as espoliações de que
íoram vítimas os obrigaram a pedir mais tarde modesta
retrihuição; mas não cessaram de ter predileção pelos estu­
dantes pobres; fundaram e mantiveram para êles casas de
pensão.
A continuidade e a unidade de direção não foram' alheias -
a seus êxitos. Receberam, em sua sociedade, ós seus alunos
mais inteligentes e mais instruídos; de maneira que as boas
tradições se conservavam intactas para maior proveito dos
estudos e do espírito dos colégios da Companhia.
Enfim o cuidado de não separar jamais a educação da
instrução parece-nos uma das causas principais dos admirá­
veis resultados que têm conseguido. Para êles, educar um
menino não é só dar-lhe conhecimentos, é formar-lhe a alma
tôda, esclarecer a sua consciência, educar-lhe o coração, for­
tificar-lhe a vontade; em uma palavra, preparar, a um tem­
po um homem perfeitamente honesto, um futuro cidadão do
céu.

A lgun s ed ucadores d a C cm panh!a de J e su s — Numerosos Jesuítas


que foram eminentes educadores níío cVÃxaram escrito, algum fóbrc a
arte de ensinar. Contentarrm -sc com seguir a Ratio, excelente guia-
Mas há alguns cujo nome merece figurar na história da e d u c a ç ã o :

São Pedro C anífio (lf)21-lf)77), grsnde teólogo e controvers‘ sta,


foi também um notável educador. Fundou vários colégios e os adminis-
trou cotn habilidade consumada- Escreveu um catecism o de grande
valor. Nâo quer que o ensino da rciigião se.ia apenas coisa de memó­
r ia ; a-letra mata, mas é o espírito que vivifica. São Pedro- Canísio é
o inimigo de qualquer sistema dtí educação baseado no terror e no
tem or: o mestre deve conquistar a t-mizade d c j alunos pela paciência <J
pela doçura e fecundar os seus ensir.os pelo bom exemplo e pelo recurso
a Deus.

O psdre Jerônimo Nadai (1507-1580), após brilhantes estudos nas


universidades cii Àlcalá e Paris, fundou, ém Messina. o Colégio das três
línguas (latim, grego, hebrr.ico), cu.ios métodos foram adotados pelo
Colégio romano. Deixou nos uma obro : Estudos da Companhia, or.de
expõe as idéias que havia pôsto em prática nessa cidade. Em seu plnno
de estudos, menciona a classe elementar ou do abecedário, o que prova
que se ocupava do ensino primário.
0;.padre Ledesma (1519-1575), foi prefeito da Colégio romano. Com-
pfís, em língua espanhola, um catecism o que teve numerosas traduções.
Deixou um tratado «ôbre o estudo das artes liberais. O plano de estu­
dos que havia preparado para o Colégio romano continha a m aior parte
c?ns idéias; que foram desenvolvidas na Ratio sôbre o ensino de humani­
dades. Por essa r;*zão, Ledesma merece lugar de destaque entre os
escritores pedagógicos mcdernos.
O Cardeal Belarmin) (1542-1621) deu grande desenvolvimento ao
estudo das .línguas semíticas pela publicação de uma gramátVa hebrai­
ca. Seu método tinha o mérito de sim plificar o estudo do hebraico.
Ajüntemos a essa lista muito incompleta o P. Jouvancy (1643-1719),
professor de retórica, em La P léclw e no Colégio Luís o Grande. Per­
tence à historia da pedagogia pelo livrinho A maneira de aprender e de
ensinar, do qual Voltaire disse que era a melhor obra de pedagogia
dep:;is de Quintiliano. Jouvancy quer que o professor, antes de ensinar
em um colégio, tenha fçito um estudo aprofundado dos clássicos. A
base das hum ínidades será o latim, mas o grego e a língua materna
não devem ser descuradfs- O estímulo e a rVisciplina são indispensáy-is
à educação, mas é preciso deixar ao menino muita iniciativa. O exem­
plo é dos grandes meios da educação moral.
Rollin teceu grande elogioi a Jouvancy em seu Tratado dos Estudas.
O seu livro, cíiz, “foi escrito com urna pureza e uma elegância, com
uma solidez d? ju ízo e de reflexão, com um gôsto de piedade que nada
deixam a desejar, a não ser que a obra fôsse mais longa e que a a
matérias fôssem mais aprofu ndadas; mas êsse não é o designio do
autor” . -
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r a t h , Jehuit- E du ea tion (S a in t-L ou is, E. F . 1 9 04).

II — O Concilio de Trento e as obras de educação

Na quinta sessão do C oncilio de Trento, os Padres fize­


ram grande núm ero de decretos referentes às escolas: reco­
mendam que os padres se ocupem de maneira especial da
educação da juventude A s escolas seriam restabelecidas
onde já não existirem e seriam dirigidas por mestres piedo­
sos e instruídos; aí se ensinaria a religião e os outros conhe­
cimentos elementares, sobretudo a gramática, base de todo
ensinamento científico. Cada igreja deveria ter, pelo menos,
um m estre que ensinaria gratuitam ente a gram ática aos po­
bres com o aos ricos. A s ordens religiosas que se oCupam do
ensino secundário deveriam ser paruculam ente encorajadas.
Os bispos estabeleceriam em suas dioceses seminários para a
form ação do clero. A s universidades colocadas sob a vigi­
lância da Igreja seriam preservadas de todo contacto com os
hereges, para que conservem todo seu brilho, façam traba­
lho católico e honrem a autoridade suprema da qual recebe­
ram o estatuto.
São Carlos Barromeu, em Milão, o B. Bartolom eu dos
Mártires, em Portugal, o cardeal Pole, na Inglaterra, desen­
volveram zêlo adm irável a pôr em prática as prescrições do
concilio referentes à educação.
O m aior resultado, porém, o mais consolador dêsse con­
cilio foi a criação de certo núm ero de associações para o
ensino da doutrina cristã e a fundação de institutos religiosos
devotados à educação. M arcos Sadis de C u s a n i (t 1595)
organizou uma irm andade da doutrina cristã que o Papa
Paulo V elevou à classe de arquiconfraria. Os m em bros dessa
sociedade foram conhecidos sob o nom e de Ágatos, por causa
da Igreja de Santa Ágata que o papa havia pôsto à sua dis­
posição. O B. H ippolyte G a l a n t i n i (1565-1614) estabeleceu
uma obra semelhante, em Florença, de onde se espalhou por
tôda a Italia.
Em França, os Doutrinários, discípulos do Ven. César
de Bus, fundavam , em algumas grandes cidades, colégios de
ensino secundário, cu jo núm ero irá crescendo até a R evolu­
ção, destruidora dessa Congregação e de suas obras.
Em Roma, São Calazans abria as primeiras escolas pias.

São Car’ os Borromeu (1538-1584) — Antes de ser arce­


bispo de Milão, São Carlos exerceu a mais feliz influência
para a conclusão do concilio de Trento (1563), alguns de
cujos decretos deram um im pulso tão vigoroso às obras de
educação. Ninguém foi mais zeloso na aplicação dêsses de­
cretos. Escrevia de Roma, ao adm inistrador de sua Diocese:
“É m eu dever e convém ao am or que tenho ao m eu povo,
proporcionar, não só aos m eninos do seminário, boa e santa
educação com o a todos os mais, a ciência do século e sobre­
tudo a mais im portante, a da alma e do c r is tã o ... A edu­
cação da ju ven tu d e parece-m e ser o m aior e o mais assina­
lado serviço que possa prestar à m inha Igreja” .
Logo ao chegar a M ilão reuniu um sínodo que lavrou o
seguinte decreto: “ Exortam os vivam ente os príncipes e os
magistrados a que façam ir às cidades e lugares de seu do­
mínio, sem levar em conta os gastos, mestres-escolas não
menos recom endáveis pela fé e pelà vida do que por sua
ciência e doutrina” .
Em alguns anos, êle próprio fundou seis seminários.
Encarregou os religiosos, e especialm ente os Jesuítas, de
estabelecerem colégios e escolas para a burguesia de Milão
e de sua diocese. A briu por tôda parte escolas elementares,
orfanatos, escolas dominicais, as prim eiras que existiram,
para os pobres e artífices. Foi o fundador dos Oblatos ãe
Santo A m brósio, cu jo fim principal era a educação, e chamou
a sua diocese as Ursulinas afim de lhes confiar a direção das
escolas femininas.
Não se descuidou do ensino superior. Nas grandes cida­
des, organizou academias que discutiram questões literárias,
científicas, filosóficas, e fundou bibliotecas para os colégios
e os estabelecim entos científicos.
Nos sínodos provinciais realizados, em M ilão, o cardeal
fêz as mais sábias prescrições para o bom andamento e a
prosperidade das obras de educação que havia organizado.
Destas diversas prescricões poder-se-ia extrair um pequeno
tratado sôbre as qualidades e as virtudes de um mestre
cristão.
1 — O m estre deve ser hom em de estudo a fim de pre­
parar bem as lições, conservar seus con h ec:mentos e saber
perfeitam ente o que deve ensinar. 2 — E xercitar-se-á cada
dia em cres'cer no am or de Deus e na dedicacão à sua m aior
glória. 3 — A vocação de educador é mu^to no^re poís o
constitui sócio de Jesus Cristo, na nrssão de salvar almas.
4 — D eve ser hom em de bom exem plo a f ;m de ser para os
alunos luz e m odêlo. 5 — Sua caridade deve ser semelhante
à de Jesus Cristo. A legrar-se-á do bem que aconteca ao
próxim o, tom ará parte em seus sofrim entos, amará os alunos
com um amor que tenha, por princÍDío, o bem espiritual
dêles e, por seus bons m étodos, lhes fará gostar da escola.
6 — A paciência lhe é extrem am ente necessária para supor­
tar os sofrim entos e as fadigas do estado, os defeitos dos
meninos e as ingratidões dos pais. 7 — Na obra de educação,
é preciso muita condescendência; o mestre acom odar-se-á ao
caráter dos m eninos e à sua maneira de ver; far-se-á pe­
queno com os pequenos, fraco com os fracos; em uma pala­
vra, far-se-á tudo para todos a fim de os ganhar todos a
Jesus Cristo.
(

São José Calazanc (1556-1648) e as escolas pias — Cala-


zans nasceu em Espanha e estudou nas universidades
de Lérida, de V alença e de Alcalá, onde colou grau de doutor
em direito e em teologia. Foi para Rom a ingressando na
irmandade do B. Galantini. L ogo notou que milhares de
meninos viviam na mais com pleta ignorância e em estado
deplorável de perversão. Em 1597, abriu uma escola; e,
vindo vários discípulos associar-se ao seu devotam ento, fu n­
dou grande núm ero de outras. Não só o ensino era gratui­
to, com o tam bém o santo fornecia livros e outros objetos
de prim eira necessidade quando a pobreza dos meninos não
lhes perm itia obtê-los. Adm itia todos os alunos que se apre­
sentavam, até Judeus.
A Igreja aprovou essa obra tão nobre e tão útil e elevou-
a à classe de ordem religiosa cu jos m em bros se chamaram
Piaristas.
Em vida do fundador, abriram-se escolas em Gênova,
Toscana, M orávia, Polônia, Boêmia, Espanha e Alemanha.
Dava-se ensino prim ário e dirigiam -se colégios e seminários.

A pedagogia de São José Calazans — O fim principal aue


deve ter o educador é o de form ar a iuventude na piedade e
na virtude; mas é preciso tam bém dar ao m enino conheci­
m entos úteis para ganhar a vida. No curso das lições pro­
fanas, o mestre não deixará de fazer algumas reflexões edi­
ficantes mas a form ação m oral fará o ob jeto de lições
particulares e apoiar-se-á no conhecim ento da lei divina.
Com êsse fim , em pregar-se-á o últim o quarto de hora da
aula da manhã e da aula da tarde na explicação da doutrina
cristã.
O santo fundador pede, com insistência, que se form em
os m eninos à civilidade e modéstia. É partidário de tudo
quanto pode favorecer o desenvolvim ento das fôrças físicas
e da saúde; daí a im portância que dá ao asseio e à higiene
da escola.
Os mestres exercem missão m uito elevada cuja respon­
sabilidade devem com preender. “ Sois responsáveis pelos
meninos que -vos são confiados, diz aos religiosos. Pensai
nisso, lem brando o dia em que tereis de prestar contas de
vossas ações. O bem tem poral e eterno da juventude é con­
fiado a vossos cuidados. Ela vos abençoará ou amaldiçoará
nesta e na outra vida. Infeliz de quem escandaliza! M al­
dito o educador que abusa da confiança da juventude, que
envenena sua alma e dela faz instrum ento de pecado para a
própria perdição e a dos m ais” .
São Calazans, deixou prudentes conselhos sôbre a fo r­
mação intelectual, a cultura da m emória, do entendim ento e
das demais faculdades. Enfim, recom endou que se ensine
do m odo mais metódico, mais prático e mais proveitoso ao
aluno.
O Instituto das Escolas pias tem prestado grandes ser­
viços em m uitos países e sobretudo na Espanha e nos países
de língua espanhola. A tualm ente possui mais de 120 casas
o dá instrução a 40.000 meninos.

B ibliografia — K. B. A m a d o , K v d o r ia dc l a cducación, p . 231. — C y-


i x o p f d i a o f ed u ca iio r, art. P ia risla s. — P a r o z , ITixlolre dc la p êã aa ogie,
)>. 1 4 7 ) . — C n. S y l v a i n , V ic âs Saint Charles B o rr o m ée, vol. I (P a r is ,
f l p s c l é e ) . — D i c t i o n n a i r e pó-licrogique, art. Calazans. — C h a m o v x , F ie du
V ín . César de B u s (P a r is. 1 8 64).
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

O SÉCULO DÈZESSETE

CAPITULO PRIMEIRO

VISTA GERAL DA PEDAGQGIA NO SÉCULO XVII

Situasão das escolas —; No século X V II muitos países foram per­


turbadas por divisões e questões muito nocivas aos interêsses da educa*
C ão. Na Inglaterra, terrível guerra civil fêz cair no mais completo
descrédito a m à ior parte das escolas. O ensino tornou-se o recurso
supremo, daqueles que haviam m alogrado em tudo. O diretor se de­
sem baraçava do trabalho confiand'o-o aos mestres subalternos- Barbei­
ros e açougueiros fizeram fortuna mantendo escolas. O desgôsto pelo
estudo tornou-se tal que os filh os dos gentis-homens se gloriavam de
nada sàber. “ J\jro, dizia um nobre, que antes de fazer de meu filho
um mestre-escola, o enforcaria. Fazer ressoar a buzina,. entender de
caçadas, levar bem o falcã o e acfestrâ-lo, eis o que assenta bem a um
filh o de gentil-homem. Quanto ao saber que se busca nos livros, deve-
se deixar aos vadios” (1 ). Aquêles que quiseram conter essa decadên­
cia, perderam o tempo.
Estando a Escócia, a Irlanda, a Stíécia e Noruega e a Dinamarca,
pouco mais ou menos na mesma situação de efervecências que a In ­
glaterra, todo progresso pedagógico foi quase impossível durante êsse
século.
Na "Alemanha, tôdas as escolas foram fechadas durante a guerra
dos Trinta anos (1618-1648) salvo em alguns pequenos estados: Weimar,
Hesse, Mecklemburgo, Holstein, Gotha. Nas outra*? províncias nada
restava de pé por ocasião do tratado de Vesfália. A s escolas demora­
ram mais de cem anos a se reeguer dêsse desastre-
Nos países católicos: França, Itália e Espanha, a pedagogia fêz
grandes progressos. D e 1650 a 1800, fundaram se oito- universidades
católicas. Essa prosperidade foi, em grande parte, conseqüência dos
decretos do concilio de Trento. Os bispos abriram por tôcfa a parte

(1 ) P a rm e n tie r, Eist&ria ãa educação ria Inglaterra, 2.a parte,


cap. V.
seminários cuja direção confiaram a sociedades ou congregações rell»
g io sa s: Oratorianos, padres da Missão ou Lazaristas, fundados, em
1632, por S3o Vicente de P au lo; Slllpicianos, fundados em 1641 por M.
O iier; Eudistas, fundados por Eudes de Mézeray, irmão do célebre his­
toriador.
Outras causrs favoreceram , na França, a instrução -em todos os
seus graus: a fundação da Academ ia francesa (1635), Academ ias na­
cionais (das Inscrições, das Ciências, das Belas Artes, Academ ia de
França, em Roma, Academ ia d t arquitetura) e sociedade? sábias provin- .
ciais. A reform a da universidade deu novo impulsa ao ensino superior.
As escolrs especiais, fundadas por Henrique IV, tais a Academ ia de
Cirurgia, o Jardim B otân ico•de. Montpellier, o Conservatório de ÁHes
e O fícios; es colégios funõYdos por Mazarino e C olbert: escola dos Ca­
detes escolas m ilitares de Sorèze t3 de Thiron, cursos de hidrografia,
etc. contriubufram no desenvolvimento da alta cultura científica, literá­
ria e artística.
A eclucrção das meninas não foi descurada. A senhora de Main-
tenon organizou a fam osa instituição de Saint-Cyr; numerosas congre­
gações se ('.'evitaram ao ensino nas cidades e no in terior: Ursulinas,
F ilh rs da Congregação de Nossa-Senhora, Visitandinas, Irm ãs da Aprs-
senaç-ão; Irm ãos de Caridade de São Vicente de P au lo; Irm ãs de São
José: Irm ãs de São Carlos B orrom ou; F ilhas da Cruz, Filhas da Ins­
trução .cristã, etc.
A s escolas populares multiplicaram-se por tôtfa parte. Foi, nesse
século, que são João Batista de la Salie, o grands benfeitor da classe
proletária, fundou o seu admirável Instituto dos Irmãos das Escolas .
Cristãs.

Caracteres da pedagogia do século XVII — Distinguem-


se fàcilmente na pedagogia do século X V II três correntes
principais: a corrente católica, a jansenísta e a protestante.
A pedagogia, católica é representada por Descartes, Bos-
suet, Fénelon, Oratorianos, São João Batista de la Salle, Ma-
dame de Maintenon, etc. Inspira-se nas tradições cristãs,
nos Padres da Igreja, na Idade-Média e na Renascença. Êsse
grupo ilustre de educadores franceses exerceu influência
universal.
Os jansenistas pretendem aplicar os princípios da peda­
gogia católica; na realidade, deformam-nos aplicando-os a
uma psicologia da criança que sua doutrina corrom peu. Seu
sistema de educação é de severidade extrem a e própria a
lazer entes taciturnos e desesperados. D evem os-lhes um
m étodo racional de leitura e alguns bons com pêndios clás­
sicos.
A corrente protestante tem por principais representan­
tes: Bacon, Ratichius, Comenius, Francke e Locke. Distin-
guimos nela nitidam ente duas tendências: a têndencia realis­
ta e a pietista.
O ensino religioso, m uito dogm ático, na origem, entre os
reform ados, se afrouxa aos poucos, se deform a e se esmi-
galha, sob a influência do livre-exam e. Os mestres acabam
por adotar o realism o mais com pleto, cuja fórm ula é: “ Coi­
sas e não palavras” . Essa tendência que não era a princípio
senão uma reação necessária contra um form alism o exage­
rado, levou cedo aos extrem os, preconizando um ensino e x ­
clusivam ente concreto de onde seria banida tôda verdade
revelada. Era a educação sem Deus ou com o Deus dos
deístas.
Uma reação devia-se produzir contra êsse naturalismo
e vem os aparecer o grupo dos pietistas, tendo à frente o pas­
tor Francke. Os pietistas não repelem os princípios dos
realistas relativos a um ensino mais concreto. Com pletam -
nos acrescentando-lhes a educação religiosa e m oral e dando
aos m eninos sólidos exercícios de piedade. O m ovim ento
dos pietistas é com parável ao dos jansenistas, no século X V II,
e dos metodistas, no século X IX .

Os programas — Nesse século a matemática faz grandes


progressos. Descartes introduz o uso dos expoentes, explica
as raízes negativas, descobre a análise. N ew ton e Leibnitz
inventam o cálculo infinitesim al. As ciências físicas e na­
turais se desenvolvem ; Bacon insiste sôbre os m étodos a em ­
pregar para estudar os fenôm enos. Mas os programas de es­
tudos ficam sensivelm ente os mesmos, exceto em algumas
escolas reais onde, sob pretexto especioso de dar um ensino
mais prático, se desbastam a m aior parte das disciplinas que
são a base da educação intelectual.
Com o centro dos estudos perm anece sempre a língua
latina e as* humanidades clássicas. A s condições tornam,
por assim dizer, essa educação indispensável. A medicina,
que exigiria estudos científicos, tornou-se desprezível por
sua rotina e seu 'charlatanismo. Os joven s não têm diante
de si senão carreiras liberais: direito, literatura, teologia,
etc., para as quais a form ação literária se impõe.
Tem-se feito a êsse século a censura de descurar a língua
pátria. É verdade que, ensinando-se a leitura por m eio de
abecedários latinos, se seguia m étodo defeituoso que S. J. B.
de la Salle reform ou. É verdade que, no ensino, se dava ao
latim o lugar mais considerável. Mas versões e temas lati­
nos não são dos m elhores m eios para se aprender a usar com
precisão as línguas m odernas? E o século X V II não é o mais
francês dos nossos séculos literários precisamente porque os
grandes clássicos eram, antes de tudo, latinistas? A educa­
ção tinha as mesmas bases em tôda a Europa. O estudo um
tanto exclusivo do latim não foi, portanto, tão prejudicial,
com o se crê, ao conhecim ento do vernáculo.

B ibliografia — D e m e n e s tr e l, L ’I n , i r n c ! i c n cn F r a n c c ã a t c .t -c lle ã e
la R é i o i u t t o i i ? — P a r m e n tie r , U i x l o i r j dc l ’ é d u c a ü o n m A n g l c t c r r e . —
8 ' e e l e y , R i s l o i r e o f cd u ca tio n, ch. X X X I I (N e w - Y n r k , 1 S 99 ). — S i c a r d ,
Les Etudcs classiqucs aiant la jU cvoluticn (Paris, 1887).
A PEDAGOGIA CATÓLICA

I — R. Dasorrtes (1S9S-16S0)

Descartes não deixou obra pedagógica; mas o Discours


sur la M éthode contém vários princípios de que a educação
tirou proveito. Dlz-se que a prim eira parte dessa obra é
capítulo de pedagogia. P ode-se dizer outro tanto da segun­
da, que contém as quatro regras próprias para encaminhar
o espírito na procura da verdade.

1. “ Nada adm itir-se com o verdadeiro se não se conh ece


evid en tem en te com o tal” . É a regra da evidência. 2. “ Di­
vidir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas
se puder e fô r exigid o para sua m elhor resolução” . É a regra
da análise. 3. “ L evar os pensam entos em ordem com eçando
pelos objetos mais sim ples e mais fáceis ãe serem conhecidos
para subir, pouco a pouco, com o por ãegraus, ao conhecim en­
to âos mais com plexos” . É a regra da síntese. 4. Fazer em
fôda parte enum erações tão com pletas e inspeções tão gerais
que esteja certo ãe naãa em itir” . É a regra da verificação.
A ligação dessas regras é facil de mostrar. Para se che­
gar à verdade é preciso pôr-se, antes de tudo, a eviãência,
procurar em tôda questão o que há de mais claro e de mais
simples; por conseguinte, dividir, analisar; depois, servir-se
dessas verdades simples para elevar-se às mais com plexas;
e, por conseguinte', com por, fazer sínteses. Depois, verificar
essas análises e essas sínteses certificando-se de que são exa­
tas e completas.
Essas quatro regras são de uso constante na educação;
contêm certo núm ero de princípios de im portância conside­
rável:
1 — Não apresentar aos m eninos senão idéias que lhes
sejam claras. Inspirar-lhes aversão pelo que é im preciso e
obscuro, e o am or da clareza e da precisão. Para se chegar
a êsse ponto é m ister ir do concreto ao abstrato, do em pírico
ao racional, do conhecido ao desconhecido.

2 — Dividir as qu estões a estudar em tantas partes


quantas forem precisas; com eçar pelas noções gerais; estudar
em seguida, sucessivamente cada uma das partes da lição.
P or êsse princípio, Descartes proclam a a im portância sobe­
rana do m étodo; mas, diga o que disser, o m étodo não faz
tudo em educação, e os espíritos não têm todos o mesmo
valor. O m estre deve levar em conta os gostos e os talentos
de cada qual, variar os seus procedim entos, fazer-se tudo
para todos; e, sobretudo, adaptar os m étodos à ordem em que
se desenvolvem as faculdades.

3 — A análise não basta para dar ensino eficaz. É p re­


ciso acrescentar a síntese. “ Análise sem síntese, diz Cou-
sin, é ciência incom pleta” . É indispensável fazer sempre
revisões e recapitulações, tornar a voltar aos princípios fun­
damentais, apresentar aos alunos vistas de conjunto. É o
meio de dar convicções e conhecim entos sólidos.

4 — A regra ãa evidência ã eve ser aplicaãa com discer­


nim ento. Convém sobretudo às ciências matemáticas, físi­
cas e naturais e ainda, nessas matérias, há m ultidão de cousas
que não podem ser demonstradas. A evidência não permite
rejeitar e desprezar tôda autoridade; essa atitude não seria
científica nem razoável. É preciso, por conseguinte, aplicar
a regra com discernim ento, sob pena de criar o ceticism o no
espírito do menino, de o tornar indócil e de prejudicar suas
crenças sobrenaturais.
5 — D escartes pede que se desenvolva o espírito ãe re­
flexão. A inteligência não deve ser passiva e a obra da
educação não consiste só em m obiliar a mem ória. É preciso
classificar os materiais, pôr ordem nas idéias, servir-se do
conhecido para ir ao desconhecido. Os costumes de reflexão
o de associação dão ao m enino confiança em si, desenvolvem -
?he a energia e o espírito de iniciativa.
6 — Os racionalistas acreditavam poder afirm ar que
Descartes põe, com o princípio, o direito de cada um pensar
por si, de ser o agente de suas opiniões e de suas crenças.
Descartes jam ais emitiu semelhante idéia. Seria, por outro
lado, falsa e consagraria, para a vida moral, um princípio
que não se pode aplicar à vida física e intelectual.
7 — Nas suas Consiãerations sur les Sciences, indica a
traços rápidos o proveito intelectual de cada ordem de estu­
dos. A história form a o juízo, as fábulas despertam e enri­
quecem o espírito; a leitura é conversa com as mais altas
inteligências de todos os tempos. Mas errou em se mostrar
severo com as línguas e os estudos clássicos. Pode ser que
se abusasse um tanto dos mesmos no século X V II; isso, p o­
rém, não é m otivo para sustentar-se que não se tem tirado
proveito algum dos mesmos. A perfeição literária das suas
obras testemunha eloqüentem ente contra a asserção.
8 — Descartes exerceu, em filosofia, influência que, sob
certo aspeto, não foi feliz. Errou em não se ocupar senão
do espírito. A filosofia escolástica que destronou, tinha ra­
zão em considerar o hom em com o um todo com posto de alma
e de corpo e de o definir uma inteligência serviãa por órgãos.
Em educação, algumas de suas idéias foram retomadas por
P ort-R oyal e pelo Oratório. P or uma preferência demasiado
exclusiva dada à lingua materna e à matemática, tende para
o realism o; ocupando-se unicam ente do espírito, fêz da dis­
ciplina intelectual o fim da educação.

Descartes e o ensino profissional — M. d ’Alibert, tesou­


reiro geral da França, tendo pedido a Descartes que aceitasse
parte das suas riquezas, êste, para utilizar a doação gene­
rosa, organizou um plano de ensino profissional para os ope­
rários de Paris. Davia fazer construir, em diversos lugares
da cidade, grandes salões para os artífices. Cada ofício teria
salão especial, e em cada um haveria um gabinete com todos
os instrum entos m ecânicos necessários ou úteis às artes que
se deviam ensinar. Os professores deviam, sobretudo, ser
hábeis em m atemática e física, a f'm de responder a tôdas
as perguntas e dar azo aos operários para fazerem novas
descobertas. A resolução dêsse grande projeto fôra tomada
na última viagem de Descartes a Paris, e a execução adiada
para o regresso da Suécia. É lam entável que a m orte tenha
im pedido o ilustre filósofo de realizar essa idéia m agnífica.

líifoliografia —- B a i l l e t . L a Y i c de M. D es ca r te s , li v. V T T , oh. X X T I I
(P . ] G: »1). — A. B e :ítra n d , L ’ Ens'.iejnemevt in égrut, li v. I I , oh. I ( P a ­
ris , 1 8 9 8 ). — C i i e v a l i e r , D e . c a r t c s ( P a r i s , 19l’ l ) . — C o m p a y r é , l l i s l o i n
ãe la p é d a g o g ie , leçcn I X . — C y c l o p e d ia o f e d u e a tio n , art. D e s c a r te s .

II — Bossuet (1627-1704)

Bossuet foi encarregado, em 1670, da educação do D el­


fim ; à mesma se dedicou com a mais adm irável abnegação.
Educar um rei de França era para êle obra em que “ tôda a
cristandade tinha interêsse” . Dava ao príncipe três lições
nor dia, ficava constantemente com êle, julgando da m aior
importância habituá-lo com os mesmas pessoas e a ter as
mesmas maneiras, “ visto que os meninos, nutridos com um
mesmo leite, progridem m ais” Essa m áxim a de Montaigne
êle a seguiu até nas precauções dignas de M ontaigne, e de
que nos estranhamos que tenha sido capaz. “ Fazia questão,
tôdas a$ noites, de assistir ao deitar do D elfim para o ador­
m ecer com algum conto agradável” .
Bossuet prepara m inuciosam ente sua aula; escreve as
lições que se tornarão livros imortais: Discours sur l’ his-
toire universelle, Comiaissance de D ieu et de soi-m êm s, Lo-
gique, H istoire de France, P olitique tirée de VEcriture
Sainte. Mas a educação m oral do aluno im porta-lhe ainda
mais do que a form ação de seu espírito. A legra-se de des­
cobrir nessa alma “ com eços de grandes graças: uma sim pli­
cidade, uma retidão, um princípio de bondade” . Entretanto,
receia os exem plos da côrte: “ O m undo! O mundo! Os
prazeres! Salvai-nos, Sen h or!”
Sua carta ao papa Inocêncio X I, em que expõe o plano
de estudos, é dos mais belos m onum entos da pedagogia fran­
cesa. Com relação aos m étodos de ensino, o ilustre precep­
tor confessa que nada esqueceu. Quer que as lições sejam
atraentes: “ Nada receio tanto, diz, com o assustar o meu
eduno com êsse triste e horrível aspeto que tem a ciência
apresentada sem circunspecção e sem arte a uma idade tão
tenra e tão fraca” .
Empregou-se, tanto quanto possível, a intuição; sábios
fizeram experiências diante do Delfim . M esm o o real dis­
cípulo foi conduzido às sessões das Academias.
Bossuet fêz-lhe estudar autores inteiros e não fragm en­
tos; inspirou-lhe o amor pelos grande de outros tempos so­
bretudo pelo divino H om ero e pelos príncipes da comédia:
Terêncio e Plauto. A história da França especialm ente foi
considerada estudo m uito importante.
A geografia era aprendida com o que “ brincando e via­
jando” , insistindo particularm ente nos costumes das diversas
províncias de França. A s viagens, no mapa, estimulavam a
curiosidade do aluno e fizeram -lhe adquirir grande soma de
conhecim entos.
Para m anter em vigilância a atenção do príncipe, Bos­
suet recorre à variedade; as lições eram interrom pidas por
passeios e distraçõeS diversas. “ É preciso que um m enino
brinque e se alegre, isso o excita” dizia o ilustre preceptor.
Serviu-se da em ulação fazendo com petir o príncipe com os
meninos da sua idade.

Resultados — É dificil crer que os resultados de tal edu­


cação tenham sido nulos, com o asseguram certos escritores,
na esteira de Saint-Sim on. O príncipe teve belas qualidades
morais: foi bom, conversava com os servidores, “ coisa ex ­
traordinária” escreve o intratável duque. Foi valente na
guerra. Não brincou de general mas procedeu com o solda­
do. Suas qualidades intelectuais não foram tão brilhantes.
Disseram com exagêro, sem dúvida, que tinha desgosto pelos
livros e que após as aulas punha tôda a aplicação em esque­
cer o que tinha aprendido. Está verificado que era de na­
tureza indolente, de incapacidade de atenção, de languidez
de inteligência “ que o defendiam vitoriosam ente de tôdas as
excitações e de todos os constrangim entos” . Fica por se per­
guntar se o regim e a que foi sucm etido lhe convinha. Foi
tratado com m uita severidade; M ontausier, encarregado de
lhe dar correções, m anejava talvez demais a vara sem que
Bossuet o desaprovasse demais. D izia-lhe não obstante: “ É
pela doçura que convém form ar o espírito dos m eninos” .
Bossuet se esforçava, sem dúvida, em ser simples mas não
devia m uito interessar. Que contraste com F énelon que ins­
truía o aluno divertindo-o!
O gênero de conhecim entos dados ao príncipe convinha
à feição de seu espírito? Cum pre duvidar. O D elfim as-
.'■ombrou realm ente os m estres pelos progressos em geom e­
tria. Tinha disposição para os conhecim entos práticos de
história natural, de artes e ofícios.
Sem dúvida, as ciências não foram omitidas nos progra­
mas, mas não ocupavam senão lugar secundário. Fôra pre-
Icrível reduzir a parte de temas e daquela geografia antiga
que constituíram para o m esm o tortura ineficaz e odiosa.
Seja com o fôr, está fora de dúvida que o príncipe guardou
m uito reconhecim ento a Bossuet, e diversas circunstâncias
mostraram que o ensino do ilustre m estre não fôra vão.

Bibliografia — B o s s u e t , L e ttr e s sur 1’ éãucation, éd. B oss nrd (P a r is ,


.1921). — D i c t i o n n a i r e pédagot/ique, art. B o .s u e t. — ] ) i m j e r , B o s su et, ch.
I V ( P a r i s , 1 9 1 6 ) . — F l o q u e t , B o ssu et p réceptciir du Daupliin (P a r is,
1 SC» 1). — - D r i t o n , n istoire de 1’éãu cation ãcs princes ãe la M a ison ães
H ourbons de Fran oe, I (P a r i s , L c t l i i e l l e u x ) .

III — Fénelon (1651-1715)

A obra pedagógica de Fénelon com preende o Tratado da


Educação das joven s e os C onselhos a uma dama ãe qualida­
de. O Trataáo é o prim eiro livro clássico da pedagogia
francesa. É “ bosquejo de gên io” que brilha pelo cintilar das
idéias e pela graça do estilo, e se recom enda pela sabedoria
e madureza do pensamento. M uitos conselhos e observações
convêm a rapazes com o a donzelas. Desprendem -se dessa
obra alguns princípios gerais que passamos a expor.

IcTé'as pedagógicas de Fénelon — 1 — Im portância ãa


cducação das áonzelas. Essa educação era descurada no sé­
culo X V II. Entretanto, as m ulheres têm que desempenhar
deveres que são o fundam ento de tôda vida humana.
“ Uma m ulher prudente, aplicada, é a alma de tôda uma
casa; ela a põe em ordem tanto nos bens tem porais,quanto
em ordem à salvação” . A má educação das mulheres faz
m aior m al do que a dos hom ens porque as desordens dos h o­
mens vêm muitas vêzes da má educarão oue receberam da
mãe. É, por conseguinte, necessário instruí-las bem em seus
deveres. A s jovens não devem sair dos conventos com o pes­
soas que estivessem encerradas nas trevas de u m i profunda
caverna e que se fizesSe passar repentinam ente para a luz do
dia.
2 — A m elhor educarão ê a que se dá na família — Tem -
se repetido demais que Fénelon não gosta da educacão dada
nos conventos. “ A precio muito, diz, a educação dos bons
conventos” . Os bons conventos são aquêles em que a reli­
gião ocupa lugar de honra. Os outros não são senão escolas
de vaidade. Os m elhores cuidados são os de uma to a mãe
quando os pode em pregar Mas deve ter o cuidado de pra­
ticar exatam ente tudo auanto recom enda. A irregularidade
dos pais, eis o grande obstáculo à educação dos filhos. Que
esperar de uma donzela sob cujos olhos se faz o contrário
do que dela se ejrige? P elo contrário, aue fôrça não é a que
se apoia no exem plo da submissão às m axim as que se ensi­
nam!
3 — D efeitos que se originam na falta ãe educacão —
Fénelon assinala os defeitos que produz a ignorância de uma
donzela: em prim eiro lugar, o aborrecim ento pela v :da do
espírito, a falta de gôsto pelas coisas sérias, a ociosiãaãe e a
preguiça; por não se poder ocupar com os deveres de seu
estado, a donzela lanca-se a frivolidades muitas vêzes peri­
gosas; uma falsa sensibilidade que a inclina aos divertim en­
tos; uma imaginação desregrada que a faz procurar o m ara­
vilhoso, a ternura, os romances, as comédias, as narrativas
de aventuras quim éricas; uma curiosidade má, indiscreta, in­
saciável, que a torna ávida de novidades e lhe dá, algumas
vêzes, a mania de se fazer teóloga e de se apaixonar por
Jutas que estão acima dela.
4 — A educação d eve com eçar m uito cedo — A educa­
ção é obra de previdência e de persuasão. “ A s educações
neghgenciadas ou m al reguladas, diz Fénelon, form am espé­
cie de pecado original que não se resgata m ais” . Para ser
bem sucedido, é preciso um sistema determ inado que não
deixe nada ao im previsto. O m enino -se presta a tôda ação
que se exerce com tacto; com o não é nem essencialmente
te m nem essencialm ente mau, tomará a direção que lhe fôr
indicada. Dar-lhe-ão, em prim eiro lugar, bons hábitos. A
instrução form al não com eçará senão mais tarde.' Quanto às
matérias de ensino, Fénelon dá o m uito sábio conselho de se
seguir a natureza. O cansaço desgosta do estudo. É preciso,
sobretudo, ensinar o m enino a trabalhar mas sem o sobrecar­
regar de trabalho. O m enino não é vaso que se precisa en­
cher; é a alma que é preciso form ar.
5 — Tornar o e-studo agradável aos m eninos — Fénelon
não gosta nada das lições didáticas. Quer que o estudo seja
agradável e recreativo. Consegue-se tal resultado fazendo-
se amar, evitando todo ar im perioso, m estrando a utilidade
do que se manda fazer.
N o século X V II, o ensino era, em geral, pouco atraente.
“Põe-se todo o prazer de um lado, diz, e todo o tédio do ou­
tro; todo o tédio no estudo, todo o prazer nos divertimentos.
Tornem os o estudo agradável, escondam o-lo sob a aparência
da liberdade e do prazer” .
Fénelon aconselha o mestre a ter conduta aberta, alegre,
fam iliar, que dê o m eio de ver os m eninos agirem, no estado
natural, e de os conhecer a fundo. Não deve ser m uito exi­
gente. “Pede-se freqüentem ente aos m eninos uma exatidão
e uma ciência de que seriam incapazes os que a e x ig e m . . .
Nenhuma liberdade, nenhuma jovialidade, sempre silêncio,
postura incôm oda, correções e ameaças” . Procurando tornar
o trabalho agradável, no entanto, não seria preciso transfor­
m á-lo em divertim ento. Não há verdadeiro aproveitamento
senão no esfôrço.
6 — Em pregar o vien os possível o tem or e as punições
— O bom caráter é penhor de bom êxito junto aos meninos.
O gênio altivo, ralhador, que apoquenta “ os repele e os faz
concentrar em si m esm os” , torna-os dissimulados, hipócritas,
destrói a sua franqueza de caráter. “ O temor, diz Fénelon,
é com o os rem édios violentos que se em pregam nas doenças
extrem as; purgam mas alteram o tem peram ento e estragam
os órgãos; uma alma levada pelo tem or é, por isso mesmo,
mais fraca” . O mestre punirá o menos possível, dominar-se-
á ao punir e acompanhará o castigo com o que possa excitar
no m enino vergonha e remorso. Em educação é m elhor p re­
venir do que rem ediar. A em ulação contribui para dar gôsto
pelo estudo; não se deve abusar dela porque a inveja não é
desconhecida dos meninos. Outro m eio de manter os m eni­
nos na senda do- dever é o uso m oderado das recompensas.
Para conquistar o m enino, é preciso falar-lhe sempre discre­
tamente; fazer-lhe com preender a, necessidade do trabalho e
do bom procedim ento, e entender-se com êle sobre as preci-
sões que em si mesm o reconhece. Cum pre conhecê-lo bem
para o guiar m elhor e o inclinar mais facilm ente para aquilo
de que gosta.
7 — R eprim ir desde cedo os d efeitos dos m eninos —
Fénelon assinala os principais defeitos das meninas: “ a frou ­
xidão e a tim idez que as tornam incapazes de um com porta­
m ento uniform e e firm e; as amizades ternas, os ciúmes, as
adulações, os cum prim entos excessivos, as solicitudes, os
rodeios artificiosos, as lágrimas voluntárias, os sentimentos
afetados” . U m 'd o s seus grandes defeitos é a vaidade, cuja
origem é o desejo de agradar. Ninharias fazem o objeto de
preocupações graves: “ uma touca, uma ponta de fita, um
anel de cabelos mais alto ou mais baixo, a escolha de uma
côr são para elas outros tantos negócios im portantes” . É
oreciso dar-lhes o gôsto da simplicidade, fixar fortem ente
nelas as leis da modéstia cristã. Fénelon receia tam bém que
saiam de sua situação, origem de amargas decepções. Mas
se as donzelas têm têndencia a certos defeitos, são suscetíveis
das mais altas virtudes. Têm, por excelência, “ a fineza, a
graça, o dom de urbanizar” ; o ju ízo não lhes falta para se
curarem de suas fraquezas e desenvolverem suas qualidades.
8 — Program a de estudos — Os estudos terão por base
o ensino religioso dado, o mais possível, sob form as sensíveis:
exem plos, com parações, parábolas, etc. Fazer com preender
que a salvação transcende em im portância a todo o resto,
eis o essencial: riquezas, vaidade, passar bem, nada valem
pois que acabam. É preciso apresentar a religião sob as
imagens mais agradáveis, mais sedutoras, pintar com as cô-
res mais vivas a felicidade da outra vida. O Evangelho, eis
o livro do cristão; Jesus Cristo, eis o centro da instrução
religiosa. Fazer amar Jesus Cristo de coração e não com os
’ ábios; fazer a m enina com penetrar-se de confiança em Deus,
fazer-lhe tom ar o costum e de se dirigir a Êle com o ao m e­
lhor dos pais, tal é a escola de Fénelon. Não quer religião
exagerada nem superstição. Uma instrução sólida e racio­
cinada arrancará ou prevenirá êsses excessos. A religião
deve ser razoável. “ Não am edronteis nunca vossa filha, na
piedade, por uma severidade exagerada. D eixai-lhe honesta
liberdade e uma alegria inocente. Perm iti-lhe todos os di­
vertim entos fora do pecado” .
Os outros estudos com preendem a leitura, a escrita, a
aritmética, a contabiildade, algumas regras de direito civil,
algumas noções de econom ia doméstica. A gram ática será
ensinada sobretudo pela prática. Deixar-se-á às donzelas
jerem alguns bons livros profanos: história de França, histó­
ria grega, história romana. Fénelon não proíbe a poesia,
nem a música, nem m esm o o lat'm . Está, por conseguinte,
longe de partilhar a opinião do ingênuo Chrysale que acha
que a m ulher é bastante sábia quando distingue entre os cal­
ções e o gibão do marido.
Importa, ac:m a de tudo, instruir a m ulher em seus de­
veres. “ Tem casa a dirigir, m arido a tornar feliz, m eninos
a criar e educar. É incum bida da educação dos filhos até
certa idade; das filhas, até oue se casem ou se tornem reli-
g'osas; da conduta dos domésticos, de seus costumes, de seu
serviço, da relação das despesas, dos m eios de fazer tudo
honradam ente e com econonra. Desde a infância, é preciso
que entre na “ prática” Prefiro, diz, ver uma donzela acertar
as contas do m ordom o a entrar em discussões teológicas” .
Havia, no século X V II, uma razão espec;al de insistir
sôbre os deveres da m ulher: os rom ances da época tinham
espalhado idéias falsas. Mlle. de Scudery achava que nada
é m enos digno de uma dama do que ser “ a m ulher de seu
marido, a mãe de seus filhos, a senhora da sua fa n rlia ” .
M olière já tinha reagido, nas F em m es savantes, contra essas
idéias romanescas.
9 — Estudar o m enino e aproveitar as suas disposições
— O livro de Fénelon contém numerosas exposições de psi­
cologia infantil de que é preciso tirar proveito no ensino.
O m enino tem muita dificuldade em ser atento; o seu
espírito vacila “ com o uma vela acesa em lugar exposto ao
vento” . Mas a curiosidade com pensa essa inconstância. É
preciso tirar vantagem dessa propensão que vai ao encontro
da instrução. “ Êsse espírito de curiosidade contribuirá ao
êxito das lições de coisas, cuja form a consistirá sobretudo em
explicações interessantes a respeito das coisas que se apre­
sentarem no campo ou na cidade. Agindo assim, desenvol-
ve-se, no m enino,’ o espírito de observação e dá-se-lhe espé­
cie “ de fom e de aprender mais” .
O m enino gosta m uito de histórias. Utilizar-se-á essa
disposição para a instrução religiosa. A s m elhores são as da
Bíblia. É preciso m :sturá-las habilm ente às explicações, não
as prodigalizar, interrom pê-las algumas vêzes no m om ento
mais interessante a fim de as fazer desejar. De tempos a
tempos, pode-se contar uma fábula com a condição de que
encerre sã moral. A s narrações serão vivas e fanrliares; as
personagens falarão e agirão diante dos m eninos que acre­
ditarão vê-las e ouvi-las. Quando o mestre tiver ooortuni-
dade de m ostrar aos m eninos estampas e quadros, não a de­
verá m enosprezar porque a fôrça das côres, o tamanho das
íiguras, im pressionam mais a imaginação..
10 — Papel ãa saúde na educação — Fénelon não esque­
ce a divisa antiga: “ Uma alma sã em corpo são!” Quer
que se regule a hora das refeições e a escolha das comidas
o que se proscreva o esm êro e a vaidade das iguarias. Essa
preocuparão aparece no regulam ento escrito pelo marquês
de L ouville para a educação dos filhos do grão D e lf:m, os
duques de Berry, de A n jou e de Borgonha, regulam ento ins­
pirado por Fénelon. Essas idéias são novas, pois que os
m édicos se espantam; e, quanto aos exercícios, “ nenhum
burguês de Paris quereria arriscar semelhante regim e para
os filhos: apdam, correm quanto querem ” .
A razão é que o m enino precisa de exercícios, m ovim en­
to, recriações vivas. Fénelon escreve: “ Perm iti que 03 m e­
ninos interrom pam, às vêzes, o estudo por curtos intervalos
de diversão; têm necessidade dessas distrações para descan­
sar o espírito” . E ainda: “ D eixai o m enino brincar e en­
tremeai a instrução com o brinquedo. G uardai-vos de o can­
sar por uma exatidão insdiscreta” .
A educação do duque de Borgonha — F énelon teve ocasião
de aplicar à educação do duque de Borgonha as suas teorias
pedagógicas.
A tarefa não era fácil. Saint-Sim on nos mostra o prin-
cipezinho “ encolerizado até os m aiores arrebatamentos e até
contra as coisas inanimadas, im petuoso com furor, incapaz
de sofrer à m enor resistência, nem sequer das horas nem dos
elem entos” . A dificuldade esteve em m oderar a im petuo­
sidade do caráter, torná-lo suave, brando, dócil. Fénelon
cativou seu aluno pela doçura, poupou-lhe o constrangimento,
as lições abstratas. Em pregou até cenas preparadas de an­
temão onde o m enino não suspeitava artifício. Dom inou-o,
sobretudo, pela ternura e pela bondade. Sustentou-o em
suas lutas contra si, levando-o a tom ar fortes resoluções e
m ostrando-se satisfeito com o m enor esfôrço, com o sendo já
uma afirm ação do querer.
A idéia de Deus tom a nessa form ação o lugar mais im ­
portante. Um dia, o príncipe quis dissimular uma desobe­
diência: “ Instei com êle para m e dizer a verdade diante de
Deus, diz Fénelon. Então encolerizou-se m uito e gritou:
“ P or que m e pede tal diante de D eus? Pois bem! visto que
me interroga assim, não posso negar que o fiz” .
Para a instrução do príncipe, Fénelon procura sobretudo
variar: talvez até tomasse cuidado demais para tornar o es­
tudo divertido. A plica com êxito a sua teoria das instruções
indiretas: essa preocuparão é visível nas obras compostas
para a educação do príncipe.
O Telém aco, sob a form a de romance, dá preciosos con­
selhos a um futuro rei: deverá amar os súbditos com o filhos,
exercer a justiça em favor do pobre contra o rico, detestar a
Jisonja, não ser am bicioso, evitar tôda guerra que não seja
legítima e necessária, observar as leis da clem ência e da
humanidade. A s Fábulas compostas, dia a dia, segundo o
grau de instrução e o procedim ento do duque, estão cheias
de alusões às suas qualidades e sobretudo aos seus defeitos.
Para fazê-lo amar a história e dar-lhe lições vivas de moral,
de literatura, de filosofia, Fénelon escreveu os Diálogos dos
Mortos. Grandes hom ens de todos os países e de tôdas as
condições conversam sôbre os assuntos mais variados. É
sempre a lição indireta, o ensino atraente, variado com o
apreciam os meninos.

Resultados — A form ação literária do duque de Borgo-


nha foi excelente. A os dez anos tinha lido Cícero, Tito Li-
vio, Horácio, Virgílio, as M atcim orjoses ãe Ovídio, os C om en­
tários de César. Gostava de X enofonte, Hcsíodo, Homero.
Conhecia a França com o o parque de Versailles e a história
da Igreja a ponto de espantar Bossuet.
A educação m oral não teve menos êxito. O caráter do
principezinho m oderou-se ràpidamente. Tornou-se alegre,
amável, submisso, e dizia a Fénelon: “ D eixo atrás da porta
o duque de Borgonha e convosco não sou mais que o Luisi-
nho” . M. Com payré acha que Fénelon falhou à força de
sair-se bem, e não form ou assaz a vontade do aluno. Não
se engana? Todo esfôrço não é ato de vontade? E o jovem
príncipe não praticou, às vêzes, atos heróicos? Tal mudança
não prova que a vontade do m enino foi exercitada com o as
suas outras faculdades? Diga-se a verdade, o mestre form a­
va o aluno com arte infinita; foi pelo amor e não pelo tem or
que obteve tais resultados.
O príncipe tornou-se m odêlo em tudo, e pode-se crer qu
teria feito a felicidade da França se a Providência lhe tives­
se perm itido subir ao trono. Conservou m uito alta estima
por Fénelon, Êste serviu-se da sua influência para continuar
a dirigi-lo e lhe dava a saber, na ocasião, o que se dizia dêle:
“ Diz-se que sois m uito singular, reservando-vos a pequeno
núm ero de pessoas que não vos la r g a m ... diz-se que escu­
tais demasiado a pessoas sem ex periên cia . . . diz-se que sois
devoto até m inúcias” etc. O príncipe aproveitava êsses
avisos e a ação do preceptor se prolongou até a m orte do
duque de Borgonha. Mas não foi exclusiva, e Fénelon não
deve carregar a responsabilidade das lacunas e das ligeiras
faltas que se podiam notar no jov em príncipe.

Conchitão — Fénelon é o m aior educador católico do sé­


culo X V II. Os seus escritos contêm, em germe, todos 03
m ítodós chamados m odernos: a educação pelos sentidos ou
intuição, a necessidade de com eçar pelo concreto para ir ao
abstrato, de tornar o m enino prudente em seus julgam entos,
de form á-io _à reflexão. O centro de sua pedagogia parece
ser a cultura do entend:mento. Através de tôdas as gracas
das suas lições, diz Mons. Cagnac, o que tem em nvra é o
fundo do espírito, o juízo, no qual se esforça para assegurar
a exatidão e a solidez, sendo o raciocinar bem a única quali­
dade com a qual se pode contar” .
Tem 0 sentido do real; não se coloca no abstrato com o
Rousseau.
A o invês de supor o m enino perfeito, tom a-o tal qual é,
com a franaueza e a espontaneidade de seus instintos entre­
m eados de bem e de mal. Pede aos pais e aos mestres que
se dediauem à grande obra da educação com um m ínim o de
boa-vontade.
A in flu ê rc;a de Fénelon é m u:to assmalada em nossa l :te-
ratura pedagógica. Rollin nela se inspirou profundam ente.
Rousseau teria escapado a m uitos erros perigosos tom ando-o
por guia; nem um nem outro o fizeram esouecer. Rollrn
ou abfica o Traité de livro excelente e a ser colocado em tô­
das a^ mãos. De L acy disse: “ É prosa de X en ofon te escrita
com pena cristã” .

R i' liogrcfin — F é n e I.c n , T ra itc dr 1'éihirutirn <J'S f H r x , éditinv Ttnvs -


trlo t CP rís. P e l o ç n v e ) . — P i z o s , Féiflo-n éd n ratrvr (P:ivis. P o i n v i n ) .
— ü ü r . C a c n a c , Fénelon, direclcur de c c n u i e n c e ; Étudcs sur Fénelon; le
Respect ãe 1’ enfan t; le Duc ãe Bourgogne (P . 19 2 2). — Com payré, Féns,
lon) coll. Les granâs êãucaleurs. — C b ou slé, Fénelcn et Bossuet (P a ris,
ÍS á 5 ). — E ic tio n n a if.e ãe pédagogie, art. Fénelcn. — GRéakd, L ’ êducation
ã x femmes, 5e. édition (P a ris, 1837). — IIêm on, Cours ãe liitérature,
vol. V (P aris, D ela gra ve). — D buon , Histoire de 1’éãucation ães pritic.es,
II ( P . L ethielleux).

IV — Os oratorianos

A Congregação do O ratório foi fundada, em lO ll, pelo cardeal de


Bórulie. Foi resturada, em 1852, sob o noirtj (>‘J Oratório d a Imacul. da
Conceição. Propunha se a form ação de Aspirantes ao sacerdócio e à
direçSo de esiafcíÃecimentos de enü;_o secundúrio. Os prim eiros col<5-,
glrs dos O ratori; nos foram fundados, em 1614, ■em Dièppe e na Rochplla.
A morte do fundadrr (16E9) dirigiam, em França, cêrea de cinqüenta
(.Tuill.v, Dicppe, Vendôme. Saumur. Angers, o Mar.s, Iíochella, etc.) e
alguns no estrangeiro: Bom a, M fdrid, Constantinopla etc- Em 1762, o
numero de seus colégios aumentou co ,s'rIi'.-f»velmente, para suprir o
vácuo enorme causado pela saída dos Jesuítas.

Métodos de instrução e tüe educação — O P. de Condren


redigiu, para as casas de sua ordem, um único plano de es­
tudos, sob o nome de Ratio Studiorum: A primeira parte
Irata da disciplina; a segunda, dos estudos e dos métodos.
Datenhamo-nos nas particularidades interessantes da peda­
gogia do Oratório.
1 — Formação religiosa e moral — O lugar de honra é
dado ao ensino religioso. Os exercícios dé aula são prece­
didos do Veni Sancte Spiritus e da leitura de alguns versí­
culos do Novo Testamento. Durante as refeições, lê-se a vi­
da dos .santos. Depois da aula, recitam-se as ladainhas da
Santa Infância de Jesus; termina-se o dia por uma oração à
Santíssima Virgem. Formam-se sodalícios que agrupam os
melhores alunos de cada casa e nêles mantém o espírito de
piedade.
2 — Disciplina — Os Oratorianos não gostavam de guiar
o m enino pelo rigor e pelo m êdo porque não admitiam que
a nossa natureza fôsse essencialmente má. O cardeal de
Bérulle dava a um superior os seguintes avisos: “ Tenha
grande respeito pelas almas dos seus inferiores. Seja antes
pai que superior; tenha mais paciência do que zêlo. Dispo­
nha suavemente as almas ao que lhes é conveniente e não
repreenda jam ais senão depois de alguma concentração” .
O P. de Condren diz que o tem or diminui nos meninos a
liberdade de espírito. Fazia dizer aos joven s professores:
“ Com portar-m e-ei na correção com o pai, e gostarei muito
mais de ser repreendido por Deus por bondade demasiada
do que por excessiva severidade” .
Tais disposições nos mestres tornavam m uito raros os
castigos corporais. Buscavam conhecer bem o m enino a fim
de o conduzir segundo o seu caráter e a m odalidade do seu
espírito. “ É preciso uma espécie de política, dizia o P.
Lamy, para governar êsse pequeno povo, levá-lo pelas suas
inclinações, prever o efeito das recompensas e dos castigos e
em pregá-los conform e o uso dêles. Há tem pos de obstinação
em que um m enino se deixaria matar antes que ceder” .
Um historiador de Juilly, que foi o colégio m odêlo dos
oratorianos, nos diz: “ Os alunos eram subm etidos a um re­
gime sistemàticamente liberal. Nos limites de uma indepen­
dência relativam ente ampla, aprendiam a regular a conduta,
a disciplinar a alma, a desenvolver a energia da vontade e
a conhecer a responsabilidade dos atos. Em uma palavra,
iratavam -nos com o hom ens para que o chegassem a ser” .
(H a m e l , Hist. do C olégio de J u illy, p. 477).

3 — M étodos e espírito do ensino — Os Oratorianos


reagiram contra o em prego m uito exclu sivo do latim e de­
ram lugar mais im portante à língua pátria. Como os Jesuí­
tas, se sobressaíam na explicação dos textos.
Ensinavam com o m aior cuidado a geografia, a história
antiga e a história de França. A filosofia cartesiana encon­
trou, nos oratorianos, num erosos adeptos. “ Se a filosofia de
Descartes é uma peste, escreviam os regentes do colégio de
Angers, somos mais de duzentos que estamos contam inados” .
M alebranche contribuiu para o desenvolvim ento das idéias
filosóficas de Descartes entre os seus confrades. Daí resul­
tou uma inclinação para o jansenism o e atritos com os jesuí­
tas, defensores infatigáveis da ortodoxia.
A influência de Descartes foi mais feliz no ponto de
vista científico; ela estimulou o zêlo dos Oratorianos pelo
estudo e ensino das ciências naturais, da física e da m ate­
mática.
A s artes recreativas: música, dança, equitação, faziam
parte do programa. As representações teatrais eram raras,
mas haviam-se estabelecido academias literárias cujo fim
principal era ensinar aos alunos a arte de falar em público.
A emulação era apreciada em tôda a parte.
A procura dos prim eiros lugares, a obtenção de um prê­
mio de exame, excitavam o ardor dos escolares. A s sessões
públicas da Academ ia animavam os mais m oços pelo espe­
táculo dos alegres triunfos dos mais velhos. As Congrega­
ções, que agrupavam os joven s mais exem plares, serviam
também de incentivo: constituíam uma com o guarda de hon­
ra da qual todos aspiravam a fazer parte.
Tem -se feito, aos Oratorianos, a censura de dividir ex ­
cessivam ente o ensino porque, pelos seus regulamentos, os
exercícios de classe devem variar de meia em meia hora.
Este tem po era bastante para as lições e as explicações, mas
não para as tarefas escritas, dizem. É facil responder que
rnestres experim entados sabem proporcionar a duração das
tarefas escritas ao grau de adiantamento dos alunos. Criti­
cou-se também o hábito de dar aos alunos o m esm o profes­
sor, nas diferentes aulas. É preciso convir que havia nesse
íato êrro pedagógico: no ensino secundário, uma especiali­
zação é indispensável e tal m estre que se distingue nas clas­
ses elem entares arrisca ser inferior à sua tarefa em classes
r.uperiores. Mas sob o ponto de vista da disciplina e da
form ação m oral êsse hábito era excelente. O professor, co­
nhecendo perfeitam ente os alunos, podia ter sôbre os mes­
mos m uito grande influência.
Grande núm ero de Oratorianos se distingu;ram no ensi­
no. Falarem os semente de M ale^ranche e do P. Lam y, de­
pois de m encionarm os o M étodo do P. Tomassino.

O P. Malebrairche (1628-1715) nada deixou escrito sôbre


educação mas exerceu sôbre sua ordem influência conside­
rável; e, pode-se respigar em suas obras, certo núm ero de
idéias sôbre a form ação da m ocidade.
Quer sobretudo que se apliquem à cultura da razão; en­
tretanto, exagera dizendo que a cultura dessa faculdade é o
único m eio de tornar o hom em feliz: a boa consciência é
superior à razão. C onform e M alebranche ainda, a instrução
deveria com eçar pelas coisas mais abstratas; é a ilusão de
um m etafísico que constrói suas teorias no silêncio da cela.
Que será neste caso da intuição? Não será preciso ex­
cluí-la mas a sua parte será m uito pequena porque nossos
sentidos não servem senão para nos induzir ao êrro. Do
mesmo m odo será preciso desconfiar da imaginação. O gran­
de filósofo exagera: uma sã psicologia nos ensina que a
imaginação deve ter a sua parte na educação. É preciso re­
gulá-la mas não deve ser destruída.

O P. Lamy (1640-1715) tem sobretudo o m érito de ter


erguido, nos colég os do Oratorio, o estudo das ciências e
da matemática. Contribuiu para isso com o seu ensino, com
a publicação de manuais de m ecânica e de geom etria e pelas
suas palestras sôbre as ciências. M ostra-se injusto com as
letras e a cultura clássica. “ Aquêles, diz, que fazem das
línguas o principal estudo, tomam o hábito de não se pren­
derem senão às palavras” . A história lhe parece m uito pró­
pria para a form ação moral. “ É um grande espelho onde o
hom em se vê todo. O segrêdo para nos conhecerm os e nos
julgarm os bem, é verm o-nos nos outros” . A s suas com pla-
cências na f ;lo so f:a de Descartes levaram -no a condenar a
cscolást'ca. Mas as suas idéias sôbre o ensino da f>losof;a
são geralm ente sãs, ainda que parena dar m u;ta importância
à historia dos sistemas e descuidar-se da psicologia.
Censura os professores oue ditam as aulas. Nas suas
Palestras deseja oue se faça ccm eçar os estudos pela ló g :ca.
É verdade oue tem m enos em vista as crianças que com eçam
do oue os jovens dos cursos secundários.
O P. L^m v reclama, para os jov ers. certa liberdade nos
estudos. “ É im oossível ser bem suc?d;do nas ciências para
as quais não se tem nenhuma inclinação” .
Aconselha misturar a teoria da lógica à prática da m a­
temática. “ Não há estudo mais próprio para exercer o en-
tend;m ento do oue a geom etria e as outras partes da m ate­
mática. A geom etria fornece m odelos de clareza e de ordem,
e sem dar as regras do rac:ocínio, o oue pertence à ló ? ca,
ela acostuma insensivelm ente o espírito a raciocinar bem ” .
O P. Lam y é partidário de uma disciplina suave, mas
recom enda exercer sôbre as crianças uma vigilância contí­
nua. Não se deve fazer com elas “ o oue faz um mau cava­
leiro que deixa ir o cavalo com o quer, contanto que não o
at;re a algum precipíc:o” . Censura energicam ente os pro­
fessores indiferentes que se contentam com desemnenhar “ o
grosso das suas obrigações” e não têm bastante energia para
extirpar o mal quando existe.
Bibliografia — C om payré , Eistoire dritiqve des âoetrines pêâagogl.
ques, I, livre II. — H am el , Eistoire du collège de Juilly (Paris, 1868). —
B. P . L a m y , Entretiens sur les sciences, 3e. édition (L . 1706). — C ardinal
P erraud , L ’ Oratoire ãe France au X V lie . et au X IX e . siècles 2e. édition
(P s ris , 1866). — T h o m a s s in , Méthode pour êtuãier et enseigner (Paria,
1681-93). — S icard , Les étuães classiqu:s avant la Sévolution (P aris,
1887). — L allem and , Eistoire de l'éãucation dans l ’ancien Oratoire de
France (Paria, 1888).

V — São João Batista de la Salle (1651-1719)

1. OS PRE CU R SO RES

Antes de São J. B. de la Salle existiam numerosas congregações


femininas dedicadas à edu cação; desde o século X V I, só na França, se
haviam -fundado mais de cinqüenta. Mips não existia nenhuma' congre­
gação de homens votada à instrução gratuita dos filh os do povo. D i­
versos ensaios tentados nesse sentido não tinham sido felizes. Os reli­
giosos de São José Calazans. bem com o os Doutrinários, entregaram-se
de preferência ao ensino secundário. A idéia duma congregação de ho­
mens ocupando-se dos filh os do povo. não foi abandonada. Alguns ho­
mens eminentes, por sua ciência e sua virtude, tentaram fundar essa
'obra. Se o seu êxito não foi completo, não são menos-dignos precurso­
res do ilustre fundador cTos Irm ãos das Escolas cristãs.
1 — São Pedro Fourier (15051640). Nascido em Mirecourt, na
Lorena, fêz os estudos na universidade de Pont-a-Mousson, entrou para
os Conegos regulares e foi nomeado pároco de Mattaincourt.
Teve a dor de verifica r que muitos meninos pobres eram excluídos
das escolas por causa das despesas, e resolveu fundar, para o ensino
popular gratuito, uma instituição de professoras e professôres cristãos.
Os jovens aos quais queria confiar a educação dos raprzes, não
corresponderam aos seus esforços e se dispersaram. Foi, porém, mais
feliz com relação à educação das m eninas; funCou para elas a Congre­
gação de Notre Dame. As regras e as direções que dá a essas religio­
sas são cheias de sabedoria. E xige que durante o noviciado, sejam
exercitadas no " ensino por mestras experim entadas: é a primeira idéia
da escola cTe aplicação das escolas normais.
Quando são encarregadas de uma classe, são colocadas sob as vistas
de uma dirigente que lhes dá judiciosos conselhos.
NOs seus escritos pedagógicos, o santo fundador recomenda que se
ocupem c?a higiene, do asseíb do corpo, da decência dos vestidos, qúe
procurem variar ..rs exercícios da classe e facultem às meninas os
recreios convenientes-
O seu prograína de estudos compreende a religião, a civilidade, a
leitura, a escrita, o cálculo e °s trabalhos manuais. Recomenda às mes­
tras que instruam bem as alunas “em tudo quanto diz respeito à vida
presente e à conservação, da mesma” ; que lhes ensinem “ a costurar, a
lidar em diversas espécies de trabalhos manuais honestos e asseados
para ganharem o pão e serem úteis no serviço da casa de diversas
maneiras” . .
Liga grande im portância à s repetições. Vê-se por suas prescrições,
que. nas classes, faziam uso do quadro-negro. Aconselha, às suas reli­
giosas, que empreguem o que chamamos hoje o m étod o sim u ltân eo.
Tem o cuidpdo d© fazer notar que os conhecimentos devem enca­
minhar se a esclarecer a consciência', inclinar a sensibilidade e a vontade
para o bem.
A fim de ser bem sucedido nessa tarefa, é preciso ganhar a con­
fiança da menina pela doçura e pelos bons modos, dar constantemente
o bom exemplo, ser “ com o que exemplares vivos em que as discípulas
possam tomar modêlo e tirar cópia de tôdas as virtudes que lhes con­
vêm” ,
A instituição de São Pedro Fourier se tem constantemente desen­
volvido- Novos Institutos inspiraram-se nas constituições das religiosas
de Notre Dame e difundem em vários países os benefícios da educação
cristã.
(Em 3653. uma filh a de M aria da Congregação de Notre Dame,
M argarida Bourgeoys. foi para o Canadá, aí func?ando> o Instituto das
Filhas S e c u la re s da C on gregação de N otre D am e. Essas religiosas que
se entregam exclusivamente ao ensino, têm prestado os maiores serviços
à população canadense francesa).
O santo pároco da M attaincourt é das glórias da pedagogia fran ­
cesa. Foi o prim eiro a fundar uma comunidade de mulheres dedicadas
especialmente à educação e à instrução de moças externas. Em tôdas
suas escolas estabeleceu o ensino gratuito. Organizou os estudos num
sentido verdadeiramente prático e utilitário e várias das suas idéias
pedagógicas eram antecipação a seu tempó.
2. 0 p ad re C arlos Dfmia — O apontotado de .D ém ia se e x erceu
na região lionesa. Em 1666, publicou, o livro R em cn tran ees, razjes ca­
lorosas em favor da educação popular. Para êle, a educação é o maicir
de todos os bens. “Quando se fornecem, aos pobres víveres contra a fom e
e roupas contra os rigores do inverno, diz, Csses são benefícios transitó­
rios : mas a boa educação é esmola permanente, e a cultura de espírito
da juventude é vantagem que possui para sempre e cujos frutos aufere
todo tempo da vida” .
Os magistrad s d? X iã o deixaram -se com over por suas exortações.
Em 1671, abriram uma escola para ensinar, aos m c.in os pobres, a re­
ligião, a leitura e a escrita. N o .a n o seguinte fundou-se a S e c re ta ria
d as e sc o la s d a cid ade de L ião, cujo fim era o díSsenvrQvimento õa ins­
trução popular. A cidade logo contou cinca escolas g ra tu ita s; algumas
outras foram abertrs nos anos seguintes. Démia foi . nomeado diretor
geral e preparou regulamentos minuciosos a rcupeito das heras de aula,
dos métouos de ensino e dos meios de emulação.
Os professores não tinham nenhuma form ação. Démia os reuniu
cm sua casa, a inttVvalos regulares, dand <-lhes sólidas instruções sôbre
cs deveres de estado. Lm ltW4, um decivVo do arcebispo de u ã o proi­
bia a 't o d o s manter pequenas escolas sem permissão doi ordinário. A
obra de Démia foi completada com a fundação Ue um seminário que
era uma verdadeira escola normí.1. D aí saíram excelentes pr^fessôres
para o interior e numerosas vocações ecles.ásticas.
As cidadej vizinhas, Bcurg Saint Étienne, Montbrison, Roanne, etc.
gozaram do benefício do impulso dado por Démia às obras de educação.
O clero e os magistrados rivalizaram de zêlo pela educação dos meninos
pobres.
A obra de Démia <5 digna de admiração. Ccinpayrê, cujo testemu­
nho não é suspeito, presta-lhe homenagem nestes term os: ■ "Foi, com
modéstia e discrição, verdadeiro precurscr, em matéria de instrução
primária. Reabilitou a função de profe.s. r que julgava excelente sa­
bendo quanto é, a um tempo importante e penosa. Organizou a escola
dos alnnos. régulou o seu program a, criou alguns dos seus m étu los:
mas, instituiu também a escola dos professores, a escola normal, onde
os futuros profetsôres receberam educação profissional e se prepararam
íí sua grande tarefa” .
Infelizmente, a escola normal desapareceu cc-m o seu fundador.
E ra minar_a sua obra pela br se- Démia não deixou sucessor capaz de
compreender e de continuar a sua obra. Entretanto, algumas das suas
escolas gratuitas subsistiram até a Revolução.
8 . Adriano Bourdoise (lf!88-1WK5). ftas? santo saccfrdote foi das
almas mais apostólicas do seu século, e grande benfeitor da infância.
Sua constante preocupação foi m ultipliccr as ts^olas populares. E s­
crevia, um dia, a O lier: “ Quanto a mim. eu mendigaria de boa vonta­
de. de porta em porta, para fazer subsistir um v er.ijd eiro mestre escola.
Trabalhar em form ar mestres cristãos é obra mais útil fi Igreia e mais
meritória que .pregar a vida tôda nos púlpitos mr is importantes do
reino. Eu c r c o que um padre que tivesse a ciência dos santos se faria
mestre-escola e rsslm se f a r a canonizar. Eu acho que se São Paul ) e
Sã i Dionísio voltassem agora à «Franca, quereriam a condição de mestre-
escola de preferência a qualquer ou trs” . “A escola dizia, ainda, é o
noviciado do cr ’ stian!smo. É o sem in áro d s sr-,.u:nAr:os” .
Em 1049, fur.d'-« uma associação de.orações para conseguir mestres
verdadeir; mente cristãos. D o's anos mais tarde,- Deus mandava à terra
e fundador das Escolas Cristãs.

4. O P. N icolau Barré ' (1621-1680). E ra rel!g!oso Mínimo de


.grande v ; rtude. A fligia-se cem o lamentável estado das escolas (V* ra­
pazes e derc/pva ver rsfabelecerem-se pemir.ârios para a form ação dos
professores. Reuniu certo mímero de jovens pnra os iniciar no c a s im :
mas fsíes não viram no estaxlo senão uma profissão útil e não m e'o de
apos*olado. Desde então, o P. B a rr i cxnprdandeu que o s ' professôres
não se agrupariam senão ao redor dc* vim h 'm em que fôr se o seu guia
pelps orrções e pr*lr, exemplo?. Quando conheceu São João B. us la
Salle. v ‘u n ê l' o hotrem predestinado ã c r !afã o de uma comunidade de
professôres para os filhos do povo. Encnrat1ou-o durante as prova^õca
do princípio, predizendo-lhe os êxitos da emprêsa e o convK ou a fix a r
■tm Paris o centro de sua atividade. F oi até a morte o conselhciro e
gula do santo fundador.

Bibliografia — Bernard, Lettres choisies ãe saint Pierre Fourier (P a.


rin, 1920). — Renaud, L s iãées •pêAagog-aues ãe saint Pierre Fourier
(Paris, Leíliielleux). — Compayré. Charles Dêmia, eoll. Les nr nvãs (•fluca-
teurs. — Y ies d e S. J. B. pe la S » l l e par RA VELE T et GUIBEET. —
Pincaud, Saint Pierre Fourier (P aris),

2. SÃO JOAO B A T IS T A D E L A SALLE E A SUA IN STITU IÇ ÃO

O fundador dos Irm ãos ("as E scíla s Cristãs nasceu em Reims, de


fam ília distinta pela nobreza e pelas virtudes.
Fêz os prim eiros estudos, em sua cidade n atal; e depois, no seml-
D á r iode Saint-Sulpice. Aí entrou em contato com a infância, entre­
gando-se ao ensino do catecism o.,
Um dcs seus primeiros atos, depois c& sua ord en a çã o, foi obter do
rei cartas patentes a fav or da Congregação do Menino-.lesus cujo fim
era a instrução das menihas da classe pobre. Em 1679, abriu, em
Reims. escolas populares, a cuja frente colocou Adriano Nyel que tinha
dirigido escolas em Rouen. Para dar mais uniform idade à obra, la
Salle reuniu em casa dêle, os mestres, instruiu-os sôbre cs deveres de
estado, formou-os na prática da vida espiritual. Foi o ccm êço de seu
Instituto. Mais tarde, vendeu todos os bens, distribuiu o dinheiro pe­
los pobres e se colocou à testa de seus Irm ãos a fim de os preparar,
com mais cuidado, a sua n o b r e ‘missão. Em breve, os discípulos encarre-,
garam -se da direção das escolas de Saint-Sulpice Poucoi a pouco, ela­
boraram -se as regas pelo método adotaCo pela Congregação, especial­
mente as que concernem o bom emprêgo do tempo, a vigilância dos
meninos e o ensino da religião. j
Os mestres de escrita, ciosos de seus privilégios, criaram, por vá­
rias yêzes. embaraços ao santo fundador.
Vencida essa provação, tempestades mais violentas assaltaram a
obra nascente. Reconheciam que era necessária, destina<ía a ftz e r
muito bem, e se encarniçavam' em a derribar. O santo foi repelido, ca­
luniado, perseguido, expulso e até abandonado pelos discípulos.
Em certas cidades, os Irm ãos sofreram ignomínias, afrontas, ve­
xam es sem '.conta. As vêzes, as pancadas vieram com os desaforos.
Esses opróbrios confirm aram a sua virtude. Só ficaram tanto mais
zelos as “para prestar os serviços gratuitos e abnegados à virtude mais
miserável e mais abandonada” . As provações são o sêlo das obras de
Deus. Quando o fundador faleceu, o Instituto contava 274 religiosos
com 27 escolas e ministravam instrução a 9.885 meninos.

Escritos pedagógicos — Todos os escritos de são J. B. de


la Salle se referem à educação das crianças e à formação
dos professores. Os mais notáveis são: a) As Cartas, que
encerram valiosos conselhos pedagógicos; b) O Guia das
Escolas (1720), curso de metodologia. Para o escrever, o
fundador dos Irmãos se inspirou nos melhores tratados an­
teriores e, sobretudo, na Escola Paroquial; mas a sua obra é
pessoal; é o fruto das suas reflexões e da experiência dos
prim eiros discípulos. Êsse livro fixou o programa, até então
m uito flutuante, das escolas primárias; c) Vários tratados
pequenos reunidos por F. Agathon, um dos superiores gerais
do Instituto. É manual de perfeição religiosa; d) M edita­
ções que encerram num erosos trechos relativos ao govêrno
das escolas e ao m eio de nelas exercer o apostolado cristão;
e) As regras da civilidade cristã, pequeno livro manuscrito
com os preceitos da civilidade cristã.

Idéias pedagógicas — 1. Princípios gerais — A ignorân­


cia é a fonte de todos os males: é preciso com batê-la enèr-
gicam ente; o filho do povo que não recebeu instrução, está
exposto a uma m ultidão de perigos. — Cada criança tem ta­
lentos e aptidões especiais: é dever do professor auxiliá-la a
descobri-los e a torná-los úteis. — O educador deve tomar
por m odêlo a P rovidência, agir com o ela, com calma e do­
çura, m ostrar-se paternal e bom para com os alunos, evitar
que sofram sem razão. — Sendo os sentidos a base da edu­
cação intelectual, é de extrem a im portância m antê-los em
bom estado e cultivá-los com desvêlo. — É preciso habituar
a criança a agir por dever e não a fôrça. — Importa, sobre­
tudo, cultivar o caráter e a vontade. Conseguir-se-á tudo
isso dando aos alunos fortes convicções religiosas, ensinando-
os a vencer o respeito humano e a decidir-se com a mais
com pleta liberdade. — A escola é um noviciado da vida ca­
tólica; deve form ar ao m esm o tem po o hom em e o cristão.

2. Princípios de educação física — Velar pelo asseio


exterior, exigi-lo, m antê-lo por m eio de exam e pela manhã
e à noite. — Obter das crianças uma atitude conveniente,
sem rigidez, sem pretensões, não tendo nada que indique
moleza, ostentação ou rudeza. — O pi'édio da escola e as
classes apresentarão as m elhores condições de higiene e
salubridade; é preciso m obiliário conveniente e bom m ate­
rial didático. — O jô g o é indispensável, em tem po de recreio.
“ Os jogos que exercitam o corpo com o c jô g o da péla, a
maiha, a búla, as quilhas e a peteca são preferíveis a todos
os mais” . — A alim entação dos m eninos será suficiente, mas
bem regulada. “ É próprio de hom em prudente e honrado
regular a hora das refeições. A prudência quer que cada
um tom ? do que lhe é servido, não com endo ser.ão com m ui­
to recato e m oderação, ainda que se possa tomar quanto seja
preciso” — A prudência determ inará o tem po de sono que a
natureza reclama. “ Não se devem acostumar as crianças a
dorm ;r dem a is. . . D eve regular-se tanto a hora de deitar-
se com o a de se levantar” .

3. Princípios de educação intelectual — O conhec:men-


to da alma humana é indispensável ao m estre para estudar
a criança e julgar do seu desenvolvim ento intelectual. — O
ensino deve corresponder às precisões futuras das almas,
]imitar-se ao que é útil, e deixar de lado o que serviria para
al.m entar a curiosidade ou sustentar a vaidade.
— Os hábitos intelectuais mais im portantes a fazer ad­
quirir são a atenção e a reflexão. — Tôda lição deve exer­
citar e desenvolver a inteligência da criança; é preciso, por­
tanto, explicá-la bem antes de a mandar aprender e asse­
gurar-se, por m eio de interrogações, que foi bem com preen­
dida. — O último fim da escola não é tanto instruir o menino
quanto fazer-lhe a educação, isto é, dar-lhe bons hábitos e
form ar o coração à virtude. — Ná aula, é preciso interrogar
muito, a f:'m de conservar a atenção desperta e excitar o
interêsse. Outro resultado da interrogação será levar a
criança a dar conta de seus atos e a tirar as conseqüências
de um princípio. O educador não se im provisa; precisa de
preparação especial; só com essa condição o m estre em pre­
gará m étodo racional, progressivo e prático. — A indução é

\
c’os meios mais eficazes da cultura intelectual porque toma
por ponto de partida os conhecim entos da criança.
— É preciso interessar aos pais no procedim ento e no
trabalho dos filhos na escola. Assegurar-se assim a sua coo­
peração é penhor de êxito.
4. Princípios de educação moral e religiosa — A reli
gião é base da educação m oral; é fundam ento de tôdas as
virtudes cristãs. “ Vossa vocação, diz são J. B. de la Salle,
aos discípulos, vossa educação exige que tenhais todo o cuida­
do e tôda a aplicação possível para depositar, no coração das
crianças, o fundam ento da religião e da piedade cristã” . —
Form ar a consciência da criança, ensinar-lhe a discernir o
bem do mal, eis uma das obrigações mais importantes do
educador cristão. — É pelo estudo do catecism o que as crian-
cas aprenderão a conhecer e a praticar os deveres para com
Deus, para com o próxim o, e para consigo. — O educador
deve cultivar com cuidado o hábito da franqueza e da sin­
ceridade, inspirar grande horror à mentira e à duplicidade.
— Uma vig'lân cia exata de todos os instantes mantém a
disciplina e faz evitar muitas faltas. — A criança que tem
defeitos, deve ser tratada com suave firm eza; o mestre agirá
a seu respeito com o um m édico com o doente. Por suas
palavras e sobretudo pelos seus exem plos, os Irmãos ensina­
rão às crianças a orar e a sa n t'f:car as acões diárias. A vida
c r :stã se mantém com a recepção freaüente dos sacramentos.
“ Tende grande devoção ao m 'stério da Sagrada Eucaristia,
diz o santo aos discípulos; levai vossos alunos a venerá-la,
cuidai em oue visitem o Santíss;mo Sacram ento com devoção
não vulgar” . Os m eninos nraticar^o tam bém tôdas as de­
voções apreciadas pela piedade católica.
E n f:m, o Evangelho deve ser o código m oral da ju ven ­
tude; está resunrdo no catecismo, livro adm irável oue os
Irmãos estudarão tôda a vida a fim de o ensinarem com
fruto.
Programas e m étodos — Antes de São J. B. de la Salle,
o program a das escolas primárias era m uito flutuante. Foi
definitivam ente fixado pelo Guia das Escolas, e com preende
a religião, a leitura, a escrita, a gramática e a redação das
atas civis, a aritm ética com o sistema de pesos e medidas, a
civilidade, o desenho, e o canto Êsse program a é sobretudo
prático. Leva em conta a natureza da criança e as necessi­
dades sociais da época. O Guia das Escolas contém os con­
selhos mais judiciosos sôbre a maneira de ensinar. O estudo
da religião tem o lugar de honra. Para dar aula, o mestre
fará quase de contínuo perguntas e sub-perguntas. Em pre­
gará expressões simples e palavras fáceis de compreender.
Em cada aula de catecism o fará sempre uma prática aos
meninos. — Quanto à leitura, os Irmãos fizeram uma inova­
ção: em pregaram o francês ao invés do latim e os seus êxitos
confirm aram a excelência do m étodo. A caligrafia era, nes-
ra época, arte difícil que exigia anos de prática.
O fundador dos Irmãos sim plificou êsse ensino. Ele di­
vidiu os alunos em diferentes classes segundo sua habilidade.
O Guia recom enda dar, com o textos de caligrafia, sentenças
da Sagrada Escritura ou máxim as cristãs, tiradas dos Padres
da Igreja ou dos livros de devoção. Os exercícios de escrita
serão acompanhados de exercícios de ortografia e de reda­
ção. — A gramática e a ortografia ensinam-se prim eiro prà-
íicam ente pela soletração e pronúncia esmerada. Os textos
dos ditados são de coisas de útil conhecim ento para os m e­
ninos, tais são os atos da vida civil. O cálculo e a aritm ética
foram ensinados de m odo mais concreto; acrescentou-se a
êsse estudo o conhecim ento de pesos e medidas. O próprio
São J. B. de la Salle redigiu pequeno tratado sôbre civilida­
de, no qual lem bra as regras de urbanidade, a correção de
maneiras que distinguem o hom em polido. Os Irmãos culti­
varam com resultado o desenho industrial que o seu fu n ­
dador introduzira na escola dom inical. Foram êles que o
adotaram no ensino popular. Nas escolas de form ação dos
Irmãos e nas dos alunos-professóres ensinava-se o canto-chão
com o objetivo de contribuir ao brilho das cerim ônias reli­
giosas nas paróqu ias.'
Êsse program a correspondia às necessidades da época
cm que foi orgánizado. Não se lhe pode fazer senão uma
única acusacão séria, a de ter separado m uito a leitura, a
escrita e o cálculo, cu jo estudo deve ser feito mais ou menos
to m esm o tempo. A prática m oderna retificou êste êrro de
método.

Disciplna — Distingue-se, na pedagogia de São J. B. de


la Salle, a disciplina preven tiva e a disciplina repressiva.
1. Disciplina p reven tiva — A disciplina preventiva
procura preservar a m enino do mal e form ar nêle bons há­
bitos. Êsses resultados são obtidos pelos m eios seguintes:
a) A inspeção e a vigilância que preservam a criança do
todo perigo físico e moral, que a guardam das suas próprias
fraquezas e de tôda influência perigosa; b) Um m eio fa v o­
rável à prática da virtude. Uma escola cristã não deve nem
aceitar nem conservar crianças que, por suas palavras ou
seus exem plos, sejam objeto de escândalo para os com pa­
nheiros; c) O zêlo pela formaçãio religiosa e moral. A re-
hgião deve penetrar a alma da criança, animá-la, sustentá-
la, dirigi-la para o seu fim. Ela preserva a juventude do
vício e faz desabrochar nela as virtudes cristãs; d) O ex em ­
plo do m estre. O m enino observa, estuda o que o rodeia e
cem isso conform a insensivelm ente a conduta. Se o mestre
é irrepreensível em sua conduta, o aluno o est;ma e segue
docilm ente seus conselhos e suas direções; e) O silêncio e a
ordem. “ Os Irmãos, diz o Guia, considerarão a observância
exata do silêncio com o uma das suas principais regras” . As
entradas e saídas se farão na m aior ordem a fim de evitar
‘ ôdas as causas de dissiparão; f) O cuidado ãe ter aos alu­
nos constantem ente ocupados. Desde a sua entrada na esco­
la, até a sua saída, o aluno não deve ficar um só instante sem
trabalho. Provas freqüentes conservam o gôsto pelo estudo
e inform am a respeito dos progressos; g) O bom uso dos
meios de emulação. A em ulação é indispensável; no sistema
de São João B. de la Salle, não tem nada que não seja
iouvável e não contribua eficazm ente para o êxito dos alu­
nos; h) A s qualidades do ensino. Perm itindo a introdução
do m étodo simultâneo nas escolas dos Irmãos ocuparem-se
êstes ao m esm o tem po de grande núm ero de alunos, isso foi
grande benefício para a disciplina e atividade da classe. O
em prêgo de processos intuitivos era tam bém m eio de excitar
a curiosidade e de conservar o interêsse.

2. Disciplina repressiva — Não obstante os meios pre­


ventivos, serão com etidas faltas e as sanções serão necessá­
rias. O santo Fundador estabeleceu um código de punições
' recompensas.
Os graus da repressão são os seguintes: a advertência a
repreensão, o castigo e a punição corporal. Bem antes de
Rousseau, São João B. de la Salle tinha recom endado o
■ímprêgo judicioso dos castigos naturais: “ Chega à aula um
menino, atrasado por sua culpa duas ou três vêzes? Obrigá-
lo-ão a estar nela, durante uma semana ou duas, no prim eiro
m omento da entrada. Faz varios erros na leitura? Dir-
he-ão que prepare, segundo a sua capacidade, uma ou duas
páginas de leitura. Compensará por tarefa m al escrita, co­
piando-a em casa o m elhor possível; uma lição não sabida,
estudando-a em casa; uma atitude negligente, ficando algum
tempo de p é” (G u ia ).
Se os conselhos, as repreensões e os castigos não bastam
para m anter o m enino no cam inho reto, recorrer-se-á à féru-
la, à vara ou ão chicote. A fim de prevenir todo excesso, o
autor do Guia regulou m inuciosam ente a maneira de se apli­
car o castigo. Não esqueçam os que a vara era de uso corren­
te no século X V II e que até os nossos m aiores reis não foram
isentos. No século seguinte os castigos corporais tornaram -
se mais raros e o Guia não alude mais a vara ou a féruia.
A lguns filósofos m odernos têm querido aplicar ao m eni­
no a doutrina kantista do dever cum prido por si mesm o e
sem esperança de recompensa. A Igreja e São João B. de
la Salle conheciam m elhor o coração do menino. Quanto às
recompensas, o Guia prescreve o que segue: “ Recom pensar-
se-ão a piedade, a capacidade e a assiduidade; os prêm ios da
piedade serão mais belos do que os da capacidade. O que
se pode dar com o prêm io é de três graus diferentes: prim ei­
ramente, livros; em segundo lugar, imagens em pergaminho,
estatuas de gêsso com o cru cifixos ou representações de Nos­
sa Senhora; por últim o estampas, sentenças impressas e
também terços” .

Qualidade dt?s professores — Para ser bom educador


preciso ser dotado de certo núm ero de qualidades físicas,
intelectuais e morais.
Qualidades físicas. O professor deve ter boa saúde
mantida pela observância das leis da higiene e de sã alimen­
tação. A integridade da vista lhe é necessária para exercer
uma vigilância exata. A voz deve ser suficientem ente forte,
a sua linguagem clara, simples, natural e sempre reservada;
enfim, sua atitude será constantem ente digna e conform e à
alta missão de que se acha encarregado.
Qualidades intelectuais. O educador deve possuir con-
nhecim entos suficientes e aumentados sem cessar por estudos
que são para êle um dever; uma inteligência bem equilibra­
da; acima de tudo, um ju ízo reto, um grande bom -senso; o
espírito de observação e de reflexão, indispensável para co­
nhecer e dirigir os alunos; a ciência profissional, isto é, a
conhecim ento raciocionado dos m étodos e das leis da didá­
tica; o gôsto pelo ensino, que leva a dedicar-se inteiramente
ao em prêgo e a exercê-lo com perfeição sempre maior.
Qualidades morais. Entre estas qualidades notem os a
vocação para o ensino, uma grande dignidade de caráter,
manifestada pela atitude, boas maneiras, correção de lingua­
gem e o cuidado constante de dar bom exem plo; o espírito
de lealdade e de justiça que não faz accepção de pessoas;
uma grande doçura aliada a uma grande firm eza; o espírito
de prudência, que leva a ser circunspeto nas palavras, nos
atos, nos m odos; uma fidelidade inviolável ao dever, um de-
votam ento a tôda prova que não procura senão a glória de
Deus e o bem dos m eninos; o espírito cristão que, pelos
exem plos e palavras, faz amar a relig;ão pelos m eninos e os
leva a praticá-la antes por am or q u e 'p o r temor.
As doze virtudes dum bom m estre. São João B. de la
Salle enum era doze virtudes que considera os caracteres do
perfeito educador. São: a gravidade, o silêncio, a discrição,
o prudência, a sabedoria, a paciência, a reserva, a bondade,
o zêlo, a vigilância, a piedade, a generosidade. Üm dos seus
sucessores, Fr. Agathon, as com entou em opúsculo precioso.
D efeitos que fazem perd er a autoridade. A o contrário,
há certos defeitos que prejudicam ao mestre. Eis os mais
graves: a im paciência e irritabilidade, a indecisão, o favori­
tismo, a ironia, a negligência, a leviandade, a severidade e x ­
cessiva, a inconstância e a versatilidade, a inquietação e a
suspeita, a rotina, a falta de vigilância, uma fam iliaridade
demasiado grande e a procura da popularidade.

Instituições de São Jcão B. de !a Salle e suas inovações


no ensino — A o fundar seu Instituto, São João B. de la Salle
linha por objeto trabalhar na educação popular, “banir a
ignorância, fonte de todos os males da classe operária e po­
li re”. A sua instituição era, portanto, essencialmente apos­
tólica. Êsse fim foi conseguido pela criação de escolas pri­
márias gratuitas. Essas escolas eram a um tempo obrigató-
•iias, porque o Safito Fundador pedia aos sacerdotes e auto­
ridades que lhes 'favorecessem a freqüência e ameaçassem
;ios pais com a subtração do socorro se se mostrassem indi­
ferentes às vantagens da instrução. Pouco a pouco outras
instituições surgiram para satisfazer às necessidades da épo­
ca. As principais foram:
1) O Seminário dos mestres de escola. É a primeira
Escola Normal de que se faz menção. O programa compre­
endia catecismo, leitura de manuscrito, escrita, gramática e
ortografia, aritmética, pesos e medidas e canto. Os alunos-
professôres recebiam, além disso, uma formação religiosa e
moral muito esmerada. Uma escola estava anexa ao semi­
nário e os jovens se exercitavam na prática do ensino sob
o direção de um Irmão experimentado. Pela criação dessa
escoia normal, São Jcão B. de la Salle adiantava-se um sé­
culo e maio à nossa organização, e assim a preparava.
2) As escolas dominicais. A primeira, fundada em
1693 tomou o nom? de Academia cristã. Existiam escolas
dêsse gênero, mas se 1’mitavam ao ensino da religião. São
João B. de la Salle quis dar aos jovens operários, ao mesmo
tempo que os preservava do mal, lições mais aprofundadas
sôbre as suas profissões. Duzentos alunos freqüentaram esta
escola que se abria aos domingos depois do meio-dia. Da­
vam-se lições de leitura, escrita, ortografia e cálculo e, a
alguns alunos mais adiantados, cursos de geometria, arqui­
tetura e desenho. Infelizmente essa escola não se conser­
vou; entretanto era uma criarão original, protótipo das obras
post-escolares e das escolas técnicas.
3) O ensino secundário m oderno. São João B. de la
Salle foi o precursor dêste ensino pela criação do pensionato
de Saint-Yon, em Rouen (1705). Foi colégio sem latim,
preparando diretam ente ao com ércio e à indústria. O pro­
grama dos estudos com preendia “ tudo quanto um jovem
pode aprender com exceção do latim ” : religião, literatura;,
geografia, historia, contabilidade, geometria, arquitetura,
ciências naturais, línguas vivas, hidrografia, canto e música.
Sain-Yon foi o prim eiro esbôço do internato moderno.
4) A s escolas de reform a. Um historiador do santo nos
dá a sua origem : “ M uitos pais lhe confiaram , para os cor­
rigir, meninos indisciplinados e rebeldes. Foi preciso reser­
var para êles, em Sain-Yon, uma divisão especial pois que
eram internados por autoridade paterna; mas seguiram a
m aior parte dos exercícios dos alunos livres e viram dim inuir
o constrangim ento ao qual eram submetidos, à m edida aue
se em endavam sob a influência da disciplina e do exem plo” .
Alguns dêsses jovens receberam lições de escultura, de m ar­
cenaria, e de serralheria.
P or essa instituição, São João B de la Salle precedia de
bem longe os nossos reform atórios.
A s inovações do fundador dos Irmãos fazem dêle um dos
mais ilustres educadores que jam ais existiram . A introdu­
ção do ensino sim ultâneo favorece a ordem e os progressos.
Outra inovação que pareceu revolucionária foi aprender a
ler pelo francês. Mas os resultados dem onstraram que o m é­
todo era excelente. Foi assim que São João B. de la Salle
contribuiu mais que ninguém talvez para o conhecim ento e
divulgação da língua francesa. É tam bém o verdadeiro fun­
dador do ensino popular tal com o se entende em nossos dias.
É a êle que devem os as prim eiras escolas normais. Quer
que o seu Instituto não funde senão escolas gratuitas; os
estatutos dizem -no form alm ente; e, em 1694, o fundador e os
seus doze primeiros discípulos se obrigavam “a manter esco­
las gratuitas ainda quando fôssem forçados para .tal a pedir
esmola e a viver somente de pão”. Pode-se acrescentar que
é o fundador da ciência pedagógica elementar: êle lhe des­
cobriu as práticas e lhe formulou as leis. Mas sobretudo é
preciso elogiá-lo por ter assegurado a perpetuidade do en­
sino cristão. I “Antes dêle, diz M. Ravalet, não se encontram
senão operários zelosos mas que trabalham sem unidade.
Aquêles que vieram depois, aproveitaram as suas idéias é
seguiram-lhe os planos. Tôdas as escolas populares que co­
brem hoje* a Europa são copiadas do tipo que êle criou” .
Acrescentemos enfim, que elevou a profissão de mestre-esco-
la a uma dignidade muito alta, pela permanência da profis­
são e pela sua união com a perfeição evangélica.

Após a morte do fundador. — Em 1719. a instituição cfe São Jòfto


B. de la Salle estava cheia de vigor. D e 1720 a 1700, o número dos .
religiosos e d?s escolas cresceu prodigiosamente. No tempo da Ke-
volução, os Irm ãos dirigiam 116 escolas na França, 4 na Itália, 1 na
Suíça, 1 na M artínica. Eram em número de 910 e em suas classes
contavam 36.000 alunos. Em 1902, o Instituto se compunha de 19.440
membros dirigindo 2.003 escolas ondtí instruíram 322.000 jovens.
A inteligência e o coração de^São João B. de la Salle lhe tinham
feito descobrir as necessidades de sua <*poca- Seus discípulos soube­
ram adaptar-se a tôdas as necessidades dos tempns e dos lugares. Sô­
bre um tipo (Te escola, em aparência imutável, souberam enxertar uma
variedade quase infinita de program as e processos reclam ados pelas
necessidades locais. A ação do fundador continua-se não sòmente nos
seus discípulos como nas numerosas sociedades que têm surgido à sua.
sombra e como que se têm nutrido co m . a sua s e lv a : “Não farem os in­
jú ria às Congregações francesas de Irm ãs professôras, diz o Pe. Gui-
bert, afirm ando que a chama apostólica que nêles arde fo i tomada no
fo c o que iluminou São João B. de la Salle.”

O bem-aveirturado Grignon de Montfort (1674-1716) — O


Bem-aventurado Grignon de Montfort foi grande fundador
de eseolas. Um dos seus primeiros cuidados, quando prega-
va missão, era dar às paroquias bons mestres o boas mestras.
Em 1714, fundou as escolas de caridade da Rochela. M ilha­
res de crianças se dirigiam a elas e tôdas eram recebidas
gratuitamente. Organizou essas escolas nos m enores deta­
lhes e adotou o ensino' m útuo a fim de dar a instrução a
m aior núm ero de crianças.
Confiou a direção dêsses estabelecim entos a religiosos
que organizara e que eram cham ados Irmãos do Espírito
Santo. Eram sete à m orte do fundador. Essa congregacão
não deixou de existir. Durante a Revolução, vários Irmãos
do Espírito Santo derramaram o sangue cm testem unho da
fé. Em 1821, o P. G abriel Deshayes encontrou quatro dêsses
religiosos em Saint-Laurent-sur-Sèvre. Reorganizou-os, e
desde então são conhecidos pelo nom e de Irmãos de São Ga­
briel. Fundaram numerosas escolas na França e no estran­
geiro. Falarem os dêles mais adiante.

B ibliografia — B ro. A z a r i a s . E s sa y ? edvcacio-nol ( N n v - Y n r k . 1S9G).


C a tiio lic E n o y c lo p e d ia , a r t . I v s t it n t e o f B ro t. O f C hristian S rhnolr. —
C y c l o p e d i a o f ed u ea tio n 9 a r t . C hrislian B ro th er s . — D e l a S a l l e . C on d u ite
â es É coles ct a u tres oeuvres. — F . A g a t i t o n . L rs d on ze v r r tin d*itn bon
m a itre. — F . E . C.. Ê lém enlft de p é d a g o g ie , 2 vol. ( P ~ r i s . 1 0 0 2 ) . — G u i -
r-ERT, V ic d e S. J. B . dz la Salle ( P a r i s , 1 0 0 0 ) . -— I T e r m e n t . S aint J . B.
d e la S a lle, ctu d e p éã a g o g iq u e ( A v . 1 9 1 4 ) . — F o n t e n e a u , V ic du B . Gr.
d e M on tforty 2c. é d i t . ( P a r i s , 1 8 8 7 ) . — X . , L e B . O rig n cn de M w t f o r t et
les é co les ch a rita b lcs ( P o i t i o r s , 1 8 8 0 ) . — M g r . L a v e i l i . e , L e B. G rign on
d e M o n t fo r t a-U il é la b li dc son v iva n t d<s F r . en seig n a n t.;? ( P a r i s , 1 9 1 7 ) .

VI — C’ aude Fleury (1640-1723)

Fleury publicou, em 16S6, o seu Tratado ãa escolha e do


m étodo des estudos. A sua experiência com o preceptor dos
príncipes de Conti aumentava a autoi'idade dessa obra.
Acha os programas do seu tempo por demais sobrecarre­
gados. “ Os estudos tornaram-se impossíveis, diz, pela mul­
tidão das coisas que nêles se têm incluído e que se pretende
ensinar quase ao mesmo tempo”. O sistema de estudos lhe
parece calcado excessivamente no da Idade-Média. Fleury
1 ão gosta da Idade-Média e sobretudo não gosta da escolás-
tica. “Essa maneira de filosofar acêrca das palavras e das
frases, sem examinar as coisas em si, diz, era certamente
cômoda para se di&pensar o conhecimento dos fatos, que só
sc adquire pela natureza”. Entretanto,, admira a ciência dos
maomstanos e exalta a Renascença sem desconhecer álguns
de seus males.
Dèpois dessas críticas, expõe as próprias idéias. O fim
da educação é duplo. “Trata-se de fazer: 1.°, homens hones­
tos; 2°, homens hábeis”. Distingue os estudos necessários,
os estudos úteis, os estudos curiosos, e os estudos inúteis.
Os conhecimentos necessários a todos são: a moral, a
lógica, a higiene; conhecer e praticar os próprios deveres,
ter o espírito justo e o raciocínio correto, gozar de boa saúde,'
eis um ideal que convém a todos os homens.
Fleury inclina-se para a cultura clássica mas com pre­
ocupação utilitária. Reduz consideravelmente o latim e su-
pr.ma o grego. “Não vejo, diz, para que serve o conheci­
mento dessas línguas no trato dos doentes” . Até concebeu
um ensino sem lat:m. Como se vê, engãna-se de modo
estranho quanto ao papel das humanidades.
Mas tem razão em assinalar o perigo dos autores pagãos.
Os cristãos de seu tempo conheciam melhor Virgílio e Cícero
do que Santo Agostinho. Os autores ‘cristãos devem ser
preferidos por causa das suas idéias morais. Fleury acres­
centa que a sua eloqüência não é inferior à dos grandes
oradores da antiguidade.
Não aprova que se apresentem à criança demasiadas no­
ções abstratas na idade em que não sabe observar senão a
natureza e as realidades concretas. Quanto seria a educação
mais atraente se se servissem de objetos sensíveis! R eco­
nhece-se aqui o discípulo de Fénelon. “ Se o m enino não
está atento, diz, a falta recai nos m estres que não ihe pro­
põem senão abstrações. É preciso, ao contrário, não lhe
apresentar senão objetos sensíveis” .
Para êle, o m étodo se resume na ação do mestre. Êle a
quer persuasiva, perseverante, feita de doçura e paciência,
“hábil em tirar proveito, sem constrangim ento nem violên­
cia, do caráter do seu discípulo; flexív el por conseguinte,
para se adatar a tôdas as sinuosidades de uma natureza
muito m óvel; am ável também para ganhar o coração da
criança, pois que também, ganhar-lhe o coração é ganhá-la
tôda. (P. L ahargou , Ensino cristão, out. 1921).
Fleury não esquece o lado estético da educacão. Deseja
que tudo, na escola, contribua a dar à crianca a idéia de
beleza. Excelente pensamento mas não se deve esquecer
que as fôrças morais são as mais eficazes para levar ao bem
as almas novas.
V erifica que a educacão das meninas deixa m uito a de­
sejar: “ A prender o catecism o e a costura, a cantar, dançar,
vestir-se à moda, fazer bem a reverên c;a e falar com urba­
nidade, eis em que se faz consistir ordinariamente tôda a
educação” . São capazes de estudos mas não se deve buscar
fazer delas sábias. Conheçam bem a relig:ão, seiam habi­
tuadas a pensar e a raciocinar solidamente sôbre os assuntos
ordinários. “ A gramática consistirá para elas em ler e es­
crever e fazer corretam ente, em francês, uma ca^ta. uma
nota; a aritm ética lhes basta; a econom ia será estudada m e­
diante a razão e a reflexã o” .
B i b l i o g r a f i a — Oi-, F i .w r y . T rn ilc du chni.r ct dr In m ftlw ã e flcs
étuâcs. — C o m p a y r é , llis to ir c critique d .s d o ilr in cs de l'cd u ca tion , 8e. -éd.,
I, p. 3 7 1 - 3 8 5 ) . — D a e tig ü is , Le traitè des êtuães ãe l ‘ abbé Cl. Fleury
( I’., 1921). — Lahabgou, U h oublié: Cl. 'Fleury (Enseig. ehr., oetobr6
l!*lí l) .

VII — Mime. de Maintenon (1635-1719) e Saint-Çyr

Mme. de Maintenon nascera para professora. No con­


vento de Niort substituía com prazer de suas mestras e fazia
maravilhas com as suas alunazirihas. Mais tarde escrevia a
Mme. des Ursines: “Tôdas as vêzes que quiserdes elogiar a
minha capacidade na educação das crianças, eu sorverei os
elogios a longos tragos, pois estou confvencida de saber muito
sôbre o assunto”. A sua reputação foi consagrada pela fun­
dação de Saint-Cyr. No seu assentamento de óbito passa-se
em silêncio o título de espôsa de Luis X ÍV , mas chamam-na
“professora da casa real de Saint-Cyr”. Parece, diz Gréard,
que êsse título de professora foi^o único que Mme. de Main­
tenon quis tomar perante a posteridade.

A casa de Saint-Cyr — Saint-Cyr é a obra prima de Mme.


de Maintenon. Dizia um dia: “Ofereço-me com todo o meu
pessoal para servir a essas queridas crianças e nada me
custará ser criada delas, contanto que os meus cuidados lhes
ensinem a dispensá-los”. Pôs, portanto, tôda a alma nessa
instituição que teve por origem o pequeno internato dé
Montmorency. Tendo aumentado o número dos alunos, gra­
ças ao patronato de Mme. de Maintenon, o estabelecimento
foi transferido para Rueil; depois, para Noisy, no parque de
Versáilles. Em 1684, Mme. de Maintenon convidou o rei a
aperfeiçoar a sua instituição encarregando-se de educar, na
piedade e em todos os deveres da sua condição, donzelas
oriundas de fam ílias nobres cujos pais tinham m orrido na
guerra ou se tinham em pobrecido ao serviço do rei. Luís
X IV consentiu. L ouvois escolheu o local, Mansard esboçou
os planos, o exército forneceu operários.
A casa foi inaugurada em 1686, com a presença do rei e
de tôda a côrte. A ata de inauguração reza que se deviam
educar ali 250 donzelas. Entravam com a idade de sete a
dez anos e saíam aos vinte. Nessa idade, a jov em era reen­
viada à fam ilia com en xoval e m il libras.

Os príncipios — O ideal de M me. de M aintenon foi ter


mestras de m uita religião, mas que não fossem religiosas;
alunas m uito piedosas, mas que não ignorassem os usos do
m undo. Não foi do prim eiro arranco que se chegou a isso.
O lado m undano im pôs-se um pouco. Puseram o teatro de
Racine nas mãos das alunas e lhes fizeram representar An-
drômaca. A presença do rei e dos grandes senhores às re­
presentações viraram as cabeças e as donzelas ficaram vai­
dosas e presunçosas. Um dia até recusaram cantar na igreja
para não estragarem a voz com salmos e latim.
Mme. de M aintenon reagiu vigorasam ente: “ O meu or­
gulho difundiu-se por tôda a c a s a ... Quis que as meninas
tivessem espírito; elas têm espírito e servem -se déle contra
nós; têm o coração orgulhoso e são mais arrogantes e mais
altaneiras do que conviria às m aiores princesas; a falarmos
conform e o m undo, temos form ado a sua rarão e temos feito
discursadoras presunçosas, curiosas e atrevidas” . A m udan­
ça da diretora, Mme. de Brinon, tornou-se necessária. Dava
às alunas uma direção demasiado mundana, tomava ares de
grandeza e parecia desprezar as pessoas da casa; criticava
até os eclesiásticos encarregados do espiritual. Em várias
circunstâncias, qu ;s mostrar-se grande personagem e fêz com
que zombassem dela.
Nova orientação — O prim eiro rem édio que Mme. de
M aintenon propôs foi a hum ildade: ‘'Nossas meninas têm
sido m uito consideradas, m uito mimadas; é necessário esque­
cê-las nas suas c la s s e s ... Repreendam -nas severamente;
conservem -nas em silêncio; nada de fam iliaridades com elas.
Cortem -lhes aâ fitas quanto puderem ” .
Fêz cessar as representações. Não se lhes deve dar, diz,
senão o que sempre será bom para elas: religião, razão e
verdade” . Enfim, a casa de São Luís foi erigida em m ostei­
ro regular. As damas consentiram na prova dum segundo
noviciado.
A pós a emissão dos seus votos elas se organizaram as­
sim: a superiora geral, eleita por três anos, nomeada para
todos os em pregos; uma m estra geral áas classes era encar­
regada de fazer observar os regulamentos e de velar pelas
professoras e donzelas. As m estras das classes presidiam à
instrução e à vigilância das joven s e as acompanhavam por
tôda a parte. A m estra geral dos trabalhos tinha a direção
dos trabalhos de agulha.

Organização das classes — A s 250 alunas de Saint-Cyr


estavam divididas em quatro classes que se distinguiam
pela côr das fitas do cinto. “ A té a idade de dez anos, dizem
as Mem órias de Saint-Cyr, as meninas pertenciam à classe
verm elh a; e aprendiam a ler, escrever, contar, elementos de
gramática, o catecism o e noções de história sagrada. Aos
onze anos passavam para a classe verd e, e acrescentavam
aos estudos precedentes a música, noções de história, de geo­
grafia e de m itologia. A os quatorze anos passavam para a
classe amarela, na qual a instrução tratava principalm ente
de língua francesa, música e religião. Davam -lhes também
lições de desenho e de dança. A os dezessete anos passavam
para a classe azul, onde a instrução não tratava senão da
língua e da música, mas a educação m oral era desenvolvida
até a perfeição” .
O program a era pouco pesado. Mme. de Maintenon
adota quase o dito de M oliére: “ Consinto em que uma m u­
lher tenha noções claras sôbre tudo” , pois quer que as don­
zelas de Saint-Cyr “ não sejam mais ignorantes do que o
com um das pessoas de bem ” . Somente, diz M. Faguet, Mme.
Maintenon é uma Chrvsale de coração elevado e, da espiri-
'ualidade dela, conservou a elevação moral. Quanto à ins­
trução, ela está com Chrysale. Diz com ela:
N ã o 6 bem justo, o po r muitos motivos,
Que iirau mulh er estude e saiba tanto.

Mas em lugar da ciência, Chrysale põe “ o serviço da


casa, a linha e a„ agulhas” . Mme. M aintenon substitui a
ciência pelo serviço da casa, e pela agulha 'primeiramente',
e, acrescenta tôda uma m oral de adm irável elevação e ao
mesmo tem po de senso prático perfeito” .

Formação intelectual e religiosa — A educação dada em


Saint-Cyr foi séria mas jov ia l; era, neste ponto, o contrário
da de Port-R oyal. “ É preciso tornar alegre a educação das
crianças” , dizia Mme. de M aintenon. Os recreios eram ale­
gres, quase a endoidecer. Preparavam -se para as alunas
surpresas agradáveis; sinfonias executadas por orquestra nu­
merosa, merendas improvisadas, rifas, curiosidades, etc.
Tinha, portanto, razaão em escrever: “ Não acredito que
haja reunião de jov en s que se divirtam mais do que as nos­
sas, nem educação mais alegre” .
Os estudos com preendiam , com o vimos, leitura, escrita,
cálculo, catecism o, história sagrada, história universal, geo­
grafia, língua francesa, dança, música, desenho, bordado, ta­
peçaria, renda.
O trabalho manual era particularm ente apreciado. “ O
i;ue espera nossas filhas, diz a fundadora, é a vida na pro­
víncia, uma vida de trabalhos domésticos, modesta e retraí­
da, tôda para o dever, entre um m arido a ajudar na admi­
nistração da sua pequena fortuna, crianças a educar e criados
a dirigir” . Deviam -se preparar as alunas para as realidades
do futuro. A prendiam a costurar, bordar e trabalhar em
tapeçaria; rem endavam tôda a roupa branca da comunidade,
os vestidos das senhoras e das moças. M andavam-lhes fazer
o serviço da casa e da cozinha. A fundadora dizia: “ Fazei
delas laboriosas donas-de-casa; que varram, que arrumem
as camas e assim serão mais hábeis, mais fortes e mais hu­
mildes. A s professoras não esqueçam nada para impedir
que sejam excessivam ente delicadas; que com am de tudo,
sejam sóbrias, tenham camas e assentos duros; não se encos­
tem, não se aqueçam senão quando necessário” . E repreen­
dia as que receiam a fum aça, a poeira, os maus cheiros a
ponto de se queixarem e fazerem caretas” .

A piedade que Mme. de M aintenon deseja, deve ser firm e


e corajosa, suave e jovial; deve ser esclarecida e consistir'
especialm ente no cum prim ento dos deveres do estado.
“ Quando uma jovem instruída disser que está disposta a
perder as vésperas para fazer com panhia ao marido, doente,
tôdas a aprovarão. Quando uma m oça disser que é m e­
lhor, para uma m ulher, educar bem os filhos e instruir os
em pregados do que passar as manhãs na igreja, todos acha­
rão muito boa essa religião. Ela a fará amar e respeitar” .

A educação exterior não era negligenciada. O atrativo


é uma qualidade da m ulher. Ela deve ser a alegria, o or­
namento do seu lar pelo encanto das conversações, a graça
das maneiras e até pela elegância dos seus adornos. Mas
dava-se uma im portância m uito m aior à educação do caráter.
Mme. de M aintenon não quer a exaltação dos sentimen­
tos. “ D eve-se ensinar às m oças a amarem razoàvelmente,
com o se lhes ensinam as outras c o :sas” . Tem horror aos
indolentes e aos débeis. Faz guerra à cobardia que consiste
“ na procura contínua das com odidades” , no pavor “ dos m e­
nores incôm odos” : vento, frio, fumaça, maus cheiros, etc.
Repete a torto e a direito que é a virtude que faz o mérito.
“ Não deis im portância à vossa nobreza. De que vos serviria
se n ão'ten des a virtude? Não é esta que faz a verdadeira
nobreza?”
Para form ar o caráter, é necessário conhecer as crianças.
“ Sondai os seus corações até ao fundo, com inteligência e
precaução, mas com decisão, diz ela às mestras. Deve-se
conhecer com que se vai tratar. Não se deve tem er a ver­
dade” .*
São sobretudo os deveres de esposas e de mães que se
devem ensinar a essas jovens, a f :m de que não sofram mais
tarde nem decepções nem desâmmo. Mme. de Maintenon
faz guerra de m orte ao recato falso e exagerado. Deve-se
falar a essas m oças das obrigações do casamento, e não com ­
preende por que certas mestras não ousam falar nelas.
“ Disseram -m e oue uma das jovens f ;cou escandalizada por­
que seu pai tinha falado das suas calcas (cu lottes). É uma
palavra usada. É a d:sposioão das letras que faz uma pala­
vra im odesta? Coisa lam entável!”

Influência de Mme. de M=tinten?n— M me. de Maintenon


exerceu a mais feliz influência sôbre as mestras de Saint-
Cvr. Encarava a sua form ação com o uma condição essencial
da boa m archa da casa. Inspirava-lhes grande zêlo pela sua
profissão, m ostrando-lhes a subl;m idade da sua vocação.
“ Aconselhava-lhes que desconfiassem da sua disposição, que
íôssem simples nas maneiras, sinceras nas relações com os
pais e as crianças; que consagrassem às alunas todos os ins-
! antes, que fôssem sóbrias em palavras, mas ricas em obser­
vações sôbre os caracteres, que se fizessem amar para serem
obedecidas, que variassem os m eios disciplinares, segundo a
natureza e as circunstâncias” (1 ). Êstes conselhos davam
a Saint-Cyr a unidade de direção que assegurou o seu êxito.
A sua influência não foi m enor sôbre as alunas. Qual­
quer que fôsse a estação, saía de Versailles cada manhã para
estar em Saint-Cyr antes da hora de se levantarem, para
assistir ao arranjo das crianças, pentear as m enores, prodi­
galizar a tôdas, os carinhos de uma mãe.
, - Durante dezoito meses assistiu às aulas uma após outra
a fim de m elhor observar. O seu prazer é estar nos recreios;
não há ninguém cujos defeitos não possa chamar a contas.
Quando ausente, escreve, anima tudo com a interessante e
rica correspondência. O seu coracão está cm Saint-Cyr.
Entra em porm enores da organização material: é “ a ecôno-
ma, a m ulher de negócios, a auxiliar de Saint-C yr” . Está a
par de tôda a roupa branca que os armários contêm ; nin­
guém poderia tentar enganá-la sobre os em brulhos de aven­
tais oue mandara passar a ferro; quando remete caixas de
confeitos ou de dones, diz para auem são e sa^e quem os
recebe. ( G r e a r d , Mms. ãe M aintenon, Extraits, Int. p. 59).

Influência de Sp'nt-Cyr — D epois oue reabzou a sua


idéia, Mme. de M aintenon exclam ava: “ Possa êste estabe­
lecim ento durar tanto com o a Franca o a França tanto com o
o m undo! Ele tem com oue renovar cm todo o reino a per­
feição do crist;anism o” . Tinha razão. Sam t-Cyr tornou-se
o m odêlo de tôdas as casas de educarão. As m n-as oue dêle
saíam eram procuradas pelas com unidades rel:g :osas. “ Eu
daria m °u sangu°, dizia a fundadora, para transm it:r a edu­
cação de Saint-C yr a tôdas as casas religiosas que aceitam

(1) D am eeaux, J lis l. ãa p e d a g o g ia , p. 32 7 .


internas. Farão mais bem do que nós porque educam as
filhas daburguesia as quais terão estabelecimentos maiores”.
No século XVIII,. o convento da Abbaye-au-bois seguia
as melhores tradições de Saint-Cyr. Em 1779 tinha 117
alunas repartidas por três classes que se distinguiam pela
eôr da fita. Pertenciam tôdas às casas mais nobres da
França.
Napoleão lembrou-se de Saint-Cyr quando fundou a casã
das Filhas ãa Legião de honra. Indo um dia feilcitar a di­
retora, Mme. Campah, pelos bons sistemas da casa, disse: %
Está quase tão boa como Saint-Cyr”.
No estrangeiro sentiu-se igualmente essa influência. É,
depois da sua viagem à França, que Pedro o Grande esta­
belece, ná Rússua, a casa imperial das donzelas nobres. A
imperatriz da 'Áustria fêz o mesmo, em 1764, sempre pelo
modêlo de Saint-Cyr.
A influência desta ilustre casa foi por conseguinte muito
salutar. “Saint-Cyr, •diz o P. Mercier, formou varias gerà-
ções de muíheres heróicas, cuja virtude cristã foi como um
aroma que preservou da corrupção as famílias nobres nas
províncias. Os seus descendentes conservaram intatos os
princípios de honra aue lhes tinham transmitido. Quando
chegou a hora da revolução francesa, o mundo pôde admirar
o comovedor espetáculo da fraqueza em luta com a fôrça, e
fiel ao dever até a morte”.

M m e. de L am bert (1647-1733) — Mme. de Lambert deixou doU


livros notáveis: C onselhos de u m a m ãe a seu filh o e C on selh os de um a
m ãe a su a filh a . Tem-se? (Vito do prim eiro que é uma “arte de ter bon^
êxito para uso dos homens” , .e do segundo que é uma “ arte de agradar
para uso das mulheres” . H á mais e melhor do que Isso nessas duas
o b r a s : é um plano de vida -que a 'au tora quis traçar aos filhos, e o
tr a ç a à luz da experiência e d a razão.
Recomenda ao filho uma nobre ambiçfeo como a melhor salvaguar­
da da virtude. “ Nada convim menos a um jovem , diz, do que uma certa
modéstia que lhe faz crer que não é capaz de grandes coisas” . Mas
esta am bição não deve consistir senão em se tornar superior-em mé­
rito. “ H á princípios de nascimento, e há princípios de merecimento” .
10 escreve admiráveis sentenças sôbre o mérifo pessoal. “ E ’ pelo senti­
mento que devemos djstinguir-nos do p o v o ; chamo povo tod o aquêle que
tem pensamentos^ baixos e com u n s: a côrte está cheia dêles” . .0 ho­
mem mais feliz é açfuêle que goza de uma consideração devida s o seu
valor pessoal- Nada é mais triste do que um grande senhor cumulado
de honras e de respeitos que só, se prestam à sua dignidade” .
Suas idéias sfibre a educação das moças muitas vêzes não passam
de eco das de Fénelon. Quanto aos estudoS é de opinião que devem
ser lim ita íos aos que são úteis. Sendo o latim a língua da Igreja,
nisso vê uma razão para o saber. A história grega e latina alimenta
n coragem para as grandes ações que nelas se v êem ; ^léjn do que a
literatura da antiguidade está cheia de exemplos e de sentenças mo­
rais de grande proveito para os jovens. Não é lícito ignorar a história
da França que é a história do próprio país. A filosofia é a obra dos
estudos, “ dá precisão ao espírito, desembaraça as idéias, ensina a fa la r
com exatidão” . Mme. de Lpmbert ajunta com muito senso cristão:
“ Fazei com que os vossos estudos se infiltrem .nos vossos costumes e
que o proveito das vossas leituras resulte em virtude” .

B ib lio g ra fia "— C o m p a y r é , Hietofia critica ãas doutrinas ãe educa,


ção, I, p. 340. — D a m s e a u x , Eistoria^ãd peãagogia, 4 e i., p. 322. — Di­
cionário .ãa peãagogia, art. Maintenon e Saint-Cyr-F a g t t e t , Mme. ãe Main.
tenon inctrutora (Paris, 1887)’. — G r é a r d , Mme. ãe Maintenon, Extraits,
4 ed. (Paris, 1884). — R. H a v a r d d e l a M o n t a g x e , Mme. ãe Maintenon
(Paris, Lethielleux). — L a v a l l è e , Eistoria ãe Saint-Cyr. — Obras ãe Mme.
ãe Maintenon. — R. P. M e r c i e r ! Mme. ãe Maintenon (Paris, 1874). —
M m É : d e L a m b e r t , Conselhos ãe uma mãe a seu filho. — Concelhos âe
uma mãe' a swi filha. — Gompayré, Eistoria crCtica dac ãoutrinas ãe eãu.
cação, I , p. 356. — G i r a r d . A ãucação ãas mulhsres pelas mulheres, p. 169
CPaTis, 1897). — Mme. S a i n t - K e n é T a i l l a n d i e r , Mme. de Maintenon
(Paris, 1923).
' A PEDAGOGIA JANSENISTA: AS ESCOLAS DE
PORT-ROYAL

A. abadia de Port-Rcyal — Pórt-Royal-des-Champs era


um convento de religiosas bernardinas, fundado no século
XIII. No comêço do século X V II, a superiora, Jaqueline
Arnauld, conhecida pelo nome de Madre Angélica, reformou
o mosteiro; e, como os edifícios se haviam tornado muito
pequenos para o número de religiosas, transferiu a sua co­
munidade para Paris. Uma vez desocupada a abadia, tor­
nou-se asilo de um certo número de homens austeros e im­
buídos das doutrinas jansenistas (1) que se haviam colocado
sob a direção de Duvergier de Hauranne, abade de Saint-
CyTan, e que tomaram o nome de Solitários.

(1 ) As doutrinas jansenistas sôbre a liberdade humana e a graça di­


vina consistem, essencialmente, nos pontos seguintes:
“ A vontade do homem é como uma balança pendida essencialmente
para o lado mais forte; se pende do lado do bem, 6 porque é necessária-
menle atrairia para o bem; se pende do lado do mal, é que ela é necessa­
riamente atraída para o mal.
“ A graça divina não é dada a todos os homens mas sòmente àqueles
que Deus predestinou e àqueles por quem Jesus morreu.
“ Quando os ju í.os fazem o bem, é porque têm uma graça à qual não
podem resistir; se algumas vêzes fazem o mal, é que não têm a graça in­
dispensável.
“ Os pecadores, aquêles que Eeus não predestinou, e por quem JesaJ
Cristo não morreu, não têm a gaça indispensável para fazer o bem ; entre­
tanto, são culpados de não o fazerem, poique a sua vontade, bem que
necessitada, não é constrangida” .
A sua moral — Os solitários.tinham um procedimento bem austero.
Por um respeito exagerado para com os sacramentos, muito raramente dê'.fia
se aproximavam. Exigiam, para receber a absolv-ção, a eontrição perfeita,
que declaravam bem difícil de se obter; por êsse modo desencorajavam o«
Os mais célebres são: Arnauld D ’A ndilly, irmão da Madre
A n g iiica ; Antonio, seu irmão, apelidado “ o grande A rnauld” ;
seus sobrinhos, A ntonio Lem aistre e Lsm aistre de Sacy;
Nicole, autor dos Ensaios de M oral; Lancelot, autor do Jar­
dim das Raízes Gregas.
A o m:-smo tem po que se ocupavam com a oração e tra­
balhos manuais, os Solitários se dedicavam à educação. Em
1643 abriram uma escola em P ort-R oyal; fundaram outras
tm Granges, no castelo de Trous e em Chesnai, perto de
Versailles. D eram -lhes o nom e de “ pequenas escolas” . As
religiosas se ocupavam com a educação das jovens. Jacque-
line Pascal foi especialm ente encarregada desta obra. O
regulam ento que traçou é m uito severo e m ostra a sua autora
profundam ente im pregnada do espírito do Augustinus.

C cn ceyçã o ja m en ista da educação — Os jansenistas têm


com o certo que a alma da criança é literalm ente prêsa do
dem ônio; está “ m ergulhada na carne do pecado” . “ Desde
aue as crianças chegam ao uso da razão, diz M. de Sainte-
Marthe, têm o espírito fechado às coisas espirituais mas
aberto para o mal; os seus sentidos são suceptíveis de tôda
espécie de corrupção e têm um pêso natural que com v io ­
lência as levam a ela” .
A criança é por conseguinte essencialm ente má; mas
com o recebeu o batismo, será preservada do mal e tomará
o habito do bem se se erguerem ao redor dela barreiras in­
transponíveis. O m estre se fará a causa segunda na obra
educadora da graça. “ A sua incessante vigilância bem com o
a sua dom inação forte, com prim indo o livre arbítrio do dis-

p e o rd or es c os desviavam da conversão. E x ig ia m , para receber n comu nh ão.


c!i«pos:çõ°s tão p e rf e ita s que eram ou^se impossíveis. A n t o n i o A rnn uld
escreveu um livro célebre. B a com unhão fr e q ü e n te , que deveria ter intitu­
l a d o : “ Centr a a c om u nh ão f r e q ü e n t e ” . V á r io s jan.senii.tas co ns id erav am
um s a c r i f í c i o he róico o recusar o v iático 110 leito de m ort e ( P . F a i v r c ) .
cípulo, fixá-lo-ão no cam inho do bem pelo vinco profundo
de um longo hábito em seguir a boa-educação” . É a subs­
tituição da vontade do mestre à da criança; é uma sujeição
do livre-arbítrio. Tal era certam ente o pensamento de
Saint-Cvran quando disse “ que era precisa uma grande ca­
ridade, uma grande prudência, uma grande assiduidade, e
que era necessário continuadam ente aplicar as crianças ao
bem para im pedir de caírem no m al” .
Daí uma vigilância levada até o escrúpulo. “ Sobretudo,
diz M. de Sacy, as crianças não serão jam ais deixadas sós” .
O regulam ento dos religiosos professores dá isto: “ Se estão
duas religiosas no quarto quando tocar para o ofício, podem
recitá-lo uma depois da outra, a fim de que haja sempre
uma que vigie as crianças” .
Este excesso de vigilância aniquila a personalidade da
criança; o mestre pensa, fala e age em lugar dela; deixa-a na
ignorância do m undo, e quando sai daí, assemelha-se, diz
Fénelon, “ a uma pessoa que se tivesse sustentado nas trevas
de uma profunda caverna, e que se deixasse passar de re­
pente à luz do dia” .
Em Port-R oyal, o m undo é representado com o a escola
do diabo. “ O diabo, diz Nicole, é o m aior autor e o m aior
escritor do mundo, bem com o o m aior palrador pois que tem
parte nos escritos e nas palavras dos hom ens” . É preciso
subtrair a criança a essa má influência “ constrangendo-a e
apertando-a nos limites de uma disciplina, com o em uma
g a io la ... e fechar quanto possível as portas da gaiola que
dão ao espírito mais vontade de sair dela” . P elo mesmo
princípio, as viagens são um perigo para as virtudes. V ia­
jar, era para M. de Sacy. ver o diabo vestido em tôdas as
modas e feitios: à alemã, à italiana, à espanhola, à inglêsa,
mas é sempre o diabo.
A s recrea ções serão curtas, a fim de evitar tôda dissipa-
ção e aniquilar tôda inclinação natural; parece julgar-se da
seriedade do aluno pelo desgosto que tem pelas horas de
divertim ento. Para evitar que a criança fale mal no m o­
mento do repouso, o mestre fala em seu lugar; se fala muito
baixo im põe-se-lhe que repita bem alto aquilo que disse. O'
regulam ento das meninas até m enciona certos assuntos sô­
bre os quais não se deve.con versar: o mundo, o refeitório,
i\ sala de visita, os sonhos que tiveram, os m ovim entos de
fervor que Deus com unicou a alguma das companheiras.
Evitavam, por exem plo, falar do canto das Irmãs, dizendo
que uma religiosa canta m elhor do que outra, etc.
O valor pedagógico do m estre pouco importa; se tem
bom êxito, é que a criança estava predestinada. Se os seus
esforços são vãos, êle se consola dizendo: “ esta criança não
estava predestinada; é um réprobo; não tinha a graça eficaz
e será vítim a do mau deleite” .

Planos de estudos — Para os m eninos de menos de doze


anos, o curso de estudos com preendia a leitura, a escrita, a
religião, os elem entos de história sagrada, a geografia, o
cálculo, a gram ática latina, a explicação dos autores mais
^áceis. Davam -lhes alguns ensaios de com posição. Depois
dos doze anos os alunos seguiam o curso regular de huma­
nidades.
Para as meninas o regulam ento indica a leitura, a es­
crita, a explicação das virtudes cristãs, o Evangelho, o cate­
cismo, um pouco de aritmética e o canto de igreja. O pro­
grama está longe de ser am plo com o os de Fénelon e de
Mme. de M aintenon, e N icole tinha razão de dizer que,
quanto ao espírito; Jacqueline Pascal, “ nutria seus alunos
de pão e água” . O m esm o N icole dizia que os livros são
necessários nos conventos de donzelas “ porque é preciso sus­
tentar a prece pela leitura visto que, do m esmo m odo que
se fala a Deus na oração, ouve-se a Deus na leitura” .
Métodos e espírito da educação — As classes de Port-
R oyal não contavam mais de cinco ou seis alunos; o profes­
sor não os deixava nunca e podia exercer sobre êles uma
influência real. A educação, m algrado a sua severidade, ti­
nha um caráter familiar, o mestre procurava educar a alma
e o espírito, form ar o hom em na criança.
Nas Pequenas Escolas, faziam-se com eçar os estudos pelo
francês, e era pelo francês que se aprendia o latim. Os so­
litários não foram os iniciadores dêsse m étodo; os Oratoria-
nos faziam uso dêle em seus colégios mas tiveram o m érito
de com preender-lhe a eficácia. Buscavam também simpli­
ficar o estudo das regras da gramática e tinham chegado a
form ulá-las em verso. Lancelot se revolta contra ta:s pro­
cessos: “ Qual é o homem, diz, que quereria oferecer uma
gramática em versos hebraicos para se aprender o hebrai­
c o ?” Reprova os extrem istas que a queriam suprinvr; acon-
: elha que se aprenda sobretudo pelo uso. “ Poucas regras e
m uito uso, diz; desde ou e as crianças com ecam a saber um
pouco as regras, fazer-lhas notar na prática” .
Os m étodos de Lancelot para as línguas italiana e espa­
nhola se inspiram nos mesm os princípios.
P ort-R oyal encarava os exercícios de tradução com o um
m eio muito próprio para fazer aprender a língua pátria. Foi
pouco favorável aos versos latinos; os solitários os baniram
pouco a pouco; usaram dêles com os alunos aos quais êstes
exercícios podiam ser úteis e dispensaram aos que teriam
em pregado nesse trabalho uma energia estéril.
Um dos princípios dos jansenistas era: não ensinar senão
aquilo que os alunos podem com nreender. Era basear o
ensiro na psicologia; só podem os felicitá-los por isso.
São m enos dignos de louvor quando pretendem que a
criança deve praticar o' dever pelo dever e, por isso, repelem
a emulação. Não admitem, com efeito, nenhuma alusão ao
bom -êxito nas crianças nem aos seus progressos. Era, em
particular, a opinião de M. de Sacy: “ Se Deus pôs algum
uem nestas crianças, dizia, cum pre louvá-Lo e guardar si­
lêncio, contentando-se com dirigir-lhe ações de graças de
coração” .
Que diferença a êste respeito entre as “ Pequenas Esco­
las” e os colégios dos jesuítas, onde se obtinham admiráveis
resultados fazendo apêlo ao sentim ento de honra, e quem
hesitaria em dar a preferência aos discípulos de santo Inácio?
Assinalem os um progresso de imenso alcance que deve­
mos a P ort-R oyal: o em prego ão m étodo fôn ico na leitura
elementar. Este m étodo foi inventado por Pascal e pôsto
em prática por sua irmã Jacqueline. Acrescentem os que os
solitários fizeram em prègo judicioso dos m étodos objetivos.
Nesse ponto, foram os herdeiros da Idade-M edia e da Re-
rascença e êles precederam os grandes teóricos da intuição,
Comenius, Pestalozzi e Froebel. Com preenderam que as
noções para alcançarem a inteligência, devem passar pelos
sent'dos e oue. no ensino, é necessário recorrer aos sentidos
quanto possível.

F orm a çã o m aral e religiosa ■


— A form ação m oral e reli­
giosa foi a preocupação constante dos solitários. Em prega­
ram um zêlo que m erece justas homenagens. Entretanto,
por causa das suas idéias religiosas, a obra foi incom pleta e
íalha. Para esta form ação fizeram servir os estudos lite­
rários, mas os clássicos foram expurgados com um rigor todo
jansenista porque, diz Guyot, “ os autores, até os mais ho­
nestos, têm sempre algum veneno” .
A propósito de V irgílio, por exem plo, Saint-Cyran não
deixará de fazer notar aos alunos que êsse poetã se conde­
nou escrevendo tantos versos bonitos porque os fêz por vai­
dade e para a glória. “ Mas, acrescenta, é necessário que
vos salveis aprendendo-os, porque vós o deveis fazer por
obediência e para vos tornardes capazes de servir a D eus” .
Em resumo, a idéia que dom inou nessa educação foi conven­
cer as crianças “ da assustadora corrupção do coração huma­
no, da sua injustiça, da sua vaidade, da sua brutalidade e da
sua m alícia” . A m áxim a que se gravou na m em ória foi esta:
tudo o que é jansenista é bom, e é mau tudo o que não o é.
A piedade foi m uito rígida; obrigavam aquelas crianças
a fazerem grandes abstinências. Segundo os contem porâ­
neos, várias m orreram de inanição. Os exercícios de devo­
ção foram excessivam ente m ultpilicados e as leituras espi­
rituais foram freqüentem ente bem acima da idade das.
crianças.
A grande lacuna da educação religiosa de P ort-R oyal
foi a privação da comunhão. O pároco de São Jacques dizia
que os jansenistas não o mandavam chamar senão para a
extrem a-unção e que não ouvia falar dos outros sacramentos.
Nos docum entos das Pequenas Escolas, nos conselhos aos
mestres e às religiosas, nas memórias, não encontram os ne­
nhum vestígio dos usos piedosos que reinavam a respeito da
sagrada com unhão. Este silêncio tem -se feito justam ente
notar, é uma inquietante lacuna.

A s obras p edagógicas dos m estres de P c r t-R o y a l — Os


mestres de P ort-R oyal redigiram , para os alunos, obras de
instrução e de educação. Lancelot escreveu M étodos para
le aprender o latim, o grego, o italiano, o espanhol, e o fa­
m oso Jardim das Raízes Gregas. D evem os ainda a Port-
R oyal a Gramática geral e comparada, a lógica dum curso
>1e geometria. N icole escreveu Ensaios de m oral m uito apre­
ciados e um tratado da Educação de um príncipe. Coustel
nos deixou as Regras da educação das crianças. “ Estas
obras, diz M. Faguet, foram imitadas e adotadas por tôda
parte na segunda metade do século X V II; realizaram pro­
gresso imenso no ensino e não tiveram pequena parte na
m agnífica eclosão literária que se seguiu” .
Entre os alunos notáveis dos jansenistas, é necessário
fitar os dois Bignon, du Fossé, de Harlay, João Racine e o
Anão de Tillem ont.

C onclusão — A pedagogia jansenista foi m uito rigorosa


e em oposição com o verdadeiro espírito do cristianismo que
é um espírito de doçura e de bondade; vai contra os dados
da psicologia da criança. O m érito de P ort-R oyal foi com ­
preender a necessidade da educação numa época em que êste
importante dever era freqüentem ente negligenciado; mas
não souberam guardar a m oderação conveniente numa re­
form a boa em si e necessária.
Os jansenistas, considerados com o educadores, têm sido
excessivam ente encarecidos por historiadores hostis à edu­
cação católica, com o fim oculto de lançar o descrédito sôbre
os seus rivais tradicionais, os jesuítas.
Os seus m étodos tiveram alguns princípios excelentes,
dos quais, porém , m uito raramente foram os iniciadores.
Lem brem os também que a sua influência sôbre a juven­
tude foi m uito restrita, pois que nunca tiveram mais de cin­
qüenta alunos simultâneamente nas suas escolas e estas
escolas duraram apenas quinze anos.
Sainte-Beuve, que tinha suas razões para amar os janse­
nistas e as suas obras, term ina assim a grande obra que lhes
consagrou: “ V ós todos, hom ens de bem e de verdade, por
mais respeito aue eu vos tenha consagrado, por mais atenção
que tenha pôsto em seguir e assinalar os vossos m enores
vestígios, não tenho podido resolver-m e a ser dos vossos.
Fui o vosso biógrafo; não ouso dizer vosso pintor; fora disso
não vos pertenço” .

Bibliografia — Oad et. L ’ ÊãiteaUon à P o r t-R o y a l (P a r is , 1 S 87 ). —


C a e r e . L e s p étlaaogueè ãe P o r t -R o y a l ( P m - í s . 1 S87 ). — 'C a rr é, Le,< péãa-
(jogu es ãe p o r t .R o y á l (P a r is , 1 8 8 7 ). •
— C yelop rãia o f edu eation , art. P i r t
R o ya lists. — D ietion n aire ã e p éd a g o g iet a r t , P o r t.R o y a l, — P a k a d i s , L a
pcdafjafjic ja n rcn istc com parce à 7a pcâacqrjic cntlmliqu'’ ( L y o n , 1 9 1 0 ). —
Sain te B euye , P o r t-R c y u l, tomes I I I et I V , 4e. éd. (187S).

C A P IT U L O IV

A PEDAGOGIA PROTESTANTE

A pedagogia protestante é representada por Bacon, Ra-


tichius, Comenius, Locke e Francke. Os quatro pr.m eiros
são realistas; Francke é o chefe da escola pietista. Mas to­
dos fazem parte da categoria dos inovadores ou reform ado­
res, cuja idéia principal é reagir contra um humanismo exa-
perado que não prepara suficientem ente para a vida prática.
Conform e êles, a ciência deve ter parte considerável na
educação. A lguns inovadores levaram ao extrem o as idéias
baconistas e caíram no mais grosseiro utilitarismo científico.
Um dos princípios fundamentais dos extremistas é que
o aluno se instruirá sobretudo pelo contacto das realidades e
se referirá o m enos possível à autoridade do mestre. É o
i.rincípio do livre-exam e aplicado à educação.
Outra conseqüência dêsse realismo: as verdades revela­
das não caem debaixo dos sentidos, não se devem ensinar às
crianças porque são m uito abstratas. É bem ainda o espírito
protestante. O ensino oficial de h oje conserva traços desta
tendência.

A s idéias dos inovadores são assim resumidas por M.


Quick em seu livro R eform adores educacionais:
1 — O estudo das coisas deve preceder ao estudo das
palavras ou pelo m enos ficar-lhe unido;
2 — No ensino é necessário fazer apêlo a tantos sentidos
quanto possível;
3 — Os estudos lingüísticos têm por base o conhecim en­
to da língua pátria;
4 — Ensinar o latim e o grego só aos alunos que desejam
o curso com pleto de humanidades;
5 — A educacão física é indispensável e deve ser dada
a todos os meninos;
6 — Os m étodos de ensino não têm valor senão enauan-
to estão em relação com a natureza da criança.

I — Francisco Bacon (1561-1626)

Bacon, em seu N ovum O rganum , faz a crítica das causas


«11io, conform e êle, têm im pedido o progresso das ciências.
Revolta-se contra o abuso do silogism o, o espírito de
rotina e o espírito de autoridade que acorrenta e im obiliza o
pensamento. D eplora o abandono da filosofia natural e da
nrncia. Salienta também numerosas causas de erros que
' >'in da natureza do nosso espírito ou dos nossos meios de
instrução e que chama ídolos.
ExDÕe em seguida um m étodo para progredir nas ciên-
i i,is. É o m étodo experim en tal ou de indução que com preen­
de a observação, a experim entação, a procura da causa e
enfim a generalização. Bacon nada inventou. Este m étodo
existe desde a criação do mundo, diz M acaul-w. pornue cada
■ ; it humano o põe em prática. Na Idade-M édia, dirigia as
ii'\Tst’ P"ícões de G eruert. Foi, nas mãos dos sábios do sé­
c u l o X III, A lberto o Grande, R o g é r o Bacon, R a'm undo Lulli,

instrumento de grande pujança e de m agnífica fecundidade.


M.'iis tarde, K epler, Leonardo da Vinci, GalUeu, praticavam
;iiImiràvelmente êsse m étodo “ do qual jam ais pôde servir-
: c” (C l. B e r n a r d ).
2 — No ensino é necessário fazer apêlo a tantos sentidos
quanto possível; '
3 — Os estudos lingüísticos têm por base o conhecimen­
to da língua pátria;
4 — Ensinar o latim e o grego só aos alunos que desejam
o curso eompleto de humanidades;
5 — A educacão física é indispensável e deve ser dada
a todos os meninos;
6 — Os métodos de ensino não têm valor senão enguan-
to estão em relação com a natureza da criança.

I — Francisco Bacon (1561-1626)

Bacon, em seu Novum Organum, faz a crítica das causas


que, conforme êle, têm impedido o progresso das ciências.
Revolta-se contra o abuso ão silogismo, o espírito de
rotina e o espírito de autoridade que acorrenta e imobiliza o
pensamento. Dsplòra o abanãono da filosofia natural e da
ciência. Salienta também numerosas causas de erros que
vêm da natureza do nosso espírito ou dos nossos meios de
instrução e que chama ídolos.
ExDÕe em seguida um método para progredir nas ciên­
cias. É o método experimental ou de indução que compreen­
de a observação, a experimentação, a procura da causa e
enfim a generalização. Bacon nada inventou. Este método
existe desde a criação do mundo, diz Macaulav. poroue cada
sor humano o põe em prática. Na Idade-Média. dirigia as
investigações de Gerbert. Foi, nas mãos dos sábios do sé­
culo XIII, Alberto o Grande, Rogério Bacon, Raimundo Lulli,
instrumento de grande pujança e de magnífica fecundidade.
Mais tarde, Kepler, Leonardo da Vinci, Galileu, praticavam
ndmiràvelmente êsse método “do qual jamais pôde servir-
se” (Cl. B ernard ) .
O seu m érito foi atrair a atenção sôbre a necessidade da
observação e ãa experiência, e se não soube indicar o funda­
m ento racional da indução, pelo m enos com preendeu a im ­
portância do m étodo experim ental e assinala o processo de
elim inação que faz o fundo dos m étodos de Stuart M ill. É
por êsse m eio que exerceu, mas de m aneira indireta, uma
influência assaz considerável sôbre a educação. Exprobam -
Jhe ter dado à ciência um fito essencialmente utilitário. “ O
verdadeiro e legítim o das ciências, diz, consiste unicamente
em dotar a vida humana de novas invenções e de novas
riquezas” .
É, algumas vêzes, adversário do espírito m etafísico. “ Im ­
porta pouco aos afazeres humanos, diz, que se saiba quais
são as opiniões abstratas de um espírito sôbre a natureza e
o princípio das coisas” . Não é ateu declarado, mas suas
tendências em píricas são um cam inho para o materialismo.

B ibliografia — C yclop cãia o f éãucation, art. B a con , F ra n ete. — Do-


m ecq , A u tcu rs phüoxnpliiqurs ( T o u r s , C a t t ie r ). — G. F o n s e o r i v e , F ra nçois
B acon (P a r is , 1 8 9 3 ). — S p e d d i n c , A cc o u n t o f the life and t i m .s o f F r .
B a con , 2 vol. (L o n d r e s , 1 8 7 9 ).

II — Ratichius (1571-1635)

Ratichius era originário de W ilster (ducado de Hols-


tein). Fêz os estudos em Ham burgo, em R ostok na Inglater­
ra, na Holanda, e foi um lingüista, sabendo além do alemão,
língua materna, o latim, o grego, o hebraico, o árabe e o
caldaico. Dedicou-se especialm ente a ensinar línguas, em->
pregando a conversação e a dupla tradução. Prom etia fazer
aprender, por êsse m étodo, uma língua em seis meses. O fe-
recia-se a fundar uma escola onde se ensinassem tôdas as
línguas e tôdas as ciências. Para realizar o projeto se diri­
giu aos príncipes alemães, aos landgraves de M arburg e de
Darmstadt, às autoridades m unicipais de F rancfort e de
Augsburgo. O príncipe de K oethen acolheu favoràvelm ente
>: seu pedido; fundou em sua capital uma escola de quinhen-
tos alunos; deu-se a Ratichius uma tipografia para as suas
publicações e lhe associaram colaboradores distintos.
A emprêsa não teve êxito.. Os professores não estavam
preparados para êsse m étodo novo; faltou a disciplina; os
alunos tinham demasiado tem po livre e recreios. A o pró­
prio Ratichius faltava o espírito de conexão e não tinha ca-
. áter dos mais amáveis. Foi obrigado a abandonar a escola.
Apesar dêste revés, teve o m érito de convencer da excelên­
cia das suas idéias a m uitos m estres e poderosos senhores.

Prncípios pedagógicos — Ratichius form ulou certo nú­


mero de princípios. Eis os mais im portantes:
1 — Fazer tudo com ordem e segundo a natureza. Há
na natureza certa ordem, segundo a qual a criança aprende
as coisas, e que é preciso levar em conta no ensino. Êsse
aforism o contém em si tôda a pedagogia m oderna. Se Ra-
tichius não o descobriu tem, pelo menos, o m érito de lhe
haver assinalado a importância.
2 — Não façais senão uma coisa de cada vez — “ Não
se cozinha juntam ente, na mesma panela, mingau, peixe e
legum es” . Não se passa a um novo estudo senão depois de
ter acabado o precedente. Não se deve dispersar o espírito
da criança por assuntos demasiado numerosos.
3 — Fazei repetir freq ü en tem en te a m esm a coisa — R e­
petir sobretudo os princípios; ocupar-se com uma questão,
até que as crianças a com preendam plenam ente. Mas é pre­
ciso variar os processos da repetição a fim de m anter o in­
terêsse.

4 — Fazei tôdas as coisas sem violência — A violência


e a palm atória desgostam do estudo. É preciso, sim, algu­
mas vêzes em pregar energia para a form ação intelectual
oem com o para a form ação m oral mas que seja entremeada
de muita doçura. Ratichius quereria na aula um m estre e
um corretor. Quanto luxo! e quem o poderia pagar?
5 — Não façais aprender nada ãe cor, sem que o m eni­
no tenha com preendido o sentido, ao menos tanto quanto a
sua inteligência lhe permita. Abusava-se da m em ória nessa
época; mas a reação contra êsse abuso não deve ser exage­
rada; a m em ória tem papel im portante na educação.
.6 — Uniformidade em tôdas as coisas — O m étodo de
ensino deve ser uniform e. Os livros .serão concebidos se­
gundo um m esm o plano. No ensino, cum pre ligar-se aos
princípios gerais, ir do conhecido ao desconhecido, ligar as
poções novas às noções já adquiridas; é assim que a língua
materna servirá de base ao estudo das outras línguas.
7 — Tudo d eve ser fundado na observação e na e x p e ­
riência. Êsse princípio é errôneo, porque desconhece a au­
toridade e a tradição. É necessário aceitar as conquistas
definitivas da ciência; servir-se delas para ir mais longe e
ficar a igual distância de um isolam ento orgulhoso e de uma
íiufcmissão servil ao pensam ento de outrem. Essa máxima
é uma conseqüência do baconism o e do racionalism o protes­
tante.
Ratichius, com o os mestres de seu tempo, admite os cas­
tigos corporais, contra a insubordinação e a desobediência e
jamais contra o insucesso, o que seria de uma injustiça re­
voltante. Deseja, para os mestres, uma form ação profissio­
nal; a idéia é boa e m uito nova nessa época.
Influência de Ratichius — Ratichius teve num erosos dis-
fípulos aos quais dá a idéia de reagir contra um sistema de
ostudos quase unicam ente com posto de clássicos gregos e
iatinos, uma im itação por demais servil de C ícero e uma cul­
tura excessiva da mem ória.
Tem razão em insistir sôbre a necessidade de colocar os
métodos em acordo com a natureza da criança e as matérias
cie ensino. Esta idéia inspirou a publicação de manuais e
de tratados de educação que aperfeiçoaram os m étodos e
contribuíram a destronar os processos empíricos.

B ibliografia — B a r n a r d , G crm an T ea ch ers a nã E ã u c a to r s (H a r tfo r d ,


E . U ., 1 8 7 8 ). •— C i i a s l e s , R a tich iu c , ou le C harlatanism o dans 1’ ccole ( B .
J 9 0 0 ). — M o n k o e , A t e x t booTs in the h isto r y o f cã u ca iion . ■— Q u ic k ,
lid u ca tion a l R z fo r m e r s (N e w -Y o r k , 1 8 9 0 ).

III — J. Amos Comenius (1592-1671)

Comenius nasceu em Niwnitz, na M orávia. A pós sérios


estudos na Alem anha e na Holanda, foi nom eado reitor da
escola, de Prérau (M o rá v ia ), depois pastor dos Irmãos M o-
rávios, em Fulneck. Sendo expulso por um decreto, bem
com o os seus correligionários, retirou-se para Lissa (P olô­
nia) onde publicou a Janua linguarum (Porta aberta para
as línguas) que fo i dentro em pouco traduzida para quinze
línguas.
Os Estados da Suécia e o parlam ento da Inglaterra cha­
maram Com enius para reorganizar as escolas. Foi prim eiro
à Inglaterra onde as vicissitudes políticas tornaram difícil a
execução de seus planos. Foi então que publicou a Grande
Didática. O m inistro da Suécia, Oxènstiern, recebeu-o com
grande acatamento e lhe pediu que redigisse manuais esco­
lares. Voltando a Lissa, os Irmãos M arávios o nomearam
bispo. Mas o ensino tinha para êle atrativos irresistíveis;
em 1650, organizou a escola de Patak (H ungria) e publicou
o Orbis pictus (O m undo visível em im a g en s). Passou os
derradeiros anos de vida na Holanda.

Obras pedagógicas — Três obras de Comenius exerce­


ram influência considerável sôbre a educação.
1. A porta aberta para as línguas (1631). Êste livro
dá 8.000 palavras latinas juntam ente com as coisas. Foi
traduzido em doze línguas européias e várias línguas asiá­
ticas. D ivide-se em três cursos sucegsivos: o V estíbulum , o
Janua e o Atrium . Com énius confessa que êsse m étodo não
é novo; tom a-o a um jesuíta irlandês, Bateus, que publi­
cara, no com êço do século X V II, uma Janua linguarum, já
traduzida em oito línguas, em 1629.
2. O Orbis pictus (1658), obra clássica ilustrada. O
próprio autor reconhece que não faz mais que imitar os je ­
suítas de Salamanca, o que não im pede M. Com payre de
afirm ar que êsse livro servia de m odêlo aos inumeráveis
livros de gravuras que, há três séculos, invadiram as es­
colas (1).

(1 ) O u tros fa to s con tra d izem a asserção de M . C o m p a y ré : E m 1587,


•J. B . B om a n o p u b lica ra , em R om a, um m étod o de catecism o 110 qu al as
p rin cip a is v e rd a d e s d o g m á tica s e m ora is eram e x p lica d a s p o r 103 qu adros
coloca d os em fre n te .
E m 1607, p u b lico u -se , em L iã o , um ca tecism o real d e d ica d o ao D e lfim ,
lio qu al havia, nu m erosas ilu strações.
O ca te cism o de C an ísio, p u b lic a d o em 1614, en cerrava 103 im agens
g ra v a d a s e m m ad eira.
E n con tra v a -se , em 1654, em A n tu é rp ia , em casa de C orn élio W oon s,
um ca tecism o orn ad o de 52 im agens, te n d o já v árias e d ições. ( V . H istória
ão catecism o p elo p adre H é z a k d ).
3. A Grande Didática (cêrca de 1640). Comenius aí
expõe as suas idéias sôbre a educação e a organização práti­
ca das escolas.

Organização escolar — Com enius encara a escola com o


um grande benefício: “ É, diz, a oficina da hum anidade” .
Prepara o hom em para seu destino terrestre e sua vida fu-
lura, dando-lhe a religião, a virtude e o caráter, a instrução
c a educação.
0 ' plano de organização escolar desenvolvido na Grande
Didática abraça os vinte e quatro prim eiros anos da vida.
Divide-se em quatro períodos de seis anos cada um e com ­
preende quatro espécies de estabelecim entos; a escola ma­
terna, a escola popular ou nacional, o ginásio e a academia.
1. Escola m aterna — A escola maternal conserva as
crianças até os seis anos; tem por fim o cultivo dos sentidos
e da memória. A mãe pode facilm ente, por m eio dos o b je ­
tos e dos elem entos de que dispõe, dar as noções de lingua­
gem, de cálculo, de canto, de geografia, de ciências naturais,
de econom ia doméstica. D esenvolverá a habilidade manual
por m eio de jogos que exercitam os m em bros e alegram o
coração.
A educação m oral se dará sobretudo pelo bom exemplo.
Uma disciplina ao m esm o tem po suave e firm e manterá a
criança no dever. Form ar-se-á à piedade assistindo às ora­
ções e orando também.
2. Escola popular ou nacional: de seis a doze anos. O
fim é o cultivo das faculdades, o exercício das mãos e da
língua. A criança estudará-antes de tudo a língua pátria;
com ecar por uma língua estranha seria o m esm o que querer
aprender a m ontar o cavalo antes de saber andar.
O program a com preenderá a B íblia e o catecismo, a
leitura, a escrita, o cálculo usual, a história, os elementos de
geografia e de cosm ografia, noções de artes e ofícios. A
escola é dividida em seis classes, e as matérias de ensino vão
sem cessar alargando-se e com pletando-se.
Haverá uma escola dêsse gênero em cada comuna, e co ­
m o cada um deve ser neste m undo “ um ator e não um es­
pectador” , tôda criança deve participar das vantagens da
escola.
3. Ginásio: de doze a dezoito snos. Ensinam-se aí
quatro línguas (a língua pátria, o latim, o grego e o hebrai­
co) ; as sete artes liberais, e mais a história natural, a cro­
nologia, a história, a m oral e a teologia.
O ginásio com preende seis classes assim designadas;
gramática, física, matemática, m oral, dialética e retórica.
Uma escola dêsse gênero será estabelecília em tôdas as gran­
des cidades.
4. Academ ia: de dezoito a vinte e quatro anos. Com e-
nius não prossegue sua organização além do ginásio. Diz
que a Academ ia ou universidade deve representar a univer­
salidade dos conhecim entos humanos. Deseja ver fundar-se
uma espécie de academia das ciências estabelecendo relações
entre todos os sábios do mundo.

Principíos e métodos — 1. Necessidade da educação m o­


ral e religiosa. Com enius coloca Deus à frente do seu sis­
tema de educação. A escola, prolongam ento da família,
deve se ocupar da form ação m oral, a qual se realiza pela
disciplina e um ensino constantem ente dirigido para o m es­
m o fim : fazer amar o belo, a verdade, e o bem. A educação
da vontade e do caráter é a coroa desta obra. A form ação
religiosa, com eçada na família, se continua na classe pela
oração e estudo dos L ivros Sagrados.
2. Para bem ensinar é necessário con h ecer a natureza
da criança. Este conhecim ento é indispensável. “ Do mes­
mo modo que há um tempo favorável para preparar ò solo,
( npalhar semente, cultivar e ceifar, assim também há épocas
f;ivoráveis e.métodos convenientes para fazer a educação
ila criança”. É necessário ter em conta talentos e tendên­
cias de cada aluno, a fim de adaptar-lhe o ensino.
3. Necessiãaâe do cultivo ãos sentidos. É pelos senti­
dos que a criança'adquire a maior parte, dos conhecimentos
1 'lcmentares; nêles está-o comêço de tôda ciência. “Em
!)ous, diz Comsnius, estão as fdéias primeiras que grava nas
coisas; as coisas as gravam de novo nos sentidos; os senti­
dos as comunicam ao espírito... É por isso que a intuição
fixa melhor o pensamento na memória do que com descrições
repetidas:.. É às coisas mesmas e não à sua sombra que
6 necessário recorrer, começando pelos objetos mais próxi­
mos e alargando o círculo de ação”.
4. Importância« da memória. À memória cabe um
grande papel em educação; mas não deve agir de modo ma­
quinai. Não se lhe deve confiar nada que não tenha sido
compreendido e devemos compenetrar-nos desta idéia que
são as coisas oue imcortam, e não as palavras. A fim de
assegurar a fidelidade da meiííória, Comenius recomenda
não dar senão idéias claras e poucas, repeti-las freqüente­
mente e bem concatená-las.
5. Seguir uma progressão no ensino. Basear-se no de­
senvolvimento das faculdades; não começar um ponto novo
senão quando o precedente'foi bem compreendido; ir do fácil
ao difícil, do simples ao composto, do que é próximo ao que
está afastado, do conhecido ao desconhecido. Mas o ensino
do mestre não deve suprimir no aluno nem o esfôrço nem o
trabalho pessoal.
6. Não ensinar senão o que é útil. Comenius não en­
tende a utilidade no sentido estrito e material. Completa
aliás o seu pensamento com outro princípio: “ Todos devem
aprender tudo” . Quer dizer com isso que a escola dará
noções gerais de todos os conhecim entos. Rudim entar nas
classes inferiores, o ensino se desenvolverá nas classes se­
guintes e form ará o hom em que, sem aprofundar nenhuma
ciência, possui o fundam ento de cada uma e pode elevar-se
a tôdas.

7. Tornar o ensino interessante. Deve-se fazer uma


escolha de m atéria fundada em razões, adaptar as lições à
mentalidade da criança, em pregar os exem plos concretos e
as dem onstrações claras e precisas. A criança toma gosto
ao estudo quando, ao invés de escutar longas teorias, é obri­
gada a ser ativa, a achar por si mesma. “ Os artifíces bem o
sabem, diz Com enius; nenhum dêles dará ao aprendiz um
curso teórico sôbre o seu ofício; deixá-lo-ão olhar o que faz
o mestre, depois lhe põem nas mãos a ferram enta cu jo uso
aprende: c’est en forgean t qu’on devien t forg eron ” . A prá-
rica é tudo.

8. Cada estudo d eve contribuir para a instrução geral.


Comenius censura os livros de seu tem po por tratarem de
coisas pouco fam iliares às crianças; para o remediar, trata
com o escolar daquilo que conhece por intuição. Na Porta
aberta das Línguas, divide em cem grupos as coisas conhe­
cidas pela criança. P or m eio de m il frases, ensina a criança
oito mil palavras cuja significação dá, bem com o os sinôni­
mos e os contrários. A o m esm o tem po, inicia-a nas p ro­
priedades e usos das mesmas coisas. As suas outras obras
clássicas são baseadas no m esm o princípio.
9. Im portância da disciplina. “ Sem a disciplina, diz
Comenius, a escola é com o um m oinho sem água” . A dis­
ciplina torna a criança m elhor, acostuma à ordem, à obedi­
ência. preserva a sua virtude e form a nela o hábito do bem.
Mas é necessário obtê-la pela vigilância e atenção e não
pela violência e pancadas. Quando a criança cai em falta,
'leve-se repreender com energia, mas sem ódio e fazer-lhe
com preender que a censura vem do coração.

Influência — A influência de Comenius consistiu, duran-


le dois séculos, na difusão de um m elhor m étodo para o
ensino das línguas. Em sua Grande Didática, expôs prin­
cípios fecundos; mas foi ignorada do grande público até
m eados do século X IX . É preciso louvá-lo por ter pôsto a
religião na base e no cum e do seu sistema, por ter insistido
na necessidade da form ação m oral e por ter escrito bons
manuais clássicos que foram durante m uito tem po e quase
universalmente usados. Quanto a suas fundações escolares,
não tiveram duração. Não foi senão adm irável precursor.
Sua obra foi retomada, continuada, m elhorada pelos peda­
gogos do século seguinte que, sem o conhecerem , cam inha­
ram nas suas pegadas.

B ibliografia — Enciclopédia, — Dicionário


ãa educação, art. Comenius.
ila p e d a g o g ia , a rt. Comenius. — A Grande D idática de Corne,
K e a t in g e ,
vius ( L o n d r e s , 1 8 9 6 ). — L a u r i e , John —- A m os Comenius ( C a m b T Í d g e ,
1 8 7 7 ). — M ON RO E, Comenius o os coyneços da R eform a Educacional ( N e w -
Y ork. 1 9 0 0 ).

IV — John. Locke (1632-1704)

L ocke nasceu em W rington, perto de Bristol. Sua vida


não oferece nenhum fato saliente. Fêz os prim eiros estudos
em W estm inster; depois, estudou m edicina em O xford. Du­
rante dois anos foi secretário de em baixada em Berlim. F i­
nalmente foi preceptor do filho do conde de Shaftesbury.
-sm
1
I

Esse menino, de quinze anos de idade, era raquítico e doen­


tio. L ock e o educou com êxito e, mais tarde, fêz tambem
a educação do filho prim ogênito do mesmo.

Os pensamentos — É nos P ensam entos sôbre a educação


(1693), que L ocke dá o resultado das suas experiências e dás
suas observações. A lguns capítulos dêsse livro se ressen­
tem das idéias de Rabelais e de M ontaigne. Locke tinha
em vista somente as crianças das altas classes, o que explica
as suas lacunas e atenua alguns defeitos. Essa obra entre­
tanto não deixa de ser uma das mais notáveis do século
X V II.
A filosofia de L ocke é francam ente sensualista. Rejeita
as idéias inatas. Para êle, a sensação é o ponto de partida
de todo conhecim ento ou noção. A reflexão tira dessas n o­
ções pensam entos simples e concretos em prim eiro lugar;
em seguida, os gerais e abstratos. O espírito está sempre
em via de form ação e de transform ação. A s aptidões são"
devidas à constituição natural; o exercício as fortifica.

Em educação, é o teórico do naturalismo, o qual é a


exaltação da natureza e conduz à rejeição de tôda verdade
revelada. Seus princípios podem resunnr-se com o segue:
a) Desem baraçar a instrução e a educação de todo cris­
tianismo positivo, e contentar-se com a religião natural.
b) Ensinar o menos possível de maneira form al e dog­
mática, mas fazer com que os alunos, pela observação e re­
flexão, ponham em atividade tôdas as suas faculdades.
c) Nada de instrução m oral direta; contentar-se com o
desenvolvim ento natural dos instintos morais. A missão do
mestre é sobretudo proteger a criança contra as influências
m aléficas.
d) A cultura física será objeto de cuidados especiais.
Dará músculos à criança e fortificará o seu caráter.
Todo Rousseau está contido nessa teoria.

Prncípios de educação — Tem-se resumido o livro dos


Pensamentos na fórmula seguinte: em educação físiea, enri-
jecimento; em educação intelectual, utilidade prática; em
educação moral, sentimento de honra.

Educação física — “Mente sã em corpo são”, tal é o ideal


de Locke. Reclama, para a criança, abundância de ar puro,
de exercício, de sono, uma alimentação frugal, roupa que
nem seja muito quente nem muito justa, calçados que dei­
xem penetrar a água e a umidade, cama dura, com colchão
sem pena; quer que se faça regra de ouro de se deitar cedo
e levantar cedo'.
Pelo contrário, fixar hora, para as refeições não lhe pa­
rece imnortante. ' Fénelon é mais judicioso' quando deseja
que tal hora seja bem marcada.
Locke recomenda a equitação, a esgrima e a dança.
Proíbe certas frutas, tais melão, pêssegos, ameixas, uvas cul­
tivadas -na Inglaterra, mas. autoriza morangos, groselhas,
maçãs e pêràs. \
Críticas não faltaram a êsse sistema. Spencer condena
vigorosamente o gênero de enrijamento preconizado pelos
Pensamentos; e ninguém compreende bem, por exemplo, o
princípio de higiene que consiste em dar à crianca “calçados
tão finos aue deixem passar a água quando os pés estão em
contacto com a mesma” . Tal‘ reg;me. aplicado sem discerni­
mento, será desastroso. Mme. de Sévigné mostrava mais
bom-senso ouando dizia: “Se vosso filho é bem forte, a.
educacão rústica é a melhor; mas se é delicado, penso que,
querendo fazê-lo robusto, o matariam” . Todavia bom nú­
mero de prescrições higiênicas de Locke são excelentes.
Educação intelectual — 1. L o ck e não escrev e para as
crianças do povo, cuja educação, segundo êle, se deve fazer
nos w orking-houses. A í acharão o trabalho e o alimento;
aí estarão livres de perigo e tomarão o hábito da ordem, da
disciplina e da sobriedade. Sua form ação consistirá sobre­
tudo na aprendizagem de um ofício. Som ente as crianças
das classes altas receberão educação liberal. É para êles que
Locke traça um program a de estudos.
Desde que a criança saiba ler e escrever, é preciso ensi­
nar-lhe o desenho, que é a continuação da escrita e cuja uti­
lidade é incontestável. Estudando a sua língua, o aluno
estudará ao m esm o tem po francês e latim. O grego não
Hgura no programa, poderá estudar-se mais tarde.
Os estudos m atem áticos com preendem somente a arit­
m ética com ercial, a contabilidade e -a geom etria de Euclides.
As outras ciências a estudar são: a cronologia, e a histó­
ria do direito civil, as leis constitucionais, a lógica e a retóri­
ca. A coroa da educação intelectual será a filosofia natural
que divide em m etafísica ou estudo dos espiritos, e em física,
estudo dos corpos. Aconselha com eçar pela m etafísica e
tirá-la da Bíblia, com receio, diz, de que o m undo natural
abafe a fé no sobrenatural. Para a física se servirá de Des­
cartes ou de N ewton. Coloca a m úsica em último lugar,
considera-a arte inútil e não isenta de perigo.
Êsse program a revela as tendências utilitárias de Locke;
reage com vigor contra a instrução de pura form alidade, es­
quecendo que os velhos eatudos clássicos constituem disci­
plina do espírito. .
2. L ock e considera a educação particular p referív el à
educação pública: a escola pública apresenta muitos perigos
e pode exercer sôbre o caráter das crianças lam entável in­
fluência. Quintiliano era de opinião contrária e as suas ra­
zões não são para desprezar. A lém da dificuldade que acha-
iam muitas famílias em conseguir preceptor perfeito, é de
experiência que a criança, em contacto com outros escolares,
se form a para a vida social, m odifica o caráter e adquire
preciosas qualidades.

3. Ê necessário tornar o ensino atraente. É para dese­


jar que se ensine a criança a ler sem que veja nisso mais
que um divertim ento. Os sentidos têm um papel importante
na aquisição dos prim eiros conhecim entos; a curiosidade é
não só excelente sintoma, “ mas qual grande instrumento de
que a natureza se serve para rem ediar a nossa ignorância” .
Entretanto o estudo não deve tornar-se divertim ento. Que­
rer aprender tudo divertindo-se, sem exercícios da memória
e de inteligência, sem esforços repetidos, é verdadeiramente
levar m uito longe a educação qualificada de atraente.
4. Para o estudo das línguas, Locke associa-se aos prin­
cípios de Ratichius e de Comenius. Quer que se com ece
pelo estudo da língua vizinha (o francês) e que se principie
cedo se se deseja que a criança adquira boa pronúncia.
O latim se aprenderá da mesma maneira que o francês.
Com eçar-se-á pelas fábulas de Esopo com a tradução à vista.
Depois de Esopo se tomará Justino ou Eutrópio. Deixar-
s e ^ de lado a gramática; é um aborrecim ento para a criança
sem dela tirar nenhum proveito. A asserção de L ocke é
bem contestável.
A criança não escreverá nem temas, nem versos, nem
discursos latinos. É suficiente que chegue a com preender.
Surpreende-se ao v iv o o utilitarismo de Locke.
5 — O p recep tor cultivará sobretudo o raciocínio e o
bom -senso do seu aluno. Êste não aprende nada de cor;
segundo Locke a m em ória não é susceptível de aperfeiçoa­
m ento e até nem existe. É sobretudo por bom m étodo que
a criança aproveitará as lições. Velar-se-á, portanto, para que
os conhecim entos sejam classificados por graus e juntados
tão estreitamente quanto possível aos conhecim entos adqui­
ridos, que cada lição contenha um pouco de novo, a fim de
que o espírito adquira pouco a pouco, sem cansaço, noções
claras e seguras.
6 — A criança aprenderá ao m enos um ofício manual —
“ Quereria, diz Locke, que o meu fidalgo aprendesse um o fí­
cio manual, quereria até que tivesse dois ou três, mas um
particularm ente. “ O seu fim é agenciar para o espírito um
divertim ento, uma ocasião de repouso e um exercício útil.
Rousseau considera o trabalho manual com o um dever estri­
to ao qual nenhuma pessoa pode furtar-se. “ R ico ou pobre,
diz, todo cidadão ocioso é um m alandro” .
7 — O aluno com pletará a sua educação com viagens.
Se as fizer desde tenra idade, elas lhe serão vantajosas para
aprender as línguas com a sua verdadeira pronúncia. Mais
tarde, logo que puder viajar só e sem preceptor, fará obser­
vações e reflexões que lhe servirão quando voltar para a
sua terra.

Educação rnoral -— 1 — Os pais d evem deixar aos filhos,


além da sua fortuna e da instrução, aquilo que faz o objetivo
da educação m oral: a virtude, a prudência, as boas manei­
ras. “ A instrução, diz com razão, não é senão a m enor parte
da educação” . Im porta conhecer bem a criança e fazer-lhe
contrair cedo hábitos morais. Form ar hábitos é quase tôda
a educação.
2 — Os pais d evem esta belecer a sua autoridade sem
violência mas resolutam ente. O que mais prejudica a sua
ação é a frouxidão e uma com placência pusilânime. Vencer
o mêdo, estimular a coragem , inspirar um grande horror
pela mentira, fazer guerra ao egoísm o, tal é o ideal que
devem procurar.
3 — O sentim ento áe honra c poderoso meio de educa­
ção — Os louvores, o temor, a vergonha, exercem grande in­
fluência na conduta da criança; é sensivel à estima e à desa­
provação. Mas é necessário que o preceptor e os pais tra­
balhem de acôrdo. L ocke dá pouca im portância ao papel
do sentim ento em educação; poucas crianças resistem à idéia
de contentar aos pais e mestres. O apêlo à consciência, ao
dever, à idéia de Deus e de uma sanção ainda são mais
eficazes. Infelizm ente L ocke não se eleva até aí.
4 — É preciso evitar as ^punições que humilham a crian­
ça. A hum ilhação tira todo impulso, tôda vivacidade. Os
castigos corporais não serão ministrados senão em casos de
teimosia e de insubordinação. “ O chicote é uma disciplina
servil que torna servil” Ele faz odiar o dever. Do mesmo
m odo não convém dar à criança demasiadas regras de con­
duta simultâneamente se quer que as observe.
O louvor e a recom pensa dão sempre m elhor resultado
que as punições. Um e outra serão, quanto possível, de
ordem moral. Mas não há nenhum mal em recom pensar as
crianças com coisas de que gostam; é preciso aceitá-las com o
são. Locke tem razão em proscrever as recompensas que
forem próprias-a satisfazer os apetites grosseiros e as más
inclinações.
5 — A polidez faz parte da educação m oral; deve ser
conseqüência da form ação do coração. “ Se tivestes cuidado
de encher o coração ainda tenro da criança de um senti­
m ento de veneração pelos pais e mestres, se lhe ensinastes
a amá-los e a estim á-los e a recear ofendê-los, se lhes ins-
pirastes um sentim ento de benevolência para com todos, ês-
tes sentimentos saberão por si encontrar a expressão con­
veniente” .
6 — Form ar as crianças às práticas religiosas — Para
dar um princípio à virtude, é necessário im prim ir cedo no
(rspinto da criança a idéia de Deus, e a representá-lo com o
o autor e criador de tôdas as coisas. Locke recom enda ha­
bituá-la a fazer pela manhã e à noite atos de devoção para
com. Deus, seu benfeitor e sua providência, sob a form a de
uma prece simples e curta, apropriada à sua idade e à sua
inteligência. Sente-se aqui a influência de Rabelais. Os
mestres católicos com preendem por instinto que esta religio­
sidade não é suficiente para penetrar a criança de sobrena­
tural e torná-la virtuosa.

7 — Fazer a educação da vontade — Esta faculdade se


deform a quando pais ou m estres m uito fracos cedem aos m e­
nores caprichos da criança. É, portanto, necessário distin­
guir entre as necessidades de fantasia e as necessidades reais.
Sem jam ais agir a seu respeito com m aldade ou barbaridade,
é preciso habituá-la a dom inar os apetites, a dom inar os
desejos e a suportar algumas privações. À m edida que cres­
cer, a razão falará nela e não a paixão. Tornar-se-á capaz
de se dominar. L ocke passa infelizm ente em silêncio os
m elhores meios de adquirir êsse dom ínio de si próprio.

8 — O exem plo é a m elhor das lições — “ De todos os


m eios a em pregar para instruir as crianças, para lhes form ar
os costumes, o mais simples, o mais fácil, o mais eficaz, é
colocar-lhes ante os olhos os exem plos de coisas que pre-
tendeis fazer-lhe praticar ou e v it a r ... Não há palavras,
por fortes que sejam, que lhes dêem a idéia das virtudes e
dos vícios tão bem com o o farão as ações dos outros homens
que os praticam.
Não há nada que penetre o espírito dos homens tão do­
cemente, tão profundam ente com o o exem plo” . Mas os
exem plos devem ser autênticos, convenientes, apropriados à
idade das crianças não se devendo abusar dos contos e his­
tórias horripilantes.
D e feitos e m éritos dos Pensam entos — Os principais de­
feitos já foram assinalados: L ocke não dá à religião o lugar
que deve ter na educação; seu sistema de não dar às lições
hora fixa é prejudicial á vontade da criança; enfim, dá lugar
demasiado considerável ao am or-próprio na form ação inte­
lectual e moral.
Teve o m érito de reagir contra uma instrução por demais
íormalista. Esta reação era necessária em sua época e em
seu país. Acrescentem os que não foi um utilitarista intran­
sigente; quer que os estudos desinteressados não sejam os
únicos e que os acompanhem com outras ciências mais im e­
diatamente úteis. Teve razão em fazer-se o advogado de
um ensino mais atraente, ainda que haja ultrapassado um
pouco a medida. Enfim, com preendeu que a educação moral
é a coroa da educação e até acha que sem ela não há educa­
ção. Esta última idéia bastaria para no-lo tornar simpático.

Influência de L ock e — Locke foi o inspirador de grande


núm ero de escritores pedagógicos. Rollin o reproduz a miú­
do no seu Tratado dos Estudos e recom enda aos pais fazer
conhecer o livro dos Pensam entos ao mestre encarregado da
educação dos filhos. J. J. Rousseau, ainda que afirme arro­
gantemente que escreveu pelas suas idéias próprias, inspi­
rou-se m uito freqüentem ente em L ocke e encontram -se no
Emílio páginas quase textuais dos Pensam entos. Enfim está
verificado que as obras de L ocke se tornaram o breviário
dos materialistas e dos enciclopedistas do século X V III.

B ibliografia — L o c k e , P o i s ('rs sitr 1’ cãuealion, t r a d . C O M P A Y R É


(P a r is , F o w l e r , Loclcc ( L o n d r e s , 1 8 8 0 ) . — I I . M a r i o n , Locke,
1 9 0 1 )). —
vir ct son ocuvre ( P a r i s , 1 8 7 9 ) . — P a r m e n t i e r , H istoire de Vcrhtcation
eti A n glctcrrc. — Cyelopcdia o f eãucation, a rt. L ock e. — M ciion n aire de
péãagogic, a rt. L o c k e .
Francke nasceu em Lubeck. Fêz os estudos no ginásio
de Gotha e os com pletou em diversas universidades. Foi
nom eado professor de grego e_ de línguas orientais na uni­
versidade de Halle. O cupou essa cadeira cêrca de trinta e
cinco anos. Era encarregado, ao m esm o tempo, da com uni­
dade protestante de Glaucha que edificou por sua ardente
caridade.

0 p'et'smo — Francke é considerado o chefe da escola


pietista da qual Spencer foi o fundador. O pietism o era um
m ovim ento religioso que tendia a reform ar a vida espiritual
na igreja luterana. A religião tinha-se tornado tôda inte­
lectual e nela nada se encontrava para o coração. Spencer
e Francke introduziram a piedade. “ Sem a piedade, diziam,
o saber é mais n ocivo do que útil, porque nunca se está
certo de não abusar dêle” . Queriam uma fé viva e ativa.
“ Um grão de fé, diziam ainda, vale mais do que um quintal
de conhecim entos históricos, e uma gôta de caridade máis
que um oceano de ciência” .

As fundações de Francke — Em Halle, Francke criou


tôda uma série de estabelecim entos de educação que são
conhecidos pelo nom e de fundações de F ran cke:
1 — A escola dos pobres — Inaugurou-a em 1695, não
tendo em reserva senão sete florins: “ Eis, disse, um m agní­
fico capital; com êsse dinheiro vou com eçar -uma escola para
os pobres” . A classe contou dentro gm pouco mais de ses­
senta alunos;
2 — A escola burguesa, espécie de escola prim ária su­
perior onde as famílias abastadas enviavam os filhos e pa­
gavam uma retribuição escolar;
3 — O orfanato, onde as crianças privadas dos pais
recebiam gratuitam ente a instrução e a educação;
4 — O seminário ou escola normal para os mestres. O
curso durava três anos. Os alunos-professôres se exercita­
vam no ensino nas classes elementares e se iniciavam na
adm inistração da escola. Tinham cada semana conferências
onde se discutiam as questões de disciplina e de método.
5 — O pedagogium , espécie de liceu clássico e real onde
se davam lições em relação com a profissão à qual se desti­
navam os alunos. Esta instituição serviu de m odêlo para
as escolas reais, tão espalhadas.pela .Alemanha.
-6 — Uma tipografia, uma livraria, uma biblioteca e uma
farm ácia. Nessas diferentes escolas, o program a.das classss
elementares com preendia a religião, a leitura, a escrita, a
gramática, o cálculo e os elem entos de geografia e de his­
tória.
Nas classes superiores se estudavam a geografia, a mate­
mática, a astronomia, as ciências físicas e naturais, a lógica
e a retórica; as línguas antigas eram das matérias principais;
estudavam-nas a fim de chegarem a ler a Bíblia no original.
A prosperidade das escolas de Francke foi extraordiná­
ria; à sua m orte contavam mais de dois m il alunos. O seu
devotam ento à juventude teve num erosos im itadores; um
dos discípulos, o conde de Zinzendorf, fo i o fundador dos
Irmãos M orávios.

M éritos de F ran cke — Francke fo i verdadeiram ente


grande educador. No cum e do seu sistema coloca o conhe­
cim ento v iv o de Deus e a prática do cristianismo, duas coi­
sas, diz, indispensáveis em tôdas as condições. Para êsse
fim, m ultiplica os exercícios de devoção, e a instrução não
vem senão depois da form ação religiosa.
Francke quer que as crianças sejam conservadas longe
dos prazeres corruptores e contagiosos do m undo. É preciso
obter-lhes recreações interessantes, consistindo em jogos ani­
mados, exercícios físicos, e o espetáculo das belezas da natu­
reza e da arte. Os mestres, no recreio com o na classe, são
os guias inseparáveis dos alunos. Nada negligenciarão para
tornar o estudo agradável e a virtude amável.
É sobretudo com o iniciador que Francke tem seu lugar
assinalado entre os educadores eminentes. “ M ostrou a to­
dos, diz M. K ellner, o que podia a fé e o amor. Mostrou
quanto era difícil, mas tam bém quão útil, por outro lado,
v iv er cristãm ente de preferência a fazer controvérsia, e que
Jesus Cristo deve ser o com êço, o m eio e o fim dos estudos
reais e humanitários tanto com o da escola popular” .

A s escolas reais — Sim ler foi o mais ardente propagador


das escolas reais cu jo tipo Francke tinha criado. Corres­
pondiam às nossas escolas profissionais, tendo por fim dar
conhecim entos práticos, ajuntando-lhes os exercícios do cor­
po e a ginástica. Os partidários dessas escolas tiveram sem­
pre uma tendência a lim itar a instrução àquilo que é im e­
diatamente útil e prático, e a deixar de lado tôda cultura
mais elevada, mais delicada, mais literária. P elo desenvol­
vim ento ulterior, essa teoria de educação chegou a negar o
dogm a fundam ental do cristianismo, proclam ando que o ho­
m em é bom por natureza e que sua form ação m oral consiste
em cultivar as faculdades naturalmente boas, a fim de que
revelem na realidade o que trazem virtualm ente em si.
Nas grandes cidades se estabeleceram numerosas escolas
reais. H ecker fundou, em 1747, em Berlim, uma escola para
tôdas as carreiras com erciais e técnicas. “ Havia classes para
os industriais, oè gerentes, os guarda-livros, os m in e iro s ...
Imensas coleções serviam de meios de instrução. Viam-se
aí m odelos de construção de navios, de instrumentos de la-
voura, m ercadorias, armazéns, coleções de minerais, jardins
botânicos, viveiros de plantas. A lém disso, percorriam o
país para m ostrar aos alunos os moinhos, as serrarias, as
fá b rica s. . . A coleção dos couros com os quais comerciavam
incluía mais de noventa amostras diferentes: couros de
boi, de vaca, de bezerro, de cabra, de bode, de cavalo, de
ovelha, de gamo, m arroquins” (P aroz) . Os humanistas fi­
zeram algumas concessões julgadas necessárias, mas ficaram
fiéis ao culto dos antigos.

B ibliografia — B a k n a r d , German Teachers anã Eâucat-ors. — Cyclo-


pedia o f edueation a r t . Francke. — Dictionnaire d e pédagogie, a r t . Francke,
Gymnase, Reah-clntle. — P a r o z , Ilintoire de lu pédagogie ( P o r i a , 1 8 8 3 ) .
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

O DÉCIMO OITAVO SÉCULO E A


REVOLUÇÃO

C A PÍTU LO PRIM EIRO

A PEDAGOGIA T R AD IC IO N AL E CATÓLICA

O X V IIIo século ocupa lugar im portante na história da


educação pelas idéias novas que traz e m odificações que
delas resultam para as escolas. Distingue-se facilm ente uma
dupla corrente pedagógica: a corren te tradicional e católica,
e a corren te racionalista e filosófica, cu jo in flu xo sôbre os
espíritos, com eçando por 1725, se tornou preponderante de­
pois de 1750.'
A corrente tradicional é essencialm ente prática. A o in­
vés de se deixar conduzir por idéias quim éricas, tom a por
guias a D ireção das Escolas e o Tratado dos Estudos.
Faz da religião a base da educação; não somente m an­
tém, mas desenvolve e m elhora as escolas de todos os graus.
Er.íino primário — Resulta dos num erosos estudos que
têm sido publicados sôbre o ensino nas diferentes províncias
:io X V IIIo século, que “ o m ovim ento a favor da instrução
não cessou de se acentuar e de se propagar de maneira cons­
tante e universal” . (A lla in , A Instrução primária na Fran­
ça antes da R ev o lu çã o ). Os Irmãos das Escolas Cristãs fun­
daram num erosos estabelecim entos. Em 1789, tinham, na
França, 116 casas e instruíam 30.000 meninos. A s outras es­
colas de rapazes — e existiam em tôdas as localidades im-
portantes — eram dirigidas por mestres leigos geralmente
escolhidos pelos magistrados ou notáveis da paróquia.
Os Institutos de religiosas docentes, já tão numerosos
nos séculos precedentes, aumentaram consideravelmente.
Taine calcula que a França contava, em vésperas da R evo­
lução, 37.003 religiosas, e entre estas comunidades, “ várias
centenas eram casas de educação; um núm ero m uito grande
dava gratuitam ente o ensino prim ário” . (A R evolução, I,
217).
Algum as associações de m ulheres com pletavam a obra
das religiosas: as Beatas, no Haule Loire; as M enettes, em
A uvergne.
A té se levantaram queixas contra o núm ero excessivo
de escolas. Os notáveis da Lorena e do Barrois diziam: “ se
nos queixam os de que os cam pos carecem de braços, de que
o núm ero dos artífices diminui, de que a classe dos vagabun­
dos aumenta, é que as nossas povoações e as nossas aldeias
form igam de escolas. Não há lugarejo que não tenha o seu
gram ático” . ( A l l a in , id. p. 70).
La Chalotais escrevia em 1763: “ Nunca houve tantos
estudantes. O próprio povo quer estudar; operários, artífi­
ces enviam os filhos aos colégios das pequenas cidades onde
pouco custa viver, e depois de fazerem maus estudos que
não lhes ensinaram senão a desdenhar a profissão dos pais,
atiram-se aos claustros, ao estado eclesiástico, tomam em ­
pregos na justiça” . (Ensaio de educação nacional, p. 25-26).
As escolas eram gratuitas; grande núm ero delas tinham
o nom e de escolas de caridade; outras subsistiam por m eio
de fundações. A s m unicipalidades auxiliavam -nas com sub­
sídios. Tem -se repetido demais que, até 1789, o Estado não
fazia nada pela instrução pública. O Estado, é verdade,
não se substituía à iniciativa individual; mas a vigiava, di­
rigia e regulava.
Houve igualm ente queixas contra o ensino gratuito que
'“torna o cam ponês orgulhoso, insolente, preguiçoso e de-
mandista” .
O A ntigo R egim e tinha-se preocupado com a freqüência
escolar. Duas ordenações de Luís X IV prescreviam a exata
freqüência das escolas para todos os meninos. Luís X V pu ­
blicou um edito semelhante em 1724. A s escolas elem enta­
res eram geralm ente muito freqüentadas, porque as famílias
se preocupavam com fazer instruir os filhos, com o provam
numerosos docum entos sobretudo os contratos de arrenda­
mento.
Será necessário repetir que a Igreja não cessou de tomar
vivo interêsse pelo ensino popular?
Os vigários eram obrigados a ir uma vez por semana às
escolas das suas paróquias a fim de ver “ com o os professores
ensinavam os m eninos” . Os bispos, em suas visitas pasto­
rais, mandavam apresentar-se os professores e os alunos, a
fim de julgar do estado das escolas e de se inform ar a res­
peito da execução das suas ordens. Os decretos dos concí-
Iios, os estatutos dos sínodos são m onum entos im perecíveis
do zêlo do clero pela educação dos filhos do povo.
Os mestres deviam dar garantias suficientes de capaci­
dade. Os regulam entos escolares exigiam que fôsse “ de vida
exem plar e de bons costum es” , por causa da excelência da
sua missão. Não devem tomar êsse em prêgo por avareza,
vaidade, ambição, mas por vocação divina, diz um regula­
m ento de 1732.
Sua situação financeira era, na devida proporção, diz M.
Aliam, pouco mais ou menos a dos nossos professores atuais.
O ordenado era fix o de 150 libras para os professores e de
100 libras para as professoras. Ganhavam tam bém de ser­
viços eventuais, isto é, dos serviços prestados à Igreja com o
secretários, sacristães, cantores, etc. A com unidade lhes fo r­
necia o local. Eram dispensados do serviço militar, da im-
oosição de imposto, de trabalhos gratuitos e demais im posi­
ções. Pagavam somente alguns soidos de capitação. A
Igreja defendeu ardentemente as prerrogativas dos mesmos
contra os administradores. Em 1685, a Assem bléia geral do
clero decidiu que “ os mestres-escola, revestidos de suas so-
brepelizes, seriam incensados na igreja e receberiam as hon­
ras antes dos leigos e dos próprios senhores das paróquias” .
O professor gozava de grande consideração. Era, depois do
pároco, o hom em da paróquia. A sua m orte era luto públi­
co. Seu túm ulo tinha lugar reservado no cem itério ou até
na igreja; certos registros de sepultura são elogios fúnebres
que não se podem ler sem emoção.

Ensino secundário — Os estabelecim entos de ensino se­


cundário se desenvolveram consideravelm ente no século
X V III. Eram num erosos em Paris e se fundaram até nas
pequenas cidades da província que não as têm mais há muito
tempo. Na m aioria eram dirigidos por religiosos. Os J p
suítas tinham 86, em 1762; os Oratorianos, mais de 60. Os
Beneditinos dirigiam certo núm ero dêles cuja reputação foi
européia: Sorèze, P ontlevoy, Thiron e Vendôm e. Os D ou­
trinários, os Eudistas, os Lazaristas, os Mínimos, os Carme­
litas, os Josefistas, os G enovevianos, os Cônegos regulares,
etc., dirigiam igualmente um núm ero considerável de colé­
gios.
Havia muitas pensões particulares. Em Paris, em 1787,
contavam -se mais de vinte. Tôda fam ília abastada tinha o
;;eu preceptor e professores particulares para línguas vivas,
música e esgrima. É preciso m encionar tam bém 72 escolas
especiais, profissionais, de matemática, desenho arquitetura,
hidrografia, arte militar, pontes e calçadas, minas etc.
A fundação do concurso geral pelo cônego Légendre
(1746) excitou èntre os alunos uma generosa emulação.
A instrução era dada gratuitam ente ao m aior número
dos alunos. Desde 1719 a Universidade tinha decidido que
o ensino seria gratuito em todos os seus colégios que eram
de exercício com pleto, em núm ero de dez na capital. Muitos
alunos tinham kôlsas. Em 1783, mais de 40.000 jovens eram
educados gratuitam ente nos colégios franceses. Eram pela
m aioria de internos.
As escolas secundárias de m oças existiam em número
bem grande em Paris e nas grandes cidades. M encionem os
a de l’Abbaye-aux-B ois, que continuava as tradições de Saint-
Cyr; a de Penthem ont, perto de Beauvais; as que dirig:am
em Paris e na província as religiosas de diversas ordens.
Outros estabelec:'mentos s’m ilares eram dirigidos por
pessoas do m undo, as quais se aplicavam a dar -aos alunos
a instrução e a polidez que revelam uma educação perfeita.
Os colég:os dessa época não foram , com o se afirma às
vêzes, cárceres em que os alunos ersm tratados com o escra­
vos. Procuravam tornar o ensino atraente; os interros ti­
nham saídas freqüentes. Os professores não impunham as
ruas idéias de maneira imperiosa, e nada tinham mais a
peito que o respeito pela personalidade do menino.

En£’na superior — No ensino superior foram realizados


progressos consideráveis. A universidade de Dijon, funda­
da por Luís X V , levava a v ^ t e e uma o núm ero das univer­
sidades francesas.
Algum as escolas especiais foram fundadas: a Escola
militar e o pritaneu, que era a escola preparatória da m :s-
ma; a escola do professorado (1762) que foi a origem da
escola Normal superior
O culto das letras, das ciências e das artes foi muito
espalhado na França no século X V ill. De 1715 a 1789, aca­
demias, em núm ero considerável, foram fundadas nas gran­
des cidades de província.
B ibliografia — A lla in , L ’Ins‘.mc1ion primairc cn Francc avant la
Hcvolulic-n. — D a m sea iíx , llis to lr c ãe la 'pédagogie. — D es C ille v lb ,
Jlixtoire dc i ’ / nscigncm cnt libre ( P a r i » , 1 8 0 8 ). — L e L ’Ina .
M e x k s trb i.,
iruction cn Fran cc d a t .-t -c V e dc la lié v c lu lio n ? — G u e x , Hir.lolrc dc V in s -
Iruciinn ct de 1 ’éilncalion, p a g o 2 0 4 ) . — L en otee, G ;n t dc Ia lic illc F rance
(P a ris , 1 9 1 9 ). — S ica rd . L cx cindiu clatsiqucs a vcn t la B év o lu tio n (P a ­
ris, 1S S7). — T ain e, L a líéro lu tio n , I.

C A PÍTU LO II

ESCRITORES E EDUCADORES CATÓLICOS

Cailos Rollin (1661-1741), o padre de I’Épée, Haüy, Felbiger

O Tratado dos Estudos — Pelo fim da sua vida, Rollin


publicou o Tm tado dos Kstudos. Essa obra é o estatuto p o
dagogico do século X V II e da corrente tradicional do século
X v i i i . Com preende um Discurso sôbre as vantagens da boa
educação, e oito livros tratando respetivam ente dos prim ei­
ros estudos da criança, da inteligência das línguas,, da poesia,
da retórica, da eloqüência, da história, da ínosolia, da dire­
ção das classes e dos colégios.
A obra é de uma alta inspiração moral. Para a tornar
mais útil aos jovens professores, Rollin m ultiplica os exem ­
plos; entra nas m enores particularidades e demonstra, em
tôda parte, uma experiência consum ada. Quintiliano, C íce­
ro, Sèneca, entre os antigos; Locke, entre os m odernos, são
os autores em que se inspira as mais das vêzes.

Educação física — As idéias de R ollin sôbre a educação


física pouco diferem das de M ontaigne. Não quer nada que
lisongeie a sensualidade e torne o corpo delicado. Mas é
essencialmente razoável e não cai em nenhum excesso.
Os jogos e os recreios são indispensáveis aos meninos.
Uma aplicação m uito longa e m uito seguida estraga e enfra­
quece os órgãos; o espírito se em bota e se esgota num esfôrço
m uito contínuo. “ Os m elhores divertim entos são aqueles
em que o corpo está em m ovim ento. Os m eninos ficam con­
tentes contanto que m udem muitas vêzes de lugar. Uma
bola, um volante, um pião são m uito do seu gôsto e assim
também o passeio e a corrida” . Aliás depois de um recreio,
se entregam mais alegres e de m elhor vontade ao estudo,
“ êsse curto descanso os anima com nova coragem ” .
R ecom enda velar pela alim entação das crianças. Deve
ser simples mas boa, sólida e regrada. O m eio de a dar
assim é tom ar o que há de m elhor em todo gênero: o m elhor
pão, a m elhor carne, o m elhor azeite, a m elhor manteiga,
etc.
À boa com ida é preciso acrescentar o asseio que lhe dá
m aior valor e é o seu m elhor tempêro.

Educação intelectual — No Discurso prelim inar Rollin


desenvolve as vantagens do estudo: form a o espírito, dá-lhe
mais extensão e elevação, dispõe o coração à virtude e con­
tribui para educar cristãos piedosos. Mas a instrução não
é senão um meio. É preciso procurar num autor a m orali­
dade dos pensamentos tanto com o as belezas literárias. Dês­
se m odo o ensino fornece sem cessar m eios de aperfeiçoar a
alma.
1 — Estudos da infância — R ollin se inspira em Quin-
tiliano porque pouco viveu com crianças e não se ocupou
com a educação elementar. Pergunta por qual livro é pre­
ciso com eçar a leitura e não encontra nenhum incoveniente
em em pregar um livro em latim; entretanto, para as escolas
pobres e as pessoas dos campos, um livro francês seria pre­
ferível. Servir-se-á, para se tornar o ensino agradávél, de
mapas, figuras, cartas, bolas de m arfim e caixilho tipográfico
(M étodo de leitura inventado por D u m a s - 1676-1744) e que
teve certa voga (veja-se N ovo Dicionário de pedagogia —
art. L eitu ra).
Os prim eiros estudos se farão sem nenhum constrangi­
mento e o m enino aprenderá, com o que brincando, as noções
elementares: leitura, escrita, catecism o de Fleury, algumas
fábulas de La Fontaine, um pouco de gram ática e de geogra­
fia. O m estre explicará as palavras difíceis, fará que o
m enino tom e parte nas explicações, em pregará manuais ilus­
trados com estampas. Mas é preciso ir m uito lentamente:
“ É m elhor que os alunos saibam poucas cousas contanto que
as saibam bem. Aprenderão bem depressa se aprendem
bem ” .
Para as joven s o program a com preenderá as quatro ope­
rações da aritmética, ortografia, história antiga e história da
França. Nada de latim, exceto “ para as religiosas e também
para as donzelas e viúvas cristãs” .
É severo com relação a leituras. Não admite a música
e a dança senão com precaução.
2 — A s humanidades — O program a das humanidades
com preende o latim, o grego, a história, a geografia, ciências
naturais, retórica e filosofia. O jovem com pletará a sua
educação com viagens.
R ollin liga grande im portância à lingua francesa. O
mestre consagrará cada dia tem po determ inado a êsse ensino.
Empregará os m eios seguintes: a gramática, a explicação, a
tradução e a com posição. Quanto à gram ática limitar-se-á
, às regras fáceis e de aplicação freqüente. Deu uma lista de
autores a estudar: é uma inovação. Coloca em prim eiro
lugar os livros sagrados; depois, Pelisson ( História da Aca-
I

ãem ia) , Fontenelle, Fléchier, Boileau ( Sátiras, A r +e Poética,


Tratado do S ublim e), Bossuet. Racine ( Esther e A th alie).
O m étodo de explicação que recom enda é o seguinte: leitura
de um ou dois alunos, observações gramaticais, leitura do
trecho, frase por frase, com interrogações sôbre as expres­
sões, os pensamentos, os preceitos morais. O professor com ­
pleta as respostas e dá os porm enores necessários à com ­
preensão do texto. Acrescentaríam os hoje alguns com ple­
m entos a esse m étodo, mas o f ;m que se propõe Rollin é
form ar o coração, desenvolver o gôsto. fazer apreciar Os bons
escritores. O hábito de confiar à m em ória trechos escolhi­
dos dos grandes escritores é excelente: “ Não se pode elogiar
demais êsse ex ercício” .-
A s com posições francesas serão sôbre fábulas, narrações
históricas, clar-se-ão tam bém cartas, lugares comuns, des­
crições, dissertações, discursos. O professor ensinará os alu­
nos a procurar p.s idéias, a pô-las em ordem e a exprim i-las.
A correção é m uito im portante; mas é preciso fazê-la com
sentimentos de benevolência que encorajam até os mais fra­
cos.
O Tratado dos Estudos — expõe adm iravelm ente o m é­
todo a seguir para o ensino do latim. Não se deve abusar
cios temas, mas servir-se o mais possível da explicação dos
autores. “ Os autores são com o um dicionário vivo e uma
gramática falante, onde se aprende, por própria experiência,
a fôrça e o verdadeiro uso das palavras, das frases e das
regras da sintaxe” .
R ecom enda a versão; ensina ao m esm o tem po o latim
e o francês. Nas explicações o professor dará atenção aos
pontos seguintes: sintaxe, propriedade dos têrmos, elegância
da expressão, dificuldades particulares do texto e pronúncia.
O estudo do grego deve-se reduzir à com preensão dos
autores: basta com preender e saber traduzir. R ollin não
insiste bastante sôbre a irreparável lacuna que deixa na
inteligência a ignorância da literatura grega. E a êsse res­
peito ju lga que se devem adm itir os poetas profanos numa
educação cristã mas depois de expurgadas as obras.
O livro consagrado à retórica, é excelente. Não exagera
a im portância das regras e concorda em que a m elhor for­
m ação na arte de escrever é o estudo dos grandes modelos.
No estudo da história segue a ordem que chama natural:
história antiga, historia m oderna e historia nacional. “ A
historia, diz, é uma escola de sólida glória e de verdadeira
grandeza; de verdade, razão e virtude” . R ollin declara que
é vergonhoso para todo bom francês ignorar a história da
França. Entretanto, acha que não há temuo de a aprender
na aula; não deveria figurar no program a das humanidades?
3 — A s ciências e a filosofia. R ollin concede de bom
grado um lugar às ciências naturais. O estudo das m aravi­
lhas da natureza fortifica o sentimento religioso, revelando-
nos a grandezá de Deus; aguça os sentidos e desenvolve o
espírito de observação. P or êsse m eio os alunos aprendem
com o que brincando uma m ultidão de coisas úteis e interes­
santes. Um jardim , um campo, um palácio, tudo isso é um
livro aberto para os alunos, mas é preciso que tenham apren­
dido e que os tenham acostumado a ler no m esm o” .
A filosofia apresenta-se a R ollin com o o mais im portan­
te, o mais necessário, o mais decisivo dos estudos, aquêle
“ cuja perda m enos se pode encobrir e é a mais irreparável” .
A s vantagens que obtém são m últiplas: regula os costumes,
aperfeiçoa as faculdades, dá nobreza às idéias, fo r ffic a o
sentimento religioso. Com o com plem ento, indica algumas
obras do século X V II: os Ensaios de moral de Nicole, os
Pensam entos de Pascal, a Lógica de P ort-R oyal e alguns
livros de m oral dos antigos cujas idéias são as mais apro­
xim adas das idéias cristãs.
Educação moral e religiosa — Para bem guiar a criança,
é preciso estudar o seu caráter porque a educação é sobre­
tudo a arte de m anejar os espíritos e os espíritos são diversos.
“ Há espíritos que se enfraquecem e definham se os não ins­
tigam; outros não podem sofrer ser tratados com im pério e
altivez. A uns o tem or retém e a outros abate e desanima.
De uns não se pode tirar nada senão a fôrça de trabalho e
de aplicação; outros não estudam senão por arrebatamento
e ímpeto. Querer colocá-los todos no m esm o nível e sujei­
tá-los a uma mesma regra, é querer forçar a natureza” .
É necessário distinguir a natureza dos defeitos que do­
minam os rapazes; os que são provenientes da idade, da má
educação, da ignorância, do mau exem plo, são mais fáceis
de extirpar do que os que provêem do caráter natural do
espírito e da queda original.
A ignorância da religião é fonte de males e desordens.
Daí, para todo professor cristão, o dever de instruir sòlida-
dam ente os alunos nas verdades da religião e nas práticas
da vida cristã, de lhes fazer conhecer Jesus Cristo, a sua
doutrina, a grandeza do hom em , a sua corrupção e sua im ­
potência para fazer o bem sem a graça, as grandes verdades
e os meios de salvação que Nosso Senhor nos forneceu. Deve
também incitá-los a receber freqüentem ente os sacramentos,
form á-los na devoção para com Deus, a Santíssima Virgem ,
os anjos e os santos. T odo ensino deve ser educativo, tôdas
as lições podem tornar-se lições de moral, mas de maneira
discreta. “ Os preceitos que dizem respeito aos costumes
devem ser curtos e vivos e lançados com o um dardo; é o
m eio mais seguro de os fazer entrar no espírito e de os fazer
perm anecer aí” . A leitura do Evangelho e de alguns capí­
tulos do A ntigo Testam ento fará m uito bem aos alunos.
Mas as lições e os discursos são de pouca eficácia, se não
se lhes acrescenta o bom exem plo. “É grande felicidade
para os jovens, encontrarem m estres cuja vida seja para
eles uma instrução contínua; cujas ações não desmentem
nunca os ensinam entos;.que fazem o que aconselham e evi­
tam o que censuram e que se adm iram ainda mais quando
re vêem do que quando se ouvem ” .
Enfim, o professor cristão, para desem penhar dignamen­
te a sua missão, deve trabalhar com o m aior zêlo na sua pró­
pria santificação; não esperar fruto se não trabalha em nome
de Jesus Cristo; nada esperar dos seus cuidados, da sua pru­
dência, das suas luzes, dos seus suores mas só da graça de
Deus.
Disciplina escolar — O oitavo livro do Tratado dos Es­
tados é sempre de atualidade. A disciplina é uma condição
indispensável para a educação. É a m ãe dos bons costumes,
dos bons estudos; traz a uma casa a confiança do público.
Para conservar os joven s no dever, o prfessor deve se­
gui-los com uma vigilância de todos os instantes.
A disciplina será feita de autoridade: “ Firmai prim ei­
ramente a autoridade sôbre os alunos; é m atéria da maior
im portância para todo o tem po da educação e para tôdas as
pessoas que dela são encarregadas” . Será moderada pela
doçura, que prende o m enino ao mestre: “ Com o é um prin­
cípio geral que o am or não se com pra senão com amor, a
primeira coisa em educação é que um mestre antes de tudo
e acima de tudo, tenha sentimentos de pai para com os
í lunos e que se considere com o ocupando o lugar daqueles
aue lhos confiaram ” .
Uma vigilância exata e discreta tornará extrem am ente
raro o uso dos castigos e das correções. R ollin condena o
uso da vara ou do chicote, exceto nas circunstâncias mais
graves. Para curar os espíritos é preciso usar advertências
suaves e tentar o cam inho da persuasão.
Numa escola em que se torna o trabalho agradável, em
que os professores são todos dedicados ao bem dos alunos, a
disciplina é raramente violada. Os m eninos se entregam
com ardor ao estudo, levados por uma salutar emulação,
sustentados por uma hábil distribuição de bons conselhos,
de elogios e de recompensas.
Em resumo, o Tratado de Educação encerra os preceitos
mais judiciosos sôbre a instrução e a educação da mocidade.
M erece os elogios que tem recebido. V oltaire o chamava
“ um livro que será útil para sem pre” . Villem ain dizia “ R ol-
lir} é o santo do ensino. Depois do Tratado dos Estudos não
se tem dado um passo” . Nisard acrescenta: “ O Tratado
dos Estudos é o livro único ou m elhor ainda, é o liv ro” .

Charles-Michel, padre de 1’Epèe (1712-1789). O padre de


1’Epèe é o organizador da educação dos surdos-mudos. Ou­
tros, antes dêle, haviam-se ocupado com os mesmos e, entre
outros, o beneditino espanhol P once de León (século X V I)
e Don Juan Pablo Bonet que tinham educado surdos-mudos
da alta nobreza. O padre de l’Epèe foi o prim eiro que lhes
deu um ensino coletivo. P or 1760 abriu uma escola onde
recebeu certo núm ero de joven s surdos-mudos. O público
se convenceu logo da excelência dos seus métodos. A pu­
blicação do seu livro: “ Educação dos surdos-mudos por
m eio de sinais m etódicos, fêz conhecer o seu sistema em
todos os países. Escolas- similares à de Paris abriram-se em
Riom, Toulouse, Rouen, le Mans, Angers, Chartres, Epinal,
Bordéus, Vienna dA u stria, Roma, Genebra, Groningue, Ma-
ctrid, Calsruhe, M ogúncia, Copenhague, Zurich.
O padre de l’Epèe é. portanto, um dos grandes benfeito­
res da infância. P or sua m orte a Assem bléia nacional de­
cretou que o seu nom e fôsse “ colocado entre os daqueles
cidadãos que mais m ereceram da humanidade e da pátria” .

Valer.tim Hauy (1745-1822) — H auy abrira em Paris,


uma escola de caligrafia. Em 1771 teve a idéia de se ocupar
da instrução dos cegos Ensinou-lhes a ler passando os de­
dos sôbre os caracteres em relêvo; mais tarde inventou um
processo para lhes ensinar a escrever. Os m inistros de Luís
X V I e as sociedades filantrópicas encorajaram -no e fundou-
se um hospital para 24 cegos, de que foi o diretor. Háuy
descobriu ainda a impressão em relêvo, o que lhe permitiu
colocar livros nas mãos dos cegos.
A revolução desorganizou os seus trabalhos. O Consu­
lado reuniu os joven s cegos no hospital dos Quinze-Vingts
e Hauy foi pôsto de lado.
Foi para São Petersburgo onde perm aneceu onze anos.
O seu sistema foi aperfeiçoado por Braille o qual encon­
trou um m eio mais prático de escrita para os cegos.

João Felbiger (1724-1788) — F elbiger é, uma das glórias


da pedagogia católica. Era abade de Sagan quando Frede­
rico II lhe confiou a organização das escolas da Silésia. Em
1763, publicou um regulam ento para as escolas dessa pro­
víncia e do condado de Glatz. Os êxitos que obteve levaram
Maria Teresa a confiar-lhe a direção das escolas da Áustria.
Sob a sua influência reergueram -se rapidamente. Durante
o reinado de José II, retirou-se para Presburgo ocupando-se
das escolas húngaras.
Felbiger deixou um opúsculo no qual expõe algumas
das suas idéias: “ As instituições antigas, dizia, não se ocupa­
vam senão com a mem ória. O novo m étodo procura, ao
contrário: a) fazer entrar na m em ória não somente as pa­
lavras, mas as coisas; b) exercer a inteligência e despertar
a reflexão; c) explicar a razão das coisas e fazê-la com preen­
der; d) exercitar os alunos por m eio de perguntas e respos­
tas. .. H oje esforçam -se para nada ensinar a não ser coisas
úteis e ensiná-las em vista da vida prática, de m odo a pre­
parar pessoas laboriosas, esclarecidas, m o r a is ... H oje se
procura tornar o estudo agradável aos alunos; tem-se chega­
do a instruir em pouco tem po e sem trabalho todos os alunos
da escola por m eio do ensino sim u ltâ n e o ... Tem-se tido o
cuidado de classificar, pelo m étodo dos quadros, tudo quanto
deve ser ensinado, numa ordem tão clara que os professores,
se à mesma se querem conform ar, podem ensinar à m ocida­
de, de maneira m etódica e segura, tudo quanto é necessário
que aprenda” .
F elbiger tinha o sentimento das necesidades da sua épo­
ca, e foi um dos mais ardorosos prom otores da educação
popular no século X V III.

B ibliografia — R o l l i n , T r u i t é d e s l í t u d e s , 3 vo l. ( P a r i s , 1 8 5 9 ) . —
D ictin n n a irc dc p é d a g n g i e t a r t . K o l l i n , — D a m s e a u x U h t o i r e d e l a p é d a .
fl o g i e , 4c. écl. p . 303 et 334. — I I . F f . k t é , E o l l i n , s a r i r e t se n o c u v r i x . —
P a t i n , É l o g e d e R o l l i n ( P a r i s , 1 8 4 0 ) . — J o u h d a i n , J U x t o i r e d e 1’ U n i v e r .
* ité de P a riu ( P a r is , 1862). — S a i n t e - B e t v e , C a rn e r i :» du L in u li , V I
( "P a r is , 1 8 5 2 ) . — S i c a r d , L m K t u d e s e i a s s i e i w s a v a n t l a E é v o l u t i o n ( P a -
iis , 1 8 8 7 ) . — V i l l e m a i n , T a b l c a u d e l a l i l t é e a t i i r e f r a n e a i s e a u X V I I I e .
f - i è c l e , K lc . leijon ( P a r i s , 1 8 2 8 ). — N o i t v e a i t d i e l i o n n a i r e d p éd ag n < jii t art.
S o u rd x .M u rtx ( a l i l i é ] ) k L ’è p í : e ) , a r t . A v e u g l c s ( a b l i é D e I I u y ) . — C y -
e ln p e d u i o f e a n e a t io n , art. B l i n d , E d u r . n f th e , a rt. T )e a f, D e a f - b lin d . —
D i e l io n n a i r e de p é d a g o g ie et C i/e ln p ed iu o f e d u c u t., art. P e lu ic ie r.

C A PITU LO III

PEDAGOGIA R ACIO N ALISTA E FILOSÓFICA

A Pedagogia racionalista é uma conseqüência da corren­


te pagã da Renascença. Esta corrente que foi dissimulada
ao século X V II, manifesta-se com intensidade sob a Regên­
cia, e a sua influência se torna preponderante desde a pu­
blicação da Enciclopédia. Seu ideal é transform ar a educa-
cão tradicional, tirar-lhe o seu caráter religioso, torná-la
mais realista e colocá-se sob a vigilância do Estado.

Críticas do ensino — Os escritores da seita filosófica têm


com o divisa desacreditar o ensino tradicional. Os seus te­
mas ordinários são: a insuficiência dos programas, a rotina
dos métodos, a ignorância dos professores e a sua posição
inferior. Tentam até em assenhorear-se da escola. O eco­
nomista Quesnay propõe criar escolas de novo estilo com
livros de estudos escolhidos pelos filósofos. Tendo o m inis­
tro Bertin feito cair êsse projeto, a seita se lamenta mais e
mais “ do abandono das povoações” .
Diderot escreve que “ o espírito do clero católico, que em
todos os tem pos se apoderou da instrução pública, é inteira­
mente oposto ao progresso das luzes e da razão” . Em 1786,
o duque da R oche-Foucauld-Liancourt lia na Junta de agri­
cultura uma m em ória que continha as seguintes afirmações:
“ N egligencia-se demais, na França, a instrução do povo.
Tem -se m esm o adm itido com o princípio deixá-lo ignorante” .
Palavras mentirosas e hipócritas porque, no ano seguinte,
diante da mesma sociedade M. de la R oque afirmava que
“ a instrução dada aos m eninos no interior lhes fazia aban­
donar a agricultura” . Com o verem os, os filósofos se quei­
xavam amargamente do m uito grande núm ero de escolas e
eram contrários à instrução do povo.

Descristian.ização do ensino — O intuito procurado por


Voltaire, D iderot e os amigos era substituir “ ao reino de
Deus, o reino da razão” . Os autores da Enciclopédia despre­
zam a tradição e a autoridade, negam a P rovidência com o
incom patível com a idéia do progresso, supondo o progresso
que o hom em é senhor absoluto dos seus destinos. Negam
o sobrenatural porque está em contradição com o racionalis-
m o ; porque a crença no sobrenatural abala um dos seus
princípios mais estimados: a im possibilidade do milagre.
A plicando essas idéias à educação, propuseram abolir o en­
sino religioso e substituí-lo pela m oral natural que H elve-
tius proclam ava “ a pedra-angular da educação social” .
La Chalotais escrevia no seu Ensaio: “ O bem da so­
ciedade exige m anifestam ente uma educação civil, e se não
se seculariza a nossa, viverem os eternam ente na escravidão
do pedantismo. La Chalotais (1701-1785) não m erece senão
o esquecimento. Sabe-se que o seu requisitório rancoroso
contra os Jesuítas fêz condenar estes adm iráveis educadores.
Escreveu em 1763 o seu Ensaio de Educação Nacional. Sus­
tenta que o Estado deve ter o m onopólio do ensino. Quei­
xa-se de várias coisas: que se estudam démais as hum ani­
dades, que as escolas são demasiado numerosas, que tôfla a
gente tem facilidade para se instruir. Enfim acrescenta que
os Irmãos das Escolas Cristãs fazem um grande mal ensinan­
do a ler e escrever.
Foi inim igo dos internatos e não quereria senão profes­
sores casados. O seu sistema de educação não visa a classe
burguesa porque pensa tam bém com o Voltaire: que o povo
não tem necessidade de educação.
Depois da supressão dos Jesuítas, à França faltavam pro­
fessores. La Chalotais propõe substituir, ampla e rasgada-
mente, o professor pelo livro. M. Faguet acha a id é ia .,,
original. Será necessário dizer que ela não honra a quem
a preconiza? A educação livresca não pode form ar senão
espíritos falseados e tacanhos.
Não ficaram em palavras: os program as das escolas m i­
litares decretados pelo m inistro da guerra com preendiam
lições de lógica e de m oral “ desembaraçadas das superflui-
dades m etafísicas” .
Tam bém a incredulidade dos alunos não dem orou a se
manifestar; os das classes superiores faziam questão de des­
prezar as práticas do culto” .
Desejo de um ensino mais realista — Os filósofos ju lga­
vam mui pouco prático o ensino tradicional. D iderot critica
vivam ente o program a dos colégios onde, diz, durante seis
ou sete anos se estudam sem aprender, duas línguas mortas
que não são úteis senão a um pequeno núm ero de cidadãos;
onde, sob o nom e de retórica, se ensina a arte de falar antes
da arte de p e n s a r ... onde a história natural, a química, a
astronomia e a geografia, são com pletam ente omitidas. Que­
ria ver predom inar as ciências porque “ tôda a gente tem
necessidade da m atemática e a esfera da natureza é a base
dos nossos verdadeiros conhecim entos” .
La Chalotais quer que se suba à natureza porque “ é a
m elhor das mestras” . É pre.ciso, na escola, apresentar aos
alunos “ os fatos, as observações, as experiências que são o
fundamento dos conhecim entos hum anos” .
É a união dos princípios do baconism o com os do natu­
ralismo.
A educação religiosa do aluno é cuidadosamente passada
om silêncio. É c reino da razão: nada mais de crenças, nada
mais de leis, exceto as que a razão tem decom posto, anali­
sado e perscrutado.

intervenção do Estado — A idéia mestra de La Chalo­


tais é que a instrução dos m eninos deve ser “ obra do gover­
no” . A fundação da escola m ilitar forneceu aos filósofos a
ocas’ ão de aplicar o seu plano de educacão nacional.
No preâm bulo da ata de, ereção se diz: “ Esperamos que
a utilidade dêste estabelecim ento, que parece não ter por
objeto senão uma parte da nobreza, poderá com unicar-se ao
corpo todo, e que o plano que será seguido na educação de
>00 fidalgos, servirá de m odêlo aos pais que estiverem em
. ituação de a procurar para seus filh os” .
O regulam ento do colégio de Brienne contém uma de­
claração semelhante: “ O rei quer dar aos filhos da nobreza
a mais preciosa vantagem áa educação pública, misturá-los
com os m eninos das outras classes, dobrar o seu caráter, aba­
far o orgulho, que confundem m uitò fàcilm ente com a ele­
vação” .
D uclos, em seu Ensaio sôbre os costum es (1769) faz
notar que há uma certa ferm entação universal tendendo a
íazer “ estabelecer sôbre uma base universal tôdas as insti­
tuições particulares” . Rousseau dizia: “ A educação nacio­
nal não pertence senão aos povos liv r e s ... É a educação
que deve dar às almas a form a nacional” .
Helvetius sonha uma educação pública que afaste o mais
possível os m eninos da fam ília e lhes im prim a uma direção
uniforme. Diderot deseja que o ensino seja dado unicam en­
te pelo Estado “ Só êle pode, diz, ligar os povos à patria,
inspirando as virtudes públicas e as paixões favoráveis a
sua prosperidade” .
O próprio virtuoso M alesherbes escrevia alguns anos
antes da R evolução: “ Os cidadãos pertencem ao Estado e
seus filhos pertencem por conseguinte à grande família da
qual o soberano é o pai com um ” .
Foi o protestantism o que introduziu na educação a ge­
rência do Estado. O racionalism o adotou esta idéia que se
propagou por tôda a Europa. Para chegar mais fàcilm ente
a êsse fim , a seita fêz expulsar os Jesuítas com grande pre­
juízo da educação.

Os filósofos e a instrução do povo — As lamentações dos


filósofos sôbre o mau estado de instrução estavam longe de
ser sinceras porque os seus escritos nos revelam que se quei­
xavam do mui grande núm ero de escolas e não queriam que
o povo fôsse instruído. Escutem os antes o que dizem.
“ O m esm o povo, os camponeses querem estudar, diz la
C halotais. . . Os lavradores e os operários enviam os filhos
aos colégios onde se vive com tão pouca despesa” . Falando
dos Irmãos das Escolas Cristãs, diz: “ Os Irmãos perdem
tudo em ensinar a ler e escrever a pessoas que não deveriam
caber senão m anejar o serrote e a plaina. O bem da socie­
dade ped e-q u e os conhecim entos do povo não se estendam
além das suas ocupações” . Rousseau pregava e escrevia
rambém “ que o pobre não tem necessidade de educação” e
que a do seu estado é obrigatória; “ não poderia receber
outra” .
“ Não posso deixar, exclam ava d ’A lem bert, de fazer sen­
tir os inoovenientes da instrução gratuita e estou certo de
ter ao meu lado todos os professores mais esclarecidos e os
mais célebres; se êste estabelecim ento tem feito algum bem
aos discípulos, tem feito ainda m aior mal aos p ro fe s so re s...
A educação pública não deveria ser o recurso senão dos alu­
nos cujos pais não estão infelizm ente em condições de dar
uma educação dom éstica” (Obras p óstu m a s).
Mas leva a palma o patriarca da seita. Voltaire escre­
via a La Chalotais: “ Tendes razão em proscrever o estudo
f ntre os lavradores. Eu que cultivo a terra, apresento-vos
um requerim ento para ter jornaleiros e não secretários.
M andai-m e Irmãos para guiarem os meus arados e serem
atrelados a êles” . A outros correspondentes dizia: “ Nunca
se pretendeu ilustrar os sapateiros e as criadas” . “ É conve­
niente que o povo seja guiado e não instruído; não é digno
disso” (Carta a Dam ilaville, 19 de m arço de 1766). “ Quanto
à ralé, dizia a d A lem b ert, eu não m e introm eto; sempre será
ralé. Eu cultivo o meu jardim mas sempre é preciso que
haja sapos (Carta de 4 de ju nho de 1767) “ O povo será
sempre tolo e bárbaro. São bois que precisam um aguilhão
e fen o” (Carta a Tobareau, 3 de fevereiro de 1769). Eis aí
de que maneira êsses pretensos amigos do povo entendiam
dar luz ao mesmo.
B ibliografia — B r u x e t i è r e , JTixloire d, la li H éra ture fra nçai*? cias-
s ii ju c : D ixJiu it ième si veie ( P a r i s , 1 9 1 : ! ) . — D a m s e a v x , Tlixtoire 'ir la
p é d a g o y i e . — ])f „ s O i í . l e f l s , H i s l o i r e de t 'n i x iiinemenl libre. — L.\ ( ,'iia -
L0TA1S, lixsai d'éd ile at inn natiiinnlr <1 Diclionii ai re de péilarioaie , :irt. L a
C h a i.o t a is . — lHvtU.nnnirc de pSdngoflie, a r t . Dhh-rot et Vnltaire. —
S ic a h i) L. s É t u ã c s claxmqnes avnnt la B é v o M i o n (P aris, 18.S7).

C A PÍTU LO IV

EDUCADORES E ESCRITORES

I — J. J. Rousseau (1712-1778)

Rousseau sofre influência diretam ente de L ocke e por


êle se liga a Rabelais e a M ontaigne. Êsse parentesco espi­
ritual o dispõe a edificar sôbre o naturalismo a sua doutrina
da educação.
Não insistiremos sôbre a sua vida demasiado conhecida
Digam os somente que a sua educação foi m uito má, e que
depois levou na sua m ocidade vida de aventureiro. Tôda
sua carreira é estranha: escrevente, aprendiz de gravador,
lacaio, seminarista, músico, escritor fêz uma “ amarga expe­
riência da vida” . Sob o ponto-de-vista religioso, renega al­
ternadam ente o protestantismo e o catolicism o, antes de ado­
tar o deísm o dos filósofos.
O seu orgulho o tornou arisco e desconfiado. Ofendeu
todos os seus protetores por sua suscetibilidade. Apesar das
suas relações com a sociedade polida, ficou constrangido em
suas maneiras e vulgar em seus sentimentos. Até ostentou
rusticidade. Os seus debates com os filósofos, com as auto­
ridades religiosas e civis, desenvolveram a sua misantropia
' caiu em acessos de profunda m elancolia. M orreu em casa
de M. de Girardin, em Erm enonville, torturado pela mania
da perseguição.
Rousseau tem feito m agníficos apelos à consciência e
1em falado muitas vêzes em virtude, mas o seu procedim ento
esteve longe de ser sempre conform e às suas-máximas. Não
leve estima pela criatura que chamava sua m ulher, não teve
::mor a seus filhos, não teve reconhecim entos pelos seus
benfeitores, nem respeito para consigo.
Obras pedagógicas — O Emílio, rom ance filosófico (1762).
Rousseau já escrevera um P rojeto para a Educação do Snr.
de Santa Maria um dos filhos de Bonnot de M ably, do qual
foi preceptor. “ O livro é de uma exiguidade de sentimen­
tos que cheira a libré, e de pobreza de idéias singular”
(Saint-M arc G irardin).
Temos dêle sôbre o m esm o assunto quatro cartas ao
rrríncipe de W u rtem b erg ; Três cartas ao padre M ; uma Carta
a Mme. de T.
Os títulos de Rousseau para escrever um tratado de
educação eram bem fracos: a sua educação deplorável, a
vagabundagem de sua m ocidade, o seu procedim ento fre­
qüentem ente escandaloso, um preceptorado fracassado, o
abandono dos próprios filhos, não lhe davam absolutamente
autoridade para discutir com o mestre essas matérias delica­
das. Mas, com o observava J. Lemaítre, era obrigado a isso
por suas idéias de reform ador e pela própria experiência.
“ Depois que conseguiu a glória era, aos olhos de todos os
agitados, o professor público de virtude, o reform ador da
íociedade. Ora a sociedade pode ser reform ada sobretudo
pela educação. Rousseau devia, portanto, escrever o seu
i ratado de e d u c a ç ã o ... E devia necessariamente conceber
o educação com o a arte de respeitar, no menino, a natureza;
<le o deixar desenvolver-se a vontade, contentando-se com
defendê-lo da perniciosa influência das conveniências sociais.
Era obrigado a isso pelos próprios livros.
A própria experiência lhe fornecia pouco mais ou menos
o tipo do aluno que sempre viveu um pouco à m argem da
sociedade, fora da fam ília e do colégio.
Não recebera ensino form al de ninguém, form ara-se em
passeios e lições de coisas, tinha sempre feito o que lhe agra­
dava, e havia-se tornado, êle, João-Jacques, uma maravilha
de sabedoria, de virtude e de sensibilidade. Aplicará, por­
tanto, a seu aluno, de maneira m etódica, as lições que êle
próprio recebeu do acaso. “ Ver-se-á, por assim dizer, Jean-
Jacques aos cinqüenta anos, preceptor de Jean-Jacques aos
dez, aos quinze, aos vinte anos; será tudo muito bonito e tudo
dará fruto; e Jean-Jacques terá o infinito prazer de estar
ali presente em cena, e em tôdas as idades, e sem jamais
sair de si” . (J. L e m a i t r e , J. J. R o u s s e a u , p. 216).

O Emílio — O Emílio apareceu em 1762 Rousseau anun­


ciava-o nestes têrmos: “ Resta-me publicar uma espécie de
tratado de educação cheio das minhas fantasias acostuma­
das” . E noutro lugar: “ Trata-se dum novo sistema de edu­
cação cu jo plano ofereço ao exam e de todos os sábios e não
de um m étodo para os pais e mães, em que nunca pensei” .

A obra se divide em cinco livros:


L ivro I. O prim eiro livro trata dos dois prim eiros anos
da criança. Com eça por esta afirm ação: “ Tudo é bom
quando sai das mãos do autor das coisas” . É negar o pecado
original e as suas funestas conseqüências. Rousseau acres­
centou: “ Tudo degenera nas mãos do hom em ” . Nova fal­
sidade; se todos os homens são bons, com o pode a sociedade
ser m á? Se é má, é preciso reconhecer que cada indivíduo
traz em si o germ e do mal.
Rousseau isola a criança para a proteger contra tudo que
a rodeia, até contra os pais. Mas por uma contradição que
^he é fam iliar, confessa que, durante os seus anos de infân­
cia, não viu senão o bem a seu redor, o que não o impediu
de manifestar, desde então, disposições com pletam ente de­
pravadas.
Êste prim eiro livro contém tam bém vistas gerais sôbre
a educação: cuidados físicos, higiene, dever do pai e da mãe,
considerações sôbre os gritos, os gestos e 0 chôro da criança,
sobre a necessidade de lhe dar boa pronúncia e idéias acer-
íadas. Rousseau insiste particularm ente na inportância do
oapel das mães.
O pai é o mestre natural do filho. Se não puder encar-
regâr-se da sua educação, procurará um mestre que será um
prodígio. Em tcdo caso, Emílio não conhecerá “ êsses ridi-
culos estabelecim entos que se chamam colégios” .
L ivro II. Dos dois aos doze anos, Rmílio trabalha so­
bretudo no desenvolvim ento do seu ser físico. Precisa de jo ­
gos bem escolhidos, muita liberdade, o sentimento da depen­
dência das coisas. Esta educação se faz sobretudo no cam po
pela ginástica, natação e cultura dos sentidos.
Não lhe darão lições formais. Instruir-se-á pela obser­
vação da»natureza e lições de coisas. Não terá livros, e se
evitará sobretudo fazer-lhe aprender as fábulas de La Fon-
taine. É brincando que adquirirá os seus prim eiros conhe­
cimentos: leitura, escrita, história, geografia e línguas. O
preceptor, sem o dar a perceber, preparará o m eio no qual
Emílio deve achar um ensino, uma lição moral.
A em ulução será cuidadosam ente banida: “ Jamais com ­
paração com os outros m eninos; nada de rivais, nada de
concorrentes, nem sequer em corridas” . Nenhum educador
sério será da opinião de Rousseau. Mas o autor do Emílio
é coerente consigo: quer uma educação solitária. Empregar
a emulação, seria destruir-lhe o sistema.
Um dos erros monstruosos de Rousseau é não falar ao
aluno nem de Deus nem da alma; ocupa-se sobretudo da
vida vegetativa. Com o se fôsse possível separar na educa­
ção o que é indisselüvelm ente unido em tôda a vida hum a­
na: o desenvolvim ento corporal, o desenvolvim ento do cora­
ção e do espírito e a elevação m oral e religiosa!
Tem razão em insistir na educação dos sentidos: “As
primeiras faculdades que se form am em nós, diz, são os
sentidos. São, portanto, os prim eiros que seria preciso culti­
var, são aquêles que mais se n e g lig e n cia m ... Exercitar os
sentidos, é aprender, por assim dizer, a sentir porque não
sabemos nem tocar, nem ver, nem ouvir senão com o apren­
dem os” .
Que será Em ílio aos doze anos? M. Paroz responde:
“ Um rapagão forte e robusto, ainda que um tanto rústico” .
M. Com payré form a um juízo severa: “ A os doze anos, Emí­
lio não tem senão sentidos. Saberá correr, saltar, apreciar
as distâncias, mas não estará de nenhum m odo preparado a
tornar-se um jovem e stu d io s o ... Não tendo adquirido em
seus prim eiros anos o hábito de pensar, será, receio eu, in­
capaz, de o form ar mais t a r d e ... Rousseau se apresenta
com o apóstolo da natureza e suprime, na educação, as in­
fluências naturais, a fam ília e a vida social. Com receio de
contrariar a natureza, não a auxilia; com receio de a defor­
mar, esquece de form á-la. Em ílio até ignora que os homens
e x is te m ... Com m aioria de razão não conhecerá a Deus
cuja revelação é relegada para m uito mais tarde” . (H istó­
ria critica, II, p 58-61).
L ivro III. De doze a quinze anos Em ílio estudará.
Trata-se atualmente de saber “ não o que é, mas o que é
ú til” . A curiosidade será o único m otivo e o único guia.
O talento do preceptor estará em conservá-la desperta sem
cessar.
Em ílio deverá, quanto possível, descobrir a verdade por
si mesmo. A idéia em si não é má; mas é com preensível
que um aluno do gôsto de Em ílio se dê êsse trabalho? Rous­
seau acrescenta que seu aluno “ será ensinado o m enos pos­
sível” . Sem dúvida não é preciso que o professor faça tudo;
mas há assuntos em que o seu concurso é essencial e indis­
pensável. O sistema de Rousseau também mira a supressão
ãe qualquer manual. “ Odeio os livros, diz; só ensinam a
falar do que não se sabe” . É preciso substituí-los pelas
coisas. “ As coisas! as coisas! Nunca repetirei bastante
que damos im portância demais às palavras. Com a nossa
educação tagarela não fazem os senão tagarelas” . O ensino
não deve ser puramente livresco; mas é im possível dispen­
sar os livros. Não se devem fazer aprender simplesmente
palavras mas a m em ória do m enino tem um grande papel
na sua instrução.
Entretanto. Em ílio será autorizado a ler Robinson Cru-
soé. Com preendem por quê: Robinson, é a história do ho­
m em segundo a natureza.
Qual será o program a de instrução? Rousseau coloca
em prim eiro plano as ciências físicas, em particular astrono­
mia. Esta ciência é útil, no sentido positivo da palavra?
P ode elevar a alma, mas a quem ? pois que o aluno ainda
não conhece Deus.
Em ílio estudará a geografia, mas praticamente, pelas
viagens. Para que mapas, globos, esferas? Com ecem por
m ostrar-lhe o próprio objeto! Confessemos que êste m étodo
é irrealizável e que Rousseau é um utopista.
Nada de gramática: É m uito artificial. Nada de his­
tória, também. Para que aquêle, que se subtraiu à corrup­
ção dos homens, estudaria as suas ações? A os dezoito anos
Em ílio poderá ler Plutarco; antes desta idade, a história
poderia falsear o seu juízo. Mas o preceptor não está ali
para retificá-lo?
Aos quinze anos, Em ílio conhecerá pouca coisa; ingora-
rá a história, a literatura, as línguas; ignorará seus deveres
e seus destinos. Em com pensação, saberá um ofício, o de
marceneiro. M ostrará com isso que se eleva acima dos pre­
conceitos vulgares, porque o trabalho é um dever estrito ao
qual ninguém se pode subtrair, e se achará ao abrigo da
necessidade se chegar a perder a fortuna.

L ivro IV. Dos quinze aos vinte anos, Em ílio se tornará


um ser amoroso e sensível. “ Temos, diz Rosseau, form ado
o seu corpo, os seus sentidos, o seu entendim ento: falta fo r­
m ar-lhe o coração” . Eis, portanto, um jovem que, até esta
idade, se julga não ter amado a ninguém ! É natural? O
despertar da sensibilidade não se produz senão nessa época?
“ A qui com eça a verdadeira educação” , exclam a Rousseau.
Rousseau se engana: a verdadeira educação com eça desde
os prim eiros anos; ocupa-se ao m esm o tem po do corpo, da
inteligência, do coração e da alma. A gir de outro m odo é
com prom eter tudo.
Durante êste período, Em ílio recebe do preceptor noções
sôbre as relações que devem unir os diversos mem bros da
sociedade. Com preenderá estas noções, êle que foi criado
no egoísm o mais com pleto? Dão-lhe as idéias de bem, de
mal, de bondade, de justiça e de patriotismo. Não falta se­
não fazer-lhe conhecer Deus. Um bom sacerdote, “ um v i­
gário saboiano” conduz o m oço para o cam po e, em presença
do espetáculo grandioso da natureza, expõe-lhe a doutrina
do deísmo. Se Em ílio desejar uma religião mais positiva,
será muito livre em escolher. Rousseau com pleta a educa­
ção do seu aluno fazendo-o estudar Plutarco e os discursos
de Demóstenes e de Cícero. Já é um pouco tarde. Enfim
chegou o m om ento para Em ílio de freqüentar a sociedade a
fim de aí encontrar a com panheira que a P rovidência lhe
reservou.
\

L ivro V. A última parte do rom ance é consagrada à


educação dé Sofia, destinada a ser a espôsa de Emílio. Será
criada pela família, e a sua instrução será das mais sumá­
rias. “ Uma m ulher instruída, diz Rousseau, é o flagelo do
marido, dos filhos, da família, e dos dom ésticos” . Todos os
estudos serão baseados na utilidade: as ciências abstratas
não lhe convêm ; as ciências físicas, não lhe serviriam de
nada. A prenderá sobretudo costura, música e dança: en­
tenderá de cozinha e de copa. A freqüentação da boa so­
ciedade com pletará a sua educação. “ O mundo, diz Rous­
seau, é o livro das m ulheres” .
Sofia deve ser virtuosa: será “ meiga, dócil e faceira” .
É bem pouco, e a faceirice está longe de ser uma virtude.
Terá a religião da mãe; receberá cedo as primeiras lições,,
“ porque se fôsse necessário esperar que as mulheres estejaih
em condições de discutir m etodicam ente essas questões pro­
fundas, se correria o risco de nunca se lhes falar nas mes­
mas” . P or que não agir assim com Em ílio?
C onform e Rousseau, os dogmas pouco importam, e é
m uito indiferente que Deus seja conhecido e glorificado.
Mas considera indispensáveis à felicidade da sociedade hu­
mana o conhecim ento e a observância dos deveres que Deus
nos im põe relativam ente ao próxim o e a nós mesmos.
Erros, inverossimilhanças e quimeras do Emílio — A o lado
de idéias excelentes, o Emílio form iga em erros e inverossi­
milhanças. Assinalem os os mais consideráveis:
1 — A educação segundo a natureza. Rousseau toma
esta idéia de M ontaigne. Este pede, com efeito, que o aluno
se form e espontâneamente e por si, que se instrua com o que
brincando, sem gramática, sem regras e sem varas. A cres­
centa até que o estudo enerva e efemina. Rousseau leva
as coisas ao extrem o. Depois de ter desenvolvido essa idéia,
em seu discurso sôbre o progresso das ciências e das artes,
inscreveu-a no frontispício do seu livro: “ Em ílio é um filho
da natureza, criado segundo as regras da natureza, para a
satisfação das exigências da natureza” .
O menino, por êste princípio, deve, pois, seguir sem
constrangim ento os seus instintos naturais, porque “ tudo é
bom ao sair das mãos de Deus e tudo degenera nas mãos
do hom em ” . Logo os mesm os pais só seriam funestos à
criança. P or estas idéias, Rousseau é inim igo da família, e
sustenta que o m enino deve perm anecer o menos possível
sob a tutela dos pais: “ A mais antiga de tôdas as socieda­
des é a família, diz, e ainda os m eninos não perm anecem
ligados ao pai senão enquanto têm necessidade dêles para
conservar a vida. Assim que esta necessidade cessa, o laço
natural se dissolve. Os meninos, isentos da obediência que
devem ao pai; o pai, isento dos cuidados que devia aos filhos,
reentram igualm ente na independência” . (Contrato social,
livro I, cap. I I ) . Assim nada liga os filhos ao pai a não ser
o interêsse pelo crescim ento animal. Tais princípios são o
avêsso da Bíblia, da consciência, dos fatos universais.
Durante a sua educação, o m enino viverá em contato
com a natureza: animais, plantas, cenas e paisagens. Ha­
verá coisa mais antinatural que subtraí-lo á tradição, isolá-
lo, e torná-lo selvagem e ignorante? Nestas condições, o
m estre não é mais, na expressão de Faguet, do que um
“ guarda de fronteiras” , um “ chefe de cordão sanitário” , cuja
função será proteger o m enino contra a instrução, contra a
sociedade e até contra a sua famíliá.
Tem -se julgado severamente a educação segundo a na­
tureza. “ Êste sofisma, diz M. Gréard, não está somente ins­
crito no frontispício do livro; é a alma dêle, e é o que faz
com que, separado do corpo das reflexões e das máximas
que lhe dão um interêsse tão poderoso, o plano de Rousseau
não seja mais que uma perigosa ilusão” .
2 — A educação negativa. “ Chamo educação positiva,
diz Rousseau, aquela que vem a form ar o espírito antes da
idade e dar ao m enino o conhecim ento dos deveres do h o­
mem. Chamo educação negativa aquela que tende a prote­
ger os órgãos, instrumentos dos nossos conhecimentos, antes
de nos dar èsses conhecim entos, e que prepara a razão pela
exercício dos sentidos” . Noutro lugar diz: “ Nunca direi
demais que a boa educação deve ser negativa” .
Os educadores de P ort-R oyal afirm am que o m enino é
mau e que é preciso torná-lo bom. Rousseau afirma que é
bom e que se trata de o conservar bom. A educação po­
sitiva se engana, conform e êle, querendo form ar prem atura­
m ente o espírito do m enino e im por-lhe deveres que convêm
ao hom em feito.
A educação negativa consiste, portanto, “ em deixar o
m enino desenvolver-se por si inteiram ente só. O professor
não é senão uma testemunha e um observador. Não é o
hom em que ensina. O m enino se desenvolve; êle o vigia e
responde sim plesm ente às suas curiosidades. D eixa-o ten­
tar, apalpar, procurar, achar porque a educação é a apren­
dizagem das fôrças do espírito, e de nenhum m odo um fardo
que se deve lançar sôbre um. espírito evidentem ente muito
fraco para o suportar” ( F a g u e t , D écim o oitavo século, pág.
350).
A s conseqüências de tal educação são numerosas. Do
ponto-de-vista físico é pôr em prática a doutrina de Locke.
Do ponto-de-vista intelectual, é a privação de instrução até
aos doze anos. D o ponto-de-vista m oral é a teoria das pu­
nições naturais, a disciplina das conseqüências: o m enino
sofre os resultados de seus atos, e ninguém intervém para o
proteger. Do ponto-de-vista religioso, é a privação de tôda
form ação à vida sobrenatural.
Rousseau é conseqüente com o seu sistema: o filho da
natureza tem necessidade de saber algo de Deus? P or que
aborrecê-lo com tal doutrina? Deus escapa aos nossos sen-
f idos. A religião natural é, portanto, segundo Rousseau,
perfeitam ente suficiente.
3 — O caráter do aluno. Em ílio não corresponde a ne­
nhuma realidade. Nasceu num clim a tem perado; é vigoroso
e são; é rico, é nobre, a fim de ser uma vítim a “ arrancada
a êste precon ceito” ; pode considerar-se órfão visto que o pai
e a mãe cederam os seus direitos ao preceptor. É preciso
que habite no campo, porque o autor do Contrato social não
gosta das cidades: “ Os homens, diz, não são feitos para se­
rem amontoados em form igu eiros. . . As cidades são as vo-
ragens da espécie hum ana” . Em ílio deve viver no isolam en­
to: “ Para educar bem um menino, diz ainda Rousseau, seria
preciso com eçar por reform ar a sociedade” . Como isso não
é possível, é m elhor criá-lo fora dessa sociedade perversa.
Em ílio será, pois, criado só, sem livros, sem aulas, sem co­
legas, “ É uma espécie de Robinson Crusoé da educação que
se deve form ar fora das condições habituais e achar de novo,
ou antes, inventar por si mesmo, tudo o que tem produzido
a tradição dos séculos acumulados: as ciências, a moral, a
educação” . (Dicionário da pedagogia, art. R ou ssea u ).
4 — O papel do preceptor. O preceptor não tem venci­
mentos. É um amigo da fam ília que, por gôsto, se encarre­
ga da educação do menino. Qual será o seu papel? Será
em grande parte negativo: deixar a natureza agir sôbre o
cduno e protegê-lo contra as influências funestas. Seu papel
torna-se positivo quando o m enino poderia ferir-se ou quan­
do se tratar de o colocar engenhosam ente em circunstâncias
tais que a necessidade o force a se instruir ou a corrigir
certos defeitos. Mas tôdas estas cenas preparadas são ver­
dadeiram ente m uito infantis e ridículas. As fraudes não
valem nada em educação; é m elhor corrigir o m enino direta­
mente. “ Quantos artifícios, Senhor, onde bastava um so-
p ap o!” diz J. Lemaitre.
De ordinário, o preceptor deixa Em ílio agir a seu modo.
Nem línguas, nem geografia, nem história, nem livros, nem
leituras. Mas, sem o parecer, deve ser sempre o professor.
“ Não há submissão tão perfeita com o a que conserva a apa­
rência da liberdade, diz Rousseau; cativa-se assim a própria
v o n ta d e ... Não está em vosso poder m ovê-lo com o vos
apraz? Seus trabalhos, seus jogos, seus prazeres, seus so­
frim entos, não está tudo em vossas mãos sem que o saiba?
Sem dúvida não deve fazer senão o que quer; mas não deve
querer senão o que quereis que faça; não deve dar um passo
que não o tenhais previsto; não deve abrir a bôca sem que
saibais e que vai dizer” . Pobre Em ílio! com o zom bam dêle!
5 — A teoria dos castigos naturais. Rousseau não quer
castigos para o seu aluno; são as conseqüências das suas fal­
tas que o devem punir. “ Se Em ílio cair, diz, se fizer um
“ galo” na cabeça, se deitar sangue pelo nariz, se cortar os
dedos, ao invés de correr para êle com ar alarmado, ficarei
sossegado, ao menos por pouco tem po” . Acrescenta: “ Con­
servai o m enino na só dependência das coisas, seguireis as­
sim a ordem da natureza no progresso da sua e d u ca çã o ...
Nunca se deve infligir aos m eninos o castigo com o castigo,
mas êste deve chegar com o uma conseqüência da sua má
ação. Assim não declam areis contra a mentira; não os pu-
nireis por ter m entido, mas fareis com que todos os maus
efeitos da m entira se ajuntem sôbre a sua cabeça quando
eles m entirem ” .
O princípio dos castigos naturais era conhecido muito
antes de Rousseau; mas êste, querendo aplicá-lo a tôdas as
faltas do aluno, ultrapassa os limites. Há muitas circuns­
tâncias em que as conseqüências' não estão em relação com
a falta e se fazem sentir demasiado tarde. Este sistema
acabaria por deform ar a consciência, porque o m enino to­
maria o hábito de julgar a gravidade dos seus erros pelas
conseqüências. O bservem os também que as faltas mais gra­
ves não têm sempre conseqüências diretas e podem até não
ter conseqüências naturais. Se as conseqüências não se fazem
sentir senão longos anos depois, o m enino terá o direito de
incrim inar os pais ou os mestres que não intervieram para
o corrigir quando jovem .

6 — Os períodos de educação. Rousseau divide a edu­


cação em quatro períodos: educação física, educação dos
sentidos, educação intelectual e educação moral. É dizer
que o m enino é, a princípio, sensitivo; depois, intelectual, e,
enfim, moral. Êstes períodos tão delim itados não correspon­
dem à realidade; falta-lhes proporção: dez anos são consa­
grados à educação dos sentidos, cinco à do espírito e sete à
do caráter. Rousseau teve a idéia da educação progressiva,
mas aplicou-a mal. “ Não há no hom em três sêres distintos:
um ser sensível, um ser inteligente e um ser moral, que se
possam evocar um após outro; não há de um lado um corpo;
do outro, uma alma. Se se distingue a educação física da
educação intelectual e esta da educação moral, é por neces­
sidade de m étodo; mas não se conclui que não tenham ne­
nhuma ligação entre si. A o contrário, elas se supõem m u­
tuamente; qualquer delas não pode estar sem as duas ou­
tras; se se dividem as questões para m elhor as estudar su­
cessivamente, não se divide a pessoa humana que é una e
fica una apesar da variedade das suas faculdades e dos seus
a t o s ... Tom ai o ato mais simples da vida do m enino: o
seu corpo, o seu espírito, seu coração, seu caráter, estão nêle
interessados mais ou menos diretamente, mas ao mesmo tem ­
p o” . ( R o u s s e l o t , A educação das m ulheres na França, cap.
II, pg. 408).

7 — O caráter rom anesco do Emílio. O princípio de


certo núm ero de erros de Rousseau vem do caráter rom a­
nesco do seu livro. O Emílio não é uma obra séria, e o
próprio autor, não o tom ava a sério. Escrevia a um abade:
“ Se é verdade que tendes adotado o plano que procurei tra­
çar no Emílio, admiro a vossa c o r a g e m .. E a um pai de
lam ília que lhe dizia: “ Estais vendo, senhor, um hom em
que educou o filho segundo os princípios que teve a felici­
dade de haurir em vosso Emílio. — Tanto pior, senhor, res­
pondeu Rousseau, tanto pior para vós e para vosso filh o” .
O Emílio está repleto de quimeras e de sofismas. “ Para
nos reconduzir à natureza, diz Brunetière, sai da realidade” .
Rousseau afirm a com intrepidez o que era preciso dem ons­
trar. Uma dialética subtil está espalhada por tôda a parte.
“ Ora as questões são escamoteadas, ora os problem as são
desnaturados e o paradoxo se une estranhamente ao lugar-
com um ” .
O Emílio é ainda viciado por num erosos erros de m eta­
física e de psicologia. Os deveres que prega carecem de
sanção. Sua m oral é sem fundam ento sólido, e não fica ao
educador outro recurso senão a fôrça para assegurar a exe­
cução do bem. Dando-se ares de não estar aí senão para
assistir ao aluno, o preceptor é singularmente autoritário, e
tôda sua arte está em obrigar o aluno a fazer o que diz.
No quinto livro, torna-se despótico e im pudente. A o mesmo
tem po que exalta a liberdade, Rousseau a limita ou a su­
prime.
D A le m b e rt tinha justam ente criticado o caráter rom a­
nesco dessa obra. “ O m aior mal, diz, é que tanto espírito,
tantas luzes, tanta vida e calor, sejam despendidos quase
inutilmente, para considerar o hom em em estados de abstra­
ção, em estados m etafísicos, em que não se achou, nem
jam ais se achará; e não o hom em tal qual existe na socie­
dade” : (Obras póstum as: Juízo sôbre o E m ílio ).
Em nossos dias se tem com parado o Emílio “ a êsses apa­
relhos feitos para ser adm irados numa exposição, mas que
não podem ser de nenhum uso, e devem ser substituídos na-
prática por instrumentos de aparência modesta, porém mais
apropriados à finalidade. . . Rousseau é grande gênio a que
falta o discernimento. Nêle a verdade e o êrro são, por
assim dizer, entretecidos; os pensamentos acertados e pro­
fundos estão misturados com os mais estranhos paradoxos.
Para o ler com fruto, é preciso uma razão já formada, bas­
tante esclarecida e firm e para poder desenredar os sofismas
e resistir aos atrativos duma lógica subtil, eloqüente e apai­
xonada” . (P. G o y , N ovo Dicionário de pedagogia, art. N ecker
de S au ssu re).
M éritos do Emílio — Entre os m éritos do Emílio, assi­
nalemos a importância que dá ao estudo do menino. “ Não
se conhece o menino, diz Rousseau. Com as falsas idéias
que dêle temos, quanto mais nos adiantamos, mais nos ex ­
traviam os. . . Começai, portanto por m elhor estudar vossos
alunos porque, seguramente, não os conheceis” .
Tam bém é preciso elogiá-lo por insistir sôbre a necessi­
dade da educação física e do cuidado pela saúde. Deparam-
se igualmente, em Em ílio, belas páginas sôbre os cuidados
que a mãe deve dar à criança, sôbre a educação dos senti­
dos, o ensino da história, da geografia e das ciências físicas.
Enfim, encerra conselhos sensatos sôbre a educação dos
meninos.
Brunetière afirma que Emílio é um livro notável:
1.") Pela exaltação do sentim ento m oral; a afirmação
dos deveres para com nós mesmos, da nossa consciência, da
nossa liberdade; é a consciência que revela o hom em ; é a
voz da sua alma;

2.") P elo espiritualism o generoso do vigário saboiano.


Rousseau com bate os filósofos e os com pleta. Eleva-se a
Deus peol instinto, coração e sentimento;
3,°) P elo otim ism o, pela idéia da possibilidade do pro­
gresso moral e do poder da educação. “ Emílio não é somen­
te instruído, esclarecido, aperfeiçoado; é educado, tornado
m oral e religiosam ente melhor. Não adquire somente uma
superioridade física, material, intelectual: Há uma idéia
m oral na sua educação” . (Hristória da literatura francesa
clássica, XVI I I século, p. 511).
Influência eT,o Emílio — A aparição do Emílio fêz grande
ruído; as suas idéias anti-religiosas e anti-sociais fizeram -no
condenar pelo A rcebispo de Paris. A Sorbonne, censurando
a obra, assim caracterizava o autor: “ Quereria ser D ióge-
nes se Diógenes não tivesse existido; filósofo cínico entre os
cristãos, seria filósofo cristão entre os cínicos; legislador da
sociedade e seu destruidor, panegirista perpétuo da honesti­
dade, e mestre eloqüente da libertinagem com o nenhum
outro” .
Críticas severas mas justas foram feitas a êsse livro: o
cardeal Gerdil e o padre Blanchard lhe assinalaram os erros
e os sofismas. Por outro lado. Mme. Epinay, Mme. de Saus­
sure, Mme. de Stael, adotaram dêle algumas idcias, e a in­
fluência do Emílio se nota em seus escritos. Bernardin .de
Saint-Pierre, no seu projeto das Escolas da pátria, se mos­
tra discípulo entusiasta de Rousseau; o que explica por que,
nesse trabalho, as quimeras, as utopias, as ingenuidades,
abundam ao lado de idéias sãs e graciosas.
A influência do Emílio foi sobretudo saliente nos espí­
ritos, que haviam renunciado a todo cristianismo positivo.
Êsses espíritos, m uito num erosos na Alemanha, receberam
o livro com uma adm iração sem limites. Kant, Goethe,
Schiller, Jacobi, Lessing, apreciaram muito os princípios de
educação que lhes apresentava Rousseau; Basedow, Pesta-
lozzi, Froebel, tentaram, com êxito diverso, pô-los em prá­
tica.
H oje reconhecem de boa mente que a m aior parte das
idéias sãs do Emílio eram conhecidas e postas em prática
desde m uito tempo, e o que contém de pior vem quase tudo
de Rousseau. E são as utopias e as idéias falsas que se con­
servaram melhor. “ Ficou entre outras, diz J. Lemaitre, esta
tolice, o respeito à liberdade do menino, o tem or de atentar
contra a sua consciência, — e por que não se acrescenta
ainda: nenhum ensino m oral — até que êle próprio seja
capaz de escolher a sua religião ou de se abster de tôda
escolha? O que hoje se chama neutralidade, e que é, de
fato, a falta de religião na escola, está, sim, em germe no
Emílio” e está certam ente contido no sistema de educação
de Rousseau. (J. J. R o u s s e a u , 33.j ed., p. 243).
B ib lio g r a fia — R o u s s e a it , L ’fim ilc. — B e a u o o in , La vic et lex ofit-
v re» ãe J . J . R ovsxea u (P a r is , 1 8 9 1 ). — TIr u n e t i kue , T listoire de la litté -
raturc franeai.se cla ssiq u c: <li.r-hvitiènie s iè e l e ; K lnd s critiques, T, IV . —
O o m p a y r é , Tlistoire critique âes âoetrincs péâaqoqiiiu rs, vol. I I ; .1. J.
R ou sseau ct 1’ cducation âe la naturi (poli. les Cerands É duea t urs. — F a-
OliET, L e D ix-hititièm e s iè e l e ; Rousstau. pcnseitr (P ., 1 9 1 2 ). — O. Cír é a r d ,
L ’É ducation âes fe m m e s par les fe m m e s . — Tnsp. T )’A ca d . líotiorairc,
L ’ É m ilej livro I I , in tn l. pt notes. - - <\iielopedia <>]' ediliiilinu, art. R ousseau.
- - J. L e m a it r e , ,T. J . R ousseau. — Q u i c k , R ducational R e fo r n u r s . — T a i-
xe , L ’ A n c im R éi/im i : L a R évolution (P a r is 1 8 8 2 ).

II — Basedow (1723-1790) e os filantropinos

Basedow, nascido em Ham burgo, fêz os estudos em sua


cidade natal e a sua teologia em Leipzig. Sendo professor,
em pregou um m étodo novo para o estudo das línguas. Abriu,
em 1771, em Dessau, um seminário para os professores e um
colégio para meninos. Esta instituição tom ou o nom e de
p hilantropinum.
D eixou algumas obras pedagógicas: O Livro E lem en­
tar, baseado.nas teorias de Bacon; O L ivro dos M étodos. Este
manual é, conform e Lange, o mais perfeito dos escritos pe­
dagógicos de Basedow — Está cheio de sugestões notáveis.
Faz pensar e causou importantes reform as na educação. É
ama enciclopédia dos conhecim entos indispensáveis à educa­
ção dos meninos, dos pais e dos professores.
A escola de Dessau — Basedow é dos mais notáveis re­
presentantes do naturalismo na educação. Apoderou-se dos
princípios de Rousseau, m odificou-os e experim entou aplicá-
los à escola de Dessau que havia aberto, graças ao apoio de
Goethe e de alguns príncipes da Alemanha. Suas idéias
realistas agradavam aos m ações e aos judeus.
Em 1776, publicou, sôbre esta escola, uma relação ma­
ravilhosa, no fim da qual convidava os hom ens com petentes
de todos os países a virem ao exam e público fixado para 13
de Maio. O exam e satisfez e os donativos afluíram. Kant
recom endou os m étodos de Basedow ; Oberlin vendeu os
brincos de sua m ulher para enviar a sua oferenda.
Entretanto, esta voga não durou; a escola foi fechada em
1793. P or que esta decadência súbita? Tem -se dito que
Basedow, caprichoso, visionário, desconfiado, falto de espí­
rito de conexão, não era próprio para a direção de tal esta­
belecim ento. Demais, criara-se m uitos inimigos, condenan­
do todos quantos não aceitavam as suas idéias.
P or fim perdera a autoridade m oral por causa dos cos­
tumes grosseiros e dos hábitos de em briaguez. Algum as
outras razões do fracasso estão no seu sistema de educação
do qual vam os dar rápida análise.
Educação física — Os filantropinos rejeitam a disciplina
muito severa de sua época e dão mais tem po ao jôg o e aos
trabalhos manuais. Introduzem a ginástica no seu progra­
ma. Deixam o m enino viver ao ar livre o mais possível e
em tôda liberdade. Querem que as lições sejam curtas e
entremeadas de exercícios físicos e de música.
Educação intelectual — O programa de estudos é de e x ­
tensão despropositada abrangendo todos os conhecim entos
humanos; línguas (latim, francês e alem ão), ciências físicas
e naturais, matématica,' artes gráficás, história, com ércio, etc.
Não é exigir demasiado dos m eninos? Por outro lado, pro­
cura-se tornar o ensino interessante sobretudo pelo em prêgo
da intuição. Basedow olvida infelizm ente certos m otivos
poderosos, entre outros o sentimento do dever de que o m e­
nino tem necessidade para fazer calar suas fantasias e as
repugnâncias.
Os jilantropinos são utilitaristas: é o princípio que os
guia na escolha das matérias de ensino. Tratam de maneira
m uito desdenhosa as literaturas antigas: o hom em cosm opo­
lita, o cidadão do m undo que querem form ar, deve ser liber­
tado do aborrecim ento dos Gregos e dos Romanos.
Educação moral e religiosa — O m enino cresce com tôdas
as inclinações naturais: querer corrigi-lo seria ir contra as
idéias de Rousseau. Ensinar-lhe-ão somente a m oderar os
desejos, a suportar pacientem ente os sofrim entos e prova­
ções da vida, a detestar a mentira e a hiprocrisia.
A form ação religiosa era nula na escola de Dessau. Este
larcismo antecipado foi um escândalo; nessa época de pie-
tismo considerava-se a religião com o a base da educação.
Basedow adquirira, p or suas opiniões religiosas, uma
reputação pouco invejável, e os próprios protestantes o con­
sideravam perigoso.
Influência de Basedow — Apesar dos seus defeitos e do
seu revés, Basedow deixou algumas idéias que penetraram
na pedagogia: a im portância da form ação dos mestres, a ne­
cessidade do interêsse e do ensino pela vista, pelo valor edu­
cativo do trabalho manual.
Os seus discípulos leVaram por tôda a parte as suas
idéias e o seu m étodo. W olke, aquêle que o com preendera
melhor, fêz conhecer na Rússia os seus processos para o en­
sino das línguas; Iselin espalhou-os na Suíça. Campe dei­
xou vários escritos onde se mostra, com o Basedow, utilita-
rista e realista em educação. O seu N ovo Robinson (1) foi
traduzido para tôdas as línguas. Salzmann fundou um ins­
tituto filantropino que ainda existe; o seu Konrad K iifer, é,
na pedagogia alemã, rival do Emílio. Foi baseando-se nos
princípios de Rousseau e de Basedow, que von R ochow reor­
ganizou o ensino popular na Alemanha.

B ibliografia — B a r n a r d , Gcrmim Tcaclicr.s mui Jiducatora , p. 457


(H a r t fo r d , 1878). — L a n g , Baxrtlmc, hix lifr anil trorlc (N e w -Y o r k . 1 8 9 1 ).
V lxi.c< IIK, La K r fo r m e ilr J'Kilucat iou /u A llrnxii/in <ttt X V I I I ' . xicclc:
T ia xftlow , I h phihin 1hro[>inum (P a r is , 1 8 8 9 ). — Q u i c K , E isn ijs on E duca,
lio iiil Ki fo r n u m (N e w -Y o r k , 1 8 9 0 ).

C A PÍTU LO V

A REVOLUÇÃO

As escolas em 1789 — Na véspera da Revolução, a ins­


trução prosperava na França. V illem ain o proclam ou em
um célebre R ela tório: “ Em 1789, diz, a Igreja dirigia, por
seus padres ou mestres cristãos de sua escolha, 22 universi­
dades e 562 colégios com 72.747 alunos. 30.000 a 32.000
escolas elementares onde os filhos de cam poneses aprendiam
a ler, a escrever, a contar; muitas vêzes, o latim, a decifração

(1 ) X ã o se c o n fu n d a com o R obinson Suíço, de W yss, igualm ente


tra d u zid o em tôd a s as línguas.
de velhos m anuscritos e de antigos títulos de proprieda­
d e” (1).
O edifício do ensino nacional era im enso; era a obra de
dezoito séculos de sacrifício e de abnegação; mas reclam ava
sérias reformas, e o clero, que dirigia o m aior, núm ero das
escolas ou as controlava, era o prim eiro a requerê-las. A o
invés de restabelecer e aperfeiçoar, os poderes públicos não
souberam senão dem olir.
O povo em geral apreciava a instrução e a freqüência
escolar era satisfatória. Segundo M. Babeau, os colégios,
em pleno funcionam ento tinham um aluno por 120 habitan­
tes; em nossos dias os liceus e os colégios não contam senão
um aluno por 212 habitantes.

O ideal da educação era ensinar os jovens “ a v iv er” .


Achava-se que não se devia constranger demasiado o e s p i ­
rito dos jovens franceses. Depois da aquisição dos conheci­
mentos elementares, com praziam -se em estudar Horácio,
Tito Lívio, Cícero, Tácito, V irgílio, os grandes escritores gre­
gos, e em se exercitar na versificação latina. “ Empregava-
se de preferência o m étodo atraente preconizado por Platão,
São Jerônim o, Erasmo, M ontaigne, Fénelon. A m áxim a dos
padres jesuítas era “ que é preciso fazer do trabalho um di­
vertim ento e da obediência um prazer” .
O cam inho por onde se conduziam então os estudantes
era fácil e aprazível de aspeto; cada um podia atrasar-se ou
adiantar o passo para colhêr a flor que lhe agradava e es-

(1 ) R cla fório cnitrrccaão ao n i sôbre o insin o ttnnnulário (1 X 4 " ),


p. 55. Os tra balh os (le M . S ilr v dem onstra ram que os alg arism os, de V i l l e -
uiain eram m uito in fe rio r e s à r e a lid a d e ; ao invés de 502 eok « io s , <' p ivri:,"
dizer pelo m enos 800 ( A i .l a i n , L a R rvo/ittinn frauraise rt rc n sc itin n n u il
n a tio n a f p. 5 t 0 ; T a ix e , A ncicn ROgime, 24.a c d - i n -1 6 , I I , p. 3 1 ).
colher o desvio que parecia ser mais conform e a seus gostos
e a suas fôrças (1).
Tem-se falado m uito dos fam osos “ relatórios de 89” e
das duas lam entações em m atéria de educação. A França
possuía então pelo menos 32.000 comunas. Cada uma delas
redigiu o. seu relatório; os bailiados, as se>escalias fizeram o
mesmo, assim com o as três ordens do reino. Não obstante,
os relatórios que se preocupam com a instrução não atingem
a soma de trezentos; os desejos que exprim em estão longe
de ser uniform es; tratam, na m aior parte, do meio de au­
mentar o núm ero das escolas ou de tornar mais prósperas as
que existem. M. de Cilleuls resume assim a impressão que
deixa o exam e destas aspirações:
1) O núm ero das queixas relativas ao ensino elementar
é ínfim o, em relação aos relatórios; 2) as únicas opiniões
form uladas em vista de uma obrigação para as cidades, po-
voações e aldeias, de assegurarem os m eios de ■instrução,
não aludem à maneira de prover às necessidades assinala­
das” (2).
A destruição das escolas — Não se deve julgar a R evo­
lução por certas apologias retumbantes; é necessário julgá-la
pelos seus atos. Ora, foi antes de tudo destruidora, parti­
cularm ente no que diz respeito às escolas. Percorram os as
etapas da sua obra nefasta. Já a supressão dos Jesuítas
dera um golpe terrível ao ensino. “ A educação na França
nunca se restabeleceu com pletam ente depois da queda dêles” ,
dizia Chateaubriand. Os revolucionários se encarregaram
de com pletar a obra dos filósofos.
A 4 de agosto de 1789, a Constituinte abolia os dízimos,
um dos principais recursos dos colégios e das escolas; a 2

(1 ) G . L e n o t r e , G e n s ã e l a v i e ü l e F r a n c e 9 p . 9 8.
(2 ) H is to ir e de V e n s e ig n e m e n t lib r e , p. 6 5 ).
de dezem bro seguinte, confiscava os bens eclesiásticos que
eram, para a instrução, uma das principais fontes de rendi­
mento. A 15 de setem bro de 1790, as ordens religiosas eram
dissolvidas; era a dispersão do pessoal docente. Estas or­
dens, já privadas das suas rendas não podiam mais susten­
tar as suas escolas e as suas obras de beneficência. É ver­
dade que um decreto de 20 de abril de 1790 reza que as casas
religiosas, consagradas à educação, continuariam a adminis­
trar os seus haveres, mas com a condição inaceitável de
prestar juram ento à Constituição civil do clero. Em 1791, a
desorganização do ensino era com pleta. Talleyrand, em seu
R elatório (22 de setem bro de 1791) o verifica com tristeza:
“ Em tôda a parte, diz, as universidades suspenderam os tra­
balhos. Os colégios estão sem subordinação, sem professo­
res, sem alunos. A decadência dos estabelecimentos atuais
anuncia claram ente que é chegado o m om ento de em preen­
der uma grande obra. É preciso criar prontamente escolas
para um e .o u tro sexo” . No dia seguinte à leitura do rela­
tório, Dandré dizia da tribuna que “ sem um decreto man­
tendo os professores em exercício, os colégios que estiveram
abandonados durante um ou dois anos, o serão ainda por
um terceiro ano” .
A 18 de abril de 1792, um decreto suprime as congrega­
ções religiosas e anuncia que os bens dos colégios, dos sem i­
nários, das escolas, serão vendidos com o bens nacionais. Era
a ruína com pleta do ensino. Os estabelecim entos que ainda
existiam definharam e se .fecharam por falta de alunos. Em
m arço de 1793, a Convenção decretou a confiscação e a venda
de todos os bens dos colégios e das escolas; em agôsto, rea­
lizou-se a supressão radical de tôdas as academias; a 2 de
setembro, a abolição de tôdas as escolas militares, salvo a
de A uxerre. Enfim, a 15 de setembro, depois da promessa
duma nova organização escolar, um decreto anunciava que
os colégios em pleno exercício, as faculdades de teologia, de
artes e de direito, eram supressos èm tôda a área da R e­
pública. A destruição do ensino não podia ser mais radical
nem mais completa.

Tentativas de reconstrução — Apesar de acumular ruínas


e sobretudo depois de as ter acumulado, a. R evolução tenta
reconstruir o edifício de educação. Esta obra suscita nume­
rosos discursos, alguns m uito eloqüentes; mas os resultados
estão longe de ser satisfatórios.
Em 23 de setem bro de 1791, Talleyrand faz a leitura do
seu relatório. Propõe a criação e organização de uma ins­
trução pública com um a todos os cidadãos, gratuita para as
matérias de ensino indispensáveis, e cujos estabelecimentos
seriam distribuídos gradualm ente numa relação combinada
com as divisões do reino. A Assem bléia aprovou o princí­
pio, mas foi substituída pela Legislativa e a lei ficou letra
morta.
Os decretos foram im potentes para reerguer a instrução
depois do golpe m ortal que lhe tinham infligido. Os homens
sensatos já tinham soltado o grito de alarme. “ A Consti­
tuinte, dizia Pastoret em 24 de fevereiro de 1792, conservou
a administração atual da instrução pública até a organização
definitiva da instrução nacional. As escolas paroquiais es­
m orecem no abandono e na miséria. A m aior parte não era
sustentada senão pela caridade daqueles que acrescentavam
à opulência o amor sincero ou a feliz vaidade da virtude;
mas a m aior parte dêsses homens, extraviados hoje, retira­
ram a mão benfazeja que derram ava socorros sôbre os filhos
dos pobres” . Condorcet, em um Relatório célebre (20 de
abril de 1792) estabelecia cinco graus de instrução; as esco­
las primárias, as escolas secundárias, os institutos, os liceus
e a sociedade nacional de ciências e artes. Mas o seu pro­
jeto ficou igualm ente letra morta, porque a Legislativa foi
substituída pela Convenção.
A Convenção foi o órgão mais sincero da Revolução.
M ultiplicou, a favor da instrução, os projetos de lei e os
decretos. -Em dezem bro de 1792 aprovava a organização das
escolas primárias. A 30 de maio e a 8 de junho de 1793
decidia a criação de uma escola em tôdas as localidades que
tivessem de 400 a 1.500 habitantes. A 21 de outubro seguinte
Rom m e fazia aprovar um program a para essas escolas. A 19
de dezem bro aparecia um decreto assim concebido: “ Os pais
e as mães que se tiverem descuidado de inscrever os filhos
nos registros das escolas públicas serão punidos a prim eira
vez com uma m ulta equivalente ao quarto das suas contri­
buições, e a segunda vez, serão privados dos seus direitos
civis por dez anos” . Êsse decreto não foi aplicado. Lakanal
e Daunou fizeram votar novas leis; o estado das escolas ele­
mentares não foi por êles m odificado.
Para substituir os estabelecim entos de ensino secundário
desaparecidos, a Convenção decidiu abrir em tôda a França
escolas centrais. No fim de 1796, Paris possuía duas delas
e cada departamento tinha a sua. Mas estas escolas não
podiam substituir os setecentos ou oitocentos colégios e as
numerosas universidades que existiam em 1789. A lém disso
a sua organização deu lugar a sérias críticas. Cedo fo i pre­
ciso voltar ao ensino graduado e tradicional dos antigos co ­
légios. ' '
A m aior parte dos convencionais que se ocuparam da
questão escolar eram utopistas ou fanáticos obcecados pelo
ódio anti-religioso. Bouquier queria banir dos colégios “ a
imortalidade, o êrro, a mentira, a superstição” . C onform e
êle, “ as mais belas escolas, as mais úteis, as mais simples,
são as sessões públicas dos departamentos, dos distritos, das
tribunas e das sociedades populares” .
Dupont falando, na tribuna, das escolas do porvir (1792),
representa “ os nossos filósofos Pétion, Sieyès, Condorcet e
outros, cercados por uma m ultidão de discípulos, passeando
â maneira dos peripatéticos e ensinando, êste o sistema do
mundo, aquêle o aperfeiçoam ento social” .
Saint-Just quer que se eduquem os m eninos no am or do
silêncio e no desprêzo dos retóricos, que estejam vestidos de
pano em tôda estação, se deitem em esteiras, durmam oito
horas, não vivam senão de frutas, de raízes, de lacticínios,
de pão e de água. É o regim e espartano.
Hébert faz-nos conhecer igualm ente suas idéias sôbre a
educação republicana: “ Que as primeiras palavras que as
mães façam balbuciar aos filhos sejam a de liberdade e de
ig u a ld a d e ... Que as velhas avós lhes narrem, desde o ber­
ço, todos os crim es dos r e i s ... A história do Capet lhes
causará mais horror do que a do Barba A z u l... É preciso
que, ao ver a efígie de um rei, o m enino republicano recue
de m êdo com o se visse um lôbo ou um tigre precipitar-se
sôbre êle. L ogo que caminha, seja colocado nas escolas pú­
blicas onde lhe ensinarão, com o A B C, a C on stitu içã o...
Esta será o seu prim eiro catecism o” (1).
O povo, que não tinha perdido todo o bom-senso, depo­
sitava pouca confiança nos.hom ens que soltavam semelhan­
tes elucubrações. As escolas desapareciam ou enlangues-
ciam miseravelm ente. A 1.° de junho de 1794, Barrère dizia:
“ Há quatro anos que os legisladores se queim am as pestanas
para fundar uma educação nacional.* Que obtiveram ? Nada.
Que instituíram ? Nada ainda” . A lguns meses depois, Gré-
goire bradava da tribuna: “ A educação nacional não apre­
senta senão escom bros. Restam -nos vinte colégios agoni­
zantes. Em perto de 600 distritos, 67 têm algumas escolas
primárias, 16 sòmente apresentam um estado que é preciso
achar satisfatório por falta de coisa m elhor” . “ Não se apren­
de mais a ler e escrever” , dizia F ou rcroy à mesma sessão.

(1) L enotre, Gcns ãe la vieille F r a n ce , eap. IV.


Os mestres, na m aior parte, não m ereciam nenhuma
confiança. Encontravam -se entre êles padres renegados, ja-
cobinos decaídos, clubistas famintos, pedreiros sem trabalho,
etc., que se exercitavam em pôr em prática as quimeras dos
convencionais. Habituavam os m eninos a “ se honrarem
com o título de cidadãos tratando-se por tu” , ensinavam-lhes
a cantar a “ C arm agnole” e o “ Ça ira” , faziam -lhes parodiar
o sinal da cruz substituindo aos nom es da Santíssima Trin­
dade os de Lapelletier, Marat e Danton (1).
A Convenção teve o m érito de proclam ar a liberdade do
ensino e de organizar com êxito alguns estabelecim entos de
snsino superior: Museu, Escola politécnica, nova Escola N or­
mal. Obteve êste resultado fazendo apelos a sábios pro­
fundam ente versados nos conhecim entos humanos e afasta­
dos da política; evitou assim fazer tábua rasa do passado e
contentou-se com fazer m odificações nas instituições já exis­
tentes.
O D iretório se mostrou cheio de solicitude para com o
ensino em todos os seus graus. Os seus m em bros enviaram

(1 ) Um p ro fe s s o r, Jluet., t in h a o r g a n iz a d o a sua c la s s e tom o um a


C on ven ção; ela t in h a uni p r e s id e n te e uni s e c r e t á r io , nom eados de q u in z e
em q u in z e d ia s . N ão se fa z ia m ou tra s le itu ra s sen ão as d o s d ecretos, da
C o n s t it u iç ã o e fio T i.re D n ch cn e.
Os m e n in o s da F o n t a in u de G r e n e lle fu r a m r e c la m a r à C on ven çã o um
b u s to de M a ra t. O jo v e m orad or d a c o m is s ã o d e c la r a : “ N ós le m o s sem
c e s s a r a s saias a ç õ e s . O liv ro q u e as e n c e r r a s u b s t itu ir á -o s d a s u p e r s t iç ã o
onde se e n c o n t r a v a a p e n a s u m a v e r d a d e e n t r e m il e r r o s ” .
C e rto B o u r d o n o r g . n i z o u os a lu n o s em p e q u e n a r e p ú b lic a . Na d is tri­
b u iç ã o d o s p r ê m io s de 179.'!, o s p a is t iv e r a m o p r a z e r d e v e r o s e s tu d a n t e s
o fe r e c e r e m -lh e s o a le g r e e s p e t á c u lo d a : “ A sessã o d e u m t r ib u n a l, ju iz e s ,
ju r a d o s , p r o m o t o r p ú b l i c o , ré u s ju l g a d o s c o n f o r m e os m é t o d o s r e p u b l i c a ­
nos” ,
B o u r d o n e n s in a r a a os a lu n o s c a n ç õ e s o b s c e n a s q u e f a z i a m f u g i r o s p a is
e lh e m e r e c ia m as v a ia s d o p ú b lic o . O p r ó p r i o E o b e s p ie r r e d iz ia q u e B o u r -
d o n d e s o n r a v a a e d u c a ç ã o d o s a lu n o s d a p á tr ia .
O u tr o s p r o fe s s o r e s e n s in a v a m os a lu n o s a m a n o b r a r g u ilh o t in a s , a c o r t a r
a ca b eça de p ássaros e ra tos. (L e n o tr e , G ens ã e la v ieille F r a n c e t I V ) .
às administrações departamentais, aos juizes de instrução,
aos professores, quantidade de decretos e de circulares. Os
Quinhentos fizeram numerosas sessões para tratar das es­
colas. Mas o resultado foi nulo; o povo não queria saber
das escolas da Revolução. No ano VI, Letourneur, ministro
do Interior, escrevia esta. circular edificante: “ Quanto não
deve o espetáculo que apresenta o quadro das escolas pri­
márias, afligir a alma de todos os verdadeiros republicanos!
Vítim as da m aledicência e da calúnia, ainda m al existiam
quando já tinham cessado de e x is t ir ... Sem alunos na
m aior parte, os professores vêm o seu zêlo inteiramente
paralisado. Entretanto, ao lado dêles se elevavam e se ele­
vam ainda com audácia uma m ultidão de escolas particula­
res, onde se propõem im punem ente as máxim as mais opos­
tas à constituição e ao govêrno, e cuja culpável prosperidade
parece crescer por causa dos princípios que aí recebe a
juventu de” . Não se podia confessar com mais candura o
revés com pleto da obra escolar da Revolução.
Princípios funestos introduzidos pela Revolução — A R e­
volução não se lim itou a destruir o sistema nacional de en­
sino; fêz penetrar na educação princípios funestos que têm
por base dois erros fundamentais: a criança perten ce ao
Estado; a ciência basta por si para form ar o homem.
1 — A criança perten ce ao Estado. Danton dizia à Con
venção no m eio de unânimes aplausos: “ É tem po de resta­
belecer êste grande princípio de que as crianças pertencem
à República antes de pertencerem aos pais” . (M oniteur, de
29 frim . an. I I ) . A 19 de venáem iário, ano VI, outro legis­
lador dizia: “ É um preconceito, geralm ente espalhado na
França, que as crianças pertençam aos pais. Êste êrro é
m uito funesto em política” . Êste precon ceito estava intei­
ramente abolido no espírito daqueles que tinham a missão
de fazer as leis. Estavam im buídos das teorias de Rousseau
que tinha escrito em um dos seus opúsculos: “ Com o não se
deixa a razão de cada hom em ser o único árbitro dos seus
deveres, m enos se deve abandonar às luzes e aos preconceitos
dos pais a educação dos filhos, porque interessa ao Estado
ainda mais que aos pais. A Educação pública, sob as regras
prescritas pelo governo e sob magistrados estabelecidos pelo
soberano é, portanto, das m áxim as fundam entais do govêrno
popular ou legítim o” (1 ).
A conseqüência dêste êrro foi a supressão prática da
liberdade de ensino e a origem, na França, de educação pelo
Estado e para o Estado. Mas por que o Estado se encarre­
garia da educação? D e duas uma: ou o Estado, “ é ser abs­
trato que é tudo e que não é nada, que não tem figura e
que não tem alma, que não sabe nem o que pensa nem o que
quer, que nada pode fazer para a criança, porque não existe,
porque não passa de sonho de um ideológico; ou então o
Estado é um hom em ou um grupo de hom ens reais, viventes,
que sabem o que pensam, o que querem, e que querem antes
de tudo firm ar o seu poder. Nesse caso, a criança educada
pelo Estado concreto, é a educação destinada a fazer não
hom ens nem m esm o cidadãos, mas sim plesm ente partidários
de um regim e p olítico” (2).
A missão do Estado não é ensinar, mas favorecer as
obras de educação. Tem o direito de vigilância e de controle
cm tudo o que toca à higiene, à m oralidade, à segurança
pública. Pode e deve intervir para reprim ir os abusos, es­
timular a negligência culpável de certos pais e salvaguardar
o direito dos meninos, assegurando-lhes o m ínim o de edu­
cação indispensável para cum prirem os seus deveres de
homens e de cidadãos (3).

(1 ) D iscurso sô b re a econom ia política. Cita do pelo E. S. Leseoour


em 0 E sp írito R evolucion ário.
(2 ) M. G. R. B r e t o n , L e ãroit ã ’ en seign er, p. 2Í).
(3 ) E. P. L a h r , Cours ãe p hilosop hie , 7.a ed. I I , p. 203.
A educação é um direito e um dever essencial da família.
O prim eiro educador é Deus, o Pai das Luzes, o Deus das
ciências. Ora, Deus colocou junto da criança o seu delegado
visível, o pai de família, que recebeu esta alma, não somente
para a form ar nas ciências, mas no bem e prepará-la às lutas
da vida. É a êle e não ao Estado que Deus disse: “ Educa-
me esta criança” . O pai e a mãe têm a demais direito de
delegar para realizar essa obra quem julgarem digno de
tom ar-lhes o lugar.
2 — A ciência basta para form ar o hom em — É afirm a­
ção gratuita. A instrução por si só não dá a moralidade, o
respeito do direito, a probidade; a virtude não está sempre
em relação com a extensão dos conhecim entos. Êsse êrro
dos pedagogos revolucionários tem a sua origem no paradoxo
favorito de J. J. Rousseau. “ O hom em é naturalmente bom ;
5.ão as instituições que o corrom pem ” . “ Se o hom em é na­
turalmente bom, diz o P. Lescoeur, que é preciso para que
a sua bondade natural, a virtude que lhe é inata, se desen­
volva e produza frutos? Uma coisa só: que o obstáculo
exterior seja tirado; êsse obstáculo é a ignorância. Que a
sociedade cesse, pois, de se opor ao livre vôo dessas faculda­
des que se dirigem tão naturalmente para o bem com o a fu ­
maça se levanta para o céu; que dissipe tôdas as nuvens
que até aqui vãos preconceitos interpuseram entre os olhos
do hom em e a verdade; que forneça instrução gratuita, leiga,
obrigatória, e a grande obra da educacão estará fe ita . . .
Assim se resum em e se explicam as idéias da Revolução,
sôbre a maneira de form ar hom ens e cidadãos; suprimi a
ignorância, tirai os preconceitos, e depois deixai correr e o
problem a da educação nacional estará resolvido” (1).
A conseqüência principal dêsse êrro foi a abolição do
ensino religioso e a criação da instrução sem Deus. O rela-

(1 ) 0 E s p ír ito R e v o lu c io n á r io , p. 109-110.
tório de Condorcet é significativo quanto a êsse ponto: “ A
instrução é necessária, diz o autor, para defender o povo das
armadilhas do sacerdócio; não lhe dar uma instrução m oral
independente de tôda religião particular seria traí-lo; tôda
religião particular é má, os dogm as não passam de m itologia” .
Julga que para desgostar o povo das superstições, seria bom
que os “ professores fizessem de tem pos a 'tempos alguns
m ilagres nas suas lições semanais e públicas. Êsse m eio de
destruir as superstições é dos mais simples e mais eficazes” .
P or que não deu os m eios a em pregar para fazer tais m ila­
gres?
Êsses foram os princípios nefastos que a R evolução fêz
penetrar no ensino. Nossos m odernos laicizadores não têm
o m érito da invenção; não fizeram mais que copiar os gran­
des antepassados.
Reorganização da instrução sob o Consulado (1799-1804)
— Bonaparte, quando prim eiro cônsul, quis reorganizar a
instrução. Mas antes de decidir qualquer coisa ordenou
inquérito porm enorizado em cada uma das divisões m ilita­
res. Os comissários que escolheu para essa obra eram todos
republicanos experim entados, na m aior parte envolvidos nas
cenas da Revolução, alguns dêles convencionais. Tinham
todo interêsse em gabar os benefícios do regim e cujo triunfo
haviam contribuído para assegurar; entretanto, os seus rela­
tórios são unânimes em proclam ar que a instrução está na
mais deplorável situação.
O cidadão François (de N an tes), após ter visitado parte
da Provença e dos Alpes, escreveu: “ Não há uma décima
parte da população que saiba ler” . Barbé-M arbois, que v i­
sitara a Bretanha, escrevia: “ Não há em certas cidades nem
escolas prim árias nem escolas secundárias” . O relatório de
F ourcroy sôbre a Normandia encerra a mesma apreciação:
“ A instrução pública sofre em todos os departamentos, diz.
A falta da instrução religiosa é, ao que parece, o m otivo
principal que im pede os pais a enviarem os filhos a essas
escolas” .
O general Lacuée encarregado do relatório de Paris e
dos departamentos vizinhos, acha que o núm ero das escalas
diminuiu. “ Há, diz, departam entos onde as “ cadeiras” de
gramática, de legislação e de história não contam mais de
dois ou três alunos” . O relatório do cidadão Thibaudeau,
sôbre o Ain, o Doubs e o Jura, traz o que segue: “ É preciso
refazer tudo com respeito às escolas primárias. Os profes­
sores são m uito pouco procurados e pouco o m erecem tam ­
bém ” . Najac, depois de ter visitado o Ródano, o Loire, o
Haute-Loire e o Cantai, escreve: “ No ensino não há, em
geral, nem regularidade, nem subordinação, nem garbo; e
muitas vêzes há desojdens por parte dos professores” (1).
Já na época do Diretório, o padre G régoire, depois de
ter visitado alguns departam entos dizia: “ A ignorância
ameaça invadir os campos e as próprias cidades, com tôdas
as calamidades que são a conseqüência. Tem -se discutido
m uito sôbre o estabelecim ento das escolas primárias, e as
escolas primárias estão ainda por nascer” (2).
Onde estava, pois, o progresso? Onde estava a obra
m aravilhosa da R evolução? O prim eiro cônsul pôs mãos à
obra para reerguer essas ruínas. Pela lei de 11 do floreal,
ano X , organizava o ensino prim ário e o ensino secundário,
mas dava o prim eiro golpe à liberdade exigindo um a autori­
zação para os 'estabelecimentos particulares de ensino secun­
dário. Feito im perador, criava pelo decreto de 17 de março
de 1808, a U niversidade im perial. Era a restauração com ­
pleta das três ordens de ensino, mas ao m esm o tem po a
apropriação da escola pelo Estado, pois que nenhum esta-

(1 ) V e ja - s e Le M e n e s tr e l, a Instrução na França ãata ãa Revolu­


ção? p . 259.
(2 ) C it a d o p o r A lla in , a Instrução primária na França antes ãa
Revolução, p . 6 8.
belecim ento podia ser aberto fora da universidade e sem a
autorização do seu chefe. É verdade que o decreto “ fazia
dos preceitos da religião católica a base do ensino” ; mas
Napoleão se servia da idéia religiosa com o de m eio hábil de
governo, porque a Universidade era concebida separada da
Igreja a até contra ela (1).
A restauração da instrução na França devia levar mais
de um quarto de século. É preciso chegar ao reinado de
Luís Felipe, isto é, à lei Guizot, para encontrar uma verda­
deira reorganização do ensino. Esta lei concedia a liberdade
do ensino prim ário. A de 1850 estabelecia a liberdade do
ensino secundário. A de 1875 dava a liberdade do ensino
superior. Tôdas essas liberdades tão penosamente adquiri­
das receberam depois ataques consideráveis e funestos à
educação.

B ibliografia — A l l a i n , L ’ Enseigncment prirnaire cn Francc avant la


Bérolution; l ’ O cu vrc scolaire ãe la Rcvolution ( P a r i s , 1 8 9 1 ) ; la Bfvohttion
françaixc et 1’ cnseignement nalimal ( P a r i s , 1 9 0 7 '). — L ’ Église et Vcnseig.
m.ent p op u ta ire sons VAneirn Regime ( P a r i s , B l o u d ) . — Dictinnnaire ãe
pédagogie, nrt. svr les prnrinccs et les département.": a rt. sur la Révolu-
tion. - - D e s C i l l f t l s , Histoire clr l ’ cnseignement libre. — A . DübUT,
L 'InMmction publique et la Rérolníion ( P . , 1 8 8 2 ) . — D u m e s x i i , , J.a Pé-
dagogic rcroluSicnnaire ( P a r i s , 1 8 8 3 ) . — .T. G c i r a u d , Histoire partiale,
histoire rraie, III, eh. XTIT. — Ce chapitre indique les snurceu principales
à con-idl r svr 1’ cnscigncmcnt pcipulnire avavt 1 7 8 9 ('2 1 c. ó d .. P a r i s . 1 9 1 6 ) .
L e M e x e s t r e l, L ’ Tnstruetion cn Francc. dalc-t-cllc de la Ucvolution? —
L i a r t ) , 7 , 'Fnsiepncmcnt supéricnr cn Frrtnre, T ( P a r i s , 1 8 8 8 ) . — V . P i e r r e ,

L 'Êcole sov.-- la Rérolníion ( P a r i s , 1 8 8 1 ) . — B o c q t i a t t n , L ’ filai de la


Francc au 18 brumaire, ã ’aprcs les rapporis cl"s CfmsHllcr» â ’ filat ( P a r i s ,
3 8 7 4 ) . — T a t n e , Le Regime modcme. — T i i é r y , Histoire. de 1’ ídneation
cn France depuis le Ye. sièele jusqu’à nos jours ( P a r i s , 1 8 6 1 ) .

(1 ) “ S e N a p o l e ã o c r io u a u n iv e r s id a d e f o i p r im e ir a m e n t e e s o b r e t u d o
para a r r e b a t a r a e d u c a ç ã o a os p a d r e s ” . (Taine, R e g im e m odern o, 2 4 .a
e d ., in 1 6, p . 2 2 4 . V e ja - s e ta m b ém a l . a n ota d e s t a m e sm a p á g in a .
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

O SÉCULO DÉCIMO NONO

CAR ACTERES E CONDIÇÕES D A EDUCAÇÃO NO


SÉCULO X I X

Não é fácil form ar juízo definitivo sôbre o século X IX .


Os fatos são por demais com plexos e estão muito perto de
nós; os seus resultados não são suficientem ente conhecidos.
Certos sentimentos estão m uito vivos ainda nas almas para
perm itirem apreciações imparciais.
No entanto, destacam-se dêste período caracteres gerais
e significativos. A lém disso, a tarefa da educação tem so­
frido as conseqüências de certos golpes vibrados contra a
fam ília e tem -se realizado sob a influência de princípios
sôbre os quais, sem temor, se pode form ar um juízo. O
exam e dêsses caracteres, dessas divisões e dêsses princípios
será o assunto dêste capítulo.

I — Caracteres gerais
1. Im enso desen volvim en to das obras escolares. Tôda
as nações têm aberto escolas numerosas. A sociedade civil,
a Igreja católica com suas legiões de sacerdotes e suas admi­
ráveis Congregações docentes, as várias seitas cristãs, se têm
dedicado a estas obras com um devotam ento sem limites.
Nunca se com preendera m elhor a obrigação de difundir a
luz, de dar a tôdas as classes da sociedade uma instrução
sólida e variada. Esta evolução das obras escolares se nota
sobretudo na Europa e nos países sujeitos à influência das
nações civilizadas. A A m érica do Nort.e se tem distinguido
de m odo particular e, em certos respeitos, tem até excedido
o antigo continente.
A diversidade das instituições não é menos surpreen­
dente: para a preservação das joven s existências se têm
criado obras pré-escolares: berçários, gôtas de leite, consul­
tas gratuitas, etc. Obras escolares têm-se ocupado em adap­
tar os program as às necessidades do m eio; cuidados espe­
ciais têm sido devotados às crianças débeis e doentias; têm -
se organizado consultas m édicas gratuitas, colônias de férias,
curas de ar.
Especial atenção tem sido dada à educação dos anor­
mais: surdos, mudos, cegos (1 ), retardados, etc. A o sair da
escola o m enino encontra obras post-escolares que lhe facul­
tam aperfeiçoar a sua instrução e o preservam de certos
perigos. Tôdas essas obras atestam altamente o zêlo que
tem sido desenvolvido, no século X IX , em favor da infância
e da m ocidade.
2. M elhoram ento das condições m ateriais da escola e
atenção dada à cultura física. No com êço do século, os locais
escolares deixavam geralm ente m uito a desejar. M. Lorain,
que fizera um inquérito em toda a França, diz que a escola
funcionava, onde podia, num celeiro, num estábulo, num
porão, nos fundos dum corpo-de-guarda, numa sala-de-baile,
muitas vêzes num côm odo da fam ília do professor, e que
servia de cozinha e quarto-de-dorm ir” .' Essas condições, que
eram comuns, já não existem ; os locais se tornaram quase
por tôda parte verdadeiros palácios onde nada resta a dese­
jar. O m obiliário escolar m elhorou por sua vez e têm-se
desem baraçado as proxim idades da escola de tudo quanto
podia ser causa de distração e de doença.

(1 ) A e d u c a ç ã o d o s s u r d o s -m u d o s -c e g o s , v e r d a d e ir o m ila g r e de p e d a ­
g o g ia , f u i r e a liz a d o em L a rn a .y , p e r t o d e P o i t ie r s , p e la irm ã S a i n t e - M a r .
ffuvrUc. V e ja - s e o b e lo liv r o d e M . L . A r n o u ld , Á m es en prison .
\

A cultura física tem sido objeto duma atenção especial.


Uma ginástica racional é ensinada em tôda parte. Em cer­
tos países os esportes têm adquirido grande importância.
Quer-se form ar hom ens ao m esmo tem po vigorosos e equili­
brados, capazes de tôdas as resistências. Ter-se-ão talvez
excedido os limites, de um m eio fazendo-se um fim ? Não se
deve esquecer, “ o valor do hom em não se apura em função
de sua fôrça muscular, de sua capacidade toráxica ou da
saliência dos seus bíceps; m ede-se sobretudo pela elevação
da sua inteligência, pela energia do seu caráter e pela bon ­
dade do seu coração” . (G eneral de C aste l n a u , Os Estudos,
29 de m arço de 1922).
Têm -se fundado “ Escolas N ovas” em que se preocupa
particularm ente da cultura física. As duas mais conhecidas
são as de Abbotsholm , na Inglaterra e a de Roches, na
França.
3. Preparação profissional dos m estres. Em 1833, Gui­
zot verificava a existência de algumas escolas normais na
França. Escrevia: É preciso que não haja um só departa­
m ento sem a sua escola norm al” . No século X I X considerou-
se a form ação profissional dos mestres com o coisa capital
e indispensável. Saber e saber ensinar são coisas muito
diferentes.' P or outra parte, a experiência direta não é su­
ficiente; sem estudos preliminares, só vai dar no empirismo
e na rotina.
A o lado de cada escola norm al criou-se uma escola de
aplicação. Geralm ente tem -se a opinião do P. Girard que
dizia: “ Sem escola de aplicação, a escola norm al me dá a
impressão de escola de m edicina sem salas de dissecção ana­
tômica ou de escola de quím ica sem laboratórios” .
Êsse preparo é julgado necessário não só aos mestres do
ensino prim ário com o tam bém aos professores do ensino se­
cundário e superior. O inquérito de 1902 sôbre o ensino
secundário, na França, revelou que “ muitos professores não
sabem ensinar. Sabem tudo, m enos a sua profissão, a parte
prática da sua profissão” .
4. Estudo especial da criança. Desde a segunda m e
tade do século, a ciência da criança tem feito progressos
notáveis. A im portância dêsse estudo não pode ser exage­
rada; procura-se conhecer m elhor a criança, a fim de m elhor
adaptar o ensino a sua inteligência, a fim de ajudar mais
eficazm ente a desenvolver-lhe as boas qualidades e a com ­
bater-lhe os defeitos.
N ão se creia, entretanto, que o nosso século criou essa
ciência. Desde os prim eiros séculos, Clem ente de A lexan ­
dria se preocupou com o estudo da criança. Na Idade-Média,
Raym undo Lullo (1235-1315) enunciava um dos princípios
diretores da ciência da criança: a educação deve estabelecer
uma harm onia entre o desenvolvim ento que requer para a
alma da criança e o crescim ento corporal. Vives, no século
X V I, dá um plano de investigações semelhante àqueles que
são em pregados nos institutos pedológicos contem porâneos;
deseja que, para determ inar o m odo de ensinar cada ram o
de conhecim entos, se façam experiências, inquéritos, a fim
de deduzir regras gerais. Nos seus escritos, verifica-se que
tinha a idéia da evolução da criança, da variedade dos espí­
ritos, da influência do m eio social ou geográfico. Muitos
outros educadores: Pestalozzi, Frobel, São J. B. de la Salle,
o padre de 1’Epée, têm demonstrado, nas suas instituições e
nos seus escritos, adm irável conhecim ento da psicologia da
criança. (P. de L a V a i s s i é r e , Psicologia pedagógica, 2." ed.
pg. 20).
O desenvolvim ento da psicologia experim ental tem con­
tribuído amplamente para a form ação de uma ciência mais
racional da criança. Entretanto os resultados não têm sem­
pre correspondido à boa-vontade dos experim entadores. Os
mestres os utilizarão, não obstante, com proveito, tendo o
cuidado de ajustar às circunstâncias, pela observação e ex­
periência, êsse saber livresco.
5. Organização psicológica ãa prim eira educação. Uma
conseqüência do estudo da criança foi uma organização da
sua prim eira educação.
Froebel foi o organizador dêsse m ovim ento. Antes dêle,
existiam numerosas salas de asilo; mas o papel das guardas
limitava-se à vigilância e a preservar a criança de todo
acidente, coisas puram ente passivas. F roebel teve a idéia
de se servir dos dois instintos mais universais da criança: o
instinto ãe atividade, pelo. qual está em m ovim ento inces­
sante, e o instinto ãe sociabiliãaãe, pelo qual procura os
com panheiros da sua idade. Tentou em seguida, por m eio
de jogos, desenvolver os sentidos, os sentimentos e a inteli­
gência da criança.
A instituição dos Jarãins ãe infância foi o ponto de par­
tida dum progresso considerável na educação da prim eira
infância.
6. A p erfeiçoam en to ãos m étodos de ensino. O século
X I X foi caracterizado por um a grande intensidade de vida
pedagógica. A s obras de pedagogia se têm m ultiplicado pro­
digiosam ente e têm feito conhecer o resultado dos questio­
nários, dos estudos e das experiências. Nas escolas normais,
colégios e universidades tem -se estudado a ciência da edu­
cação sob todos os aspectos; graus universitários foram cria­
dos para a sanção dêsses estudos.
Num erosos congressos se têm reunido para discutir os
problem as tão com plexos do ensino e da form ação moral.
Resultou daí considerável m elhoram ento nos métodos.
A rotina tem sido banida da escola. Os m étodos intuitivos
têm substituído o ensino demasiado livresco e um m étodo
demasiadamente expositivo. Pelo contrário, fizeram mal em
abandonar o m étodo indutivo, tão próprio para a form ação
do entendimento. O ensino tornou-se mais vivo, mais fru-
tuoso, a disciplina mais fácil, os progressos mais rápidos. A
evolução da m etodologia transform ou o ensino das ciências,
do desenho, da história e da geografia. A história já não é
uma coleção de fatos; visa a form ação do ju ízo e do racio­
cínio. A geografia liga-se ao trabalho do hom em ; põe em
prim eiro lugar as riquezas naturais, industriais e comerciais.
O desenho tornou-se m atéria educativa de prim eira ordem.
Os programas igualm ente sofreram m odificações. Tem -
se introduzido nêles noções de ciências, desenho, lições de
coisas, canto, ginástica, e até trabalhos manuais. Em uma
palavra, têm-se tornado enciclopédicos. Mas não tardaram
a notar que muitas destas noções, adquiridas muito ràpida-
mente, são esquecidas bem depressa e que a verdadeira sa­
bedoria é apoiar-se sobretudo nas matérias essencias e prá­
ticas.
Cum pre acrescentar que certo núm ero de manuais pe­
dagógicos está incom pleto ou im pregnado de erros. Alguns
rejeitam abertamente os princípios cristãos; outros contêm
teorias positivistas e racionalistas, e passam em silêncio as
questões que se referem à alma e ã vida futura.
7. D esen volvim en to do ensino manual e técnico. Há
certo núm ero de anos, com preende-se m elhor a necessidade
de dar um ensino especialm ente dirigido com vistas à profis­
são futura da criança. O trabalho manual da escola não
tem por fim fazer uma aprendizagem ; dirige-se especialm en­
te a form ar o ôlho e a mão, a dar o m anejo das ferramentas
gerais, a tornar mais fácil a form ação ulterior e a guiar o
m enino na escola da sua profissão. O ensino técnico se dá
geralmente em escolas especiais. Supõe um certo grau de
instrução. Estudam-se nêle as ciências que se prendem ao
objeto principal do ensino dado em cada escola.
A s escolas profissionais são de grande utilidade; mas o
seu desenvolvim ento excessivo pode ter inconvenientes, o
prim eiro dos quais seria atrair para a cidade os filhos dos
camponeses. O segundo seria especializar as crianças muito
cedo. Antes de form ar um operário trata-se de form ar um
homem. Os conhecim entos especializados, diz Stuart Mill,
não devem ser procurados pelo jovens senão depois de ter­
m inarem a sua educação propriam ente dita; o uso bom ou
mau que fizerem dêsses conhecim entos, dependerá sobretu­
do da sua natureza de espírito; ora, o espírito, somente uma
educação geral o pode form ar. Antes de ser advogado, m é­
dico. com erciante ou industriário, o hom em é hom em ” .
Um terceiro inconveniente seria o abuso das ciências,
na educação. Em si mesma a ciência é boa, mas deve ser
contrabalançada por estudos mais especialm ente intelectuais
e desinteressados que dão ao espírito a sua form ação mais
extensa e mais com pleta. O abuso das ciências se faz sobre­
tudo nos países em que se procura prim eiram ente o proveito
direto e o progresso m aterial; deixam -se de lado as huma­
nidades, e o ensino secundário toma direção utilitária. Esse
gênero de educação não é sem perigo. Paulo Bourget o faz
notar, depois de uma visita a certas instituições americanas;
“ Querendo precisar demais a inteligência, mutilam-na. Que­
rendo apertar m uito os fatos, querendo restringi-los demais,
querendo m anejá-los sabiamente demais, identificam -se de­
masiado com êles e o poder do pensamento abstrato diminui
em proporção” . (A lém Mar, II, pg. 133, 135).
Tem -se reconhecido o mal duma especialização apressada
e volta-se às humanidades. Só elas dão uma cultura geral
a tôdas as faculdades intelectuais; tornam o espírito mais
penetrante, mais amplo, mais poderoso. Só elas podem fo r­
m ar as elites. Esta verdade é proclam ada mais do que nun­
ca depois da guerra. Na Chama imortal, W ells toma partido
pelo mestre cu jo fim “ é form ar cavalheiros de idéias largas,
bem educados, de alma aberta, senhores de si mesmos, pron­
tos a servir a hum anidade” .
0 presidente Butler dizia recentem ente: “ Vale a pena
lem brar-se que o ideal da educação da França m oderna se
form ou sob a influência da educação clássica, e que os fran­
ceses são provàvelm ente a raça mais bem educada do mundo
(Citações tiradas de um artigo de R. Thamin, R evi te des
D eu x-M on ães 1.° de ju lh o de 1922)” . Os mesmos homens
de guerra são a fàvor das humanidades: “ O rigor in flexível
da lógica e o m anejo constante dos problem as teóricos são
insuficientes para preparar até os espíritos mais elevados
para as realidades da vida. Para desenvolver o entendim en­
to e o senso crítico, para abrandar o espírito, para preparar
ao conhecim ento dos homens, para form ar o gôsto, uma outra
cultura é necessária: a das letras. . ( G e n e r a l M a n g i n , Dis­
curso na distribuição dos prêm ios no liceu S. Luís, julho de
1922).

II — Condições e princípios

1 — A família. Todo golpe dirigido contra a família


tem sua repercussão na educação. No século X I X muitas
famílias conservaram as sãs tradições cristãs; mas quantas
outras há sôbre as quais passou um sôpro deletério! Os sen­
timentos cristãos têm dim inuído pouco a pouco, se não de­
sapareceram com pletam ente. Princípios funestos saídos da
R evolução têm contribuído a desagregar o laço fnnvliar:
secularização do matrim ônio, negação de tôda relação de
dependência na família, idéia de que os m eninos pertencem
prim eiram ente ao Estado, etc. Quando o código civil tentou
aplicar o rem édio, essas doutrinas tinham já passado para os
costumes.
Certas condições sociais têm igualm ente prejudicado à
fam ília: desenvolvim ento da indústria, trabalho à noite, des-
prêzo do dom ingo, pauperismo, leis sôbre as heranças. Es­
critores atacaram a fam ília, a moral, a propriedade. O in­
dividualism o por seu lado, destruiu o sentimento da solida­
riedade; o desenvolvim ento do lu xo avivou a febre de enri­
quecer.
O Estado nada fêz para im pedir êsse mal, quando não o
favoreceu. O naturalismo revolucionário não pode sofrer a
família. “ Longe de. com bater tão detestáveis tendências, o
Estado se tornou seu cúm plice por paixão de onipotência
tirânica, sobretudo por ódio à religião e às tradições fran­
cesas; contra a fam ília, há trinta anos sobretudo, todos os
poderes sociais: adm inistrativo, legislativo, judiciário, têm-se
ligado estreitam ente (H. T audiere , artigo Família no D icio­
nário de apologética) ” .
O divórcio tom ou, em certos países, proporções assusta­
doras. As suas conseqüências para a educação são desas­
trosas. O Estado apodera-se mais fàcilm ente dos meninos
e os faz educar nos seus preconceitos e suas paixões, com
perigo de fazer dêles “ hom ens sem família, sem religião, se'm
pátria” . E que form ação m oral e religiosa podem receber
os meninos em uma fam ília desorganizada?

2 — A gratuidade — A gratuidade não é coisa nova. A


Igreja a estabeleceu quando fundou as suas primeiras esco­
las. Teodulfo, bispo de Orléans, ordenava a seus sacerdotes *
que mantivessem escolas para ensinar gratuitam ente as le­
tras aos meninos. A m aior parte dos concílios da Idade-
Média fizeram recom endações semelhantes. Talleyrand re­
conhece, no seu Relatório sôbre a instrução, que as nossas
antigas escolas eram “ abertas gratuitamente a todos” . V il-
lemain o proclam ou igualm ente no seu m em orável Relatório
de 1843. Depois de ter dem onstrado que antes de 1789 mais
de 40.000 alunos de ensino secundário recebiam educação
gratuita, acrescenta: “ Êste estado de coisas não era dádiva
do govêrno, mas resultado das liberalidades de vários séculos
e por assim dizer era até a expressão dos progressos dessa ci­
vilização que, desde a Idade-M édia, levara tão longe a glória
da França nas letras e nas ciências. Era, graças a tão belas
fundações que a instrução se tinha espalhado” .
Esta gratuidade não era um chamariz; não custava um
cêntim o ao público; era o resultado de dádivas particulares
e de fundações. A s de h oje não têm uma verdadeira gra­
tuidade. F. Passy o dem onstrou com uma lógica inexorável.
“ Os partidários da gratuidade deixam -se enganar com uma
palavra, e não há nada gratuito a não ser o que é gratuito
todos pela inesgotável bondade da natureza. A instrução,
sobretudo, é sempre paga; somente pode ser paga por outros
que não são os que dela aproveitam . Quando é a sociedade
que se deita a prover à educação de certa classe de meninos,
essa liberalidade constitui um abuso e um mal sem com pen­
sação e sem desculpa; prim eiram ente, porque erige em sis­
tema o enfraquecim ento da responsabilidade; depois, porque
não faz um favor senão a custa de uma injustiça. Não se
dá a uns senão tirando de outros” . Nãe se poderia dizer
m elhor. O Estado não é uma providência encarregada de
prover a tôdas as necessidades; estabelecendo a gratuidade,
assume uma responsabilidade que não lhe pertence. E além
disso esta gratuidade não tem sido aceita em tôda parte com
entusiasmo: pode servir para fins eleitorais e constitui es­
pécie de socialism o do Estado.

3 — A obrigação escolar — Em princípio, o Estado não


tem direito de se im iscuir no regim e interior da família. A
sua intervenção torna-se legítim a quando os pais não podem
ou não querem educar os filhos. Mas os direitos do pai não
estão aniquilados, e o Estado pode exigir, não a freqüentação
até tal idade de tal escola, mas a pequena soma de conheci­
m entos sem a qual ele fica iletrado. “ O princípio da obri­
gação, diz F. Passy, é injusto, com relação à sociedade à qual
investe de poderes exorbitantes; injusto com relação ao pai
a quem despoja dos seus direitos, a quem dispensa dos seus
deveres; injusto para com o m enino; injusto para com o in­
divíduo cuja liberdade viola, para com a fam ília cujos laços
quebra, para com a humanidade cu jo desenvolvim ento per­
turba, para com Deus cuja providência desconhece” . (Da
instrução obrigatória, pg. 72).
Foi Lutero o prim eiro que preconizou a com pulsão ma­
terial. A obrigação estritamente unida ao laicism o foi pela
prim eira vez imposta à França pela Convenção (Os editos e
declarações de 1560, de 1695, de 1698 e 1724 tinham, em parte,
por objeto a instrução religiosa, e não podem ser invocados
com o precedentes da obrigação atual que é uma conseaüência
da R e v o lu çã o ). Num relatório a esta assembléia, Daunou
qualificava de tirania estúpida a cláusula inserta na lei por
R obespierre, a qual “ ameaçava com a prisão e com a m orte
os pais que pudessem e quisessem cum prir por si mesmos o
mais suave dever da natureza, a mais santa função da pa­
ternidade”.. Em 1881, a legislação francesa se apropriou
dêsse princípio. M. de Fourtou caracterizou assim êsse feito:
“ A obrigação aparece com o o m eio de coação conservada em
reserva para im por um ensino de Estado, colocado por um
m onopólio, ao m esm o tem po disfarçado e violento, acima de
tôdas as concorrências e de tôdas as rivalidades” . A obri­
gação torna-se, com efeito, uma tirania se não tem com o
corretivo a liberdade de ensino; a liberdade para o pai de
fam ília de escolher a escola; a liberdade para êste mesmo
pai de educar o filho nas idéias e nas crenças que julga as
melhores.
A Igreja tem sempre exortado os pais a fazerem instruir
os filhos. Mas não tirou nunca às famílias a sua parte de
ação e de responsabilidade. Nela o catecismo, a instrução
religiosa é obrigatoria, mas somente de obrigação moral.
Repele, com razão, a obrigatoriedade jurídica, e sobretudo a
obrigatoriedade jurídica a um ensino ateu. Em muitos paí­
ses a obrigatoriedade tem sido um fracasso. Proclam ava-se
isso recentem ente na Câmara francesa: “ O núm ero dos ile-
trados não cessa de aumentar entre nós, dizia M. Herriot, e
eu tenho m uito receio de que, m algrado todos os atestados
que concedem os, não sejamos neste m om ento um dos países
da Europa onde há mais iletrados” . M. Cracke faz a mesma
verificação. “ Se consultais os quadros dem ográficos nos
anos 1912 e 1913, — os mais favoráveis que têm sido dados
quanto à freqüência do ensino prim ário, podeis certamente
avaliar em seis ou setecentos m il o núm ero de crianças que
não estão inscritas com o freqüentadoras da escola, isto é,
que não vão a ela uma vez por semana” .
4 — Neutralidade escolar -— A neutralidade escolar é
uma das conseqüências das doutrinas de Rousseau, erigidas
em decreto pela Revolução. A té então as familias, a Igreja,
o Estado baseavam a educação no ensino m oral e religioso.
O autor do Emílio é o prim eiro que se levanta contra êsse
sistema consagrado pela experiência dos séculos.
A neutralidade não se pode admitir. É contrária .aos di­
reitos de D eus que deve reinar com o Senhor sôbre as crian­
ças; contrária aos direitos da Igreja, cu jo filho o cristão se
tornou pelo batism o; contrária aos direitos dos pais que de­
ram o filho a Cristo e à Igreja; contrária aos direitos mais
sagrados ãa criança, na qual a escola neutra abafa a mais
nobre de tôdas as vidas, a vida superior e divina.
A neutralidade é im possível — Praticá-la seria expor as
diversas matérias do program a, sem tom ar partido nenhum
e ficando na dúvida. Ela term inaria im pedindo todo o en­
sino. Mas, restringem -na sobretudo às questões religiosas.
A êsse respeito é im possível deixar de se pronunciar. Seus
partidários mais fanáticos bem o sabem. Ouçamos M. Buis-
son: “ O professor leigo neutro entre a república e a m o­
narquia, entre o Silabus e a Declaração dos direitos do ho­
m em ; o professor neutro entre a m oral racional e a R evolu ­
ção; neutro, isto é nulo sôbre tôdas as questões de principio
pelas quais se mede e se julga o homem, o cidadão, o educa­
dor! Não! Não! êstes pontos de contacto obrigam o profes­
sor a tomar posição num dos campos, a não ser neutro. Em
que matéria poderia sê-lo? M. Auda,rd não pensa de outro
m odo: “ É bem certo, diz, que se falta a essa neutralidade.
E é bem certo que um professor leigo, se é bom em honesto,
não pode deixar de faltar a ,61a sob pena de nada ensinar
nem em moral, nem em história; sob pena de renunciar ao
próprio papel de educador” . O socialista Sembat dizia igual­
mente: “ A escola sem Deus é a escola contra Deus. Nada
podem os fazer; é a fôrça das c o u s a s ... Ou o ensino será
todo im pregnado de fé ou será todo im pregnado de crítica
e de incredulidade” . (D ocum entação católica, 17 de maio de
1921).
A neutralidade é má. “ A escola neutra é inaceitável.
É um mal. Sê-lo-á enquanto Deus fôr dela banido. A s al­
mas se perdem , a fé desaparece. Os costum es se corrom pem .
A s escolas neutras apoderam-se da criança para a submeter
a uma série de operações que fazem dela um ateu” . ( D o m
Besse. A questão escolar). A neutralidade expõe a ju v en ­
tude aos maiores perigos. “ Criar escolas sem ensino religio­
so, dizia Saint-M arc Girardin, é organizar a barbárie e a pior
de tôdas as barbáries” . Gladstone era da mesma opinião.
“ Todo sistema que coloca a educação religiosa em plano pos­
terior, dizia, é um sistema pernicioso” . Eminentes universi­
tários têm deplorado essa falta de form ação m oral; limite-
m o-nos ao testem unho de M. Ernesto Lavisse: “ Os nossos
professores eram boas pessoas, sem dúvida alguma, mas não
se preocupavam absolutamente com o nosso valor moral.
Não me lem bro de ter ouvido nenhum dèles dirigir uma
exortação séria a qualquer de nós. Tratava-se de fazer bem
o seu trabalho, de bem recitar as lições, de proceder bem
em classe. Os professores apelavam muitas vêzes para nossa
emulação. N inguém nos propôs tornarm o-nos m elhores do
que éram os” . (E. L avisse, Recordações, pg. 166 — Paris —
1911).
5 — O m onopólio do Estado em m atéria ãe ensino —
Assinalem os enfim a tendência dos governos a se arrogarem
o direito exclusivo de ensinar. O Estado não deve desin­
teressar-se da educação. D eve prom over Os progressos da
ciência, im pedir a difusão das más doutrinas, defender os
direitos de ensino dos seus súbditos, velar pela observância
das leis da higiene, exigir capacidades naqueles que ensinam,
afastar os mestres indignos. Mas não têm nenhum direito
sôbre a ciência e o ensino. Sobretudo não se lhe deve con­
ceder o direito exclusivo e absoluto de ensinar. O m onopó­
lio nunca foi reclam ado senão por sectários e com o fim de
destruir a religião e a moral. (V eja-se D uballet, A Família,
a Igreja e o Estaão na eãucação, 118 e seg. pg. 320, 360 e se­
guintes) .
É contrário aos direitos miais sagrados dos pais. Afasta
a Igreja da escola para grande detrim ento da form ação m oral
e religiosa. Destrói a concorrência. É uma tirania porque
o direito de ensinar é, em princípio, um direito natural. É
particularm ente odioso, porque não pode dar-se senão em
proveito do partido político mais forte.
A idéia do m onopólio é geralm ente reprovada. P or que
título aliás pretenderia o Estado ser o senhor absoluto da
educação? “ Seria com o legislador? Mas quem imaginou
regular por leis o que se deve crer, o que se deve saber?
Seria com o adm inistrador? Mas já se viu falar algum dia
em administrar as crenças e a moral, em administrar a elo­
qüência e até o alfabeto? O ridículo salta aos olhos” . (L a ­
m e n n a is , Os directos do govern o sobre a educação). M. Fa-
guet, no seu livro sôbre o Liberalism o escreve: “ O Estado
nada tem que ver com as coisas do ensino porque êle não é
nem professor, nem filósofo, nem pai de família. Nada tem
que ver com as coisas do ensino porque quando intervém é,
as mais das vêzes, m uito desastrado e bem freqüentem ente
ridículo” . Renan diz que semelhante sistema “ é em nossos
dias impossível. Longe de ser máquina de educação, seria
máquina de em brutecim ento, ue tolice e de ignorância.” (R e­
form a intelectual e m oral, p. 324).
Na prática o m onopólio não é geralm ente absoluto: es­
tabelecim entos particulares são tolerados. Mas o govêrno
os ignora sobretudo quanto aos vencim entos dos mestres.
É uma injustiça clamorosa. O dinheiro de que o Estado dis­
põe é o dinheiro de todos os contribuintes, e o Estado tem
obrigação de fazer dêle um uso equitativo e judicioso em
benefício do interêsse geral. As escolas livres com pletam
a obra das escolas do Estado; são de utilidade social. Devem
participar dos subsídios do Estado e das comunas. A divisão
proporcional escolar está inscrita no novo direito internacio­
nal desde o tratado de Versalhes. O dia em que fôr leal­
m ente aplicada fará esquecer, em certos países, anos dema­
siado longos de parcialidade e de injustiça.
As escolas pedagógicas do século X I X — As escolas pe­
dagógicas foram tão numerosas no século X I X que é im pos­
sível fazer uma classificação rigorosa. Tentarem os fazê-lo,
entretanto, tom ando por base os sistemas filosóficos e reli­
giosos em que se inspiraram os escritores e os e4ucadores, e
distinguirem os:
1. A pedagogia protestante;
2. A s escolas sobretudo psicológicas;
3. O kantismo e o racionalismo;
4. O positivismo e o evolucionismo;
5. A escola católica.

B ibliografia — E . P. D i d o n , L ’ Éãucation prêsente, 3e. éd. (P a ris , '


(Paris, 1900). — Dictionnaire D ’Apologétique, art. Famille, Instruction
de 4a Jeunesse, Laicisms. — D u r a lle t, La famille, l ’Église et VÉtaJt dana
1’ éducatlon (Paris, Bonne Presse). — G a u d e a u , Critique de 1’idêe de neu-
tralité scolaire (Paris, Bonne Presse). — G b o u s s e a u , Justice et Égalttê
pour toutes les écoles ãe France (Paris, Bonne Presse). — B. Lavoklée,
L ’État, le père et l ’ enfant (Paris, 1904). — E. G o s s o t , Essai critique sur
l ’ enseignement primaire en France de 1800 à 1900 (Paris, 1901). —
R h if .l d s , JPàilosophy o f éãucation (Washington, Paris, 1921}. — W e il l ,
Bistoire de l :enseignement seconãaire en France (1802-1920) (Paris. 1921).
— W i l l i a m s , E istory Of modem éãucation (Syracuse, E. U., 1896). —
S e r t il l a n g e s , L ’Êtat et la famille ãans 1’ éâucaiion (P aris). — V ig u é ,
Le Droit naturel et le ãroit chrétien ãans l'éãucation (P aris).

CAPÍTULO II

PEDAGOGIA PROTESTANTE

.No comêço do século X I X distinguiam-se-, na maior parte dos países


protestantes, dois campos inimigos: na Alemanha e nos países ingleses,
os pietistas e os racionalisias; na França, os ortoãoxos, fixados na tra­
dição do século X V I, e aquêles que se tinham deixado ganhar pelo sen-
timentalisano do vigário saboiano, ou que, ainda que guardando as fór­
mulas da- fé, se tinham tornado de certo modo racionalistís.
Cada urfi dêsses grupos forma outros. Produz.se pouco a pouco uma
fragmentação miúda que atrai a atenção dos poderes públicos, na Ale­
manha sobretudo. As doutrinas de Kant acentuam essa decomposição.
Chega-se a proclamar que “ a norma da fé não reside nos textos escritos
nem na autoridade eclesiástica, mas na consciência que os interpreta e
vivifica. A consciência individual é de si mesma o verdadeiro órgão da
dogmática estabelecendo, para o crente, os símbolos religiosos mais aptos
p a r a lh e a lim e n t a r e m a v id a e s p ir i t u a l ” . (G. Co i g n e t , Evolução ão pro­
testantismo no século X IX , P a r is 1908-, p. 130). E ’ a u n iã o da a u to n o ­
m ia da v o n ta d e com o liv r e -e x a m e .
Schleiermacher se faz o apóstolo dessa nova idéia. “ A fé, diz, tem
a sua sede no coração” . E ’ independente dos milagres, das profecias, d a ,
inspiração; é um fato de experiência ( G . G o y a n , A Alemanha religiosa,
o Protestantismo, 8.a ed., p. 78). E essa teoria satisfaz, pelo menos em
grande parte, aos ortodoxos. Mas há- coisa melhor, e. com engenhosos com­
promissos tem-se- chegado a sistemas que contentam todo o mundo. “ Pro-
elamando-se o estilo da teologia moderna, não se questiona com ninguém,
nem eom os devotos que julgam compreender que o pastor é ortodoxo, nem .
como os não-devotos que sentem que o pastor excedeu de uma etapà o
velho liberalismo” . ( lá . prefácio X X I I ) .
No que diz respeito à organização escolar & à instrução pròpriamente '
dita, os protestantes têm mantido as idéias do século X V I I : a necessi­
dade ãe instrução, “ que permite ao indivíduo conquistar e usar ã sua li­
berdade, desenvolver os seus dotes e as suas faculdades, atingir o fim para
o qual está sôbre a terra; a obrigação ão Estaão de dirigir a instrução e
de forçar os pais a fazer instruir os filhos; a união ãa éãucação com a
instrução. Neste último ponto, se dividem, dando uns, como base dessa
educação, a moral e a religião; e outros, a moral sòmente. Êstes últimos'
são racionalistas; é entre êles que se têm encontrado os partidários mais
encarniçados da escola sem Deus!

I — Henrique Pestalozzi (1746-1827)

Pestalozzi nasceu em Zuric. A sua natureza ardente e sentimental não


se dobrava fàcilmente às exigêneias da disciplina familiar. Na escola, a
prineípio, não tirou senão medíocre resultado. Tornou-se, apesar disso, a
fôrça de trsbalho, aluuo sofrível e fêz bons estudos de filosofia, de direito
e de teologia. A vocação de pastor lhe agradava, mas já no seu primeiro
sermão, perdeu o fio do discurso. A leitura do Emílio produziu nêle im­
pressão profunda; e confirmou-o na sua idéia de ser professor.
D irigiu ' primeiro em Neuhof, uma escola agrícola que foi transfor­
mada em asilo para as crianças pobres. Pestalozzi se obrigava a lhes en­
sinar a ler, escrever, contar e lavrar a terra. Os resultados não correspon­
deram à sua espeetativa; em 1790 o asilo foi fechado.
, Mas êsse malogro dera a Pestalozzi certa experiência. Escreveu com
o título “ Serão ãe um solitário (1780) certo número de máximas peda-
gógicas que contêm em substância tôdas suas idéias sôbre a educação.
No ano seguinte publicava o primeiro volume de Leonardo e GertruãeS:
Esea obra produziu sensação na Alemanha" e na Súíça. ‘
Em 1798, os acontecimentos o colocaram de novo à testa de um es­
tabelecimento. Cidadãos suíços tinham perecido com as armas na mão e
deixavam órfãos. Pestalozzi recolheu oitenta em Sta'nz. Vinham e m estado
lamentável. O seu primeiro cuidado foi despertar nêles o senso moral. A
fôrça de devotamento, chegou a inculcar-lhes alguns bons sentimentos e
dar-lhes alguns conhecimentos. O trabalho manual completava a formatjão
intelectual e moral. Mas em b T e v e o mestre devotado cãía doente, esma­
gado ao pêso d e um trabalho incessante, e os infortúnios do tempo obri­
gavam o góvêrno a transformar o orfanato em hospital militar.
Recuperando a saúde, Pestalozzi deu algumas aulas na escola primá­
ria de BetthoucT. Depois fundou nessa localidade um instituto de ensino
primário superior. Rodeou.se de mestres inteligentes e os alunos afluíram.
Admiravam sobretudo um espírito de doçura e de liberdade que encantava.
“ Não é umá escola que tendes aqui, dizia um visitante, é uma fam ília” .
Em 1803, Pestalozzi teve que deixar Berthoud para habitar Munchenbu-
chsee, a-.alguma distância de Hofwil, onde se encontravam gs florescentes
estabelecimentos de Fellenberg. Em 1805, fixava-se em Yverdon, sôbre o
lago de Neufchâtel. A í pôs em prática os seus princípios com êxito inau­
dito. Vieram-lhe alunos de diversos países; os visitantes mais distintos
visitaram a instituição para lhe estudar a organização. Fichte, num dis­
curso célebre, indicava o método de Pestalozzi como o único meio de
reerguer a Alemanha.
; Em 1809, uma comissão nomeada pela dieta federal foi encarregada
de inspecionar o estabelecimento. O P. Girard, que fazia parte dela, re­
digiu o relatório que não fo i inteiramente favorável a Pestalozzi; achava
que, em seu zêlo ardente para abrir novos caminhos, o diretor de Yverdon
rompera tôda harmonia com as outras casas de educarão. Censurava-lhe
sobretudo o abuso da matemática, ausência de seminário pedagógico para
a preparação dos mestres e a ausência de doutrina na formação religiosa.
As incertezas e os defeitos do método produziram pouco a pouco a
decadência do instituto de Yverdon. Pestalozzi não era administrador ; era
“ o despertador de idéias” mais do que o diretor. A ordem, a disciplina e
o ensino religioso deixavam a desejar. ^Divergências interiores precipita­
ram a ruína da casa que fo i fechada em 1824. Pestalozzi se retirou para
NeUhof. -Morreu em 1827 e foi enterrado em Birr, junto à escola, aonde
êle tinha ido quase cada dia, nos três últimos anos de vida, ensinar o al­
fabeto aos’ alunos mais jovens.
Escritos pedagógicos — 1. Serão ãe um solitário, m á­
xim as de educação; 2. Leonardo e G ertru ães; ideal da vida
em uma aldeia suíça. Gertrudes educa os filhos de maneira
adm irável e que pode servir de m odêlo a tôdas as mães; 3.
Ensaio para ensinar às mães a instruírem os filhos; 4. Como
G ertrudes instrui os filhos; exposição prática do m étodo de
Pestalozzi cu ja idéia principal é a im portância da observa­
ção; é a fonte de todos os nossos conhecim entos; 5. O Canto
do Cisne, espécie xle testamento pedagógico, em que agrupa,
de maneira mais serena que nos escritos precedentes, os ele­
m entos de seu sistema de educação.

Idéias fundamentais de sua p ed a go g ia — Pestalozzi jamais


form ulou claram ente as suas idéias pedagógicas; seus cola­
boradores e discípulos as extraíram de seus escritos e p ro­
cessos de ensino.
A idéia-m ãe de seu sistema pode-se expressar assim: “ O
DESENVOLVIMENTO DA NATUREZA HUMANA ESTÁ SUJEITO Á IN­
FLUENCIA DAS LEIS NATURAIS COM AS QUAIS TÔDA BOA EDUCAÇÃO
É o b r ig a d a a se h a r m o n i z a r ” . Este princípio fundamental
recebeu desenvolvim entos que lhe precisam o alcance:
1. Para bem dirigir o hom em , é preciso conhecer sua
natureza; isto é, as leis de sua organização e da sua vida psi­
cológica. “ Com o a árvore, diz Pestalozzi, v ejo crescer a
criança; na criança se encontram, até antes do nascimento,
os germes invisíveis das disposições naturais que se desen­
volverão nela durante a vida” . Para ser bem sucedido no
ensino é preciso conform ar-se a essas leis eternas.
2. É na própria natureza do hom em que se d evem pro­
curar as leis ãe sua cultura; nela estão escondidas as fôrças
que operam o desenvolvim ento das faculdades. Três facul­
dades sobretudo são im portantes: o coração, o espírito e o
talento. O coração desabrocha plenam ente pelas afeições
da família. A cultura do espírito com preende três degraus:
a percepção, a língua e o pensamento. O talento se aper­
feiçoa pela observação das coisas, pela sua reprodução, pela
liberdade e independência na ação.
3. A educação do hom em seguindo as leis da natureza
não é uma quim era; o exercício a torna possível. O exercí­
cio nasce de duas coisas: necessidade da nossa natureza e
objetos próprios a satisfazê-la. Faz-se por m eio das coisas
que cercam a criança e com as quais está familiarizada. Dar
ao hom em uma educação em relação com sua vocação, é
fazê-lo desfrutar a plenitude das suas fôrças.
4. O desen volvim en to do hom em com eça na família.
“ O lar dom éstico é a escola da humanidade. É o ponto cen­
tral onde se reúne tudo quanto há de divino na natureza
hum ana” . Na fam ília com eça o cultivo do coração e a fo r­
mação do espírito. N êle se esboçam as virtudes morais do
hom em honesto, do cidadão, do patriota. Pestalozzi a miúdo
torna a estender-se sôbre a influência benfazeja da mãe; é a
prim eira mestra da criança, sua iniciadora na vida moral. O
trabalho da escola deve ser a seqüência natural do trabalho
da família.

5. A fé é o fundam ento, a regra, o liame da sociedade.


Quando falta, tudo se desloca, tudo desmorona. É necessária
à criança, é necessária àquele que está encarregado de sua
educação. Aum entá-la, torná-la inabalável, arraigando-a for­
temente na alma, tal é a tarefa mais nobre do educador. -
Vejam os com o Pestalozzi aplicava êsses princípios fun­
damentais à educação física, intelectual e moral.

Educação física — Pestalozzi queria para a criança um


regim e frugal, estando persuadido de que os alimentos mais
comuns constituem, com o pão, alimentação suficiente.
Era partidário da associação do trabalho manual com a
instrução elementar. O trabalho manual fortifica a criança,
dá-lhe destreza, tornando-a capaz de escolher um ofício con­
form e os gostos e as disposições. Em Neuhof, os alunos eram
obrigados ao trabalho do jardim e da chácara. Cada aluno
tinha um canto de terra para si. “ Quero, dizia Pestalozzi,
educar crianças camponesas que façam um dia florescer a
agricultura” .
Em Y verdon, fazia muita questão da ginástica e da' na­
tação com o m eio de fortificar os organismos e de os tornar
resistentes. O trabalho da classe era intervalado de nume­
rosos recreios. Pestalozzi se com prazia em tom ar parte nos
divertim entos dos alunos. Quando os dias estavam bonitos
escalava com êles as colinas, herborizando, ajuntando seixos,
ou divertindo-se de qualquer outra maneira. O canto era
considerado recreativo e m oralizador. Cantava-se sempre e
em tôda parte: nos intervalos das lições, durante os recreios
e nos passeios.

Educação intelectual — Os princípios da educação inte­


lectual de Pestalozzi foram form uladas pelos colaboradores
e discípulos, em particular por M orge. Eis as mais im por­
tantes.
1. A intuição. “ A intuição é a base fundam ental de
todo conhecim ento” . Pestalozzi insiste m uito nesse princí­
pio, especialm ente na obra Com o G ertrudes instrui os filhos
onde escreve: ‘Só a verdade baseada na intuição nos pre­
serva do êrro e dos preconceitos” . (2.“ carta).
O conhecim ento deve sair com o um fruto sazonado da
intuição. “ Não a lanceis no labirinto das palavras antes de
ter form ado o seu espírito pelo conhecim ento das realida­
des” . O ensino deve ter por pon to de partida as coisas fa ­
miliares à criança. “ Para conduzir alguém a qualquer parte,
é preciso tom á-lo onde está” , diz ainda Pestalozzi.
O princípio da intuição é a observação; habituemos, p or­
tanto, a criança a observar porque “ a intuição é tanto mais
clara quanto m aior núm ero de sentidos a perceberem ” .
Pestalozzi não descobriu a intuição. A Igreja fêz dela
em todos os tem pos a base de seu ensino. Coménius, Franc-
ke, Basedow e seus discípulos se tinham servido dela e a
tinham recom endado. Seu m érito está em ter feito admitir
a sua im portância no ensino. (Gaba-se disso e com razão:
“ Que tenho eu feito, pergunta-se, que seja coisa pessoal? Es­
tabeleci o princípio superior que domina a ciência da educa­
ção no dia em que reconheci, na intuição, o princípio absoluto
de todo conhecim ento” ) .
Seu êrro é querer aplicá-lo a tudo em educação. A in­
tuição sensível deve ser a base e não o objetivo do ensino.
Certas idéias superiores não são de natureza intuitiva. E
também não é porventura um perigo apegar-se demais à ob­
servação do m undo exterior, e não é a missão do mestre
cristão transportar a inteligência do aluno do m undo sensí­
vel ao m undo supra-sensível? As noções de virtude, de vício,
de honra, de vergonha, são sobretudo percebidas pelos olhos
da inteligência. Não se trata de suprimir a intuição nem de
desconhecer os serviços que presta; mas, não se deve esque­
cer: ela não é senão um m eio de se elevar do m undo sensível
a um conhecim ento certo do m undo intelectual e m oral (H a -
b r ic h , Psicologia pedagógica, I, p, 94).

2. A linguagem é a base do ensino. A linguagem, con


form e Pestalozzi, deve servir de fundam ento aos estudos. A o
mesmo tem po que exam ina os objetos pela intuição, o m enino
form a para si um vocabulário que abraça tôdas as ciências
estudadas. A reprodução das idéias adquiridas leva ao es­
tudo da ortografia, da gramática, da com posição.
É evidente que as palavras devem acom panhar as idéias;
mas sem as idéias, não são de nenhum valor. Tornam -se até
um perigo porque a criança pode aplicá-las a idéias para que
não foram feitas. Pestalozzi não previa êste perigo quando
iêz da língua uma fonte das nossas idéias. Erra quando a
considera uma propriedade das coisas. A com panha todos os
nossos conhecim entos mas não os absorve.
3. Concentricidade dos estudos. Em cada ramo, o en-
tino com eça pelos elem entos mais simples, e se alarga de ano
para ano por desenvolvim entos mais e mais extensos e orde­
nados em séries psicologicam ente concatenadas. No com êço
de cada estudo, e preciso colocar uma base sólida a fim de lhe
orender os estudos ulteriores de maneira concêntrica. “ O
insucesso e a súbita parada das faculdades, diz Pestalozzi,
não provêm muitas vêzes de outra causa senão da inconsis­
tência do fundo sôbre o qual se eleva o edifício da educação” .
Daí deriva ainda a necessidade de se voltar incessantemente
aos grandes princípios, às idéias-mães.
4. Ensino graduado e lentam ente "progressivo. “ Os es­
tudos não devem proceder por saltos. A inteligência da
criança é com o a tenra flor que não é a princípio senão um
grão. Insensivelm ente cresce, mostra as fôlhas, deixa ver o
botão, abre enfim o seio e desabrocha” . Noutros têrmos, no
ensino é necessário ir do simples ao com posto, do fácil ao
difícil, e ajuntar cada dia aos conhecim entos adquiridos, al­
guns elem entos novos. A precipitação é reprovável; o mestre
íará uma parada suficiente a cada ponto de ensino para que
a criança adquira a com pleta posse e a livre disposição do
mesmo. Não se adiantará um grau antes de conhecer per­
feitam ente o grau precedente. É o m esm o conselho de R ol­
lin: As crianças aprenderão bem depressa se aprende­
rem bem ” .

5. O saber e a form ação do espírito. A plicai-vos, dizia


Pestalozzi aos colaboradores, aplicai-vos a desenvolver uma
criança e não a adestrá-la com o a um cão” . Im porta menos,
com efeito, mobiliar. o espírito do que aumentar suas fôrças
pelo cultivo da atenção, da reflexão, e do entendimento. O
valor do hom em depende sobretudo da cultura da sua in­
teligência.
6. O saber e o saber jazer. O conhecim ento estende o
nosso poder, não indefinidam ente, porque não é possível ter
certas causas em seu poder, mas em certa m edida que excede
algumas vêzes a certeza científica. “ Saber e não saber fazer,
diz Pastalozzi, é talvez o presente mais tem ível que um gênio
m alfazejo tenha feito à nossa geração” .
No intuito de ajuntar o poder com o saber, é necessário,
para muitas idéias, serem acompanhadas da ação que as ex-
teriorize.
7. A instrução e o destino — A eseola, tal com o a con­
cebe Pestalozzi, é verdadeiram ente a escola para a vida. E’
preciso educar o m enino com vistas a seu futuro e não fazer
dêle um desclassificado. Procurar as qualidades, as disposi­
ções especiais do aluno a fim de ajudá-lo a achar o seu ca­
minho, é uma parte im portante da tarefa do mestre. Pes­
talozzi considera com o perdidas “ as fôrças que se empregam
fora de sua vocação” . Não aprova que se façam nascer num
aluno aspirações superiores a sua condição; e desejaria três
gêneros de cultura: a dos camponeses, a dos burgueses e dos
artífices das cidades, e a dos sábios. Mas em cada um dêstes
graus, a form ação intelectual será com pleta, e as faculdades
receberão o harm onioso cultivo que reclamam.
8. R espeito à personalidade. A personalidade da crian­
ça é sagrada. E’ preciso dar-lhe uma liberdade conveniente
e não com prim ir a sua natureza. O respeito do indivíduo
exige igualm ente que a cultura não seja uniform e, esta deve
levar em conta o sexo, a diversidade dos talentos e as con­
dições sociais.
S. R elações en tre m estre e alunos. Estas relações de­
vem ser fundadas no amor. Vale mais obter o trabalho pelo
atrativo, o interêsse, a persuasão, do que im pô-lo. Peçtalozzi
se esforçava em exercer a obra da educação na alegria e
na paz, na afeição mútua entre o mestre e o discípulo. “ Da
manhã à tarde, diz, meus m eninos deviam constantemente
ler no meu rosto e em meus lábios que o meu coração .lhes
pertencia, que a minha felicidade era a sua, os seus prazeres
os m eus” .
Entretanto, em N euhof sobretudo, batia às vêzes nos alu­
nos; fazia, porém , reconhecer pela classe que os alunos o ha­
viam m erecido.

Pestalozzi e os conhecimentos fundamentais- — R efletin­


do nas propriedades dos objetos, Pestalozzi descobriu que se
podem reduzir a três principais a que se subordinam tôdas
as mais: o núm,ero, a form a e o nom e. A estas três quali­
dades correspondem três faculdades principais: a de contar
a de medir, e a de se gravar na inteligência, pela palavra,
os objetos conhecidos.
1. O núm ero. A idéia de núm ero leva ao ensino do
cálculo e da aritmética. A intuição serve de base: a num e­
ração e as operações são aprendidas por m eio de objetos ma­
teriais. Para as frações, Pestalozzi se serve do quadrado:
imagina um quadro intuitivo das frações que com preende
onze séries,, cada uma de dez quadrados. Os quadrados da
prim eira série são inteiros; os da segunda são divididos em
duas partes iguais; os da terceira em três, até dez. Em outros
quadrados são divididos em 2, 4, 6, 8, etc., ou 3, 6, 9, etc., ou
4, 8, 12, etc. partes iguais. Êstes processos são excelentes
para dar a com preender o cálculo rápido. Nos institutos de
Pestalozzi, a aritm ética era m uito bem ensinada, mas anda­
vam m al em fazer da matemática a m atéria principal do
curso de estudos.
2. A forma. O estudo da form a com preende o ensino
da geom etria e do desenho. Com eça-se pela linha reta; o
encontro de duas linhas form a um ângulo; o de três linhas
que se unem pelas extrem idades form a o triângulo; quatro
linhas form am o quadrado. Estuda-se em seguida o retân­
gulo, o arco, o círculo, tendo o cuidado de fazer recortar essas
linhas pelas crianças.
Pestalozzi fazia com eçar o estudo do desenho antes da
escrita. “ A escrita, diz, é uma espécie de desenho linear es­
pecial que não é senão um brinquedo para a criança uma
vez que seus olhos e sua mão tenham sido convenientem ente
exercitados” .

3. A linguagem. O estudo da linguagem com eça pela


pronúncia de todos os sons da língua; depois aprendem-se
as palavras por m eio de fichas em que as vogais são im ­
pressas em verm elho. Mais tarde com põem -se frases acêr-
ca dos objetos com uns: coisas da natureza, história e geo­
grafia.
Vem em seguida o estudo propriam ente dito da lingua­
gem ; por m eio de frases aprende-se a ortografia, a gramá­
tica e o estilo. De cada lição deve decorrer uma conse­
qüência moral.
Tem -se feito notar que o quadro de Pestalozzi é um
pouco estreito: é difícil fazer entrar nêle a religião, a geo­
grafia, a história, as ciências naturais. Tam bém essa con­
cepção dos três objetos de ensino foi abandonada há muito
tempo.

Processos de ensino. — No m étodo de Pestalozzi a in­


tuição penetra todo o ensino. Em leiturra,. emprega letras
m óveis com as quais se podem form ar palavras. Em his­
tória, com eça-se pela história local. Em geografia, toma-se
por ponto de partida a casa paterna, o m unicípio. Para a
história natural, serve-se dos mesmos objetos ou da sua re­
presentação. Em aritmética, faz-se-uso de quadros e de o b je ­
tos concretos. A geom etria se ensina por m eio de objetos
materiais. “ Inventávam os a geom etria” dizia um ex-aluno.
A música se aprende pela audição; a ginástica é acom pa­
nhada de canto.
Pestalozzi não teve nunca um m é t o d o b e m f i x o . Não
queria nem livros nem cadernos nas classes de Berthoud: a
sala, as paredes, o corredor, as ferramentas, o vestuário, a
roça, eis aí os seus livros. Tam bém não tinha horário coti­
diano. Não se sabia nunca, de antemão, de que trataria a
lição: obedecia à inspiração do m om ento . O ensino se diri­
gia à inteligência antes que à m em ória e os alunos não ti­
nham nada a aprender de cor. Repetiam simultâneamente
e em cadência as instruções do mestre. Pestalozzi fazia de­
senhar encmanto explicava outra lição: o seu fim era exer­
citar os alunos a fazerem várias coisas a um tempo. A
última hora do dia era consagrada a um trabalho livre, a fim
de desenvolver nas crianças o espírito de iniciativa.
Salientem os também o em prêgo de reg en tes: escolhia os
alunos mais velhos, com o numa fam ília os mais velhos ins­
truem os mais novos. O ensino m útuo estava assim já em
uso nas escolas de Pestalozzi no tem po em que B ell o des­
cobriu em Madras.
Quanto à emulação, Pestalozzi pensa, com o Rousseau,
que a natureza caminha para seu fim arrastada pelo próprio
pêso e que o sentim ento do m elhoram ento pessoal basta a
estimular as vontades. As com paracões entre crianças duma
mesma classe são fontes de rivalidade e de orgulho. “ Não
se conhece aqui, dizia um adm irador dêste sistema, nem con­
decorações, nem recomnensas, nem preferências dadas a esta
ou àquela criança. Estão tôdas contentes e felizes. Nenhum
gênero de inveja cresce em sua alma. Entretanto, uma em u­
lação constante as inflam a e as anima; mas é pura, nobre,
haurida no sentim ento de si, na consciência de' suas fôrças e
de seu desenvolvim ento (J ullien , Exposição áo m étodo de
Pestalozzi, pg. 159)” . Com o se vê, entre essas idéias e êsses
processos, há alguns que reclam am uma crítica severa.

Pestalozzi considerado como prático. — Pestalozzi não


era, portanto, em classe, um professor m odêlo. O seu e x ­
terior im pressionava mal. A ndava desalinhado, não tinha
asseio, mastigava sempre a ponta da gravata. “ Não tinha
nem program a nem horário. Os alunos não tinham livros
nem cadernos; continuava a mesma lição durante duas ou
três horas, sem se preocupar com o que os m eninos faziam
nas lousas. Fazia repètir em fila, sem explicar, sem inter­
rogar, sem propor problem as. Não se dirigia nunca às m e­
ninas, falava depressa e indistintamente, tirava o paletó na
animação da história, e muitas vêzes não parava de falar
senão porque os m eninos tinham ido ajuntar-se aos condis­
cípulos na r u a ...
Com o diretor faltava-lhe autoridade e até prudência; de­
masiada liberdade, m uito pouca preparação dos mestres,
falta de unidade no corpo docente e de ordem na adminis­
tração: tudo -provava a sua insuficiência no ponto-de-vista
prático (D am seau x , História da Peãagogia, pg. 449.)” Mas
isso não tira nada à im portância dos princípios que estabe­
leceu ou renovou.

A educação moral e religiosa. — Pestalozzi era incapaz


de dar educação m oral e religiosa: carecia de convicções.
E ’ certo que se separou claram ente de Rousseau proclam an­
do que a fé e a religião são o fundam ento da educação; essa
religião, porém , não passava para êle de um vago deísmo.
Pouco a pouco caiu no racionalism o. O seu Deus não é o
dos cristãos. Para êle, Deus é “ o amor universal m anifes­
tado no sol que se levanta, no ribeiro que escachoa, nas gôtas-
de-orvalho que aljofram as plantas, nas côres vivas das
flores” . Fala de Jesus Cristo com o M ediador e Redentor;
mas o considera som ente com o o m aior dos homens. Em
seus livros Leonardo e G ertrudes e Como G ertrudes educa
os filhos não se encontra nem mãe cristã, nem m em bro da
Igreja, nem dogm a de fé, nem palavra da Sagrada Escritura.
Êle não crê no m istério da Santíssima Trindade; ignora a re­
velação. A sua fé não é senão uma espécie de filantropia
geral.
Pestalozzi acredita, com o Rousseau, na bondade profun­
da da criança. Isso visto, de que serve ocupar-se com a sua
form ação religiosa? Bastará despertar as fôrças latentes de
sua consciência, fazendo apêlo a seus sentimentos generosos.
“ Em Stanz, diz, não ensinei a m oral nem a religião. E sfor­
çava-m e por despertar o sentim ento de cada virtude antes
de lhe pronunciar o nom e” .
Fm Y verdon as orações foram sunressas. M. Paro^ vê
neste fato uma das causas da decadência do instituto. Dois
alunos do mestre pronunciaram , sô^re a educação reb g ;osa
dada nesse estabelecim ento, um iuízo severo: “ Pestalozzi
não desenvolveu em rrrm a fé do' Salvador” diz de G\rmps,
e Ransauer acrescenta: “ Se tivesse tido fé, teria gostado
m irto mais de nos vivificar pelo Evangelho e para o Evan­
gelho” .
A instrução rebsrosa dada aos alunos era rm rto vajra e
imnrecisa. A o P. G :rard oue lho dava a ver. Pestalozzi res­
pondia: “ Ainda estou procurando a form a” .
Fêz mal em se deixar ganhar pelas de t<?0f :ln^tro-
pia postas em moda por Rousseau e seus discípulos. “ O ho-
m °m natural, a bondade natural, a psco1?* da natureza. o
estado da natureza. suT's t’ tiieT''' êle tôda a verdade his­
tórica, base do cristianism o” . (Stem m er).
Ccnclireão — Pestalozzi foi grande agitador de idé’ as pe­
dagógicas.' Não é o descobridor de seus m étodos; não fêz
mais que aplicar à educação as grandes m áxim as da sabe­
doria e da bondade. “ Não pretendem os a invenção, dizia
êle próprio ao P. Girard, mas procuram os pôr em prática o
que o bom -senso tinha ensinado aos hom ens há milhares
de anos. ( 1 ) ”
O que lhe assegura a im ortalidade é seu devotam ento
à infância, o seu ardor em popularizar a instrução. A sua
verdadeira glória foi não aspirar senão a um único emprêgo,
o de mest^e-escola. E’ na escola elem entar que desejaria
passar a vida. E’ ao né da escola eme deseiava d orn rr o úl-
t;mo sono. “ Quero, dizia, aue m e sepultem debaixo da bica
d’a?ua da escola, que inscrevam só o meu nom e sôbre a
pedra que cobrir os meus restos mortais; e quando as gôtas
a tiverem deteriorado e estiver já m eio escavada, os homens
se mostrarão talvez ma>'s justos para com igo do que o. foram
durante minha vida” (2).
Form ou ilustres díscínulos: o Pe. Girard. Froehel, H er­
bart. procedem dêle: inspirou u’a m ult’ dão de escritos cuja
influência se fêz sentir em inúmeras escolas. Procurou com
infatigável zêlo o irielhoramento das classes pobres pela ins­
trução. Exem plo m agnífico para todos quantos se dedicam
à educação da juventude!

B ibliografia — P e s t m ,o z z i. ftdjriov allcmnnde âc srs O cv v res co m -


p 1ctcs par S e y fa r th , à L c ib n itz (1 8 0 0 -1 0 0 2 ). — Traduciions fr a n ja is '1s : L e
nncvurl des m eres (P a r is . 1 8 2 1 ): Lcnnard ct G crtrn dc , lr c . partir (P a r is ,
1 8 2 1 ); C om m cn t G crtrndc insiruit res m f a n t s (P a r is . 1 8 8 2 ). — J u llte n t,
E x v o s é dc la m cV iodc d ’ cdncation dc P cst^loc^i (P n r is , 1842'). — A . C o-
í iitn\ P c .ta lo z z i (P a r is , 1 8 8 0 ). — C o m p a y p é . P cxfaiozri rt V c d n -a tio n é 7c-
m ^nfairc (C o ll. L rs G rands Ê ducal cu ra). ■ — - C y f,lopedia o f edn^alion » art.
P cH a lozzi. — D iction n aire ãe ;pcdaqoçiic , art. P esta lozzi. — Df> O ittm ps,
JTi^foire dc P esta lorzi, dc sa p ^vscc ct dc son o c v r r e (L °u s a n n o , 18.74). —
P i x l o c h e , P esta lozzi et l 9éãucation popu laire m oderne ( P ., 1 9 0 2 ).

(1 ) Picioridrio dp p c d a q o q w , art. P rrta loszi , p . 2329.


(2 ) Co m p a y r é , P e s t a l l o z z i , P r e fá c io .
II — Bell e Lancaster! o ensino mútuo

André Bell (1753-1832) era ministro anglicano em M adras quando


a vista de pequeuos indus exercitando-se, sob a direção de um dentre
êles, epi traçar caracteres sôbrt' a areia, lhe deu a idéia do ensino
mútuo. Aplicou êsse método em algumas ’ escolas, e publicou d u a s ,
ob ra s: umà continha»a narração das s u í . s experiências; a outra, indi­
cava os meios práticos de organizar seu sistema.
Tinha voltado para a Inglaterra na época em que Lancaster abria
as suas prim eiras escolas de ensino mútuo. Como as fundações de
Lancaster eram neutras no ponto-de-vista religiosos o clero anglicano
encarregou o ex-pastor de M adras de as tornar confessionais e de lhes
tomar a direção geral. Bell consagrou o resto da vida a essa obra.
Lancaster (1778-1838), professor inglês, tinha aberto uma escola
nos arrabaldes d.e Londres. Tornando se os seus alunos mais numero­
sos, sèrvlu-se dos mais adiantados como monitores. Pôde dar assim
o ensino a Um m ilhar de crianças, fisse sucessd atraiu-lhe a atenção.
Fundou uma escola nrrm al para a form ação de mestres para o novo
método. As escolas de Lancaster se difundiram na Inglaterra, na Es­
cócia, na Irlanda e pelo continente. Os anglicanos viram com maus
olhos essns fundações porque Lancaster admitia em suas escolas me-
nines de tôdas as seitas, não ensinava nenhum dogma e se lim itava a
fazer ler alguns versículos da Bíblia. Lancaster passou os últimos
%nos da vida na Am érica. M w reu em Nova Iorque na m aior miséria.

O sistema e suas utilidades. — Bell e Lancaster tiveram o mérito


de erigir, em sistema, um processo conhecido havia muito tempo (1)-
O aspecto de uma escola mútua era imprmente. O mestre ficava
sôbre um grande estrado, de onde’ v igiata e dirigia tudo. Antes da

(1 ) Plutarco dá a entender que era empregado entre os gregos. Se.


guiido Xenofonte, os Persas' faziam uso dêle. Em Toul, no século X I, os
alunos mais adiantados serviam de monitores aos *outros. Pietro de la
Valle, via.iando nas índias (1623) mencionava o costume de se servir de‘
eeítos alunos como monitores. Coménius sugere a idéia de agrupar os me­
ninos em dec-úrias sob a direção de capitães ( ãecurioes). O sistema moni-
torial existia no século X V I I nas escolas de Paris e nas de Démia, em
Lião. São J. B. df> la Salle o adotou como um progresso sôbre o ensino
individual m°s o abandonou pelo ensino simultâneo. Pestalozzi o usava em
Stanz; o P. Girard o tinha estabelecido em Fíibúrgo (Vide o Dicionário dè
pedagogia, art. Herbavlt e Paulet).
aula, tinha preparado 6 distribuído o trabalho aos monitores, cada um
dos quais tinha a seu cargo um grupo d.f alunos. D iversos funcioná­
rios eram encarregados da vigilância geral, da guarda dos registros,
da dístribuiçSo de cadernos e de lousas- A ordem era mantida por
uma disciplina muito firme. Os movimentos de conjunto se faziam por
palavras de com ando: atenção, cabeça descoberta, de joelhos, cruzai os
braços, de pé, assentados, olhai, examinai etc. Tinhfi.se o cuidado de
ter os alunos constantemente ocupados e de sancionar seu trabalho por
um sistema de recompensas e punições. ' Os castigos corporais' nSo eram
admitidos. Bell esperava muito da privação; e Lancaster, do ridículo.
D aí nas escolas Isncasterianas. punições grotescas: boné de bu írò, ins-
criçõés nas costas, blocos de madeira, correntes, suspensão ao teto den­
tro dum cesto ou dum saco, etc. '
O- sistema não deixava de ter algumas vantagens; nem um mo­
mento se perdia, as punições eram raras. Mudanças freqüentes de
exercícios fpvoreciam a précisfio de m ovim ento;' uma disciplina exata
desenvolvia hábitos de ordem, de -atenção e de observação. Uma van­
tagem considerável era habilitar ao ensino os melhores aluncs das es-
colss e suprir a falta de mestres, permitindo a um só governar grande
número de alunos.

Os seus inconvenientes — Os inconvenientes ultrapassavam talvez


es vantagens. O andamento da classe tornava-se autom ático e o tra­
balho consistia sobretudo em exercícios de memória. O mestre não
conhecia os alunos senão por in form ações; a sua influência era quase
nula. Os monitores nâo tinham a competência desejada e podiam abu­
sar de sua autoridade. Era impossível fiar-se nêles. Os próprios pais
nâo gostavam de ver os filh os Instruídos, não pelo mestre, mas por ou­
tros meninos. M algrado a disciplina, tal aglom eração de crianças não
podia deixar d e produzir cerja confusão que se tornava fonte de dis­
trações.
Mas o m aior êrro da escola rmttua fo i negligenciar a educação e-
o ensino religioso. Recitavam -se preces, aprendia se o catecism o e o
Evangelho, mas sem -comentário algum, sem explicação. Os manuais
para o uso dòs mestres recomendavam “o silêncio mais respeitoso sa­
bre o que é do domínio da fé. O ensino mútuo pode ser considerado
com o o precursor tímido do ensino neutro, obrigatório e leigoi
*
• Bibliografia — Cyclopeãia of Eãucation, art. Bell, Englanã ( educa-
tion in), Lancaster, Monitoria! System, National Society. — Dictionnaire
» de péãagogie, art. Herbaulf et Paulet, Mutuei (enseigenment). — G é r a b d ,
Éducation èt Instruction, I, 4e, éd. (Paris, 1904). — M e ik le jo h n , An old
eãucaiional Reformer, Dr. Anãrew Bell (Londres,- lfSBl). — Salmon,
Lancaster (Londres, 1 9 0 4 ).

III — Froebel (1782-1852) e os Jardins-de-infância

Sra. Pape Carpentier (1815-1878)

F roebel nasceu em Oberweissbach, pequena aldeia da Turíngia.


Na escola desgostou-se das lições decoradas e sentiu-se revoltadõ com
os métodos Inteiramente livrescos dos mestres. Entretanto apaixonou- *
se mais tarde pelas ciências e pela filo s o fia ; mas seu cursa de. estudos
foi irregular por falta de recursos- D al resultaram, em sua-form ação,
lacunas que reconhecia de boa-vontade.
Em 1805 encontramo-lo m estre-escola,- em Francfort. Após uma
visita a Pestalozzi torna-se adm irador e discípulo muito dócil do ilus­
tre mestre. D irigiu até por algum tempo o orfanato de Berthnud.
F oi aí que a idéia de um sistema especial para a educação da prim eira
Infância tomou- corpo na sua mente. A fu n d a ç ã o , da prim eira insti­
tuição para as crianças foi Pm Blankenburg, na Turíngia. Sustentou-a
p rtr meio duma publicação intitulada: Vinde, vivamos para nossos fi­
lh o s !... Achou para essa obra <f nome gracioso de Jardiris-de-infância
(K inder-garten). Para espalhar suas idéias fêz numerosas conferên­
cias e numerosos Jardins de-ínfância se organizaram. Protetores es­
clarecidos o apoiaram crim sua autoricfade e seus recursos. Diesterweg
fêz conhecer o seu sistema em B erlim ; M adame de Marenholtz lhe ga­
nhou as simpatias da alta sociedade. À m orte de Froebel, a institui­
ção dos jardins-de-infância estava definitivamente fundada.

Obras pedagógicas: 1) A educação do homem (1826);


é a obra capitai de Froebel. Trata principalmente dos sete
primeiros anos da criança e contém as idéias mestras do autor
sôbre a educação; 2) Cânticos da mãe (1843), conselhos sen­
satos sôbre a educação da primeira infância. 3) Cem can­
tigas dé péla (1844), cânticos muito simples e muito curtos
destinados a acompanhar o jôgo da péla que forma o pri­
m eiro dom do seu m étodo; 4) Vináe, vivam os para nossos
filhos, revista hebdom adária aue apareceu de 1837 a 1840.
Os escritos de Froebel não dão senão os traços essen­
c i a l da sua doutrina. Seus discípulos a form ularam com
m aior precisão. Lange dizia nas festas do centenário: “ As
grandes linhas estão traçadas; a pedagogia tem o dever de
edificar sôbre elas” .

A pedagogia de Froebel — O sistema educa^vo de Frobel


baseia-se em lei filosófica. “ Se essa lei não é compreendida,
diz M. Garcin, se não serve de guia e regulador íntimo para
o desenvolvim ento da ação educativa, os resultados se tra­
duzem pelo aborrecim ento e desgosto tanto para a profes­
sora com o para os m eninos (A educação das crianças pelo
m étodo froebeliano, p. 3 4 )” .
F roebel concebe a natureza com o um princípio único
que se confunde com ela. Êsse princípio é Deus, autor de
tudo. Se se admite essa doutrina, pergunta-se naturalmente
cm virtude de que lei êsse princípio único se desenvolveu
e em virtude de aue lei se produzem tantos fenôm enos va­
riados. A essa dunla questão F roebel responde com duas
leis que são o fundam ento de seu método.
Prim eira le i:A a t iv id a d e , a a ç ã o , e is a l e i d a e v o l u ­
ção da Esta lei que rege a evolução do mundo
n atu reza.
físico, faz-se igualm ente sentir na ordem intelectual. E ’ pela
ação que as faculdades se desenvolvem ; a inação lhes é fu ­
nesta. Mas esta atividade está sujeita a um princípio abso­
luto, do qual F roebel fêz a segunda lei de seu sistema.
Segunda lei ■
— A ou a l e i d o s
h a r m o n ia no con traste

c o n t r á r io s é a fonte Essa lei se resume nas


da v a r ie d a d e .

palavras afirmação ou negação. Todo desenvolvim ento leva


a matéria a estados diam etralm ente opostos que tôdas as
Jínguas exprim em por palavras de sentidos opostos: quente
p frio, esquerda, direita, em cima, debaixo, aberto, fechado
etc. Mas a natureza não passa bruscam ente de um estado a
outro. Estados interm ediários favorecem a harmonia: nem
o dia nem a noite chegam de repente; são precedidos das
alegrias da aurora e das doçuras do crepúsculo
Tôda a pedagogia dos Jardins-de-lnfânciá baseia-se nessas
duas leis.

M étodo de eáuca^ão — O m étodo froebeliano tem poi'


fim dar aos educadores um conjunto de processos e um ma­
terial especial que lhes perm itam cultivar a criança segun­
do os meios naturais. Com preende quatro meios principais:
í) Estudo da form a natural sob a qual a criança obedece
à lei da atividade; aplicações a sua educação. 2) Criação
do m eio educativo; cultivo dos jardins. 3) Criação do ma­
terial de ensino e de educação. 4) Educação moral, desper­
tar do sentimento religioso.

Os m eios de educação em pregados por F roebel podem,


portanto, reunir-se em quatro grupos:
Prim eiro gravo: A p l ic a ç ã o da lei de a t iv id a d e : jo g o s
g in á s t ic o s acom panhados de O fim dêste grupo
c a n t ig a s .
é desenvolver cientificam ente a atividade da criança. Com ­
preende, sob a form a de jogos, exercícios de ginástica acom ­
panhados de cânticos. F roebel com preendeu o proveito qus
ce pode tirar do jôg o organizando-o com m étodo. O jôg o é
a lei do desenvolvim ento da criança; nela todo sentimento
de alegria ou de prazer é acom panhado de atividade. O jôgo
oue mais o interessa é a encenação de algum acontec’mento
da vida cotidiana. Observa e depois imita: “ São os m o­
vim entos do cam ponês que semeia, que colhe, que bate o
trigo; é o trem que se põe em m ovim ento com os s<=us nu­
m erosos vagões; são as aves que voam do ninho e a êle vol-
tam; é a roda do m oinho que o ribeiro faz girar. Cada
jô g o é acompanhado de um canto que o resuma” . (D icio­
nário de pedagogia, art. Jardins-de-Injância.

Segundo grupo — O m eio educativo; cultivo dos jar -


dinzinhos . F roebel deu à primeira casa que fundou o nome
de Jardim-da-Infância, expressão sim bólica que indica “ um
lugar em que se educam as crianças de certa m aneira” e
não “ um jardim material que as crianças cultivam ” . (F.
K lein , o m eu afilhado no Jardim-da-Infância, I p. 2 ) . Mas
o cultivo dos jardinzinhos tem im portância considerável no
seu sistema. A terra exerce um atrativo sôbre a criança;
tira-se proveito dêsse atrativo: a criança rem exe o solo,
l:'mpa-o com o ancinho, semeia e colhe. Éste trabalho lhe dá
o gôsto pelas flores, pelas plantas e pelos insetos; contribui
a destruir seus sentimentos egoístas, fortifica-lhe a vontade
desenvolvendo a paciência e a perseverança. O jardinzinho
lhe dá as primeiras idéias da sociedade; vê que êle próprio
faz parte dum conjunto e que deve viver em harmonia com
os que o rodeiam. E o jardinzinho dá à criança a idéia de
um Deus criador que se m anifesta à alma pela beleza de
suas obras.

T erceiro grupo — O m a t e r ia l f r c e b e l ia n o ; e d u c a r ã o da

m ão pelos dons e ocupações.O tato é o sentido fundam en­


tal, o pai dos sentidos; a educação do tato é, portanto, a base
da educação intelectual da criança. Apalpar é para ela um
instinto irresistível e seria falta de habilidade não tirar pro­
veito do mesmo.
O material froebeliano é fabricado segundo os dados ma­
temáticos, porque F roebel julgava que “ sem a matemática
ou, pelo menos, sem o conhecim ento aprofundado da aritmé­
tica, a educação do hom em não é senão trabalho mísero, des­
cosido e sem consistência e que opõe ao desenvolvim ento e
à civilização, a que o hom em e a humanidade são chamados,
invencível obstáculo” (Educacão do h o m e m ).
Êste material com preende os dons e as ocupações.
Os d o n s . Os dons são em núm ero de seis.
1) A péla; a princípio uma, depois seis, com as côres
do prisma. Êste dom tem por fim inculcar as idéias de uni­
dade e de pluralidade, fazer conhecer as propriedades fun­
damentais dos objetos: form a, côr, m ovim ento, matéria. O
jogo de péla desenvolve o espírito de observação, favorece
a atividade e a destreza (1).
2) Esfera, cubo e cilindro. A esfera e o cubo apresen­
tam contrastes cu jo interm ediário é o cilindro. A vista dês-
tes três objetos diferentes dá a conhecer à criança a lei dos
contrários, pondo em oposição a m obilidade e a estabilidade,
a uniform idade e a variedade. Êsse dom desenvolve o espí­
rito de observação, perm itindo fazer um exercício de cons­
trução.
3) Cubo partido em oito cubos iguais. Com êsse dom,
a criança adquire as idéias de divisão, de núm ero e de se­
melhança. Pode ilustrar as narrações que lhe têm sido feitas
cm form a de conversação. Assim constrói a casinhola da
cabra cujas histórias lhe contaram, a ponte sôbre a qual
passa um trem ou uma carruagem.
4) Cubo dividido em oito tijolos. Cada tijolo tem seis
faces desiguais, mas iguais duas a duas. A criança estuda
novas form as geométricas. Pode fazer construções mais com ­
plicadas: paredes, mesas, banco, flores, form as matemáticas.

(]) F r o e b e l lig a im p o r t â n c ia m ística à e s fe r a e à f o r m a esférica .


D i z e m seus A fo ris-m a s: “ O e s f é r i c o é a m a n i f e s t a ç ã o d a d i v e r s i d a d e
n n i d a d e e d a u n i d a d e na d i v e r s i d a d e . O e s fé rico ó o gera l e o pa rticular,
o universal e o in d iv id u a l: reúne a perfeição e a im p erfeição, o com pleto
c o incom pleto” .
5) Cubo dividido em vinte e sete cubos iguais. Êsse
dom perm ite à criança reproduzir grande núm ero de ob je­
tos, fazer construções de tôda espécie: habitações, casas-de-
campo, capelas, igrejas, estradas-de-ferro, etc. Utilizam-se
os elementos já conhecidos para esboçar a educação artística
das crianças.
6) Cubo dividido em pedras de construção. O cubo é
dividido em vinte e sete tijolos semelhantes aos do quarto
dom. Dezoito dentre êles são inteiros; seis, são divididos cada
um em dois quadrados por uma divisão na largura; três são
divididos cada um em duas colunas, por uma divisão no com ­
primento. A criança pode fazer, com êsse dom, as constru­
ções mais difíceis.
Todos esses jogos são acompanhados ãe exercícios de lin­
guagem. D irigindo as construções a mestra em prega expres­
sões e frases c o m p ita s , m uito simples mas m uito claras, que
iaz repetir às crianças antes e depois do trabalho. A mais,
o núm ero dos tijolos ou dos cubos perm ite iniciar os alunos
nas primeiras noções do cálculo e da geometria.
A s o c u p a ç õ e s — As ocupações resultam da decom posi­
ção do sólido em superfícies, linhas e pontos.
1 — Superfícies — Servem -se de pranchetas de papel ou
de papelão para executar certos trabalhos: dobradura, re­
corte, cartonagem, tecedura. Com as pranchetas a criança
executa tôda uma série de desenhos, de projeções e de arran­
jos decorativos. A dobradura e a cartonagem exigem da
criança grande habilidade; mas consegue, com o tempo, fe-
iizes resultados, porque êsses exercícios se prestam a uma
m ultidão de com binações. A tecedura exercita a mão e as
faculdades intelectuais; põe em evidência as noções de nú­
mero, de côr e de form a.
2 — Linhas. Em pregam -se bastõezinhos, latas ãe en tre­
laçamento e anéis. Os trabalhos de entrelaçam ento são com-
plicados; form am a criança à observação, à paciência, à ação
penetrante Os anéis, fragm entários ou inteiros, abrem vasto
cam po à im aginação da criança e lhe perm item numerosas
criações artísticas.
3 — M étodo ãe desenho. Fazem-se as figuras mais va­
riadas com tentos, pérolas, botões, bordados. Ocupação
muito feliz que pode dar excelente m eio educativo. E ’ ne­
cessário que a criança seja colocada sem interm ediário em
íace da natureza; pouco a pouco adquirirá grande segurança
de mão e tomará o hábito da atenção e da observação (1).
4 — M aterial sem form a: areia e m odelagem . “ A areia
e a alegria da criança” . Faz cisternas, cavernas, jardins,
montanhas. A funda vales, rios e mares e despeja nêles a
agua. Hàbilm ente dirigido, o jôg o da areia torna-se meio
de preparação para o ensino da geografia. ( G u e x História
da educação, p. 506).
A m odelagem perm ite a reprodução de sólidos que a
criança já teve sob os olhos; bola, cilindro, cubo etc. R e­
produz em seguida quantidades de form as usuais: frutas,
bolas, vasos, casas, m óveis; etc.
O fim das ocupações é levar a criança a produzir obras
mais duráveis do que os “ castelos de areia” . Elas contri­
buem à educação 'com pleta. “ Interessam e atraem os pe­
quenos entezinhos que só querem m over as mãos. Prepa­
ram na criança o futuro operário. Habituam-se a manejar
as ferram entas: as agulhas de tecer e de furar, os cinzéis
de cortar, a faca de m odelagem . Exercitam em alto grau
a atenção. D esenvolvem a im aginação, a inventiva, e o gôsto

(1 ) Froebel fazia com eçar o desenho sôbre a lousa quaclriculada ou


sôbre o caderno pontuado. Depois de ce r !o número de exercícios, se a pli­
cava a côr. “ poroue, d i z, a form a e a côr aparecem à criança com o um
todo não dividido” .
artístico” , (C o m p a y r é , F roeb el e os jardins-da-infância, pá­
gina 60).
Quarto grupo: C o n v e r sa ç õ e s, p o e s ia s , c a n t o s . Todos
êsses exercícios têm por objeto a form ação m oral e o desper­
tar do sentim ento religioso. Os discípulos de F roebel com ple­
taram sua obra e mostraram que a conversação m oral pode
servir de base a todos os exercícios e tornar-se centro a que
convergem tôdas as demais lições.

O sistema <?e Froebel e a psicologia. — A pedagogia de


F roebel corresponde, em seu conjunto, à psicologia infantil.
A criança possui a atividade espontânea: o Jardim-da-infân-
cia se apodera dela e a estabelece com o base da educação.
Tôda aplicação prolongada lhe é im possível: dão-lhe lições
curtas, interessantes, desprovidas, quanto possível, de todo
form alism o. Quer apalpar, ver, ouvir, cheirar provar; tem
um amor mais pronunciado pelas côres do que pelas formas:
é instinto que os dons lhe perm item satisfazer. Tem ten­
dência pronunciada para a imitação: todos os trabalhos fa­
vorecem essa tendência. Sua im aginação é mais desenvolvi­
da que as faculdades da razão: os dons, e as ocupações lhe
fornecem os assuntos de invenção mais num erosos e mais
variados. A sua m em ória verbal é m uito flexível: aprovei­
ta-se para lhe fazer aprender cânticos, contos e poesias. A
triança é m uito sensível e propensa à simpatia: o jardim -da-
infância favorece essas tendências fazendo-lhe amar o belo,
inspirando-lhe ajeição pelos pais e mestres, piedade para
com os sêres inferiores. Com o as faculdades da razão são
pouco desenvolvidas, os exercícios vão do concreto ao abstra­
to, do simples ao com posto. Para desenvolver seu espírito
de observação, apresentam-lhe objetos que tenham contraste
notável, diferenças bem pronunciadas.
A educação do senso-moral não é esquecida. E ’ preciso
que a criança aprenda e aceite mais cedo possível “ a idéia
de uma lei necessária que governa e dirige tôdas as livres
atividades humanas, lei objetiva universal que não foi feita
por êle, mas emana da Inteligência suprema, e que a nossa
vontade deve tornar-se bastante forte para observar, depois
de se ter vitoriosam ente subtraído às tentações do egoísmo
e do orgulho. Ora o m étodo em uso no jardim -da-infância
não é perm anente e incessante revelação desta lei, de sua be­
leza e de sua sabedoria. E ’ Deus criador e legislador que
se manifesta à alma na m agnificência de cada uma de suas
obras. Que escola para o espírito. Que fonte de ação para
a energia que ainda es está procurando a si mesma! (C ô­
nego B e a u p in . O s Jardins-da-infância e o problem a da edu­
cação, p. 31-32).

Apreciações. — Quanto à educação física, F roebel tem


razão em reagir contra o constrangim ento e a passividade:
é preciso fazer a criança agir, jogar, inventar, despender a
sua atividade. No ponto-de-vista intelectual, o seu sistema
de form as geom étricas é por demais abstrato. O que forma
verdadeiramente a criança, são as form as vivas, irregulares,
com plicadas dos animais e dos vegetais. O m étodo de F roe­
bel não é radicalm ente falso, mas defeituoso. Tende a de­
senvolver o espírito geom étrico à custa do espírito de subti­
leza que se adquire sobretudo pelo exercício do juízo p rá ­
tico.
A educação m oral e religiosa, tal qual a concebia Froe­
bel, deixava a desejar. Quer, sem dúvida, que a religião seja
s. base da çducação. “ Tôda educação não fundada sôbre a
religião, diz, é im produtiva” . Mas trata-se de saber de que
religião quer falar. Ora, segundo os A forism os, êle faz do
cristianismo uma idéia singular. “ A religião, diz, é relação
ativa, produtiva, entre o hom em e Deus. Quanto à forma,
essa relação pode ser expressa de tantas maneiras diferentes
quantos são os m odos de conhecer a Deus; o espírito humano
é de essência divina; a unidade de essência em tudo, a uni­
dade de tôda variedade, é a essência de seu Criador, é o espí­
rito de Deus. A religião cristã, a religião de Jesus basta
para a relação entre o hom em e Deus; ela a expõe de m a­
neira com pleta” . Não vem os que se tenha preocupado em
aplicar à form ação religiosa das crianças essa mistura de
cristianismo e de panteísmo. F roebel é sobretudo discípulo
de Rousseau. M ichelet bem o havia com preendido quando
escrevia, depois de uma visita a Mme. de M erenholtz: “ Jar-
dins-da-infância. Religião da natureza” .
Censuram-lhe ainda certo simbolismo. V ê nas coisas um
sentido misterioso. Acham -se traços disso até na sua obra
principal, Educação do homem.
Froebel talvez tenha insistido demais na teoria do es-
tôrço agradável e não insistiu bastante na de sacrifício. M.
Paul Bureau nota judiciosam ente: “ A teoria do esforço agra­
dável deve ser com pletada pela doutrina do sacrifício aceito
com o tal, e no intuito de habituar, de levar o nosso natural
a submeter-se a exigências penosas, ainda quando nenhuma
perspectiva de alegria próxim a nos vem sustentar a vontade
e reanimar a coragem . O esforço que requer de uma criança
a observação atenta de um objeto acha em breve a sua re­
compensa na alegria que produz o resultado obtido e a luz con ­
quistada; mas, freqüentem ente, a vida social pede que nossa
vontade se submeta a disciplinas mais severas, até heróicas,
t nenhuma retribuição de ordem tem poral nos é oferecida” .
(Citado nela Crônica da im vrensa, 28 de ag. e 4 de setem­
bro 1913).
Em suma, a idéia de F roebel foi feliz. E’ um iniciador
cuja influência foi m uito grande sôbre a educação da pri­
meira infância. T om ando-o por guia, se obtêm felizes re­
sultados. O seu sistema não é rígido, se seus m étodos são sus­
ceptíveis de adaptação e m elhoram entos. A sua pedagogia
tem sido desem baraçada do que tinha de fictício e artificial;
perdeu o caráter sim bólico. Sua m archa é hoje mais realista
e mais prática. E ’ excelente, contanto que seja completada
por noções elem entares de catecism o e de história sagrada.
(V eja-se o excelente Curso de pedagogia do P e . H a u s t r a t e ,
p. 462 e seguintes, 4a. ed. Bruxelas, 1921).

Mme. Pape-Carpentier (1815-1878) i n s p ir o u - s e l a r g a m e n t e e m F r o e ­


bel, na o r g a n i z a ç ã o d a s s a l a s -d e -a s i lo . O r n o êle, q u e r q u e o e n s i n o s e j a
b a s f a d o na n a t u r e z a da c r i r n c a : é p r e c i s o i n t e r e s s a r os se n tid os, f a ­
z e r - lh e c o n h e c e r as c ô r e s , a s f o r m a s , a n a t u r e z a , a p r o v e n i ê n e i a d a s
c o is a s . A p l i c a t a m b é m o e n s in o s o c r á t i c o ; " O d e v e r da e d u c a ç ã o , diz,
é a n te s f a z e r n a s c e r a id éi a d o q u e c o m u n i c á - l a ” . P roclam a que a
e d u ca ç ã o deve ter p o r ba se a a f e içã o e o r esp eito: “ A cria n ça deveria
v i v e r n o m e i o d e i m p r e s s õ e s f r e s c a s e su a v e s. N ã o há urna c r i a n ç a
q u e n ã o se d e i x e p r e n d e r p e la a f e i ç ã o q u e se l h e d e m o s t r e . Amai a
ca d a um a das qm ' são e o n fia d r s aos vossos cuidados. Só valem os tan­
to q u a n t o a m a n n s . O a m o r é a c h a m a nue a t r a i a c h a m a ” .
O s seus l i v r o s tê m c h a m a d o a a t e n ç ã o s ô b r e a e d u c a ç ã o cfa p r i ­
m eira infância. M a s f ê z m a i s : c r !o u um n o v o p e s s o a l as m e s t r a s d a s
sa l: s -d e -a s i lo . M a i s d e m il e q u i n h e n ta s , f i r m a d a s p o r ela, d i f u n d i ­
r a m os p r i n c í p i o s de' p e d a g o g i a f r o e h e l i a n a .

B ibliografia — B e a u p i n , L c s J a rd in s ã ’e n fa n ts et le p ro b lèm e de l ’ é .
duentinn ( P a r i s . B l o u d ) . — G a r o t n , L ’ É d u ra tion des p e tits e n fa n ts p a r la
m c'h o d e fr o e b é lie n n e ( P a r i s , 1013). — C o m p a y r é , F ro e b e l et le» Jardin s
ã ’ e n fa n ts ( p o l i . Irs Grandx É d u ea te u r s). — Cf/elopeãia o f c d u ca tio n , a r t .
F ro r b e ], — D ietio n a ire de p é d a g o g ie , a rt . J a rd iv » d 'en fa n ts. — H i t g h e s ,
F r o e b e l ’ » F d u ea tion a l laws ( N e w - Y o r k . 1897). — F . K i . e t n , M on fille u l au
Jnrdin d ’ e n fa n ls , 2 vo l . ( P - r i s . O o l l i n ) . — Dietiaw naire de p é d a g o g ie , art.
P a p e .C a r p ' n tier. — K. G o s s o t , M m e. P a p e -C a rp e n tie r , sa r ir et son oexivre
( P a r i s , I T a c l u t t e ) . — M m e . K e r g o m a r d , L c s É coles m a tcrn clles, p u b l . du
M u séc p ed a p o g iq u e, vo l . V I .

IV. — Mme. Necker <íe Saussure (1785-1841)

Mme. N ecker era filha do célebre naturalista de Saus­


sure. R ecebeu educação m uito esmerada. A m iga de Mme.
de Staêl, sua prima, viveu na sociedade mais brilhante da
época. O seu prim eiro trabalho literário foi uma tradução
da Literatura dramática de Schlegel; escreveu uma biogra­
fia de M me. de Staêl. Sua obra principal é a Educação pro­
gressiva.

A educação progressiva. — A idéia fundam ental de Mme.


N ecker é que o ensino e a educação devem ser progressivos.
O m étodo progressivo segue, passo a passo, o desenvolvi­
m ento daç faculdades da criança, adapta-se a elas, arrasta-as
em m archa constante para a frente.
Rousseau, que pretendia seguir uma m archa progressiva
conform e à natureza, com ete grave êrro procedendo, em seu
Emílio, por uma série de lances teatrais. A natureza não
procede assim. “ Não a surpreendem a criar; sempre parece
desenvolver” , diz excelentem ente Mme. Necker. Um m é­
todo de educação não será verdadeiram ente fecundo se não
se adapta ao desenvolvim ento progressivo das faculdades da
criança, não perdendo jam ais de vista que a vida presente
não é senão uma preparação para a vida futura. Tais são
as idéias que desenvolve, em sete livros, a Educação pro­
gressiva.
Educação fír.;c3. — Mme. de Saussure se ocupa especial­
mente da educação moral, mas não esquece que os jogos, as
recreações, os exercícios físicos, são m eios de form ação. O
jôgo não é somente “ para a avidez dos sentidos” , desenvolve
a atividade, fala à im aginação, exercita a inteligência.
A criança tem necessidade de liberdade de espírito; é
preciso que, de vez em auando, o seu sangue circule redo­
brando de vivacidade. Os jogos ao ar livre, as corridas, a
bola, o jôg o da péla, a natação, a equitação, eis os diverti­
mentos que lhe são naturais. Mme. N ecker aconselha tam­
bém curtas viagens a pé e de aventura em que não se tenha
prevenido tudo de antemão. “ Nenhum projeto, nenhuma re-
compensa, diz, age mais fortem ente sôbre a imaginação das
crianças” (1 ). A crescenta que o pátio do colégio é uma es­
cola onde se aprende a vida humana. “ A í se adquirem ao
mesmo tem po a arrôjo e a experiência, a fôrça que reprime
e a que leva para diante; é aí que a preem inência não é con­
seguida senão por um conjunto de qualidades, que serão sem­
pre os verdadeiros elem entos de superoridade entre os h o­
mens (2 ).

Educação intelectual. — A s faculdades do adulto estão


em germ e na criança; mas não têm tôdas o m esm o grau de
desenvolvim ento. O m enino não tem a razão nem o poder
de atenção e de reflexão de um jovem . E ’ preciso tom á-lo
tal aual é; para isso, conhecê-lo bem. Eis por oue o edu­
cador deve ser psicólogo perspicaz, moralista delicado. A
alma das crianças, misteriosa e fechada ao mestre que a m al­
trata e desgosta, abre-se espontaneamente àquele que lhe
sabe ganhar a confiança. É prec;so amar as crianças para
as com preender, diz Mme. Necker, o elas se adivinham menos
pela inteligência do que pelo coração.
A experiência ensina, em pouco tempo, que a criança
pensa por imagens, que os seus sentim entos são violentos mas
de pouca duração, que a m aior parte de seus atos são im pul­
sivos. Cultivar-se-ão, portanto, as faculdades na ordem do
seu desenvolvim ento, mas sem as com prim ir ou deixar em
abandono. ,
A o núcleo prim itivo se ajuntarão sem cessar camadas
concêntricas até a educacão completa. M me. N ecker exnõe,
com a psicologia mais delicada, o jôg o das faculdades; dá os
conselhos mais autorizados para seu cultivo. Insiste parti­
cularmente no papel da im aginação, porque certos precon-

(1) Educação progressiva, II, p. 179.


(2 ) lã., II, p. 181.
ceitos tendem a aniquilá-la para se preservar de seus desvios.
Essa faculdade não é, para ela, fada m alfazeja: é fôrça que
importa dirigir bem, porque não se desencam inha senão por
falta de direção.

Educação moral e religiosa. — A religião penetra e uni­


fica o sistema de educação de M me. Necker. Indica-o cla­
ramente na epígrafe de seu livro: “ A nossa vida não tem
algum valor se não serve para a educação religiosa do nosso
coração” . A relig:ão é tudo na vida, e “ o sistema que se
funda em outro princípio é in com pleto” .
E’ preciso, der.de a infância, velar pela form ação dos há­
bitos, dirigir as m anifestações da consciência, fazer conhecer
e amar a verdade; agir sôbre a vontade pelo sent;mento, so­
bretudo pelo sentimento religioso. A criança só deve ter
sob os olhos exem plos salutares. E ’ preciso afastar delas os
com panheiros viciados, “ porque, diz Mme. Necker, as crian­
ças exercem um im pério prodigioso umas sôbre as outras” .
Não sendo esta vida senão a preparação para uma vida
futura, é da alma da criança que os pais e os mestres se de­
vem ocupar acima de tudo, e a autora da Educação progres­
siva escreve a êsse respeito umas palavras admiráveis aue
resumem tôda sua pedagogia. “ Instruir uma criança, é cons­
truí-la por dentro; é fazer dela um hom em ” .

B i l ) l ' : > ? i r f i a — M m e d e S a t t s s u r e . V É rtw a tio n P ro g re ssive , 2 vol.


(P a r is , . G a r n ie r ) . — T)ic'i< nnnire ãe pfãagoflie, art. Ncçker ãr Srivsiture.
— B o u s s e l o t , Hisfoirc ãe l ’ éâucation ães femmvs en France, I I (P a r i s ,
1 8 8 3 ).

V. — Diesterweg (17S0-1866)

Diesterweg, nascido em Siegen, na Y/esfália, foi diretor


de diversos colégios e, por últim o, da escola norm al de B er­
lim. Escreveu num erosos manuais para as escolas. Foi o
fundador das Fôlhas renanas cuja publicação dirigiu duran­
te quarenta anos. Nos últim os anos da vida, fêz-se propa-
gandista das idéias de Froebel. Seus adm iradores lhe outor­
garam o título, já dado a M elanchthon, de “ preceptor da A le­
manha” .

Pr ncípios. — D iesterw eg é discípulo de Rousseau e de


Pestalozzi. Crê na bondade profunda da criança. Nada se
faz de bom sem se basear na natureza da alma infantil.
“ Êste princípio, diz êle, é a estrêla polar do céu pedagó­
gico, ao redor da qual gravitam todos os métodos, todos os
processos de educacão. E ’ o ideal para o qual devem os ten­
der constantem ente” . (1).

A e^ucscão r^eve ser uma evc‘tT ã «. — “ Aprender é pouco,


e pouco produtivo, diz; assimdar é tudo. Instruir, é excitar;
a ciência da instrução é a ciência da e x c;tacão. Todo saber
que não tem êsse resultado, que não form a o espírito, e não
enriquece nem nobilita a alma, é vão e m orto; só serve para
a escola e não vale nada para a vida. (2).
O m estre d eve estar preparado para a sua missão por
estudos especiais. Essa preparação é indispensável. “ E’ pre­
ciso ser educado para educar os outros; com o dar o que não
se possui?” E D iesterw eg acrescenta, falando do mestre.
“Não é a terra, é o hom em o objeto dos seus cuidados. São
as almas que cultiva, é a vontade que procura fecundar. E ’
êle que semeia os germes, e sem êle o m undo recuaria para
n barbárie” . Daí a im portância da escola norm al e da sua
escola de aplicação.

n ) R o y , O bras escolhidas de D ie s te r w e g , p. 63.


(2 ) Id ., p. 279.
Educação intelectual. — D iesterw eg era professor incom ­
parável. Sua influência se fêz sentir no ponto-de-vista di­
dático. Sendo discípulo de Pestalozzi, faz da intuição o prin­
cípio de todo conhecim ento. “ Que se saberia do sol, da lua,
das estréias, das leis do pêso e da gravitação, sem a obser­
vação e a experiência? Não conhecem os claram ente senão
o que temos experim entado. Sem a intuição sensível, as
ciências naturais não passam de conjunto de n oções vazias;
e, sem o interior, o universo não é mais que um sonho (1)
D iesterw eg dá às ciências lugar exagerado no ensino.
Sustenta que a cultura verdadeiram ente humana se encontra
no estudo da natureza e que a im portância dada ao estudo
dos antigos é exagerada.
Pelo contrário, faz grande elogio da filosofia. R ecom en-
da-a aos mestres: “ Não há cultura geral, diz, sem um es­
tudo sério da filosofia. As vantagens dêsse estudo são ines­
timáveis, e só quem não o tem feito pode desconhecer-lhe o
valor” . (2 ). Muitas das lições im plicam noções de psicolo­
gia e de lógica que é preciso dar aos alunos com a m aior sim­
plicidade e levando-os a achá-las por si mesmos. Quando o
mestre é bem form ado, as qualidades lógicas do seu espírito
se com unicam à classe pela aplicaçãò constante que delas
faz no ensino.

Educação moral e religiosa. — A educação d eve preparar,


o hom em todo: êste aforism o repete-se freqüentem ente nos
escritos de Diesterweg. Para realizar êsse ideal é preciso
agir com tato e tratar a cada um conform e seu caráter e suas
aptidões.
E’ preciso ter o m aior respeito pela individualidade da
criança. “ Há guias da juventude que quereriam fundir no

(1) Id., p. 284.


(2) G oy , Obras escolhidas ãe Vicsteriueg, pg. 284.
m esmo m olde os pensamentos e os sentimentos dos alunos.
A personalidade é dom de Deus. Quem recusa reconhecer as
diferenças de caráter e encorajá-las não m erece o nom e de
educador: é um déspota e um verdugo. (1).
. O fim principal da educação é dar à criança o amor ãu
dever, tem perar-lhe a vontade, torná-la valente, discipliná-la
pelo estudo e exercícios escolares. Entretanto, Diesterweg
não crê no poder absoluto da escola para regenerar o mundo.
“ Repete-se freqüentem ente, diz, que aquêle que dispõe da
escola é senhor do futuro; é exagêro; a escola contribui so­
mente a preparar o futuro, eis a verdade. (2)
D iesterw eg declara que a religião é indispensável em
educação. Mas a sua concepção da religião é errônea. Sus­
tenta que “ o supernaturalism o é uma aberração psijológica.
A quilo que está acima da natureza, diz, é contrário à natu­
reza, é ininteligível, não existe. A religião do naturalismo
é a religião da natureza humana, a religião do sentimento e
do coração” . Suas idéias sôbre a alma são igualm ente cen­
suráveis: rejeita as idéias e as faculdades inatas. Nascendo
para a vida, a alma, segundo êle, não tem nenhum carátef
nenhuma form a psicológica. E ’ uma virtualidade que se cria
por assim dizer a si.
Não se pode aprovar quando se mostra adversário da
escola confessional e do ensino do dogm a eclesiástico. Se
a escola é um santuário, a religião aí deve ser ensinada,
porque o que im porta form ar na criança, é sua alma imortal.
Enfim, propõe o exem p lo com o o m eio mais valioso da
educação. “ O jovem mais extraviado, diz, conserva no fundo
da alma um pendor irresistível para a virtude. Que esta
virtude lhe apareça, e êle lhe sentirá a influência. Coragem,
portanto, pais e mestres, vossas lições não se perdem. Sêde

(1) ia., pg. 150.


(2 ) Id., pg. 213.
vivos, e fareis viver. A vossa influência depende, não do
que dizeis mas do que sois. O que quereis que sejam, sêde-o
vós primeiro”.

Bibliografia — G o y , Diesterweg, ■'oeuvres chokies (P aris, 1884). —


Cyclopedia o f éãucation, art. Diesterweg. — Dictionnaire ãe pédagogie,
art. Diesterweg.

A educação nos Estados Unidos e no Canadá francês

< 1. ORIGENS DA ESCOLA AMERICANA

A origem da educação nos Estados Unidos, remonta à fundação


das primeiras colônirs. Em 1624, a Assembléia geral de Virgínia deci­
dia que todo grupo de cem fogos seria encarregado da educação e dá
manutenção d'e rerto número de crianças indígenas, rs mais capazes
das quais poderiam tornar-st? missionárias entre os compatriotas. Igno­
ra-se se essa decisão foi executada.
A primeira escola de que se faz menção fot estabelecida pelos ho­
landeses em Nnva Anisterdam (Nóva-Iorque), em 1633. Os habitantes
dâ Nova Inglaterra fundaram o colégio de H arvard e abriram por tôda
parte pequenas escolas (1).

(1 ) Est-is escolas eram pequenas casas pintadas de vermelho, de uma


arquitetura uniforme, tôda primitiva, que ficaram sendo objeto de piedosa
venerarão. Os meninos durante dois meses do inverno, e as meninas du-
rartfe dois meses do verão, aí aprendiam a ler, escrever rom algum cuidado
na ortografia, e o suficiente de aritmética para trocar uma moeda na
venda.
“ A disciplina era severa. O chicote agia na escola tan'o como nas
plantações de escravos. O pedagogo que, em nossos dias, submetesse os
Os QuaV.ers da Pensilvftnia fizeram o m esm o; as crianças pobres
foram admitidas gratuitamente nas suas escolas; as ricas pagavam
uma contribuição módica. Desde que um Estado possuísse algum cen­
tro de população, ocupava-se com a instrução dos méninós.
Os escritos c?e Coménius, de Bacon, de Locke, transpuseram o ocea­
no e foram estudrdos em H arvard e em outras partes. Franklln es*,
creveu, em 1749, o Esbôço duma escola inglêsa; era um plano de estu-.
d O para uma academ ia de Filadélfia- Recomenda o estudo da lite­
ratura inglêsa. não diz nada das línguas antigas e mal toca nas ques­
tões de método.
A primeira obra am ericana de educação, o Plan of teaching, foi
publicada em 1750 por Cristóvão Dock, professor de origem alemã. Foi
pelos pedagogos alemães que as idéias de Basedow e de Rctuâseau pe­
netraram nas colônias-
Jefferson foi infatigável prom otor das obras <?e edueaçâa Ocupou-
se especialmente das escolas elementares e fundou a universidade de
Virgínia.
A influência de Pestalozzi fêz-se sentir indiretamente por intermé­
dio de Neef e Cabell. N eef era antiga colaborador do mestre. Cabell
fizer?, os estudos na Europa e visitara Yvercfon. Introduziu os novos
métodos na Virgínia. \
Até o X I X sécnlo não se preocuparam com a form ação dos mestres.
Hall foi o prim eiro oue inaugurou em Concord (N. H .) cursos parti­
culares para os professôres (1826). Alguns anos m ais tarde, o Estado
de Masshchusfetts, g ra çts à atividade de Mann, foi o prim eiro a pos­
suir escolas normais.
-A literatura pedagógica desenvolveu-se prodigiosamente nos Esta-
f?os Unidos desde o inicio do X I X .9 século. A prim eira revista consa­
grada à educação. The Academician, apareceu em Nova Iorque em 1811.
O número de periódicos atuais com relação às questões pedagógicas
passa muito de cem.
A neutralidade das escolas públicas, nos Estados Unidos, explica a
criação de numerosas escoias confessionais, entre as quais as institui­
ções ca tíP ces são em com paração as mais numerosas e as m ais bem
organizadas.

sieú# alunos à nutrição mesquinha, aos açoites que então eram o quinhão
dos escolares, seria votado pela imprensa à execração universal e deveria
julgar-se feliz se conseguisse escapar ao castigo das su"s crueldades par»
com a infância” . (M ac-M aster, Bistâria ão povo americano, I, pg. 20)'.
2 — A S ESCOLAS E A ORGANIZAÇAO ESCO LAR D A
PRO V ÍN C IA D E QUEBEC (1)

' Os franceses estabelecidos no Canadá tinham aberto escolas antes


dos holandeses, puritanos e quakers. Em 1616, dois irmãos recrfletos
fundaram uma escola em Trois-R ivières para ensinar aos jovens Índios
a religião, á leitura e a escrita- Em 1Ô18, outro recoleto. o Pe. Le Ca-
ron fundava uma escola semelhrnte èm Tadoussac. Em 1635. os Jesuí­
tas inaxiguraram em Quebec uma escola elementar que durou até 1760.
Os primeiros colonos franceses eram desprovidos de instrução. Des­
de oue lhes foi p"«ssfvel. se preocupàram com fn zer instruir os filhos.
O clero favoreceu com todo o poder a m ultiplicação das escolas.
Em 1700 exlstipm em tôdas as paróquias importantes da região cfe
Qutíbec e da regi fio de Montreal.
Durante cinoiienta anos (1699-1747). os Irm ãos Hospitaleiros da Cru*
ou Irmfios Chamvn, fundados na colônia, entregaram-se com êxito à
educacfto dos tneninos, dirigindo escolss em Montreal e nas roças ,cir-
cnnvizinhas. '
A s escolas de meninas forrm numerosos e prósperas. As Ursulinas.
chegaram a Quebec pm 1639. sob a direçáo da venerável -M aria da In-
cprnaçâo, e abriram logo um externato gratuito, e depciis um pensio-
nato.
Em 1659 a Venerável M argarida Bourgeovs fundou a congresração
d e N otre Dam e que devia prestar serviços t&o eminentes à causa da'
educpçSío. ' -
Nenhuma espécie de ensino foi esquecida. Mons. de Montmorency-
Laval, prim eiro bjspo de Quebec, fundou várias escolas de artes e
oficies. • .
O Colégio dos Jesuítas, em Quebec, dava o curso completo de hu­
manidades. Acrescentou-se-lhe uma escola de hidrografia que deu h o­
mens notáveis.
Os livros, os métocTos. os program as eram os da mãe-pátria. Os
mestres tinham, como primeira ocupação, form ar os meninos na virtu­
de e frzê-los cristãos. Com o ensino religioso davam-lhes todos os co­
nhecimentos elem entares: leitura, escrita, ortografia, cálculo, civilidade.

. (1 ) S e êsse estado sôbre as escolas francesas da província de Quebee


é intercalado num capítulo consagrado aos educadores protestantes, é uni­
camente por motivos cronológicos e para aproximar as organizações esco.
lares de dois países vizinhos. . Católicas desde a - sua origem, as eseolaa
canadenses, francesas são hoje, mais do que nunca, essencialmente católicas.
O clero empregou zêlo admirável em difundir a instruç&o. Também
os canadenses conservaram -para com seus padres um reconhecimento
profundo, e agruparam-se ao redor dêles nas horas trágicas da história.
Durante ós prim eiros anos da (íom Inação inglêsa. as escolas per­
maneceram pfltico mais ou . m ent» desertas. Os canadenses temiam-nas
eomo meios de anglicização. O padre ensinou, no seu presbitério, a re­
ligião, e ca conhecmentos elem entares: as mães de família,, que tinham
recebido excelen te' educação das Ursulinas ou das religiosas de Notra-
I )?, me, fizeram -se professôras dos filhos. Os inglêses tentaram várias
vêzes estabelecer o ensino néutro e controlar as escolas. Çansado de
lutar, o govêrno autorizou a fundação de escolas francesas e cs tóllcas.
Foi durante êsse período de perturbação que o clelro fundou colégios de
ensino secundário para form ar homens capazüs de defender, no terreno
constitucional, os direitos dos canadenses franceses. E m 1852 'essa orga­
nização recebeu o seu complemento com á fundação, em Quebec, duma
universidade católica;
Em 1837 chegaram a Montreal os Irm ãos d,Fs-Escolas Cristas. Mais
tarde outras congregações docentes encontraram, às niargens do Sáo
Lourenço, um acolhimento digno de um povo' que conserva, « ím o tesouro
precioso, a fé dos antepassados e as mais nobres tradições francesas.
Cada província canadense tem uma organização escolar especial.
A da província de Quebec, sem ser perfeita em todos os pormenores,
passa com razão por das melhores. Poderia fornecer graves assuntos
de m editação a certos políticos dos dois mundos que espezinham os di­
reitos mais' sagrados dos páis e dos filhos.
Os canadenses franceses mfvstrjiram-se respeitosos fla religião e da
língua da minoria protestante. Católicos e protestantes têm escolas se­
paradas é adm inistração escolar especial.
C p da localidade, representada por com issários de esccüas escolhi­
dos pelos contribuintes, tem a m ais- completa liberdade quanto à es­
colha dos mestres. Ós contribuintes que não professam a crença da
maioria dos habitantes do município em que residem,, têm direito a
uma comissão escolar de três membros escolhidos por seus correligio­
nários.- Que contraste com outros países era que, se impõem, em nome
da liberdade, mestres de que, muitas vêzes, a maioria da população
não quer saber!
Os canadenses franceses saírem demasiado o que dtevem ao clero
para relegar “o padre à sacristía". O pároco, é, de direito, visitador
das escolas de sua prróquia. Faz a escolha dos livros de. aula que têm
relação com a religião e a moral. Pode ser com issário da escola, e
muitas localidades têm, com o honra, escolhê-lo para êsse cargo.

[ Sp? ]
*
Os canadenses franceses têm sempre repelido a utrpia dá obriga­
ção. Entre êies a freqüência escolar é muito satisfatória e a província
de Quebec ocupa o prim eiro lugar, entre as províncias da Confederação,
na média d e'freq ü ên cia na esccia. '
Os canadenses .franceses não querem saber da mentira da neutra--
lldade. Em tôdas as escolas se^nsina a religião e a moral. Pôs to que
desejem para os filh os tôdas as vantagens da instrução profana, 03
pa is dão o lugar de honra às ciências que se ocupam da alma e dos
seus destinos imortais.
Os canadenses franceses sentem-se felizes em con fia r os filh os aos
membros das Congregações docentes, ao passo oue em fritros países
os sectários vs expulsam brutalmente*. A s autoridades escolares procla--
mara bem alto a competência e a dedicação dêsses “ voluntários da
Gristo” . O inspetor geral das escolas católicas dizia recentemente :■
“ Qupndo se sabe com que cuidados fsses prnfessôres e professôras con­
gregados são form ados, tanto no ponto-<?e-vista mnral como no peda­
gógico, é com legítimo w gu lh o que se pode aesegurar que nenhuma
outra província da Confederação está em condioões de pretender ter
igual vantagem ; mais do que isso, igual honra nacional” .

Bibliografia — A. C. J. O. Étuãe critique ãe notre sjrstème scoleire


(Montrial, 1913). — Mas. á . G o s s e l i n , L ’Instruction an Canada eovs le
réffime francais (Québeo, 1911). — M o e . L. A. P a q u e t , Vroit pvblic de
ã ’Église. L'Églire et l ’eãucátion ( Québee. 1909). — P i e r l o t , La Législa-
tion scolaire de la provinee ãe Québeo (Bruxelles, 1911).

3 — ITORÁCIO MANN (1796-1859) E A ESCOLA PÚBLICA

H orácio Mann é 0 organizador, nos Estados Unidos, do sistema, <7as


escolas públicas. Nasceu em FrankHn (M assachussetts).
Até os vinte anos foi lavrador. Trabalhava o dia todo e. à noite, de­
vorava os livros da biblioteca de sua cidade natal. Foi-lhe possível en­
fim entrar no Oolégio dé B rr«wn. Form ou-se em <7ireito. foi deputado
à legislatura do Estado e membro do Congresso. D e 1837 a 1849 exer­
ceu as fimcõPs de secretário do Gabinete de Educação. Entregou-se todo
a essas funções cuja im portância extrema compreendia. Era pensando
em sêus deveres de estado que e screv ia : “ Queira Deus conceder-me
que aniquile 0 meu egoísmo e queira dar-me um espírito de sabedoria,
um coração de bondade” .
A 15 de setembro de 1852 era eleito governador d<~/ Estado. N o
mesmo dia, uma sociedade de am igos da educação ofereceu-lhe a di-

[ m,]
reçfto; de uni colégio a organizar ein Yellow Springs (Ó hlo). Optou pela
função mais ínodesta em aparência; maior, porém, a seus olhos-
Consagrou-se até o esgutamento das fôrças ao desenvolvimento
dessa c í ; s u que tomara o nome do Colégio de Antioquia. No seu úl­
tim o discurso aos estudantes dizia-lh es: “ Envergpnhai-vos de m orrer
antes de tercíes ganho alguma vitória para a humanidade” .

Obras pedagógicas. — As obras de Mann sé compõem de


doze Relatórios publicados de 1837 a 1849. Alguns foram
sensacionais. Trata tôdas as questões que podem tornar as
escolas mais eficientes e mais sólidas. Consultar-se-ão sem­
pre com fruto. •

O seu programa de ação. — Desde que foi nomeado se­


cretário do Gabinete de Educação, Mann propôs-se melhorar
o sistema escolar de Massachussetts. Os seus esforços foram
dirigidos a vários pontos importantes: Desenvolvimento das
escolas rurais; para interessar o povo a essa grande obra em­
pregou ,três meios: as conferências, a publicação dum jornal
pedagógico e dum relatório anual; o melhoramento do en­
sino pela formação dos mestres. Em 1839 e 1840 fundou três
escolas normais. Depois da sua fundação escreve- estas pa*
lavras triunfantes: “Nunca dias mais brilhantes aparece­
ram para a nossa causa” ; fundação de bibliotecas; achava
que a biblioteca da escola se devia abrir tanto aos pais como
aos alunos: “Quando a escola estiver bem provida de livros,
diz, os homens feitos retomarão o caminho da escola” ; dis-'
ciplina mais paternal; o uso do chicote era freqüente. Êste
procedimento bárbaro diminuiu ràpidamente. Mann fêz
mais: estabeleceu os princípios^ a que devem: fazer apêlo a
disciplina e a educação moral: a obediência deve ser: fun­
dada na estima e no respeito e não no temor. As lições bem
ensinadas, a afeição que um mestre hábil inspira: aos alu->
nos, o entusiasmo que lhes comunica pela çiência, impedem
muitas punições. Quando não é possível deixar de punir,

[ su 1
é preciso ter cuidado de proporcionar o castigo à falta e nunca
acrescentar-lhe sentim ento algum de ódio.

As auas idéias pedagógicas. — Mann foi sobretudo um


organizador, mas podem -se tirar do conjunto das suas obras
algumas idéias que form am uma doutrina. Prim eiram ente
faz-se uma alta idéia da educação. A ntes de com eçar as suas
funções de secretário, faz uma espécie de retiro pedagógico
para esboçar o program a de ação, prosesgue incansavelmente
a sua tarefa apesar da indiferença do público e da hostili­
dade de certos políticos.
A bandona a jurisprudência, vendera sua biblioteca e,
com o fim de com pletãr os edifícios das prim eiras escolas
normais, vai até hipotecar as suas propriedades. Enfim pre­
fere às colocações elevadas a função mais hum ilde de orga­
nizador e de diretor de colégio. M ostra bem assim o valor
que dá à form ação da juventude.
Tal grandeza de alma não pode senão fazer-nos deplorar
amargamente a sua falta de con vicções religiosas. Sua re­
ligião é tôda natural; lim ita-se à crença em Deus, à P ro­
vidência, à im ortalidade.
Tem, entretanto, um fundo de cristianismo que lhe faz
com prender a im portância capital da form ação moral. Suas
palavras são muitas vêzes as de um Cristão convencido. “ E’
preciso saber suportar o sofrim ento, esperando as com pen­
sações da eternidade” . “ A lei divina é eterna. A com pa­
nha-nos neste m undo e no outro, não fazendo dos dois senão
um só m undo e reduzindo a m orte a não ser mais do que
simples acidente da vida” . Antes de m orrer, dizia à m ulher e
aos filhos: “ Se algum dia estiverdes em baraçados sôbre o
que deveis fazer, perguntai-vos o que Jesus teria feito em
vosso lugar” .
Tôda pedagogia repousa sôbre uma psicologia; as idéias
psicológicas de Mann são m uito imprecisas. “ A natureza
humana é inpenetrável” , diz êle. Entretanto, faz uma espé­
cie de classificação das faculdades e coloca em prim eiro lugar
a consciência moral e o sentim ento da responsabilidade. Vêm
em seguida as afeições altruístas e sociais. Faz do hom em
:im ente do dever. Censura as inclinações egoístas que o
im pedem de se dedicar ao bem da humanidade e fazem dêle
“ animal feroz, ave de rapina” .

Educação física. — Mann considera a saúde física con­


dição da saúde da alma. Foi dos prim eiros em seu país que
se ocuparam de higiene e de arquitetura escolares. Dava
grande im portância ao ensino da fisiologia na escola. De­
clara professar grande respeito pelos órgãos da respiração.
“ São, diz, Dii m inores sem cu jo auxílio as faculdades supe­
riores do cérebro ficam tão desamparadas com o um chefe
de esquadra que, sem tripulação, quisesse fazer singrar um
navio’.

Educação intelectual. — Segundo Mann duas leis devem


presidir à form ação do espírito: a lei da sim etria e a lei
da ação.
A prim eira consiste no desenvolvim ento harm onioso das
faculdades; a segunda indica o exercício com o m eio de obter
êsse desenvolvim ento. A inação deixa dorm ir e extinguir-se
fôrças incalculáveis; o esfôrço prolongado produz maravilha.
Em bora clássico e humanista, Mann é positivo e utilitá­
rio em educação. Pede que os program as levem em conta
as ocupações futuras dos alunos e o m eio onde terão de
viver.
Tem horror à educação livresca. “ O uso servil do livro
é um grande mal, diz. O segrêdo da educação não é o amor
dos livros, é o am or do conhecim ento’. Em Antioquia, dava
aos professores esta senha: “ T ext-b ook s o menos possível” .
Uma preparação séria das lições, eis o m eio de evitar os
abusos do manual. “ Uma hora por dia que o professor con­
sagre a preparar uma lição atraente o dispensará de muita
severidade” .
D eclara-se hostil a tôáa emulação, isto é, “ oposto a todo
sistema de disciplina que se funde em recom pensas ou prê­
mios e que, levando os m eninos a se com pararem com seus
colegas, os desvie do verdadeiro princípio de ação; o que con­
siste em se com parar a si m esm o com um ideal de excelência” .
São idéias de Rousseau e de Kant que não podem os aprovar.
Enfim pede aos m estres que ex citem o ardor e o entu~
siasmo dos alunos. Êle próprio era incom parável a êsse res­
peito. “ Seria tão difícil, escreve um dos seus antigos alunos,
estar mais perto do sol sem lhe sentir o calor, do que ser
testemunha da paixão de Mann pela verdade sem dela par­
ticipar. A vivacidade das suas im pressões não era senão
uma form a de sua fé em Deus e no homem , fé tão conta­
giosa que a indiferença, a misantropia, o ceticism o, se des­
vaneciam a seu contacto” .

Educação moral. — M ann sem pre considerou a cultura


m oral com o o fim suprem o da educação. Em seu nono R e­
latório deplora a pobreza do ensino destinado a form ar o ca­
ráter e a desenvolver os bons sentimentos: “ Que se ensina
aos meninos sôbre seus deveres recíprocos, sôbre a piedade
filiar, que se lhes ensina contra as paixões do orgulho e da
cobiça, da in veja e da v in g a n ç a ? ... Quando ensinamentos
dessa im portância são negligenciados, os m eninos podem tor­
nar-se bons gram áticos e hábeis calculadores; mas serão h o­
mens bons, justos e ben fazejos?”
O fim da escola deve ser fazer o hom em honesto e o bom
cidadão, cujas virtudes serão a pureza dos costumes, a pon­
tualidade, o devotam ento, o espírito de sacrifício, o espírito
de solidariedade. E Mann é verdadeiram ente eloqüente
quando descreve a beleza do m undo moral. “A s leis do mun-
do físico, diz, em palidecem e se apagam diante das glórias
morais que envolvem o universo em celeste luz. O coração
conhece encantos que nenhuma beleza das coisas conheci­
das, nenhum sonho das coisas desconhecidas saberiam igua­
lar. A virtude brilha com mais puro fu lgor que o diamante;
os jardins da A rábia não exalam tão doce perfum e com o o
da caridade” . Para alcançar êsse ideal de hom em honesto,
o m enino deverá fazer guerra a tôdas suas más inclinações:
preguiça, dissipação, desobediência, mentira, que têm todas
gravidade excepcional sob o ponto-de-vista da m oral e do
próprio futuro. Não deverá sofrer senão boas influências; a
escola deve ser m oralm ente sã. Em Antioquia, Mann fazia
escolha dos alunos sob o ponto-de-vista da moralidade ainda
mais do que da inteligência; elim inava desapiedadamente os
viciosos incorrigíveis. No seu pensamento, o alto saber deve
ser “ o privilégio dos jovens virtuosos” .

Conclusão. — Mann foi mais feliz que outros grandes


educadores: foi-lh e dado realizar quase todos os desejos. A
sua influência foi m uito assinalada sôbre as escolas de Mas-
sachussetts; mas irradiou sôbre tôdas as instituições dos Es­
tados Unidos. Já, em 1844, G. Emerson podia escrever: “ Os
Relatórios de Mann têm achado eco nas florestas do Maine,
às margens de São Lourenço, e nas bordas dos Grandes La­
gos. Foram lidas, ouvidas no Oeste e no Sudoeste. Neste
momento, regeneram as escolas do Rhode-Island. Foram vis­
tas, nos ângulos mais rem otos do Ohio, quarenta pessoas
reunirem -se para lerem juntas o único exem plar dos R ela­
tórios do secretário de Boston que tinham podido conseguir” .

Contemporâneos e êmulos de Mann — São legião. L im ite m o -n o s aos


m ais distintos: 1’ a g e e Bem ard.

D a v id P agf , ( 1 8 1 0 - 1 8 4 8 ) exerceu in flu ê n c ia con sid eráv el sôbre a e d u ­


ca çã o p ela fu n d a ç ã o d a e sco la norm al d a A lb a u y (1 8 4 4 ) c u jo p rim eiro
d ire to r f o i sob recom en d ação expressa d e M ann e d e B arn a rd . D eix ou
um a obra n otáv el, T h c o r y and p ra c tice o f tea ch in g , que os m estres ainda
con su lta m com p ro v e ito . “ N enhum liv ro sôbre as questões de ed u cação tem
sid o lid o p or ta n to s A m e rica n o s e d urante tão lo n g o s a n o s” ( W i n s h i p ) .

H e n r i q u e B a r n a r d ( 1 8 1 1 - 1 9 0 0 ) r ep a rte com M ann a g ló ria d e ter


d irig id o o m ovim en to p e d a g ó g ic o n os E sta d o s U n id os. M em b ro d a leg is­
latura, secretário e su perin ten d en te das escolas no C onn eeticut e em R hode-
Isla n d , fê z em tô d a a p arte úteis re fo rm a s. E lo fu n d o u e p u b licou por
lo n g o s anos o A m erica n Jou rn a l o f E ã u ca tio n , c u ja co le çã o fo r m a v er.
d a d eira e n ciclo p é d ia p e d a g ó g ica .
E m 1867, f o i n om ead o C om issário do G a b in ete ã e E d u ca çã o em W a s ­
h in g ton .
P u b lic o u nu m erosos R e la tó rio s, fu n d o u escolas norm ais, criou b ib lio ­
teca s, org a n iz o u c o n fe rê n cia s p e d a g ó g ic a s e tra b a lh ou na d ifu sã o das es­
colas froeb e lia n a s. A lé m dos num erosos a rtig o s no A m erica n Jou rn a l, d ei­
x ou m ais de cin qü en ta o b r a s 's ô b r e h istó ria d a ed u cação, p rin cíp io s, teo­
rias de p e d a g o g ia e org a n iz a çã o escolar dos d ife re n te s p aíses da E u rop a.

B i b l i o g r a f i a — M a n n , R e p o r ts ojí S e c r e ta r y o f tlie B oa rã o f E ã . o f
M a ssa clm ssetts (E d . ab rég ée, 4 vol., B o sto n , 1 8 9 1 ). — C o m p a y r é , II.
M a n n (c o ll. L e s tíra n á s É d u c a tc u r s ). — G a u f r è s , II. M an n (P a r is , 1 8 9 7 ).
— - H i n s d a l e , H . M an n (N c w -Y o r k , 1 8 9 8 ). — P h e l p s , D a v iã P a g c (N c w -
Y o r k , 1 8 7 2 ). — C y clo p ed ia o f E ã u c a tio n , art. B a rn a rd , H e n r y . — D e x t e r ,
H ic to r y o f eã u ca tio n in th e U n ited S ta te s (N . Y ., 1 9 0 4 ). — B u e n s , T he
C a th olie S ch ool S y ste m in lh e U. S. (N e w -Y o r k , 1 9 0 8 ). — M c. C o r m i c k ,
H is to r y od E ã u ca tio n (W a s h in g to n , 1 9 1 5 ).

V II _ W IL L IA M JAM ES (1842-1910)

W . James foi professor de psicologia na universidade de


Harvard. A sua filosofia é o pragm atism o e o pluralismo;
quer dizer que contém erros considáveis. O defeito de James
é filosofar sobretudo com seu sentimento, a sua vontade e
o seu temperam ento.
Julga as coisas por si. Em m oral mistura o plano do
conhecim ento teórico com o do conhecim ento prático. Em
cosm ologia o seu pluralism o vai acabar na negação das leis
do ser. Em teoãicéia diz que Deus é sinônim o do que há de
ideal nas coisas, que é a parte das coisas cuja vida é mais
intensa. É atavismo hegeliano; é panteísmo. Assim os atri­
butos de Deus tornam -se os das coisas: Deus não é eterno,
não é criador, não é todo poderoso. E ’ um com panheiro ce­
leste, auxiliar e servidor, “ destinado a nos ajudar a levar '
a nossa cruz e a arrastar a nossa mala no m eio da poeira
e do suor das provações cotidianas” (B ourdeau ) .
Seria, portanto, perigoso tom ar James por guia no do­
m ínio das idéias metafísicas. Não é o m esm o em educação;
as suas teorias são geralm ente sãs. Insistiu sôbre certo nú­
m ero de idéias im portantes e de aplicação constante em edu­
cação.
1 — R espeitar a personalidade do m enino — Há tantas
pedagogias quantos alunos. Entre todos os educadores, farão
trabalho útil aquêles que se com penetrarem da infinita di­
versidade de m ovim entos secretos do coração, de aspirações
indistintas e de pensamentos confusos que dissimula ou traz,
conform e a qualidade dos espectadores, a sim plicidade e a
banalidade das atitudes, dos gestos e das palavras nos m e­
ninos.
E ’, portanto, necessário que o educador seja um conhece­
dor de almas. Sem dúvida é preciso sa^er adaptar, às cir­
cunstâncias, os princípios de uma sã psicologia. Mas com o
são úteis êsses princípios!” Conhecem os de antemão, se fo r­
mos psicólogos, os defeitos de certos métodos. A nossa psico­
logia nos guardará de certos erros e nos pern rtirá têrmos
representação mais exata do f ;m a atingir. A lém disso ternos
m aior confiança em um m étodo que parece ter por si tanto
a teoria quanto a prática (Causeries pédagogiques, trad.
P id o u x , p. 15).
2 — Utilizar os instintos do m enino — E’ preciso con­
siderar o m enino com o “ um feixe de instintos” . O número
dêsses instintos é prodigioso e constitui recurso incom pará­
vel para o mestre.
“ O ponto capital, em pedagogia, é bater o ferro enquanto
quente, oü, se preferis, utilizar as ondas de entusiasmo que
levam alternativam ente os alunos aos diferentes assuntos.
A plicar um espírito a um estudo é aplicar um instinto ao
seu objeto, e o prim eiro dever do educador é discernir quan­
do êsse instinto está pronto a funcionar (P récis de psycho-
logie, cap. X V ) . Não são todos os instintos que se devem
cultivar. E ’ preciso com bater os maus, lim itá-los por há­
bitos contrários, desembaraçar os bons e fortificá-los com
hábitos favoráveis.
3 — C om penetrar-se da im portância capital da atenção
— Tornar atento um m enino é fazer dêle um homem, é sal­
vá-lo, porque a atenção é por excelência o instrumento da
form ação do espírito, o princípio do esforço, do querer e do
trabalho fecundo.
A atenção é o princípio do esfôrço. O m otivo que pro­
voca o esfôrço é percebido prim eiram ente pela atenção; é
uma fòrça adicional que se acrescenta a outros m otivos e
que se aplica a vencer a natureza e as tentações. “ V en cer
e domar são verbos ativos de que não usam os indolentes,
os covardes, quando contam as suas fa ça n h a s... Êsses não
terão jam ais na bôca senão palavras de passividade” ( 1 ).
Fazer esfôrço é ser capaz de querer. Daí a importância
da educação da vontade. O problem a está na construção do
caráter dos alunos. Ter caráter é possuir-se; possuir-se é
estudar-se a fim de se conhecer, e de seguir o caminho que
m elhor corresponde às próprias disposições e talentos.

(1 ) P r é c is âc p sy c h o lo g ie , eap. X V I .
“ Esta form ação do caráter depende duma série organi­
zada e habitual de reações que consistem em certas tendên­
cias a agir dum m odo característico em presença de certas
idéias, e a conter a nossa ação dum m odo característico em
presença de certas outras” . (Causeries pédagogiques, p. 159).
Querer, segundo James, é pensar com fôrça, concentrar
a atenção nos fins a obter. E ’ opor aos im pulsos uma idéia
mais forte que êles. Tôdas as moléstias da vontade são m o­
léstias do pensamento. A saúde da vontade é, antes de tudo,
a saúde do pensamento, a onipotência da atenção. (1).
4 — F avorecer a associação das idéias. — James faz da
associação das idéias, um dos fatores da m emória, um dos
fundam entos da educação. “ Os alunos, quaisquer que sejam,
diz, sãc> pequenas máquinas para associações. Educá-los é
organizar nêles tendências determinadas associando-se umas
às outras. Quanto mais rico fôr o sistema de associações
tanto mais as adaptações, do indivíduo ao m undo exterior,
serão completas. O educador pode, pois, definir a sua ta­
refa: a construção de sistemas de associação no espírito dos
alunos” . (2).
5 — Não abusar das lições decoradas. — Êste abuso pro­
vém duma idéia que James crê falsa: a de que a memória
se fortifica pelo exercício. Sustenta que cada um recebe,
uma vez por tôdas, um “ coeficiente retentivo” que não pode
ser aumentado pelo exercício.
Entre os alunos, o estudo “ de cor” não desenvolve a pró­
pria m em ória; não desenvolve senão a arte de estudar, de
dirigir a atenção, de salientar o interêsse dum tex to , de com ­
parar o texto com outros já conhecidos, de uni-lo a redes
de associações.

(1 ) li. Baudin em Eãucation, I, p. 235.


(2 ) Causeries 'pédagogiques, p. 77.
Do que James chama “ o preconceito da m em ória m ecâ­
nica” prom ana o funesto m étodo do “ esquecim ento’. As
coisas aprendidas de afogadilho não podem contrair associa­
ções com o conteúdo do espírito. Um esquecim ento rápido
é reservado a esta ciência precipitada.
V ale mais caminhar progressivam ente, exam inar as dou­
trinas sob os seus diferentes aspectos, ruminá-las sem cessar;
somente nestas condições se tornarão conhecim entos sólidos.
Dar educação não é, pois, “ atochar” o m enino de noções in­
digestas; é sobretudo form ar-lhe o espírito, ensinar-lhe a sen­
tir, a perceber, a imaginar, a lem brar e, acima de tudo, a
pensar.
6 — E stabelecer o determ inism o dos bons hábitos — A
pedagogia da vontade deve ir dar à pedagogia do hábito.
A tarefa essencial daquele que quer fazer prevalecer o ideal
e a razão sôbre os instintos grosseiros, consiste em estabe­
lecer em si o determ inism o dos bons hábitos. Som os feixes
de hábitos, imitadores, copistas do nosso “ eu” do passado.
O dever do educador é, pois, prover os alunos dum conjunto
de hábitos extrem am ente úteis para a vida. O grande tra­
balho em educação, diz James, é fazer do nosso sistema ner­
voso um aliado e não um inim igo; é capitalizar as nossas
aquisições e v iver a vontade com os seus juros. Para isso,
devem os tornar automáticas e habituais, logo que pudermos,
tantas ações úteis quantas fôr possível, e guardar-nos com
grande cuidado do que poderia v ir a ser costum e prejudi­
cial’. ( 1 ) . -
7 — D espertar e en treter o interêsse. — Há um interêsse
que decorre de certas matérias de ensino. “ Os sêres vivos,
os objetos que se m ovem , as cenas dramáticas interessam
naturalm ente à juventude. O desenho do quadro-negro, a

(1) Causcries pcdagogiques, p. 62-63.


narração dos fatos históricos serão grandem ente empregados.
Mas êsses m étodos não levam muito longe” . (1). Com o-agir
para interessar o m enino naquelas coisas que, por si m es­
mas, não são interessantes? Existe uma lei m uito simples
que resolve o problem a: “ T odo objeto sem interêsse pró­
prio pode recebê-lo de um objeto interessante, graças às
aysociações de idéias que se form am entre si” . O objeto em
quo o hom em encontra o m aior interêsse é a própria pessoa.
Desde então tudo que fôr associado à sorte do “ eu” será in­
teressante.
Trata-se, portanto, de despertar os interêsses inatos do
m °nino e de apresentar-lhe objetos de estudo que a êles se
refiram; em seguida, deve-se ter cuidado de basear os co­
nhecim entos novos nos conhecim entos ant'gos, a f m de que o
interêsse, derram ando-se de um ponto a outro, term ine por
invadir todo o sistema dos objetos do pensam ento” .
O que é m uito n ovo não interessa. O segrêdo das li­
ções bem preparadas consiste em estabelecer “ a correlação
entre o n ovo e o antigo” .
O interêsse, uma vez prêso a um ob jeto, é capaz de p er­
m anecer para sem pre ligado a êsse m esm o objeto. “ As nos­
sas aquisições tornam-se, de algum m odo, parte integrante
da nossa personalidade, e pouco a pouco, pela m ultiplici­
dade de associações entrelaçadas, pela nossa familiaridade
com um objeto, pela prática, o sistema todo das nossas idéias
se consolida, adquirindo a m aior parte delas um certo inte­
rêsse, ora por uma razão, ora por outra” . (2).

W . J a m e s . ,V.réris âe psychologie, trad. B T ÍK T T E T ! ct


Bibliografia —
B A U D IN(Paris, Rivière). — Causrries pétlagogiqurs, trart. P i d o t t x (Lau-
panne ot Paris, 1909). — B o u t r o t t X , WiUiam James (Paris, 1911), —
.T a c q u e s M a r it a in , Eevue universclle (1, 10, 21). — Dictionnaire D ’ A p o.

(1) Causrries pfãagogiqnes, p. 85-86.


(2 ) Causeries pédagogiqucs, p. 89.
lo g é tiq u e, a r t . P ra g m a ttim e. — K remer, L e N é o -S é a lis m e a m éricain (L o u ­
vam , 1 9 2 1 ),

V III — FREDERICO FOER STER (1869)

Foerster nasceu em Berlim. Foi professor de pedagogia


em Zurich. Viagens pela Inglaterra e pela A m érica lhe per­
mitiram estudar os sistemas escolares dêsses países. Seus
escritos são notáveis pela penetração psicológica, pelo vigor do
estilo e nobreza das idéias.
O princípio fundam ental da sua pedagogia parece ser a
necessidade das idéias morais na educação. Nos seus livros,
nos seus discursos, repisa-o muitas vêzes. “ Torna-se sempre
mais urgente, diz, fortificar o que há de mais espiritual em
nossa natureza. Isto é necessário, não só no interêsse do
espírito, com o tam bém no interêsse da própria civilização
industrial, fundada no trabalho de educação m oral de longos
séculos durante os quais os princípios respeitados têm sido
os m eios civilizadores por excelência: ,o triunfo do hom em
interior, o domínio de si, o culto do sacrifício, o amor. O
prim eiro dever dos educadores é manifestamente preparar
um retorno à vida interior. ( 1 ).
Condena justam ente os sistemas de m oral que se afas­
tam da tradição cristã. A m oral religiosa, a da Igreja, é a
única que lhe parece capaz de dar ao m enino essa form ação
interior. Se não viver da vida espiritual, o aluno não co­
nhecerá mais essas fontes de energia que lhe virão da cons­
ciência e das sanções do além. Não sabe verdadeiram ente
por que trabalha, por que deve exercer im pério sôbre si, por

(1 ) L ’ É co le et le c a ra etère , p. 9.
iiue é de seu dever ser consciencioso. (1 ). Uma pedagogia
(jue se apresenta com base tão excelente é de natureza a
nos interessar.
1 — A educação m oral d eve com pletar a educação fí­
sica — Uma cultura física intensa acarreta, para o desenvol­
vim ento da alma, perigos evidentes. Degenera em interêsse
exclusivo por belos m úsculos; chega a não apreciar senão o
vigor físico em detrim ento da vida do espírito. Há nisso
uma tendência a conduzir-nos à animalidade.
Tem-se abusado demais da fam osa m áxim a de Juvenal:
m ens sana in corpore sano. A experiência prova que as mais
altas faculdades da inteligência e da vontade se manifestam
em corpos débeis e enferm os. A lém disso, quando se reflete
que a coragem é sobretudo fenôm eno moral, pode-se con­
cluir que a educação física, não penetrada de inspirações m o­
rais, é coisa inteiram ente incom pleta. (2).
2 — A educação d eve d esen volver o caráter. — A condi­
ção prim ordial é levar o m enino a estudar-se para bem co­
nhecer suas faculdades e suas disposições. Chega-se a isso
fazendo-lhe passar em revista os seus atos, excitando-o a
tom ar firm e resolução de aperfeiçoar o que há de bom e a
evitar o que há de mau. O conhecim ento de si prepara o
aluno à posse de si próprio. Ninguém é verdadeiramente
feliz senão quando se'governa, e o desenvolvim ento se marca
pelas vitórias que se alcançam sôbre si nos m iúdos porm e­
nores da “ vida cotidiana” .
A form ação do caráter se faz, portanto, por m eio do sa­
crifício. A escola proporciona cada dia m últiplas ocasiões:
estar atento, fazer com aplicação um trabalho que aborrece,
reprim ir os arrebatam entos do mau hum or, submeter-se à

(1) L ’ École ct le caraclère , p. 147.


(2) L ’ École ci le caracter e , p. 19-23.
disciplina. Essas pequenas vitórias preparam outras maiores:
aquelas que todo cristão deve -alcançar sôbre a sensualidade
e as tentações de covardia que o assaltam de tantas ma­
neiras. O próprio menino, diz Foerster, deve quebrar a pró­
pria vontade inferior; a mesma alma cristã que quer viver
deve arranjar o próprio lugar, e fortificar-se agindo. ( 1 ).
3 — A disciplina p reven tiva é m eio e x celen te ãe p re­
servação e ãe form ação moral. — A os caracteres fracos, a
escoia apresenta tentações m orais graves; doutro lado, as con­
seqüências de uma falta podem se fazer sentir durante a
vida tôda. Daí a im portância da disciplina preventiva. Cer­
tas escolas, por não o com preenderem , tornam os m eninos
covardes e mentirosos.
Foerster louva particularm ente Dom B osco por haver
feito do sistem a prev en tivo um dos fundam entos dç sua pe­
dagogia. Quanto a êle, considera m uito eficaz o sistema
Brow nlee, cuja idéia capital assim expõe: “ O m étodo con­
siste em fazer com que os alunos ãirijam os pensamentos
durante cinco minutos, no com êço de cada aula, para um
ideal de vida e para os meios d é se aproxim arem do mesmo.
Escolhe-se cada mês um assunto determ inado: obediência,
dom inio de si, asseio, honra, verdade e procura-se ilustrá-lo
por tôdas as m aneiras” . (2 ).
4 — A escola ãeve ser favorável ao ãesen volvim ento ãa
personalidaãe. Ainda m antendo boa disciplina, a escola deve
deixar ao m enino o mais possível de liberdade e de ini­
ciativa. Ora o m elhor m eio de conciliar disciplina e liber-

(1 ) L ’É co le ct le c a ra ctò re, p. 169.


(2 ) A E s co la c o ca rá ter, p g. 69. O m é !o d o é bom , m-'S nem p or isso
é novo. Sto. In á cio de L o io la , S. J. B . de la Salle e m u ltid ão de o U r o s
ed u cad ores ca tó lico s, o têm p ô sto em p rá tic a , há séculos, sob o nom e de
m ed ita çã o, r e fle x ã o ou exam e.
dade é associar o m enino à boa m archa da aula e da escola.
Esta idéia, realizada em várias escolas, sob o nom e de self-
governm ent, tem dado bons resultados. A o m esm o tem po
que inicia o m enino na vida social, é escola de résponsabi-
lidade pessoal e de trabalho perseverante.
A prática do' self-govern m en t tornou-se algumas vêzes
u’a m aliciosa maneira de curar os alunos indóceis e os que
são apoqüentados por um defeito exterior. Existe um fam oso
rom ance inglês: Tom B row rís schooldays. Não se sabe mais
o que fazer do pobre Tom . Mas o diretor tem uma idéia *
genial: “ Será necessário confiar-lhe o cuidado de um dos
seus colegas” . E isto consegue dom ar o m enino travesso.
5 — No ensino é preciso ter constantem ente em mira a
form ação do hom em moral. A qu i Foerster toma com o ponto
de partida o valor educativo dos conhecim entos. Não crê,
com o Herbart, que o saber engendra naturalmente a virtude.
A virtude é o resultado da sua livre prática, e o que mais
im porta para a educação m oral é que o livre concurso do-
aluno seja assegurado. “ O saber, diz, pode, até certo ponto
ser “ m etido na cabeça” ; não se dá o m esm o com a cultura
m oral porque a própria essência é a atividade pessoal e livre.
E a m oral não pode ser ensinada, ou antes, a instrução não
pode favorecer a fôrça m oral senão enquanto esteja em con­
dições de despertar essa atividade pessoal e de a pôr em evi­
dência” . (1).
Foerster volta muitas vêzes a essa idéia de que o ensino
deve ser penetrado do espírito m oral. E’ preciso fazer com ­
preender aos m eninos os direitos da consciência sôbre a vida
inteira.
Tôdas as lições podem servir de m eio de form ação: a
leitura, pelo cuidado de distinguir o principal do accessório;
a tradição, pelo cuidado de com preender e de respeitar o
pensamento alheio; as ciências físicas e naturais, dando oca­
sião de verificar o dom ínio do espírito sôbre a matéria; a
matemática, da qual se pode tirar uma lição de exatidão e
de franqueza; a história, cheia de lições salutares sôbre o
valor das raças e as suas missões especiais; a geografia, que
pode servir de base a uma doutrina filosófica dos “ bens” ; a
ginástica, que mostra a necessidade da ordem, a im portância
m oral duma boa atitude e a espiritualização da obe­
diência” . ( 1 ).
Para chegar a êsse resultado tão desejável, deseja que
se reserve, na form ação profissional dos mestres, lugar muito
m aior ao que interessa à pedagogia moral.
6 — M eios de educação moral. — Foerster dá com o meios
de educação m oral a confiança, o respeito e a ação religiosa.
a) A confiança. — Um mestre não deve tratar o m e­
nino com o um detective à espreita. O aluno deve sentir-se
estimado; manter-se-á no reto cam inho ou se tornará m elhor
se está persuadido de que o m estre tem confiança nêle. A fian ­
çar ao pior que nêle há alguma coisa de bom , que nêle há
fôrças para o bem, que pode pô-las em prática, é já re­
erguê-lo. Diga-se a um mentiroso, por ex: “ V ocê é valente
e corajoso. Já várias vêzes, onde outros teriam saído com
uma mentira, você foi franco e honrado. Surpreende-m e que
você minta agora” . Estas palavras lhe m ostrarão que não
perdeu tôda a confiança.
Em geral, ainda repreendendo um menino, é preciso sem­
pre descobrir-lhe um traço favorável de caráter, falar-lhe da
falta com etida, não com o natural, mas com o uma incoerência.
b) O respeito. — O respeito pelo m enino proíbe o cas­
tigo do chicote. O chicote brutaliza e desonra. Embota o
sentimento da vergonha. Renunciar 30 chicote não com plica

(1 ) L ’Ê colc e t le c a r a ctè r c , p. 251. em d iante.


a disciplina mas nobilita as relações do m estre com os alu­
nos. O mestre que explica a sua atitude, que apela para a
consciência dos alunos e lhes dá uma idéia favorável dêles
próprios, não com prom ete a sua autoridade; antes ao contrá­
rio, os interessa no bom andamento da classe, faz-lhes com ­
preender a fiobreza da disciplina aceita; começa, numa pa­
lavra, a “ concluir, com o eu espiritual dos seus alunos, uma
aliança dirigida contra o seu eu sensível” .

c) A ação religiosa. — A religião deve penetrar na es­


cola porque é preciso defender a vida espiritual contra as
invasões da matéria e a crescente influência do livre pen­
samento. A pedagogia m oderna deve voltar à m oral reli­
giosa. P roclam ava-o no congresso de educação m oral de
Haya (1912): “ Quanto mais a pedagogia se encontrar em
face dêsse problem a concreto: form ar o caráter dum indi­
víduo, tanto mais terá que penetrar os som brios enigmas do
egoísm o humano, as tragédias da vontade dividida contra si,
a psicologia da tentação, as condições da vitória sôbre si,
tanto mais tam bém a inspiração religiosa será reconhecida
com o indispensável, e os substitutos m odernos serão julgados
insuficientes para uma educação m oral eficaz” . (1).
O Estado deve procurar fazer tudo quanto está em seu
poder para que a religião realize, na escola, sua obra ben-
fazeja. D eve entender-se com a Igreja para conseguir para
o m enino uma form ação com pleta.
Tais são as idéias de Foerster sôbre a educação moral.
Prega uma pedagogia de respeito, de confiança, de cultura
do caráter e da personalidade. Fêz excelente arrazoado em
favor da disciplina que liberta, que fortifica, que tempera as
almas e faz homens. Sua obra é daquelas que espargem vida

* (1 ) C ita d o p o r G. G o y a f , ‘ ‘ K c n ic ãm jc u n c s, 10 do ju lh o de 1922.
e luz. Suas idéias sôbre a educação m oral aproxim am -no
singularm ente dos educadores católicos.

B ibliografia — F o e rste r, L ’École et le earactère, tra d . B ovet {S t.


B la is e , Pour Former le Caracièrr, trad. T h i r i o n ( P a r i s , F i s c h b a -
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c h e r Juoenâlehre ( B e r l i n , 1 9 0 5 ) ; — Christentum und Klassenkampf (Z u -
rich , 1 9 0 7 ).

C a p ít u l o iii

AS ESCOLAS SOBRETUDO PSICOLÓGICAS

I — J. F. Herbart (1776-1841)
No- 19 .9 s é c u lo , o m é to d o e x p e r im e n t a l a d q u ir iu g r a ix le im p o r tâ n c ia .
Q u is e r a m a p lic a r à s c iê n c ia s p s ic o ló g ic a s e p e d a g ó g ic a s os p r o c e s s o s
d a s c iê n c ia s f í s i c a s e n a tu r a is .
H e r b a r t f o i um ilu s t r e r e p r e s e n ta n t e d ê s s e m ó to d o p o s it iv o . F ô z
u m a t e n t a tiv a c é l e b r e : a d e a p lic a r a m a te m á t ic a à p s ic o lo g ia , u n in d o
a c a d a r e p r e s e n ta ç ã o uni c o e fic ie n t e n u m é r ic o . E s s a e x p e r iê n c ia n ã o
p o d ia d e ix a r d e s e r in fe liz , l i a s a - su a p e d a g o g ia é b e m p s ic o ló g ic a
q u a n d o ten ta e d u c a r o m e n in o , s o b r e t u d o p a r a si, t o r n a n d o -o c a p a z d-j
s e r a lg u m d ia u m a p e rso n a lid a d e ? q u e d e te r m in a r á o seu fim p a r a si
m e s m o ; é p s ic o ló g ic a p o r q u e (Tá á d is c ip lin a m o r a l a p r e p o n d e r â n c ia
s ô b r e o g o v e r n o m a t e r i a l ; p o r q u e d e s p e r t a no m e n in o u m a m u lt ip lic i­
d a d e d e in te r ê s s e s p o s s í v e i s ; e n fim fa z e n t r a r no e s p ír it o u m a g r a n d e
v a r ie d a d e d e g r u p o s d e id é ia s q u e se t o r n a r ã o m a is t a r d e r a z õ e s d e a g ir .
P a r a m e lh o r ' c o n h e c e r a a lm a . q u is e r a m e x p e r im e n t a r , is to é, p r o ­
v o c a r a r t ific ia lm e n t e c e r t o s fe n ô m e n o s a fim d e m e lh o r os o b s e r v a r .
A e s c o la e c lé tic a p r e t e n d ia n ã o s e r p u ssív e l p r o v o c a r , r e p e tir , s im p li­
f i c a r fe n ô m e n o s t ã o in a tin g ív e is , tã o c o m p le x o s , t ã o m u tá v e is c o m o os
fa t o s d a c o n s c iê n c ia . M a s s e ê sse s fi to s n ã o s ã o fá c e i s d e o b s e r v a r ,
têm , c o m o o s fe n ô m e n o s fís ic o s , c o n d iç õ e s d e a p a r iç ã o , antecedentes:
a n te c e d e n te s f í s i c o s e fis io ló g ic o s . O e s tu d o d a s r e la ç õ e s d e ste s fe n ô ­
m e n o s com os seu s a n te c e d e n te s c o n t r ib u iu p a r a a f o r m a ç ã o d a psico-físiea
e d a psito-fisiologia. E s s a s d u a s c iê n c ia s d e r a m n o v a s t e o r ia s s ô b r e a
a lm a d o m e a in o e a s c o n d iç õ e s d a su a f o r m a ç ã o in te le c tu a l e m o r a l.
H e r b a r t n a s c e u e m O ld e m b u r g o ; fê z o s e s tu d o s em Ie n a o n d e fo i
iiluivo d e F i c h t e , s e m a c e i t a r t ô d a s a s s u a s d o u t r i n a s .
E s t a n d o e m H e r n n c o m o p r o f e s s o r , v i s i t o u P e s t a l o z z i em sua es-
ro la d e B e r th o u d d o n d e v o lto u e n tu s ia s m a d o . P r o s s e g u iu o s e s tu d o s
p c ila p ró g ic c B e d o u t o r o u - s e e m G o e t t i n g u e c o m t e s e s s ô b r e q u e s t õ e s de
iM u c a ç a o . E m 1S0(>, p u b l i c o u s u a Pedagogia geral, s e n d o e n t 3 o n o ­
m e a d o p r o f e s s o r d e filo s o f ia e p e d a g i g ia , e m K o e n ig s b e rg . P o r p r o ­
p o s t a s u a , e s t a b e l e c e u - s e u m seminário p a r a f o r m a ç ã o d e p r o f e s s ô -
rc s. E m 1S32 v o lto u a G o e ttin g u e o n d e p e rm a n e c e u a té a m o rte .

Obras pedagógicas. — H erbart deixou numerosas obras


de pedagogia, entre as quais cum pre m encionar: Prim eiras
lições ãe pedagogia (1802); A idéia do A B C da intuição de
Pestalozzi (1802-1804); Pedagogia geral (1806); Da educação
i ealizada com a cooperação dos poderes públicos; As rela­
ções en tre a escola e a vida (1818); Cartas sôbre a aplicação
da psicologia à pedagogia; Esbôço de lições pedagógicas
(1835); A forism os pedagógicos, obra póstuma.

A psicologia de Herbart. — H erbart fêz da psicologia a


base da sua pedagogia. Importa, por isso, conhecer sumà-
riamente a sua teoria da alma e das faculdades. Segundo
êle, no princípio da existência, o espírito é desprovido de
tôda faculdade; por conseguinte, de tôda idéia. A s per­
cepções que vêm do exterior form am as “ representações”
pelas quais o espírito se fixa paulatinamente. Essas repre­
sentações, por seus agrupamentos, edificam aos poucos a sen­
sibilidade, a inteligência e a vontade; as que são da mesma
natureza, se associam e form am uma fusão; as que são di­
ferentes, form am um co m p lexo; as que são contrárias, se re­
pelem mutuamente. Bom núm ero de idéias adquiridas pas­
sam para a sub-consciência, que H erbart chama o limiar da
consciência, prestes a se reerguerem e reaparecerem quando
se apresente ocasião favorável. A s fusões e os com plexos
explicam todos os fatos intelectuais: m emória, imaginação,
abstração, juízos, raciocínios, sentimentos, volições.
A sensibilidade não*é mais que um m odo da inteligên­
cia; explica-se pela relação das idéias; o prazer provém da
união de duas idéias que convêm uma à outra; a dor, do
antagonismo de duas idéias e do m al-estar resultante. O de­
sejo é uma representação que se eleva acima do lim iar da
consciência; a volição, um desejo mais ardente e que se crê
realizável.
P ode parecer, segundo essa teoria, que H erbart nega a
existência da alma. Nada disso; o m aterialismo é para êle
um absurdo e nos representa a alma dom inando o corpo e
ocupando em ponto do cérebro “ uma m oradia m agnífica” .
A falsidade dessa psicologia mecanista e determinista
aparece à prim eira vista: basta analisar e consultar a pró­
pria experiência. Mas que pen sa r.d e uma teoria de edu­
cação edificada sôbre tais desvarios? Bons juizes sustentam
que a de H erbart é, em grande parte, independente de seus
erros filosóficos e pode separar-se para servir de base a um
sistema sólido e ortodoxo. (P. A mado , S. J. História da
educação, p. 348, P. Pesch, S. J. Psicologia, III, p. 462).

Teoria de educação de Herbart. — 1. A educação é possí­


v el: é necessária. A alma da criança é m aleável; conserva as
impressões que lhe dão. Entretanto, o poder da educação
não é absoluto: varia segundo os tempos, lugares e circuns­
tâncias.
“ O educador deve ir até onde pode ir, mas é preciso
sempre que espere ser reconduzido pela observação dos re­
sultados aos limites dos ensaios razoáveis” . (P inloche, H er­
bart, principais obras pedagógicas, p. 34).
Entretanto, uma confiança exagerada é preferível a uma
desconfiança demasiado grande.
A necessidade da educação decorre, da própria teoria
de Herbart, cu jo princípio fundam ental é a educação pela
instrução. Sob sua pena, o têrm o instrução tom a-form a nova.
'Instruir o espírito, para êle, é construí-lo. Os conhecim en­
tos não são mais os ornamentos do espírito, constituem os
seus elem entos; edificam -no; produzem -no” (C ompayré ,
H erbart p. 48-49).
P or essa concepção, a form ação m oral depende da ins­
trução. O ensino é indispensável; cria o espírito, e pela as­
sociação das idéias, suscita as faculdades, donde resultará
não só a fôrça da inteligência com o a fôrça da vontade.
2. Fim da educação. — O fim suprem o da educação
é a form ação moral, a form ação da vontade constante e re-
lletida. Esta meta não poderia ser atingida em todos os alu­
nos pelos mesm os m eios porque o hom em futuro não deve
ser educado nem para a natureza, nem para a sociedade,
nem para a humanidade, mas para si. E’ preciso, portanto,
apresentar-lhe todos os cam pos de atividade que podem
abrir-se diante dêle mais tarde, ou, com o diz Herbart, des­
pertar nó discípulo a multiplicidade de interêsse.
3. O hom em de educação. — São precisas, ao homem
de educação, qualidades intelectuais, profissionais e morais.
D eve possuir uma instrução suficiente e ademais, a m oci­
dade do coração, a frescura da sensibilidade, a faculdade de
se identificar facilm ente com os alunos, o talento de obser­
vação e um conhecim ento conveniente da psicologia da
criança.
Laboraria em êrro se pretendesse apoiar-se unicamente
na própria experiência. Que seja prim eiro teórico, porque
a prática não apoiada em sólida teoria será sempre defei­
tuosa em alguma parte; tornar-se-á em pirism o grosseiro.
A experiência não é frutuosa senão quando dominada e di-
iig id a pela teoria “ que inspira as investigações, sugere os
ensaios, suprime as vãs apalpadelas, verifica os resultados,
aprecia-os a seu justo valor e permite tirar dêles, para o
presente como para o futuro, todos os ensinamentos que
comportam. (M a u x iò n , A Educação pela instrução e as
idéias pedagógicas de H erbart, p. 7 8 )” .
Mas a teoria- serviria de pouco se o professor não pos­
suísse o tato pedagógico, isto é, “ a faculdade de julgam ento,
uma vista sã e pessoal, a aptidão a adotar as noções já fi­
xadas em tôdas as situações; é preciso que o educador es­
teja em condições, depois de ter m editado a fundo todos os
seus deveres, de criar para si a cada instante sua pedago­
gia” . (P inloche, Herbart, princ. obras pedagógicas, p. 338).
D eve possuir ainda um am or elevado às crianças, o sen­
so da autoridade, o espírito de justiça e de retidão; enfim,
um conjunto de qualidades m orais que lhe conciliem o res­
peito e a confiança dos meninos.
4. F unções da educação. H erbart considera a saúde
a condição prim ordial da educação. “ A base de tôda dispo­
sição natural é a saúde física, diz. Naturezas doentias se
sentem dependentes; as naturezas robustas ousam querer.
F ’ por isso que os cuidados da saúde são fator essencial na
cultura do caráter em bora não entrem na pedagogia” .
A prim eira função da educação é dar idéias. As idéias
c as representações constituem o fundo da alma; consti­
tuem igualmente, na teoria de Herbart, a base da vida m o­
ral. Com preende-se que essa função é capital. “ Será mes­
tre de educação quem tiver feito entrar na alma da criança
uma grande soma de idéias, cujas partes sejam estreitamente
unidas, e que tenha bastante fôrça para voncer os elementos
desfavoráveis e os assimilar” . (G u e x , Hist. da educação,
pg. H 5 ).
A segunda função da educação é governar e disciplinar
as crianças. A criança precisa ser governada. “ O fim do go-
vêrno é m últiplo, diz Herbart. Consiste ora em prevenir o
mal, não m enos para os outros do que para a própria crian­
ça, no presente com o para o futuro, ora em im pedir o efeito
do conflito, que é em si m esm o um estado incôm odo ou,
enfim, em evitar a colisão que obrigaria a sociedade à luta
sem que essa fôsse absolutamente autorizada” . (P inloche,
obra citada, pg. 74). Essa disciplina deveria ser deixada aos
pais. E’ preciso, entretanto, servir-se dela na escola. O pri­
m eiro m sio de a exercer é a ameaça; mas é ineficaz e subs-
titui-se-lhe a vigilância que não deixa de ter numerosos in­
convenientes. D eve ser discreta, ainda que m uito cuidadosa,
e reduzir-se ao estrito m ínim o. Tornar-se-á fácil se o pro­
fessor tem os dois poderosos auxiliares do govêrno: a auto­
ridade e o amor. A autoridade se obtém sobretudo pela su­
perioridade do espírito, retidão, franqueza, senso de justi­
ça. No exercício da sua autoridade-, o educador terá cuidado
de facilitar o desabrocham ento com pleto da personalidade
da criança. Colocará o seu ponto de honra em que “ no h o­
m em que foi pôsto a sua disposição, se encontre inapagada
a pura impressão da pessoa, da família, do nascimento, da
nação” .
5. O ensino. A didática de Herbart baseia-se no inte­
rêsse. Êsse têrm o designa, em geral, o desejo do aluno em
adquirir novos conhecim entos.
A s espécies de interêsse são numerosas. No conheci­
m ento se distinguem: o interêsse em pírico, que nasce da
percepção dos objetos sensíveis; o interêsse especulativo,
derivando da m editação sôbre os objetos da experiência;
o interêsse estético, engendrado pela contem plação do belo.
No ensino se distinguem o interêsse direto e o interêsse in­
direto. O prim eiro decorre naturalmente das coisas; só êle
é durável e eficaz. O outro é obtido pelo lotivor, pela cen­
sura, pelo tem or dos castigos, pela esperança de recom pen­
sa; não tem o m esm o valor educativo. O interêsse será tan­
to mais educativo quanto mais o ob jeto de estudo corres­
ponder ao desenvolvim ento intelectual de cada aluno.
A apercepção. Para que a criança aproveite bem das
lições, é preciso que tenha no seu espírito apercepção ou
ligação dos conhecim entos. O professor tom a com o ponto
de partida do ensino aquilo que a criança conhece, para lhe
fazer adquirir o que não conhece; o que ela conh ece im per­
feitam en te para o com pletar. Tem -se definido a apercepção,
o ato pelo qual o espírito se apropria de um n ovo elem ento,
ou ainda “ o ato pelo qual as idéias já adquiridas incorpo­
ram em si uma idéia nova” . Dêsse m odo de conceber a as­
similação decorrem as quatro etapas a percorrer para dar
com fruto uma lição. São elas: a apresentação ou intuição,
a associação, a generalização e a aplicação.
A apresentação prepara a ligação entre os conhecim en­
tos antigos e os que são o objeto da lição; põe o espírito dos
alunos no círculo de idéias que se vão desenvolver. Todo
assunto novo deve ligar-se a um já conhecido.
A associação aproxim a uma verdade de outras seme­
lhantes para as comparar, as unificar, e para tirar delas
uma idéia com um . Êsse resultado é obtido por uma livre
conversação em que a criança tente associações mais ou
m enos felizes. '
A generalização, que Herbart chama tam bém sistema-
tização, consiste em desprender uma idéia geral, uma lei,
um princípio. Esta etapa é a mais difícil, e dela depende
todo o proveito da lição. Para chegar à concepção geral, é
preciso seguir tôdas as regras do raciocínio.
A aplicação consiste em fazer um trabalho sôbre o que
acaba de ser explicado. Êsse exercício perm ite ao professor
verificar se foi com preendido.
6. O m étodo e a matéria do ensino. O ensino, tom an­
do por ponto de partida os conhecim entos da criança, terá
as três form as seguintes: será descritivo ou narrativo, ana­
lítico e sintético. Nenhum dêstes processos deve desapare-
cer do ensino: com binam -se, com penetram -se e se vivifi-
cam mutuamente.
A form a descritiva quadra sobretudo no início da
vida escolar. Os resultados serão excelentes se o professor
sabe descrever e narrar com o o que exige a arte da palavra,
dição perfeita, vocabulário apropriado aos aunos e conhe­
cim entos sólidos.
A narração e a descrição alargam o cam po da expe-
íiência; trazem ao espírito impressões novas. A análise vem
em seguida para fazer o inventário das representações; de­
com põe os conhecim entos nos seus elem entos cujas quali­
dades dá a conhecer. Chega-se a êsse resultado pela leitu-
ía, conversação, ou m elhor, pelo diálogo. O professor deve
saber interrogar e sugerir. Atrai a atenção sôbre as quali­
dades dos sêres, o alcance dos fatos. Êsse processo contri­
bui eficazm ente para o desenvolvim ento do interêsse.
O ensino sintético com pleta a educação do pensamento.
Parte dos elementos, vai do simples ao com posto por um
trabalho que se faz por associação e com paração. Faz su­
bir insensivelm ente às idéias gerais, isto é, à idéia verdadei­
ra que não poderá existir enquanto houver noções parti­
culares isoladas. O cam po dêsse ensino é imenso. Herbart
preconiza a m atem ática com o o mais seguro instrumento
de síntese. Recom enda em seguida a moral, as speculações
filosóficas, a história e as línguas. No que diz respeito à re­
ligião, aconselha grande discrição.
O seu program a de estudos é vasto. Não será sempre
fácil executá-lo todo. Será preciso condensá-lo: na matem á­
tica limitar-se-á aos teoremas principais e aos processos
mais importantes de cálculo; nas ciências, geografia, histó-
lia, se eliminará quanto não servir senão para sobrecarre­
gar a m em ória; mas, acrescenta Herbart, “ ter-se-á sempre
c cuidado de apresentar o hom em e a humanidade em resu­
m o lum inoso” .
7. A educação moral. Herbart considera a form ação
m oral com o a tarefa mais im portante do educador. É à al­
ma que é preciso ir para form ar o caráter.
O ideal m oral é constituído por cinco idéias essenciais:
a liberdade interior, cu jo resultado deve rematar na ação;
c. idéia de perfeição, cu jo resultado é o progresso m oral; a
benevolência, o direito, a justiça, que se referem à m oral
social e regem as nossas relações com os nossos semelhantes.

Na escola, a cultura m oral se faz sobretudo pela ação


constante do professor sôbre o aluno. “ A cultura moral, diz
Herbart, é menos um conjunto de processos m últiplos e so­
bretudo de atos separados, do que um encontro contínuo
entre o professor e o aluno, no qual não se recorre senão
de tem pos a tem pos e para produzir um efeito durável, à
punição, à recom pensa e outros m eios análogos” . E xpõe os
m eios a em pregar para exercer sôbre a criança uma ação
verdadeiram ente eficaz. .
a) T er a criança em seu poder: resguardá-la contra o
tum ulto dos sentimentos, dos desejos, dos atrativos, das pai­
xões; preservá-la e firm á-la no cam inho reto;

b) D eterm iná-la a agir, m ostrando-lhe que a ação é


necessária. D ar-lhe os m otivos, indicar-]he os fins a alcan­
çar, fazer-lhe entrever os obstáculos a vencer;

c) E stabelecer, no espírito as regras do procedim ento,


regras de moral, regras de prudência; insistir com fôrça na
idéia do dever;

d) Conservar a alma da criança em grande calma e


perfeita serenidade. As almas novas têm tudo a ganhar
nessa atm osfera de paz e de tranqüilidade; aí encontrarão
a ordem e o equilíbrio m oral;
e) Em pregar a aprovação e a censura. A aprovação
é o m eio mais eficaz de cultura moral, e a censura é tanto
mais sensível quanto é um afastamento da aprovação. A
aprovação dá alegria, confiança no trabalho; é um excitante
para o bem. O castigo desperta a consciência que adorm ece;

f) F azer uso da exortação e da correção. A exorta­


ção insiste nos princípios essenciais a fim de os gravar no
espírito. A correção ou punição im prim e uma ação mais
viva contanto que seja dada com caridade e não produza
uma antipatia durável para com o educador. Todos êsses
m eios são com pletados pela religião. O ensino religioso aju­
dará sobretudo ao professor a com bater o egoísm o, a desen­
volver na alma da criança sentimentos de dependência para
com o Ser supremo. Mas H erbart decide sem razão que êsse
ensino pertence sobretudo à fam ília e aos teólogos e que se
deve dar o mais possível fora da escola.

Apreciação geral. — A crítica mais grave do sistema de


Herbart se dirige à sua concepção mecanista e determinista
das faculdades. Censura-se-lhe tam bém a sua falta de im a­
ginação; o seu pensam ento é todo feito de raciocínio. A sua
linguagem é m uito apertada, concisa e abstrata: em vão se
procuraria nela uma im agem ou uma figura de estilo. E x­
põe com encenação científica certo núm ero de coisas ba­
nais e vulgares que não pedem explicação. Ocupa-se muito
pouco da sensibilidade da criança. Enfim, dá à matemática
e às ciências lugar que deveria ser dado aos estudos mais
liberais.
O que lhe deu uma influência considerável na A lem a­
nha e em todos os países de língua inglêsa, é ser um dos
fundadores da ciência da educação; mas os juizes com peten­
tes pretendem que a m aior parte de suas teorias estavam
em germ e nas obras de Comenius, de Locke, de Rousseau
t- de Pestalozzi. “ A pedagogia de Herbart, diz Chabot, vale
mais, a meu parecer, pelas verdades práticas que nela se
encontram, pelo bom -senso e o tato que Herbart apresenta,
do que pelo rigor do sistema. Se é m uito justo que o ensino
deve ser educativo, parece difícil pedir tôda a educação ao
ensino e fundar uma educação liberal e dem ocrática sôbre
um intelectualism o todo mecanista e determinista. P or es­
sas razões, quando não houvesse outras, duvido m uito que
a pedagogia de H erbart se implante jam ais entre nós e que
aure na A m érica ou na Alem anha onde o seu prestígio já
vai dim inuindo” .

B i b l i o g r a f i a — P i n l o h i e , T ra â vction rfex prineipales oeuvres ãe Tler.


bart (L ille , 1 8 0 4 ). — A d a m s , T h e H erb a rt ian P sych o J og y a pplicã to eãu-
cation (L o n d re s, 1 8 0 8 ). — C o m p a y r é , H e rb a r t et 1’éãu cation par l ’ ins-
truetion (c o ll. L e s G rands íid n ca teu r s). — G t t r x , H istb ire ãe V ln s tr v c tio n
et ãe l 'Éducation. — G o c k l e r , L a p éd a g o g ie ãe Herbart. ( P a r i s , 1 0 1 5 ).
L 'E d u e a tio n , vol. T, p . 421. — M a u x i o n , L ’f:ã u ca tion par V in stru ction
d 'après H erb a rt (P a r is . 1 0 0 6 ). — K o e i i r i c i i , T h éorie de V éd u ea tion ã ’ a-
p rès H e rb a r t (P ., 1 8 8 4 ).

II. A psicologia experimental

A experim entação, em psicologia, encontra diversos gê­


neros de dificuldade, das quais as mais consideráveis são o
respeito à pessoa humana e a com plexidade dos fenôm enos.
As pesquisas têm sido especialm ente sôbre os fenôm enos
mais simples e aquêles cuja intensidade mais fàcilm ente se
pode medir.
A s experiências de psicofisiologia foram as primeiras
em data. Propunham -se determ inar a relação que existe en­
tre o fen ôm en o psíquico e o processo nervoso que lhe serve
de anteced en te ou de con seqü en te psicológico. Todos os co­
nhecim entos adquiridos em patologia nervosa e em m edici­
na foram utilizados, por causa das relações estreitas que
rnem o nervoso ao mental. A experim entação sôbre a pes­
soa humana não é sempre perm itida mas, autorizando-se
com a analogia que existe entre o organismo humano e os
organismos enferiores, podem -se resolver certos problemas.
As anomalias, as enferm idades, certas operações cirúrgi­
cas, são igualm ente, para o psicólogo, preciosas fontes de
inform ação.
O problem a da sensação tem provocado núm ero infi­
nito de experim entações. A m edida do excitante deu uma
base para a psicofísica, cu jo fim é procurar esta belecer e x ­
perim entalm ente as relações quantitativas en tre as diver­
sas sensações e os seus antecedentes. Em 1834, W eber tinha
descoberto que o excitante cresce mais depressa do que a
sensação. Fechner precisou que as sensações não crescem
senão em razão aritmética: 1, 2, 3, 4, etc. enquanto os e x ­
citantes aumentam em razão geom étrica: 1, 2, 4, 8, 16, etc.
Donde êle conclui que, escolhendo convenientem ente a ba­
se dos logaritm os e a unidade de excitação, pode-se form u ­
lar esta lei: que a intensidade da sensação cresce com o o
logaritm o da excitação.
Foi cêrca de 1850 que se organizou o estudo do desen­
volvim ento m ental da criança. A idéia não era nova; data­
va, não de Rousseau com o se tem pretendido mas dos gran­
des educadores católicos do período dos Santos Padres, da
Idade-M édia e dos séculos seguintes.
Mas nossa época tem sido mais favorável às experiên­
cias coletivas.
P or 1880, órganizavam -se pesquisas por tôda parte. La­
boratórios prosseguiam, de uma maneira científica, o estudo
das aptidões físicas, intelectuais e morais da criança, bem
com o o valor dos m étodos de ensino.
Sociedades de psicólogos e de educadores com binavam
as pesquisas a em preender e os resultados a com unicar. Os
congressos se m ultiplicaram com o fim de coordenar os es­
forços e de introduzir na prática da educação as conclusões
certas dos seus trabalhos. Periódicos consignaram o resul­
tado das experiências, e viu-se aparecer tôda uma .litera­
tura pedagógica com uma tendência determ inada a tomar
a psicologia por base da arte educativa.
Para estudar a criança, todos os m eios científicos têm
sido em pregados: a intrJspecção, pela qual é convidada a
dar a conhecer os seus estados de consciência. A tarefa é
exclusivam ente delicada, exigindo do experim entador m ui­
to tato e prudência; apesar de tôdas as precauções de que
se cercar, a revelação dos estados de consciência da criança
não deverá jam ais ser aceita com uma confiança absoluta.
Tam bém tem-se preferido o m étodo de W urzburg. Consiste
em dar sobretudo importância, não ao resultado material da
experiência mas à descrição que o sujeito dá de seus esta­
dos de espírito. Assim, a respeito de uma interrogação feita
de que se espera uma resposta, quer sabef-se de que im a­
gens o sujeito se serviu para obter a mes'íha. Essas sonda­
gens num espírito que trabalha têm dado excelentes resul­
tados. Certos docum entos são retrospectivos: lembranças,
memórias, autobiografias, etc.. Tais escritos não são sem­
pre sinceros, e é preciso usá-los com precaução; — a obser­
vação exterior, feita em casa ou na escola. A m elhor é a
que não foi preparada porque encontra a criança no seu na­
tural. Observa-se o estado fisiológico, as m anifestações da
alma e da inteligência, os produtos da atividade física ou
intelectual: jogos, escrita, desenho, tarefas de literatura ou
de ciências, etc.. Observam -se os indivíduos ou as coletivi­
dades, os normais e os anormais; — os testes, que permitem
classificar os indivíduos com relação a uma qualidade de­
terminada. Um só teste é insuficiente para dar o resultado
procurado; recorre-se as mais das vêzes a uma série de tes­
tes: “ O que dá uma fôrça demonstrativa, diz Binet, é um
íeix e de testes, um conjunto do qual se conserva a fisiono­
mia m édia” . A preparação dos testes deve ser feita com mui­
ta inteligência. Os de Binet são adotados universalmente;
— as investigações feitas pela remessa de um questionário.
As perguntas devem ser feitas m uito claras a fim de que
a criança possa responder diretam ente; cum pre sobretudo
interpretar as resposta — os dados patológicos, que se
colhem por ocasião das inspeções médicas. Em numerosas
escolas têm-se estabelecido cadernetas de saúde, com lista
m etódica das particularidades úteis para se dar conta do
desenvolvim ento físico e psicológico do m enino. As visitas
do m édico são indispensáveis na educação dos anormais
para m elhorar o seu estado psicológico, com bater as ano­
malias e procurar, de acôrdo com os professores, os m éto­
dos de ensino que lhes convêm ; — as experiências, feitas
nos laboratórios por m eio de instrumentos que m edem o
tempo, registram os fenôm enos difíceis de apreender dire­
tamente. E’ assim que se têm inventado cronôm etros, ci­
lindros registradores, o estesiômetro, o ergógrafo, o craniô-
metro, o esfigm ógrafo, etc.. O m anejo dêstes instrumentos
exige boa form ação científica e certa habilidade. E’ neces­
sária ao operador grande prudência a fim de não tirar con­
clusões demasiado apressadas.
Êsses meios e alguns outros menos gerais têm perm i­
tido estudar a m aior parte dos problem as que interessam a
vida física, intelectual e m oral da criança: o crescim ento
e suas relações com o estudo e o procedim ento; as facul­
dades intelectuais e as suas relações com o jôgo, a ginás­
tica, o interêsse, a fadiga, o repouso, o caráter, os costu­
mes, as paixões, etc.. Para avaliar os resultados, têm-se
em pregado os m étodos científicos: classificação em cate­
gorias, enum eração, valorização estatística, representações
gráficas, distinção dos fatos essejiciais e dos fatos secun­
dários e individuais, dedução de princípios e de leis.

Resultados gerais — Êsses estudos não têm sido inúteis,


contrariam ente ao que poderia crer um observador super­
ficial, e os educadores fariam m uito m al se os não levas­
sem em conta. Mas é preciso adm itir também que os resul­
tados não têm dado satisfação com pleta aos iniciadores dêsse
m ovim ento. A nova psicologia devia, ao que parece, resol­
ver problem as que a antiguidade havia só apresentado. A
mais, era uma psicologia sem alma, e que se gabava de ter
cortado a amarra que a ligava, até aqui, à m etafísica; pre­
tendia “ não dar nenhuma solução aos grandes problem as
da vida e da alm a” . Enfim devia produzir uma pedagogia
nova. “ A antiga pedagogia, dizia Binet, deve ser com pleta­
mente suprimida porque está atingida de um vício radical:
foi feita de elegância; substitui os fatos por exortações e
serm ões” . Foi preciso dim inuí-la um pouco e por boas
razões.
Pelos seus processos de experim entação, a nova psico­
logia não podia estudar mais que o lado externo dos proble­
mas, o que, sem dúvida, não é para negligenciar, mas é in­
suficiente.
A s observações que tem recolhido são m uito dispersas,
m uito pessoais, m uito dependentes de condições particula­
res para que se possam deduzir leis gerais certas.
A crescentem os que o estudo da criança é m uito difícil.
Ela própria é incapaz de se estudar, de se conhecer e ainda
menos de com unicar os seus estados de consciência. E ainda
que se conhecesse, hesitaria em descrever sua vida psicoló­
gica, de mêdo de se enganar e de provocar risos. Quando se
sente observada fica contrafeita.
Daí provém a relativa fraqueza do m étodo experim en­
tal. Binet não faz disso mistério. “ A pedagogia, diz, tem o
aspecto de uma máquina de precisão, de uma locom otiva
misteriosa, brilhante, com plicada e que, à prim eira vista,
provoca adm iração; mas as peças parecem não se ligar umas
às outras e a m áquina tem um defeito: não anda” (A s idéias
m odernas sôbre os m eninos, p. 340). Em um artigo de re­
vista o m esm o autor reconhece com lealdade que as propo­
sições, verdadeiras, em geral, deixam subsistir na prática
um coeficiente form idável de erros” .
O princípio mais fecundo que se tem deduzido dessas
investigações nos parece êste: “ A criança tem as suas ma­
neiras, os seus gestos, as suas atitudes, que não são em m i­
niatura as maneiras, atitudes e gestos do adulto; tem tam­
bém os seus gostos próprios, as suas paixões próprias, o seu
espírito e os seus c o s tu m e s ... Tem sobretudo as suas pro­
porções que possuem a sua verdade própria, a sua finalida­
de particular, a sua graça incom parável” . (M aillet, Psico­
logia do hom em e da criança, p. 40).
Em uma palavra, as faculdades intelectuais e morais da
criança diferem das do adulto, não somente pelo seu desen­
volvim en to que é m enor, com o pela form a que é outra.
Êste princípio tem por corolário a fórm ula de K ing: “ Tra­
tar da criança em função dela própria” .

B i b l i o g r a f i a — C l a p a r è d e , P syeh o lo g ie de l ’en fa n t et p éd a g o g ie ex-


p érim entale (G e u è v o , 1 9 1 1 ). — F o u o a u l t , O b s e r v a tio m et exp ériences de
p sy eh o lo g ie scolaire (P a r is , 1 9 2 3 ). — C. I Ié m o k , P s yeh o lo g ie p éd a gog iq u e
( P a r i s ) . — I I e n i n , L a P s y e h o lo g ie cie V e n fa n t (P a r is , 1 9 1 2 ). — D e l a
V a i s s i è r e , P s yeh o lo g ie exp érim en ta le (P a r is , 1 9 1 2 ) ; P s yeh o lo g ie p éd a g o .
gique (P a r is , 1 9 1 6 ). — M a i l l e t , P s yeh o lo g ie ãe 1’hom m e et de V e n fa n t,
6e. éd. (P a r is , 1 9 1 3 ). — M e n d o u s s e , L ’A m e de 1’aãolescent (P a r is , 1 9 1 0 ).
— T o u l o t s e e t P i e r r o n , l e clinique de p syeh o lo g ie exp érim en ta le, 2 vol.
(P a r is , 1 9 1 1 ).
E M A N U E L K A N T (1724-1804) E O R ACIO N ALISM O

1. A s doutrinas

E m a n u e l K e n t n a s c e u em K o e n ig s b e rg d e u m a f a m ília o r ig in á r ia
d a E s c ó c ia .
A m ã e l l i e i n s p i r o u jjtf-o fu n d o s s e n t i m e n t o s d e r e l i g i ã o e p i e d a d e .
F ê z o s e s t u d n s n o g i n á s i o e n a ' u n i v e r s i d a d e (?a c i d a d e n a t a l ; t i n h a
e s p e c ia l p r e d ile ç ã o p e la m a te m á t ic a e f il o s o f i a . D e 1 7 7 0 a 1797 fo i
p r o f e s s o r t i t u l a r d e ló g ic a e m e ta f ís ic a .
S u a v id a fo i e x c e s s iv a m e n te r e g r a d a e m o n ó to n a . N ã o s a ía d e
c a s a s e n ã o p a r a i r à u n iv e r s id a d e e d a r to d o o d ia o m e s m o p a s s e io .
D u a s v ê z e s s o m e n t e m o c T ific o u o i t i n e r á r i o : - d e p o i s d a l e i t u i r a d o
E m ílio e a o d e c l a r a r - s e a R e v o l u ç ã o F r a n c e s a . '
A in f lu ê n c ia d e K a n t fo i m u ito g r a n d e e a in d a d u r a . P a r a b e m
a c o m p r e e n d e r n o q u e d iz r e s p e i t o a o s p r o b l e m a s e d u c a c i o n a i s é n e ­
c e s s á r io c o n h e c e r a s lin h a s m e s tr a s d a s u a filo s o fia .

Filosofia de Kant — Dá-se à doutrina de Kant o nome


de criticism o, porque se propõe o exam e crítico da razão,
quer dizer, analisar os elem entos que constituem essa fa­
culdade e determ inam o conhecim ento. Kant distingue a
razão teórica da razão prática e da razão estética.
1) Crítica da razão teórica ou pura, admite que a ciên­
cia existe, mas quer procurar com o se faz. V erifica prim ei­
ramente que o objeto do conhecim ento resulta da ação com ­
binada do espírito e do fato. O nosso espírito tem form as
" a priori” , espécies de m oldes nos quais vasamos os dados
sensíveis. As coisas não nos são conhecidas senão quando
reguladas pela natureza dos nossos sentidos e faculdades.
Daí uma distinção necessária entre os noum enos (coi­
sas tais com o são em si) e os fen ôm en os (coisas tais com o
a pa recem ). Em outras palavras, a experiência fornece a
matéria dos nossos conhecim entos, o espírito acrescenta 'a
forma.
Três faculdades concorrem para a form ação do conhe­
cim ento: a sensibilidade, o entendim ento e a razão. A sen­
sibilidade transform a em intuições as impressões sensíveis,
graças às form as do espaço e do tempo, anteriores a tôda
experiência.
O entendim ento estabelece relações entre os dados sen­
síveis, os reduz à unidade e nos eleva até aos princípios e
leis da ciência.
A razão reduz os juízos à mais alta unidade possível.
Os princípios supremos se reduzem a três: idéia de alma,
idéia do universo, idéia de Deus. Mas Kant não conclui a
sua realidade objetiva. Êle a exprim e pela fórm ula do ceti­
cismo su bjetivo. “ Ignoram os o que pode ser a coisa em si
(n o u m en o ). Não conhecem os mais do que a m aneira de
no-la representar (fen ôm en o).
2) A Crítica da razão prática responde a essa questão:
‘ Que devem os fazer?” Kant aceita com o um dado inegável
a noção do dever. Êle a define: “ Um im perativo categórico,
um mandam ento absoluto que tem por correlativo o juízo
pelo qual se estabelece a obrigação: “ Eu devo querer” . Mas
é a vontade livre que é a essência do dever; é ao mesmo
tem po o sujeito e objeto da lei m oral e tem os assim a ceoria
da autonom ia da vontade.
A teoria do im perativo categórico e da autonomia da
vontade se encerram em três fórm ulas célebres: “A ge de
tal m odo que possas querer que a tua m áxim a de ação se
torne lei universal” . “ A ge de tal m odo que não faças servir
a humanidade, tanto em tua pessoa com o na dos outros,
senão com o fim e jamais com o simples m eio” . — “ A ge com
a idéia da tua vontade com o legisladora universal” .
O im perativo categórico supõe certas verdades que Kant
denomina postulados da razão prática. São a liberdade, a
imortalidade da alma e a existên cia de Deus. Restabelece
assim, a título de afirmação pràticam ente necessária, estas
grandes verdades metafísicas concebidas com o simplesm en­
te possíveis pela razão teórica. E ’ assim que justifica uma
das fórm ulas: “ Eu deveria suprim ir o saber para dar lu­
gar à fé ” .
3) A Crítica do juízo define a finalidade e lhe deter
mina o valor. Kant distingue a finalidade do belo que é o
objeto do ju ízo estético e a finalidade dos sêres que é objeto
do ju ízo teleológico. Suas conclusões são análogas às da ra­
zão teórica. Considera a finalidade com o pontos do nosso
espírito, com o form as subjetivas da nossa faculdade de ju l­
gar. Não se pode afirmar serem elas a lei das coisas.

Kant e a ciência — Grande falta de Kant é desdenhar


demasiado a experiência. Na form ação do conhecim ento o
concreto precede o abstrato; as idéias de caüsa, de substân­
cia, de fim são conseqüências do eu e não das form as a
“ priori” do entendimento. Teria feito m elhor se se apoiassse
nas intuições imediatas da consciência do que invocando as
pretensas idéias puras e os processos artificiais que propõe
gratuitamente. Assim se perde nas concepções abstratas e
vai dar aò cetism o científico. E’ a negação da ciência e da
verdade. Com efeito, a ciência consiste em ver as coisas tais
quais são; todo o esforço do pensam ento deve m oldar-se
mais e mais pela realidade dos objetos. Ora Kant decreta
que o real é inacessível; não atingimos nunca os objetos em
si, mas somente a idéia que dêles fazemos.
Este sistema im plica uma flagrante contradição. Se a
nossa razão teórica é im potente para encontrar-^ absoluto,
com o poderia encontrá-lo a nossa razão prática qüe, no fun­
do, é a mesma faculdade? A í está uma antinomia insolúvel.
Kant e a moral — A m oral de Kant é baseada no im ­
perativo categórico e na autonomia da vontade. Tem o de­
leito de ser uma m oral a “ priori” abstraindo de todo bem
em si. O im perativo manda em vão; está além disso em opo­
sição com a nossa natureza racional; é arbitrário e irracio­
nal, pois não dá outra razão para os seus mandamentos, se­
não o próprio mandamento. Faz-nos retrogradar à cega fa­
talidade dos antigos.
Tem -se julgado bem esta m oral dizendo que ela não tem
senão um princípio, sempre o mesmo: “ o curvar-se sôbre si,
a anquilose do indivíduo na contem plação da própria cons­
ciência” ( V a n g e o is , A m oral de Kant na universidade de
França, p. 9 ). '
A obra filosófica de Kant m erece bem outras censuras.
O seu criticism o sistematizou os erros mais acreditados do
nosso tem po0 “ Com o os positivistas, pensa que a razão es­
peculativa não pode atingir a essência das coisas; com o os
materialistas, supõe que a matéria poderia ser o sujeito do
pensamento; com o os idealistas, reduz o espaço real a uma
pura form a do sujeito pensante; com os céticos faz mortais
concessões ao espírito de dúvida; antes de Renan, pensa que
a m etafísica não pode provar que Deus não seja mais do
que uma idéia; e, com o por outro lado pretende que o mun­
do em si nos escapa, deixa a porta aberta a tôdas as hipó­
teses do m onism o e do panteísm o” . ( M o n s . E. B l a n c , Di­
cionário de filosofia, art. K a n t).

Kant e a religião — Os seus erros sôbre a religião não


são menos numerosos. Segundo êle, a religião consiste em
'“considerar todos os nossos deveres com o mandamentos di­
vinos” . Depende, portanto, da m oral; fora dela já não tem
significação; tôda teologia especulativa é supersticiosa. “ Des­
de que se rejeita tôda verdade filosófica deve-se rejeitar
todo dogm a teológico. E ’ a conclusão lógica do sistema” .
(F arges) .
Deseja também que se purifique a religião histórica
para assim a reduzir m eram ente a uma religião racional; a
ié, com o a própria Igreja visível, tem por fim chegar, com
o tempo, a se tornar supérflua ( V a l e n s i n , Dicionário de
A pologética, art. Criticism o kantiano, col. 748).
Em definitivo, as teorias religiosas de Kant tendem à
destruição de tôda religião revelada; conduzem ao agnosti-
cism o e à religião natural.

Kant e a educação — A m oral de Kant se adapta perfei­


tamente à pretensa escola neutra, escola descatolicizada
que ensina uma m oral não apoiada em dogmas.
O kantismo é que serviu de base aos pontífices do lai-
cismo na preparação de seus program as escolares. Não su­
prim iram a idéia de Deus mas queriam, a todo custo, afas­
tar as direções e influências do catecism o católico. Não qui­
seram banir com pletam ente a religião mas reduziram -na a
uma vaga religiosidade. Segundo o espírito de Kant exaltam
a idéia do d ever pelo d ever; jamais agir na esperança de
uma recom pensa ou pelo receio de um castigo. Essa doutri­
na tem por principal defeito ser im praticável porque se ba­
seia em uma idéia que a destrói.
Com o ensinar, com efeito, uma m oral baseada no im ­
perativo categórico se é im possível dem onstrar o dever e
estabelecer a hierarquia dos deveres? Só se pode ensinar
pelo exem plo “ dos santos leigos” .
Essa m oral silencia a respeito do que é mais vivo, mais
preciso e essencial na m oral: os princípios religiosos. P re­
gando a autonomia da vontade, está em oposição à m oral
do catecism o que supõe deveres im postos por uma vontade
superior. Divinizando-se, por assim dizer, a consciência,
pode conduzir aos atos mais culpáveis, pois é fácil tomar o
capricho de uma sensibilidade extrema por um imperativo.
O que chamamos hoje de Jaicismo é feito, em mui grande
parte, de kantismo (1).
A neutralidade da classe levou a uma desvalorização
do ensino.
Os manuais publicados para êsse uso, sobretudo no que
concernem à história e moral, contêm erros graves, e alguns
até absurdos.
Tal é a funesta influência do kantismo sôbre uma parte
considerável da juventude francesa, assim como de outros
países, onde se quis banir da escola o ensino religioso. Os

(1 ) Leão Daudet: “ Lembro-me duma conversação entre Renan e


('hallemel-Lacour, na qual ambos diziam: “ A moral leiga é a moral kan-
tista” .
Carlos Dumont: “ A moral leiga, tal como 6, na hora presente, se-
jiliora do ensino primário, não é uma moral leiga, é uma moral kantista” .
A doutrina leiga não é só formada de kantismo. Contém tôda espécie
ile tendências, opiniões e sistemas. Há aí coisas de Voltarie, de Rousseaa,
de Kant, de Spencer, de Darwin, etc. A Voltaire ped© emprestado o gra­
cejo moderno venenoso contra a religião, o dogma e o clero. De Bemsseau
conserva a faculdade de enternecimento, as pretensões à solidariedade e à
justiça. De Kant mantêm uma espécie de incapacidade metafísica: Deus
não entra no seu sistema senão pela janela dum postulado da lei moral,
depois de ter sido expulso pelo portal da razão especulativa. Dé Comte
tomou o culto da humanidade, o amor pela ciência positiva. Admite o evo-
lucionismo com entusiasmo como um sistema de explicação universal. O
laicismo vai dar ao materialismo; é uma desagregação. Faz recuar o mun­
do para a barbárie primitiva.
L. Daudet: “ É, portanto, seja o que fôr que queirais ou façais, uma
moral que tem suas raízes profundas no espírito alemão. Há nas coisas
uin elemento interno que as faz viver, e há um veneno que as faz morrer.
Ora a vossa moral kantista é destinada a envenenar o vosso ensino leigo,
í: a idéia puramente germâniea de Kant que, no ensino primário, está
fincada como -um espinho envenenado” . (Discurso de L, Daudet sôbre as
humanidades e o pensamento francês. Aotion française de 30 de junho de
1922).
resultados obtidos dem onstram a insuficiência e a bancar­
rota dessa m oral neutra.

2. O Tratado de pedagogia

Kant deixou notas e observações pedagógicas que se


têm recolhido e publicado. Há nelas influência de Locke e
de Rousseau. Suas idéias são pouco originais; algumas são
conseqüências das suas idéias filosóficas.
Segundo Kant, a educação tem por fins principais:
disciplinar os hom ens; quer dizer: “ despi-los da sua selva-
geria” , fazer com que aquilo que há nêles de animal não su­
foque o que há de hum ano; cultivá-los, quer dizer: instruí-
los; fazê-los adquirir prudência, em uma palavra, civilizá-
los, m oralizá-los, levando-os a seus fins, ensinando-os a agir
segundo boas máximas.

Educação física e intelectual — O exercício é natural às


crianças. “ A corrida fortifica o corpo. Saltar, levantar, pu­
xar, lançar, atirar ao alvo, lutar, correr: todos os exercícios
dêsse gênero são excelentes” . (Tratado de pedagogia, pg.
75). O jôg o é necessário à criança. Kant discute-o sèria-
mente e conclui que nada é mais ridículo em uma criança
do que uma prudência de velho.
A regra principal a seguir no cultivo das faculdades é
não cultivar nenhuma por si mas cultivar cada uma em
vista das mais. ( Tratado, pg. 82). A razão é, por excelência,
a faculdade superior do espírito. E ’ preciso dirigi-la, exerci­
tando-a com cuidado, guardando-se bem de fazer dos esco­
lares argumentadores.
Proceder-se-á, segundo Sócrates, que levava os ouvin­
tes a tirar certas idéias de sua própria razão.
M étodo e disciplina — Cabe à escola disciplinar as von­
tades. Para isso é preciso agir com espírito de continuidade
' não por m eio de repentes, estabelecer leis inflexíveis, a
l im de dar aos alunos a idéia de lei. Kant tem razão quando
insiste sôbre a disciplina. Mas, a que êle recom enda, im ­
pregnada do im perativo categórico é “ totalm ente soldades-
ra” . Não é feita para aqueles a quem se deve aplicar. Não
u va em conta o direito que a criança tem de ser criança.
(R. T h a m i n , Introdução ao Tratado de K a n t)” . Convida o
('ducador a desconfiar do sentimento. E’ necessário coração,
sem dúvida; mas a razão deve dom inar e, quando preciso,
lazer calar o sentimento. A qui ainda o teórico é excessivo:
uma educação fria não pode dar bons resultados.
Kant admite castigos com o sanções a uma regra que
iã o sofre infrações. Dêles dá uma teoria minuciosa. Distin­
gue os castigos físicos, que devem ser usados com precau­
ção; os castigos morais, que são os m elhores porque se diri­
gem à precisão que o m enino sente de ser honrado; os cas­
tigos naturais, conseqüências de faltas com etidas; as puni­
ções positivas, que se reservam às faltas mais graves; as pu­
nições negativas, que consistem em uma privação e que se
aplicam às faltas de pouca importância.
Pronuncia-se contra a em ulação; é uma conseqüência
da sua teoria do dever pelo dever. Tal educação é contrária
natureza da criança; é deprim ente. A em ulação é o agui­
lhão da virtude, diz Fénelon. E ’ preciso deixar agir êsse
Hguilhão. Nunca é inútil que a virtude seja robustecida,
sobretudo quando tem dez anos de idade.

Educação moral e religiosa — A educação m oral tem


por principal objeto, a form ação do caráter. Dois elementos
contribuem para isso: o bom procedim ento e a educação
da vontade. Não com preendem os por que os mestres se
ocupariam da vontade do aluno, quando pelo princípio da
autonomia ela não deve receber ordens senão de si. Kant
está igualm ente em êrro quando afirma, na sua A n trop o­
logia, que não existe m eio têrm o entre ter e não ter ea-
láter. O caráter se m odifica, form a-se poüco a pouco por
tôdas as influências que se exercem sôbre o menino.
O discípulo de Rousseau aparece quando Kant afirma
a bondade essencial da alma do aluno. Contradiz-se logo
aconselhando falar com a m aior gravidade no assunto em-
baraçador do vício.
Os seus conselhos são aliás m uito justos. Term inam com
estas palavras: “ E ’ preciso exercitar os alunos a não dar
senão m edíocre valor ao gôzo dos prazeres da vida. E’ pre­
ciso mostrar aos jovens que o prazer não cum pre o que
promete. E’ preciso, enfim , cham ar-lhes a atenção para a
necessidade de regular cada dia a própria conta a fim de
que, no fim da vida, saiba estimar os valores adquiridos”
(Tratado de pedagogia, pg. 120).
Não se falará de Deus à criança: não com preenderia
ou faria idéia falsa da divindade. E ’ ainda uma idéia de
Rousseau apenas m odificada. O batismo depositou nas jo ­
vens almas disposições especiais para com preenderem as
verdades religiosas. A s crianças aprendem fàcilm ente a ne­
cessidade de um Ser suprem o e a conseqüência que daí re­
sulta: a oração e a adoração. A s adm iráveis narrações da
vida e m orte do H om em -D eus com ovem -nas profundam ente.
Querer privá-las da instrução religiosa é desconhecer ^s as­
pirações superiores de suas almas. E ’ assim que Kant esta­
belece os princípios da escola sem Deus..
Enfim, desejaria manuais em form a de catecism o para
instruir as crianças em seus deveres para com o próxim o.
(Tratado, pg. 108). P or que não folheou o catecism o cató­
lico? A dm irá-lo-ia sem dúvida porque êsse livrinho, segun­
do a palavra de Jouffroy, não deixa sem resposta nenhuma
das questões que interessam a humanidade.
Educadores com tendências racionalistas. — (Os autores que aqui
colocam os estão longe de ter uma doutrina semelhante em tudo à de
Kant. Mas, quanto às questões religiosas e morais, adotaram muitas,
vêzes uma atitude bem pouco diversa da do grande filósofo racionalista).

F i c h t e (1761-1814) — P rofessor na Universidade de Berlim, pro­


nunciou o seu fam ôso Discurso à nação alemã no momento em que seu
país acabava de sofrer numerosos desastres. Prega a renovação m oral
dos com patriotas por meio da educação da vontade e pede que a escola
ensine sobretudo os alunos a form arem resoluçoes.
•" ■ ■ ,
A pátria se reerguerá se se espalhar uma educação capaz de forti­
fica r os traços do pavo alemão. Detém-se longamente sôbre a missão
histórica de seu país. A nova educaÇâg assegurará' a sua regeneração
e a sua independência. A pedra angular desta restauração será ò mé­
todo de Pestalozzi. Permite realizar resultados determinados de ante­
m ã o; desenvolve tôdas as faculdades intelectuais e morais.
Para chegar aos resultados' desejados é preciso unificar a educação.
Tcdos os cidadãos receberão a mesma educação elementar; A carreira
dos estudos será aberta a tôdas as crianças que possuírem aptidões espe­
ciais, sem nenhuma distinção de nascimento.
Fichte é partidário da educação pelo Estado. As despesas consagra­
das a' essa emprêsa serão cobertas ao cêntuplo pelo crescimento da
riqueza nacional. A s fam ílias resistirão, às vêzes: que o Estado não
se deixe intim idar.' Tem direito de tomar aos pais os filh os para fazê-
- I c g cidadãos pela educação nacional-.

Terminando o último discurso, conjura veementemente ,o povo ale­


m ã o: “Tomai, enfim, um a resolução, tomai-a imediatamente. Não
d ig a is: deixai-nos repousar ainda até que as coisas melhorem. As coi­
sas não melhorarão por si- Todo adiamento não fa rá mais do que
aumentar a nossa inércia. Os m otivos de agir não, serão nunca tão
sérios nem tão poderosos com o agora. Aquêle a quem a nossa situação
atual não comove já perdeu todo sentimento” .

J o io M a c é (1815-1895) — Escreveu livros de lições de coisas notá­


veis pelo método e engenhosidade dos tem as: a História de um boca­
dinho de p ã o; os Servidores do estômago; a Aritmética, do vovô; os Serões
de minha tia Bosa, etc., dos quais, porém, afa stou -com cuidado tôda
idéia, espiritualista. São seus maiores títulos de glória aos olhos dos
partidários da escola neutra, ter sido o fundador da Liga do ensino, •
associação m açônica e anti-religiosa que contribuiu em larga medida
para banir Deus das escolas.
H e n r iq u e M a r io n (1846-1896) foi professor nas escolas normais
superiores de Saint-Cloud e Fontenay-aux-Roses e depois encarregado de
■ensinar a ciência ãa educçção na facu ldad e de Letras. D e seus livros os
mais conhecidos sã o : Lições ãe psicologia aplicada 4 educação e A edu­
cação na universidade, O prim eiro serviu muito tempo de manual de
preparação para os exames e é ainda muito atual. Mas o autor deixa
de lado a idéia religiosa e. se demonstra a existência de Deus e a imor­
talidade da alma, não deduz daí nenhuma conseqüência prática para a
form ação do aluuo. Quer que a moral se.1a a alma da edu cação; mas
a m<nral que preconiza é uma m oral' sem Deus e, portanto, impotente a
satisfazer plenamente as altas aspirações da alma infantil.
O . G t R é a r d (1828-1904) — Nascido era Vire (C alvados). F oi a um
tempo escritor, pedagogo e administrador. D eixou ntimerosas obras
sôbre questões educacionais: “ A Moral ãe Plutarco, Educação e Instru­
ção (4 vols.)> Educação da mulher pela mulher, M/me. ãe Maintenon, extra­
tos precedidos duma introdução, Algumas palavras sôbre os pedagogos e
a peãagogia, A legislação ão ensino primário, etc. M. Gréard fêz muito
pelo desenvolvimento das escolas e progressos dos métodos de ensino.
Infelizm ente todos os seus esforços têm tido por objeto uma educação
JMga e neutra.

G a b r ie l C o m p a y r é (1846-1913) — Inspetor geral da Universidade, é


autor d e numerosas e importantes obras sôbre história da pedasrogia e
teorias educacionais. Citem os: História Crítica ãa Educação na França,
História ãa Peãagogia, Os grandes educadores. Manual ãe Pedagogia, Evo.
lução intelectual e moral ãa criança, Organização escolar, Educação inte.
lectuail e moral, etc. Lamentáveis preconceitos anti-religiosos aparecem
na maiar parte dos seus livros aliás notáveis a certos respeitos. Assim
na sua História da pedagogia uma página lhe basta para rever a Ida­
de-Média e concluir qne a partir do século IV “utea noite profunda
cobriu a humanidade” . A firm a que a escola prim ária data da Reform a,
oue os .Tesúítas não sabiam desenvolver senão a memória e o raciocínio
silogístico: representa-os igualmente como “ mimbros do proerresso” . que
queriam “ imobilizpr o espírito humano” . Opõe-lhes os jansenistas aos
quais só fa z censuras benignas. Um dos seus processos consiste em
dispensar muitos louvores para ter o direito de terminar por- censuras
exageradas.
Diaramos em seu louvor que na conclusão do se u .liv ro: A Educação
intelectual e moral, confessa francam ente a bancarrota da moral sem D fíus:
“ Não se suprime verdadeiramente senão o que se substitui, diz, e as
dificuldades presentes da educação moral vêm p recisam en te.d e que
ainda não se substitui suficientemente o que a fôrça das coisas tem
d e s tr u íd o . N iío n o s a p o ia m o s já n o s e n tim e n to r e lig io s o o n a s c r e n ç a s
p e sso a is. A p e la m o s p a r a a n a tu r e z a e a r a z ã o so m e n te, ftste v e lh o
i‘i1 i 1‘íc io q u e p o r lo n g o te m p o a b r ig o u n o s s o s p a is e s t á em p a r t e d e m o lid o .
A c a m p a m o s , p o r a ss im d iz e r , a o r e le n t o ; q u a n d o m u ito , e n c o n tr a m o s
um a b r ig o , um r e fú g io so b te n d a s p r o v is ó r ia s e s p e r a n d o q u e u m a c o n s ­
t r u ç ã o n o v a p o s s a s e r e d i f i c a d a .”

B ibliografia — K ant, I r a ité d e p éd a g og ie, éd. T íia m in (P a ris, 1910).


— C iiu k to n , K ant ou ed u ea tion (L on d res, 1899). — B e u rlie r, K a n t, 8c.

éd. (P a ris , 1908). — K ossi, L a d ottrin a K a n tin n a d cW E ã u ca zion e (T u -


rin, 1 902). — K uyksex, Kant (P a ris , A lca n ). — V a le n s in , art. C riticis-

m e K a n ticn , ilans V U n iv c r s ité d e F r a n c e (P a ris, 1 917). — C yclop ed ia of


ed u ea tion ct D ietion n a irc de p éd a g og ie, art. F ich te. — X . L iío n , La P h ilo-
sop h ie de F ieh te et xes ra pp orts avec Ia eom cien ee cu n tcm porain c (P a ris,
A lca n ). — O om payré, Jean M ace (L es G rands K d u catcu rs). — D iction n a i-
re de p éd a gogie, art. M a rion . — B ou rga in , Vn m ora liste et édu cateurs:
O. G réard (P a ris , H a tdiette). — É tudes, n.o du 5 septcm h re 1908 (É tu dc
critiq u e des oeuvres de C om p ayré). — A za rias, B r o ., E ssays cd u ca tion a l
(art. sur 1’H isto irc de Ia p éd a g og ie de C om p a yré).

C A PÍTU LO V

O PO SITIVISM O E O EVO LU CION ISM O

I. Augusto Comte (1798-1857)

Augusto Comte é o fundador do positivism o. Essa dou­


trina filosófica não é mais do que o em pirism o renovado e
levado a um pretenso rigor científico. Rejeita as crenças re­
ligiosas e as doutrinas m etafísicas e não aceita senão a ciên­
cia dos fatos e suas leis.
O sistema educacional de Com te repousa essencialmente
sôbre três princípios: a lei dos três estados, a classificação
das ciências e a religião da humanidade.
L ei dos três estados: Segundo Com te a humanidade pas­
sou por três estados sucessivos: o estado teológico, durante
o qual o hom em explicava os fenôm enos por intervenção de
um agente sobrenatural; o estado m etafísico no qual o ho­
mem explica o universo por entidades abstratas; o estado
positivo em que os fenôm enos se explicam por seu enca-
deam enjo. T odo fato positivo é ao m esm o tem po relativo, e
a ciência não se deve ocupar senão em ligar os fenôm enos
uns aos outros.

S.'stema de educação — Segundo essas idéias, Com te es­


boçou um sistema de educação. Está convencido de que cada
vida humana reproduz a história da humanidade, donde
conclui que a educação não deve ser senão uma aplicação
da lei dos três estados. E ’ o que tentou estabelecer na 3.a
parte do Discurso sôbre o conjunto do positivism o (julho
de 1848, cu jo resum o é o seguinte:

1) Fói o catolicism o que no período teológico estabe­


leceu pela prim eira vez “ uma educação sistemática indis­
tintamente com um a tôdas as classes, sem excetuar os es­
cravos” . Comte proclam a tam bém que devem os ao catoli­
cismo “ um princípio im perecível, a preponderância da m o­
ral sôbre a ciência em tôda verdadeira educação” . Mas,
acrescenta: essa m oral é estreita e insuficiente porque en­
sina sobretudo uma resignação passiva.
2) No período que ficou sob a dependência dos m etafí­
sicos, a educação foi m uito inferior. “ Não foi senão um com ­
plem ento da instrução que outrora recebiam os padres” e
que se reduzia ao estudo das línguas sagradas e da dialéti­
ca. N egligenciou a educação do povo mas teve o m érito de
facilitar a transição entre o estado teológico e o estado po­
sitivo.
3) Só o positivism o é capaz de fundar o verdadeiro
fistema da educação popular. Essa educação dará a prepon­
derância do coração sôbre o espírito; cultivará a inteligên­
cia, com a finalidade de atingir a sociabilidade.
Dividir-se-á em dois períodos distintos: o primeiro, do
nascimento à adolescência, se fará na fam ília. Os estudos
serão feitos, não por lições form ais, mas por exercícios re­
gulados. O program a com preenderá poesia, música, dese­
nho e línguas modernas. Essa prim eira cultura elevará o in­
divíduo do fetichism o ao politeísm o.
O segundo período far-se-á por cursos públicos; o ado­
lescente não se separará nunca da família. Consagrará dois
anos a dois pares de ciências: um m atem ático-astronôm ico,
o outro físico-quím ico; depois estudará biologia, sociologia
e, enfim, moral, base de tôda educação. Prosseguirá ao’ mes­
m o tem po os estudos estéticos dos prim eiros anos, mas ao
invés das línguas m odernas estudará latim e grego. O la­
tim desenvolve o sentim ento da nossa filiação social.
Essa segunda educação com pletará a evolução filosó­
fica; conduzirá o indivíduo do politeísm o ao m onoteísm o e
enfim à metafísica. As concepções sociológicas dar-lhe-ão
uma apreciação exata dos deveres para com os seus seme­
lhantes.

Apreciação — Os fundam entos dessa teoria são frágeis.


Em prim eiro lugar, a lei dos três estados é pura invenção.
Desde a antiguidade'estudavam -se os fenôm enos positivos;
na Idade-M édia as preocupações teológicas não impediram
as observações científicas. Não é menos falso sustentar que
cada indivíduo percorre as três etapas da teologia, da m e­
tafísica e da ciência positiva. A criança não pensa de m odo
algum em explicar, por sêres divinos, os fenôm enos que
percebe. O m oço, em geral, sente pouca atração pelas abs­
trações metafísicas. Encontram-se, pelo contrário, grandes
talentos para os quais os estudos filosóficbs foram o remate
de uma carreira consagrada, em grande parte senão intei­
ram ente, à consideração do m undo físico. (M ercier, Tratado
elem entar ãe filosofia — II — pg. 19).
Sob o ponto de vista lógico essa lei também não pode
ser admitida. Com que direito Comte afirma que as prim ei-
las hipóteses concebidas pelo espírito foram necessàriamen-
te teológicas? Tem êle o direito de supor que o estado po­
sitivo é definitivo? Sua dem onstração só se apoia em afir­
mações gratuitas.
O sistema educacional de Com te funda-se m uito exclu ­
sivamente na m atemática e nas ciências. As letras que cons­
tituem a m elhor disciplina intelectual, são excluídas do p ro­
grama; não entram nêle senão indiretamente. É o triunfo
do espírito científico. Em si mesma a ciência é grande e no­
bre e pode contribuir para a educação. Mas não se deve
confundir “ a ciência que se ensina e a ciência que se faz” .
O que se ensina na escola é o alfabeto e os rudimentos; a
ciência muitas vêzes se reduz aí a certo núm ero de fórm u­
las. E’ a m em ória sobretudo que ela form a ou antes deform a
pelo abuso (R. T h a m i n , Educação e positivism o, p. 43).
Que form ação pode resultar, por exem plo, do conheci­
m ento de todos os ossos do esqueleto? Que fôrça podem dar
ao caráter ou que independência ao pensam ento quatro ou
cinco livros de geom etria ou 500 páginas de física ou quí­
m ica? A crescentem os que o prestígio da palavra Ciência
mantém muitas vêzes nos jovens espíritos a ilusão e o or­
gulho. Tornam -se dogm áticos e categóricos, cheios de pie­
dade altiva por aqueles que não penetraram com o êles nos
arcanos do saber. A lém disso, essa ciência positiva se gloria
muitas vêzes de ser inimiga da fé.
Enfim, dando com c único fim m oral a essa educaçãc
0 bem da humanidade, o positivism o limita o hom em à ter­
ra, aperta-o na engrenagem do interêsse geral, nega-lhe de
certo modo liberdade, a personalidade e lhe tira todo pen-
t amento capaz de o consolar em suas penas, pela-esperança
de uma outra vida, pois “o direito à imortaHdade s*e perderá
no naufrágio »de todos os outros de que êle era juntamente
o remate e corolário”.
). a
Bibliografia hr P. Gruber, Auguste Comte, sa vie et sa doctrine (P.,
1883). — Diciiownaire de pédagogie, art. Comte. — Cours Turgot, aoút
1908). .— Canteçor, Le Pogitivisme (Paris, Delaplane). — R. Thamin,
Éãucation et posiiivisme (Paris, 1910).

II. Herbert Spencer (1820-1903)

O evolucionismo inglês assemelha-sg em vários pontos ao positi­


vism o francês. Adm ite transform ações sucessivas da humanidade, a
criação, por meio (Ta imaginação, de mitos religiosos e filosó­
ficos, e faz da experim entação cientifica o i5nico critério do conheci­
mento certo. A sua pedagogia repousa na ciência. Os evolucionistas
sustentam que as idéias m orais se form am pouco a poiuco, sob a in­
fluência do instinto de conservação, pela hereditariedade, educação e
legislação. Essa concepção histericamente falsa, destrói a liberdade e
a responsabilidade. Enfim, rejeita -tôda religião revelada, e em seu
sistema educacional, não a p e la m senão vagamente para os princípios
religiosos.
O chefe dos evolucionistas nasceu em Derby (In glaterra). Estu­
dou matemática e ciências e tornou-se engenheiro. Mas, ' a sua prefe­
rência o levava para as ciências sociais. Fêz bastas investigações cujos
resultados consignou em numerosas publicações. E ’ consid.erado um
dos maiores filósofos contemporâneos. Spencer representa, na educa-
çâoi, a tendência científica. O seu tratado, A Educação, é form ado de
quatro capítulos, aparecidos a intervalos, mas destinados a ser unidos.
O capítulo prelim inar examina qual é o saber de maior utilidade;
cs três outros tratam de educação física, intelectual e moral.

Ideal da educação — Spencer definiu assim o seu ideal


de educação: “A educação é tudo o que fazemos para nós
mesmos e tudo o que os outros fazem para nos aproxim ar
da idéia da nossa natureza. O ideal seria obter uma com ­
pleta preparação do hom em para a vida inteira. Em geral
o fim da educação deve ser adquirir o mais com pletam ente
possível os conhecim entos que mais servem para desenvol­
ver a vida individual e social sob todos os aspetos” .
A credita que a pedagogia deve ser guiada pela evolu ­
ção, isto é, pela m archa progressiva de um ser que se cria
pouco a pouco e que m anifesta suas capacidades de ma­
neira sucessiva. A ciência adquirida pelas gerações anterio­
res está com o que depositada no cérebro da criança. Para
lhe dar a form ação intelectual, quase bastará fornecer-lhe
a ocasião de se abrir e de se desenvolver. São asserções bem
contestáveis.

O utilítarismo — No plano de Spencer, os estudos são


organizados segundo a utilidade prática: daí um predom í­
nio demasiado exclusivo das ciências. Im põe-se, por assim
dizer, ao menino, uma especialização durante todos os seus
estudos e dá-se com o razão que, “ não devendo os estudos
liberais encher senão as horas vagas da vida, também não
devem encher senão as horas vagas em educação” . E’ es­
quecer que antes de form ar o especialista, é preciso form ar
c hom em ; é esquecer que, na vida, se acaba sempre por
aprender o que é indispensável saber, mas que se aprendem
raramente as letras, as artes e até as ciências se não é “ nos
anos de desinterêsse e de desem baraço que são os anos de
educação” . Seria sem dúvida loucura e crime, diz M. Tha-
min, educar as crianças para um m undo sem semelhança
com o m undo real, mas podem -se educar sem perigo para
um m undo m elhor. Conhecerão a tem po o que é útil, do
mesmo m odo que o que é mau e o que é feio, e nada tão
desagradável com o uma criança m uito cedo utilitária” . ( Edu-
cation et positivism e, p. 75).
Educação intelectual — O objetivo da educação intelec-
iual é preparar o hom em a satisfazer as suas atividades se-
i;undo a im portância e dignidade das mesmas. Spencer clas­
sifica essas atividades na ordem seguinte: 1) atividades que
têm por fim a conservação pessoal; 2) atividades que tendem
a adquirir os bens materiais: indústria, profissão; 3) ativi­
dade em pregada na alim entação e m anutenção da fam ília;
4) atividacfé que assegura a conservação da ordem social e
política; 5) atividade em pregada em satisfazer os gostos e
os sentimentos pela cultura das letras e das artes.
Êsses elementos da atividade são solidários uns com os
outros; são ordenados segundo a im poitância decrescente.
Mas a enum eração é incom pleta: passa em silêncio o fim
suprem o do hom em ; não faz intervir nem a consciência,
nem a razão, nem a vontade.
A cada uma dessas atividades deve corresponder uma
parte da educação. O m elhor saber é o que prepara o de­
senvolvim ento mais com pleto. Assim, para conservação da
saúde, o hom em estudará fisiologia e higiene; para êxito
om seu trabalho, procurará uma instrução profissional e
largamente científica; tornar-se-á capaz de criar convenien­
temente a sua fam ília estudando os princípios gerais da
educação; numerosas ciências lhe são necessárias a fim de
o preparar para os seus deveres sociais e polítiços; enfim,
até para a educação artística, a ciência é indispensável; aliás
as artes e a poesia não brotam da ciência? Podem os repli­
car que, em tôdas as artes, a ciência é necessária, mas não
suficiente. O valor das obras-primas, a em oção que provo­
cam, não são analisadas pelas regras científicas.
E’ assim que se constitui o program a de estudos de
Spencer. Exagera o papel da ciência sem lhe demonstrar o
valor educativo. Tôda uma parte da vida intelectual e qua­
se tôda a vida em ocional são deixadas sem cultivo. O uti-
litarismo conduz Spencer a essa concepção estreita e in­
com pleta da educação. Tem -se observado m uito justamente:
o que lhe parece supérfluo, as letras, as artes, a ciência teó­
rica e desinteressada, em uma palavra, o exercício das nos­
sas faculdades superiores, é justam ente o necessário na edu-
cacão. E se se objeta que tal program a não é para todos,
pode-se perguntar se um program a oue ensina a construir
pontes e estradas de ferro é para todos.
Quais serão os princípios fundam entais do m étodo?
Spencer enum era dois: o interesse e a atividade esvontâ-
nea. Pretende em prim eiro lugar oue o critério de um bom
ensino é o prazer da crianca, o interesse oue toma pelo oue
lhe ensinam: se sente aborrecim ento é poraue o estudo é
prem aturo ou mal apresentado. Spencer deveria distinguir
entre o oue aarada e o aue é útil: certos exercícios que agra­
dam m uito aos alunos não são os mais importantes. A mais,
se é preciso consultar sem cessar o çôsto do aluno, êste tor­
na-se o m estre dos mestres e é dêle aue se deve aprender
o aue é preciso ensinar. Se é im portante tornar a aula in­
teressante, é mais im portante ainda ensinar os alunos a
vencerem suas repugnâncias e seus caprichos.
O ensino deve provocar na crianca uma atividade es­
pontânea. " Ensinar o m enos possível, fazer achar o mais
possível” , tal é a fórm ula; com efeito, nada excita o aluno
com o as pequenas descobertas aue faz. “ A humanidade, em
todos os seus progressos, não teve por m estre senão a si
mesma, e os brilhantes sucessos dos •homens aue se form a­
ram a si próprios demonstram aue, para ohter os m elhores
resultados, cada espírito deve seguir cam inho análogo” .
Para excitar o interesse e a atividade, o ensino será
baseado em algumas leis estabelecidas por Pestalozzi, e que
Spencer acha perfeittam ente justas: 1) O esvírito procede
do sim vles ao com posto; 2) o espírito progride do indefini­
do ao definido; 3) o espírito vai do con creto ao abstrato;
!) a educação da criança d eve concordar com a da huma­
nidade; 5) o espírito proced e do em pírico ao racional.
Cada um dêsses princípios não contém mais que uma
parte da verdade. Seria mais justo dizer, por exem plo, que
0 espírito vai do fácil ao difícil. O com plexo é freqüente­
mente mais fácil que o simples. Não é possível excluir tôda
abstração até dos estudos elementares, e as ciências con­
cretas não são as mais simples. A matemática existia muito
antes das ciências físicas, e é adotar m étodo defeituoso que­
rer ensinar m uito experim entalm ente princípios abstratos.
Que pensar do princípio segundo o qual a criança deve
seguir nos estudos a evolução da hum anidade? É uma qui­
mera baseada na lei dos três estados. M. Damseaux faz
ressaltar todo o absurdo dêle. “ Será preciso concluir, escreve
êle, que quando a ciência penosamente conseguiu achar seu
caminho, é necessário ensinar antes noções inexatas, e de­
pois rever gradualm ente a matéria estudada, corrigir, supri­
m ir ou com pletar? É lícito duvidar que se deva fazer um
espírito coxo para chegar a um espírito direito?” (História
da pedagogia, 4.a ed., pg. 539).

Educação moral e religiosa — Spencer não acredita na


bondade nativa da criança; seria contrário ao seu princípio
da evolução. A criança assemelha-se a um selvagem. “ Os
seus traços físicos, bem com o seus instintos, lem bram o sel­
vagem ” . O único m étodo bom de form ação m oral é a disci­
plina das reações naturais. Form ula-sea assim: “ Quando um
menino leva um tom bo ou bate a cabeça contra a mesa, sente
uma dor cuja lem brança tende a t&íná-lo mais atento e,
1 ela repetição dessas experiências, chega a saber guiar os
seus movim entos. Se toca na barra de ferro da chaminé, se
passa a mão pela chama de uma vela, ou faz saltar uma
gôta d’água quente sôbre a pele, a queim adura que recebe
é lição que não será esquecida. A impressão produzida por
uma ou duas surpresas dessa natureza é tão forte que ne­
nhuma impressão poderá, depois, levá-lo a menosprezar
assim as leis de sua constituição.” (A Educação, ed. da Bi­
blioteca útil, p. 126). Spencer sustenta que, por êsse meio,
a natureza nos mostra da maneira mais simples, a teoria e
a prática da educação, e que as reações são proporcionais às
excitações. Tom a até o cuidado de nos prevenir que, se
houvesse perigo grave, seria preciso opor-se à transgressão.
Reconhecem os aqui, apenas m odificado, o sistema das
punições naturais de Rousseau. Essa maneira de punir é
eficaz, sem dúvida, mas deve-se aplicar com discernimento.
Um m enino não sabe a lição por falta de aplicação: façam -
Iha estudar enquanto os outros se divertem . Outro chega
cinco minutos atrasado; retenham -no por cinco minutos de­
pois da saída dos outros, etc. Os educadores católicos o apli­
cavam m uito antes de Rousseau e Spencer, mas guardavam-se
m uito de fazer dela a base da educação m oral Na maior
parte das circunstâncias o sistem a é insuficiente; a punição
não vem no m om ento próprio ou até não vem absoluta­
mente; muitas vêzes não é proporcionada à falta. E julga-se
que, em tôda ocasião, o m enino que sofreu a reação natural
não recairá? Enfim, êsse m étodo é todo n egativo; não de­
senvolve senão utilidades e não os deveres positivos. Ora,
a educação deve ser essencialm ente ativa; se tudo se apren­
de das reações, o m enino contrairá m uitos maus hábitos.
O d ever fica quase ausente de tal e d u ca ’ ão. É verdade
que com o auxílio da evolução a criança se desembaraçará
pouco a pouco das suas más tendências, tornar-se-á dócil,
cbediente e acalmará o fogo do temperamen+o Mas a von ­
tade terá parte nessas transform ações? A educação moral
deverá lim itar-se a isso? Spencer não versa essas questões
capitais.
A educação da consciência é nula porque a criança não
obedecerá senão à necessidade.
Não se faz nenhuma m enção da instrução religiosa.
Spencer se limita a dizer que a ciência desenvolve o senti­
mento religioso destruindo a superstição fazendo nascer em
nós um respeito singular pelas leis invariáveis que nos re­
vela, dando-nos justa idéia do que somos e de nossas rela­
ções com os m istérios do ser. Tal religião da ciência é im po­
tente para desenvolver as qualidades morais e dar o senti­
mento do dever.
Tem -se julgado severam ente as idéias de Spencer. “ Ja­
mais semelhante teoria de educação m oral form ará uma
consciência, diz M. Thamin. Não se edifica no vácuo e, sem
uma lei m oral inquebrantável que sirva de fundam ento à
educação moral, esta sofrerá as flutuações do prazer ou do
interêsse, mas nunca aceitará os preceitos da virtude.” ( Cur­
so de Pedagogia na U niversidade de L iã o).

Educação física — Spencer-dá im portância capital à edu­


cação física. Vai até a dizer que a prim eira condição para ter
êxito neste m undo é ser bom animal. Aceitem os esta e x ­
pressão sem recrim inação se eqüivale ao corpus sanum dos
antigos, mas fazendo observar que muitos homens de saúde
débil têm galgado os cumes intelectuais, m oiais e sociais.
O m enino precisa de alim entação abundante, variada, rica.
“ As raças mais bem alimentadas sempre se mostra ram raças
enérgicas e dom inantes” .
Não aprova sem restrição a mania de enrijam ento; muitos
meninos soírem -lhe as conseqüências desagradáveis. Cum­
pre vestir suficientem ente os meninos; o vestuário deve ser
amplo e não tolher os m ovim entos. Os jogos e os exercícios
corporais espontâneos são preferíveis à ginástica que é um
sistema de exercícios artificiais.
Todo esforço cerebral que ultrapassa as medidas é causa
de enfraquecim ento corporal; é necessária, portanto, uma
justa divisão das horas de trabalho, de recreação e de sono.
A conservação da saúde é dos nossos deveres. “ Todo pre­
juízo da saúde é um pecado físico, diz ao terminar. Quando
se form ar uma convicção geral, então, mas só então, talvez,
a educação física da juventude obterá a atenção a que tem
direito” .

B ibliografia — Spencer, 7>e V É â v c n t i o n , trart. A . B e r t r a n d . (P a r is ,


'R e lin ). — Spencer et 1'cducalion xcinitifique ( Grands Educa-
C om payré,
leuru). — Noureau diction naire de 'péãagoflíe, art. Spencer G u e x , II isto ire
iie 1’ instrurlion et de 1’édneatinn, c l i . X X V I I I . — M o n r o e , Text b o o k i n
lhe histortj nf cdncution (Xew-York, ÍOUÕ). — Qricic, Etlucaiional St fo r.
mers, chap. X I X . — 11. T i i a m i n , Éducation et positivisme.

III — Alexandre Bain (1818-1903)

Bain foi durante largos anos professor de lógica na Uni­


versidade de Aberdeen, na Escócia. Suas obras psicológicas
são numerosas: O espírito e o corpo Os sentidos e a inteli­
gência, As em oções da vontade, o Estudo do caráter. A sua
obra principal, a Ciência da Educação apareceu em 1879.
Bain professa o em pirism o e o associaciunismo-

A Ciência da Educação — O livro de Bain é menos bri­


lhante que o de Spencer; é mais profundo, porém, e mais
porm enorizado. “ Ninguém o iguala na riqueza dos porm e­
nores, na fineza e na abundância das observações. Depois
que outros mais ousados tomaram a dianteira e publicaram
o esbôço original, Bain aparece e escreve o manual m etó­
dico e com pleto” (C om payré). D ivide-se em três partes:
na primeira, o autor exam ina em que ordem se desenvolvem
as faculdades e com o é preciso organizar; êste é o problem a
psicológico da educação. Depois discute as relações dos es-
t Lidos entre si; é o problem a analítico A segunda parte trata
dos m étodos de ensino. O terceiro livro expõe um novo plano
de estudos que com preende com o matérias essenciais as ciên­
cias, as humanidades, a retórica e a literatura nacional.

Educação física — Bain se ocupa m uito pouco da edu­


cação física. Nas páginas de seu livro traz algumas obser­
vações sôbre a im portância da saúde “ Quando o corpo está
fatigado há sofrim ento para todos os órgãos em g e r a l...
Para aumentar a propriedade plástica do espírito é preciso
nutrir o cérebro.” A saúde é a base do trabalho intelectual.
O m enino necessita de m uito sono e muito m ovim ento. Tra­
tando da educação dos sentidos, Bain insiste na form ação
geral que convém a tôdas as crinças e que deve tender a
fazer-lhes “ distinguir os matizes mais delicados de côr, de
tom, de cheiro, de gôsto e de sensações fornecidas pelo tato” .

Educação intelectual — A psicologia de Bíun mostra ten­


dências sensualistas. Sustenta que a inteligência se orna
pouco a pouco pelos dados da percepção interna e da per­
cepção externa com o pela im aginação. As suas manifesta­
ções prim itivas são a consciência da diferença a consciên­
cia da semelhança e da relatividade, base da m em ória e da
lembrança. Da consciência da semelhança derivam a abstra­
ção, o raciocínio e a associação. A faculdade de discernir é
o critério da fôrça intelectual (O Espírito e o corpo, cap. V ).
Do estudo das m anifestações dos atributos da inteligên­
cia, Bain deduz conseqüências sôbre os m om entos favoráveis
ao estudo, sôbre a influência das em oções intelectuais. No
que se refere ao desenvolvim ento do espírito, suas idéias
são as de Spencer: a observação precede a reflexão, a m e­
m ória.precede o ju ízo e a imaginação, a razão Portanto, o
ensino procederá necessariamente do sim ples ao com plexo,
■do particular ao geral, do indefinito ao finito, da análise ò
síntese.
Em seu program a de estudos, Bain concede o prim eiro
lugar à ciência. A matem ática disciplina o espírito e form a
o hom em : afirm ação m uito contestável. Acrescenta que as
ciências experim entais satisfazem às artes e as profissões.
A história natural lhe parece igualm ente importante. Quan­
to às línguas antigas, julga-as inúteis a quem não tem que
servir-se delas; aprender-se-ão as línguas m odernas para as
falar.
Acham os nesta teoria as idéias favoritas de Spencer: a
educação pela ciência e utilitarismo. Bain faz uma conscien­
ciosa enum eração de argumentos invocados em favor dos
estudos clássicos, mas inclina-se sempre para a educação pela
ciência. Censura as humanidades por darem ao espírito o
hábito do servilism o. Nem se acredita. Não se tem reconhe­
cido, há m uito tempo, que as letras são libertadoras por
excelência? O contrário é evidentem ente mais certo: as ciên­
cias podem escravizar o espírito, incliná-lo ao positivism o e
materialismo. Certamente não se devem banir do ensino,
longe disto; mas não se lhes deve pedir senão o que estão
em condições de dar. As ciências são o grão que mais tarde
será preciso semear no cam po; não são substância que o
nutra e fertilize ( C o m p a y r é , Hist. da pedagogia, 18.’ ed.,
pg. 477).”
O utilitarism o é a idéia dom inante dêsse sistema; todos
os estudos são feitos com fim prático e com intento de con­
seguir uma profissão.
É curioso, após ter lido o ditiram bo de Bain em honra
da ciência, ouvi-lo falar com ceticism o do valor das lições
de coisas, ainda que admita que. abrem aos alunos três hori­
zontes: o reino mineral, o reino vegetal e o reino animal.
Teria podido ajuntar um quarto horizonte bem superior aos
outros. Mas seria m uito pedir a um discípulo de Comte e
de Spencer. Só os educadores cristãos podem elevar as almas
a essa altura.
A Ciência da Educação termina por um programa de
estudos modernos que compreende três partes: as ciências,
as humanidades, a retórica e literatura. Parte muito.peque­
na é reservada às letras. Bain esquece um argumento impor­
tante em sua discussão, a saber, que as literaturas clássicas
não são somente literaturas mortas mas ainda literaturas
mães. ‘Pelos estudos clássicos, ao mesmo tempo que cumpri­
mos como que um dever de piedade filial, tomamos consciên­
cia do passado que nos produziu. . . É a nossa própria his­
tória, a história das nossas idéias que vamos aprender nas
suas fontes remotas. (R. T h a m i n , Educação e positivismo,
p. 104).
Nesse programa moderno, Bain desfigura as humanida­
des; subtrai-lhes o que constitui a sua essência: as línguas
mortas. O que enfeita com o nome de humanidades é a socie-
logia e a história, a economia política e a jurisprudência.
Não admite as letras antigas senão como facultativas. E até
prevê o dia em quç se há de achar que ocupam lugar dema­
siado considerável na educação.

Educação moral — A educação deve ser obra de auio-


ridadé porque a criança, por ser fraca, precisa ser sustentada.
Essa autoridade será razoável e prudente; a maldade e o
amor ao domínio não devem ter parte nela. Será' obtida indi­
retamente pelas qualidades do mestre, a excelência de seu
método e principalmente por sua habilidade em fazer uso
do que Bain denomina os estimulantes do trabalho intelec­
tual. Entre êsses estimulantes assinalo prazer calmo, sobre­
tudo se é de natureza a aumentar pouco a poUco; a emula­
ção qué substitui todos os mais, mas que é anti-social e que
aproveita somente a alguns alunos; os prêmios e as colo­
cações que só agem sôbré um pequeno número; as recom­
pensas, que com preendem o elogio e a censura, poderoso
m eio de ação, “mas que exige ser m anejado com tato” . Nas
casas em que se conservam os castigos corporais, é preciso
colocá-los bem no alto da lista das punições; o m enor dêsses
castigos deve ser considerado verdadeira desonra ( Ciência
da educação, pg. 85).
Bain verifica que a educação m oral é difícil por causa
dos elementos diversos de que é constituída: tendências
inatas, experiência pessoal, exem plos e ensinamentos da fa ­
mília e da escola. O m estre cum prirá de dois m odos o dever
de professor de moral: indiretam ente, desenvolvendo hábi-,
tos de obediência, exatidão, veracidade, lealdade e polidez;
diretam ente, dando lições especiais de moral. Cultivará so­
bretudo as virtudes naturais: prudência, justiça, benevo­
lência^ horror à mentira, amor ao trabalho. Será necessário
fazer notar a insuficiência de tal program a?
Que m otivos invocará o mestre para obrigar os alunos
a se tornarem m elhores? M otivos naturais: o interêsse pes­
soal e o interêsse social. Êstes dois m otivos são bem insu­
ficientes para conservar um hom em no dever.
Bain enfraquece ainda sua teoria da educação m oral
sustentando que a religião e a ciência do dever ganham em
ser estudadas separadamente. As suas idéias sôbre o ensino
religioso se resumem em um convite a se contentar com o
tom teísta e cristão que dom ina nos livros e com a disposi­
ção natural que leva os m eninos a aceitarem a explicação
do universo pela intervenção de um Deus pessoal (Id. p. 307).
Faz notar, com razão, que as lições indiretas são as m e­
lhores; o em prêgo de fábulas, de parábolas, de exem plos, é
meio m uito insinuante de se chegar ao espírito. As refle­
xões morais que se apresentam naturalmente são as que pro­
duzem a impressão mais durável. Os contos, as narrações,
as biografias em que se trata de qualidades plevadas, fazem
muito bem quando sua leitura é espontânea. Os livros que
os próprios m eninos escolhem persuadem -nos muito mais.
(Id. pg. 299).

Conclusão — A leitura da Ciência da Educação deixa na


alma impressão de pessimismo. A s observações tão finas de
Bain sôbre a psicologia são prejudicadas por um sentimento
de desconfiança com respeito à criança e à humanidade.
Julga o hom em incapaz de sentimentos nobres e elevados;
escreve que as m anifestações da cólera, do ódio, da antipatia,
do desprezo, são a fonte de um prazer imediato, que muitís­
simas vêzes não é inferior aos da amizade. A crescenta que,
em muitos casos, se renuncia fàcilm ente aos prazeres sociais
e simpáticos para se entregar ao prazer da m alvadez (Ciên­
cia da Educação, pg. 54 e s g .).
Digamos, enfim , que, se Bain tem muitas passagens en­
genhosas sôbre a psicologia, sôbre os m eios disciplinares
não pode ser guia seguro em educação m oral e religiosa,
porque as suas idéias a êsse respeito são falsas e incom ­
pletas.

B ibliografia — B a i n , L a S cien ce ã e l ’ éd u ca tio n ( P a r i s , A l c a n ; A u .


to b io g r a p h y , editecL b y D a v id s o n ( L o n d r e s , 1 9 0 4 ) . — G u e x , H ü t o i r e de
r in s t r u e tio n e t de 1’ é ã u ca tio n , p .. 5 9 8 -6 0 4 . — D a m s e a u x , J lU toire de la
p éd a g o g ie , 4 e. e d it io n . — E . T h a m i n , É dw cation et p osU ivism e, p . 8 9 -
1 1 3 ).

IV — John Stuart Mill (1806-1873)


\

Stuart M ill recebeu educação positivista antes do siste­


ma. Interessa-nos pelo regim e de estudos a que foi subme­
tido e pelo program a que propõe.
O pai parecia ter reduzido o núm ero de faculdades da
alma a duas: inteligência e vontade. A os três anos, John
com eçou a estudar grego; aos sete, lia os diálogos de Platão;
antes dos oito tinha lido as Histórias de H eródoto, as Con­
versações m em oráveis de X enofonte. Nessa idade aprendia
sozinho a história, mas prestava conta de suas leituras. Aos
oito anos com eçava o estudo do latim que em breve conhe­
ceu perfeitam ente; ao m esm o tem po estudava álgebra, geo­
m etria e cálclulo infinitesimal. A os onze anos com eçou a
escrever uma história romana. A os doze, com eçou a lógica
que ficou sendo o seu estudo preferido. A os catorze o seu
curso estava terminado, mas repetiu por si os estudos e des­
cobriu a filosofia de Bentham, cu jo utilitarismo adota.
Em sua educação, nunca se tratou de cultura física; o
pai não se interessava senão pelas idéias. Nessa vida de
estafa o jovem M ill não teve nenhum com panheiro de sua
idade nem brincou jamais.
Tam bém deixou-se de lado tôda vida sensitiva. O pai
considerava sinal de loucura tôda em oção um tanto viva, e
o sentimentalismo com o aberração da moralidade. Essa la­
cuna teve a sua repercussão numa crise m oral que se p ro­
duziu cèrca dos vinte anos. Stuart M ill experim entou p ro­
fundo desgosto por uma vida sem interêsse e que não lhe
parecia digna de ser vivida. A crise term inou por lágrimas
e desenvolveu os sentimentos generosos.
M ill foi educado fora de tôda crença religiosa, mas o pai
lhe deu fortes lições de m oral natural: justiça, temperança,
am or à verdade, perseverança, resignação na dor, interêsse
pelo bem público.

' Programa de educação — Êsse program a foi traçado por


M ill no discurso que pronunciou em 1867, com o presidente
da U niversidade de Santo André, na Escócia, e cujas idéias
mais importantes são as seguintes:
1. Necessidade de cultura geral. Form ar hom ens antes
de form ar advogados, engenheiros, m édicos, tal deve ser a
preocupação dos educadores dignos dêsse nome. Uma espe­
cialização m uito apressada é um infortúnio para os jovens.
2. D efesa das humanidades clássicas. Segundo Mill,
estão gravem ente ameaçadas pela invasão das ciências, pelo
desenvolvim ento do ensino técnico, maus métodos, e defei­
tuosos em pregos de tempo. Coloca com o princípio que tôda
educação esmerada com porta o conhecim ento de uma língua
e literatura estrangeira. Tal estudo é preservativo contra a
estreiteza do espírito. Ora as literaturas grega e latina são
as m elhores para alargar as idéias; põem -nos em contato com
a antiguidade e nos dão lições de m oral e de história.
3. Papel das ciências. Experim enta pouco entusiasmo
pelo valor educativo das ciências. Diz-se que as ciências são
a escola do raciocínio e da observação; seriam; portanto, ca­
pazes de dar boas lições de m étodo! É precisamente o que
M ill contesta. “P ou co im porta ouvir e ver hábeis experiên­
cias tôda nossa vida, a simples imitação não nos ensinará a
fazer outro tanto.”
Para êle, a lógica é o intérprete necessário das ciências
indutivas e das dedutivas; estas não têm valor pedagógico
senão por ela. M ill exagera um tanto o valor de sua ciência
preferida. “ Ainda sem a lógica, as regras do m étodo, a dis­
ciplina intelectual que resulta da prática inconsciente de
suas regras, têm ação mais lenta, mais obscura, mas real.
Não se deve, portanto, crer que o estudo das ciências seja
estéril ao espírito porque outros acreditaram que só ela era
fecunda. (R. T i i a m i n , Educação e positivism o, p. 138).
4. As ciências sociais. Mill insiste pouco na psicologia,
cuja “ terra de eleição” é a Escócia, mas se extende mais a
respeito das ciências sociais: a história, que é preciso ensi­
nar apoiando-se no “ sentido dos fatos” ; a instrução cívica,
estudo das instituições nacionais, a econom ia política; a ju ­
risprudência, no que se refere aos princípios gerais das leis;
enfim , o direito internacional, código das nossas relações
com as nações estrangeiras.
5. C ultivo dos sentim entos e da vontade. Êsse cultivo
deve ser dado pelo ensino m oral e religioso e pela estética.
A arte tem uma missão educativa: contrabalança felizm ente
o espírito m ercantil e o puritanism o que tendem a estreitar
a alma inglêsa. A arte torna os hom ens melhores. A o sair
de uma leitura de Dante, de W ordsw orth, de Lucrécio, de
Virgílio, a nossa alma experim enta sentimentos mais nobres.
É bom respirar, de tem pos a tempos, o ar das alturas.
“ Perm anece na alma, do seu com ércio com a beleza, uma
espécie de graça que se difunde em todos os seus atos, e
com o que um perfum e de heroísm o” .

B ib lio g r a fia — S tu a b t M ill, A u t o b i o g r a p h y (L o n d r e s , 1 9 0 8 ) . — D is-


cou rs ã ’i n a u g u r a t i o n à 1’ u n i v e r s i t é ã e S a i n t - A n ã r é , tr a d u it en fr a n ç a is
c a n s la S e v u c ã e s C o u r s U t t é r m r c n , n . ° 3 3 , 3 5 e t 3 6. — K o u v e im á ic tio n n a ir e

ã e p e ã a g o g i e , a rt. S t u a r t M ill, — R. T iia m in , íi ã u c a t i o n e t p o n iti v ix m e .

— W . L. C o tjr tn e y , L i f e o f J. S. M i l l (L o n d r e s , 1 8 8 9 ) .

C A PÍTU LO V I

A PED AG O GIA CATÓLICA

A I g r e j a c a t ó lic a c o n tin u o u c o m ê x it o n o s é c u lo X I X , a su a m is-


sS o d e e d u c a d o r a e <?e c iv iliz a d o r a . A e s c o la , ta l q u a l a c o n c e b e , f i-
c a r á s e m p r e s e n d o a e s c o la id e a l, o c u p a n d o -s e n o m e sm o te m p o <1o
c o r p o e dn a lm a .
A p ed ag o g ia dos m e stre s, dos e d u c a d o re s católicos d e sc a n sa sô b re
os f u n d a m e n to s m a is s ó lid o s ; o E van g elh o ., o e n sin o do s S a n to s P a d r e s
e dos do u to res, a filo so fia tra d ic io n a l. í: e x p l i c a d a m a g i s t r a l m e n t e e m
n u m e r o s a s fibras p u b lic a d a s no d e c u rso do s é c u lo : t r a t a d o s g e r a is de
e d u ca c ã o . e stu d o s s ô b re o ensino e a m e to d o lo g ia, h is tó r ia s g e r a is da
p e d a g o g i a , in v e s t i g a ç õ e s s ô b r e a i n s t r u ç ã o n a s d i f e r e n t e s é p o c a s , etc-
A I g r e ja tem e n c o r a ja d o todos ésses tra b a lh o s p o rq u e fa z q u e stã o e s ­
sencial d a f o r m a ç ã o p ro fiss io n a l dos m e stre s.
P o d e m o s tr a r com n o b re altiv ez as o b ra s esc o lá stica s de que é a
in s p ir a d o r a . T e m - s e o c u p a d o com a e d u c a ç ã o e m to d o s os g r a u s . P ara
p r e e n c h e r tal m issão , te m tido a seu serv iço um in c o m p a rá v e l e x é r ­
cito de v o lu n tá rio s. A lu d im o s à s c o n g reg açõ es d e ensino m a sc u lin a s e
fe m in in a s. (V ejam -se m a is a d ia n te as p á g in a s c o n sa g ra d a s à s re li­
gio sas p ro fe s so ra s ). Só ela p o d ia in s p ira r-lh e s êsse d e sp ren d im en to
a b so lu to e a c e n d e r em a lm a s d e v o ta d a s a s c h a m a s do ap o sto lad o .
E sses e d u c a d o r e s d i s s e m in a r a m - s e p o r to d o s os c o n tin e n te s : p a ­
d r e s s e c u l a r e s . .T esu ítas. S u lp i e ia n o s , O r a t o r i a n o s , L a z a r i s t a s , M a r i s -
ta s. D o m in ic a n o s p ro fe s so re s , M a r in n is ta s , S a le sian o s, P ia r i s ta s , C lé­
r i g o s d e S ã o V i a t o r , etc., d i r i g i n d o s o b r e t u d o u n i v e r s i d a d e s , s e m i n á r i o s ,
co lég io s d e e n sin o s e c u n d á rio , m a s o c u p a n d o -se ta m b é m d a s e sc o la s
p r i m á r i a s : T rm ãos d as E sc o la s C ristãs, Irm ã o z in h o s de M aria , Ir-
ruã us d a I n s t r u ç ã o c ris tã . I r m ã o s de S ã o G a b rie l. I r m ã o s do S a g r a d o
C o ração . I r m ã o s da D o u trin a C ris tã de N a n c y , I r m ã o s d a S a n ta C ruz,
I r m ã o s de S ã o F r a n c is c o R égis, X a v e r ia n o s , I r m ã o s da C a r id a d e de
G n n d , etc., to d o s r i v a l i z a n d o e m zêlo e c r i a n d o o b r a s v a r i a d a s q u e
c o rre s p o n d e m à s m ú lt ip l a s n e c e s s id a d e s d e n o s sa é p o c a : co lég io s d e
e n sin o se c u n d á rio m o d erno, e sc a la s n o rm a is, esco las p r im á r ia s , e sc o ­
l a s de a r t e s e ofíc io s, c u r s o s d e a d u lto s , e d u c a ç ã o d o s s u r d o s - m n d e s
e d o s cegos, p a t r o n a t o s , etc.
X o séc u lo X Í X a I g r e j a se o cu p o u m u ito do e n sin o s u p e r io r. A
c ria ç ã o de u n iv e rs id a d e s c a tó lic a s to rn o u -se in d isp e n sá v e l no d ia em
q u e a s u n i v e r s i d a d e s (le E s t a d o , c e s s a r a m d e s e r c o n f e s s i o n a i s o u n ã o
l e v a r a m s u f ic ie n te m e n te e m c o n ta a re lig iã o e s ta b e le c id a e a d o iu trin a
r e v e la d a . L o v a i n a foi a p r i m e i r a , e m d a t a , d e s s a s u n i v e r s i d a d e s (1884).
E ’ o m o d elo d e tô d a s a s m a is e d e se m p e n h a a lta m e n t e a su a tríp lice
m is s ã o : c ie n tífic a , social e re lig io sa . A s u n iv e rs id a d e s ca tó lica s são
h o j e e m dia n u m e r o s a s : n a E u r o p a , a s d e P a r i s . L iã o , L ille, T o lo sa ,
A n g e rs, F r ib u rg o , M ilão, D u b lin . N i m e g a : n a A m é ric a do N o rte a s
d e Q uebec, de M o n treal, de W a sh in g to n , d e G eo rg eto w n , d e F o r d h a m ,
d e S ã o L u ís, e t c - : n a A m é r i c a do S ul, a s d e S a n tia g o , B u e n o s - A ir e s e
'L i m a ; na Á sia , a d o l í e i n i f . P o d e m o s a c r e s c e n t a r a essa enu m eração:
a Academia universitária católica de .M adri e a s Escolas superiores íle
S h a n g a i e d e T ó q u io . T ô d a s e ssa s u n iv e r s id a d e s p r e s ta m s e r v iç o s e m i­
n en tes q u e M o n s. l .a u d r ilh ir t a p r e c ia n e ste s tê rm o s : “ S ã o um uiomi
d e p r e s e r v a ç ã o p a r a a ju v e n t u d e le ig a s a íd a d a s e s c o la s c a t ó lic a s c u jo
t r a b a lh o c o n tin u a m . F a z e m o p a p e l d e e s c o la s n o r m a is s u p e r io r e s d o
e n s in o liv r e . S ã o fo c o s c r is t ã o s d e a lta c iê n c ia e f a v o r e c e m a fo r m a ç ã o
e o s p r o g r e s s o s d o s s á b io s c a t ó lic o s q u e p õ e m em c o n t a t o . T ê m , en ­
fim . u m a m is s ã o d o u t r in a i q u e d e v e te n d e r a f a z e r d e la s , — n ã o p o r
c e r t o ó r g ã o s d a v e r d a d e r e lig io s a : ta l p a p e l in c u m b e a o p a p a . a o s
c o n e ílio s e a o s b is p o s , — m a s a s r e g u la d o r a s d a v id a in t e le c tu a l d os
c a t ó l ic o s e a s a p o lo g is t a s da v e r d a d e ” .
I n fe liz m e n t e a I g r e j a m u ita s v ê z e s e n c o n tr o u o b s tá c u h s a o seu
zêlo p e la s o b r a s d e e d u c a ç ã o . A F r a n ç a , em p a r t ic u la r , im p u g n o u m u ito
r u d e m e n te a e s c o la c a t ó lic a . E r a um a g ló r ia p a r a ela te r s id o o b e r ç o
d a m a io r p a r t e d a s C o n g r e g a ç õ e s d e e n s in o : e r a u m a g ló r ia p a r a e la
v ê -la s e s p a lb a r e m -s e p e lo m u n d o in t e ir o p a r a m a io r p r o v e it o d a n o s sa
in flu ê n c ia n a c io n a l. D e s d e 1880, o g o v ê r n o to m o u c o n t r a m e s tr e s d e ­
v o t a d o s um a s ó r ie d e m e d id a s a n t ilib e r a is e, p o r (p ie n ã o d iz ê -lo ? a n ti-
fr a n c e s a s . E n fim em 1904, e x p u ls a r a m -n o s d e se u p a ís p o r q u e p e s ­
s o a lm e n t e se c o n s a g r a v a m à e d u c a ç ã o c r i s t ã ; e o n fis e a r a m Llb e s as
c a s a s ; d e s tr u ír a m o b r a s im p o r ta n t e s d e v id a s ã g e n e r o s id a d e d e p a r ­
t i c u l a r e s : v io lo u -s e a lib e r d a d e d o s p a is , o b r ig a n d o -o s a c o n fia r e m ou
f i lh o s a m e s tr e s q u e n ã o p a r t ic ip a v a m <le se u s se n tim e n to s c r is tã o s .
T a l p r o c e d im e n t o o d io s o fê z n o e s t r a n g e ir o p e n o s a im p r e s s ã o . O s r e ­
lig io s o s n ã o d e ix a m d e fa z e r a m a r a F r a n ç a , no e x ílio , e os seu s s e r ­
v iç o s s ã o p o r tô d a p a r t e g r a n d e m e n te a p r e c ia d o s .
M a lg r a d o t o d o s os o b s t á c u lo s , a I g r e ja c o n tin u a sua m is s ã o d i­
v in a . O s s e c t á r io s p a s s a m : e la . s e m p r e v iv e , c o n tin u a in fa t ig a v e lm e n t e
su a o b r a d e c i v i l i z a ç ã o e d e s a lv a ç ã o .

B ib lio g r a fia — Dictionnaire Apoloi/ctiqne, art. Instrv-ction <lr la je u .


n esse, V ,
V I , et V I I . Bibliographic 1rè.i com plèle. — E. K eller, L cs
Congrégations religieuses en Franee (P ., 1 8 8 0 ).

I — Bemard Overberg (1754-1826)

O verberg é uma das glórias mais puras da pedagogia


católica no século X IX . Sua grande preocupação foi a for-
mação profissional dos mestres. Prestou os m aiores serviços
à educação com o diretor da escola norm al de M unster e ins­
petor das escolas primárias. Foi catequista notável. M orreu
dois dias depois de ter dado a última aula.

-O formador — A s funções de O verberg na escola normal


consistiam em dar, dur,ante alguns meses, lições elementares
a professores cuja form ação era deplorável. Pela maioria
eram muito ignorantes. A lguns davam aulas em condições
mais lastimáveis. M elhorou suas condições materiais, aper­
feiçoando-lhes ao m esmo tem po os conhecim entos. Dentro
em pouco seus esforços incessantes exerceram influência
feliz sôbre as escolas. Deu igualm ente cursos às jovens que
se destinavam ao ensino. O verberg sobressaía na arte de
explicar o catecismo. Seu Guia do catequista contém ex ce­
lentes conselhos. Suas idéias pedagógicas estão resumidas
no seu Manual de pedagogia e de m etodologia.
*>
Ec’ucação física — A saúde dos mestres e dos alunos era
gravem ente exposta em edifícios arruinados e insalubres;
fêz desaparecer as velhas escolas e as'substituiu por cons­
truções mais higiênicas. Mas os seus esforços se voltaram
principalm ente para a educação intelectual, m oral e religiosa.

Educação intelectual — O verberg não dá jamais uma


aula sem a ter cuidadosam ente preparado. Na escola normal
consagrava uma hora e meia a cada um de seus cursos. Em
suas notas íntimas se exprobra amargamente por ter dado
uma aula que não tinha preparado suficientem ente: “ Ó Deus,
ajudai-m e para que tal não me torne a acontecer. É ilusão
dizer-m e a m im m esm o: Fica sossegado, és senhor de tua
m a té ria ... A falta de preparação acarreta muitas outras: a
lição torna-se obscura, incerta, difusa; o espírito das crian­
ças se perturba; ficam embaraçadas e eu tam bém .”
Põe em uso constante o m étodo socrático no ensino da
religião. C om o Pestalozzi, e m elhor do que êle talvez, so­
bressai-se no uso da intuição. Os exem plos e as comparações
são inúmeras no seu ensino. As suas instruções são em tom
de conversa fam iliar. Quer que as lições sejam agradáveis
a fim de que a criança se prenda à escola. Uma aula, segun­
do êle, torna-se desagradável: “ se dura m uito tem po sem
interrupção; se o m estre em seu porte, seus gestos, suas con­
versações, suas maneiras não evita com cuidado tudo quanto
pode m agoar à criança; se o silêncio e a atenção não são
m antidos quanto possível; se se atormentam as crianças fa­
zendo-lhes aprender m uito de cor; se o mestre não segue
suficientem ente as regras de um bom m étodo ( Guia do cate-
quista, pg. 13-14).
O verberg é inim igo da m em orização excessiva. É esta
para as crianças um torm ento que lhes faz tom ar ódio ao
trabalho e à religião, não lhes ensinando senão palavras e
fórm ulas vagas, sufocando a curiosidade e im pedindo a re­
flexão.
Adianta-se ao seu tem po pelo zêlo em prom over o estudo
do canto, a que atribui influência m uito grande na form ação
do coração, da inteligência e do caráter.
É preciso admirar, nesse grande educador, uma extrem a
delicadeza de consciência. Em seguida a uma exam e sôbre
os seus deveres de estado, escreve: “ Em geral, tenho que
evitar de ser m uito longo e m uito erudito para as crianças.
A judai-m e, ó bom Jesus, para que eu im ite mais e mais, em
minhas lições, a maneira divinam ente simples de vosso ama­
do Filho. Fazei que eu m e pergunte sempre antes de com e­
çar uma instrução: É necessária? É útil? É presentemente
a mais aproveitável?”

Educaçao moral e religiosa — A form ação m oral e reli­


giosa é, para O verberg, a mais importante. Emprega, no
ensino da religião, o m étodo tradicional da Igreja: união
do dogm a com a história. U tiliza os m elhores processos, mas
sobretudo difunde sua alma nas instruções. O tom de p ro­
funda convicção com que ensina leva a convicção aos ouvin­
tes. Dir-se-ia Jesus Cristo no m eio das crianças. O ilustre
catequista fala por experiência quando escreve êstes belos
conceitos: “ Algum as palavras saídas da bôca de um mestre
que conheça a alegria vivificante que dá a religião, produ­
zem freqüentem ente, junto aos alunos, efeitos m aiores do
que os mais belos discursos. A qu ilo que vem do coração vai
ao coração” . (Manual,- p. 17-34).
Sustenta que a m elhor lição de m oral é o bom exem plo:
“ A s crianças, diz, falam, julgam e agem com o vêem fazer
àqueles com quem lidam, sobretudo quando têm para com
os mesm os respeito e am or.” Dar às crianças o amor de Deus
e de Jesus Cristo, tal é o fim a que deve tender. Quando a
educação foi feita com cuidado, a criança poderá desviar-se
mais tarde do bom cam inho, mas a experiência prova que
voltará a êle um dia, ao passo que não há nada a esperar da
que não recebeu instrução nem educação.
O verberg celebrou m agnificam ente a missão do educa­
dor. No seu Manual de pedagogia considera-o com o o doutor
da verdade, substituindo pais e mães, o guia espiritual das
crianças, o seu anjo da guarda visível, o conservador do
preço do sangue de Jesus, o guarda do tem plo do Espírito
Santo, o com panheiro dos joven s peregrinos que vão a Deus,
seu Pai. Êsses qualificativos tão belos e tão justificados não
são de natureza a sustentar nas suas provações as almas esco­
lhidas que se votam à educação da juventude?

B ib lio g r a fia — O v e rb e rg , M a n u e l d e p é á a g o g ie c t d e m é th o ã o lo g ie
n é n é ra le , o u G u iâ e de l ’ l n s i i 1 u t n i r p r i m a i r e ( L i ò g p , 1 8 4 4 ) ; G w id e ã u C a -
t ê c h i s m e ( B r u x e l l c s , 1 8 6 0 ) . — D i e t i o n n a i r e d e p ê d a g o g i e , art. O v e r b e r g .
— G o y a u , L ’A l l e m a g n e r e l i g i e w e , L c e a l h o l i c i s m e , I . — S c h u b e r t , V i e
ãe B. O verb erg , tr a d v ite p a r L éon B okè (P ., 1 8 4 3 ).
G reg ó rio G ira rd n a sc e u em F rib u rg o . F ê z p a r te dos e stu d os no
colégio S ã o M ig u el, d irig id o p e lo s J e s u í t a s . A os d ezesseis an o s e n tro u
no nov iciad o dos F r a n c is c a n o s em L u c e rn a , e te rm in o u os estu d o s no
c o n v e n t o d e s u a o r d e m n a A l e m a n h a e 11 a u n i v e r s i d a d e d e W u r t z b u r g .
A s s u a s a p tid õ e s de e d u c a d o r se r e v e la r a m q u a n d o en v io u ao m in is ­
t r o d a s a r t e s e c i ê n c i a s u m Plano para a educação de iôda a Siií<;a ( 1 7 0 0 ) .
E 111 1 8 0 4 , t e n d o s i d o o s F r a n e i s c a n o s d e F r i b u r g o e n c a r r e g a d o s d a d i r e ­
ç ã o d a e s c o l a p r i m á r i a . G i r a r d f o i n o m e a d o s u p e r i o r e p r e l e i l o . A e s -ola,
q u e tin h a q u a r e n ta alu n o s, c h eg o u d e n tro em p o u c o a q u a tro c e n to s.
U m a escola p a r a m e n in a s , f u n d a d a n a m e s m a é p o ca , p r o s p e r o u t a n t o
com o a dos m eninos.
A d i e t a h e l v é t i e a o d e s i g n o u , e m 180!í. e m c o m p a n h i a d e d o i s o u t r o s
delegados, a ir v is ita r o fic ia lm e n te o in stitu to d e Y v e rd o n e j u lg a r d a
o b r a d e P P s ta lo z z i. G i r a r d foi e n c a r r e g a d o d e f a z e r o r e l a t ó r i o . A t a r e f a
n ã o e r a fá c il. R e d ig iu -o co m leal s im p a tia , p r o c u r a n d o p ô r e m re lê v o
o que e n c o n tra ra de bom . A lg u n s an o s m a is ta rd e . Pestalo zzi v isita v a,
p o r seu tu rn o , a esco la d e G i r a r d . O s r e s u l t a d o s o m a r a v i l h a r a m ; ao
p a r t i r disse ao s F r i b u r g u o s e s : “Com la m a 0 vosso G ir a r d fa z o u r o ”.
U m a h o s t i l i d a d e c r e s c e n t e c o n t r a a e s c o l a o b r i g o u o P . G i r a r d a se
r e t i r a r p a r a o c o n v en to de T .ucerna. M a s v o lto u p a r a F r ib u rg o , o c o n ­
sa g r o u os ú ltim o s a n o s à r e d a ç ã o do g ra n d e t r a b a lh o sô b re o e n sin o d a
l í n g u a f r a n c e s a , c u j a I n t r o d u ç ã o foi p u b l i c a d a e m P a r i s . P e l a a p r e c i a ­
ç ã o e lo g io s a d e V ille m a in . o l i v r o foi h o n r a d o c o m o p r ê m i o M o n t r j o n ,
e o P . G i r a r d foi e le ito m e m b r o d a A c a d e m i a d e c i ê n c i a s m o r a i s .
A sua m o rte, o G r a n d e C onselho F r ih u r g u ê s d ecreto u que b em m e ­
r e c e r a d a p á t r i a e d a h u m a n id a d e o q u e seu r e t r a t o s e ria colncado em
tô d a s a s e sco las “p a r a s e r a p re s e n ta d o aos o lh a re s reco n h ecid o s d a
j u v e n t u d e ” . U m m o n u m e n to s u n tu o s o foi e le v a d o à m e m ó r i a d a q u e le
em quem se a d m ira v a u m a s á b ia p e rso n ific a çã o dos trê s p e n sa m e n to s
m a i s e l e v a d o s q u e p o s s a m v i v i f i c a r u m e s p í r i t o e f . -jz e r p u l s a r u m c o r a ­
ção de hom em : D eus, h u m a n id a d e , p á t r i a ” .

Princípios gerais da sua pedagog'a — Pe. Girard tem


com o glória seguir a pedagogia tradicional: “ Jamais tive
outra intenção, diz, do que a de restaurar o que o bom senso
descobriu há séculos.”
É partidário dos m étodos ativos — Repele os m étod os.
que esmagam o espírito das crianças sob o pêso de palavras
incom preendidas e de fórm ulas abstratas. “Parece, diz, que
o professor não tem diante de si senão máquinas de palavras,
de escrita, de recitação, máquinas que se encarregam de
montar com o Vaucanson m ontava seus autômatos.” Em tais
condições, “ o livro faz tudo sem o concurso dos alunos. O
mestre explica, a criança lê e escuta, depois aprende de cor.”
{D o ensino regular ãa língua materna, p. 76).
Os m étodos ativos são excelentes porque correspondem
à psicologia da criança: gosta do m ovim ento, da alegria, da
mudança; “ a variedade natural do ensino aguça o apetite
de sua alma.”
Ensino progressivo — Na escola de Friburgo, o ensino
era dado em gradação judiciosa. “ No ensino religioso, diz
M. Naville, com eçava-se por um prim eiro esbôço da história
das revelações de Deus; vinha em seguida esta mesma his­
tória mais completa, depois ainda esta mesma história acom ­
panhada de explicações convenientes a uma idade mais
adiantada. Na aritmética, do m esm o m odo, um prim eiro
curso fazia executar as quatro operações com números de
um só algarism o; o segundo curso tom ava núm eros um pouco
mais altos; o terceiro fazia os m esm os estudos com quaisquer
núm eros.” V oltava-se assim às mesmas noções para as de­
senvolver. “ A repetição, dizia o Pe. Girard, é a alma da
instrução.” E acrescentava: “ É assim que se podem fazer,
em espíritos novos, profundas e. por conseguinte, duradouras
impressões.”
Ensino prático — Todo ensino deve tender a preparar
a criança para o seu destino terrestre e o seu eterno porvir:
a história lhe dará lições de m oral; a língua será o instru­
mento de uma cultura geral e fará 'p en etrar em sua alma
sentimentos de m oralidade e de religião; a geografia lhe faz
conhecer a grande fam ília humana; a história natural eleva
o seu espírito ao Criador de tôdas as coisas; a aritmética a
fam iliariza com as transações da vida e a econom ia do­
méstica. '
Ensino educativo -— Girard acha que o ensino form a a
inteligência m obiliando-a. É outra form a da m áxim a de
Montaigne: Mais vale uma cabeça bem _feita do que bem
cheia. “ É preciso, dizia, que a inteligência desabroche com o
uma flor.” A educação deve não somente cultivar o espírito,
com o dirigi-lo e criar hábitos intelectuais: espírito de obser­
vação, de reflexão, m eios práticos de julgar bem, de form ar
um raciocínio. Êste princípio é excelente até no ponto-de-
-vista cristão, porque uma inteligência reta é mais apta para
com preender as verdades religiosas.

Educação intelectual —- Girard faz da língua pátria o


centro da cultura intelectual. O estudó do sistema de Pes-
talozzi o fortificou nesta idéia .Em Y verdon a matemática
ocupava o lugar de honra no ensino. Girard concorda que
é um elem ento considerável na form ação do espírito. “ Por
sua marcha compassada e regular do conhecido para o des­
conhecido, êsse estudo com unica à alma uma necessidade de
se dar conta de tudo, de pôr cada coisa em seu lugar e de
nada adm itir que não seja bem provado.” Mas êsse valor
educativo tem limites: “ À mania de tudo demonstrar, é pre­
ciso opor, desde cedo, a autoridade da consciência e do tes­
tem unho” . Pestalozzi acreditava na necessidade de tudo
demonstrar. Girard lhe replicava: “ Se tivesse filhos, não-
vo-los confiaria, porque não poderíeis demonstrar-lhes, com o
dois e dois são quatro, que um filho deve amar e respeitar
ao pai” . O bjetava tam bém que a matemática não form a
senão um lado do espírito e que seu estudo demasiado ex ­
clusivo destrói a harm onia das faculdades; tende também
a materializar a inteligência.
Desde então sua convicção estava feita sôbre o valor edu­
cativo da língua pátria. R esolveu deixar uma obra que com -
preendesse ao m esm o tem po a teoria e a prática dêsse ensino.
Esse trabalho com preende: O Ensino regular ãa língua
pátria e o Curso educativo da língua pátria. O prim eiro
volume é uma espécie de prefácio do Curso educativo. D ivi­
de-se em cinco livros:
1 — Considerações gerais sôbre a maneira pela qual
a mãe ensina os filhos a falar. A mãe não separa o nome
da coisa. Ela fala para ensinar não somente as palavras,
mas tamüém as coisas. O seu ensino é sobretudo m oral e
religioso; educa o filho para o bem e para Deus. A escola
deve continuar o trabalho da mãe e fazer servir o ensino da
língua à cultura do espírito e ao enobrecim ento do coração.
Quatro elem entos ou personagens devem intervir para
tornar educativo o curso de língua pátria: o gramático, o
lógico, o educador e o literato. O gramático fornece a ma­
téria e a form a (palavras, ortografia, con stru çã o). O lógico
coordena a matéria conform e as leis do entendimento. O
educador escolhe os elem entos próprios para elevar as almas
e entreter nobres afeições. O literato intervém nos exercí­
cios de invenção e de com posição.
“ Poucas regras, m uitos exercícios” tal é a palavra de
ordem do P. Girard. “ A s regras são sempre abstratas, sêcas
e, por isso mesmo, pouco aptas a agradar às crianças ainda
quando as possam com preender. É preciso usar delas com
muita parcim ônia” .
2 — O ensino da língua considerada com o a expressão
do pensam ento. A palavra seja sempre unida ao pensa­
mento. O verbalism o é das pragas da escola. A aquisição
do vocabulário deve contribuir para enriquecer o pensa­
mento.
Os gram áticos têm o defeito de dar longas listas de pa­
lavras e de regras antes dos exem plos. Procuram subtilezas
e negligenciam a com posição. “ Tudo para as palavras, nada
para o pensam ento” . São precisas, antes de tudo, gramáticas
de idéias.
3 — Ensino da língua com o m eio de cultivar o espírito.
As faculdades às quais se dirige o curso educativo são: os
sentidos, a inteligência, a m em ória e a imaginação. O sen­
tido é a faculdade de receber as impressões de fora para
dentro. A inteligência apreende as relações e a ligação dos
objetos que a experiência nos apresenta. A m em ória faz
reviver o que já pensamos. A imaginação inventa as coisas
que a experiência não nos ofereceu da mesma maneira. Essas
faculdades são exercidas gradual e harm ônicam ente: o seu
cultivo é o “ produto” com um das lições diretas que se dão
ao m enino e do que é capaz de achar por si na senda que lhe
abrem ” .

4 — Ensino da língua pôsto a serviço do cultivo do co­


ração. É a form ação moral, idéia central da pedagogia do
P. Girard e resumida nas belas palavras que form am a epí­
grafe do Curso Educativo. “ A s palavras para os pensamen­
tos, os pensamentos para o coração e a vida” . Girard distin­
gue quatro tendências essenciais do coração: pessoal, social,
m oral e religiosa. Cumpre regulá-las e aproxim á-las de Jesus
Cristo, o divino m odêlo da infância e da m ocidade.
5 — E m prêgo do curso ãe língua pátria. Êste livro en­
cerra conselhos sôbre o tem po a consagrar às lições de língua
pátria. Entretanto o P. Girard não entende substituir êsse
ensino aos outros; cada um dêles deve ter um tem po p ro­
porcionado à sua im portância. D efende tam bém o ensino
mútuo “nascido na fam ília e que vem do alto porque per­
tence ao instituto m aterno” .

O Curso educativo de língua pátria — Nessa obra o P.


Girard põe em prática suas idéias acerca do ensino regular.
É um curso educativo; esta palavra indica seu caráter. O
sutor faz adiantar juntam ente as quatro partes: sintaxe,
conjugação, vocabulário e com posição. Êle próprio lhe tra­
çou o plano no quadro que aqui reproduzimos.
A preocupação constante do P. Girard foi m obiliar o espí­
rito exercitando-o ao m esm o tempo. No Curso Educativo as
lições são sôbre todos os conhecim entos: o hom em (corpo
e alm a), a família, a pátria, o gênero humano, Deus, a P ro­
vidência, Jesus Cristo, Salvador dos homens, a vida de além-
-túm ulo, a m oral e a infância.

P R IM E IR A PARTE

S in t a x e 1 Co n ju g a ç ã o V o c a b u l á r io

0 n o m e . o a r t ig o e T e m p o s s im p le s do F orm a çã o por s íla ­


o a d je t i v o e m su a in d ic a t iv o . b a s in ic ia is .
c o n c o r d â n c ia . 0 i m p e r a t iv o . P o r s i]a b a s f in a is .
A p r o p o s iç ã o s im . T em p os com p ostos P o r i n i c i a is e f i n a i s
p ie s , n a s s u a s v á ­ d o in d ic a t iv o .
r ia s fo r m a s . O s d o is c o n d ic io n a is .
P r o p o s iç ã o co m p o s. 1
ta .
P r o p o s iç ã o c o m p le ­
xa,.
E xp ressões p a r t ic u ­ 1
la re s.

SEGUNDA PARTE

S in t a x e COXT.TTTOAÇÃO V o c a b u l á r io

F ra ses de duas p ro ­ P o r fr a s e s c o r r e s ­ F orm ação por fa ­


p o s iç õ e s g r a m a t i ­ p o n d e n t e s à s in ta x e , m ília s d e p a la v r a s
ca is . c o m c o n c o r d â n c ia co m m is t u r a d e lio -
F ra ses de duas p ro ­ dos tem p os, co n c o r ­ m ô n im o s .
p o s iç õ e s l ó g i c a s . d â n c ia d o s p a r t ic í-
F r a s e s d e u m a co n s ­ p io s e s e g u n d o i n f i ­
t r u ç ã o p a r t ic u la r . n ito em ant.
S in t a x e Cosi p o s i ç ã o V o c a b u l á r io

Período de três pro­ Cartas familiares. Formação por fa­


posições. Narrações, descri­ mílias de palavras.
Período de quatro ções. Escolha de sinôni­
proposições. Pequenos discursos. mos (a êste vocabu­
Período de cinco e Diálogos. lário o P. Girard
seis proposi^õ s «im a junta as figuras de
lógica da infância. palavras, as figuras
de pensamento e a
mitologia).

Antes de com eçar a com posição o m enino se preparará


parã ela mediante num erosos exercícios de invenção. A re­
com endação do Pe. Girard de escrever sempre no quadro-
-negro o plano porm enorizado de uma com posição não está
a coberto de tôda crítica; é bom deixar o m enino esforçar-se,
procurar as suas idéias e coordená-las; é um m eio de desen­
volver a sua individualidade.

Ensino moral e religioso — A escola deve procurar por


todos os meios, a form ação m oral da criança. “ A única ver­
dadeira escola popular, diz o Pe. Girard, é a em que todos
os elem entos de estudo servem para a cultura do espírito,
e em que « criança se aperfeiçoa pelas coisas que aprende.
Não há uma só m atéria na instrução que, por um tanto há­
beis que sejam certas mãos, não possa servir mais ou menos
para á educarão. Cada uma apresenta seu tributo: história,
geografia, aritmética, ciências naturais, língua pátria, dese­
nho, etc. R oceber essas diversas ofertas, reuni-las e pô-las
ao serviço dos sentimentos honestos, nobres e generosos, tal
é. segundo o oue pènso, o grande dever do professor, o gran­
de pensamento de sua arte; quereria denom iná-lo a sua
idéia-m ãe” .
Os manuais deveriam ser escritos com vistas a essa
form ação moral. “Pela minha intima convicção, acrescenta,
tôda obra elem entar para a infância deve ser m eio de edu­
cação. Sinto-m e até m ortificado não encontrando mais do
que um mestre de línguas, de história natural e de geogra­
fia, quando esperava alguma cousa maior: um professor da
juventude form ando o espírito para form ar o coração” .
Para tornar eficaz a cultura m oral é preciso baseá-la
nas atividades naturais da criança. Estas são tendências
inatas; são pessoais, sociais, m orais e religiosas. E, toman­
do-as por ponto de partida, o educador, fará trabalho inte­
ligente e frutuoso. O ideal a realizar é o do Evangelho; o
m odêlo incom parável é Cristo, que é o Caminho, a Verdade
e a Vida. Êste m odêlo é tão perfeito, tão grande, tão puro
e tão bom que a criança se sente levada a amá-lo.
Cum pre inspirar à criança inclinações puras, benévolas
e nobres, porque “ agimos conform e amamos” . Far-se-ão
nascer essas inclinações, fam iliarizando seu espírito com as
idéias que lhes correspondem ” , porque amamos conform e
pensam os” . A liberdade da criança intervirá às vêzes* para
m odificar êsses sentimentos; mas as influências do educador
jam ais serão sem resultado.

Influência do P. Girard. — A fam a do P. Girard já era


considerável quando dirigia a escola de Friburgo. Recebeu
nela numerosas visitas: reis, príncipes, pedagogos da Europa
e da A m érica, sábios, escritores, hom ens políticos, profes­
sores, todos vinham admirar e estudar os m étodos do célebre
franciscano.
Com o seu curso de língua francesa, a sua influência
irradiou pelo mundo. A obra não foi, contudo, apreciada a
seu justo valor; esbarrou na inércia das velhas rotinas. O
espírito de seu m étodo teve mais êxito do que o seu livro.
H oje suas idéias animam os manuais do ensino da língua
francesa, e certas circulares oficiais as reproduzem quase
so pé da letra. O P. Girard entrou definitivam ente na im or­
talidade. Concorda-se em reconhecer nêle um dos maiores
educadores do século X I X e de todos os séculos. Um escri­
tor protestante form ulou sôbre êle êste ju ízo que não pa­
rece excessivo: “ H oje a obra do P. Girard nos aparece em
tôda a sua grandeza. E’ gigantesca porque devia abraçar
não só a educação com o a política, a administração, a indús­
tria, o com ércio e todos os ramos da vida pública. Há tam­
bém neste hom em algo mais do que um educador. Há um
reform ador de uma ordem mais elevada, um hom em polí­
tico clarividente, um cidadão esclarecido que, em país com o
o nosso onde tantos interêsses diversos estão em jôgo, foi
juiz perspicaz e ardente patriota. Em época perturbada, tra­
balhou para a reconciliação da Igreja e do Estado, da ciência
e da fé, e achou a solução dêsse problem a delicado na fra­
ternidade humana, no espírito de tolerância e no am or da­
quele que é o Pai com um dos hom ens” .
(G ttex , História da instrução e da educação — p. 382).

B ib lio g r a fia — G i r a r d , D e 1'en seign em en t régu lier de la langue m a .


ternelle (Paris, 1 8 4 4 ). — Gours É â u c a tif ãe langue m aternclle, nou v. érl.
(Paris. 1 8 5 6 ). — C o m p a y r é . L . P . G irará et l ’ cãu^a4ion par la langue
m aternelle (Paris, s. d., abonríante bibliograpliie). — D fg te t, L e P . Girará
et. ann tem p s, 2 v ol. (Paris 1 8 9 6 ). — G u e x , H ix to ire ãe 1’ instruetion et ãe
V éã u ca tion , p. 349. — P a r o z , H isto ir e universelle ãe 1’éducation.

III _ M AIN E DE B IR A N (1766-1824)

M a in e d e B ir a n . n a F r a n ç a , f o i u m d o s i n lc ia d o r e s da fi lo s o f ia e s p ir i­
t u a li s t a : p a r e c e n d o -lh e a s d o u t r in a s d o s s e n s u a lis ta s e d os id e o lo g is t a s
in a d e q u a d a s a o s p r o b le m a s q u e p r e t e n d ia m r e s o lv e r , s e p a r a -s e d ê le s
para p r o fe s s a r o e s p ir iu a lis m o c r is t ã o . [E s t a ú ltim a fo r m a d e seu p e n ­
sa m en to recebeu o n o m e dt> b i r a n i s m o . A. B e r tn n id d e fin iu a s s im essa
d o u t r in a : “ E s p ir it u a lis m o fu n d a d o n ã o n o r a c io c ín io , m a s n u m fa t o p o s i­
t iv o , a q u e l e q u e M . d e B i r a n c h a m a f a t o p r i m i t i v o d a c o n s c i ê n c i a , i s t o é,
o e s fo r ç o m u s c u la r . |A a l m a se con h ece com o fô r ç a , e n e r g ia , v o n ta d e ,
ca d a vez que, p a ra pensar, age sôbre o p r ó p r io corp o. ]É um a fô rça
s u p r a - o r g â n i c a q u e t o m a c o n s c i ê n c i a d e si p e l o c o n f l i t o c o m o u t r a s f o r ­
ça s q u e co n s titu e m o o r g a n is m o e lh e fo r n e c e m u m t ê n n o d e d e s e n v o l­
v i m e n t o ” ( L é x i c o d a f i l o s o f i a , a rt. b i r a n i s m o ) .

M . de Biran e a educação, — Biran é profundo teórico


da ciência da educação. Mas por m uito tem po suas idéias
passaram despercebidas. Algum as razões explicam êsse es­
quecim ento: recorda-se que Taine se havia empenhado em
ridicularizar os escritos de M. de Biran, dizendo que uma
de suas frases exigia ser traduzida para o francês. (1 ); os
prim eiros editores se esqueceram de assinalar as aplicações
à educação que derivam da sua filosofia; enfim nesta época,
as questões pedagógicas apaixonavam menos os espíritos.
Será preciso ajuntar que a sua qualidade de filósofo espiri­
tualista e cristão seria suficiente para explicar o silêncio de
certos historiadores da pedagogia?

Idéias gerais. — 1 A pedagogia é uma aplicação da


psicologia. M uito antes de Spencer, Biran professa a opi­
nião de que a pedagogia não será verdadeiram ente uma
ciência senão no dia em que possuirmos uma psicologia ver­
dadeiram ente racional. “ Se tôda doutrina psicológica cuja
aplicação é nula ou perigosa, deve ser por isso m esm o re­
jeitada com o falsa, todo m étodo de educação que não se
apoia por sua vez num conhecim ento exato dos princípios
constitutivos da nossa natureza e da ordem real da subor­
dinação das nossas faculdades, não pode ser senão vicioso
ou incom pleto. Em uma palavra, a prática não se esclarece

(1 ) Os filó s o fo s fra n ce se s ã o sec. X I X , - ca p . I I I ,


senão pela teoria, assim com o a teoria se justifica e se con­
firma pela prática” . (1).

2 — Biran e o pestalozzianismo. Biran fêz conhecer, aa


França, as idéias de Pestalozzi. A té fundou em Bergerac
uma escola pestalozziana que suscitou certas desconfian­
ças. (2 ). Êste novo m odo de educação lhe parecia vanta­
joso por várias razões: com bina com êxito a instrução e a
análise; mantém o equilíbrio das faculdades apesar de as­
segurar o predom ínio da atividade; tenta m elhorar e instruir
mais a classe pobre e industriosa; cultiva de preferência a
razão e coloca em um lugar secundário a sensibilidade e a
imaginação. O entusiasmo de Biran talvez ultrapassasse a
m edida; mas tinha m erecim ento em reconhecer o valor do
sistema de Pestalozzi.
3 — Condillac e Rousseau. Separa-se de Condillac em
educação com o dêle está separado em filosofia. Faz com ­
preender por um exem plo im pressionante a incapacidade da
teoria sensualista para form ar o m enino: “ Um idiota, diz,
passava a vida a contar as horas no relógio do quarto; o re­
lógio parou, mas o idiota continuava a contar as horas. Eis >
o ideal, ao que parece, da educação m aquinai pela sensação
O hom em torna-se um mecanismo, a m em ória não é mais
que uma impressão das coisas sôbre a cêra m ole do espí­
rito; a ciência torna-se espírito apagado e cristalizado” . B i­
ran detesta os hábitos mecânicos. Censura a Condillac o
não ter feito do duque de Parma senão uma “ estátua ani­
mada e sensitiva” . (3)

(1 ) F undam entos da p sico lo g ia T, 'p . 119 .


(2 ) E s t a s d e s c o n fi a n ç a s ora m j u s t i f i c a d a s ; o e n s in o era g r a tu ito e
p o p u la r m a s le ig o , is t o é, p r iv a d o de e n s in o r e lig io s o .
(H ) (bNDiLi.AC (1 7 1 5 -3 7 8 0 ) p u b lico u em 1754 o seu fa m o s o Tratado
das sensações. Em 1 7 5 7 f o i n o m e a d o p r e c e p t o r d o d u q u e d e F a r m a e co m -
Prefere-lhe o autor do Emílio. Os elogios que lhe faz
não são todos m erecidos, mas a sua apreciação de conjunto
reúne os traços essenciais da pedagogia de Rousseau: a) o
Emílio é uma espécie de psicologia prática; b) Rousseau pro­
cura amadurecer as faculdades antes de lhes soltar o vôo; c)
cedo ocupa-se da cultura do entendim ento e da atenção; d)
subordina o exercício dos sentidos à atividade do espírito; e)
retarda o desenvolvim ento demasiado precoce da imagina­
ção; f) prepara a chegada das paixões, a fim de que apren­
dam a obedecer e não a mandar; g) preserva a memória
dos hábitos m ecânicos e das palavras ôcas, vazias de idéias;
h) afasta da ciência tudo quanto incha e a m o le ce ,o espí­
rito ao invés de o nutrir e fortificar.

Educação intelectual. — 1 — P roced er por analogia. Êsse


processo alarga a esfera dos nossos hábitos intelectuais. “ E’
a analogia que faz tão suave a encosta que conduz do co ­
nhecido ao desconhecido, do que é fam iliar ao que é novo;

p ô s p a r a sou a lu n o um c u r s o d o e s tu d o s q u o c o m p r e e n d ia a A rte de racio.


c i n a r , a A r t e rir p e n s a r o a A r t e d e e s c r e v e r .
P a r a c o m p r e e n d e r a a p r e c ia ç ã o d e I I . B ir a n , cu m p ro saber que C on­
d illa c s u s t e n t a q u o a s e n s a ç ã o t r a n s fo r m a d a é a. o r ig e m d e t ô d a s r s id é ia s
is d o t ô d a s as f a c u l d a d e s : m e m ó r ia , i m a g in a ç ã o , e n t e n d im e n t o , r a c i o c í n i o ,
d e s e jo o v o n ta d e .
“ P a r a e x p lica r a sua h ip ó t e s e im a g in a um a e s tá t u a que só goza de
u m a sens.acão e e x p e r im e n t a t ir a r d e ss a s e n s a ç ã o t o d o s os c o n h e c im e n t o s .
M a s a c a d a m o d i f i c a ç ã o q u e e m p re s ta à e s tá t u a , s u p õ e n ela o u t r a co is a
a ló m dessa sen sa çã o o r ig in a l. L is o n g e ia -s e do fa ze r a an álise das sensa­
ções; na r e a lid a d e , fiz um a s ín te s e o das m a is a r b it r á r ia s . C om e fe ito ,
a crescen ta à sen sa çã o, p on to d e p a r t id a da n o s sa v id a p s i c o ló g i c a , t u d o o
q u e sr> p r o d u z em n ó s d e p o is d e la , m a s d e q u e ela n ã o é o p r i n c íp i o s u fi­
c ie n te ” ( M o n s . E . B l a n c ) .
O seu s is te m a f i l o s ó f i c o e n c a m in h a -s e p a ra o m a t o r ia lis m o e a im p ie d a d e .
A sua p e d a g o g i a d e c o r r e n a t u r a lm e n t e , em p a r t e ao m o n o s , d a su a
filo s o fia . É p o r is s o que, ao la d o de p á g in a s ir r e p r e e n s ív e is , a e h a .s e nos
seu s t r a t a d o s do ed u ca çã o, c e r to nú m ero de u t o p ia s e e rr o s.
aprende-se, e acha-se que só se recorda. E ’ assim que os
bons mestres, im itando a sábia natureza, nos conduzem por
graus, da som bra para a luz e acostumam insensivelmente
cs nossos débeis olhos a fixar a verdade. (Fundamentos
da psicologia — I p. 243)
2 — D esen volver harm oniosam ente tôdas as faculdades
— “ Na cultura da inteligência, é necessário pôr em ex er­
cício tôdas as faculdades, m ultiplicar e fortificar suas co­
municações, não deixar predom inar nenhuma delas mas, pelo
contrário, mantê-las neste equilíbrio, nessa correspondência
exata que constitui a verdadeira capacidade intelectual e
form a, por assim dizer, o tem peram ento m oderado do pen­
sam ento” . (Influência do hábito — p. 274).
Assim a m em ória não deve ser mais que um auxiliar
da inteligência; é preciso desenvolver sobretudo a sua form a
ativa, a que assimila os materiais e os transform a na subs­
tância do nosso espírito.
3 — Dar uma atenção especial à form ação do entendi­
m ento — A form ação do entendim ento é de importância ca­
pital. Form ar o entendim ento é ensinar ao m enino o seu
ofício de homem. Pode-se até dizer que o entendim ento é
o hom em , pois que é “ um exercício dessa liberdade sem a
qual o homem, incapaz de ciência e de virtude, não é nem
sequer uma pessoa” .
A própria associação, que exerce grande influência nas
operações do espírito e nos sentimentos da alma, não é senão
espécie de entendim ento ou ju ízo interior, estranho, fatal
ou pelo menos fortuito. Só o entendim ento cria as únicas
associações que são sem perigo. Biran recom enda dar ao
m enino o tato da verdade, quer dizer, o hábito de descobrir
as relações das idéias. O m étodo de ensino deve ser, em
certa medida, um m étodo de descobrim entos. ,
4 — As lições de coisas. Foi o prim eiro a notar que
uma sensação é tanto mais representativa, quer dizer, nos
instrui tanto mais sôbre o objeto exterior, quanto menos
afetiva, causando-nos um prazer ou uma dor menor. E’ me­
lhor provocar a atenção e o esforço pessoal, deixar o m e­
nino procurar, adivinhar, achar. As lições de coisas têm
certamente um lado bom, mas é preciso usar delas com m o­
deração, porque dim inuem o esfôrço pessoal e se tornam
uma lição de palavras ou puro psitacismo. Tom am muito
tem po e preparam desilusões ao professor.
5 — Os m étodos atraentes — Biran não se entusiasma
com eles.
A fôrça de querer agradar ao menino, corre-se o risco
de distrair-lhe a atenção e de lhe tornar im possível todo
esfôrço. “ Onde está, nesse sistema, diz, o lugar de uma
atenção ativa, superior às sensações e que as dirija? Onde
está o de uma reflexão que as julgue e se separe delas? Que
vem a ser, então, uma ordem de faculdades que consistem
precisam ente em agir contra o im pulso dos sentidos? Se
tudo, no hom em com o no animal, se reduz a sentir, se a
sensação e a necessidade física são o princípio único do de­
senvolvim ento da vontade, de tudo o que somos, então já
não há m étodo de educação propriam ente dita, nem regim e
a observar para a cultura e o desenvolvim ento das nossas
laculdades de diferentes ordens, nem cuidados a tomar para
manter o equilíbrio entre elas ou para opor cedo e sem
cessar o que há de voluntário e de livre no hom em no que
se refere à pura espontaneidade do instinto ou das paixões” .
(Fragm entos de psicologia, I — p. 117-118).

Educação moral. — Uma boa form ação da inteligência


prepara a educação moral. Eis por que a cultura da aten­
ção, do entendim ento, da associação, da observação interior,
são tão importantes. “ Tornar-se senhor da sua atenção, é
adquirir o im pério sôbre si, fonte de grandes qualidades e
de virtude. A o contrário, os hábitos de desatenção e de le­
viandade contribuem a produzir m ultidão de vícios. E’ a
elas que se deve atribuir, em grande parte, a dureza apa­
rente do coração, as paixões pessoais e anti-sociais” (Funda­
m entos da psicologia, I — p. 120-123).
Da mesma form a, o hábito de suspender o juízo e de
não aceitar senão a evidência ou os m otivos razoáveis de
crer, pode tornar-se o fundam ento das mais sólidas quali­
dades morais: prudência em conduzir a vida, retidão e equi­
dade dos nossos juízos sôbre nós e sôbre os mais.
A s boas associações influem nos sentimentos da alma.
Dirigem o coração e a im aginação para a verdade, fortificam
as inclinações generosas e simpáticas; estabelecem uma
aliança natural entre o dever e a felicidade.
O hábito de observação interior não difere do hábito da
boa-fé e do desinterêsse. “ E com o o exercício da reflexão
im põe ao hom em a obrigação de ser verdadeiro e justo, re­
ciprocam ente o hábito das virtudes, o contentamento, a paz
de uma consciência elevada e pura, tudo quanto pode tornar
o h o m e m . am igo de si, o leva à reflexão e lhe cria uma
necessidade de entreter uma com unicação íntima e habitual
com suas idéias, os seus sentimentos e suas recordações, e de
se instruir na grande escola da consciência que não se ilude” .

B ib lio g r a fia — B i r a n , Fondements de la pnychologie, paWié par Na-


ville, 2 vol. (Paris, 1850). — Science et psycliologic publié par A. B e ç -
t r a n d (Paris, 1887). — B e r t r a n d , Psycliologie de 1’ cffo r t , c.hap. V. —
C o u a i l h a c , Maine de Biran (Paris, 1906). — D e i . b o s , La Philosophie fran.
çaisc, ehap. X III (Paris, 1919). — G. M ic u r .L E T , Maine, de Biran (Paris,
B lo u d et Gay).
IV — Jacotot (1770-1840)

J a c o t o t , n a s c id o em D ijo n , fo i s u c e s s iv a m e n te p r o f e s s o r d e h u m a ­
n id a d e s, a d v o g a d o , o f i c i a l ile a r t ilh a r ia , d ir e t o r d e u m a e s c o la p o li­
té c n ic a , p r o f e s s o r na e s c o la c e n t r a l d e D ijo n . N a R e s t a u r a ç ã o , a u n i­
v e r s id a d e d e L o v a in a lh e o f e n v e u u m a c a d e i r a ; d e p o is fo i n o m e a d o
d ir e t o r (1a E s c o la M ilit a r da I té lg ic a , o n d e a p lic o u os seu s p r in c íp io s
c o m c e r t o ê x ito . M o r r e u e m P a r is-

O s seus princípios. — Jacotot deixou, em sua obra o En­


sino Universal, certo núm ero de princípios que, todos, encer­
ram uma parte de verdade, mas cuja form a paradoxal pro­
vocou discussões acaloradas.
1 — Tôdas as inteligências são iguais — Jacotot não pro­
clama a igualdade prim itiva das inteligências: estaria en>
êrro. Com efeito, verificam os todos os dias que certos espí­
ritos têm sôbre outros uma incontestável superioridade.
A firm a qué é a diferença das vontades que faz a desigual­
dade das inteligências. A vontade, é verdade, pode fixar a
atenção, mas a atenção é im potente para reagir contra a
constituição e o temperam ento. A s desigualdades provêm
também das circunstâncias em que os homens se acham co­
locados. O paradoxo de Jacotot contém uma lição para o
querer: “ O que importa, diz Jouffroy, é o esforço, pois é
isso o que depende do hom em ” .
2 — Tudo está em tudo — Jacotot desenvolve assim a
sua idéia: ‘C onhecer um livro, referir ao m esm o todos os
outros, eis o meu m étodo. Quanto ao,m ais, variai os exer­
cícios, trocai a ordem, pouco im porta; se aprendeis um livro
e a êle referis todos os outros, seguis o m étodo de ensino
universal. Um só livro contém tôda a matéria de uma
especialidade” .
Desem baracem os dêste paradoxo o princípio da correla­
ção das lições. Tôda lição, com efeito, deve ser o segui­
m ento lógico da lição precedente e preparar a lição seguinte.
Êsse princípio tem por corolário uma outra m áxim a de Ja-
cotot: “ Sabei uma coisa e refer a ela tudo o mais. “ E’ o
m étodo seguido por certo núm ero de hom ens superiores os
quais têm ligado todos os seus conhecim entos a um centro
comum.
3 — Todo hom em receb eu de Deus a faculdade de p o­
der-se instruir a si m esm o. — P rincípio m uito contestável.
Jacotot não quer m estre explicador: “ O m elhor professor,
diz, é o que não explica nada” . Mas então para que ser
professor?
O lado bom desta máxima, é lem brar aos mestres que
é preciso fazer apêlo à atividade dos alunos, fazê-los pro­
curar, incitá-los a achar por si mesmos. Pestalozzi parti­
lhava as mesmas idéias. Sócrates se contentava com co­
locar o aluno a cam inho; M ontaigne pede ao mestre que
faça o aluno “ trotear diante dêle” . Mas não se deve ir aos
extrem os. Na m aior parte das lições é indispensável expli­
car prim eiro.
4 — Todos podem ensinar; ensina-se até o que se ignora.
— E ’ difícil dar razão a Jacotot. Entretanto, pode-se achar
para êste paradoxo um sentido razoável. “ O aluno faz todo
o trabalho; o professor observa, vigia, interroga, incita muito
mais do que dirige. Não explica nada teoricam ente: cabe
ao aluno extrair daquilo do que sabe as relações, as regras, os
preceitos e os processos na m edida dos seus progressos ante­
riores. Tal é o sentido destas fórm ulas tão criticadas” . (Di­
cionário de pedagogia, art. J a co to t).

As aplicações do seu método. — Jacotot explicou o m é­


todo, sobretudo ao ensino das línguas. Em suas aulas em
Lovaina servia-se do Telêm aco que tinha, de um lado, o
texto francês e, do outro, a versão em língua estrangeira.
A bria o Telêm aco à prim eira página e lia sucessivamente
tôdas as palavras da prim eira frase: Calypso-Calypso não-
Calypso não podia-Calypso não podia se-Calypso não se
podia consolar, etc. O aluno repetia acompanhando. De­
pois o professor fazia escrever a frase inteira, decom punha-a
em seus elementos, fazia soletrar as palavras de m em ória;
depois m ultiplicava as interrogações.» A gramática dedu­
zia se das frases decoradas. As primeiras com posições li­
terárias eram im itações das partes da obra que o aluno co­
nhecia m elhor. Vinham, em seguida, as com posições pro­
priam ente ditas. P or essas indicações é possível sinteti­
zar-se o m étodo de Jacotot. Com preende principalm ente:
1 — Um exercício de mem ória. — À fôrça de repetir o
texto, acabava-se por sabê-lo im pecavelm ente. 2 — Um tra­
balho de análise. D ecom põe a linguagem em seus elem en­
tos, dá o sentido das palavras e mostra a sua conexão. Clas­
sifica os elem entos ao redor de certo núm ero de centros.
3 — Uma síntese. “ Depois de se ter decom posto um fato em
seus elem entos, recom por-se-á, com binar-se-ão tôdas as suas
relações uma a uma, duas a duas; procurar-se-ão ■as suas
causas e os seus efeitos até que se tenham form ado idéias
claras. A ciência que se queria descobrir será então per­
feitam ente conhecida” . ( D e r u e l z ) .

Aprec'ações. — O m étodo de Jacotot, por seu em prêgo


da repetição, une constantem ente as noções novas às noções
precedentem ente adquiridas; favorece a conexão das idéias
e a percepção. Abusa das lições de m em ória; mas seus
processos de análise e de síntese são excelentes para a fo r­
mação do espírito. Estimula a atividade e por pouco êxito
que o aluno tenha, o trabalho se lhe torna agradável e
fácil. Entretanto, alguns m eios que em prega: comparação,
verificação, crítica, etc., convêm aos estudos secundários e
superiores mais do que ao ensino primário.
Jacotot teve o m érito de chamar a atenção para os prin­
cípios muito freqüentem ente esquecidos. Um educador ame­
ricano, o doutor Payne, pensa que a pedagogia de Jacotot,
ao menos nos seus princípios essenciais, poderia um dia
ressuscitar. “ A alma desta pedagogia, diz, será um dia in­
fundida a um novo corpo, para ser substituída talvez por
uma ou duas m etem psicoses pedagógicas, à m edida que
avançarmos nas concepções das verdadeiras relações entre
o ensino e a aquisição dos conhecim entos” . O futuro deci­
dirá.

B ibliografia — J a c o t o t , E n scig n cm cn t tm iverrcl (L o u v a m , 1 8 2 3 ). —


V iction n a irc de p éd a yo g ic , ; ir t . J a coto t, — D k l í u e l z , T ra ltê com plet de la
m cthoãc dc J a coto t ( P a r i s , 183(1). — P a r o z , H ix io ire de la p édafioqir,
p. 433. — PÉ RE Z, J a c oto t ct sa m éthode <1'cm ancipation intclcetuellc (P a r is ,
1 8 8 3 ). — Q riC K , E ducational H rfo rm crs (N c w -Y o r k , 1 0 0 7 ).

V — O Padre H. D. Lacordaire (1802-1860)

O Padre Lacordaire passou os últim os anos no Colégio


de Sorèze, onde se revelou educador de prim eira ordem.
Am ava a m ocidade; conhecia suas febris aspirações para o
ideal, sob tôdas as form as da verdade, da beleza e do bem ;
e por çutro lado, conhecia de sobra os perigos de uma edu­
cação sem Deus.
• Um pensam ento de apostolado inspirou-lhe a fundação
da Ordem terceira docente. Contava com o zêlo de seus
Irmãos docentes, diz M. Foisset, para derram ar na juventude
os sentimentos que transbordavam do próprio coração: o
amor de Jesus Cristo, o am or da. Igreja, o amor do trabalho
e da virtude.
Em 1854 tom ou a direção de Sorèze. Propôs fazer revi­
ver aí três coisas: a disciplina, o trabalho, os bons costumes.
Procurou sobretudo jazer aceitar a disciplina com o con­
dição necessária da educação. Quando o m enino dedica à
sua form ação a boa-vontade e sua iniciativa, a educação
produz almas viventes cujas virtudes são fruto do esforço
pessoal: ela torna o dever atraente e libertador ao invés de
o fazer parecer enfadonho e tirânico.
Quanto à form ação intelectual, o Padre Lacordaire tinha
idéias m uito firmes. Pede para a religião o lugar de honra.
Vêm em seguida as letras: “ Filhas prim ogênitas da verdade,
são com o cristianismo, o princípio de tôda a civilização. A
inteligência que as despreza, fica em estado inculto; o povo
que as despreza, cai no estado de barbárie” . As ciências não
vêm senão em terceiro lugar. São menos nobres, “ tratando
apenas da m atéria” . Seu efeito mais constante “ é abrir ao
mundo fontes de bem -estar” . A baixo das ciências se colo­
cam as artes do espírito: música, pintura, arquitetura, escul­
tura, etc. Enfim vêm as artes do corpo: equitação, ginástica,
coreografia, esgrima.
Um de seus prim eiros cuidados foi o de retocar o plano
de estudos e o regulam ento, mas sem destruir a fisionom ia
geral d o colégio: organização militar, gôsto pelas belas-artes
e prática dos exercícios físicos.
Pôs em prática os m elhores meios de emulação. A A ca­
demia literária ou A ten eu tom ou novo vigor. Fundou o Ins­
tituto que com preendia a flor e a nata do Ateneu. Os três
principais dignitários do colégio: o Sargento-m or, respon­
sável pela disciplina, o porta-bandeira, o mestre de cerim ô­
nias, eram sempre m em bros do Instituto. Cada ano dava-se
o título de estudante de honra ao aluno cu jo trabalho e pro­
cedim ento tinham sido o ornam ento da casa. O seu nonie
era proclam ado no dia da distribuição dos prêm ios em pre­
sença das famílias. O Padre lhe entregava um diplom a e
um anel de ouro (1 ).
• Para assegurar a boa m archa dos estudos e o progresso
dos alunos, o Padre estava a par do trabalho de tôdas as
classes. Era verdadeiram ente a alma de Sorèze. “ Imaginai,
escrevia, que eu estou sete horas por dia em uma poltrona
a fazer perguntas de latim e de grego, a fazer explicar os
autores, enfim a levar a vida de um hom em de colégio” .
Por seus cuidados inteligentes os estudos tornaram a ser o
que eram nas épocas da m aior prosperidade.

Educação moral — Mas a sua grande preocupação era


a form ação m oral dos jovens. Suas instruções tinham sobre­
tudo por objeto a vida cristã e as suas bases: oração, peni­
tência; os seus elem entos constitutivos: fé, tem or, esperança,
amor; suas últimas alocuções tiveram por assunto o dever.
Em suas conversas íntimas com os alunos procurava desen­
volver em suas almas o culto de Jesus Cristo, o am or da
Igreja, a prática dos deveres cotidianos e das virtudes cívicas.
O amor de Jesus Cristo é, para êle, a base de todo o edi­
fício moral. “ Jesus Cristo é o único mestre, o iniciador e o
perfeito m odêlo de tôda vida que a fé esclarece e dirige” . Quer
levar os jovens “ a olhar para a cruz e a carregá-la” . É o
tema favorito de seu ensino. Incitados por sua palavra pos­
sante os jovens iam felizes e satisfeitos à recepção dos sacra-

(1) A Academia tinha as suas sessões uma vez por semana. Nelas
liam-se dois trabalhos sôbre uma questão tratada sob dois pontos-de-vista;
seguia-se uma discussão cujos debates o Padre resumia e dava a sua opi­
nião apoiada nos motivos.
Os membros do Instituto, em número de doze, habitavam separadamen­
te, tomavam as refeições à mesa dos professores, tinham livre acesso ao
parque e passavam os serões no grande salão do colégio.
O cstud"i)te de honra tinha direito de passar quinze dias cada ano no
colégio. À sua morte faziam o seu elogio fúnebre na capela do colégio e
todos os anos celebrava-se um ofício pelo repouso de sua alma.
mentos. Andava duzentas léguas para não os privar da sua
paternidade espiritual. Foi êle que disse um dia a Monta-
lem bert estas belas palavras: “ Não se pode calcular o efeito
de uma com unhão a menos no coração de um cristão” .
Repetia muitas vêzes as considerações sôbre o amor que
devem os à Igreja, “ depositária reconhecida das revelações
de Cristo, de seus mandamentos, de sua graça, de seus deve­
res, de suas virtudes, de seus direitos, de seu poder” . Não
insistia menos na prática dos deveres cotidianos que são o
critério da m entalidade cristã: orações, prática da virtude,
leitura espiritual, m ortificação, humildade, caridade para
:o m os pobres, amor ao trabalhò, garbo e correção.
Lacordaire amava apaixonadam ente a pátria. Cantara-lhe
as glórias seculares no seu célebre discurso sôbre a Vocação
da nação francesa. Recom enda aos jovens um patriotismo
razoável, excluindo ao m esm o tem po o internacionalism o e
o fanatismo e traduzindo-se pela prática das virtudes cí­
vicas” .
Em suas direções e suas cartas, lem bra constantemente
a grandeza da alma e o caráter. Quer ver os jovens m irar
ao que é grande e o ao que é perfeito em todos os gêneros
de virtudes. Quando a alma é elevada, esta magnanimidade
irradia em todos os seus atos; é “ uma causa primeira que
dá a tudo um brilho incom parável” . A direção do Padre foi
essencialmente viril, própria a form ar almas generosas e
bem temperadas. “ Sêde homens, repetia êle muitas vêzes.
Sabei querer e querer sèriamente. Em nosso século quase
ninguém sabe querer. Portanto peço-vos que guardeis êste
conselho: tende uma opinião. Se o fizerdes, sereis grandes
cidadãos” . Era inimigo da passividade. “ Um jovem que não
delibera nunca, que nunca escolhe, não será apto um dia
senão para obedecer covardem ente aos hom ens e às coisas
aue o dom inarem pelo acaso” . (Cartas aos joven s, 32.a carta).
O que importa, sobretudo, é assegurar a dignidade do caráter.
“ É o caráter que faz a autoridade m oral do h o m e m ... C oloco
acima de tudo, acrescenta, a integridade do caráter; quanto
mais v ejo os homens sem êle, taíito mais quero, com a graça
do céu, conservar-m e puro de tudo quanto o passa com pro­
m eter ou enfraquecer” .
Inspira aos jovens o espírito de sacrifício e de m ortifi­
cação. Quer form ar hom ens viris e sérios. Estigmatiza os
delicados que tinham acolchoados de penas para os pés.
“ Cobertas de penas! exclam ava, que horror! É preciso dei­
xar isso para as m ulheres e doentes. No liceu de Dijon,
quando tinha frio, punha minha mala sôbre a cama. Certas
virtudes com o a castidade, são fruto do sacrifício e da fôrça
de caráter. A castidade é necessária para conquistar a v iri­
lidade cristã. Oh! dizia a um de seus filhos espirituais, se
pudesse revelar-vos as alegrias íntimas da castidade! Se
pudésseis ver em vosso corpo só um fo co de ternura e de
sacrifício por D eus!” Essa bela virtude lhe inspirou as mais
m agníficas expressões. Em suas conferências de Tolosa ex ­
clamava: “ A fronte do jovem casto é o resplendor da fronte
de Deus, e é im possível ver uma alma virgem num rosto
puro sem ser com ovido por uma simpatia que contém ter­
nura e respeito (Segunda conferência, 1854).
Em outras instruções reprova com vigor a frivolidade, a
inferioridade de certas vidas entregues à ignorância e à ocio­
sidade. Enfim recom enda a amizade com o a mais nobre das
afeições. A seus olhos, nada iguala estas relações de duas
almas atraídas uma para a outra só por sua beleza imaterial;
e, pois, que está aí o cum e dos sentimentos humanos, a êle
chama os joven s com o para tôdas as alturas de onde a sua
vista pode alcançar horizontes infinitos: “ A amizade, a lem ­
brança dos panoramas, o gôsto pela literatura, tôda essa
parte superior dos prazeres da alma, escrevia, não é vestí-
bulo do tem plo em que adoramos a D eus?”
O seu m étodo — Seu m étodo consistia não em se im por
de maneira absoluta, mas em %
crer na alma do m enino e do
jo v em e em desenvolver suas inclinações para o bem. “ Não
procurava m oderar o nosso ardor, lisongeaya as palpitações
e os frêm itos generosos da nossa alma; tom ava entre as mãos
e sôbre o coração tôdas nossas faculdades e as engrandecia
dom inando-as” . (Citado pelo P. Noble, p. 68).
Diversas causas explicam seus êxitos em Sorèze. Deus
lhe dera um grande amor pelas almas. Gosta de divulgar
a felicidade que sente por ter influído nas graças concedidas
por Deus.
Escrevia: “ A . juventude é sagrada por causa dos seus
perigos. O bem que se lhe faz respeitando-a é um daqueles
que mais tocam o coração de Deus” (1 ). A sua afeição pelos
meninos era nobre e santa. “ Não posso amar alguém, dizia,
sem que a alma deslize atrás do coração e Jesus Cristo esteja
participando de tudo no m eio de nós” .
Conhecia adm iravelm ente a ju ven tu d e — Sabia utilizar,
pacificando-as e enobrecendo-as, tôdas as form as do ser:
simpatia, altivez, rebates generosos, ardor dos sentimentos.
A paixão orientada para o bem torna-se um instrumento de
salvação. Falava dela com o de um atrativo invencível “ que
nos im pele para um ente a fim de fazer da nossa vida a
sua vida e da sua a nossa” . É êle que dizia: “ Se não esti-
vésseis apaixonados, faríeis sem dúvida todo o bem, mas não
o amaríeis bastante.”
O que assegurava ainda o seu êxito era seu devotam ento
incom parável. Ficava sem cessar ocupado com os alunos.
O seu quarto, no centro da casa, era para o colégio “ com o
o coração” de onde tôda a vida procede, onde tôda vida vem
renovar-se. A sua influência se fazia sentir por tôda parte,
tanto nas m enores ocasiões com o nas circunstâncias mais

(1) Cartas às jovens, 98.a carta.


solenes. Era a alma dos jogos, dos passeios, das festas e das
solenidades.
Enfim, tinha è disposição Tim raravilhoso instrum ento
ãe apostolado: a palavra, “ prim eira potência do m undo”
havia dito êle próprio. Pregava de quinze em quinze dias.
“ Tratava o sublim e m inistério da palavra com a estima e
respeito de um apóstolo que tem consciência da sua missão,
diz o Pe. Chocarne. Levava uma semana inteira para pre­
parar os seus discursos. Mas tam bém que autoridade, que
im pério ness? palavra! Os jovens se orgulhavam com o seu
grande orador; assistiam aos seus discursos com o a uma
festa; saíam eletrizados, transform ados” . Um antigo aluno
de Sorèze disse estas belas palavras: “ O P. Lacordaire ajus­
tava tudo à sua estatura” . É o mais m agnífico elogio de sua
obra de educador.

B ibliografia — L a c o r i i a t t í e , L e t l r c s à un j c u n c li o m m e s u r la v i e c h r c -
tie n n e . — L e t t r e s à d e x j e u n e s g r n s , r c o u c i l l i o s p a r 1 ’al>bé P k h k k y v e , lOe.
é d . ( P a r i s , J 8 S 4 ) . — O i i o p a t í x e , L e R . F . L a c o r d a i r e , 3o. é d i t i o n ( P a r i s ,
3 8 6 7 ). — P o i n s e t , L e lí. P . L a e o r d a i r e , I I , oli a p. X V T . — N o i í e e , L e P .
i M c o r d a i r e , a p ô l r e e t d i r e c l e u r de.s j e u n c x f f r n s , 3o. ó d i t i o n ( P a r i s , s. d . ) .
— M. S a b a t i e r , S o u v f n i r . s ãc S o r è . : c ( S e n t e l i c b d o m a - i l i i i r e , £2 ma r s 1 9 1 3 ) .

VI — Mons. Felix Dupanloup (1802-1878)

Mons. Dupanloup, nascido em São F elix (Sabóia), nas


situações eminentes em que se encontrou foi o campeão de
tôdas as causas nobres e santas. Tinha a paixão das almas.
Catequista de gênio, educador sem rival, adm irável diretor
de consciência, foi ‘instigador incom parável” . N inguém fêz
mais do que êle para a form ação de uma elite de padres,
de jovens, de hom ens feitos, de mulheres, cristãs e france­
sas” . É um dos m aiores escritores pedagógicos do século
X IX , e suas obras tomarão lugar ao lado da im ortal obra-
prima de Fénelon.

Obras pedagóg'cas — Da Educação, 3 volum es — Da alta


Educação intelectual, 3 vols. — A m ulher estudiosa — Obras
diversas sôbre o ensino das letras e da história — A obra
por excelência, conversações sôbre o ensino do catecismo.

Idéias gerais — 1) O ensino do catecism o é a tarefa das


tarefas. Mons. Dupanloup foi sobretudo um grande cate-
quista. V iu na form ação cristã do m enino “ a tarefa por ex ce­
lência” e viu que nenhum ministério, por consolador que
seja, a poderia igualar. “ Tenho visto nela, diz, e mais inti­
mamente que em nenhuma outra parte, o que há de mais
belo, de mais atraente: as almas e Deus nestas almas; o
desabrocham ento das faculdades mais belas e as suas mais
vivas potências; a nobreza, a grandeza e o fundo divino
destas almas im ortais; a sua luta entre o bem e o m al e
Deus agindo nelas de maneira misteriosa e contudo visível
por operações de uma energia e de uma bondade inteira­
mente divinas, e isto na idade mais ingênua, mais verdadei­
ra, mais decisiva também, porque traz consigo tôdas as espe­
ranças e todos os tem ores do fu tu ro” (A obra por e x ce lê n ­
cia, p. 296).
2 — Im portância da educação. A educação é uma obra
capital. Trata-se de form ar o homem, de desenvolver as
suas mais nobres qualidades, de cultivar, de fortificar- o
coração, de educar o m enino para a vida terrena e para a
eternidade. “ É a m aior obra que se possa em preender. Tão
grande que, para lhe conceber a extensão e a altura, a lar­
gura e a profundidade, não bastaria dizer que é a associação
sublim e à própria ação de Deus. É preciso olhar mais alto.
É preciso com preender que Deus pôs no hom em o reflexo
de suas perfeições, que a luz de seu rosto irradia na alma
e na fronte do homem , de m odo que trazemos em nós os
traços gloriosos do Ente infinito: em uma palavra, Deus está
aí, e a obra de educação não é nada menos que a grande
e nobre tarefa de fazer brilhar no hom em a imagem de
Deus” (A alta Educação intelectual, III, p. 486).
3 — O m enino. O em inente bispo de Orléans consagrou
ao m enino páginas eloqüentes. R evela-se psicólogo profun­
do e sente-se que experim enta ternura paternal pela ju v en ­
tude, da qual conhecia os defeitos, mas tam bém as quali­
dades e os recursos infinitos. O m enino é ente sagrado que
é preciso defender de suas próprias fraquezas, e o m aior êrro
dos pais e dos professores, seria não o iniciar ao com bate
que deve dar às suas más inclinações. Sua análise do m enino
viciado pelos m im os é de rara penetração. Os m eninos de­
masiado perfeitos não lhe são simpáticos: para os conhecer
é bom experim entá-los. As páginas consagradas à solução
da crise m oral são das mais belas que lhe saíram da pena.
M. Buisson julga-as “ de uma justeza e de uma profundidade
que só pode ser dada pela experiência dum sacerdote” (Di­
cionário de pedagogia, art. D u pa n lou p).
O respeito ao m enino deve ser unido ao receio. “ O gran­
de princípio que dom ina tudo, diz, é que a educação deve
seguir a natureza e ajudá-la e jam ais contrariá-la violenta­
mente ou forçá-la” . Mas que é preciso respeitar no m enino?
a) A liberdade ãe sua natureza — Fazê-lo agir eficaz
e livrem ente, eis o grande segrêdo da educação. É preciso
ter considerações pela sua fraqueza, dirigir-lhe o caráter,
r ão o quebrantar nem lançar violentam ente tôdas as natu­
rezas a um m olde com um . A maneira de agir, em educação,
deve variar com cada menino.
b) A liberãaâe ãe sua inteligência — Não deve haver
precipitação, mas deve-se agir com calma prudente; a crian-
ça não resistiria aos m eios violentos; seu natural seria per­
turbado. “ Se quiserdes fazer do m enino um homem, será
preciso trabalhar com a própria Providência, com respeito,
m edida e doçura. De outro m odo perturbareis profunda­
mente essa alm a” (Da Educação, I, p. 188-).
c) A liberdade de sua vontade — O constrangimento
moral é ainda mais funesto que o contrangim ento intelec­
tual. É preciso instigar os meninos, mas sem lhes fazer v io­
lência. “ É preciso saber incitar, conter, fazer parar ou diri­
gir sua vontade, sua consciência, seu coração, mas sem forçar,
sem alterar sua natureza. Para isso é m ister penetrar no
fundo do coração dos m eninos e m over-lhe tôdas as molas; é
preciso persuadi-los; é preciso ser pai, ser mãe; é preciso
fazer-se amar para chegar à persuasão” . (Da Educação, I,
p. 206). É sobretudo em m atéria de religião e de piedade
que um m enino deve ser livre. D eve espontaneamente achar
bela a religião, achá-la amável, augusta. O professor que,
nessas matérias delicadas, não soubesse mais que mandar e
obrigar, m ostraria que não tem nem sequer a prim eira idéia
da educação das almas.
d) A liberdade de sua vocação — Cada m enino tem
uma vocação especial; é determ inada por um conjunto de
disposições físicas, intelectuais e morais. É dever dos pais
e dos professores favorecer essa vocação, cultivá-la, dar-lhe
todos os meios de se realizar. Contrariá-la seria um crim e
e faria a infelicidade do menino.

Meios de educação — Mons. Dupanloup distingue quatro


meios gerais de educação:
1 — Os cuidados físicos. Não têm por fim lisongear os
sentidos e as suas más inclinações, mas tornar o homem,
corpo e alma, tão forte, tão são, tão independente quanto
possível dos acidentes exteriores. De que seria capaz o ho­
mem mais inteligente sem uma com plexão robusta? Eis por
que precisam os m eninos de ar vivificador, alim entação sadia
e abundante, horário invariável para as refeições, estudos,
sono e recreios. O ideal dos educadores deve ser exercitar
os jovens, fortificá-los, fazer de cada um dêles “ rapaz viçoso
e vigoroso” , na expressão de M ontaigne.
2 — A instrução, que é preciso distinguir da educação,
consiste menos na aquisição de conhecim entos do que na
evolução do espírito. É nesse últim o resultado que é preciso
pôr a mira. Platão diz com acêrto: “ A ignorância absoluta
não é o m aior dos males; m uitos conhecim entos, mal digeri­
dos, são coisa m uito p ior” . A educação nunca deve ser se­
parada da instrução.
3 — A disciplina. Tem ela trés funções: conservar,
prevenir e reprim ir. É a protetora da fé nos meninos, a
guarda dos costumes, a garantia dos bons estudos, a inspi-
radora do bom espírito, a senhora, a dispensadora, a tesou­
reira do tempo, o nervo do regulam ento, e, quando preciso,
a vingadora das infrações. Numa palavra “ é ela que con­
serva, que eleva, que fortifica tudo” .
4 — A religião. É o princípio e o fim , a base e o cume
da educação. Dá à criança os ensinos mais elevados e mais
puros; ordena-lhe que ame a Deus sôbre tudo, que lhe dirija
as suas orações com fé viva; fortifica-a para cum prir os de­
veres mais penosos, sustenta-a em com bate, ergue-a depois
duma fraqueza. Nada iguala seu poder na educação; faz de
tôda instituição em que reina uma escola de verdade, de
virtude e de felicidade. É aqui que Mons. Dupanloup, refu­
tando Rousseau, o odioso sofista que afasta a religião da
educação, censura com o m erece o seu sistema absurdo e
pernicioso.
O pessoal da educação — O pessoal da educação com ­
preende Deus, os pais, o professor, o m enino e os condiscí­
pulos.
Sem Deus não há educação possível; a religião é o grande
m eio de form ação moral. - Assim concebida, a educação é
um apostolado; a idéia religiosa penetra tôdas ás lições, todos
os exercícios escolares. O bispo de Orléans trata êsse assun­
to com uma convicção em ocionada. R evela de certo m odo
o segrêdo do sacerdote, do educador cristão e da sua pode­
rosa ação sôbre a juventude.
No livro consagrado aos pais acham-se admiráveis pá­
ginas sôbre a fam ília e sôbre os deveres dos pais e das mães.
M. Buisson admira essas considerações “ de um moralista tão
sagaz quanto experim entado que recebeu as confidências das
famílias, que acom panhou de perto o desenvolvim ento dos
caracteres na criança e no m oço e que apreendeu no fundo
dos corações que a religião lhe abria, o segrêdo das misérias
e das ruínas que nêles se preparam ” . (Dicionário ãe peda­
gogia, art. D upanloup).
Quanto ao professor, sua missão é um sacerdócio. São-
Ihe necessárias, para a exercer com fruto, numerosas quali­
dades e, sobretudo, virtudes sólidas: santidade de costumes,
firm eza de caráter, paciência inalterável, saber amplo, abne­
gação, docilidade, amor desinteressado. Seu govêrno será
feito de doçura e de firm eza. Terá com pleta form ação pro­
fissional, um conhecim ento suficiente da alma do menino.
Castigará o menos possível e seus castigos não terão outro
fim senão procurar a em enda do culpado.
Se o professor tem por dever tratar o m enino com res­
peito infinito, êste deve cercar de profunda veneração os
pais e professores. Essa lei do respeito não é somente uma
lei de conveniência e de razão; é a própria base da obra da
educação. Se o m enino não respeita o professor os cuidados
mais inteligentes e mais dedicados serão inúteis. “ Um m e­
nino de cu ja educação se está tratando é essencialmente um
ser respeitoso, ou então não é nada e cai abaixo de tudo” .
(Da educação, I, p. 254).
O condiscípulo é um elem ento de educação com o qual
é necessário contar. O m enino form a-se pelo contato com
os outros, e a educação pública é preferível à educação par­
ticular. O condiscípulo influi no desenvolvim ento do espí­
rito. “ Com êle, é a sociedade que começa, a vida social, os
seus direitos, os seus deveres; a ardente emulação, o poder
do exem plo, a participação nas alegrias e nas dores, nos tra­
balhos e nos resultados, a cândida amizade* o apôio, o so­
corro mútuo, até a fraternidade, porque o condiscípulo é um
irm ão quando a casa de educação é uma fam ília” .
O condiscípulo influi na form ação do caráter; as rela­
ções entre alunos corrigem as asperezas do caráter, fazem
desaparecer o egoísm o e m il pequenos defeitos sem que os
m eninos o percebam.
O condiscípulo influi na form ação moral. Certas es­
colas são funestas ao menino. Mas a própria casa paterna
lhe oferecerá sempre somente bons exem plos? Numa casa
de educação bem mantida a juventude está ao abrigo de
muitos perigos. De Bonald tinha razão de dizer que os
jovens deixam muitas vêzes m uito cedo o colégio. “ Eu que­
reria, diz, que a educação se prolongasse até ao décim o sé­
tim o ou décim o oitavo ano, menos para ornar o espírito que
para form ar o coração e velar sôbre os sentidos e que essa
época crítica se passasse na distração, m ovim ento e fruga­
lidade do colégio antes que na ociosidade, prazeres e bom
trato do m undo” . (Citado na Educação, II, p. 586).

Os homens de educação — Tal é o título do terceiro v o ­


lume da Educação. Esta obra encerra conselhos com a marca
da mais alta sabedoria. M. Buisson fala dela com admi­
ração: “ Bem que o autoí, diz, tenhâ principalm ente e quase
exclusivam ente em vista os estabelecim entos eclesiásticos e,
por conseguinte, o pessoal todo especial dessas casas reli­
giosas, acha-se, na descrição que fêz do superior, m ultidão
de traços que convêm a todo chefe de instituição. A escolha
dos colaboradores, o cufdado de os form ar ao ensino e à
disciplina, as qualidades essenciais (de ser o hom em de
regra, o hom em de conselho, o hom em de ação enfim, o
hom em de oração) dão lugar a uma série de recom endações
de uma sabedoria profunda. O bservem os um capítulo de alta
pedagogia m oral sôbre o sistem a das funções simultâneas
que, ao invés de encerrar estreitamente cada professor em
suas funções especiais, im põe a cada um o dever de tomar
parte e de se interessar por tôdas as partes da educação.
Para realizar, para sustentar tal continuidade de dedi­
cação, o autor não concebe senão um poder no mundo, a re­
ligião” . (Dicionário de pedagogia, art. D u pa n lou p).
Terminando, Mons. Dupanloup demonstra o poder da pa­
lavra em educação. Saber falar aos m eninos não é um dom
comum. “ O im portante é falar sempre ao seu auditório,
para o seu auditório e não simplesmente diante de seu audi­
tório” .

A alta educação intelectual — Nesses três volum es que


form am a segunda parte dos seus estudos sôbre a educação,
o bispo de Orléans trata sobretudo dos estudos superiores.
No prim eiro expõe as suas vistas sôbre as humanidades.
Atacadas com furor na Revolução, estavam ameaçadas, após
1850, pela invasão das ciências e bifurcação.
A alta educação deve tender a desenvolver o pensam ento
e a palavra que constituem a nossa mais nobre prerroga­
tiva. Firm ando-se na autoridade de todos os grandes espí­
ritos, declara que só as línguas e as letras podem dar ao
pensamento e à palavra a sua expressão mais perfeita, porque
se dirigem à alma tôda. “ Não admira que Mons. Dupanloup
tenha apoiado com todo o poder êsses belos estudos liberais,
ornados outrora com o m uito nobre e m uito justo nome de
humanidades. Sentia-as ameaçadas pelo desenvolvim ento
excessivo e a precocidade anormal da cultura científica uti­
litária. Talvez até entrevisse já o esforço da erudição pe-
dantesca para suplantar o verdadeiro saber. Filosofia exata
e alta história bem com preendida, literatura sã e generosa, o
que eqüivale a dizer clássica: de tôdas essas belas e boas
cousas de outrora conservava a convicção, o entusiasmo, o
fogo sagrado, com o se dizia então; e tanto pior para aquêles
a quem a palavra fizer sorrir! Todos os gêneros ou graus
de ceticism o são m ortais para a educação” . (R. P. L onghaye ,
Décim o nono século, V, p. 81).
A s idéias de Mons. D upanloup nada perderam da sua
autoridade nem da sua atualidade.
O segundo volum e trata da história, da filosofia e das
ciências. O seu biógrafo assim nos apresenta essa obra:
“ O bispo de Orléans nela desenvolvia vistas gerais admirá­
veis sôbre essas três grandes províncias do saber humano.
Depois, tornando a descer aos porm enores das questões sôbre
a im portância que convém dar a êsses diversos estudos, che­
gava a conclusões práticas cuja sabedoria e com edim ento
são tais que o futuro, julgam os poder dizer, lhes pertence.
Eis aí escritos cu jo interêsse não passa e nos quais os ho­
mens que se preocupam com as questões de educação, os
pais-de-família. todos aquêles que podem ter que decidir do
futuro de um m oço, acharão sempre o que aprender. São
até de alcance mais elevado e mais amplo, porque das vistas
que o autor expõe sôbre a essência da filosofia e das ciências,
sôbre as suas relações com a fé, saem com o conclusões as
grandes teses, a saber, o acôrdo, a harmonia, não somente
da filosofia e das ciências positivas, com o de tôdas as coisas
humanas com as coisas divinas” . ( M o n s . L a g r a n g e , Vida
de Mons. Dupanloup, 6a. ed., em 12, II, p. 147).
O terceiro volum e traz o título Cartas aos hom ens ão
mundo sôbre os estudos que lhes convêm . Aconselha-lhes
principalm ente a religião, as literaturas, a filosofia, a his­
tória, o direito, as ciências. Insiste na necessidade e van­
tagens do trabalho. “ A educação, diz o autor, é trabalho
da vida inteira. A pós o colégio o hom em torna-se seu pró­
prio form ador” . Não se deve perder em bons desejos; o essen­
cial é fixar-se uma tarefa e cum pri-la. E ’ por falta de tomar
resoluções fecundas que tantos talentos ficam incultos, que
tantas existências são vazias e perdidas. “ Todo hom em que
não encontra m eio de ter cada manhã três horas de trabalho
antes do alm ôço, nunca será em tôda a vida, afirm o-o, em
tôda a sua vida, no que se refere ao estudo e alta influência
do espírito, nunca será capaz de nada” .

Conclusão — O que dá às obras de Mons. Dupanloup


autoHdade incontestável, é que elas foram vividas antes de
serem escritas. O seu grande m érito está na variedade, na
justeza dos porm enores; em tôdas as páginas o autor lança
vistas “ finas, profundas, delicadas, elevadas” .
Quanto ao plano, à concepção do assunto, à ordem das
matérias, poder-se-iam fazer algumas críticas; com efeito,
tôdas as partes não se concatenam em ordem rigorosa; o es­
tilo conserva demasiadas vêzes a form a oratória; certa im pe­
tuosidade leva, às vêzes, o autor ao exagêro; há numerosas
repetições; a com posição é muitas vêzes apressada. Mas essa
obra pedagógica vale pelo conjunto da doutrina. Essa doutri­
na é original, não no sentido de que o bispo de Orléans in­
vente tudo o que ensina ou conta: é o hom em das tradições
mais do que das inovações; mas até o que tem sido dito ou
feito antes dêle, apropria-o pelo m odo com que o concebe
ou pratica; põe-lhe por assim dizer o seu carim bo, o cunho
da sua forte personalidade.
A obra pedagógica do grande bispo viverá e ficará sendo
o seu m aior título literário. “ A posteridade, diz Mons. Besson,
chamará talvez Mons. Dupanloup o Quintiliano do Evange­
lho, colocando-o acima de R ollin e até de Fénelon, sem
nada tirar à glória dêstes dois grandes mestres. R ollin lhe
parecerá inferior porque dá em seu Tratado dos Estudos,
mais lugar ao ensino que à educação. Fénelon, no seu m a­
ravilhoso rom ance Telém aco, escreveu para os m odernos no
estilo dos antigos, mas é sobretudo aos reis que se dirigem
as suas censuras e os seus conselhos. O bispo de Orléans,
em plano mais vasto e mais simples, tudo reuniu e tudo abran­
geu. E ’ a-história da família, tal com o o nosso século a devia
restaurar. E’ o ideal do c o lé g io 'ta l com o o nosso século o
devia fazer’ .

B ibliografia — M . G. E . D u p a n l o u p , L 'É d u ea 1 io n , la IJaute Érluca-


tion , L ’ 0 fn rre par excellence. — D iclion naire <lr pcdariof/ie, a r t . D u p n n .
Inup. — F a g tte t, M a r . Ihipanlnitp (P a riu , 1 9 1 0 ) . — M o r . L a g r a n g e , Y i e
ãe M fjr. Dupanloup, 3 v o l. (P a r is , 1 8 8 6 ). — E. P . LoJTG H a y e , D ix -n cu -
v ièm e siècie , V (P a r is , 1 9 0 8 ).

VII — Dom Bosco (1815-1888)

Dom B osco era oriundo de Castelnuovo d A sti. Orde­


nado sacerdote em 1841, inaugurou nesse m esmo ano o seu
apostolado junto às crianças pobres e abandonadas. O seu
pequeno rebanho cresceu rapidam ente; sua obra se desen­
volveu, não sem encontrar provações de tôda sorte. Tendo
recebido alguns internos, com eçou, em 1851, a construção do
oratório de V aldocco, em Turim ; depois fundou a Sociedade
salesiana e as religiosas de Nossa Senhora Auxiliadora. Teve
a satisfação de estabelecer em diversos países, missões, ora-
tórios, escolas de artes e ofícios, patronatos. H oje os sale-
sianos têm estabelecim entos em tôdas as partes do mundo.

0 sistema preventivo — Dom Bosco escreveu pouco sôbre


as questões da educação, mas quis expor permenorizadamente
a idéia fundam ental de sua pedagogia; o sistema preven­
tivo. Prefere-o ao sistema repressivo porque é baseado “ na
razão, na piedade, na afeição” . E xclui todo castigo violento,
tôda correção, m esm o leve. As suas vantagens são num e­
rosas:
1 — O m enino que é ajuizado vê nesse ato uma prova
de afeição;
2 — muitas vêzes o m enino se torna culpado porque
uma voz amiga não lhe deu a ver a gravidade do ato;
, 3 — êsse sistema faz o aluno am igo do mestre ou do
vigilante “ que o adverte, quer torná-lo bom, e tenta tudo
para lhe fazer evitar os aborrecim entos, o castigo e a ver­
gonha;
4 — O sistema preventivo ganha o coração do aluno, e
assim o educador pode exercer sôbre a criança uma influência
benfazeja, aconselhá-la, adverti-la, dirigi-la na escolha da v o ­
cação.
Em sua aplicação, o sistema preventivo é baseado na ca­
ridade cristã. Razão e religião, tais os dois instrumentos de
que o mestre deve usar. Para prevenir as faltas, é neces­
sário achar-se continuam ente no m eio dos m eninos e nunca
os deixar sem ocupação. E ’ preciso dar-lhes durante o re­
creio a m aior liberdade de saltar, correr, gritar a vontade.
Mas, sobretudo, é preciso em tôda ocasião fazer brilhar a
bondade, a grandeza, a santidade da religião e deixar-lhes
tôda a facilidade de se aproxim arem freqüentem ente dos sa­
cramentos. Para im pedir que o mal penetre na casa, a v i­
gilância deve ser de todos os instantes. D om Bosco acon­
selha ao diretor ou ao encarregado dizer tôdas as noites, antes
do descanso, algumas palavras afetuosas aos meninos e dar-
lhes alguns avisos sôbre o que é preciso fazer ou evitar.

0 sistema preventivo exige m uito devotam ento da parte


do professor, mas produz m agníficos resultados que D om
B osco resume assim:
1 — “ O aluno estará sempre cheio de respeito para com
o seu educador e se recordará sempre com prazer da direção
que recebeu, considerando sem cessar os seus superiores com o
outros tantos pais e mães;
2 — “ quaisquer que sejam o caráter, o espírito e o es­
tado m oral de um aluno no m om ento da sua aceitação num
oratório, os pais podem viver tranqüilos; o filh o não poderá
piorar e pode-se afirmar, com o certo, que haverá sempre
alguma m elhora;
3 — “ os alunos que, por acaso, entrarem num estabele­
cim ento com maus hábitos, ver-se-ão na im possibilidade de
causar dano aos colegas. A assistência, antes que a v ig i­
lância, é tal que não acharão tem po nem lugar nem facili­
dade” .

Educação física — D om Bosco deseja que se deixe ampla


liberdade ao m enino para correr, saltar, gritar, divertir-se.
A ginástica, a música, a declamação, o teatro, os passeios e
as excursões conservam a saúde da alma e do corpo. “ T e­
nha-se cuidado sòmente, acrescenta, de que a natureza dêsses
recreios, as pessoas e as conversas que nêles sobrevêm , não
apresentem perigo. R epito com S. Felipe Neri, êsse grande
amigo da m ocidade: “ Fazei tudo quanto quiserdes, não me
importa, contanto que não cometais pecado” .
A alegria é um traço característico das casas salesianas.
A fim de a manter em pregam -se todos os m eios capazes de
aliviar o pêso da disciplina. Os professores não desdenham
entrar no jôgo, a exem plo do próprio D om Bosco.

Educação intelectual — Encontram -se nas casas salesia­


nas todos os gêneros de instrução: ensino primário, profis­
sional, secundário e superior.
Dom B osco encara a instrução com o um meio, para as
crianças, de ganharem a vida e com o um auxiliar importante
de educação. Antes de tudo, deve estar em relação com as
disposições do menino. E’ por isso que é baseada num es­
tudo especial do caráter, das aptidões e dos talentos de
cada um.
O ensino secundário e o ensino superior são dados aos
alunos que m ostram disposições para o estudo e especial­
mente àqueles que se destinam ao sacerdócio ou ao estado
religioso.

Educação moral — Dom B osco considera a form ação


moral com o o vértice da educação. Mais que ninguém, reagiu
contra essa idéia pagã “ de que a instrução basta para tudo
e que o hom em instruído é necessariamente um hom em honra­
do” . O m enino precisa de princípios que a pretensa neutra­
lidade não lhe dá; êsses princípios são insuficientes se não
se tem cuidado de form ar, ao m esm o tempo, caracteres viris
pela educação da vontade.
O jov em cuja vontade não tenha sido desenvolvida, pode
esconder, sob brilhantes qualidades intelectuais, a mais incon­
cebível fraqueza. Falta-lhe com edim ento, é agitado, não quer
senão dèbilm ente. O bedece às impressões; não sabe tomar
nenhuma decisão rigorosa. “ Quis-se form ar um hom em ; só
se conseguiu um ser inteligente e am oroso, mas fraco e de-
sarrazoado: um animal aperfeiçoado” .
Mas a form ação da vontade é im possível sem o socorro
da religião. A confissão freqüente, a com unhão freqüente, a
cotidiana, eis aí, escreve Dom Bosco, as colunas que devem
.sustentar todo o edifício da educação” .
Dom B osco foi adversário irredutível do que se chama
paganismo na educação. “ Nunca uma educação, com três
cuartos de pagã, poderá dar-nos verdadeiros e sinceros cris­
tãos. Quero sim, acrescenta, que se explique o De officiis de
Cicero, mas e x ijo que se explique também o De officiis de
Santo A m brósio; assim a m oral cristã dêste corrigirá e com ­
pletará a m oral pagã daquele” .
Uma disciplina bem entendida com pletará a obra da re­
ligião. M antém a ordem , reprim e as irregularidades e con­
serva os bons costumes das crianças. Uma vigilância de
todos se instantes previne tôdas as desordens. Esta vigi­
lância é baseada na caridade; faz uso de tôda sorte de indús­
trias para chegar ao fim em mira: a m oralização e a santi­
ficação da criança.
Na exposição ,do sistema preventivo, Dom B osco é le­
vado a faiar dos castigos. “ Quanto possível, nada de cas­
tigos, diz. Se absolutamente fôr preciso punir, procurai fa­
zer-vos amar antes que vos t e m e r ... Nunca batais nos
meninos: êsses castigos os irritam, e rebaixam os caracte­
res. .. Quando estiverdes um tanto en color;zados ou agi­
tados, abstende-vos de infligir correções, a fim de que as
crianças não creiam ciue agistes sob o im pério da paixão.
Do mesm o m odo, quando deveis fazer qualquer correção, re­
preensão ou observação a um menino, esforçai-vos, por fa­
zê-la em particular; esperai que esteja calm o e sossegado e
então adverti-o suavemente e deixai-o sob a influência de
alguma boa palavra” .
O zêlo das almas inspirava a D om Bosco inúmeras in­
dústrias que os discípulos têm recolhido piedosamente: era
uma palavra ao ouvido de um m enino cuja conduta deixava
a desejar; uma m áxim a escrita num bilhete e remetida em
tempo oportuno ao destin atáro; cartas de direção, associa­
ções compostas dos m elhores alunos e destinadas a arrastar,
por seu exem plo, a massa das crianças, etc. Mas nada igua­
lava a eficácia da palavrinha da noite. Tem -se dito que
essa curta alocução foi “ a chave mestra do edifício moral
do O ratório” . A idéia expressada por ela em alguns traços
com oventes se gravava profundam ente nos espíritos e os fix a ­
va no cam inho do bem.

Dom Bosco iniciador e precursor — Em vários pontos


im portantes D om Bosco foi iniciador. Foi um dos primeiros
a com preender a necessidade do apostolado pela imprensa.
P ublicou numerosos volum es; escreveu para a m ocidade re-
citativos, biografias e contos de pura im aginação. Editou,
para as classes, coleções de autores, pagãos e cristãos.
Foi um precursor inaugurando as colônias de férias. As
primeiras foram em 1848. Desde então êsses “ passeios de
outono continuaram todos os anos. (Foi em 1876 que o
pastor Bion, de Zurich, levou um grupo de m eninos à m on­
tanha) . Duravam três semanas. Dom B osco dava aos jovens
excursionistas preciosas inform ações sôbre os lugares, os san­
tuários, os castelos e os cam pos de batalha. O pequeno
bando tinha atores e músicos que im provisavam espetáculos
arrebatadores. Foi um precursor fazendo da confissão e da
com unhão m uito freq ü en tes a basè da educação religiosa e
moral. M uito antes do decreto Quam singulari, D om Bosco
tinha com preendido a necessidade, para o rapaz, de se apro­
xim ar freqüentem ente dos sacramentos, a fim de conservar
sua inocência e de lutar vantajosam ente contra suas más in­
clinações. Disse um dia a Gladstone, m aravilhado com os
resultados obtidos: “ Quanto a mim, não conheço senão dois
meios de educação: a com unhão ou a vara. Renunciei à
vara. G overno pela com unhão” .
Enf.m êle resolveu de maneira m uito justa a questão
da aprendizagem. Nas casas salesianas, os aprendizes e os
operários form am , desde os prim eiros anos, um pequeno ca­
pitai. Uma grat.íicaçào é concedida aos aprendizes em cada
dia de trabalho. Dão-lhes uma caderneta da caixa econô­
m ica e facilitam -se os m enores depósitos. Assim se encontra
igualm ente realizado o sonho acariciado pelos economistas
m odernos da participação d o-op erá rio nos lucros.

Causa do êxito das obras salesianas — Concorda-se em


dizer que o êxito das obras de Dom Bosco é devido às causas
seguintes: — a união do estudo, do trabalho e do descanso; o
encanto do ensino; a confiança mostrada aos meninos pelos
superiores e mestres; os entretenim entos de tôda sorte: pas­
seios, excursões, jogos variados; a dedicação, a piedade, a
brándura dos mestres; o cuidado que se dá à form ação do
coração, da vontade e da consciência. Êsses m eios obtêm
verdadeiros m ilagres e poucas crianças se lhes mostram re­
beldes.

Conclusão — A obra de D. B osco tem feito a admiração


de todos os que a têm estudado. O m inistro Ratazzi, de­
pois de várias entrevistas com o fundador dos Salesianos,
não podia exprim ir a sua admiração.
A célebre abadessa Rayneri dizia: “ Se quiserdes ver a
pedagogia praticada adm iravelm ente, ide ao oratório de São
Francisco de Sales e observai o que faz D om B osco” . O Dr.
Foerster, no seu livro a Escola e o Caráter, honra Dom B osco
por ter preferido o sistema preventivo ao sistema repressivo” .
Êste últim o sistema, diz, pode im pedir uma desordem, mas
dificilm ente tornará m elhores as crianças. Estas nunca es­
quecerão os castigos sofridos e conservarão sempre, pelo m e­
nos, certa amargura com o desejo de sacudir o ju go e até
de tom ar vingança” .
Tem-se com parado Dom Bosco à Quintiliano e a V ito-
rino de Feltre. Inspirou-se nos princípios dos mesmos, mas
excede-os em mérito. Faltava ao autor da Instituição ora­
tória o “ raio da F é” , e o seu sistema de educação conserva,
apesar do tudo, um fundo aristocrático. V itorino é profun­
damente cristão, mas dirige-se sobretudo às classes altas e
médias. Dom Bosco toma com o objeto principal e quase
exclusivo da sua solicitude a juventude mais pobre, mais
geralm ente abandonada. É atraído invencivelm ente para os
mais abandonados; tráta-os com o seus filhos, livra-os da
prisão, salva-os do vício, reergue-os, recondu-los a Deus e
os restitui à honra da sociedade.

Alguns educadores italianos do século X I X . — A I t á lia p ro d u z iu ,


n o S écu lo X I X , («Via u m a p lé ia rte d e e d u c a d o r e s e m in e n te s. M e n c io n e m o s
e n t r e os m a is c o n h e c id o s :

O P a d r e L a a t b r u s c u i n i (1 7S S -1S 78 ), p r o p a g a d o r in f a t ig á v e l d e id é ia s
p e d a g ó g ic a s p e la s r e v is ta s d e e d u c a ç ã o , p e lo s m a n u a is, e s o b r e t u d o p e la
o b r a c iip ifu l Delta ped a gog ia . S eu s c o n t e m p o r â n e o s c o n s id e r a r a m -n o d o s
m a io r e s e d u c a d o r e s d o sé c u lo . E m seu s e s c r it o s ja m a i s s e p a r a a p e d a ­
g o g ia d o c o n h e c im e n t o d o h o m e m in t e r io r . P n r a ê le a f o r m a ç ã o da
ju v e n t u d e é a t a r e fa d a s t a r e f a s ; p r e p a r a a r e g e n e r a ç ã o c iv il e m o r a l
d e um p a ís.

T o m m a se o (1 8 0 3 -1 8 7 3 ). c u ja obra p r in c ip a l é i n t it u la d a : D e l l ’E ã u -
cazione, D csiãerii c sa g g i pratici.
A id é ia fu n d a m e n t a l d ê sse l i v r o é q u e a e d u c a ç ã o d e v e te r p o r fim
li v r a r o h o m e m d a e s c r a v id ã o d o m a l. s a lv a r o c o r p o , o e s p ír it o , a im a ­
g in a ç ã o . a v o n ta d e . A ê s s e p r in c íp io se lig a m q u a t r o id é ia s p a r t i c u l a r e s ;
o ed u cad or d eve: l . ç — e n s in a r o b e m ; 2 ." — a c o n s e lh a r e a d v e r t i r ;
S .5 — c o r r i g i r : o id e a l da d is c ip lin a é u n ir a d o ç u r a c o m a s e v e r id a d e :
4 .9 — fa e e r c o n h e c e r a v e r d a d e .
A g r a n d e o b r a d e T o m m a s e o d e te r m in o u n o s e d u c a d o r e s it a lia n o s
um m o v im e n to s a lu t a r p a r a os p r in c íp io s d a c iê n c ia p e d a g ó g ic a .

O P a d r e R o s m i n i (1707-18051. f i l ó s o f o e e s c r it o r p e d a g ó g ic o d e g r a n ­
d e v a lo r . S u a o b r a - p r i n c i p a l : T)el p rincipio suprem o delia m etódica•, e x p õ e
■os g r a n d e s p r in c íp io s d a e d u c a ç ã o : d e v e s e r u m a n e s seu s fin s , n a s
s u a s d o u tr in a s , n o d e s e n v o lv im e n to d a s fa c u ld a d e s , n a f o r m a ç ã o m o r a l.
Hen fim s u p r e m o é a p e r f e i ç ã o d o in d iv íd u o , e ê sse id e a l n ã o se r e a liz a
s e n ã o c o m o a u x ílio d a m o r a l c r is t ã e d a r e lig iã o . E m su a o b r a p ó s ­
t u m a : O m éto d o na educarão , e x p õ e os p r in c íp io s d o e n s in o fr o e b e lia n o
c o m g r a n d e f o r ç a d e a n á lise .

B a y n e r i (1810-18ti7) q u e fé /., d u r a n t e m a is de v in te a n os. c o n fe r ê n ­


c ia s p e d a g ó g ic a s n a u n iv e r s id a d e d e T u r im . O se u t r a t a d o D elia p ed a ­
g o g ia o im o r t a liz o u , fís s e l i v r o m a r c a u m a é p o ca p o r q u e e x p õ e um s is ­
tem a d e e d u c a ç ã o b a s e a d a em p r in c íp io s c ie n t ífic o s . J ía y n e r i c r io u na
I t á l ia tô d a um a e s c o la d e p e d a g o g ia c a t ó lic a q u e lu ta v a le n te m e n te
c o n t r a a s te n d ê n c ia s r a c io n a lis t a s d o e n s in o a tu a l.

B i b l io g r a f i a — D o mB o s c o , S y s lc m a p rev en tiv o (T u r in , 1 9 2 0 ). — X .,
D om B o :íc o e le sue o p ere (T u r in , 1 9 1 3 ). - - B v iletin Saléxien (spéidaleiment
a u n écs 1 9 0 8 -1 9 1 4 ). — F l e u r y , L e » S a lr x i r m et Voeu-vrc de D om B osco
(P a r is , 1 9 0 6 ). Y i d l e f r a x c h e , V ie de B om B o sco . — I)o\r C e r t j t i , Storia
delia ped a gog ia in Itá lia (T u r in , 1 8 8 3 ). — S a s t t e G i u f f k i d a , S toria delia
p ed a go g ia (T u r in , 1 9 1 2 ).

V III — O Venerável Marcelino Champagnat (1789-1840)

O P. M. Champagnat foi um dos grandes benfeitores da


infância no século X IX . Nasceu em Marlhes (L oire), e desde
m oço, teve ocasião de verificar quanto a educação dos m e­
ninos do cam po deixava a desejar. Durante sua estada no
seminário m aior concebeu a idéia de uma congregação essen­
cialmente dedicada ao ensino nas paróquias rurais. N o­
meado coadjutor em Lavala, perto de Saint-Chamond, reuniu
alguns jovens, form ou-os às práticas religiosas e ao ensino
e lhes confiou a direção de várias escolas. Tal foi a origem
do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas ou Irmãozinhos
de Maria. A instituição consolidou-se entre provações, expe­
riências e dificuldades. Em 1340 essa congregação possuía
48 estabelecimentos. Em 1903, contava 6.000 m em bros e di­
rigia 700 escolas distribuídas por todos os continentes.
Prirtcípios gerais. — 1 — Im portância ãa educação, Em
suas instruções aos prim eiros discípulos, o P. Champagnat
insistia muitas vêzes sôbre o objeto fundam ental da edu­
cação. Não quer que os Irmãos sejam somente catequistas,
mas qué deem a educação tôda.
Dar educação a uma criança, é fazer-lhe conhecer a re­
ligião, corrigir-lhe os defeitos, endireitar as más inclinações;
é ensinar-lhe a vigiar os pensamentos, os desejos, as afei­
ções; é form ar-lbe o juízo, a vontade, polir-lhe o caráter; é
afastar dela todos os perigos, inspirar-lhe o amor ao tra­
balho e dar-lhe os meios de ganhar a vida; é obter para o
seu ser tôda a perfeição de que é capaz.
2. A disciplina. O P. Champagnat considera a disci­
plina condição indispensável da ordem, do trabalho e da
atitude. Garante o progresso no estudo, mantém .a piedade,
os bons costumes, o bom espírito, form a a vontade, os ca­
racteres e conserva a saúde dos professores. Suas três fun­
ções são: prevenir, m anter e reprimir.
Numa classe disciplinada, os alunos são felizes e acham-
se a vontade. Se faltar disciplina haverá tudo a temer: as
boas qualidades da criança se enfraquecem , as paixões su­
focam a piedade, o m estre não tem autoridade, os progressos
são impossíveis. N egligenciar a disciplina é destruir a obra
da educação. (Guia das escolas, p. 54).
A disciplina se obtém sobretudo pela autoridade moral
que é feita de bom exem plo, capacidade profissional, gra­
vidade, m edida e sabedoria. “ Recordai, dizia aos Irmãos,
que não é pelos castigos corporais que se obtém a submissão
das c r ia n ça s... M ostrai-vos antes pais que professores e
então vos respeitarão e obedecerão sem custo” .
3 — A vigilância — A vigilância é o grande m eio de
manter boa disciplina. Essa vigilância tem por fim prin­
cipal conservar a inocência da criança. “ Um Irmão é o
anjo da guarda das crianças, e não há m om ento eni que não
esteja encarregado do com portam ento das mesmas e não
deva responder por elas enquanto( estão sob sua direção,
isto é, no estabelecim ento” . ( Guia das escolas, p. 53.).
E ’ preciso vigiar particularm ente: as amizades; a fre-
qüentação de meninos maus é a fonte mais com um de cor­
rupção; a atitude: a atitude de um m enino revela o que
é; os alunos perigosos: um só aluno corrom pido pode es­
tragar tôda uma classe, tôda uma escola; as conversações
os gestos, as inclinações: a bôca fala da abundância do co­
ração. E ’ preciso seguir de perto os m eninos que proferem
palavras m uito livres, que são levados à moleza, a leituras
frívolas, à intemperança, à cólera, os que tratam demais de
seu arranjo. E’ preciso velar, em uma palavra, por tudo
que pudesse ser perigo para as crianças. O professor vi­
giará igualm ente sôbre si, suas palavras, seus gestos e suas
atitudes; procederá de tal sorte que seja sempre para os
alunos m odelo de virtude.
A vigilância deve ser exata e contínua, mas não deve
ser inquieta, provocadora, acanhada, nem acompanhada de
conjeturas mal fundadas. D eve ser tranqüila, simples, na­
tural, de m odo que as crianças não percebam que as acom ­
panham de perto, e creiam que estão sempre com elas antes
para lhes prestar serviço do que para as vigiar.
4 — O educador. O educador faz um trabalho que ex ­
cede em im portância todos os outros trabalhos. Um Irmão,
dizia o P. Champagnat, é o cooperador de Deus, consócio de
Jesus Cristo na santa missão de salvar as almas. É o substi­
tuto dos pais e das mães, o auxiliar dos pastores da Igreja,
o anjo da guarda das crianças, o Evangelho vivo dos alunos
e de todos. A sua vida inteira está consagrada ao serviço
da religião e da pátria.
Anim ado destas nobres idéias, preparava, com o maior
cuidado, seus discípulos para suas obrigações de educadores.
Form ava-os nas ciências e lhes dava a conhecer os m elhore?
métodos de ensino. A form ação dos diretores lhe parecia
de importância capital.
Dava-lhes todo ano série de conferências sôbre as v ir­
tudes necessárias a um bom superior, sôbre a direção das
classes, e lhes fazia prestar contas da sua administração, do
seu procedim ento com as crianças, com seus inferiores e com
as autoridades civis.

Educação' física — O biógrafo do P. Champagnat resume


assim, as suas idéias sôbre a educação física: “ Quer que
se dê atenção especial ao asseio, que favorece as idéias de
decência e hábitos de ordem, e concorre para lem brar ao
hom em o respeito que se deve a si próprio. Pede para a saúde
física e m oral da criança um ar puro, vivo, freqüentem ente
renovado. Enfim, se não vai ató preconizar a ginástica pro­
priam ente dita e outros desportos em uso hoje em dia, exige
que se organizem e que se mantenham a todo custo os jogos
no recreio. Os exercícios e os jogos são, segundo êle, de
extrem a im portância para a conservação dos bons costumes
das crianças. Nada é pior do que a casa onde não se brinca
Dando cuidados higiênicos às crianças, um Irmão está traba­
lhando para as tornar virtuosas” . M o n s . L a v e i l l e , O V en e­
rável M. Champagnat, p. 298).
O fundador dos Irmãos entra em porm enores mais m inu­
ciosos sôbre os m eios de assegurar o asseio dos lugares, sôbre
os cuidados que se devem à saúde das crianças. Tem-se dito,
com razão, que, neste assunto, adiantou-se ao seu tempo.

Educação intelectual — O P. Champagnat queria que a


educação dada por seus discípulos fôsse conform e às neces­
sidades e às exigências da época. A dotou o ensino simultâ­
neo. Apesar das reclam ações dos partidários do sistema
mútuo, jam ais cedeu. Adm itiu, entretanto, que os escolares
mais capazes ajudem, às vêzes, o mestre.
Ocupou-se m uito em aplainar, aos principiantes, as difi­
culdades da leitura. A antiga denom inação das cònsoantes
e a soletração que é a conseqüência dela, retardavam os pro­
gressos dos alunos. Fêz adotar pelos discípulos m étodo mais
expeditivo e mais racional, o m étodo fôn ico, que, graças a
êle, se espalhou logo em grande núm ero de escolas.
Seus conselhos sôbre o ensino da escrita, da ortografia,
da história, da geografia, da aritmética e dos elementos de
geometria, inspiram-se nas mais sadias tradições pedagó­
gicas.
Introduzindo o canto nas escolas, mais uma vez se adian­
tava ao seu tempo. Propunha-se, por êste meio, atrair e
interessar as crianças à escola, penetrar a sua alma de senti­
m entos elevados e induzi-las a banir os cantos profanos.
Recom enda instantemente a emulação.
“ É a alma do ensino e dos progressos, diz; sem ela, tudo
enlanguece na classe. O amor de si, do que é bom e honroso,
com os louvores, a aprovação, as recom pensas e o desejo de
exceder os mais, são tão naturais nas crianças quanto nos
adultos. Ora, essas inclinações, quando dirigidas por u ’a mão
hábil, convertem -se nas crianças, em rem édios contra sua
indolência natural, fazem -lhes conceber grande estima do
m érito alheio, inspiram -lhes a coragem de vencer as paixões,
de corrigir os defeitos, para adquirir um m érito semelhante
e até para superá-lo. Outra vantagem da em ulação é interes­
sar as crianças à escola, fazer-lhes achar o trabalho suave
e fácil, torná-las atentas às lições do professor, aplicadas aos
deveres e exatas em os cum prir, preservá-las de infinidades
de faltas a que a negligência e a preguiça arrastam e fazer-
lhes adquirir o hábito do trabalho” . (Guia das Escolas, p.
249).
Educação moral — Dar aos m eninos a educação m oral e
religiosa, era para o P. Champagnat a principal razão de ser
do seu Instituto. Em 1824, dirigiu aos Irmãos uma série de
conselhos em que lhes dizia que considerassem com o deve-
res principais, os pontos seguintes: “ A plicar-se a fazer co­
nhecer às crianças os m istérios de nossa santa religião, as
verdades da salvação, os preceitos de Deus e da Igreja; —
instruí-las solidam ente nas disposições necessárias para rece­
berem com fruto os sacramentos da penitência e da eucaris­
tia; — inspirar-lhes o am or à oração, fazê-las orar com as
disposições convenientes, dar-lhes confiança sem limites no
poder e na .bondade da Santíssima V irgem , ensinar-lhes a
maneira de santificar suas ações oferecendo-as a Deus e re­
signando-se a sua santa vontade” .
Repetia muitas vêzes essas idéias fundam entais e fazia
freqüentes instruções aos Irmãos sôbre a maneira de ensi­
nar a religião. Segundo êle, um catecism o bem dado, deve
ser: 1. preparado pelo estudo. “ Seria verdadeiro escândalo,
diz, que um Irmão fôsse menos capaz de lecionar catecismo
do que de ensinar às demais ciências” ; 2. fecundado pela
oração. “ Um Irmão que não tem o espírito de oração nunca
fará nada de grande; pode fazer algum barulho, mas não
terá fru to ;” 3. sustentado pelo bom exem plo. .A s trianças
acreditam mais no que vêem do que no que ouvem : fazem
o que vêem fazer. O professor tem tantos vigias e imitadores
quantos alunos; 4. pôsto ao alcance das crianças por um
bom m étodo e um zêlo industrioso. As lições religiosas de­
vem ter três caracteres: o m étod o, a brevidade, a clareza.
O m étodo ajuda a m em ória; faz ver, com o em um quadro
de conjunto, as verdades explicativas; a brevidade consiste
em falar pouco e em fazer falar m uito às crianças, em nunca
sair do assunto, em evitar as questões subtis ou m uito ele­
vadas; a clareza resulta da sim plicidade dos pensamentos,
da justeza das expressões. (S entenças. lições, avisos, cap
X X X V II).
O educador cristão fará amar a religião mostrando o seu
verdadeiro espírito, que é um “ espírito de bondade, de m ise­
ricórdia, de doçura e de consolação” . Não com bate em nós
senão os nossos inimigos, isto é, as nossas paixões e os nossos
vícios; os seus sacramentos são para o hom em princípios de
grandeza e de nobreza. Tem espalhado pelo mundo bens
inum eráveis: “ Destruiu a idolatria, os com bates de gladia­
dores e a barbárie, aboliu os sacrifícios humanos e a escra­
vidão; inspirou, para tôdas as misérias humanas, a caridade
mais viva e a com paixão mais terna” . (Guia das Escolas,
p. 137).
O P. Champagnat deseja que tôdas as lições sejam pe­
netradas do espírito m oral e cristão: “ Tom ai cuidado, dizia
aos Irmãos, que a religião se saliente em tôdas as partes do
vosso ensino” . Êle próprio tinha um talento particular para
fazer o que aconselha.
Numa de suas visitas, entrou na aula quando os alunos
seguiam uma lição de geom etria e de desenho: “ Meus filhos,
disse-lhes, v e jo com prazer que saberíeis m edir uma terra:
mas não vos esqueçais de aprender a m edir o céu. A pren ­
de-se a m edir o céu, aprendendo quanto vale, o que é pre­
ciso fazer para m erecê-lo, o que custou a Jesus Cristo” .
_ Em outra ocasião, a propósito da vitória de Tolbiac, de­
senvolveu estas três idéias: a oração é uma fôrça e um
poder; ela nos consegue a vitória sôbre nossos inim igos; a
piedade é útil em tudo. Depois de ter referido êsses fatos
o seu biógrafo acrescenta: “ É assim que o bom Padre fazia
sobressair a piedade em tôdas as lições e que todos os conhe--
cim entos lhe vinham em auxílio para fazer a criança conhe­
cer a religião, para lha fazer amar e para form ar-lhe assim
o espírito e o coração” . (V ida do P. Champagnat, por um
dos seus prim eiros discípulos — pág. 564-565).
B ibliografia — V ic chi P . C h a m p a g n a t par un ác srs prem iers disc *.
plcs, nouv. é d itio n (L y o n , 1 8 9 7 ). — M. G. lí. L a v e i l l e , Un condisciple et
cmule ãu Cure ã ’A rs, M . Champacmai (P a r is , 1 0 2 1 ). — G u i d e p e s É c o l e s ,
éd. (L y o n , 1 8 9 1 ) ; une 3e. 6(1. r e fo n d u e n p aru e u 1923 (L y o n , V i l t e ) .
j. o u v ,

— A vis, leçons, scntcncrs ãu V énírabie M. Champagnat , ex p liq u es et déve-


loppés p a r un do ses prom iers disei])les (L y o n , 18(58). — L r bon xupérieur,
d 'a p rès 1’esp rit du V é n é ra b le M . C h a m p agn a t (L y o n , 1 8 0 9 ) ; nouv. éd..
en 1924.

IX — O Venerável J. M. de Lamenais (1780-18C0)

O Padre de Lamenais fundou, na Bretanha, o Instituto


dos Irmãos da Instrução Cristã. A R evolução e as guerras
do Im pério tinham lançado duas gerações numa ignorância
profunda. O núm ero de professores era insuficiente; muitos
meninos não freqüentavam nenhuma escola. Vivam ente
sentindo êsse estado lamentável, reuniu em Saint-Brieuc
alguns m oços e êle próprio os form ou ao ensino (1817). Mais
tarde transferiu para Ploerm el a sede de seu Instituto cujo
desenvolvim ento foi m aravilhoso. Em 1827, seus Irmãos
dirigiam cinqüenta e sete escolas. O venerável fundador
teve a consolação de abrir, na Bretanha e nas províncias do
Oeste, num erosos estabelecim entos, e de enviar seus discí­
pulos às missões longínqüas das Antilhas e do Senegal para
prepararem, pela instrução cristã, a em ancipação dos negros.

Método de ensino — J. M. Lamennais teve de lutar du­


rante alguns anos com as escolas mútuas, chamadas lan-
casterianas. Tinham a vantagem de dar a educação ao
m áxim o de alunos com o m ínim o de professores. Mas negli­
genciavam propositalm ente o ensino religioso. Não se expli­
cava o catecismo, dizendo-se que “ isso com petia aos vigários” .
As sociedades estabelecidas para encorajarem êsse ensino
declaravam que “ os exercícios religiosos das classes seriam
regulados de maneira a poderem ser igualm ente praticados
em tôdas as confissões às quais as leis concedem igual pro­
teção” . Em resumo, o ensino m útuo era o precursor discreto
da escola sem D eus” . (M gr. L aveille , J. M. de Lamennais,
p. 234-235).
D e Lamennais adotou o m étodo simultâneo mútuo e
individual que m odificava, segundo as circunstâncias. “ Nosso
sistema, dizia, não é absoluto; podem os dar todos os gêneros
de lições e sob tôdas as form as: individual, simultânea e
mútua, conform e as precisões das localidades” .
Quanto ao m étodo geral, adotou o Guia das Escolas com o
código dos Irmãos docentes.

Disciplina — Queria nas classes uma boa disciplina. B


a condição da educação e a fonte de todo progresso. Mas
não admitiu jam ais os castigos aflitivos cu jo uso era corrente
na sua época. “ Nunca deveis bater em vossos alunos nem
com a mão nem com a vara” , dizia. Não recuava, entre­
tanto, ante as severidades necessárias. “ Se há m eninos in­
corrigíveis em vossa classe, escrevia, não hesiteis em des­
pedir os cabeças piores. Nesses casos, é indispensável dar
um exem plo” .

Ensino — No ensino, de Lamennais visava sobretudo à


prática. A religião, a leitura, a escrita, a ortografia, o cál­
culo, form avam o program a essencial de suas escolas; acres­
centava, às vêzes, o desenho e a agrimensura.
Sôbre vários pontos o grande educador se adiantou a
seu tempo. O seu amor pela infância e o seu desejo de m e­
lhorar as condições do povo lhe fizeram com preender que
os program as d evem ter caráter regional. Os regulamentos
de 1833 incluíam, com efeito, o grande êrro de im por a tôdas
as escolas da França o m esm o programa, “ de sorte, dizia
de Lamennais, que o filho do cam ponês de Cornuailles, des­
tinado a lavrar seu cam po durante a vida tôda, devia empa­
lidecer sôbre os mesmos livros que o do operário de M ar­
selha ou o do pequeno burguês de Orléans” . Esta uniform i­
dade tornava-se mais revoltante ainda nas escolas primárias
superiores que deveriam ter caráter nitidamente profissional.
É conform e esta idéia tão justa que resolveu adaptar
mais e mais o ensino de suas escolas à carreira provável que
o m enino devia abraçar. Nas cidade importantes, fazia dar
aos alunos lições de desenho, matemática, contabilidade e
hidrografia.
Deseiava form ar overários hábms em tôda esvécie de
ofícios. Esta idéia foi realizada em Ploerm el. Receberam aí
jovens aprendizes e, sob a direção de Irmãos especializados,
viram -se instalar forjas, fábricas de m óveis e de carruagens.
Escrevia com profunda satisfação: “ Tem os aqui, em P loer­
mel, m arceneiros, tecelões, alfaiates, serralheiros, pedreiros,
torneiros, carpinteiros de carros, etc; e ensinamos êsses di­
versos ofícios aos m eninos por remuneração m uito m ó d ic a ...
Saindo das nossas casas, os nossos jovens ganham mais do
que aquêles que fazem alhures a sua aprendizagem porque
são mais instruídos. Quereria aue me fôsse possível desen­
volver mais um trabalho tão útil” .
Outro dos seus desejos era difundir nos campos o conhe­
cim ento dos melhores m étodos de agricultura. M eio mais
prático lhe parecia a fundação de escolas de agricultura.
Se não pôde realizar essa obra, pediu aos Irmãos que intro­
duzissem em suas classes o ensino agrícola, e graças a essa
inovação, os Bretões obtiveram colheitas de solo que não
produzia senão juncos e urzes. Mais tarde, um de seus dis­
cípulos, o Rev. Irmão Abel. prosseguindo a idéia do fundador,
prom oveu, nas províncias do Noroeste, imenso m ovim ento
a favor dos campos. Suas experiências decisivas, sua pro-
paganda tão ativa quanto inteligente, ensinavam a arte de
viver com odam ente sem deixar o cantinho da terra natal.
Graças a êle, o cam ponês foi conquistado e a em igração
para as cidades diminuiu. ( M g r . L a v e i l l e , J. M. de Lam en-
nais, II, p. 624).

Formação moral e religiosa — Mas de Lamennais se


preocupava sobretudo com a form ação m oral e religiosa do
menino. Escrevia a um m inistro: “ Minhas escolas são ins­
tituídas para fazer conhecer a Jesus Cristo” . Tam bém de­
terminou que os Irmãos dedicariam um tem po considerável
ao ensino religioso, sem negligenciar, contudo, o ensino pro­
fano. “ É bom, sem dúvida, dizia, que os m eninos saibam o
que é barôm etro ou um telégrafo; mas é mais importante
ainda que com ecem a aprender as suas orações ao com eça­
rem a aprender a ler” .
Quer que os Irmãos form em os m eninos para o bem,
não somente por palavras com o por sua conduta e pelos por­
m enores da vida cotidiana. D evem tornar-se os anjos da
guarda das almas jovens.
Lem brava-lhes muitas vêzeS que seu tem po é sagrado,
que sp devem todos a Deus e aos alunos.
Em suas cartas e seus entretenimentos, insiste muitas
vêzes na excelência do educador cristão. “ Ah! se conhecêsse­
m os o valor de uma alma, longe de acharmos a aula penosa
e de nos queixarm os dos sofrim entos de nossa profissão,
estaríamos prontos a sacrificar a nossa vida a fim de conse­
guirmos para essas tenras crianças o benefício da educação
cristã” .

Êxito de sua instituição — A instituição de J. M. de La­


mennais se espalhou durante a sua vida em parte conside­
rável da França e nas colônias.

\
A s esolas de Guadalupe, da M artinica, do Senegal, da
Guiana, de São Pedro e M iquelon, produziram grande bem
nessas regiões longínqüas. A lguns de seus religiosos, pelo
ascendente que exerciam na população negra e pelo espírito
de iniciativa, prestaram os serviços mais eminentes à influ­
ência francesa.
O heroísm o do Irm ão D esidério Maria, falecido no Sene­
gal depois de quarenta anos de apostolado, im pressionou a
alma de Sarcey, e êste consagrou ao hum ilde religioso uma
crônica: “ Eis um hom em feliz, disse, porque executou o tra­
balho e êsse trabalho, pôsto que obscuro e humilde, foi bom
e abundante em fr u t o s ... Ir m orrer lá longe, depois de ter
ensinado o a, b, c a algumas dúzias de negrinhos, não era
perspectiva bem sedutora. Resignou-se, tom ou a tarefa a
sério, a peito, com o diz a gente simples; pôs tôda a alma e
consagrou tôdas as fôrças a executá-la. V iveu quarenta anos
do m esm o pensamento e do m esmo trab alh o. . . A m ou êsse
povo negro porque o instruiu;, não o teria instruído se não
o tivesse amado; não teria sido o hom em feliz que nos des­
crevem os panegiristas se não tivesse amado e instruído” .
Se tivesse conhecido todo o devotam ento dos nossos religio­
sos docentes, Sarcey teria podido escrever centenas de crô­
nicas tão com ovedoras com o essa.
À m orte de Lamennais seu Instituto dirigia 299 escolas.
Em princípios do século X X , os Irmãos da Instrução Cristã
em núm ero de 3.700 dirigiam 460 estabelecimentos, dando
educação a 75.000 meninos.
Saudemos no ilustre sacerdote bretão, um dos maiores
benfeitores da infância do século X IX . Bem m ereceu da
França e da Igreja, m elhorando a sorte das classes popu­
lares, fazendo com preender a necessidade do ensino técnico
e profissional, e trabalhando com tôda a alma na difusão do
reino de Jesus Cristo.
B ibliografia — H e r p i n , J . M . de Lamennais, xfs grandes idêes et ses
grandes oeuvres ( P l o e m e l , 1 8 9 7 ) . — M . G. R . L a v e i l l e , J. M . de Lamen­
nais ( P a r i s , 1 9 0 2 ) , 2 v o l. — B o p a r t z , La rie et les oeuvres de J. M. ãe
Lamennais ( P a r i s , s. cT.) — Institut des Frères de 1’Instrxiction chrétienne
( c o l l . Les Orclres religieitx) ( P a r i s , 1 9 2 3 ) .

X — O Padre G. J. Chaminade (1761-1850)

O P. Chaminade fundou duas congregações dedicadas


s.o ensino: as Filhas de Maria d ’A gen (1816), que abriram
escolas- gratuitas e internatos, e os Irm ãos da Sociedade de
Maria ou Marianistas (1817), que deram ensino secundário
e primário.
Seus prim eiros discípulos exerceram apostolado fecundo
junto aos m estres-escolas e Chaminade concebeu o projeto
de abrir na França numerosas escolas normais. Era uma idéia
m agnífica e sobretudo m uito oportuna. A Sociedade de
Maria tentava tal obra quatro anos antes que as circulares
de Vatimesnil, m inistro da educação pública, insistissem na
necessidade de form ar professores, oito anos antes que o re­
gulam ento assinado por Guizot (14 dez. 1832) provocasse a
criação imediata de certo núm ero de escolas normais (G.
Goyau, Chaminade, p. 45). Infelizm ente êsse grande desígnio
foi paralisado pela R evolução de 1830 e a reação anti-reli­
giosa. A s escolas norniais im provizadas sob a monarquia de
Julho deram professores m uito pouco dignos, em geral, de
sua missão, e dos quais J ou ffroy denunciava altamente a
am bição e a m eia ciência orgulhosa.
Chaminade com preendia adm iràvelm ente a necessidade
da form ação profissional. Quando lhe pediam professores
com muita insistência, respondia: “ Tenham paciência; ao
invés de nos fortificar, nós nos enfraquecem os; se empre­
garmos nossos professores form ados a metade, acabaremos
por perecer” .
A gia assim porque tinha uma idéia m uito elevada da
missão do educador. “ A adm inistração do ensino, dizia, é
verdadeiro apostolado. Tenhamos, portanto, sempre presente
ao espírito a grandeza de nossa vocação se lhe quisermos
corresponder com fidelidade” .
Para guiar os prim eiros discípulos, publicou um M étodo
que aperfeiçoou sem cessar. Considerava a aplicação do
mesmo nas escolas com o condição essencial de êxito. “ A
unidade do m étodo, dizia, é condição absoluta de futuro para
nossos estabelecim entos” . Essa obra contém suas idéias sô­
bre o ensino, a disciplina e a educação moral.

Ensino e disciplina. — Os prim eiros Marianistas, inspi­


rando-se nos verdadeiros interêsses do povo, introduziram no
ensinç felizes inovações. A o lado do program a literário e
científico, criaram um ensino com ercial e profissional. Ins­
talaram, em alguns estabelecim entos, ofícios de fazer bar­
retes, de tecelagem, de sapataria e de marcenaria.
Em suas escolas primárias introduziram os melhores
meios de apressar o progresso dos alunos: em ulação ardente,
disciplina firm e e paternal, cuidado particular da form ação
m oral e religiosa. Essas escolas tiveram êxito notável.
Chaminade considerava fundam ental a cultura dos ju í­
zos. Os juízos da criança, form ados as mais das vêzes às
pressas, indicam o capricho e a irreflexão. O hom em form a
falsos juízos por orgulho, por im paciência, por prevenção. O
professor oporá três rem édios a essas três causas:
a) Inspirará aos m eninos justa desconfiança de seus co
nhecim entos e de suas luzes; fá-los-á com preender que, se o
hom em se pode enganar, é indigno dêle perm anecer cons­
cientem ente no êrro;
b) M ostrar-lhes-á as conseqüências funestas de sei.*i
juízos precipitados, levá-los-á a vqltar-se sôbre si, e sobre­
tudo a lutar contra as paixões que são fontes de ilusões;
c) Sem lhes inspirar desconfiança que lhes seria n o­
civa, é bom pô-los em guarda contra certas opiniões popu­
lares, certas asserções, certas relações, que nos devem tornar
suspeitas a ignorância, a prevenção ou a im aginação daquele
que as faz. .
A disciplina é indispensável. E ’ preciso obtê-la pela fir­
m eza e pela discrição. A doçura unida à firm eza não lhe
diminui a energia, mas a torna mais suave, no em prêgo dos
meios que a devem levar ao fim . O tato e a discrição levam
a variar os m eios conform e a idade e o carácter de cada um.
O P. Chaminade recom enda que se castigue raras vêzes,
que se castigue com justiça e proporção e em grande espí­
rito de caridade. R eprovava certas punições aflitivas per­
mitidas em seu tem po e censurava severam ente os que as
empregavam.

Formação moral e religiosa. — Na idéia do fundador


dos Marianistas, o t ensino é m eio de espalhar os princípios
da fé. Anim a seus discípulos a gravar profundam ente nas
almas a idéia do dever. Êsse ensino m oral não se faz a hora
certa; é, por assim dizer, o exercício de tôdas as horas do
dia. Os professores aproveitarão com prudência as ocasiões
que lhes perm itirem fortificar nos alunos o desejo e o amor
do bem.
A cultura da vontade é elemento essencial da form ação
moral. A o mesm o tem po que se em pregam os m elhores
meios de fortificar essa faculdade, é preciso fazer notar ao
m enino que, se a vontade pode praticar cetras virtudes que
fazem o hom em honesto, conform e o m undo, é-lhe im pos­
sível praticar as virtudes cristãs sem os socorros do alto
e essa fôrça sobrenatural só se obtém pela oração. •
O educador terá feito pouca coisa se não tiver form ado
os alunos à prática áa vida cristã: oração, exam e de consciên­
cia, leitura espiritual, recepção freqüente dos sacramentos,
devoção à Santíssima Virgem .
É assim que Chaminade com preendia a obra da edu­
cação. Os discípulos não têm sido indignos do mestre. O
bem que têm feito, há um século, é considerável. A tual­
mente exercem o apostolado na Bélgica, Itália, Espanha,
África, ilhas Hawai, Canadá e sobretudo nos Estados Unidos
e no Japão.

B ib lio g r a fia —G. G o y a u , Chem inade (P a r is , 1 9 1 4 ). — K o u s s e a u , L e


P. G uilla um e-Josep h Cham inade , f o n ã a t e w des M a ria n istes (P a r is ,1 9 1 3 ).
— B. P . S i m b e r , Chem inade , fo n d a teu r de la S o eiété de i la r ie et de l ’ I n s .
titu t des F ilies de M a rie (P a r is , 1 9 0 1 ). — V ie de V a V b ê de La ga rã e, di-
recteu r du collège Stanislas, 2 r o l. (P a r is , 1 8 8 7 ).

X I — O Padre Luís Querbes (1793-1859)

O P. Querbes fundou, em 1831, em Vourles, perto de


Lião, a Congregação dos Clérigos de São-Viator, que teve
um desenvolvim ento rápido, na França e na Am érica. Es­
creveu para seus religiosos um D iretório onde dá excelentes
conselhos sôbre a educação. Recom enda que se ocupem da
saúde da criança, que lhe proporcionem ar puro, boa ali­
mentação, exercícios e recriações. O m estre terá, com o
dever, vigiar o asseio de cada aluno, velar pela sua atitude
e ensinar-lhe as regras mais elem entares de higiene.

O D iretório indica quatro meios para ativar os progressos


dos alunos:
1. Preparar e saber perfeita m en te o que se vai- ensinar.
Há uma preparação geral que consiste em aperfeiçoar de
contínuo os conhecim entos, e uma preparação diária indis­
pensável;
2. Não se adiantar demasiado ràpiãam entè, ter progra­
ma bem ' determ inado e bom m étodo de ensino. As lições
devem ser práticas, desembaraçadas de teorias abstratas, de
discussões e de digressões inúteis;
3. O bservar pontualm ente o horário ãa classe: sem
ordem não há íesu ltados possíveis;
4. M anter disciplina exata. A ntes prevenir que rem e­
diar. Previnem -se as faltas com a vigilância, a ordem, a
exatidão, com um ensino interessante. A s qualidades pes­
soais contribuem a m anter a ordem.
O P. Querbes dá três conselhos m uito sábios sôbre a
maneira de tornar proveitosas as punições. Proíbe rigoro­
samente os castigos corporais.

O clérigo de São V iator deve ser sobretudo hábil cate-


quista. Tôda boa explicação do catecism o encerra três par­
tes essenciais:
1. A repetição da lição precedente;
2. O desenvolvim ento de cada resposta em pregando pa­
ráfrase, a parábola, a prova, o m odêlo ou exem plo, a moral
que da mesma deve decorrer para a prática da vida; .
3. A exortação curta e viva pela qual o catequista pro­
cura com over e tornar m elhores os que o escutam. O re­
sultado do ensino do catecism o deve ser levar a criança a
viver conform e sua crença, a praticar sua fé. “A verdade
católica, diz o P. Querbes, é um conjunto de verdades a
crer, de deveres a praticar, uma maneira de pensar, de ju l­
gar, de agir, a adotar; em umà palavra, é uma vida a viver.
Se a verdade ensinada não se torna princípio de ação
entre os alunos, se não inspira, não regula, não influencia,
não m odela tôda sua conduta, o catequista com preendeu mal
ou cum priu mal seu dever; perdeu o tempo, e seus alunos,
com êle.”
' O. P. Querbes sempre considerou os cânticos com o par­
ticularm ente eficazes para estabelecer o reino de Deus nas
almas.
Tem-se dito, com razão, que o D iretório é “ uma obra-
prim a de bom senso aguçado e fino, de observação pene­
trante, de m étodo de exposição, de ordem e de clareza, de
brevidade cheia de elegante precisão” . Êsses elogios se apli­
cam m uito particularmente às páginas que o venerável fun­
dador dos clérigos de São-Viator consagrou ao ensino e à
educação. (V. P. R obert, vida de P. Luís Q uerbes, Bru­
xelas, 1922).

X II — U m gru p o de relig iosos educadores

Depois de ter falado de certo núm ero de fundadores de


Congregações votadas ao ensino, resta-nos apresentar um
grupo de admiráveis “ voluntários de Cristo” . Cada um dês-
ses Institutos m ereceria longas páginas. P or falta de es­
paço, e com v iv o pesar, só lhes podem os consagrar estas
poucas linhas.

O P. D eshayes e os Irm ãos de São Gabriel. — Já falámos


dos Irmãos do Espírito Santo fundados por G rignon de M ont-
fort. O P. G abriel Deshayes (1767-1841) se consagrou inteira­
mente à rearganização dêsse Instituto, cujos m em bros têm
h oje o nom e de Gabrielistas ou Irmãos de São Gabriel.
Êsses religiosos têm feito grande bem. Na França so­
bretudo se têm devotado à obra da educação com zêlo todo
apostólico. Seus êxitos foram brilhantes e os designaram,
assim com às outras C ongregações docentes, aos ódios estú­
pidos cuja coligação devia produzir as odiosas espoliações
de 1903.
Diversos países estrangeiros se gloriam de os ter hoje.
Dirigem nêles escolas primárias, escolas profissionais, co­
légios de ensino secundário. Têm -se ocupado de maneira
especial dos surdos-m udos e dos cegos. Em 1902, dirigiam
na França oito estabelecim entos dêste gênero em número
total de 600 alunos. Tôdas essas escolas se sustentavam pelos
próprios meios, sem margens no orçam ento do Estado, ao
passo que as duas escolas nacionais de surdos-mudos rece­
biam a soma redonda de 375.000 francos. Essa comparação
não é eloqüente?
Alguns Irmãos de São G abriel adquiriram grande re­
putação por aperfeiçoarem o ensino dos surdos-mudos com
a publicação de obras notáveis que certos países se apres­
saram em adotar e o em prego de m étodos que têm dado ex ce­
lentes resultados. (1)

O s Irm ãos do Sagrado C oração. — Os Irmãos do Sa­


grado Coração foram fundados em Lião, em 1821, pelo P.
André Coindre (1787-1825). A casa mãe foi, em seguida,
transferida para Puy. O fundador não teve tem po de aper­
feiçoar sua obra; mas legou aos discípulos, com o exem plo
das virtudes, a estima de sua nobre vocação, o amor às almas
e um desejo imenso de se devotarem à educação das crianças
do povo. O Instituto se desenvolveu com rapidez tal que,
em 1902, dirigia, na França, 150 escolas.

(1 ) B ib lk x ít ía fia — A bbé A . B la in , L M n s r it u t d es F r ò r e s de S a in t -
O a b riel (P o itie r s ,
1 8 9 7 ), — M cit. C r o s n i e r , L 'H o m m c ilc Ia P ro v id cn cc :
Gabriel Deshayes, 2 vol. (P a r i s ) .
Desde m uito tem po os Irmãos do Sagrado Coração ti­
nham fundado estabelecim entos no estrangeiro. Sua pri­
meira escola nos Estados-Unidos rem onta a 1847. Em 1872,
se estabeleceram no Canadá onde dirigem atualmente 50
casas de educação com grande satisfação das autoridades es­
colares e das famílias. Têm igualm ente escolas na Espanha
e na Bélgica.
Os Irmãos do Sagrado Coração sempre velaram com
cuidado especial pela form ação dos súditos. Com o a m aior
parte das outras Instituições de Irmãos docentes, têm publi­
cado séries de obras clássicas que atestam profundo conheci-
m énto dos m étodos de ensino e preocupação constante de
corresponder às necessidades atuais da educação. (V. O Ins­
tituto dos Irmãos do Sagrado Coração, Paris, 1923).

Irm ãos de Santa Cruz. — Êste Instituto foi fundado em


1821 pelo padre Dujarrié, em R uillé-sur-Loire (Sarth e), com
o fim principal de form ar m estres para o interior.
H oje os religiosos dessa Instituição (Padres e Irmãos)
dirigem escolas primárias, escolas com erciais e profissionais,
colégios de ensino secundário e seminários.
Seus estabelecim entos são numerosos e im portantes nos
Estados Unidos e no Canadá.

Irm ão? da D outrina Cristã de N ancy. — Foram fundados


em 1822 pelo P. dom Fréchard., beneditino, com mira em dar
às crianças do povo, mestres cristãos a fim de as instruírem
e lhes darem fortes convicções religiosas.
Êsses educadores devotado^ têm dirigido numerosas es­
colas. Foram o? prim eiros a introduzir em seus internatos
o ensino secundário especial. Np ensino prim ário foram m o­
delos que as autoridades acadêmicas propuseram mais de
Uma vez para exem plo aos mestres leigos.
Sua ação benfazeja foi brutalm ente interrom pida por
leis iníqüas. Sabem os que em tôda parte seus ex-alunos
conservam para com êles profundos sentimentos de reco­
nhecim ento e de veneração. (V. D om Fréchard, pelo P .
M arton (N ancy, 1890).

Duas Congregações belgas. — Duas In stituiçõe,, belgas


prestaram serviços notáveis à educação: os Irmãos X a v e-
rianos e os Irm ãos da Caridade de Gand.
Os prim eiros dão, com notável resultado, o ensino pri­
m ário e o secundário. Suas escolas se encontram principal­
mente na Bélgica, na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Os Irmãos da Caridade se ocupam com a educação dos
anormais e dos joven s delinqüentes, dirigem escolas prim á­
rias, cursos com erciais e profissionais. Têm estabelecim en­
tos na Bélgica, na Holanda, na Inglaterra, na Irlanda, nos
Estados Unidos, no Canadá e no Congo Belga.

X III — O Padre Monfat (1820-1898)

O P. M onfat, da Sociedade de Maria (M aristas), con­


sagrou às questões de educação quatro volumes, que juizes
excelentes consideram das obras mais notáveis da pedagogia
francesa no século X IX . O prim eiro trata dos Verdadeiros
princípios da educação. A í achamos páginas substanciosas
sôbre a excelência da missão do educador, missão que con­
siste em form ar a criança segundo o Evangelho, em edu­
cá-la segundo os desígnios da Igreja e das famílias. Êsse
trabalho exige muitas qualidades naturais e sobrenaturais,
mas apresenta as mais desejáveis condições de êxito.
A pós uma exposição luminosa dêsses princípios, o autor,
em um segundo volum e, mostra a aplicação dos mesmos à
educação. A form ação com pleta da criança deve-se ocupar,
a um tempo, do espírito, do coração e da vontade. Faz-se
pela disciplina, em ulação e sentim ento de honra, vigilância
e repressão. O alvo suprem o é, não somente fazer conhecer
aos jovens os seus deveres para com Deus, para com suas
famílias, para com seus mestres e seus condiscípulos, com o
lhos fazer amar e praticar.
Os dois últim os volum es são consagrados às matérias
de ensino: gramática, literatura, história, filosofia. O P.
M onfat pleiteia eloqüentem ente a causa das humanidades,
únicas capazes de form ar verdadeiram ente o hom em , e; em *
páginas excelentes, demonstra o valor educativo dos estudos
gramaticais e literários. Discutindo a teoria da arte pela
arte, condena-a com o de justiça: quando a m oralidade falta
em uma obra literária, esta obra é essencial e lam entàvel-
mente defeituosa. Não deixa, a propósito dos autores anti­
gos, de assinalar os perigos do paganism o na educação; êstes
perigos desaparecerão se se adm itirem os autores pagãos
com discrição e se se der uma parte ao m enos igual aos
autores cristãos. (1)

(1 ) E 111 1852, um a p olêm ica m uito viva clera-se a resp eito d os an tig os
clássicos. M ons. Gaitme, em um liv ro fa m o so , o V er m e ro ed or das socie­
dades m o d e r n a s , sustentava m ie o estudo d os au tores p a g ã o s e r a a causa
d e to d o o m al de que so fria m as socieda des m odernas, o que era p reciso
su bstitu ir a êsses m estres co rru p to re s, os clássicos cristãos.
Esta, reação era um tan to ex a g e ra d a , o nenlium c a tó lic o teria ousado
su sten tar fô ss e necessá rio ater.se un icam en te aos au tores p a g ã os. A solu ­
ção ad m itid a fo i a qu e in d ica aqui o P . M o n fa t : escolher com d iscern im en ­
to os textos dos clá ssicos p ag ã o s, e dar "Uma p a rte c o n sid e rá v el aos clássieos
cristãos.
Em nossos dias essa fa m osa «luestão não é co m p re e n d id a d e m odo
d iv e r s o ; tal 6 a con clu sã o qu e se p o d e dedu zir de discu rso recen te do P . de
!a B rière. E m um a p assagem relativa ao estud o d os clássicos p ag ã os, o
em inente eon feren eista d iz :
“ Com o p reservar a ju v e n tu d e do c o n tá g io do p ag an ism o qu and o lhe
explicam os au tores clássicos, g r e g o s e latin os, da a n tig u id a d e p a g ã ?
“ P rim eiram en te haverá a prim azia da fo r m a ç ã o m ora l e sob re n a tu ra l;
haverá tam bém o estudo dos clássicos c r i s t ã o s ...
Os capítulos que tratam do ensino da história determ i­
nam magistralm ente o valor educativo do estudo das ações
humanas. Os fatos históricos devem ser ensinados em re­
lação à fé.
E’ preciso sobretudo procurar pôr em relevo a idéia ca­
pital de que Jesus Cristo é o centro, o sol da história, que
Éle faz a unidade da mesma, e que sem Êle é im possível
com preender plenam ente as idéias de virtude e de civili­
zação.
Um adm irável estudo sôbre o ensino da filosofia coroa o
últim o volum e. Com o todos os grandes educadores, o P.
M onfat dá a êsse estudo im portância capital na form ação
da juventude: esclarece a fé, eleva o espírito até Deus, dis­
ciplina as faculdades, fortifica a vontade, assegura o pro­
gresso das ciências. E ’ preciso estudá-la com a alma tôda.
Mas somente a filosofia escolástica corresponde plenamente
a êsse ideal: é construída à im agem da natureza humana, e

“ A lé m d is«o, os clássicos p a g ã o s deverão ser cu id ad osam en te e x p u r g a ­


dos o selecion ad os. A ju v e n tu d e cristã n ã o será p o sta em co n ta cto senão
com a flo r da. literatu ra e do pensam en to an tig o.
“ M as sobretu d o o que im porta n a fo r m a ç ã o in telectu al da ju v on tu d o
não 6 ta n to e a u to r clá ssico e seu te x to g r e g o ou la tin o , com o o e sp írito
no qual o m estre o com en ta com a sua p alavra v i v a . . ’ . Os m estres «ristã os
p orã o em relevo as nu m erosas belezas lm m an as e as v erdad es ra cion a is c o n ­
tid a s nas o b ra s d os clá ssico s p a g ã o s, ftsse testem un ho da alma n atu ral­
m ente cristã, p oderá ta n to m elhor a g ir sobre a in te lig ê n cia o o co ra çã o da
ju v en tu d e, qu an to te x to s com o esses são m enos su speitos de ser serm ões
cristãos.
“ Os m estres cre n te s não d eixa rã o tam bém de not n- as desolantes la cu ­
nas d ou trin as e os g ra v es erros m orais que abundam -té entre os m elhores
clá ssicos p ag ãos. V o r -s e -a nisso m atéria p ara um a ju d ic io sa e op ortu n a
apologia, do in com p a rá vel b e n e fíc io m oral de que o m undo é d eved or ao
cristia n ism o e à Tgre.ja.
“ A ssim com p re e n d id o s e in terp reta d os, os clássicos p a g ã os são duas
vezes in stru tiv o s e fo rm a d o re s. "Realiza-se, então, a alia n ça harm oniosa
do p ensam ento a n tig o com o e sp irito c r is tã o ” . (C ita d o pelo E nsino cris­
tão, fe v e re iro , 1 9 2 5 ).
é êsse o segrêdo da sua brilhante superioridade sôbre todos
os demais sistemas; está aberta a tocios os progressos, é sus­
cetível dos mais vastos desenvolvim entos, e o seu represen­
tante mais ilustre, Santo Tom.i.s de Aquino, irradiou sôbre
todos os grandes problem as com que se ocupou, as luzes
incomparáveis do seu gênio.
O P. M onfat fala com experiência, é o cú e dá a sua obra
uma autoridade considerável. Disseram com razão que ne­
nhuma página, nenhum período, nenhuma frase, veio no s^u
dia e na sua hora colocar-se no seu m anuscrito senão de­
pois de terem sido elaborados em seu coração. Sua dou­
trina alimenta-se com a m edula do Evangelho, dos ensina­
mentos da Igreja, da experiência dos filósofos e dos pensa­
dores de todos os tempos. Tôdas essas qualidades fazem
dessa obra um guia lum inoso e seguro, uma espécie de ma­
nual de filosofia da educação que m erecia ser clássica.

B ib lio g r a fia — R - r . M o n f a t , L cs r r « > J V '»<•!><'* de 1 ’ nt n ra tio n, 2 o .


éd. p r é fa c e de M g r. L a v e ille , reetcur des F a cu lte s catlioliíjuos de L y o n
CParis, 1 0 1 9 ). — L a p ra tiq u e de 1’ éd u rn iion d ’ après‘ l c - ,v r a i s p rín cip es,
2e. éd. (P a r is . 1 8 8 9 ). — Ln p ra tiq u e de 1’ enscic/nem ent c h r é tfr n : cjramrnai-
r e e t litté r a tu r e (P a r is . 1 8 8 3 ). — 7>í p ra tiq u e ã e l ’ en scig n em cn t c h r ê tie n :
h isto ir e et p h ilo so p h ie ( P - r i s , 1 8 8 7 ).

X IV — Otto Willmann (1830-1921)

W illm ann nasceu em Lissa (Posen) cu jo nome lembra


outro educador célebre, Coménius. A pós a obtenção de suas
graduações universitárias, ensinou a pedagogia em Leipzig
e em Viena. Em 1872 foi nom eado professor de pedagogia
e de fisosofia na universidade alemã de Praga a que deu
lustre por mais de trinta anos. De 1882 1887, publicou sua
fam osa Didática, cuja ressonância foi considerável. Depois
que se retirou, até a morte, não cessou de colaborar pela
palavra e pela pena na difusão de uma pedagogia baseada
nas idéias cristãs.

Obras. -— A obra principal de W illm ann é a sua Di-


áaktik ais Bildungslehre à qual, segundo Ziller e Rein, ne­
nhuma obra do m esmo gênero é com parável. P ublicou igual­
m ente uma História do Idealismo, um curso de filosofia, edi­
ções críticas das obras de Herbart e de Wait-z, opúsculos
pedagógicos e num erosos artigos de revistas.

Idéias pedagógicas. — A pedagogia de W illm ann é ba­


seada nos princípios cristãos. Estabeleceu que a religião
vão d eve ser excluída da educação, porque faz parte do pa­
trim ônio nacional. R e p r o v a ' as escolas não confessionais.
“ As confissões, diz, são bens, não só para os crentes, com o
para as nações, porque são a her/ança dos antepassados” .
Delim ita nitidam ente os d everes do Estado em educa­
ção. Um govêrno não tem o direito de reivindicar o m ono­
pólio. A escola existia antes dêle. Não é o mestre do povo,
mas está encarregado de administrar um capital de instru­
ção que é a propriedade de cada um.
A pedagogia deve levar em conta a história. Num e­
rosos deveres prendem o hom em ao passado. O que nos
vem dos antepassados é infinitam ente respeitável: cumpre
conservar as sãs tradições e transmiti-las às gerações fu ­
turas.
A criança é educada não só para si, com o para a socie­
dade. É indispensável form á-la para a vida social fazen-
do-lhe conhecer as instituições de seu país, inculcando-lhe.
as idéias de trabalhar com tôdas as fôrças para as manter.
Sem a educação, a form ação da criança não é mais que
um esbôço. Parte desta educação se faz de maneira incons-
ciente mediante os cuidados da prim eira idade e da vida de
família. A instrução form a a inteligência; a disciplina con­
corre para a form ação do caráter. Certos estudos, com o aS
línguas, servem sobretudo para a form ação dcv espírito;
outros, enfim , com o a religião e a história contribuem para
a expansão da verdade. A lguns fatores com pletam a educa­
ção dada na escola, o estudo pessoal, a aprendizagem, a im ­
prensa, o livro, a natureza, as viagens. Cum pre acrescentar
a influência da fam ília, da Sociedade, da Igreja e do Estado.

Influência — W illm ann exerceu na educação influência


Considerável. A sua Didática ficará sendo por longos anoS
a pedra-angular da pedagogia científica: tal é a opinião dos
representantes mais autorizados da ciência da educação. Sob
seu nome, milhares de m em bros de ensino se têm agrupado
em associações e se propõem cultivar e vulgarizar as idéias
' pedagógicas do ilustre educador. Certo núm ero de revistas
inspiram-se em suas idéias profundam ente penetradas de
catolicism o e as propagam com êxito entre o pessoal docente.

Bibliografia. — W illia m , O t t o , Diãaktih ais Bilrfungslehre, 3 e . é d .


(B r a u »s c h w e % , 1 9 0 5 ) . — Gesehisdhte âes IãealismU.?, 2e. éd. (B rau nsctrw eig,
1 9 0 7 ) — Vãâagogische Vortrnge , 4 e . éd. ( L e i p z i g , 1 9 0 6 ) . — B e H o v r e , IA
Diãaelique ãe Willmann (R é v . N é o -sco la stiq u e , fé v . 1 9 0 9 ) . — Un ,R rofes.
s e u r á ’ Écnle Normalr., T í i s t n i r e de ta pêãagogie ( G e m b k m x , 1 9 1 9 ) . — •
L . H a b r ic ii, Psychologie pêdagogique apptiquêe à Vêâueation I, passim
(Lièg-e, 1 9 1 2 ) .

C A PÍTU LO V II

A EDUCAÇÃO DAS JOVENS NO SÉCULO X IX


Resumo geral — A educação das m oças não data do sé­
culo X IX . Na Idade-M édia, na Renascença, nos séculos X V II
e XVIII, as instltuxões oue dela sè ócupâvaffi êrahi nume­
rosas; numerosas tam bém eram as Congregações que se con­
sagravam a essa bela obra. Mas na França, tôdas as escolas
dirigidas por religiosas foram destruídas pela R evolução e
rã o se reergaeram senão parcialm ente durante o Im pério e
a Restauração. Em outros países, o núm ero dessas institui­
ções era insuficiente.
No século X IX , as escolas para m oças m ultiplicaram -se
por tôda a parte. Com preendeu-se m elhor que uma instrução
variada, uma boa educação, é indispensável à futura mae-
-de-fam ília a fim de prepará-la para seus deveres de dona-
-de-casa e educadora da prim eira infância.
A m edida foi até ultrapasada quando se pretendeu dar
ao h om .m e à m ulher uma instrução em tudo semelhante:
seus deveres diferem , sua educação não deve ser uniform e,
Tem -se criticado, não sem razão, a sobrecarga dos programas
cu e constrang m as jovens a um trabalho intenso e preju-
d 'c : n seu desenvolvim ento físico.
At aa1mente as estolas primárias e superiores admitem,
além do program a usual do estudos, uma iniciação em eco­
nomia dom ást.ca e em trabalhos de dona-de-casa. É preciso
notar, além disso, uma tendência a se m ultiplicarem as esco­
las profissionais: escolas de trabalhos dom ésticos, escolas
práticas de com ércio e indústria, onde se ensinam os dife­
rentes trabalhos cu e convêm às mulheres: corte, costura;
hordados, passar a ferro, desenho industrial, trabalhos de
arte, etc.
O ersin o s^^undário das joven s foi organizado pelas re-
l 'g :osas professoras. Certos países têm fundado escolas
oflcia ‘s onde se dá o curso com pleto de estudos clássicos ou
de hum an^adf^ m odera p s . Infelizm ente, nessas instituições,
a f o r - m m o r v d e rel;g'osa é freqüentem ente negligen­
ciada; algumas vêzes até seu f’ m declarado é arrastar as
jovens à incredulidade.

CAH ]
Há século e m eio tem-se dado às mulheres até acesso
às universidades. Seguem cursos de medicina, direito, letras,
filosofia, ciências. Temos a m ulher advogada, a mulher m é­
dica, doutoras em letras e em filosofia, substitutas. Em
geral, o resultado não tem sido satisfatório. P or algumas
mulheres que têm feito estudos sérios ou têm conseguido
criar situação honrosa e respeitável, é considerável o núm ero
das desclassificadas que tal aumento de instrução sem con-
trapêso m oral e religioso, tem atirado às ruas das grandes
cidades. O fem inism o exagerado não tem deixado de pro­
vocar perturbações na família. Essa cultura superior só
produzirá felizes resultados quando dirigida para o aperfei­
çoam ento m oral e consolidação do caráter.
Entre as influências que se têm exercido sôbre a educa­
ção das moças distinguirem os as das escritoras pedagógicas
e das religiões professoras.

I — A escritoras pedagógicas

Várias mulheres distintas do século X I X escreveram


obras sôbre a educação das donzelas. A sua experiência e
a sua sensibilidade lhes têm inspirado páginas verdadeira­
mente novas sôbre essa questão e os seus conselhos são sem­
pre de atualidade.

Mme. Campan (1752-1832) (1) deixou livro importante


intitulado A Educação. As idéias novas não são abundantes;
mas a autora insiste em alguns pontos muito negligenciados,

(1 ) C am areira de M aria A n to n ie ta . E m 1794, ab riu cm S am t-G er-


m ain um in tern ato que se torn ou célebre. E m 1307, N a p oleã o a nom eou
d iretora da. casa das J o v en s da Lrçiião de honra, cm liem ttn . N essas duas
casas M m e. C anipon reprod u ziu tu d o qu anto o reg u lam en to de S ain t.C y r
en cerrava de ú til e de p r á tic o ; especialm en te se in spirou no seu e s p írito :
ed ucar m ulheres que íô sse m capazes de educar os filh os.
entre outros, a educação fam ilial. “ Não há internato, por
mais bem dirigido que seja; não há convento, qualquer que
seja a sua piedosa regra, diz com razão, que possam dar
educação com parável à que uma jov em aufere da mãe quan­
do recebe instrução” .
A instrução que deseja para as joven s é m uito séria e
com preende: religião, história, geografia, aritmética, ciên­
cias, geografia e línguas vivas.
“ Ver-se-á sempre, diz, que são as jovens mais superfi­
ciais, menos instruídas, mais entediadas as que se lançam à
torrente dos prazeres” . Fénelon não teria falado melhor.

Mme. de Rémusat (1780-1821) m orreu antes de haver


concluído sua obra A educação das m ulheres. A idéia prin­
cipal dêsse livro é que a jovem , destinada a ser espôsa e
mãe, deve receber educação séria. Precisa de princípios- ca­
pazes de dirigir-lhe a vida inteira; im porta inculcar-lhe
sobretudo o am or do dever.
Proclam a que a religião é o com plem ento de tôda edu->
cação. “ Os m éritos espirituais são superiores à beleza, à
riqueza, ao nascim ento; constituem a verdadeira distinção
do homem , sua riqueza mais certa. Com eçam a im ortalida­
de; o resto perece a cada passo” .
Miss Hamilton (1757-1816) publicou, em 1801, suas Car­
tas sôbre os princípios elem entares da educação. Dem ons­
tra que a educação é uma necessidade “ para subm eter as
paixões, dirigir os afetos e cultivar as faculdades comuns
a tôda a raça hum ana” . Para ela tam bém a form ação m oral
e religiosa é indispensável com plem ento da cultura do es­
pírito.

Miss Edgeworth (1770-1849) deixou Ensaios sôbre a edu­


cação prática (Essays on practical education) que não são
sem mérito. .
No capítulo consagrado aos brinquedos, pede que sejam
escolhidos com discernim ento, porque exercitam “ os sentidos
e a imaginação, as faculdades imitativas e inventivas” . A
instrução deve ser atraente, mas sem se tornar um diverti­
mento. Se se faz da instrução um jôgo, associa-se ao seu
objeto uma idéia fictícia de pesar: uma e outra retardam
o progresso da inteligência. Fixar a atenção do aluno, tal
deve ser o prim eiro cuidado de quem ensina. Os capítulos
sôbre o caráter, a obediência, as punições e a recompensa,
contêm excelentes idéias e judiciosas apreciações.
O tradutor de Miss Edgew orth, Charles Pictet, deu, em
algumas linhas, uma apreciação m uito justa dos Ensaios:
“ A obra sugere grande núm ero de idéias, faz refletir, dá
excelentes lições. É, em conjunto, uma produção admirável,
quer pelo objeto particular, quer com o obra de filosofia
moral. É a prim eira vez que a educação experim ental é
apresentada e desenvolvida. A autora abriu um caminho no
qual os bons espíritos, os observadores prudentes, poderão
dar passos úteis à hum anidade” .

Mme. de Genlis (1746-1830) é a autora de um volum e


intitulado Cartas sôbre a ed u caçãot ou A ãélia e Teodora.
Tem-se dito que era “ mais que uma m ulher autora; era uma
m ulher que ensinava, tinha nascido m arcada com sinal na
fron te” . ( S a i n t e - B e u v e ) . D e fato, desde a sua juventude,
brincava de ensinar os meninos de sua aldeia. Mais tarde
foi encarregada de educar os filhos do duque de Chartres,
um dos quais devia ser o rei Luís Felipe.
À s vêzes deriva de Rousseau. Com o êle, tem tendências
a criar um m eio artficial que não é o da vida real nem po­
deria preparar para ela. Seu program a de estudos é m uito
extenso. Parece querer fazer do aluno “ um poço de ciência” :
línguas mortas, línguas vivas, ciências, artes, tudo deverá
saber.
Sua idéia de introduzir as línguas m odernas na instru­
ção da prim eira idade e de ensinar — pela prática— é muito
acertada.
Mme. de Genlis com preendeu a im portância do ensino
pela vista e dêle se serviu com proveito. Seus livros sôbre
a educação têm o m érito de terem sido vividos antes de
serem escritos.

Mme. Guizot (1773-1827) deixou dois volum es de m érito


considerável: As Cartas de família e a Educação doméstica.
“ O prim eiro encerra, diz Sinte-Beuve, as mais belas páginas
morais, as mais sinceras e mais convictas que as doutrinas
do racionalism o espiritualista têm inspirado à filosofia de
nossa época” . Nêles trata da educação m oral com grande
largueza de vistas. Tom a por ponto de partida as faculdades
do aluno, de que faz uma análise delicada e profunda.
A educação dom éstica reúne certo núm ero de ensaios.
Mme. Guizot recom enda que se consigam a obediência e a
submissão sempre respeitando a personalidade da criança.
Reprova os sistemas de educação em que só se trata de corri­
gir e punir. O seu program a de estudos denota um espírito
de bom -senso e de medida. “ Uma m ulher, diz, tem menos
necessidade de saber Aiuito do que de ser capaz de c o m ­
preender o que interessa ao mundo. A história, a geografia,
algumas noções de história natural, a literatura, uma língua
estrangeira, a música, o desenho, eis as exigências ordinárias
da situação das mulheres. Mas se o círculo de seus estudos
não é muito vasto, os estudos devem ser sérios. Nada é mais
perigoso para elas do que essa m eia-ciência a que as expõe
a natureza de seu espírito, mais pronto do que exato e mais
penetrante que conseqüente” .
A idéia de Deus deve dom inar tôda a educação. ‘‘Falai
m uito de Deus a vossas jovens, diz, mas que esta idéia seja
para seu espírito uma m ola que o extenda, não uma cadeia
aue o com prim a. Há necessàriamente uma lacuna em tôda
m oral form ada independentem ente das idéias religiosas” .

Mme. Neker de Saussure dá, na Educação Progressiva, .


um program a especial de educação para as meninas. O estu­
do propriam ente dito deve ocupá-las quatro horas por dia.
O resto do tem po será consagrado às belas-artes, aos ex er­
cícios físicos, às reuniões de família, aos deveres religiosos.
A cha acanhado o program a de Rousseau; pensa que a
m ulher não se pode contentar com ser instruída para si; há
um ofício que é feito para ela: o de mestra. E, a título e x ­
cepcional. P or que não seria até em pregada com o operária
do vasto cam po da ciência?
O seu plano de estudos é fundado, no valor educativo
das matérias ensinadas. Recom enda, portanto, os estudos
mais próprios para desenvolver o juízo, o raciocínio, o senti­
m ento, a im aginação e, afinal, a inteligência tôda. Coloca,
em prim eiro lugar, a religião, “ a alma da existência tôda” ;
depois, as ciências exatas e as ciências experim entais, capa­
zes de darem ao espírito grande solidez; a história, que se
dirige à im aginação, mas que é “ uma instrução para a alma
e para o coração” , a geografia, que se dirige à imaginação
pitoresca; as línguas e a literatura, que são “ o verdadeiro
instrumento da educação intelectual” .
Uma boa saúde é indispensável para fazer bons estudos.
Mme. de Saussure proclam a a educação física. A inércia,
a im obilidade têm, para as jovens, efeitos deploráveis. Não
gosta nada dêsses passeios em que é de regra caminhar com -
passadamente, conservar-se bem de prum o, velar sôbre a
atitude e falar m uito baixo. Nessas condições, a circulação
não é bastante ativa. Term inando, exorta os pais a destinar
ao menos uma hora e meia de cada dia aos meios de desen­
volver as fôrças físicas das meninas.
Mons. Dupanloup — O Bispo de Orléans escreveu belas
páginas, sôbre a educação das mulheres. Os volum es que
consagrou a essa questão, acham-se em germ e no delicioso
escrito que termina o terceiro volum e da A lta Educação:
alguns conselhos às m ulheres cristãs sôbre o trabalho inte­
lectual aue lhes convém . N êle assinala prim eiram ente os
perigos da ociosidade intelectual das mulheres, um dos m e­
nores males dos quais é ser “ a causa dêsse tédio profundo
que pesa sô^re elas, dessa insipidez de espírito, dessa moleza
de alma e de caráter que são dissolventes m uito perigosos” .
O estudo é ben fazejo: dá hábitos de ordem, previne muitos
sofrim entos e tristezas e ajuda a suportá-los; faz esquecer
as d''f''culdades cotidianas, enfim pode conjurar graves peri­
gos. O estudo é sem pre possível: com um pouco de ordem,
conseguem -se fàcilm ente alguns minutos, até algumas horas
cadà dia.

Mons. Dupanloup propõe-se form ar, não m ulheres sábias,


mas m ulheres-judiciosas, aplicadas, instruídas em tudo quan­
to é necessário saber. O seu program a é amplo. Não quer
para as m ulheres “ especializações rigorosas” , nem “ exclu-
sões absurdas” ; deixa-as de boa vontade seguirem as apti­
dões reais e os gostos refletidos.
O prim eiro estudo que se im põe é o da religião. A m u­
lher estuda não só para si, com o para as almas que lhe são
cor.fiadas.
O grande bispo teve que sustentar forte oposição dos
que queriam fundar para as joven s um ensino neutro na
universidade (1).

(1 ) P o r c irr u lo r de 26 de ou tu b ro d o 1867, D tiru y c r i ir a um ensino


p ú b lic o para ns .jovens de 14 a 18 anos. C o n fia r a êsse cu rso n ão a m u lh e ­
res, m as a p ro fe sso re s da un iversidade.
M m ? . D u n a n lo r r w o fr s t o u , n ã o co n tra o fa t o em si, p ois que era m ais
d o quo n in g u ém p a r tid á r io d o ensino secu n d á rio d as jo v e n s, m as con tra o
É conveniente que uma m ulhep saiba os elementos do
latim, aíim de os poder ensinar aos filhos. Êsse conheci­
m ento lhes perm itira ler, no próprio texto, o Evangelho, a
Imitação, e acompanhar os ofícios na língua da Igreja. O
program a de literatura que propõe, com preende soüretudo
os grandes escritores do século X V II. Estudar-se-ão as lín­
guas vivas a fim de se estar habilitado a ler o que há de
m elhor nas literaturas estrangeiras. A história é um estudo
tão sólido quanto atraente, um precioso recurso contra a
literatura fútil e perigosa. A filosofia é o com plem ento de
tôda educação; dá ao espírito mais elevação, amplitude e
solidez. Êsse estudo bem dirigido preservaria a m ulher de
dois perigos: leviandade que faz com que se recue deante
dos assuntos sérios e todo orgulho que se pavoneia por ter
sabido abordá-los. É necessário às m ulheres estarem ao cor­
rente das questões de direito usual para a boa direção de
seus negócios. A estética contribuirá para a form ação de seu
gôsto. Pintura, desenho, música, tapeçarias, trabalhos de
agulha, são agradáveis ocupações: dão expansão às mais
ricas faculdades, nutrem o am or do belo, a sêde de ideal,

modo e o espírito dêsse ensino. Em uma Carta, mostrava o inconveniente


e os perigos da educação das jovens tal q u ’ l o pretendiam fu n da r; na prá­
tica, êsse projeto lhe parecia irrealizávcl sob o tríplice ponto de vista da
religião, da moral e do lar doméstico.
O ministro não vira, sem dúvida, as conseqüências do a to ; talvez até
agisse de boa fé. Mas os elogios que lhe prodigalizavam as fôllias .........
mostravam, sem dúvida alguma, o perigo dêsse novo modo de ensino. “ Para
vencer o inim igo que faz obstáculo a todo progresso, dizia o Siccle, não há
senão um m eio: instruir as mulheres para que instruam as filhas e dêem
origem a livres-pem adoras” . O Trmps confessava que “ a circular tinha
por si tirar definitivam ente a direção dos espíritos à igreja e consumar a
seculariz-ção das inteligências” . O empreendimento do ministro não teve
resultado. Mas a conveniência do protesto de Mons. Dupanloup tornou-se
mais evidente quando documentos numerosos lhe revelaram os progressos da
escola sem Deus, a existência da Liga ão Ensino e o materialismo de certos
grandes colégios.
sustentam o vôo da alma para a beleza suprema. Um conhe­
cim ento conciso e preciso de ciências físicas e naturais lhes
é igualm ente necessário: não é perm itido ficar indiferente
ao que m odifica tão profundam ente as condições materiais
da vida, às descobertas e aplicações da ciência. Enfim, de­
verão adquirir noções de econom ia dom éstica e social. Êsses
estudos são bastante interessantes para uma m ulher que a
caridade põe em contato com as classes pobres e operárias.

Bibliografia. — E o u s s e lo t, H is lo ir e ãe 1’éãu cation â es fe m m e s ãe


F ra n ec. I I . — • M m e . C a m p a n , B e VÊd-ucation, 3 v ol. (P a r is , 1 8 2 8 ). —
M m e . D e R é m u s a t , E ssa i sur 1’ éãucation âes fe m m e s (P a r is , 1 8 2 1 ). —
M is s H a m ilto n , L e ttres sur les p ríncipes ãe 1’ éãtieation, tra d . fr a n ç a is e
p ar L . C. C ii é k o n . 2 vol. (P a r is , 1 8 0 4 ). — M is s E d g e w o r t h , E s s a y s on
prartical eãu cation , tra d . p a r P i c t e t (P a r is , 1 8 0 1 ). — M m e . d e G e n l i s .
L e ttr e s sur l ’É ãu cation ãom estiqu e, fie. éd. 2 vol. (P a r is , 1 8 8 1 ). -— M m e .
N eck er de S a tis s u r e , L ’ éãueation P rogressive. — M gr. D u p a n lo u p , La
H a u te É ã ucation, v ol. I I . — La F e m m e S tuãieu se, 3e. ed. (P a r is , 1 8 7 5 ). —
D r u o n , U isto ir e ãe 1’ éãucation ães p rinces ãe la M a iso n ã es B o u rb o n s ãe
F ra n ce, I I (P a r is , L e th ie lle u x ).

II — As Religiosas docentes

No A ntigo Regim e, com o verificám os, núm ero conside­


rável de religiosas de diversas ordens se consagravam à edu­
cação. A R evolução fêz desaparecer as mestras e as escolas.
Mas logo que a torm enta se acalmou, as com unidades tor­
naram a form ar-se e prosseguiram sua obra mais necessária
então do que nunca: Agostinhas de Nossa-Senhora, Irmãs
de Nossa Senhora, Filhas da Caridade, Ursulinas, Visitandi-
nas, Irmãs da Sagesse, Irmãs de São-José com suas múltiplas
ram ificações, etc., trataram com zêlo adm irável de reerguer
as ruínas acumuladas durante o período revolucionário.
ê
Novas congregações foram fundadas para colaborar na m es­
ma obra. Irmãs da Apresentação de Maria, Senhoras do
Sagrado Coração, Irmãs de Nossa Senhora de Namur, Irmãs
de São José de Cluny, Franciscanas, Dominicanas, Filhas da
Cruz, etc., abriram escolas na França, nas colônias e em
diversos países. Freqüentem ente só recebiam vencim entos
irrisórios; em quase todos seus estabelecim entos instruíam
gratuitamente numerosas alunas, alim entavam e vestiam as
indigentes; às vêzes até mantinham a escola à sua custa.
Seu amor pelo povo e seu espírito de iniciativa lhes
inspiraram a criação de m ultidão de obras que correspon­
diam às necessidades dos tem pos ou das localidades. Foram
elas que organizaram o ensino com pleto das jovens, foram
as primeiras a fundar as salas de asilo, (1) casas de trabalho,
escolas de serviços domésticos, obras de aprendizagem de
diversas espécies. Os serviços que prestaram à educação são
incalculáveis; entretanto, os historiadores da pedagogia não
se dignaram sequer de as mencionar.
A França, que era o país de origem da m aior parte dessas
Congregações, a França que representavam tão dignamente
em tôdas as partes do mundo, não respeitou mais as suas
obras do que as dos religiosos. À queles que a haviam ser-

(1 ) Cumpre salientar o zêlo de Mme. de Pastorel e de M. Denis


Cochiii pela criação de casas de asilo em Paris. A maior parte das cidades
da França seguiram o exemplo da capital. A muito grande maioria cie
pessoal destas escolas pertencia às religiosas docentes’ Algumas dt'=sas
religiosas se distinguiram a ponto de merecerem elogios de um mundo o f i ­
cial que não se mostrava pródigo a seu respeito.
Falam os acima (pg. 489) de Mme. Pape Carppntier. M. líuis-on. cm
seu D icionário de Pedagogia, cita, a Irm ã Maria como êmula e rival de
Mme. Carpentier. Essa religiosa da Companhia das Filhas da Caridade
organizou com êxito o ensino da primeira infância. Escreveu um Manual
das salas de a ilo, que se fêz notar, e prestou preciosos serviços em tôdas
as escolas maternais. H o je ainda os jardins-da-infância, que tomaram o
lugar das salas de asilo, aí ach ariam engenhosas lições.
vido tão bem prodigalizou a calúnia, a perseguição, as espo­
liações, o exílio, porque se ocupam antes de tudo da alma
das meninas. Sofreram èsses ultrajes orando pelos persegui­
dores. Nos países oue as receberam , não cessam da fazer
amar e bendizer a França.
Escolhem os para as apresentar aqui, entre tantas outras
de m érito eminente, duas fundadoras oue a Igreja colocou
sôbre os altares: a bem -aventurada Júlia B illiart e Santa
Madalena Sofia Barat.

I — A Bem-aventurada Júlia B lliaít (1751-1816)

Júlia Billiart, nascida em Cuvilly, na Picardia, fundou,


em 1804, a Congregação das Irmãs de Nossa Senhora, cuja
sede foi estabelecida em Namur. Sua instituição tem pros­
perado de maneira admirável. A tualm ente estas relig:osas
têm instituições na Bélgica, Inglaterra, Escócia, Estados Uni­
dos, Congo Belga e Á frica do Sul. M inistram o ensino em
todos os graus: Froeboliano, prim ário, m édio e superior.
Suas casas de estudos superiores de W ashington (Trinity
College) e de Boston servem de escola norm al superior a
certo núm ero de Institutos de religiosas e professoras.

Idéias gerais — A Bem -aventurada considera a educação


com o a mais im portante das tarefas. Escrevia a suas filhas:
“'Quando vos v e jo ocupadas em vosso trabalho, m e pareceis
maiores que todos os potentados do-m u n d o. Seria preciso
ser Deus para com preender a grandeza da tarefa que nos
é confiada” .
Tal empresa requer uma preparação séria. Apesar da
penúria das escolas, apesar da ignorância em que viviam as
filhas do povo, não confiava o cuidado de dar aulas senão
a religiosas bem form adas. Fazeis mais, escreveu a uma su­
periora, em form ar uma Irmã ou duas do que se tivésseis
cem internatos” .
Lem ora muitas vêzes que o bem se opera pelo sofri­
m ento, renúncia e dom de si próprio. “ Para fazer algum
bem, diz, é preciso que vossas obras sejám marcadas ao sêlo
da cruz” .
A educação é uma obra de fé e de piedade. A professora
deve estar aim ada de virtudes sólidas: fôrça d ’alma, fir­
meza de caráter temperada pela doçura, bondade e paciência.
E ’ preciso sobretudo uma grande exatidão em todos os de­
veres de estado. “ Uma educadora deve servir de m odêlo às
alunas de que está encarregada; é necessário que, ao vê-la,
se sintam levadas à virtude” .

Educação física. — A Bem -aventurada se preocupa viva­


mente com a saúde das meninas. Recom enda que se lhes dê
alimentação sã e bem preparadà; que lhes proporcionem
exercícios e divertim entos conform e as precisões de sua
idade. A cultura de flores lhe parece das m elhores ocupa­
ções recreativas a dar às meninas. Êsse passatempo alter­
na íelizm nte, ass^m com o as rondas alegres, os jog os m ovi­
mentados, os passeios ao campo, com o traüaiuo serio das
aulas. „

Educação intelectual. — Nos prim eiros anos de sua fun-


aação, as irm ãs ae Nossa Senhora seguiram um program a
conform e às necessidades da época e das localidades. A lei
mandava ensinar leitura, escrita, elem entos da m oral repu­
blicana e, para as jovens, trabalhos manuais. A M adre B il­
liart substitui a m oral republicana pela religião e a m oral
cristãs. Ela acrescenta, conform e as necessidades locais, al­
gumas matérias suplementares. A fundação das classes su­
periores m odificou os programas. O curso de estudos com ­
preendeu: religião, história sagrada, história da Igreja, geo­
grafia, noções de astronomia, línguas estrangeiras, desenho,
m ús:ca e trabalhos de agulha. A êsse respeito a Bem -aven­
turada adintou-se m uito .à sua época. Testemunhos de an­
tigas alunas asseguram que a graduação dos estudos estava
perfeitam ente organizada, “ e se os conhecim entos a adqui­
rir não tinham a amplidão que têm agora, não cediam em
rada à nstruçãoi m oderna quanto à profundeza e solidez.
SaMa-se menos, mas sabia-se m elhor; as mestras form avam
antes a m ulher inteligente do que a m ulher sábia” .

Educação moral. — Fundando escolas, a Bém-aventurada


se propunha sobretudo fazer a educação m oral e religiosa
das meninas. “ Sem religião, dizia, não há no m undo ver­
dadeira felicidade” . Recom endava às mestras que prepa­
rassem cuidadosam ente as aulas, que repetissem constante­
mente os deveres essenciais da vida cristã e certos pontos
de doutrina: a bondade de Deus, o am or de Jesus Cristo aos
homens, a enorm idade do pecado, as disposições necessárias
para receber bem os sacramentos. A piedade das meninas
devia ser esclarecida; não entende form ar “ beatinhas” , mas
sim boas cristãs, pessoas úteis à sociedade, almas grandes,
capazes de perseverarem no bem. Essa piedade verdadeira
tem por bases a m ortificação e o sacrifício, o desprêzo do
m undo e de suas máximas, a abnegação e a caridade.
•As professoras deverão estar persuadidas de que a for­
mação exige longa paciência. “ Lem brai-vos, diz a madre
Billiart, de que o m elhor é inim igo do bem ” , ou ainda:
“ Se se fôsse exigir demasiado de certas almas, estragar-se-ia
tudo. Nunca as coisas exageradas tiveram bom êxito para
ninguém ” . Recom enda vigilância contínua e benevolente. Só
severa neste ponto. A vigilância deve extender-se às leitu­
ras; em sua opinião os rom ances e outras obras de im agi­
nação devem ser interditos às alunas” . A s meninas, diz, não
tiram delas senão paixão desordenada por essa espécie de
narrações e grande desgosto de tudo o que é razoável e tenha
m ínim o de seriedade.

Bibliografia. - - M . H a lo a n t, T.m l<V'rx pfãaiiopUinrs ilr la B icnh ru-


reuse M r rc .T u lif, B i i .i .i a ü t (« ill. L es I<lrrs pM aflofiiquex (P a r is , L e-
t h ic llc u x ). Ê s fe liv r o e o n tím um a a b u n d a n te b ib lio g r a fia .

II — Santa Madalena Sofia Barat (1779-1865)

Santa Madalena Sofia Barat foi a fundadora e a pri­


m eira superiora da Sociedade do Sagrado Coração, h oje es­
palhada pelo m undo inteiro. Fundando êsse Instituto se pro­
pôs “ preparar para a Sociedade, mediante a educação, jo ­
vens e mães verdadeiram ente cristãs, mulheres cu jo espí­
rito cultivado por instrução adaptada a seU sexo, pudessem
elevar-se acima dos preconceitos e da frivolidade do mundo,
e que, segundo sua classe, dessem o exem plo das virtudes
sólidas..” Êsse resumo nos m ostrá a idéia m uito elevada que
madre Barat fazia da educação.
Idé 'as gerais. — A educação deve ser sobrenatural: é
preciso ganhar o coração das meninas a fim de as dar a Jesus
Cristo. A s religiosas educadoras são os instrumentos da m i­
sericórdia divina para com as almas. Assim encarada, a edu­
cação é um sacerdócio.
A educação deve ser sólida. Solidez na form ação reli­
giosa inspirando às alunas uma piedade sólida, esclarecida,
que firm e a fé e leve à observância dos deveres de estado.
Solidez na instrução, fazendo aprender o que mais importa
saber para dar ao espírito cultura séria; preparando a jovem
para os seus deveres de espôsa e de mãe, desenvolvendo nela
todas as qualidades da m ulher forte tão louvada na Sagrada
Escritura.
Para cum prir essa missão são necessárias educadoras
em inentes em ciências e na virtude. Serão instruídas a fim
de instruir as outras, mas não cairão jam ais no ridículo das
mulheres sábias. Possuirão o espírito de Jesus Cristo a fim
de o difundirem pelas almas jovens; serão santas a fim de
santificarem o próxim o. Am arão ternamente as meninas;
êsse amor não terá nada de austero, mas nada de frou xo:
“ sêde abnegadas em tôda inclinação, até quanto às meninas
que vos forem confiadas, diz, não tendo em vista senão o
am or de Deus e o desejo de atrair a Êle êsses joven s co­
rações” .

Educação física. — Mme. Barat se ocupava com m uito


cuidado da educação física das jovens: alimentação, vestuá­
rio, alojam ento, nada lhe parecia de pouca importância.
“ Nunca econom izeis na alim entação” , dizia a uma superiora.
Escrevia ainda: R ecom endo sobretudo que haja excesso
antes no m uito do que no m uito pouco, porque respondem os
pelos corpos tanto quanto pelas almas” . Seu biógrafo nos
diz que quando as mestras faltavam nesse ponto, ela se en-
colerizava; era então a leoa que defende os leõezinhos e in­
fligia às irm ãs penalidades severas por êsse gênero de faltas,
sempre graves a se-us olhos (Mons. B a u n a r d , a B em -aven ­
turada M adre Barat, I, p. 438).

Educação intelectual. — Uma das grandes preocupações


de Mme. Barat foi a form ação pedagógica das professoras.
Procurava tudo quanto podia m elhorar os m étodos de ensino.
“ Prendem -se demasiadamente à rotina pelo tem or de inovar,
dizia; é fraqueza do espírito” . Queria que o plano de estudos
estivesse sempre em relação com as necessidades da época.
A o saírem do noviciado, suas religiosas passavam por uma
espécie de escola normal para com pletarem os estudos e se
iniciarem nos m étodos de ensino. Mais tarde, o Instituto
criou um Conselho de Estudos e uma espécie de escola nor­
m al superior para a preparação do professorado das classes
superiores.
A madre Barat, que era m uito instruída, dava aos es­
tudos extrem a importância. Am ava e procurava fazer amar
a literatura porque engrandece as almas, as faz viver num
m undo purificado, as desprende da m atéria e as eleva até
Deus. A história tinha também suas predileções por causa
ao seu valor educativo: “ V endo os im périos que se sucedem
e desaparecem, as alunas, aprenderão a pairar alto acima
dos próprios -cuidados” .

Educação moral e religiosa. — O principal caráter da


educação dada no Sagrado Coração, com o vim os, é ser sobre­
natural. Já a idéia de fazer reinar Deus na alma das crian­
ças transform a a classe num santuário onde se está, por assim
dizer, en volvido na presença divina.
A base de tôda educação moral é uma sólida instrução
religiosa. “ Neste século de pouca fé e de indiferença, disse
às filhas, é preciso firm ar as crianças nos princípios, im pres­
sioná-las pela exposição das verdades da religião, insistir na
brevidade da vida, nas duas eternidades, na vaidade das
coisas dêste m undo” .
Não im porta menos fazer guerra aos defeitos, principal­
mente ao orgulho sob tôdas suas form as: orgulho do nasci­
mento, da riqueza, dos talentos, dos conhecim entos. Madre
Barat proscrevia dos internatos tudo quanto pode dissipar e
perturbar: toiletes mundanas, representações. Queria no
vestuário a m aior simplicidade, mas exigia cuidado parti­
cular no exterior e um traje sempre digno.
Considerava a vigilância com o virtude capital das edu­
cadoras. Recom endava um controle severo sôbre as saídas,
as visitas, a escolha de professoras estranhas, a música e os
livros.
Unia sempre a firmeza à doçura, e se m ostrava im pla­
cável contra o vício; desde que uma menina fôsse perigosa,
não tinha sossêgo enquanto não fôsse afastada.
Mas para si o grande m eio de educacão m oral era a prá­
tica dos deveres religiosos. E’ preciso dar às crianças uma
piedade sincera, alimentada pelos exercícios da vida cristã:
meditação, exam e de consciência, leitura espiritual, visitas
ao Santíssimo Sacramento, devoção à Santíssima Virgem , e
sobretudo recepção freqüente dos sacramentos.
Chegar a fazer amar e praticar o dever. t=>l é o nMetivo
final da educacão. E ’ essa a idéia de M adre Barat. Escrevia
a uma superiora: “ Cultivai vossas aludas: fazei- delas m u­
lheres anegadas a seus deveres. Acreditai aue não obtere­
mos senão resultados m edíocres se nos contentamos com me- \

díocres virtudes” .
Os estudos pedagógicos estão em aorêco nas casas das
Damas do Saerado Coração, com o provam, em particular, as
o V a s notáveis publicadas por duas delas: Mme. Janet
Erskme Stuart e Mme. Maria Galli.
M me. Stuart escreveu um belíssim o livro sô^re a Fdu-
cacão áas joven s católicas. Encontram -se nêle conselhos
m uito iudiciosos sôbre o ensino religioso, o caráter e a
form ação m oral, as maneiras e a polidez, as lições e os-iogos,
o ensino da matemática, das ciências físicas, da história e
da filosofia. O último capítulo é consagrado à educação su­
perior das mulheres.
As direções dadas nessa obra são amadurecidas por longa
experiência no ensino, na form ação das professoras e no go-
vêrno de uma Congregação dedicada exclusivam ente à edu­
cação de jovens.
Publicada prim eiro em inglês, foi traduzida para várias
línguas. O prefácio da edição francesa indica-lhe exatamente
o espírito: “ A autora coloca-se em terreno francam ente ca­
tólico no com êço e no fim de seu trabalho, bem com o ainda
nas suas grandes linhas.
— Cremos, com efeito, que, seja em educação, seja mais
tarde no governo de si, é êrro separar o natural do sobre­
natural. Êsse sistema é contrário à própria natureza da
menina que é católica inteiramente, e em todo instante. Sua
alma, iluminada pela fé e fecundada pela graça, necessita de
se desenvolver pela gráca e pela fé, e essas duas fôrças de­
vem ser alimentadas e vivificadas nela durante todo o curso
de sua educação” .

Bibliografia. — M gr, B a u n a r d , L a B icn h eitreu re M èr e B a ra t, I, p.


438. — M gr. B a u n ard, H is to ir e de la B ien h eu reu se M . S. B a ra t, 7 e . é d .,
i n - 1 2 , 2 vol. (P a r is , 1 9 1 0 ) . — J a n e t E r s k i n e S t u a r t , L ’ éd u ca tion ã es
je u n e s fiV e s ca th o h q u es (P a r is , 1 9 1 4 ) . — M m ? . M a r i a 6 \ l l i . L ’ I;- 1 rvH n ne
e 1’e ã u ca zio n e relig io s a ã el fa n c it fl o ( M i l a n , 1 9 2 1 ) . — L ’ A n tie o e il M o.
d e m o n ell'e â u ca g io n e dei f i g l i ( M i l a n , 1 9 2 1 ) . — G . d e G r a n d m a i s o n , La
B s e. M èr e B a ra t (P a r is , G a b a l d a ) .
CONCLUSÃO

Chegando ao têrm o dêste lon go estudo, resta-nos apre­


sentar, sob form a de conclusão, algumas considerações im ­
portantes que se desprendem do exam e atento das institui­
ções escolares e das doutrinas pedagógicas.

1. Importância da educação. — Observam os prim eira­


mente que em todos os povos e em tôdas as épocas, a edu­
cação é o objeto de vivas preocupações. Quanto mais evolui
a civilização, tanto mais im portante se torna êsse problem a.
Em nossos dias, a form ação intelectual e m oral do m enino
é a tarefa das tarefas. “ Form ar o espírito e o coração do
m enino pelo ensino, diz Bento X V , é obra tal que nenhuma
outra nos parece ser de m aior interêsse para a sociedade
humana” .
De que se trata, com efeito? De preparar o m enino para
a vida terrestre e para a vida eterna, de lhe fazer conhecer
os deveres para com Deus, para com a sociedade, para com
a família, para consigo, de desenvolver-lhe as forças psíqui­
cas, enriquecer-lhe o espírito, disciplinar-lhe a imaginação,
dar a suas faculdades racionais -tôda a retidão, esclarecer a
consciência, elevar o coração, firm ar a vontade, de .lhe trans­
m itir, em uma palavra, o que o educador m oderno chama as
cinco possessões que a sociedade deve legar a todo homem:
possessões morais e religiosas, possessões literárias, posses-
sõe científica, possessões estéticas, possessões das insti­
tuições.
A educação é importante porque prepara o hom em de
amanhã. O futuro pertence a quem form ar a juventude. No
decursò dos séculos, é facil observar, foi a escola que serviu
de grande m eio de propaganda da verdade ou do êrro. Para
propagar as idéias, Lutero e Calvino fizeram instruir seus
alunos por m estres protestantes; a R evolução suprime tôda
organização escolar do A ntigo R egim e e reserva para si a
missão de ensinar todos os franceses. A Igreja faz o m esmo;
para propagar sua doutrina cria por tôda parte escolas e as
mantém a todo custo.
Não se pode refletir na im portância da educação sem
sentir um reconhecim ento unido à adm iração pelos teoristas
que nos deram, sôbre os problem as pedagógicos, páginas tão
luminosas, e pelas almas nobres e devotadas que se têm con­
sagrado, com tão perfeita abnegação, a seu sublim e aposto-
lado

2. — Necessidade da formação dos mestres. — Com pre­


ende-se que tal obra exige m estres especialm ente prepara­
dos para a realizar. A Igreja da Idade-M édia m uito bem o
com prendera, não concedendo, senão com conhecim ento das
circunstâncias, a licença de ensinar. Mais tarde, Erasmo e
M ulcaster desejam a fundação de sem inários para os mes­
tres de escola; São P edro Fourier, Démia, São J. B. de la
tres de escola; São Pedro Fourier, Démia, São J. B. de la
Salle, tentaram, com êxito vário, fundar escolas normais.
O século X I X retomará essas idéias e organizará por tôda
parte cientificam ente a form ação dos mestres.
O educador precisa de uma ciência ampla. O saber é um
penhor de êxito, porque dá prestígio e se torna o grande
m eio de ação sôbre os espíritos e os corações.
R equer conhecim entos profissionais, baseados no estudo
da psicologia humana e na psicologia das crianças. Os m é­
todos de ensino devem ser-lhe fam iliares a ponto de os apli­
car sem hesitação e, por assim dizer, de maneira inconsciente.
Com essa condição somente a sua abnegação será esclare­
cida e não agirá a m odo de instinto.
Deve ter uma crença. O m estre a que faltam convicções
religiosas poderá dar com resultado a instrução; não será
jam ais capaz de form ar a alma da criança. O educador,
digno dêsse nome, traz em si um ideal elevado que anima
tôdas as suas ações, regula a sua conduta e faz dêle um mo-
dêlo v iv o para os alunos” .
O tipo do verdadeiro educador é o mestre cristão; nós
o encontram os em sua perfeição no padre e no religioso de­
dicados ao ensino. E ’ o próprio Com payré que proclam a:
“ A independência absoluta em face do mundo, a supressão
de todos os liames que ligam cada um de nós à fam ília e à
sociedade civil, a renúncia a todo interêsse terrestre, o rom ­
pim ento com as paixões perturbadoras, a solidão e a paz que
perm item a reflexão concentrar-se num único objeto; o há­
bito da disciplina que é mais fácil im por aos outros quando
somos os prim eiros a nos conform ar com ela; enfim, e acima
de tudo, a fôrça moral, a autoridade, que nunca é m aior no
hom em do que quando se esquece de si para falar e agir em
nom e da divindade: eis a condição favorável em que está
colocado o padre e o religioso que se fazem professores” .
3. — Os programas e o espírito de ensino. — Em diferentes
épocas, a questão dos estudos deu lugar a ásperas discussões.
A respeito do ensino elementar, o entendim ento foi re­
lativamente fácil: concordava-se que é preciso dar à criança
os conhecim entos indispensáveis para ganhar honradam ente
a vida. A s necessidades sociais têm exigido, às vêzes, a in­
trodução de novas matérias de estudo, mas o senso-com um
não admitiu jam ais a idéia de fazer do m enino da escola pri­
mária “ um poço de ciência” . A tendência atual é de pre­
parar o aluno para a sua vocação futura sem negligenciar
sua form ação geral e levar em conta, nos programas, as ne­
cessidades especiais de cada região.
E’ em volta do ensino secundário que se têm dado os
combates mais encarniçados. O program a da Idade-Média
com preendia as sete artes liberais. No século X V I se orga­
nizou o ensino das humanidades e, em seguida, alguns edu­
cadores de tendências naturalistas o julgaram pouco con­
form e às realidades da vida. No século X V III, a Alemanha
abriu as primeiras escolas reais. Maria Teresa, influenciada
pelo Emílio, dim inuiu nos colég os a parte consagrada ao
classicismo. Na França, os Enciclopedistas e os pedagogos da-
Revolução, especialm ente Diderot, Lakanal, Dauneu, Con-
dorcet, pedem a substituição das humanidades por estudos
científicos. No século X IX , o ensino m oderno penetrou em
todos os países civilizados.
Seria injusto contestar a necessidade dêsse ensino. Mas
o que não se admite é que tenha o m esmo valor educativo
que as humanidades clássicas. Estas têm a seu favor os
mais m agníficos resultados. D evem os a êsses métodos, dizia
Voltaire, “ os nomes 'mais célebres do nosso país” , em parti­
cular os grandes escritores, a m aior parte dos inventores e
dos sábios mais ilustres dos três últim os séculos. Em nossos
dias, um exam e desinteressado tem verificado que os alunos
que têm as m elhores classificações para admissão às escolas
superiores, com impressionante maioria, foram os que tinham
cursado antes as humanidades clássicas.
Acrescentem os que os partidários do ensino m oderno pa­
reciam não ter em vista senão vantagens econôm icas e ma­
teriais. Tem -se até pretendido que certos adversários dos
estudos clássicos agiam sob a influência de duns paixões: a
da igualdade, que não toleraria nem mesm o a aristocracia
da inteligência; e a da irreligião, que acha m eio de preju­
dicar a Igreja abolindo o ensino do latim.
Esta luta do cientism o contra o ensino tradicional não
tem dado bons resultados.
Queriam fazer dos jovens umas enciclopédias vivas e se
esqueciam de desenvolver harm oniosam ente as suas faculda­
des; sob pretexto de dar ensino prático, fechavam os espí­
ritos dentro do círculo estreito das coisas materiais, pare­
ciam restringir, a êsse m undo somente, o destino dos alunos.
Resultou daí um abaixam ento geral da cultura. Concordam
h oje em reconhecer que só as humanidades podem form ar
a elite intelectual de uma nação, dando aos jovens, vistas
largas, com preensão clara, facilidade de assimilação, clareza
de elocução e de redação que são a conseqüência de uma
cultura geral. Constituem ao m esm o tem po a m elhor pre­
paração para os estudos científicos. Im plicam princípios ge­
rais que lhes dão brilhante superioridade. Jean Guiraud os
pôs em relêvo a propósito da reform a de Berard: 1. Prin­
cípio de ordem pedagógica: a sua excelência bem conhecida
na form ação do espírito; 2. Princípio de ordem filosófica;
necessidade para o espírito de se form ar a si porque é a
maio-r realidade dêste mundo, pois dá valor a todos os outros;
2. Princípio de ordem moral e religiosa; proclam ando a su­
perioridade do espírito sôbre o corpo; 4. Princípio de so­
ciologia; trabalhando eficazhiente na form ação das elites
para guiarem os povos.
E M. Guiraud acrescenta: “ Cultivando na alma d a ju ­
ventude a procura do ideal, elevando o espírito acima das
vulgaridades materiais para o colocar em presença das ver­
dades eternas, o ensino secundário restabelecerá as relações
de dependência que devem existir entre as três ordens de
grandeza definidas por Pascal, o m undo material dom inado
pelo espírito, e enfim -o m undo da caridade que ilumina a
humanidade com reflexos da divindade. E fazendo isto, o
ensino secundário com baterá eficazm ente, nas gerações jo ­
vens, a influência deprim ente do utilitarismo grosseiro e res-
tituirá a nossa humanidade a consciência clara dos seus su­
blimes destinos” .
•4. — A filosofia e a educação. — A história da pedagogia
mostra que a educação sempre tem sido o eco da filosofia
dominante. Tôda teoria, todo sistema, tôda organização es­
colar, tem por base uma filosofia. E, de fato, a elaboração
dos programas, a distribuição das matérias de estudo, a es­
colha e a form ação dos mestres, os livros de classe, o espí­
rito do ensino, diferem segundo os princípios que lhes ser­
vem de base. Caso se considere a existência da criança com o
limitada à vida terrestre, a lógica exigirá que lhe dêem só
os conhecim entos próprios para lhe conseguir bens mate­
riais, e que não contrariem demasiado as inclinações que o
arrastam aos prazeres grosseiros. Mas se nele se vê uma
alma im ortal resgatada pelo sangue de Jesus Cristo, torna-se
indispensável ensinar-lhe a conquistar a vida eterna pela v i­
tória sôbre suas más inclinações e pela prática da virtude.
Eis por que as filosofias que rejeitam o sobrenatural são
im potentes para dar um sistema perfeito de educação: igno­
ram a alma e Deus. Sem Deus, tôda autoridade, tôda ordem
perde sua fôrça; sem Deus, a fam ília já não existe: o lar vê
desaparecer a sua santidade, o casamento a sua estabilidade,
o pai e a mãe despojados da auréola divina que lhes dá o
respeito e a obediência; sem Deus, a criança não aparece
mais em tôda a sua nobreza e grandeza; sem Deus, não há
m oral nem educação possível.
5. — Imperfeições da educação antiga. — A história da
educação se divide naturalmente em duas grandes épocas:
antes de Jesus Cristo e após Jesus Cristo. Os povos dá anti­
guidade, não tendo para se guiar senão as luzes naturais,
não podiam dar uma educação perfeita: faltavam -lhes as cla-
ridades superiores que o cristianismo só devia trazer ao
mundo.
O m undo antigo não com preendia o verdadeiro fim da
educação; os Espartanos e os Persas tinham por alvo form ar
soldados; os Romanos, cidadãos capazes de todos os sacrifí­
cios a bem do Estado. A form ação m oral só era superficial.
Chagas horríveis desonravam as nações, até as mais civi­
lizadas: m orte e exposição das crianças, ignorância e escra­
vidão da m ulher, práticas odiosas que degradavam a huma­
nidade, ausência da vida de fam ília, abandono das crianças
em mãos mercenárias, estado de escravidão da m aior parte
da população.
Uma educação com p ljta só era acessível aos privilegia­
dos. Quem quer que não tinha o título de cidadão era privado
dos benefícios da civilização: o sistema das castas, entre os
Egípcios, é instrutivo a tal respeito. Os Indus olhavam com o
sêres inferiores as mulheres, os filhos dos servos, os párias.
Entre os Gregos, a instrução dos filhos não estava organi­
zada; daí essa inferioridade intelectual das mulheres que
impedia terem uma ação salutar sôbre as crianças.
O papel da fam ília era mal com preendido e muitas vêzes
desaparecia. Em Esparta, era quase nulo; entre os A tenien­
ses se admitia de boa-vontade que a criança pertence ao
Estado antes de pertencer à família. Em Roma, os direitos
do pai eram singularm ente exagerados. Quase por tôda a
parte a influência da mãe era diminuída.
Enfim, existia uma espécie de divinização do Estado que
tinha com o conseqüência a supressão dos direitos individuais
e um desconhecim ento quase absoluto da pessoa humana.
A liberdade não era com pleta em parte alguma.
6. — O catolicismo e a educaão. — A vinda de Cristo
muda as condições da sociedade. Desde que Êle disse aos
apóstolos: “ Ide e ensinai a tôdas as nações” , dividiram -se
entre si o m undo e deram o ensino a tôda criatura racional.
A primeira regeneração que se opera é a da fam ília; a Igreja
diz ao pai que sua'autoridade vem de Deus; dá à mãe o lugar
de honra no lar; a criança, considerada com o dom do céu, é
tratada com grande respeito. À m edida que o cristianismo
estende suas conquistas, instala por tôda parte lares inte­
le c t u a l donde irradiam as luzes mais doces e mais pene­
trantes.
Assim a religião de Cristo deu à educação tôda sua gran­
deza, tôda sua sublimidade. O ideal que propõe é infinita­
mente superior ao dos povos antigos, e os educadores que
dêle quiseram afastar-se, nada mais fizeram do que retroce­
der para a barbárie. O que Platão m al tinha entrevisto,
dizendo que a educação deve dar à alma tôda sua beleza e
ao corpo todo seu desenvolvim ento, a Igreja católica o reali­
zou durante vinte séculos e o realiza ainda nas suas insti­
tuições que se inspiram na sua doutrina e no seu espírito.
Nào somente ela nos conservou os tesouros literários da
antiguidade, com o fundou uma m ultidão de escolas de todo
gênero. Bem antes da R eform a criara o ensino popular.
Seus próprios inim igos o reconhecem e a glorificam por isso.
À Igreja católica se deve a honra de ter fundado as
prim eiras escolas normais, as prim eiras escolas profissionais,
industriais e técnicas. Essas últimas instituições existiam
nos mosteiros no tem po de Carlos M agno; e, dois grandes
pioneiros da instrução técnica nos tem pos m odernos, são J. B.
de la Salle e dom Bosco, se contam entre seus m em bros mais
ilustres.
Foi a Igreja católica, e não o protestantismo, que fun­
dou as escolas dom inicais, os orfanatos, as casas de refúgio
e de reform a. D evem os-lhe tam bém a elaboração dos pro­
gramas e a organização de cursos de estudos.
A Igreja tem contribuído a todos os progressos da edu­
cação. Tem direito a uma parte m uito grande dos louvores
que são endereçados à pedagogia contem porânea. Seus estu­
dos, seus doutores, suas congregações de ensino, seus m em ­
bros mais eminentes, têm publicado sôbre tôdas as questões
pedagógicas, adm iráveis escritos. Os tratados da Idade M é­
dia fazem alusão aos m étodos em pregados nessa época:
intuição, análise, síntese, indução, dedução, observação, e x ­
perimentação, interrogações socráticas, lições de coisas, etc.
Antes de Coménius, pusera, às mãos dos alunos, manuais
ilustrados. A inda que se dê o lugar de honra à religião,
jam ais negligenciou o ensino cham ado “ profano” , e nesse
ponto as escolas católicas não foram jam ais inferiores às
outras: a história de todos os séculos dá sôbre isso um teste­
munho irrefutável.
Os racionalistas propuseram com o ideal uma educação
organizada “ à luz da razão, na qual a criança aprenderá
mais a contar consigo mesma, na qual não se encorajará
mais a sua indolência acostumando-a a invocar fora de pro-
posito socorros sobrenaturais, na qual ao tem or da consciên­
cia substituirão as outras regras de conduta, na qual não des­
confiará mais do pensam ento e da livre reflexão” (Com -
;p ayré) . São belas frases, mas tal educação faz ignorar ao
hom em o seu verdadeiro valor, fecha-lhe o céu; em com pen­
sação, é bem própria para fazer da criança um materialista
e um gozador da vida.
É esta nossa convicção profunda: para estabelecer um
sistema de educação digno dêsse nome, terem os sempre que
voltar ao grande m étodo tradicional, e que com eçou com o
Evangelho, que se continuou com os Padres da Igreja, e que
se tornou sucessivamente, adaptando-se às necessidades de
lôdas as épocas, mas guardando todos seus princípios fun­
damentais, o m étodo das escolas monásticas ê das escolas
episcopais da Idade-M édia, e das grandes universidades do
século X III e dos séculos seguintes, e de Gerson, e das gran­
des corporações de ensino, os Jesuítas e os Oratorianos, o
dos grandes preceptores, Bossuet, Fénelon, Fleury, o que foi
codificado por Rollim , por Mons. Dupanloup e pelos grandes
educadores católicos do século X IX , o que inscreve em tôdas
suas páginas o nom e três vêzes santo de Jesus Cristo.
SUMÁRIO

Prefácio .............................................................................................................. 7

Introdução .......................................................................................................... 18

A AN TIG U ID A D E

Capítulô I — Educarão dos r*ovos civilizados .............................. 23


” II — A educação na C b in a .................................................. 28
99 III — A eiducacão no .Taoão................................................. 34
” IV — A educacão dos In d ^ s ................................................. 38
99 V — A educarão dos Assírias e dcs Babilônios ........... 42
” VI — A educa^Jo dos P e rsa s............................................... 46
” VTI — A educação dos E g ír c io s ........................................... 49
99 V III — A e^uca^ão do«: H ^ b reu s........................................... 54
99 TX •
— A educacão nq Grécia: educarão dos antieos Gre­
gos; a educarão em E cparta: e^ucaç" o em Atenas;
oreanizacpo das e rco!as atenienses.......................... 61
” X — Os grandes educadores pregos: Pitágoras, Sócra­
tes, Platão, Aristóteles, Xenofonte, Plutarco . . . . 80
X I — A educacão em Roma: período antigc; transiçco;
período grego-romano; organização daç esco1as ro­
manas; expansão das escolas rcmanas: Sêneca,
Ori^*iTiano ................................................................... 97
” X II — Escritores e educadores ro m a n o s............................ 112

Da Era Cristã ao R enascim ento

I. OS P R IM E IR O S SÉCULOS DO CR ISTIAN ISM O

Capítulo I — O modelo 'dos m e s tr e s................................................ 120


” II — O cristianismo e a educação; os tempos apostólicos 123
III — A educação na época dos Padres da Igreja . . . . 129
IV — Grandes educadores do período patrístico: Cle­
mente de Alexandria, S. Basílio, S. João Crisós­
tomo, S, Jerónimo, S. Agostinho : .......................... 134

III. PERÍOD O M ONÁSTICO

V — As ordens monásticas e a educaç~o: beneditinos,


cônegos regulares, dominicanos, franciscanos, pre-
mcnstratenses ............................................................... 145
VI — As demais escolas idessa épffca: presbiteriais, mu­
nicipais, caritativas. episcopais ou catedrais, co­
legiais ........................................................................... 151
V II •
—• Outros serviços prestados à educação pela Igreja
da Idade-Média: organização do curso de estudos,
conservação das obras-primas da antiguidade, re­
dação de anais e de crônicas, tradução e composi­
ção de obras, contribuição no desenvolvimento das
artes e das ciências .................................................. 155
V III -—• Carlos Magno e o renascimento dos estudes; Al-
cuino ............................................................................... 162
IX •
—■ A in~trucão após Carlos Magno, em Franca, na
Inglaterra, na Alemanha: Carlos o Ca"vo, Alfredo
o Grande, os Ótãos .................................................. 1168
X — Escritores e educadores do período monástico: S"o
Patrício, Boécio, São Bento, Cassiodoro, São Gre-
gório Magno, São Colombano, São Isi~’oro de Se-
vilha, Beca, São Bonifácio, Raban Mouro . . . . 171

IV . PERÍODO ESCOLÁSTICO

XI — A escolástica ................................................................. 187


X II — As Universidades ....................................................... 19'2
X III — A educação feudal; a civilização árabe; as cru­
zadas ............................................................................... 199 .
X IV — A educação da mulher na Idade-Média ............... 202
X V — Organizarão do ensino na Idade-Média: curso de
estudos; direçfo e idisciplina .................................... 206
X V I — E Jrcadores e escritores do período escolástico:
Gerbert, Santo Anselmo, Abelardo, Vicente de
Beauvais, Alberto Magno, Santo Tomás de Aqui-
no, Roger Bacon, Duns Scot, João Gerson . . . . 214

D o Renascimento ao X V I I o século

I. O RE N ASCIM EN TO E A R E FO R M A

Capítulo I ;— Caracteres Gerais do Renascimento .................... 2'3j2


” II - O Renascimento na Itália: Dante, Petrarca, Bo-
cácio; os papas ............................................................ 236
” III — Escritores e educadores italianos Ido Renasci­
mento: Vitorino de Feltre, Sadolet ...................... 240
” IV — O Renascimento na Alemanha: os Jeronimitas ou
Irmãos da vida comum; os humanistas alemães:
J. de Wessel, Agricola, Hegins, Reuchlin, Wim-
pheling, Erasmo, Tomás P a t t e r .............................. 247
V — O Renascimento na Inglaterra: Colet, Vives, As-
cham, M u lca ster.......................................................... 259
” VI — O Renascimento em França: Rabelais, Montaigne 268
” V II — Pedagogia protestante: Lutero Melanchton, Fro-
tzeridorf, S tu r m ........................................................... 286

II. a AÇÃO DA IG REJA

Capítulo I — A restauração católica; a Comoanhia de .Tesus; o


” II — Concilio Je Trento e a educação; São. Carlos Bor-
romeu; São José Calazans ....................................... 299

O 17.° século

Capítulo I — Relance sôbre a pedagogia do 17 ° s é c u lo ........... 319


” II — A pedagogia católica: Descartes, Bossuet, Fene-
lon, cs oratorianos, São Pedro Fourrier, Demia,
Bourdoise, o pe. Barré, S ío J. Batista de la Salle,
São Grignon de Montfort, Fleury, Mme. de Main-
tenon e Sta. Gyr, Mme. de L a m b e r t...................... 323
” III — A pedagogia Jansenista: as escolas de P. Royal 372
” IV — Pedagogia protestante: F. Bacon, Ratichins, Go-
ménius, Locke, Francke e os pietistas, as escolas,
rurais .............................................................................. 380
Capítulo I — A pedagogia tradicional e católica ......................... 404
tf
II — Rollin, de l’Épée, Harry, Felbiger ......................... 409
»»
III — Pedagogia racionalista e filo s ó fic a ........................... 418
»>
IV — João J. Rousseau, Basedow e os filantropos . . . . 424
V — A Revolução; destruição das escolas, ensaios de
reconstrução; princípios funestos que introduziu;
reorganização da instrução sob o Consulado . . . . 443

O 19.° século
Capítulo I — Caracteres e condições da educação no séc. 20 . . 457
II — Pedasogia protestante: Pesta'ozzi, Bell e Lancas-
ter, Froebel e os Jardins-de-infância, Mme. Pape.
Carpentier, Mme. Necker de Saussure, Diester-
weg, a educaçío nos Estados Unidos e no Canadá
francês, Horácio Mann, D. Page, H. Bamard,
William James, Frederico F o è r ste r ........................ 472
III — As escolas sobretudo psicológicas: J. F. Herbart,
a psicologia experimental ........................................ 528
IV — Emanuel Kant e o racionalismo. Fichte. João Ma-
cé, Henrique Marion, Gréard, Compayré ........... 544
V — O positivismo e o evolucionistno: A Comte, Spen-
cer, Bain, S. Mill ......................................................... 555
V I — A pedaeogia católica: Overberg. o Pe. Girard,
Maine de Biran, Jacotot, Lacordaire, Mgr. Du-
panlouo, dom B occo, Lambruschini, Tommaseo,
Rosmini, Rayneri, O ven. Pe. Champagnat, o ven.
J. M. Lamennais, o pe. Chaminade, o pe. Quer­
bes, o pe. Deshayes e os Irmãos Ide S. Gabriel, o
pe. Coindre e os Irmãos do Saerado Coração, os
Irmãos da Sta. Cruz, dom Frechard e os Irmãos
da Doutrina Cristã de Nancy, o pe. Monfat, Otto
Willmann ............................... ...................................... 574
>>
V II — A educacão das jovens no século 19: 1. Os es­
critores veda^ó ticos: Mme. Csroran. Mme. '"e Ré-
muset, Miss Hamilton, Miss F-Veworth. Mrr>e. de
Genlis. Mme. Guizot, Mme. Necker tíe Sausçure,
nr 9 /■** (1cx'r‘r' tí‘-'-■ A
bem-aventurada Julia Bi'liart. Santa Madalena
Sofia Barat, Mme. Janet Esskine S t u a r t............. 647
Conclusão 666

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