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EMBRIOLOGIA -
BIOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO

RICARDO GHELMAN
222 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 223

Captulo 5

EMBRIOLOGIA
BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
RICARDO GHELMAN

Em funo do ato da admirao, do maravilhar-se


perante os fenmenos, que pessoas comeam a filosofar, e
maravilhar-se permanece como o princpio do conhecimento
Aristteles, primeiro embriologista

O conceito de um embrio surpreendente....Para tornar-


se um embrio, voc tem que construir-se a partir de uma nica
clula. Voc tem que respirar antes de possuir pulmes, digerir
antes de possuir intestino, construir ossos enquanto uma
massa e formar ordenadamente uma variedade de neurnios
antes de saber como pensar. Uma das diferenas crticas entre
voc e uma mquina que uma mquina nunca chamada a
uma funo antes de ter sido construda. Cada animal tem que
funcionar enquanto constri a si mesmo.
Scott F. Gilbert, embriologista e bilogo do desenvolvimento

A Embriologia, modernamente, vem sido incorporada a um conceito mais


amplo- Biologia do Desenvolvimento. Esta cincia se interessa pelo processo,
pela transio entre as fases do desenvolvimento biolgico, portanto envolve
intrinsecamente os referenciais tempo e espao.
O embrio a prpria metamorfose entre o ser unicelular, ovo fertilizado
ou zigoto e o ser complexo multicelular cuja aparncia permite o reconhecimento
de sua espcie. Em termos mais amplos, o embrio humano o mediador entre
nossos ancestrais, representados pelo gentipo, e o organismo individual,
representado pelo fentipo.
Ao longo do seu desenvolvimento, o embrio humano percorre vrias formas
corporais que representam os planos corporais bsicos de vrias espcies
animais. Os diferentes estgios na filogenia (desenvolvimento das espcies) e na
ontogenia (desenvolvimento individual) so caracterizados pela manifestao
de um novo princpio estrutural.
Os gametas possuem o mesmo nvel de organizao dos protozorios,
enquanto o estgio blstula corresponde ao princpio estrutural dos organismos
multicelulares, cuja organizao esfrica contm uma polaridade epitelial, tpica
das algas (p.ex. Volvox). O tipo animal primordial representativo da fase gstrula,
caracterizada pelos folhetos ectodrmicos e endodrmicos invaginados, so os
celenterados. A formao do mesoderma aparece com os eqinodermas e o ourio
do mar tornou-se um grande modelo para estudo, uma vez que seus gametas

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


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so obtidos com facilidade e em quantidade e seus ovos e embries so


transparentes. O nematdio Caenorhabditis elegans possui este mesmo nvel de
organizao e vem se tornando um grande modelo de estudo de mecanismos
reguladores da interao celular. A metameria ou segmentao do corpo
embrionrio muito bem estudada entre as classes animais que se organizam
desta forma, insetos e vertebrados. Os genes envolvidos na segmentao, genes
hometicos, foram primeiramente identificados em Drosophila e a seqncia destes
genes, expressa em todas as classes de vertebrados, denominada homeobox
(Hox). O desenvolvimento do saco vitelino e seus vasos sangneos associados
est relacionado formao do disco embrionrio, j presente entre os peixes.
Em anfbios o saco vitelino transforma-se em tubo intestinal e torna-se
intraembrionrio. A transio bem sucedida das formas animais aquticas em
terrestres foi alcanada com o desenvolvimento da cavidade amnitica nos ovos
cleidicos (contendo os trs anexos embrionrios: saco vitelino, saco amnitico e
corioalantide) nos rpteis, de tal forma que o desenvolvimento pde permanecer
em ambiente aqutico. Atravs do desenvolvimento de uma conexo vascular
materno-fetal a partir do anexo corialantide, forma-se a placenta entre os
mamferos ditos euplacentrios`, distintos dos mamferos ovparos como o
ornitorrinco e marsupiais como o gamb. Neste ltimo grupo um desenvolvimento
secundrio se processa, o dobramento do embrio (Drews, 1995).
Na gestao humana a embriologia se ocupa apenas com o primeiro
bimestre, especificamente com as primeiras oito semanas, enquanto a biologia
do desenvolvimento no se restringe s etapas embrionrias uma vez que para
preservarmos nossa forma fenotpica, eventos aparentemente antagnicos como
mitose e apoptose, vida e morte celular devem ser coordenados ao longo de
toda existncia biolgica at que a apoptose prevalea.
Ao nvel gentico o destino entre a vida e a morte celular depende da
expresso de genes como o BLC-2 e apopana (CPP32), em mamferos. Enquanto
o primeiro gene preserva a integridade celular, o segundo est envolvido com o
processo de morte celular programada.
As questes da biologia do desenvolvimento so questes sobre o tornar-
se, sobre o vir a ser mais do que sobre o ser. Um geneticista deve perguntar como
os genes da miosina so transmitidos entre as geraes, um fisiologista deve
perguntar sobre a funo da miosina no organismo e o bilogo do desenvolvimento
pergunta como eles se tornam ativos apenas em certos momentos no
desenvolvimento e apenas em determinadas clulas.
Segundo Morgan (1920) a gentica a cincia que estuda a transmisso
dos traos hereditrios, enquanto a embriologia estuda e expresso destes traos.
No entanto na ltima dcada, a biologia molecular vem aproximando os dois
campos e favorecendo a gerao da biologia do desenvolvimento como fruto de
um dilogo.
A biologia do desenvolvimento uma cincia fascinante, ainda em fase
embrionria, portanto de rpido crescimento e apenas iniciando seus
conhecimentos a respeito das bases moleculares. Ente as cincias biolgicas
vem assumindo um papel moderno no processo de integrao entre diversas
disciplinas como biologia molecular, gentica, fisiologia, morfologia, imunologia,
neurobiologia, oncologia e biologia da evoluo, portanto potencialmente relevante
no desenvolvimento da cincia nos moldes de uma transdisciplinaridade.

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CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 225
I) COMPREENDENDO OS MECANISMOS DA REGULAO DO
DESENVOLVIMENTO

Um breve histrico

At o sculo XVII encontramos quatro disciplinas que se interessam pelos


corpos organizados: a filosofia natural, a fsica, a fisiologia e a histria natural.
Todas estas disciplinas, de base Aristotlica, possuem como problema central a
complexidade dos corpos vivos e animados, o que originar a Biologia, por uma
necessidade de separao da Medicina, interessada apenas nas questes
teraputicas.
As concepes a respeito dos mecanismos envolvidos no desenvolvimento
embrionrio, historicamente denominado gerao dos corpos organizados, variam
entre as duas hipteses pilares da embriologia: o preformacionismo e a
epignese.
O preformacionismo atingiu seu auge no sculo XVII com a viso de que
todos rgos adultos estariam pr configurados dentro do esperma ou do vulo.
O conceito de desenvolvimento emergiu a partir desta concepo que supunha a
retirada de envoltrios (des envolver) que envolveriam o embrio. Com o advento
do microscpio Hartsoecke, em 1677, publicou em revista cientfica a descrio
do homnculo presente na poro ceflica do espermatozide, fortalecendo a
teoria do animalculismo (Figura 5.1). Esta teoria se contrapunha a teoria do
ovismo, como um duelo entre um grupo machista e um grupo feminista, ambos
preformacionistas. Estes grupos sugeriam uma infinidade de miniaturas
humanides encapsuladas umas dentro das outras no interior dos gametas de
forma quase infinita. Estas teorias encontraram fundamentao cientfica
experimental (microscpio) e filosfica com o princpio de infinidade divisvel de
Renn Descartes. No sculo XVIII o preformacionismo no dispunha, todavia, de
boa argumentao para explicar fenmenos como regenerao, variao fenotpica
de descendentes e muito menos a gerao de monstruosidades a partir de pais
normais(teratologia). Um estudo, conduzido por Montpertius no sculo XVIII,
observando as mos de 8000 habitantes de Berlim em busca da herana de
polidactilia, demonstrou que o trao podia ser proveniente de ambos progenitores,
prova que refutava as concepes preformacionistas (ovismo e animalculismo).
Uma antiga concepo de bases Aristotlicas ressurgiu como forte hiptese
antagnica, a epignese, propondo que um organismo adulto se desenvolveria a
partir de uma forma indiferenciada. Kaspar Friedrich Wolff, embriologista
germnico epigeneticista, reconduziu os experimentos clssicos e fundamentais
previamente realizados pelo primeiro embriologista, Aristteles, a observao do
desenvolvimento do ovo de galinha. Entretanto Wolff supunha que a continuidade
entre as geraes decorresse de uma fora essencial, vis essencialis, organizadora
do desenvolvimento embrionrio como uma fora magntica.
Enquanto o preformacionismo explicava mais adequadamente a
continuidade entre as geraes, a epignese a suplantava como explicao para
os fenmenos de variao da forma dos rgos.
A partir do esforo conjunto de filsofos como Immanuel Kant e bilogos
como Blumenbach, no sculo XVIII, as duas teorias puderam alcanar um status
de conciliao que perdura at o nosso sculo atravs da idia de que o
desenvolvimento epigentico seria conduzido por instrues preformadas.
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
226 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Figura 5.1:
Esquema do
desenho do
espermatozide
contendo o
homnculo de
Hartsoecke,
1677.

- O PROCESSO DA MORFOGNESE -

As concepes atuais sobre os mecanismos da morfognese incluem os


avanos em biologia molecular e gentica.
O desenvolvimento de tecidos e rgos depende de eventos que envolvem
a interao de dois ambientes: extranuclear e intranuclear. Estes ambientes
representam as duas grandes reas da morfognese, celular e gentica.

rea celular da morfognese:

Compreender as interaes celulares fundamental para explicar


fenmenos como diferenciao e migrao celular, eventos que envolvem
1. fatores citoplasmticos,
2. afinidade celular diferencial
3. interaes a distncia via hormonal.

1. Fatores citoplasmticos
Segundo Gilbert, o desenvolvimento animal transcorre por dois estilos:
um estilo em que as clulas so determinadas pelas clulas ancestrais, pela sua
linhagem, um estilo europeu e pelo estilo americano, baseado na determinao
do destino celular (diferenciao) por influncia direta da vizinhana, estilo
caracterstico dos blastmeros na mrula. Abordaremos agora o segundo estilo.
Atravs dos experimentos conduzidos por Wilhelm Roux (1888) em anfbios,
por Hans Driesch (1892) em ourio do mar e por Hans Spemann (1918)
estabeleceram-se as bases do desenvolvimento regulativo, conceito que expressa
o papel regulador epitpico, o papel da posio da clula no embrio como
determinante de seu destino.
Spemann, ganhador do prmio Nobel em 1935, demonstrou, em
salamandras, que o destino de clulas neuronais transplantadas na fase de
gstrula precoce para a regio epidrmica, resultou em clulas epidrmicas,
concluindo que estas clulas nesta fase apresentam um desenvolvimento
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CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 227
dependente (condicional). Quando o mesmo experimento foi conduzido na fase
de gstrula tardia, resultou na manuteno do fentipo neuronal, demonstrando
nesta fase um desenvolvimento celular independente (autonmico). Em funo
destes experimentos ficou definido o conceito de induo, processo atravs da
qual uma regio embrionria interage com uma segunda regio influenciando o
comportamento ou a diferenciao desta segunda regio.
Atravs das pesquisas conduzidas nas dcadas de 80 e 90 do sculo XX,
foi definido um complexo processo de orquestrao da induo em pelo menos
quatro estgios, observada em anfbios.
O primeiro estgio encontramos na fertilizao. Atravs da fecundao,
ocorre uma quebra de simetria radial do ovo no fertilizado, organizado no eixo
plo animal e plo vegetal. Cinco minutos aps a entrada do espermatozide no
citoplasma do ovcito II observado um movimento citoplasmtico que podem
ser acompanhado pelos grnulos citoplasmticos. O movimento se caracteriza
por uma rotao de 30 graus do citoplasma cortical, na direo ao ponto de
entrada do espermatozide, em relao ao citoplasma interno. Estes movimentos
dependem da interao de microtbulos orientados pelo centrolo do esperma e
de ondas de clcio, eventos orientados por determinantes morfogenticos. Ao
final da primeira diviso ou clivagem do ovo fertilizado, o embrio se organiza em
uma nova ordem de assimetria entre a regio de entrada do espermatozide e
uma regio de mistura de citoplasma animal e vegetal, de tal forma que o
citoplasma da regio dorsal prospectiva do embrio distinta da do plo vegetal
prospectivo. Este comportamento ativa os determinantes de dorsalizao nas
clulas do plo vegetal, que compem um centro de induo primria denominado
centro Nieuwkoop. No segundo estgio estas clulas induzem as clulas do
plo oposto a tornarem-se o organizador Spemann-Mangold. Outras clulas
provenientes do plo vegetal induzem clulas marginais a diferenciarem-se em
mesoderma ventral e lateral. No terceiro estgio o organizador transforma este
mesoderma circunvizinho em mesoderma dorsal, que por sua vez induz o
ectoderma dorsal a converter-se em tecido neural. No quarto estgio o tecido
nervoso induzido se diferencia em prosencfalo, mesencfalo, rombencfalo e
medula espinhal a partir do tubo neural, enquanto o ectoderma no induzido
torna-se epiderme.
Atualmente a lista de protenas envolvidas nos processos de induo como
organizadores vem aumentando e incluem as protenas citoplasmticas cordina,
nogina, folistatina, sonic hedgehog, cerberus e protenas relacionadas ao n de
Hensen, alm das protenas nucleares lim 1, XANF 1, goosecoid e protenas
relacionadas ao HNF3b.

2. Afinidade celular diferencial


Existem dois grupos principais de clulas embrionrias, as epiteliais,
conectadas entre si como camadas ou tubos, e as clulas mesenquimais, que
no se conectam entre si e apresentam-se isoladas. Os eventos morfogenticos
que as envolvem podem ser conduzidos por duas formas: atravs de substncias
difusveis como fatores de crescimento, hormnios e morfogens e atravs de
contato de superfcies celulares. Experimentos conduzidos em1952, utilizando
tripsina afim de promover a dissociao entre as clulas da pele de um embrio
de rato com 15 dias, permitindo seu reagrupamento expontneo, demonstrou
que existe uma reconstruo ordenada de clulas, denominada agregao
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histotpica. Este comportamento, investigado experimentalmente por Steinberg,


levou a hiptese de uma adeso diferencial a partir dos tecidos recm
diferenciados submetidos a variadas combinaes in vitro. Atravs dos dados
obtidos em1983, vrios autores sugeriram que as tenses de superfcie variveis
entre as clulas determinam seu comportamento hierrquico em base de um
modelo termodinmico de economia de energia celular e que os achados in vitro
refletem os fenmenos in vivo como regenerao de rgos e tecidos.
Existem trs classes de molculas da membrana celular ou adesinas,
envolvidas com os mecanismos de adeso:
molculas de adeso celular (MAC),
molculas de juno celular (protenas de juno gap),
molculas do substrato de adeso, (basicamente na matriz extracelular).
Atravs das adesinas o cdigo gentico unidimensional manifesta-se
tridimensionalmente, por processos morfogenticos.
As molculas de adeso celular (MAC) so protenas envolvidas em adeso
clula-clula, capazes de condensar clulas do mesnquima, assim como formar
membranas epiteliais, comumente mediante estabilizao de ons de clcio. Estas
protenas parecem cruciais para a organizao das formas animais e so
agrupadas em dois grupos: cadherinas ou clcio-dependentes e imunoglobulinas
da superfamlia MAC ou clcio-independentes.
As cadherinas se utilizam de um grupo protico intracelular para sua
atuao, as cateninas, e correspondem a trs tipos de molculas relacionadas a
tecidos diferentes: cadherinas-neurais (tecido nervoso, renal, cardaco e cristalino),
cadherinas-placentrias (tecido epitelial e placentrio) e cadherinas-epiteliais
(tambm tecido epitelial e blstula de roedores).
As imunoglobulinas da superfamlia MAC so glicoprotenas que
desempenham um grande papel no desenvolvimento do sistema nervoso seja
participando na conexo dos axnios s clulas musculares alvo como na
fasciculao dos axnios para que migrem como unidade. Anomalias gnicas
envolvendo estas imunoglobulinas podem ser responsabilizadas pelo espectro
de anomalias como hidrocefalia, comprometimento intelectual e incordenao
motora dos membros. Estes anticorpos podem ser agrupados, segundo seu
stio de ao em molculas de adeso celular neural (N-MAC) associadas ao
tecido nervoso, renal e muscular, Ng-MAC (neurnios e glia), neurofascina
(neurnios), MAC-clula (hepatcito), LFA-1 (linfcitos) e CD4, receptor do HIV,
associado a induo de linfcitos T.
As molculas de juno celular ou protenas de gap junction permitem
rotas de comunicao entre o citoplasma de clulas adjacentes e criam barreiras
de permeabilidade entre clulas epiteliais. A habilidade de algumas clulas, como
blastmeros precoces, de formar gap junctions com determinadas clulas cria
compartimentos fisiolgicos no embrio em desenvolvimento. As protenas
constituintes das gap junctions so as conexinas, reguladas pelas cadherinas.
As molculas do substrato de adeso esto relacionadas a conexo entre
as clulas e a matriz extracelular e correspondem tanto a substncias da matriz
como a receptores de membrana celular. Estas molculas esto envolvidas
com o movimento de clulas mesenquimais e neurnios assim como a separao
de membranas epiteliais. Segundo a hiptese de afinidade diferencial do
substrato, estas molculas informam para onde e quando as clulas devem
migrar de acordo com uma afinidade diferencial entre diferentes matrizes e clulas,
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CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 229
de forma semelhante interao antgeno-anticorpo.
A membrana basal representa um tipo de matriz extracelular composta
pela lmina basal, secretada pelas clulas epiteliais, e pela lmina reticular,
secretada pelas clulas mesenquimais.
Os principais constituintes da matriz correspondem a uma variada famlia
de glicoprotenas como colgeno (tipos I, II, III e IV), proteoglicans (cido
hialurnico, sulfato de condroitina, dermatina, queratina e heparina),
fibronectina, laminina e tenascina ou citotactina. O colgeno participa da
formao da lmina basal (tipo IV)e das ramificaes de tbulos epiteliais em
rgos como pulmo. Os proteoglicans, formados por unidades denominadas
glicosaminoglicans (GAGs), conferem aos tecidos flexibilidade (em oposio ao
colgeno, responsvel pela dureza), servem de suporte ao movimento celular e
medeiam conexes entre adjacentes tecidos (ver captulo Gentica Bioqumica).
Os proteoglicans se ligam aos fatores de crescimento, protenas tipo hormnio,
e os apresentam a receptores de membrana. Fibronectina, laminina e tenascina
agrupam-se como molculas de adeso do substrato, com a funo de organizar
a estrutura que envolve colgeno, proteogicans e membranas celulares. Outros
atributos destas glicoprotenas incluem a migrao de clulas, remodelamento
da matriz e mudanas nas formas das clulas.
Os receptores de membrana celular capazes de integrar molculas
extracelulares, como fibronectina e laminina, com as intracelulares, como talina
e a-actinina, permitem movimentos celulares e so chamados integrinas. Outro
grupo de receptores, as glicosiltransferases, so enzimas envolvidas na sntese
de glicoprotenas que possuem adesividade perante a matriz extracelular e tambm
participam do processo de migrao celular.
Embora cada grupo de adesinas tenha sido apresentado separadamente,
em cada evento morfogentico, diversas molculas participam do processo.
Caminhando cada vez mais para dentro dos fatores envolvidos com a
morfognese, devemos estudar a relao entre a membrana celular e o material
gentico intracelular.
Esta relao, denominada rota da transduo do sinal, decorre de um
estmulo proveniente de um ligante, molcula difusvel via sangue ou via clula
vizinha, que ativa um receptor de membrana que por sua vez ativa, via
fosforilao, um fator de transcrio, protena que pode reprimir ou ativar um
grupo de genes. Esta rota envolve diversas avenidas e uma das rotas mais
expressiva a que utiliza o receptor de tirosina quinase (RTQ) que se liga a
ligantes especficos como fatores de crescimento epidrmico e de fibroblasto.
Atravs da ativao deste receptor, a protena Ras G fosforilada e inicia-se uma
reao em cascata responsvel pela proliferao de clulas. Uma mutao desta
rota especfica, denominada rota RTQ-Ras, leva em humanos a condio da
acondroplasia. Quando os ligantes ou reguladores difusveis do desenvolvimento,
relacionados a diferenciao celular ou morfognese em geral, trafegam pelo
sangue so denominados hormnios.

3. Interao celular distncia: hormnios


Os estudos clssicos sobre o desenvolvimento envolvendo hormnios
relacionam-se a metamorfose em anfbios, anuros (salamandra) e insetos. Nos
primeiros dois grupos a principal substncia a tiroxina (T3), hormnio
tireoidiano. Atravs de estudos na dcada de 90, ficou definido que o papel da
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tiroxina ocorre ao nvel da transcrio, promovendo uma ativao precoce de


genes receptores do hormnio tireoidiano, receptores tireodianos (RT) que induzem
a uma acelerao na metamorfose. Tardiamente o T3 induz a transcrio de
RNA para albumina, globina, queratina e sonic hedgehog.
A protena relacionado ao sonic hedgehog cumpre um papel essencial na
estruturao dos eixos corporais e crescimento dos membros. Os hormnios
desempenham, de forma significativa, uma participao no desenvolvimento do
sistema nervoso. Estudos conduzidos em insetos (Drosophila melanogaster)
demonstraram a presena de dois hormnios principais, o hormnio juvenil,
repressor da metamorfose de tecido neuronal, e a hidroxiecdisona, secretada
pela glndula endcrina protrax, promotora do desenvolvimento neuronal e da
metamorfose. A transcrio de regies de DNA podem ser visivelmente
acompanhadas por meio da formao de puffs nos cromossomos de clulas em
cultura. Entre ns, mamferos, os mais detalhados estudos se referem ao de
hormnios como testosterona, insulina, prolactinas e hidrocortisona sobre os
tecidos associados aos caracteres sexuais secundrios, como tecido mamrio,
desde a fase embrionria.

rea gentica da morfognese


Embora possamos enumerar profundas diferenas entre os fentipos de
antigos adversrios que se degladiam pela mesma sopa- o Homo sapiens e a
Drosophila melanogaster, ambos possuem a mesma seqncia gentica
coordenadora do plano corporal e dos padres de segmentao: os genes
homeobox. Na lngua grega homeo significa semelhante e os genes hometicos
da Drosophila possuem a habilidade, mediante mutao, de transformar um
segmento corporal a semelhana de outro, fenmeno descrito com relao ao
gene bithorax.. Em face a esta surpreendente descoberta, estudar o processo de
segmentao da mosca significa uma genuna busca na compreenso do
desenvolvimento humano.
Os genes de segmentao agem sobre o blastema sincicial, o zigoto da
Drosophila, atravs de um sistema de cascata envolvendo quatro grupos de genes
de segmentao: os genes maternos, os genes gap, os genes reguladores do
pareamento (pair-rule genes) e os genes polaridade- segmentao (Figura 5.2).

Figura 5.2: Fotomicrografia de embrio de


Drosophila, evidenciando padro de
segmentao ao longo do eixo antero-
posterior atravs de marcador (protenas
gap), evidenciando os genes reguladores
do pareamento como reas escuras. (de T.
Karr, Gilbert,1997)

Em embries de aves, presumivelmente tambm em mamferos, existe


um centro organizador, homlogo ao centro de Nieuwkoop de anfbios. Esta regio,
chamada de zona marginal posterior ZMP, possui capacidade de induzir a
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CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 231
formao do eixo do embrio atravs da formao da linha primitiva. No entanto,
o desenvolvimento da linha primitiva e a conseqente gastrulao depende da
expresso do gene nodal que se utiliza de organizadores (como goosecoid e lim-
1). Se os genes goosecoid ou genes lim-1 so deletados de embries de roedores
desenvolve-se anencefalia.
A especificao do destino exato de cada segmento corporal dos mamferos
assim como do eixo antero- posterior depende dos semelhantes genes homeobox
da Drosophila.
Enquanto a Drosophila. apresenta uma nica unidade funcional- complexo
gentico hometico (HOM-C), localizado no cromossomo 3, o genoma humano
apresenta quatro cpias de HOM-C para cada conjunto haplide, denominado
complexo Hox, diminutivo de homeobox. A expresso dos genes Hox depende do
cido retinico e pode ser observada ao longo do eixo dorsal antero- posterior
do embrio no ectoderma superficial, tubo neural, crista neural e mesoderma
paraxial (Figura 5.3).

Figura 5.3: Fotografia


de embrio de rato de
14 dias, demonstrando
regies cido retinico-
responsvas (utilizando
marcador b-galacto-
sidase): regio ptica,
mandbula e regies
interdigitais dos
membros. (de J.
Rossant)

A administrao exgena de cido retinico em embries de ratos, em


doses teratolgicas, leva a malformaes cranio-faciais podendo ser mimetizada
pela expresso do gene Hoxa-7. Outras malformaes envolvendo vrtebras e
costelas foram observadas em embries expostos ao cido retinico durante a
gastrulao. Segundo os estudos de embriologia comparada da coluna vertebral
entre aves e mamferos, pde ser verificado que cada tipo de gen Hox relaciona-
se a um tipo de vrtebra. O gen Hox-5 parece correlacionar-se com a vrtebra
cervical, o Hox-6 com a torcica e os Hox-9 e Hox-10 com a transio traco-
lombar.
A partir destes conceitos gerais de morfognese ser mais fcil descrevermos
agora o desenvolvimento humano normal e patolgico

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II) O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Um breve histrico

As primeiras publicaes a respeito do desenvolvimento embrionrio


humano datam do comeo do sculo por Keibel e Elze (1908) e Keibel e Mall
(1910). Em 1914, iniciando a primeira guerra mundial, Mall, aluno de Keibel,
fundou o Departamento de Embriologia do Instituto Carnegie em Washington.
As descries das primeiras semanas do desenvolvimento embrionrio humano
existem a apenas 57 anos, desde que o patologista Hertig e o ginecologista Rock
estudaram, entre 1942 e 1956, 210 teros humanos tendo encontrado 34 stios
de implantao de embries. Este valioso material foi adequadamente catalogado,
mediante preparao histolgica, no laboratrio do Instituto Carnegie. A coleo
de Carnegie incorporou a coleo alem de Blechschmidt e atualmente todo
conhecimento da embriologia humana, no extrapolada de outras espcies
animais, provm desta coleo.
Inicialmente Steeter, em 1942, e posteriormente ORahilly e Mller, em
1987 classificaram o desenvolvimento embrionrio humano em 23 estgios- os
estgios de Carnegie.

- PERODO EMBRIONRIO: SITUANDO NO TEMPO E NO ESPAO -

Durante a gestao humana, de 9 meses ou melhor de 40 semanas, o


perodo embrionrio ocupa os primeiros 2 meses ou 8 semanas, enquanto os 7
meses restantes, referem-se ao perodo fetal.
O embrio termina seu desenvolvimento quando adquire caractersticas
que permitem seu reconhecimento como ser humano (Figura 5.4), ou seja,
forma arredondada da cabea, regresso da cauda, olhos em posio frontal e
fechados pelas recm formadas plpebras, pavilho auricular posicionado na
altura dos olhos, membros superiores curvos ao nvel dos cotovelos, coxins
aparentes nas extremidades distais dos dedos, trmino da rotao dos membros
superiores (abduo ) e dos membros inferiores (aduo), incio da ossificao
dos moldes cartilaginosos das estruturas esquelticas dos membros, canalizao
quase completa da luz do tubo intestinal, cavidade corinica obliterada pelo
crescimento do saco amnitico e definio do sexo gonadal.
O perodo embrionrio pode ser dividido em duas fases:
Desenvolvimento precoce- primeiras trs semanas
Desenvolvimento embrionrio propriamente dito- quarta a oitava semana

O desenvolvimento precoce, didaticamente, ainda pode ser dividido em


trs perodos:
Primeira semana: da fertilizao ao blastocisto, tambm denominado
perodo da migrao tubria (seis dias de durao),
Segunda semana: perodo da implantao do blastocisto, estabelecimento
do disco embrionrio bilaminar e formao dos quatro anexos embrionrios (seis
dias),
Terceira semana: estabelecimento do disco embrionrio trilaminar atravs
da gastrulao e desenvolvimento inicial dos somitos e neurulao (nove dias).

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 233
O desenvolvimento embrionrio propriamente dito se inicia com o
dobramento do embrio na quarta semana e segue com a organognese,
entre a quinta e oitava semana.

A B C

Figura 5.4: Fotografia de quatro


momentos do desenvolvimento:
A - mrula (1 semana),
B - embrio com 5 semanas
C - embrio com 6 semanas
D - embrio com 12 semanas
(fentipo reconhecidamente humano).

Durante o perodo embrionrio o ser humano passa da condio de um


ser unicelular (ovo ou zigoto) medindo 0,1 mm no comprimento para a condio
de um ser humano multicelular complexo com corao funcionando desde a
terceira semana, sugando o dedo e medindo 3 cm, ou seja, atravessando um
crescimento na ordem de 300 vezes. No perodo fetal, da nona a quadragsima
semana, o feto cresce na ordem de 17 vezes atingindo o comprimento final
de aproximadamente 50 cm no momento do parto.

- Primeira semana: Estgios 1,2 e 3 (dias 1 a 5/ 0,1 mm) -

Cada organismo possui duas histrias- uma filogentica e outra


ontogentica. As histrias filogenticas da ameba e do ser humano podem
seguramente ser assumidas como iguais (alguns 3,5 bilhes de anos); entretanto,
a histria ontogentica do primeiro, ameba, curta (minutos, horas), do segundo
muito longa.. Estas duas histrias se referem a dois destinos de clulas: as
clulas somticas diplides que realizam uma irreversvel diferenciao terminal
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
234 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

(ontogentico) e das clulas germinativas primordiais que, precocemente


no desenvolvimento, colocam-se a margem das clulas somticas e aps
meiose formam os goncitos haplides (filogentico).
A primeira semana do desenvolvimento humano depende de um
encontro entre os gametas (do grego gamsz, noivos), frutos da antigidade.
Esta antigidade humana pode ser bem demonstrada em base da
conservao do cdigo gentico e da antigidade dos mecanismos de
desenvolvimento precoce, como os relacionados aos genes homeobox e ao cido
retinico, a metameria e a formao de arcos branquiais.
Dois seres humanos sexuados geraro, atravs da fecundao, um ser
humano fenotipicamente assexuado por praticamente todo perodo embrionrio
(exatamente sete semanas) at que as suas gnadas se definam sexualmente e
ele se torne fenotipicamente sexuado.
O perodo da prognese ou gametognese, considerado o primeiro
estgio do desenvolvimento humano, se caracteriza pela separao da
linhagem germinativa, migrao das aproximadamente 100 clulas
germinativas primordiais, provenientes do endoderma extraembrionrio do
saco vitelino, para as cristas genitais primitivas. Ocorre, ento, subsequente
gonadognese, com diferenciao corticomedular, aumento do nmero de
clulas germinativas por mitose chegando a mais ou menos 5000, reduo
do material cromossmico por meiose e maturao estrutural e funcional
dos gametas.
Erros na migrao das clulas germinativas primordiais levam ao
desenvolvimento dos teratomas. Erros no processo da meiose levam as no-
disjunes, resultando em aneuploidias (trissomias e monossomias)
O ovcito contido no folculo ovariano, 10 horas antes da ovocitao,
progride enfim da fase de prfase I para a fase de metfase II e liberado do
ovrio rodeado pela membrana pelcida (rica em glicocalix) e pelas clulas
foliculares da corona radiata. O folculo ovariano restante resulta no corpo lteo,
local da sntese de estrognio e progesterona.
Caso ocorra o encontro krmico entre o mvel flagelado espermatozide
proveniente da extremidade proximal da tuba uterina e o imvel gigante
ovcito proveniente da outra extremidade (Figura 5.5), pode existir a
fertilizao ou fecundao do ovcito e formao do zigoto (do grego xngsz,
par) atravs da singamia, unio dos gametas e cariogamia, fuso dos gametas
(Figura 5.6).
As imediatas conseqncias da fecundao so o restabelecimento da
diploidia (46 cromossomos) e a determinao do sexo gentico, em funo da
presena de cromossoma X ou Y no pr-ncleo masculino. Este encontro possui
local e hora marcada, ou seja, na regio ampular da tuba e nas primeiras 24 hs
de vida do ovcito II.
A fecundao depende de uma srie de eventos como capacitao do
espermatozide, reaes bioqumicas de maturao que dependem da sua
permanncia no trato reprodutivo feminino por algum tempo e quimiotaxia
entre ovcito e espermatozide para, enfim, alcanar a reao acrossmica.
A reao acrossmica significa um processo de fuso da membrana
acrossmica externa com a membrana plasmtica do ovcito, mediante
liberao de enzimas como acrossina, proteinase cida, arilaminidase,
colagenase e esterase, necessrias para a penetrao na membrana pelcida.
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 235
A cariogamia depende de uma srie de modificaes da membrana
citoplasmtica, desencadeadas pela reao acrossmica.

Figura 5.5: Fotomicrografia


eletrnica de varredura de um ovo
de ourio do mar recoberto de
espermatozides. (C. Glabe et al,
1993)

Figura 5.6: Fotografia de um ovo ou


zigoto apresentando os dois pr-
ncleos em processo de singamia.
(foto de Lennart Nilsson Bonnier
Lakta, 1990)

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


236 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A cabea e a cauda do espermatozide penetram no interior do ovcito


II, que logo em seguida finaliza sua diviso meitica eliminando o segundo
corpsculo polar. O ncleo do recm formado vulo, torna-se o pr-ncleo
feminino., enquanto a cabea do espermatozide converte-se em pr-ncleo
masculino, enquanto a cauda digerida. Aps perderem suas ltimas vestes
nupciais, as membranas nucleares, os cromossomos maternos e paternos
misturam-se no crossing over durante a metfase da primeira diviso mittica
do zigoto. O nico material gentico feminino, herdado sem participao
paterna, corresponde ao material intramitocondrial do ovcito (em seguida
do vulo e depois do zigoto), enquanto o RNA mitocondrial paterno, presente
na pea intermediria do espermatozide, parece no contribuir na herana
gentica.
Logo aps a singamia, a membrana citoplasmtica do ovcito sofre rpida
despolarizao prevenindo a entrada de outros espermatozides, processo
denominado bloqueio rpido da polispermia. O bloqueio lento depende,
inicialmente, da propagao de uma onda de clcio a partir do cone de fecundao.
O clcio induz a reao da zona, uma reao a liberao de enzimas contidas
nos grnulos corticais intracitoplasmticos que por sua vez hidrolisam as
molculas receptoras de esperma da zona pelcida. Assim estrutura-se um
casamento monogmico.
O processo de fertilizao conduz a uma ativao do metabolismo
oxidativo do ovo ou zigoto, necessria ao processo de clivagem ou
segmentao (Figura 5.7).

A B C

D E F
Figura 5.7: Fotomicrografia de luz demonstrando o processo de clivagem de um embrio de rato. (A) estgio de
2 clulas, (B) 4 clulas, (C) 8 clulas, (D) 8 clulas compactas, (E) mrula e (F) blastocisto. (de Mulnard, 1967)

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 237
Durante os primeiros 6 dias o zigoto, envolto pela zona pelcida, sofre
divises binrias ao longo de seus eixos meridional e equatorial, formando
os blastmeros (Figura 5.8) e migra em direo ao tero por ao de peristalse
tubria. Nesta fase a zona pelcida mantm a agregao entre os blastmeros,
impede a aderncia tuba uterina (impedindo a gestao tubria), protege os
blastmeros de agentes fsicos, qumicos e biolgicos, permite a nutrio a partir
de secrees tubrias e previne a gemiparidade univitelina.

Figura 5.8: Fotomicrografias eletrnicas de varredura evidenciando blastmeroe de embrio de rato.


(C. Ziomek).

Estudos morfolgicos e de autoradiografia demonstram precoces


diferenas entre os blastmeros com relao a atividade de transcrio
(sntese de RNA), definindo blastmeros ativos e inativos. Segundo estudos
experimentais, utilizando transplante de pr-ncleos, verificou-se que o pr-
ncleo masculino isoladamente conduz ao desenvolvimento normal de
estruturas extraembrionrias e anormal de estruturas embrionrias,
enquanto o material feminino promove o contrrio. Estes estudos levaram ao
conceito de imprinting parental, podendo ser paterno ou materno. Exemplo
extremo do imprinting paterno a condio da mola hidatiforme, condio de
desenvolvimento a partir de dois pr-ncleos masculinos na ausncia do
pr-ncleo feminino. Neste caso existe agenesia ou atrofia do embrio
associado a hipertrofia e hiperplasia das vilosidades corinicas.
Quando o zigoto atinge por volta de 32 blastmeros, atravs de suas divises
binrias, assume uma forma semelhante a fruta amora, designado mrula,
cujo maior dimetro de 0,1 a 0,2 mm no ultrapassa a dimenso do zigoto.
As divises no so necessariamente sincrnicas de tal forma que podem
ser visualizados embries humanos com nmeros variados e mpares de
blastmeros.
O embrio, no estgio 2 de Carnegie- de dois blastmeros at mrula,
permite ser manipulado experimentalmente e tcnicas de cultura e transplante
de embries tem sido realizadas em seres humanos. A partir do estgio de oito
clulas os blastmeros formam junes gap adquirindo caractersticas epiteliais,
fundamentais para o desenvolvimento da compactao de blastmeros no
plo chamado embrionrio (ou animal). Atravs da grande polarizao da
mrula em plos embrionrio e abembrionrio (ou plo vegetal), forma-se o
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
238 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

blastocisto precoce (Figura 5.9), estrutura contendo de um lado clulas


compactadas, o embrioblasto e de outro lado a blastocele, coleo lquida
proveniente de secrees, rodeada pelo trofoblasto (trofos, do grego TROFEIN,
nutrio). A definio do destino dos blastmeros, em termos de constituir o
embrioblasto ou o trofoblasto parece depender de campos epimrficos, ou
seja, unidades morfologicamente reativas do organismo em desenvolvimento
at levar a estrutura final. Neste caso particular prope-se a hiptese dentro
fora, a partir de experimentos demonstrando que os blastmeros localizados
internamente compem o embrioblasto ou massa celular interna e os
externos, o trofoblasto ou massa celular externa, os externos.

Figura 5.9: Fotografia de


um blastocisto humano
precoce livre. (foto de
Lennart Nilsson Bonnier
Lakta, 1990)

A formao de irmos gmeos monozigticos ou idnticos,


representando aproximadamente 30% dos tipos de gemiparidade, depende
comumente da diviso completa do embrioblasto em dois; caso a diviso no
for completa obtm-se a condio de gmeos siameses (em homenagem aos
gmeos xifpagos do antigo Reino do Sio). Caso um dos gmeos xifpagos
no se desenvolva, o outro gmeo, aparentemente de gestao nica pode
desenvolver situs inversus. A condio de situs inversus pode ser
experimentalmente induzida atravs da exposio, em embries de ratos na
terceira semana, de um agonista adrenrgico (methoxamina). Este estudo
demonstrou que a simetria da linha mediana ou simetria direito/esquerda
no depende apenas dos genes homeobox, mas tambm de receptores a-
adrenrgicos, do cido retinico e seus receptores, assim como da ao do
alelo normal do gene iv e do alelo normal do gene da sndrome de Kartagener.
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 239
Caracterstico dos vertebrados superiores a ausncia de uma rgida
determinao precoce do eixo corporal, como verifica-se nos vertebrados
inferiores, at a formao do embrioblasto na primeira semana, cuja face
voltada para a blastocele definir a superfcie ventral enquanto a face contrria
voltada para o trofoblasto definir a superfcie dorsal. O eixo longitudinal,
definindo regio cranial e caudal s aparecer na segunda semana e a
simetria bilateral, na terceira semana.
O blastocisto precoce penetra na cavidade uterina e eclode da membrana
pelcida (Figura 5.10), amadurecendo em blastocisto tardio, apto a
implantao ou nidao no endomtrio uterino, caso esteja em plena fase
secretora. A blastocele, formada pela secreo das clulas trofoblsticas,
vem a ser denominada cavidade do blastocisto e com a ecloso da membrana
pelcida toda estrutura do blastocisto se expande a 0,25 mm de dimetro,
com penetrao de fluidos na sua cavidade.

Figura 5.10: Foto-


grafia do processo de
ecloso do blastocis-
to em relao a
membrana pelcida.
(foto de Lennart
Nilsson Bonnier
Lakta, 1990)

- Segunda semana: Estgios 4 e 5 (dias 5 a 12/ 0,1 a 0,2 mm) -

A segunda semana se caracteriza pelo desenvolvimento do trofoblasto,


pelo desenvolvimento dos quatro anexos que iro servir como nutrio,
proteo, continente para que o embrio, o contedo, se desenvolva na terceira
semana. Enquanto na primeira semana formou-se o embrio unilaminar, o
embrioblasto, na segunda se forma o embrio bilaminar e o concepto
(embrio e anexos).
O estgio 4 de Carnegie se caracteriza pelo contato e aderncia do
blastocisto com a mucosa endometrial no quinto ou sexto dia aps a fecundao.
Esta aderncia depende da ao conjunta do fator de crescimento epidrmico,
do fator de ativao plaquetria, da fibronectina e de outras glicoprotenas. O
estgio 5 corresponde a implantao e formao do disco bilaminar.

Implantao (entre os dias 6 e 9)


No ponto de contato entre o blastocisto e a mucosa uterina, as clulas
trofoblsticas do plo embrionrio sofrem uma diferenciao em
sinciciotrofoblasto que penetra no epitlio endometrial. Esta diferenciao
se caracteriza pela formao de uma massa de clulas gigantes
multinucleadas invasoras, com poliploidia, a partir de um processo de
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
240 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

cariocinese no acompanhada de citocinese. No difcil imaginar uma


transformao maligna, e de fato encontramos nos coriocarcinomas tumores
malignos provenientes do trofoblasto e assim como a mola hidatiforme
correspondem a um imprinting paterno (dois pr-ncleos paternos).
O sinciciotrofoblasto, de comportamento agressivo sobre a mucosa uterina,
emite microvilosidades com capacidade proteoltica e fagoctica em direo aos
vasos maternos provocando microhemorragias e estabelecendo o incio da
circulao materno- fetal. A sntese de gonadotrofina corinica por parte
do sinciciotrofoblasto, inibe a regresso do corpo lteo e o converte em corpo
gravdico, fundamental para a manuteno da gestao.
Enquanto penetra no epitlio uterino, o blastocisto colapsa e o
trofoblasto que no entra em contato com a mucosa uterina forma uma
camada interna de morfologia tipo epitelial baixa preservando as membranas
citoplasmticas, o citotrofoblasto. Como apenas as clulas do citotrofoblasto
se dividem, o sincicio cresce por adio de clulas provenientes do
citotrofoblasto. O sinciciotrofoblasto, de incio compacto, se espalha para
dentro da mucosa criando cavidades interligadas, preenchido por sangue
materno, e passa a ser designado trofoblasto lacunar- assim estabelece-se
a circulao uteroplacentria. No nono dia o blastocisto est quase
totalmente implantado na parede posterior do tero.

A formao do disco bilaminar e dos anexos embrionrios


Durante a implantao o embrioblasto comea a se diferenciar em duas
camadas. No oitavo dia as duas camadas esto bem distintas: uma camada
externa de clulas colunares adjacentes ao citotrofoblasto, o ectoderma primrio,
e uma camada interna de clulas cubides voltadas para a cavidade do blastocisto,
o endoderma primrio. Dados sugerem que a determinao da origem destas
clulas ainda no embrioblasto, depende de condies epitpicas, ou seja, de
localizao. Logo que formadas, as duas camadas se delimitam por uma
membrana basal extracelular.
Um lquido comea a ser coletado entre as clulas ectodrmicas formando
a primeira cavidade da segunda semana, a cavidade amnitica. Esta cavidade
comea e ser revestida internamente pelos amnioblastos, criando a membrana
amnitica e preenchida pelo lquido amnitico. Esta cavidade, de incio to tmida,
ir ao final do perodo embrionrio envolver todo embrio e ser chamada
bolsa das guas.
Simultaneamente, as clulas do endoderma migram para preencher a
cavidade do blastocisto, previamente revestidas de citotrofoblasto, formando o
endoderma extraembrionrio (membrana exocelmica ou membrana de Heuser)
e a cavidade por ela preenchida agora denomina-se saco vitelino primrio
(cavidade exocelmica).
Em seguida, aps o 12 dia, o retculo extraembrionrio, um material
acelular, comea a ser secretado entre a membrana exocelmica e o citotrofoblasto.
Entre os dias 12 e 13 o retculo extraembrionrio comea a ser preenchido
por mesoderma extraembrionrio, clulas de origem controversa, enquanto
se forma a cavidade corinica a partir do coalescimento de vacolos
(vacuolizazo) do retculo. O mesoderma extraembrionrio reveste as duas
superfcies da cavidade corinica, uma voltada para o endoderma
extraembrionrio e outra voltada para o citotrofoblasto.
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 241
O embrio, achatado entre as cavidades amnitica e vitelina, fica
suspenso por um pedculo de mesoderma extraembrionrio, denominado
pedculo conectivo.
O saco vitelino definitivo ou secundrio formado, no 12 dia, por uma
segunda onda de migrao celular proveniente do endoderma primitivo, que
promove um estrangulamento do saco vitelino primrio, dividindo-o, no plo
embrionrio, em saco vitelino definitivo revestido pelas clulas da segunda onda
e, na extremidade abembrionria, em vesculas exocelmicas, produto da
degenerao do saco vitelino primrio (Figuras 5.11 e 5.12).
O saco vitelino definitivo desempenha um enorme papel no
desenvolvimento, sendo a maior estrutura embrionria at a quarta semana. O
mesoderma extraembrionrio que o recobre externamente corresponde ao primeiro
stio de hematopoiese e o seu endoderma, como j mencionado, fonte das
clulas germinativas primordiais. A persistncia do saco vitelino aps o nascimento
leva a condio patolgica chamada divertculo de Meckel.
O alantide (do grego ALANTOIS, forma de linguia) corresponde a uma
evaginao da futura regio caudal do saco vitelino, cuja funo e forma so
bem desenvolvidas em aves, rpteis e mamferos mas no em seres humanos. O
papel principal deste anexo a excreo.
Tamanho Original
Lacuna Trofoblstica Sincciotrofoblsto
Formao da
Membrana de
Heuser
Membrana
Uterina Figura 5.11 (esq.): Desenho do
embrio de nove dias, implantado no
Ponto de endomtrio. Notar blastocele de um
Cavidade Coagu- lado sendo preenchida pelo endoderma
Amnitica lao extraembrionrio e do outro lado,
ectoderma primitivo formando a
Amnioblasto cavidade amnitica atravs da
diferenciao em amnioblastos. Note
as lacunas trofoblsticas surgindo no
sinciciotrofoblasto.

Tamanho
Original

Sincciotrofoblsto

Estrutura de
Conecco
Figura 5.12 (dir.): Desenho do final Citotrofoblasto
da segunda semana demonstrando
disco embrionrio com saco vitelino Mesoderma
ventral e amnitico dorsal, suspensos Extra-Embrinico
na cavidade corinica pelo pedculo
conectivo. Notar, no plo oposto, a Lacona
presena das vesculas exocelmicas Trofoblstica
mergulhadas no mesoderma
extraembrionrio e os constituintes Vesculas
trofoblasto (cito, sincicio e lacunas). Exocelmicas

O sistema circulatrio uteroplacentrio comea a se desenvolver a


partir da placenta, uma estrutura composta por componentes embrionrios
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
242 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

e maternos, promovendo uma troca de metablitos e gases. O componente


embrionrio da placenta corresponde a parede da cavidade corinica, o
mesoderma extraembrionrio e o trofoblasto, e do lado materno pelo
endomtrio. O exato estabelecimento das trocas depende dos seguintes
eventos:
1. formao do trofoblasto lacunar (dia 9) e formao de sinusides preenchidos
por sangue materno (dia 11),
2. citotrofoblasto prolifera em projees digitiformes, revestidas de sincicio, para
dentro das lacunas de trofoblasto, chamadas vilosidades primrias (dia 13),
3. vilosidades adquirem cerne de mesoderma extraembrionrio, agora
vilosidades secundrias (dia 16),
4. diferenciao de vasos sangneos no mesoderma das vilosidades, agora
tercirias (dia 21) e
5. conexo dos vasos das vilosidades com os vasos formados no crion,
conectando pedculo e embrio.

Assim as trocas materno- fetais devem ultrapassar quatro barreiras:


endotlio capilar das vilosidades, tecido conjuntivo frouxo mesodrmico da
vilosidade, citotrofoblasto e sinciciotrofoblasto. O estabelecimento da circulao
uteroplacentria, portanto, avana da segunda para a terceira semana.

- Terceira semana: Estgios 6, 7, 8 e 9 (dias 13 a 21/ 0,2 a 2,5 mm) -

Uma vez que a periferia do embrio foi construda- o continente dos quatro
anexos, o contedo, o prprio embrio, um espao plano oval quase virtual
entre duas esferas (a cavidade amnitica sobre a sua superfcie dorsal e a cavidade
vitelina sob seu ventre), pode se desenvolver.
O embrio bilaminar da segunda semana ser o embrio trilaminar, definitivo,
na terceira semana.

Tudo comea com a linha primitiva (estgio 6).


No dia 15 um discreto sulco aparece na linha mediana, na extremidade
caudal da regio dorsal do embrio. Na sua extremidade cranial, forma-se uma
fosseta primitiva, rodeada por uma elevao de clulas, o n primitivo ou n
de Hensen, rico em cido retinico. Este conjunto designado linha primitiva.
A topografia da linha primitiva revela a organizao do embrio nos eixos da
tridimensionalidade: eixo dorso- ventral, eixo crnio- caudal e eixo direito-
esquerdo (Figura 5.13).
Gastrulao
A gastrulao significa o processo de estabelecimento dos trs folhetos
embrionrios, ou seja, a gerao do disco embrionrio trilaminar. No 16dia,
clulas do ectoderma primitivo migram ventralmente para dentro da linha
primitiva, invadem e substituem o endoderma primitivo por uma segunda gerao
tecidual, o endoderma definitivo. Em seguida uma nova onda de migrao a
partir da mesma regio ectodrmica se deposita entre as duas camadas (ecto/
endo), compondo o mesoderma intraembrionrio (Figura 5.14). Segundo uma
hiptese, os mesodermas intra e extraembrionrio possuiriam a mesma regio
de origem, apenas em momentos diferentes. O embrio possui agora os trs

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 243
clssicos folhetos definitivos: ectoderma, endoderma e mesoderma, todos
derivados do ectoderma primitivo.

Figura 5.13: Micrografia


eletrnica de varredura da
face dorsal ectodrmica de
um embrio primata de 19
dias, demonstrando a linha
primitiva caudal s pregas
e ao sulco neural. (de
Tamarin A., 1983. J.
Anat.,137:765)

Segundo Larsen os estudos destes complexos eventos de migrao e


diferenciao celular dependem de tcnicas de marcao celular e estudos de
linhagem celular (descendentes clonais). Foi demonstrado que especficas reas
do ectoderma primitivo pr-gastrulao j possuem um destino traado por
marcadores, formando um mapa de destino (fate map).
As clulas do mesoderma recm formadas adotam uma ordenada
posio como camada intermediria, criando de incio duas estruturas a
partir da fosseta primitiva, na linha mediana: a placa prcordal e o processo
notocordal. (estgio 7)
A placa prcordal corresponde a uma massa de clulas mesodrmicas
que se localiza cranialmente ao processo notocordal, uma estrutura cilndrica e
oca, cranial a fosseta primitiva. O processo notocordal, mantendo-se unido a
fosseta primitiva (que adiciona clulas a sua extremidade caudal), cresce em
direo cranial enquanto a linha primitiva regride em dimenses tanto absoluta
como relativa. Enquanto no 16 dia a linha primitiva corresponde a 50% do
comprimento embrionrio, no 22 dia a apenas 10 a 20%, desaparecendo no
26 dia. Todavia, no 20dia, a linha primitiva produz uma massa de mesoderma
na regio caudal da linha mediana, a eminncia caudal, responsvel pela
formao das estruturas mesodrmicas caudais do corpo, assim como pela
poro mais caudal do tubo neural (abaixo de S2).
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
244 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Figura 5.14: Desenho de um corte


transversal ao nvel da linha
primitiva, demonstrando o processo
de gastrulao.

Mesoderma Endoderma
Definitivo

A fosseta primitiva cresce, por invaginao, no processo notocordal


criando um canal com fundo cego, o canal notocordal. Com a fuso do processo
notocordal com o endoderma subjacente e subsequente desintegrao da
regio epitelial fundida, as clulas do processo notocordal migram para o
teto do saco vitelino formando a placa notocordal. O canal, ento, que
estabelece uma ligao entre a cavidade amnitica ectodrmica e o saco
vitelino endodrmico denomina-se canal neuroentrico ou canal axial.
(estgio 8)
O processo notocordal converte-se, entre os dias 16 e 22, em um cilindro
macio denominada notocorda (Figura 5.15).
A presena da notocorda durante alguma fase do desenvolvimento, de
tamanha importncia para toda a evoluo que divide todos os animais em
dois grupos, os que a possuem- vertebrados, e os que a no possuem-
invertebrados.
A nica estrutura corporal definitiva, originria da notocorda, o ncleo
pulposo do disco intervertebral. Evidencias apontam, entretanto, que na primeira
infncia as clulas originais do ncleo so substitudas pelo tecido conjuntivo
circundante.
Em apenas duas regies do disco embrionrio o ectoderma e o endoderma
se aderem de tal maneira que impedem a participao do mesoderma- a
membrana bucofarngea, cranial a placa prcordal, e a membrana cloacal,
caudal a linha primitiva. A membrana bucofarngea se degenera na quarta
semana para formar a cavidade oral, enquanto a membrana cloacal se
desintegra apenas na stima semana para originar a abertura anal e
urogenital.
A migrao das clulas do mesoderma, lateralmente ao eixo da notocorda
(mesoderma axial), definir trs regies de cada lado ao longo do eixo longitudinal
do embrio:
1) um par de condensaes cilndricas justa laterais notocorda, o mesoderma
paraxial,
2) um par cilndrico, lateral ao primeiro, o mesoderma intermedirio e
3) uma camada plana que preenche o embrio restante, o mesoderma lateral
(Figura 5.15).
O mesoderma paraxial dar origem ao esqueleto axial, musculatura
estriada esqueltica do tronco e extremidades e parte da derme da pele. O
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 245
mesoderma intermedirio originar a maior parte do aparelho urogenital,
por isso tambm chamado mesoderma urogenital. O mesoderma lateral
logo se divide em duas camadas (somtica e esplncnica) ao redor de uma
cavidade central denominada celoma intraembrionrio. O mesoderma
somtico se une ao ectoderma (formando a somatopleura) e o mesoderma
esplncnico ao endoderma (formando a esplancnopleura). A somatopleura
participa isoladamente da composio do tecido conjuntivo (incluindo derme
e musculatura) da parede ventral, alm das costelas, do esterno e dos
membros, enquanto a esplancnopleura participa da formao musculatura
lisa, do crtex adrenal, do corao e do tecido conjuntivo dos sistemas
digestrio e respiratrio.
Embora o estgio 9 de Carnegie se caracteriza pelo incio da formao
dos somitos (primeiros trs), o perodo somtico pleno (90% dos somitos) se
concentra na quarta semana.

Incio da Neurulao
O mesoderma axial, representado pela placa prcordal e pela notocorda,
liberam substncias organizadoras que induzem a diferenciao do ectoderma
superficial em placa neural, um epitlio neural ou neurectoderma, precursor
do sistema nervoso central. A extremidade cranial da placa neural formar o
encfalo, e mesmo na terceira semana, constries desta regio definem os
primrdios das trs vesculas enceflicas: prosencfalo, mesencfalo e
rombencfalo. A poro caudal da placa neural originar a medula espinhal
(Figura 5.13).

A circulao sangunea
O crescimento e o desenvolvimento embrionrio se processam de maneira
to impressionantemente rpida, durante a terceira semana, que o suprimento
nutricional proveniente do saco vitelino e por meio de difuso no suportam
mais o processo. Surge, ento, a necessidade da estruturao de um sistema
cardio- circulatrio e sangneo.
Enquanto a morfognese do corao e dos grandes vasos provm , no 19
dia, do mesoderma intraembrionrio, o sangue e os pequenos vasos se
desenvolvem, no 17 dia, do mesoderma extraembrionrio, por isso o ltimo
ser apresentado primeiro.
A formao dos vasos sangneos e do sangue se inicia por agregao de
clulas do mesoderma extraembrionrio do, envolvente do saco vitelino,
chamadas ilhotas sanguneas. As clulas perifricas das ilhotas se diferenciam
em clulas endoteliais (formadoras de vasos) e as clulas centrais, em
hemoblastos (formadoras de sangue). As ilhotas se interconectam criando uma
rede vascular que invade o saco vitelino, o pedculo conectivo e as vilosidades
corinicas e que se agrupa em vasos maiores (canais vasculares primitivos).
Aps dois dias (19 dia) a vasculognese se processa dentro do embrio,
no mesoderma esplncnico, sem a hematopoiese associada. As clulas deste
mesoderma intraembrionrio, os angioblastos, se unem para formar os
angiocistos que por sua vez se renem para originar os cordes angioblsticos.
Os cordes angioblsticos formam redes de plexos angioblsticos que se
desenvolvem em trs direes: vasculognese contnua, angiognese (neo-
formao vascular) e troca de clulas mesodrmicas das paredes vasculares.
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
246 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A hematopoiese, iniciada no saco vitelino e alantide, geralmente


assumida, na fase fetal, pelo fgado e bao e apenas no stimo ms da gestao
passa a ser assumida pela medula ssea. A vasculognese, mediante induo do
endoderma, pode ser realizada por todos os tipos de mesoderma intraembrionrio,
exceto o da placa prcordal e o da crista neural. Este sistema vascular, em
sentido centrpeto, se encontrar com o sistema cardio- vascular, de sentido
centrfugo, para que o plano circulatrio primitivo se estabelea.
A cardiognese corresponde a uma vasculognese (induzida pelo
endoderma do intestino anterior) que se processa no mesoderma esplncnico na
rea cardiognica (em forma de arco de ferradura, cranial e lateral membrana
bucofarngea e placa neural). Nesta regio forma-se o primrdium cardaco,
em realidade sinnimo dos tubos endocrdicos laterais. Ainda na regio
ceflica, os tubos endocrdicos se conectam, atravs de sua extremidade cranial
, com os arcos articos-tratos de sada do corao primitivo. Trs pares de veias
se conectam com a extremidade caudal, de entrada, dos tubos endocrdicos: as
veias vitelinas (do saco vitelino), as veias umbilicais (sangue oxigenado da
placenta) e as veias cardinais comuns (drenagem da cabea e parede corporal).
O dobramento cfalo-caudal e latero-lateral do embrio, na quarta semana,
conduz os tubos endocrdicos regio torcica onde se fundem, na linha mediana,
para formar o tubo cardaco primrio.
As clulas miocrdicas, em diferenciao, iniciam uma contractilidade no
21 dia de vida do embrio, permitindo o incio do batimento cardaco, primeiro
rgo a funcionar ainda em plena formao.
A subsequente cardiognese envolve complexos processos de diferenciao,
remodelagem, dobramento, septao e rotao entre a quinta e a oitava semanas.
Durante este perodo ontogentico de organognese, o ser humano adquire,
transitoriamente, fentipos cardacos semelhantes aos de peixes (tubos
endocrdicos fundidos, dilatados e no dobrados), de rpteis (corao dobrado,
porm no totalmente septados) at alcanar o fentipo mamfero (dobrado e
septado com quatro cmaras). No entanto a maturidade cardaca, dependente
da perfeita separao entre a circulao pulmonar e sistmica, s se processa
exatamente no momento do parto.
As anomalias congnitas relacionadas a terceira semana incluem
gastrulao anormal.
Em recente artigo, ORahilly e Mller (1989), discutem a origem da ciclopia
e da sirenomelia em termos de eventos do plano mediano. Sirenomelia uma
anormalidade da formao mesodrmica na eminncia caudal. At o
fechamento do tubo neural, a eminncia caudal participa do mesoderma que
forma a notocorda, os somitos , os brotos dos membros inferiores, o perneo,
os vasos sangneos e a placa neural. A interferncia nos eventos
morfogenticos na eminncia caudal pode levar s seguintes malformaes:
malformao das vrtebras coccgeas, cordomas (restos de notocorda),
teratoma coccgeo e apndice caudal, anomalias anoretais (anus imperfurado
e atresia retal, associado a Sndrome Duhamel de displasia caudal), defeitos
sacrais familiares (geralmente envolvendo teratomas benignos), agenesia
sacral associada a ciclopia e cebocefalia, agenesia renal uni ou bilateral,
displasia mesodrmica axial (envolvendo complexo de Goldenhar e regresso
caudal), malformaes vertebrais e, finalmente, a sirenomelia (membros
de sereia). A sirenomelia, defeito da linha mediana no estgio 11 de Carnegie,
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 247
cursa com monopodium, simpodium ou rudimentos dos membros inferiores,
ausncia de tecidos como estruturas sacrococcgeas, perineo, bexiga, intestino
posterior, associado a agenesia renal e anomalias vertebrais.
As associaes entre malformaes caudais e anomalias craniais, podem
ser elucidadas luz da origem embrionria das estruturas envolvidas. A
associao VATERL, incluindo defeitos Vertebrais, atresia Anal, fstula
Traqueo-Esofgica, defeitos Renais e anomalias de membros (Limbs), est
relacionada a defeitos de formao do mesoderma.
Uma vez apresentado o perodo embrionrio precoce, responsvel pela
organizao trplice do ser humano, o destino de cada um dos trs folhetos
ser descrito na quarta semana, quando o embrio se curva para o saco vitelino,
por isso tambm chamado de perodo do dobramento do embrio.
- Quarta semana: Estgios 10, 11, 12 e 13 (dias 22 a 32 / 2,5 a 6 mm) -

Uma vez estabelecidos os trs planos corporais do embrio, observa-se


adicionalmente um plano de segmentao, orientados pelos genes Hox, manifesto
na anatomia humana definitiva atravs das vrtebras, costelas, dermtomos e
nervos espinhais.
Um gradiente diferencial de crescimento entre o ectoderma, mais
pronunciado em relao ao endoderma, criar a condio de dobramento (cranio-
caudal e latero-lateral) da face dorsal sobre a face ventral do embrio.
O dobramento embrionrio converte o disco germinativo trilaminar em
uma estrutura consistindo de trs tubos concntricos: um tubo externo de
ectoderma, um tubo intermedirio de mesoderma e um tubo central de endoderma.

Endoderma
O tubo endodrmico, denominado intestino primitivo ou arquenteron,
dar origem ao revestimento do trato digestrio e de outros derivados do tubo
intestinal. Isto significa que o intestino primitivo corresponde a um poro do
saco vitelino que foi incorporada (in, para dentro, do corpo) ao embrio, portanto
a luz do trato digestrio e dos seus derivados so realmente exteriores
Seguindo uma regularidade morfogentica, o intestino primitivo se
dividir em trs regies: intestino anterior, intestino mdio e intestino posterior,
com suprimentos arteriais diferenciados. O intestino anterior se diferencia em
trs regies: faringe, esfago e intestino anterior abdominal (do diafragma a poro
mdia do duodeno), suprido pela artria celaca. O intestino mdio, da segunda
metade do duodeno at dois teros proximais do clon transverso, vascularizado
pela artria mesentrica superior e o intestino posterior, do clon transverso ao
canal anoretal, servido pela mesentrica inferior. As dilataes, estreitamentos,
rotaes e brotamentos do intestino primitivo iro, no perodo da organognese,
desenvolver todo aparelho digestrio incluindo seus anexos, como pncreas,
fgado, vescula biliar e pulmo (Figura 5.19).

Mesoderma
O mesoderma paraxial se segmenta em somitmeros, que formaro os
somitos (Figura 5.15).
Em sentido cranio- caudal, no 18 dia, o mesoderma se condensa em
pequenos corpos indistintos, os somitmeros (etmologicamente, unidade de
pequenos corpos). Os somitmeros, exceto os 7 mais craniais, se diferenciam em
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
248 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

pequenos corpos cubides, os somitos (pequeno corpo). Os somitos se


desenvolvem, inicialmente, na futura regio da base do crnio no dia 20, e
continuam cranio-caudalmente at o dia 30. Formam-se 42 a 43 somitos, dos
quais os 5 a 7 mais caudais se degeneram, totalizando 37 somitos. Os 7
somitmeros criaro estruturas da cabea e pescoo, enquanto os 37 somitos se
responsabilizaro pela seguinte distribuio: 4 occipitais, 8 cervicais, 12
torcicos, 5 lombares, 5 sacrais e 3 coccgeos.
Os somitos se diferenciam em trs direes: esclertomo, mitomo e
dermtomo. O esclertomo, proveniente da regio medial dos somitos, migra
medialmente envolvendo o tubo neural e a notocorda. Atravs de estmulo indutivo
da notocorda, os esclertomos formam os corpos vertebrais. O estmulo do tubo
neural induz a formao, por parte dos esclertomos, dos arcos vertebrais. Como
os esclertomos se separam em metade cranial e caudal, e a regio caudal de
uma unidade se recombina com a regio cranial do seguinte para formar o
rudimento de uma hemivrtebra, podemos afirmar que os esclertomos so
segmentares, enquanto as vrtebras so intersegmentares. As clulas que
permanecem por detrs da rea de separao do esclertomo, iro formar o
annulus fibrosus do disco intervertebral.

Figura 5.15:
Fotomicrografia
eletrnica de
varredura do
processo de
fechamento do tubo
neural em embrio
de galinha (corte
transversal). (A)
sulco neural
ladeado pelas
pregas neurais. (B)
processo de
aposio das pregas
neurais. (C)
notocorda ventral,
mesoderma
paraxial,
intermedirio e
lateral bem
evidentes de cada
lado do tubo neural
fechado. (fotografia
de K. W. Tosney)

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 249
A dismorfognese envolvendo a falha de induo por parte da notocorda,
leva a malformaes do corpo vertebral, como hemivrtebras e conseqente
escoliose, enquanto que na falha produzida pelo tubo neural, desenvolvem-se
alteraes no arco vertebral, como espinha bfida.
Um par de mesnquima (mesoderma) condensado se desenvolve de
cada lado do arco vertebral- o processo costal. O processo costal, na regio
torcica, forma as costelas, nas regies no torcica formam os processos
transversos, que se fundem no sacro formando a regio alar do sacro.
Os mitomos, poro profunda da unidade restante dermatomitomo, se
dividem em dois segmentos: epmero, dorsal e hipmero, ventral. Os epmeros
formam a musculatura profunda do dorso, j os hipmeros diferenciam-se na
musculatura da parede ventrolateral do tronco. Os dermtomos originam a derme
da pele do tronco e da regio posterior do pescoo. A derme da cabea provm da
crista neural e a derme dos membros da somatopleura, fonte tambm dos
tendes e tecido conjuntivo da parede corporal.
O mesoderma intermedirio ou urogenital (Figura 5.16) inicia sua
segmentao na quarta semana (dia 24) e, atravs de uma sucesso cranio-
caudal, forma trs segmentos: pronfron, mesonfron e metanfron, ou
rim definitivo (dia 28). medida que um segmento renal mais caudal, o
nefrtomo, se diferencia, os nefrtomos craniais se degeneram, criando
uma condio semelhante s pegadas na areia beira do mar, enquanto
novas pegadas se formam, as antigas desaparecem apagadas pelas ondas do
mar. A formao do rim definitivo depende da interao indutiva entre o
broto ureteral e o blastema metanfrico, condensao de mesnquima. Os
ductos pronfricos ou paramesonfricos daro origem ao trato reprodutor
feminino, enquanto os ductos mesonfricos ao trato reprodutor masculino,
em funo da presena ou ausncia de testosterona. Em funo desta
interdependncia no desenvolvimento, entre sistema urinrio e sistema
genital, eles constituem a unidade urogenital.

Figura 5.16: Fotografia de


embrio humano de trs
semanas com neuroporos
cranial e ventral abertos.(foto de
Lennart Nilsson Bonnier Lakta,
1990)

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


250 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A produo de lquido amnitico, de incio proveniente de difuso


atravs da prpria membrana amnitica, passa a ser assumida pelo rim a
partir da 16 semana. Caso o feto no elimine urina, seja por agenesia renal
bilateral ou por uropatia obstrutiva, surgira a condio de oligohidramnio
(reduo da quantidade de lquido amnitico). Os casos de excesso
(polihidramnio) decorrem da ausncia de deglutio de lquido em funo
de obstruo do trato digestivo (p. ex. atresia esofgica) ou ausncia do reflexo
de deglutio (p. ex. anencefalia).
Com o dobramento do embrio, o celoma intraembrionrio, entre a
esplancnopleura e a somatopleura, se converte em cavidades fechadas. O celoma
intraembrionrio, assim, originar as membranas serosas de revestimento das
trs grandes cavidades corporais- pericrdio, pleura, peritnio (alm da cavidade
vaginal no escroto masculino). A somatopleura originar a serosa parietal e a
esplancnopleura a serosa visceral.
Os rgos viscerais so classificados em intraperitoneais,
retroperitoneais ou secundariamente retroperitoneais, segundo sua relao
com a parede corporal. Os intraperitoneais so aqueles rgos suspensos no
celoma pelo mesentrio, uma dupla membrana serosa (estmago, intestino delgado
e clon transverso). Os retroperitoneais apesar de desenvolvidos na parede
corporal, no so presos pelo mesentrio (esfago torcico, reto, vescula urinria
e rins). Os rgos secundariamente retroperitoneais so aqueles inicialmente
suspensos por mesentrio, mas secundariamente aderidos parede corporal
(duodeno, pncreas e clons ascendente e descendente). Atravs do mesoderma
lateral, unido ao mesoderma extraembrionrio, forma-se o pedculo corporal,
precursor do cordo umbilical, local onde o celoma intraembrionrio se
comunica com o extraembrionrio at que a parede ventral se feche
totalmente.

Ectoderma

Neurulao: A placa neural, formada na terceira semana, aps um


alongamento e estreitamento em sentido cranial, sofre um dobramento bilateral
longitudinal, criando as pregas neurais ladeando um sulco neural mediano.
Iniciando no 22 dia, a aposio e fuso das superfcies apicais das pregas neurais,
conduz invaginao que separa o ectoderma superficial dorsal do
neurectoderma ventral em formao. A invaginao acontece, de incio, em
apenas uma regio central do sulco neural denominada goteira neural, localizada
na altura dos primeiros cinco somitos (regio occipto- cervical), e progride tanto
em sentido cranial como em sentido caudal. Algumas clulas se desprendem do
ectoderma, durante a sua profunda migrao, para formar a crista neural em
topografia intermediria. As clulas do ectoderma que continuam a migrao, a
partir da goteira neural, formaro um tubo cilndrico denominado tubo neural,
base estrutural de todo sistema nervoso central. O processo gradativo de
fechamento do tubo neural, como dois zipers em duas direes opostas, a partir
da goteira neural, cria a situao provisria de abertura do canal central do tubo
neural (canal neural) nas extremidades. A abertura cranial, chamado neuroporo
cranial, fecha-se no 24 dia, enquanto o neuroporo caudal, ao nvel de S2, dois
dias aps. O canal neural dar origem ao canal central da medula espinhal e aos
ventrculos enceflicos (Figuras 5.15, 5.16 e 5.17).
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 251

Figura 5.17: Desenho do processo


de fechamento do tubo neural, entre
os dias 21 e 25, simultaneamente a
incorporao do saco vitelino e
descida do corao.

. Este processo designado neurulao, que ocorre ao longo de apenas 4


dias, representa a recapitulao de um gigantesco processo evolutivo de migrao
de neurnios a partir da pele (em aneldeos), passando por uma fase
intermediria em moluscos, at alcanar o status de sistema nervoso central nos
vertebrados. Analogamente a invaginao da placa neural, no desenvolvimento
filogentico, parece durar milhes de anos.
Na regio precursora do encfalo, correspondente a 75% do comprimento
da placa neural no final da quarta semana, inicia-se um processo de segmentao.
A primeira srie de segmentaes no tubo neural ceflico cria os trs supracitados
segmentos ou vesculas cerebrais (prosencfalo, mesencfalo e rombencfalo).
Precocemente, o prosencfalo dobra-se ventralmente em relao ao rombencfalo
ao longo da flexura cranial, local da formao do mesencfalo. Apenas no segundo
ms novas flexuras se adicionaro no tubo neural ceflico. Uma segunda srie
de segmentaes se processa, no 21 dia, formando segmentos designados
neurmeros. Vem sido descritos treze neurmeros, dois no prosencfalo, dois
no mesencfalo (m1 em2) e nove no rombencfalo. O primeiro neurmero do
rombencfalo chamado segmento do istmo e os oito restantes de rombmeros,
estruturas transitrias porm fundamentais para a organizao dos nervos
cranianos, mediante ao do cido retinico sob coordenao dos genes Hox.
Apenas entre a quinta e oitava semana uma terceira onda de segmentao
divide o prosencfalo, em telencfalo e diencfalo, e o rombencfalo em
metencfalo e mielencfalo, convertendo o encfalo de trs vesculas primrias
em encfalo de cinco vesculas secundrias. Na quinta semana o diencfalo
comea a ser segmentado nas trs regies definitivas- epitlamo, tlamo e
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
252 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

hipotlamo. O canal neural se expande em cavidades denominadas


ventrculos primitivos. A cavidade do rombencfalo resulta no quarto
ventrculo, a cavidade do mesencfalo no aqueduto cerebral (de Sylvius), a
cavidade do diencfalo em terceiro ventrculo e a cavidade do telencfalo
nos ventrculos laterais. Aps o fechamento do neuroporo caudal, os
ventrculos e o canal da medula so preenchidos pelo lquido crebro- espinhal
(Figura 5.18).
A separao das clulas da crista neural a partir das pregas neurais,
durante a neurulao, inicia-se no prosencfalo e mesencfalo (22 dia) e migra
no sentido craniocaudal at o fechamento do neuroporo caudal.

Figura 5.18: Desenho do


tubo neural na 6 semana,
enfocando encfalo de
cinco vesculas e nervos
cranianos e espinhais.

Os principais derivados da crista neural se concentram na cabea e


so considerados uma diferenciao do neurectoderma denominada
mesectoderma. Os derivados no neuronais incluem os melancitos da
epiderme, clulas endcrinas e paraendcrinas (como medula adrenal,
clulas parafoliculares tireoidianas e clulas neurosecretoras cardio-
pulmonares), o tecido esqueltico da cabea (como parte da cartilagem da
orelha e do esfenide, maxila e plato), o tecido conjuntivo da cabea (como
derme e tecido adiposo, papila dental- odontoblastos, parte da crnea, estroma
da tireide, do timo e das glndulas salivares e lacrimais e parte do trato de
sada do corao), o tecido muscular da cabea (msculos ciliares e
musculatura dermal e vascular da boca) e as leptomennges da regio occipital
e espinhal. Os derivados neuronais correspondem s clulas de Schwann
dos nervos perifricos, aos gnglios sensitivos espinhais e cranianos (V, VII,
VIII, IX e X pares) e aos gnglios do sistema nervoso autnomo (gnglios
parassimpticos entricos, plvicos, dos pares cranianos III, VII, IX e X e
gnglios simpticos paravertebrais).
Outro evento fundamental iniciado na quarta semana o
desenvolvimento da rvore respiratria (Figura 5.19), no 22 dia, com o
brotamento do divertculo respiratrio ou broto pulmonar a partir do
intestino anterior. Entre os dias 26 e 28 o broto pulmonar se bifurca nos
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 253
brotos brnquicos primrios, rudimentos dos dois pulmes. Na quinta semana
os primrdios dos lobos se formam atravs dos brotos brnquicos
secundrios. Aps esta fase embrionria quando se estabelecem os segmentos
broncopulmonares (at sexta semana), uma fase pseudoglandular resulta
na formao dos bronquolos terminais (sexta a dcima sexta semana), seguida
por uma fase canalicular formando bronquolos respiratrios (at vigsima
oitava semana) e finalizando com as fases sacular e alveolar com formao
de alvolos (at trigsima sexta semana e aps este momento,
respectivamente).

Mesencfalo
Rombencfalo

Diencfalo
Faringe

Broto
Pulmonar
Primrdio
Heptico
Septo
Transverso
Intestino
Alantide

Figura 5.19: Esquema do desenvolvimento


Saco do broto pulmonar a partir do intestino
Vitelnico anterior no 25 dia de vida.

Ainda durante a quarta semana surgem os arcos farngeos,


participantes da formao da face do embrio, de incio com os primrdios
dos olhos (o sulco e em seguida a vescula ptica) em posio lateral,
enquanto os primrdio das orelhas (vescula tica) ocupam posio cervical.
Com o desenvolvimento em direo a oitava semana, os olhos vo migrando
medialmente, enquanto as orelhas vo subindo at alcanar a altura dos
olhos. Antes que a quarta semana termine, os brotos dos membros surgem
em sentido craniocaudal (Figura 5.20).
Todo perodo restante, da organognese, desenvolver cada rgo ou
sistema para atingir um certo grau de maturidade na oitava semana, que no
entanto nunca totalmente atingido na vida natal (Figuras 5.21 e 5.22).
Se em algum momento da vida ps natal, um grupo de clulas comea
a adotar um comportamento fenotpico embrionrio, atravs de um processo
de desdiferenciao celular, estaremos diante do cncer, de uma neoplasia
cujo grau de malignidade ou anaplasia diretamente proporcional ao grau
de indiferenciao celular.
As malformaes principais envolvendo o processo de neurulao
correspondem ao fechamento parcial do tubo neural ou disrafismo espinhal.
Este processo de disrupo pode envolver tanto a diferenciao do SNC como
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
254 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

a induo dos arcos vertebrais, levando a diversas anomalias. Estas


malformaes geralmente se localizam nas extremidades cranial ou caudal
do tubo neural, regio dos neuroporos e muitas vezes esto associadas a
abertura do canal vertebral chamada espinha bfida. Se esta condio no
estiver associada a defeitos de diferenciao nervosa nem a herniao do
contedo menngeo- nervoso, denominada espinha bfida oculta,
geralmente acompanhada de uma alterao drmica (tufo de cabelo, nevus
pigmentoso ou angioma) na altura do defeito (comumente lombosacral). Em
alguns casos de espinha bfida, pode haver uma protruso de um contedo
do canal vertebral em uma estrutura saculiforme (cele). Caso o contedo
seja duramater e aracnide, denomina-se meningocele, se alm das
meninges conter tecido neural, chama-se mielomeningocele. A
mielomeningocele localizada na regio ceflica envolvendo crebro denomina-
se meningoencefalocele, e caso ainda inclua o sistema ventricular vem a
ser chamada de meningohidroencefalocele. Se simplesmente o fluxo de
lquor no sistema nervoso central interrompido desenvolve-se a condio
da hidrocefalia. Os mais severos defeitos decorrem da associao de
fechamento parcial do tubo neural com falha na diferenciao nervosa. Caso
o defeito envolva todo tubo neural chama-se cranioraquisquisis total, porm
pode envolver apenas o tubo neural cranial (cranioraquisquisis ou
anencefalia), ou o tubo neural espinhal (raquisquisis ou mielosquisis).

Figura 5.20: Fotografia de


embrio na 4 semana
demonstrando rabo
evidente, sulco ptico
ainda lateralizado e
corao na regio torcica.
(foto de Lennart Nilsson
Bonnier Lakta, 1990)

GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS


CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 255

Figura 5.21: Fotografia de embrio de 6 semanas evidenciando


os brotos dos membros e a sua relao com o saco amnitico.
(foto de Lennart Nilsson Bonnier Lakta, 1990)

Figura 5.22: Fotografias de embries, da 4 a 17 semana, enfocando o desenvolvimento das mos. (foto de
Lennart Nilsson Bonnier Lakta, 1990)
GENTICA BASEADA EM EVIDNCIAS SNDROMES E HERANAS
256 CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

As patologias associadas a crista neural so agrupadas como


neurocristopatias e podem ser de trs tipos:

1) defeito na migrao ou morfognese da crista neural (como Doena de


Hirschsprung ou clon aganglinico, fenda labial ou palatina, Sndrome de
DiGeorge, Sndrome de Waardenburg e Associao CHARGE),
2) tumores ou defeitos de proliferao (como feocromocitoma, neuroblastoma,
neurofibromatose e carcinoma medular da tireide) e
3) outros defeitos como albinismo.

As malformaes congnitas vem ocupando um papel de destaque entre


as causas de mortalidade infantil, uma vez que a prematuridade, o retardo
de crescimento intrauterino e as infecces tem sido controladas. Em recm-
nascidos a termo, as malformaes congnitas tem sido consideradas a causa
em quase 50% dos casos. Segundo a classificao pelas causas, as
malformaes so ordenadas em quatro grupos: causas gnicas (7,5%), causas
cromossmicas (6%), causas ambientais (6%) e causas multifatoriais (20%).
Desta forma, aproximadamente 60% das malformaes, so de causa
desconhecida. Esta classificao, alm de limitada, no auxilia o clnico no
aconselhamento gentico da famlia do paciente quanto ao prognstico dos
possveis riscos de recorrncia. Neste sentido Jones (1988) props uma
classificao morfogentica, buscando caracterizar fatores intrnsecos
(determinao genmica do blastema embrionrio) e extrnsecos (distrbios
do movimento morfogentico ocorrendo em fases especficas do
desenvolvimento embrionrio). Se fatores extrnsecos, como um vrus, alteram
um evento morfogentico, o risco de recorrncia ser muito baixo. Dois grandes
tipos de defeitos, geralmente extrnsecos, so as deformaes e as
disrupes. As deformaes so causadas por foras mecnicas ou pela
ausncia delas, que alteram o curso do desenvolvimento normal. Por exemplo
a falta de movimento fetal levando a amioplasia. As disrupes so causadas
por foras destrutivas que interferem ou interrompem a morfognese normal.
Podem incluir todos teratgenos como qumicos, drogas, infees ou doenas
maternas. Por outro lado as malformaes so causadas por fatores
intrnsecos. Podem ser simples (defeito de fechamento do tubo neural) ou
em conjuno com outros defeitos. A seqncia malformativa ocorre quando
uma malformao simples inicia uma cadeia de defeitos subsequentes (p.ex.
holoprosencefalia levando a ausncia do septo nasal e premaxila com fenda
palatina). Uma sndrome representa um padro reconhecvel de malformaes
sem o nexo causal entre os defeitos. A displasia resulta da morfognese
anormal afetando apenas tecidos de um tipo (como displasia ectodrmica
afetando cabelo, dentes, pele, etc.).
A teratologia (literalmente estudo das monstruosidades), ramo da
embriologia experimental que estuda as causas das malformaes, define bem
que a severidade de uma malformao depende menos de um tipo de teratgeno
do que do momento e durao da exposio.
Em funo desta observao foi definido o conceito de fase sensvel ou
fase suscetvel de um rgo como a janela de tempo durante o desenvolvimento
em que fatores exgenos podem causar malformaes organotpicas. Distrbios
no perodo fetal, embora no afetem a morfognese, podem afetar a
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CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 257
diferenciao celular do crebro, rim, trato digestrio e genitlia externa
podendo levar, por exemplo, a microcefalia, hidrocefalia e retardo mental.
Em funo desta dependncia temporal, os cuidados na preveno, como
consumo adequado de vitamina B12 e principalmente (associada ao
fechamento do tubo neural) (ver captulo cido Flico na Preveno dos Defeitos
de Fechamento de Tubo Neural), devem se concentrar no primeiro trimestre
da gestao humana
Muitos teratgenos atuam, por ao direta, como indutores de genes
reguladores (cadeias de transduo embrionria), seja por excesso ou por falta.
Graves malformaes decorrem por conta deste mecanismo de ao como na
deficincia de vitamina A, por falha de induo mediada pelo cido retinico.
Muitos hormnios, como hormnio tireoidiano e esterides sexuais, so
indutores do desenvolvimento embrionrio e podem conduzir a mal formaes
pelo mesmo processo.
Fato muito preocupante, bem relatado no livro O futuro roubado, a
ao de agrotxicos como PCBs, DDT e dioxina, substncias com
caractersticas hormnios- like, como indutores de esterilidade em populaes
animais e humanas.
Segundo Al Gore, Vice- Presidente dos Estados Unidos em 22 de janeiro
de 1996, no prefcio deste livro, declara: Estamos apenas comeando a
compreender as conseqncias da contaminao provocada pelo uso
indiscriminado de agrotxicos e outros agentes. (...) Hoje, relatos nas principais
revistas mdicas apontam acusadoramente para os efeitos das alteraes
hormonais provocadas por agentes qumicos sobre nossa fertilidade e sobre os
nossos filhos.
Como admirador da transdisciplinaridade e dos frutos invisveis das
associaes neuronais que se estabelecem desde a fase embrionria at o fim da
vida (daquela linhagem celular que no se divide por meiose), gostaria de
apresentar-lhes, a ttulo de encerramento de algo infindvel, um paralelo entre
mitologia e embriologia, atravs de dois mitos.

Um Mito Ind

A mitologia ind, se referindo ao princpio do universo, relata que o universo


estava envolto em sono imperceptvel. O Deus de Tudo, existente em si mesmo,
desejoso de trazer outras criaturas de seu prprio corpo, criou a gua e colocou
nela a sua semente.
Formou assim o Ovo Dourado, HIRANYAGARBHA, germe da Luz Csmica,
Agni (fogo). Nasce ento BRAHMA, ancestral de todos os mundos, que divide o
Ovo em duas metades- uma metade superior, esfera celeste e uma metade inferior,
esfera terrestre, criando a atmosfera entre as duas. Na metade terrestre surge a
terra, flutuando nas guas que logo adquire os quatro pontos cardeais.
Podemos perceber uma conexo entre este relato mtico da gnesis e a
embriognese da primeira e segunda semana. A semente sobre a gua sugere
um processo de fecundao gerando o Ovo, que por sua vez sofre um processo
de polarizao, a semelhana da polarizao em embrioblasto e trofoblasto, em
duas esferas. A terra, flutuando nas guas entre as duas esferas, num segundo
momento, nos lembra o disco embrionrio ente o saco vitelino (de colorao
dourada pelo vitelo) e o saco amnitico. A terra...logo adquire quatro pontos
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cardeais, a semelhana do embrio na segunda semana que estrutura quatro


anexos embrionrios (saco vitelino, mnio, alantide e crion).

Um Mito do Velho Testamento- Mito de Seth

Este mito se refere a morte de Ado, o primeiro homem.


Seth, seu filho mais novo, desesperado com a viso de seu pai deitado
sobre um tronco, pronto a expirar seu ltimo sopro de vida, resolve voltar ao
Paraso em busca de ajuda. Se defronta com um grande Anjo resguardando a
porta do Paraso, mas Seth o convence a visitar o Jardim do den. Na entrada do
Jardim um segundo grande Anjo, empunhando uma espada de fogo, aborda
Seth que, exprimindo sua genuna vontade, permitido de penetrar mas com a
seguinte condio- de apanhar apenas trs sementes da rvore que encontrar e
sair em seguida do Paraso. Seth adentrou o centro do Jardim e l observou,
atnito, a rvore da Vida entrelaada e fundida com a rvore do Conhecimento
(ou rvore da Morte). Imediatamente obteve as trs sementes da rvore e se
dirigiu a seu pai. Logo que introduziu as trs sementes na boca de Ado, uma
grande rvore flamejante cresceu de sua boca, enquanto ele lentamente falecia.
Uma vez que estamos tentando estabelecer uma relao entre duas reas
bem distintas, a mitologia e a biologia, devemos tentar procurar, com uma certa
exatido, as conexes. O sentido deste mito deve ser procurado na busca das
trs sementes e das trs rvores dentro do corpo humano. As trs sementes,
geradoras da vida e da morte, parecem corresponder aos trs folhetos -
ectoderma, endoderma e mesoderma, a organizao trplice embrionria. O
que seriam, ento, as trs rvores? As rvores so estruturas, geralmente
cilndricas, que emitem ramos e brotos a partir de seu tronco central. Segundo
esta interpretao, a rvore da Vida corresponderia quela estrutura
proveniente do plo vegetal (ou abembrionrio) do embrio, relacionada a
nutrio (da vida) no desenvolvimento ps natal- O TRATO DIGESTRIO,
incluindo os anexos ao tubo digestivo. Segundo alguns mitlogos, a rvore
da Vida seria representada pela Figueira, cujo fruto, o figo, relaciona-se
etmologicamente ao anexo fgado.
A rvore do Conhecimento deve, ento, corresponder a uma outra
estrutura cilndrica que no deve nutrir, nem se responsabilizar pela
manuteno da vida, mas pelo contrrio deve viver em um estado de quase
morte e se relacionar diretamente com o processo do conhecimeto- O SISTEMA
NERVOSO CENTRAL, cujos ramos seriam os nervos cranianos e espinhais.
Qual seria, enfim, a terceira rvore, fruto das anteriores entrelaadas e
fundamental tanto para a manuteno da vida como para a manuteno da
conscincia desperta? A RVORE RESPIRATRIA, cuja funo permite a
manuteno da tnue vida dos neurnios, muito sensveis a hipxia, e brota
diretamente do intestino anterior (poro da rvore da Vida). Interessante
notar que, segundo o poeta Carlos Drumond de Andrade: ...toda a vida est
contida entre o primeiro choro e o ltimo suspiro..., ou seja, o nascimento e
a morte se processam pelo pulmo (Figuras 5.23 e 5.24).

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CAPTULO 5 - EMBRIOLOGIA - BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 259

F i g u r a
5.24: Pintu-
ra etrusca
retratando
o homem
entre as du-
as rvores
Figura 5.23: rvore respiratria do Paraso,
fetal (invertida). A tcnica de data des-
corroso evidencia apenas o conhecida
espao ocupado pelo lmen do (Museu do
trato respiratrio. Louvre).

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