Classificacao Seriacao e Contagem No Ens
Classificacao Seriacao e Contagem No Ens
Classificacao Seriacao e Contagem No Ens
ASSESSORIA T ÉCNICA
Sonia Faustino do Nascimento da Silva (normalização)
CAPA
Carlos Henrique de Castro Gonçalves
PRODUÇÃO G RÁFICA
Gláucio Rogério de Morais
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília
ISBN: 978-85-60810-00-0
CDD: 510.1
Ao João Dirceu,
que son hou todos os son hos comigo.
Aos meus fi lhos: Raul, Vi tor,
Lucas, Maríli a e Beatri z, pelas
i n con távei s horas de con vívi o que
gen erosamen te cederam para eu
correr atrás de meus son hos;
Ao professor Adri an Oscar Don go
Mon toya, pela con fi an ça e
ori en tação segura;
À mi n ha mãe, Subli me e à
mi n ha i rmã Márci a, pelo apoi o
con stan te,
Muito obrigada
Í NDICE
Apresentação ................................................................................... i
Introdução ................................................................................... 1
i
Cad a um d o s texto s, apresentad o s nesta publicação , fo i
elaborado a partir de projetos e experiências dos autores na formação
de professores, buscando fornecer subsídios para que o referido Fórum
tenha elementos para balizar seus debates e atuação política, a partir
de categorias, conceitos e diretrizes teoricamente embasados.
O que tece os temas de cada texto numa trama mais produtora
de sentidos é a contribuição de cada um na compreensão dos modos de
ser educador e na natureza permanente da formação, na qual interagem
tanto os processos de formação inicial, como os de desenvolvimento
profissional.
São texto s esco lhido s, pela co ntribuição que dão para o
aprofundamento do debate, partindo da perspectiva de que a formação
inicial aligeirada, co mo é co nso ante aco ntecer no Brasil, deve ser
substituída por uma que seja qualificada em cursos com sólida formação
teórico-prática, que trate de forma indissociável a pesquisa e o ensino,
a produção e a difusão do conhecimento e que ressignifique o docente
como sujeito destas relações, superando a visão de um profissional que
se limita ao trabalho técnico de docência.
Neste sentido, comungamos sobre a importância da formação
do professor ser articulada com a de pesquisador, entendendo a pesquisa
como espaço formativo para a prática docente, em que o conhecimento
e sua produção circulem no fazer institucional e façam parte do projeto
pedagógico a ser desenvolvido pelas escolas.
Este aspecto nos remete à importância estratégica e ética da
parceria entre as universidades e as redes de ensino, na formação dos
educadores, e o Fórum como espaço que busca valorizar experiências
nesta parceria. Para os pesquisadores, apontamos que a escola atual
constitui-se como campo de atuação do professor, devendo ser objeto
de conhecimento. Além disso, o conhecimento e a interpretação desse
espaço precisam ser considerados como pontos de partida e chegada
das Escolas de Formação dos Professores.
A partir destas premissas, os textos apontam matrizes teóricas
e caminhos metodológicos que nos parecem inovadores na perspectiva
de um enfrentamento conjunto dos problemas nacionais de formação e
de ser educador.
Para efeito de organização, a presente publicação orienta-se
por três eixos que dão sentido aos textos:
I - Aspectos teórico- metodológicos nos projetos de desenvolvimento
profissional do docente
ii
Rosa Maria de Camargo e Sílvia Carvalho Araujo Tavares, condensa e
explicita a organização conceitual que vem sendo construída sobre a
atividade de aprendizagem docente, referente à formação de professores.
Os autores indicam a necessidade e o esforço em construir um método
dialético de estudo do fenômeno da “ aprendizagem docente” , buscando
a co mpreensão d este o bjeto e apo iand o -se em uma perspectiva
leontieviana, na qual a aprendizagem do docente se dá por meio e em
função de sua atividade principal, seu trabalho de organizar o ensino,
seu objeto.
A pesquisa-ação como alternativa para análise da prática
docente , de Maria de Fátima Barbosa Abdalla, relaciona-se ao percurso
de professoras da Ed. Infantil e do Ensino Fundamental/ Programa de
Ed ucação Co ntinuad a/ PEC. Põ e em evid ência a meto d o lo gia d a
pesquisa-ação , co mo alternativa para analisar a prática d o cente,
buscando compreender a sua importância como estratégia para ampliar
a conscientização do professor frente aos desafios profissionais.
A Pesquisa-A ção e suas Rep ercussõ es: co nfro ntand o
aprend izagens, em d iferentes tempo s e espaço s, no pro cesso d e
desenvo lvimento pro fissio nal de pro fesso res, de Rinaldo Mo lina,
pergunta: num processo colaborativo escola-universidade ocorrem
aprendizagens realmente efetivas, significativas e duradouras para os
processos de desenvolvimento profissional docente? Sob que aspectos?
Responder a estas questões é o desafio deste texto.
II – Pro jeto s de parcerias no desenv o lv imento de capacidades
pedagógicas de professores
iii
assegurando articulação entre teoria e prática. Descreve o programa e
faz considerações avaliativas sobre os diferentes recursos e modalidades
de ensino utilizadas.
A reflexão so bre a língua co mo meio d e superação d as
dificuldades de leitura e escrita – a pesquisa e a formação contínua de
professores, de Stela MILLER, tem por objetivo pôr em discussão
projetos dos Núcleos de Ensino da Unesp como espaços privilegiados
de pesquisa e de formação contínua de professores, permitindo aos
docentes refletir sobre seu trabalho, repensá-lo e buscar caminhos para
encontrar alternativas para a prática pedagógica.
A avaliação contínua como meio para intervenções bem-
suced id as no p ro cesso d o ensino -ap rend izag em d o sistema d e
numeração decimal, um trabalho colaborativo , de Ruth Ribas Itacarambi,
Maria Salete Cruz, Marília Costa Basile e Silvia Maria Custodia de Souza,
relata o caminho de um grupo de docentes do 1º ciclo do Ensino
Fund amental, buscand o v iabiliz ar o p ap el d e p ro fesso r co mo
inv estig ad o r, na questão fund amental que são as d ificuld ad es
apresentadas pelos alunos na utilização do sistema de numeração e dos
algo ritmo s. Tal grup o é ap o iad o p elo Labo rató rio d e Ed ucação
Matemática criado junto ao Centro de Aperfeiçoamento em Ensino de
Matemática: espaço de trabalho colaborativo entre professores que
trabalham co m M atemática no Ensino Básico e p ro fesso res
pesquisadores em Educação Matemática.
III- Ampliação de conhecimento sobre práticas pedagógicas
iv
As concepções de Ciência dos professores das séries iniciais
do ensino fundamental e a sala de aula, de Adonai César Mendonça,
parte do fato de que o ensino raramente tem sido objeto de estudos por
parte dos pesquisadores, portanto, a produção acadêmica aparece
incipiente neste campo. Faz um levantamento teórico sobre o assunto,
apresentando um estudo exploratório acerca das concepções de Ciência
de professores das primeiras séries do ensino fundamental da rede
pública de São Paulo.
Esp eramo s, co m este liv ro , mo biliz ar o s leito res a
apro fund arem o co nhecimento d o impacto d a fo rmação inicial e
contínua sobre a constituição da epistemologia da prática docente, de
forma a ressignificar as concepções teórico-metodológicas relacionadas
às séries iniciais do ensino fundamental. Além disso, refletir sobre a
pesquisa como espaço formativo e colaborativo, construindo novas
referências para o professor desse nível de ensino e propondo novas
dimensões curriculares para a sua formação.
Que, do aprofundamento do conhecimento teórico-prático,
propostas alternativas concretas de formação de professores para as
séries iniciais sejam elaboradas, co m qualidade diferenciada da
atualmente existente. Nesse sentido, nossa mensagem final é a de que a
fo rmação inicial e co ntínua d o p ro fesso r d ev e alterar p ráticas
tradicionalmente excludentes das escolas, em favor de práticas mais
democráticas.
v
Introdução
1
Freqüentemente me pegava refletindo, se quando penso
falo comigo mesmo, como pensa o surdo?
Os estudos que realizava eram bastante desanimadores.
Os mais otimistas apontavam para uma defasagem de cerca de
dois anos para que as crianças surdas atingissem os mesmos
estágios de desenvolvimento das estruturas cognitivas das crianças
ouvintes. No entanto, as observações realizadas no meu “laboratório
particular”, formado pelos meus cinco filhos, trigêmeos (duas
meninas surdas e um menino ouvinte) e dois meninos ouvintes,
respectivamente, um ano e meio e três anos mais velhos que os
trigêmeos, com os mesmos pais, crescendo juntos no mesmo
ambiente sócio-cultural, apontavam para outras possibilidades.
Descontadas as dificuldades óbvias de comunicação, as
meninas (surdas), se desembaraçavam em igualdade de condições
com o menino (ouvinte) de seus desafios: juntos, começaram a
comer sozinhos, ficaram livres das fraldas e aprenderam a dar nós
em sapatos, mas, principalmente, tinham o mesmo interesse por
livros, brinquedos e compreendiam com a mesma facilidade as
regras dos jogos infantis.
Foram inúmeras as experiências realizadas com os três,
baseadas quase que exclusivamente na intuição e na não aceitação
da defasagem intelectual. Estas experiências me estimularam a
seguir adiante.
Em 1987, depois de ter começado a estudar a teoria de
Piaget (quase que exclusivamente com comentadores), desenvolvi
minha primeira pesquisa formal na área: As estru tu ras lógi cas
elementares e a noção de número em crianças deficientes auditivas:
subsídi os para o en si n o da Matemáti ca , com o objetivo de analisar
se a deficiência auditiva constituía um fator que comprometesse
significativamente o desenvolvimento operatório lógico infantil;
pesquisa esta desenvolvida em conjunto com uma professora do
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá,
meu local de trabalho. A pesquisa foi concluída em 1989.
Os resultados da pesquisa, principalmente o processo de
investigação, nos levaram a pensar na possibilidade de se trabalhar
com a criança deficiente auditiva independentemente da linguagem
falada, propiciando condições para um desenvolvimento normal
das estruturas relacionadas ao pensamento lógico matemático.
2
Desenvolvemos então, uma segunda pesquisa formal
intitulada O en si n o de matemáti ca para defi ci en tes audi ti vos: uma
visão psicopedagógica. O da pesquisa era esboçar uma proposta
de ensino de matemática que proporcionasse à criança surda uma
compreensão real de seus conteúdos e de sua linguagem, proposta
esta destinada inicialmente, por razões que não cabem aqui
discorrer, à 5ª série. Terminada essa pesquisa, minha companheira
afastou-se para o doutorado e decidi continuar os estudos e ampliar
a abrangência dos conteúdos da proposta para todo Ensino
Fundamental e Educação Infantil. O nosso referencial teórico
sempre foi a Psicologia Genética.
Na leitura de Piaget, (novamente cometendo o erro de
privilegiar o estudo com comentadores), verifiquei que para o
cientista existiria um isomorfismo entre as estruturas sobre as quais
repousa o edifício da matemática as estruturas constituintes da
própria inteligência e, assim, entendia que a matemática seria uma
espécie de formalização do pensamento humano.
Minha crença era a de que sendo a matemática a forma
como a inteligência aborda o mundo conhecendo-o mediante os
processos simultâneos de assimilação e acomodação (adaptação),
seria necessário oferecer às crianças atividades diversificadas, de
maneira a promover o desenvolvimento da inteligência.
Minha hipótese (e esperança) era de que, trabalhada
adequadamente, a matemática poderia promover as condições
apropriadas à construção das estruturas cognitivas, pela atividade
incessante do sujeito com o real, já que esta disciplina é construída
mediante ações exercidas sobre objetos, não de uma forma material,
mas por relações estabelecidas em nossa mente.
Além disso, diversos pesquisadores, (Feldman, Furth,
Óléron, Ogilview, Wohlwill, Lowe, entre outros), constataram que
a lenta maturação intelectual do surdo geralmente se deve, entre
outros fatores, à sua insuficiente aprendizagem dos números.
Em vista do exposto, acreditei poder unir minhas duas
áreas de interesse e, como projeto inicial de tese, minha intenção
era elaborar uma proposta de ensino de matemática para surdos.
Uma proposta que não apenas proporcionasse a compreensão
dos conceitos intrínsecos à disciplina, mas e principalmente, com
relação à Educação Infantil, que proporcionasse às crianças surdas
3
um desenvolvimento cognitivo compatível com sua idade e
condições.
Durante a entrevista de admissão para o doutorado o
meu então futuro orientador questionou minha proposta em
diversos aspectos, enfatizando particularmente a tentativa de
“reproduzir” a construção natural da inteligência, baseada no fato
de que a “matemática seria a própria formalização do pensamento
humano”, além do fato de estar propondo “mais uma” aplicação
de Piaget ao ensino de matemática.
A sugestão de meu professor orientador foi então a
seguinte: primeiro estudar Piaget, agora diretamente, sem
comentadores, depois analisar as principais propostas de aplicação
da teoria piagetiana ao ensino da matemática, para então, reavaliar
minha intenção inicial de trabalho.
Mergulhei fundo na obra de Piaget, especificamente nas
que se relacionavam com meu centro de interesse, a matemática e
nas que tratavam da construção da inteligência. À medida que ia
aprofundando os estudos, pude perceber que a tentativa de
“reproduzir” as estruturas da inteligência, mediante o trabalho
pedagógico com as estruturas da matemática, embora não de
maneira explícita, já havia sido tentada pelo movimento matemática
modern a , sem nenhum sucesso.
Além disso, ao delimitar o estudo para o caso particular
do número, pude observar que dentre as diversas sugestões
metodológicas para o “ensino” do número, baseadas na teoria de
Piaget, alguns equívocos foram cometidos. Como principal
equívoco, destacamos que muitas dessas propostas apresentam o
inconveniente de sugerir uma seqüência linear para a construção
do conceito de número, no sentido de aparecer primeiro a
classificação, depois a seriação e, finalmente, como síntese, o
número.
Estes dois fatores, além de uma incursão na história e na
filosofia da matemática, pois segundo Piaget, é mediante a
comparação sistemática entre a psicogênese das noções e seu
desenvolvimento nas ciências que se pode chegar a conclusões
epistemológicas verdadeiras, motivaram uma alteração copern ican a
em meu projeto original. O eixo de meu projeto de tese passou da
questão da surdez para a do ensino da matemática, particularmente,
4
para o desenvolvimento das noções matemáticas na criança e, em
especial, para a con strução do con cei to de n úmero.
Assim, o objetivo geral da minha tese foi estudar o
desenvolvimento das noções matemáticas na criança, em particular
a de número, segundo a epistemologia genética e analisar como
os resultados de Piaget têm sido utilizados no contexto escolar.
Para isso foi realizada uma análise do contexto teórico
no qual Piaget e Szeminska realizaram seus estudos; “desvendamos”
todos os “possíveis mistérios” do livro A gên ese do n úmero n a
cr i an ça e estudamos algumas das atuais pesquisas acerca da
construção do número na criança, relacionando-as com os
resultados piagetianos.
Como na defesa da tese tive a recomendação explícita da
banca para transformá-la em texto com o intuito de publicação,
dediquei-me a este novo projeto.
As alterações realizadas não foram profundas. Apenas
retiramos algumas partes muito específicas, de interesse maior aos
pesquisadores piagetianos, mas que são encontradas em textos
do próprio mestre e me aprofundei mais1 nas questões acerca do
papel da contagem na construção do número.
O presente texto contém três capítulos: I - A evolução
do ensino da matemática: suas conquistas e seus problemas;
que interessa particularmente aos leitores envolvidos com questões
do ensino e da aprendizagem da matemática; II - Evolução,
fundamentos e futuro das idéias matemáticas; embora interesse
muito aos professores de matemática, por tratar da história e da
filosofia da matemática, este capítulo é interessante para todos os
pi ageti an os, pois possibilita entender o contexto teórico no qual
Piaget estava inserido, além de permitir o estabelecimento de uma
“hipótese sobre a hipótese” de Piaget para a definição de número;
III - A investigação psicogenética e o número, este capítulo
deixa claro, a construção sincrônica e solidária das classes, das
séries e do número, estabelecendo os relacionamentos dois a dois:
classe-série e recíproca; classe-número e recíproca e série-número
e sua recíproca.
1
Embora ainda não de maneira suficiente, pois o tema demanda pesquisas específicas.
5
Nos Comentários finais são apresentados: um resumo
do que foi tratado; alguns comentários à guisa de conclusão e
indicativos de como se conduzir um trabalho pedagógico com o
número na Educação Infantil.
Para a compreensão do texto, especialmente no que se
refere ao terceiro capítulo é interessante a leitura conjunta da obra
de Piaget e Szeminska A gên ese do n úmero n a cri an ça , pois são
comentadas as provas realizadas pelos autores sem uma descrição
minuciosa das mesmas.
Finalmente, espero que este trabalho seja útil tanto aos
professores de matemática e da Educação Infantil como aos
estudiosos de Piaget, mas que, principalmente pelo fato de que a
compreensão do complexo percurso da construção do número
pela criança não está, absolutamente concluída, motive outras
pessoas a enveredarem pelo fascinante mundo da pesquisa!
6
CAPÍTULO 1
A evolução do ensino da
matemática: conquistas
e problemas
7
8
Dividido em quatro tópicos este capítulo aborda questões
relacionadas ao ensino de matemática, a saber:
1.1 Introduzindo a questão: apresenta uma pequena
digressão histórica sobre o ensino de matemática para depois
aprofundar um pouco mais no estudo do primeiro grande
movimento de renovação do ensino da matemática, o movi men to
da matemáti ca modern a .
1.2 O m ovi m en to da m atem áti ca m oder n a: o
movimento de matemática moderna é enfatizado em função da
sua contemporaneidade com os trabalhos piagetianos e pela
adoção, tanto pelos modernistas, quanto por Piaget, da concepção
estruturalista da matemática dos Bourbaki definindo, mesmo que
a posteri ori , uma aproximação entre o movimento renovador e a
epistemologia genética.
1.3 O movimento renovador e as idéias piagetianas:
é dedicado à análise de algumas propostas metodológicas
fundamentadas na teoria de Piaget (não se restringindo às
vinculadas ao movimento renovador). Para isso, é realizado um
breve apanhado histórico sobre a evolução do ensino de número.
É aqui que começamos a discussão da proposta deste texto, acerca
da primazia das atividades lógicas sobre as numéricas no trabalho
com número na Educação Infantil. A idéia de que haveria um
estágio eminentemente lógico antecedendo à construção do
número é uma interpretação equivocada da teoria de Piaget. Esta
idéia parece ter sido a principal responsável para que atividades
numéricas, como por exemplo, a contagem, fossem praticamente
banidas da Educação Infantil a partir da reforma de 1970,
enfati zando-se de i níci o ati vi dades que p ri vi l egi assem as
classificações, seriações e a equivalência numérica por meio de
correspondências (com recomendações explícitas para que não
se incentivasse o uso da contagem).
1.4 Para além de Piaget?: comenta algumas das recentes
pesquisas e propostas metodológicas sobre a construção do
conceito de número que se centram quase que exclusivamente
num resgate à contagem, procurando verificar se os resultados
encontrados e as sugestões apresentadas pelos pesquisadores
ultrapassam, do ponto de vista teórico, o estágio alcançado pelos
pesquisadores do Centro Internacional de Epistemologia Genética.
A escolha do título para este tópico é uma alusão à denominação
9
– Para além de Piaget. - dada pelo psicólogo e matemático francês
Remi Brissiaud, à terceira e última parte (contendo sugestões
metodológicas para o ensino do número fundadas na teoria de
Vygotsky) de seu livro: Como as cri an ças apren dem a calcular,
na qual, claramente afirma que os diversos estudos atuais acerca
da contagem, ultrapassam Piaget.
10
lei nos Estados Unidos desde 1679. A aritmética, por seu lado,
permaneceria ausente dos currículos escolares americanos durante
um longo período.(D’AUGUSTINE,1976)
Na Europa, por outro lado, em cursos intitulados Lições
de Pedagogia, ministrados durante a segunda metade do século
XVIII aos estudantes da Universidade de Könisgberg, o filósofo
alemão Emmanuel Kant evidenciava a importância do ensino de
matemática às crianças. Esse ensino era importante, de acordo
com Kant, não apenas pelo conteúdo intrínseco e utilidade prática
da matemática, mas, também, pela sua contribuição à memória.
Por ser uma ciência ao mesmo tempo rigorosamente dedutiva e
que se adap ta exatamente à exp eri ênci a a matemáti ca se
apresentava para o grande filósofo, do ponto de vista pedagógico,
como a única disciplina capaz de proporcionar aos aprendizes a
possibilidade da “união entre o saber e a capacidade” , entre a
razão e a experiência:
Na instrução da criança é preciso unir pouco a pouco o
saber e a capacidade. Entre todas as ciências parece que a
Matemática é a única para se obter da melhor maneira
essa finalidade. (KANT, 1996, p.70)
11
planejava, também, a escolarização das crianças urbanas e das
camponesas que morassem nas cercanias dos mosteiros.
Uma das idéias do monarca era que, uma vez alfabetizados,
o s r el i gi o so s p u d essem co m p r een d er e en si n ar
devidamente a fé cristã. E, desse modo, o clero poderia
ajudar no domínio de seu vasto império, subjugando, via
religião – ao lado de seus exércitos – a, crescente população
dos burgos e cidades episcopais. (SILVA, 1992, p.16)
12
[...] convém p el o menos que os seus el ementos ou
primeiros ramos, como são a aritmética, a álgebra, a
geometria teórica e prática se tornem vulgares, e constituam
uma das primeiras instruções da mocidade; por este
justificado motivo se deve criar a dita cadeira, na qual se
ensinará aritmética e álgebra até equações do 2º grau,
i n cl u si v am en t e; a geo m et r i a t eó r i ca e p r át i ca e
trigonometria. Este professor ensinará o cálculo numérico
provisoriamente com o algébrico, tanto das quantidades
inteiras como fracionárias; a resolução das equações
algébricas do 1º e 2º grau; e formação de potências, e
ex tração de suas raízes; a teori a das p rop orções e
progressões; regra de três simples e composta, direta e
inversa, as de sociedade, de liga e falsa posição, terminando
o ensino de aritmética e álgebra com a resolução dos
diferentes problemas de mais uso no comércio, como são
os que pertencem a juros ou interesses, etc., e com
explicação do uso das tábuas de Price, insertas no tratado
das pensões vitalícias de Saint Cirau, publicadas em
português. No ensino da geometria teórica[...]. (CARVALHO,
2000, p.91 e p.92)
13
e licenciados. Em 1573 os jesuítas inauguraram o Colégio do Rio
de Janeiro e ali teve início um curso onde se ensinava a ler e
escrever os algarismos e as quatro operações algébricas.
O u tras o rd en s rel i gi o sas q u e se en co n travam já
estabelecidas no Brasil também iniciaram a oferta de aulas em
seus conventos, entretanto, fossem inacianas ou não, as escolas
existentes no Brasil destinavam-se apenas a alunos do sexo
masculino.
Também existiram no Brasil, a partir da segunda metade
do século XVI, classes particulares, não vinculadas a escolas ou
colégios, dirigidas por professores não religiosos. A primeira delas
surgiu no Rio de Janeiro em 1578, dirigida pelo escrivão Francisco
Lopes e ensinava as quatro operações. Pernambuco e São Paulo
passaram a ter classes particulares a partir de 1585, mas “em todas
elas, o reino da Matemática não ia além das quatro operações
algébricas” (SILVA, 1992, p.34).
Apesar dessas iniciativas, a educação no Brasil é conduzida
pelos jesuítas até a sua expulsão em 1759, pelo marquês
de Pombal, e se caracterizava pela ênfase a uma cultura
clássica e humanística, sendo a matemática ensinada como
si mp l es ferramenta necessári a p ara as necessi dades
imediatas do dia-a-dia. (CARVALHO, 2000, p.91)
14
do concreto ao abstrato, sem enfatizar a simbolização, que era
feita posteriormente. Havia a preocupação em motivar os alunos
com a introdução de conceitos por meio de problemas aplicados.
Os currículos de matemática no Brasil e no mundo, nos
fins do século XIX, em função da cr i se dos fu n dam en tos, 2
receberam influências de duas concepções divergentes sobre a
disciplina e que ainda hoje são fortemente presentes: a de disciplina
formal e a de di sci pli n a de caráter i n duti vo.
Os defensores da di sci pli n a formal acreditavam que a
mente da criança poderia ser desenvolvida mediante um treino
intensivo por meio de exercícios repetidos, como a utilizada pelo
popular Método Kumon , e os seus opositores apregoavam que se
chegava aos conceitos aritméticos de maneira i n duti va , por meio
do uso de objetos e não pela aplicação de regras.
No começo do século XX começou a preocupação com a
aplicação dos conteúdos escolares à vida real dos adultos, o que
gerou abusos tais como ensinar juros e taxas para crianças do
então ensino primário.
No fi nal dos anos 20 do sécul o XX, i ni ci ou-se a
preocupação com a idade mental adequada à aprendizagem de
alguns tópicos de matemática. Inúmeros estudos foram feitos acerca
do desenvolvimento cognitivo das crianças, estudos estes que
exerceram enorme influência nos currículos escolares nos vinte
anos seguintes, embora diversas pesquisas provassem que o lugar
e a época em que determinado tópico deveria ser colocado dentro
do currículo dependia da maneira como ele ia ser ensinado
(D’AUGUSTINE, 1976).
Embora com algumas alterações, os currículos atuais
refletem o modelo daquela época, com os seis primeiros anos do
Ensino Fundamental enfatizando a aritmética e os dois últimos
apresentando a álgebra e os fatos mais simples da geometria
indutiva. O Ensino Médio continua com a álgebra, a geometria é a
dedutiva e aparece a trigonometria. As mudanças ocorridas,
principalmente as baseadas em estudos sobre a criança, tiveram
caráter mai s meto d o l ó gi co d ei x an d o f i x o s o s co n teú d o s
curriculares.
2
A crise dos fundamentos da matemática é tratada no capítulo II.
15
Pesquisas evidenciaram que as crianças melhoravam a
sua aprendizagem quando os conteúdos eram trabalhados a partir
do concreto para o abstrato, fato que motivou o uso de muito
material manipulável, os m ater i ai s con cr etos, no ensino de
matemática. Outras pesquisas determinaram que, os problemas
deveriam aprovei tar as experi ên ci as an teri ores da cri an ça ; outras
ainda indicaram que a aritmética requeria um período de tempo
maior para ser compreendida, dando origem ao en si n o em espi ral .
Diversos foram os movimentos pela reformulação do
ensino de matemática a partir de 1920, tais como o movi men to
progressi vo, o movimento dos defen sores da Gestalt, movimento
em favor do en si n o pela compreen são e, o mais importante deles,
o movimento da matemáti ca modern a.
O movimento progressivo buscava atender às necessidades
da criança utilizando-se de experiências significativas para a mesma.
Embora esta metodologia tenha sido abandonada por ocasionar
muitas lacunas na aprendizagem da aritmética, ela deixou um
legado importante: o de que a criança qu an do está moti vada
apren de melhor . A experiência do movi men to progressi vo deve
servir de alerta para as atuais recomendações de con textualizações.
Nem tudo pode ser contextualizado e se não forem tomadas
precauções, podem surgir lacunas.
Depois de 1920 chegaram os defensores da Gestalt. Para
esses estudiosos a organização da aprendizagem deve basear-se
na percepção total, centrando-se mais no todo que nas partes. O
aspecto positivo que ficou desse movimento foi a consciência de
que é preci so men os repeti ção para domi n ar os con cei tos quan do
a si tuação é si gn i fi cati va .
A partir de 1930 cresceu o movimento em favor do en si n o
pel a com pr een sã o e, ju n to co m a si tu ação si gn i f i cati va,
recomendava-se desenvolver uma habilidade.
16
Esse movimento será estudado de forma mais detalhada
que os demais, pois parece ter sido o fato de Piaget e alguns dos
seus colaboradores serem partidários desse movimento, a principal
das razões que motivaram diversas tentativas de se fundar, na
teoria piagetiana, uma didática para a matemática.
A constatação de que o ensino de matemática apresentava
problemas e necessitava de reformulações não era nenhuma
novidade e desde o século XIX, discussões e estudos sobre o
tema eram realizados. Tais atividades foram intensificadas a partir
das décadas iniciais do século XX e ficaram registradas em inúmeras
publicações a respeito como a citação abaixo de autoria de dois
grandes matemáticos contemporâneos que, apesar de publicada
em Madri no ano de 1967, a original, publicada nos Estados Unidos
data da segunda metade da década de quarenta.
Há mais de dois milênios, uma certa familiaridade com a
Matemática é considerada como parte indispensável da
formação intelectual de uma pessoa culta. Atualmente, sem
d ú v i d a, se en co n t r a em gr an d e p er i go o p o st o
tradicionalmente ocupado por esta disciplina na educação,
infelizmente, alguns dos profissionais que a representam
compartilham a responsabilidade por tal situação. O ensino
de Matemática tem se degenerado, freqüentemente, num
vazio treinamento de resolução de problemas que, se pode
desenvolver uma habilidade formal, não conduz, em troca,
a u m a co m p r een são ef eti v a n em a u m a m ai o r
independência intelectual. A investigação matemática
mostra uma tendência para a super especialização e para
uma excessiva insistência no abstrato; as aplicações e
co n ex õ es co m o u t r o s cam p o s d o sab er t êm si d o
descuidadas. Sem dúvida, tal estado de coisas não deve
justificar uma política de retraimento. Ao contrário, a reação
op osta p ode e deve p arti r daquel es que se sentem
conscientes do valor intelectual da disciplina. Professores,
estudantes e público culto pedem uma reforma construtiva
e n ão u ma resi gn ação segu i n d o a l i n h a d a men o r
resistência. A meta será uma verdadeira compreensão da
Matemática como um todo orgânico e como base para o
pensamento e a ação científicos. (COURANT; ROBBINS,
1967, p.ix)
17
daquela época pouco ou nada retinham do conteúdo estudado a
não ser nomes famosos como Teorema de Pitágoras, apesar de
não se recordarem do enunciado, ou fórmulas exaustivamente
memorizadas sem a devida compreensão, como a do quadrado
da soma de dois números reais quaisquer, x e y, dada por: (x+ y) 2
= x 2 + 2xy + y 2 , sem falar, é claro, na total incapacidade de operar
com frações, conteúdo que aparece na terceira série e acompanha
o indivíduo nos oito anos restantes. Essa situação faz com que
muitos afirmem que nada sabem de matemática, o que é,
evidentemente um exagero.
Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra
Mundial ficou patente para os militares que os soldados pouco
sabiam de matemática e foram instituídos cursos especiais para
melhorar seus desempenhos. Tal fato motivou a necessidade de
se “reformar” o ensino de matemática e embora sejam muitos os
fatores envolvidos em qualquer atividade de ensino, os grupos
que empreenderam a reforma se concentraram no currículo,
acreditando que se este fosse melhorado, todo o ensino teria êxito.
Estes grupos de reformas eram integrados por matemáticos
profissionais os quais verificaram que as escolas de todos os países
tratavam ainda das noções mais antigas da matemática, em
particular, da matemática grega. Como o conhecimento mais recente
existente nos programas de matemática escolar datava de no
mínimo 200 anos, ficou evidente que as conquistas mais recentes
da matemática não estavam contempladas nos currículos.
O conflito político entre Rússia e Estados Unidos,
particularmente, ao final da década de 50, influenciou intensamente
a educação na década seguinte. No outono de 1957 os russos
lançaram seu primeiro satélite artificial, o Spu tn i k . Este fato
convenceu o governo norte–americano e todo o país, de que os
Estados Unidos estavam atrasados em relação aos russos em
ciências e em matemática.
Na verdade, o que ficou enfatizado foi o fato de que a
educação intelectual não recebia a ênfase necessária, com a
valorização excessiva da memorização e do treinamento, em
detrimento da compreensão e criatividade.
Foi neste momento que os americanos “descobriram”
Piaget e começaram a interpretá-lo com o objetivo de acelerar o
18
processo de desenvolvimento e desenvolver a criatividade
(GOULART, 1998, p.11).
Como quase sempre acontece na história da educação,
eventos externos obrigaram os educadores a revisar suas práticas
e a ultrapassar seus preconceitos. A corrida espacial estimulou o
fomento das agências governamentais americanas e surgiram muitos
grupos interessados em criar um novo currículo para a matemática,
incrementando assim, o movi men to modern o.
Não há consenso quanto à p erti nênci a do nome
“ matemática moderna” e para alguns estudiosos seria mais
apropriada a expressão “matemática revolucionária”, porque
envolveria muitas características que normalmente são associadas
a uma revolução. (D’AUGUSTINE, 1976, p.xxi)
Para outros estudiosos a expressão ‘matemática moderna’
seria apropriada, pois a principal mensagem dos grupos
que trabalharam na mudança curricular era a de que o
‘ensino de matemática tinha malogrado porque o currículo
tradicional oferecia ‘matemática antiquada’, que era como
se r ef er i am à m atem áti ca cr i ad a an tes d e 1700’.
(KLINE,1976, p.34)
19
• Reconhecimento de que a seqüência no ensino da matemática
era mais histórica do que lógica.
• Reconhecimento da sociedade de uma maior competência em
matemática.
• Reco n h eci m en to d o m el h o r p r ep ar o d o p r o f esso r .
(D’AUGUSTINE, 1976, p.xxi)
Por se restringir às mudanças curriculares, a reforma
realizada pelo movimento da matemáti ca moder n a consistiu,
basicamente, em se substituir conteúdos tradicionais por campos
novos como o da álgebra abstrata, da topologia, da lógica simbólica
e da álgebra de Boole. (KLINE, 1976, p.35)
A matemática a ser ensinada era aquela concebida como
lógica, compreendida a partir de estruturas, que conferiram um
papel importante à linguagem matemática. O que se pretendia era
dimin uir a distân cia en tre o saber en sin ado e o saber da disciplin a .
Era como se os alunos tivessem conhecimento do imenso fosso
existente entre os conteúdos da escola e os avanços da disciplina
e, por essa razão, se recusavam a aprender a matéria.
A matemáti ca modern a buscava então aproximar os conteúdos
escolares da matemática dos pesquisadores centrando seu ensino
nas estruturas e fazendo uso de uma linguagem unificadora a
li n guagem da teori a dos con jun tos.
O estilo formalista de exposição matemática do qual o
principal exemplo é a obra do grupo francês Bourbaki penetrou
gradualmente no ensino da matemática mesmo em níveis mais
elementares e, sob o beneplácito da matemática moderna, os textos
básicos bourbakianos em nível de pós-graduação sobre a teoria
dos conjuntos, a álgebra e a análise chegaram até à Educação
Infantil.
Vale destacar que esta revolução no ensino da matemática
partiu dos matemáticos profissionais que não concordavam com
os conteúdos ensinados e por não existirem preocupações de
ordem pedagógica prevaleceu a crença de que o êxito da reforma
dependia apenas da mudança curricular.
Como esses matemáticos eram, na sua maioria, professores
universitários, que raramente tiveram contato com a realidade do
ensino de crianças e adolescentes, grande parte dessas reformas
20
reflete a visão que o pesquisador matemático tem do que deveria
ser ensinado nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. “Nota-
se, nelas, um viés para transformar essa criança ou adolescente
em um matemático mirim preocupado com a exatidão, rigor e
estrutura lógica da Matemática”. (CARVALHO, 2000, p.102)
A esse respeito, assim se pronunciou o ministro da
educação do Peru, Dr. Carlos Cueto Fernandini, na abertura da
segunda conferência organizada pelo Comitê Inter Americano para
o Ensino da Matemática, o CIAEM:
O trabalho pedagógico da segunda metade do século XX
está ainda derivando daquela combinação de eventos aos
quais nos referimos como a revolução no ensino da
matemática. Esta revolução nasceu primeiro nas mentes
dos matemáticos profissionais que, cerca de 25 anos atrás
verificaram que as escolas de todos os países estavam ainda
t r at an d o d as n o çõ es m ai s o b so l et as n as ci ên ci as
matemáticas. O que havia de mais “novo” nos programas
de matemática escolar tinha 200 anos. Mesmo hoje, a
despeito de tudo ainda falhamos ao tirar vantagem das
novas e maravilhosas contribuições feitas pela ciência
matemática ao aperfeiçoamento do espírito humano, assim
como ao nosso mei o materi al . Se um dos asp ectos
essenciais da educação é a integração do homem e do
sistema de conhecimento contemporâneo a ele, como
podemos voltar nossas costas à matemática moderna?Como
podemos mover nossos horizontes de volta ao tempo em
que nada se sabia, por exemplo, da teoria dos conjuntos?
(FEHR, 1969, p.15 e 16)
21
O s n o v o s co n teú d o s er am con j u n t os, n ú m er os,
probabi li dades, estatísti ca e lógi ca. Além disso, as concepções
modernas invadiram o ensino da álgebra: operações e sistemas
operacionais, conjuntos, relações e aplicações, estruturas e
isomorfismos, estrutura de espaço vetorial, etc. A geometria foi
algebrizada, com a introdução da geometria afim.
A preocupação com os métodos e meios começou a
aparecer subordinada às questões de mudança de conteúdo,
consideradas como fundamentais até então.
Devido à influência de matemáticos profissionais e como
resultado de investigações realizadas em diferentes partes do
mundo por especialistas qualificados, estavam, no início da década
de 70, prati camen te fora de di scussão os seguintes objetivos para
o ensino da matemática:
Ensinar matemática atualizada, incluindo probabilidades,
estatística e matemática numérica;
Ensinar a matemática fortemente unificada por meio de
conceitos básicos e das estruturas fundamentais;
D esenvol ver a matemáti ca concei tual , junto com a
habilidade no cálculo;
En si n ar a m at em át i ca t an t o co m o u m co r p o d e
conheci mentos abstratos, como um úti l i nstrumento
operacional;
Ensinar a Matemática como uma disciplina em contínua
expansão;
Ap r esen tar u m a i m agem cl ar a d a m eto d o l o gi a d a
matemática;
Prestar atenção à motivação e desenvolvimento de atitudes
positivas com respeito à matemática;
Definir a matemática necessária ao cidadão médio da nossa
sociedade. (UNESCO, 1972, pág. 117)
22
No II Con gresso, realizado em São Paulo, em 1957, as
discussões foram orientadas pela pergunta: “matemática clássica
ou matemática moderna nos programas do curso secundário?”
Quando da realização do III Con gresso, no Rio de Janeiro em 1959,
quase não se havia avançado nada e a maioria dos professores
brasileiros ainda não conhecia a matemáti ca modern a .
Nesta época e devido à insistência dos professores
secundários de Matemática, vários Grupos de Estudo, Centros e
mesmo Institutos foram organizados no país, para atualizar o
conhecimento do professor. Por exemplo, o Grupo de Estudos do
Ensino da Matemática de São Paulo, fundado em 31 de outubro
de 1961 e o Instituto de Física e Matemática da Universidade Federal
da Bahia fundado em 1960.
Os Institutos e Grupos de Estudo começaram a formar
equipes de professores secundários, que podiam atualizar
seus colegas, recém-graduados nas faculdades sem bom
preparo, bem como professores registrados que lecionam
sem ter preparo universitário. O Grupo de São Paulo, maior
e melhor preparado apresentou ao IV Congresso Brasileiro
do Ensino da Matemática, que se realizou em Belém do
Pará, em jul ho de 1962, sua p ri mei ra uti l i zação da
Matemática Moderna no ensino secundário. (FEHR, 1966,
p.219)
23
Um outro fator importante é que o movi men to ren ovador
coincidiu com as mudanças políticas iniciadas pelo governo João
Goulart e que atingiram seu clímax na ditadura militar. O espírito
ufanista e as metas de um progresso acelerado refletiram na
educação, reforçando uma tendência tecnicista direcionada pela
psicologia comportamental.
É o momento da preocupação com a formulação de
objetivos operacionais, com a avaliação objetiva, a instrução
p rogramada e outras i novações de caráter di dáti co.
(GOULART, 1998, p.12)
24
• direcionamento do ensino fundamental para a aquisição de
competências básicas necessárias ao cidadão e não apenas
voltadas à aquisição de pré-requisitos para estudos posteriores;
• importância do desempenho de um papel ativo do aluno na
construção do seu conhecimento;
• ênfase na resolução de problemas, na exploração da matemática
do cotidiano e na interdisciplinariedade.
Wadsworth (1984) atribui à metodologia tradicional para
os conteúdos novos, o fracasso da “matemática nova”, nos EUA:
A tentativa de se implementar a “matemática nova” nos
Estados Unidos durante o final da década de 50 e na de 60
foi um esforço no sentido de fazer com que as crianças
aprendessem um conjunto de conceitos matemáticos
negligenciados pela “matemática velha”. O fracasso da
“matemática nova” nos Estados Unidos em grande escala
provavelmente se deve ao fato de que, embora o conteúdo
do ensino da matemática de certo modo mudasse, os
métodos de ensino não mudaram. (WADSWORTH, 1984,
p.204)
25
na Alemanha Ocidental, em 1976. A variedade e abrangência dos
temas abordados e o enfoque dado às discussões revelaram uma
mudança significativa no movimento da Educação Matemática. A
intensa preocupação com a modernização dos currículos perdeu
esp aço p ara debates sobre a i nfl uênci a da vi da soci al , o
desenvolvimento da atitude de investigação no aluno, a formação
do professor, a preocupação com os alunos lentos e deficientes, a
relação entre matemática e linguagem, o uso de computadores,
entre outros.
26
deixam de ser pensados como objetos isolados e passam a serem
considerados como estruturas gerai s das quais fazem parte.
As estruturas matemáti cas são constituídas de objetos
matemáticos unidos por relações ou leis de combinação. Um
exemplo de estrutura matemática, é o sistema de números inteiros,
que é algo mais complexo do que números isolados. Os objetos
isolados constituem os su bstan ti vos do discurso matemático.
(DAVIS; HERSH, 1990)
Os símbolos de combinação ou de relações tais como
“igual a”, “maior do que” ou os sinais de operações tais como
adição, radiciação ou diferenciação, exercem um papel semelhante
ao de verbos. (DAVIS; HERSH, 1990)
As restrições ou qualificações atribuídas às estruturas
matemáticas fazem o papel de adjetivos, como por exemplo, grupo
abeliano, comparado com grupo. (DAVIS; HERSH, 1990)
De maneira formal:
Uma estrutura matemáti ca consiste em um conjunto de
objetos S, que podem ser imaginados como sendo o suporte
da estrutura, um conjunto de operações ou relações, que
são definidas sobre os objetos de S, e um conjunto de
elementos distinguidos em S, por exemplo 0 e 1. Estes
ingredientes básicos são chamados a “ assinatura” da
estrutura, e são freqüentemente exibidos em forma de uma
lista com n elementos. Por exemplo: <R,+,.,0,1> significa
o conjunto dos números reais combinados pela adição e
multiplicação, com dois elementos distinguidos 0 e 1.
(DAVIS; HERSH, 1990, p.171)
27
Um objeto matemático considerado isoladamente não tem sentido.
Sua significação provém de uma estrutura e ele representa o seu
papel dentro da estrutura. (DAVIS; HERSH, 1990, 173)
As estruturas permitem fazer divisões não muito arbitrárias
no campo da matemática, como por exemplo: ‘estruturas
dotadas de funções-operações, chamam-se algébr i cas e a
álgebra pode ser conceituada como o estudo das estruturas
algébricas’. (LUNGARZO, 1990, p.81)
28
1.3.2 AS ESTRUTURAS ELEMENTARES PIAGETIANAS
Para Piaget existem também três tipos de estruturas no
organismo humano, as totalmen te programadas, que possibilitam
prever comportamentos que se manifestam em determinadas
épocas, como a fase de maturação sexual, por exemplo; as
estru tu ras parci almen te programadas, cujo desenvolvimento e
construção dependem em grande parte do meio, como as do
sistema nervoso e as estruturas n ada programadas, as estruturas
men tai s, que são específicas para o “ato de conhecer”.(RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 1988, p.9)
Sem muito rigor, uma estrutura, segundo Piaget, é um
conjunto de elementos relacionados entre si de tal forma
que não se podem definir ou caracterizar os elementos
independentemente destas relações. Uma estrutura pode
ser estática ou dinâmica; quando dinâmica, pode-se falar
em ‘ati vi dade da estrutura’. Pi aget usa o vocábul o
‘funcionamento’ para aludir à atividade de uma estrutura
dinâmica. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p.13)
29
comportamento – seja no que visa a um fim imediato, seja
no p uramente l údi co – as ações da cri ança não se
organizam aleatoriamente, mas, ao contrário, supõem
sempre uma ordenação, uma seriação e uma classificação
ou uma implicação. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p.14)
E mais:
Outro exemplo do que a análise genética das operações
lógico-matemáticas da criança fornece: ao procurarmos o
que representam as estruturas mais gerais das operações
concretas que se constituem por volta dos 7 anos (tendo
por critérios psicológicos sua reversibilidade ou caráter
involutivo, e os invariantes aos quais essas operações
conduzem), encontramos no cerne das classificações
esp ontâneas, seri ações, corresp ondênci as, p rodutos
cartesianos etc., três grandes estruturas: as primeiras podem
ser ditas algébricas, visto que sua reversibilidade repousa
sobre a inversão; as segundas são estruturas de ordem
com uma inversão por reciprocidade; e as terceiras podem
ser ditas topológicas, por estarem fundadas em vizinhanças
e no contínuo e não mais em equivalências ou não-
30
equivalências entre quantidades discretas independentes
de sua posição. É difícil deixar de reconhecer nesses fatos
o indício do caráter “ natural” das três estruturas-mãe
bourbakistas. (PIAGET, 1998, p.219)
31
no ensino da matemática parecem ter motivado a falsa idéia de
que os currículos da matemática moderna r epr odu zi r i am o
desenvolvimento da inteligência descrito pelo pesquisador
genebrino.
É fato que Piaget estabeleceu um isomorfismo entre o
desenvolvimento da inteligência e a aquisição do pensamento
matemático; também é fato que para o pesquisador “o edifício da
matemática repousa sobre estruturas que são as da própria
inteligência”, não é verdade, porém, que a matemática moderna
estivesse fundada na epistemologia genética de Piaget.
As mudanças propostas pelo movimento renovador
estavam centradas na estrutura dos conteúdos e não na gênese e
história. Apesar disso, os promotores da reforma apoiavam-se muito
freqüentemente em citações de Piaget (PIAGET, 1998).
Ainda hoje, as propostas metodológicas apoiadas em
Piaget apresentam muitas das características da matemática
moderna, trocando conteúdos explicitamente apresentados como
teoria dos conjuntos, cujo único objetivo era familiarizar o aprendiz
com a linguagem formal da matemática, por atividades de
classificação, inclusão de classes ou correspondência biunívoca.
Ao considerar tais atividades como essenciais ao desenvolvimento
do conceito de número, os conteúdos propostos pela matemática
moderna são mantidos e o que muda são os objetivos e a forma
de apresentação.
Para Piaget, todavia, não existiria uma real necessidade
das atividades descritas acima para o desenvolvimento do conceito
de número:
[...] Ora, semelhante situação é tanto mais surpreendente
quanto se os professores de matemática se dispusessem a
tomar conhecimento da formação psicogenética ‘natural’
das operações lógico-matemáticas, descobririam que existe
uma convergência entre as principais operações usadas
espontaneamente pela criança e as noções que a ela se
tenta inculcar pela abstração. A partir dos 7-8 anos, por
exemplo, as pessoas descobrem por si mesmas operações
de reunião e de intersecção dos conjuntos, assim como
produtos cartesianos, e a partir dos 11-12 anos chegam a
partição dos conjuntos. (PIAGET, 1980, p. 16)
32
Particularmente ao que se refere à questão “ novos
conteúdos e métodos tradicionais” na matemática moderna, assim
se manifestou Piaget (1980, p.16):
Com referência, por exemplo, ao ensino da ‘Matemática
moderna’, que consti tui p rogresso verdadei ramente
extraordinário em relação aos métodos tradicionais, a
experiência é com freqüência prejudicada pelo fato de
que, embora seja ‘moderno’ o conteúdo ensinado, a
maneira de o apresentar permanece às vezes arcaica do
ponto de vista psicológico, enquanto fundamentada na
simples transmissão de conhecimentos, mesmo que se tente
adotar (e bastante precocemente, do ponto de vista da
maneira de raciocinar dos alunos) uma forma axiomática.
33
produzidos apenas por matemáticos, adotando-se outro, o de textos
produzidos quase que exclusivamente por pedagogos e psicólogos.
Não se considerando, portanto, a recomendação de Piaget que
“ muito se pode esperar da colaboração entre psicólogos e
matemáticos[...]”, citada anteriormente.
34
muito treino, o caminho inverso deveria ser percorrido, o número
era apresentado e a criança desenhava a quantidade representada.
Tratava-se a seguir da escrita cifrada, do nome e a da escrita do
nome do número, dos antecessores e sucessores e etc.
O n úmero era tran smi ti do como um con heci men to soci al ,
se comunicava um saber já constituído. O número se confundia
com a coleção, sendo ao mesmo tempo, um signo e uma palavra.
A con tagem era enfatizada mediante a memorização da seqüência
numérica. O objetivo era en si n ar os números mediante sua
apresentação objetos pré-existentes, dos quais se pode destacar
determinadas características que o aluno deveria conhecer e
memorizar.
Nessa perspectiva a aprendizagem era considerada efetiva
quando o aluno fosse capaz de reconhecer o número em seus
diferentes aspectos, conhecer seu nome, seu algarismo, seu
antecessor e seu sucessor.
O sistema de numeração decimal era posto como algo
imutável e perene e não como um conjunto de regras e símbolos
de caráter arbitrário.
No Brasil praticamente inexistiam textos didáticos de
ensino de matemática para os anos iniciais até o advento do
movimento da matemática moderna. A partir daí surgiram textos
didáticos, muito mais voltados a auxiliar a ação do professor quase
sempre despreparado para o trato da matemática estruturada do
que ao aprendiz, e livros específicos de orientação pedagógica.
A partir do movimento da matemática moderna o número
pr ati camen te sai de cen a , sendo substituído pelas atividades
preparatórias para a construção do conceito de número. Já não se
fala mais em en si n ar número, ele já não é mais visto como um
objeto pré-existente, mas sim como algo que para ser construído
necessita de pré-requisitos. Esses pré-requisitos passam a dominar
os programas daquela época de tal forma que o educador francês
Brissiaud afirmou que a reforma dos anos 1970, proposta “sob a
bandeira da Matemática Moderna, havia conseguido desterrar o
número da escola infantil francesa”. (DUHALDE; CUBERES, 1998,
p.142)
Como já mencionado anteriormente, a reforma originada
do movimento da matemática moderna, foi primeiramente uma
35
reforma de conteúdos. Buscava-se uma nova concepção de número
como uma propriedade vinculada a conjuntos. As atividades
recomendadas eram as de classificação e seriação e o emprego
sistemático da correspondência termo a termo.
Segundo publicação do In sti tut Nati on al de Recherche
Pédagogique de 1991, o programa de 1970 do Curso Preparatório
(CP), o equivalente francês da Educação Infantil brasileira,
apresentava: atividades de classificação e de seriação; noção de
número natural; nomear e escrever números; comparar dois
números e soma de dois números, e destaca as orientações
metodológicas que apareciam no referido programa:
É através das diversas manipulações de objetos que as crianças
elaboram pouco a pouco a noção de número natural. É necessário
compreender bem que o número natural não é um objeto, nem
uma propriedade vinculada a objetos, mas sim uma propriedade
vinculada a conjuntos.
[...] A noção de número natural como propriedade de um
co n ju n to ap ar ecer á n a m ed i d a em q u e se p o d er á
estab el ecer co r r esp o n d ên ci a ter m o a ter m o en tr e
conjuntos...
[...] O emprego sistemático da correspondência termo a
termo permite classificar os conjuntos e atribuir a cada
classe um número: assim, a classe de todos os conjuntos
que têm objetos em quantidade igual aos dedos da mão
define o numeral ‘cinco’.
[...] Insistir-se-á sobre o sentido das expressões: igual a ,
mais que, menos que.
Vários elementos destes comentários se referem à escola
maternal
Tais atividades de classificação (aliás, precisa-se que elas
devem incluir objetos variados na forma, na cor, na matéria,
nos tamanhos), praticadas desde a escola maternal deverão
ser r eto m ad as n as p r i m ei r as sem an as d o CP ( as
propriedades sendo ou não de ordem sensorial)
[...] Convém frisar a importância, para a elaboração da
noção de número natural, das atividades de classificação,
de seriação, de correlação termo a termo realizadas na
escola maternal. (ERMEL, 1991, p.4)
36
de número e fica muito claro que, para os formuladores do referido
programa, a classificação e a seriação an tecedem hierarquicamente
o número no desenvolvimento infantil.
Algumas afirmações de Piaget acerca do insucesso escolar
das crianças em relação à matemática podem ter contribuído para
a interpretação de que as estruturas lógicas são anteriores à
numérica.
[...], admitiríamos sem dúvida algumas aptidões diferenciais
que opõem os espíritos estritamente dedutivos (a partir
de determinada idade) aos espíritos concretos; todavia,
mesmo no campo da Matemática, muitos fracassos escolares
se devem àquela passagem muito rápida do qualitativo
(lógico) para o quantitativo (numérico).
A vi são oti mi sta, bastante oti mi sta mesmo, que nos
forneceram nossas pesquisas sobre o desen volvi men to das
n oções qu ali tati vas de base que constituem ou deveriam
consti tui r a i n fr a estr u tu r a d e tod o en si n o ci en tífi co
elemen tar [...] (PIAGET, 1980, p.14)
37
“compreensão da matemática elementar decorre da construção de
estruturas inicialmente qualitativas” construção esta que, quanto
mais for facilitada, tanto mais estará sendo favorecido o ensino da
matemática. (PIAGET, 1980, p.9)
1.3.4 E HOJE?
Atualmente as pesquisas apontam a importância tanto do
processo de contagem para a construção do conceito de número
como do conhecimento de número que a criança já tem antes de
entrar na escola.
Muitas das aplicações pedagógicas destinadas ao ensino
de matemática, porém, continuam a enfatizar o estudo das noções
consideradas pré-numéricas, como a classificação e a seriação antes
de um trabalho com atividades numéricas. E justificam que essa
seqüência se depreende da obra de Piaget.
Vamos analisar mais profundamente essa situação.
Uma primeira constatação é que a metodologia para o
trabalho com números, recomendada pelas propostas ditas
piagetianas, apesar de apresentar sérios equívocos, tem pelo menos
um resultado positivo expressivo. Praticamente não se “fala” mais
em “ensino” do número como transmissão social. É raro encontrar-
se atualmente propostas curriculares e livros didáticos que tratem
de “ensino de números”. A maioria fala da “construção do conceito
de número”, carregando, portanto, explícita ou implicitamente o
fato inequivocamente demonstrado por Piaget, de que o número
é construído pela criança.
A questão é, até que ponto as principais obras sobre “a
construção do conceito de número na criança”, que tanto tem
influenciado a elaboração de planos curriculares, de textos didáticos
e paradidáticos e, conseqüentemente, a prática pedagógica do
professor refletem, efetivamente, a teoria de Piaget?
Tal análise é pertinente uma vez que, de uma obra tão
extensa e densa como a de Piaget, é possível se destacar algumas
frases de seus contextos, ler apenas algumas obras de maneira
isolada, sem a noção global dos objetivos do trabalho do autor e,
a partir daí, fundamentar um trabalho caracterizando-o como
piagetiano sem que este reflita, necessariamente, o pensamento
do mestre genebrino.
38
As principais obras acerca da construção do conceito de
número que têm influenciado o ensino de matemática no Brasil
deixam evidentes alguns pontos destacados no livro A gên ese do
n ú mero n a cri an ça , como “a conservação de quantidades”, “a
invariância dos conjuntos” e a “correspondência termo a termo”
(principalmente a cardinal), passando ao largo da terceira parte
do livro, que trata das “composições aditivas e multiplicativas”,
sem considerar, portanto, a importância dessas composições na
construção do número.
Como resultado desta “leitura parcial” o número surgiria
no ápice de uma cadeia seqüencial e linear de construções.
É apenas com a compreensão das composições aditivas
e multiplicativas que se pode ter clareza do movimento, das
imbricações e da solidariedade de construção entre classes, séries
e número, com um conceito dependendo do outro para se efetivar.
Em vez de derivar o número da classe, ou o inverso, ou
considerá-los como radicalmente independentes, pode-se
efetivamente concebê-los como complementares e a se
desenvolver solidariamente, embora em duas direções
diferentes. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.224)
[...] a classe, a relação assimétrica e o número são, os três,
manifestações complementares da mesma construção
operatória aplicada, seja às equivalências e diferenças
reunidas. Com efeito, é no momento em que a criança,
havendo conseguido tornar móveis as avaliações intuitivas
dos primórdios, atinge assim o nível da operação reversível,
ela se torna simultaneamente capaz de incluir, seriar e
enumerar. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p. 253)
39
[...] Assim, (referindo-se a Piaget), assegurava que as
cri anças têm que construi r as op erações l ógi cas de
classificação e seriação como passo prévio a construir o
número e que este seria a síntese entre tais operações.
(DUHALDE; CUBERES, 1998, p.37)
Para consolidar-se, o número precisa de uma estrutura
operatória de conjunto, e essa estrutura mais global é
elaborada pela síntese dessas estruturas mais simples que
são a inclusão de classes [...] e a seriação[...] (DORNELLES,
1998, p.39)
40
É evidente que numa abordagem mais simples (sem os
“rigores formais”) pode-se dizer que número é a síntese da
classificação e da seriação e que a definição de número não vai
interessar à criança. Porém, tal como expressa nas citações acima,
a definição apresenta o inconveniente de sugerir uma construção
linear do tipo: pri mei ro vem a classi fi cação e a seri ação, depoi s
vem o n úmero.
Vale destacar, que Rangel (1992), menciona o fato da
construção solidária de número, classe e série, nos últimos
parágrafos do capítulo destinado à construção do número:
Piaget explicita que, apesar do número ser produto da
classe e da relação assimétrica, isto não implica que as
estruturas lógicas se consolidem anteriormente à formação
do número. Ao contrário, o número também é necessário
ao acabamento das estruturas lógicas. Assim, tanto a classe
como a série se concluem ao mesmo tempo que o número,
e sobre ele se apóiam tanto quanto o número se apóia
sobre tais estruturas da lógica. (RANGEL, 1992, p.131)
Apesar dessa ressalva (bastante sucinta em relação ao
que foi dedicado ao estudo das relações simétricas e assimétricas),
a autora valoriza a realização de atividades pré-numéricas em sala
de aula.
O i nconveni ente de tal defi ni ção é a sugestão de
linearidade, de construção hierárquica, um a pri ori lógico, como
se a classificação e seriação tivessem de estar concluídas enquanto
estruturas operatórias para então, surgir o número, o que não é
verdade. Para atingirem o status de estruturas operatórias, os três,
n úmero, classi fi cação e seri ação, desenvolvem-se solidariamente,
num processo de interdependência, conforme será tratado com
detalhes no capítulo III.
É importante deixar claro que sucessão numérica e
contagem não designam a mesma coisa. A contagem significa
apenas estabelecer uma correspondência biunívoca nome objeto
sem necessari amente entender que o úl ti mo nome fal ado
corresponde ao total da coleção, o que pode ser feito sem que
tenha compreensão efetiva de todos os aspectos do número. A
sucessão numérica (enumeração), por outro lado, envolve, além
dos aspectos cardinal e ordinal do número, a compreensão da
composição aditiva do número, a conservação e principalmente o
fato de que é possível conhecer todos os números sem que seja
necessário conhecê-los individualmente.
41
Existem mais dois pontos que são bastante questionados
nas aplicações existentes da teoria piagetiana ao ensino da
matemática. Um deles, é o trabalho com “conjuntos” e o outro, diz
respeito à ênfase exagerada em não se utilizar a contagem na
comparação de coleções de objetos, o que contraria a primeira
noção que tanto histórica quanto psicogeneticamente se tem de
número, que é “o número de contar”.
A ênfase nas atividades lógicas em detrimento das
numéricas é uma conseqüência do “casamento” (à revelia dos
“noivos”) entre a matemática moderna e a epistemologia genética.
De fato, o trabalho com correspondência termo-a-termo
para descobri r a quantidade de elementos de um conjunto não
conduziria, necessariamente, à construção do número. Ao contrário,
de acordo com a teoria piagetiana, a criança não é capaz de assimilar
conceitos sobre o número ao abstrair que diversos conjuntos têm
o mesmo n úmero de elemen tos, pois isto seria o mesmo que abstrair
a cor ou o cheiro de um objeto, conhecimentos de natureza física
que são construídos p or mei o da a bstr a çã o em pí r i ca . O
conhecimento do número, por sua vez, necessita da abstração
r eflexi va , característica do conhecimento lógico-matemático e
envolve a construção de relações entre os objetos.
O próprio mestre assim se posiciona em entrevista a
pesquisadores da Associação Francesa dos Pesquisadores em
Didática, no que se refere ao ensino de conjuntos.
F.H. - A noção de conjunto ocupa um lugar fundamental
na síntese bourbakista. Isso se explica pela necessidade
de esclarecer com precisão quais entes nos interessam
(por exemplo, não se pode definir uma relação sem antes
precisar o conjunto de partida e o conjunto de chegada).
Temos a impressão de que as coisas acontecem de maneira
totalmente diferente no espírito da criança. Nele, a noção
d e co n ju n to ap r esen ta-se q u an d o q u er em o s f al ar
“coletivamente” de certos entes. Por exemplo, passar dos
alunos considerados individualmente, para a classe ou a
escola. Até onde sabemos, encontram-se nos trabalhos de
sua escola muito poucas alusões à noção de conjunto
enquanto tal.
O senhor poderia esclarecer suas concepções?
Piaget - Acredito que os senhores têm toda a razão e que
a noção de conjunto própria aos matemáticos surge tarde
na criança e apresenta-se sob uma forma totalmente outra:
42
q u an d o l h es f al am o s d e co n ju n t o s, el as p en sam
simplesmente em coleções, em indivíduos considerados
coletivamente. Nesse caso, eu não falaria de conjuntos
mas de classes. [...] Assim, a um ver, o conjunto supõe a
construção do número e, sobretudo, a conservação do
número. (PIAGET, 1998, p.225)
43
a palavra relações, pode-se dizer que ela espera uma construção
seqüencial (KAMII, 1998, p.14-15).
Mediante um “olhar piagetiano”, a recomendação de
colocar tudo em relação, parece sugerir as atividades pré-numéricas
de classificação e seriação, consideradas desnecessárias pelo
próprio Piaget, entretanto, em nenhum momento a autora o faz
explicitamente.
As atividades propostas por Kamii para favorecerem a
construção do número, enfatizam a correspondência termo a termo
e a conservação de quantidades, sempre, é bom que seja frisado,
objetivando mais para o desenvolvimento da autonomia. Desta
forma, diferentemente da que é abordada no texto A gên ese do
n ú mero n a cri an ça, a autora, no que se refere à conservação,
parece prender-se muito mais ao estado fi n al do con heci men to do
que ao processo.
De maneira geral, da teoria constante no livro A gên ese
do n úmero n a cri an ça , de Piaget, o livro de Kamii, não reflete
nada além da introdução da primeira parte, na qual fica apenas
evidenciado que não existe número e nem mesmo quantidade,
sem conservação.
Face à insistência de Kamii nas atividades de “colocar em
correspondência” (a maioria, provocada), fica difícil não remontar
ao empirismo, ou seja, o sujeito após haver aprendido, mediante
uma sucessão de experiências, a possibilidade de tornar a encontrar
sempre a mesma correspondência, realizaria, então, mentalmente
tais experiências até considerar seu resultado como necessário?
Quanto ao que se refere à contagem, Kamii (1998, p.40),
assim se expressa:
[...] Da mesma forma, contar é uma alegria para a maioria
das crianças escolarizadas de 4 a 6 anos, e se as crianças
querem aprender a contar, não há porque lhes recusar
este conhecimento. Contudo, o professor deve conhecer
a di ferença entre contar de memóri a e contar com
significado numérico.
44
Em b o r a d e f áci l e agr ad áv el l ei tu r a, si m p l es,
proporcionando às pessoas que nunca tiveram um contato maior
com o pensamento de Piaget o acesso às noções de conhecimento
como processo, de autonomia como objetivo da educação e,
particularmente, de como se constrói o conhecimento matemático,
o livro de Kamii não apresenta, nem de longe, o complexo processo
necessário para o desenvolvimento da noção de número na criança,
descrito em A gên ese do n úmero n a cri an ça.
Não se está negando aqui que o número possa ser
con si derado como uma sín tese da classificação e da seriação, mas,
o que é importante deixar bem claro é que não é só a partir daí
que ele existe.
Piaget nunca se posicionou contra a contagem. O que
ele freqüentemente mostrou com suas pesquisas é que uma criança
pode contar sem entender a natureza dos números que ela nomeia
com competência. É só quando as crianças acreditam que a
contagem possa ser um modo “confiável” para a solução de um
problema específico, é que se pode ter uma razoável certeza de
que ela compreende o sistema que a ajudou. Em outras palavras,
o que Piaget destacou foi que criança poderia contar com
propriedade sem que isso significasse que a mesma tivesse o
conceito de número. Essa afirmação colocou em polvorosa o ensino
tradicional de matemática, pois a principal maneira desta forma
de ensino avaliar se a criança havia apr en di do o conceito de
número, era verificar sua capacidade de contar!
Não é possível se ter certeza das razões que levaram os
pesquisadores a se fixarem nas partes iniciais do texto de Piaget,
é possível, porém, levantar hipóteses. A primeira delas, poderia
ser a r elati va facilidade de compreensão destas partes, pois a
maioria dos textos destina-se a professores da Educação Infantil
ou dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Uma outra, poderia
ser o fato de que as atividades sugeridas como introdutórias ao
estudo do número em quase nada diferenciam, a não ser pela
ausência de formalização, das atividades do tempo da matemática
moderna, com as quais os professores já estavam habituados.
O que importa, porém, é que as aplicações pedagógicas
destinadas ao ensino da matemática continuam, na sua maioria,
embora isto não se depreenda da obra de Piaget, a enfatizar o
estudo das noções consideradas pré-numéricas como a classificação
e a seriação.
45
1.4 PARA ALÉM DE PIAGET?
O livro A gên ese do n úmero n a cri an ça foi publicado em
1941 e, pela primeira vez, se pretendia apresentar, a partir de
observações p reci sas, uma exp l i cação teóri ca coerente da
construção do número na infância. O interesse despertado pela
obra desde sua publicação, jamais diminuiu, apesar ou por causa ,
das críticas teóricas que o livro contém e dos novos fatos
experimentais nele apresentados.
Pesquisas atuais demonstraram que o estudo da relação
entre o desenvolvimento dos conceitos matemáticos e a aquisição
dos procedimentos numéricos é essencial, tanto para uma teoria
de desenvolvimento cognitivo quanto para o ensino. As discussões
sobre esse tema estão centradas, nos estudos genéti cos,
principalmente sobre a relação entre a contagem e a construção
do número, aspecto não explorado na obra de Piaget e Szeminska.
Os trabalhos mais recentes têm acentuado a importância
da contagem na construção do número e, todos, sem exceção, se
referem aos resultados de Piaget e seus colaboradores, para
fundamentar, complementar ou, refutar.
Como conseqüência da interpretação de uma construção
linear do número como síntese da classificação e da seriação (em
torno dos sete anos), passou-se a acreditar que o número só existiria
a partir deste momento. Tal situação motivou os pesquisadores a
investigarem a existência de formas primitivas de número em
crianças muito pequenas e, em virtude da confirmação da hipótese
de que desde os níveis mais elementares já está presente uma
quan ti fi cação bruta , dirigiram seus estudos para a verificação do
papel desempenhado pela contagem na construção do número.
Muitas pesquisas foram realizadas e seus resultados
confirmaram a hipótese de que as crianças, desde muito pequenas,
têm noção de número. Investigações realizadas por diversos
pesquisadores comprovam que bebês, por volta dos 6 meses de
idade “podem distinguir entre conjuntos de um, dois ou três
elementos, bem como entre conjuntos de três e quatro elementos”.
(DUHALDE; CUBERES, p.34)
Outros estudos mostraram que crianças com um ano de
idade podem ordenar conjuntos de diferente quantidade de
elementos, podendo dar conta de pequenas mudanças numéricas
46
no conjunto que está observando e i gnorar outros dados
“perceptivelmente interessantes como cor e forma”. Seria um
sentido numérico intuitivo, muito semelhante ao senso numérico
do homem primitivo (DUHALDE; CUBERES, p.34).
Em um artigo recente me surpreendeu ver definida a escola
infantil como “o país sem números”. Nada mais falso, pois
nossos pequenos os descobriram fora da escola, sob uma
forma muito particular que poderíamos chamar de natural
e, em todo caso, própria da infância. Talvez o número
não seja a princípio mais que uma palavra para a criança,
mas a utiliza. O número não é, quem sabe, mais que uma
figura, mas ela a percebe; não é talvez, mais que um
pseudo-número, mas a criança prefigura ao verdadeiro.
(BANDET, apu d DUHALDE; CUBERES, 1998, p.36)
47
Para a pesquisadora francesa Catherine Sophian, Piaget e
Szeminska consideram que a contagem “desempenha um papel
secundário no desenvolvimento das conceitualizacões numéricas”
enquanto que os trabalhos recentes a consideram, tanto “como
um indicador da riqueza dos conhecimentos matemáticos desde a
pequena infância” , quanto “ como um fator potencialmente
importante do desenvolvimento das conceitualizações relativas ao
número” (SOPHIAN, 1991, p.35).
Sophian pesquisou a relação en tre a cardi n ali dade e a
con tagem em crianças não escolarizadas, com a idade variando
de três a sete anos, encontrando resultados que revelam uma
compreensão precoce tanto da contagem quanto de algumas
operações matemáticas elementares. Baseada nesses resultados a
pesquisadora francesa recomenda a inclusão de atividades que
privilegiem a contagem e mesmo operações aritméticas a partir
das p rimeiras ap rendizagens, desde que integradas a uma
pedagogia contextualizada.
Para a americana Leslie Steffe, Piaget n ão con si derou os
suportes da experiência infantil, na qual a contagem se faz presente,
em decorrência de fatores sociais. Após ter trabalhado durante
dez anos, tentando compreender como a teoria piagetiana dos
estágios poderia ser utilizada no ensino da matemática, sentiu
necessidade de formular um modelo da construção do número,
compatível com o de Piaget, levando em conta, porém, a
experiência infantil.
Os estudos de Steffe (1991) permitiram isolar cinco estádios
de apren di zagem n a con strução da seqüên ci a dos n úmeros: 1)
esquema de contagem perceptiva; 2) esquema de contagem
figurativa; 3) a seqüência inicial dos números; 4) a seqüência
tacitamente encaixada dos números e, 5) a seqüência explicitamente
encaixada dos números.
Para Karen Fuson, as pesquisas de Piaget e Szeminska
subestimam tanto o papel da contagem na construção do número,
q u an to o d as estr atégi as em p ír i cas d e em p ar el h am en to
(correspondência) para a quantificação.
Fuson (1991) estudou, com detalhes, a evolução entre
contagem e cardinalidade, em crianças de idade variando entre
dois e oito anos e seus resultados deixaram evidente a i mportân ci a
48
dos procedi men tos empíri cos para a con sti tui ção da quan ti fi cação
e da con tagem para a con strução do n úmero.
O psicólogo e matemático francês Remi Brissiaud, um
típico representante do cognitivismo, considera que Piaget e
Szeminska menosprezam a contagem ao considerar que “o fator
verbal desempenha apenas um papel pequeno no progresso” da
construção do número. (BRISSIAUD, 1991, p.51)
Brissiaud afirma que as crianças encontram o número
pela primeira vez, antes da contagem, mediante a utilização de
correspondência termo-a-termo, em conformidade com os homens
pré-históricos, estabelecida entre uma coleção de objetos e uma
“coleção-testemunho” de dedos. A seguir, mediante a comparação
entre o que o autor considera como dois sistemas de representação
e tratamento da quantidade (as coleções-testemunho de dedos e a
contagem), a criança torna-se capaz de “precisar certos aspectos
das noções de quantidade e de número” (BIDEAUD, J.; MELJAC,
C.; FISHER, JP, 1991, p.29).
Dos estudiosos atuais, Brissiaud é o mais enfático em
estabelecer uma oposi ção entre os resultados piagetianos e a
comprovação, por diversas pesquisas, tanto do papel efetivo
desempenhado pela contagem na construção do número quanto
da presença do número no pensamento infantil, antes do
acabamento deste último, como síntese das classes e das séries.
Brissiaud divide sua obra Como as cri an ças apren dem a
calcular (1989), em três partes: “ Comun i car ”, “Calcular ” e “Para
além de Piaget”. Nesta última parte, entre outras coisas, propõe
uma teoria didática para a matemática, inspirada no método
instrumental de Vygotsky, que enfatiza o papel da contagem no
desenvolvimento dos conceitos numéricos, afirmando que suas
sugestões “ultrapassam” Piaget.
Tal afi rmação, todavi a, não p arece estar l i vre de
contestação. Estariam, realmente, os recentes estudos acerca do
número, além de Piaget, ou apenas os completariam?
49
sincrônica e solidariamente, já indica a presença de n ú mer os
pri mi ti vos (quantificadores), virtuais ou reais, a partir dos níveis
mais elementares.
Em relação à contagem, por concentrarem seus estudos
no desenvolvimento intelectual das crianças (pressupondo
operações), Piaget e Szeminska não desenvolveram maiores
análises sobre a contagem (pressupondo interação social) das
crianças, o que não é, contudo, suficiente para se concluir que os
autores não a considerassem importante.
Ao contrário, buscando exatamente complementar os
estudos de Piaget e Szeminska, Pierre Gréco pesquisou, no início
da década de sessenta, o papel da contagem e da correspondência
termo a termo no desenvolvimento do número e os resultados
foram publicados no volume XIII dos Étu des d’épi stémologi e
gén éti que, do Centro Internacional de Epistemologia Genética, sob
a direção de Jean Piaget, intitulado Str u ctu r es Nu m ér i qu es
Élémen tai res, em 1962.
Nesta obra, no artigo “ Quan tidade e Quotidade: n ovas
pesquisas sobre a correspondência termo a termo e a conservação
dos conjuntos”, Gréco estabeleceu a precocidade da conservação
do resultado da contagem , que ele denominou de quotidade, sem
que houvesse a conservação da quantidade, o que o levou a atribuir
um importante papel tanto à contagem, quanto à correspondência
termo a termo na construção do número. Esta pesquisa pode ser
considerada o marco inicial dos estudos posteriores acerca da
contribuição da contagem na construção do número.
Brissiaud fundamenta-se em Gréco para justificar suas
propostas que estariam, segundo o autor, “além de Piaget”,
enfatizando a contribuição da contagem no processo de construção
do número, o que causa estranheza, pois os resultados de Gréco
foram referendados por Piaget, conforme consta do prefácio da
terceira edição francesa do livro A gên ese do n úmero n a cri an ça .
O que se conclui, a partir das referências escolhidas para
ilustrar os atuais “caminhos do número”, é que o trabalho de Piaget
e Szeminska continua na base destes estudos, quer estes pretendam
confirmá-los, complementá-los ou colocá-los em cheque. Isto
demonstra bem, segundo os termos de Rémy Droz, citado por
Bideaud (1991), “l’incroyable fécondidité heuristique” (a incrível
fecundidade heurística), do trabalho de Piaget e Szemiska.
50
Capítulo 2
Evolução, fundamentos e
futuro das idéias matemáticas
51
52
O principal objetivo deste capítulo é contextualizar
teoricamente as pesquisas de Piaget e Szeminska que resultaram
na publicação do livro A gên ese do n úmero n a cri an ça .
2.1 Dos primórdios ao século XVIII: para início de
conversa é apresentada uma síntese (brevíssima) da história da
matemática dos primórdios até o século XVIII. Esse recorte temporal
justifica-se em função de que a matemática até as últimas décadas
do século XVIII, apesar de se encontrar já totalmente dedutiva,
ainda não é tão abstrata como se torna a partir do século XIX.
2.2 O século XI X: este sécul o é consi derado tão
revolucionário para a matemática como o foi a matemática grega
clássica, pois, ao mesmo tempo em que se torna completamente
abstrata, a matemática também se volta p ara seu interior,
desencadeando uma profunda revisão em seus fundamentos, que
se estende, inclusive, pelo século XX.
2.3 O século XX: aqui são abordadas as diversas correntes
do pensamento matemático originárias da crise dos fun damen tos
e que estabeleceram diferentes teorias explicativas para a questão
“o que é o número?” instaurando um verdadeiro “ caos” teórico
das di versas con cepções de n úmero. Neste tópico fica evidente a
insuficiência das principais concepções na resposta à questão “o
que é o número?”, a saber: do empi ri smo de Mach, Rignano e
Helmholtz; do logicismo de Russell e Whitehead e do in tuicion ismo
de Poincaré e Brouwer. A crise dos fundamentos da matemática
mereceu um tratamento diferenciado em relação aos demais
acontecimentos pois, concepções opostas da matemática motivaram
o debate entre logicistas (Russell) e intuicionistas (Poincaré). Tal
debate, principalmente no que se refere à noção de número,
motivou Piaget a buscar um terti um entre o reducionismo lógico
e o caráter irredutível do número dos intuicionistas. Dentro desse
tópico aparece, também, um assunto que interessa sobremaneira
aos piagetianos não matemáticos, a lógica, por permitir uma
compreensão das diversas analogias estabelecidas pelo mestre
genebrino entre sua epistemologia genética e a matemática. Um
outro ponto a ser destacado é que, ao se tratar da lógica matemática,
uma pequena digressão histórica e também um apanhado acerca
da “interpretação” piagetiana da lógica, são efetuados.
2.4 O estr utur alism o de Nicolas Bour bak i: Para
completar a análise do contexto teórico onde se inserem as
53
pesquisas de Piaget e Szeminska é apresentado neste tópico, em
linhas gerais, o estruturalismo unificador de Nicolas Bourbaki.
2.5 Futur o: são del i neadas neste tóp i co al gumas
perspectivas para o “futuro” da matemática e, recorrendo-se a uma
síntese da epistemologia da matemática segundo Jean Piaget, são
abordadas questões referentes à fecundidade; à necessidade e ao
ri gor e, à adap tação ao real , desta forma tão p ecul i ar de
conhecimento, que é a matemática.
54
No texto em questão, pela primeira vez que alguém se
propunha apresentar uma explicação teórica coerente da construção
do número na infância, a partir de observações precisas. O interesse
despertado pela obra, desde sua publicação, jamais diminuiu,
apesar ou por causa, das críticas teóricas que o livro contém e dos
fatos experimentais nele apresentados.
Para compreender exatamente a extensão do problema é
necessária uma rápida incursão na história e na filosofia da ciência
matemática.
55
Parafraseando Caraça (1984), uma vez que a citação
original refere-se à ciência de um modo geral, a matemática
encarada assim aparece como um organismo vivo, impregnado
de condição humana, com suas forças e fraquezas e subordinado
às grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento
e pela libertação. Enfim, ela aparece como um grandioso capítulo
da vida humana.
É preciso ficar claro que, se por um lado o conhecimento
m atem áti co ap r esen ta a u n i v er sal i d ad e, a p r eci são e a
impessoalidade como suas principais características, o mesmo não
acontece com a história da matemática. Aparecem contradições,
controvérsias, falta de precisão sobre quando e como aconteceram
os fatos, originando então, interpretações particulares e pessoais
dos estudiosos sobre o assunto.
Algumas escolhas foram feitas para essa digressão
histórica, a primeira foi optar por não se obedecer rigorosamente
à periodização da própria história, pois aí se perderia a visão total
da contribuição de cada cultura. Assim, o que se pretende, é
descrever de forma linear as principais conquistas matemáticas de
cada povo por proximidades geográficas e, dentro do possível,
num mesmo período. Uma outra opção foi evitar os materiais,
que na busca da verdade enveredam por caminhos polêmicos.
Essa digressão histórica é feita, pois, sem maiores discussões
mediante a consulta de bibliografia canônica sobre o assunto.
Essa escolha não é limitante e muito menos parcial em
função da natureza da ciência matemática na qual, ao contrário de
muitas outras ciências, uma geração não desfaz o que foi construído
por outra. O que muda na matemática é a forma. Cada geração
reformula e amplia velhas estruturas, porém, estas não são
descartadas, ao contrário, encontram-se embutidas nas novas
construções. Um bom exemplo desse fato é o caso da geometria
euclidiana e as não-euclidianas, evidenciando o processo de
construção p or a bstr a çã o r efl ex i on a n te do conheci mento
matemático. É a forma que muda com o tempo, originando uma
nova maneira de apresentar determinado conteúdo, provocando
uma nova pesquisa sobre a forma que se transforma em conteúdo
e assim, sucessivamente, e isto é a evolução em matemática.
Novos resultados muitas vezes têm origem numa nova
forma de escrever resultados já construídos como os que se
56
seguiram após a introdução do sistema de numeração decimal ou
os progressos da matemática a partir do estabelecimento da álgebra
simbólica.
A opção de se abordar nesta introdução dos primórdios
até o estabelecimento do si stema métri co deci mal , no século XVIII
foi feita em função de que o que se tem a relatar, neste período,
se refere apenas a descobertas ou formulações sem preocupações
de natureza filosófica, ao contrário do período seguinte, quando a
matemática se liberta do real .
Não é possível precisar o momento exato em que o
homem começou a fazer matemática, o que existe, são diversas
conjecturas a respeito. As mais recentes descobertas científicas
acerca da presença do homem na Terra demonstram que esta é
muito mais antiga do que se acreditou durante muito tempo. Foram
descobertos registros da presença de que os primeiros hominídeos
a andar sobre duas pernas, que é o critério utilizado para diferenciar
o homem dos demais primatas, surgiram na África, há cerca de
quatro milhões de anos. Os registros sobre a construção de suas
primeiras ferramentas (só existem registros de ferramentas de pedra)
estabelecem que foram criadas pelo chamado Homo habi li s, natural
da África e datam de dois milhões de anos atrás.
Pode causar estranheza à maioria das pessoas o fato de
que o mundo “sempre esteve e está repleto de matemática”, pois
estão acostumadas com um matemático estereotipado, de óculos
grossos, desligado do mundo, aparentemente distraído e cujo
habi tat natural não seria o mundo real. Porém, “desde o seu
aparecimento na terra”, o homem contava, media, calculava,
“mesmo no período em que seu espírito não tinha consciência de
si mesmo e quando sobre tais assuntos não existiam conceitos e
convenções”.
Ele dividia a presa em partes iguais, com o que criou as
frações; cortava com a sua clava ou media um pedaço de
pele – comparando comprimentos, admitindo assim as
idéias contrárias de “maior” e “menor”. Para encurtar o
caminho na curva de um rio ele abria um atalho retilíneo
através do capim da estepe – junto ao leito dos rios – e
com isso traçava a primeira corda de um arco. Fabricava
vasos, que eram seus padrões de medida, efetuando assim
as primeiras determinações de volume [...]. (KARLSON,
1961, p.3)
57
Não é possível deixar de perceber que as atividades
anteriormente descritas passavam ao largo de qualquer operação
matemática consciente, mas que o indivíduo estava, tal como a
criança nos estágios iniciais de seu desenvolvimento, agindo sobre
os objetos. Dessa forma, o homem primitivo construía seus
conhecimentos sobre formas matemáticas, estabelecia relações entre
objetos e, mais ainda, estabelecia relações entre grandezas. O
homem primitivo conhecia e utilizava diferentes grandezas antes
que a tomada de consciência delas lhe possibilitasse designá-las
com nomes específicos.
Se as noções matemáticas primitivas aparecem já nos
primórdios da raça humana, é possível se encontrar “vislumbres
de noções matemáticas” em outras formas de vida “que podem
datar de milhões de anos antes da humanidade”. (BOYER, 1974,
p.1)
A ciência já estabelece atualmente, de modo claro, que
“as capacidades de distinguir número, tamanho e forma” que
constituem os rudimentos do pensamento matemático “não são
propriedades exclusivas da humanidade”. E mais, se existe “validade
no princípio biológico da sobrevivência do mais apto, a persistência
da raça humana provavelmente tem relação com o desenvolvimento
no homem de conceitos matemáticos”. (BOYER, 1974, p.1)
Com o aparecimento da agricultura no Oriente Médio há
cerca de 10 mil anos atrás o homem deixou de ser nômade e com
a sua fixação ao solo surgiram as primeiras civilizações. Sempre
junto aos grandes rios, fontes de fertilidade, floresceram as
civilizações: egípcia, no vale do Nilo; mesopotâmica, nas bacias
dos rios Tigre e Eufrates; hindu, ligada aos rios Indo e Ganges e
a chinesa, na região dos rios Huang Ho e Yang Tse.
De maneira geral todas estas civilizações enfrentaram
problemas semelhantes como o desenvolvimento de métodos para
armazenar os produtos colhidos; o estabelecimento de técnicas
para a divisão de terras e plantio e para o controle das enchentes.
Vemos assim numa vertente, uma aritmética de divisão de
recursos, desenvolvendo principalmente frações e, em
outra, uma geometria no estilo do que hoje chamamos
agrimensura, tendo como motivação a alocação de terras
aráveis. E, naturalmente, uma matemática associada às
técnicas de construção, na verdade, uma mecânica de
construções. (D’AMBRÓSIO, 1998, p.34)
58
Uma observação i mp ortante é que, embora cada
civilização desenvolvesse sua matemática de forma independente,
os conhecimentos matemáticos produzidos por elas, descontadas
as peculiaridades de representação, são semelhan tes en tre si e
obedecem a uma mesma seqüên ci a de construção.
Esse fato corrobora a tese de Piaget, para quem a natureza
do conhecimento matemático não é uma simples determinação
social, mas, sim, resultante das relações que o sujeito estabelece
com o meio (físico e social)., inclusive quando o sujei to é uma
coleti vi dade.
Embora a matemática fosse essencialmente utilitária, os
registros destas civilizações já indicam um di stan ci amen to do real,
apresentando problemas de interesse apenas matemático, do tipo:
“Qual é o número que ...?”
Uma outra característica da matemática das antigas
civilizações é que todas elas se preocupavam essencialmente com
o como fazer . Os primeiros a se preocuparem com o por quê fazer
de determinada forma foram os gregos, importante civilização
surgida na parte superior do Mediterrâneo, a partir de povos que
emigraram do Norte.
Eles praticavam uma matemática utilitária, semelhante
àquela dos egípcios, mas, ao mesmo tempo desenvolveram
um pensamento abstrato, com objetivos religiosos e rituais.
Começa assim um modelo de explicações que vai dar
origem às ciências, à filosofia e à matemática abstrata. É
muito importante notar que duas formas de matemática,
uma que poderíamos chamar utilitária e outra, matemática
abstrata (ou teórica ou de explicações), conviviam e são
p er f ei t am en t e d i st i n gu ív ei s n o m u n d o gr ego .
(D’AMBRÓSIO, 1998, p.35)
59
2 Helenístico: este período, posterior às escolas filosóficas, se
estendeu até os princípios da era cristã e é considerado a Idade
do Ouro da matemática grega. É nesse período que ela se
torna autônoma e consegue suas maiores realizações com
Euclides, Arquimedes e Apolônio.
3. Greco-romano: período que tem seu início com a morte de
Arquimedes por um soldado romano em 212 a.C.. Compreendeu
os séculos iniciais da era cristã e foi considerado período de
decadência pois apareceram apenas comentaristas. O final deste
período coincide com o final do mundo clássico e, de acordo
com a maioria dos historiadores, é o início da Alta Idade Média,
ou Idade das trevas.
A m a t em á t i ca d a I d a d e M éd i a se d esen v o l v eu
particularmente em ambientes religiosos e, como todo pensamento
deste período era direcionado à construção de uma teologia cristã,
a matemática filosófica dos gregos foi destinada ao ostracismo em
virtude de sua origem pagã.
A matemática utilitária progrediu muito nessa época entre
o povo e os profissionais. Os algarismos romanos serviam
apenas para representação. Mas foram desenvolvidos
interessantes sistemas de contagem utilizando pedras
(calcu li ), ábacos e mãos. O Venerável Beda (673-735)
escreveu um tratado sobre operações com as mãos.
Também traduziu parte de Os Elemen tos, trabalho que não
teve qualquer repercussão. Modelos geométricos para
construções de igrejas que deram origem ao gótico, e para
a pintura religiosa que deram origem à perspectiva, foram
mu i to s d esen vo l vi d o s. Esses f o ram essen ci al men te
precursores do que viria a ser chamado as geometrias não-
euclidianas. (D’AMBRÓSIO, 1998, p.41)
60
A maior figura da ci ên ci a i slâmi ca foi, com certeza, o
matemático Muhammad ibn Musa al-Kwarizmi al-Magusi (780-847)
que é considerado o respon sável pelo surgimento da álgebra. Al
Kwarizmi produziu diversos trabalhos, entre eles, um livro onde
introduz a redução de termos semelhantes de uma equação
acompanhada da alteração do sinal, marcando, desta forma, o
nascimento da álgebra. Deve-se também a esse sábio muçulmano
a divulgação no Ocidente dos símbolos criados pelos hindus para
representar os números, os algarismos, assim denominados em
sua homenagem.
Logo no início de suas conquistas os árabes precisavam
impor sua língua aos povos submetidos e, por possuírem
p ouco i nteresse ci entífi co e cul tural , seus p ri mei ros
trabalhos escritos foram traduções, para o seu idioma, de
escritos hindus e gregos. Posteriormente, estes trabalhos
foram traduzidos do árabe para o latim e se tornaram
perenes.
61
A pa r ti r d os d escobr i m en tos, o mundo oci dental ,
particularmente, Portugal e Espanha, alcançaram desenvolvimento
científico notável focalizado na navegação, enquanto que nos
demais países da Europa, o impacto do descobrimento de outras
realidades a partir da existência de um “Novo Mundo”, impulsionou
a necessidade da busca de novos sistemas de explicação e,
conseqüentemente, novos enfoques filosóficos que, em conjunto
com o acesso às f ontes ori gi nai s gregas, deu ori gem ao
Renascimento.
Os séculos XVII e XVIII contemplaram o surgimento da
geometria analítica de René Descartes e do Cálculo Diferencial e
Integral que foi construído simultânea e independentemente por
Isaac New ton, na Inglaterra e Gottfried Wilhelm Leibniz, na
Alemanha, reafirmando a natureza do conhecimento matemático,
descrita por Piaget.
Na Europa continental as idéias de Newton eram muito
convenientes para o pensamento político que se construía
co m o b ase f i l o só f i ca p ar a a Rev o l u ção Fr an cesa.
Imediatamente os intelectuais revolucionários adotaram a
nova matemática proposta por New ton e deram ao cálculo
diferencial um impulso notável. (D’AMBRÓSIO, 1998, p.50)
62
trabalhos versando sobre Cálculo, Teoria dos Números, Álgebra,
Mecânica, Óptica, Teoria das Probabilidades e sobre o nascente
campo da matemática, a Topologia, além de escritos sobre o cálculo
das variações, música e números complexos.
A matemática do século XVIII poderia ser caracterizada
por uma única palavra: algorítmi ca , embora no final do século ela
tenha perdido esse caráter puramente algorítmico, com a geometria
adquirindo contorno de geometria pura e a física se convertendo
em física matemática. (BABINI, 1969)
Nesse sécul o, tanto a anál i se al gébri ca quanto a
infinitesimal adquirem vida própria, se libertando, de certa forma
da geometria e da ciência natural. A matemática assumiu um caráter
formal, embora ainda não rigoroso.
O século XVIII contemplou também o desaparecimento
dos matemáti cos poli valen tes e o conseqüente surgimento dos
especialistas, como o geômetra Monge. “Um outro acontecimento
digno de registro no século XVIII foi a entrada das mulheres no
campo da matemática e no das ciências exatas, de uma maneira
mais geral”. (EVES, 1995, p.493)
Assim, até o século XVIII, embora já inteiramente dedutiva,
a matemática estava profundamente ligada aos algoritmos e pouca
ou nenhuma preocupação existia quanto à natureza de seus
elementos e aos seus fundamentos. De uma maneira geral, à
exceção da idade heróica na Grécia Antiga, a evolução das idéias
matemáticas, prosseguiu, até o século XVIII de uma maneira
praticamente linear, sem maiores revoluções. Vista de hoje, parece
que a matemática se desenvolveu de uma maneira praticamente
esperada.
Tal não é, todavia, o panorama do século XIX, considerado
“mais revolucionário na história da matemática”, com a descoberta
de um “novo mundo na geometria”. (BOYER, 1974, p.387)
O conhecimento matemático deixou de ser produzido
apenas na França, Inglaterra, Itália e Alemanha, e países, até então,
cientificamente insignificantes invadiram o cenário matemático. A
matemática passou a ser reconhecida não mais como uma ciência
natural, ou seja, decorrente da observação da natureza, ou que
buscasse descrevê-la, mas, como uma criação intelectual do homem.
“O século dezenove, que se orgulha da invenção do vapor e da
63
evolução, poderia derivar um título mais legítimo à fama da
descoberta da matemática pura”. (RUSSELL, 1901, apud BOYER,
1974, p.440)
64
distinção de duas classes de proposições sintéticas: as empíricas
ou sintéticas a posteri ori e as que não são empíricas, as sintéticas
a pri ori .
É o estabelecimento dos juízos sintéticos a pri ori que
confere todo o alcance da “revolução copernicana” do sistema
kantiano. Com tais juízos o conhecimento não depende apenas
da razão ou do sujeito, como queriam os racionalistas e nem apenas
do objeto, como defendiam os empiristas, mas de ambos.
As proposições matemáticas seriam sintéticas a pri ori , pois
seriam as formas puras da intuição, o espaço e o tempo, que
permitiriam fundamentar e legitimar os juízos sintéticos a pri ori e
expressariam a especificidade da matemática. Para Kant o indivíduo
conheceria o espaço e o tempo de um modo absolutamente
apri orísti co.
[...] Assi m, o s ju ízo s q u e se ref erem às f o rmas d e
sensibilidade são a pr i or i , ainda que sejam sintéticos e
portanto são possíveis na matemática que se fundamenta
numa construção de conceitos. A validade da matemática,
está fundada na intuição a pr i or i das relações das figuras
espaciais e dos números, que por sua vez se fundamentam
na sucessão temporal das unidades. O espaço e o tempo
são, portanto, o fundamento lógico – não psicológico –
da matemática e nela são possíveis os juízos sintéticos a
pri ori . (MARÍAS, 1958, p.277)
65
fundamento a intuição pura do espaço. A aritmética forma
ela própria os seus conceitos de número pela adição
sucessi va das uni dades no temp o, esp eci al mente, a
mecânica pura só pode formar os seus conceitos de
movimento mediante a representação do tempo. (KANT,
1988, p.51)
66
Considerado por muitos como o maior matemático de
todos os tempos, Gauss foi o que seria hoje designado por “criança
prodígio”. Seu talento foi reconhecido pelo Duque de Brunswick
que se encarregou da educação do pequeno gênio e assim, em
1799, Gauss já obtinha o grau de doutor em Helmstedt. A partir de
1807 e até a sua morte, Gauss trabalhou tranqüilamente como
diretor do observatório astronômico e professor da Universidade
de Göttingen, onde havia realizado todos os seus estudos, à exceção
do doutorado.
D a m esm a f o r m a q u e seu s co n t em p o r ân eo s e,
curiosamente, conterrâneos, Kant, Göethe, Beethoven e Hegel,
Gauss se manteve distante das lutas políticas, porém, se o seu
isolamento relativo; a sua compreensão das matemáticas puras e
aplicadas; a sua preocupação com a astronomia e o uso freqüente
que fazia do latim possuem a marca do século XIX, o conteúdo de
seu trabalho retrata, “de forma poderosíssima” as novas idéias de
sua época (STRUICK, 1992, p.227).
Gauss não publicava sistematicamente seus trabalhos,
preferindo registrá-los, de forma sucinta, em um diário, que só foi
encontrado em 1898, após a sua morte, portanto. Dos 146 breves
registros contidos no diário (o último datado de 9/ 7/ 1814) 144 já
foram decifrados em sua maior parte. O termo deci fr ado é
pertinente uma vez que Gauss escrevia de forma crípti ca , como
atesta o exemplo: “EYPHKA! n u m = ∇+∇ +∇, o que traduz a
descoberta, por parte de Gauss, de uma demonstração de que
todo inteiro positivo é soma de três números triangulares” (EVES,
1995, p. 520).
O s estudos de Gauss abrangeram vári os camp os
científicos, como astronomia, física matemática e matemática. Desta
última, tinha especial predileção pela teoria dos números, chegando
a afirmar que “a matemática é a rainha das ciências e a teoria dos
números é a rainha das matemáticas”. Na sua tese de doutorado,
Gauss estabeleceu a primeira demonstração do teorema que
estabelece que toda equação polinomial de coeficientes reais ou
complexos tem, pelo menos uma raiz, teorema este que recebeu,
de Gauss, a denominação de “teorema fundamental da álgebra”,
carregando, portanto, no próprio nome, a dimensão de sua
importância para a matemática (BOYER, 1974, p.367).
67
O matemático alemão deixou, também, colaborações
inestimáveis ao cálculo diferencial e integral, à teoria das
probabilidades; à estatística (criou a teoria dos erros, de onde
surgiu a curva de Gauss); à teoria das funções de variáveis
complexas; à astronomia; à geometria diferencial e à física, em
especial no campo do eletromagnetismo, tendo, inclusive,
construído em conjunto com o físico Wilhelm Weber, um telégrafo
elétrico, bem antes de Samuel Morse.
Gauss foi também um dos descobri dores da geometria
não-euclidiana - foi dele esta denominação - como tentativa de
demonstração do postulado V de Euclides, que estabelece que
por um pon to de um plan o n ão perten cen te a uma reta dada, passa
uma ún ica paralela a esta reta , fato que o intrigava desde os 13
anos de idade.
No século XVIII haviam sido realizados muitos estudos
com o objetivo de mostrar que o “axioma das paralelas” seria
supérfluo e que seria possível construir a geometria utilizando
apenas os quatro primeiros postulados euclidianos. Os estranhos
resultados obtidos, porém, como por exemplo, o de que a soma
dos ângulos internos de um triângulo não seria necessariamente
igual a dois retos assustavam os estudiosos que não consideravam
como geometria o sistema assim obtido.
Gauss foi, na verdade, o primeiro que visualizou o fato.
Preocupado com a questão das paralelas desde a sua
adolescência, não publicou nada a princípio, por temer,
como ele próprio diz, a “gritaria dos boécios”, porém, em
1831 decide fazê-lo, todavia, no ano seguinte, inteirado
do trabalho de Bolyai, abandona esse propósito. (BABINI,
1969, p.117)
68
2.2.1 AS GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS
Os textos dos Elemen tos de Euclides possuem uma
estrutura axiomática, isto é, começam com a apresentação de
definições fundamentais, seguidas de uma série de axiomas (ou
postulados) e a partir disso, são demonstrados teoremas da
geometria, da aritmética e da teoria das proporções. Como os
axiomas são proposições aparentemente iguais aos teoremas que
são demonstrados a partir deles, filósofos, lógicos e matemáticos
vêm, há quase dois mil anos tentando estabelecer com clareza
qual seria a particularidade que os caracterizaria e mais, discute-se
também, qual seria o significado de uma construção axiomática.
Essa discussão, que aconteceu através dos tempos,
desembocou em duas vertentes: os axiomas são proposições ainda
não demonstradas, assumidas precariamente como verdadeiras até
que algum dia suas validades sejam confirmadas ou, os axiomas
são autênticos, isto é, jamais poderão ser demonstrados e talvez
sejam evidentes em si mesmos (BARKER, 1969).
Cada uma das vertentes possuía seus partidários. Leibniz
(1696-1716), por exemplo, acreditava firmemente que todas as
proposições poderiam ser deduzidas a partir de definições mediante
o princípio da não-contradição e assim, investiu anos de sua vida,
na vã tentativa de demonstrar os postulados fundamentais da
geometria.
A discussão acerca do caráter axiomático da geometria
euclidiana se ateve, particularmente, em relação ao postulado V,
o “postulado das paralelas” que tanto intrigou Gauss, não apenas
por sua forma original 3 mas, principalmente, pelo fato de que ele
só é utilizado pela primeira vez na demonstração 29 do Livro I dos
El em en tos, com todas as 28 p rop osi ções anteri ores sendo
demonstradas sem a sua ajuda.
Embora as inúmeras tentativas, que remontam a Euclides,
de demonstração do postulado V tenham sido infrutíferas, elas
proporcionaram a criação de vários enunciados para este postulado,
como o das paralelas4 por exemplo, capazes de substituí-lo,
3
“Se uma reta cortar outras duas retas de modo que a soma dos dois ângulos interiores de um
mesmo lado, seja menor que dois ângulos retos, então as duas retas se cruzam, quando
suficientemente prolongadas, do lado da primeira reta em que se acham os dois ângulos”.
4
“Dado uma reta e um ponto fora dela, por este ponto passa uma única reta paralela à reta dada”.
69
mantendo, todavia, as mesmas características da geometria
euclidiana.
A substituição do postulado V por postulados análogos,
mas não equivalentes, mesmo mantendo os quatro primeiros
axiomas, resultaram em geometrias de características muito
diferentes, denominadas por Gauss de geometrias não-euclidianas.
O estabelecimento dessas geometrias revelou matemáticos de
nacionalidades que até então não haviam participado direta ou
decisivamente da redação da história da matemática: Johann Bolyai,
da Hungria e Nicolai Ivanovitch Lobachevsky, da Rússia.
Johann Bolyai (1802-1860) foi um oficial do exército
húngaro e sua intimidade com a matemática teve início na mais
tenra idade, pois seu pai Wolfgang Bolyai era professor de
matemática. Como era amigo de Gauss, Wolfgang Bolyai conhecia
os estudos de Gauss e incentivou consideravelmente o filho a
estudar o postulado das paralelas.
Aos 21 anos Johann Bolyai já tinha a exata dimensão da
natureza do problema que lhe havia sido proposto e manifestou
seu entusiasmo pela tarefa em uma carta a seu pai em 1823, onde
deixava explícito seu interesse em publicar os resultados obtidos
afirmando: “Do nada eu criei um universo novo e estranho”. O
jovem matemático húngaro publicou em 1832 a sua Ci ên ci a
Absoluta do Espaço como apêndice de um trabalho didático sobre
matemática elementar, de autoria de seu pai (EVES, 1995, p.542).
Como as considerações tecidas por Bolyai se referem às
propriedades geométricas que independem do postulado V, isto
é, “verdades ou teoremas que são válidos tanto para a geometria
ordinária como para a geometria mais geral por ele construída”,
ele designava por absolutas as proposições que eram válidas tanto
na geometria euclidiana, quanto na “nova” geometria (BABINI,
1969, p.118).
Embora tivesse deixado inúmeros manuscritos Bolyai
jamais publicou outros trabalhos não sendo esta, porém, a principal
razão para que ele raramente receba os créditos devidos ao
estabel eci mento de uma “ nova” geometri a. A razão deste
“esquecimento” é que, posteriormente à publicação do húngaro
ficou-se sabendo que o matemático russo Nicolai Ivanovitch
Lobachevsky havia publicado, entre 1829 e 1830, descobertas muito
70
semelhantes e mesmo mais completas, “mas, devido às barreiras
da língua e à lentidão com que as informações das novas
descobertas se propagavam naqueles dias, seu trabalho permaneceu
ignorado na Europa por vários anos” (EVES, 1995, p.542).
De novo a situação se repete: matemáticos separados
geográfi ca e cul tural mente, sem nenhum contato entre si ,
identificam o mesmo problema e o “ resolvem” de maneira
semelhante, estabelecendo a mesma teoria, como se esta teoria
não houvesse si do cri ada e si m descoberta, p rati camente
referendando a visão platônica da matemática ou mesmo, até, o
caráter “sintético a pri ori ” kantiano dos juízos matemáticos.
Para Pi aget o car áter de n ecessi dade exi stente na
construção do conhecimento matemático se constitui num dos
principais problemas epistemológicos desta ciência., conforme
veremos ao final deste capítulo.
Nicolai Ivanovitch Lobachevsky (1793-1856) era professor
na Universidade de Kazan, na Rússia, onde ministrou um curso
sobre o axioma das paralelas de Euclides. Seu primeiro artigo
sobre geometria não-euclidiana foi publicado no Kazan Bulletin
em 1829. Esse trabalho não teve repercussão na Rússia e por ter
sido escrito em russo, quase nenhum estudioso de outro país teve
acesso ao mesmo.
A exposição de Lobachevsky, embora semelhante, foi mais
bem construída que a de Bolyai e, apesar do pouco reconhecimento
alcançado, deu continuidade aos seus estudos publicando, em
1836, novamente em russo, o livro In vesti gações Geométri cas sobre
a Teoria das Paralelas. Em 1840, buscando atingir um número
maior de leitores, publicou um resumo deste trabalho em alemão.
Em 1855, um ano antes de sua morte, já cego, ditou a exposição
mais completa de sua teoria, a Pan geometri a , que foi publicada
em russo e em francês.
Dos trabalhos de Gauss, Bolyai e Lobachevsky originou
a geometria hoje conhecida por hi perbóli ca , geometria de Gauss-
Lobachevsky, geometria de Lobachevsky ou, embora raramente,
geometria de Bolyai-Lobachevsky. Sua principal característica é
que, por um ponto exterior a uma reta em um plano existem duas
retas paralelas à primeira e, então, a soma dos ângulos internos de
um triângulo é sempre menor que dois retos.
71
O estabel eci mento de novas geometri as teve uma
divulgação muito lenta entre os estudiosos, não apenas em função
das nacionalidades de seus descobridores, mas, principalmente,
pela onda de indignação que desencadeou entre matemáticos e
filósofos, particularmente os seguidores de Kant que representavam
o pensamento dominante naquela época.
Apesar das dificuldades, alguns matemáticos em países
diferentes e isoladamente aprofundaram os estudos sobre as novas
idéias e, a partir de 1870, já eram legítimas as investigações das
geo m etr i as n ão -eu cl i d i an as segu n d o d u as d i r eçõ es p r é-
determinadas: “a chamada m étr i co-di fer en ci al e a pr oj eti va ”
(BABINI, 1969, p.119).
O caminho métri co-di feren ci al foi estabelecido por um
dos grandes matemáticos do século XIX, o alemão Georg Friedrich
Bernhard Riemann (1826-1866), discípulo de Gauss. Riemann
provou em 1854 que era possível o desenvolvimento de uma nova
geometria não-euclidiana além da hiperbólica, a hoje denominada
geometria elípti ca .
A principal característica da geometria elípti ca é que por
um ponto exterior a uma reta dada, não passa nenhuma paralela
à mesma. Como conseqüência, nessa geometria, a soma dos
ângulos internos de um triângulo qualquer é sempre inferior a
dois retos.
Menor, igual e maior: três afirmações contraditórias. Estas
estabel eceram os três grandes camp os da doutri na
geométrica: elíptica, parabólica e hiperbólica, sendo a
parabólica a de Euclides. Aqui havia a composição de
uma batal ha de p ri mei ra cl asse, não entre camp os
científicos opostos sustentando hipóteses relativamente
vagas e em confl i to, mas, si m, no mesmo nível do
argumento lógico, o reino que todos consideravam como
seguro. A batalha teve lugar e chegou a seu final. Como
uma contenda triangular, todos os lados perderam num
certo sentido, o de que qualquer partidário de um dos
pontos de vista, declarando que o “seu” era o verdadeiro,
colocaria a si próprio numa tarefa quimérica. Ao invés de
conservar um poder soberano, cada um destes três campos
se encontrava a serviço de um conjunto muito mais
fundamental. (TURNBALL, 1968, p.195-196)
72
para a de Euclides foram dadas pelo matemático alemão Félix
Klein (1849-1925).
As idéias fundamentais de Riemann, que permitiram encarar
o problema das novas geometrias sob um ponto de vista
superior, aparecem em sua célebre dissertação de 1854,
publicada em 1867: ‘Sobre as hipóteses fundamentais da
geometria’, onde analisa da maneira mais geral possível o
comportamento infinitesimal de uma multiplicidade de um
número qualquer de dimensões. Nesta dissertação aparece
a importante distinção entre ‘infinito’ e ‘ilimitado’, que
d esem p en h ar i a p ap el si n gu l ar n a teo r i a f ísi ca d a
relatividade. (BABINI, 1969, p.119)
73
A geometria encarada como uma ciência experimental
quando aplicada ao espaço chocava-se frontalmente com a idéia
de espaço como categor i a do pen sam en to que dominava o
pensamento filosófico de então e era este o principal ponto que
incomodava os kantianos da época. Ao se conceber o espaço
como categoria do pensamento os postulados da geometria
euclidiana seriam juízos a pri ori impostos ao espírito humano e,
sem esses postulados não era possível nenhum raciocínio sobre o
espaço (EVES, 1995, p. 543).
As descobertas de Bolyai-Lobachevsky e de Riemann
retiraram toda a sustentação desse ponto de vista ocasionando
uma onda de indignação entre muitos dos kantianos do século
dezenove. Mais tarde, porém, os filósofos n eo-kan ti an os Nelson,
Meinecke e Natorp mostraram que a admissão de geometrias não-
euclidianas partindo dos pressupostos de Kant não apenas era
possível como, também, necessária.
Kant expressou o caráter axiomático da geometria ao
afirmar que os juízos geométricos são sintéticos. Definiu a natureza
analítica e, correlativamente, a sintética de um juízo de duas
maneiras: um juízo é analítico se o conceito predicado está incluído
no sujeito ou se pode ser demonstrado utilizando somente o
princípio da não-contradição. Freqüentemente, se argumenta que
é difícil encontrar juízos analíticos, o que é verdade, pois a maioria
deles, segundo Kant, são tautologias como “o todo é maior que
sua parte” (MARTIN, 1971).
Na concepção axiomática da geometria o predicado não
está incluído no sujeito. Por exemplo, na proposição “a soma dos
ângulos internos de um triângulo é igual a dois retos” o predicado
está unido ao sujeito, porém, os outros dois predicados logicamente
possíveis: “menor que dois retos” e “maior que dois retos” podem,
também, se unir ao sujeito “soma dos ângulos de um triângulo”,
caracterizando, respectivamente, as geometrias de Euclides, de
Lobachevsky e de Riemann.
Ao demonstrar que predicados contraditórios podem
referir-se ao mesmo sujeito a axiomática confirma, portanto, a tese
kantiana sobre o caráter sintético dos juízos geométricos.
A partir da constatação de que a geometria era uma criação
arb i trári a d o esp íri to h u man o , f i co u tamb ém ad mi ti d a a
74
possibilidade da espontaneidade do pensamento geométrico e o
ponto de vista reinante da existência de uma “verdade absoluta”
sofreu um rude golpe. É nesse momento que a matemática começa
a se li bertar do real (EVES, 1995).
Essa liberdade está restrita, todavia, a contingências não
explícitas, que fazem com que, mesmo exercendo o seu livre
arbítrio, os matemáticos caminhem por caminhos semelhantes em
função do caráter necessário do conhecimento matemático. Assim,
mesmo liberta do real no momento de sua criação, a matemática,
cedo ou tarde, se adapta plenamente à realidade ou mesmo a
antecipa. (PIAGET, 1975)
Um outro movimento acontecido no século XIX foi de
fundamental importância para a libertação da matemática do real:
a ari tmeti zação da an áli se.
75
de Lagrange e Laplace que, convencidos de seu talento matemático,
o persuadiram a aceitar um cargo de professor nessa escola em
1807, fazendo-o abandonar a pretensão inicial de se tornar
engenheiro civil.
Cauchy escreveu extensiva e profundamente tanto sobre
matemática pura como sobre matemática aplicada. A produção
excessiva e a redação apressada tornaram irregular a qualidade de
seus escritos, porém, dentre as numerosas contribuições de Cauchy
à matemática avançada, destacam-se a pesquisa em convergência
e divergência de séries infinitas, teorias das funções reais e
complexas, equações diferenciais, determinantes, probabilidades
e físico-matemática (EVES, 1995, p.531).
A abordagem atual do cálculo em textos universitários é,
em grande parte, devida a Cauchy, particularmente, os conceitos
básicos de limite e continuidade.
Com Cauchy há um retorno ao rigor clássico da geometria,
buscando-se a precisão nas definições; a delimitação do domínio
de validade das fórmulas, a eliminação de toda extensão ilegítima
de forma a livrar a análise libertando-a da “manipulação formal
cega e das demonstrações intuitivas”. (EVES, 1995, p.121)
Cauchy completou a obra iniciada por Niels Henrik Abel
ao fundar a análise sobre bases mais rigorosas, fixando “claramente
a convergência das séries” e eliminando as séries divergentes da
análise (BABINI, 1969, p.121).
Matemático importante para a aritmetização da análise,
Niels Henrik Abel (1802-1828) nasceu na Noruega e quando ainda
era estudante em Oslo, acreditou ter encontrado a solução algébrica
geral da equação quíntica. Percebeu logo o seu equívoco e, num
artigo em 1824, demonstrou que “exceto em casos particulares, de
um modo geral é impossível resolvê-las utilizando-se apenas as
operações algébricas (soma, subtração, multiplicação, divisão e
radiciação)” (GARBI, 1997, p.153).
Em virtude da importância do resultado obtido, Abel
recebeu uma p equena bol sa do Con sel ho Un i ver si tár i o da
Un iversidade de Oslo, que lhe permitiu viajar para a Alemanha,
Itália e França. Mesmo durante suas viagens, Abel continuava
produzindo e neste período “escreveu vários artigos em diversas
áreas da matemática como a da convergência de séries infinitas, a
76
das integrais abeli an as e a das funções elípticas” (EVES, 1995,
p.553).
Na criação e sistematização do estudo das funções elípticas
obtidas como funções inversas das integrais elípticas, foi também
grande a contribuição do alemão Carl Gustav Jacob Jacobi (1804-
1851) q u e tr ab al h o u d e f o r m a i n d ep en d en te, em b o r a
simultaneamente, a Abel. O significado dos estudos de Abel e
Jacobi sobre as funções elípticas extrapola a questão simplesmente
de conteúdos matemáticos, pois retrata mais um capítulo da
li bertação da matemática do real ao torná-la independente das
ciências naturais, particularmente, da mecânica e da astronomia.
Ao produzir conhecimentos de interesse apenas da própria
ciência, caiu por terra a concepção vigente de que a finalidade
principal da matemática seria a explicação dos fenômenos naturais
e sua aplicação no cotidiano das pessoas. Face às diversas críticas
que receberam, Jacobi se pronunciou na defesa da pesquisa pura
contra a pesquisa aplicada em matemática: “a única finalidade da
ciência é a honra do espírito humano e, em conseqüência, uma
questão da teoria dos números tem um valor tão grande como
uma questão acerca do sistema dos mundos”. (BABINI, 1969, p.122)
Assim, quase que ao mesmo tempo em que as geometrias
não-euclidianas se desprendiam do mundo físico, a análise se
liberta das ciências naturais, e o “grito de autonomia da matemática
havia sido dado” (BABINI, 1969, p.122)
O principal continuador da obra de Abel e Jacobi sobre
as funções elípticas foi o alemão Karl Theodor Wilhelm Weierstrass
( 1815-1897) . Al ém d e d i verso s trab al h o s so b re i n tegrai s
hiperelípticas, funções abelianas e equações diferenciais algébricas,
Weirstrass contribuiu grandemente com a teoria das funções
complexas por meio de séries de potências. O matemático alemão
foi também um dos precursores da redução dos princípios da
análise ao conceito de número real, um dos principais passos da
ari tmeti zação da an áli se.
Wei rstrass trabal hou com questões vi ncul adas aos
fundamentos da aritmética, como o “teorema final da aritmética”,
segundo o qual não existe nenhum sistema de números complexos
com mais de duas unidades e na fundamentação dos números
reais, “problema que não havia sofrido modificações essenciais
77
desde a teoria (baseada em magnitudes geométricas) de Eudoxo”.
(BABINI, 1969, p.123)
Com o trabalho de Weierstrass a aritmetização da análise
se completa, em meados do século XIX, com o advento da
passagem ao limite, operação de natureza peculiar que se localiza
nas fronteiras entre a aritmética (teoria dos números) e a geometria
(grandezas irracionais) em suas duas formas características:
m ed i an te o i n f i n i to en u m er áv el e o i n f i n i to co n tín u o ,
respectivamente.
Assim, mediante uma definição específica e um uso
adequado desta operação, os métodos infinitesimais que tiveram
suas origens nos trabalhos de Newton e Leibniz e cujos alicerces
foram investigados por Lagrange, encontram uma base sólida, de
natureza aritmética, na qual sustentar-se.
A aritmetização da análise afastou de vez “as brumas
metafísicas que durante todo o século XVIII haviam obscurecido
os fundamentos da análise” (BABINI, 1969, p.124).
Se a geometria passou a ser considerada uma criação do
espírito humano e a análise tornou-se independente das ciências
naturais, a “libertação” da álgebra também foi procurada neste
fantástico século matemático.
78
En co n t r am o -l a em q u ase t o d o s o s d o m ín i o s d as
matemáti cas e na l ógi ca; adqui ri u uma i mp ortânci a
ex traordi nári a na físi ca e é p rovável que o mesmo
acontecerá um dia em relação à biologia. (PIAGET, 1979,
p.19)
79
matemática no século XIX, a teoria dos grupos ainda é, atualmente,
um campo de pesquisas fecundo.
Assim como a análise e a geometria que, não apenas
avançaram em seus conteúdos específicos, como retornaram aos
seus próprios fundamentos, a álgebra do século XIX também
enveredou por caminhos outros além da teoria dos grupos, como
a an áli se dos con cei tos fun damen tai s. Esta teoria, ao dar origem a
novos sistemas de entes matemáticos, cujas operações não
satisfazem totalmente as leis da álgebra ordinária, promove a
li bertação da álgebra da sua forma comum da aritmética.
Assim como ocorreu com as geometrias não-euclidianas,
com a idéia de que a soma dos ângulos internos de um triângulo
poderia ser diferente de dois retos escandalizando os matemáticos,
a p o ssi b i l i d ad e d e u m a ál geb r a co n si sten te n a q u al a
comutati vi dade da multi pli cação, isto é, onde a x b ≠ b x a, não
se verificasse, “não ocorria a ninguém na época, como também,
se ocorresse, certamente seria descartada por parecer uma idéia
ridícula” (EVES, 1995, p.535).
Foi isto, porém, o que aconteceu quando, em 1843,
William Row an Hamilton (1805-1865), depois de muito tempo
debruçado sobre um problema particular da física, estabeleceu
uma álgebra em que a lei comutativa não valia.
O sistema criado por Hamilton é a álgebra vetorial oriunda
da intenção de ampliar para o espaço a representação plana dos
números complexos ordinários. Especificamente falando, o sistema
criado por Hamilton é o dos quatérn i os, que são números de
quatro unidades, no qual são válidas todas as propriedades das
o p er açõ es f u n d am en tai s d a ar i tm éti ca, ex ceção f ei ta à
comutatividade da multiplicação. Ampliando esses estudos outros
matemáticos chegaram ao estabelecimento da álgebra vetorial.
Um outro exemplo de álgebra não-comutativa é a álgebra
das matrizes, descoberta pelo matemático inglês Arthur Cayley
(1821-1895).
Desenvolvendo álgebras que satisfazem leis estruturais
di ferentes daquel as obedeci das p el a ál gebra usual ,
Hamilton, Grassmann e Cayley abriram as comportas da
álgebra abstrata. De fato, enfraquecendo, suprimindo ou
substituindo um ou mais postulados por outros consistentes
com os demais, pode-se estudar uma enorme variedade
80
de sistemas. Esses sistemas incluem grupóides, semigrupos,
monói des, grup os, anéi s, domíni os de i ntegri dade,
reticulados, anéis de divisão, anéis booleanos, álgebras
booleanas, corpos, espaços vetoriais, álgebras de Jordan e
álgebras de Lie, sendo os dois últimos exemplos de álgebras
não associativas. Provavelmente é correto dizer que os
matemáticos estudaram, até hoje, mais do que 200 dessas
estruturas algébricas. A maior parte deste trabalho se deu
n o sécu l o XX e r ef l et e o esp ír i t o d e ab st r ação e
generalização que prevalece atualmente na matemática. A
álgebra tornou-se o vocabulário da matemática dos dias
de hoje e foi apelidada ‘a chave-mestra da matemática’.
(EVES, 1995, p.553)
81
É sobejamente conhecida a afirmação de Kronecker,
proferida em um congresso em Berlim, no ano de 1886: “O bom
Deus criou o número natural, o resto é obra humana” . É
comentando esta afirmação que Piaget inicia a parte destinada à
epistemologia das matemáticas na sua obra Epistemologia Genética ,
pois entendia que Kronecker havia reconhecido que o n úmero
n atural con sti tui a gên ese pré-ci en tífi ca da matemáti ca :
Quando chamou os ‘números naturais’ de um presente do
Bom Deus, tendo os homens fabricado todo o resto,
Kronecker reservou de imediato esse papel à gênese pré-
científica mas sem se aperceber suficientemente de que
esta, analisável nas sociedades primitivas, nas crianças e
outros representantes do Bom Deus (não esqueçamos os
periquitos de Otto Kohler), era de natureza bastante análoga
ao trab al h o u l teri o r d o s p ró p ri o s matemáti co s: as
correspondências biunívocas introduzidas por Cantor para
fundar a teoria dos conjuntos são conhecidas desde os
tempos imemoráveis na troca direta de um contra um, e
sua formação pode ser acompanhada de perto na criança
e mesmo em certos vertebrados superiores. (PIAGET, 1990,
p.77)
82
uma aritmética dos números transfinitos análoga à aritmética dos
mundos finitos. Definiu também, números ordinais transfinitos
expressando assim, a existência de uma ordem para os infinitos.
O trabalho de Cantor, ao refletir sua simpatia pelas
especulações medievais acerca da natureza do infinito, encontrou
fortes oposições, particularmente de Kronecker que, por recusar a
aceitar a idéia de infinito diferente do atual, considerava Cantor
como um herege e resolutamente se opôs aos esforços deste último
em lecionar na Universidade de Berlim, reduto do alemão.
Na verdade, ambos buscavam a aritmetização da análise,
cada um, porém, assentado em bases diferentes.
A controvérsia do século XX entre os formalistas, liderados
por Hilbert e os intuicionistas, partidários de Brouwer, nada mais
era que uma continuação da controvérsia, num outro patamar,
entre Cantor e Kronecker (EVES, 1995, p.615).
Jul es H enri Poi ncaré (1854-1912) é consi derado o
matemático mais importante deste período transitório entre os séculos
XIX e XX. Nasceu em Nancy, na França, numa família influente
que, destinou à humanidade várias figuras ilustres entre estadistas e
cientistas, como por exemplo, seu primo Raymond Poincaré, que
foi presidente da França durante a I Guerra Mundial além de um de
seus irmãos, F. Poincaré, que foi um importante físico.
Graduou-se na Escola Poli técn i ca em 1875; na Escola de
Mi n as (como engenheiro de minas) em 1879, mesmo ano em
que, aos 25 anos, obteve seu doutorado em ci ênci as, na
Un i versi dade de Pari s. Trabalhou por dois anos como professor
na Un i versi dade de Caen e após “transferiu-se para a Universidade
de Paris, onde ocupou várias cadeiras nas áreas de matemática e
ciências, até sua morte em 1912” (EVES, 1995, p.288).
Nenhum matemático da sua época dominou tal variedade
de assuntos e foi capaz de os enriquecer a todos. Cada
ano dava lições sobre um assunto diferente; estas lições
foram editadas pelos estudantes e cobrem um campo
enorme: teoria do potencial, luz, eletricidade, condução
do calor, capilaridade, eletromagnetismo, hidrodinâmica,
mecânica celeste, termodinâmica, probabilidades. Cada
uma destas lições era brilhante à sua maneira; juntas
apresentam idéias que deram frutos nos trabalhos de outros,
enquanto muitas ainda esperam uma elaboração futura.
(STRUICK, 1992, p.289-290).
83
Co mo n u n ca se p reo cu p o u em p erman ecer e se
aprofundar num determinado campo por muito tempo, saltando
de uma área para outra intermitentemente, Poincaré foi descrito
por seus contemporâneos como “um conquistador e não um
colonizador” (EVES, 1995, p.617).
Interessou-se pelas geometrias não-euclidianas, mas, ao
contrário do fato posteriormente comprovado, de que todas
possuíam o mesmo grau de veracidade, preocupou-se sobremaneira
em descobrir qual a “verdadeira geometria”. Isto, segundo Piaget,
pode ter sido o fato que impediu Poincaré de descobri r a teoria da
Relatividade.
Poincaré aceitava o conceito kantiano de juízo sintético
a pri ori para a matemática e se valia da aritmética dos números
inteiros, que considerava como o domínio no qual a matemática
conserva sua pureza máxima, para fundamentar a sua crença.
Mediante a análise desse ramo em particular, concluiu que a rain ha
das ci ên ci as não podia ser puramente analítica, pois constrói
combinações de complexidade crescente. O principal instrumento
dessa construção seria, para Poincaré, o pri n cípi o da recorrên ci a.5
Como o princípio da recorrência só é possível em virtude
da certeza que se tem de poder repetir indefinidamente a primeira
operação realizada, “há nesta passagem do particular ao geral certa
analogia, donde a designação de i n dução completa que alguns
autores dão ao método”. Não se trata, todavia, de uma indução,
mas de uma dedução progressiva e rigorosa que justifica a freqüente
utilização em matemática (COSTA, 1971, p.94).
Bastante influenciado pelo sistema kantiano Poincaré,
porém, não se contentava apenas com o fato de que os postulados
matemáticos fossem juízos sintéticos a pri ori , era preciso, também,
que os conceitos aos quais se referissem correspondessem a certas
intuições materiais, intuições estas que são indispensáveis à
construção da ciência. Assim, tal como em Kant, a matemática
para Poincaré se apóia em i n tui ções, dentre elas, a de número,
razão p el a qual , é consi derado um dos “ f undadores” do
intuicionismo.
5
“Se um teorema é verdadeiro para o número um e se do fato de ser verdadeiro para o número n
decorre necessariamente que o seja para o número n+1, o teorema é verdadeiro para um número
inteiro qualquer”.
84
O número possui o duplo caráter de conceito puro e de
forma intuitiva. É conceito puro enquanto esquema do conceito
de grandeza, ou seja, “é a parte sem a qual não se pode passar da
grandeza pura à sua imagem no espaço e no tempo”. É forma
intuitiva, porque representa a seqüência aditiva de uma unidade à
outra unidade e “realiza a síntese de um mesmo objeto no espaço
e no tempo” (COSTA, 1971, p.94).
Ao concluir que o princípio de recorrência é sintético
porque não se reduz à lógica do princípio da não contradição e a
pri ori porque só poderia ser provado mediante um número infinito
de experiências, o que é impossível, Poincaré enxergou no método
matemático um elemento intuitivo. Para ele, uma i n tui ção, como
o número, possuía o duplo sentido de “fonte de noções puras ou
como instinto inventivo”. Como “fonte de noções puras”, a intuição
direciona o espírito para a noção de número inteiro e, como instinto
inventivo, impulsiona o profundo trabalho do espírito na descoberta
científica (COSTA, 1971, p.93).
Assim, para Poincaré o número possui um caráter sintético
e irredutível, enquanto que para Russell, conforme será explicitado
posteriormente, o número cardinal será a “classe das classes”, o
que retrata a oposição existente entre as correntes de pensamento
matemático: logicismo e intuicionismo, que, juntamente com o
formal i smo de H i l bert, p retenderam resol ver a “ cri se dos
fundamentos” no século XX.
Piaget assim se expressa a respeito das relações entre a
aritmética (base do intuicionismo) e da lógica (alicerce do
logicismo) e da solução por ele proposta, de que a sucessão dos
números constitui-se na síntese operatória da classificação e da
seriação.
Sabe-se bem, com efeito, quantas discussões o problema
das relações entre o número e a lógica ocasionou, com os
logísticos procurando, com Russell, conduzir o número
cardinal à noção de ‘classe de classes’ e o número ordinal,
dissociado do primeiro, à de classe de relações, enquanto
seus adversários mantinham, como H. Poincaré e L.
Brunschvicg, o caráter sintético e irredutível do número
inteiro. É verdade que nossa hipótese, num certo sentido,
permite escapar a essa alternativa, porque se o número é
classe e relação assimétrica ao mesmo tempo, ele não
deriva de tal ou qual das operações lógicas particulares,
mas somente da sua reunião, o que concilia a continuidade
85
com a irredutibilidade e leva a conceber como recíprocas
e não mais como unilaterais as relações entre a lógica e a
aritmética. Delas não convinha menos verificar sobre o
próprio terreno logístico as conexões assim estabelecidas
pela experimentação psicológica e foi o que logo tentamos.
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.13).
2.3 O SÉCULO XX
É difícil poder separar, com precisão, quais as principais
contribuições dos matemáticos do século XX em virtude de sua
proximidade com o momento atual, o que impossibilita verificar
as conseqüências dos feitos realizados neste período. Assim, à
exceção da demonstração do último teorema de Fermat, por
Andrew Wyles e que pode ser considerado um grande feito pela
notoriedade do problema, são destacados aqui apenas três pontos,
todos referentes à primeira metade do século e cujas repercussões
já são facilmente percebidas: 1) o aparecimento dos Pr i n ci pi a
Mathematica , de Russell e Whitehead, considerado por Grize, como
o ponto culminante do desenvolvimento da lógica; 2) o desenrolar
da crise dos fundamentos, desencadeada no final do século XIX
e, 3) a descoberta das estruturas elementares, por Nicolas Bourbaki.
Par a co n tex tu al i zar o su r gi m en to d o s Pr i n ci pi a
Mathemati ca , enveredamos, rapidamente pela história da lógica;
pelas suas diferentes formas e pelas suas relações com a matemática.
2.3.1 A LÓGICA
Pode-se dizer que o início da lógica se dá com os
pitagóricos devido ao fato de que Pitágoras (582-500 a C.) e alguns
de seus discípulos foram os primeiros a se preocuparem em
demonstrar suas idéias. Eles conseguiram mostrar, em alguns casos
específicos, que as mesmas eram verdadeiras sem que tivessem
que recorrer à observação para isso. É o caso específico da
descoberta comprovada dos números irracionais.
86
Como a palavra logos, que dá origem à palavra lógica,
significa ao mesmo tempo discurso e razão, desde a sua origem,
aparecem dois campos bem distintos de exercício da lógica: o da
matemáti ca e o da retóri ca . Foram os eleatas Parmênides e Zenão
os primeiros pensadores a estabelecer relações entre a coerência
do pensamento e a forma em que é exposto pelo discurso.
Os sofistas fizeram as primeiras análises do discurso e
Platão, as primeiras análises do raciocínio, o que não tira, todavia,
de Aristóteles, a paternidade da lógica, uma vez que foi ele, o
primeiro a formalizar os resultados já existentes e o criador do
primeiro formalismo lógico, o silogismo. (BOLL, REINHART, 1946)
Aristóteles (384-322 a.C.) foi, com certeza, um dos maiores
cérebros da Antiguidade. A sua obra, considerada no contexto de
sua época, é notável, porém ela não teve uma continuidade
satisfatória, pois não foi criticada ou complementada. Ao contrário,
na Idade Média as verdades dogmáticas e a lógica aristotélica tinham
o mesmo status.
A lógica formal ou clássica devida a Aristóteles determina
quais são, entre as operações do espírito (formação dos conceitos,
dos juízos, dos raciocínios), as que são válidas e as que não o são.
Essa determinação de validade se fundamenta apenas na forma
de maneira independente dos conteúdos das operações, estudando,
conseqüentemente suas p rop ri edades, suas condi ções de
implicação ou de exclusão e os seus modos de encadeamento.
A lógica aristotélica se opunha à escola megári co-estói ca .
A supremacia em termos de aceitação e difusão da primeira fez
com que a segunda, até recentemente, permanecesse praticamente
desconhecida e relegada a um segundo plano.
Na lógica megári co-estói ca pode-se encontrar o esboço
de uma lógica seqüencial. As proposições lógicas são formadas
por palavras da linguagem corrente e “sua base é o pensamento
como se encontra expresso na linguagem natural, que fornece as
leis e as regras formais” (BASTOS; KELLER, 1998, p.16).
Os estói cos e megár i cos utilizavam uma nomenclatura
diferente da de Aristóteles dando a falsa impressão de que seu
trabalho é completamente diverso do realizado pelo filósofo de
Estagira. Na verdade, segundo se sabe hoje, os estóicos e megáricos
desenvolveram aspectos diferentes dos desenvolvidos pela escola
87
aristotélica, de modo que, não se encontra nos estudos realizados
pela escola megárico-estóica nada daquilo que era examinado
por Aristóteles e seus seguidores. Depois do período dos estóicos,
a lógica permaneceu praticamente intacta. Não surgiram novos
problemas e o que se procurava era apenas «aperfeiçoar certas
técnicas e a maneira de se ensinar lógica. (HEGENBERG, 1977,
p.23).
Até o século IX d.C., praticamente nada de novo se
produziu, porém, a partir do século IX e até o século XV d. C, o
período é de grande atividade. É importante frisar que os principais
registros deste período referem-se à lógica ocidental, já que a árabe
e a ju d ai ca co n ti n u am até o s d i as atu ai s, p r ati cam en te
desconhecidas. Além disso, quase nada se sabe dos séculos XIV e
XV.
Nesse p erío d o o s m ed i evai s estab el eceram u m a
periodização para a forma escolástica que permite identificar um
período de estagnação, e mesmo decadência, que se prolonga até
o que pode ser considerado o início da forma escolástica da lógica,
representada pela Ars vetus, de Abelardo (1079-1142).
A preocupação central desse período foi o trabalho com
as categorias aristotélicas e mesmo com a própria interpretação da
lógica do mestre de Estagira. O único problema novo trabalhado
n essa ép o ca, d i zi a resp ei to às p ro p ri ed ad es d o s termo s
(HEGENBERG, 1977, p.23).
Após esse período de estagnação, é possível identificar
certa vitalidade caracterizada pela Ar s n ova e que tem como
principais representantes Petrus Hispanus, um lisboeta nascido
entre 1210 e 1220, Alberto Magno (1193-1280) e Tomás de Aquino
(1227-1274). O objetivo principal que norteava tais estudos era
fortalecer o ensino da ortodoxia católica.
O terceiro período, o da lógica modernorum , caracterizou-
se pela sistematização iniciada com Guilherme de Occam (1295-
1350) que culminou com a elaboração de uma lógica formal e
semiótica. Esse período se prolongou até o fim da Idade Média
(século XV).
A partir do século XVII três tendências especiais de
pensamento influenciaram as ciências e as artes: a do human i smo,
a do cl assi ci sm o e a das i n ova ções esboça d a s. D urante o
88
Renascimento, de maneira geral, o principal interesse estava em
descobrir novos métodos que pudessem auxiliar a pesquisa
cientifica. Assim, coube à matemática orientar os novos rumos da
pesquisa, fundamentando seus métodos. Nesse período a lógica
era considerada estéril e concluída por Aristóteles.
É apenas na segunda metade do século XVII, com Leibniz
(1646-1716), que começa a procura de uma característica universal,
adaptada a todas as formas de pensamento. As idéias extremamente
i n o v ad o r as d e Lei b n i z só v i r i am a ser r eco n h eci d as e
convenientemente apreciadas ao final do século XIX, fazendo com
que passasse a ser considerado o pioneiro da lógica matemática
contemporânea.
Os séculos XVII, XVIII e a primeira parte do século XIX
pouco contribuíram para o desenvolvimento da lógica, entretanto,
como a principal preocupação deste período era a criação de uma
Sci en ti a u n i ver sa l i s e d e u ma Lí n gu a r a ti on a l i s, mui tos
pesquisadores se empenharam na criação de uma língua universal,
contribuindo, ainda que de forma indireta com o desenvolvimento
da lógica. De qualquer forma, é a Leibniz que se deve o “ter
claramente concebido e parcialmente esboçado duas formas da
lógica moderna: a de uma linguagem artificial, desprovida de toda
ambigüidade, e a de uma manipulação regrada dos símbolos”
(GRIZE, 1980, p.120).
O desenvolvimento da lógica ganhou novo impulso e
uma fase de grande vitalidade a partir do trabalho de George
Boole (1815-1864), iniciando um novo período da história da lógica:
a lógi ca matemáti ca .
As lógicas elaboradas pelos filósofos antigos e pelos
lógicos da Idade Média apresentam quatro características essenciais.
São bivalentes, isto é, obedecem ao princípio aristotélico do terceiro
excluído, admitindo como valores lógicos apenas o verdadeiro e
o falso; são n ormati vas, no sentido de que se deva evitar o falso
e buscar o verdadeiro; não possuem uma linguagem própria
fazendo uso da linguagem ordinária e, por último, estão vinculadas
a uma metafísi ca exi sten ci ali sta , isto é, a própria realidade dos
seres é expressa por conceitos lógicos.
Com o aparecimento da álgebra na Idade Média estas
características começam a se alterar, particularmente com os
89
princípios da lógica simbólica estabelecidos por Leibniz. A
construção, porém, de uma lógica formal livre dos problemas que
impediram o desenvolvimento da lógica clássica, só se efetivaria a
partir do século XIX, com o conjunto dos trabalhos de diversos
pensadores, dos quais os mais importantes, sem dúvida, foram
Boole, De Morgan, Frege e Peano.
O trabalho “inaugural” dos novos rumos dos estudos da
lógica foi a obra de Boole (1815-1864), The mathemati cal an alysi s
of logi c, publicada em 1847 e que contém a maior parte das idéias
mestras de uma matematização nascente da lógica, cuja constituição
se completaria com a publicação, em 1854, das ln vestigation s of
layes of thought. Neste último trabalho Boole comparou as leis do
pensamento às leis da álgebra e estabeleceu uma álgebra das
operações mentais, isto é, uma álgebra da lógi ca . É com Boole
que, pela primeira vez, a lógica das classes recebe um tratamento
explícito.
Os resultados de Boole foram aperfeiçoados por S. Jevons
e por J. Venn, cujos trabalhos marcam o fim de um período na
história da lógica simbólica, entretanto, embora o corpo da doutrina
que eles constituíram fosse muito mais rigoroso e compreensivo
do que a lógica clássica, não se distingue essencialmente desta
sendo, no fundo, uma “transposição algébrica da silogística”. Em
função disso, os resultados de Boole, Jevons e Venn tiveram
i mp o rtân ci a q u ase n u l a p ara a matemáti ca, n ão f o sse o
desenvolvimento de estudos mais modernos (COSTA, 1971, p.206).
Esses estudos ori gi naram-se com E. Schroeder e,
principalmente, com Charles Peirce. Ambos esboçaram o cálculo
das relações entrevisto por Leibniz e, a seguir, os trabalhos de
Frege, Peano, Russell e Whitehead completaram, por fim, a álgebra
da lógica.
No final do século XIX, mais especificamente em torno
de 1880, com a “crise dos fundamentos” que se instaurou em
função das diversas concepções de número, as relações entre lógica
e matemática se invertem: se antes o que se viu com Boole e seus
seguidores foi uma matemati zação da lógi ca , isto é, procurava-se
uma linguagem para a lógica que utilizasse os símbolos e operações
matemáticas, agora com Frege, Peano, Russell e Whitehead têm-
se uma logi ci zação da matemáti ca , com a tradução da linguagem
basilar da matemática para a lógica.
90
De maneira geral Frege (1848-1925) teve como interesse
principal em seus estudos o projeto de redução da aritmética à
lógica. Para realizar tão ambicioso projeto o alemão Frege pretendia
a consecução de dois grandes objetivos: o primeiro seria definir
toda expressão aritmética em termos lógicos e com isso mostrar
que a toda expressão aritmética equivale uma expressão lógica
determinada. Caso conseguisse realizar tal tarefa, o segundo
objetivo seria mostrar que as proposições lógicas obtidas poderiam
ser deduzidas de leis lógicas imediatamente evidentes.
Assi m, desde 1879 e ap arentemente sem ter ti do
conhecimento do trabalho de Boole, constatando que os conceitos
de sujeito e predicado da lógica podem ser substituídos com
vantagem p el os de argumento e f unção, Frege p rocurou
fundamentar logicamente a matemática. Seu trabalho mais
importante foi Gru n dlagen der Arthmeti k ( Os fu n damen tos da
Ari tméti ca ), publicado em 1884 e nele Frege pretendia mostrar
que a aritmética poderia ser construída somente a partir das leis
da lógica sem o recurso de enunciados empíricos.
A lógica clássica era duplamente insuficiente para a
consecução dos objetivos de Frege, por ser incompleta, uma vez
que as relações e as propriedades aritméticas seriam muito mais
complexas que as relações e propriedades lógicas possíveis de
serem representadas pela lógica clássica. Além disso, a lógica
clássica não seria formalizada o suficiente, estando impregnada
de imperfeições originadas da imprecisão da linguagem comum.
Havia, portanto, a necessidade de uma nova lógica e a esse trabalho,
Frege dedicou-se com afinco.
Procurando mostrar que a ari tméti ca p oderi a ser
considerada como um ramo da lógica e que as suas demonstrações
não necessitavam fundamentarem-se na experiência ou na intuição,
Frege eliminou qualquer recurso à intuição e à linguagem comum.
Observou, então, que a matemática necessitava de uma profunda
revisão crítica, como nunca acontecera antes.
O l ó gi co al em ão acr ed i tav a ser em n ecessár i as
demonstrações de proposições que anteriormente se aceitavam
como evidentes; conceitos relativamente novos, como de função,
d e co n tín u o , d e l i mi te, d e i n f i n i to , etc., p reci savam ser
aprofundados. De maneira geral eram necessários, em todos os
campos da matemática, rigor de demonstração, delimitação precisa
91
da validade dos conceitos e sua exata definição, a partir já, do
próprio conceito de número.
Devido à forma nova e excessivamente filosófica na qual
se expressava, Frege não encontrou muito eco para o seu programa
até que este fosse acatado por B. Russell. A partir daí, a redução
da matemática à lógica tornou-se um dos principais objetivos dos
matemáticos do século XX (BOYER, 1974).
A Itália, palco de grande desenvolvimento das ciências
em séculos anteriores, pouco participou do desenvolvimento da
álgebra abstrata ocorrido na França, Inglaterra e Alemanha.
Entretanto, no final do século XIX, alguns matemáticos italianos
se interessaram profundamente pela lógica matemática. O mais
importante deles foi, seguramente, Giuseppe Peano (1858-1932),
de cujos axiomas dependem inúmeras construções rigorosas da
álgebra e da análise.
O s estudos de Peano são bastante conheci dos e
constituem um verdadeiro divisor de águas na história da
matemática, pois até então, o interesse dos estudiosos era a lógica
pela lógica, enquanto que com o italiano e seus seguidores, a
“lógica simbólica procura tornar-se, sobretudo o instrumento da
demonstração matemática” (COSTA, 1971, p.207).
A l i nguagem ordi nári a p assou a ser i ntei ramente
substituída por esse simbolismo ideográfico e, a escola italiana
caracterizou-se tanto pela utilização sistemática desse simbolismo
quanto pelo tratamento independente de cada ramo da matemática.
Em Peano, o método postulacional “atingiu um novo nível
de precisão, sem ambigüidade de sentido e sem hipóteses ocultas”.
Por ter também se esforçado muito no desenvolvimento da lógica
simbólica.
Peano exerceu, juntamente com Frege, enorme influência
sobre as pesquisas de B. Russell (1872-1970) e A. Whitehead (1861-
1947) (BOYER, 1974, p.437).
Russell e Whitehead retomaram a tese de Frege e
procuraram demonstrar que a matemática pura (incluídas aí a
geometria e a própria dinâmica racional) poderia ser inteiramente
deduzida da lógica. Na obra Pri n ci pi a Mathemati ca que pode ser
considerada uma das principais deste século e marca o ponto
92
culminante do desenvolvimento da lógica, Russell e Whitehead
desenvolveram, por completo, o cálculo das relações.
A realização desse intenso trabalho foi sistematizada em
três livros fundamentais, o primeiro, de Whitehead, A treati se on
u n i ver sal algebr a , publicado em 1898, com a exposição dos
princípios matemáticos ainda apoiada sobre o cálculo das classes;
no segundo, de autoria de Russell, The Pri n ci ples of Mathemati cs,
aparecem os princípios do cálculo das relações e o terceiro, os
Pri n ci pi a Mathemati ca , escrito por ambos, completa a lógica das
classes e das relações e concebe a matemática como um sistema
lógico-formal.
Embora até então tivessem sido tratadas, historicamente
falando, como estudos distintos, com a matemática sempre
r el aci o n ad a às ci ên ci as e a l ó gi ca ao i d i o m a gr ego , o
desenvolvimento de ambas durante o século XIX e início do século
XX aproximou definitivamente lógica e matemática. Com a lógica
se tornando cada vez mais matemática e a matemática cada vez
mais lógica, Russell considerava ser inteiramente impossível traçar
uma linha entre as duas: “na verdade, as duas são uma. Diferem
entre si como rapaz e homem: a lógica é a juventude da matemática
e a matemática é a maturidade da lógica” (RUSSEL, 1974, p.186).
Russell e Whitehead procuraram demonstrar nos três
volumes dos Pri n ci pi a , publicados entre 1910 e 1913 que “toda a
matemática pura se funda sobre conceitos inteiramente definíveis
em termos dos conceitos lógicos primitivos”, com suas proposições
derivando de postulados admitidos (COSTA, 1971, p.214).
Russell e Whitehead não formalizaram inteiramente o seu
sistema que “parece ter encontrado mais aprovação entre lógicos
do que entre matemáticos”. Além disso, a importância do sistema
co n sti tu íd o d i m i n u i u co n si d er av el m en te d ev i d o a u m a
“surpreendente conclusão por parte de um jovem matemático
austríaco, Kürt Gödel”, discípulo de Hilbert. Ao demonstrar que
mesmo “ dentro de um sistema rigidamente lógico” como o
construído por Russell e Whitehead para a aritmética ainda podem
ser formulados enunciados que não podem ser “provados ou
negados”, Gödel deixou evidente a existência de lacunas no
sistema, pois não seria possível, “usando os métodos usuais, ter
certeza de que os axiomas da aritmética não levarão a contradições”
(BOYER, 1974, p.444).
93
Para Grize (1980, p.121) “a clareza que acompanhava os Pri n ci pi a
permitiu tomar consciência dos mecanismos em jogo e pensar na
construção de sistemas diferentes”. A maioria desses sistemas busca
por uma lógica que não seja apenas bivalente, isto é, onde as
proposições não devam ser necessariamente verdadeiras ou falsas
e, portanto, que não obedecesse ao principio do terceiro excluído.
Mesmo antes do resultado de Gödel, Lukasiew cz, em 1920, já
imaginava a possibilidade de uma lógica assim.
Com o intuicionismo de Brouwer surgindo em oposição
ao logicismo russelliano, a matemática passou a ser encarada como
uma “construção de entidades abstratas”, cujo ponto de partida
era a intuição do matemático, prescindindo, portanto, de uma
redução à l i nguagem esp eci al que é a Lógi ca ou de uma
formalização rigorosa em um sistema dedutivo.
Os intuicionistas não respeitavam o princípio do terceiro
excluído e, em 1930, Heyting publicou um opúsculo com o objetivo
de explicitar os procedimentos de raciocínio usados por Brouwer.
Entretanto, simultaneamente, existia a clareza de que “qualquer
que seja o sistema lógico proposto” existem alguns metaproblemas
so b r e o s q u ai s é p r eci so r ef l eti r . O s m ai s i m p o r tan tes
metaproblemas referiam-se à sua coerência (ou não contradição)
e à sua completude. Post provou, em 1921 que o “cálculo das
proposições dos Pri n ci pi a gozava destas duas propriedades” e,
em 1928, “Hilbert e Ackermann, mostram a não-contradição da
lógica elementar dos predicados”. (GRIZE, 1980, p. 122)
Outras investigações tiveram início a partir daí como os
trabalhos de Tarski e Carnap que deslocaram o eixo das questões
dos aspectos sintáticos para os semânticos e discutiram problemas
filosóficos em função de técnicas lógicas. Curry, em 1930, se
dedicou a reconstruir a lógica sem a utilização de variáveis criando,
para isso, a lógica combinatória. (GRIZE, 1980)
Os p robl emas dos fundamentos, todavi a, não p erderam a
importância para os lógicos e os metaproblemas ainda não estavam
resolvidos. Eram estes, portanto, o cenário e o instrumental lógico
que dispunha Piaget para a consecução de seus trabalhos.
94
2.3.1.1 A LÓGICA OPERATÓRIA DE JEAN PIAGET
Ao pretender que as operações lógico-matemáticas
procedam diretamente das ações mais gerais que o sujeito exerce
sobre os objetos, ou grupos de objetos, Piaget buscava fundar a
lógica na psicologia genética e são várias as obras em que trata da
questão, ap resentando não uma “ nova” l ógi ca, mas uma
interpretação particular da mesma que importa ser mencionada.
Como neste tópico foi tratada a lógica matemática, ou lógica
simbólica, entendeu-se ser pertinente o tratamento, na seqüência,
da interpretação piagetiana da lógica.
Na introdução à segunda edição do seu Traìtée du logique,
publicada em 1970, na França e em 1976, no Brasil com o título de
En sai o de lógi ca operatóri a , tradução do subtítulo em francês, Jean
Piaget (1896-1980), esclarece que tal subtítulo deixa clara sua
intenção que é, “essencialmente mostrar como se constroem as
formas lógicas”.
Da mesma forma como considerava o conhecimento,
Piaget entendia a formalização, isto é, como um processo que se
apóia em estruturas que se elaboram segundo níveis. Ao buscar
dentre tais estruturas, as mais elementares, mas que já permitissem
o estabelecimento de inferências válidas, Piaget as encontrou nas
operações de classificação e de seriação, que representariam o
estágio mais simples da lógica das classes e das relações,
sistematizadas por Russell e Whitehead.
Ao analisar tais estruturas, Piaget constatou que elas não
constituíam ainda as “redes’’, que são o fundamento da lógica
proposicional de Boole ou da lógica de classes: “uma classificação
só se processa, com efeito, por encaixes sucessivos (ou ‘contíguos’)
e não admite ‘conjunto das partes’ ou simplexo, como acontece
no caso da combinatória proposicional”. É esta falta de mobilidade
que impede que a classificação possa ser considerada como um
grupo, no sentido matemático do termo. (PIAGET, 1976, p. xvii)
A classificação, ao se processar por encaixes da mesma
f o r m a q u e as ser i açõ es o u estr u tu r as m u l ti p l i cati v as
correspondentes, apresenta certos caracteres constantes de
composição que permitem falar numa estrutura de conjunto que é
muito comum no pensamento “natural” pré-científico ou ainda
nas disciplinas que são simplesmente descritivas. Piaget designou
tal estrutura por agrupamen to.
95
Num agrupamento está definida a operação i den ti dade;
as operações possuem as propriedades associ ati va , tran si ti va e
tautológica e, além disso, são reversívei s. O fato de a propriedade
tautológica ser verdadeira num agrupamento faz com que este
permaneça muito próximo de seu conteúdo qualitativo e, portanto,
lógico, tornando seu estudo de particular interesse para quem,
como Piaget, procurava pelo elementar.
O s l ógi cos, i ndep endentemente da escol a a que
pertençam, concordam num ponto: que o objeto da lógica refere-
se ao verdadeiro ou falso. Em virtude deste acordo, Piaget
estabeleceu a sua pri mei ra aproxi mação para a definição de lógica:
“ a lógi ca é o estudo do con heci men to verdadei ro, con si derado em
suas formas mai s gerai s” (PIAGET, 1976, p.3).
Entretanto, existem dois enfoques possíveis para o estudo
do conhecimento: o da relação entre o sujeito e o objeto e o do
estudo do conhecimento na sua forma pura, isto é, de como o
sujeito estabelece a distinção entre o verdadeiro e o falso. Piaget
chama de epi stemologi a ao estudo do conhecimento enquanto
relação entre sujeito e objeto e, de lógica à análise do conhecimento
puro. Em outras palavras, a lógica consistiria na a an áli se formal
do conhecimento.
Assim, a l ógi ca estu da o m odo com o os dados são
en un ci ados por proposi ções e como estas se encadeiam entre si,
num domínio interior à atividade do sujeito, sem considerar a
intervenção dos objetos. Para isso é fundamental que seja
estabelecido, com clareza, que o verdadeiro e o falso de que trata
a lógica são formais.
Uma outra questão destacada por Piaget é o fato, também
aceito por todos os lógicos, de que a lógica “está interessada na
forma pura e não trata, de modo algum, do próprio objeto”, o
qual seria de interesse das ciências experimentais e da psicologia.
Ora, Piaget indaga então, sobre essa “forma”, colocando como
questão prévia saber se é uma forma normativa, isto é, um conjunto
de regras e valores, ou se seria “uma estrutura prescrita por leis
necessárias e não por imperativos” (PIAGET, 1976, p7).
Os estudiosos dividem-se e ambas as posições são
sustentadas. Para alguns, como Lalande, a lógica é essencialmente
normativa, enquanto que para outros, as composições formais
96
tratadas pela lógica, constituem uma estrutura idealizada e
esquematizada, “mas cujas transformações são acessíveis ao cálculo,
levando às mesmas constatações mentais de qualquer combinatória”
(PIAGET, 1976, p. 7).
Para Piaget, os dois pontos de vista não são excludentes,
ao contrário, são complementares e dizem respeito apenas “à sua
significação epistemológica sem afetar a sua técnica”. Dessa forma
é possível falar tanto de proposições verdadeiras ou falsas, (no
caso da lógica normativa, isto é, de valores prescritos), como de
p osi ti vas ou negati vas ( p ara o caso de si mp l es rel ações
combinatórias), o que significa, em outras palavras, que “toda
composição formal é redutível a uma mesma estrutura abstrata”.
(PIAGET, 1976, p7-8)
Mas, do mesmo modo que foi necessário estabelecer com
clareza, o que se quer dizer com o termo “forma”, precisa ficar
claro sobre estrutura de quê se está falando, ou como indaga
Piaget, “de quê as ‘formas’ lógicas constituem regras ou leis?”.
Para os que consideram a lógica uma pura sintaxe, tais
“formas” seriam o “conjunto das coordenações próprias a uma língua
bem elaborada”. Assim consideradas, as formas ou estruturas lógicas,
permitiriam, “ao mesmo tempo, signos e operações de inferência
que se aplicam a estes signos para conferir-lhes significações relativas
às suas próprias combinações” (PIAGET, 1976, p8).
Mas tais fatos levariam à segunda interpretação possível
para as “formas ou estruturas lógicas”, a de que elas exprimem as
leis do pensamento, não as leis causais ou temporais, mas aquelas
que regulam as atividades do sujeito para o estabelecimento de
relações verdadeiras ou falsas. As estruturas lógicas podem ser
consideradas como “exprimindo as operações do pensamento”,
de onde Piaget chega à sua segun da aproxi mação: lógica seria a
“ teori a formal das operações do pen samen to”. (PIAGET, 1976, p9)
Essa caracterização apresenta, porém, dois inconvenientes,
é o dos limites entre a lógica e a psicologia e o outro, o dos limites
entre a lógica e a matemática. Com esses cuidados, a definição
seria satisfatória, uma vez que engloba tanto a lógica clássica, que
trata dos enunciados verbais (e, portanto, dos resultados estáticos
das operações), quanto à lógica moderna reduzida essencialmente
ao cálculo (exprimindo, portanto, operações como tais).
97
Para resolver esses inconvenientes, Piaget estabeleceu sua
terceira aproximação, que já exprime com clareza, sua interpretação
particular desse ramo do saber: “ a lógi ca é a teori a formal das
operações deduti vas” (PIAGET, 1976, p19).
A definição de lógica estabelecida por Piaget, segundo o
próprio, “designa na realidade, apenas um ideal”, pois, apesar da
lógica ser uma teoria formal, não é formal no sentido acabado,
mas formalizante ou formalizadora das operações dedutivas.
Ao se colocar que o essencial da lógica é a dedução
parece ser desnecessário se tratar da questão dos métodos,
entretanto, segundo Piaget, pode-se trabalhar “entre construções
q u e p ar ecem , segu n d o cr i tér i o s a ser em an al i sad o s
minuciosamente, mais ou menos naturais e reconstruções mais
artificiais, mas mais puras”. Além disso, o ponto de partida também
pode diferir já que é possível começar tanto “por cima” (lógica das
proposições), quanto “por baixo” (classes e relações) (PIAGET,
1976, p21).
Ao se falar de métodos em lógica, três pontos devem ser
considerados: a técnica de formalização; o atomismo lógico ou a
determinação de totalidades e a ordem natural de formalização.
Atualmente, é ponto pacífico que sem os algoritmos a
constituição da lógica não acontece, pois só mediante uma álgebra
é possível garantir a formalização progressiva, em oposição ao
estado semiformalizado obtido pela lógica formal de técnica verbal.
Esta unanimidade, todavia, é recente. Segundo Piaget (1976), ainda
em 1918, Goblot discriminava entre a “lógica dedutiva” e a “lógica
indutiva” e não se admitia a existência de um terceiro campo, que
tratasse especificamente da técnica de formalização, a logística de
hoje.
Quanto ao segundo aspecto, há a necessidade de saber
o que é mais natural para a lógica, proceder por combinações a
partir de elementos isolados, ou por análise das leis pertinentes às
estruturas de conjunto.
Tanto na psicologia, como na matemática, cresceu a
importância das totalidades operatórias com suas propriedades de
conjunto, e das operações reais em jogo no pensamento em ação,
nas sistematizações das operações abstratas.
98
Na matemática, os números, por exemplo, não são
estudados independentemente uns dos outros, mas sim, as
estruturas que eles constituem (de grupo, anel ou corpo); os
conjuntos constituem seqüências “bem ordenadas”, ou “redes”,
cujas propriedades aparecem na “totalidade” (um grupo e seus
subgrupos constituem um caso particular de “rede”).
É esta tendência estruturalista da matemática devida ao
grupo dos Bourbaki, que estabelece as maiores diferenças entre
as pesquisas contemporâneas e as dos períodos anteriores, de
características muito mais analíticas.
Do ponto de vista psicológico também é impossível a
análise de fatos isolados. É até possível dissociá-los, mas sem se
esquecer que cada fato repousa, necessariamente, sobre uma
organização englobando um grande número de conexões com
outros fatos. As percepções, por exemplo, só alcançam relações
interdependentes e servem de indícios ou sinais para ações. As
operações do pensamento não se constituem de forma isolada,
“mas apoiando-se umas sobre as outras em sistemas caracterizados
por sua composição reversível e não poderia, pois, haver classe
ou relação sem referência a classificações, seriações, etc.” (PIAGET,
1976, p27).
A lógica, por sua vez, ao ter na axiomatização e não na
construção operatória progressiva a principal preocupação,
continua atomística. Em conseqüência, os lógicos estudam
isoladamente as operações de classes e de relações sem abordarem
as estruturas tão características que elas constituem na sua
totalidade, como os agrupamentos, por exemplo.
A lógica das proposições é estudada como combinatória,
procedendo a partir da análise das diferentes composições e, apesar
da correspondência clara entre a lógica das classes e das
proposições, tudo é feito como se fossem dissociadas e para
dissociá-las.
Para Piaget, pelo fato das estruturas desempenharem um
papel tão importante tanto no domínio (abstrato) da matemática,
quanto no domínio (concreto) das operações mentais, seria legítimo
esperar que existissem também estruturas puramente lógicas
semelhantes. É esta “descoberta”, a de que tais totalidades não só
existem como também que a sua “intervenção permite ordenar os
99
resultados de uma forma mais natural do que a análise atomística”,
que confere a Piaget uma interpretação tão peculiar à lógica. Os
resultados, as fórmulas são os mesmos; a dedução continua
presente, mas o “método” utilizado e a ordem de estudo (ele
começa pela lógica das classes e das relações, ao invés da lógica
das proposições), são outros.
Boole e De Morgan, os fundadores da lógica moderna (e
que partiram da comparação com as leis do pensamento), também
iniciavam pela lógica de classes. É apenas com o desenvolvimento
da lógica simbólica que o cálculo proposicional retorna ao início
do estudo da lógica. Tarski, por exemplo, começa pelo cálculo
proposicional. Ambos caminhos, todavia, levam a exposições
i gual mente ri gorosas, e a op ção p or um del es deve-se a
considerações extra-lógicas. Um dos principais colaboradores de
Piaget no estudo da lógica, Jean-Baptiste Grize começa também
pelas classes, por considerar a lógica como integrante do “conjunto
das atividades humanas” (GRIZE, 1980, p.124).
Ainda segundo Grize (1980), tanto de um ponto de vista
genético como de um ponto de vista histórico, as atividades
primeiras são atividades de classificação e justifica: “a criança
manipula coisas, constitui-as mesmo enquanto tais, muito antes
de falar”. Do ponto de vista histórico, “todas as ciências naturais
se iniciaram por uma taxiologia” e, mesmo no interior da própria
lógica, a imperiosidade dos silogismos é conseqüência do fato
deles exprimirem classificações subjacentes, em termos de
proposições, ou seja, não seria possível se concluir pela mortalidade
de Sócrates, “se a classe dos homens não estivesse incluída na
classe dos mortais” (GRIZE, 1980, p.124).
Piaget entendia a lógica como uma disciplina situada entre
a psicologia e a matemática, definindo-a como a teoria formal das
operações dedutiva e com uma técnica de formalização (ou
logística) na qual os algoritmos constituem condição si n e qua n on .
Em função dessa concepção, para ele, a lógica devia ser estudada
em função da determinação das totalidades e seguindo a ordem
natural de formalização. Isto significa, então, começar o estudo
pela lógica de classes e das relações, isto é, “do mais concreto
para o mais abstrato”.
Ao se estabelecer que a lógica é a teoria formal das
operações dedutivas, a psicologia, ou pelo menos parte dela, pode
100
ser considerada como a “teoria real das próprias operações”, sejam
estas efetuadas pelo indivíduo isoladamente ou em conjunto e
compartilhadas mediante o uso da linguagem.
A princípio pode parecer que os pontos de vista da lógica
e o da psicologia sejam inteiramente distintos, pois a única
preocupação da lógica é o da validade das composições operatórias
e sua finalidade essencial é “enunciar os princípios ou axiomas
necessários e suficientes para garantir o rigor dos encadeamentos
operatórios estudados”. Para a psicologia, entretanto, o problema
consiste não só em “estabelecer as leis das operações da ação ou
do pensamento”, mas também em explicá-las (PIAGET, 1976, p.11).
Assim, enquanto o problema da lógica é “fundamentar” a
validade formal das composições operatórias, a psicologia para
“explicar” deverá compreender e reconstituir geneticamente essas
composições.
Embora teoricamente a delimitação entre os campos da
lógica e da psicologia seja meridiana e hoje, inquestionável, nem
sempre foi assim.
Consideradas sob o ponto de vista lógico as operações
são transformações que possibilitam o estabelecimento de
proposições ou relações partindo de proposições ou relações
anteriores, e “transformações cuja validade é prescrita pela aceitação
(ou rejeição) de certos axiomas”. Psicologicamente, as operações
são ações equilibradas que têm sua origem nas atividades concretas
do sujeito e isto significa dizer (e esta é a tese demonstrada por
Piaget, em toda sua obra), que existe uma continuidade entre as
“ações sensório-motoras e as ações efetivas, depois entre estas e
as ações interiorizadas, ou atos simbólicos que caracterizam o
pensamento” (PIAGET, 1976, p.11).
Com a evolução dos dois ramos de conhecimento, a
psicologia passou a estudar geneticamente a inteligência e a lógica
a formalizar a estrutura das construções operatórias. Dessa forma,
os dois campos de conhecimento diferenciaram-se completamente
excluindo qualquer imbricação e, exatamente por isso, tornando-
se complementares ou mesmo correspondentes em alguns
domínios, como no caso das classificações, das seriações, das
correspondências e do número.
101
Entretanto, apesar da existência de correspondência entre
os problemas da lógica e da psicologia, a independência dos
métodos é total, uma vez que um dado psicológico não pode ser
invocado numa formalização lógica, pois ela é autônoma, mesmo
quando se refere às normas que são aceitas pelo indivíduo em
particular ou pelo grupo social.
Reciprocamente, um raciocínio fundamentado num
algoritmo formal não possui a validade de um fato da experiência,
em psicologia.
Se nas suas origens a lógica, por referir-se ao discurso e
às leis do pensamento, estava intrinsecamente ligada à psicologia,
se dissociando dessa última somente a partir da segunda metade
do século XIX, em relação à matemática, ela caminhou no sentido
inverso.
De fato, a lógica aristotélica por ser eminentemente verbal,
mantinha apenas relações distantes com a matemática embora esta
última fosse anterior à primeira. Por outro lado, a matemática
essencialmente intuitiva de então, também não se interessava pela
lógica.
Assim, a evolução da lógica, no sentido de se tornar
simbólica, a aproxima gradual e incessantemente da matemática,
na mesma medida que e por igual motivo, a afasta da psicologia.
O dup l o p rocesso de ap roxi mação entre l ógi ca e
matemática (matematização da lógica e logicização da matemática),
deram origem a duas espécies de problemas, completamente
independentes entre si, um, o da “convergência entre os métodos
logísticos e matemáticos”, e o outro, o da “redução eventual das
estruturas matemáticas às estruturas lógicas”. Esses problemas eram
freqüentemente confundidos, principalmente “à época em que a
força e a influência de Russell tendiam a uni-los” (PIAGET, 1976,
p.16).
O problema da redução das estruturas matemáticas às
estruturas lógicas não tem sua origem, como poderia parecer, na
convergência dos métodos, mas, antes, nos trabalhos de G. Cantor.
Foi a teoria dos conjuntos que promoveu o encontro das “partes
mais gerais da matemática e a álgebra das classes e das relações”,
motivando tanto Frege quanto Russell em suas tentativas de
definição do número cardinal, reduzindo-o à classe lógica e do
102
número ordinal, reduzindo-o à relação assimétrica (PIAGET, 1976,
p.16).
Assim, devido à dupla influência da fusão dos métodos e
da convergência entre partes da lógica com partes mais gerais da
matemática, cresceu a tendência de se fundir (e confundir) as
duas áreas numa só. Esse esforço, todavia, não era unanimidade
entre lógicos e matemáticos, ao contrário, é possível perceber a
presença de quatro escolas que pretendem a fusão, mas com
princípios diferenciados.
Hilbert com seu formalismo concebeu as relações lógicas
como uma subclasse dos seres matemáticos, não considerando,
portanto, a matemática como redutível à lógica.
Russell admitiu exatamente o oposto, ou seja, a matemática
seria redutível à lógica (donde o seu logicismo).
A p r ó p r i a h i stó r i a d a m atem áti ca d em o n str o u a
impossibilidade dessas duas interpretações.
Piaget (1976, p.17) destaca ainda a possibilidade de se
conceber tanto a matemática como a lógica, como “duas subclasses
separadas da grande classe das estruturas formais ou abstratas”, o
que seria impossível, tendo em vista a existência inconteste de
estruturas comuns a ambas.
Finalmente, pode-se conceber uma separação parcial entre
as estruturas lógicas e as matemáticas, porém, “constituindo uma
parte comum por assimilações recíprocas (e não mais em um
sentido único)” . Piaget entende as relações entre lógica e
matemática desta última forma, como “assimilações recíprocas”
(PIAGET, 1976, p.17).
Para f i n al i zar aq u i l o q u e estam o s ch am an d o d e
“interpretação piagetiana da lógica”, resta tratar da axiomatização
das estruturas operatórias do sujeito.
Ao se entender formalização como um processo e não
como um estado a principal conseqüência a aparecer é a de que o
desenvolvimento da lógica formal jamais estará concluído. Além
disso, este desenvolvimento não consistiria apenas em se acrescentar
conhecimentos novos, cumulativamente aos precedentes, mas, em
“reconstruções devidas a exigências não estabelecidas de início,
mas que surgem durante o percurso” (PIAGET et al, 1980, p.321).
103
Para Piaget (1980), é impossível, do ponto de vista genético,
dissociar a lógica de sua própria construção e da sua própria história,
pois o que a lógica formal axiomatiza é, precisamente, uma certa
ati vi dade do sujei to, começando p el o p róp ri o l ógi co, que
intuitivamente estabelece os seus sistemas antes de os poder
formalizar. Ao se defrontar com os limites das suas próprias
formalizações o lógico continua suas construções, o que associa,
definitivamente, a lógica à sua própria história. Não se pode desprezar
o fato de que o lógico, enquanto indivíduo é depositário de uma
herança psicossocial de longa tradição e herdeiro de “uma seqüência
de construções reflexivas mais simples” que remontam a um nível
semiformalizado semelhante ao da lógica aristotélica considerado,
entretanto, por muito tempo, como o “acabamento da lógica na sua
totalidade” (PIAGET et al, 1980, p.322).
Assim, a lógica pode ser considerada a axiomatização de
certos tipos de pensamento operatório, que podem ser, nos níveis
superiores, operações abstratas. Ora, mas tais “operações abstratas”
foram, por sua vez, “abstraídas” de operações de níveis menos
evoluídos, que foram “abstraídas” de outras, até que sejam, como
no caso da lógica clássica, extraídas de operações proposicionais
que repousam em operações de inclusões de classes ou de
encadeamento de rel ações. Entretanto, ao se p retender a
reconstituição das filiações históricas, não se pode remontar muito
atrás e, assim, na falta desses dados, Piaget recorre às informações
psicogenéticas, seguindo, passo a passo, a partir do estágio
sensório-motor, a constituição das estruturas operatórias do
pensamento, do que resulta que:
I - As operações elementares têm origem nas ações do
sujeito, as quais, por sua vez, começam por incidir sobre os próprios
objetos físicos, desenrolando-se num contexto que Piaget qualifica
globalmente como “experiência”. Entretanto, o autor chama a
atenção para o fato de que existem duas espécies de componentes
(que não derivam uma da outra), em qualquer experiência: a física
e a lógico-matemática.
A experiência física consiste em extrair as propriedades
dos objetos através de uma abstração simples, a partir de
informações perceptivas e a lógico-matemática consiste em extrair
as informações não dos objetos como tais, mas das propriedades
que “as ações introduzem nos objetos”. Pode-se, resumidamente
104
dizer que as informações perceptivas são conseqüências das ações
enquanto que as lógico-matemáticas resultam das coordenações
das ações. (PIAGET et al, 1980, p.323)
A forma de abstração envolvida na experiência lógico-
matemática não é mais a simples, como a que é usada na
experiência física, mas sim, é uma abstração reflexionante, no
duplo sentido do termo: “extrair as propriedades das ações é,
num primeiro momento, ‘transpor’ para um novo plano (portanto
refletir, no sentido quase físico do termo)”, o que ainda é apenas
uma coordenação p ráti ca e i nconsci ente, p osteri ormente
transformada em “ objeto de tomada de consci ênci a e de
pensamento”. Entretanto, esta reflexão ou projeção, pressupõe
uma nova estruturação, e conseqüentemente, uma “reflexão no
sentido psicológico do termo” (PIAGET et al, 1980, p.323).
A experiência lógico-matemática existe e é necessária para
a criança mesmo quando esta se encontra num nível em que ainda
não é capaz nem de operar e nem de deduzir mediante normas
ou regras. Para Piaget, caracterizada como foi, não é possível
entender a experiência lógico-matemática como uma experiência
interior ou psicológica, no sentido de uma introspecção dos dados
da consciência. Embora sua origem esteja nas atividades do sujeito
sobre o objeto, a experiência lógico-matemática não depende
apenas da memória do sujeito, sobre as experiências realizadas
com o objeto, mas, da abstração reflexionante que ao utilizar o
aspecto lógico-matemático dessas experiências, torna-se uma
construção, bem diferente de uma simples leitura ou registro passivo
de informações.
II - A abstração reflexionante é, portanto, uma construção
que se efetiva por etapas, nas quais acontece uma progressiva
eliminação de sucessões temporais em benefício de conexões
necessárias e não-temporais.
Assim, a inteligência só conseguirá se libertar do tempo
(que está irremediavelmente ligado às ações psicológicas), ao
conquistar a reversibilidade, característica das operações. Tornadas
estritamente reversíveis, as ações ou operações constituirão um
jogo de conexões simultaneamente intemporais e logicamente
necessárias e esta constituição obedece a quatro estágios de
desenvolvimento, que são os estabelecidos pela epistemologia
genética: o período sensório-motor, o intuitivo ou pré-operatório,
o operatório concreto e o lógico-formal.
105
As estruturas operatórias, portanto, são constituídas graças
aos progressos da reversibilidade que lhes proporciona o caráter
extra-temporal. As conexões extra-temporais estabelecidas,
fornecerão, em função do desenrolar contínuo das abstrações
reflexionantes, o “dado cuja axiomatização é efetuada pela lógica
dos lógicos”. Para compreender como tal formalização efetivamente
prolonga a construção genética, é necessário compreender como
essas ligações se tornam necessárias (PIAGET et al, 1980, p.327).
III - É o aparecimento da necessidade lógica que constitui
o principal problema da psicogênese das estruturas operatórias.
Mediante a realização de inúmeras pesquisas em diversos setores,
tais como construção do espaço, do tempo, do número, etc., Piaget
e seus colaboradores verificaram que a necessidade lógica aparece
com a constituição das operações quando as ações tornam-se
estritamente reversíveis. Para se constituir as operações se
coordenam entre si, sob a forma de estrutura de conjunto, com a
necessidade surgindo do fechamento dessas estruturas. Com tal
fechamento e a implicação entre os elementos, as estruturas de
conjunto consti tuem agrup amentos ou mesmo grup os e a
composição entre os elementos torna-se necessária.
Piaget, frente às considerações anteriores, conclui que “a
l ógi ca é uma axi omati zação das estruturas op eratóri as do
pensamento do sujeito, estruturas estas, aliás, estudadas a título
de fatos pela psicologia da inteligência”. O autor chama atenção,
entretanto, para a necessidade de se precisar algumas expressões
para que esta interpretação de lógica possa ser aceita ser restrições
(PIAGET et al, 1980, p.331).
Inicialmente, é necessário deixar claro que são as
estruturas operatórias subjacentes e não dados os introspectivos
da consciência que são axiomatizadas pela lógica. Tal precisão é
necessária, porque se a lógica do sujeito for reduzida ao que se
encontra em sua consciência, serão encontrados elementos muito
mais elementares do que os “que são inconscientemente utilizados
nos raciocínios efetivos”. Isto acontece porque a consciência se
remete apenas aos resultados dos processos mentais, não incidindo
“sobre seus mecanismos mais simples” (PIAGET et al, 1980, p.331).
Um outro aspecto que Piaget enfatiza, é a distinção entre
axiomática e axiomatização. Para o autor, uma axiomática “consiste
em demonstrar, através de uma formalização adequada um
106
resul tado já adqui ri do i ntui ti vamente” , enquanto que p or
axi omati zação, deve ser entendi do “ uma l i vre construção
formalizada, que não se limita a axiomatizar sistemas prévios”,
mas sim, que constrói as suas próprias teorias. Esta construção,
entretanto, não é arbitrária e não parte do nada, uma vez que
utiliza, “no mínimo, certas noções operatórias indefiníveis e certas
proposições não-demonstráveis” (PIAGET et al, 1980, p.332).
As estruturas subjacentes do pensamento natural e,
portanto, do pensamento do próprio lógico, procedem de um
desenvolvimento cujas formas elementares são claramente
observadas na evolução mental da criança, e as suas formas mais
elevadas já comportam, além da psicogênese, uma sociogênese.
Assim, para serem elaboradas, as estruturas elementares necessitam
tanto das condições psiconeurológicas comuns à espécie, como
da atividade intelectual realizada pelas sucessivas gerações.
As pesquisas realizadas por Piaget e seus colaboradores
comprovaram que é perfeitamente possível entender a lógica como
uma axiomatização das estruturas operatórias subjacentes do
pensamento humano. E, se as relações entre a lógica moderna (a
lógica sem sujeito) e as estruturas subjacentes, estudadas pela
psicologia, pareceram ser inexistentes por muito tempo, deve-se,
principalmente, ao desconhecimento das estruturas elementares
pela própria psicologia, ao longo tempo de permanência da lógica
na silogística de Aristóteles e ao distanciamento entre a lógica
moderna e a própria matemática.
O fato dos lógicos contemporâneos caracterizarem a lógica
moderna como uma linguagem (e não existe língua sem sujeito),
reforça a existência de um isomorfismo entre a lógica e as estruturas
operatórias do sujeito.
107
Os matemáticos do século XIX enfrentaram o problema e
buscaram uma outra fonte segura para fundamentar seus trabalhos,
elegendo a aritmética como a “nova base sólida” (de onde surgiu,
o movimento de “aritmetização da análise”). Porém, ao alicerçar a
matemática sobre a aritmética, se estava, em última instância,
fundamentando-a sobre o número.
Entra, então, em cena, o matemático alemão Friedrich
Ludw ig Gottlob Frege (1848-1925), para quem a matemática
necessitava de uma profunda revisão crítica, revisão esta, que se
impunha a partir do próprio conceito de número.
Além da perda de credibilidade da geometria como base
sólida, é preciso recordar, que, praticamente na mesma época,
ap areceram as vári as anti nomi as da teori a dos conjuntos
estabel eci da p or G. Cantor que abal aram todo o edi fíci o
matemático, o que fortalecia a idéia de Frege, de que apenas uma
análise minuciosa dos fundamentos da matemática “graças ao novo
instrumento lógico, poderia salvar a coerência das matemáticas”
(GRIZE, 1980, p. 121).
Estava desencadeada a que ficou conhecida como “a crise
dos fundamentos” e surgiram diversas correntes buscando soluções
para os profundos problemas. Os objetivos destas correntes se
resumiam em tornar a matemática, novamente, uma ciência
confiável. Três delas se destacaram e continuam, até hoje, a
dividirem os matemáticos.
Na transição do século XIX para o século XX, começaram
a acontecer congressos internacionais de matemática (o primeiro
foi em Chicago, em 1893) e, no segundo, realizado na cidade de
Paris, em 1900, o matemático alemão David Hilbert, proferiu a
conferência principal.
Nessa conferência Hilbert apresentou uma lista com 23
problemas os quais, segundo ele, seriam o foco das atenções dos
matemáticos do século XX (o que de fato aconteceu e quase todos
já foram resolvidos). No mesmo congresso, Poincaré apresentou
um trabalho em que comparava os papéis da lógica e da intuição
na matemática.
Matemático de interesses variados, Hilbert contribuiu para
a teoria dos números, lógica matemática, equações diferenciais e
física matemática. Devido a um trabalho acerca dos fundamentos
108
da matemática Hilbert se envolveu, com Poincaré, numa das
maiores controvérsias do século e que, praticamente, prolongava
o conflito estabelecido entre Cantor e Krönecker, no século XIX.
Hilbert admirava o Men gen lehre de Cantor, ao passo que
Poincaré o criticava fortemente. As teorias de Cantor, como
os abstratos espaços de Hilbert, pareciam muito afastados
da base intuitivo-empírica que Poincaré e alguns de seus
contemporâneos preferiam. (BOYER, 1974, p.448)
109
intuicionismo, os elementos e axiomas da matemática não são tão
arbitrários como possam parecer.
Segundo Brouw er, “a linguagem e a lógica não são
pressuposições para a matemática, a qual tem sua origem na
intuição que torna seus conceitos e inferências imediatamente claros
para nós” (BOYER, 1974, p.448).
A tese do intuicionismo é que a matemática tem de ser
desenvolvida apenas por métodos construtivos finitos sobre
a seqüência dos números naturais, dada intuitivamente.
Logo, por essa visão, a base última da matemática jaz sobre
uma intuição primitiva, aliada, sem dúvida, ao nosso senso
temporal de antes e depois, que nos permite conceber
um objeto, depois mais um, depois outro mais e assim
por diante, indefinidamente. Dessa maneira obtêm-se
seqüências infindáveis, a mais conhecida das quais é a
dos números naturais. A partir dessa base intuitiva (a
seqüência dos números naturais), a elaboração de qualquer
outro objeto matemático deve ser feita necessariamente
por processos construtivos, mediante um número finito
d e p asso s o u o p er açõ es. N a t ese i n t u i ci o n i st a o
desenvolvimento genético da matemática é levado a
extremos. (EVES, 1995, p.679)
110
desenvolvimentos abstratos em que os termos são meros
símbolos e as afirmações são apenas fórmulas envolvendo
esses símbolos; a base mais funda da matemática não está
plantada na lógica mas apenas numa coleção de sinais ou
símbolos pré-lógicos e num conjunto de operações com
esses sinais. Como, por esse ponto de vista, a matemática
carece de conteúdo concreto e contém apenas elementos
simbólicos ideais, a demonstração da consistência dos
vários ramos da matemática constitui uma parte importante
e n ecessár i a d o p r o gr am a f o r m al i st a. Sem o
acompanhamento dessa demonstração de consistência,
todo o estudo perde fundamentalmente o sentido. Na tese
formal i sta se tem o desenvol vi mento axi omáti co da
matemática levado a seu extremo. (EVES, 1995, p.682)
111
colocada inicialmente, de que o número seria a síntese operatória
da seriação e da classificação. Ora, o que teria motivado Piaget a
elaborar implicitamente tal hipótese?
Entra em cena, então, o forte apelo epistemológico das
soluções insatisfatórias para a questão “o que é número?” e,
particularmente, o longo e antigo debate, sem vencedor, entre
logicistas e intuicionistas. Tudo isto, mesclado às próprias
convicções de Piaget de que o conhecimento não está nem no
sujeito (apriorismo, implícito no logicismo) e nem no objeto
(empirismo, pano de fundo do intuicionismo), mas na interação
entre ambos, uma interação particular que acontece internamente
ao sujeito.
Da mesma forma como sua concepção de inteligência
pode ser considerada como um terti um entre o lamarckismo e o
neodarw inismo; que a sua posição acerca da construção do
conhecimento fica a meio-caminho entre o empirismo e o
apriorismo, ele termina por considerar o número também como
uma espécie de terti um entre Russell e Poincaré, ao “conceber
como recíprocas e não mais unilaterais a relação entre a lógica e a
aritmética”.
Com o caos epistemológico instalado para a definição de
número, evidenciando divergências entre as diversas soluções
propostas (além da insuficiência destas), Piaget entendeu ser
oportuna e pertinente uma investigação genética.
112
Mach considerava que a construção do conceito de
número era realizada mediante experiências reais de reunião,
disjunção, ordenamento e correspondência, que depois seriam
recordadas pela experiência mental.
O s co n ju n to s d e d i v er sas o r d en s f o r m ad o s p el a
experiência real e recordados pela experiência mental seriam então
manipulados pela imaginação para gerar as operações da aritmética.
O cálculo seria constituindo-se num prolongamento da numeração
efetiva pelo pensamento como “um meio indireto de contar”. De
acordo com tal teoria (ampliada por Rignano), o raciocínio seria
constituído por uma sucessão de experiências pensadas (MACH,
apud PIAGET, 1975, p. 68).
Ora, mas tanto na análise genética como na teoria da
experiência mental está presente uma interpretação psicológica
do conceito de número e, então, é lícito indagar, no que seriam
diferentes.
Apesar de toda experiência executada materialmente
poder ser interiorizada e, reciprocamente, do pensamento, por
mais abstrato que seja repousar sempre sobre esta mentalização
das ações, a experiência mental não é, por si só, a solução de
problemas epistemológicos.
[...] de fato, assim como é necessário se perguntar em cada
domínio delimitado, no que consiste a experiência e quais
são, em sua constituição as partes que correspondem,
respectivamente, à atividade do sujeito e aos dados objetivos,
assim toda ‘experiência mental’ apresenta o mesmo conjunto
de problemas epistemológicos ao invés de resolvê-los apenas
com sua presença. (PIAGET, 1975, p.69)
113
ações mal -di ferenci adas que, p or serem i nsufi ci entemente
coordenadas entre si, precisam de apoio da realidade exterior para
a previsão de resultados (IIA), até as ações reversíveis (operações),
capazes de antecipações precisas (IIB).
Imaginar as variações dos fatos não é, todavia, o mesmo
que imaginar as ações do sujeito que provoca tais variações. Mesmo
em se tratando de experiências do tipo II, não existe diferença se
uma transformação operada pela ação do sujeito foi efetivada
materialmente ou em pensamento, pois, em última instância, esta
será sempre uma atividade dos objetos, uma mudança externa,
mesmo quando “imaginada”, não se tratando de uma transformação
do sujeito. Esta situação já evidencia uma primeira diferença com
a epistemologia genética, pois para esta o conhecimento só
acontece quando, além da transformação do objeto (assimilação),
há também a transformação do sujeito (acomodação).
Embora tanto a análise genética quanto a teoria baseada
na experiência mental defendam uma interpretação psicológica
para o conceito de número elas não são, portanto, a mesma coisa.
E isso, mesmo com as especificações estabelecidas por Piaget para
os diferentes tipos de experiência mental, coisa que Mach e Rignano
não reconheceram, passando sem cessar da variação dos fatos à
representação mental das ações do sujeito e, conseqüentemente,
ampliando o fosso entre as duas concepções.
É verdade que o número é construído a partir das ações
(como o conhecimento em geral) a diferença para a análise genética
é que estas ações, desde o período sensório-motor, são tanto a
assimilação do objeto ao sujeito quanto a acomodação do sujeito
ao objeto. Assi m, o número não p ode ser ex p l i cado p or
experiências mentais interpretadas empiricamente. Resumindo, o
número não é explicado pela simples concepção de experiências
mentais em geral.
Hermann Von Helmholtz (1821-1894) era físico e fisiólogo
e mesmo não sendo psicólogo por formação é considerado, graças
aos seus trabalhos, um dos criadores da psicologia das percepções.
Embora a psicologia ocupasse o terceiro lugar entre seus interesses
científicos suas pesquisas muito contribuíram para o fortalecimento
da abordagem experimental no estudo de questões psicológicas.
Trabalhou em Königsberg e talvez tenha sido esta uma
das razões para a influência kantiana na sua concepção de número.
114
Para Helmholtz o número seria construído primeiramente em seu
aspecto ordinal (em oposição a Mach e Rignano, que defendiam a
primazia do cardinal) e assim como em Kant, em íntima associação
com o tempo. O número teria então o seu ponto de partida na
lembrança da ordem de sucessão temporal de nossos estados de
consciência. Para Helmholtz “contar é um procedimento que
repousa em nossa faculdade de recordar a ordem de sucessão de
nossos estados de consciência”. (HELMHOLTZ, apu d, PIAGET,
1975, p.76)
Desta forma a sucessão temporal irreversível dos estados
de consciência constituiria por si só uma série interna e bastaria
então denominar numericamente os termos desta série para se
obter uma sucessão de números ordinais que permitiriam definir
o cardinal como uma “soma” de ordinais. São três, portanto, os
aspectos envolvidos nesta concepção: a origem ordinal; o processo
de numeração dos termos da série temporal e a fonte empírica.
Quanto ao primeiro aspecto, diversas demonstrações
(entre elas as de Brunschvicg e de Reymond) já foram realizadas
mostrando que a ordenação supõe a cardinação e outras tantas
(embora em menor número), provando a recíproca, seguindo o
seguinte princípio:
[...] se as u n i d ad es su cessi v as são r i go r o sam en te
homogêneas, somente pode se distinguir sua ordem de
sucessão quando se relacionam com os conjuntos formados
por esta própria sucessão (1+1+1 difere de, por exemplo,
1+1, apenas porque existem dois números enumerados
antes do último ao invés de um único); inversamente, os
conjuntos cardinais não podem ser avaliados a menos que
sejam ordenados, se é que se quer ter certeza de não
haver contado duas vezes o mesmo termo. (PIAGET, 1975,
p.76)
115
Finalmente, a fonte empírica, o ponto de partida que
para Helmholtz está localizado em uma experiência interior, no
caso, o tempo.
As experiências de Piaget acerca do tempo comprovaram
que a construção da sucessão temporal só ocorre na criança durante
o período operatório concreto, portanto, concomitante ou após a
construção do número. Piaget (1975) comenta que a “ilusão de
um parentesco direto entre número e tempo foi compartilhada
por certa quantidade de outros pensadores começando por Kant
e terminando por Brouw er”, o que torna o erro muito mais
significativo (PIAGET, 1975, p.77).
A explicação de Helmholtz, embora também oriunda de
uma interpretação psicológica do número, diferentemente das
teorias de Mach e Rignano, admite, que o número seria extraído a
partir de uma experiência interior, o que poderia possibilitar uma
confusão entre a teoria dos estados sucessivos de consciência e a
análise genética.
Essa confusão, todavia, não ocorre. A principal diferença
entre “explicar” o número mediante a análise genética e pela
experiência interior reside na forma da abstração. As explicações
pela experiência interna acreditam que é possível abstrair um caráter
de uma percepção interna e inseri-lo numa conduta superior da
mesma maneira como se extrai uma qualidade física qualquer,
enquanto que na análise genética a abstração de um caráter supõe
uma abstração a partir das ações.
Um outro fato em que a análise genética e a experiência
interior discordam se refere à operação de seriação (ou ordinação)
que, segundo a psicogenética, não pode ser extraída nem da
experiência externa e nem da interna, porque a ordem é algo que
é acrescentado (e não extraído) aos objetos sejam estes reais ou
da consciência atual.
116
de classes e de relações ou, mais especificamente, o aspecto cardinal
do número é estabelecido pelas classes e o ordinal, pelas relações
assimétricas, porém, de forma independente.
Um outro fator importante a ser observado e que decorre
dessa concepção é que os números se constituiriam isoladamente,
a partir de classes independentes entre si e, portanto, não existiria
uma iteração culminando com a sucessão dos números inteiros.
Com esta concepção não é absurda a idéia de uma construção em
separado dos aspectos cardinal e ordinal.
Não será utilizado aqui o argumento da interdependência
entre a cardinação e a ordenação para ressaltar a insuficiência da
concepção russelliana porque o que nos interessa é analisar a
possibilidade de redução do número à lógica.
Para verificar se esta explicação é satisfatória a questão
se resume em “determinar se os processos formadores do número
são ou não os mesmos a partir dos quais derivam as classes e as
relações” (PIAGET, 1975, p.91).
A teoria de Russell e Whitehead para o número começa
com a descrição do que é uma “classe de classes”: Duas classes
consideradas em sua extensão dão origem a uma mesma classe de
classes quando é possível estabelecer uma correspondência
biunívoca entre seus elementos.
O número cardinal é definido como estas “classes de
classes” e assim, o número 1 é a classe de todas as classes unitárias,
o número 2 é a classe de todos os pares possíveis, o número 3 é
a classe de todas as ternas, etc.
O número ordinal é igualmente constituído por meio de
classes, só que de relações assimétricas “semelhantes” e esta
“semelhança” é obtida também mediante uma correspondência
biunívoca.
Apesar destas “definições” terem sido aprovadas por
muitos matemáticos e quase todos os lógicos, também recebeu
muitas objeções que podem, todavia, serem agrupadas em duas
vertentes: a) as que defendem a existência de um círculo vicioso e
b) as que preconizam a existência de diferenças funcionais entre
a classe lógica e o número.
117
O maior crítico ao reducionismo lógico foi o francês Henri
Poincaré. Para ele existiria um círculo vicioso na definição russeliana
p orque o número já estari a p resente ao se estabel ecer a
correspondência biunívoca entre os objetos singulares.
O argumento de Poincaré era o de que na “expressão
‘um’ homem, etc., o objeto individual ou a classe singular já
implicava a presença do número 1” (PIAGET, 1975, p.92).
A contra-argumentação dos logicistas era a de que existe
uma distinção entre o “um” lógico e o número 1. O “um” lógico
implicaria a “identidade” e não o número, da mesma forma como
os termos lógicos “alguns”, “todos” ou “nenhum” se referem apenas
à pertinência ou não dos indivíduos a uma determinada classe e
não a uma quantidade determinada de indivíduos.
Na opinião de Piaget tanto Russell quanto seus adversários,
ao ar gu m en tar em co m i d en ti d ad es e cl asses i so l ad as,
desencadearam um embate sem saída, pois o atomismo lógico
possibilita a justificativa nas duas direções, uma vez que “a
identidade pertence tanto à matemática como à lógica intensiva”.
Assim, a especificidade lógica ou matemática só é passível de ser
determinada em função da “estrutura de conjunto da totalidade
operatória onde se inserem os elementos” (PIAGET, 1975, p.92).
Para estabelecer a diferença funcional entre classe e
número, Piaget deixa claro que a função da classe, por ser
constituída de indivíduos que gozam de uma determinada
propriedade, é a de identificar. A função do número (que necessita
abstrair as qualidades), é a de diversificar, de onde se conclui que
são f unções f undamental mente heterogêneas. Entretanto,
novamente, esse argumento só será válido se aplicado às totalidades
operatórias e não aos elementos isolados.
Assim, considerando o atomismo lógico russelliano, Piaget
entendia que a análise da solução logicista deveria se restringir à
natureza da correspondência biunívoca estabelecida para se criar
as cl asses equi val entes com o i ntui to de veri fi car se esta
correspondência é puramente lógica (qualitativa), ou se já introduz
explicitamente o número (quantitativa).
Na correspondência biunívoca lógica ou qualitativa os
elementos se correspondem univocamente em função de suas
qualidades como, por exemplo, quando se analisam as semelhanças
118
entre dois objetos (ou conjuntos de objetos) e, para isto, se
estabelece a correspondência entre uma parte de um com a parte
semelhante no outro. Por considerarem apenas as qualidades, as
correspondências qualitativas independem da quantificação. Um
bom exemplo de correspondência qualitativa é quando se
corresponde os pelos dos animais e as penas das aves.
A correspondência biunívoca qualquer ou matemática não
é estabelecida em função das semelhanças qualitativas, mas
associando um elemento qualquer de um dos conjuntos a um
elemento também qualquer do outro, com a única condição de
que cada elemento seja colocado em correspondência uma única
vez, o que pressupõe a unidade e implica, portanto, numa
quantificação. Assim, o problema da concepção de Russell, segundo
Piaget, reside no fato dele utilizar a correspondência biunívoca
matemática ao estabelecer sua “classe de classes” e, assim, não é
puramente a classe que gera o número cardinal, mas uma classe já
quantificada pela correspondência qualquer.
Assi m, quando Russel l constrói o número 12 e faz
corresponder um a um os apóstolos de Jesus Cristo com
os marechai s de Nap ol eão, o ap óstol o Pedro não é
associado ao marechal Ney em virtude de suas qualidades
co m u n s ( co m o q u an d o u m b i ó l o go p õ e em
correspondência os pelos dos mamíferos com as penas
dos pássaros) mas, simplesmente enquanto um constitui
uma unidade qualquer do primeiro conjunto e o outro
uma unidade qualquer do segundo. (PIAGET, 1975, p.94)
119
para distinguir dois elementos é o número de ordem dos objetos
e das relações que os unem sucessivamente.
Russell, ao não estabelecer na sua dupla redução estas
distinções genéticas que conduzem a uma distinção
correlativa na lógica entre as operações como tais e, não
somente entre as classes e as relações isoladas se encerra,
assim, em dois círculos viciosos. (PIAGET, 1975, p.95)
120
aritmética, assim como para fazer geometria é preciso algo
mais que a lógica pura’, sendo a intuição este ‘algo mais’,
ressaltando, contudo, que sob esta denominação diversas
idéias estão subentendidas. (POINCARE, 1943, p.18)
121
ou recorrência, Poincaré, por mais convencionalista que tenha
sido em muitas questões, como por exemplo, sobre os vários tipos
de números ou sobre os relacionamentos entre os diversos tipos
de espaço, admite que tal intuição é operatória, ou seja, uma
intuição isenta de contradição e que é “construída”.
Brouwer, que renovou o intuicionismo de Poincaré e o
opôs ao formalismo lógico, considerava que “o domínio da intuição
racional se estenderia assim, do a pr i or i à livre construção
operatória” (PIAGET, 1975, p.95).
Piaget considerava que a intuição operatória do número
puro, irredutível à lógica, concebida por Poincaré carecia de
especificidade, enquanto que o reducionismo lógico de Russell
não seria operatório o suficiente. Embora as duas concepções de
número possuíssem aspectos de verdade, elas eram incompletas.
Assim, a hipótese do mestre genebrino foi a de que haveria a
possibilidade de um terti um entre as duas posições.
A discordância de Piaget neste caso se fundamenta no
fato de que a intuição do número puro não é a de um número
específico e sim de um número qualquer e seria, segundo o próprio
Poincaré, a “faculdade de conceber que uma unidade pode agregar-
se a um conjunto de unidades” (POINCARE, 1943, p. 37).
Ao procederem de uma intuição que contém, de antemão,
a noção de unidade, as operações numéricas se colocam em
oposição às operações lógicas. Entretanto, os resultados de
inúmeras pesquisas realizadas por Piaget e outros sobre a gênese
dos conceitos matemáticos mostram que:
Todos os conceitos de caráter extensivo e métrico como a
medida, a proporção em geometria e o próprio número
somente se constituem em sua forma operatória quando
podem apoiar-se em agrupamentos lógicos de caráter
intensivo. (PIAGET, 1975, p.96)
I sto não si gni fi ca, todavi a, que exi sta um estádi o
caracterizado por estruturas lógicas que poderia ser considerado
pré-numérico seguido de um estádio numérico, ao contrário, existe
uma interdependência (que será mais bem explicitada no próximo
capítulo) entre o lógico e o numérico. Esta interdependência é
originária do conceito de conservação dos conjuntos como
totalidades lógicas ou numéricas e, além disso, esta conservação
não se apresenta absolutamente como uma “intuição”, mas é
construída, operatoriamente, num longo e complexo processo.
122
A faculdade de conceber que uma unidade pode agregar-
se a um conjunto de unidades que é assinalado por
Poincaré como sendo o específico da intuição do número
puro supõe, então, a ‘faculdade’ de conceber conjuntos
invariantes encaixados uns nos outros e a ‘faculdade’ de
ordenar desde o início os elementos agregados. (PIAGET,
1975, p.97)
123
introdução “de uma análise para espaços de dimensão infinita,
que é a análise funcional” e, forneceram, também, “um formalismo
al gébri co à geometri a, p or mei o da geometri a al gébri ca” .
(D’AMBROSIO, 1998, p.54)
Nicolas Bourbaki é um personagem fictício de nome grego
e origem francesa sob o qual se abrigava um grupo de jovens
matemáticos franceses e, além de artigos publicados nas mais
eméritas revistas científicas, produziu, a mais importante obra
matemática do século XX, intitulada Elemen tos de Matemáti ca,
com mais de cem volumes e ainda incompleta, foi concebida com
o intuito de ser o “equivalente do século XX do trabalho de
Euclides, sintetizando toda a matemática conhecida” (D’AMBROSIO,
1998, p.54).
Segundo a concepção bourbakiana, ou pelo menos a de
Jean Dieudonné, a matemática atual é como uma bola
formada de muitos fios emaranhados de maneira tal que
aqueles que estão no centro reagem entre si firme e
imprevisivelmente. Nesse emaranhado há fios, ou pontas
de fios, que saem em várias direções e que não têm
nenhuma conexão íntima com nada que está dentro. O
método bourbakiano corta todos esses fios livres e se
concentra no apertado núcleo da bola de onde tudo o
mais se desembaraça. (EVES, 1995, p.692)
2.4 O FUTURO
124
observação, de coleta e processamento de dados, alterações estas
que modificaram a natureza do rigor científico.
Na matemática do futuro ocupará lugar de destaque o
que hoje é denominado de matemática discreta e, igualmente, o
que antes, eram considerados como situações particulares, ou
“casos patológicos”, como a não-linearidade; a teoria do caos,
fractais, teoria dos jogos, pesquisa operacional, programação
dinâmica, enfim, conteúdos que, apesar de sua simplicidade e
acessibilidade, só são estudados em algumas “especialidades” de
matemática aplicada (D’AMBROSIO, 1998).
Tais assuntos apresentam problemas mais interessantes,
a visualização é semelhante ao que se vê na TV e nos computadores
e, com certeza, agradariam mais aos jovens se fossem incorporados
aos currículos escolares.
Já é tempo de os cursos de licenciatura perceberem que é
p ossível organi zar um currícul o baseado em coi sas
modernas. Não é de estranhar que o rendimento esteja
cada vez mais baixo, em todos os níveis. Os alunos não
podem agüentar coisas obsoletas e inúteis, além de
desinteressantes para muitos. Não se pode fazer todo aluno
vibrar com a beleza da demonstração do teorema de
Pi tágo ras e o u tro s f ato s matemáti co s i mp o rtan tes.
(D’AMBRÓSIO, 1998, p.59)
125
acordo com o real ? Pela variedade de soluções propostas (muitas
incompatíveis entre si), ainda hoje esta questão não se encontra
satisfatoriamente resolvida.
Os principais trabalhos de Piaget acerca da epistemologia
da matemática se concentram em quatro importantes obras: Lógica
e con heci men to ci en tífi co; Epistemologia matemática e psicologia ;
Epi stemologi a Gen éti ca e In trodução à Epi stemologi a gen éti ca – 1:
O pen samen to matemáti co.
Na primeira delas, Piaget partiu da discussão acerca do
estatuto epistemológico das proposições matemáticas e concluiu
que só mediante a combinação entre as análises lógicas e genéticas
seria possível atingir as raízes epistemológicas do conhecimento
matemático. Piaget demonstrou esta afirmação mediante a descrição
dos processos de construção, pela criança, do número e do espaço.
Em Epistemologia Matemática e Psicologia , em co-autoria com E.
Beth, como o próprio título indica, a preocupação central é a
relação entre matemática e psicologia e concluem que, embora
enquanto saber científico exista uma total independência entre
ambas, o mesmo não é possível de se afirmar quando o enfoque
se torna ep i stemol ógi co. Em Epi stem ol ogi a Gen éti ca , obra
considerada de “divulgação”, Piaget discute os três principais
problemas da epistemologia da matemática, quais sejam: a
fecundidade, seu caráter rigoroso e necessário e a sua perfeita
harmonia com a experiência e realidade física.
Finalmente, na última obra citada anteriormente, a
preocupação central é com o “pensamento matemático”, enfatizando,
de maneira particular, o que o autor considera como o problema
central de toda epistemologia, qual seja, “a possibilidade de uma
ciência matemática ao mesmo tempo rigorosamente dedutiva e que
se adapte à experiência” (PIAGET, 1975, p.63).
126
Quanto ao significado ou alcance do conhecimento a
proposição matemática é imediatamente inteligível, transparente
à razão e compreensível para qualquer indivíduo familiarizado
com os termos em questão. Já a proposição biológica recai sobre
conceitos que possuem, individualmente, problemas ainda não
resolvidos como, por exemplo, o conceito indicado pelo termo
vi vo, já que “se conhecem vírus que assimilam mas não respiram
ou que podemos cristalizar à nossa vontade” e que ao voltar ao
estado normal, funcionam como antes. (PIAGET et al, 1980, p.337)
Já no que se refere à natureza epistemológica a situação
se i nverte, p oi s a p rop osi ção bi ol ógi ca é, sem nenhuma
controvérsia, conseqüência da experimentação e, portanto, passível
de revisão e modificação em decorrência de novos experimentos.
Para a proposição matemática, por outro lado, são
inúmeras as interpretações acerca do seu modo de formação, do
empirismo ao idealismo; do platonismo ao empirismo lógico; do
intuicionismo ao estruturalismo, razão pela qual, a questão “o que
é número?”, reveste-se de tanto significado.
Esta dupla situação, de clareza quanto ao significado e
obscuridade no que se refere à natureza remeteria o problema
para uma análise numa perspectiva genética, pois,
[...] se quiser estabelecer ou verificar uma verdade empírica,
o sujeito, ao entregar-se a toda espécie de obstáculos ou
de dificuldades exteriores, está em geral consciente dos
processos de sua atividade, sendo portanto, o estatuto
epistemológico das proposições obtidas tanto mais claro
quanto o seu conteúdo é mais difícil de determinar com
precisão; ao passo que a formação de conhecimentos
ligados a atividades mais espontâneas, mais primitivas e
mais profundas será muito mais difícil de estabelecer, e
isso, paradoxalmente, tanto mais quanto o resultado dessas
ati vi dades é mai s evi dente e não f ornece p ortanto
nenhumas ocasiões ao sujeito de atingir retroativamente o
detalhe dos processos que aí conduziram. (PIAGET, et al,
1980, p.338)
127
Piaget concebia a lógica como a axiomatização das
estruturas operatórias do sujeito e a matemática um “sistema de
construções que se apóiam igualmente nos seus pontos de partida
nas coordenações das ações e das operações do sujeito e
p rocedendo i gual mente p or uma sucessão de abstrações
reflexionantes em níveis mais elevados”. (PIAGET, et al, 1980,
p.338)
Dessa forma, para compreender o estatuto epistemológico
do conhecimento matemático do ponto de vista genético, é
fundamental buscar, nos seus primórdios, as conexões entre as
estruturas matemáticas nascentes e as estruturas operatórias do
sujeito.
Tal interpretação da matemática contraria a opinião da
grande maioria dos cientistas e historiadores das ciências para os
quais não existe nenhuma relação entre a formação das noções e
operações em seus estágios mais elementares e a sua evolução
nos níveis superiores. Esse reduzido interesse que, em geral, é
dedicado aos estágios elementares é decorrente da “concepção
comum de um desenvolvimento dos conhecimentos que seria
linear, substituindo-se cada etapa à etapa precedente” o que levaria
então, a um contato de cada úl ti ma etap a, ap enas com a
imediatamente anterior e nunca com as primeiras. (PIAGET;
GARCIA, 1987, p.17)
Como os sucessivos estádios de construção do saber são
seqüenciais, “cada um é, ao mesmo tempo, o resultado das
possibilidades abertas pelo precedente e condição necessária do
subseqüente”. Além disso, como o mecanismo essencial a esta
construção é a abstração reflexionante cada estádio começa pela
reorganização, em outro patamar, das principais novidades dos níveis
precedentes, o que estabelece a “integração nos estádios superiores
de determinadas ligações, cuja natureza só é explicada na análise
dos estádios elementares”. (PIAGET; GARCIA, 1987, p.17)
Assim, a matemática se constitui num notável exemplo
de construção do saber mediante a abstração reflexionante. De
fato, historicamente falando, são três os grandes períodos de
evolução da matemática, a matemática grega, o período entre os
séculos XV e XIX e a partir do século XIX até os dias atuais, e:
[...]o realismo grego, que apenas se ocupa dos estados
permanentes (figuras e números), forneceu-nos, entretanto,
128
um conjunto de conhecimentos prévios necessários à
descoberta das transformações algébricas e infinitesimais
do século XVII, e a análise destas últimas era indispensável
para que pudessem constituir-se as estruturas específicas
das matemáticas do século XIX e de hoje. (PIAGET;
GARCIA, 1987, p.18)
129
estr u tu r as, de forma a considerá-las independentemente da
natureza dos seus conteúdos.
As recentes i nvesti gações que cul mi naram com a
demonstração do “último teorema de Fermat” corroboram as
hipóteses bourbakistas, uma vez que, setores aparentemente
desconexos da matemática, resultam isomorfos. É também,
mediante o estabelecimento de diversos isomorfismos, que a teoria
geral das estruturas elimina a comparti mentalização dos diferentes
setores da matemática, dotando-lhe de uma “arquitetura geral”
cujos alicerces repousam sobre três estruturas fundamentais,
irredutíveis entre si.
A partir dessas estruturas fundamentais, que alguns autores
denominam de “estruturas mãe”, procedem todas as estruturas
particulares, construídas mediante dois processos, quais sejam, a
di fer en ci ação (introdução de novas condições sob forma de
axiomas, restringindo os campos de aplicação) e a combi n ação
entre estruturas diversas. Assim, para a investigação epistemológica,
a pergunta a ser feita é: quais são as relações entre as estruturas
fundamentais que constituem os alicerces do edifício formal da
matemática e as estruturas naturais do sujeito?
Em primeiro lugar é preciso ficar claro que embora
bastante arraigada ao formalismo, a construção bourbakista está
longe de ser apenas uma axiomática, com suas premissas escolhidas
l i v r em en te o b jeti v an d o u n i cam en te f u n d am en tar o s
desenvolvimentos posteriores; ao contrário, a definição das
“estruturas-mãe” foi determinada mediante um longo processo de
análise regressiva. Apenas para relembrar, as “estruturas-mãe” são
as algébricas (cujo protótipo é o gr u po); as de ordem ( r edes,
referentes às relações) e as topológicas (referentes às noções de
vizinhança, limite e continuidade).
Por serem extremamente gerais e abstratas, Piaget
considera impossível encontrá-las sob esta mesma forma nas
coordenações operatórias naturais do sujeito e, menos ainda, na
sua consciência.
[...] encontrá-las já elaboradas constituiria uma verificação
quase milagrosa da teoria platônica da reminiscência ou
da teoria kantiana dos esquemas a pr i or i , que nenhum
dado genético confirmou até agora. (PIAGET, et al 1980,
p.346)
130
Do ponto de vista genético, as “estruturas-mãe” são
aquelas primitivamente organizadas e que servem de ponto de
partida para a seqüência de abstrações reflexionantes que
possibilitam a construção do conhecimento. Assim, analogamente
ao trabalho dos Bourbaki, para a determinação das estruturas mais
elementares do sujeito é preciso uma análise genética regressiva,
tal como a análise formal dos isomorfismos levou às estruturas
fundamentais da matemática.
A questão é então a de estabelecer se existem relações
entre o mais fundamental, formalmente falando, e o mais
el ementar, geneti camente fal ando. Se estas rel ações
existirem, dever-se-á, portanto, encontrar três espécies de
estru tu ras el emen tares, i rred u tívei s en tre si e q u e
aparecerão como casos particulares ou ‘representações’
das estruturas algébricas, de ordem e topológicas. (PIAGET
et al, 1980, p.346)
131
agrupamentos de partição (de onde tem origem a medida),
cujos elementos são agrupados não mais de acordo com suas
semelhanças ou diferenças (que dão origem ao número), mas
em função de sua posição. São os sistemas das operações
infralógicas ou espaciais cuja origem remonta a intuições
top ol ógi cas el ementares como f echamento, f rontei ra,
continuidade, etc.
Pela sua própria constituição e pela diferença entre os
elementos sobre os quais recaem, estas três estruturas são
irredutíveis entre si fornecendo, entretanto, inúmeras possibilidades
de combinações, como no caso entre (1) e (2), cuja síntese fornece
a seqüên ci a dos n úmeros n aturai s e entre (2) e (3), dando origem
à medida espacial.
Fica evidente a “semelhança” entre as estruturas do tipo
(1) e as algébricas; entre as do tipo (2) e as de ordem e entre as do
tipo (3) e as topológicas. Este fato evidencia uma “analogia nítida
entre o fundamental matemático, sob a forma das três estruturas-
mãe, e o elementar genético sob a forma de três espécies de
estruturas operatórias” encontradas não no que o sujeito pensa,
mas nas suas coordenações espontâneas de ações e de operações
(o que ele faz ). (PIAGET, 1975, p.63)
Existe, todavia, autonomia da matemática e da lógica em
relação à psicologia e vice-versa, eliminando todo psicologismo
(tendência de resolver qualquer problema lógico ou matemático
utilizando resultados da psicologia). E isso, apesar da demonstração
das conexões existentes entre as estruturas fundamentais da
matemática e as estruturas operatórias elementares do sujeito e,
do fato estabelecido anteriormente de que a lógica pode ser
considerada uma axiomática das estruturas operatórias do sujeito.
A eliminação do psicologismo é vantajosa tanto para a
psicologia quanto para a matemática (ou lógica), pois acaba com
qualquer confusão de métodos e mesmo de problemas. Dessa
forma surge um problema fundamental sob a ótica dos mecanismos
reais do pensamento, que é o de como explicar psicologicamente
a possibilidade de uma lógica e de uma matemática “puras”
(independentes do conteúdo).
132
2.4.1.3 O PENSAMENTO MATEMÁTICO
A possibilidade de uma ciência matemática que seja ao
mesmo tempo dedutiva e rigorosamente adaptável à realidade é
extremamente perturbadora do ponto de vista genético. Isto porque,
além desse acordo com a realidade física acontecer de modo muito
d etal h ad o , el e se r eal i za n ão so m en te n o m o m en to o u
imediatamente após a descoberta de uma lei física, mas, “os
esquemas matemáticos antecipam, com anos de antecedência, o
conteúdo experimental que logo será inserido neles”. (PIAGET,
1975, p.63)
Assim, ao mesmo tempo em que sempre será possível
estabelecer a correspondência entre algum setor da realidade física
e a matemática, a última supera constantemente a primeira,
mediante suas generalizações. Um outro ponto importante é que,
a partir de determinado grau de desenvolvimento, a matemática
não se fundamenta, de nenhum modo, na própria experiência.
O mesmo acontece com a criança, ou seja, se no início
ela tem necessidade da experiência para se assegurar que 1 + 4 =
2 + 3, posteriormente, a partir dos 11 ou 12 anos, basta a
comprovação lógica. Da mesma forma os egípcios descobriram,
usando a medição de terras, os fundamentos da geometria
euclidiana e, posteriormente, com os gregos, o rigor da matemática
exigia mais do que a simples comprovação experimental havendo
necessidade da comprovação lógica. Piaget então indaga:
Como explicar então esse poder misterioso de operações
que parecem surgir de ações que se referem à experiência
próxima, porém que, ao coordenar-se entre si, se afastam
da realidade empírica num movimento cada vez mais
acel er ad o até d o m i n á-l a, an teci p á-l a e, i n cl u si v e,
desinteressar-se soberbamente das confirmações que elas
lhes oferece nos terrenos limitados do atual e do finito?
(PIAGET, 1975, p.64)
133
universo real infinitamente superior e a posterior inversão de
posições ocorrida com o desenvolvimento das operações dedutivas
que superam as transformações realmente observáveis.
Com o desenvolvimento das operações matemáticas
apareceram dois problemas fundamentais: o do acordo perman en te
en tre as operações dedutivas e o mun do real e o da fecun di dade
do raci ocín i o matemáti co, que são abordados a seguir.
134
ou nova estrutura determinada já traz consigo, uma necessidade,
uma espécie de “só poderia ser desta forma”.
Não são, também, descobertas, pois que não existem de
antemão, como entendia Platão. Não sendo então, as novidades
em matemática nem invenções e nem descobertas, elas só podem
ser construções e, mais, construções necessárias, levantando, por
conseguinte, a questão de seus mecanismos constitutivos.
A epistemologia genética se encarrega de mostrar, no
que se refere aos mecanismos constitutivos, a convergência
existente “entre o que dizem os matemáticos e o que revela a
análise dos estágios elementares”, levantando as possíveis hipóteses
acerca das “ raízes psicológicas e mesmo biológicas de tais
construções” (PIAGET, 1990, p.78).
Para os matemáticos a fecundidade da matemática se deve,
de maneira geral, à possibilidade de introduzir, indefinidamente,
op erações sobre op erações, al ém de combi nar estruturas.
Concebida como uma “construção de estruturas” e pelo fato de tal
construção ser i ndefi ni damente aberta, a fecundi dade da
matemática estaria estabelecida.
Dessa forma, e sob esse aspecto, os “seres” matemáticos assumem
um novo sentido, deixando de constituir uma espécie de objetos
“ideais”, com existência interior ou exterior ao sujeito (dependendo
da corrente de pensamento) perdendo, portanto, o caráter
ontológico. Em outras palavras, os objetos matemáticos mudam
constantemente de função, à medida que mudam de nível, isto é,
uma operação que recai sobre determinados “seres”, converte-se,
por sua vez, em objeto de teoria, num outro patamar (abstração
reflexionante), e assim, sucessivamente, de forma que tudo pode
tornar-se um “ser”, dependendo do estágio em que está sendo
analisado.
Embora possa parecer irreverência a comparação entre
um matemático e uma criança, é quase impossível negar a
semelhança existente entre essa “contínua construção intencional
e refletida de operações sobre operações e as primeiras sínteses
ou coordenações inconscientes que permitem a construção dos
números ou das medidas”, bem como das adições, multiplicações,
proporções, entre outras operações (PIAGET, 1980 p.80).
135
B) A q u estão d a n ecessi d a d e e d o r i gor : n o
desenvolvimento da matemática, novas estruturas estão sendo
progressivamente construídas e sem que exista nenhum grau de
liberdade ou arbitrariedade em tais construções, ao contrário,
possuem o caráter de necessidade.
Pode parecer paradoxal o fato de um conhecimento ser,
ao mesmo tempo, indefinidamente fecundo e necessário. Como
explicar o fato notável de que “ a fecun di dade e a n ecessi dade
an dam sempre jun tas?” . Para Piaget “ninguém pode negar que o
espantoso progresso” da matemática contemporânea se encontra
i mp regn ad o d e d o i s “ p ro gresso s co rrel ati vo s en tre u ma
construtividade reforçada e um rigor aumentado” e o segredo dessa
necessidade estaria no interior da própria construção. (PIAGET,
1980, p.81)
Além disso, deve ser destacada a existência de dois níveis
ou patamares distintos de necessidade: as demonstrações de caráter
meramente lógico e as demonstrações que estabelecem o “por
que” das conseqüências a demonstrar. De fato, as demonstrações
simplesmente lógicas apenas mostram que as conclusões são
decorrentes das premissas, pois estão de antemão contidas na
reunião delas. As demonstrações que buscam os “por quês”,
utilizam “leis de composição” para atingir as conclusões, como
por exemplo, os raciocínios por recorrência.
Dessa forma, se a fecundidade da matemática é garantida
pela combinação de estruturas, a sua necessidade é estabelecida
pelas leis de composição internas (a reversibilidade, por exemplo)
ou externas, em virtude dos fechamentos que resultam da sua
auto-regulagem.
C) Questão do acordo com a reali dade: Piaget (1990)
chama a atenção para o fato de que “na realidade tudo parece
matematizável, senão sempre no sentido da medida, pelo menos
no dos isomorfismos e das estruturações”. É claro que tal sentença
tem caráter de postulado, porém, mesmo em campos aparentemente
resistentes, como o dos fenômenos vitais, esta afirmação tem se
constituído em constante. O autor menciona ainda, a questão das
“antecipações” já citadas anteriormente:
E mai s do que i sso: i nsi sti u-se com freqüênci a em
antecipações surpreendentes, segundo as quais estruturas
operatórias construídas dedutivamente, sem nenhuma
136
preocupação com aplicações, puderam posteriormente servir
de quadros de referência ou de instrumentos explicativos
para fenômenos físicos descobertos muito tempo depois –
a teoria da relatividade e a física nuclear fornecem muitos
exemplos disso. (PIAGET, 1990, p.83-84)
137
m atem áti co ) m esm o m ed i an te ex p er i m en taçõ es, ex i ge
estabel eci mento de rel ações e se fundamenta ap enas nas
propriedades oriundas da ação sobre os objetos.
Ora, essas ações uma vez interiorizadas podem ser
realizadas dedutivamente, sem a presença dos objetos, a partir de
formas elementares e prescindindo de conteúdos. “Sua harmonia
com objetos quaisquer fica assegurada no sentido de que nenhuma
experiência física poderia desmenti-las, pois elas estão vinculadas
às propriedades das ações ou operações e não dos objetos”.
(PIAGET, 1990, p.85)
O mel hor exemp l o desta construção de concei tos
matemáticos reside na própria construção do tijolo fundamental
do edifício matemático: a do número.
138
Capítulo 3
A investigação psicogenética
e o número
139
140
Este capítulo é apresentado em nove grandes tópicos e
tem como principal objetivo demonstrar a construção solidária
das classes, séries e números. Um outro ponto que é destacado
nesse capítulo é que os resultados de “novas” pesquisas que
ressaltam o papel da contagem na construção do número, não
ultrapassam os resultados piagetianos, ao contrário, apenas os
complementam numa concepção mais dinâmica da teoria.
3.1 Iniciando a conversa: da mesma forma que nos
capítulos anteriores, o objetivo desse tópico é introduzir os assuntos
que são abordados na seqüência. Em particular, destaca as razões
de Piaget para uma análise psicogenética do número.
3.2 A questão do formal e do fato no conhecimento
matemático: resume os estádios do desenvolvimento cognitivo
descritos pela psicogenética, tendo como fio a construção das
estruturas lógico-matemáticas.
3.3 O que é o número: uma investigação genética:
detalha as duas primeiras partes do livro A gên ese do n úmero n a
cri an ça , abordando desde o processo de construção (conservação)
das quantidades, até o surgimento do número enquanto síntese
da classificação e da seriação. Em outras palavras, evidencia a
dependência do número em relação às classes e às séries.
3.4 A coordenação entre a ordem e a cardinalidade:
deixa explícito, entre outros pontos, a indissociabilidade dos
aspectos cardinal e ordinal do número.
3.5 As relações entre classes e números: mostra a
interdependência e solidariedade na construção das classes e dos
números, evi denci ando que o número desemp enha p ap el
importante na construção das classes.
3.6 As relações aritméticas e as composições aditiva
e multiplicativa dos números: aqui são tratadas as origens dos
conceitos de adição, subtração, multiplicação e divisão. E, também
é destacado o papel das operações, em particular da adição, na
própria construção do número, pois a seqüência numérica só se
consolida quando a criança constrói as noções de sucessor e
antecessor.
3.7 O número e as relações assimétricas: ressalta a
importância do número na construção das séries ou relações
assimétricas.
141
3.8 A síntese dos resultados: aqui, como o próprio
título indica, os principais resultados são retomados com o objetivo
de proporcionar uma visão global do complexo e longo processo
de construção das classes, séries e do número e da interdependência
e solidariedade dessas construções.
3.9 Novos e velhos resultados: os resultados das “novas”
pesquisas que destacam o papel da contagem na construção do
número são comentados à luz de outras pesquisas de Piaget e
seus colaboradores sobre o número, enfatizando que os recentes
resul tados não ul trap assam Pi aget, mas, eventual mente, o
pressupõem numa compreensão mais totalizante e dinâmica da
teoria piagetiana.
142
equivocadas por considerarem que esta síntese seria construída
de forma linear com a construção primeiro da classificação e da
seriação e só depois do número. Assim, de acordo com essa
concepção, haveria um “estado” pré-numérico no qual o número
seria essencialmente lógico e as propostas pedagógicas para o
trabalho com o número que se fundamentavam nessa construção
linear e hierárquica variavam desde a “ obrigatoriedade” da
realização de atividades pré-numéricas ao quase “desterro” do
número e, particularmente, da contagem dos programas de
matemática para crianças da Educação Infantil e, mesmo até da
série inicial do ensino fundamental.
Muitas destas interpretações equivocadas trouxeram
conseqüências nefastas ao ensino da matemática; outras geraram
críticas injustificadas ao conjunto do trabalho de Piaget e, outras
m o ti v ar am , f el i zm en te, n o v as p esq u i sas q u e tr o u x er am
contribuições efetivas ao ensino da matemática.
Tamanha repercussão pedagógica de uma teoria seria
natural não fosse um aparente paradoxo: as pesquisas de Piaget
foram orientadas sempre na busca de soluções de problemas
epistemológicos e não na dos problemas do ensino de matemática
ou qualquer outra disciplina. Assim, é preciso ficar claro que as
adaptações pedagógicas foram sempre realizadas por terceiros, o
que justifica, em parte, as diferentes (e mesmo equivocadas)
interpretações.
O principal objetivo de Piaget era realizar pesquisas que
confirmassem suas especulações teóricas e demonstrassem a
continuidade entre o biológico e o mental; a indissociabilidade
entre os conhecimentos físico e lógico-matemático, entre outras
hipóteses.
Na década de quarenta, além dos aspectos verbais e
conceituais do pensamento infantil, que resultaram em A formação
do símbolo n a cri an ça , Piaget já havia analisado as fontes práticas
e sensório-motoras do desenvolvimento da criança e publicado
seus resultados em duas obras clássicas: O n asci m en to da
i n teli gên ci a n a cri an ça e A con strução do real n a cri an ça . Para
“ultrapassar essas duas etapas preliminares e atingir os mecanismos
formadores da própria razão”, era necessário investigar “como os
esquemas sensório-motores da assimilação inteligente se organizam
no plano do pensamento em sistemas operatórios”, o que só seria
143
possível mediante o estudo do número. (PIAGET; SZEMINSKA,
1981, p.11)
As pesquisas acerca da gênese do número não se
restringiram apenas às realizadas por Piaget e Szeminska e que
resultaram no livro A gên ese do n úmero n a cri an ça (1941). Ao
contrário, elas se ampliaram para bem além deste período, com a
colaboração da equipe interdisciplinar do Centro Internacional de
Epistemologia Genética, a partir da segunda metade da década de
cinqüenta e durante os anos sessenta.
Nestes novos trabalhos (comentados por Piaget no
prefácio da 3ª edição francesa de A gên ese do n úmero n a cri an ça ),
realizados por matemáticos, psicólogos, lógicos e epistemólogos
como Beth, Grize, Papert, Gréco, Matalon, Morf, Ving-Bang,
Inhelder, Berlyne, entre outros, os resultados de Piaget e Szeminska
foram reavaliados segundo três direções principais: o exame de
novos dados experimentais; a confrontação com as implicações
tiradas das diversas axiomatizações e a formalização da síntese
deduzida. Os novos estudos foram organizados de forma a
“centralizar as pesquisas sobre um ou dois pontos para assegurar
a unidade de trabalho da equipe” e a “contemplar os interesses
particulares dos membros da equipe para garantir o máximo de
rendimento” (PIAGET et al, 1960, p.2).
Estas novas pesquisas completaram e tornaram mais
fecundas as hipóteses contidas na obra principal sobre o tema e
reforçaram, também, a epistemologia genética do ponto de vista
construtivista e estruturalista.
Poucas idéias são tão claras e distintas como a do número
inteiro e poucas operações são tão evidentes como as da aritmética
elementar, que são acessíveis às crianças. Em outros termos, parece
que todos compreendem o que é o número e sabem utilizá-lo das
mais diversas formas (PIAGET, 1975).
Esta pode ter sido uma das razões para o fato de que o
número já havia atingido altos níveis de abstração nas ciências,
como por exemplo, os números complexos ou ainda os transfinitos,
antes que questões acerca da sua natureza houvessem incomodado
os matemáticos. Porém, ao final do século XIX, a discussão iniciada
por Frege sobre a natureza não só dos números como de todo
conhecimento matemático ganha corpo, dividindo a opinião dos
matemáticos de então, desencadeando a “crise dos fundamentos”.
144
Diversas foram as correntes de pensamento que procuraram
responder a esta questão, desde as de fundo psicológico, como as
fundamentadas nas teorias empiristas, até às ligadas propriamente
à matemática como o logicismo e o intuicionismo, além das diversas
axiomáticas.
Dentre as explicações psicológicas fundadas nas teorias
empiristas, destacam-se as de Mach e Rignano e a de Helmholtz e
dentre as axiomáticas, destacam-se o reducionismo lógico de
Russelll e Whitehead e a intuição sintética a pri ori de Poincaré e
Brouwer, sem falar na explicação teológica de Kronecker.
Este contraste entre a evidência instrumental do número e
o caos das teorias epistemológicas para explicá-lo, mostra
por si só, a necessidade de uma investigação genética: o
d esco n h eci m en t o d o p en sam en t o em r el ação às
engrenagens essenciais de seu próprio mecanismo é, com
efeito, o índice psicológico de seu caráter elementar e,
em conseqüência da antiguidade do nível de formação a
que é necessário remontar para poder alcançá-las. (PIAGET,
1975, p.68)
145
asp ecto d e el ab o r ação n o v a” , o p r i n ci p al p r o b l em a d a
epistemologia é o de “conciliar essa criação de novidades” com o
fato de que estas se fazem acompanhar, no campo formal, por
“necessidades imediatamente elaboradas” e, no campo real, de
conquistas da objetividade (PIAGET, 1990, p.1).
As diferentes epistemologias, diversas correntes dialéticas,
a história das ciências ou outros ramos do conhecimento já
apresentaram respostas variadas ao problema anteriormente
estabelecido. Piaget ao retomar a questão, o faz com a “dupla
intenção de construir um método capaz de fornecer controles e,
sobretudo, de remontar às origens, portanto, à própria gênese dos
conhecimentos”, aspecto este desprezado pela epistemologia
tradicional, que se detêm apenas nos “estados superiores” desse
conhecimento.
O caráter próprio da epistemologia genética é, assim,
procurar distinguir as raízes das diversas variedades de
conhecimento a partir de suas formas elementares, e
acompanhar seu desenvolvimento nos níveis ulteriores até,
inclusive o pensamento científico. (PIAGET, 1990, p.2)
146
contínua dos conhecimentos”, mas, sim, para “mostrar que jamais
existem começos absolutos” (PIAGET, 1990, p.3).
Isto significa, em outras palavras, chamar a atenção para
“a existência de uma construção indefinida” e, principalmente,
para a necessidade de conhecer o máximo possível de todas as
fases, para poder compreender “as razões e o mecanismo” da
construção do conhecimento, seja ele da ciência (sociogênese),
ou do indivíduo (psicogênese) (PIAGET, 1990, p.3).
Piaget não pretende explicar a ontogênese a partir da
sociogênese do conhecimento, nem a inversa; tampouco
p r et en d e su ger i r q u e a o n t o gên ese r ecap i t u l a a
sociogênese. [...] O que interessa a Piaget, [...], é encontrar
um modelo geral explicativo da passagem de um estado
de menor conhecimento a outro de maior conhecimento;
as comparações entre ambos os tipos de gêneses apontam
para a consideração dos mecanismos gerais de organização,
desequilíbrio e reequilibração. (FERREIRO; GARCIA, in
PIAGET, 1975, p.9)
147
Dessa forma, a epistemologia genética assume que o conhecimento
existe e o problema é estudar então, como se passa de um estado
de men os con heci men to, para um de mai s con heci men to.
No estudo dessa passagem, Piaget distingue quatro
estádios principais. É importante frisar que se trata de estádios ou
períodos, e isto significa que não apenas toda criança passa por
eles, mas, também, que neles permanece por algum tempo, em
função de um equilíbrio temporário, como todos os estados de
equilíbrio evidenciados pela psicologia genética.
• Estádio da inteligência sensório-motora (até dois anos);
• Estádio da inteligência simbólica ou pré-operatória (de 2 a 7-
8 anos);
• Estádio da inteligência operatória concreta (de 7-8 anos a 11-
12 anos);
• Estádio da inteligência operatória formal (a partir dos 12 anos).
Esta divisão não é estabelecida arbitrariamente, ao
contrário, ela segue parâmetros bem definidos, que nada tem a
ver com desenvolvimento fisiológico, de peso, de tamanho ou de
idade. As idades aproximadas que delimitam os estádios foram
estabelecidas a partir das investigações realizadas.
Os critérios utilizados por Piaget para a distinção entre
os estádios, são cinco, a saber:
a) A ordem de sucessão das aquisições deve ser constante, não
no que se refere à cronologia, já que esta varia tanto em função
da maturação do sujeito como em virtude de suas experiências
anteriores, assim como do meio social.
b) O caráter integrativo dos estádios, isto é, as estruturas
construídas num determinado nível são integradas nas estruturas
do nível seguinte. “Assim, as estruturas sensório-motoras são
parte integrante das estruturas operatório-concretas; estas o
são, por sua vez, das operações formais”. (DOLLE, 1975, p.53)
c) Cada estádio deve se caracterizar por uma estrutura de conjunto,
permitindo sua caracterização por leis de totalidade.
d) Cada estádio comporta ao mesmo tempo a preparação de uma
nova estrutura e o acabamento de outra.
148
e) A preparação de aquisições posteriores pode incidir sobre mais
de um estádio e, além disso, existem diversos graus de
acabamento, o que produz a necessidade de se distinguir, em
toda seqüência de estádios, os processos de gênese (formação)
e as formas de equilíbrio final (relativas). Apenas estas últimas
podem constituir estruturas de conjunto conforme mencionado
no item anterior.
149
É também a coordenação das ações que permitirá a
progressiva diferenciação entre sujeito e objeto e a conseqüente
constituição de ambos, a do sujeito, enquanto sujeito cognoscente
e a do objeto, enquanto objeto do conhecimento.
Em suma, a coordenação das ações do sujeito, inseparável
das coordenações espaço-temporais e causais que ele
atribui ao real, é origem tanto das diferenciações entre
esse sujeito e os objetos quanto dessa descentração no
plano dos atos materiais que tornará possível, com o
concurso da função semiótica, o advento da representação
ou do pensamento. (PIAGET, 1990, p.11)
150
partida, que seriam o equivalente prático da reversibilidade
característica dos grupos matemáticos, assim como os desvios,
equivalentes da associatividade, somente são obtidos mediante
ações sucessivas, sem a representação simultânea de conjunto,
condição imprescindível para a efetivação da reversibilidade
operatória.
O período sensório-motor puro, anterior à linguagem, já
ap r esen ta r el aci o n am en to s, r eu n i õ es, d i sso ci açõ es,
correspondências, etc., enfim, todo um esquematismo que permite
antever as futuras operações, mas sempre no seio de ações que se
desenrolam no tempo.
É a partir das ações mais elementares exercidas sobre a
realidade que a percepção distingue os mais variados elementos,
ligando-os por semelhanças e diferenças. Tais ligações, contudo,
são somente perceptuais e relacionadas com a atividade motora,
não se compondo entre si nem do ponto de vista lógico e nem
aritmético.
Através da combinação destas ações iniciais de reunião e
de sep aração, as op erações i ntel ectuai s construi rão,
simultaneamente as classes agrupando os objetos por suas
semelhanças mais ou menos gerais ou especiais, as relações
assimétricas agrupando os mesmos objetos por suas
diferenças ordenadas, e os números, agrupando os objetos
enquanto são, ao mesmo tempo, equivalentes e distintos.
(PIAGET, 1975, p.99)
151
associativas e estão, inclusive, desprovidas da identidade elementar.
Em outras palavras, essas relações se distinguem entre si apenas
no interior do campo perceptual momentâneo.
Todavia, para produzir a conservação dos objetivos físicos,
os esquemas elementares constituem relações de semelhança,
di ferença e quanti fi cações, p ri mi ti vas é verdade, mas que
constituem a fonte das futuras estruturas lógicas ou numéricas. É
necessári o comp reender, também, que se as ações assi m
esquematizadas já equivalem, na sua forma mais geral, à reunião
ou separação dos objetos por elas distinguidos e conservados.
Em função dos diversos objetivos qualitativos abordados,
as reuniões e separações, assim como as figuras pré-numéricas
que constituem se apóiam, por sua vez, num poder coordenador
cujos esquemas mostram as estruturas sucessi vas e cujo
funcionamento remonta até os mecanismos hereditários de raízes
desconhecidas. Portanto, sob o ponto de vista genético, não existe
nunca um fato primeiro, mas sim, uma sucessão de etapas cuja lei
e cujo mecanismo de passagem de uma a outra são os únicos
passíveis de análise (PIAGET, 1975, p.100).
152
serem traduzidas simbolicamente por palavras, ou por imagens, a
conquista da reversibilidade não acontece imediatamente, ao
contrário, a criança permanece um longo período com regulações
apenas “semi-reversíveis, sem atingir ainda a reversibilidade inteira
ou operatória” (PIAGET, et al, 1980, p.326).
O p erío d o sen só ri o -m o to r ap resen ta u m gran d e
desenvolvimento que parte das ações elementares iniciais (que
ainda não possibilitam uma diferenciação entre sujeito e objeto,
por não estarem coordenadas entre si) e chega até as coordenações
com diferenciações. São estas coordenações com diferenciações
que garantem a existência dos primeiros instrumentos de interação
cognitiva, os quais, entretanto, estão ainda situados no plano da
ação atual e efetiva, não se refletindo num sistema.
A estrutura ou o grupo dos deslocamentos sensório-motor
que aparece por volta dos 18 meses (com o período anterior
dedicado à sua preparação e o posterior ao seu acabamento),
mesmo capaz de realizar desvios, de retornar ao ponto de partida,
de coordenar rotações e transl ações, ai nda se efeti va p or
movimentos sucessivos e não por representações simultâneas.
A estrutura de grupo que se constituiu não está concebida
em pensamento devido à inexistência de instrumentos semióticos
que possibilitem a sua conscientização.
Esta situação se modifica substancialmente com o advento
da linguagem, da imitação, do jogo simbólico, da imagem mental,
enfim, da constituição de um sistema de representação que permite
aos esquemas da inteligência sensório-motora ser “manipulados
por um pensamento”.
Assi m , as açõ es si m p l es, “ q u e assegu r am as
interdependências diretas entre o sujeito e os objetos” , são
sobrepujadas, em alguns casos, por “um novo tipo de ações, o
qual é interiorizado e mais precisamente conceitualizado” (PIAGET,
1990, p.15).
A representação nascente enfrenta, todavia, inúmeras
dificuldades, pois a interiorização das ações em pensamento não
se resume a reproduzir-lhes o curso ou a imaginá-las mediante a
utilização de símbolos (imagens mentais) ou signos (linguagem).
Ao contrário, durante a representação as próprias ações são
enriquecidas, modificadas e reconstruídas num patamar superior,
153
implicando, portanto, na “elaboração de uma série de atividades
irredutíveis ao patamar inferior”, através da abstração reflexionante
(PIAGET, 1990, p.17).
A razão essencial dessa defasagem entre as ações sensório-
motoras e a ação interiorizada ou conceitualizada é que as
primeiras constituem, mesmo no nível em que existe a
coordenação de vários esquemas, uma série de mediadores
sucessivos entre o sujeito e os objetos, mas cada um dos
quais permanece puramente atual; ela já se faz acompanhar,
é verdade, de uma diferenciação entre esse sujeito e seus
objetos, mas nem aquele nem estes são pensados como
revestidos de quaisquer outras características a não ser as
do momento presente. Ao nível da ação conceitualizada,
pelo contrário, o sujeito da ação (quer se trate do eu ou
de um objeto qualquer) é pensado com suas características
duradouras (predicado ou relações), os objetos da ação
também, e a p róp ri a ação é concei tual i zada como
t r an sf o r m ação p ar t i cu l ar n o âm b i t o d e m u i t as
representáveis entre os termos dados ou entre termos
análogos. (PIAGET, 1990, p.17-18)
154
pré-verbal em seu conjunto e à interiorização da imitação
em representações. Sem estes fatores prévios, em parte
endógenos, tanto a aquisição da linguagem quanto as
transmissões e interações sociais seriam impossíveis, pois
eles constituem uma das condições necessárias destas.
(PIAGET, 1990, p.19)
155
ausentes quanto os presentes, e ao mesmo tempo liberta
o i ndi víduo de seus víncul os com a si tuação atual ,
conferindo-lhe então o poder de classificar, seriar, por em
correspondência, etc., com muito mais mobilidade e
liberdade. (PIAGET, 1990, p.21)
156
mais fundamentais com novas estruturas ou operações, estas noções
não são desprezadas ou contraditas, ao contrário, são reorganizadas
de maneira imprevisível. Além disso, o que num momento é
considerado como uma estrutura matemática, num momento
seguinte, pode ser um objeto de reflexão num patamar superior.
Em resumo, duas são as principais novidades encontradas
ao final do primeiro período do pensamento pré-operatório. Uma
é que já existem mediadores entre o sujeito e o objeto embora
estes sejam ap en as p ré-co n cei to s e p ré-rel açõ es, p o i s a
determinação do “todos” e do “alguns” ainda não é exata no caso
dos conceitos e a relatividade das noções não é estabelecida com
clareza no caso das relações. Além disso, já é possível se detectar
a atribuição de uma causalidade aos objetos embora esta permaneça
psicomórfica, devido à indiferenciação completa em relação às
ações do sujeito.
As aquisições deste período (pré-conceitos e pré-relações)
se encontram a meio caminho entre o esquema de ação e o
conceito, “por não se dominar com bastante distanciamento a
situação imediata e presente, como deveria ser o caso da
representação em contraste com a ação” (PIAGET, 1990, p.23).
157
As relações figurais são transitórias, pois, da mesma forma
que os esquemas sensórios-motores, elas assimilam os objetos
entre si, “de maneira direta e segundo suas funções práticas ou
suas semelhanças”, sem levar em conta a extensão dos mesmos.
Além disso, da mesma forma que as classes representativas, a
“coleção figural é uma unidade representativa à qual se poderia
atribuir uma extensão como aquela que é própria aos conjuntos
perceptivos” (MONTOYA, 1996, p.43).
Todavia, com a mudança da natureza das classificações
permitindo dissociar o indivíduo das classes, as coleções deixam
de ser figurais passando a constituir pequenos grupos de objetos,
sem configuração espacial, evidenciando a marcha rumo à
“desespacialização” característica das operações lógico-matemáticas.
O que continua ainda sem “acabamento final”, no nível em pauta,
é a determinação do “todos” e do “alguns”, uma vez que para
compreender que A está contido em B, é necessário tanto a
reversibilidade explicitada por A = B - A’, como a conservação
necessária do todo B, uma vez separado A de seu complementar
A’. A inexistência da reversibilidade e da conservação do todo B,
impossibilitam as conservações das quantidades, contínuas ou
descontínuas. Por outro lado, a identidade qualitativa dos elementos
já está plenamente constituída, porém esta, embora necessária não
seja suficiente para as conservações.
A identidade qualitativa é uma condição prévia para a
conservação, mas não é suficiente porque somente possibilita
perceber as qualidades que são modificadas e as que não o são. A
conservação quantitativa pressupõe a construção de relações novas,
como por exemplo, a compensação das variações de sentidos
diferentes e, conseqüentemente, a reversibilidade operatória com
seus respectivos instrumentos de quantificação (PIAGET, 1990).
Toda quantidade é um contínuo e apresenta-se como um
caráter irredutível das coisas, apreendido graças a ações particulares
do sujeito. Existem três tipos de quantidades, cada um dos quais
com uma explicação psicológica e axiomática diferente.
Quantidade intensiva: define as relações de parte e todo
e se limita a afirmar que o todo é maior que a parte ou que uma
parte tem a mesma grandeza que ela mesma, mas, sem comparar
uma parte qualquer com uma outra. É uma noção bastante primitiva,
mas que já permite algumas operações sobre os objetos, em especial
158
a composição aditiva das partes e do todo. Um bom exemplo da
utilização desse tipo de quantificação é quando comparamos a
quantidade de uma substância em relação à outra que a contem,
como no caso de estabelecer a concentração de açúcar numa
determinada quantidade de mel; a quantidade de limão numa
determinada quantidade de limonada, etc. Supõe o uso de
quan ti fi cadores lógi cos, como um , todos, algun s e n en hum . Essa
quan ti dade i n ten si va é suficiente para basear a lógica das classes,
pois esta é limitada a uma decisão sobre todos ou algu n s. Na
verdade, esse tipo de quantidade é o único que intervém em lógica,
mas intervém em todo agrupamento lógico.
Quantidade extensiva: permite estabelecer relações de
diferenças entre as partes de uma classificação ou as diferenças de
uma seriação sem que sejam igualadas as partes A, A’, B, B’, etc.,
ou as diferenças a, a’, b, b’, etc. As relações que se estabelecem
obedecem a uma lei qualquer de construção: por exemplo, uma
série de diferenças crescentes ou decrescentes; proporções, relações
harmônicas, etc. Ainda não é possível a medida utilizando-se
unidades, mas, com o uso do quantificador qu ase todos, há a
possibilidade de comparação das partes entre si. Por exemplo: se
A+A’= B e se é conhecido que A contem quase todos os elementos
de B, concluir-se-á que A>A’, o que não era possível somente
com as quantidades intensivas. Por exemplo, quando dizemos:
quase todos os alunos de uma turma são meninos, está implícito
que o conjunto dos alunos é composto de duas partes, meninos e
meninas, mas que a “parte” dos meninos é maior que a das meninas.
Tem-se então uma quantificação que, sem ser métrica, ultrapassa
a da simples lógica. Este tipo de quantidade é chamado de
extensiva.
Quantidade métrica: sejam A+A’= B, e a+a’= b tal que
seja possível igualar os termos A = A’ ou as diferenças a = a’. Têm-
se então: B = 2A, C = 3A, etc., ou b = 2a; c = 3a, etc., isto é, uma
sucessão de números ou de segmentos, daí a existência de um
outro tipo de quantidade, que também permite comparar as partes
entre si e, portanto, é extensiva, mas, como pode, também,
especificar esta comparação, mediante unidades. Logo, essa
quantidade é métrica, no caso dos segmentos, ou numérica, no
caso dos termos. Em outras palavras, a quantidade métrica significa
que se considerou uma parte do todo que se pode iterar como
unidade. A quantidade métrica pode ser utilizada tanto com
159
grandezas discretas, quanto com grandezas contínuas. Por exemplo,
no caso de quantidades discretas, quando dizemos que numa cesta
existem doze maçãs, uma maçã é uma parte do todo, que foi
considerada como unidade na determinação da quantidade total.
Agora, no caso de quantidades contínuas, quando dizemos que
uma jarra contém doze copos de suco, um “dado” copo iterou
como unidade para determinar a quantidade de suco da jarra.
Assim, a partir da quantidade intensiva, sobe-se um degrau
com a quantidade extensiva não métrica, pois não se trata mais
apenas de séries intensivas, mas do estabelecimento de um
relacionamento entre as partes ou diferenças, para só então se
considerar uma parte como unidade, alcançando a quantificação
métrica.
No período intuitivo, as quantificações são ainda nascentes
e não constituídas, uma vez que nesse nível também não se
encontram inferências como a transitividade, por exemplo, tanto
no que se refere à passagem da ação ao conceito, quanto à
causalidade.
160
op erações concretas” , com o devi do acrésci mo de novas
propriedades (MONTOYA, 1996).
Nesse nível do “ concreto” , agi ndo sobre objetos
manipuláveis, a criança já realiza inclusão hierárquica de classes e
constrói séries coordenando os dois sentidos do percurso (do
menor para o maior e vice-versa), o que possibilita que a
transitividade se torne evidente para ela. Além disso, é capaz
também de estabelecer inferências e correspondências e de
conceber (e compreender) as matrizes multiplicativas.
As estruturas op eratóri as reversívei s deste estági o
caminham no sentido da constituição de um “agrupamento”. Porém,
co m o o s “ agr u p am en to s” n ão p o ssu em a gen er al i zação
combinatória de uma estrutura de “rede” ou “reticulado” e, porque
as operações em pauta são ainda concretas, a reversibilidade
conquistada é elementar, pois as formas lógicas assim elaboradas
dependem de seu conteúdo, permanecendo ligadas aos processos
temporais inerentes à manipulação.
Assim, se no estágio anterior acontece uma expressiva
desespacialização, as operações ainda permanecem, no presente
estágio, com características temporais, impedindo a constituição
da reversibilidade completa, que somente será atingida no estágio
posterior. A reversibilidade própria desse estágio “se apresenta
sob duas formas irredutíveis e jamais relacionadas entre si: a
inversão e a reciprocidade” , onde a inversão é a forma de
reversi bi l i dade característi ca das estruturas de cl asses e a
reciprocidade, a das estruturas de série (MONTOYA, 1996, p.52).
Esse período, que se caracteriza como de acabamento
das estruturas operatórias concretas e transição para as estruturas
formais pode ser subdividido em dois níveis.
161
As ações do período intuitivo eram ainda temporais, ao passo que
agora, a reversibilidade operatória, admite as antecipações e
retroações simultâneas, tornando as operações atemporais.
O maior problema deste estádio consiste em explicar essa
importante novidade pois as operações não possuem um começo
absoluto, ao contrário, procedem de transformações mais ou menos
contínuas.
Com efeito, jamais se observam começos absolutos no
decorrer do desenvolvimento, e o que é novo decorre ou
de di ferenci ações p rogressi vas, ou de coordenações
graduais, ou das duas coisas ao mesmo tempo, conforme
se pôde constatar até aqui. Quanto às diferenças de
natureza separando as condutas de um estágio das que as
precederam, só se pode então concebê-las como uma
passagem ao limite, cujas características têm que ser
interpretadas em cada caso. (PIAGET, 1990, p.29)
162
estru tu ras o p erató ri as d este n ível : a tran si ti vi d ad e e as
conservações”. (PIAGET, 1990, p.315)
Esse nível se diferencia do precedente pelas passagens
ao limite anteriormente citadas as quais são bastante complexas e
envolvem três momentos integrados, porém distintos.
O pri mei ro se refere à abstração reflexiva que garante a
continuidade do desenvolvimento, ao extrair das estruturas
inferiores o que é necessário para a construção das superiores. O
segun do momento é o de uma coordenação que pretende abarcar
a totalidade do sistema caminhando para o fechamento e, portanto,
ligando entre si as diversas relações internas. O tercei ro e último
momento é o da “auto-regulação desse processo coordenador,
culminando na equilibração das conexões segundo os dois
sentidos, direto e inverso, da construção, de tal modo que” a
obtenção desse equilíbrio caracteriza essa passagem ao limite
possibilitando os progressos desse período, principalmente, a
reversibilidade operatória (PIAGET, 1990, p.33).
Piaget dá um exemplo particularmente interessante para
descrever as três fases encontradas na passagem ao limite que
diferencia a operação das ações dos níveis precedentes, no que se
refere à síntese do número: a abstração reflexiva; uma coordenação
nova que reúne as ligações internas ao sistema e a equilibração
que permite percorrer o sistema nos dois sentidos.
A principal característica de um conjunto numérico ou
enumerável que se destaca das coleções simplesmente seriáveis
ou classificáveis dos períodos anteriores é a abstração das
qualidades individuais dos termos, de maneira a tornar todos
equivalentes e possibilitar a contagem. Por exemplo, quando vamos
contar as pessoas de uma sala que estão de óculos, não levamos
em consideração se são homens ou mulheres, adultos ou crianças,
enfim, as qualidades individuais não importam e sim uma única
qualidade comum, que os homogeneíza: usar óculos. A seguir, os
elementos tornados equivalentes são distribuídos em classes
hierarquicamente incluídas: (I) < (I + I) < (I + I + I), etc., porém
com a condição de que cada uma dessas classes possa ser
diferenciada das demais, para evitar a um mesmo elemento ser
contado duas vezes ou permanecer esquecido.
Todavia, ao tornar os elementos equivalentes pela
abstração das qualidades individuais, eles se tornam indiscerníveis
163
e, se as operações realizadas com eles fossem apenas as da lógica
das classes qualitativas, o resultado seria tautológico, ou seja, I +
I = I, ao invés da iteração I + I = II, o que implica na necessidade
de uma distinção entre os elementos. Não se levando em conta a
qualidade, a única possibilidade de distinção que resta, é a
resultante da ordem, que pode ser a das posições no espaço e no
tempo, ou a da ordem de enumeração, embora esta ordem não
se altere quando há permuta entre os termos.
No caso do exemplo anterior, da contagem de pessoas
de óculos que estão num determinado recinto, é necessário
estabelecer uma “ordem” para a contagem, do tipo, da esquerda
para a direita e da frente para o fundo da sala, por exemplo.
Esta ordem é vi cari an te, pois se duas pessoas trocarem
de lugar o resultado da contagem não será alterado.
É p o ssível o b servar en tão , n o p ro cesso d escri to
anteriormente, os três momentos essenciais de toda construção
operatória: uma abstração reflexiva que estabelece as ligações de
encaixe e de ordem; uma coordenação nova que as reúne numa
totalidade como as do tipo {[(I) →(I)] → (I)}..., etc., e uma “auto-
regulação ou equilibração que permite percorrer o sistema nos dois
sentidos (reversibilidade da soma e da subtração), assegurando a
conservação de cada conjunto ou subconjunto” (PIAGET, 1990, p.35).
O número ap resenta-se, p ortanto, como uma fusão
operatória da inclusão de classes e da ordem serial, síntese
que se torna necessária logo que se faz a abstração das
qualidades diferenciais em que as classificações e as
seriações se fundamentam. De fato, é assim que parece
ef et u ar -se a co n st r u ção o s n ú m er o s i n t ei r o s, em
sincronização com a formação dessas duas outras estruturas.
(PIAGET, 1990, p.34)
164
favorecer a das inclusões de classes tanto ou, às vezes
mais do que o inverso: parece, pois, que a partir das
estruturas iniciais já pode haver abstração reflexiva e de
ordem para fins múltiplos, com trocas colaterais variáveis
entre as três estruturas fundamentais de classes, relações e
números. (PIAGET, 1990, p.35)
165
3.2.4.2 O SEGUNDO NÍVEL DO ESTÁGIO DAS OPERAÇÕES “CONCRETAS”
Neste período, com início em torno dos 9-10 anos, a
criança atinge o equilíbrio geral das operações concretas e inicia-
se a transição para as operações formais.
Apesar de equilibradas e “generalizadas”, o fato de serem
“concretas” limita, muito o alcance das operações fazendo aparecer
“lacunas” em determinados campos, como no da causalidade, com
o sujeito percebendo um “conjunto de problemas de cinemática e
dinâmica que ainda não se encontra em condições de resolver
com os meios operatórios de que dispõe” (MONTOYA, 1996, p.53).
São esses desequilíbrios, em analogia com os estágios
anteriores, que preparam para a constituição das estruturas
ulteriores, pois possibilitam que as estruturas operatórias já
construídas e estáveis se completem, construindo sobre sua base
concreta as operações proposicionais, que são operações sobre
operações. Em outras palavras, a criança não necessitaria mais do
apoio concreto para desenvolver o seu pensamento e se torna
capaz de racionar sob hipóteses.
Com relação às operações lógico-matemáticas, há um
grande progresso na compreensão da intersecção de classes. Além
disso, quando o sujeito, aos 7-8 anos, já é capaz de construir
tabelas de dupla entrada (matrizes), envolvendo seriações duplas
e classificações por dois critérios simultaneamente, ele o faz mais
a partir de soluções empíricas bem sucedidas em relação a uma
questão apresentada, do que mediante uma “utilização espontânea
da estrutura”. Aos 9-10 anos, ele já se torna capaz de colocar em
correspondência séries ou classes, atestando “a eficácia de uma
construção operatória” (PIAGET, 1990, p.40-41).
166
as operações proposicionais recém constituídas. Finalmente, a
ter cei r a novidade, é a reunião, num mesmo sistema, das duas
espécies distintas de reversibilidade (a inversão e a reciprocidade),
que se encontravam completamente dissociadas.
Essa nova estrutura mental que tem duplo caráter
(orgânico e construído) constitui um “grupo”, denominado por
Piaget de grupo INRC6 , onde as inversões, que caracterizam os
agrupamentos de classes e as reciprocidades, características dos
agrupamentos seriais, “se sintetizam num sistema de conjunto,
unindo essas transformações em um único todo” (MONTOYA,
1996, p.55).
O sujeito pode agora raciocinar por hipóteses e não
necessita da presença (ou representação) dos objetos para operar,
ou seja, os “objetos” agora, são proposições, com as operações
efetuadas sendo de segunda potência.
É com as operações formais, cuja constituição se inicia
em torno dos 11-12 anos, que as operações se libertam da duração
temporal, do contexto psicológico das ações do sujeito ou, ainda,
da dimensão causal, para atingir o “caráter extemporâneo que é
próprio das ligações lógico-matemáticas depuradas” (PIAGET, 1990,
p.45).
A li ber tação das estruturas operatórias da duração se
efetiva mediante um processo constituído de três grandes etapas.
A pr i mei r a se dá por volta de 1 ano e meio ou 2 anos, com a
constituição da função semiótica que, mediante a interiorização
da imitação em imagens e a aquisição da linguagem, permite que
ações sucessivas possam ser simultaneamente representadas.
A segu n da etapa se dá com o início das operações
concretas que permitem uma reversibilidade capaz de refazer o
curso do tempo e de assegurar a conservação dos pontos de partida.
Esta mobilidade em relação à duração permanece, todavia, ligada
às ações e manipulações, pois as operações continuam concretas
e, portanto, envolvendo objetos e transformações reais.
A tercei ra etapa do processo de li bertação da duração se
inicia no presente estágio e é a constituição das operações formais.
6
I, de identidade; N de elemento neutro; R e C, indicando os dois tipos possíveis de
reversibilidade: a inversão e a recíproca.
167
Nessa etapa, o conhecimento supera o real e as transformações
são possíveis e não apenas reais como quando das operações
concretas. Ao inserir-se no possível, o conhecimento o liga
diretamente ao necessário, sem a mediação do conceito. É o caso,
por exemplo, da construção da seqüência infinita dos números
inteiros, que é “conhecida” sem a necessidade de que cada
componente seja “conhecido” individualmente.
É esse poder de formar operações sobre operações que
permite ao conhecimento ultrapassar o real e que lhe abre
o cam i n h o i n d ef i n i d o d o s p o ssív ei s p o r m ei o d a
combinatória, libertando-se então das construções graduais
a que continuam submetidas às operações concretas. Com
efeito, as combinações n a n constituem uma classificação
de todas as classificações possíveis, etc. (PIAGET, 1990,
p.46)
7
A combinatória proposicional se refere às 16 operações resultantes de combinações p e q, e de
suas negações, conforme a lógica das classes e das relações. Quando se trata de classes, a negação
significa o seu complementar.
168
Este último nível apresenta uma continuidade com tudo
o que é mostrado pela psicogênese dos conhecimentos, a partir
das indiferenciações iniciais do sensório-motor. O mundo físico,
o real, em suas dimensões espaço-temporal do qual o sujeito é
parte integrante, começa a ser entendido conforme as operações
lógico-matemáticas vão se interiorizando (graças à abstração
reflexiva) e possibilitam a construção de operações sobre operações
que cul mi nam com a conqui sta da extemp oranei dade das
transformações possíveis.
Nas palavras de Piaget:
O u sej a, o d u p l o m o v i m en t o d e i n t er i o r i zação e
exteriorização iniciado com o nascimento acaba por
assegurar essa harmonia paradoxal entre um pensamento
que se liberta, enfim, da ação material e de um universo
que engloba esta última mas a supera de todas as formas.
(PIAGET, 1990, p.51)
169
Durante anos o assunto foi objeto de estudos no Centro
Internacional de Epistemologia Genética, particularmente na década
de 60 e foram traduzidos em três obras específicas dos “Estudes
d’Epi stemologi e Gén éti qu e”, volumes XI, XIII e XIV, com as
participações de P. Gréco; J. B. Grize; S. Papert; A Morf e E. Beth,
entre outros.
O próprio Piaget retomou e aprofundou a questão nos
seus In tr odu cti on à Epi stem ologi e Gen éti qu e - I - La pen sée
mathemati que (1950) e Psychologie et Epistémologie (1970), entre
outros. Os novos resultados apenas complementaram os trabalhos
iniciais de Piaget e Szeminska, não os contestando em nada.
Como o objetivo aqui é mostrar que a construção do
número não se dá de forma linear e que isso já estava claro no
primeiro trabalho de Piaget acerca do número, o livro A gên ese do
n ú mero n a cri an ça é o nosso alicerce.
Os sujeitos das provas aplicadas por Piaget e Szeminska,
estão limitados ao período intuitivo e a razão para isto é que a
análise genética (e mesmo a axiomática) não pode remeter-se a
um ponto de partida absoluto. Para evitar este problema a
axiomática lança mão dos axiomas e a psicogênese estabelece um
limite de retorno.
Para decidir quais as provas a serem aplicadas Piaget e
Szeminska recorreram às “quatro qualidades” ou às “quatro
necessidades” do número para existir, quais sejam: a con servação
das quan tidades, a correspon dên ci a termo-a-termo (essencial para
a contagem), a determinação do valor cardi n al e do pr i n cípi o
ordi n al (os dois aspectos do número) e, assim, as experiências
realizadas objetivavam mostrar como a criança constrói cada uma
destas “qualidades”.
170
pois é preciso verificar se o número permanece idêntico a si mesmo,
ao se mudar as configurações.
A questão que Piaget e Szeminska colocam em relação à
conservação é verificar qual a relação entre esta e as noções
aritméticas:
[...] as noções aritméticas se estruturam progressivamente
em função mesmo dessas exigências de conservação ou
será a conservação anterior a toda organização numerativa
e mesmo quantificante?(PIAGET; SZEMINSKA, 1981,. p.24)
171
O interessante é que, mesmo sem conservação, os
julgamentos nesta fase já são quantificados, mas mediante uma
quan ti fi cação bruta unidimensional. Em sua forma elementar, a
quantidade junto com a qualidade (as justificativas apresentadas
pelas crianças são do tipo: tem menos (líquido) amarelo porque é
mais baixo (a altura do líquido), ou há mais vermelho porque é
mais alto). Os julgamentos se fundamentam “ numa relação
perceptiva de diferença entre duas qualidades” (as alturas dos
líquidos) (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.32).
A quantificação sistemática se origina desta “quantificação
bruta” mediante um processo que é interdependente com a
evolução das relações. Assim que as relações deixam de ser
meramente perceptivas e se tornam relações “verdadeiras” com o
aparecimento da transitividade lógica (ou a consciência da não-
transitividade), estas relações engendram sistemas de quantidades
intensivas (lógicas, permitem comparar parte e todo), que depois
evoluem para quantidades extensivas (é possível a comparação
entre as partes de um todo, mas ainda não existe a unidade), para
quantidades extensivas métricas e, finalmente, o número.
Em conclusão, se os sujeitos deste primeiro nível não
compreendem a conservação de quantidade, é que eles
não chegaram a construir a noção da própria quantidade,
no sentido de quantidade total, e se a isso não chegam é
por não poderem compor as relações ou as partes em
jogo, pois seu espírito não ultrapassa o nível das qualidades
ou das quantidades brutas. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981,
p.36)
172
dita e originária da coordenação progressiva das relações em jogo,
pois evidenciam que os sujeitos procuram coordenar duas ou mais
relações ao mesmo tempo, porém, “oscilam infindavelmente entre
esta tentativa de coordenação e a submissão às ilusões perceptivas”.
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.38)
Além disso, as próprias relações estão se constituindo
enquanto tais e caminham em direção à sua transitividade lógica
que só acontece quando elas se tornam componíveis entre si,
aditiva e multiplicativamente.
“A adição das relações assimétricas é sua seriação em ato
ou pensamento” e a multiplicação é a “sua seriação do ponto de
vista de várias relações ao mesmo tempo”, como, por exemplo,
comparar duas quantidades segundo a altura, a largura, o número
de vidros, etc., tudo ao mesmo tempo (PIAGET; SZEMINSKA, 1981,
p.33).
Ao se constituírem enquanto relações, estas engendram
a quantificação inclusiva, porém, para que esta quantificação se
torne extensiva ainda há uma segunda condição a preencher: a
partição em unidades iguais ou a decomposição em dimensões
proporcionais (é mais largo, porém mais baixo etc.).
Ao alcançar a conservação, a criança a afirma de forma
simples e evidente; sem fazer menção nem à multiplicação das
relações ou a qualquer partição. Este fato poderia sugerir que a
conservação “aparece” do nada e não como conseqüência de
coordenações prévias das relações. Tal não ocorre e os indivíduos
da segunda fase colaboram enormemente, com suas oscilações
para que se possa fazer a afirmação em questão.
O caminho percorrido então é: inicialmente a criança
avalia as quantidades de uma forma unidimensional, dependente
das relações perceptuais, dando origem a uma quan tificação bruta ,
a seguir, passa a coordenar as relações perceptuais entre si,
construindo então uma totalidade multidimensional que lhe permite
estabelecer um relacionamento da parte com o todo que é a
quan ti fi cação i n ten si va . Como a multiplicação lógica é insuficiente
para uma qu an ti fi cação exten si va esta só vai ocorrer com a
composição por partição ou a decomposição em dimensões
proporcionais.
173
A decomposi ção em di men sões proporci on ai s pressupõe
um processo sincrônico, porém distinto do que culmina com a
multiplicação das relações. Este processo é extremamente
importante, pois nele intervém a noção de proporção propriamente
dita, que permite estabelecer a igualização das diferenças9 , existindo
uma combinação entre as relações assimétricas de diferença, com
as simétricas de igualdade o “ que constitui a passagem da
quantidade intensiva para a quantidade extensiva e explica a
aritmetização da multiplicação lógica” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981,
p.47).
Na verdade a proporção que se estabelece já constitui,
de certa forma, uma partição pois para igualizar uma diferença é
preciso, não só conceber a quantidade em questão “como uma
totalidade qualitativa que muda de valor a cada deformação” mas,
também, “estruturá-la como soma decomponível em unidades”.
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.48)
O critério a empregar é o seguinte: existe partição aritmética
desde que os elementos de um todo possam ser igualados
entre si embora sendo distintos, enquanto que quando
uma relação de conjunto ou uma classe são decompostas
em sub-relações ou sub-classes, suas reuniões não implicam
nenhuma igualdade entre si, mas apenas a sua co-inclusão
no todo. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.47)
9
Por exemplo, quando o sujeito afirma que duas quantidades são iguais, mesmo acondicionadas
em recipientes diferentes, porque um é menos largo e mais alto do que o outro e, portanto, o que
perde em largura, ganha em altura.
174
diferença qualitativas, constituindo assim respectivamente
as qualidades e as quantidades brutas, não componíveis
como tais. Depois, no decorrer da segunda fase, inicia um
processo de coordenação lógica que se conclui na terceira
fase e que resulta na classificação das igualdades e na
seriação das diferenças (aditiva e multiplicativamente), com
esta seriação levando à constituição das quantidades
intensivas. Por fim, a terceira fase é assinalada pela
co n sti tu i ção d as q u an ti d ad es ex ten si v as, gr aças à
igualização das diferenças intensivas e, conseqüentemente,
à aritmetização dos agrupamentos lógicos. (PI AGET;
SZEMINSKA, 1981, p.50)
175
O estudo da correspondência biunívoca se faz necessário
por que ela constitui uma das fontes do próprio número. As provas
realizadas objetivavam verificar não apenas o desenvolvimento da
correspondência termo a termo, mas, também, por que razão esta
forma de correspondência garante (às crianças da terceira fase), a
equivalência entre duas coleções. São encontradas aqui as mesmas
três fases: ausência, intermediária e conservação.
Na pr i mei r a fase a criança não apenas acredita que a
quantidade muda quando se despeja as contas de um recipiente
em outro de forma diferente como também acredita que os
comprimentos dos colares confeccionados com as contas de cada
recipiente são diferentes, evidenciando a não-conservação do ponto
de vista matemático.
De fato, nem mesmo o fato de se colocar uma conta num
recipiente pelo examinador e a criança repetir a ação num recipiente
p aral el o, estabel ecendo uma corresp ondênci a bi unívoca e
recíproca, numa espécie de enumeração prática, possibilita que o
sujeito perceba a equivalência das quantidades.
A razão principal desta não-conservação (que constitui o
equivalente da não-conservação dos objetos no sensório-motor) é
a irreversibilidade das ações em jogo. A criança não é capaz de
reunir e dissociar mentalmente, de forma reversível, pois, como
os sujeitos estão enquadrados no nível do pensamento intuitivo, a
representação que possuem se constitui apenas na evocação pela
palavra ou pela imagem das diversas ações reais numa forma ainda
quase material.
Enfi m, p ara as cri anças da p ri mei ra fase, tanto a
correspondência termo a termo quanto a enumeração não são
considerados como processos de quantificação seguros e estas
p referem a aval i ação di reta p rop orci onada p el as rel ações
perceptivas globais.
Da mesma forma que no caso das quantidades contínuas,
a segunda fase neste contexto se caracteriza pelas soluções situadas
a meio caminho entre a quantidade bruta e a quantificação
propriamente dita.
A criança acredita na conservação porque a igualdade
inicial foi estabelecida mediante uma correspondência biunívoca
e recíproca, porém, as aparências contrastantes das coleções
176
(recipientes de dimensões diferentes) desencadeiam um conflito,
que é, inicialmente, verdadeiro, uma vez que os argumentos para
a conservação não são derrubados imediatamente pelas alterações
perceptuais ocorridas. É mediante essa luta então desencadeada
entre a igualdade inicial e desigualdade percebida que as relações
perceptivas se coordenam e se integram num sistema capaz de, ao
mesmo tempo, explicar as variações concomitantes e justificar a
conservação.
A coordenação das relações em jogo é iniciada mediante
uma multiplicação simplesmente lógica que se prolonga a seguir,
numa proporção e a criança resolve o conflito efetuando a síntese
entre as variações aparentes e a equivalência real.
Como o processo que leva a conservação de quantidades
é o mesmo que possibilita a própria construção da quantidade, a
ter cei r a fase, a da conservação é, também, a fase na qual se
concluem as quantificações intensiva e extensiva, esboçadas na
segunda fase, com a multiplicação das relações.
Para analisar as coordenações das relações em jogo os
pesquisadores modificaram um pouco a técnica das provas: foram
apresentadas à criança duas coleções com formas diferentes, sem
que ela tivesse se certificado previamente de sua igualdade e lhe
indagavam acerca da equivalência entre as duas coleções. Uma
vez formulada a hipótese de igualdade ou não, se estabelecia uma
correspondência termo a termo, com explicação retrospectiva.
Como nesta fase a criança já é capaz de multiplicar relações
ela utiliza este recurso para formular sua hipótese, estabelecendo
a igualdade das coleções de contas colocadas em recipientes
diferentes, mediante a multiplicação lógica das relações em jogo
de altura e largura. Esta operação, porém, não basta para constituir
a noção de igualdade entre as duas quantidades, o que só ocorreria
se as relações de altura e largura fossem permutadas.
O que é preciso ressaltar, todavia é que:
[...] logo que coordenadas operatoriamente, as diferenças
percebidas são medidas e na falta de dados numéricos
são medidas umas pelas outras, com todo aumento de
largura sendo igualado ou comparado com a diminuição
co n co m i t an t e d e al t u r a, o u o i n v er so . ( PI AGET;
SZEMINSKA, 1981, p. 65)
177
As igualizações de diferenças e partições numéricas
constituem-se em função de ações que se tornaram reversíveis em
pensamento (quando a criança “esvazia” mentalmente um dos
recipientes e “completa” o outro para estabelecer a igualdade, por
exemplo). Essa proporção constitui o início da quantificação
extensiva.
Em resumo: na primeira fase as relações perceptivas se
sobrep õem à equi val ênci a das col eções resp ecti vamente
construídas; na fase intermediária, há um conflito sem solução e
na terceira, a equivalência antecede (e se sobrepõe) às relações
perceptivas devido à coordenação entre estas últimas. Abordaremos
a seguir as razões para a correspondência termo a termo ser
suficiente para garantir a equivalência das coleções na terceira
fase, não o sendo nas anteriores.
178
qualitativamente complementares, como entre canetas e tampas;
garrafas e copos; xícaras e pires, etc., isto é, uma correspondência
provocada pelas condições exteriores.
As correspondências provocadas são estudadas a seguir,
com o objetivo de “‘estabelecer se a correspondência termo a
termo op erada p el a cri ança ou efetuada com el a acarreta
necessariamente em seu espírito a idéia de uma equivalência
durável entre os conjuntos correspondentes (PIAGET; SZEMINSKA,
1981, p.72).
As provas selecionadas pelos pesquisadores obedecem a
uma ordem de generalidade decrescente e são: correspondência
termo a termo entre “n” copos e “n” garrafas; correspondência
entre flores e jarras ou entre ovos e oveiros e a troca um contra
um entre moedas e mercadorias, com ou sem numeração falada.
A correspondência entre copos e garrafas é mais geral
que entre flores e jarras pois as flores são colocadas dentro das
jarras e não apenas ao lado. A correspondência entre ovos e oveiros
é mais simples ainda, porque em cada oveiro cabe um único ovo,
enquanto que nas jarras podem ser colocadas mais flores, ou mais
copos ao lado de uma única garrafa.
A última prova é a que estabelece mais a correspondência
“em ação”, pois se trata de “troca um a um”, primeiramente sem
numeração falada e depois fazendo uso da numeração.
É importante observar que se as crianças evidenciassem
a conservação na prova das garrafas (mais geral), não seria
submetida às seguintes e assim sucessivamente.
Na correspondência entre 6 garrafas e um número maior
de copos os resultados são classificados em três fases: ausência de
correspondência termo a termo e de equivalência; correspondência
termo a termo, mas ausênci a de equi val ênci a durável e,
correspondência com equivalência durável.
Na pr i m ei r a f ase, as cr i an ças p r o ced em p o r
corresp ondênci a gl obal , determi nada p el a p ercep ção do
comprimento das fileiras, que varia segundo o espaço que intercala
os objetos. As crianças da segun da fase já estabelecem de início a
correspondência, porém se os elementos de uma das coleções
são espaçados ou aproximados mantendo-se a outra constante, a
equivalência entre as duas fileiras deixa de existir.
179
Tudo se passa como se, para esta última, a quantidade
dependesse menos do número (noção que, nesta hipótese,
permaneceria portanto, verbal, mesmo quando o sujeito
conta corretamente) ou da correspondência termo a termo
entre objetos discretos que do aspecto global da coleção
e, em particular, do espaço ocupado pela série. (PIAGET;
SZEMINSKA. 1981, p.76)
180
Da mesma forma que em todas as experiências até aqui
descritas, os resultados classificam-se em três fases: a da comparação
global sem correspondência termo a termo nem equivalência
durável, uma fase intermediária na qual existe a correspondência
um a um, p orém sem equi val ênci a durável e, fi nal mente,
correspondência operatória com equivalência durável.
Durante as primeiras fases, as relações perceptuais só
permitem uma quantificação unidimensional (maior, menor,
comprido, pequeno, apertado, etc.), que não são coordenadas ou
multiplicadas entre si.
No nível seguinte, a criança coordena intuitivamente as
relações e efetua a correspondência dos elementos dispostos um
defronte ao outro, estabelecendo a equivalência. Porém a
equivalência entre as coleções se altera de acordo com as
transformações das configurações, porque o sujeito ainda não é
capaz de igualizar as diferenças. Na terceira e última fase, opera-
se a multiplicação reversível das relações em jogo e isso graças à
descoberta pela criança de que toda alteração espacial na
configuração dos elementos pode ser desfeita mediante uma
operação inversa.
Vê-se assim como o primado da operação em relação à
intuição perceptiva resulta da reversibilidade progressiva
do pensamento: a percepção é, por essência, irreversível,
mas, à medida que ela se resolve em juízos de relação, as
operações reversíveis são capazes de dominá-la e de
su b st i t u i r a co r r esp o n d ên ci a i n t u i t i v a p o r u m a
correspondência operatória e quantificante, assegurando,
contrariamente às aparências da percepção imediata a
eq u i v al ên ci a n ecessár i a e d u r áv el d as co l eçõ es
correspondentes. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981. p.89)
181
seguir é realizada a troca dos objetos um contra um, para verificar
junto ao sujeito se existe (ou não) equivalência entre as duas
coleções (moedas e objetos adquiridos).
Na pri mei ra fase, as crianças utilizam a comparação global
para a previsão e demonstram ausência de equivalência após a
troca de um contra um.
A segun da fase já apresenta uma estimativa correta por
correspondência visual, todavia, mesmo com a confirmação correta
da previsão inicial pela troca um a um, o sujeito não atinge uma
equivalência durável e isso mesmo quando utiliza a numeração.
Assim, a criança admite, após contagem, que as duas
coleções têm o mesmo número de elementos (8, por exemplo),
entretanto, nega a equivalência, levando em conta a percepção
das qualidades espaciais. Os sujeitos desta fase negam também a
possibilidade de retorno à situação inicial (de correspondência
entre as coleções de moedas e objetos).
Da mesma forma que nas provas envolvendo conteúdo e
continente, as de troca de um contra um, também apresentam,
para alguns sujeitos, uma passagem entre a segunda e a terceira
fase, que evidenciam o processo de construção da equivalência.
Para os sujeitos da terceira fase, existe uma equivalência,
inicialmente momentânea e depois durável que, para tornar-se
evidente e logicamente necessária, pressupõe um sistema reversível
de deslocamentos ou de relações, com a própria troca sendo
concebida como o esgotamento das duas coleções.
Para finalizar a análise das correspondências provocadas
resta estudar a troca um contra um, com numeração. Os resultados
obtidos apresentam-se idênticos aos das provas anteriores e a
numeração falada não altera em nada as fases encontradas com as
outras técnicas.
A numeração fal ada não i nterfere na evol ução da
correspondência e da equivalência, o que não significa, todavia,
que a contagem não seja importante, ao contrário “no momento em
que a correspondência se torna quantificante e dá assim nascimento
ao processo de equivalência, a numeração falada pode acelerar o
processo de evolução” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.97).
182
3.3.3 A DETERMINAÇÃO DO VALOR CARDINAL DO NÚMERO
O estudo das correspondências provocadas mostrou que
estas p odem ser de di f erentes ti p os e evol uem, desde a
corresp ondênci a gl obal ( corresp ondênci a i ntui ti va) até a
correspondência quantificante (operatória) que possibilita a noção
d e eq u i v al ên ci a d u r áv el e n ecessár i a d o s co n ju n to s
correspondentes. O objetivo agora é analisar o mecanismo da
correspondência em si e não mais os seus resultados. Para isso
foram selecionadas situações nas quais a criança “é obrigada a
inventar por si só a correspondência e utilizá-la sobre a forma que
lhe convém”, em outras palavras, verificar como a criança faz para
avaliar o valor cardinal de uma dada coleção, quais os tipos de
correspondência que ela usa e, também, “quais os métodos que
precedem a correspondência termo a termo ou a sucedem
imediatamente” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.99).
No presente caso não era apresentado criança duas
coleções para que fossem comparadas, pois o objetivo era verificar
a capacidade da criança de construir uma coleção equivalente a
uma dada de antemão e identificar o procedimento escolhido
(correspondência qualitativa ou qualquer).
As coleções apresentadas às crianças eram constituídas
p o r f i gu r as co n str u íd as co m f i ch as, d e f o r m as v ar i ad as
(aglomerados, séries ou figuras abertas, fechadas quaisquer,
fechadas de formas conhecidas ou não e configurações numéricas).
Numa pr i mei r a fase, por não possuírem ainda noções
precisas do número cardinal, as crianças limitam-se a uma
comparação qualitativa para quantificar as coleções dadas,
quantificação esta expressa em termos de mais, menos e igual.
A princípio, as reações desta primeira fase parecem indicar
que essas crianças preocupam-se apenas com a semelhança
qualitativa, não experimentando nenhuma necessidade de uma
avaliação quantitativa quando da reprodução das figuras-modelo.
Como, entretanto, existe uma avaliação em termos de “mais”,
“menos” ou “igual”, mesmo que fundada sobre as qualidades
globais consideradas e sem coordenar as comparações entre si, já
aparece nessa primeira fase, uma quantificação bruta (sem
multiplicação de relações, pois, se leva em conta o comprimento,
despreza a densidade, por exemplo).
183
O caráter puramente perceptivo das reações das crianças
desta fase evidencia sua irreversibilidade e o fato das relações
serem comparáveis entre si indica que elas não constituem ainda
operações propriamente ditas.
Já f oi destacada anteri ormente a di f erença entre
correspondência qualitativa e qualquer (numérica); também foram
usadas expressões como correspondência intuitiva, para indicar
as correspondências fundadas unicamente na percepção ou
imagens representativas e, também, da expressão correspondência
operatória, para designar a correspondência independente da
percepção atual e, portanto, de ordem intelectual e reversível.
Uma correspondência qualitativa pode ser intuitiva
(quando estabelecida entre figuras semelhantes) ou operatória
( entre fi guras di ferentes) . A corresp ondênci a numéri ca é
necessariamente operatória, exceção feita aos quatro primeiros
números, considerados como números perceptuais.
É exatamente esta diferenciação entre os tipos de
correspondência que permite identificar os sujeitos que se
encontram na segunda ou na terceira fase em relação à técnica de
reprodução de figuras. Os sujeitos que se situam na segunda fase,
apresentam uma correspondência qualitativa de ordem intuitiva,
en q u an to q u e o s d a ter cei r a d ei x am tr an sp ar ecer u m a
correspondência operatória (qualitativa e numérica).
Na segu n d a f ase já se co n stata a p r esen ça d e
correspondência termo a termo, porém sem que exista equivalência
entre as duas coleções, pois o sujeito se apóia, sem cessar, nas
particularidades qualitativas das figuras. Durante a tercei ra fase,
ao contrário, a correspondência se liberta da figura intuitiva e
torna-se operatória, qualitativa ou numericamente, em função do
surgi mento das op erações esp ontâneas de control e, p or
dissociações das totalidades e colocações em série.
Em outras palavras, a criança desfaz as figuras e arranja
linearmente as fichas de forma a estabelecer a correspondência
termo a termo para garantir a equivalência, independentemente
de tê-las numerado.
Existe, portanto, uma fase própria à correspondência
operatória, com sentimento de equivalência (qualitativa e
n u m ér i ca) d as co l eçõ es co r r esp o n d en t es e co m
conservação das quanti dades. Esta f ase vem assi m
184
intercalar-se entre a simples correspondência intuitiva e a
correspondência entre os objetos e as cifras verbais, ou
numeração falada. Quanto a esta última, cujo emprego
co r r eto a su p l an tar to d a co r r esp o n d ên ci a p r áti ca,
caracterizaria uma quarta fase, [...] e é apenas quando as
operações se constituem logicamente no plano prático que
a numeração falada assume uma significação propriamente
numérica. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.111)
3.3.4 A SÍNTESE
Embora tenham sido analisadas apenas três das “quatro
qualidades” do número: a conservação, a correspondência e a
cardinalidade, já é possível estabelecê-lo como síntese das classes
e das séries, uma vez que a ordem em jogo é a vicariante, que não
pressupõe o ordinal (que é imprescindível para a construção da
sucessão numérica). Para isso, é oportuno destacar um resumo
dos resultados até aqui obtidos e mostrar que estes são suficientes
para estabelecer o número como síntese das classes e das séries.
♦ Tanto as quantidades contínuas como as descontínuas não se
conservam de saída para a criança. Esta conservação só é
estabelecida com a coordenação das relações em jogo, sendo
a correspondência termo a termo a razão inicial da equivalência
entre duas coleções;
♦ em função do exposto em (i), tornou-se importante verificar
porque a correspondência termo a termo não é suficiente para
assegurar a equivalência de duas coleções, mesmo quando tal
correspondência está sob suas formas mais familiares como a
entre conteúdos e continentes ou, a troca de um contra um.
Constatou-se então, que existe um nível de correspondência
perceptiva no qual a equivalência estabelecida é rompida
semp re q u e se d esf az o co n tato en tre o s el emen to s
correspondentes, indicando uma equivalência definida por
meio das relações globais de espaço ocupado ou de dimensões
imediatamente percebidas. Após esta fase, a correspondência
sem equivalência durável e a correspondência numérica com
equivalência necessária se sucedem, segundo uma ordem
regular, o que em outros termos quer dizer: comparação
qual i tati va gl obal ; comp aração qual i tati va i ntui ti va e
correspondência numérica e, respectivamente, quantificação
bruta (mais, menos, igual); quantificação intensiva (um, todos,
185
nenhum, alguns), quantificação extensiva não métrica (quase
todos, meio e metade) e a quantificação extensiva métrica
(contagem e medida). Esta evolução pode ser analisada tanto
do ponto de vista psicológico (de ordem causal e genética),
quanto do ponto de vista da lógica das operações;
♦ a análise psicológica indica que, até por volta dos 4 anos e
meio a 5 anos, a criança avalia as quantidades descontínuas
ou coleções como se estas fossem grandezas espaciais,
fundando seus julgamentos sobre as configurações espaciais
(mais ou menos longo, apertado, etc.). Fica evidente que a
criança não sente necessidade (sequer é capaz) de decompor
as totalidades que percebe para fazer seus julgamentos. Isto
significa que ela não considera ainda uma dada coleção como
uma reunião de unidades do tipo 1+1+1+... etc. e, a única
síntese ao alcance da criança da primeira fase se restringe à
p ró p ri a f o rma d e co n ju n to co mo i n tu i ção p erceb i d a
globalmente, sem que seja capaz de reunir partes desta intuição
quando de um eventual rompimento. Assim, a criança não é
capaz de perceber que mesmo quando a forma de conjunto
muda e, conseqüentemente, a disposição das partes, o total
dos elementos não se altera, revelando que o ponto de partida
d a ev o l u ção d a co r r esp o n d ên ci a é u m a q u ase to tal
irreversibilidade do pensamento;
♦ as condutas da segunda fase que se caracterizam pela
corresp ondênci a qual i tati va de ordem i ntui ti va e p el a
comparação de figuras apresentam uma melhor elaboração
dos dados intuitivos em função de uma análise mais precisa
de formas e qualidades. Contrariamente à fase anterior na
qual a ênfase se encontra nos detalhes necessários para a
reprodução das figuras modelos, como ângulos, posições
extremas das figuras, etc., nessa fase, todas as partes da
totalidade são analisadas e comparadas, sem que existam mais
agl omerados. A cri ança consi dera di f erentes cri téri os
(comprimento, largura, densidade, etc.), provocando as
hesitações e oscilações que conduzem à coordenação das
relações em jogo. Há um progresso da análise e da síntese
combinadas na reprodução das figuras que é representado
pela correspondência qualitativa de ordem intuitiva, semi-
operatória, que permite ao sujeito colocar em correspondência
não apenas os pontos marcantes das figuras em conjunto,
186
mas, também, as partes análogas. Acrescente-se ainda, como
resultado inerente à segunda fase, o fato de que embora as
crianças não confiem que o número de elementos de uma
figura transformada seja equivalente ao da sua forma inicial
el as sabem que é p ossível retornar à forma anteri or,
desfazendo-se as operações realizadas. Isto constitui um
progresso também na reversibilidade do pensamento;
♦ com a realização de um progresso decisivo caracterizado pela
correspondência com equivalência durável e necessária, as
crianças alcançam a terceira fase e com ela a noção de que
co l eçõ es co r r esp o n d en tes p er m an ecem eq u i v al en tes
independentemente de sua configuração ou da disposição dos
elementos. Tal progresso é realizado continuamente, mediante
a liberação gradativa da intuição perceptiva (figura), o que
p ermi te a transf ormação dos el ementos em uni dades
permutáveis entre si, conseqüentemente, a correspondência
vai também, gradativamente, deixando de ser intuitiva e
passando a ser “qualquer” ou numérica. Essa libertação só
aco n tece, to d avi a, co m a co mp reen são d e q u e to d a
transformação é passível de ser compensada pela transformação
i n v er sa, m ed i an te i n cessan tes r ecap i tu l açõ es d as
correspondências termo a termo, que constitui a reversibilidade
completa. Isso acontece porque a coordenação acabada das
relações em jogo permite a descoberta da constância das
coleções quanto à sua extensão e da igualização das diferenças,
com os el ementos se transformando em uni dades, as
totalidades se constituindo pela reunião das unidades que
diferem entre si apenas pela sua posição na seriação. Em outras
palavras, a correspondência se torna numérica, em função de
uma combinação operatória (reversível) entre as coleções
(classes) e as séries.
À evolução psicológica (da percepção global à operação)
corresponde uma estruturação lógica dos julgamentos, progredindo
de uma simples relação indecomponível, até a correspondência
biunívoca e recíproca qualquer, por uma série de transformações
lógico-aritméticas que serão analisadas a seguir.
Co m o já f o i co m en t ad o , a cad a esp éci e d e
correspondência construída pela criança, corresponde um dos tipos
de quantificação. Assim, à avaliação global corresponde a
187
quantificação bruta; à correspondência qualitativa intuitiva, a
quanti f i cação i ntensi va e à corresp ondênci a numéri ca, a
quantificação extensiva.
No nível da quantificação bruta, não existe ainda a
multiplicação entre relações e estas também não são decomponíveis
em elementos que comporiam a soma, não comportando, portanto,
nenhuma seriação aditiva. Na verdade, por não possuírem sequer
a transitividade, as ligações presentes na quantificação bruta não
são nem propriamente relações.
Ao se transformarem em relações propriamente ditas, estas
relações engendram a quantificação intensiva que se caracteriza
por uma seriação aditiva (o comprimento total da fileira l é dado
pela soma dos comprimentos dos intervalos entre um elemento e
o seguinte: l = a+a’+b’+...) e uma multiplicação das séries aditivas
que é a própria correspondência qualitativa (dada uma fileira
definida pela posição de cada elemento, ou seja, por l e pelos
intervalos l = a+a’+b’+... , construir uma segunda fileira que
reproduza exatamente os mesmos intervalos a, a’, b’, ... e o mesmo
comprimento l ).
A nova fileira pode ser construída acima, abaixo ou ao
lado da fileira dada e a correspondência qualitativa existe quando
as fileiras são co-multiplicadas pela relação abaixo (acima, ao lado,
etc.).
A mesma coisa pode ser expressa por meio de classes
individuais ou compostas, definidas por suas qualidades intuitivas
de ordem espacial (temporal), pelas posições respectivas dos
elementos ou classes de elementos qualificados pelas posições.
Aparece, portanto, novamente a “combinação” entre
classes e séries, porém, ainda, num plano intuitivo ou semi-
operatório porque a criança não consegue deduzir a equivalência
numérica durável das coleções correspondentes, partindo das
operações realizadas.
Chamando de l o comprimento da fileira; de d a densidade
(distância entre os elementos) e de n , a quantidade de elementos
da fileira, se são dadas duas fileiras f 1 e f 2, as seguintes conclusões
lógicas podem ser aferidas:
188
1) (l 1 = l 2) X (d 1 = d 2) = (n 1 = n 2) (correspondência qualitativa)
2) (l 1 > l 2 ) X (d 1 > d 2) = (n 1 > n 2) e (l 1 < l 2 ) X (d 1 < d 2) = (n 1 < n 2)
(avaliação global)
3) (l 1 = l 2 ) X (d 1 > d 2) = (n 1 > n 2) e (l 1 = l 2) X (d 1 < d 2) = (n 1 < n 2)
(avaliação global)
4) (l 1 < l 2) X (d 1 = d 2) = (n 1 < n 2) e (l 1 > l 2) X (d 1 = d 2) = (n 1 > n 2)
(avaliação global)
5) (l 1 > l2 ) X (d 1 < d2) = (n 1 >n 2) ou (n 1 < n2) ou (n 1 = n2) e
(l 1 < l2) X (d 1 > d2) = (n 1 < n2) ou (n 1 > n2) ou (n 1 = n2)
ou, de outra forma:
6) (n 1 = n 2) X (l 1 > l 2 ) = (d 1 < d 2) e (n 1 = n 2) X (l 1 < l 2 ) = (d 1 >
d 2) ou
6A) (n 1 = n 2) X (d 1 > d 2 ) = (l 1 < l 2) e (n 1 = n 2) X (d 1 < d 2 ) = (l 1
> l2).
É interessante observar que as crianças da segunda fase
compreendem perfeitamente as quatro primeiras relações, mas não
percebem as três últimas que estabelecem a existência da igualdade
numérica quando variam o comprimento e a densidade ao mesmo
tempo.
Na verdade isto só vai ocorrer com a compreensão da
relação inversa entre d e l (compensação), o que acontecerá apenas
quando a criança ultrapassar os limites da intuição perceptiva.
Para descobrir a constância de n (e a quantificação extensiva) é
necessária a descoberta da constância das classes em extensão e
das séries de relações. E, de novo, a combinação entre classes e
sér i es p ar a en gen d r ar a q u an t i f i cação ex t en si v a e,
conseqüentemente, o número.
Quando um sujeito reproduz exatamente, usando fichas
vermelhas, uma figura formada por fichas azuis dada como modelo,
o que foi estabelecido entre as duas figuras foi uma correspondência
qualitativa. Se o sujeito não reproduz a figura, mas dispõe
linearmente as fichas vermelhas, ou empilha a quantidade exata,
certamente haverá ainda uma correspondência termo a termo, só
que, qualquer, pois cada ficha não é mais considerada em função
da sua qualidade (posição ocupada), mas, sim, como uma unidade
igual às outras.
189
Seja a figura D 1 = A1+A1’+B1’+C1’ formada pelas fichas
azuis (um triângulo com uma ficha no seu interior).
Admitamos que essas fichas vermelhas sejam alinhadas,
A2 representará então, à vontade, A 1 ou A 1’ ou B 1’, etc., A 2’
representará ao mesmo tempo qualquer termo de D 1 salvo
aquele que já se encontra colocado em correspondência
com A2 etc. Desde logo, a reunião A2+A2 ’+B2’+C2’ = D 2
assumirá o sentido do número 4 e não das fichas dispostas
em triângulo; A2+A2’= B2’, significará o número 2 e não
mais a classe das fichas situadas nas duas extremidades
do lado esquerdo, etc. Ademais, qualquer reunião de dois
el ementos A2’+B 2 ’, bem como A2 +A 2’ o u B2 ’+C2 dará
nascimento a uma mesma classe B significando 2 elementos
i n d ep en d en temen te d e su as q u al i d ad es. ( PI AGET;
SZEMINSKA, 1981, p.142)
190
No entanto, para constituir a correspondência “qualquer”
e, por conseguinte, o número, é necessário a igualização das
diferenças que é o mesmo que reunir num único todo operatório
a classe e a relação assimétrica; os termos então enumerados são
ao mesmo tempo equivalentes entre si (membros de uma classe)
e diferentes uns dos outros em função de sua posição (ordem de
enumeração ou relação assimétrica).
Enfim, com a constituição da correspondência qualquer,
o número emerge como síntese das classes e das séries, sendo,
todavia, irredutível a elas, já que nenhuma dessas operações, por
si só, engendra a unidade. Ainda não se pode concluir pela
constituição da seqüência ou sucessão dos números inteiros. Esta
só irá se concretizar com a recorrência (iteração das unidades),
que acontece com a constituição, solidária e recíproca dos aspectos
ordinal e cardinal do número.
Ao serem finalizados os estudos sobre as correspondências
(provocadas ou espontâneas), a conclusão extraída foi a de que o
número emerge como síntese das classes e das séries. E é
ex atamente até este p onto que quase todas as p rop ostas
pedagógicas fundamentadas na teoria piagetiana abordam a
construção do número, daí a profusão de atividades para que a
criança estabeleça uma infinidade de correspondências (na sua
quase totalidade do tipo provocada). Poucos livros avançam na
abordagem da reciprocidade entre ordinais e cardinais e a quase
totalidade, insinua a construção linear do número, com o
estabelecimento primeiro das classes e das séries, para só depois
vir o número.
A participação das classes em relação à qual a parte que
lhe compete “dentro” do número é geralmente apresentada apenas
como responsável pela compreensão de que a última palavra-
número pronunciada numa contagem representa o total dos
elementos da coleção (inclusão de classes) e, algumas vezes é
acrescida da função de estabelecer, dentro de um determinado
conjunto, quais os elementos que serão contados, dos que não
serão.
O papel da série é ainda mais restrito por que “serve”
apenas para verificar se todos elementos foram contados e uma
única vez, ou seja, trata-se apenas de séries vicariantes.
191
Entretanto, o número, particularmente em seu aspecto
cardinal, desempenha importante papel na constituição da seriação
propriamente dita, ou a correspondência ordinal, o que é abordado
a seguir.
192
da ordem (seriação). Além disso, simultaneamente está sendo
concluída a análise genética das “quatro qualidades” que compõem
o número, com o estudo do aspecto ordinal do número (de forma
indissociável ao cardinal).
As provas realizadas por Piaget e Szeminska foram as das
bonecas e bengalas (ou “sacos” de montanha); dos cartões seriados
e a dos tapetes e barreiras e os resultados apontam para as mesmas
três fases: comparação global, sem seriação exata e sem corres-
pondência espontânea (cardinação); seriação e correspondência
progressiva e intuitiva e, seriação e correspondência imediata e
operatória.
São três as operações possíveis para o estabelecimento
da corresp ondênci a ordi nal : ser i a çã o qu a l i ta ti va si m pl es;
correspondência qualitativa entre duas seriações (similitude) e a
correspon dên ci a n uméri ca (ordinal).
Cada uma das operações relacionadas acima evolui por
três etapas mais ou menos sincrônicas entre si e igualmente
sincronizadas com as fases pelas quais evolui a correspondência
cardinal. Assim, a correspondência serial apresenta as seguintes
fases: comparação global sem seriação exata ou correspondência
termo a termo espontânea; seriação e correspondência progressivas
e intuitivas e, seriação e correspondência imediata e operatória.
Para a correspondência serial não diretamente percebida,
as etapas são: ausência de correspondência entre os termos não
m ai s p o si ci o n ad o s d ef r o n te u m d o o u tr o ; ten tati v a d e
estabelecimento de correspondência com o auxílio da contagem
ou de uma nova correspondência semi-intuitiva (ambas fracassadas)
e, descoberta da correspondência pela combinação entre as noções
ordinais e cardinais.
Quanto à reconstituição da correspondência após uma
(ou ambas) fileira ter sido desfeita, a criança da pr i mei r a fase não
é cap az d e reco n stru i r p o r si mesma a séri e e ap el a à
correspondência visual ou decide arbitrariamente; na segun da fase,
recorre também à contagem, porém desconsidera a ordem ou
confunde a categoria procurada com a do termo anterior e,
finalmente, na tercei ra fase, ao coordenar a seriação e a cardinação,
consegue estabelecer a correspondência desejada.
193
Os resultados das provas realizadas para estudar a
construção da correspondência serial apresentam como conclusão
interessante o fato de que a ordem de dificuldade das coordenações
de relações exigidas para con stru i r u ma séri e ou colocar duas
séries em correspondência é exatamente a mesma e são três os
métodos possíveis para isto: seriação dupla , seri ação si mples com
cor r espon dên ci a e a correspondência termo a termo direta
(correspon dên ci a ordi n al ).
As crianças da pri mei ra fase não são capazes de empregar
a seriação dupla, pois não conseguem, sequer, construir de saída,
corretamente, uma das séri es e, então, p ara estabel ecer a
correspondência com a segunda, elas procedem, sucessivamente,
uma a uma. Quando empregam o método da seriação simples
com correspondência, as crianças desta primeira fase não obtêm
êxito com a seriação espontânea, limitando-se a alinhar os objetos
aleatoriamente. Mesmo quando recebem sugestões de partir do
maior (menor) para o menor (maior), não conseguem sucesso,
por não conseguirem perceber que um determinado elemento
deve ser, ao mesmo tempo, menor (maior) que o precedente é
maior (menor) que o conseqüente e, então, seriam aos pares. E,
finalmente, as correspondências estabelecidas são correlatas às
seriações, isto é, são também globais e pré-seriais.
Um outro fato a ser considerado é o de que a ordenação
o u ser i ação “ su p õ em o u co n sti tu em já u m a esp éci e d e
correspondência, aquela que liga cada termo ao seguinte: poder-
se-ia dizer que a seriação é uma correspondência intrínseca” e a
similitude, uma correspondência extrínseca entre duas séries.
“Inversamente, aliás, pode-se dizer que toda correspondência supõe
uma seriação, seja qual for o tipo desta”, o que significa, em resumo,
que se “a seriação espontânea não é possível, a correspondência
serial não o é tampouco e reciprocamente”. O mesmo se pode
dizer da correspondência cardinal, evidenciando assim, que neste
nível (4,6 - 5 anos) as operações são substituídas por uma avaliação
global (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.154).
As crianças da segun da fase, por outro lado, constroem
(após tentativas, erros e correções) espontaneamente séries corretas
e, portanto, resolvem o problema da correspondência serial,
particularmente, pelo método da seriação dupla. A seriação e a
correspondência serial permanecem intuitivas e perceptivas, porém,
o sujeito é capaz de posicionar um elemento numa série de modo
194
que ele seja simultaneamente o maior (menor) dos que ainda não
foram seriados e o menor (maior) daqueles já dispostos em série.
A correspondência serial própria desta segunda fase se
elabora em estreita conexão com a seriação sem que se confundam,
pois, apesar de se apoiarem mutuamente permanecem distintas.
De fato: assim que as ligações estabelecidas entre os elementos se
tornam realmente relativas, já é possível a coordenação de duas
relações entre si (pelo menos três elementos) e, então, não é difícil
coordenar mais, de forma que podem ser então construídas, tanto
a correspondência serial quanto a seriação simples.
Além disso, uma vez descoberta a passagem da qualidade
à relação, esta descoberta (bastante difícil) engendra tanto seriações
duplas correspondentes quanto séries aditivas isoladas. Entretanto,
as relações descobertas continuam pertencendo aos planos intuitivo
e experimental, sendo, portanto, semi-operatórias, ligadas à
percepção e não passíveis de manipulação abstrata.
Durante a tercei ra fase a série é construída sem hesitações
ou tateios. Cada vez que escolhem um novo elemento para a série
em construção as crianças consideram o conjunto de relações entre
todos os elementos para determinarem o maior (ou menor) dos
termos restantes. Além disso, a criança opera, com a mesma
facilidade, tanto por correspondência imediata (sem seriação prévia)
quanto por seriação simples seguida de correspondência.
Assi m, a construção da corresp ondênci a seri al ou
similitude qualitativa é concluída por “um sistema de operações
propriamente ditas, suscetíveis de coordenar tanto as relações
inversas quanto as diretas” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.158).
Finalmente, a construção da cor r espon dên ci a or di n al
apresenta as mesmas três etapas da similitude, com poucas
novidades. Numa pr i m ei r a a criança perde toda noção da
correspondência quando se desloca uma das duas séries e para
recuperá-la, se limita a fazer corresponder os elementos no
momento colocados um defronte ao outro. Na segun da , a criança
tenta, mediante a contagem ou outros procedimentos empíricos,
restab el ecer a co rresp o n d ên ci a ex ata, p o rém, co n f u n d e,
constantemente, a categoria do termo precedente com a procurada.
Na ter cei r a fase, enfim, ao coordenar a busca da categoria
procurada com o valor cardinal das coleções pertinentes, a
195
correspondência serial qualitativa e a correspondência numérica
ordinal se duplicam.
Em resumo, a criança da pri mei ra fase da correspondência
serial deixa de apreender as correspondências a partir do momento
em que os elementos não mais se posicionam diretamente um
defronte ao outro, mesmo quando as séries permanecem paralelas
e com pequena variação dos intervalos entre os elementos e dos
comprimentos totais. O que fica evidente é a comparação global
sem a compreensão, nem mesmo intuitiva, dos detalhes das
relações.
Durante a segu n da fase, as crianças são capazes de
estabelecer a correspondência serial entre duas coleções, ou seja,
não apenas a correspondência termo a termo, mas também
categoria por categoria, no entanto, alterando-se a configuração
das fileiras, os sujeitos negam a equivalência cardinal. Este fato
demonstra que a correspondência serial não é mais suficiente para
a equivalência cardinal que a correspondência qualitativa pertinente
deste nível. Todavia, mesmo não acreditando na equ i valên ci a
cardi n al , a criança crê ser possível reencontrá-la, reconstituindo a
correspondência e, a busca das categorias correspondentes
demonstra um avanço em direção tanto à reversibilidade quanto à
contagem, pois ao se apoiar na categoria para restabelecer a
equivalência, o próximo passo é utilizar a contagem. É este esforço
que irá conduzi-la à noção de equivalência durável, ao mesmo
tempo cardinal e ordinal que caracteriza a terceira fase.
[...] p ar a d et er m i n ar u m a cat ego r i a q u al q u er p o r
enumeração, a criança considera isoladamente a posição
qualitativa do elemento em questão e igualmente à parte
o valor cardinal dos elementos que o precedem: não
compreende que cada categoria é ela própria um número,
nem que este número é indissociável da coleção inteira
de que faz parte o elemento assim ordenado. (PIAGET;
SZEMINSKA, 1981, p.167)
196
determinarem uma categoria n, empregam toda a numeração
pertinente, tanto no sentido crescente quanto decrescente.
Estes resultados deixam evidente a influência do número
cardinal (e da contagem) para que a correspondência serial seja
completada e demonstram que o número intervém na constituição
da série, pois é somente com a equivalência cardinal que é possível
a aritmetização e a contagem. Ora, a contagem é determinante na
busca da categoria n e, conseqüentemente, da correspondência
serial que se torna ordinal com a transformação dos elementos em
unidades homogêneas. Nessa situação a ordem não pode mais ser
vicariante em função das categorias em jogo.
Finalmente, graças à correlação entre a equivalência da cardinação
(elementos homogêneos) e da ordenação desligada da qualidade,
o termo n, passa a assumir simultaneamente para a criança o duplo
significado de uma soma cardinal n e a nª posição (categoria).
[...] a seriação intuitiva só se constituiria em ordenação
verdadeira a partir do momento em que se torna operatória
e só se torna operatória no momento em que se coordena
co m a car d i n ação . I n v er sam en te, a co l i gação e a
corresp ondênci a i ntui ti va só se transf ormari am em
cardinação verdadeira a partir do momento em que se
tornam operatórias e só assim se tornariam coordenando-
se com a ordenação.(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.196)
197
construção das classes lógicas. Todavia, os elementos tornados
homogêneos permanecem distintos uns dos outros, distinção esta
estabelecida por uma outra qualidade que não seja a qualidade
comum geradora da equivalência, e este é o ponto de vista das
relações assimétricas ou da não-equivalência.
Assim, a classe é construída pela abstração das diferenças
enquanto que a relação assimétrica pela abstração das equivalências
de modo que classes e relações assimétricas se complementam e
é então, impossível construir classes sem relações (permitem
qualificar os elementos) e relações sem classes (permitem
estabelecer os elementos ligados).
A classe, todavia, é apenas uma reunião de indivíduos
qualificados e não-enumerados, de modo que, embora constituindo
totalidades hierárquicas, não existe ainda cardinalidade.
As séries obtidas também não conduzem à nenhuma
ordenação real e embora a relação assimétrica (enquanto ligação
entre qualidades) seja necessariamente quantificante por não
conduzir à fusão dos elementos mas à sua distinção, ela não
engendra o número, somente o prepara.
Desta forma, o caráter reversível das relações em jogo já
permite uma quantificação, porém, pela não participação do
número, esta quantificação só atinge quantidades intensivas, não-
redutíveis a um sistema de unidades.
b) Uma vez apta a realizar tais composições lógicas a criança
é também capaz de extrair delas as composições numéricas
correspondentes e de diferenciá-las das operações qualitativas. Esta
diferenciação entre operações numéricas e qualitativas é devida ao
fato de que nas operações numéricas os elementos não são mais
considerados como equivalentes ou não-equivalentes (pressupõe
uma qualidade), mas, simultaneamente, como equivalentes e não-
equivalentes ou ainda, “o número não é somente classe totalizante
nem apenas relação seriante, mas, ao mesmo tempo, classe
hierárquica e série” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.218).
Mas, se apenas a qualidade for considerada não poderia
existir uma relação que seja ao mesmo tempo classe e série. Assim,
para que seja possível considerar os elementos simultaneamente
como equivalentes e não-equivalentes é necessário que as
qualidades sejam eliminadas de forma a tornar cada elemento como
198
unidade equivalente às outras, (como no exemplo de “contar as
pessoas que usam óculos e que estão numa sala”) e, então, seriá-
las para estabelecer uma diferença entre os elementos tornados
homogêneos, (como estabelecer uma ordem para “contar as
pessoas de óculos”) e constituindo, portanto, a iteração da unidade.
c) Os resultados até aqui permitem afirmar que o número
é um sistema de classes e séries fundidas num todo operatório e
que, embora tendo suas fontes na lógica, é irredutível a ela. Além
disso, um número cardinal pode ser definido como uma classe
constituída de elementos concebidos como unidades homogêneas,
porém, distintas, sendo que suas diferenças consistem apenas no
fato de que tais unidades podem ser seriadas e, conseqüentemente,
ordenadas. Concebidos desta forma, os cardinais resultam de uma
abstração da relação assimétrica tal que “essa abstração não altera
a natureza de suas operações, pois todas as ordens possíveis de se
atribuir a n termos vêm a dar na mesma soma cardinal n”. (PIAGET;
SZEMINSKA, 1981, p.219)
Mas, se a série é necessária para a constituição do próprio
cardi nal , a equi val ênci a (cl asses) é i mp resci ndível p ara a
constituição do número ordinal. De fato, os números ordinais
constituem uma série onde os termos se sucedem de acordo com
relações de ordem determinadas por suas respectivas posições,
permanecendo, porém, equivalentes entre si e, portanto, passíveis
de reunião cardinal. Concebidos assim, os ordinais resultam “de
uma abstração da classe, abstração igualmente legítima, e, por
esta mesma razão, o n-ésimo termo finito corresponderá sempre
a um conjunto cardinal n” . (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.220).
O fato de existir esta dupla abstração (da relação
assimétrica e das classes), não significa que o número inteiro finito
(a exemplo do número qualquer) deixa de permanecer uno ou
que as totalidades e a ordem possam ser dissociadas. Esta dupla
abstração apenas reforça a reciprocidade entre cardinação e
o r d en ação d em o n str an d o q u e o s n ú m er o s f i n i to s são
simultaneamente cardinais e ordinais.
Concluída uma primeira demonstração da implicação do
número na constituição da série, resta demonstrar qual papel o
número desempenha em relação às classes. Em outros termos,
deixar claro que, sem a noção de número cardinal que está implícita
199
nos termos “um”, “nenhum”, “alguns” e “todos”, a inclusão de
classes não seria possível.
[...] as classes são, portanto, num certo sentido, números
não-seriados, como os números são classes seriadas, e
tanto a constituição psicológica quanto a constituição lógica
das classes, das relações e dos números constituem um
desenvolvimento de conjunto do qual os movimentos
respectivos são sincrônicos e solidários uns com os outros.
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.219)
200
É fácil ver que a compreensão se apóia na qualidade e
que extensão i mp l i ca quanti dade, de modo que a mesma
dependência mútua existente entre compreensão e extensão se
verifica entre qualidade e quantidade e, portanto, o pensamento
passa, sem cessar, entre estes dois aspectos do conceito, de acordo
com o contexto.
Por exemplo:
Na proposição ‘as aves são vertebrados’ ou mesmo ‘as
Aves são Vertebrados’, é possível que a maioria dos sujeitos
se limite a qualificar em compreensão, mas em ‘as Aves
não constituem mais que uma parte dos Vertebrados’, a
ex t en são ev i d en t em en t e l ev a a p al m a. ( PI AGET;
SZEMINSKA, 1981, p.224)
201
Ou, de outra forma, sem a presença dos quantificadores
intensivos (que por sua vez somente são compreendidos quando
da conservação das quantidades) a criança não é capaz de conceber
as relações de parte/ todo no domínio da classificação não
construindo, portanto, a inclusão hierárquica das classes.
Piaget e Szeminska estudaram então, a inclusão das
subclasses (classes parciais) numa classe total, analisando a ligação
dos determinantes lógicos essenciais “alguns” e “todos”, com o
objetivo de deixar evidente que a quantificação é inerente a toda
adição, inclusive a das classes.
Para isso, consideraram uma classe lógica B (constituída
por uma coleção de objetos individuais), passível de ser definida
por compreensão (em termos qualitativos) e A, uma subclasse de
B, também definível por compreensão. O problema apresentado
à criança consistia em verificar se a classe B é “maior” ou tem
“mais” elementos ou é mais numerosa que a subclasse A.
O material utilizado já era conhecido das crianças, pois
foi utilizado nas provas acerca da conservação de quantidades. O
material era composto por contas de madeira (B), das quais a
maioria é marrom (A) e, poucas contas (duas ou três) são brancas
(A’). A questão colocada era determinar se a caixa continha mais
contas de madeira (B) ou mais contas marrons - chamadas de
castanhas pelos pesquisadores – (A).
As crianças compreendiam que, tanto as contas marrons
quanto as brancas são de madeira e, também, a composição aditiva
de classes mais elementar dada por A+A’ = B. A resposta deveria
surgir, então, como conseqüência do seguinte raciocínio: se A+A’
= B então A = B-A’ e, portanto, A<B, o que, entretanto, não
acontece, pelo menos de imediato.
Procurando facilitar a compreensão da questão os
pesquisadores a tornaram ainda mais intuitiva, perguntando qual
de dois colares seria mais comprido, o confeccionado pelas contas
de madeira (B) ou o com as contas marrons (A). Uma outra
estratégia utilizada foi colocar previamente duas caixas vazias ao
lado do recipiente com as contas e indagar para a criança, se caso
fossem colocadas todas as contas marrons na caixa vazia, restariam
contas no recipiente? E, caso as contas retiradas fossem as de
madeira, mesmo assim, sobrariam contas no recipiente?
202
Para confirmar os resultados as provas foram repetidas
variando as coleções B e A (coleção de contas azuis (B), com a
maioria quadrada (A) e duas ou três redondas (A’); ou coleção de
flores (B), formada por 20 papoulas (A) e duas ou três escovinhas
(A’) ou, ainda por 14 crianças (B) sendo 12 meninas (A) e dois
meninos (A’)).
As três etapas já destacadas quando da análise da
conservação da quantidade e da correspondência ordinal são
reencontradas no presente caso. Durante uma pr i mei r a fase a
criança ainda não é capaz de composição aditiva e nem consegue
pensar no todo B e nas partes A e A’ ao mesmo tempo, logo, por
não conceber A+A’ = B, não compreende que A = B-A’ e, então
admite que A>B.
As diversas experiências realizadas revelaram como
sistemáticas as dificuldades das crianças do período intuitivo para
compreender que a classe total é “maior” ou “mais numerosa” que
a classe parcial nela contida.
Os resultados mostraram que as crianças também reagem
de maneira diferente em relação às diversas coleções. Na situação
onde B = crianças e A = meninas, as crianças apresentaram uma
maior facilidade do que na das contas, com a coleção das flores
podendo ser considerada num nível intermediário. Isto demonstra
que o fato de designar as classes totais e parciais por nomes
especiais favorece a diferenciação e a hierarquização destas e revela
a i mportân ci a da li n guagem e do con texto soci al no processo. No
que se refere à questão da comparação entre a quantidade de
elementos entre A e A’, foram realizadas diversas provas que
permitiram concluir que os fatores perceptuais pouco ou nada
favorecem a inclusão hierárquica.
De maneira geral, o característico desta fase é que, apesar
de compreenderem perfeitamente que B = A+A’, ao serem
impelidos a pensar, ao mesmo tempo, no todo e na parte, os
sujeitos de idade inferior a 6 – 7 anos deixam patentes suas
dificuldades.
Ou melhor, a criança quando pensa no todo consegue
bem representar as partes ainda não associadas (pois, por
exemplo, desenha corretamente o colar correspondendo
ao todo e distingue muito bem neste todo uma vintena de
contas castanhas e as duas contas brancas), mas, quando
procura dissociar uma das partes, não consegue mais se
203
lembrar do todo ou levá-lo em conta, limitando-se a
comparar a parte que se ocupa à parte restante, ou seja, o
resíduo do todo primitivo. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981,
p.235)
204
As crianças da tercei ra fase conseguem espontaneamente
e de imediato (ou quase) pensar, ao mesmo tempo, na classe total
B (caracterizada pela qualidade b = substância) e na classe parcial
A (definida pela qualidade a = cor) de onde concluem que: “todas”
as A são também B, mas que em B estão também as A’, isto é,
“alguns” B são A e “alguns” B são A’, compreendendo finalmente
que B = A+A’ e que A = B-A’.
Como pretendemos evidenciar o papel da quantificação
no desenvolvimento das totalidades lógicas importa agora analisar
por que as crianças da primeira fase fracassam, enquanto que
para as da terceira fase, a conclusão correta emerge de forma
simples e necessária.
Para isso é preciso distinguir dois problemas: o da síntese
das qualidades b e a ou a’ e o da adição em extensão (quantidade)
A+A’ = B.
Numa adição de classes A+A’ = B, B é a menor das classes
que contém A e A’, pois é definida pela qualidade b, comum aos
A e aos A’. Portanto, cada elemento da classe resultante B pertence
necessariamente a duas classes ao mesmo tempo, o que implica
numa multiplicação lógica dessas classes, com “todos” os A
apresentando as qualidades ab, “todos” os A’ são a’b enquanto
que “alguns” B são ab e “alguns” B são a´b.
Duas explicações equivalentes podem ser aferidas do
exposto para o fracasso das crianças da primeira fase: uma, consiste
em afirmar que tais sujeitos não conseguem pensar nas qualidades
a e b ou a’ e b ao mesmo tempo e a outra acentuaria a dificuldade
da própria adição lógica (quando a parte A é dissociada do todo
B, B se dissolve). Entretanto, isoladamente, nenhuma das
explicações é suficiente para justificar as respostas próprias deste
nível e é indiferente dizer que a síntese aditiva fracassa devido à
ausência de multiplicação lógica ou que a síntese multiplicativa
fracassa devido à ausência de adição lógica.
Lembrando que na mu lti pli cação lógi ca o que está
implícito é a quali dade e na adi ção em extensão A+A’ = B é a
quan tidade, o que está, então, em jogo, é uma implicação recíproca
entre qualidade e quantidade; entre compreensão e extensão, ou,
de maneira mais apurada, de classe e número.
205
A verdadeira razão que inviabiliza esta mútua implicação
é a i rreversi bi l i dade da p ercep ção atual , fundamento dos
julgamentos das crianças da primeira fase, o que lhes impossibilita
tanto a coordenação das qualidades quanto a inclusão aditiva e a
coligação aritmética.
É a p resença da mobi l i dade e reversi bi l i dade nas
construções realizadas que possibilitam a decomposição e
recomposição das coleções, isolando suas diversas implicações,
inclusões e relações em geral. Dessa forma, a irreversibilidade
tanto do pensamento quanto da representação da criança inviabiliza
a decomposição necessária à análise e à síntese e, em conseqüência,
à compreensão das inclusões e das relações.
Ora, essa irreversibilidade psicológica se traduz, no plano
l ógi co, p el o ef ei to segui nte, que é de i mp ortânci a
fundamental. Conceber as partes em função do todo e
reci p rocamente é comp or si mul taneamente as duas
igualdades A+A’ = B e A =B-A’ e, portanto, é efetuar a
operação inversa, tanto quanto a operação direta. Pensar
de maneira irreversível, ao contrário, é não saber passar
de uma destas operações para a outra, é, portanto, em
poucas palavras, não saber manejar as operações como
tais: é substituir um mecanismo operatório móvel e de
direção dupla pelas percepções estáticas e sucessivas de
estados que é impossível sincronizar e, conseqüentemente,
conciliar. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.247)
206
plana”, movimentando os termos estáticos da descrição (PIAGET;
SZEMINSKA, 1981, p.248).
Rest a ago r a co m p r een d er co m o se con st i t u i o
agrupamento das classes, em que estes di fer em dos grupos
numéricos e, quais são as relações entre estes sistemas.
Do ponto de vista psicológico, a classe A é con sti tuída
pela reunião de elementos que apresentam em comum a qualidade
a , sem que nada seja estabelecido em relação ao número de
elementos de A.
Assim, se A+A’ = B e se as classes A+A’ não são vazias, as
únicas informações que se tem acerca de números de elementos
são:
• B tem “mais” elementos que A e que A’ (e as recíprocas);
• “Todos” os A são B e “todos” os A’ são B;
• “Nenhum” A é A’ e “nenhum” A’ é A;
• “Alguns” B são A e “alguns” B são A’.
Em outras palavras, a classe em extensão permite apenas
as quantificações intensivas, ignorando a quantificação extensiva
que caracteriza o número. Esta é a di feren ça entre os agrupamentos
de classes e os grupos numéricos, restando analisar as possíveis
relações entre eles.
Como já foi visto, a solução clássica de Bertrand Russell
m o stro u -se i n su f i ci en te p ara reso l ver a q u estão , p o i s a
correspondência biunívoca construída para estabelecer a igualdade
entre duas coleções é qualquer e, portanto, pressupõe o número.
A solução piagetiana, ao contrário, apresenta o número como uma
síntese das classes e das relações assimétricas (irredutível a elas),
constituindo um novo todo operatório.
Assim, duas condições são necessárias e suficientes para
a síntese do número, a saber: se “A+A’ = B e se, ao mesmo tempo,
A→A’ (com A e A’ sendo vicariantes, isto é, podendo os seus
conteúdos ser intercambiados), então B = A+A = 2A”. Em outras
palavras, o “número é, ao mesmo tempo uma classe e uma relação
assi m étr i ca, co m as u n i d ad es q u e o co m p õ em sen d o
simultaneamente adicionadas enquanto equivalentes e seriadas
enquanto diferentes umas das outras” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981,
p.252).
207
Tal fusão, todavia, não é possível num sistema de lógica
qualitativa, pois a composição aditiva das classes é comutativa,
enquanto que, por se referir às diferenças, a seriação não é
comutativa.
O número só será possível com a generalização (caráter
geral da matemática) da equivalência (unidades homogêneas) e
da seriação (vicariante), generalização que resulta da igualização
das diferenças, tudo isto, simultaneamente.
Ao conseguir tornar móveis os julgamentos intuitivos, a
criança alcança a reversibilidade inerente às operações, tornando-
se, ao mesmo tempo, capaz de incluir, de seriar e de enumerar.
Logicamente, este sincronismo é explicado pelo fato de
que o número resulta da fusão, num mesmo todo operatório, da
classe e da série. Todavia, tal sincronismo pode ser também
justificado psicologicamente:
[...] por um lado, sendo cada número uma totalidade
nascida da reunião de termos equivalentes e distintos, é
preciso simultaneamente incluir e seriar para constituí-lo;
por outro, se a quantificação intensiva própria às classes
(A<B<C etc.) não implica os números particulares para se
concluir, supõe, entretanto, que o sujeito seja capaz de
construir estes últimos sem o que as relações de extensão
perdem todo sentido concreto. (PIAGET e SZEMINSKA,
1981, p.253)
208
Além disso, para que a construção do número inteiro
positivo se complete é preciso ainda, que a criança descubra as
operações de adição e de multiplicação. Na verdade, estas
operações não apenas estão implícitas no número como tal como,
também, o engendram (particularmente a adição, mediante a
iteração das unidades).
Já foram estabelecidos os papéis das classes e das séries
na constituição do número e, reciprocamente, do número na
constituição das classes e das séries.
Em resumo: uma qu an ti fi cação br u ta , em termos de
“mais”, “menos” e “igual”, leva a uma classi fi cação pri mi ti va que
possibilita a descoberta dos pré-n úmeros: todos, nenhum e alguns.
Estes pré-números são constituintes da quan ti fi cação i n ten si va
que engendram a in clusão de classes a qual, permite a abstração
das diferenças e a constituição das un i dades. Com o surgimento
dos quantificadores quase todos, mei o e metade, característicos da
quan ti fi cação exten si va n ão métri ca , emerge uma seriação simples
(ordem vicariante). A inclusão de classes e a seriação simples
engendram, numa síntese, a equivalência das quantidades (cardinal)
q u e co l ab o r a co m a co n str u ção o p er ató r i a d a ser i ação
(correspondência ordinal) constituindo a quan ti fi cação exten si va
métri ca e, conseqüentemente, o n ú mero.
Não analisamos, ainda, a sucessão numérica que se origina
da iteração das unidades.
To d av i a, m esm o em se tr atan d o d e o p er açõ es
propriamente ditas (adição e multiplicação), o sincronismo se
repete. A adição e a multiplicação das classes e das séries se
constituem de forma sincrônica e interdependente com a dos
números.
A si n cro n i a e i n terd ep en d ên ci a d as co n stru çõ es
demonstram que a recomendação da realização de operações
lógicas, como às vinculadas à teoria de conjuntos, de reunião de
coleções, por exemplo, antes das relacionadas às operações
numéricas, não possuem respaldo teórico na psicogenética.
Precisemos unicamente que, no caso das op erações
multiplicativas, como no das adições, a composição
qualitativa das classes não se constitui no plano operatório
antes da dos números, mas ao mesmo tempo. Não existe
u m a f ase d a m u l t i p l i cação l ó gi ca e u m a f ase d a
209
multiplicação aritmética: no decurso de uma primeira fase,
nenhuma dessas composições é possível; no decorrer da
segunda, ambas se esboçam num plano intuitivo, mas sem
conclusão operatória e, no decurso da terceira, ambas se
constituem em operações propriamente ditas, donde o
sucesso simultâneo das diversas provas estudadas neste
capítulo e a generalização imediata da multiplicação, assim
que é descoberta. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.299)
210
Para estudar a composição aditiva de ordem numérica o
caminho seguido por Piaget e Szeminska foi o de “prosseguir a
análise da construção do número, ultrapassando os dados da
colocação em correspondência, para estudar o papel do próprio
mecanismo operatório aditivo” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.254).
Com este objeti vo, os p esqui sadores emp regaram,
sucessivamente, três técnicas paralelas. A primeira buscava verificar
se a criança é capaz de compreender que diferentes composições
aditivas envolvendo as partes de um todo não alteram sua
identidade. As composições aditivas utilizadas nas provas eram
referentes ao todo 8 (oito) e suas diferentes representações: (4+4)
= (1+7) = (2+6) = (3+5). Foram observados três tipos sucessivos
de respostas.
Numa pr i mei r a etapa os conjuntos (7+1) e (4+4) não são
concebidos como equivalentes; numa segu n da , considerada
intermediária, a igualdade entre os conjuntos é estabelecida
mediante uma verificação empírica (correspondência ou contagem)
e na tercei r a a equivalência existe por composição ativa.
Os resultados das provas realizadas segundo este primeiro
método possibilitam verificar que para as crianças pequenas o
valor cardinal de um número não é o resultado imediato de uma
composição aditiva, mas, é constituído por um todo intuitivo.
A segunda técnica foi aplicada para completar a análise
da composição aditiva mediante o emprego espontâneo, por parte
das crianças, das operações de igualização de diferenças.
As provas referentes à segunda técnica objetivavam uma
melhor análise (e complementação) da igualização das diferenças,
o que equivale a estudar a solidariedade entre a operação direta
(adição) e sua inversa (subtração). Nesta técnica a ênfase está em
buscar a igualdade de partes desiguais sem referência à totalidade
como tal (a criança é livre para usá-la ou não).
Para isso, apresentavam-se à criança duas coleções
desiguais de fichas (8 e 14) e lhe era solicitado que as transformasse
em duas coleções iguais. As etapas da evolução da igualização
das partes são as mesmas da equivalência cardinal: avaliação global;
correspondência qualitativa e correspondência biunívoca e
recíproca.
211
Os resultados de uma maneira geral, são os seguintes:
numa pr i mei r a fase as crianças não relacionam as duas coleções
entre si, avaliando-as globalmente, ou seja, não entendem que
“acrescentando fichas ao monte pequeno, elas por isso mesmo as
retiram do grande”. A criança apenas retira fichas do monte maior
(14) e as acrescenta ao menor (8), comparando-as perceptualmente
e não compreende a composição necessária entre as operações
realizadas.
Na segun da fase a criança conclui a tarefa mediante a igualização
das figuras por sucessivos tateios empíricos. Ela “descobre” esse
equilíbrio, porém, somente no plano intuitivo, com a composição
de figuras construídas espontaneamente por ela.
Finalmente, durante a tercei ra fase, a criança é capaz de
manejar operatoriamente as transferências e, logo, de uma
reversibilidade. Em outras palavras, “criança procede por via de
correspondência e composição operatórias”. (PIAGET; SZEMINSKA,
1981, p.256)
O terceiro método empregado foi o da repartição em
duas quantidades iguais e somente complementa os anteriores.
Apresentou-se um monte de fichas para a criança e lhe era solicitado
que construísse duas partes de modo que cada uma tivesse o
“mesmo tanto” que a outra. Os resultados obtidos indicam fases
paralelas às anteriores.
Po d e p arecer estran h o u ma p ro va q u e an al i se a
composição aditiva por meio da “repartição” por esta última parecer
ser originária da composição multiplicativa, todavia, qualquer todo
é constituído por suas duas metades, sendo a igualdade A+A = 2A
possível de ser estudada enquanto aditiva.
O objetivo pretendido pelos pesquisadores era verificar o
processo utilizado pela criança para transformar a operação lógica
(intuitiva ou operatória) B = A + A’, numa operação numérica A 1+A2
= 2A, o que equivale a estudar como a criança consegue construir
duas coleções iguais, tendo como ponto de partida a sua soma.
Na pr i mei r a fase a criança não concebe como iguais o
todo e a soma das partes e, tampouco, a equivalência durável
entre as duas metades (mesmo se as constitui por distribuição
termo a termo) porque seus julgamentos se fundam na percepção
da avaliação global.
212
Na fase i n termedi ári a a composição qualitativa das figuras
constituídas após a distribuição termo a termo entre as duas
coleções permite a repartição em duas metades iguais, porém,
sem equivalência durável, de modo que não se pode “falar ainda
de composição aditiva, mas, unicamente de comparações, reuniões
ou dissociações intuitivas” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.2717).
A ter cei r a fase caracteriza-se pela composição aditiva
propriamente dita, em função da igualdade durável das metades
consideradas como unidades e da equivalência de sua soma com
o todo inicial.
Este mesmo mecanismo proporciona a compreensão da
passagem da composição aditiva à composição multiplicativa, pois
a multiplicação de números inteiros positivos nx m é uma
eqüidistribuição de n coleções de m termos ou m coleções de n
termos biunivocamente correspondentes entre si, o que equivale
à uma adição de n parcelas, cada constituída por m termos ou
vice-versa.
Em resumo, as composições aditivas e multiplicativas
(lógicas ou numéricas) são solidárias entre si, isto é, a construção
psicológica de uma implica a da outra.
213
para se deixar sobre a mesa apenas as jarras iniciais J1 ,
donde a solução 2J = J1 + J2, em que J2 = os tubos postos
em correspondência com J1)? (PIAGET; SZEMINSKA, 1981,
p.278)
214
3.6.3 A CORRESPONDÊNCIA MÚLTIPLA E A MULTIPLICAÇÃO NUMÉRICA
Por ser correl ati va da corresp ondênci a si mp l es, a
comp osi ção das rel ações de equi val ênci a que engendra a
multiplicação, evolui pelas mesmas três fases: a do fracasso (da
própria correspondência e da composição); a da correspondência
termo a termo sem equivalência durável e a da correspondência e
coordenação imediatas.
Apenas uma observação em relação às crianças da
pri mei ra fase: o poder que possuem de “se adaptar às palavras e
às noções coletivas inerentes à linguagem ambiente”, isto é, mesmo
sem estabelecer a correspondência entre as coleções de flores
(10) e de jarros (10), sabem contar estas flores, não sendo tal
contagem, todavia, um método confiável para os sujeitos basearem
seus julgamentos (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.286).
As crianças da segun da fase já são capazes de estabelecer
a correspondência termo a termo sem equivalência durável.
Também apresentam um esboço de composição, ainda que
auxiliada pela intuição e não generalizada operatoriamente.
Em resumo, mesmo tendo estabelecido que X = Y e Y =
Z, os sujeitos não são capazes de concluir daí que X = Z quando
os conjuntos não são mais percebidos visualmente. O mesmo
acontece quando os conjuntos permanecem visíveis, porém com
configurações diferentes e apenas estabelecem a igualdade X = Z,
quando fundada numa constatação visual e não mediante uma
composição operatória.
Orientada somente pela intuição a criança compara
diretamente X e Z, sem recorrer a Y para compô-los, sendo assim
induzida a oscilações. Graças às sugestões contidas nas questões
formuladas pelos examinadores, o sujeito começa a postular
equivalências duráveis entre X e Y e, depois entre Y e Z, com as
flutuações de julgamento ficando inaceitáveis de onde emerge
um início de constância. “É então que a invariância das totalidades
e a composição das relações de equivalência surgem assim
simultaneamente como os dois aspectos da mesma realidade”
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.289).
Uma vez constituída a composição das equivalências, esta
se generaliza sob a forma de correspondência biunívoca e recíproca
para um número n de coleções e de multiplicação numérica,
215
obedecendo às mesmas etapas da construção da correspondência
operatória.
Na pr i mei r a fase (avaliação global) não existe sequer a
correspondência termo a termo entre duas coleções e, portanto, a
criança não é também capaz de compreender que duas coleções
são correspondentes entre si quando correspondem a uma terceira
e, portanto, não consegue efetuar multiplicações numéricas (nem
mesmo duplicações).
Na fase i n ter medi ár i a a criança consegue resolver o
problema não de maneira operatória, mas por tentativas fundadas
na intuição. No presente caso (necessidade da duplicação dos
jarros para colocar uma flor em cada um) as crianças começam a
resolver a questão da duplicação por tateios e chegam ao resultado
pela correspondência. Aos poucos, vão tornando-a múltipla, mas
não ainda de forma operatória e abstrata.
No decorrer da primeira fase, a criança se limita a sentir
que, se se faz corresponder simultaneamente (X+Z) a Y
(quando X = Y = Z), há entre (X+Z) e Y mais que uma
simples correspondência termo a termo: desde logo, para
encontrar tantos potes V quantas flores (X+Z) há, contenta-
se em acrescentar alguns elementos aos de V, que colocou
em correspondência termo a termo com os Y. Ao contrário,
quando as crianças do presente nível começam por uma
correspondência termo a termo entre os V e os Y e
ap er ceb em -se q u e o s V assi m p r ep ar ad o s n ão
corresponderão a todas as flores (X+Z); passam então,
imediatamente, do sistema ‘1 por 1’ para o sistema ‘2 por
1’. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.294)
É exatamente esta passagem do sistema “1 por 1” para o
sistema “2 por 1” que reside o progresso de uma fase para outra,
em direção à multiplicação, pois a criança passa, de nV a (n+n)V,
partindo da constatação de que nY← →n2V, sem conceber,
diretamente, a igualdade n+n = 2n porém, já postulando ( n+n)V
e não (n+n’)V, com n’ representando um incremento qualquer,
como na primeira fase.
Todavia, esse progresso não é ainda suficiente para indicar
que os sujeitos já são capazes da multiplicação propriamente dita,
pois ainda não dominam a composição das relações de equivalência.
Não chegam, também, numa primeira tentativa, à correspondência
múltipla ao contrário, é só quando verificam a existência de um
resíduo nas suas investidas para estabelecer a correspondência
simples que concluem pela passagem de n para n+n.
216
Finalmente, se a correspondência múltipla já fosse
compreendida como uma relação multiplicativa, esta seria passível
de generalização para 3n, 4n ou 5n, o que não ocorre porque o
sujeito não compreendeu ainda que 2n = n+n e, mesmo a passagem
de n para (n+n), se dá de forma empírica e, conseqüentemente,
não generalizável.
A equivalência por correspondência biunívoca e recíproca
é, então, uma equivalência de ordem multiplicativa (qualitativa).
E, lembrando que, como já foi visto anteriormente, a equivalência
aditiva é de ordem quantitativa, verifica-se a existência de uma
variedade de formas de equivalência qualitativas ou numéricas.
A passagem da multiplicação de classes para a de números
se efetiva mediante processo análogo ao da passagem da adição
das classes à dos números.
É importante frisar que os pesquisadores aproveitaram o
momento do “fechamento” dos estudos sobre as composições
aditiva e multiplicativa de classes e números, para destacar,
novamente, a estreita solidariedade de construção entre classes e
números.
217
As provas realizadas objetivavam verificar inicialmente o
desenvolvimento da medida e, depois, a composição das unidades
numéricas. É importante especificar que, embora elementar, a
construção de uma métrica repousa sempre sobre a composição
das relações em jogo de forma que a opção de se examinar em
separado as questões de medida e de composição atende apenas
a critérios de clareza de exposição.
Para analisar a questão do desenvolvimento da medida
f oram f ormul ados três p robl emas: o da conservação das
quantidades; o da medida numérica espontânea e o da utilização
de uma medida dada. As fases de evolução são as habituais.
A pr i mei r a sem conservação em função do primado da
percepção e na qual a criança também não chega à noção de
medida comum. Além disso, se lhe é apresentada uma medida, o
sujeito não a leva em conta e continua avaliando globalmente.
As reações características desta fase deixam evidentes que
enquanto não existe conservação de quantidades é impossível
qualquer espécie de medida, pois quantidades não-conserváveis
não são componíveis entre si.
Se os termos pré-lógico ou pré-numérico possuem um
sentido, é difícil não empregá-los para designar um
comportamento no qual a impossibilidade da medida
resu l ta d e u m a n egação tão cru a d o s ax i o m as d e
equivalência. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.305)
218
unidades e introduzi-las num sistema de equivalências.
Assim, o último estudo a ser realizado no livro A gên ese
do n úmero n a cri an ça , objetiva analisar as composições lógicas e
operatórias que engendram a medida, estudando: a coordenação
das relações inversas; a transitividade das equivalências e, a
composição aditiva e multiplicativa de ordem numérica que têm
origem nessas relações.
As fases encontradas são: ausência de composição; início
de composição (intuitiva e não operatória) e êxito em todas as
composições elementares.
Durante a pri mei ra fase cujo interesse reside em confirmar
(como em todas as outras situações) a inexistência de estruturas
“pré-formadas”, os sujeitos são incapazes de qualquer composição,
tanto lógica, quanto numérica.
A segun da fase ou fase intermediária é a mais interessante
(em qualquer situação), pois possibilita a observação dos conflitos
que conduzem, inevitavelmente, às construções em jogo, com o
pensamento se libertando da percepção imediata e caminhando
em direção à reversibilidade operatória. No caso específico, as
crianças desta fase buscam coordenar as relações de altura e largura
sem ainda utilizar as proporções e recorrendo à coordenação das
equivalências (sem rigor dedutivo). Existe também um início de
composição numérica (intuitiva), porém os julgamentos são
contraditórios e presos à percepção.
Ultrapassados os conflitos, a tercei ra fase se caracteriza
pela construção operatória da composição aditiva e multiplicativa
das relações e dos números. Ao contrário das anteriores, nas quais
o primado era da avaliação perceptiva em relação às composições,
as crianças desta fase combinam as unidades de medida entre si,
med i an te u ma i gu al i zação d as d i f eren ças e, n o vamen te,
evidenciando a interdependência das noções em jogo:
[...] é no momento em que a criança se torna capaz de
uma composição rigorosa das operações elementares da
lógica das relações (adição e multiplicação das relações
assimétricas) que obtém êxito também as provas de
composição numérica, aditiva e multiplicativa ao mesmo
tempo, quando essa composição versa sobre as mesmas
relações. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.322)
219
3.8 A SÍNTESE DOS RESULTADOS
Uma primeira observação a ser feita é que na elaboração
da própria conservação já está implícita a gênese de todas as
composições, corroborando a afirmação dos autores contida no
primeiro parágrafo da introdução do livro A gên ese do n úmero n a
cri an ça : “todo conhecimento, seja ele de ordem científica ou se
origine do simples senso comum, supõe um sistema, explícito ou
implícito, de princípios de conservação”. O pensamento aritmético
e mais especificamente, o número, não constituem exceções
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.23).
Todavi a, como na el aboração da conservação as
composições (mesmo em sua gênese) não são percebidas pelo
sujeito, com as provas realizadas eles são obrigados a refletir sobre
elas, retirando-as de seu “estado virtual” e, conseqüentemente,
tomando consciência delas.
Uma outra observação decorrente dos resul tados
encontrados é que as fases da construção da conservação (ou
quantificação) e as do desenvolvimento das composições aditivas
e multiplicativas sejam exatamente sincrônicas.
Os resultados obtidos anteriormente deixam evidente que
as classes, as séries e os números, bem como a adição e a
multiplicação das classes, das relações e dos números estão
implícitos na construção de qualquer classe, qualquer relação e
qualquer número.
Além disso, o processo envolvido em cada uma das construções
culmina com o acabamento dos agrupamentos lógicos e dos grupos
numéricos. E mais, cada uma destas estruturas foi construída
mediante três etapas.
Durante uma pr i m ei r a com a avaliação da criança
fundamentada apenas sobre as qualidades (quantidade bruta) há
total ausência de conservação, de composição de qualquer ordem
( f ech amen to ) , d e reversi b i l i d ad e ( el emen to i n verso ) , d e
equivalência (transitividade), de identidade (elemento neutro), de
associatividade e, conseqüentemente, sem constituição de unidades
numéricas. Portanto, não existe nem um arremedo de agrupamento
lógico ou de grupo numérico.
A segu n da fase se caracteri za p el o i níci o de uma
coordenação intuitiva, com as relações perceptivas começando a
220
se coordenar não mais em totalidades globais. O sujeito começa a
co m p r een d er ( i n tu i ti v a e m esm o ex p er i m en tal m en te) a
coordenação das relações inversas o que permite uma comparação
entre dois termos embora ainda elementar, emergindo uma
equivalência não durável de coleções e dando início à constituição
das unidades numéricas.
A conservação, a coordenação das relações inversas e das
diretas surge, assim, necessariamente, apoiando-se umas
nas outras. Por este próprio fato surgem, igualmente, certas
igualdades numéricas, pois os termos equivalentes podem
ser contados e colocados em correspondência com os
outros e etc. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.325)
221
Assim é possível verificar que, desde a gênese destes três
elementos, até seu acabamento final (agrupamentos lógicos e grupo
numérico), o número surge como síntese da classe e da série, ou
das relações simétrica e assimétrica. Dito de outra forma, o número
emerge da igualdade e da diferença, porém, num imbricamento
constante, solidário e sincrônico demonstrando que a construção
do número não se dá de forma linear.
222
ainda imperfeito, tende a estabilizar-se com a interiorização das
ações constituída pela representação intuitiva. Além disso, existe
um domínio perfeito da linguagem que possibilita uma extensa
gama de provas, segundo o procedimento geral de conversação
livre, com a criança dirigida pelos problemas colocados, mas,
alterando freqüentemente a rota, sempre que as respostas dos
sujeitos assim o determinassem.
Quanto ao embasamento teórico se restringir à obra citada
para evidenciar o caráter não linear da construção do número,
esta opção foi feita, com a intenção de evidenciar que esta obra,
sobre a qual se fundamentam as principais propostas metodológicas
“piagetianas” para o ensino do número é suficiente para este fim.
O s r esu l tad o s n el a co n ti d o s, d esd e q u e an al i sad o s em
profundidade, não dão margem a interpretações outras que não a
da construção solidária e sincrônica dos números, das classes e
das séries.
Concluído este intento, é importante, todavia, acrescentar
outros resultados das pesquisas de Piaget e seus colaboradores,
que corroboram ou complementam os explicitados na obra em
questão. A maioria destes resultados foi posterior a A gên ese do
n ú mero n a cri an ça , porém, são abordadas aqui, também, algumas
considerações contidas no livro O n asci men to da i n teli gên ci a n a
cri an ça , de publicação anterior.
Já ficou evidenciado que o número emerge como síntese
das classes e das séries em torno dos 7 anos, porém, não é apenas
a partir daí que existe o número. É fato que a sucessão dos números
só é possível a partir dos 6 ou 7 anos, porque se apóia sobre os
agrupamentos lógicos que não se encontram ainda suficientemente
elaborados nos níveis anteriores, de forma a possibilitar a iteração
da unidade. Isto é devido a que, apesar de já conhecer, mediante
a linguagem (interação social) uma série de conceitos (palavras-
número, por exemplo), a criança de idade inferior aos 6 ou 7 anos
não sabe agrupar tais conceitos logicamente por composições
reversíveis.
Em outras palavras, os conceitos de caráter extensivo e
métrico se constituem de forma operatória quando existem
agrupamentos lógicos (de caráter intensivo) sobre os quais podem
apoiar-se.
223
Est es agr u p am en t o s i n t en si v o s n ão p r eced em ,
necessariamente, no tempo à sua quantificação extensiva,
u m a v ez q u e est a q u an t i f i cação p o d e ef et u ar -se
i m ed i at am en t e d ep o i s d a co n st i t u i ção d aq u el es
agrupamentos, ou seja, ambas construções intensiva e
extensiva podem apoiar-se uma sobre a outra. (PIAGET,
1975, p.97).
12
Piaget e Szeminska consideram os quantificadores como números primitivos.
224
das ‘relações’, também os esquemas secundários implicam
uma relacionação consciente das coisas entre si. (PIAGET,
1987, p.75)
225
imitação diversa, segundo a qual a criança é capaz de reproduzir
1-2 vezes ou 4-5 vezes, o mesmo movimento.
A criança pequena (assim como os pássaros, segundo
pesquisa de Otto Köhler), pode discriminar coleções de dois a
seis objetos bem antes da construção da sucessão operatória dos
inteiros. Estes números são chamados de i n tui ti vos ou fi gu rai s.
É interessante frisar que em A gên ese do n ú mer o n a
cr i a n ça (1941), Piaget e Szeminsk a limitam a 3 o máximo
discriminado pela criança do sensório-motor e a 4 ou 5 os números
intuitivos, ao passo que na obra de 1960 (referência 1975, neste
trabalho), o autor fala em 2 a 6, valores estes compatíveis com
pesquisas mais atuais.
O “princípio” do número é encontrado, pois, nas ações
mais elementares do sujeito, com a experiência sendo indispensável
à criança (assim como o foi para o homem primitivo), para a
construção do número e para a descoberta das relações aritméticas
elementares. Porém, no caso do número, a relação do sujeito com
o objeto é especial, pois na experiência “numérica” o objeto
desempenha um papel de suporte da ação, uma vez que têm,
para o sujeito, apenas o valor de índices perceptuais de sua ação
de enumerar e não constituem elementos do número.
Um outro aspecto que merece ser destacado é que o
número, em todos os níveis, não procede das ações particulares
que caracterizariam um tipo especial entre outras, mas, sim, da
coordenação de ações. Com efeito, reunir e ordenar não constituem
ações específicas como puxar, empurrar, pesar, levantar, etc., mas,
são ações que resultam da coordenação de outras ações.
Tais coordenações necessitam, em seus primórdios, de
objetos para se exercer e se aplicar não significando, todavia, que
sua estrutura proceda do objeto como tal, ao contrário:
Constroem estas estruturas à medida em que se desenrola
seu funcionamento, começando pelos ritmos orgânicos e
psicobiológicos, continuando pelas regulações perceptuais
e depois intuitivas e terminando pelas operações lógico-
aritméticas: término concreto final deste processo de
eq u i l íb r i o ( e p o n t o d e p ar t i d a d as f o r m al i zaçõ es
p osteri ores) , p orém que cul mi na num p rocesso de
coordenação que se i ni ci ou com a organi zação e a
assimilação psicobiológica. (PIAGET, 1975, p.134)
226
A coordenação das ações não contém, de antemão, nem
a lógica e nem o número, porém, como as operações lógico-
aritméticas têm sua origem na abstração a partir da ação, as
coordenações que as engendram são, ao mesmo tempo, construídas
e reflexivas. Assim, tais coordenações constituem, em relação às
operações lógico-aritméticas, um a priori funcional e não estrutural.
Uma vez admitida esta espécie de a pr i or i funcional que é
a coordenação das ações do sujeito, as operações lógicas
e numéricas se constroem ao mesmo tempo, por abstração
da organi zação sensóri o-motora e p or comp osi ções
gen er al i zad o r as d o s car acter es assi m ab str aíd o s,
composições cada vez mais dinâmicas e reversíveis porque
cada vez melhor equilibradas. (PIAGET, 1975, p.135)
227
Introduction a la épistemologie génetique – la pensée mathématique,
os estudos acerca da construção do número.
E, mais, pesquisadores como J. M. Hyde e J. Goodnow,
controlaram as fases descritas por Piaget e Szeminska, repetindo
as provas realizadas, o primeiro, com crianças árabes, indianas,
somális e inglesas e, o segundo, com crianças chinesas, sendo
encontrados nestas e naquelas, resultados análogos e praticamente
nas mesmas idades que os obtidos em Genebra. Ving-Bang, por
outro lado, padronizou os experimentos realizados por Piaget e
Szeminska.
O s p esq u i sad o r es d o Cen tr o I n ter n aci o n al d e
Epistemologia Genética realizaram diversas pesquisas, com um
leque de questões, como o estabelecimento das relações entre o
número, a classe e a série; a análise da especificidade (ou não) do
número; a importância da recorrência; a controvérsia de Russell e
Poincaré; a formalização da concepção piagetiana de número e
sua compatibilidade em relação à teoria dos números, ou, ainda,
as relações entre a psicologia da aprendizagem e o ponto de vista
operatório, etc.
É importante que, todos os resultados vieram ampliar,
complementar ou corroborar os já descritos em A gên ese do n úmero
n a cri an ça , sendo que somente os obtidos por Gréco, em seu
trabal ho “ Qu a n ti té et Qu oti té, n ou vel l es r ech er ch es su r l a
correspon dan ce terme-à- terme et la con servati on des en sembles” ,
publicado, em 1962, no vol. XIII dos Études d’épistémolgie
génétique, os altera, (complementando).
São abordados aqui, apenas os “novos” resultados que
se relacionam diretamente com os objetivos deste trabalho, isto é,
os que estabelecem as relações entre série, classe e número e os
que relacionam quotidade e quantidade.
Os resultados anteriores davam conta de que a evolução
da noção de número inteiro passa, de um nível essencialmente
figural aos níveis operatórios, o mesmo acontecendo com o
desenvolvimento das classes e das séries. Por outro lado, as análises
da conexidade numérica e da comutatividade demonstraram que,
as estruturações do número demoram muito tempo antes de se
libertarem de limitações análogas às dos agrupamentos qualitativos
como, por exemplo, composições contíguas sem inferências à
distância.
228
Assim, é possível, então, detectar, diversas indiferenciações
(particularmente nos primórdios), entre números, classes e relações
assi métri cas e são ex atamente estas i ndi ferenci ações que
possibilitam estabelecer as relações cronológicas entre as três
diferentes etapas de evolução e as ações ou interações entre as
três espécies de estruturas.
Do ponto de vista cronológico, os resultados encontrados
nas novas pesquisas de Piaget e seus colaboradores são notáveis:
[...] o número não é construído antes das classes e das
relações e nem após elas (isto é, após sua aparição ou
após sua estruturação em agrupamento), porém, todos os
três são construídos juntos, por etapas progressivas e
sucedendo-se sincronicamente, pelas mesmas etapas de
estruturação. É assim que já se encontram igualizações
numéricas momentâneas por correspondência ótica ao
nível onde as classificações procedem por coleções figurais
e onde as seriações apresentam as estruturas análogas,
en q u an to q u e as co r r esp o n d ên ci as o p er ató r i as se
constituem no mesmo nível das classificações e das
seriações operatórias (com avanços e recuos de uns e de
outros). (PIAGET, 1960, p.63)
229
estruturas durante seu desenvolvimento, ao final das justificações
apresentadas, fundamentadas no livro A gên ese do n úmero n a
cr i an ça , os “novos” e “velhos” resultados abordados dirimem
quaisquer equívocos.
Encerrando esta análise acerca dos “novos” (e velhos)
resultados, comentamos os obtidos por P. Gréco e A. Morf, e
apresentados no Str u ctu r es n u mér i qu es élémen tai r es, de 1962,
acerca das novas p esqui sas real i zadas p or Gréco sobre a
correspondência termo a termo e a conservação de conjuntos,
que levaram ao estabelecimento da diferença entre quan ti dade e
qu oti dade.
As provas que mereceram a atenção de Gréco foram as
referentes à conservação ou não do número, a partir da colocação
de duas fileiras de fichas (7 a 10 vermelhas e 7 a 10 azuis), para
serem colocadas, pela criança, em correspondência ótica. De modo
mais específico, são apresentadas à criança, de 7 a 10 fichas azuis
bem alinhadas (com as fichas estando dispostas bem próximas
uma da outra) e se solicita à criança que coloque uma outra fileira
de fichas vermelhas, com o “mesmo tanto”. Foram encontradas
quatro fases, uma a mais que Piaget e Szeminska, com a fase
determinada por Gréco podendo ser situada entre a segunda e a
terceira fase descritas em A gên ese do n úmero n a cri an ça . A n ova
fase foi admitida por Piaget, conforme consta do prefácio da terceira
edição francesa de sua obra principal sobre o tema, prefácio este,
datado de maio de 1964:
[...] as fases sucessivas são então as seguintes: 1) a criança
constrói uma fileira do mesmo comprimento, mas sem
correspondência termo a termo; 2) ela consegue uma
correspondência ótica exata, mas, se se espaça um pouco
os elementos de uma das fileiras, a criança acredita que a
fileira mais comprida adquire, por este fato, um número
superior (8 em vez de 7, etc.); 3) na mesma situação, a
criança pensa que o número se conserva mas que a
quantidade aumenta (conservação da quotidade, mas não
ainda da quantidade), com o nome numérico, pois, não
sendo, ainda, mais que um meio de individualizar os
elementos, mas sem que a quantidade total seja concebida
como igual à soma das partes; 4) na mesma situação, há,
daí por diante, conservação tanto da quantidade como da
quotidade. (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.19)
230
esta interfere, diretamente, na constituição do aspecto ordinal,
uma vez que a posição de um número na seqüência numérica
depende de quantos números existam antes dele. Em outras
palavras, a contagem é importante para que a seriação se torne
operatória.
A questão da quoti dade não altera a interdependência
das classes, séries e números, mas, permite destacar melhor o
papel da contagem nessa construção, particularmente, no que se
refere à classificação.
De fato, quando do estudo da composição aditiva das
classes, nas situações em que uma classe podia ser designada e
delimitada por uma palavra ou combinação de palavras (meninos,
meninas e crianças, por exemplo), os sujeitos apresentavam mais
facilidade e melhores resultados na solução dos problemas de
inclusão hierárquica. Em outras palavras, as dificuldades continuam
existindo, mas a criança “lá chega, mais cedo ou mais tarde, graças
ao sistema das próprias palavras”. Esse fato, associado à quotidade,
faz com que seja legítimo pensar que a contagem, permitindo
desi gnar col eções p or p al avras-números, p ossa col aborar,
efetivamente, a partir da segunda fase, (correspondência sem
equivalência durável), com a construção do conceito de número
(PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.229).
Assim, de posse da quoti dade, a criança já é capaz de
denominar numericamente uma coleção; por outro lado, coleções
definidas e delimitadas por palavras que se organizam num sistema
hierarquizado e incluídas umas nas outras, facilitam a compreensão
da inclusão hierárquica das classes. Ora, a seqüência de palavras-
número utilizadas na contagem constitui um sistema deste tipo e,
se a criança for levada a refletir sobre isto, quando da contagem,
esta última pode, a partir da constituição da quotidade, representar
um salto qualitativo em direção à construção do número na criança.
Estas últimas considerações deixam evidente, que é
possível, ao contrário do que propõem as propostas metodológicas
“ p i ageti anas” , justi fi car ati vi dades de contagem, antes da
constituição do número enquanto estrutura acabada recorrendo-
se à teoria estabelecida por Piaget e seus colaboradores. Dessa
forma, as propostas atuais que defendem o uso da contagem no
trabalho pedagógico com o número, não estão “além de Piaget” e,
sim, eventualmente, o pressupõem, numa compreensão mais
totalizante e dinâmica da teoria.
231
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Milênios foram transcorridos desde que os primeiros
hominídeos começaram a fazer uso do número até que esta
fantástica ferramenta matemática tivesse sua natureza específica
investigada sistemática e efetivamente, o que só aconteceu a partir
do século XIX. Pitágoras, na Grécia Antiga, e Kronecker, no século
XIX, podem ser considerados precursores dessa investigação,
porém, tanto um, como o outro, estabeleceu, como “divina” a
n atu r eza d o s n ú m er o s i n tei r o s, o q u e, ev i d en tem en te,
impossibilitou maiores aprofundamentos. O questionamento acerca
da natureza do número desencadeou a famosa “ cri se dos
fundamentos” da qual originaram as três principais correntes do
pensamento matemático: o l ogi ci sm o, o i n tu i ci on i sm o e o
for mali smo, com as duas primeiras apresentando definições
antagônicas para o número.
Não foram, contudo, os matemáticos os únicos a se
preocuparem com a natureza do número. Filósofos, lógicos e
psicólogos também se debruçaram sobre o problema, instaurando
um verdadeiro “caos” teórico. Porém, nenhuma das soluções
apresentadas estava isenta de contestações.
Tal situação, com certeza, tornava a questão interessante
do ponto de vista epistemológico, justificando uma análise genética
que foi realizada, a partir da segunda metade da década de 1930,
por Jean Piaget e Alina Szeminska.
Em 1941 Piaget e Szeminska publicaram La gèn ese du
n ombre chez l’en fan t , livro que constituiu um divisor de águas no
que se refere ao ensino do número e a repercussão foi tanta que
fez com que não apenas a maneira de se ensinar número fosse
questionada, mas, inclusive, se tal ensino era possível. E isso,
apesar da questão do en si n o do n úmero ter passado ao largo dos
motivos que impulsionaram os pesquisadores.
Os resultados das pesquisas de Piaget e Szeminska
conduziram à definição de número como síntese da classificação
e da seriação, porém, irredutível a qualquer uma destas operações,
caracterizando-se, portanto, como um terti um entre as definições
do logicismo de Russell e o intuicionismo de Poincaré.
Face essa “descoberta”, os educadores que estavam
insatisfeitos com o ensino da matemática, procuraram suas possíveis
232
aplicações pedagógicas ao ensino do número, o que, aliás, já estava
sendo realizado, de uma maneira geral, com os demais resultados
da epistemologia genética (basta citar, Hans Aebli, por exemplo).
É importante lembrar que, como tratamos no capítulo I,
o ensino da matemática vem preocupando professores e cientistas
desde o século XIX e que, a partir das décadas iniciais do século
XX, intensificaram-se as discussões sobre o tema, discussões estas,
que, não se encontram, absolutamente, esgotadas.
Os resultados de Piaget e Szeminska foram praticamente
contemporâneos ao maior esforço mundial realizado na tentativa
de se resolver o descontentamento reinante em relação ao ensino
da matemática: o movimento renovador ou matemáti ca modern a
que desencadeou uma grande reforma nesse ensino como um
todo, em especial, no de número.
Anteriormente à reforma, a ênfase estava na transmissão
social do conceito de número, admitindo-o como algo pré-existente,
repetindo-se, exaustivamente, a seqüência numérica, com vistas à
memorização. Após 1970, a ênfase se deslocou para atividades de
caráter l ógi co, p arti cul armente, as de cl assi f i cação e de
correspondência termo a termo, atividades estas, que praticamente
repetiam as realizadas nas experiências de Piaget e Szeminska
(que não possuíam a menor intenção pedagógica). De certa forma,
o objetivo para se ensinar números parece ter se transformado na
preparação do aluno para realizar com êxito as provas descritas
no livro A gên ese do n úmero n a cri an ça.
A matemática admitia, naquela época (e ainda hoje), as
definições russelianas de números cardinal e ordinal e utilizava
bijeções para determinar a cardinalidade de conjuntos e assim, na
definição matemáti ca de número estavam envolvidos os mesmos
elementos da definição piagetiana: as classes e as séries.
Como a matemáti ca modern a objetivava aproximar o
saber ensinado na escola do saber desenvolvido pela ciência
matemática, o fato da definição m atem áti ca e da definição
pi ageti an a de número envol verem os mesmos el ementos,
p rop orci onava um resp al do de natureza, di gamos, p si co-
pedagógica para um n ovo ensino do número.
A partir de então, em nome de uma estreita aproximação
entre a matemática moderna e a teoria piagetiana, as atividades
233
lógicas foram consideradas fundamentais à construção do número.
As diferenças entre as definições, como por exemplo, o fato da
definição matemática conceber os aspectos cardinal e ordinal do
número como independentes e da definição piagetiana afirmar a
indissociabilidade destes, parece não ter sido levado em conta.
Ainda, em função da interpretação equivocada de uma
construção hierárquica e linear do número, as classes e séries
foram assumidas como integrantes essenciais de uma etapa anterior
ao advento do número e, portanto, pré-n uméri ca . Ao ser admitida
a existência de uma etapa eminentemente lógica anterior ao
número, não seriam pertinentes atividades de caráter numérico,
em particular a contagem, que, careceria totalmente de significado
antes que a sín tese das classes e séries estivesse completada.
Já demonstramos que essa é uma interpretação equivocada
da teoria de Piaget sobre a construção do número, uma vez que
uma leitura mais atenta constata que esta se processa solidária e
sincronicamente com a das classes e das séries.
Não existe, portanto, nos resultados das pesquisas
p i ageti anas nada que i ndi que a p resença de um estági o
eminentemente lógico antecedendo ao numérico. Ainda mais, o
número não existe somente a partir da síntese, pois, desde o
período sensório-motor, a partir das reações circulares secundárias,
já é possível perceber a presença de quantificação e, portanto, do
número, primitivo, é verdade, mas, número.
Em resumo, o p ri vi l égi o outorgado nas p rop ostas
educativas às atividades de classificação, de seriação e de
estabelecimento de correspondências termo a termo não é passível
de ser justificado a partir dos estudos de Piaget e Szeminska.
Recentemente, a ausência de atividades numéricas ou,
pelo menos, a de ênfase nelas, na educação infantil está sendo
questionada por diversos estudiosos que acreditam e defendem
que tais atividades podem e devem estar presentes neste nível de
ensi no, fundamentados em p esqui sas que evi denci aram a
importância da contagem no desenvolvimento da noção de número
n a cr i an ça. O s r esu l tad o s d essas p esq u i sas p r o d u zi r am
questionamentos à teoria piagetiana, com críticas como, por
exemplo, a de que Piaget e Szeminska relegaram a contagem a
um segundo plano, por desprezarem os conhecimentos decorrentes
234
da interação social ou, ainda, conforme estabelecido no capítulo
I, que as recentes pesquisas realizadas estariam “além de Piaget”,
ultrapassando-o, portanto.
Sendo a contagem um conhecimento com características
sociais, um “componente verbal” do número, existe um algo mais
embutido na crítica ao alegado despr ezo dispensado pelos
pesquisadores ao papel da contagem na construção do número.
O que parece é que se pretende retomar, em novo cenário, a
antiga crítica endereçada à epistemologia genética sobre o suposto
descuido com o fator social na construção do conhecimento.
O que desp erta a curi osi dade é que nenhum dos
p esqui sadores p rocurou veri fi car se suas p remi ssas eram
verdadeiras, se realmen te Piaget e Szeminska afirmam que o papel
desempenhado pela contagem na construção do número é
secundário e, mais, se o ban i men to dos números dos currículos
infantis justifica-se pela teoria piagetiana.
É fato que a responsabilidade sobre a reforma do ensino
de matemática realizada em 1970 pode ser atribuída aos resultados
d e Pi aget, p o i s estes d ei x ar am ev i d en te q u e o en si n o ,
particularmente o do número, tal como era realizado, era ineficaz.
O que não pode ser, todavia, imputado aos estudos de Piaget e
seus colaboradores, é como tal reforma foi realizada e, menos
ainda, a responsabilidade pelo privilégio outorgado às atividades
lógicas em detrimento das atividades numéricas na educação
infantil.
To d av i a, o q u e aco n tece é q u e, a m ai o r i a d o s
pesquisadores não apenas atribui a Piaget a “responsabilidade”
pelo ensino do número pós reforma de 1970, como também postula
que, se Piaget e Szeminska minimizaram o papel da contagem, o
fizeram, entre outras razões, por não considerarem o conhecimento
anterior da criança. Ou ainda, (e esta justificativa é a mais freqüente),
por não valorizarem a contribuição da interação social na
construção dos conhecimentos.
Os fatos constatados, sobretudo no capítulo III, mostram
que tais interpretações não são verdadeiras. Ficou evidente, no
decurso daquele capítulo, que não existe uma fase anterior à
organização numérica e nem um pré-requi si to necessário para a
construção do número, pois, mesmo a conservação de quantidade,
tantas vezes invocada como necessariamente antecedendo ao
235
número, se constitui, segundo o que as pesquisas piagetianas
demonstraram, ao mesmo tempo em que acontece a própria
construção da quantidade.
Além disso, apenas do fato de Piaget e Szeminska não
terem privilegiado em suas pesquisas uma análise mais detalhada
do papel desempenhado pela contagem na construção do número
não se pode concluir que não o consideravam importante, ao
contrário, o que se depreende é que este aspecto deveria ser
estudado com maior profundidade. Isto foi, inclusive, comprovado
pela seqüência das pesquisas realizadas pelos colaboradores do
Centro Internacional de Epistemologia Genética, como P. Gréco,
JB Grize e A. Morf, em particular.
Por outro lado, no que se refere ao papel da interação
social no caso particular do número, é preciso ficar claro que o
objetivo dos autores era estudar a psicogênese deste conceito e,
portanto, tal questão não é explicitamente abordada no texto A
gên ese do n úmero n a cri an ça . Entretanto, o conjunto da obra do
mestre genebrino deixa claro que, embora a existência de um
sujeito epistêmico, que constrói universais, esteja comprovada, a
construção do conhecimento só é possível a partir das relações
que o sujeito estabelece com os objetos, incluídas aí, as pessoas,
as idéias, a cultura, etc., significando, obviamente, uma interação
com o meio como um todo, inclusive o social.
Não se pode, também, desprezar importantes constatações
que estão implícitas no livro em questão e que se referem à
interação social, como no caso da análise das composições aditivas,
com as crianças apresentando maior facilidade para incluir
hierarquicamente em situações em que as classes em jogo podiam
ser designadas e delimitadas por uma palavra ou sistemas de
palavras, demonstrando que o con heci men to soci al colabora com
as construções lógicas.
Como a seqüência de palavras-números utilizada na
contagem constitui um sistema que representa classes embutidas,
acredito que este é um ponto que poderia ser investigado mais
profundamente, de modo a justificar, agora mediante a teoria
piagetiana, a importância da contagem na construção do número.
Uma outra situação que poderia, também demandar uma pesquisa
específica, é a relatada quando das experiências acerca da
correspondência ordinal, com as crianças que já apresentam uma
236
equi val ênci a cardi nal não durável e, uma vez desf ei ta a
corresp ondênci a vi sual , as cri anças acredi tam que p odem
restabelecer a equivalência per di da, recorrendo às categorias e
que dependem do cardi n al . Parece que neste momento, também,
a contagem pode possibilitar um salto qualitativo. Estes, são, porém,
possíveis temas para outras pesquisas.
Fi nal mente, uma vez estabel eci do que consi derar
atividades lógicas como pré-requisitos exclusivos para a construção
do número é uma utilização equivocada ou mesmo inadequada
dos resultados de Piaget e Szeminska, significa abandonar tais
atividades e se retornar ao ensino de número, tal como era
anteriormente à reforma de 1970?
Seguindo o exemplo de Piaget, o que acredito ser
recomendável, é o estabelecimento de um terti um.
Não se defende aqui, nem que a criança já tenha
construído o número antes de usá-lo como preconizava a reforma
e, nem que a criança deva usá-lo, exaustivamente antes de poder
pen sar o número, como fez a humanidade o que, em outras
palavras, significa, nem a redução às atividades lógicas e nem às
numéricas. Tanto as atividades lógicas, quanto as numéricas são
importantes desde que realizadas adequadamente. O que é
inegociável é a solidariedade entre elas, que deve ser procurada e
evidenciada quando do desenvolvimento das atividades em sala
de aula.
Para não p erderem o objeti vo p ri nci p al de serem
efetuadas, que é o de p ossi bi l i tar o desenvol vi mento do
pensamento lógico, as atividades de classificação e seriação
necessitam, quando de sua realização, de materiais manipulativos
e do estabelecimento de situações significativas. Também deve
ser evitado que a essas atividades seja dado o tr atamen to de
“conteúdos específicos” a serem trabalhados e passar a se en si n ar
denominações do tipo “o conjunto das maçãs”, etc.
Assim, não devem ser enfatizadas atividades do tipo
“ co n to r n ar co l eçõ es d e o b jeto s” , o u d e “ l i gar ” o b jeto s
qual i tati vamente homogêneos, como f orma de comp arar
quantidades e outras similares, devendo ser privilegiadas as que
se relacionem à descoberta de regularidades (que permitem,
trabalhar, simultaneamente com diferenças e equivalências), ou
237
de lei de formação de padrões geométricos (misturam qualidade e
quantidade), por exemplo. Alguns textos nesta direção já foram
publicados aqui no Brasil.13
Atividades numéricas e as de caráter lógico podem e
devem ser realizadas sincronicamente. Isto significa levar em conta
as competências numéricas iniciais dos alunos, lembrando que,
mesmo sem ter completado a construção do número, a criança
pode empregá-lo parcialmente e deve ser estimulada a usar seus
conhecimentos e discutir com seus pares os resultados encontrados.
Esse estimular , porém, relaciona-se com o estabelecimento
de situações significativas em que a utilização da contagem seja
muito mais uma escolha da criança do que a necessidade de
obedecer a alguma determinação prévia e arbitrária do professor.
Com esse enfoque, atividades em que se supõe que o
número possa ser depreendido dos objetos, como se fosse um
conhecimento de natureza física, não são importantes para o
desenvolvimento da noção de número.
É verdade que a aprendizagem acontece o tempo todo e
na maioria das situações, inclusive observando, imitando e
repetindo as ações do professor, mesmo quando se trata de
manipulação; porém, é a postura do professor, que não deve jamais
se esquecer que tudo deve ser considerado na perspectiva
operatória, para que a qualidade da aprendizagem seja melhorada.
É preciso que se tenha clareza de que o mecanismo
envolvido na construção do conhecimento matemático, como já
evi denci ado no tóp i co “ a qu estão do for m al e do fato n o
con hecimen to matemático” é a abstração reflexion an te e, portanto,
não envolve apenas os objetos como tais ou as próprias ações do
sujeito no seu aspecto material, mas, sim, retira sua substância das
coordenações de ações do sujeito, mesmo que ainda inconscientes.
Além disso, os objetos em si, particularmente no caso do
número, são coadjuvantes do processo, uma vez que suas
qualidades particulares são abstraídas para a constituição das
unidades, atuando, portanto, apenas como índices perceptuais para
o ato de contar, n ão con sti tui n do elemen tos do n úmero.
13
Textos de Clarissa S. Golbert, de “Jogos Matemáticos - A Thurma” , por exemplo.
238
Assim, mesmo antes de estar completada a síntese, o
n ú mer o é algo qu e se acr escen ta aos objetos14 . Em resumo, o
número, em absoluto, é extraído a partir dos objetos.
Enfim, muito mais do que um elenco de atividades que
possam favorecer a construção do número, o que importa é a
postura do professor, que deve ser um bom “perguntador”, ao
invés de um bom “respondedor”; deve entender, que é muito
mais fácil trabalhar a partir do que a criança já conhece 15 e, no
caso específico do número, não descuidar diversas formas de
representação, dos diferentes significados do número, decorrentes
da interação social.
E isso porque, atividades formais que promovam a
construção do número, como conceito abstrato (independente da
representação), não são exatamente necessárias quando existe uma
interação adequada entre a criança e o meio e é a forma como são
trabalhadas que pode fazer a diferença. O mesmo não se pode
dizer de crianças com algum tipo de deficiência, para quem,
situações artificiais devem ser criadas, de modo a compensar a
interação inadequada.
A questão da construção do número em sua face
pedagógica não está, absolutamente, esgotada e é evidente que o
que aqui se estabeleceu, foram alguns parâmetros, mesmo porque
não era objeti vo deste trabal ho ap resentar uma p rop osta
metodológica. O que aqui se pretendeu, foi mostrar os usos
inadequados dos resultados das pesquisas de Piaget e Szeminska,
decorrentes de interpretações equivocadas, cujas conseqüências
foram nocivas não apenas ao ensino da matemática, como também
geraram críticas indevidas à teoria piagetiana.
Desfeitos os equívocos assinalados nas páginas anteriores,
acredito que atividades lógicas e numéricas podem e devem
conviver na Educação Infantil; que pesquisas acerca da importância
do papel desempenhado pela contagem na construção do número,
podem e devem continuar, uma vez que o tema não está esgotado.
O que não pode e não deve continuar acontecendo, são
as críticas infundadas à teoria piagetiana, responsabilizando-a pelos
14
A reunião 1 + 1 = 2, por exemplo, acrescenta a cada um dos objetos contados como unidades
1 e 1, a nova propriedade de constituir um todo 2.
15
É mais fácil compreender inclusão de classes, quando se trata de meninos, meninas e crianças,
do que contas brancas, castanhas e de madeira, por exemplo.
239
usos (e abusos) que dela fizeram e as afirmações de que os
resultados encontrados nos estudos acerca da contagem estariam
“ al ém d e Pi aget” , q u an d o , n a v er d ad e, tai s p esq u i sas
complementam e dinamizam a sólida base proporcionada pelo
trabalho de Piaget e seus colaboradores.
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Sobre o Livro
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Tipologia: gatineau
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Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
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