Embrio Cap1 by Wasbarros 2011
Embrio Cap1 by Wasbarros 2011
Embrio Cap1 by Wasbarros 2011
A nalidade deste captulo fornecer uma estrutura conceitual para o estudo do desenvolvimento. Comeamos com uma breve histria do estudo do desenvolvimento embrionrio, que ilustra como algumas das questes-chave na biologia do desenvolvimento foram formuladas ao princpio, e continuamos com alguns dos princpios essenciais do desenvolvimento. A grande questo como uma nica clula o ovo* fecundado origina um organismo multicelular, no qual a multiplicidade dos diferentes tipos celulares so organizados em tecidos e rgos para formar um corpo tridimensional. Essa questo pode ser estudada sob muitos pontos de vista diferentes, mas todos tm de se encaixar para obteno de uma imagem completa do desenvolvimento: quais genes so expressos, quando e onde; como as clulas se comunicam entre si; como determinado o destino do desenvolvimento de uma clula; como as clulas proliferam e se diferenciam em tipos celulares especializados e como as principais mudanas na forma do corpo so produzidas. Veremos que o desenvolvimento de um organismo dirigido, em ltima anlise, pela expresso regulada de seus genes, determinando quais protenas esto presentes, em quais clulas e quando. Por sua vez, protenas determinam amplamente como uma clula se comporta. Os genes fornecem um programa gerador para o desenvolvimento, no um projeto arquitetnico, na medida em que suas aes so traduzidas em resultados de desenvolvimento por meio do comportamento celular, na forma de sinalizao intercelular, proliferao celular, diferenciao celular e movimento celular.
O desenvolvimento de organismos multicelulares a partir de uma nica clula o ovo fecundado um triunfo brilhante da evoluo. Durante o desenvolvimento embrionrio, o ovo divide-se para originar muitos milhes de clulas, que formam estruturas to complexas e variadas como olhos, braos, corao e crebro. Essa admirvel realizao suscita inmeras questes. Como as clulas surgidas da diviso do ovo fecundado tornam-se diferentes entre si? Como elas se tornam organizadas em estruturas tais como membros e crebros? O que controla o comportamento das clulas individuais de modo a surgirem padres to altamente organizados? Como os princpios organizadores do desenvolvimento esto embutidos no interior do ovo e, em particular, no material gentico, o DNA? Muito do estimulante na biologia do desenvolvimento vem, hoje, da nossa crescente compreenso de como os genes dirigem esses processos do desenvolvimento, e o controle gentico um dos principais temas deste livro. Milhares de genes esto envolvidos no controle do desenvolvimento, mas focalizaremos somente aqueles que tm funes-chave e ilustram princpios gerais. O desenvolvimento de um embrio a partir de um ovo fecundado conhecido como embriognese. Uma das suas primeiras tarefas estabelecer a totalidade do plano corporal de um organismo e veremos que organismos diferentes solucionam esse problema fundamental de vrios modos. O foco deste livro , principalmente, o desenvolvimento animal aquele dos vertebrados, como rs, aves, peixes e mamferos, e de uma seleo
* N. de T. O autor Wolpert usa o termo egg (ovo) em um sentido genrico, sem querer especicar o momento intrnseco do estgio do futuro gameta. Optou-se pela traduo ovo, pois, quando se faz necessria uma especicao, o autor a faz, denominando-o ocito ou vulo, conforme o seu estgio.
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Figura 1.1 Micrograa eletrnica de varredura da cabea de um adulto de Drosophila melanogaster. Barra de escala = 0,1 mm.
Fotograa de D. Scharfe, da Science Photo Library.
Figura 1.2 Fotograa de um lagarto, o Eumeces fasciatus*, depois de ter liberado a sua cauda como defesa. Esta espcie pode soltar a sua cauda como uma tcnica para evitar a captura por predadores e depois regener-la. O pedao de cauda descartado pode ser visto abaixo do lagarto.
Fotograa da Oxford Scientic Films. * N. de R.T. O nome cientco da espcie substitui aqui o seu nome vulgar em ingls (south eastern ve-lined skink), que consta no original.
de invertebrados, como o ourio-do-mar, ascdias e, sobretudo, a mosca-da-fruta, Drosophila melanogaster (Fig. 1.1), e o verme nematdeo, Caenorhabditis elegans. nestes dois ltimos organismos que nossa compreenso do controle gentico do desenvolvimento a mais avanada, e as principais caractersticas de seus desenvolvimentos iniciais so consideradas nos Captulos 2 e 5, respectivamente. No Captulo 6, trataremos brevemente de alguns aspectos do desenvolvimento de plantas, que difere, em alguns aspectos, daquele dos animais, embora envolva princpios similares. O desenvolvimento dos rgos de um indivduo, como o membro do vertebrado, o olho do inseto e o sistema nervoso, ilustra a organizao multicelular e a diferenciao de tecidos em estgios embrionrios mais avanados e consideramos alguns desses sistemas em detalhe nos Captulos 8 a 10. Tambm tratamos do desenvolvimento das caractersticas sexuais (Captulo 11). O estudo da biologia do desenvolvimento, porm, vai bem alm do desenvolvimento do embrio. Necessitamos entender tambm como alguns animais podem regenerar rgos perdidos (Fig. 1.2 e Captulo 13) e como o crescimento ps-embrionrio de um organismo controlado, um processo que inclui metamorfose e envelhecimento (Captulo 12). Considerando sob um ponto de vista mais abrangente, tratamos, no Captulo 14, de como os mecanismos do desenvolvimento tm evoludo e como eles restringem o prprio processo de evoluo. Pode-se perguntar se necessrio abranger diferentes organismos e sistemas de desenvolvimento para entender as caractersticas desenvolvimentistas bsicas. A resposta no momento presente sim. Os bilogos do desenvolvimento acreditam, de fato, que existem princpios gerais do desenvolvimento que se aplicam a todos os animais, mas que a vida to admiravelmente diversa que no se pode encontrar todas as respostas em um nico organismo. Assim, os bilogos do desenvolvimento tendem a focalizar seus esforos em um nmero relativamente pequeno de animais, escolhidos originalmente por serem convenientes para o estudo e acessveis manipulao experimental ou anlise gentica. por isso que alguns organismos, como a r Xenopus laevis (Fig. 1.3), o nematdeo Caenorahbditis e a mosca-da-fruta Drosophila tm um lugar predominante na biologia do desenvolvimento e so encontrados reiteradas vezes neste livro. De fato, muito encorajador que to poucos sistemas necessitem ser estudados para que se entenda o desenvolvimento animal. De um modo semelhante, a planta herbcea da famlia das Brassicaceae*, Arabidopsis thaliana, pode ser usada como uma planta-modelo para estudar as caractersticas bsicas do desenvolvimento das plantas. Um dos mais excitantes e satisfatrios aspectos da biologia do desenvolvimento que a compreenso de um processo do desenvolvimento em um organismo pode ajudar a elucidar processos similares em outros, como, por exemplo, em organismos muito parecidos com os seres humanos. Nada ilustra isso mais dramaticamente do que a inuncia que teve nossa compreenso do desenvolvimento de Drosophila e, em especial, da sua base gentica, na biologia do desenvolvimento como um todo. Em particular, a identicao dos genes que controlam a embriognese inicial em Drosophila levou descoberta de genes relacionados que so usados de modos similares no desenvolvimento de mamferos e outros vertebrados. Tais descobertas encorajam-nos a acreditar na emergncia de princpios gerais do desenvolvimento. A r tem sido, h muitos anos, um dos organismos preferidos para o estudo do desenvolvimento, porque seus ovos so grandes e seus embries so robustos, no apresentam problemas para crescer em um meio de cultura simples e so de utilizao relativamente fcil em experimentao. A r sul-africana Xenopus o organismo-modelo para muitos aspectos do desenvolvimento de vertebrados, e as principais caractersticas do seu desenvolvimento (Quadro 1A, pp. 30 e 31) servem para ilustrar alguns dos estgios bsicos do desenvolvimento em todos os animais. O desenvolvimento inicial de Xenopus e outros modelos de vertebrados so discutidos nos Captulos 3 e 4.
* N. de R.T. Como no h uma traduo em portugus para o nome vulgar de Arabidobsis thaliana (em ingls, thale cress), ele foi aqui substitudo pela descrio genrica da planta e citao da famlia qual ela pertence.
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No restante deste captulo, primeiramente focalizaremos a histria da embriologia como foi chamado o estudo da biologia do desenvolvimento ao longo da maior parte da sua existncia. O termo biologia do desenvolvimento de origem mais recente. Introduziremos, em seguida, alguns conceitos-chave que so usados repetidamente no estudo e na compreenso do desenvolvimento.
Uma abordagem cientca para explicar o desenvolvimento comeou com Hipcrates, na Grcia, no sculo V a.C. Usando as idias correntes daquele tempo, ele tratou de explicar o desenvolvimento em termos de princpios de calor, umidade e solidicao. Aproximadamente um sculo mais tarde, o estudo de embriologia avanou quando o lsofo grego Aristteles formulou a questo que iria dominar a maior parte do pensamento a respeito do desenvolvimento at o nal do sculo XIX. Aristteles formulou o problema de como as diferentes partes do embrio eram formadas. Ele considerou duas possibilidades: uma foi a de que tudo no embrio estaria pr-formado desde o incio e apenas tornava-se maior durante o desenvolvimento; a outra possibilidade era a de que novas estruturas surgiam progressivamente, em um processo que ele denominou epignese (que quer dizer no curso da formao) e que ele comparou metaforicamente confeco de uma rede. Aristteles inclinava-se pela epignese, e sua conjetura estava correta. A inuncia aristotlica no pensamento europeu foi enorme, e suas idias permaneceram inuentes at boa parte do sculo XVII. A viso contrria epignese, isto , aquela de que o embrio estaria pr-formado desde o incio, foi defendida novamente no nal do sculo XVII. Muitos no podiam crer que foras fsicas ou qumicas poderiam moldar uma entidade viva como o embrio. Juntamente com a crena contempornea subjacente da criao divina do mundo e de todos os seres vivos, estava a crena de que os embries existiam desde o incio do mundo e que o primeiro embrio da espcie deveria conter todos os embries futuros. Mesmo o brilhante embriologista italiano do sculo XVII, Marcelo Malpighi, no pde libertar-se das idias do preformismo. Ao mesmo tempo em que ele forneceu uma descrio extraordinariamente acurada do desenvolvimento do embrio de pinto, ele permaneceu convicto, contra as evidncias de suas prprias observaes, de que o embrio estava j presente desde o incio (Fig. 1.4). Ele argumentava que, nos estgios mais iniciais, as partes eram to pequenas que no podiam ser observadas, mesmo com o seu melhor microscpio. Outros preformistas acreditavam, ainda, que o espermatozide continha o embrio, e alguns ainda reivindicavam ser possvel ver um pequeno ser humano um homnculo na cabea de cada espermatozide humano (Fig. 1.5). O assunto pr-formao/epignese foi o tema de acalorados debates ao longo do sculo XVIII. O problema, porm, no pde ser resolvido at o advento de um dos grandes avanos da biologia o reconhecimento de que seres vivos, inclusive embries, eram compostos por clulas.
Figura 1.4 Descrio do embrio de galinha feita por Malpighi. A gura mostra desenhos de Malpighi, realizados em 1673, representando o embrio no estgio inicial (acima) e depois de dois dias de incubao (abaixo). Os seus desenhos ilustram acuradamente a forma e o suprimento de sangue do embrio.
Reproduzido com permisso do presidente e do Conselho da Royal Society.
* N. de R.T. No original, consta o nome vulgar em ingls desta espcie (South African claw-toed frog).
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Estgio 6
Estgio 2 Estgio 8 Estgio 1
Blstula
Ovo Espermatozide
Plo animal
Clivagem
Estgio 10
Gstrula (corte)
Plo vegetal blastocele
Fecundao
blastporo
Adulto
Estgio 66
Gastrulao
mesoderme futura notocorda
Metamorfose
Girino livre-nadador
Dorsal
endoderme
ectoderme
Estgio 12
futuro intestino
(corte)
Estgio 45
Ventral
Organognese
Anterior
Neurulao
notocorda
crebro
Anterior
pregas neurais
Nurula
Estgio 13
somitos
massa de vitelo
Posterior Posterior
Estgio 15
(vista dorsal)
Estgio 26
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Embora o desenvolvimento dos vertebrados seja muito variado, existem alguns estgios bsicos que podem ser ilustrados seguindo o desenvolvimento da r Xenopus laevis, que um dos organismos favoritos para a embriologia experimental. O ovo no-fecundado uma clula grande. Sua superfcie superior pigmentada (plo animal) e a regio inferior (plo vegetal) caracterizada por um acmulo de grnulos de vitelo. Assim, mesmo no incio, o ovo no uniforme; no desenvolvimento subseqente, as clulas da metade animal tornamse a extremidade anterior (cabea) do embrio. Aps a fecundao do ovo pelo espermatozide e a fuso dos ncleos masculino e feminino, comea a clivagem. Clivagens so divises mitticas nas quais as clulas no crescem entre cada diviso, de modo que, com sucessivas clivagens, as clulas tornam-se menores. Depois de aproximadamente 12 ciclos de divises, o embrio, conhecido agora como blstula, consiste em muitas clulas pequenas rodeando uma cavidade cheia de lquido (blastocele) acima das clulas maiores vitelnicas. Nesse momento, mudanas j ocorreram dentro das clulas, e elas interagem entre si, de modo que alguns dos futuros tipos tissulares os folhetos germinativos tornaram-se parcialmente especicados. O mesoderme, por exemplo, que origina msculos, cartilagens, ossos e outros rgos internos, como corao, sangue e rins, est presente na blstula como uma banda equatorial. Adjacente a ele est o futuro endoderme, que origina o intestino, os pulmes e o fgado. A regio animal origina o ectoderme, que forma
tanto a epiderme como o sistema nervoso. Os futuros endoderme e mesoderme, que esto destinados a formar rgos internos, esto ainda na superfcie do embrio. Durante o prximo estgio gastrulao existe um rearranjo dramtico das clulas; o endoderme e o mesoderme movem-se para o interior, e o plano bsico do corpo do girino estabelecido. Internamente, o mesoderme origina uma estrutura em forma de cilindro (notocorda) que se estende da cabea para a cauda e situa-se centralmente sob o futuro sistema nervoso. Em ambos os lados da notocorda esto blocos segmentados de mesoderme chamados somitos, os quais originaro os msculos e a coluna vertebral, assim como a derme da pele. Logo depois da gastrulao, o ectoderme acima da notocorda dobra-se para formar um tubo (tubo neural) que origina o crebro e a medula espinal um processo conhecido como neurulao. A essa altura, outros rgos, tais como membros, olhos e guelras, so especicados nas suas futuras localizaes, mas somente iro desenvolver-se um pouco mais tarde, durante a organognese. Durante a organognese, clulas especializadas, como as de msculos, cartilagens e neurnios, se diferenciam. No espao de 48 horas, o embrio tornou-se um girino que se alimenta, com caractersticas tpicas de vertebrados. Devido ao fato de que o tempo para atingir cada estgio pode variar de acordo com as condies ambientais, os estgios de desenvolvimento no Xenopus e de outros embries so freqentemente indicados por nmeros de estgio, em vez de por horas de desenvolvimento.
1.2
A teoria celular, desenvolvida entre 1820 e 1880 pelo botnico alemo Mathias Schleiden e pelo siologista Theodor Schwann (entre outros), foi um dos avanos mais elucidadores na biologia e teve um enorme impacto. Foi nalmente reconhecido que todos os organismos vivos so constitudos de clulas, que so as unidades bsicas da vida e surgem somente por diviso de outras clulas. Organismos multicelulares, como animais e plantas, podiam agora ser vistos como comunidades de clulas. O desenvolvimento no podia, assim, ser baseado na pr-formao, devendo ser, portanto, epigentico, pois, durante o desenvolvimento, muitas clulas novas so geradas por diviso do ovo e novos tipos celulares so formados. Uma etapa crucial na compreenso do desenvolvimento foi o reconhecimento, na dcada de 1840, de que o prprio ovo no nada mais que uma nica clula, embora especializada. Um importante avano foi a sugesto do bilogo alemo do sculo XIX August Weismann de que os descendentes no herdam as caractersticas provenientes do corpo (o soma) dos pais, mas somente as provenientes das clulas germinativas ovo e espermatozide e de que as clulas germinativas no so inuenciadas pelo corpo
Figura 1.5 Alguns preformistas acreditavam que um homnculo estava enrolado na cabea de cada espermatozide.
Um desenho imaginado de acordo com Nicholas Hartsoeker (1694).
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Primeira gerao
Segunda gerao
Mutaes em clulas somticas no afetam a linhagem germinativa
Terceira gerao
Mutaes em clulas germinativas afetam a linhagem germinativa
clulas somticas
clulas somticas
Figura 1.6 A distino entre clulas germinativas e clulas somticas. A cada gerao, clulas germinativas do origem tanto a clulas somticas quanto a clulas germinativas, mas a herana depende apenas das clulas germinativas. Mudanas que ocorrem devido a mutaes em clulas somticas podem ser passadas para as suas clulas-lhas, mas no afetam a linhagem germinativa.
zigoto
zigoto
zigoto
clulas germinativas
clulas germinativas
clulas germinativas
que as carrega. Assim, Weismann traou uma distino fundamental entre clulas germinativas e clulas corporais ou clulas somticas (Fig. 1.6). Caractersticas adquiridas pelo corpo durante a vida de um animal no podem ser transmitidas linhagem germinativa. No que diz respeito hereditariedade, o corpo simplesmente um veculo das clulas germinativas. Como expressou o novelista e ensasta ingls Samuel Butler: uma galinha apenas o modo de um ovo fazer um outro ovo. Trabalhos com ovos de ourio-do-mar mostraram que, aps a fecundao, o ovo contm dois ncleos, que acabam por se fusionar; um desses ncleos pertence ao ovo, enquanto o outro provm do espermatozide. A fecundao, portanto, resulta em um ovo carregando um ncleo com contribuies de ambos os pais. Foi concludo que o ncleo da clula deve conter as bases fsicas da hereditariedade. O clmax dessa linha de pesquisa foi a demonstrao denitiva, no nal do sculo XIX, de que os cromossomos dentro do ncleo do ovo fecundado zigoto provm em igual nmero dos dois ncleos parentais e o reconhecimento de que isso fornecia uma base fsica para a transmisso dos caracteres genticos de acordo com as leis desenvolvidas pelo botnico e monge austraco Gregor Mendel. Foi descoberto que a constncia do nmero cromossmico de gerao gerao nas clulas somticas mantida devido a uma diviso reducional (meiose), que reduz metade o nmero de cromossomos nas clulas germinativas, enquanto clulas somticas dividem-se pelo processo de mitose, que mantm o nmero cromossmico. Os precursores das clulas germinativas possuem duas cpias de cada cromossomo, uma materna e outra paterna, e so chamados diplides. Esse nmero diminudo metade pela meiose durante a formao dos gametas, de modo que cada clula germinativa contm somente uma cpia de cada cromossomo e chamada haplide. O nmero diplide restabelecido na fecundao.
1.3
Uma vez que foi reconhecido que as clulas do embrio surgiam por diviso celular a partir do zigoto, surgiu a questo de como as clulas se tornavam diferentes umas das outras. Com a crescente nfase na funo do ncleo na dcada de 1880, Weismann lanou um modelo de desenvolvimento no qual o ncleo do zigoto continha uma certa quantidade de fatores especiais ou determinantes (Fig. 1.7). Ele props que, enquanto o ovo fecundado sofria rpidos ciclos de diviso celular, conhecidos como clivagens, esses determinantes seriam distribudos desigualmente para as clulas-lhas e, assim, controlariam o futuro desenvolvimento celular. O destino de cada clula estava, assim, predeterminado no ovo por fatores que ele receberia durante as clivagens. Esse tipo de modelo foi denominado em mosaico j que o ovo poderia ser considerado um
clulas somticas
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1a clivagem
2a clivagem
Figura 1.7 Teoria da determinao nuclear de Weissmann. Weissmann assumiu que havia fatores no ncleo que eram distribudos assimetricamente para as clulas-lhas durante a clivagem e que dirigiam o futuro desenvolvimento delas.
mosaico de diferentes determinantes localizados. Central para a teoria de Weismann era a suposio de que as divises celulares iniciais deveriam produzir clulas-lhas inteiramente diferentes entre si, como resultado da distribuio desigual dos componentes nucleares. Ao nal da dcada de 1880, uma sustentao inicial para as idias de Weismann veio de experimentos realizados independentemente pelo embriologista alemo Wilhelm Roux, que trabalhou com embries de r. Aps ter permitido a primeira clivagem de um ovo de r fecundado, Roux destruiu uma das duas clulas com uma agulha incandescente e descobriu que a clula remanescente desenvolveu-se como uma metade de larva bem-formada (Fig. 1.8). Ele concluiu que o desenvolvimento da r baseado em um mecanismo em mosaico, tendo as clulas seu carter e destino determinados a cada clivagem. Mas quando Hans Driesch, um compatriota de Roux, repetiu o experimento com ovos de ourio-do-mar, foi obtido um resultado completamente diferente (Fig. 1.9). Ele escreveu mais tarde: Mas as coisas aconteceram como elas tinham de acontecer, e no como eu esperava; havia tipicamente uma gastrulao completa na minha placa na manh seguinte, diferenciando-se somente no tamanho de uma outra gstrula normal; essa gstrula pequena mas completa desenvolveu-se em uma larva completa e tpica. Driesch separou completamente as clulas no estgio de duas clulas e obteve uma larva normal, apesar de pequena. Isso foi exatamente o oposto do resultado de Roux e foi a primeira demonstrao clara do processo do desenvolvimento conhecido como regulao. A regulao a capacidade do embrio de desenvolver-se normalmente, mesmo quando algumas pores so removidas ou rearranjadas. Veremos muitos exemplos de regulao ao longo deste livro (uma explanao do experimento de Roux e por que ele conseguiu este resultado tambm dada mais tarde, na Seo 3.7).
1.4
A descoberta da induo mostrou que um grupo de clulas podia determinar o desenvolvimento de clulas vizinhas
Embora o conceito de regulao implicasse que as clulas devem interagir entre si, a importncia central das interaes celulares no desenvolvimento embrionrio no foi realmente estabelecida at a descoberta do fenmeno da induo, no qual uma clula ou tecido orienta o desenvolvimento de outra clula ou tecido vizinho. A importncia da induo e de outras interaes clula-clula no desenvolvimento foi comprovada dramaticamente em 1924, quando Hans Spemann e sua assistente Hilde Mangold realizaram um experimento famoso de transplante em embries de anfbio. Eles demonstraram que um segundo embrio parcial podia ser induzido pelo transplante de uma pequena regio de um embrio inicial de um trito para outro no mesmo estgio (Fig. 1.10). O tecido transplantado foi retirado do lbio dorsal do blastporo a invaginao semelhante a uma fenda que se forma onde comea a gastrulao, sobre a superfcie dorsal do embrio do anfbio (ver Quadro 1A, p. 30 e 31). Essa pequena regio foi denominada por eles de organizador, uma vez que ela parecia ser,
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Ovo de r fecundado
agulha incandescente
blastocele
tubo neural
Figura 1.8 Experimento de Roux para investigar a teoria do desenvolvimento em mosaico de Weissmann. Depois da primeira clivagem de um embrio de r, uma das duas clulas morta por perfurao com uma agulha incandescente; a outra clula no danicada. No estgio de blstula, pode ser observado que a clula no-danicada dividiu-se normalmente, gerando muitas clulas que preenchem metade do embrio. O desenvolvimento da blastocele tambm est restrito metade no-danicada. Na metade danicada do embrio, aparentemente nenhuma clula foi formada. No estgio de nurula, a clula no-danicada desenvolveu-se em alguma coisa que lembra a metade de um embrio normal.
em ltima anlise, a responsvel pelo controle da organizao de um corpo embrionrio completo, sendo conhecida comumente como organizador de Spemann-Mangold ou simplesmente como organizador de Spemann. Pela sua descoberta, Spemann recebeu o prmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1935; um dos apenas dois nicos concedidos a pesquisas embriolgicas. Infelizmente, Hilde Mangold havia falecido pouco antes em um acidente, de modo que no pde ser distinguida.
1.5
O estudo do desenvolvimento foi estimulado pela unio da gentica com a biologia do desenvolvimento
Durante grande parte do incio do sculo XX havia pouca conexo entre embriologia e gentica. Quando as leis de Mendel foram redescobertas, em 1900, houve um grande surto de interesse nos mecanismos de herana, particularmente no que se referia evoluo, mas bastante menor em relao ao desenvolvimento. A gentica era vista como o estudo da transmisso dos elementos hereditrios de gerao para gerao, enquanto a embriologia era o estudo de como um organismo individual se desenvolve e, em particular, como as clulas no embrio inicial se tornam diferentes umas das outras. A gentica parecia ser, nesse aspecto, irrelevante para o desenvolvimento.
Figura 1.9 O resultado do experimento de Driesch com embries de ourio-do-mar, primeiro a demonstrar o fenmeno de regulao. Depois da separao das clulas no estgio de duas clulas, a clula restante se desenvolve em uma larva normal, pequena mas completa. Isso contraria o resultado obtido anteriormente por Roux, que havia observado que se uma das clulas de um embrio de duas clulas era danicada, a clula restante se desenvolvia apenas em meio-embrio (ver Fig. 1.8).
A separao das clulas feita por Driesch no estgio de duas clulas resultou na morte de uma delas. A clula sobrevivente desenvolveu-se em uma larva pequena, mas normal nos demais aspectos
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Figura 1.10 A demonstrao dramtica, feita por Spemann e Mangold, da induo de um novo eixo corporal principal pela regio do organizador no incio do estgio de gstrula de anfbio. Um pedao de tecido (em amarelo) do lbio dorsal do blastporo da gstrula de um trito (Triton cristatus) enxertado no lado oposto da gstrula de uma outra espcie, pigmentada, de trito (Triton taeniatus, em laranja). O tecido enxertado induz um novo eixo corporal contendo tubo neural e somitos. O tecido no-pigmentado do enxerto forma uma notocorda no seu novo stio (ver seo no painel inferior), mas o tubo neural e as outras estruturas do novo eixo foram induzidas a partir do tecido pigmentado do receptor. A regio do organizador descoberta por Spemann e Mangold conhecida como organizador de Spemann.
Lbio dorsal do blastporo de uma espcie no-pigmentada de trito enxertada no teto da blastocele de uma espcie pigmentada
Um importante conceito que nalmente ajudou a ligar a gentica e a embriologia foi a distino entre gentipo e fentipo. Essa distino foi lanada pelo botnico dinamarqus Wilhelm Johannsen, em 1909. A dotao gentica de um organismo a informao gentica que ele adquire de seus pais o gentipo. A sua aparncia visvel, a sua estrutura interna e a sua bioqumica, em qualquer estgio do desenvolvimento, constituem o fentipo. Enquanto o gentipo certamente controla o desenvolvimento, fatores ambientais, interagindo com o gentipo, inuenciam o fentipo. Apesar de terem os mesmos gentipos, gmeos idnticos podem desenvolver diferenas considerveis nos seus fentipos medida que crescem (Fig. 1.11) e essas diferenas tendem a tornar-se mais evidentes com a idade. O problema do desenvolvimento podia agora ser colocado em termos de relao entre gentipo e fentipo; como a dotao gentica se torna traduzida ou expressa durante o desenvolvimento para dar origem a um organismo funcional. A unio da gentica e da embriologia foi um processo lento e tortuoso. Pouco progresso foi feito at que a natureza e funo dos genes fossem muito melhor compreendidas. A descoberta, na dcada de 1940, de que os genes codicam protenas foi um dos principais pontos de mudana. Como j estava claro que as propriedades de uma clula so determinadas pelas protenas que ela contm, a funo fundamental dos genes no desenvolvimento podia, nalmente, ser apreciada. Controlando quais protenas eram feitas na clula, os genes poderiam controlar as mudanas nas propriedades e comportamento celulares que ocorrem durante o desenvolvimento. Um importante avano adicional, ocorrido na dcada de 1960, foi compreender que alguns genes codicam protenas que controlam a atividade de outros genes.
1.6
Embora o desenvolvimento de uma ampla variedade de espcies tenha sido estudado em um ou outro momento, um nmero relativamente pequeno de organismos que fornece a maior parte de nosso conhecimento no que se refere aos mecanismos do desenvolvimento. Podemos ento consider-los como modelos para a compreenso dos processos envolvidos, e eles so freqentemente chamados de organismos-modelo. Ourios-do-mar e anfbios foram os principais animais usados para as primeiras investigaes experimentais no incio do sculo XX, porque seus embries em desenvolvimento so fceis de serem obtidos e, no caso da r, sucientemente grandes e robustos para uma manipulao experimental relativamente fcil, mesmo em estgios bastante tardios. Entre os vertebrados, a r X. laevis, o camundongo (Mus musculus), a galinha (Gallus gallus) e o zebrash* (Danio rerio) so os principais organismos-modelo atualmente estudados. Entre os invertebrados, a mosca-da-fruta, D. melanogaster, e o verme nematdeo C. elegans tm sido o foco de maior interesse, j que se conhece muito a respeito de gentica do desenvolvimento de ambos e eles tambm podem ser modicados geneticamente com facilidade. Com o advento dos mtodos modernos de
* N. de R.T. No Brasil, o peixe Danio rerio, mais conhecido como zebrash (em ingls), vulgarmente chamado de paulistinha.
Figura 1.11 A diferena entre gentipo e fentipo. Esses gmeos idnticos tm o mesmo gentipo porque um ovo fecundado dividiu-se em dois durante o desenvolvimento. As leves diferenas na aparncia dos dois so devidas a fatores no-genticos, como as inuncias ambientais.
Fotograa cortesia de Jos e Jaime Pascual.
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anlise gentica, ocorreu tambm o ressurgimento do interesse pelo ourio-do-mar Strongylocentrotus purpuratus. Para a biologia do desenvolvimento de plantas, a brassiccea A. thaliana serve como principal organismo-modelo. Os ciclos de vida e detalhes subjacentes a esses organismos-modelo so fornecidos em captulos relevantes, mais adiante no livro. As razes para essas escolhas so parcialmente histricas uma vez que uma certa quantidade de pesquisa feita em um animal, passa a ser mais eciente continuar a estud-lo do que iniciar o estudo de outra espcie e, parcialmente, uma questo de facilidade de estudo e interesse biolgico. Cada espcie tem suas vantagens e desvantagens como modelo de desenvolvimento. O embrio de pinto, por exemplo, vem sendo h muito tempo estudado como um exemplo de desenvolvimento de vertebrados, porque ovos embrionados so de fcil obteno, o embrio suporta manipulao microcirrgica experimental muito bem e pode ser cultivado fora do ovo. A desvantagem, porm, era a de que pouco se sabia a respeito da gentica do desenvolvimento do pinto. Porm, conhece-se muito a respeito da gentica do camundongo, embora o camundongo seja mais difcil de ser estudado em alguns aspectos, pelo fato de seu desenvolvimento dar-se totalmente no interior da me. Muitas mutaes no desenvolvimento tm sido identicadas no camundongo, e ele tambm passvel de modicao gentica mediante tcnicas de transgenia. tambm o melhor modelo experimental disponvel para o estudo do desenvolvimento dos mamferos, incluindo seres humanos. O zebrash um acrscimo mais recente seleta lista dos sistemas-modelo de vertebrados; esse peixe fcil de ser criado em grande nmero, os embries so transparentes, de modo a permitir que as divises celulares e movimentos tissulares sejam seguidos visualmente, e tem grande potencialidade para pesquisas genticas. O objetivo principal da biologia do desenvolvimento entender como os genes controlam o desenvolvimento embrionrio, e, para que isso seja feito, deve-se primeiro identicar aqueles genes criticamente envolvidos no controle do desenvolvimento. As vias de acesso a essa meta so mltiplas, dependendo do organismo envolvido, mas o ponto de partida geral a identicao das mutaes que alteram o desenvolvimento de um modo especco e informativo, como descrito na prxima seo. As tcnicas para identicao de genes que controlam o desenvolvimento e a detectao e manipulao da sua expresso no organismo so descritas ao longo do livro, juntamente com as tcnicas para manipulao gentica. Alguns dos nossos organismos-modelo so mais apropriados para a anlise gentica convencional do que outros. Apesar da sua importncia na biologia do desenvolvimento, pouca gentica convencional se tem feito em X. laevis, que tem a desvantagem de ter um genoma tetraplide (um genoma com quatro conjuntos de cromossomos em clulas somticas) e um perodo relativamente longo de reproduo, levando de 1 a 2 anos para atingir a maturidade sexual. Etretanto, usando a gentica moderna e mtodos bioinformticos, muitos genes do desenvolvimento foram identicados no X. laevis por comparao direta de seqncias de DNA com genes conhecidos de organismos como Drosophila e camundongo. A r proximamente aparentada Xenopus (Silurana) tropicalis um organismo muito mais atrativo para a anlise gentica; ela diplide e tambm pode ser geneticamente manipulada para produzir organismos transgnicos. O genoma de X. tropicalis est atualmente sendo seqenciado, o que ajudar a identicar genes do desenvolvimento em X. laevis. A situao com aves foi bastante similar, mas, tambm aqui, comparaes diretas de DNA com outros organismos podem ser usadas para identicar genes do desenvolvimento. O seqenciamento do DNA do genoma da galinha est agora completo, o que deve ser de grande ajuda na anlise gentica do desenvolvimento dessa espcie. O seqenciamento do genoma do ourio-do-mar S. purpuratus, um dos mais antigos organismos-modelo na biologia do desenvolvimento, est tambm sendo realizado. Seqncias genmicas completas j esto disponveis h alguns anos para o homem, camundongo, Drosophila e Caenorhabditis.
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Em geral, quando um gene importante do desenvolvimento identicado em um animal, tem-se mostrado muito graticante considerar se um gene correspondente est presente e atuando na capacidade de desenvolvimento de outros animais. Tais genes so freqentemente identicados por um grau de similaridade em suas seqncias nucleotdicas que seja suciente para indicar que eles descendem de um gene ancestral comum. Genes que atendem a esse critrio so conhecidos como genes homlogos. Como veremos no Captulo 4, esse modo de abordagem identicou uma classe at ento insuspeita de genes de vertebrados que especicam o padro regular de segmentao da cabea cauda, que est representado por diferentes tipos de vertebrados nas diferentes posies. Esses genes foram identicados pela sua homologia com genes que especicam as identidades dos diferentes segmentos do corpo na Drosophila.
1.7
A maior parte dos organismos tratados neste livro so diplides que se reproduzem sexualmente: suas clulas somticas contm duas cpias de cada gene, com exceo daqueles dos cromossomos sexuais. X. laevis uma exceo, dado que tetraplide; isto , tem quatro cpias do genoma bsico nas suas clulas somticas e duas cpias nas clulas germinativas. Isso signica que ele apresentar at quatro cpias de cada gene nas suas clulas somticas, o que complica a anlise gentica. Em uma espcie diplide, uma cpia ou alelo de cada gene fornecida pelo genitor masculino, e outra, pelo genitor feminino. Para muitos genes, h vrios alelos normais diferentes presentes na populao, os quais levam variao do fentipo normal que observada em qualquer espcie que se reproduz sexualmente. Ocasionalmente, porm, uma mutao ocorrer de forma espontnea em um gene e haver uma mudana marcante, em geral deletria, no fentipo do organismo. Muitos dos genes que afetam o desenvolvimento foram identicados por mutaes espontneas, que afetam suas funes e produzem um fentipo anormal. As mutaes so classicadas amplamente de acordo com seus carteres dominante ou recessivo (Fig. 1.12). Mutaes dominantes e semidominantes so aquelas que produzem um fentipo distintivo quando a mutao est presente em apenas um dos alelos do
Fentipo Normal
Fentipo Normal
white+
Mutao em heterozigose
white+
Normal
Mutao em heterozigose
+
Cauda deformada
white
Mutao em homozigose
white
Letal embrionrio
white
Figura 1.12 Tipos de mutaes. Esquerda: uma mutao recessiva quando tem um efeito somente no estado de homozigose, isto , quando ambas as cpias do gene so portadoras da mutao. Direita: ao contrrio, uma mutao dominante ou semidominante produz um efeito no fentipo em estado de heterozigose; isto , quando apenas uma cpia do gene mutante est presente. Um sinal positivo representa o tipo selvagem e um sinal negativo representa o recessivo; T a forma mutante do gene Brachyury.
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par; isto , este alelo exerce um efeito no estado heterozigtico. Mutaes dominantes podem desaparecer, uma vez que so freqentemente letais. Ao contrrio, mutaes recessivas, como as white da Drosophila, que produzem moscas com olhos brancos em vez dos vermelhos normais, alteram o fentipo somente quando ambos os alelos do par carregam a mutao, isto , quando eles so homozigticos. Em geral, mutaes dominantes so mais facilmente reconhecidas, particularmente se elas afetam o grosso da anatomia ou a colorao e desde que elas no causem a morte prematura do embrio no estado heterozigtico. Mutaes verdadeiramente dominantes so, contudo, raras. Uma mutao no gene brachiury do camundongo um exemplo clssico de uma mutao semidominante; ela foi originalmente identicada porque camundongos heterozigotos para esta mutao (simbolizada por T) tm caudas curtas. Quando a mutao homozigtica, ela tem um efeito muito maior, e os embries morrem em um estgio inicial, indicando que o gene exigido para o desenvolvimento embrionrio normal (Fig. 1.13). Depois que estudos de cruzamentos conrmaram que o trao brachiury era devido a um nico gene, o gene pde ser mapeado em um stio de um cromossomo particular por meio de tcnicas clssicas de mapeamento. A identicao de mutaes recessivas mais trabalhosa, j que o heterozigoto possui um fentipo idntico ao do animal de tipo selvagem normal e um programa de cruzamentos cuidadosamente testados exigido para a obteno de homozigotos. A identicao de mutaes recessivas potencialmente letais no desenvolvimento exige, em mamferos, uma observao e uma anlise meticulosa, j que os homozigotos podem morrer no interior da me sem serem notados. Critrios muito rigorosos devem ser aplicados na identicao daquelas mutaes que esto afetando um processo de desenvolvimento genuno e no simplesmente afetando alguma funo vital mas rotineira de manuteno (housekeeping), sem a qual o animal no capaz de sobreviver. Um critrio simples para a denio de uma mutao de desenvolvimento a letalidade embrionria, mas isso tambm inclui mutaes em genes envolvidos em funes de manuteno. Mutaes que produzem padres anormais de desenvolvimento embrionrio so candidatas muito mais promissoras a mutaes inequvocas do desenvolvimento. Em captulos posteriores, veremos como a seleo em grande escala de mutaes seguindo a mutagnese provocada por substncias qumicas ou raios X identicaram um nmero muito maior de genes do desenvolvimento do que aquele que poderia ter sido descoberto com base em mutaes espontneas raras.
T +
+ +
cauda curta
Figura 1.13 Gentica da mutao semidominante Brachyury (T) no camundongo. Um macho heterozigoto portador da mutao T tem apenas uma cauda curta. Quando cruzado com uma fmea normal (tipo selvagem, ++), alguns dos descendentes tambm sero heterozigotos e tero caudas curtas. O cruzamento de dois heterozigotos resultar em alguns dos descendentes sendo homozigotos (T/T) para a mutao, produzindo uma anormalidade severa e letal no desenvolvimento na qual o mesoderme posterior no se desenvolve.
T +
T +
+ +
+ +
T +
T +
+ +
T T
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Resumo O estudo do desenvolvimento embrionrio comeou com os gregos, h mais de 2 mil anos. Aristteles lanou a idia de que os embries, em vez de estarem contidos completamente pr-formados em miniatura no interior do ovo, teriam forma e estrutura que emergeriam gradualmente durante seu desenvolvimento. Essa idia foi questionada nos sculos XVII e XVIII por aqueles que acreditavam na pr-formao, a idia de que todos os embries que j existiram ou ainda existiro j existem desde o comeo do mundo. O surgimento da teoria celular no sculo XIX nalmente decidiu a questo em favor da epignese, e foi reconhecido que o espermatozide e o ovo eram simples clulas, apesar de altamente especializadas. Alguns dos primeiros experimentos mostraram que embries de ourio-do-mar em estgios muito iniciais eram capazes de regular-se, isto , desenvolver-se normalmente mesmo se algumas clulas fossem removidas ou mortas. Isso estabeleceu o importante princpio de que o desenvolvimento deve depender, pelo menos em parte, da comunicao entre as clulas do embrio. Evidncia direta da importncia das interaes clula-clula veio do experimento de transplante do organizador realizado por Spemann e Mangold em 1924, mostrando que as clulas da regio organizadora do anfbio podiam induzir um novo embrio parcial a partir do tecido do hospedeiro quando transplantadas em um outro embrio. A funo dos genes no controle do desenvolvimento foi inteiramente apreciada somente nos ltimos 30 anos, e o estudo das bases genticas do desenvolvimento tornou-se mais fcil em tempos recentes graas s tcnicas de biologia molecular.
O desenvolvimento envolve diviso celular, surgimento de padro, mudana na forma, diferenciao celular e crescimento
O desenvolvimento essencialmente o surgimento de estruturas organizadas, a partir de um grupo inicialmente muito simples de clulas. conveniente distinguir cinco processos principais de desenvolvimento, embora, na realidade, eles se sobreponham e inuenciem uns aos outros consideravelmente. O primeiro o processo conhecido como clivagem, que a diviso do ovo fecundado em uma grande quantidade de clulas menores (Fig. 1.14). Diferentemente das
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Figura 1.14 Micrograa de campo claro de ovos de Xenopus depois de quatro divises celulares. Barra de escala = 1 mm.
Fotograa cortesia de J. Slack.
divises celulares que ocorrem durante a proliferao celular e o crescimento de um tecido, no ocorre aumento na massa celular entre cada diviso da clivagem. Os ciclos celulares durante a clivagem consistem apenas em fases de replicao do DNA, mitose e na diviso da clula, sem estgios intermedirios de crescimento celular. Discutiremos os diferentes tipos de ciclo celular no Captulo 12. O estgio da clivagem da embriognese, desse modo, divide rapidamente o embrio em uma grande quantidade de clulas, cada uma contendo uma cpia do genoma. A formao de padro o processo pelo qual um padro espacial e temporal de atividades celulares organizado no interior do embrio, de modo que uma estrutura bem ordenada se desenvolve. No desenvolvimento do brao, por exemplo, a formao de padro o processo que permite que as clulas saibam se devem fazer um brao ou dedos e onde os msculos devem se formar. No existe uma estratgia ou mecanismo universal nico de padronizao; ao contrrio, isso conseguido graas a uma gama de mecanismos celulares e moleculares em diferentes organismos e em diferentes estgios de desenvolvimento. A formao de padro inicialmente envolve o estabelecimento do plano corporal global denindo os eixos principais do corpo do embrio, de modo que as extremidades da cabea (anterior) e da cauda (posterior) e as costas (lado dorsal) e o ventre (lado ventral) sejam especicados. A maior parte dos animais que sero tratados neste livro tem uma cabea em um extremo e uma cauda no outro, sendo os lados direito e esquerdo do corpo bilateralmente simtricos, isto , uma imagem especular um do outro. Nesses animais, o eixo principal do corpo o eixo ntero-posterior, que se estende da cabea cauda. Animais bilateralmente simtricos possuem tambm um eixo dorsoventral, indo das costas ao ventre. Uma surpreendente caracterstica desses eixos que eles formam quase sempre um ngulo reto entre si e podem, deste modo, ser imaginados como formadores de um sistema de coordenadas sobre o qual qualquer posio do corpo poderia ser especicada (Fig. 1.15). Em plantas, o eixo corporal principal estende-se da extremidade em crescimento (o pice) at as razes e conhecido como o eixo apical-basal. As plantas tambm tm simetria radial, com um eixo radial estendendo-se do centro do caule para o exterior. Mesmo antes dos eixos corporais se tornarem evidentes, os ovos e os embries freqentemente mostram uma polaridade ntida, a qual, nesse contexto, quer dizer que uma extremidade diferente da outra na sua estrutura ou propriedades. Muitas clulas individuais no embrio em desenvolvimento tambm possuem polaridade, com uma extremidade da clula estrutural ou funcionalmente diferente da outra. O prximo estgio na formao de padro em embries animais a localizao de clulas em diferentes folhetos germinativos o ectoderme, o mesoderme e o endoderme (Quadro 1B, p. 41). Durante a ulterior formao de padro, clulas desses folhetos germinativos adquirem identidades diferentes, de modo a surgirem padres espaciais
Anterior (cabea)
Posterior (cauda)
Figura 1.15 Os eixos principais de um embrio em processo de desenvolvimento. Os eixos ntero-posterior e dorsoventral so perpendiculares entre si, como em um sistema de coordenadas.
Ventral (frente)
Esquerda
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O conceito de folhetos germinativos til para distinguir entre regies do embrio inicial que originam tipos completamente diferentes de tecidos. Aplica-se tanto a vertebrados como a invertebrados. Todos os animais considerados neste livro, exceto o celenterado Hydra, so triploblsticos, com trs folhetos germinativos: o endoderme, que origina o intestino e seus derivados, como o fgado e os pulmes nos vertebrados; o mesoderme, que origina o sistema muscularesqueltico, tecidos conjuntivos e outros rgos internos, tais como rins e corao; e o ectoderme, que origina a epiderme e o sistema nervoso. Esses diferentes folhetos so especicados cedo no desenvolvimento. Os limites entre eles podem no ser bem-denidos, e existem notveis excees. A crista neural nos vertebrados, por exemplo, ectodrmica em origem, mas origina tanto tecido nervoso como alguns elementos esquelticos, que deveriam, normalmente, ser considerados de origem mesodrmica.
Camadas germinativas
Dorsal
Vertebrados
Insetos
Dorsal
Ventral
rgos intestino, fgado, pulmes esqueleto, msculo, rim, corao, sangue pele, sistema nervoso intestino msculo, corao, sangue cutcula, sistema nervoso
organizados de diferenciao celular, como o arranjo de pele, msculos e cartilagens nos membros em desenvolvimento e o arranjo de neurnios no sistema nervoso. Nos estgios mais iniciais de formao de padro, diferenas entre clulas no so detectadas facilmente e, provavelmente, consistem em diferenas sutis causadas por uma mudana na atividade de muito poucos genes. O terceiro processo importante de desenvolvimento a mudana na forma ou morfognese (Captulo 7). Os embries sofrem notveis mudanas em sua forma tridimensional basta olhar para as suas mos e ps. Em certos estgios no desenvolvimento, existem mudanas caractersticas e dramticas na forma, das quais a mais surpreendente a gastrulao. Quase todos os embries animais passam pela gastrulao, durante a qual o intestino formado e emerge o plano principal do corpo. Durante a gastrulao, clulas do lado externo do embrio movem-se para o interior e, em animais como o ourio-do-mar, a gastrulao chega a transformar uma blstula esfrica e oca em uma gstrula com uma perfurao transversal mediana o intestino (Fig. 1.16). A morfognese nos embries animais pode tambm envolver extensa migrao celular. A maior parte das clulas da face humana, por exemplo, so derivadas de clulas que migraram de um tecido denominado crista neural, que se origina no dorso do embrio. O quarto processo do desenvolvimento que devemos considerar aqui a diferenciao celular, na qual as clulas se tornam estrutural e funcionalmente diferentes umas das outras, terminando por dar origem a tipos celulares to diferentes como os de clulas sangneas, musculares ou da pele. A diferenciao um processo gradual, com as clulas muitas vezes passando por vrias divises entre o momento em que comeam a diferenciar-se e o momento em que esto completamente diferenciadas (quando alguns tipos celulares param de dividir-se completamente), o que discutido no Captulo 8. No homem, o ovo fecundado d origem a pelo menos 250 tipos celulares nitidamente distinguveis. A formao de padro e a diferenciao celular esto intimamente inter-relacionadas, como podemos notar ao considerarmos as diferenas entre braos e pernas
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boca
Figura 1.16 Gastrulao em ourio-domar. A gastrulao transforma a blstula esfrica em uma estrutura com uma perfurao mediana (o intestino). O lado esquerdo do embrio foi removido.
intestino nus
Mudana de tamanho
humanas. Ambos os tipos de membros contm exatamente os mesmos tipos celulares de msculo, cartilagem, ossos, pele, etc. contudo, os padres nos quais esto organizados so nitidamente diferentes. essencialmente a formao do padro o que nos faz diferentes de elefantes e chimpanzs. O quinto processo o crescimento o aumento em tamanho. De um modo geral, ocorre pouco crescimento durante o desenvolvimento embrionrio inicial, e o padro bsico e a forma do embrio so estabelecidos em uma pequena escala, sempre menor do que uns poucos milmetros em extenso. O crescimento subseqente pode acontecer de muitos modos diferentes: multiplicao celular, aumento no tamanho celular e deposio de materiais extracelulares, tais como osso e concha. O crescimento pode tambm ser morfogentico, uma vez que diferenas nas taxas de crescimento entre rgos ou entre partes do corpo podem gerar mudanas na forma geral do embrio (Fig. 1.17), como ser visto em mais detalhe no Captulo 12. Esses cinco processos do desenvolvimento no so nem independentes uns dos outros nem tampouco estritamente seqenciais. Em termos muito gerais, porm, podemos pensar em formao de padro no desenvolvimento inicial especicando diferenas entre clulas que levam a alteraes em forma, diferenciao celular e crescimento. Mas, em qualquer sistema real de desenvolvimento, haver muitos desvios e alteraes nessa seqncia de eventos.
1.9
Figura 1.17 O embrio humano muda de forma medida em que cresce. Desde o momento em que o plano corporal est bem-estabelecido (8 semanas) at o nascimento, o embrio aumenta em comprimento cerca de 10 vezes (painel superior), enquanto a proporo relativa entre a cabea e o resto do corpo decresce (painel inferior). Como resultado, a forma do embrio muda. Barra de escala = 10 cm. (Segundo Moore, K. L.: 1983.)
A expresso gnica no interior das clulas leva sntese de protenas que especicam propriedades celulares e comportamentos particulares, que, por sua vez, determinam o curso do desenvolvimento embrionrio. O padro passado e corrente da atividade gnica confere a uma clula um certo estado ou identidade em qualquer dado momento, que reetido na sua organizao molecular em particular, na denio de quais protenas estaro presentes. Como veremos, clulas embrionrias e sua prognie sofrem muitas mudanas no seu estado com o progresso do desenvolvimento. Outras categorias do comportamento celular que nos diro respeito so a comunicao intercelular, conhecida tambm como sinalizao clula-clula, as mudanas na forma da clula e movimento celular, proliferao celular e morte celular. Mudanas de padres de atividade gnica durante o desenvolvimento inicial so essenciais para a formao de padro. Elas conferem identidades s clulas, que determinam seu futuro comportamento e acabam por lev-las s suas denitivas diferenciaes. E, como vimos no exemplo da induo pelo organizador de Spemann, a capacidade das clulas para inuenciar o destino umas das outras por meio da produo e reposta a sinais crucial para o desenvolvimento. Pelo seu movimento ou mudana na forma, as clulas geram as foras fsicas que realizam a morfognese (Fig.1.18). A curvatura de uma camada de clulas transformando-a em um tubo, como acontece em Xenopus e outros vertebrados durante a formao do tubo neural (ver Quadro 1A, p. 4 e 5), o resultado de foras contrteis geradas por clulas que alteram sua forma em certas posies no interior da camada celular. Uma importante caracterstica das superfcies celulares a presena de protenas adesivas, conhecidas como molculas de adeso celular, que exercem uma variedade de funes: elas mantm as clulas unidas nos tecidos, capacitam as
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clulas a perceberem a natureza da matriz extracelular circunvizinha e servem para guiar clulas migratrias, como clulas da crista neural de vertebrados, que deixam o tubo neural para formar estruturas em outras partes do corpo. Mais tarde no desenvolvimento, o crescimento envolve a proliferao celular, que pode tambm inuenciar a forma nal, porque partes do corpo crescem em ritmos diferentes. A morte de clulas, conhecida como morte celular programada ou apoptose, tambm uma parte intrnseca ao processo do desenvolvimento; a morte celular em mos e ps em desenvolvimento ajuda a formar os dedos a partir de uma camada contnua de tecidos. Assim, podemos descrever e explanar processos de desenvolvimento em termos de como clulas individuais e grupos celulares se comportam. Como as estruturas nais geradas pelo desenvolvimento so compostas por clulas, explanaes e descries em nvel celular podem fornecer uma explicao de como essas estruturas adultas so formadas. Como o desenvolvimento pode ser entendido em um nvel celular, podemos formular a questo de como os genes controlam o desenvolvimento de uma forma mais precisa. Podemos agora perguntar como os genes esto controlando o comportamento celular. Os muitos modos possveis do comportamento celular fornecem, portanto, a ligao entre a atividade gnica e a morfologia de um animal adulto o resultado nal do desenvolvimento. A biologia da clula fornece os meios pelos quais o gentipo traduzido no fentipo.
1.10
contrao localizada
O que uma clula pode fazer determinado em grande parte pelas protenas nela presentes. A hemoglobina nos glbulos vermelhos os capacita a transportarem oxignio; as clulas musculares esquelticas so capazes de contrair-se porque contm estruturas contrteis formadas pelas protenas miosina, actina e tropomiosina e por outras protenas musculares especcas. Todas essas protenas so muito especiais, ou de luxo, pois no esto comprometidas com as atividades de manuteno que so comuns a todas as clulas e as mantm vivas e em funcionamento. As atividades de manuteno incluem a produo de energia e as rotas metablicas envolvidas na quebra e na sntese de molculas necessrias para a vida da clula. Embora existam variaes qualitativas e quantitativas nas protenas de manuteno nas diferentes clulas, elas no possuem funes relevantes no desenvolvimento. No desenvolvimento, estamos interessados, principalmente, nas protenas de luxo ou tecido-especcas, que fazem as clulas diferentes entre si. Os genes controlam o desenvolvimento principalmente especicando quais protenas so produzidas, em que clulas e quando. Nesse sentido, eles so participantes passivos no desenvolvimento, comparados com as protenas que eles codicam, as quais so os agentes que diretamente determinam o comportamento celular, inclusive quais genes devem ser expressos. Para produzir uma protena especca, seu gene deve ser ativado e transcrito em um RNA mensageiro (mRNA); o mRNA deve, a seguir, ser traduzido em protena. Esses dois processos esto sob vrias camadas de controle, e a traduo no segue automaticamente a transcrio. A Fig. 1.19 mostra as principais etapas da expresso gnica nas quais a produo de uma protena pode ser controlada. Por exemplo, o mRNA pode ser degradado antes que ele possa ser exportado do ncleo. Mesmo que ele chegue ao citoplasma, sua traduo pode ser inibida l. Nos ovos de muitos animais, o mRNA pr-formado impedido de ser traduzido at depois da fecundao. Um outro fator que determina quais protenas so produzidas o processamento do RNA. Os transcritos primrios de RNA de muitos genes nos eucariotos podem ser unidos de diferentes modos, originando dois ou mais mRNAs diferentes; assim, um nico gene pode ser capaz de produzir vrias protenas diferentes com propriedades distintas. Mesmo que um gene tenha sido transcrito e o mRNA traduzido, a protena pode ainda no ser capaz de funcionar. Muitas protenas recm-sintetizadas exigem ulterior modicao ps-traducional para que elas adquiram atividade biolgica. Modicaes ps-traducionais reversveis, como a fosforilao, podem tambm alterar signicati-
Figura 1.18 A contrao localizada de determinadas clulas pode provocar o dobramento de toda uma camada celular. A contrao de uma leira de clulas na sua regio apical devida contrao de elementos do citoesqueleto causa a formao de um sulco em uma camada de epiderme.
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Regies controladoras
DNA regio reforadora regio promotora
Regio codicadora
DNA
Figura 1.19 Expresso gnica e sntese protica. Um gene que codica uma protena formado por um segmento de DNA que contm uma regio codicadora, a qual contm as intrues para a produo da protena, e regies controladoras adjacentes regies promotoras e reforadoras atravs das quais o gene ativado ou inativado. A regio promotora o stio onde a RNA-polimerase se liga para iniciar a transcrio. As regies reforadoras podem estar a uma distncia de milhares de pares de bases do promotor. A transcrio do gene em RNA (1) pode ser tanto estimulada como inibida por fatores de transcrio que se ligam ao promotor e a regies reforadoras. O RNA formado pela transcrio sofre splicing para a remoo dos ntrons (em amarelo) durante o seu processamento no interior do ncleo (2) e produz o RNA que exportado para o citoplasma (3) para ser traduzido em protena pelos ribossomos (4). O controle da expresso gnica e da sntese protica ocorre principalmente em nvel de transcrio, mas pode tambm ocorrer em estgios posteriores. Por exemplo, o mRNA pode ser degradado antes de ser traduzido. Se ele no traduzido imediatamente, ele pode ser armazenado em uma forma inativa no citoplasma para traduo em algum estgio posterior. Algumas protenas necessitam de modicao ps-traducional (5) para se tornarem biologicamente ativas.
1 transcrio
Ncleo
mRNA
2 processamento
Citoplasma
ribossomo
4 traduo
protena
5 modicao
carboidrato
vamente a funo protica. O processamento (splicing) alternativo* do RNA e a modicao ps-traducional juntas signicam que o nmero de protenas funcionalmente diferentes que podem ser produzidas consideravelmente maior do que o indicado pelo nmero de genes que codicam protenas talvez at 10 vezes maior. Alguns genes, como aqueles de RNAs ribossmicos (rRNAs) e RNAs transportadores (tRNAs), no codicam protenas; nesse caso, os RNAs so, eles prprios, os produtos nais. Uma categoria de genes recentemente descoberta aquela dos microRNAs (miRNA), pequenas molculas de RNA que inibem a traduo de mRNAs especcos (ver Captulo 5, Quadro 5B, p. 197). Sabe-se que alguns microRNAs esto envolvidos na regulao gnica no desenvolvimento. Uma questo intrigante a de quantos genes do genoma total so genes do desenvolvimento isto , genes especicamente exigidos para o desenvolvimento embrionrio. Isso no uma estimativa fcil de ser feita. Em uns poucos casos, particularmente bem-estudados, temos estimativas grosseiras do nmero mnimo de genes envolvidos em um determinado aspecto do desenvolvimento. No desenvolvimento inicial de Drosophila, pelo menos 60 genes esto envolvidos diretamente na formao de padro at o momento em que o embrio dividido em segmentos. No Caenorhabditis, 50 genes, pelo menos, so necessrios para especicar uma pequena estrutura reprodutiva conhecida como vulva. Esses so nmeros insignicantes se comparados aos milhares de genes que esto ativos ao mesmo tempo; alguns destes so essenciais para o desenvolvimento, uma vez que eles so necessrios para a manuteno da vida, mas fornecem pouca ou nenhuma informao que inuencie o curso do desenvolvimento. Estudos recentes tm mostrado que muitos genes mudam sua atividade durante o desenvolvimento e, como o nmero total de genes no nematdeo e na Drosophila em torno de 19.000 e 20.000, respectivamente, o nmero total de genes envolvidos no desenvolvimento de muitos milhares. Uma anlise sistemtica de cerca de 90% dos genes do nematdeo mostrou que 1.722, pelo menos, estavam envolvidos no desenvolvimento. Genes do desenvolvimento tipicamente codicam protenas envolvidas na regulao do comportamento celular receptores, fatores de crescimento, protenas de sinalizao intracelular e protenas de regulao gnica. Muitos desses genes, especialmente aqueles de receptores e molculas de sinalizao, so usados ao longo de toda a vida de um organismo, mas outros so ativos somente durante o desenvolvimento embrionrio.
1.11
A expresso dos genes do desenvolvimento est sob o controle de regies controladoras complexas
Todas as clulas somticas de um embrio so derivadas do ovo fecundado por sucessivos ciclos de divises celulares mitticas. Assim, com raras excees, todas elas
* N. de R.T. A expresso alternative splicing, correspondente etapa de modicao ps-transcricional do pr-RNA na qual h utilizao alternativa de ntrons e/ou xons no RNA maduro, foi aqui substituda por processamento alternativo. Para deixar claro que processamento aqui corresponde efetivamente etapa de splicing, o termo em ingls foi mantido entre parnteses.
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contm idntica informao gentica, a mesma do zigoto. As diferenas entre clulas devem, portanto, ser geradas por diferenas na atividade gnica que leva sntese de diferentes protenas. Expressar ou silenciar os genes corretos nas clulas corretas, no momento apropriado, torna-se, portanto, uma questo central no desenvolvimento. Os genes no fornecem um projeto arquitetnico para o desenvolvimento, mas sim um conjunto de instrues. Os elementos-chave na regulao da leitura nal dessas instrues so as regies de controle localizadas adjacentemente maior parte dos genes de luxo e dos genes do desenvolvimento. Essas regies so inuenciadas por protenas reguladoras de genes, ou fatores de transcrio, que ativam ou inativam genes, respectivamente ativando ou reprimindo a transcrio. Algumas protenas reguladoras de genes atuam ligando-se diretamente s regies de controle (ver Fig.1.19), enquanto outras interagem com fatores de transcrio j ligados ao DNA. Genes do desenvolvimento so altamente regulados para assegurar que eles se expressem somente no momento e local corretos no desenvolvimento. Essa uma caracterstica fundamental do desenvolvimento. Para permitir isso, eles geralmente possuem amplas e complexas regies de controle, formadas por um ou mais mdulos reguladores, conhecidos como mdulos cis-reguladores (o cis refere-se ao fato de que o mdulo regulador est na mesma molcula de DNA que o gene que ele controla). Cada mdulo possui mltiplos stios de ligao para diferentes fatores de transcrio, e a combinao de fatores que se liga determina se o gene expresso ou silenciado. Em mdia, um mdulo ter stios de ligao para 4 a 8 diferentes fatores de transcrio. Diferentes genes podem ter o mesmo mdulo de controle, o que geralmente signica que eles sero expressos juntos, ou genes diferentes podem ter mdulos que contm alguns, mas no todos os stios de ligao em comum, introduzindo diferenas sutis no momento ou na localizao da expresso. Um gene com mais de um mdulo regulador pode expressar-se em momentos e locais diferentes durante o desenvolvimento, dependendo de que mdulo predomina em um dado momento no controle da expresso gnica. Assim, os genes de um organismo esto ligados em complexas redes independentes de expresso por meio de seus mdulos de regulao e das protenas que se ligam a eles. Exemplos comuns de tal regulao so os circuitos de retroalimentao (feedback) positivos e de retroalimentao (feedback) negativos, nos quais um fator de transcrio promove ou reprime, respectivamente, a expresso de um gene cujo produto mantm a expresso daquele mesmo gene (Fig. 1.20). De fato, a rede de interaes entre os mdulos reguladores gnicos, que foi descrita para o desenvolvimento inicial do ourio-do-mar, bastante desconcertante a uma primeira ou mesmo segunda vista, como veremos no Captulo 5. Como todas as etapas-chave do desenvolvimento reetem mudanas na atividade gnica, podemos ser tentados a pensar no desenvolvimento simplesmente em termos de mecanismos de controle da expresso gnica. Mas isso seria altamente enganoso. A expresso gnica apenas a primeira etapa em uma cascata de processos celulares que levam, via sntese protica, a mudanas no comportamento celular e, desse modo, dirigem o curso do desenvolvimento embrionrio. Pensar apenas em termos de genes ignorar aspectos cruciais da biologia celular, como a mudana da forma da clula, que podem ser iniciados em diferentes etapas independentemente da atividade gnica. De fato, h muito poucos casos em que a seqncia completa de eventos desde a expresso gnica at a alterao do comportamento celular foi resolvida. A rota que leva da atividade gnica a uma estrutura como a mo de cinco dedos pode ser tortuosa.
1.12
gene 1
gene 2
gene 3
gene 4
Figura 1.20 Circuitos genticos simples de retroalimentao (feedback). Parte superior: o gene 1 ativado por um fator de transcrio (verde); a protena que ele produz (vermelho) ativa o gene 2. O produto protico do gene 2 (azul), alm de agir sobre alvos adicionais, tambm ativa o gene 1, formando um circuito de retroalimentao positivo que manter os genes 1 e 2 ativados mesmo na ausncia do ativador original. Parte inferior: quando o produto do gene no nal da rota inibe o primeiro gene, forma-se circuito de retroalimentao negativo. As setas indicam ativao; linhas barradas indicam inibio.
Com o avano do desenvolvimento embrionrio, a complexidade organizacional do embrio torna-se enormemente aumentada em relao quela do ovo fecundado. Muitos tipos diferentes de clulas so formados, padres espaciais emergem e h alteraes importantes de forma. Tudo isso acontece mais ou menos gradualmente, dependendo do
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Destino normal
Regio A
Regio B determinada
Regio B especicada
Mapa de destino
Regio B
Tecido diferenciado
Figura 1.21 A distino entre destino, determinao e especicao celulares. Neste sistema idealizado, as regies A e B diferenciam-se em dois diferentes tipos de clula, representados como hexgonos e quadrados. O mapa de destino (primeiro painel) mostra como elas normalmente se desenvolveriam. Se clulas da regio B so enxertadas na regio A e ento se desenvolvem como clulas do tipo A porque o destino da regio B ainda no havia sido determinado (segundo painel). Em contrapartida, se as clulas da regio B j esto determinadas quando so enxertadas na regio A, elas se desenvolvero como clulas B (terceiro painel). Mesmo que as clulas B no estejam determinadas, elas podem estar especicadas, de modo que elas formaro clulas B quando cultivadas isoladas do restante do embrio (quarto painel).
organismo em questo. Porm, em geral, o embrio primeiramente dividido em algumas poucas regies amplas, como os futuros folhetos germinativos (mesoderme, ectoderme e endoderme). Subseqentemente, as clulas nessas regies tm seus destinos cada vez mais namente determinados. O mesoderme, por exemplo, torna-se diferenciado em clulas musculares, clulas cartilaginosas, clulas sseas, nos broblastos do tecido conjuntivo e em clulas da derme da pele. A determinao implica uma mudana estvel no estado interno de uma clula, assumindo-se que uma alterao no padro da atividade gnica a etapa inicial, que leva a uma mudana nas protenas produzidas na clula. importante entender claramente a distino entre o destino normal de uma clula em qualquer estgio normal em particular e o seu estado de determinao. O destino de um grupo de clulas descreve meramente aquilo no que elas em geral se desenvolvero. Marcando clulas de um embrio inicial, pode-se descobrir, por exemplo, quais clulas ectodrmicas originaro normalmente o sistema nervoso e, destas, quais originaro especicamente a retina. Porm, isso de nenhum modo implica que estas clulas possam desenvolver-se somente em retina ou que j estejam comprometidas ou determinadas na sua formao. Um grupo de clulas dito especicado se, quando isoladas e cultivadas em um ambiente neutro de um meio de cultura simples, longe do embrio, desenvolvem-se mais ou menos de acordo com seu destino normal (Fig. 1.21). Por exemplo, as clulas do plo animal de uma blstula de anfbio (ver Quadro 1A, pp. 30 e 31) so especicadas para formar ectoderme e formaro epiderme quando isoladas. Clulas que esto especicadas nesse sentido tcnico ainda no esto necessariamente determinadas, pois inuncias provenientes de outras clulas podem mudar seu destino normal; se tecido do plo animal posto em contato com clulas do plo vegetal, o tecido do plo animal formar mesoderme em vez de epiderme. Em estgio mais tardio do desenvolvimento, porm, as clulas da regio animal tornam-se determinadas como ectoderme e seu destino no pode mais ser mudado. Testes para a especicao pressupem que o meio de cultivo do tecido em um ambiente neutro no possui sinais indutores de espcie alguma, algo que muitas vezes difcil de ser conseguido. O estado de determinao das clulas em qualquer estgio do desenvolvimento pode ser demonstrado por experimentos de transplante. No estgio de blstula do embrio de anfbio, pode-se enxertar clulas ectodrmicas que originaro o olho na lateral do corpo e mostrar que as clulas se desenvolvem de acordo com a sua nova posio,
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olho normal
A regio presuntiva do olho da gstrula quando transplantada no tronco de um embrio no estgio de nurula forma estruturas tpicas dessa regio
transplante tecidos do hospedeiro tecido somtico
gstrula
nurula receptora
nurula
nurula receptora
Figura 1.22 Determinao da regio do olho em diferentes momentos do desenvolvimento de anfbios. Se a regio da gstrula que normalmente origina um olho enxertada na regio do tronco de uma nurula (painel central), o enxerto forma estruturas tpicas da sua nova localizao, como notocorda e somitos. Se, contudo, a regio do olho de uma nurula enxertada no mesmo stio (painel inferior), ela se desenvolver como uma estrutura de olho, uma vez que nesse estgio mais tardio ela j foi determinada.
isto , em clulas mesodrmicas, como aquelas da notocorda e dos somitos (Fig. 1.22). Nesse estgio inicial, sua potencialidade de desenvolvimento muito maior do que o seu destino normal. Porm, se a mesma operao feita em um estgio mais tardio, a futura regio do olho formar ento estruturas tpicas de um olho. Em um estgio mais inicial, as clulas ainda no estavam determinadas como clulas de olho, ao passo que, mais tarde, j o estavam. uma caracterstica geral do desenvolvimento as clulas no embrio inicial estarem menos restritamente determinadas do que aquelas de estgios mais tardios; com o tempo, as clulas cam mais e mais restritas no seu potencial de desenvolvimento. Assumimos que a determinao implica uma mudana nos genes que so expressos pela clula e que essa mudana xa ou restringe o destino celular, reduzindo, assim, as opes do seu desenvolvimento. J vimos como, mesmo no estgio de duas clulas, as clulas do embrio do ourio-do-mar no parecem ser determinadas. Cada uma tem a potencialidade de gerar uma nova larva completa (ver Seo 1.3). Embries como esses, nos quais o potencial das clulas muito maior do que o indicado por seu destino normal, so denominados regulativos. Embries de vertebrados esto entre aqueles capazes de uma regulao considervel. Em contrapartida, aqueles embries nos quais, desde um estgio embrionrio muito inicial, as clulas podem desenvolver-se somente de acordo com seu destino inicial so denominados mosaicos. Como vimos na Seo 1.3, o termo mosaico tem uma longa histria. Ele descreve ovos e embries que se desenvolvem como se seu padro de desenvolvimento futuro tivesse sido traado desde muito cedo, mesmo no ovo, como um mosaico de diferentes molculas. As diferentes partes de um embrio desenvolvem-se ento de maneira bastante independente umas das outras. Nesses embries, as interaes celulares podem ser muito limitadas. A delimitao entre estratgias de desenvolvimento regulativo e em mosaico no sempre ntida e reete, em parte, o momento de ocorrncia da determinao; a demarcao ocorre muito mais cedo em sistemas em mosaico.
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A diferena entre embries regulativos e em mosaico reete a importncia relativa das interaes clula-clula em cada sistema. A ocorrncia da regulao requer imprescindivelmente as interaes entre clulas, pois de que outro modo o desenvolvimento normal poderia ocorrer e as decincias serem reconhecidas e restauradas? Um verdadeiro embrio em mosaico, porm, no deveria, em princpio, exigir tais interaes. Nenhum caso de embrio puramente em mosaico conhecido.
1.13
Sinalizao celular
Difuso
sinal
sinal
mensageiros secundrios
Figura 1.23 Um sinal indutor pode ser transmitido de uma clula para outra de trs modos principais. O sinal pode ser uma molcula difusvel, que interage com um receptor na superfcie da clula-alvo (segundo painel) ou pode ser produzido pelo contato direto entre duas protenas complementares nas superfcies celulares (terceiro painel). Se o sinal envolve pequenas molculas ele pode passar diretamente de clula para clula atravs de junes gap da membrana plasmtica (quarto painel).
Fazer clulas diferentes umas das outras central no desenvolvimento. Existem numerosos exemplos no desenvolvimento em que um sinal proveniente de um grupo de clulas inuencia o desenvolvimento de um outro grupo adjacente. Isso conhecido como induo e o exemplo clssico a ao do organizador de Spemann em anfbios (ver Seo 1.4). Sinais indutores podem ser propagados por algumas ou mesmo muitas clulas, ou serem altamente localizados. Os sinais indutores provenientes do organizador de anfbio afetam muitas clulas, enquanto outros sinais indutores podem passar de uma nica clula para a sua vizinha imediata. Devem-se distinguir dois tipos diferentes de induo: a permissiva e a instrutiva. Indues permissivas ocorrem quando uma clula faz apenas um tipo de resposta a um sinal e o faz quando um dado nvel de sinal atingido. J em uma induo instrutiva, as clulas respondem diferentemente a diferentes concentraes do sinal. Existem trs maneiras principais nas quais sinais indutores podem ser passados entre as clulas (Fig. 1.23). Primeiro, o sinal pode ser transmitido atravs do espao extracelular, geralmente por meio de uma molcula secretada difusvel. Segundo, as clulas podem interagir diretamente entre si mediante molculas localizadas nas suas superfcies. Em ambos os casos, o sinal em geral recebido por protenas receptoras na membrana celular e subseqentemente retransmitido atravs de sistemas sinalizadores intracelulares para produzir a resposta celular. Terceiro, o sinal pode passar de clula para clula diretamente. Nas clulas animais, isso se faz atravs das junes tipo gap (gap junctions), as quais so poros proticos especializados em membranas plasmticas opostas que constituem canais diretos de comunicao entre os citoplasmas de clulas adjacentes. Atravs desses poros podem passar pequenas molculas. Clulas de plantas esto conectadas por lamentos de citoplasma denominados plasmodesmos, atravs dos quais mesmo molculas bastante grandes, como protenas, podem passar diretamente de clula para clula. No caso de sinalizao por molcula difusvel ou por contato direto, o sinal recebido na membrana da clula. Se for para ser alterada a expresso gnica no ncleo, o sinal tem de ser transmitido da membrana para o interior da clula. Esse processo geralmente conhecido como transduo de sinal e executados por rels de molculas sinalizadoras intracelulares que so ativados quando a molcula sinalizadora extracelular se liga ao seu receptor. Protenas sinalizadoras extracelulares e pequenas molculas de segundos mensageiros, tais como o AMP cclico, interagem entre si para transmitir o sinal na clula. A ativao e desativao dos componentes das rotas por fosforilao uma caracterstica importante da maior parte das rotas de sinalizao. No caso do desenvolvimento, a maior parte dos sinalizadores que nos dizem respeito leva ativao ou represso gnica, mas as rotas de sinalizao so tambm usadas para alterar temporariamente a atividade enzimtica e a atividade metablica no interior das clulas e para comutar impulsos nervosos. Os vrios sinais que uma clula pode estar recebendo em qualquer dado momento so integrados por comunicao cruzada (cross-talk) entre as diferentes rotas de sinalizao para produo de uma resposta apropriada. Um aspecto importante da induo que uma clula pode ser ou no competente para responder ao sinal indutor. Essa competncia pode depender, por exemplo, da presena de um receptor apropriado e de um mecanismo de transduo ou da presena de determinados fatores de transcrio necessrios para a ativao gnica. A competncia de uma clula para uma resposta em particular pode mudar com o tempo; por
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exemplo, o organizador de Spemann pode induzir mudanas nas clulas que ele afeta somente durante um espao restrito de tempo. Nos embries, parece que, no que diz respeito a sinalizao e formao de padro, quanto menor, melhor. Sempre que um padro est sendo especicado, o tamanho do grupo de clulas envolvido raramente maior do que 0,5 m, se tanto, em qualquer direo; isto , algo em torno de 50 clulas de dimetro. Muitos padres so especicados em uma escala muito menor e envolvem apenas dezenas ou umas poucas centenas de clulas. Isso signica que os sinais indutores envolvidos na formao de padres estendem-se por distncias da ordem de somente 10 vezes o dimetro da clula. O organismo nal pode ser muito grande, mas isso quase totalmente devido ao crescimento do padro bsico.
1.14
Os sinais indutores podem alterar a maneira como as clulas induzidas se desenvolvem. Assim, eles podem ser considerados como fornecedores de instrues de como as clulas devem comportar-se. Aps receber um sinal indutor, uma clula geralmente passa a se desenvolver autonomamente, isto , sem novos sinais de uma outra clula, durante algum tempo. importante perceber que a resposta a sinais indutores totalmente dependente do estado corrente da clula. Alm de ela ter de ser competente para responder, o nmero de respostas possveis em geral tambm muito limitado. Um sinal indutor pode apenas selecionar uma resposta dentre um pequeno nmero de respostas celulares possveis. Assim, sinais indutores instrutivos deveriam ser mais apropriadamente chamados de sinais seletivos, e um sinal verdadeiramente instrutivo deveria ser um que fornecesse clula informao e aptides totalmente novas, fornecendo a ela, por exemplo, novos genes, o que no se acredita que ocorra durante o desenvolvimento. O fato de que, em qualquer dado momento, um sinal indutor seleciona uma dentre vrias respostas possveis tem vrias implicaes importantes para a economia biolgica. De um lado, isso signica que sinais diferentes podem ativar um gene em particular em diferentes estgios do desenvolvimento: o mesmo gene freqentemente ativado e inativado repetidas vezes durante o desenvolvimento. Por outro lado, o mesmo sinal pode ser usado para evocar diferentes respostas em diferentes clulas. Uma determinada molcula sinalizadora, por exemplo, pode atuar sobre vrios tipos diferentes de clulas, determinando uma resposta caracterstica e diferente em cada uma delas, dependendo de suas histrias de desenvolvimento. Isso permite que um conjunto xo de genes e sinais estejam relacionados entre si em diversas combinaes diferentes, expandindo efetivamente o nmero de sinais e respostas distintos no desenvolvimento que podem ser produzidos pelas clulas. Como veremos em captulos posteriores, a evoluo tem sido preguiosa em relao a esse aspecto do desenvolvimento, e as mesmas rotas de sinalizao intracelulares bsicas so usadas reiteradas vezes para diferentes propsitos.
1.15
Um modo geral de formao de padro pode ser ilustrado considerando a padronizao de um simples modelo no-biolgico a bandeira francesa (Fig. 1.24). A bandeira francesa tem um padro simples: um tero azul, um tero branco e um tero vermelho, ao longo de apenas um eixo. Alm disso, a bandeira vem em muitos tamanhos, mas sempre no mesmo padro, e, desse modo, pode ser imaginada como se mimetizasse a capacidade de regulao de um embrio. Em uma dada leira de clulas, com qualquer clula podendo ser azul, branca ou vermelha e considerando tambm que a leira pode ser de extenso varivel, que tipo de mecanismo seria exigido para que a leira de clulas desenvolvesse o padro da bandeira francesa? Uma soluo seria o grupo de clulas adquirir informao posicional. Isto , cada clula adquire uma identidade ou valor posicional, que est relacionado sua posio ao
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longo da leira com respeito aos limites em cada extremidade. Depois de terem adquirido seus valores posicionais, as clulas interpretam essa informao diferenciando-se de acordo com seu programa gentico. Aquelas situadas no tero esquerdo da leira se tornaro azuis, aquelas do tero mdio, brancas e assim por diante. A formao de padro usando informao posicional implica, desse modo, pelo menos dois estgios diferentes: primeiro, o valor posicional tem de ser especicado com respeito a algum limite e, depois, ele tem de ser interpretado. A separao destes dois processos tem uma implicao importante: signica que no h necessidade de existir um conjunto de relao entre os valores posicionais e o modo como eles so interpretados. Em circunstncias diferentes, o mesmo conjunto de valores posicionais poderia ser usado para gerar a bandeira italiana ou um outro padro. A maneira como sero interpretados os valores posicionais depender das instrues genticas especcas ativas em um grupo de clulas e ser inuenciada pela histria de desenvolvimento dessas clulas. As clulas poderiam ter sua posio especicada por diferentes mecanismos. O mais simples baseado em um gradiente de alguma substncia. Se a concentrao de alguma substncia qumica vai diminuindo de um extremo da leira celular para outro, a concentrao daquela substncia qumica em qualquer clula ao longo da leira especica ento efetivamente a posio da clula com relao aos seus limites (Fig. 1.25). Uma substncia qumica cuja concentrao varia e que est envolvida na formao de padro chamada morfgeno. No caso da bandeira francesa, pressupomos uma fonte de morfgeno em uma extremidade e seu desaparecimento na outra e tambm que as concentraes de morfgeno em ambas as extremidades so mantidas constantes, mas diferentes uma da outra. Assim, com a difuso do morfgeno leira abaixo, sua concentrao em qualquer ponto da leira fornece efetivamente informao posicional. Se as clulas podem responder a concentraes limiares de morfgeno por exemplo, acima de uma determinada concentrao, as clulas desenvolvem-se como azuis, ao passo que, abaixo dessa concentrao, tornam-se brancas e, em uma outra concentrao ainda menor, elas tornam-se vermelhas a leira de clulas se desenvolver como uma bandeira francesa (ver Fig. 1.25). Os limiares podem representar a quantidade de morfgeno que deve ligar-se aos receptores para ativar um sistema de sinalizao intracelular ou concentraes de fatores de transcrio exigidos para a ativao de determinados genes. O uso de concentraes limiares de fatores de transcrio para especicar posio muito bem-ilustrado pelo desenvolvimento inicial da Drosophila, como veremos no Captulo 2. Outras maneiras de especicar a informao posicional mediante interaes intercelulares diretas e por mecanismos de tempo, como discutido no Captulo 4. O modelo da bandeira francesa ilustra duas caractersticas importantes do desenvolvimento no mundo real. A primeira que, embora o comprimento da leira varie, o sistema regula, e o padro ainda se formar corretamente, pois os limites do sistema esto apropriadamente denidos pela manuteno das diferentes concentraes do morfgeno constantes em cada extremidade. A segunda que o sistema poderia tambm regenerar o padro completo original se este fosse cortado pela metade, desde que as concentraes dos limites fossem restabelecidas. Ele , por conseguinte, verda6
O valor posicional interpretado pelas clulas que se diferenciam para formar um padro
Concentrao de morfgeno
limiares
Figura 1.25 O modelo da bandeira francesa para a formao de padro. Cada clula em uma leira tem o potencial de se desenvolver como azul, branca ou vermelha. A leira de clulas exposta a um gradiente de concentrao de alguma substncia, e cada clula adquire um valor posicional denido pela concentrao naquele ponto. Cada clula interpreta, ento, o valor posicional que ela adquiriu e se diferencia em azul, branca ou vermelha, de acordo com um programa gentico predeterminado, formando assim o padro da bandeira francesa. Substncias que podem dirigir o desenvolvimento das clulas dessa maneira so conhecidas como morfgenos. Os requisitos bsicos de tal sistema so de que as concentraes da substncia em cada extremidade do gradiente devem permanecer constantes, mas distintas uma da outra, xando, assim, os limites do sistema. Cada clula deve tambm conter a informao necessria para interpretar os valores posicionais. A interpretao do valor posicional baseada em diferentes respostas em funo dos limiares ditados por diferenas na concentrao do morfgeno.
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deiramente regulativo. Discutimos isso aqui como um problema de padronizao unidimensional, mas o modelo pode facilmente ser estendido para fornecer padronizao bidimensional (Fig. 1.26). Em muitos casos, ainda no est claro como a informao posicional especicada a difuso do morfgeno apenas um dos mecanismos que foram descobertos , mas as evidncias a favor dela so fortes. Porm, no sabemos o quo minuciosamente so denidas as diferenas na posio. Por exemplo, cada clula no embrio inicial tem o seu prprio valor posicional bem denido? E a clula capaz de fazer uso dessa diferena? Um importante aspecto de muitos processos de padronizao o estabelecimento da polaridade no plano de uma camada de clulas. Isso como se existisse uma seta de direcionamento em todas as clulas da camada, tornando uma extremidade levemente diferente da outra, de maneira similar a uma agulha de uma bssola que aponta para o norte. Esse tipo de polaridade conhecido como polaridade celular planar e discutido adicionalmente nos Captulos 2 e 7. Um exemplo bvio de polaridade celular planar so os plos na asa da Drosophila, os quais apontam todos para a mesma direo.
1.16
Muitas estruturas, como as penas na pele de uma ave, so encontradas espaadas de maneira mais ou menos regular umas em relao s outras. Um mecanismo que d origem a tal espaamento denominado inibio lateral (Fig. 1.27). Por exemplo, em um grupo de clulas no qual todas tenham o potencial de diferenciar-se em um modo em particular, como as penas, possvel espaar regularmente as clulas que formaro penas por meio de um mecanismo pelo qual clulas que comeam a formar penas inibem as adjacentes de fazerem o mesmo. Isso uma reminiscncia do espaamento das rvores em uma oresta, que causado pela competio pela luz solar e por nutrientes. Nos embries, a inibio lateral freqentemente o resultado das clulas em diferenciao estarem secretando uma molcula inibitria, que age localmente nas clulas vizinhas mais prximas de modo a impedi-las de desenvolverem-se de um modo semelhante.
1.17
Figura 1.26 A informao posicional poderia ser usada para gerar uma enorme variedade de padres. Um bom exemplo, mostrado aqui, uma situao na qual cada uma das pessoas sentadas em um estdio tem uma posio denida pelos nmero da leira e do assento. Cada posio tem uma instruo sobre qual carto colorido deve ser levantado, o que produz o padro. Se as instrues fossem mudadas, um padro diferente seria formado. Assim, a informao posicional pode ser usada para produzir uma enorme variedade de padres.
A localizao de determinantes citoplasmticos e a diviso celular assimtrica podem produzir clulas diferentes entre si
A especicao posicional apenas uma das maneiras pela qual uma determinada identidade pode ser conferida s clulas. Um mecanismo distinto baseado na localizao citoplasmtica e na diviso celular assimtrica (Fig. 1.28). As divises assimtricas so assim chamadas porque resultam em clulas-lhas com propriedades diferentes entre si, independentemente de qualquer inuncia ambiental. As propriedades dessas clulas dependem, portanto, de sua linhagem ou da linha de descendncia, e no de inuncias ambientais. Embora algumas divises celulares assimtricas sejam tambm divises desiguais pelo fato de produzirem clulas de diferentes tamanhos, esta no , geralmente, a caracterstica mais importante em animais; a distribuio desigual de fatores citoplasmticos que faz com que a diviso seja assimtrica. Um modo alternativo de produzir o padro da bandeira francesa a partir do ovo seria ter diferenas qumicas (representando azul, branco e vermelho) distribudas no ovo na forma de determinantes que pregurariam a bandeira francesa. Quando o ovo sofresse clivagem, esses determinantes citoplasmticos cariam distribudos entre as clulas em um modo determinado, e a bandeira francesa seria formada. Isso no exigiria interaes entre as clulas, as quais teriam seus destinos determinados desde o incio. Embora esses exemplos extremos de desenvolvimento em mosaico no sejam conhecidos na natureza, existem casos bem conhecidos nos quais os ovos ou clulas se dividem de tal modo que alguns determinantes citoplasmticos tornam-se desigualmente distribudos entre as duas clulas-lhas, e estas desenvolvem-se diferentemente. Isso acontece na primeira clivagem do ovo do nematdeo, por exemplo, e dene o eixo ntero-posterior do embrio. As clulas germinativas da Drosophila tambm so
Figura 1.27 A inibio lateral pode gerar um padro de espaamento. A inibio lateral ocorre quando estruturas em desenvolvimento produzem um inibidor que inibe a formao de quaisquer estruturas semelhantes na rea adjacente a elas e, como resultado, as estruturas tornam-se regularmente espaadas.
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Diviso celular
especicadas por determinantes citoplasmticos, neste caso, contidos no citoplasma localizado na extremidade posterior do ovo, e, em Xenopus, um determinante-chave nos primeiros estgios do desenvolvimento embrionrio uma protena conhecida como VegT, que est localizada na regio vegetal do ovo fecundado. Porm, medida que o desenvolvimento avana, clulas-lhas tornam-se diferentes umas das outras, em geral devido a sinais provenientes de outras clulas ou do seu meio ambiente extracelular, em vez de o fazerem devido distribuio desigual de determinantes citoplasmticos. Um tipo muito particular de diviso assimtrica aquele das clulas-tronco, que tm a capacidade de dividir-se repetidamente e, das clulas-lhas produzidas a cada diviso, uma permanece uma clula-tronco, enquanto a outra diferencia-se em uma variedade de tipos celulares (Fig. 1.29). Clulas-tronco, que so capazes de originar todos os tipos celulares do corpo, esto presentes no embrio, ao passo que, em adultos, clulas-tronco de potencial aparentemente mais limitado so responsveis pela contnua renovao de alguns tecidos, como sangue, epiderme e epitlio intestinal, e pela substituio de outros tecidos, como o muscular, quando necessrio. A diferena nas clulas-lhas pode ser devida tanto distribuio assimtrica dos determinantes citoplasmticos como ao efeito de sinais externos. A gerao de neurnios na Drosophila, por exemplo, depende da distribuio de determinantes citoplasmticos nas clulas-tronco neuronais. Clulas-tronco, que podem originar todos os outros tipos de clulas, embora no um embrio completo, so conhecidas como pluripotentes. O ovo fecundado, que pode originar um embrio completo, descrito como totipotente.
1.18
Diferentes clulas-lhas
Figura 1.28 Diviso celular com distribuio assimtrica de determinantes citoplasmticos. Se uma determinada molcula distribuda desigualmente na clula-me, o resultado da diviso celular ser a repartio desigual de tal molcula entre os citoplasmas das duas clulas-lhas. Quanto mais localizado o determinante citoplasmtico na clula parental, mais provvel ser que uma das clulaslhas receba todo ele e que a outra no receba nada, produzindo, assim, uma ntida diferena entre elas.
Toda a informao para o desenvolvimento embrionrio est contida no interior do ovo fecundado. Assim sendo, como essa informao interpretada para originar um embrio? Uma das possibilidades a de que a estrutura do organismo est, de algum modo, codicada como um programa descritivo no genoma. Conteria, o DNA, uma descrio completa do organismo ao qual ele dar origem: ele um projeto arquitetnico do organismo? A resposta no. Ao invs disso, o genoma possui um programa de instrues para fazer o organismo um programa gerador no qual os constituintes citoplasmticos do ovo e das clulas tm um papel essencial juntamente com os genes. Um programa descritivo, como um plano ou um projeto arquitetnico, descreve um objeto com um certo detalhamento, enquanto um programa gerador descreve como fazer um objeto. Para o mesmo objeto, os programas so muito diferentes. Considere o origami, a arte de dobrar papel. Dobrando um pedao de papel em vrias direes muito fcil fazer um chapu ou um pssaro a partir de uma nica folha. Descrever em detalhe a forma nal do papel com as complexas relaes entre as suas partes realmente muito difcil e no de muita ajuda para explicar como isso pode ser conseguido. Muito mais teis e fceis de formular so as instrues de como dobrar o papel. A razo para isso que instrues simples a respeito do dobramento tm conseqncias espaciais complexas. No desenvolvimento, a ao gnica coloca em ao, de forma semelhante, uma seqncia de eventos que podem produzir mudanas profundas no embrio. Assim, pode-se pensar na informao gnica do ovo fecundado como sendo equivalente s instrues de dobramento do papel no origami; ambos contm um programa gerador para formar uma estrutura em particular. Uma distino adicional pode ser feita entre o programa gentico do embrio e o programa do desenvolvimento de uma determinada clula ou grupo de clulas. O programa gentico refere-se totalidade da informao fornecida pelos genes, enquanto um programa de desenvolvimento pode referir-se somente quela parte do programa gentico que est controlando um grupo de clulas em particular. medida que o embrio se desenvolve, diferentes partes adquirem seus prprios programas de desenvolvimento, como um resultado das interaes clula-clula e das atividades de conjuntos selecionados de genes. Cada clula no embrio tem, assim, seu prprio programa de desenvolvimento, que pode mudar medida que o desenvolvimento avana.
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1.19
Clulas-tronco
x S S S S x x S y
O desenvolvimento de embries extraordinariamente consistente e convel; basta simplesmente olhar o comprimento semelhante das suas pernas, cada uma das quais se desenvolveu de maneira totalmente independente da outra durante uns 15 anos (Captulo 9). O desenvolvimento embrionrio necessita ser convel no sentido de que o organismo adulto possa funcionar adequadamente. Por exemplo, ambas as asas de um pssaro devem ser muito semelhantes no tamanho e na forma para que ele seja capaz de voar satisfatoriamente. Como tal conabilidade conseguida um problema importante no desenvolvimento. O desenvolvimento necessita ser convel diante das utuaes que ocorrem tanto no interior do embrio como no meio ambiente externo. As utuaes internas incluem pequenas mudanas nas concentraes de molculas e tambm mudanas ocasionadas, por exemplo, por mutaes em genes no diretamente ligados ao desenvolvimento do rgo em questo. Fatores externos que podem perturbar o desenvolvimento incluem a temperatura e substncias qumicas no meio ambiente. Um dos problemas centrais para a conabilidade relaciona-se com a formao de padro. Como as clulas so especicadas para comportarem-se de um determinado modo em uma determinada posio? Duas das maneiras pelas quais a conabilidade assegurada so a aparente redundncia de mecanismos e a retroalimentao (feedback) negativa. Redundncia quando existem dois ou mais modos de realizar um processo particular; se um deles falha por alguma razo, o outro ainda funcionar. como ter duas baterias no seu carro em vez de apenas uma. A verdadeira redundncia tal como ter dois genes idnticos no genoma haplide com funes idnticas rara, exceto para casos como o do rRNA, para o qual podem existir centenas de genes similares. A redundncia aparente, por outro lado, na qual um determinado processo pode ser especicado por vrios mecanismos diferentes, , provavelmente, um dos modos que permitem que os embries atinjam resultados to precisos e conveis. como ser capaz de traar uma linha reta tanto com o auxlio de uma rgua como com um pedao de corda esticada. Esse tipo de situao no de uma redundncia verdadeira, mas pode dar a impresso de s-lo, caso um mecanismo seja removido e o resultado continue a ser aparentemente normal. A retroalimentao negativa tambm tem uma funo de assegurar a consistncia; aqui, o produto nal de um processo inibe um estgio mais inicial e, assim, mantm o nvel do produto constante (ver, por exemplo, Fig. 1.20). O exemplo clssico est no metabolismo, em que o produto nal de uma rota bioqumica inibe uma das enzimas que agem no incio da rota. Um outro mecanismo de conabilidade relaciona-se com a complexidade das redes de atividade gnica que operam no desenvolvimento. Existem evidncias de que essas redes so robustas e relativamente insensveis a pequenas mudanas, como, por exemplo, pequenas alteraes nas velocidades dos processos individuais envolvidos.
1.20
Figura 1.29 Clulas-tronco. Clulas-tronco (S) so clulas que se auto-renovam e originam tipos de clulas diferenciadas. Assim, uma clula-lha que surge de uma clula-tronco em diviso pode desenvolver-se tanto em outra clula-tronco como originar um tipo de clula (X) totalmente diferente. Ela tambm pode dividir-se para originar duas clulas-tronco ou dois tipos diferentes de clulas (X e Y).
As clulas so, de certo modo, mais complexas do que o prprio embrio. Em outras palavras, a rede de interaes entre protenas e DNA no interior de qualquer clula individual possui muito mais componentes e muito mais complexa do que as interaes entre as clulas do embrio em desenvolvimento. As clulas so sempre mais engenhosas do que se imagina que elas so. Cada uma das atividades celulares bsicas no desenvolvimento, como diviso celular, resposta a sinais e movimentos celulares o resultado das interaes no interior de uma populao de muitas protenas intracelulares diferentes, cuja composio varia ao longo do tempo e entre as diferentes localizaes na clula. A diviso celular, por exemplo, um complexo programa celularbiolgico, que acontece durante um perodo, em um conjunto seqencial de estgios
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e exige, na mitose, a construo e a organizao precisa de estruturas intracelulares especializadas. Qualquer clula est expressando milhares de genes diferentes a qualquer dado momento. A maior parte dessa expresso gnica pode reetir um programa intrnseco de atividade, independente de sinais externos. essa complexidade que determina como as clulas respondem aos sinais que elas recebem; como uma clula responde a um determinado sinal depende do seu estado interno. Esse estado pode reetir a histria de desenvolvimento da clula as clulas tm boa memria , e, assim, clulas diferentes podem responder a um mesmo sinal de muitas formas diferentes. Veremos muitos exemplos dos mesmos sinais sendo utilizados repetidas vezes por diferentes clulas em diferentes estgios do desenvolvimento embrionrio, com resultados biolgicos diferentes. Temos atualmente apenas um quadro fragmentado de como a totalidade dos genes e protenas em uma clula interagem uns com os outros, e o nvel de conhecimento seria ainda mais limitado se considerssemos o embrio em desenvolvimento. Mas novas tecnologias esto agora tornando possvel detectar atividades simultneas de centenas de genes em um dado tecido. A disciplina de biologia de sistemas est agora comeando a desenvolver tcnicas para reconstruir a rede de sinalizao altamente complexa utilizada pelas clulas. Como interpretar essa informao e como dar sentido biolgico aos padres da atividade gnica revelados uma tarefa imponente para o futuro.
Resumo O desenvolvimento resulta do comportamento coordenado das clulas. Os principais processos envolvidos no desenvolvimento so diviso celular, formao de padro, morfognese ou mudana de forma, diferenciao celular, migrao celular, morte celular e crescimento. Os genes controlam o comportamento celular controlando onde e quando as protenas so sintetizadas, e, assim, a biologia celular fornece a ligao entre a ao gnica e os processos de desenvolvimento. Durante o desenvolvimento, as clulas sofrem alteraes nos genes que elas expressam, na sua forma, nos sinais que elas produzem e aos quais respondem, na sua freqncia de proliferao e no seu comportamento migratrio. Todos esses aspectos do comportamento celular so amplamente controlados pela presena de protenas especcas; a atividade gnica controla quais protenas so produzidas. Como as clulas somticas no embrio contm geralmente a mesma informao gentica, as mudanas que ocorrem no desenvolvimento so controladas pela atividade diferencial de conjuntos selecionados de genes em diferentes grupos celulares. As regies de controle dos genes so fundamentais para esse processo. O desenvolvimento progressivo, e o destino das clulas torna-se determinado em diferentes momentos. O potencial para o desenvolvimento das clulas em um embrio inicial geralmente muito maior do que seu destino normal, mas esse potencial torna-se mais restrito com o avano do desenvolvimento. Interaes indutoras, envolvendo sinais provenientes de um tecido ou de uma clula para outra, constituem uma das principais formas de mudar o destino celular e direcionar o desenvolvimento. Divises celulares assimtricas, nas quais componentes citoplasmticos so desigualmente distribudos para as clulas-lhas, tambm podem produzir clulas diferentes. Um modo muito difundido de gerao de padro a informao posicional; as clulas adquirem primeiro um valor posicional em relao aos limites e, depois, interpretam seus valores posicionais comportando-se de maneiras diferentes. Os sinais do desenvolvimento so mais seletivos do que instrutivos, escolhendo uma ou outra das rotas de desenvolvimento disponveis para a clula naquele momento. O embrio possui um programa gerador, e no um programa descritivo ele se assemelha mais s instrues para fazer uma estrutura pelo dobramento de papel do que a um projeto arquitetnico. Uma variedade de mecanismos, incluindo redundncia aparente e retroalimentao negativa, so responsveis pela impressionante conabilidade do desenvolvimento. A complexidade do desenvolvimento reside no interior das clulas.
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RESUMO DO CAPTULO 1 Toda a informao para o desenvolvimento embrionrio est contida no interior do ovo fecundado o zigoto diplide. O genoma do zigoto contm um programa de instrues para fazer o organismo. Na execuo desse programa de desenvolvimento, os constituintes citoplasmticos do ovo e das clulas que o zigoto originou so componentes essenciais, juntamente com os genes. A atividade gnica estritamente regulada, ao controlar quais protenas so sintetizadas, onde e quando, dirige a seqncia de atividades celulares que leva s mudanas profundas que ocorrem no embrio durante o desenvolvimento. Os principais processos envolvidos no desenvolvimento so a diviso celular, formao de padro, morfognese, migrao celular, morte celular e crescimento. Todos esses processos podem ser inuenciados pela comunicao entre as clulas do embrio. O desenvolvimento progressivo, com o destino das clulas tornando-se mais precisamente especicado medida que o desenvolvimento avana. As clulas do embrio inicial geralmente tm um potencial muito maior para o desenvolvimento do que o evidenciado pelo seu destino normal, e isso permite que os embries se desenvolvam normalmente mesmo se clulas so removidas, acrescentadas ou transplantadas para diferentes posies. O potencial de desenvolvimento da clula torna-se muito mais restrito medida que o desenvolvimento prossegue. Muitos genes esto envolvidos no controle das complexas interaes que ocorrem durante o desenvolvimento, e a conabilidade conseguida de diversas maneiras. Milhares de genes controlam o desenvolvimento de animais e plantas, e uma compreenso total dos processos envolvidos est longe de ser alcanada. Apesar de princpios bsicos e certos sistemas de desenvolvimento estarem bastante bem-compreendidos, existem ainda muitas lacunas.