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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

CORPO EM EXCESSO

Carolina Ciconet Marostica

Dissertação

Mestrado em Pintura

Dissertação orientada pela Profa.Catedrática Isabel Maria Sabino Correia

2016
~
RESUMO

A presente dissertação é fruto da articulação de uma pesquisa prática e outra


teórica, realizadas simultaneamente. As questões investigadas surgem da prática artística
e após a investigação teórica voltam a reverberar nela.
Para compreender a noção de corporalidade em minha poética, investigo seu papel
na sociedade e na história da pintura. Assim, no primeiro capítulo exponho a maneira
como o homem lida com seu corpo, analisando as tentativas de controle sobre ele e aquilo
que escapa a essas, revelando o seu excesso. Como fundamento, destaco as ideias de
Sigmund Freud, Herbert Marcuse, Julia Kristeva e Georges Bataille.
Em um segundo momento, falo das consequências da depreciação do corpo na
história da pintura. Ressalto o dualismo platônico e a análise de Jacqueline Lichtenstein
da influência deste na arte. Falo do preconceito que a pintura sofre por parte da filosofia
em função da imitação, da artesania, da cor e da materialidade inerentes a ela.
Por último, mobilizo os conceitos apresentados previamente na abordagem do
meu projeto artístico. O trabalho é pensado como um organismo e é descrito, de seu
processo até o encontro com o espectador, como um corpo em excesso.

Palavras-chave: corpo, pintura, instalação, abjeção, monstro


ABSTRACT

This dissertation is the result of simultaneously combining practical and


theoretical researches. The investigated issues arise from artistic practice followed by
theoretical research that reverberates in the former.
To understand the corporeality notion in my poetics, I investigate its role in society
and in the history of painting. So, in the first chapter I expose how man manages his body,
analyzing attempts to control it and what escapes from it, revealing its excess. As a
theoretical basis, I highlight the ideas of Sigmund Freud, Herbert Marcuse, Julia Kristeva
and Georges Bataille.
In a second moment, I write about the consequences of body depreciation in the
history of painting. I emphasize the Platonic dualism and Jacqueline Lichtenstein's
analysis of its influence on art. I write about the prejudice that painting suffers from
philosophy because of the imitation, handicraftness, color and materiality that are
inherent to it.
Finally, I apply previously presented concepts in the approach of my artistic
project. The work is thought of as an organism and described from its process to the
encounter with the viewer, as an excessive body.

Keywords: body, painting, installation, abjection, monster


Uma camada espessa, úmida e pegajosa que contamina as superfícies. Está no chão,
nas paredes, sobe até o teto e se deposita sobre os móveis. Tem comportamento de
fungo: às vezes aparece como uma mancha quase imperceptível e antes que nos demos
por conta se prolifera e toma proporções monstruosas. Sim, de certeza é coisa viva:
sinto ali um silêncio que respira, silêncio das coisas antes de serem coisas. Um ser mal
formado, talvez... tem esse ar disforme de coisa incompleta e ao mesmo tempo é seguro
de sua forma. Me coloco diante dela e abro a boca pra colher esse gosto de bosque.
Sinto como se toda essa massa fosse envolver o meu corpo numa carícia, fazendo-se
placenta. Logo acordo desse gozo e com repulsa a vejo como algo imundo, temendo
que se aloje entre meus tecidos e se esconda ali para sempre. E se na verdade ela for
parte de nós, uma secreção que expelimos, como gotas de suor? Agora me parece
claro: somos todos feitos dessa mesma matéria. 1

1
Texto meu
Agradecimentos

O mais sincero agradecimento aos meus pais, Paulo e Jaqueline. Devo a eles tudo
o que sou e todas as oportunidades que tive. Agradeço-lhes pelo amor que nunca faltou
e me aconchegou nos momentos mais difíceis. Sou extremamente grata ao incentivo que
tive deles na minha escolha profissional. Sem as aulas de artes, as visitas a museus pelo
mundo, a ajuda nas montagens de exposições, não sei se estaria aqui.

À minha irmã Laura, que sofreu com as “artes” que fiz aos brinquedos dela quando
pequena. Felizmente ela superou isso e desde então vem sendo uma grande amiga, sempre
disposta a me ouvir.

Aos colegas de ateliê, pelas trocas tão essenciais ao processo criativo. Agradeço
especialmente à Sílvia Rodrigues e à Rafaela Nunes pela amizade que extrapolou o
ambiente da faculdade, tornando esse período mais alegre. E à Cecília Corujo, que desde
2012 faz os meus dias em Lisboa mais felizes, além de presentear-me com revelações
musicais e receber-me de braços abertos tantas vezes.

Aos amigos do Brasil que, mesmo à distância, estavam presentes. Um


agradecimento especial à Alice Wapler, que atravessou o Oceano para me visitar e ajuda
a atravessar outros mares, sempre me dando a mão. Outro ao Alexandre Copês, pelas
trocas infinitas que começaram no desenho e hoje contagiam toda minha vida. A vida
tem mais sentido com vocês.

Agradeço ainda à minha orientadora Isabel Sabino, pelo reconhecimento do meu


trabalho e disposição a acompanhá-lo.

A todos os professores de arte que fizeram parte da minha vida, meu profundo
agradecimento e admiração. Em um mundo com valores utilitaristas, em que ensino e
arte são tão desvalorizados, exercer essa profissão é revolucionário.

Dedico esta dissertação ao primeiro professor de arte que tive, meu vô Ílio.
Sumário

Introdução.................................................................................................................................... 1
1. O corpo e seus limites .............................................................................................................. 4
1.1. A doma do corpo pela racionalidade ............................................................................. 4
1.2. O corpo civilizado ......................................................................................................... 7
1.3. As fronteiras do corpo ..................................................................................................... 10
1.3.1. O corpo permeável .................................................................................................... 11
2. Pintura: corpo impuro .......................................................................................................... 17
2.1. Platão e a depreciação do sensível ................................................................................... 17
2.2. A pintura no tribunal ........................................................................................................ 19
2.3. Cromofobia ...................................................................................................................... 22
2.4. A corporalidade da pintura ............................................................................................... 27
3. Corpo em excesso: reflexões sobre o processo artístico pessoal ....................................... 33
3.1.Corpo a corpo .................................................................................................................... 33
3.2. Organismo vivo ................................................................................................................ 38
3.3. Habitat, organismo ........................................................................................................... 56
3.3.1 O corpo que vivencia: um olhar de dentro ................................................................. 66
3.4. Projeto para instalação a ser apresentada no momento da discussão da dissertação ........ 73
Considerações finais .................................................................................................................. 80
Bibliografia ................................................................................................................................ 82
Filmografia................................................................................................................................. 87
Índice de imagens ...................................................................................................................... 88
Introdução

Busco neste texto nomear as problemáticas intrínsecas da minha produção artística


e contextualizá-las no campo das artes visuais. Por acreditar que a arte não é uma área de
conhecimento isolada, utilizei-me de autores provenientes de áreas afins. Afinal, um
posicionamento artístico é também uma atitude frente ao mundo, o qual transcende
delimitações do conhecimento. Vale mencionar que, ao utilizar conceitos da filosofia, da
psicanálise e da antropologia, não é minha intenção aprofundá-los, evitando a diversão
do objeto principal de estudo. Estes operam no intuito de ampliar o entendimento de
questões referentes às artes visuais e, principalmente, à minha poética.
É da prática de ateliê que surgem os questionamentos que originam a pesquisa
teórica. De alguns anos para cá, ao refletir a respeito de meu trabalho, a palavra corpo
passou a surgir incessantemente. A constatação dessa regularidade motivou-me a
investigar os seus motivos. Pretendo nesta dissertação esclarecer a importância da
corporalidade em minha pesquisa plástica.
Que corpo é esse? De onde surge essa inquietação? Por que falar de corpo hoje?
São perguntas que nortearam essa pesquisa. Penso que refletir sobre o corpo é pensar
sobre a condição humana e que esse é o verdadeiro sentido do fazer artístico. O artista é
aquele que não se contenta em simplesmente estar vivo, que se inquieta com a existência.
Dessa inquietação surge a arte.
Para entender a corporalidade em minha produção, volto-me para a maneira como
o ser humano gere seu corpo. Assim, esta dissertação inicia-se e pela abordagem da
repressão do corpo. Dessa forma, o primeiro capítulo analisa como o homem, desde a pré-
história, lidou com seu corpo. Discorro sobre o desenvolvimento da racionalidade como
instrumento fundamental na luta pela sobrevivência e seu aspecto distintivo dos demais
animais. Partindo da interpretação evolutiva de Sigmund Freud, destaco o papel da
mudança postural do homem no seu afastamento da animalidade e no surgimento da
repressão, enfatizando a superação do olfato pela visão. Ainda me utilizando do
pensamento freudiano, abordo o elo entre a civilização e a repressão dos instintos. Falo
também das semelhanças do processo de socialização de cada indivíduo com o processo
pelo qual o homem passou em sua evolução, quanto à abdicação do princípio de prazer
em troca do convívio em sociedade.
Em seguida, exponho momentos da civilização ocidental que demonstram a
recorrência de tentativas de domesticação do corpo. Trata-se de tentativas de restringi-lo

1
ao domínio racional, conter seu excesso, como iniciadas por Platão, que influenciará o
cristianismo e o pensamento científico. Desconfiadas do corpo, filosofia, religião e
ciência exercerão seu controle sobre ele.
Ainda no primeiro capítulo, partindo da ideia de que o homem precisa ter as
fronteiras entre interior e exterior do corpo bem definidas, abordo a fragilidade delas. Falo
da dimensão incontrolável do corpo, empregando conceitos que revelam como o seu
excesso nunca pode ser contido. Assim, abordo o informe (Georges Bataille), o abjeto
(Julia Kristeva), as aproximações entre esses e suas relações com o feminino. Destaco o
papel do nojo na manutenção das barreiras corporais.
Na discussão do campo da arte, privilegio a pintura. Ainda que o meu trabalho
plástico não se limite a uma ideia tradicional de pintura, abrangendo também objetos,
colagens, e instalações, é dela que ele nasce e nela que culmina. Assim, no segundo
capítulo, falo de como a arte e, mais precisamente, a pintura, ao longo de sua história, foi
influenciada pela depreciação dos sentidos e pelo controle do corpo. Inicio por uma breve
abordagem do dualismo platônico, por ser a origem da desvalorização do corpo que
influenciará uma série de preconceitos em relação à pintura. Demonstro como a pintura é
alvo de um desprezo da filosofia, trazendo momentos de sua história em que buscou
legitimação e como essa só foi possível na medida em que a pintura provou seu
componente intelectual. Assim, falo da manualidade, do colorido e da materialidade como
características da pintura que são alvo de desprezo da filosofia.
A partir da constatação da relação da materialidade pictórica e da cor com o
excesso do corpo, busco aprofundar esses conceitos nos subcapítulos seguintes. Assim,
no subcapítulo Cromofobia, abordo o conceito de David Batchelor que se refere a um
medo da cor presente na sociedade, que gera depreciação daquela, posicionando-a no polo
oposto aos valores intelectuais e elevados.
No subcapítulo seguinte, trato da materialidade da pintura e sua conexão com o
corpo. Abordo como a corporalidade da pintura é disfarçada ao longo da história da arte.
Em contraste a essa tendência, falo das manifestações artísticas recentes que exaltam a
conexão com o corpo em obras que lidam com abjeção, contrariando a assepsia
predominante na sociedade.
O último capítulo dedica-se à análise do projeto artístico pessoal, buscando
compreender o papel do corpo nele. Neste capítulo, são retomados os conceitos
introduzidos nos capítulos anteriores. Para além do referencial teórico, utilizo-me da obra
de outros artistas, tais como Ernesto Neto, Sarah Lucas, Samara Scott e Jessica

2
Stockholder, contextualizando a pesquisa no cenário artístico contemporâneo. É
necessário ressaltar que, embora o objeto deste estudo seja o trabalho prático
desenvolvido durante o mestrado, não me limito a analisá-lo, pois o que realizei enquanto
mestranda é fruto de uma pesquisa iniciada há aproximadamente cinco anos. Por isso,
incluo obras de 2011 até o momento de conclusão da dissertação.
Inicio destacando a relação do meu corpo com a matéria no processo e enfatizando
o aspecto experimental desses procedimentos. Após isso, abordo a pintura e os objetos
como corpos. Exploro as relações de sua textura com a da pele e outros aspectos que
sugerem a ideia de bicho. Destaco a importância da tactilidade, descrevendo minha
pesquisa de materiais. Falo também do antropomorfismo e da estranheza que este pode
causar. Em seguida, abordo a minha relação com o espaço de atelier. Falo de como o
acúmulo de objetos no espaço leva a relações entre eles, que passam a formar um todo,
que denomino instalação organismo. Destaco o papel da instalação para gerar uma
experiência imersiva, intensificando a relação corporal do observador com a obra.
Concluo com a proposta da instalação que será apresentada na ocasião da
discussão desta dissertação. Como esta ainda não foi realizada, as imagens deste trabalho
estarão em um CD a ser entregue à banca assim que a obra for finalizada e registada. O
mesmo será anexado às cópias da dissertação destinadas à biblioteca da FBAUL.
Todas as citações em língua estrangeira utilizadas foram traduzidas para tornar a
leitura mais fluida.

3
1. O corpo e seus limites

Há na corporeidade humana e na natureza do homem de modo geral, segundo as


leituras que elas fazem das sociedades, uma contradição fundamental: a de ser o
homem ao mesmo tempo um ser da natureza (isto é, um animal) e algo diferente de
um animal (um ser cultural). (Rodrigues, 2006, p. 149)

1.1. A doma do corpo pela racionalidade

Ao longo da sua história, a humanidade desenvolveu competências para lidar com


o caos ameaçador da natureza. Neste enfrentamento, a racionalidade humana foi um
instrumento fundamental. Através dela, desenvolveu-se o domínio do corpo e suas
pulsões. Como não é possível saber o que a natureza, com suas forças imprevisíveis ou o
corpo, matéria frágil e instável, manifestarão no dia seguinte, a mente humana antecipa-
se. «A natureza (tanto a sua como a do mundo exterior) foi dada ao ego como algo que
tinha de ser combatido, conquistado e até violado; era essa a precondição da
autopreservação e do autodesenvolvimento» (Marcuse, 1975, p.106-107). A razão
possibilita assim a criação de estratégias de defesa a fim de garantir uma vida menos
fugaz. Trata-se da «perpétua conquista interna das faculdades inferiores do indivíduo: as
suas faculdades sensuais e apetitivas» (ibidem, pp.106-107). Marcuse comenta que, na
concepção do pensamento ocidental, a razão «tem por finalidade garantir, através de uma
transformação e exploração cada vez mais efetiva da natureza, a realização das
potencialidades humanas», opondo-se às «faculdades e atitudes que são mais receptivas
do que produtivas, que tendem mais para a gratificação do que para a transcendência»
(Marcuse, op.cit., p. 108). A razão está assim ligada à repressão.
Sendo a racionalidade o que distingue o homem dos demais animais, é preciso
compreender alguns processos evolutivos que contribuíram para seu desenvolvimento.
Em dado momento de sua evolução, o homem ergueu-se, tornando-se bípede. Essa
transição trouxe uma série de consequências para o seu funcionamento, as quais foram
analisadas por Sigmund Freud2. Enquanto quadrúpede, possuía um contato mais próximo
com o chão, o que propiciava maior conexão dos sentidos de visão e tato, como acontece

2
Ver: Sigmund Freud – O mal estar na civilização. In ― Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996 e Sigmund Freud – Três ensaios sobre
a teoria da sexualidade. In ― Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira.
Rio de Janeiro: Imago, 1995. Vol. 7

4
na maior parte dos animais. O olfato desempenhava um papel muito significativo nos
instintos sexuais, já que o nariz se situava na mesma altura dos genitais e do ânus. Ao
erguer-se, essa relação alterou-se. O homem passou a perceber o seu entorno de modo
distinto e, por conseguinte, seus objetos sexuais. Com o olfato em segundo plano e o
aumento de seu campo de visão, «seu interesse pôde se desviar dos genitais para a forma
do corpo como um todo» (Freud apud Krauss in Bois & Krauss, 1997, p. 91, tradução
minha). Ereto, passou a estar mais protegido do excesso de estímulos provindos dos
sentidos de contiguidade, que passaram a ser reprimidos. A visão deixou de ser uma
extensão do tato, que a aproximava do chão, para ocupar uma posição distanciada,
elevada. Esse afastamento possibilitou o desenvolvimento de uma «variedade de formas
de ver que separam os homens dos animais: contemplação, maravilhamento, análise
científica, desinteresse e prazer estético» (Krauss, in Krauss & Bois, op.cit., p. 91,
tradução minha). Ao distanciar-se do chão, afastou-se também do corpo.
Menos vinculado ao mundo imediato, o homem percebeu que era capaz de controlar
o seu entorno e foi aprimorando essa habilidade. Entretanto, seu desenvolvimento se deu
às custas da repressão dos resquícios de animalidade que nele sobreviveram. Freud
discorre sobre a relação da neurose com o autocontrole dos indivíduos de suas pulsões
sexuais e de sua agressividade. Este é exigido pela civilização, em prol de seu bom
funcionamento.3 Para Freud, «a substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma
comunidade constitui o passo decisivo da civilização» (Freud, 1996, p. 102). Portanto,
«ao nos tornarmos civilizados trocamos uma quota de satisfações pulsionais por maior
segurança em grupo» (Lima, Passos de Oliveira, Pinheiro, 2006, p.44). Trata-se de uma
substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade4. Neste processo,

o indivíduo chega à compreensão traumática de que uma plena e indolor gratificação


de suas necessidades é impossível. E após essa experiência de desapontamento, um
novo princípio de funcionamento mental ganha ascendência. O princípio de
realidade supera o princípio de prazer: o homem aprende a renunciar ao prazer
momentâneo (Marcuse, op.cit., p.34).

3
Em Moral sexual ‘civlizada’ e doença moderna (1908), Freud coloca a repressão das pulsões sexuais
como causa da neurose. Já em O mal-estar na civilização (1930), o autor considera que a causa do
sofrimento psíquico do homem é a repressão de sua agressividade imposta pelo desenvolvimento da
civilização.
4
Sobre a passagem para o princípio de realidade, Marcuse afirma: «A interpretação psicanalítica revela que
o princípio de realidade impõe uma mudança não só na forma e tempo fixado para o prazer, mas também
na sua própria substância. A adaptação do prazer ao princípio de realidade implica a subjugação e diversão
da força destrutiva da gratificação instintiva, de sua incompatibilidade com as normas e relações
estabelecidas da sociedade e, por conseguinte, implica a transubstanciação do próprio prazer» (Marcuse,
op.cit., p.35)

5
Georges Bataille também discorre a respeito do afastamento do homem da
animalidade. Segundo ele, o trabalho desempenhou papel importante na transição para o
mundo racional, pois influenciou a maneira como o homem gerenciava sua energia. Foi
trabalhando que o homem abandonou a animalidade, entendida como excesso (cf.
Contador Borges, 2011, p.27). Ele defende que a atividade produtiva instaurou uma pausa
na vida do homem, isto é, um novo ritmo caracterizado por um constante «cálculo do
esforço, ligado à eficácia produtiva», exigindo «uma conduta sensata» (Bataille, 1987, p.
38). Deste modo, a rotina de trabalho restringiu o espaço para a entrega total e imediata
do homem a seus impulsos agressivos e sexuais, já que estes demandavam uma quantia
de energia que precisava ser empregada no trabalho.
Freud estabeleceu um paralelo entre o desenvolvimento da espécie humana e o de
cada indivíduo. Assim como o homem abandonou um estado primitivo em sua evolução,
a criança passa por um processo repressor semelhante para poder viver em sociedade. Na
socialização, ela é ensinada a abdicar do princípio de prazer. José Carlos Rodrigues
comenta que a pessoa é considerada socializada ao abrir mão «de sua autonomia
fisiológica em favor do controle social e quando se comporta a maior parte do tempo
como as outras pessoas, seguindo rotinas culturalmente estabelecidas» (Rodrigues, 2006,
p. 37).
Norbert Elias refletiu a respeito desse paralelo entre a psicogênese e a sociogênese.
Para o autor, quanto mais avançado o estágio da civilização, maior a discrepância entre o
comportamento de adultos e crianças. Ele afirma que «estas têm no espaço de alguns anos
que atingir o nível avançado de vergonha e nojo que demorou séculos para desenvolver»
e, em função disso, sua vida instintiva «tem que ser rapidamente submetida ao controle
rigoroso e modelagem específica, que dão à nossa sociedade seu caráter e que se formou
na lentidão dos séculos» (Elias, 1994, p 145).
Deste modo, a repressão dos instintos não se trata de um acontecimento isolado na
passagem da natureza para a cultura, mas um processo contínuo que se repete em cada
indivíduo, mesmo em um estado já avançado da civilização. Isso deve-se ao fato de que
o triunfo sobre o princípio de prazer nunca ser completo e seguro. A memória da
gratificação imediata nos estágios passados do desenvolvimento individual segue
assediando a mente (cf. Marcuse, 1975, p. 38). Marcuse comenta:
Rechaçada pela realidade externa ou mesmo incapaz de atingi-la, a força total do
princípio de prazer não só sobrevive no inconsciente, mas também afeta, de múltiplas
maneiras, a própria realidade que superou o princípio de prazer. O retorno do
reprimido compõe a história proibida e subterrânea da civilização. E a exploração

6
dessa história revela não só o segredo do indivíduo, mas também o da civilização
(Marcuse, 1975, p. 36).

Marcuse distingue duas formas de repressão: repressão (básica) e mais-repressão.


A primeira refere-se às «modificações dos instintos necessários à perpetuação da raça
humana em civilização» e a segunda compreende «as restrições requeridas pela
dominação social» (Marcuse, op cit., p. 51). A seguir veremos algumas formas como a
mais repressão moldou a civilização ocidental.

1.2. O corpo civilizado

Este corpo, escondido pela pele como se estivesse envergonhado... (Nietzsche, apud
Menninghaus, 2003, p. 81, tradução minha)

Podemos pensar na história do corpo como uma história da civilização, pois, como
vimos, essa se funda a partir da repressão daquele. As ideias relacionadas ao corpo variam
conforme o contexto histórico5. Essas determinarão as formas de mais repressão em cada
período.
Na Grécia Antiga, houve um grande foco no corpo. Entretanto, trata-se de um
corpo «radicalmente idealizado, treinado, produzido em função do seu aprimoramento, o
que nos indica que ele era, contrariamente a uma natureza, qualquer que ela fosse, um
artifício a ser criado numa civilização» (Tucherman, 1999, pp. 35-36). Através de
exercícios e da moderação do uso dos prazeres (comida, bebida e sexo), buscava-se um
corpo belo e saudável.
Rina Arya comenta que «há uma longa história na filosofia da Grécia clássica e na
Era Cristã que julgou o corpo como sítio de desejo, corrupção e mortalidade, e que ele
deveria ser submetido a práticas e regimes como maneiras de mantê-lo sob controle»
(Arya, 2014, p.52, tradução minha). Na Grécia Antiga, Platão estabelece a separação
entre o corpo e a alma, inserida na oposição entre sensível e inteligível. Essa visão dualista
que «assume a presença de duas classes de forças oponentes enquadradas
dicotomicamente em uma relação mútua excludente» associa o corpo às emoções e
apetites, tratando-o «com desdém e marginalizado em favor da racionalidade da mente»
(Arya, 2014, pp. 51-52, tradução minha). A relação do corpo com a alma oscila no
pensamento platônico, apresentando variações conforme a obra. No Timeu, defende que

5
Variam também em termos geográficos, mas aqui nos limitamos ao que seria o contexto europeu, já que
foi onde surgiram as filosofias e se deram os acontecimentos que influenciaram a cultura ocidental

7
a alma deve dominar o corpo para viver em harmonia com ele, aproximando-se aos ideais
de ascetismo e temperança de seu tempo. Já no Fédon, o corpo é considerado uma prisão
da qual a alma deve se libertar (cf. Alliez & Feher, in Feher ,1989).
Influenciada pelo pensamento platônico, a doutrina cristã é fundamentada na
desvalorização do corpo e do mundo material. Nela o corpo é visto como fonte de pecado.
Conforme declara Jean-Louis Flandrin: «[o Cristianismo] desde a origem opôs o espírito
à carne e travou a guerra contra a carne em nome do espírito» (Flandrin apud
Muchembled, 2007, p.104). Como se algo muito perigoso pudesse escapar dele, o corpo
passou a ser submetido a uma série de regras que serão impostas aos fiéis. Muchembled
comenta:

Desde Platão, o homem é considerado o terreno de uma luta incessante entre o corpo
e a alma. A batalha ganhou intensidade incessantemente no século das Reformas
religiosas. A teologia calvinista contribuiu amplamente para isso, incentivando o
cristão a dominar suas necessidades físicas e seus desejos para evitar as devastações
do pecado. [...] Dos dois lados do canal da Mancha, a alma imortal desconfia cada
vez mais das armadilhas da carne. (Muchembled, op.cit., p. 94)

O Renascimento foi um período em que as disputas religiosas contribuíram para


uma série de repressões corporais. Tanto o Catolicismo quanto o Protestantismo
submeteram o corpo a repressões. Na ética protestante, «o sexo é o grande inimigo do
trabalho» (Nunes, 2005, p.92). Para fazer frente ao protestantismo, no Concílio de Trento,
a Igreja Católica estipula obrigatoriedade de confissões de pecados. As mulheres são
submetidas a maiores controles do que os homens, por serem consideradas mais
suscetíveis às forças da natureza. São vistas como seres instáveis e fracos, que a qualquer
momento podem ser dominados por impulsos libidinosos insaciáveis. Essa crença está
por trás de acontecimentos como a Caça às Bruxas, entre 1580-1680 (cf. Muchembled,
op.cit., p. 40). Essa perseguição contribui para «exorcizar um medo da sensualidade
devoradora das filhas de Eva» (idem).
A ideia central da bruxaria era a de que o demónio procurava fazer mal aos homens
para se apropriar das suas almas. E isto era feito essencialmente através do corpo e
esse domínio seria efectuado através da sexualidade. Pela sexualidade o demónio
apropriava-se primeiro do corpo e depois da alma do homem. Como as mulheres
estão ligadas essencialmente à sexualidade, e “porque nasceram de uma costela de
Adão”, nenhuma mulher poderia ser correcta, elas tornavam-se ‘agentes do
demónio’ (feiticeiras). (Barbosa, Matos, & Costa, 2011, p. 27).

O humanismo renascentista, por sua vez, engendra uma mirada científica sobre o
corpo, que se torna objeto de estudos e experiências. «Passa-se do teocentrismo ao
antropocentrismo. O conhecimento científico, a matemática, enfim, o ideal renascentista:

8
O corpo investigado, descrito e analisado, o corpo anatómico e biomecânico» (Barbosa,
Matos, & Costa, 2011, p. 25). Através das vivissecções, aprofunda-se o conhecimento de
anatomia, destacando-se as contribuições de Vesalius. Os desenhos de anatomia da época
demonstram como, também sob o ponto de vista científico, o corpo da mulher é olhado
como inferior em comparação ao do homem. Nessas imagens, que não diferiam muito do
modelo anatômico galênico, o órgão reprodutor feminino é representado como uma
versão invertida do masculino. A inferioridade do corpo feminino remonta a Aristóteles,
que via as mulheres como homens em potencial, cujo desenvolvimento em função da falta
de calor, não se completara.
Outras mudanças significativas no que diz respeito ao controle do corpo dão-se na
transição para a Idade Moderna, com a formação dos Estados. Neste período ocorre um
aumento de relações entre os indivíduos, o que leva a uma mudança comportamental
destes no autogerenciamento de seus corpos, denominada por Norbert Elias de Processo
Civilizador6. Para o autor, «quanto maior a cadeia de relacionamentos, mais complexa é
a organização; e mais exigente ela é com relação ao controle que o indivíduo tem de ter
sobre si» (Lima, Passos de Oliveira, Pinheiro, 2006, p.41). Tal processo engloba
principalmente as mudanças de concepções de vergonha em relação ao corpo que não
fossem aquelas pessoais dos indivíduos. Fundamentando o novo código de condutas, são
influentes os manuais de etiqueta, como a obra de Erasmo de Rotterdam De Civilitate
Morum Puerilium (1530). Nas noções de adequado e inadequado que passam a operar na
avaliação dos costumes, o determinante é o grau de repugnância que certas atitudes
despertavam, ao invés de uma compreensão racional das mesmas. Elias explica:
Algumas formas de comportamento são proibidas não porque são anti-higiênicas,
mas porque são feias à vista e geram associações desagradáveis. A vergonha de dar
espetáculo, antes ausente, e o medo de provocar tais associações, difundiam-se
gradualmente dos círculos que estabeleceram o padrão para outros mais amplos,
através de numerosas autoridades e instituições (Elias, 1994, p.134).

No século XVII, Descartes reforça o dualismo ‘corpo x mente’ com sua lógica
mecanicista. Fala-se de um corpo-máquina: «por um lado, temos o espírito que se
manifesta no fato de sermos seres pensantes, por outro, temos o corpo, o qual obedece

6
«Se antes as organizações sociais não exigiam uma relação crescente entre os indivíduos, isso mudou a
partir dos Estados. Os feudos, que eram isolados uns dos outros, a partir do aumento da competição entre
eles foram se rearranjando até se constituírem como grupos sociais mais interligados. Isso fez com que
houvesse uma mudança radical na forma como as pessoas se relacionavam. O aumento das relações
pessoais exige um autogerenciamento, não necessário na organização social anterior. (Pinheiro, Peixoto
Lima, Passos de Oliveira, 2006, pp. 41-42)

9
tanto aos movimentos quanto às leis que impelem todas as máquinas; aqui o corpo é
sinônimo de extensão» (Cardim, 2009, p.31).
No Iluminismo, desenvolvem-se diversos métodos que visam dar ordem ao corpo.
A matemática serve para estes fins, isto é, de ordenação e controle da natureza, como
comenta Stafford: «Essa supervalorização do Logos e da razão calculada, fazendo coisas
incomensuráveis mensuráveis, remete a Platão. [...] A natureza imutável da matemática e
da geometria estava ligada à alma imortal» (Stafford, 1993, p. 104). Padrões de
normatividade desenvolvidos a partir de medidas definiam como deveria ser um corpo
belo e saudável. Assim, foi sendo construído o corpo ideal: limpo e domesticado.
Todos esses momentos da história revelam a ideia de que em nosso inconsciente
e, até certo ponto, na consciência, acreditamos que há algo de muito assustador no corpo
que precisa ser contido. Como se, para além do território da razão, vivesse um monstro
que, se descuidássemos, pudesse vir à superfície e causar estragos. Entretanto, as barreiras
que construímos para domar esse desconhecido nunca são completamente eficazes. A
repressão nunca é completa e o reprimido sempre pode retornar. Para a racionalidade, o
corpo é sempre excesso: nunca cabe na caixa que lhe é imposta, vazando pelos orifícios.

1.3. As fronteiras do corpo

Passados alguns séculos, avançamos na aproximação do corpo em vários aspectos,


enquanto retrocedemos em outros. Se temos maior permissividade no âmbito sexual,
estamos por outro lado mais distantes da carne no que diz respeito de sua perecibilidade.
Lidamos com o corpo de uma maneira cada vez mais asséptica. Desempenhamos uma
série de processos a fim de manter o corpo “em ordem”. Monitoramo-lo através de
exames, com tecnologias que permitem ver o que está inacessível aos olhos, aumentando
nossa sensação de controle. Valorizamos a higiene corporal e cuidamos para que aquilo
que ingerimos esteja também livre de impurezas. Para além dos rituais de limpeza, em
que retiramos a sujeira dos nossos corpos e dos objetos que o circundam, há uma série de
ações, cada vez mais frequentes, em que podemos evitar o contato direto com aqueles. A
tecnologia é uma grande aliada, pois, ao produzir sensores para acionar torneiras e luzes,
autoclismos e portas automáticas e aparelhos que respondem por comando verbal, dá-nos
a sensação de proteção.
Esses mecanismos reforçam a ideia de que necessitamos manter as barreiras entre
o exterior e o interior sólidas. Quando essas são ameaçadas, reagimos com nojo e até

10
mesmo pavor. A pele funciona como capa semipermeável, o que permite algumas trocas
entre interior e exterior, ao mesmo tempo que previne contato direto desses dois mundos.
O perigo maior encontra-se nos orifícios, que, sendo portas de entrada e saída,
desestabilizam as fronteiras que desejamos manter intactas. Por isso despertam os maiores
níveis de medo e nojo. Paradoxalmente, são também zonas erógenas. Rina Arya comenta
que os fluidos corporais (especialmente os alheios) «representam perigo por não terem
limites e serem vistos como transmissores de sujeira e infecção. Eles lembram-nos da
nossa animalidade – o fato de que estamos decaindo e de que, uma vez que a vida nos for
retirada, nossos corpos irão entrar em putrefação. » (Arya, op.cit., p. 61, tradução minha).

1.3.1. O corpo permeável

(...) para seres pensantes, a matéria mais elevada da arte é o homem, ou (mais
precisamente) sua superfície externa sozinha. (Winckelmann apud Meinninghaus,
2003, p. 55, tradução minha).

Sendo fonte de nojo, as aberturas do corpo possuem uma longa história de negação
na tradição estética. No paradigma clássico, «o corpo é algo rigorosamente acabado e
perfeito. Além disso, é isolado, solitário, separado dos demais corpos, fechado» (Bakhtin,
1987, p.26). Segundo, Bakhtin neste corpo

(...) elimina-se tudo o que leve a pensar que ele não está acabado, tudo que se
relaciona com seu crescimento e sua multiplicação: retiram-se as excrescências e
brotaduras, apagam-se as protuberâncias (que têm a significação de novos brotos,
rebentos), tapam-se os orifícios, faz-se abstração do estado perpetuamente
imperfeito do corpo e, em geral, passam despercebidos a concepção, a gravidez, o
parto e a agonia. (...). Mostram-se apenas os atos efetuados pelo corpo num mundo
exterior, nos quais há fronteiras nítidas e destacadas que separam o corpo do mundo;
os atos e processos intracorporais (absorção e necessidades naturais) não são
mencionados. (Bakhtin, 1987, p.26)

Contraponto aos ideais clássicos, o carnavalesco foi objeto de análise de Bakhtin.


«A tradição do carnaval seria uma afronta à cultura oficial na Idade Média e no
Renascimento. Ela abolia as barreiras entre territórios até então separados e perturbava
hierarquias, acarretando assim a inversão da ordem das coisas» (Arya, 2014, p.55,
tradução minha). O autor descreve o corpo no carnaval, em função dos rituais de
sensualidade e da fusão entre individual e coletivo, como grotesco. Esse corpo
«transgredia seus próprios limites e não respeitava a superfície e as barreiras do corpo,
preferindo explorar as profundezas através dos orifícios» (ibidem, p. 55, tradução minha).
Nas palavras de Bakhtin,

11
(...) o corpo grotesco não está separado do resto do mundo, não está isolado, acabado
nem perfeito, mas ultrapassa-se a si mesmo, franqueia seus próprios limites. Coloca-
se ênfase nas partes do corpo em que ele se abre ao mundo exterior, isto é, onde o
mundo penetra nele ou dele sai ou ele mesmo sai para o mundo, através de orifícios,
protuberâncias, ramificações e excrescências, tais como a boca aberta, os órgãos
genitais, seios, falo, barriga e nariz. É em atos como o coito, a gravidez, o parto, a
agonia, o comer, o beber, e a satisfação das necessidades naturais, que o corpo revela
sua essência como princípio em crescimento que ultrapassa seus próprios limites.
(Bakhtin, op.cit., p. 23)

Essa permeabilidade corporal relaciona-se ao conceito de abjeto, abordado por Julia


Kristeva em Powers of horror: An essay on abjection7. Esta associa-o à formação da
noção de indivíduo em sua diferenciação do que é externo a ele e, portanto, à separação
do corpo da mãe (anteriormente visto como extensão sua). Para afirmar-se como sujeito,
ele precisa estabelecer barreiras que delimitam o que é interno ou externo, o que é ele e o
que é outro. Constrói-se assim uma ordem. Ora, o abjeto manifesta-se quando esta é
ameaçada, na dissolução de limites. Aquilo que expelimos resulta em abjeto por
atravessar as fronteiras do corpo, confundindo interior e exterior.
Ainda que desempenhe papel crucial na formação do ego, o abjeto segue retornando
em nossas vidas. Aparece na reação que temos a determinados alimentos e suas
consistências, conforme exemplifica Menninghaus:

A pele do leite não cheira mal; ela também, talvez, não tenha um gosto ruim, mas –
como o viscoso de Sartre– ela destrói as barreiras entre interior e exterior, entre firme
e fluido, entre próprio e impróprio. Recorda então a descida para a indivisibilidade
de corpo materno e da instabilidade das separações em que a integridade do nosso
corpo é baseada. (Menninghaus, op.cit., p. 374, tradução minha)

O abjeto apresenta semelhanças com o nojo, inclusive na sua relação a um passado


idílico, sob o ponto de vista freudiano. Para Freud, esta sensação «sempre denota o prazer
do passado e/ou reprimido. O mesmo pode ser considerado para o conceito de abjeção de
Kristeva: ele também é a articulação de um gesto apotropaico com uma herança pré-
histórica de prazer» (Menninghaus, op.cit., p. 375, tradução minha). O nojo também foi
abordado por Aurel Kolnai (1929). Carolyn Kosmeyer e Barry Smith comparam a
definição daquele pelo autor com a teoria da abjeção de Kristeva, ressaltando as
diferenças entre conceitos que frequentemente se confundem (cf. Arya, op. cit., p. 37).
Sobre essa análise, Arya comenta que aquilo

7
Julia Kristeva―Powers of Horror: An Essay on Abjection. Nova Iorque: Columbia University Press,
1982

12
(...) que os distingue é que, enquanto a abjeção ocasiona nojo, ela também envolve
medo, mas o contrário não é verdadeiro. Embora na ‘experiência real’ medo e nojo
estejam frequentemente misturados, Kolnai enfatiza o ponto, em ambos ensaios, de
que eles são estruturalmente distintos, um fato que deriva da análise fenomenológica;
o nojo está orientado para aspectos e características específicas de um objeto
(Sosein), mas o medo é mais profundo e é a reação ao ser (Dasein) do objeto. O medo
e a ameaça colocada à integridade do indivíduo está em jogo na abjeção, que causa
que a pessoa recue e/ou fuja. A abjeção difere do nojo na inextricável relação com a
subjetividade. O sujeito precisa se livrar do abjeto para ser. O nojo, entretanto, não
possui a mesma relação inextricável com o sujeito na presença de algo nojento não
sentimos medo. (Arya, op.cit.,p. 37, tradução minha)

É preciso frisar que o nojo possui uma variedade de interpretações 8 sensitivamente


superior àquelas dedicadas à abjeção. Deste modo, distinguir o abjeto do nojo pode ser
pouco preciso, se considerarmos a amplitude de definições desse. A abordagem que José
Carlos Rodrigues faz do nojo aproxima-se do conceito de Kristeva no que diz respeito ao
estabelecimento de barreiras. Ele afirma: «As reações de nojo são uma maneira de refutar,
de negar, de rejeitar, de afastar simbolicamente a eficácia dos elementos desafiadores»
(Rodrigues, 2006, p.135). O nojo cristaliza a ordem.

Situações específicas à parte, o homem é o único animal que se horroriza do seu


sangue, do seu vômito, de suas secreções sexuais e que se sente cruelmente atingido
por eles – porque é o único a possuir cultura. O nojo é uma forma de separação entre
a natureza e a cultura, como muitas outras práticas e muitas instituições. É um
expulsar, para fora de nosso mundo, de realidades em princípio incompatíveis com
a ordem, com o controle social. É o estabelecimento da descontinuidade
indispensável em relação à natureza sem a qual a cultura é logicamente inexistível.
(Rodrigues, op.cit., p. 144)

Ainda sobre o potencial de nojo das secreções corporais, Rodrigues comenta:


«Todas as secreções do corpo humano correspondem a atividades naturais que escapam
do controle natural, pois manifestam independentemente das disposições sociais»
(Rodrigues, op. cit., p. 144). Elas «são associadas a um ‘interior’ tenebroso» e, ao
entrarem em contato com o exterior, “desrespeitando” os limites do corpo, agridem-nos.
Nesse sentido, «o vômito, símbolo cristalizado do nojento, é exatamente a ilustração
fisiológica de uma violência no nível da relação natureza/cultura» (Rodrigues, op.cit., p.
145).

8
Dentre as obras que dedicam-se exclusivamente à análise do nojo, destacam-se: Der Ekel (1929), de Aurel
Kolnai, The Anatomy of disgust (1997), de William Miller, e Disgust: Theory and history of a strong
sensation (2003), de Winnfried Menninghaus. Entretanto, o nojo foi abordado por Kant, Nietzsche, Darwin,
Freud, Elias, Sartre, entre outros autores que contribuíram para a diversidade de interpretações dessa
sensação.

13
Ao pensar o extravasamento das barreiras do corpo faz sentido retomar as ideias de
Bataille. O autor fala de um ‘materialismo de base’, que seria aquilo que é «externo e
estrangeiro às aspirações humanas ideais» (Bataille, 1985, p.51, tradução minha) pode ser
visto como uma anti-estética. Ao contrário da tradição do materialismo na filosofia, que
se ocupou em convencionar o que a matéria (ideal) deveria ser, o materialismo de base
pretende excluir idealizações. Ele propõe-se a «simultaneamente rebaixar e libertar (a
matéria) de todas as prisões ontológicas, de qualquer ‘devoir être’» (Bois, in Bois &
Krauss, 1997, p. 53, tradução minha). A matéria informe seria a manifestação mais
concreta do materialismo de base, «pois não se parece com nada» e «recusa se deixar
assimilar por qualquer conceito ou abstração» (ibidem, p.53). Segundo Bataille,

(...) informe não é apenas um adjetivo com um determinado significado, mas um termo que
serve para levar as coisas abaixo no mundo, geralmente requerendo que cada coisa tenha
sua própria forma. O que designa não tem razão em nenhum sentido e é esmagado em todo
lado, como uma aranha ou uma minhoca. De facto, para que os acadêmicos ficassem
felizes, o universo teria de tomar forma. Toda filosofia não tem outro objetivo: é uma
questão de dar uma sobrecasaca ao que é, uma sobrecasaca matemática. Por outro lado, ao
afirmar que o universo se assemelha a nada e é apenas informe significa dizer que o
universo é algo como uma aranha ou um cuspe. (Bataille, 1985, p. 31, tradução minha)

O informe aproxima-se ao abjeto na medida em que fala daquilo que ultrapassa


classificações e rompe barreiras, operando na ambiguidade. Teri Frame fala que estes
conceitos coincidem no reconhecimento da separação hierárquica dos humanos em
relação aos animais (cf. Frame, p.9). Para a autora, a ideia presente na definição de
informe de que a ambiguidade opõe-se ao poder «se correlaciona diretamente com as
descobertas de Kristeva de que as mulheres são percebidas mais proximamente ligadas à
animalidade e por isso entram nas sombras da ambiguidade com mais frequência que os
homens» (Frame, p.9, tradução minha).
Kerstin Mey vê nas obras de Cindy Sherman que ficaram conhecidas como Disgust
pictures (fig. 1 e 2) uma «intensa correlação entre a mulher, o repulsivo/abjeto, e o
informe» (Mey, 2007, p.42, tradução minha) e sublinha essa lógica no pensamento de
Kristeva:

É digno de nota que Kristeva destaca que, nas estruturas sociais patriarcais, essas
poluições, isto é, impureza em geral, são consideradas vindas do corpo feminino. Em
outras palavras, o corpo feminino é visto como uma ameaça ao poder masculino
(subjetividade), significado através do falo. Proibições e rituais de profanação (seja
religiosos ou secularizados), que estão inextricavelmente ligados a clara separação
dos sexos, objetivavam manter a mulher à distância, que é considerada sinônimo da
mulher com seus fluidos, e especialmente do corpo maternal. Portanto, a

14
materialidade informe feminina no corpo de Sherman coloca-se em justaposição à
maneira hegemônica de dar forma, ao poder racional e espiritual do homem e da
ordem simbólica patriarcal. (ibidem, p. 43)

Assim, o feminino, na lógica ocidental, surge como ameaça à ordem estabelecida,


isto é, patriarcal. A mulher é vista como fraca, mas ao mesmo tempo amedronta: precisa
ser controlada e mantida à distância. Seu corpo é simultaneamente tentação e imundície.

Fig. 1- Cindy Sherman, Untitled #173. 1986. Fig. 2- Cindy Sherman, Untitled (#175), 1987.
Impressão fotográfica cromogênica, (152,4 x Impressão fotográfica cromogênica, 119,1 x 181,6
225 cm.) cm.

Mary Douglas, em Purity and danger (1966), analisa as ideias de sujeira em


diversas culturas e como o feminino se relaciona àquelas. Ela afirma que a poluição surge
em diversos casos em que a ordem social é ameaçada. Isso ocorre, por exemplo, na
dominação do sexo masculino. «Quando o domínio masculino é aceito como o princípio
central de uma organização social e aplicado com direito total a coerção física, crenças
na poluição sexual não são propensas de se desnvolver» (Douglas, 2001, p. 143, tradução
minha). Quando essa ordem é contrariada «por outros princípios como aqueles
relacionados à independência feminina, ou o direito inerente às mulheres como o sexo
mais fraco a serem mais protegidas de violência do que os homens, a poluição sexual está
propensa a surgir» (idem). As separações, purificações e punições, seriam, portanto,
respostas à iminência do perigo, que se dá quando as normas sociais estão ameaçadas.
Poluição, sujeira e impureza estão, portanto, inextricavelmente ligados às noções
de ordem. É conhecida a citação: «sujeira não é sujeira, mas matéria fora do lugar».(Lord

15
Palmerston, apud Croak, tradução minha9). Exemplo disso são os fios de cabelo.
Enquanto presos ao corpo, não causam incômodo, mas na roupa, no chão, ou na comida
se tornam repulsivos. Outro caso exemplar é a saliva: quando está na boca não provoca
aversão, mas ao ultrapassar as fronteiras do corpo, torna-se suja. Entretanto, essa
demarcação não é sempre física. Os restos do alimento, que poucos minutos antes, no
mesmo prato, pareciam apetitosos, passam a ser vistos, encerrada a refeição, como sujeira.
A maior parte das coisas que consideramos sujas colocam menos em perigo a saúde
do que a sensação de ordem. O impuro é o ambíguo. A indefinição – como ocorre no
abjeto e no informe – ameaça a integridade do sujeito.

Em primeiro lugar, sujeira é qualquer coisa que ameace a devida separação do


indivíduo, seu isolamento protegido com ansiedade; por causa disso ele não está
disposto a permitir que qualquer coisa se aproxime ou escape dele. Além da sujeira
produzida por contato e excreção, ele também evita qualquer coisa que pertença a
ele apenas por equívoco e por analogia tem um terror em se misturar. Isto quer dizer
que, em qualquer confronto ele teme sucumbir na ambiguidade, confundir-se,
desintegrar-se, perder-se, sofrer algum dano através de processos como
amalgamação, infiltração, suplementação, eflueência, efusão ou excavação.
(Enzensbereger, 1972, pp. 22-23)

A seguir veremos como a pintura, como um corpo rebelde e impuro, foi


disciplinada e higienizada pelo pensamento racional ao longo de sua história.

9
Segundo consta no site artnet, «variações da frase foram atribuídas a William James, Sigmund Freud,
Mary Douglas, John Ruskin, mas uma edição de 1883 da Longman’s Magazine confirma a autoria de Lord
Palmerston.

16
2. Pintura: corpo impuro

Desde o século dezoito, uma tendência do Modernismo tem sido eliminar o toque e
outros sinais de construção manual. Pintura, escultura, e arquitetura foram desviadas
de suas raízes corporais em direção a uma atividade mental crítica. A arte como
linguagem visível, movendo-se em direção a expressões cada vez mais abreviadas e
desmaterializadas caracterizou a poesia concreta, De Stijl, o Suprematismo, o
Conceptualismo e agora a computação gráfica. (...) Essa caligrafia da ausência,
circunscrevendo o branco absoluto, era parte de uma tradição de descontaminação
herdada da Antiguidade em busca de princípios eternos e imutáveis. Sua aplicação
prática resultaria em composições artísticas despoluídas da imundície da vida.
(Stafford, 1993, p. 131-132)

2.1. Platão e a depreciação do sensível

Dada a sua importância na evolução do homem e no desenvolvimento da civilização,


a razão é exaltada pela filosofia. Entretanto, o pensamento dicotômico que opõe o racional
ao sensível nem sempre existiu. A separação entre corpo e alma foi introduzida no mundo
ocidental por Platão. Conforme comenta Leandro Neves Cardim, a questão não estava
presente nos filósofos pré-socráticos:

As concepções de filósofos gregos como Heráclito de Éfeso (c.540-460 a.C.),


Parmênides de Eleia (c.530-460 a.C.) e Empédocles de Agrigento (c. 490-435 a.C.)
estavam estreitamente ligadas a uma cosmologia muito particular, assim como se
encontravam ligadas a uma física dos quatro elementos (água, terra, fogo e ar) em
que eles poderiam ser separados e reunidos sem que houvesse efetiva oposição e
distinção. Pode-se dizer que nessa época a alma e o corpo não se opunham. (Neves
Cardim, 2009, p. 20)

O fosso instaurado por Platão relaciona-se a uma série de outras oposições que
constituem o dualismo ontológico platônico. Christophe Rogue utiliza o termo dualismo
disjuntivo para referir-se ao chôrismos que predominou nos grandes diálogos de Platão
(Rogue, 2011). O chôrismos «decorre naturalmente dos caracteres dados à Ideia, eterna
identidade a si, universalidade, indivisibilidade» (Rogue, 2011, p. 87), que surge para
solucionar o problema das contradições do sensível. «Ao contrário da realidade em devir
que só é captada pelos sentidos, a Ideia é atingida apenas pela inteligência. Ela é afetada
num grau supremo de realidade, porque, não contraditória, só ela pode garantir a ordem
do logos» (ibidem, p. 87).
No pensamento platônico, o sensível é considerado inferior ao inteligível pois
aspira a assemelhar-se a este. Está assim em uma postura de deficiência. Só através do
intelecto pode-se apreender as ideias, pois também ele é incorpóreo. No Fédon, Sócrates

17
afirma que «todas as vezes que a alma investiga qualquer coisa por intermédio do corpo,
usando a visão, a audição, etc., ele a arrasta para a dessemelhança, para a ‘errância’
(planatai), a perturbação e a vertigem como se estivesse bêbada» (Platão apud Muniz,
2002, p. 193).
A relação entre os mundos sensível e inteligível aparece pela primeira vez no Fédon
(cf. Muniz, op.cit., p. 186). Trata-se de uma polarização do mundo em que um dos lados
é sempre definido negativamente em comparação ao outro. O primeiro é, assim, associado
à obscuridade, à irracionalidade, à mobilidade incessante. Em contraste, o segundo
caracteriza-se pela luminosidade, pela racionalidade e pela permanência; ou seja, pelos
valores que o filósofo tem por positivos. A inferioridade do sensível surge em uma
passagem do Fédon,10 na qual é questionada de onde vem a igualdade entre as coisas que
vemos (árvores e montanhas, por exemplo), já que há naquilo que consideramos igual
tanta dissemelhança. Surge aí a teoria da reminiscência, que afirma que, para que se
reconheça a igualdade em coisas tão distintas, é necessário que haja uma forma incorpórea
original e perfeita que sobreviva como reminiscência naquilo (a árvore ideal ou a
montanha ideal) que se apresenta aos nossos sentidos. Trata-se da Ideia (eidos) ou Forma.
No Górgias são expostos os perigos aos quais o corpo nos expõe. É por causa dele
que «sucumbimos às aparências e às seduções mais enganosas» (Dagognet, 2012, p.12).
A toalete (maquiagem, cosméticos, cores, vernizes e tudo o que esconde o natural), os
excessos alimentares, a retórica e a sofística aumentariam nossa servidão, deturpando
nossa capacidade de julgamento. O maior perigo estaria nas experiências de intenso
prazer. Por meio delas, somos levados a crer que a verdade está ali. O prazer confunde,
portanto, o nosso discernimento. «Cada prazer e cada dor funcionam como pregos que
fixam a alma ao corpo e a consequência epistemológica dessa assimilação é que ela só
toma como verdadeiro e real aquilo que o corpo declara ser» (Muniz, op.cit., p. 194). O
ornamento, nessa lógica, representaria uma ameaça, conforme comenta Lichtenstein:

(...) o ornamento não era nunca simplesmente um ornamento, um suplemento a algo,


cujos excessos seria possível evitar pelo controle do uso. Ele (Platão) via-o mais
como um princípio de perversão, que trazia em si o germe de todas as diferenças nas
quais o discurso filosófico baseava a autoridade de seu império (...). A violência da
interdição e o aspecto incondicional da prescrição dão prova da consciência aguda
do risco que a verdade correria com a existência de um lugar comum entre razão e
prazer, como se toda concessão em relação às instâncias legítimas da representação
tivesse , necessariamente, de ser fatal ao discurso filosófico.” (Lichtenstein, 1994, p.
57)

10
Fédon, 74a-75d

18
A depreciação do mundo sensível e do artifício são basilares na visão do filósofo a
respeito da pintura. Se o que percebemos através dos nossos sentidos são meramente
cópias, a pintura, ao representar essa realidade, nada mais realiza que cópias de cópias.
Assim, estaria afastada da realidade em três graus, «uma vez que o pintor imita um objeto
que já é por sua vez uma imitação, uma imagem da Ideia» (Lichtenstein, 2004, p. 17).
Essa depreciação é constatada em obras como a República, na qual o pintor é banido da
cidade ideal, ou no Sofista, em que a pintura é vista como prática sofística, simulacro
enganador: «Ao mesmo tempo mentirosa e sedutora, a pintura é portanto uma atividade
inútil e perigosa» (ibidem, p. 17).

2.2. A pintura no tribunal

(...)só o que é insípido, inodoro e incolor pode ser chamado de verdadeiro, belo e
bom. Considerando sempre os prazeres do simulacro como fonte de sua exclusão
absoluta, todos os amantes da verdade e defensores da natureza, pertencentes a
qualquer época (...), são, neste sentido, os herdeiros de uma metafísica cujo olhar
moral só pode ver um universo em preto e branco, desprovido de seus adereços,
lavado de suas maquiagens, purificado de todas as drogas que ofuscam o espírito e
embriagam os sentidos (Lichtenstein, 1994, p.50)

O pensamento platônico teve profundo impacto nas concepções artísticas no


decorrer da história. Jacqueline Lichtenstein observa que, em função daquele, a pintura
passou a ter de responder a uma série de acusações que não lhe diziam respeito, sendo
privada «de qualquer possibilidade de justificação» (Lichtenstein, 1994, p. 53). A pintura
era tratada «como uma ré (...) acusada de querer alguma coisa que nunca se propôs
atingir» (ibidem, p. 53), sendo repreendida por não cumprir com os objetivos que lhe eram
impostos (cf. Lichtenstein, 1994, p. 53). Desse modo, a pintura é atraída apara o campo
da filosofia e fica submetida a uma lógica que não lhe pertence. A pintura carregará o
peso desse julgamento por séculos, moldando-se na tentativa de responder a essas críticas.
Lichtenstein comenta:

A imagem desabrochou no campo filosófico como um verme dentro de um fruto,


corrompendo o logos a quem ela devia o seu nascimento e afirmando qualidades
incompatíveis com as condições que determinavam a pertinência a esse lugar de
onde ela saíra. Filho bastardo de uma metafísica dualista, o sensível reivindicaria as
marcas de sua ilegitimidade e rejeitaria a paternidade que não podia reconhecer as
imagens sem submetê-las a à sua autoridade. (ibidem, p. 13)

A pintura, tradicionalmente, depende da matéria para existir. Ela volta-se para os


sentidos e necessita do corpo para ser concebida. É percebida através da visão e, com seu

19
poder de sedução, segundo o pensamento platônico, engana o intelecto, afastando-o da
compreensão do verdadeiro. É, portanto, depreciada de múltiplas maneiras segundo a
hierarquia que coloca a mente acima do corpo. Diferente da poesia, depende da artesania.
Por isso, foi considerada uma arte “meramente” manual. A suposta não intelectualidade
da pintura é uma das principais acusações da qual ela precisará se defender, moldando
seu discurso.
No Renascimento, consegue-se salvá-la do desprezo instituído por Platão. Porém,
isso não implicou na superação da condenação do sensível e dos seus prazeres (cf.
Lichtenstein, 2006, p.16). Através do esforço de teóricos como Vasari11, a pintura
consegue estatuto intelectual. Para provar sua relação com o intelecto, utilizou-se do
desenho, «expressão sensível da ideia», passando a exaltá-lo como alicerce. «A linha do
desenho traça no quadro uma separação que não é só física, mas também metafísica, já
que permite que a forma se manifeste distinta da matéria que aparece na cor, provando
assim que a pintura escapa ao universo do informe» (Lichtenstein, 1994, p. 67).
Nessa lógica, a pintura necessita «provar sua relação com o discurso, mostrar que
interiorizou suas exigências e caracteres, atestar que é uma arte da linguagem e que,
portanto, os pintores são seres com os quais a palavra é, de certa forma, virtual, como
com os poetas e oradores» (Lichtenstein, 1994, p. 144). Portanto, a pintura legitima-se,
mas respondendo a exigências do campo da filosofia, reforçando uma relação de
dependência. A necessidade de associar a pintura a um discurso racional para legitimá-la
associa-se a uma série de outras atitudes que buscaram mantê-la sob controle. Por
associar-se ao sensível, ao manual, ao material e, por conseguinte, ao corpo, é fonte de
grande inquietação para aqueles que pretendem manter a ordem do mundo.
Ainda que no Renascimento tenha se legitimado, os preconceitos envolvendo sua
ligação à manualidade e visualidade persistiram, sendo evidentes na abordagem que
Stafford faz da situação das artes plásticas no Iluminismo:

Como a cirurgia, as belas artes manuais compreendiam habilidades humanas úteis.


Na tradição platônica e especialmente na neoplatônica, entretanto, a destreza
mecânica estava associada a faculdades opinativas subracionais. Seu domínio
enganoso consistia no julgamento sensorial embaçado e na imaginação corpórea
errática. Tampouco esses artifícios da mão requeriam a alta investigação do intelecto
demandada de qualquer ciência da episteme. (Stafford, 1993, p.53, tradução minha)

11
Ver: “O primado do desenho” (Vasari in Lichtenstein, 2006, pp. 20-22)

20
No Neoclássico, constata-se na arte um medo de colapso da ordem (representado
pela irregularidade, pelo excesso, pela liberdade, etc.) e, por isso, a pintura passa por um
adestramento. Para evitar a desordem, a razão deveria domar os sentidos. As ciências
exatas assumiam, portanto, o papel de disciplinar a arte (cf. Stafford, op.cit., pp. 136-137).
A respeito disso, Stafford comenta:

O meramente estético deveria ser suprimido pelo asséptico. O novo método analítico
cartesiano e o rigorismo de um Jansenismo agostiniano também faziam parte do
ímpeto neoclássico de lavar a linguagem, a arte e a moral do excesso de liberdade.
Eles deveriam ser limpos da ostentação e, mais fundamentalmente, da imaginação
cosmética. A condenação dos prazeres da carne era precipitada por um medo do
colapso da ordem (ibidem, p. 204)

O surgimento das academias no século XVI responde a essa necessidade de


adestramento das artes. Estes espaços sediaram debates a respeito da essência da pintura,
destacando-se a disputa entre desenho e cor. Se o primeiro é aquilo que ‘eleva’ a pintura
ao estatuto intelectual, a segunda é aquilo que ‘rebaixa’ ao nível dos nossos corpos. Vem
dela o poder de sedução tão temido por Platão. Assim, Lodovico Dolce e Charles Le Brun
acusavam a cor de ser mera maquiagem, pela qual, aqueles que se deixavam levar pelos
encantos sensíveis, enganavam-se. Por depender da tinta, ou seja, da matéria, a cor era
menos nobre que o desenho (Le Brun, 2006, p.42). Phillipe Champaigne, afirma: « A cor
(...) está para as outras partes da pintura assim como o corpo está para a alma»
(Champaigne apud Lichtenstein, 2006, p.14). Conforme cita Lichtenstein, o autor afirma
que «preferir a cor é “enganar-se a si mesmo”, deixar-se “deslumbrar” por um “belo brilho
exterior”, ser sensível às seduções do corpo» (Lichtenstein, 2006, pp. 14-15) e conclui:
«O talento dos coloristas é apenas um “belo fazer” que não se baseia num saber, mas
somente numa habilidade de execução» (ibidem, p. 15).
Defender a primazia da cor é, nessa lógica, atacar a dignidade da pintura e colocar
em crise os ideais platônicos. É preciso zelar pela pureza de pintura. Se deixada livre,
corre o risco de perder-se. Assim, a pintura é como a mulher, na lógica cristã ocidental:
precisa ser constantemente vigiada, devido à sua natureza instável. Corrompe-se
facilmente. Não tem valor próprio, precisando que lhe sejam emprestados valores que não
são da sua natureza a fim de obter respeito. Nesse discurso, pintura e a mulher afastam-
se da perfeição em dois graus. Enquanto a primeira reproduz as cópias das Ideias, a
segunda nasce a partir do corpo do homem, feito à imagem de Deus, mas não perfeito
como Ele.

21
2.3. Cromofobia

A branquidão é a cor mais conceitual.. ele não interfere nos seus pensamentos.
(Yoko Ono, in Batchellor, 2008, p. 216, tradução minha)

(...) esta matéria informe, presente nos corpos com a aparência de carne, é a mesma
coisa que se manifesta na pintura com a aparência da cor. (Lichtenstein, 1994, p.
69)12

Ainda que as discussões a respeito da essência da pintura não se ocupem mais da


rivalidade entre desenho e cor, percebemos a sobrevivência de uma relação ambígua com
o colorido, afetada pela herança desse dualismo. David Batchelor discorre sobre a
maneira que a sociedade atual lida com a cor, analisando o preconceito com ela no mundo
ocidental. Ele afirma que como «em todos os preconceitos, sua forma de se manifestar,
seu ódio, mascara um medo: o medo da contaminação e corrupção por algo que é
desconhecido ou que parece incognoscível» (Batchelor, 2000, p. 22, tradução minha). O
autor chama esse ódio de cromofobia, afirmando que ele se manifesta em «várias formas
de purgar a cor da cultura, de desvalorizar a cor, de diminuir seu significado, de negar sua
complexidade», conforme o comentário sobre essas formas:

Na primeira, a cor é transformada em propriedade de um corpo que é outro –


normalmente o feminino, o oriental, o primitivo, o infantil, o vulgar, o queer ou o
patológico. Na segunda, a cor é relegada à esfera do superficial, do suplementar, do
na essencial ou do cosmético. Em uma, a cor é considerada como alien e portanto
perigosa; na outra, é percebida meramente como experiência de qualidade secundária
e assim, não merecedora de séria consideração (Batchelor, 2000, pp. 22-23)

Na decoração, valorizamos a estética clean. Associamo-la ao requinte e à


seriedade. Neste padrão estético, a cor – excetuando-se o branco e outros tons neutros– é
um elemento que perturba, como sujeira. Ambientes muito coloridos dificilmente estarão
associados aos valores altos de nossa cultura. Uma casa muito colorida será
frequentemente considerada popular ou kitsch, quando não, de mau gosto. Na melhor das
hipóteses, diremos que é lúdica. Em nossa cultura, as cores devem permanecer nos

12
A analogia da cor à carne feita pela autora insere-se na análise do pensamento aristotélico que teria
salavado a pintura da condenação platônica. Ela teria sido salva pela importância que Aristóteles deu ao
desenho, como aquilo que ordena a matéria, dando-lhe forma. Nesse sentido, estabelece-se a diferença entre
corpo (matéria organizada) e carne (matéria caótica): «Distinguindo a matéria como informe ou ordenada,
a hierarquia aristotélica introduz o princípio de uma diferença fundamental entre o corpo e a carne.; este
princípio permite, evidentemente, que a análise da pintura escape às determinações impostas pelo
platonismo, mas com vantagem exclusiva para o desenho (...). Deste modo, a cor está para a pintura assim
como a carne está para o corpo: como a marca de uma origem filosoficamente inominável e cujo o poder
paradoxal continuaria a se manifestar. Reais ou pintadas, as qualidades sensíveis das carnes sempre
revelarão a persistência da matéria informe no seio da matéria informada. » (Lichtenstein, 1994, p.69)

22
parques de diversões, festas infantis, ou manifestações populares como o Carnaval. Estão
excluídas dos ambientes intelectuais.
Da mesma maneira, no vestuário, se queremos transmitir respeito e aparentar
inteligência, apelaremos a roupas de cores neutras. Uma pessoa que se veste de maneira
muito colorida pode ser considerada excêntrica, pouco requintada, infantil ou, até mesmo,
perturbada. Para Baudrillard, as cores vivas, como o vermelho, contribuem para a
objetificação do corpo. Essa situação seria mais frequente no universo feminino,
conforme exemplifica: «Se alguém usa um vestido vermelho, está mais desnudo, se
converte em objeto puro, carente de interioridade» (Baudrillard, 1969, p.32, tradução
minha). O autor defende ainda que «o mundo das cores se opõe ao dos valores e o “chic”
consiste sempre em desvanecer as aparências em benefício do ser» (ibidem, p. 32).
No universo cromático banido dos valores elevados, há que lembrar que algumas
cores em específico refletem o mau gosto e o “baixo nível” mais que outras. São aquelas
associadas ao infantil e ao feminino (ainda que a cor de um modo geral já esteja associada
a esses universos, há aquelas que intensificam essa relação). Cores que vemos em
rebuçados, em barbies, em maquilagem ou em utensílios domésticos exemplificam essa
relação. Provavelmente a mais paradigmática é o cor-de-rosa. Consideramo-las estúpidas,
superficiais, bobas. Tratam-se de cores vulgares e nisso representam o que queremos
manter à distância, sob o risco de sermos rebaixados pela sua proximidade.
Na pintura, ultrapassadas as querelas de ‘desenho × cor’, é possível detectar
diferentes tratamentos cromáticos. Para além dos preconceitos culturais mencionados
relativos à cor, esta ocupa também dimensões nobres na arte. Quando utilizada com
moderação − funciona como um perfume: há que ter cuidado para não exceder a dose, se
não, causa enjoo −, encanta-nos e inclusive evoca transcendência, como percebemos nas
pinturas de Mark Rothko ou de Yves Klein. Este último possui uma relação mística com
a cor − em especial o azul – interessando-se por sua descorporificação. Klein afirma: «E
sem dúvida, foi através da cor que me tornei aos poucos familiarizado com o Imaterial»
(Klein in Harrison & Wood, 2003, p.819). O pensamento do artista, nesse sentido,
contraria a visão tradicional que associa a cor ao mundo material, podendo ser
interpretado como uma tentativa de devolver dignidade
à cor, elevando-a.
De fato, mesmo na arte contemporânea é mais fácil encontrarmos a cor utilizada
ordenadamente, em obras com aspecto ‘limpo’, do que em excesso, enfatizando seu
potencial desestabilizador. Katharina Grosse (fig.3) utiliza a cor como elemento

23
anárquico e defende seu papel de fazer frente ao discurso dominante «como a mulher, o
elemento menos claro e inteligente da pintura, enquanto o conceito, a linha e o desenho
são mais o homem, a parte clara, progressiva e inteligente da obra de arte» (Grosse in
Art21, 2015, tradução minha). A artista afirma que em seu trabalho a cor atua «retirando
a barreira do objeto, de modo que deixa de haver a relação sujeito×objeto» (ibidem).
No trabalho de Judy Pfaff (fig. 4) a cor intensifica a sensação caótica proveniente
da variedade de materiais e da profusão de formas em peças que podem ser consideradas
qualquer coisa menos requintadas. As esculturas e instalações de Pfaff possuem
afinidades com a pintura de Beatriz Milhazes (fig. 5). Essa fala de um temor em relação
à cor:

Eu tenho medo de muitas coisas. O carnaval, a praia, a floresta, as artes decorativas,


o kitsch, as igrejas e até as cores – tudo isso me assusta e fascina ao mesmo tempo.
As pessoas frequentemente dizem que sou corajosa por fazer o que faço. Eu faço-o
porque tenho medo.» (Milhazes, in Myers, 2011, p. 177, tradução minha).

Fig. 3- Katharina Grosse, Cincy, 2006. Acrílica sobre parede, chão, vidro, esferovite e
terra. 8,53 x 7,39 x 11,8 m

24
Fig. 4- Judy Pfaff, Enter the dragon, 2012. Arames, plásticos e
papéis variados, lanternas chinesas, guarda-chuva, ventilador e
matéria orgânica. 210,82 x 279,4 x 53,34 cm

Fig.5- Beatriz Milhazes, Meu limão, 2000. Acrílica sobre tela. 248,9 x 318,8 cm

É importante lembrar o papel do desenvolvimento das tintas na maneira de os


artistas lidarem com a cor. Inicialmente precisavam preparar as cores a partir dos
pigmentos, correspondendo essa tarefa a um trabalho inferior, meramente artesanal, no
contexto do fazer pictórico. O artista tinha de sujar as mãos. O surgimento das tintas em
tubo pouparam-no deste ‘trabalho sujo’. Outra grande mudança ocorre quando os artistas
passaram a utilizar tintas de lata (para paredes, madeira e até automóveis). O artista
escolhia a cor a partir de uma tabela, como as que vemos até hoje em lojas de materiais
de construção. Para Frank Stella, quanto mais próxima a cor na tela ficasse daquela na
lata, melhor (cf. Stella, apud Temkin, 2008, p.74, tradução minha). Assim, a cor passa a
ser tratada como um readymade. Nesse sentido, Temkin comenta que «a tabela de cor

25
incorpora a dessantificação da cor que acompanhou o fim do idealismo dos modernistas
do início do século, como Henri Matisse, Vasily Kandinsky e Piet Mondrian» (Temkin,
op.cit, p. 18, tradução minha). A partir daí, a cor pictórica possui o mesmo valor daquela
de um automóvel.
Em pintura falamos em cores puras – aquelas utilizadas conforme saídas do tubo
ou da lata − e cores sujas, que seriam aquelas que foram muito misturadas e aproximam-
se dos tons de castanho. Porém, sujas ou não, as cores correm sempre o risco de se serem
vistas como impurezas, ao romperem a uniformidade da superfície e perturbarem a ordem
do branco absoluto. Assim, ainda que as cores puras não evoquem sujeira, podem ser
fonte de grande incômodo.
Para além da perturbação, é possível falar em perigo. É o caso das cores
fluorescentes, que remetem a um certo risco pela associação a substâncias tóxicas. Susana
Rocha afirma que em seu trabalho (fig. 6 e 7), «a cor não é reconfortante, é provocadora
e agressiva» e prossegue:

Se inicialmente a cor se apresenta, a quem quer que olhe as minhas pinturas, como
um sinal de forte vitalidade e otimismo, quase como se estivesse subjacente uma
euforia em viver, após um olhar demorado a sua intensidade acaba por tornar-se
numa agressão. A fluorescência da cor incomoda e ataca o olhar, como se de um
aviso luminoso de perigo se tratasse. A gama cromática que escolho usar é
impositiva e lancinante, destruindo assim o sentimento de otimismo inicial. São
pinturas que não aceitam ser ignoradas. Não se prestam a uma contemplação poética,
mas antes à provocação de um sentimento de ansiedade e urgência que
simultaneamente seduz e repele, para seduzir novamente (Rocha, 2012, p. 115)

Figs. 6 e 7- Susana Rocha, Paisagens Atemporais #4, 2012. Acrílico sobre tela
60x50 cm (cada)

Interesso-me pela artificialidade da cor e o desconforto que isso pode gerar. Penso
que, assim como Susana Rocha refere a respeito de suas pinturas, as cores em meu
trabalho são sempre atraentes em um primeiro momento, para em seguida tornarem-se

26
repelentes, provocando enjoo. Funcionam como uma armadilha que atrai o espectador
para depois expulsá-lo.
Isabel Sabino também comenta a respeito do perigo que a cor representa na pintura:
«O potencial de desvio da cor – catalisado na tinta – é então temido como nefasto,
podendo descaracterizar a forma, amolecê-la, arrastar significados obscuros ou
imprevistos, demasiado centrados nos sentidos, nos sentimentos, nas emoções – entrar no
irrazoável» (Sabino, 2013, p. 420). A cor extrapola o domínio da linguagem. John Gage
fala da ineficácia dessa para dar conta da experiência da cor (cf. Batchelor, 2007, p.81).
Para Kristeva, «a cor (...), está associada à ‘indeterminação do sujeito/objeto’, a um estado
anterior à formação do sujeito na linguagem, anterior à completa diferenciação do mundo
em relação ao sujeito.» (cf. Batchelor, 2007, p.82, tradução minha). Compreende-se assim
o medo que ela desperta. Trata-se da ameaça de perdermo-nos na indiferenciação, de
dissolvermo-nos irreversivelmente.
Na dicotomia que coloca a cor do lado da natureza e do irracional (enquanto o
desenho é posto junto à linguagem e ao racional), é possível aproximá-la ao lugar que foi
dado à mulher no Ocidente. Nesse o feminino está associado ao desregrado, ao instável,
à fragilidade, valores também atribuídos à cor. O colorido do feminino ameaça a ordem
masculina. Esse temor é expresso por Charles Blanc:

A união do desenho e da cor é necessária para gerar a pintura, assim como a união
do homem e da mulher para gerar a humanidade, mas o design deve manter sua
preponderância sobre a cor. De outro modo a pintura apressa-se à sua ruína: ela cairá
através da cor como a humanidade caiu através de Eva. (Blanc, apud Batchelor, p.
23, 2007, tradução minha)

Nesse sentido, a cor seria a corrupção da cultura (cf. Batchelor, 2007, p.23).

2.4. A corporalidade da pintura

Em uma cultura cada vez mais asséptica e racional, sobra pouco espaço para
elementos que apelem aos sentidos. Matéria e cor, elementos formantes da pintura,
tornam-se excessivas, quando não agressivas. Perturbam a estabilidade dos ambientes e
lembram-nos do que há de irracional em nós. Evitamo-las, como doenças.
Sabe-se que na pintura, tradicionalmente, a cor materializa-se na tinta. Percebemos
na maneira como esse material foi tratado ao longo da história da arte um desejo de
disfarçar sua fisicalidade. Na superfície lisa que se coloca diante do homem como janela,
o aspecto informe da tinta é escondido.

27
A valorização de uma pintura incorpórea evidencia-se no ideal da visualidade pura
que persiste no modernismo. Yve-Alain Bois fala que, mesmo deixando de ser vista como
uma janela, a pintura modernista seguiu caracterizada pela verticalidade. Assim, ela é
feita para o homem em postura ereta, pressupondo que «que o espectador tenha esquecido
que seus pés estão na sujeira sendo assim uma atividade sublimatória» (Bois in Bois &
Krauss, 1997, p. 26).
Ainda que, ao longo dos séculos, tenha-se, progressivamente, exposto a condição
matérica da pintura, evidenciando pinceladas, é só no século XX, com artistas como
Fautrier, Dubuffet e Tapies que a materialidade é enaltecida, assumindo protagonismo. À
medida que ela incorporou o relevo, afastou-se do plano da ilusão e avançou para o espaço
ocupado pelos nossos corpos. Passamos então a percebê-la como parte do mundo real e
assim, mais próxima do nosso corpo.
No entanto, por mais esforços que os pintores realizem para esconder os indícios
de materialidade da pintura, ela está sempre presente. Nas palavras de Marlene Dumas, a
pintura «é sobre o vestígio do toque humano. É sobre a pele de uma superfície». A artista
prossegue: «Uma pintura não é um cartão postal. O conteúdo de uma pintura não pode
ser separado da sensação de sua superfície» (Marlene Dumas in Myers, 2011, p.95,
tradução minha).
A pintura, mesmo aquela de superfície mais plana, nunca deixou de conter uma
reminiscência da condição informe da tinta. Sabino comenta que

é talvez na pintura abstracta que a condição informe da tinta ganha maior


ênfase expressivo e maior potencial de abjeção – quando a própria tinta, para
além de qualquer iconografia que forme, ultrapassa todos e quaisquer limites
da forma, desprendendo-se de signos alheios e tornando-se, mais do que
nunca, ela mesma, signo. (Sabino, 2013, p. 423)

No contexto plural da arte contemporânea, constata-se a presença tanto de


manifestações que se identificam com as tendências tecnológicas, levando muitas vezes
o artista a não tocar em sua obra, quanto daquelas que valorizam o seu gesto. De modo
semelhante, observamos artistas que exaltam o potencial objetual da pintura, levando-a
para o campo tridimensional e assim enfatizando sua relação corporal com o expectador;
bem como aqueles que tratam a superfície da tela como espaço ilusionista de
representação, estabelecendo uma relação de maior distância com aquele. Sobre essa
pluralidade, Isabel Sabino comenta:

28
(...) nos séculos XX e XXI , a par das extraordinárias conquistas sucessivas das
ciências e tecnologias, parece revelar-se nas artes um movimento paradoxal em que
o fascínio evidente e quase autoritário das novas aquisições técnicas, em sofisticação
e assepsia crescentes high-tech, convive com tendência contrária, com uma espécie
de revolta em direção ao regresso aos processos mais básicos, ingênuos ou primitivos
(Sabino, op.cit., p. 400).

Hal Foster constata um «movimento da merda na arte contemporânea13», que busca


inverter simbolicamente a repressão do anal e do olfativo − primeiro passo da civilização
−, propondo «uma inversão simbólica da visualidade fálica do corpo ereto como modelo
primário da pintura e da escultura tradicionais» (Foster, 2001, p.165, tradução minha).
Ele afirma: «Este duplo desafio da sublimação visual e a forma vertical é uma forte
corrente subterrânea na arte do século XX (que poderia se intitular ‘O mal-estar da
visualidade’) e que as vezes se expressa em uma ostentação do erotismo anal. » (idem).
O autor traz as obras de Mike Kelley (fig. 8), de Andres Serrano e Piero Manzoni como
exemplos dessa obsessão anal da arte contemporânea. Rina Arya também analisa o uso
de materiais abjetos no século XX:

Artistas começaram a explorar a “fenomenologia de como as pessoas experenciavam


seu ‘corpo vivo’” e isso era explorado através das seguintes sobreposições de
categorias: o fragmento corporal, os limites precários entre o exterior e o interior, e
o uso de materiais abjetos (como fluidos corporais, excremento, sujeira, animais
apavorantes e apodrecimento de alimentos) que causavam uma sensação de abjeção.
(...) O uso de fluidos corporais era frequentemente empregado experimentalmente
para confundir barreiras entre diferentes estados. Não sendo sólido, tampouco
líquido, o viscoso (no sentido sartreano) exercia uma força de submissão que
confundia o observador que presenciava o corpo se desintegrando» (Arya, op.cit.,
pp. 86-87, tradução minha)

13
Arte contemporânea refere-se aqui àquela da época em que o autor escreveu o texto (década de 1990)

29
Fig. 8- Mike Kelley, Nostalgic depiction of the innocence of childhood, 1990. Fotografia. 24.1 x
16.5 cm

Entretanto, não é necessário utilizar matérias tão ignóbeis para provocar nojo. A
tinta, um dos materiais mais tradicionais na história da arte, pode se revelar perturbadora.
Sua condição física associa-se «ao caos, ao instável ou eventualmente em vias de se
organizar e ganhar forma. Ela é o viscoso a que se refere Sartre, o estado intermédio que
não é bem líquido nem sólido» (Sabino, op. cit., p. 419). Remete para várias secreções
corporais e atesta assim nossa própria condição física. Possivelmente resida aí a fonte de
nosso fascínio e nossa perturbação diante dela. É por nós que nos apaixonamos ao
maravilharmo-nos diante de uma pintura. É de nós que fugimos, quando a pintura repele-
nos.
Há no fazer pictórico uma espécie de alquimia escatológica14. Pintar é manusear a
matéria informe, num ritual de comunhão. Trata-se de um mergulho na indiferenciação
do ser, um retorno à experiência primitiva.
A pintura, ao agregar o colorido e o informe na tinta, reúne o que rechaçamos,
aquilo que o pensamento Ocidental desejou eliminar da cultura, que ameaça a ordem
estabelecida. A matéria da pintura possui

essa docilidade que caracteriza um certo modo de ser do sensível , informe e vago,
que dificilmente pode ser pensado pela razão metafísica de maneira diferente da
expressão de um estado arcaico da matéria: um resto do caos original que nenhuma
ordem viria disciplinar, o sinal de uma imperfeição cuja satisfação daria prova de
um gosto mórbido pelo indeterminado. Sempre que deixa de ser considerada na
beleza harmoniosa de suas formas, a pintura torna-se problemática do ponto de vista

14
Por escatológico não me refiro ao sentido teológico da escatologia, mas ao coprológico.

30
filosófico. Objeto de um prazer necessariamente triste. Como a carne. (Lichtenstein,
1994, p. 69)

Ao pensar a relação da pintura com a carne, para além das imagens das figuras
exuberantes de Rubens, vem à mente as pinturas de Adriana Varejão, da série Línguas e
cortes. Nelas a carne irrompe do interior da pintura, rasgando a superfície da tela,
disfarçada de parede (fig. 9). Se existe uma semelhança da superfície da pintura à da pele,
aqui ela ultrapassa a epiderme para ser pintura entranhada. Já nos paintants – mistura das
palavras painting e mutant – de Fabian Marcaccio (fig. 10 e 11), a matéria pictórica é
uma pele que que se transforma em uma gosma estranha e cria corpos instáveis, os quais
não sabemos se estão formando-se ou decompondo-se. O corpo da pintura assume aqui
um ar monstruoso, que, embora surreal, é extremamente atual. Marcaccio é como o
médico do romance de Mary Shelley, criando um corpo a partir de pedaços de outros.
Ora, fazer pintura é criar corpos.

Fig. 9- Adriana Varejão, Azulejaria verde em carne viva, 2000. Óleo sobre tela e poliuretano em
suporte de alumínio e madeira. 220 x 290 x 70 cm

31
Fig. 10- Fabian Marcaccio, Hero Structural Canvas
Paintant, 2009. Tinta de impressão sobre tela,
alumínio,tinta alquídica, silicone, 213 x 91 x 71cm

Fig. 11- Fabian Marcaccio, CNN-Paintant, 2009.


Tinta de impressão sobre tela, alumínio,tinta
alquídica, silicone, 81 x 229 x 173cm

32
3. Corpo em excesso: reflexões sobre o processo artístico pessoal

Não podemos ser antes inconscientemente criativos e depois convidar as nossas


mentes conscientes em um segundo momento? (Karla Black, 2010, p.166, tradução
minha)

De alguns anos para cá, ao refletir a respeito de meu trabalho, a palavra corpo
passou a surgir incessantemente. A constatação dessa regularidade motivou-me a
investigar os seus motivos. Na reflexão desenvolvida, verifiquei em minha a presença de
dois corpos que se inter-relacionam: o corpo da obra e o meu corpo. Devido à
interdependência destes, torna-se difícil abordá-los separadamente. Em função disso,
serão tratados concomitantemente neste capítulo. Comentarei ainda a respeito de um
terceiro corpo, que surge quando a obra é exposta (ainda que seja considerado já na
construção das obras), que é o do espectador. É preciso mencionar que, em função de sua
história no pensamento ocidental, há uma série implicações de ao abordá-lo. Portanto,
falar em corpo é falar do mundo material (em oposição ao imaterial), do sensível (em
oposição ao inteligível), de instintivo (em oposição ao racional), do natural (em oposição
ao civilizado), do efêmero (em oposição ao eterno). Essas dicotomias fazem parte de uma
lógica que despreza o mundo material, herdada do pensamento platônico.

3.1.Corpo a corpo

Desde minhas primeiras experiências plásticas no curso de Bacharelado em Artes


Visuais15, meu impulso criativo não estava ligado à representação 16. Interessava-me
iniciar um trabalho sem saber onde chegaria. Marcava uma superfície com uma mancha
ou uma linha sem imagens pré-definidas17, guiando-me a partir da resposta que o material
dava a meus gestos. 18Ainda que, a partir de um momento passasse a um tipo recorrente
de resoluções compositivas, revelando a parte intencional do processo, encantava-me
sobretudo com o momento em que tinha a sensação de não saber para onde o trabalho me
conduziria. Buscava a surpresa.

15
Frequentei o curso de Bacharelado em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em
Porto Alegre entre os anos 2009 a 2013
16
Por representação refiro-me à figuração icónica.
17
É claro que, mesmo não tendo uma imagem exata a ser reproduzida, o artista sempre carrega referências
visuais que aparecerão no suporte, não existindo a ausência total de referências. Aquilo a que me refiro é
não ter a decisão clara de uma imagem a ser reproduzida.
18
Esse processo revela como, desde o princípio, há um interesse pelo diálogo entre minha ação e a matéria,
que é determinante no desenvolvimento da minha poética.

33
Vejo nesse modus operandi uma postura muito mais ‘corporal’ do que ‘racional’,
a qual aproxima-se ao brincar da criança. Antes de iniciar seu processo de socialização,
ela experimenta o mundo sem censurar seus impulsos: toca, morde e aperta os objetos em
seu entorno conforme sua curiosidade. Essa postura, essencial em meu processo criativo,
é recorrente em artistas cujo trabalho enfatiza a materialidade, como é o caso de Karla
Black: «Eu sempre priorizei a experiência sensual em relação à linguagem como forma
de aprender a respeito do mundo e compreendê-lo» (Black, in Black & Hunter, 2013,
tradução minha). A artista comenta que vê a arte como um lugar “em que nos é dada
permissão para comportar-se como os animais que somos” (Black, in Tate, tradução
minha).
Quando adentro o ateliê, coloco-me em um estado que denomino ‘abertura ao
acaso’. Trata-se de acolher o incontrolável e entregar-se a incertezas, numa escuta aos
materiais. Essa relação com o material é característica das correntes artísticas ligadas ao
informalismo, movimento europeu que privilegiava o gesto e a matéria. Dentre os artistas
associados a esse, destaco meu interesse por Jean Dubuffet. Em suas obras, o
protagonismo da matéria determina uma série de procedimentos em sua fattura, conforme
relata:

Há que se deixar produzir e aparecer todos os acasos que são os acasos próprios do
material utilizado: o óleo que quer jorrar, o pincel insuficientemente carregado de
cor e que não deixa mais que um rastro impreciso, o traço que cai ao lado do lugar
exato onde o artista desejava traçar, o traço que treme, o que, no lugar de ser vertical,
se inclina no sentido da escrita, o traço que começa pesadamente e logo se debilita
porque o pincel se descarregou de sua cor, etc.” (Dubuffet, 1975, p.43, tradução
minha)

Em meu processo, assumo diante da pintura uma posição de descoberta e embate:


sinto-me diante de um ser cujo comportamento deve ser desvendado para que eu possa
me aproximar. Iniciado o contato, trata-se de uma constante batalha, em que cada gesto
meu gera uma ‘reação’ no ‘oponente’, que determinará minha próxima ação. Nesse
sentido, identifico-me com a maneira dos action painters de trabalhar. Sobre estes
artistas, Harold Rosenberg comenta:

Em um determinado momento a tela começou a aparecer para um pintor Americano


após o outro como uma arena na qual atuar – ao invés de um espaço para reproduzir,
redesenhar, analisar ou ‘expressar’ um objeto, real ou imaginário. O que estaria na
tela não seria uma imagem, mas um evento.
O pintor não mais se aproximava do cavalete com uma imagem em mente, ele ia até
esse com material em mãos para fazer algo com o outro pedaço de material que tinha

34
à sua frente. A imagem seria o resultado desse encontro. (Rosenberg, 2010, p. 589,
tradução minha)

Michael Archer aproxima esses artistas daqueles da Process Art, no que diz
respeito à ligação entre o fazer e o resultado final: «Artistas como Richard Serra, Bruce
Nauman, Eva Hesse, Lynda Benglis e Barry Le Va produziram trabalhos cujo aspecto
estava intricadamente conectado a uma série de procedimentos que os concretizavam»
(Archer, 1994, p. 23).

Fig.12- Registro do processo de trabalho de Lynda Fig.13- Registro de Jackson Pollock em seu
Benglis, 1970. Foto: Henry Groskinsky. ateliê ,1950. Foto: Hans Namuth

Manuseio a matéria, como se para ver fosse preciso tocar. O aspecto táctil das
superfícies guia minha pesquisa. Em 2012 iniciei uma busca por materiais que me atraíam
por suas cores, texturas e maleabilidade. Aplicados à tela ou, sendo o próprio suporte da
pintura, tencionavam os limites do quadro e apontavam para o espaço fora da tela (fig. 14
e 15).

35
Fig. 14- Carolina Marostica. Sem título
(série Bichos), 2012. Acrílica,esmalte, Fig. 15- Carolina Marostica, Sem título, 2012. Acrílica e
pelúcia e cartão. 80x50cm silicone. Dimensões variáveis

Neste ponto é válido ressaltar que, ainda que o caráter informe e objectual da
minha pintura aponte similaridades a obras que podem ser compreendidas dentro do
conceito de pintura expandida19− seja como objetos ou como instalações−, o
questionamento do suporte pictórico nunca foi a motivação do meu processo. Seu
extravasamento deu-se de modo espontâneo, pela vontade de ampliar meu campo de ação
e dar vazão à potencialidade da matéria. Entretanto, a percepção de possíveis relações
entre meus procedimentos e o campo da pintura expandida, conscientizou-me de que eu
não tratava a pintura como pintura. Explico-me: ao perceber que meu assunto principal
não era a pintura em si – como é o caso de artistas como Jessica Stockholder, Jim Lambie,
Angela De La Cruz e Ian Davenport (fig. 16-19) − indaguei-me sobre o que pretendia
falar, ou seja, por que pintava. No caso de Stockholder (fig. 16), percebemos em seus
trabalhos uma abordagem da pintura modernista, conforme Xosé Antón Castro comenta:

As referências que ela reivindica e as que nós podemos descobrir em uma obra
pictórica tão pouco ortodoxa como a sua se implicam no mesmo coração do
vanguardismo histórico e em nomes e em situações que afinal, não são senão as

19
O conceito de pintura expandida inspira-se no texto Sculpture in the expanded field (1979), de Rosalind
Krauss, em que a autora analisa obras que colocam a definição de escultura como monumento em questão;
transpondo o debate da dissolução de fronteiras entre categorias artísticas para o campo da pintura,
considerando principalmente suas incursões no tridimensional. Ainda que recente, o conceito remonta a
uma série de de momentos chave na história da arte que colocaram em questão a espacialidade pictórica,
como o uso da colagem pelos cubistas no início do século XX, as combine paintings de Robert
Rauschenberg, as shaped canvas de Frank Stella, os bólides de Hélio Oiticica – que em 1961 escreve em
seus diários que buscava uma "pintura depois do quadro"−, ou os tubos luminosos de Dan Flanvin.

36
chaves da arte do século XX, porque Stockholder atravessa a história, reinterpreta-
a, renova-a e fulmina-a com os mesmos argumentos que utiliza hoje o discurso
tradicional para falar da pintura, ou seja, para debater sobre a composição, o ritmo,
o movimento, a cor, o espaço... problemas de sempre. (Castro, 1999, p. 174, tradução
minha)

Fig.16- Jessica Stockholder, Vortex in the Play Fig.17- Jim Lambie, Zobop stairs
of Theatre with Real Passion, 2000. Duplo, (Colour), 2003/2015. Instalação: Fita
Cortina de teatro, containers, banco, luz de colorida de vinil. Dimensões variáveis.
teatro, linóleo, pele, mesas, jornal, tecido e
tinta.

Fig.18- Angela de la Cruz, Larger than life, Fig.19-Ian Daveport, Guidi Gallery wall
2004. Acrílica e óleo sobre tela. 260 x 400 x painting, 2012
1050 cm

Estou mais interessada em falar de um universo à parte, um imaginário, do que da


história da arte propriamente. É claro que nunca escapamos do contexto em que vivemos
e, nesse sentido, trabalhar com arte é, inevitavelmente, compartilhar de uma gramática
construída durante séculos. Distancio-me, entretanto, de um pensamento que trata dos
elementos pictóricos por eles mesmos, colocando a tinta, a cor, o suporte e a pincelada
como protagonistas de um discurso; como é frequente na pintura abstrata e em seus
desdobramentos para o campo expandido. Identifico-me com artistas que criam mundos,
ficções, como Matthew Barney, Yayoy Kusama, Tony Oursler (fig. 20), ou Thomas
Hirshhorn (fig. 21). Utilizando-se de múltiplos meios para produzir ambientes e seres que
não conseguimos situar em categorias artísticas, estes artistas afastam-se de uma
discussão metalinguística, mesmo que continuem inseridos no sistema das artes visuais e
compartilhem da sua gramática.

37
Fig.20-Tony Oursler, Bound Interrupter, 2012. Duas projeções de vídeo, mixed media, som. Dimensões variáveis.

Fig.21- Thomas Hirschhorn, Cavemanman, 2002. Instalação: madeira, papel cartão, fita adesiva, papel alumínio,
livros, prateleiras, pôsteres, vídeos de Lascaux, manequins, lates, tubos de luz fluorescentes.

3.2. Organismo vivo

Concluí que sempre vira a pintura como um ser vivo. A tinta (acrílica, óleo ou
esmalte) molhada, em sua variação entre o líquido, o viscoso e o pastoso, remete-me a
secreções do corpo. Quando seca, forma uma película que se assemelha à pele. Outros
materiais, como o silicone, o látex, a cola branca e a vaselina provocam associações
semelhantes devido à sua consistência quando úmidos e depois de secarem (com excessão
à vaselina que não seca completamente). Elizabeth Sharek comenta a sugestão de corpo
presente no trabalho de artistas em função da tactilidade dos materiais que empregam:

38
Os trabalhos em látex de Eva Hesse e Louise Bourgeois, as instalações de Ernesto
Neto e os relevos de cera de Lynda Benglis, englobam uma forma poderosa de não-
representação de corporalidade sugerida através do emprego de tais materiais. A
presença visual mais óbvia do corpo é alterada pelo apelo adicional ao toque. O toque
se torna o caprichoso elemento que desestabiliza a noção da obra de arte existente
no domínio puramente visual. [...] A superfície lustrosa da cera e a substância
emborrachada do látex nos trabalhos de Benglis e Bourgeois geram uma ambígua
tensão entre o táctil e o visual, exibindo um ‘sedutor entrelaçamento do incômodo e
do prazeroso’ (Sharek, 2007, p.6, tradução minha)

Fig.22- Eva Hesse, Tori, 1969. Fibra Fig.23- Louise Bourgeois, Le Regard, 1966. Látex e
de vidro, resina de poliéster, tela de tecido
arame. 119,4 x 43,2 x 38,1 cm

Fig.24- Lynda Benglis, Karen, 1972. Fig.25- Ernesto Neto, Família humanóide, 2001
Encáustica sobre madeira. 91,4 x 12,7 Poliamida, veludo, lavanda, isopor. Dimensões
x 7,6 cm variáveis

39
Rachel De Joode trabalha a tactilidade de materiais que remetem à pele. Em objetos
que misturam escultura e fotografia, reunindo a imagem do material e o material em si,
discute fisicalidade e virtualidade (fig. 26-27).
Parte da minha pesquisa é fotografar texturas do cotidiano que me instigam pela
‘corporalidade’ que possuem. A fotografia foi o meio que experimentei que, já no início
revelava meu interesse pelo táctil, como pode ser visto nas figuras 28 a 31. Interesso-me
pelas aproximações hápticas na superfície de objetos, seres, alimentos (fig. 32-35). Esses
registos conduziram-me ao recurso de busca do Google, em que é possível buscar
imagens na internet pela semelhança visual a partir de outra existente (fig. 36-37).
Instiga-me as reações que certas texturas despertam em nós, num fascínio que envolve
atração e repulsa. Essa sensação ambígua remete-nos ao comentário de Jean-Paul Sartre
sobre a viscosidade:

Separo as mãos, quero largar o viscoso e ele adere a mim, me sorve, me aspira; seu
modo de ser não é nem a inércia tranquilizadora do sólido, nem um dinamismo como
o da água, que se exaure fugindo de mim: é uma atividade mole, babosa e feminina
de absorção; vive obscuramente entre meus dedos, e sinto uma espécie de vertigem;
atrai-me como poderia atrair-se o fundo de um precipício. Há uma espécie de
fascinação tátil do viscoso. (Sartre, 2011, pp. 742-743)

Fig.26- Rachel de Joode, Sculpted Human Fig.27- Rachel de Joode, Allotrope (II), 2014
Skin in Rock (I), 2014 Impressão digital Impressão digital em acrílico e pedestal 168 ×
sobre Alu-Dibond, mármore. 117 × 90 × 124 × 40 cm
35 cm

40
Fig. 28-31- Carolina Marostica, 2011.
Registros de texturas. Fotografia digital

Fig. 32-33 -Carolina Marostica, 2015.


Registros de texturas. Fotografia digital

41
Figs. 34-35- Carolina Marostica, 2016.
Registos de experimentos com materiais.
Fotografia digital

42
.

Fig. 36-37- Imagens visualmente semelhantes.

Samara Scott (fig. 38-41) também une registros fotográficos de texturas com forte
apelo táctil aos materiais em si, aludindo à fisicalidade corporal. Interessa-me a maneira
que a artista se apropria de materiais industrializados, já saturados de uso cotidiano e os
reconfigura para ativar nossos corpos. Ela afirma ter interesse por materiais que
transmitem a sensação daquilo «que se sente ao estar em um corpo, vivo, ser essa coisa
biológica carnosa e transpirante» (Scott, in Scott & Wade, 2015 p. 121, tradução minha)
e comenta:

Eu estou interessada na corpulência daqueles materiais vivos e maleáveis, que


absorvem impressão, vazam ou derretem. Sinto-me atraída por plásticos finos e
soltos, papel alumínio amassado, borracha mole, sabonetes, géis, … Substâncias
como pele, que suam, escamam, deformam-se, enrugam-se… massas flácidas que se
transformam e degradam. Estou interessada em pressionar todas essas texturas duras
e macias entre si em um tipo de mistura voluptuosa (ibidem, tradução minha)

Fig.38-Samara Scott, Lonely Planet, Fig.39- Scott, Lonely planet (detalhe)


2014. Cimento, água, tinta óleo, aguarela,
corante alimentar, esmalte de unhas,
refrigerantes, tinta spray, areia, argila,
terra, sombra de óleos, embalagens e
mixed media.

43
Fig.40- Samara Scott, Plebs, 2014. Fig.41- Samara Scott, Plebs (detalhe)
Espuma de poliuretano, água, aguarela,
spaguetti, verniz de unhas, missangas,
feijões, castanhas.

Em meu trabalho vejo, para além das substâncias líquidas e viscosas, uma alusão
ao corpo em outros materiais caracterizados pela moleza. O mole remete à carne. Diante
de um material macio, somos impelidos a apertá-lo. Esse impulso de tocar as superfícies
é determinante em meu processo.
Entretanto, não faz parte do projeto propiciar uma experiência interativa entre o
espectador e o objeto. Em função da atração que as peças despertam, fui questionada
sobre o porquê de não propor essa interação. Ainda que não veja as obras em pedestais,
interessando-me que o observador se sinta próximo delas, acredito que parte da potência
do trabalho está na tensão que surge a partir da vontade de tocar e sua não concretização.
A pessoa vivencia a sensação de acordo com suas memórias, associações. É menos por
um receio de dessacralização da obra, do que pela alteração da experiência do observador,
que não incoporo a interatividade. Ernesto Neto fala a respeito de como em suas obras a
tactilidade não está limitada à concretização física do desejo:

Em relação à dinâmica participativa, devo dizer que não acho que todas as obras
tenham de ser participativas. Realizei muitas obras em que a participação não se
traduz numa ação física, mas em um processo interno e intrínseco já que existe uma
tactibilidade, os elementos relacionam-se e manifestam as suas propriedades, as suas
intimidades, de forma táctil. (...) Enfim quero dizer que as pessoas devem se
relacionar com a obra e isso não significa necessariamente que a relação se traduza
em tocar a obra. (Neto in Neto & Pereira, 2001, p.291)

Ao distanciar-me do formato retangular da pintura, constato que a maneira de


resolver questões compositivas não se prende tanto a uma lógica aprendida a partir da
história da pintura, que frequentemente me entediava, parecendo vazia. Assim, ao abdicar
do retângulo, sinto-me seguindo a ‘lógica’ de um corpo, como se criasse um ser ao modo
Frankenstein. Logo, ao aplicar um retalho de pelúcia em um ponto da tela, aquilo pode

44
fazer sentido por lembrar uma sobrancelha. Uma protuberância, pode remeter a um nariz,
um dedo, um braço, a uma perna ou um pé, conforme a posição no suporte. Vejo na
pelúcia, por mais artificial que seja, a sugestão do animal. Em função disso, nos primeiros
trabalhos em que a utilizei como suporte para uma pintura-objeto20, pareceu-me evidente
que deveria denominá-los Bichos (fig. 42-44). Enquanto crio estes ‘seres’, observo-os
com uma mistura de riso e estranhamento. Trata-se de sugerir corpos, não os representar.

Fig. 42- Carolina Marostica, Sem título (Série Bichos), 2013. Acrílica, óleo, silicone e vaselina sobre pelúcia.,
60x32 cm

Fig. 43- Carolina Marostica, Sem título, 2013 (Série Bichos). Acrílica, óleo, vaselina, silicone e pelúcia.
63x13

20
Utilizo o termo pintura-objeto para aqueles trabalhos que se situam entre a pintura e o objeto. Por serem
frontais, estarem na parede e terem na cor um dos elementos principais, identificam-se com o campo
pictórico. Por outro lado, a irregularidade do suporte e seus volumes, enfatizam a objectualidade.

45
Fig. 44- Carolina Marostica. Sem título, 2015 (Série Bichos). Acrílica, óleo, silicone, espuma de poliuretano,
pelúcia, plástico, esponja, EVA, papel vegetal, tela, fibra de vidro e resina.

Penso que este aspecto cômico se relaciona a uma maneira de tratar a arte que se
afasta aos ideais kantianos de sublime, que envolvem distanciamento e transcendência.
Desejo criar objetos que gerem aproximação, conscientizando o espectador de seu corpo.
Interessa-me que a maneira lúdica com que lido com os materiais transpareça nos objetos
finais, contribuindo para a romper a frieza da relação obra de arte-espectador. Essa atitude
aproxima-se ao pop e remete ao statement de Claes Oldenburg:

Sou a favor de uma arte que se enreda nas porcarias do cotidiano e ainda assim sai
por cima
Sou a favor de uma arte que imita o humano, o cômico, se necessário, ou o
violento, ou qualquer coisa que seja necessária
Sou a favor de toda a arte que tira sua forma das linhas da vida em si mesma, que
se torce, extende e acumula e cospe e pinga, e que é pesada e grosseira e brusca e
doce e estúpida como a vida em si mesma. (Oldenburg, in Selz & Stiles, 1996,
p.335, tradução minha)

Conforme as pinturas-objeto ganham tridimensionalidade, evidencia-se o aspecto


corporal. Quando falo em corpo, não me refiro exclusivamente ao do ser humano,
podendo-se pensar também «na escultura como corpo (...), ou num corpo estranho, animal
ou alienígena, que com frequência se apresenta como afetuoso» (Pedrosa, 2001, p. 74),
como Adriano Pedrosa coloca a respeito das esculturas de Ernesto Neto.
46
A escultura, por ocupar o espaço dos nossos corpos – em oposição à pintura, que
tradicionalmente, cria um espaço virtual – enfatiza a sensação de concretude, parecendo-
nos mais próxima e opondo-se assim à transcendência. Entretanto, na tradição escultórica,
o uso de materiais rígidos como o mármore ou o bronze vincularam-na a ideias de
permanência, desafiando a gravidade e opondo-a à efemeridade da carne. Nas pinturas-
objeto e objetos que crio utilizo materiais que, não sendo rígidos, fazem um contraponto
à tradição escultórica. A partir dos anos 1950, a utilização de materiais moles na escultura
é recorrente. Alguns relacionam estes ao universo feminino, por sua ligação à costura –
no caso de tecidos e linhas−, bem como pela sinuosidade das formas que se assemelham
ao corpo da mulher.
Eva Hesse (fig. 45) foi pioneira no uso do látex na escultura. De fato, a maciez
pode ser associada ao feminino, pois, ao contrapor-se à rigidez, opõe-se aos ideais
falocêntricos. Max Kozloff comenta que, contrariando essa tradição escultórica, «uma
escultura mole, em várias proposições, pode sugerir fatiga, deterioração ou inércia» e
prossegue: «ela imita um tipo de submetimento à condição natural que puxa os corpos
para baixo» (Kozloff, apud Ward, 2009, p.13, tradução minha). Robert Morris fala sobre
o surgimento do uso de materiais moles na escultura:

Recentemente, materiais que não os rígidos têm começado a aparecer. Oldenburg foi
um dos primeiros a usar esse tipo de materiais. Uma investigação direta das
propriedades desses materiais está em progresso. Isso envolve uma reconsideração
do uso de ferramentas em relação ao material. Em alguns casos essas investigações
vão da construção das coisas até a contrução do próprio material. Às vezes ocorre a
manipulação direta de um dado material sem o uso de qualquer ferramenta. Nesses
casos, considerações quanto á gravidade se tornam tão importantes quanto aquelas
de espaço. O foco na matéria e na gravidade como meios resulta em formas que não
foram antecipadamente projetadas. Considerações de ordem são necessariamente
casuais e imprecisas e não enfatizadas. Amontoamento ao acaso, empilhamento
desordenado, suspensão, dão forma ao material. Aceita-se o acaso e emprega-se
indeterminância, substituindo intenção e resultado em outra configuração.
Desengajamento com formas duradouras preconcebidas e ordem para as coisas é
uma afirmação positiva. É parte da recusa do trabalho continuar estetizando a forma
lidando com ela através de um fim prescrito. (Morris, 1993, p.46, tradução minha).

47
Fig.45- Eva Hesse. Contingent, 1969. Látex, gaze e Fig. 46- Claes Oldnburg. Soft light switches, 1964.
fibra de vidro. 350 x 630 x 109 cm Vinil e poliéster. 119,4 x 119,4 x 9,2 cm.

Há objetos que incorporo em assemblages, que, além de sua moleza, aludem ao


corpo mais explicitamente na forma. Entre esses destaco as luvas de látex e vinil, que,
sendo utensílios para o corpo, têm sua forma moldada a partir dele (fig. 47-50). Interessa-
me mais seu antropomorfismo do que sua função. Provoco deformações enchendo-as,
rasgando-as, amarrando-as, para que se pareçam mais com corpos (pequenos
animaizinhos) ou membros fragmentados, do que com um utensílio doméstico. A
transfiguração desses objetos cria um estranhamento que me instiga.

Fig. 47- Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis.

48
Fig. 48- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis

Fig. 49- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.

49
Fig. 50- Carolina Marostica, 2015. Registro do processo.

Relaciono a percepção das pinturas e objetos como seres vivos a uma tendência
de vislumbrar animação em objetos inanimados. Uma cadeira, um extintor, um saco, ou
uma vassoura, em dado momento podem aparentar animação. É como se tudo ao meu
redor fizesse-se corpo. Os objetos tornam-se simultaneamente mais estranhos e mais
próximos a nós. Essa ideia relaciona-se ao conceito freudiano de Unheimliche21, que
abrange uma ambiguidade que se faz presente quando não sabemos se algo é animado ou
inanimado. O conceito surge no texto O Inquietante (tradução brasileira do alemão Das
Unheimliche), de 1919, e é um dos textos freudianos mais influentes no campo das artes
visuais. Nele, Freud afirma que a origem dessa sensação estaria ligada a crenças do

21
Na palavra alemã Unheimliche, ‘un’ quer dizer não e ‘heimliche’, familiar. Assim, um dos significados
de Unheimliche seria não familiar. Outras definições ligam-na ao que é perturbador, inquietante, estranho,
assustador. Investigando a complexidade de significados da palavra, Freud conclui que Unheimliche, ainda
que seja por definição o não familiar, está intimamente ligado ao que outrora foi familiar. Ele afirma «o
inquietante (Unheimliche) é aquela espécie de coisa assustadora que remonta ao que é há muito conhecido,
ao bastante familiar» (Freud, 1919, p. 249) Unheimliche é o que foi uma vez familiar e deixou de ser e,por
permancer fora do alcance da nossa consciência, ao retornar, através de uma imagem ou evento externo;
torna-se estranho. «Unheimlich seria tudo o que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu» (Freud,
O Inquietante, 1919, p.254 »

50
homem primitivo, mas que ainda estariam presentes em alguns de nós de maneira
inconsciente. Essas estariam conectadas ao animismo, ou seja, ao preenchimento do
mundo com espíritos humanos:

Parece que todos nós, em nossa evolução individual, passamos por uma fase
correspondente a esse animismo dos primitivos, que em nenhum de nós ela
transcorreu sem deixar vestígios e traços ainda capazes de manifestação, e que tudo
o que hoje nos parece “inquietante” preenche a condição de tocar nesses restos de
atividade psíquica animista e estimular sua manifestação. (Freud, 1919, p. 268)

O autor vê nas bonecas elementos dessa relação animista: «Naturalmente, no caso


das bonecas não estamos longe do mundo infantil. Lembramo-nos de que, na idade em
que começa a brincar, a criança não distingue claramente entre objetos vivos e
inanimados, e gosta de tratar sua boneca como um ser vivo» (Freud, op. cit., p.262)
Retomo aqui a analogia do meu processo ao brincar infantil: sinto-me tão próxima dos
objetos, que é como se eles fossem vivos. Esta ambiguidade dos bonecos é abordada por
Hal Foster para compreender a presença do o Unheimliche nas obras de Hans Bellmer
(fig. 51). O artista fez parte do movimento surrealista, em que encontramos essa
característica em várias obras, como nas esculturas de Dorothea Tanning (fig. 52).
A estranheza característica dessas obras se tornou estratégia recorrente em obras
de arte contemporâneas, gerando exposições como The Uncanny, curada por Mike
Kelley, em 2004, no Tate Liverpool, abrangendo artistas como Robert Gober, Cindy
Sherman e Sarah Lucas (fig. 53 - 54). A última comenta que, frequentemente, projeta
qualidades humanas nas coisas (cf. Lucas in Ingwild Goetz, Sarah Lucas, 1997, p.131).
Em entrevista com Beatrix Ruf, a artista comenta sobre sua conexão com os objetos:

Fazer arte enfatiza a relação que temos com os objetos no mundo, sempre notando
essa ou aquela qualidade. No sentido de sentir de estar acompanhado por coisas
inanimadas, de modo semelhante à maneira que os povos antigos se sentiam
conectados à natureza, sentindo que não estavam sozinhos, a qual ainda é possível
hoje. Mas, na ausência de um ambiente natural, pode essa relação pode ser forçada
a partir de um ambiente artificial. (Sarah Lucas in Beatrix Ruf, Sarah Lucas, 2005,
pp.29-30, tradução minha)

51
Fig.52- Dorothea Tanning, Rainy Day Canapé, 1970.
Tweed, sofá de madeira, bolas de ping-pong e papel
Fig. 51- Hans Bellmer, La poupée, 1936.
cartão, 81,9 x 174 x 109.9 cm
Fotografia pintada à mão, 14,2 x 14,5 cm

Fig. 53- Sarah Lucas, Nud cyclatic 9, 2010. Nylon, Fig.54-Sarah Lucas, Bitch, 1995. T-shirt, mesa, melões,
fibra sintética, concreto, aço e arame, 53.3 × 62.2 × 61
cm peixe embalado a vácuo, 80.5 x 101.5 x 64 cm

52
A semelhança de algumas formas a intestinos, nos tubos, meias, entre outros
materiais cilíndricos que utilizo, também pode ser fonte de perturbação (fig.44). Por
desempenhar uma função de transição daquilo que entra e sai do nosso corpo, desafiando
a barreira que nos separa do mundo externo, o trato digestivo perturba nossa sensação de
ordem. Entretanto, o incômodo relaciona-se à parte interna do corpo de um modo mais
amplo. Essa remete para aquilo que não conhecemos e, assim, ao que não temos total
controle. William Kentridge compara a superfície de nossos corpos a do mar: «Nadamos
no alto, mas temos medo do que é molhado, viscoso, do que existe abaixo» e prossegue:
«a alteridade de nossas entranhas e a distância de nossa pele diária, de certa forma, aludem
a outras partes de nós que estão sob nosso controle e partes que, esperamos, continuarão
em seu rumo, na melhor das hipóteses.» (Kentridge, 2012, p. 302)
Em meu trabalho, a relação entre interior e exterior do corpo aparece também em
uma série de operações que realizo ao envolver superfícies com plásticos (fig. 55-56).
Esses revestem ao mesmo tempo que deixam ver o que está por baixo. Em outros casos,
encho meias, luvas, sacos e deixo escapar o que há dentro, dando a ideia de que algo está
sendo expelido. Essas ações reforçam a sensação de fragilidade do invólucro, remetendo
à pele. A epiderme funciona como tecido contentor, mas também deixa-se penetrar,
liberando o que contém. Essa fragilidade é metáfora da vitória do corpo e do que ele
representa (do animal, do irracional) sobre a assepsia da razão que julga tudo controlar.
Revela a impotência do homem e por isso o aterroriza.

Fig. 55- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (vista parcial). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.

53
Fig. 56- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (etalhe). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.

Negamos nossa natureza instintiva através de diversos mecanismos repressores, mas


dá-se o momento em que ela se faz mais forte que nós: expõe-se irremediavelmente. Esta
reflexão remete ao conceito de recalque (ou recalcamento)22 utilizado por Freud, isto é, o
que "escondemos" da consciência. Constato em meus trabalhos um desejo de expor o que
é recalcado pelo ser humano. Interessa-me refletir a respeito do que está por trás dos
processos de recalcamento e como se manifestam em meus trabalhos. Instiga-me como o
nosso corpo responde a determinados estímulos visuais ora sendo atraído, ora repelido,
mas nunca respondendo com neutralidade. Acredito que essa ambiguidade se relaciona
ao que reprimimos e sublimamos, revelando um desconforto com nossa própria condição
física. A alimentação é exemplar neste aspecto. O colorido e o aroma de um doce desviam
nossa atenção de sua pastosidade excremental. Se costumamos pensar em comida de

22
O termo recalque foi escolhido no Brasil para traduzir a palavra alemã Verdrängung. Conforme consta
no dicionário de Psicanálise «o recalque designa o processo que visa a manter no inconsciente todas as
ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do
funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer. Freud, que modificou
diversas vezes sua definição e seu campo de ação, considera que o recalque é constitutivo do núcleo original
do inconsciente. No Brasil também se usa “recalcamento”» (Plon & Roudinesco, 1998, p. 647). Plon e
Roudinesco apontam a necessidade de não confundir esse termo com a palavra repressão, já que no inglês
o termo alemão foi traduzido como repression. Repressão, no vocabulário psicanalítico seria «a inibição
voluntária de uma conduta consciente (...)uma operação psíquica que tende a suprimir conscientemente
uma idéia ou um afeto cujo conteúdo é desagradável.»(ibidem, p. 659).

54
forma distante de fezes, é porque mantemos essa semelhança longe da nossa consciência,
já que, após a ingestão, o alimento é transformado em excremento. Evitamos aquilo que
remete ao interior do corpo, pois este atesta nossa fisicalidade, que é testemunho da
finitude.
Ao mesmo tempo em que trabalho com a organicidade de certos materiais, lido com
a artificialidade que possuem. Esta liga-se tanto à origem industrializada, quanto às suas
cores. O fato de um plástico de cor fluorescente remeter a um corpo, gera uma estranheza
que me interessa. Trata-se de uma dissolução de fronteiras que confunde,
desestabilizando nossa relação com o mundo. Esse embaçamento entre artificial e natural
remete ao universo de ficção científica. Liga-se às criaturas dos filmes de terror de David
Cronenberg (fig. 57-58) e às imagens de extraterrestres do cinema (fig. 59). No caso dos
alienígenas, tratam-se de criaturas estranhas, repulsivas, que representam para nós o
‘outro’, ou seja, o que está fora. No entanto, guardam semelhanças com o ser humano na
maneira de comportarem-se e na aparência, fazendo com que nos enxerguemos nelas e,
novamente, colocando em questão as barreiras que traçamos entre nós e o mundo.

Fig. 57 e 58- Stills do filme Videodrome (1983), dirigido por David Cronenberg

Fig.59- Still do filme Alien (1979), dirigido por Ridley Scott.

55
3.3. Habitat, organismo

De certo modo também brinco com um tipo de histeria (processos de pensamento e o


desarranjo do meu estúdio). Quase “voyeuristicamente”, irresponsavelmente eu me afasto e
deixo a desordem e a irracionalidade ficarem barulhentas (…). Então, nessa matéria amorfa
e translúcida, existe espaço para desconstruir as sombras molhadas e o raciocínio flácido do
que eu fiz, para espiar por dentro e despir esse assunto desregrado e incrustado (Scott,
2015,p.121, tradução minha)

Meu trabalho resulta de um encadeamento de movimentos compulsivos. A


urgência característica desse processo exige um espaço de trabalho com condições
específicas. Cerco-me dos materiais que pretendo utilizar e começo a fazer múltiplos
experimentos simultaneamente. Conforme se desenvolvem, disponho-as no espaço da
maneira que estiver ao meu alcance. A organização dos trabalhos no sítio é regida por
uma série de improvisos que acabam por gerar situações interessantes. Trata-se de tirar
partido das características do lugar, mesmo daquelas que, em princípio, atrapalham a
realização das obras. Por exemplo, tendo dificuldade de fazer um furo na parede, fui em
busca de outras formas de adesão das superfícies. As fitas adesivas, que, incialmente,
foram apenas uma solução prática, tornaram-se elementos relevantes, a partir dos quais
construo teias que envolvem objetos, recorrendo a essa solução com frequência. Em
outros casos, amarro as peças nos tubos por onde passam os fios de eletricidade, gerando
um diálogo inusitado com o espaço (fig. 60-61). A obra deixa de estar apoiada na
arquitetura para aderir a ela, como se dependesse da mesma. Espaço e obra contaminam-
se e torna-se difícil olhá-los separadamente. Comecei a observar essas relações entre os
objetos e o espaço em 2012, quando quis vê-los fora do contexto de ateliê. Na ausência
de espaços neutros (próximos ao cubo branco), testei interações em diversos espaços da
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. A obra Degrau (fig. 62) surgiu
nessas condições. Penso que nesse trabalho o objeto adere ao espaço numa conexão quase
simbiótica, o que dá a impressão daquele ter crescido ali, como um ser vivo. A partir de
então, passei a observar esses diálogos dentro do espaço de ateliê e incorporar as
improvisações instalativas nos trabalhos prontos.

56
Fig. 60 e 61- Registros de intervenções no ateliê.

Fig. 62- Carolina Marostica, Degrau, 2012. Instalação. Dimensões variáveis. Objeto: Vaselina, tinta
acrílica e plástico filme. 15x10x12 cm (aprox.)

Ao trabalhar, adoto uma série de estratégias precárias na construção das obras,


que vem de uma inabilidade em lidar com determinados materiais e de uma ansiedade de
‘resolver’ os objetos com o que tenho mais próximo devido uma compulsão criativa que
não permite soluções mais elaboradas. Trata-se de uma crueza, cômica e infantil. Vejo
nessas improvisações uma relação com o cenário urbano brasileiro, onde cores e formas
se proliferam de maneira caótica e invasiva. As cidades crescem desregradas, com
construções desemparelhadas e anúncios coloridos que ‘gritam’, numa poluição visual
alucinante. Trata-se de uma vitalidade aterradora. Esta maneira espontânea de
proliferação é visível principalmente no comércio popular, pela maneira que se
“organizam” as vitrines e, principalmente nos expositores dos vendedores ambulantes

57
(fig. 63-64). Na falta de recursos, criam-se o que chamamos de gambiarras23. Estas foram
registradas pelo artista Cao Guimarães (fig. 65) em uma série fotográfica. Hélio Oiticica
era fascinado pelo modo que a favela se construía, levando isso para o pensamento
pictórico. Na atualidade, encontramos artistas que se utilizam desse tipo de solução
construtiva em instalações e objetos, como é visível em obras de Jessica Stockholder (fig.
66).

Fig. 63 e 64- Imagens de camelôs

23
Gambiarras são soluções precárias, improvisações, para solucionar um problema, funcionando como
paliativos, remendos.

58
Fig. 65- Cao Guimaraens, Gambiarra. 2000-2014. Série fotográfica (work in progress), 127 fotografias. Dimensões
variadas

Fig.66- Jessica Stockholder, Sem título (2006). Mobiliários, lacres de plástico, máquina de escrever, pesos, espuma de poliuretano,
tinta acrílica, tinta óleo, pedaços de plástico, rodas, tecido, tela, cadeira, curtina de banho,braçadeiras de madeira, lustre, lâmpada,
hardware de metal e cabo de metal, lustre de luz fluirescente e bateria. Instalação: 124” x 44”× 71

Na medida em que preencho o espaço, a distância entre as peças dispostas diminui


e essas começam a se contaminar. Identifico-me com a descrição de Samara Scott de seu
ambiente de trabalho:

Meu ateliê é como um aterro, revoltantemente bagunçado, derramando para dentro


e para fora essas marés de ondas de psicose. Uma farra galopante que sangra sobre
múltiplas áreas acidentais. Nesse estado de urgência saltitante (idiota) eu intervenho
e agrupo superficies estúpidas (um retalho no chão atrás da porta, um um pedaço de
cartão equilibrado sobre a lixeira, aglutinado sobre outros trabalhos em andamento,
embaixo da mesa, em todo lado). Está fora do controle até que as coisas começam a
respingar, confundir-se e destruir umas as outras (…). Eu amo e odeio esse processo,
é opressivamente incontível, mas no interior dele está toda a urgência e o desespero
de onde tiro força (Scott, op.cit, p. 118, tradução minha)

59
As relações que surgem dessa proximidade determinam as ações seguintes.
Percebo um impulso em preencher o espaço de modo a gerar uma continuidade entre os
objetos, formando uma espécie de tecido. Penso que este modo de construir relaciona-se
com o da Merzbau (fig. 67), conforme comenta Erika Suderburg: «A Merzbau de Kurt
Schwitters(1920-43) exemplifica essa mutação do objeto em environment. Crescendo a
partir de uma assemblage anterior, ‘Collumn of erotic mistery’, a qual Schwitters
construiu na sua própria sala de estar, a Merzbau era literalmente uma instalação viva»
(Suderburg, 2000, p.11, tradução minha). Gero uma instalação espontânea, no sentido de
ela se formar a partir de um conjunto de partes pensados inicialmente de modo autônomo,
mas que, conforme se multiplicam, conectam-se. Cria-se um habitat de seres imaginários,
que formam um corpus. Esse corpo é vivo: transforma-se continuamente, podendo
crescer até que o espaço não mais o comporte24. Um ser em ebulição, derramando-se no
espaço. Um corpo em excesso.

Fig. 67- Kurt Schwitters Merzbau, 1933.

24
Penso que essa característica do meu trabalho se aproxima ao conceito de work in progress. Por esse
motivo, creio que as condições expositivas ideais seriam a de uma residência artística, com possibilidade
seguir trabalhando na obra mesmo ela já estando exposta. Meu trabalho exige um tempo de acúmulo que
dificulta sua montagem em condições tradicionais de exposição. No momento não consigo planejar as
instalações de modo a adaptá-las ao espaço expositivo, já que surgem vinculadas ao sítio de origem. Desse
modo, quando monto uma instalação com pouco tempo, sinto que ela não consegue aderir semanticamente
ao local, pois não houve tempo para surgirem situações específicas que ocorrem na rotina de ateliê e que
são fundamentais para o trabalho. Faz-se necessário desenvolver estratégias para que essas situações
ocorram mesmo com um tempo curto de construção no espaço, ou então simular esse tipo de situação.

60
61
.

Fig. 68-69- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (in progress). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Registro feito em junho de 2015

62
63
Fig. 70-72- Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis. Registro feito em
junho de 2015

Essa compulsão relaciona-se com a ideia batailleana de dispêndio, o que reforça


a dimensão instintiva do meu processo e, por conseguinte, corporal. Para Bataille «a vida
é em sua essência um excesso», caracterizada pelo «eterno movimento de gerar e de
destruir tudo o que gera» (Bataille, 1987, p. 80). A perda corresponde a uma necessidade
de geração: para que um ser nasça, é preciso que outro morra. Na obra do autor, o sol é a
figura que representa o princípio do excesso gerador na vida: tendo atingido seu limite de
expansão, derrama sua energia sobre a terra sem solicitar nada em troca e beneficia assim
a vida no planeta. Outro símbolo da exuberância para o autor é o vulcão, do qual fala em
O Ânus solar:

O globo terrestre está coberto de vulcões que lhe servem de ânus. Ainda que este
globo não coma nada, ele despreza expelindo, por vezes, o conteúdo de suas
entranhas. Este conteúdo jorra estrondosamente escorrendo nas encostas do Jésuve,
espalhando por toda parte o terror e a morte. (Bataille, 1986, p. 8)

Em meu processo, no acúmulo caótico dos materiais, na indistinção entre os


objetos e na precariedade dos materiais, tenho a sensação de estar diante de dejetos. O
trabalho derrama-se, vomitando seu interior. Penso nele como um vulcão, transbordando
seu excesso. Ao trabalhar, verto-me sobre o trabalho ao mesmo tempo que este jorra

64
sobre mim. Conforme cresce no espaço, engole-me. Desejo que aquele que o frua sinta-
se envolvido por ele.
Conforme fui desvendando a dinâmica desse modus operandi, percebi que,
quanto mais conseguisse assumir um estado de não racionalização do que estivesse
fazendo, mais potente seria o resultado. Quando atinjo esta imersividade, sinto não saber
o que estou fazendo, mas, ao mesmo tempo, tenho a convicção de que é a única maneira
que o trabalho pode acontecer. A intensidade do resultado é proporcional a intensidade
da entrega. Vejo minha maneira de trabalhar como uma urgência frente à racionalidade e
à assepsia que predominam no mundo hoje. Trata-se de anseio por retornar a um estado
primitivo, trazer o recalcado à superfície. Identifico-me com a descrição da obra de Franz
West feita por Lynne Cooke. Para ele, essas «denunciam um afastamento do canónico,
do definitivo e normativo assinalam um inexorável desvio do ideal» podendo ser descritas
através dos adjeitvos:

Improvisadas, imperfeitas, imprecisas, impudentes, inclassificáveis, indeterminadas,


incongruentes, incipientes, inaptas, inadvertidas, indefinidas, indistintas,
incompletas, incontroláveis, indisciplinadas, inseguras, indecorosas, instáveis,
irresolutas, irregulares, deselegantes, despreocupadas (Cooke, 1997, p.19)

Penso que, com o crescimento vertiginoso da tecnologia e do papel que ela ocupa
em nosso cotidiano, faz-se urgente falar do corpo. Nossa relação com ele está
definitivamente alterando-se. Estamos mais assépticos e mais virtuais. A velocidade que
vivemos não corresponde ao ritmo orgânico. O mundo está mais limpo e distante das
entranhas, nossa pele, mais uniforme e modificada. Entretanto, contrastando com a
racionalidade ordenadora que exalta uma estética clean, é indiscutível que o cenário
contemporâneo é uma paisagem de excesso. Vejo nos trabalhos de Samara Scott e de
Rachel De Joode indícios disso. O asséptico torna-se estranho e monstruoso no caso da
primeira: as peças são limpas e ordenadas, mas há um aspecto de aberração que as torna
incômodas e até assustadoras. Em Scott, os produtos de higiene misturam-se ao lixo em
um caldo que tudo absorve. Na obra dessas artistas, tenho a sensação de estar diante de
uma revolta da ordem que criamos. O feitiço volta-se contra o feiticeiro: o pesadelo da
tecnologia, a ressaca da higiene.

65
3.3.1 O corpo que vivencia: um olhar de dentro

Saídos do contexto de ateliê, não são todos os trabalhos que permanecem em


habitats instalativos, nos quais as obras, assim como no contexto de origem, confundem-
se e integram um todo. Alguns objetos e pinturas demandam ser vistos individualmente.
Penso que, destacados de um ambiente all over, tem sua presença ressaltada.
Nas instalações habitats/organismos25, os objetos se mesclam e ganham força em
conjunto. Nestes casos, interessa-me que o espectador experencie os trabalhos e,
consequentemente, o seu corpo, sob uma perspectiva diferente daquela fundada no
Renascimento e vigente até hoje em algumas obras de arte. Claire Bishop, baseada na
obra de 1924 de Erwin Panofsky, afirma:

(...) a perspectiva renascentista colocava o observador no centro de um mundo


hipotético representado na pintura, com o seu ponto de fuga no horizonte da imagem
conectado aos olhos do espectador diante dela. Compreende-se que havia uma
relação hierárquica entre o espectador centralizado e o ‘mundo’ da pintura posta à
frente dele. Panofsky, portanto, equacionava a perspectiva renascentista com o
sujeito racional e auto-reflexivo (“Penso, logo existo”). (Bishop, 2005, p.11,
tradução minha)

Desejo que o observador vivencie as instalações de dentro, ou seja, da maneira que


eu, quando as estou construindo, experencio, ao invés de se colocar em posição
contemplativa, distanciada. Ao estar dentro dela, não consegue visualizá-la por inteiro de
uma vez. Quando se está fora, a tendência é escolher um ponto de vista privilegiado, que
dê a sensação de domínio do objeto. «Ao invés de imaginar o observador como um par
de olhos desincorporados que avaliam a obra de uma distância, a arte instalativa
pressupõe um observador corporificado, cujos sentidos tato, olfato e audição são tão
intensificados como a visão» (Bishop, op.cit, p.6, tradução minha). Mary Kelly considera
a instalação uma forma emancipadora frente a um perspectivismo que implica uma
relação hierárquica com o objeto, sinônimo da relação de posse burguesa e da
masculinidade (cf. Bishop, op.cit., p. 36). A instalação é, nesse sentido, uma exaltação
do corpo e um posicionamento frente ao pensamento dominante. Ao contrariar a
perspectiva hegemônica, aproxima-se do universo feminino.

25
Denomino instalações habitats/organismos, para enfatizar a diferença dessas em relação àquelas em que
consistem na montagem das peças em um espaço expositivo, sem que haja imersividade e alteração
significativa do espaço da galeria. Mesmo que, atualmente, ao instalarmos obras de arte, sempre pensemos
nas características do sítio e no olhar daquele que o percorrerá e assim pensemos todas as montagens como
instalações, trata-se de uma situação distinta daquela em que fazemos alterações significativas no ambiente
em que o observador tem a sensação de estar dentro de uma obra.

66
Algumas configurações instalativas reforçam a sensação de imersão e,
consequentemente, a indistinção do espectador em relação ao ambiente. As cavernas são,
nesse sentido, referências para instalações ao longo da história da arte. A própria Merzbau
pode ser pensada como caverna. Recentemente, há casos mais explícitos, como a A
Cavemanman (fig. 21) de Thomas Hirschhhorn, ou A origem do terceiro mundo (figuras
73-74), de Henrique de Oliveira. Essa última, numa citação a Courbet, aborda a caverna
como útero, sendo a entrada da instalação semelhante à abertura vaginal, situação
explorada anteriormente na escultura por Niki de Saint Phalle (fig. 75). Nas Naves de
Ernesto Neto (fig. 76-77), a ideia do útero se faz presente pelas «superfícies curvilíneas,
luz abafada e arredores macios que fazem o espectador sentir-se quase flutuante» (Wilson,
2010, p.25, tradução minha). Ao penetrar esses espaços, ele pode sentir aconchego e
proteção, bem como a sensação de ser engolido e absorvido pela obra (cf. Wilson, op.cit.,
p. 25). A obra Valkyrie Azulejo de Joana Vasconcellos (fig. 78-79), com seu aspecto
imersivo e suas formas orgânicas também sugere uma atmosfera uterina.

Fig. 73-74- Henrique Oliveira- A origem do terceiro mundo, 2010. Madeira, madeira compensada, PVC
e metal. 4,9 x 45 x 5 m.

67
Fig. 75- Niki de Saint Phalle, Hon-en-katedral, 1966.

Fig. 76-77- Ernesto Neto. Célula Nave (It happens in the body of time, where thuth dances). Areia,
poliamida Museum Boijmans Van Beuningen, 2004 installation, collection Boijmans

68
Fig. 78- 79- Joana Vasocncelos, Valkyrie Azulejo. 2013. Croché em lã feito à mão, aplicações
em feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, fonte de alimentação Dimensões variáveis

Em meu trabalho, a ideia de caverna atrai-me por sua capacidade de criar maior
envolvimento físico do espectador, como pode ser visto em Knowing by Tearing Apart
(fig. 80-83) A sensação de imersão que busco gerar remete a um sentimento ambivalente
de medo e desejo de regressar a uma continuidade com o entorno. Relaciona-se com a
ideia de um corpo com fronteiras frágeis, corpo permeável e transbordante.

69
70
71
Fig. 80-83- Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.

72
3.4. Projeto para instalação a ser apresentada no momento da discussão da
dissertação

Na ocasião da discussão do presente texto, para além de pinturas realizadas


durante o mestrado, pretendo apresentar uma instalação organsimo inédita. Em função da
minha maneira de trabalhar, caracterizada pela improvisação, e pelo caráter site specific
das minhas obras instalativas, não realizo projetos. Desta vez não será diferente.
Entretanto, há uma imagem mental, ainda que pouco precisa e aberta a alterações.
Além disso, fiz uma obra pensada como ensaio para a instalação, a fim de
conhecer as características do espaço onde pretendo montá-la (figuras 84-94). Não
pretendo reproduzir a obra realizada, até porque essa, sendo um teste, apontou-me
problemas a partir dos quais gerarei soluções para uma montagem distinta. Alguns destes
são de ordem técnica, como a dificuldade de perfurar as paredes, o que impede que eu
utilize agrafos para fixar as camadas de plásticos, exigindo o uso do barbequim e assim,
um estudo de onde estes furos devem ser feitos. Quanto às questões de ordem poética,
interessa-me que a obra futura tenha uma superfície mais contínua, parecendo uma única
pele e assim fazendo uma costura entre os volumes.
Assim, como a instalação teste foi a continuidade natural do meu projeto artístico,
aquela que apresentarei também o será, reunindo as ideias principais que permeiam minha
prática e que foram tratadas neste texto. Criarei um espaço que envolva fisicamente o
espectador, gerando a sensação de uma caverna, tal como a instalação ensaio. Será um
microambiente simultaneamente acolhedor e repelente. Conceberei um corpo que se
assemelha ao que Bakhtin descreve como grotesco, com protuberâncias que brotem das
paredes e orifícios que revelem um interior, tal como nas pinturas de Adriana Varejão
(fig. 9). Alguns destes expelirão seu conteúdo, refletindo a ideia do excesso como
essência da vida. Ainda que morfologicamente orgânico, será um corpo artificial, pelas
cores e pela presença de materiais industrializados. Um corpo em que possamos nos
enxergar, mas que seja outro. Um corpo alien, um corpo monstro.

73
74
75
76
77
78
Fig. 84-94- Carolina Marostica, Mergulho/
transbordar ao avesso, 2016. Sacos
plásticos, fita adesiva, luvas vinílicas,
espuma, rede de jardinagem, spaghetti de
piscina, bolas de vinil, collants, esferovite
e material de isolamento de tubulações.
Instalação. 238 x 165 x 110 cm aprox..

79
Considerações finais

A presente investigação foi resultado da necessidade de desvendar os mecanismos


de minha produção artística. No emaranhado sinestésico do processo criativo, sensações
aos poucos formaram imagens e essas, por sua vez, sugeriram palavras, que, enfim,
agruparam-se em perguntas. Essas encaminharam as leituras que fomentaram a discussão
que expus aqui.
Como escrita e produção plástica possuem ritmos diferentes, ainda que estejam
em constante diálogo, algumas questões surgidas na prática artística ultrapassaram a
investigação teórica, sugerindo novas interpretações das obras. Também houve
momentos em que a pesquisa teórica deu alguns passos que a distanciaram do processo
artístico, sugerindo um caminho autônomo. No presente estudo, busquei harmonizar essas
duas componentes, mas privilegiei a produção plástica
Na introdução à investigação comento que considero que pensar o corpo
relaciona-se à reflexão sobre a condição humana. No decorrer do texto, coloco uma série
de indícios de um desconforto do ser humano com o seu corpo, relacionado à sua
incontrolabilidade, que constitui o que trato pela palavra excesso. Meu processo artístico
entra como dado empírico dessa descomodidade, sendo por isso o centro dessa
investigação e motor dela.
Em função da assincronicidade das pesquisas teórico e prática ocorrida em alguns
momentos, determinadas considerações sobre o trabalho foram abordadas muito
rapidamente, merecendo atenção em um futuro estudo. Exemplo disso é a questão da
monstruosidade. Ao abordar minha pesquisa plástica, mencionei a sensação de criar
corpos, seres, como na história de Frankenstein. Penso que a imagem do personagem de
Shelley, ao pensar nos corpos que crio, se faz pertinente na medida em que as obras
possuem um aspecto monstruoso. Certas análises sobre a condição do corpo na
contemporaneidade tratam da monstruosidade, devido às modificações que fazemos nele
atualmente, através de cirurgias e próteses. Na verdade, como comenta José Gil em seu
livro Monstros, essas criaturas há muito habitam o imaginário humano. Para ele, a
persistência desses seres na cultura liga-se a uma função. Essa seria a de reforçar a nossa
identidade como humanos. Simultaneamente diferentes e semelhantes a nós, eles fazem
com que nos perguntemos: «até que grau de deformação (ou estranheza) permanecemos
humanos?» (Tuchermann, 1999, p. 101). «Os monstros, felizmente, existem não para nos
mostrar o que não somos, mas o que poderíamos ser. Entre estes dois pólos, entre uma

80
possibilidade negativa e um acaso possível, tentamos situar nossa humanidade de
homens» (Gil, 2006, p. 12). Assim, creio que, em uma investigação futura, a relação da
monstruosidade com minhas obras pode ser aprofundada.
Outras questões permearam a investigação, não sendo tratadas com centralidade,
como ocorre com aspectos em torno da noção de feminino. Estes aparecem em vários
momentos da dissertação, ao relacionarem-se ao que contrapõe a ordem hegemônica,
situando-se no polo oposto do que a hierarquia estabelecida valoriza. A ideia da mulher
como ser instável e a ameaça que isso provoca no mundo falocêntrico interessa este
estudo em sua dimensão teórica. Entretanto, como a ênfase desta pesquisa é o meu
trabalho prático, privilegiei questões que fossem mais relevantes à sua compreensão.
Penso que explorar o conceito de feminino não é tão pertinente nesse sentido.
No curso da pesquisa, deparei-me com teorias que dialogam com minhas ideias,
podendo apontar novos rumos para a pesquisa. Entretanto, reconhecendo a complexidade
delas assumi que abordá-las superficialmente seria improdutivo e até mesmo arriscado.
Refiro-me a autores que contestaram o platonismo. Dentre esses, destaco Nietzsche,
Walter Benjamin, Foucault e Deleuze.
Não me propus a comprovar hipóteses e assim, chegar a uma conclusão esperada,
mas a caminhada trilhada durante a realização deste estudo me permitiu atingir resultados
antes não suspeitados. Esta investigação possibilitou uma sistematização de ideias a
respeito da minha prática, bem como do campo da arte de um modo mais amplo. Intuições
foram fundamentadas ou descartadas. Por isso finalizo-a com mais caminhos abertos que
quando começara. Penso que certezas são contraprodutivas ao ato criativo, sendo a dúvida
o que o move.

81
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apresentada para obtenção de grau de Master of Arts

Filmografia

ART21─ “Short: Katharina Grosse: painting with color”. (Registo vídeo) 2015. (4
minutos e 41 segundos). Disponível em http://www.art21.org/videos/short-katharina-
grosse-painting-with-color a (2016-10-24)
CRONENBERG, David ─ Videodrome. (Registo védeo). Universal Pictures, 1983. 1
disco ótico (DVD), (87 minutos)
SCOTT, Ridley ─ Alien. (Registo vídeo). 20th Century Fox, 1979. 1 disco ótico (DVD),
(117 minutos)
TATE ─ “TateShots: Karla Black ─ Turner prize 2011”. (Registo vídeo) 2011. (3
minutos e 12 segundos). Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=xFKu5xuTR-M a (2016- 10-24) disponível em

87
Índice de imagens

1. Cindy Sherman, Untitled #173. 1986. Impressão fotográfica cromogênica, (152,4 x


225 cm). [citada a 2016-10-19] disponível em http://www.nataliestrobach.com/wp-
content/uploads/2014/01/G06A01Untitled-173.1986_large-715x475.jpg

2. Cindy Sherman, Untitled (#175), 1987. Impressão fotográfica cromogênica, 119,1 x


181,6 cm. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.art21.org/files/images/sherman-photo-025.jpg

3. Katharina Grosse, Cincy, 2006. Acrílica sobre parede, chão, vidro, esferovite e terra.
8,53 x 7,39 x 11,8 m. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.art21.org/images/katharina-grosse/cincy-2006?slideshow=1

4. Judy Pfaff, Enter the dragon, 2012. Arames, plásticos e papéis variados, lanternas
chinesas, guarda-chuva, ventilador e matéria orgânica. 210,82 x 279,4 x 53,34 cm.
[citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.brunodavidgallery.com/detail.cfm?id_img=2992&id_artist=127

5. Beatriz Milhazes, Meu limão, 2000. Acrílica sobre tela. 248,9 x 318,8 cm. [citada a
2016-10-19] disponível em https://artelocalizada.wordpress.com/2012/11/16/meu-
limao/

6. Susana Rocha, Paisagens Atemporais #4, 2012. Acrílico sobre tela 60x50 cm. [citada
a 2016-10-19] disponível em http://susanavrocha.blogspot.com.br/search?updated-
max=2013-04-25T13:51:00-07:00&max-results=100&start=12&by-date=false

7. Susana Rocha, Paisagens Atemporais #4, 2012. Acrílico sobre tela 60x50 cm.
[citada a 2016-10-19] disponível em
http://susanavrocha.blogspot.com.br/search?updated-max=2013-04-25T13:51:00-
07:00&max-results=100&start=12&by-date=false

8. Mike Kelley, Nostalgic depiction of the innocence of childhood, 1990. Fotografia.


24.1 x 16.5 cm. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.artnet.com/WebServices/images/ll00493lldbVoGFgUNECfDrCWvaHB
Oct82C/mike-kelley-nostalgic-description-of-the-innocence-of-childhood.jpg

9. Adriana Varejão, Azulejaria verde em carne viva, 2000. Óleo sobre tela e poliuretano
em suporte de alumínio e madeira. 220 x 290 x 70 cm [citada a 2016-10-19]
disponível em http://www.adrianavarejao.net/pt-br/category/categoria/pinturas-series

10. Fabian Marcaccio, Hero Structural Canvas Paintant, 2009. Tinta de impressão sobre
tela, alumínio,tinta alquídica, silicone, 213 x 91 x 71cm. [citada a 2016-10-19]
disponível em http://www.e-flux.com/wp-content/uploads/2011/09/wpid-
1314332422image_web.jpg?b8c429,1440

88
11. Fabian Marcaccio, CNN-Paintant, 2009. Tinta de impressão sobre tela, alumínio,tinta
alquídica, silicone, 81 x 229 x 173cm [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.galeriethomasschulte.de/fileadmin/media/artists/fabian-
marcaccio/gallery/Marcaccio-FMARGTS-51.jpg

12. Fotografia de Henry Groskinsky.Registro do processo de trabalho de Lynda Benglis,


1970. [citatada a 2016-10-19] disponível em http://hepworthwakefieldblog.org/wp-
content/uploads/2015/01/FENT__1415198968_flingdribble_3002.jpg

13. Fotografia de Hans Namuth. Registro de Jackson Pollock em seu ateliê ,1950. [citada
a 2016-10-19] disponível em http://www.visual-arts-cork.com/photography/hans-
namuth.htm

14. Carolina Marostica, Sem título (série Bichos), 2012. Acrílica,esmalte, pelúcia e
cartão. 80x50cm. Arquivo pessoal da artista

15. Carolina Marostica, Sem título, 2012. Acrílica e silicone. Dimensões variáveis.
Arquivo pessoal da artista

16. Jessica Stockholder, Vortex in the Play of Theatre with Real Passion, 2000. Duplo,
Cortina de teatro, containers, banco, luz de teatro, linóleo, pele, mesas, jornal, tecido
e tinta. [citada a 2016-10-19] disponível em https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/originals/66/7c/90/667c90c246809db67e79f870fcefa97f.jpg

17. Jim Lambie, Zobop stairs (Colour), 2003/2015. Instalação: Fita colorida de vinil.
Dimensões variáveis. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.thisiscolossal.com/wp-content/uploads/2016/06/Jim_Lambie_07.jpg

18. Angela de la Cruz, Larger than life, 2004. Acrílica e óleo sobre tela. 260 x 400 x 1050
cm [citada a 2016-10-19] disponível em
https://lisson.s3.amazonaws.com/uploads/attachment/image/body/32/CRUZ040023_
1.jpg

19. Ian Daveport, Guidi Gallery wall painting, 2012 [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.iandavenportstudio.com/artworks/categories/6/9459/

20. Tony Oursler, Bound Interrupter, 2012. Duas projeções de vídeo, mixed media, som.
Dimensões variáveis. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.visionaireworld.com/blog/wp-content/uploads/2014/05/to3.jpg

21. Thomas Hirschhorn, Cavemanman, 2002. Instalação: madeira, papel cartão, fita
adesiva, papel alumínio, livros, prateleiras, pôsteres, vídeos de Lascaux, manequins,
lates, tubos de luz fluorescentes. [citada a 2016-10-19] disponível em
https://jacquettawang.files.wordpress.com/2014/11/agambiarra.jpg

89
22. Eva Hesse, Tori, 1969. Fibra de vidro, resina de poliéster, tela de arame. 119,4 x 43,2
x 38,1 cm. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.learn.columbia.edu/courses/fa/images/large/kc_femart_hesse_09.jpg

23. Louise Bourgeois, Le Regard, 1966. Látex e tecido. [citada a 2016-10-19] disponível
em http://www.radford.edu/rbarris/Women%20and%20art/bourgeoisgaze.jpg

24. Lynda Benglis, Karen, 1972. Encáustica sobre madeira. 91,4 x 12,7 x 7,6 cm. [citada
a 2016-10-19] disponível em https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/originals/5d/96/c6/5d96c67a5a28641c1108fd160adc1ba7.jpg

25. Ernesto Neto, Família humanóide, 2001 Poliamida, veludo, lavanda, isopor.
Dimensões variáveis [citada a 2016-10-19] disponível em https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/236x/c1/c7/d4/c1c7d43727e84c3fade8a4c48de8c775.jpg

26. Rachel de Joode, Sculpted Human Skin in Rock (I), 2014 Impressão digital sobre Alu-
Dibond, mármore. 117 × 90 × 35 cm. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.racheldejoode.com/img/work4.jpg

27. Rachel de Joode, Allotrope (II), 2014 Impressão digital em acrílico e pedestal 168 ×
124 × 40 cm [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.racheldejoode.com/img/racheldejoode_works_2015.pdf

28. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.

29. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.

30. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.

31. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.

32. Carolina Marostica, 2015. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista

33. Carolina Marostica, 2015. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista

34. Carolina Marostica, 2016. Registos de experimentos com materiais. Fotografia


digital. Arquivo pessoal da artista

35. Carolina Marostica, 2016. Registos de experimentos com materiais. Fotografia


digital. Arquivo pessoal da artista

90
36. Printscreen de busca de imagens visualmente semelhantes no Google. Acervo
pessoal da artista.

37. Printscreen de busca de imagens visualmente semelhantes no Google. Acervo


pessoal da artista.

38. Samara Scott, Lonely Planet, 2014. Cimento, água, tinta óleo, aguarela, corante
alimentar, esmalte de unhas, refrigerantes, tinta spray, areia, argila, terra, sombra de
óleos, embalagens e mixed media. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.leiaasmeninas.com.br/wp-content/uploads/2015/10/Frieze-Samara-
Scott.jpg

39. Samara Scott, Lonely Planet, 2014 (detalhe). Cimento, água, tinta óleo, aguarela,
corante alimentar, esmalte de unhas, refrigerantes, tinta spray, areia, argila, terra,
sombra de óleos, embalagens e mixed media. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.thesundaypainter.co.uk/wp-content/uploads/121.jpg

40. Samara Scott, Plebs, 2014. Espuma de poliuretano, água, aguarela, spaguetti, verniz
de unhas, missangas, feijões, castanhas.[citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.studiointernational.com/images/articles/s/scott-samara-2015/7-Samara-
Scott-Plebs,-2014.jpg

41. Samara Scott, Plebs, 2014. (detalhe). Espuma de poliuretano, água, aguarela,
spaguetti, verniz de unhas, missangas, feijões, castanhas.[citada a 2016-10-19]
disponível em http://www.thesundaypainter.co.uk/wp-content/uploads/9.-Samara-
Scott-Plebs-2014-Insulation-foam-water-watercolour-spagetti-noodles-nail-varnish-
beads-beans-nuts-detail1.jpeg

42. Carolina Marostica, Sem título (Série Bichos), 2013. Acrílica, óleo, silicone e vaselina
sobre pelúcia., 60x32 cm. Arquivo pessoal da artista

43. Carolina Marostica, Sem título, 2013 (Série Bichos). Acrílica, óleo, vaselina, silicone
e pelúcia. 63x13. Arquivo pessoal da artista

44. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (Série Bichos). Acrílica, óleo, silicone, espuma
de poliuretano, pelúcia, plástico, esponja, EVA, papel vegetal, tela, fibra de vidro e
resina. Arquivo pessoal da artista.

45. Eva Hesse. Contingent, 1969. Látex, gaze e fibra de vidro. 350 x 630 x 109 cm [citada
a 2016-10-19] disponível em
http://nga.gov.au/international/catalogue/Detail.cfm?IRN=49353

46. Claes Oldnburg. Soft light switches, 1964. Vinil e poliéster. 119,4 x 119,4 x 9,2 cm.
[citada a 2016-10-19] disponível em http://newabstraction.net/wp-
content/uploads/2013/08/switches.jpg

91
47. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015 (detalhe). Instalação: técnica
mista, dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista

48. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Arquivo pessoal da artista

49. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Arquivo pessoal da artista

50. Carolina Marostica, 2015. Registro do processo. Arquivo pessoal a artista.

51. Hans Bellmer, La poupée, 1936. Fotografia pintada à mão, 14,2 x 14,5 cm. [citada a
2016-10-19] disponível em http://larepubliquedeslivres.com/wp-
content/uploads/2014/01/hans_bellmer_les_jeux_de_la_poupee_vers_1939_d54863
17h.jpg

52. Dorothea Tanning, Rainy Day Canapé, 1970. Tweed, sofá de madeira, bolas de ping-
pong e papel cartão, 81,9 x 174 x 109.9 cm [citada a 2016-10-19] disponível em
https://unframed.lacma.org/sites/default/files/attachments/rainy-day-canape-ex-
2424-161.jpg

53. Sarah Lucas, Nud cyclatic 9, 2010. Nylon, fibra sintética, concreto, aço e arame, 53.3
× 62.2 × 61 cm [citada a 2016-10-19] disponível em
http://images.metmuseum.org/CRDImages/ma/web-large/Lucas.2014.jpg

54. Sarah Lucas, Bitch, 1995. T-shirt, mesa, melões, peixe embalado a vácuo, 80.5 x
101.5 x 64 cm [citada a 2016-10-19] disponível em http://www.themilanese.com/wp-
content/uploads/2014/10/Sarah-Lucas-artist-Bitch-1995-high-res-1542x1881.jpg

55. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (vista parcial). Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista

56. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (etalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Arquivo pessoal da artista

57. Still do filme Videodrome, dirigido por David Cronenberg [citada a 2016-10-19]
disponível em
http://www.gablescinema.com/media/filmassets/slides/Videodrome_2.png

58. Still do filme Videodrome, dirigido por David Cronenberg [citada a 2016-10-19]
disponível em https://jcplikesfilms.files.wordpress.com/2013/11/videodrome-1.jpg

59. Still do filme Alien (1979), dirigido por Ridley Scott. [citada a 2016-10-19] disponível
em http://static.srcdn.com/slir/w570-h239-q90-c570:239/wp-content/uploads/alien-
movie-still.jpg

60. Carolina Marostica. Registro de intervenção no ateliê. Arquivo pessoal da artista


92
61. Carolina Marostica. Registro de intervenção no ateliê. Arquivo pessoal da artista

62. Carolina Marostica, Degrau, 2012. Instalação. Dimensões variáveis. Objeto:


Vaselina, tinta acrílica e plástico filme. 15x10x12 cm (aprox.). Arquivo pessoal da
artista

63. Imagem de camelô. Autor desconhecido. [citada a 2016-10-19] disponível em


http://www.submit.10envolve.com.br/uploads/3aadb730a6ff3d6cd7077445b1b94bc
9c85e41c5/c51d9b57da5203cad50973a36007ca49.jpg

64. 63. Imagem de camelôs. Autor desconhecido. [citada a 2016-10-19] disponível em


http://imgs-srzd.s3.amazonaws.com/srzd/upload/c/a/camelos_15_620.jpg

65. Cao Guimaraens, Gambiarra. 2000-2014. Série fotográfica (work in progress), 127
fotografias. Dimensões variadas. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.caoguimaraes.com/foto/gambiarras/

66. Jessica Stockholder, Sem título (2006). Mobiliários, lacres de plástico, máquina de
escrever, pesos, espuma de poliuretano, tinta acrílica, tinta óleo, pedaços de plástico,
rodas, tecido, tela, cadeira, curtina de banho,braçadeiras de madeira, lustre, lâmpada,
hardware de metal e cabo de metal, lustre de luz fluirescente e bateria. Instalação:
124” x 44”× 71 [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.stephaniebuhmann.com/Stockholder.jpg

67. Kurt Schwitters Merzbau, 1933. [citada a 2016-10-19] disponível em


http://www.jotdown.es/wp-content/uploads/2013/01/La-Merzbau-original.jpg

68. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (in progress). Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista

69. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (in progress). Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista

70. Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista

71. Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista

72. Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista

73. Henrique Oliveira- A origem do terceiro mundo, 2010 (vista parcial) Madeira,
madeira compensada, PVC e metal. 4,9 x 45 x 5 m. [citada a 2016-10-19] disponível
em
http://1.bp.blogspot.com/_WI8iESvLN_E/TTAmZsPMSOI/AAAAAAAABEI/gqc1
93
h6jngYA/s1600/henrique%2Boliveira_a%2Borigem%2Bdo%2Bterceiro%2Bmundo
_foto%2B9.jpg

74. Henrique Oliveira- A origem do terceiro mundo, 2010 (vista parcial).Madeira,


madeira compensada, PVC e metal. 4,9 x 45 x 5 m. [citada a 2016-10-19] disponível
em http://revistacarbono.com/wp-content/uploads/2012/11/HO_Aorigem5-
1024x682.jpg

75. Niki de Saint Phalle, Hon-en-katedral, 1966. [citada a 2016-10-19] disponível em


http://67.media.tumblr.com/tumblr_m2btbtTtTY1rt1kt8o1_1280.jpg

76. Ernesto Neto. Célula Nave (It happens in the body of time, where thuth dances). Areia,
poliamida Museum Boijmans Van Beuningen, 2004 installation, collection Boijmans
[citada a 2016-10-19] disponível em
http://img.scoop.it/1X0DFMJ7QEWoJhO4hwAoIjl72eJkfbmt4t8yenImKBVvK0kT
mF0xjctABnaLJIm9

77. Ernesto Neto. Célula Nave (It happens in the body of time, where thuth dances). Areia,
poliamida Museum Boijmans Van Beuningen, 2004 installation, collection Boijmans
[citada a 2016-10-19] disponível em
http://66.media.tumblr.com/0942797260b960322f855a2c1a2f0a77/tumblr_mqi5huaj
SS1sx2ksvo1_1280.jpg

78. Joana Vasocncelos, Valkyrie Azulejo. 2013. Croché em lã feito à mão, aplicações em
feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, fonte de alimentação Dimensões variáveis
[citada a 2016-10-19] disponível em http://www.newsoftheartworld.com/wp-
content/uploads/2014/05/11-Valkyrie-Azulejo-TP.jpg

79. Joana Vasocncelos, Valkyrie Azulejo. 2013. Croché em lã feito à mão, aplicações em
feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, fonte de alimentação Dimensões variáveis
[citada a 2016-10-19] disponível em https://cfileonline.org/wp-
content/uploads/2016/04/7-joana-vasconcelos-portugal-biennale-contemporary-
ceramic-art.jpg

80. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista

81. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista

82. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista

83. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista

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84. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

85. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

86. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

87. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

88. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

89. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

90. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

91. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

92. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

93. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
95
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

94. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista

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