Ulfba Tes 989
Ulfba Tes 989
Ulfba Tes 989
FACULDADE DE BELAS-ARTES
CORPO EM EXCESSO
Dissertação
Mestrado em Pintura
2016
~
RESUMO
1
Texto meu
Agradecimentos
O mais sincero agradecimento aos meus pais, Paulo e Jaqueline. Devo a eles tudo
o que sou e todas as oportunidades que tive. Agradeço-lhes pelo amor que nunca faltou
e me aconchegou nos momentos mais difíceis. Sou extremamente grata ao incentivo que
tive deles na minha escolha profissional. Sem as aulas de artes, as visitas a museus pelo
mundo, a ajuda nas montagens de exposições, não sei se estaria aqui.
À minha irmã Laura, que sofreu com as “artes” que fiz aos brinquedos dela quando
pequena. Felizmente ela superou isso e desde então vem sendo uma grande amiga, sempre
disposta a me ouvir.
Aos colegas de ateliê, pelas trocas tão essenciais ao processo criativo. Agradeço
especialmente à Sílvia Rodrigues e à Rafaela Nunes pela amizade que extrapolou o
ambiente da faculdade, tornando esse período mais alegre. E à Cecília Corujo, que desde
2012 faz os meus dias em Lisboa mais felizes, além de presentear-me com revelações
musicais e receber-me de braços abertos tantas vezes.
A todos os professores de arte que fizeram parte da minha vida, meu profundo
agradecimento e admiração. Em um mundo com valores utilitaristas, em que ensino e
arte são tão desvalorizados, exercer essa profissão é revolucionário.
Dedico esta dissertação ao primeiro professor de arte que tive, meu vô Ílio.
Sumário
Introdução.................................................................................................................................... 1
1. O corpo e seus limites .............................................................................................................. 4
1.1. A doma do corpo pela racionalidade ............................................................................. 4
1.2. O corpo civilizado ......................................................................................................... 7
1.3. As fronteiras do corpo ..................................................................................................... 10
1.3.1. O corpo permeável .................................................................................................... 11
2. Pintura: corpo impuro .......................................................................................................... 17
2.1. Platão e a depreciação do sensível ................................................................................... 17
2.2. A pintura no tribunal ........................................................................................................ 19
2.3. Cromofobia ...................................................................................................................... 22
2.4. A corporalidade da pintura ............................................................................................... 27
3. Corpo em excesso: reflexões sobre o processo artístico pessoal ....................................... 33
3.1.Corpo a corpo .................................................................................................................... 33
3.2. Organismo vivo ................................................................................................................ 38
3.3. Habitat, organismo ........................................................................................................... 56
3.3.1 O corpo que vivencia: um olhar de dentro ................................................................. 66
3.4. Projeto para instalação a ser apresentada no momento da discussão da dissertação ........ 73
Considerações finais .................................................................................................................. 80
Bibliografia ................................................................................................................................ 82
Filmografia................................................................................................................................. 87
Índice de imagens ...................................................................................................................... 88
Introdução
1
ao domínio racional, conter seu excesso, como iniciadas por Platão, que influenciará o
cristianismo e o pensamento científico. Desconfiadas do corpo, filosofia, religião e
ciência exercerão seu controle sobre ele.
Ainda no primeiro capítulo, partindo da ideia de que o homem precisa ter as
fronteiras entre interior e exterior do corpo bem definidas, abordo a fragilidade delas. Falo
da dimensão incontrolável do corpo, empregando conceitos que revelam como o seu
excesso nunca pode ser contido. Assim, abordo o informe (Georges Bataille), o abjeto
(Julia Kristeva), as aproximações entre esses e suas relações com o feminino. Destaco o
papel do nojo na manutenção das barreiras corporais.
Na discussão do campo da arte, privilegio a pintura. Ainda que o meu trabalho
plástico não se limite a uma ideia tradicional de pintura, abrangendo também objetos,
colagens, e instalações, é dela que ele nasce e nela que culmina. Assim, no segundo
capítulo, falo de como a arte e, mais precisamente, a pintura, ao longo de sua história, foi
influenciada pela depreciação dos sentidos e pelo controle do corpo. Inicio por uma breve
abordagem do dualismo platônico, por ser a origem da desvalorização do corpo que
influenciará uma série de preconceitos em relação à pintura. Demonstro como a pintura é
alvo de um desprezo da filosofia, trazendo momentos de sua história em que buscou
legitimação e como essa só foi possível na medida em que a pintura provou seu
componente intelectual. Assim, falo da manualidade, do colorido e da materialidade como
características da pintura que são alvo de desprezo da filosofia.
A partir da constatação da relação da materialidade pictórica e da cor com o
excesso do corpo, busco aprofundar esses conceitos nos subcapítulos seguintes. Assim,
no subcapítulo Cromofobia, abordo o conceito de David Batchelor que se refere a um
medo da cor presente na sociedade, que gera depreciação daquela, posicionando-a no polo
oposto aos valores intelectuais e elevados.
No subcapítulo seguinte, trato da materialidade da pintura e sua conexão com o
corpo. Abordo como a corporalidade da pintura é disfarçada ao longo da história da arte.
Em contraste a essa tendência, falo das manifestações artísticas recentes que exaltam a
conexão com o corpo em obras que lidam com abjeção, contrariando a assepsia
predominante na sociedade.
O último capítulo dedica-se à análise do projeto artístico pessoal, buscando
compreender o papel do corpo nele. Neste capítulo, são retomados os conceitos
introduzidos nos capítulos anteriores. Para além do referencial teórico, utilizo-me da obra
de outros artistas, tais como Ernesto Neto, Sarah Lucas, Samara Scott e Jessica
2
Stockholder, contextualizando a pesquisa no cenário artístico contemporâneo. É
necessário ressaltar que, embora o objeto deste estudo seja o trabalho prático
desenvolvido durante o mestrado, não me limito a analisá-lo, pois o que realizei enquanto
mestranda é fruto de uma pesquisa iniciada há aproximadamente cinco anos. Por isso,
incluo obras de 2011 até o momento de conclusão da dissertação.
Inicio destacando a relação do meu corpo com a matéria no processo e enfatizando
o aspecto experimental desses procedimentos. Após isso, abordo a pintura e os objetos
como corpos. Exploro as relações de sua textura com a da pele e outros aspectos que
sugerem a ideia de bicho. Destaco a importância da tactilidade, descrevendo minha
pesquisa de materiais. Falo também do antropomorfismo e da estranheza que este pode
causar. Em seguida, abordo a minha relação com o espaço de atelier. Falo de como o
acúmulo de objetos no espaço leva a relações entre eles, que passam a formar um todo,
que denomino instalação organismo. Destaco o papel da instalação para gerar uma
experiência imersiva, intensificando a relação corporal do observador com a obra.
Concluo com a proposta da instalação que será apresentada na ocasião da
discussão desta dissertação. Como esta ainda não foi realizada, as imagens deste trabalho
estarão em um CD a ser entregue à banca assim que a obra for finalizada e registada. O
mesmo será anexado às cópias da dissertação destinadas à biblioteca da FBAUL.
Todas as citações em língua estrangeira utilizadas foram traduzidas para tornar a
leitura mais fluida.
3
1. O corpo e seus limites
2
Ver: Sigmund Freud – O mal estar na civilização. In ― Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996 e Sigmund Freud – Três ensaios sobre
a teoria da sexualidade. In ― Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira.
Rio de Janeiro: Imago, 1995. Vol. 7
4
na maior parte dos animais. O olfato desempenhava um papel muito significativo nos
instintos sexuais, já que o nariz se situava na mesma altura dos genitais e do ânus. Ao
erguer-se, essa relação alterou-se. O homem passou a perceber o seu entorno de modo
distinto e, por conseguinte, seus objetos sexuais. Com o olfato em segundo plano e o
aumento de seu campo de visão, «seu interesse pôde se desviar dos genitais para a forma
do corpo como um todo» (Freud apud Krauss in Bois & Krauss, 1997, p. 91, tradução
minha). Ereto, passou a estar mais protegido do excesso de estímulos provindos dos
sentidos de contiguidade, que passaram a ser reprimidos. A visão deixou de ser uma
extensão do tato, que a aproximava do chão, para ocupar uma posição distanciada,
elevada. Esse afastamento possibilitou o desenvolvimento de uma «variedade de formas
de ver que separam os homens dos animais: contemplação, maravilhamento, análise
científica, desinteresse e prazer estético» (Krauss, in Krauss & Bois, op.cit., p. 91,
tradução minha). Ao distanciar-se do chão, afastou-se também do corpo.
Menos vinculado ao mundo imediato, o homem percebeu que era capaz de controlar
o seu entorno e foi aprimorando essa habilidade. Entretanto, seu desenvolvimento se deu
às custas da repressão dos resquícios de animalidade que nele sobreviveram. Freud
discorre sobre a relação da neurose com o autocontrole dos indivíduos de suas pulsões
sexuais e de sua agressividade. Este é exigido pela civilização, em prol de seu bom
funcionamento.3 Para Freud, «a substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma
comunidade constitui o passo decisivo da civilização» (Freud, 1996, p. 102). Portanto,
«ao nos tornarmos civilizados trocamos uma quota de satisfações pulsionais por maior
segurança em grupo» (Lima, Passos de Oliveira, Pinheiro, 2006, p.44). Trata-se de uma
substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade4. Neste processo,
3
Em Moral sexual ‘civlizada’ e doença moderna (1908), Freud coloca a repressão das pulsões sexuais
como causa da neurose. Já em O mal-estar na civilização (1930), o autor considera que a causa do
sofrimento psíquico do homem é a repressão de sua agressividade imposta pelo desenvolvimento da
civilização.
4
Sobre a passagem para o princípio de realidade, Marcuse afirma: «A interpretação psicanalítica revela que
o princípio de realidade impõe uma mudança não só na forma e tempo fixado para o prazer, mas também
na sua própria substância. A adaptação do prazer ao princípio de realidade implica a subjugação e diversão
da força destrutiva da gratificação instintiva, de sua incompatibilidade com as normas e relações
estabelecidas da sociedade e, por conseguinte, implica a transubstanciação do próprio prazer» (Marcuse,
op.cit., p.35)
5
Georges Bataille também discorre a respeito do afastamento do homem da
animalidade. Segundo ele, o trabalho desempenhou papel importante na transição para o
mundo racional, pois influenciou a maneira como o homem gerenciava sua energia. Foi
trabalhando que o homem abandonou a animalidade, entendida como excesso (cf.
Contador Borges, 2011, p.27). Ele defende que a atividade produtiva instaurou uma pausa
na vida do homem, isto é, um novo ritmo caracterizado por um constante «cálculo do
esforço, ligado à eficácia produtiva», exigindo «uma conduta sensata» (Bataille, 1987, p.
38). Deste modo, a rotina de trabalho restringiu o espaço para a entrega total e imediata
do homem a seus impulsos agressivos e sexuais, já que estes demandavam uma quantia
de energia que precisava ser empregada no trabalho.
Freud estabeleceu um paralelo entre o desenvolvimento da espécie humana e o de
cada indivíduo. Assim como o homem abandonou um estado primitivo em sua evolução,
a criança passa por um processo repressor semelhante para poder viver em sociedade. Na
socialização, ela é ensinada a abdicar do princípio de prazer. José Carlos Rodrigues
comenta que a pessoa é considerada socializada ao abrir mão «de sua autonomia
fisiológica em favor do controle social e quando se comporta a maior parte do tempo
como as outras pessoas, seguindo rotinas culturalmente estabelecidas» (Rodrigues, 2006,
p. 37).
Norbert Elias refletiu a respeito desse paralelo entre a psicogênese e a sociogênese.
Para o autor, quanto mais avançado o estágio da civilização, maior a discrepância entre o
comportamento de adultos e crianças. Ele afirma que «estas têm no espaço de alguns anos
que atingir o nível avançado de vergonha e nojo que demorou séculos para desenvolver»
e, em função disso, sua vida instintiva «tem que ser rapidamente submetida ao controle
rigoroso e modelagem específica, que dão à nossa sociedade seu caráter e que se formou
na lentidão dos séculos» (Elias, 1994, p 145).
Deste modo, a repressão dos instintos não se trata de um acontecimento isolado na
passagem da natureza para a cultura, mas um processo contínuo que se repete em cada
indivíduo, mesmo em um estado já avançado da civilização. Isso deve-se ao fato de que
o triunfo sobre o princípio de prazer nunca ser completo e seguro. A memória da
gratificação imediata nos estágios passados do desenvolvimento individual segue
assediando a mente (cf. Marcuse, 1975, p. 38). Marcuse comenta:
Rechaçada pela realidade externa ou mesmo incapaz de atingi-la, a força total do
princípio de prazer não só sobrevive no inconsciente, mas também afeta, de múltiplas
maneiras, a própria realidade que superou o princípio de prazer. O retorno do
reprimido compõe a história proibida e subterrânea da civilização. E a exploração
6
dessa história revela não só o segredo do indivíduo, mas também o da civilização
(Marcuse, 1975, p. 36).
Este corpo, escondido pela pele como se estivesse envergonhado... (Nietzsche, apud
Menninghaus, 2003, p. 81, tradução minha)
Podemos pensar na história do corpo como uma história da civilização, pois, como
vimos, essa se funda a partir da repressão daquele. As ideias relacionadas ao corpo variam
conforme o contexto histórico5. Essas determinarão as formas de mais repressão em cada
período.
Na Grécia Antiga, houve um grande foco no corpo. Entretanto, trata-se de um
corpo «radicalmente idealizado, treinado, produzido em função do seu aprimoramento, o
que nos indica que ele era, contrariamente a uma natureza, qualquer que ela fosse, um
artifício a ser criado numa civilização» (Tucherman, 1999, pp. 35-36). Através de
exercícios e da moderação do uso dos prazeres (comida, bebida e sexo), buscava-se um
corpo belo e saudável.
Rina Arya comenta que «há uma longa história na filosofia da Grécia clássica e na
Era Cristã que julgou o corpo como sítio de desejo, corrupção e mortalidade, e que ele
deveria ser submetido a práticas e regimes como maneiras de mantê-lo sob controle»
(Arya, 2014, p.52, tradução minha). Na Grécia Antiga, Platão estabelece a separação
entre o corpo e a alma, inserida na oposição entre sensível e inteligível. Essa visão dualista
que «assume a presença de duas classes de forças oponentes enquadradas
dicotomicamente em uma relação mútua excludente» associa o corpo às emoções e
apetites, tratando-o «com desdém e marginalizado em favor da racionalidade da mente»
(Arya, 2014, pp. 51-52, tradução minha). A relação do corpo com a alma oscila no
pensamento platônico, apresentando variações conforme a obra. No Timeu, defende que
5
Variam também em termos geográficos, mas aqui nos limitamos ao que seria o contexto europeu, já que
foi onde surgiram as filosofias e se deram os acontecimentos que influenciaram a cultura ocidental
7
a alma deve dominar o corpo para viver em harmonia com ele, aproximando-se aos ideais
de ascetismo e temperança de seu tempo. Já no Fédon, o corpo é considerado uma prisão
da qual a alma deve se libertar (cf. Alliez & Feher, in Feher ,1989).
Influenciada pelo pensamento platônico, a doutrina cristã é fundamentada na
desvalorização do corpo e do mundo material. Nela o corpo é visto como fonte de pecado.
Conforme declara Jean-Louis Flandrin: «[o Cristianismo] desde a origem opôs o espírito
à carne e travou a guerra contra a carne em nome do espírito» (Flandrin apud
Muchembled, 2007, p.104). Como se algo muito perigoso pudesse escapar dele, o corpo
passou a ser submetido a uma série de regras que serão impostas aos fiéis. Muchembled
comenta:
Desde Platão, o homem é considerado o terreno de uma luta incessante entre o corpo
e a alma. A batalha ganhou intensidade incessantemente no século das Reformas
religiosas. A teologia calvinista contribuiu amplamente para isso, incentivando o
cristão a dominar suas necessidades físicas e seus desejos para evitar as devastações
do pecado. [...] Dos dois lados do canal da Mancha, a alma imortal desconfia cada
vez mais das armadilhas da carne. (Muchembled, op.cit., p. 94)
O humanismo renascentista, por sua vez, engendra uma mirada científica sobre o
corpo, que se torna objeto de estudos e experiências. «Passa-se do teocentrismo ao
antropocentrismo. O conhecimento científico, a matemática, enfim, o ideal renascentista:
8
O corpo investigado, descrito e analisado, o corpo anatómico e biomecânico» (Barbosa,
Matos, & Costa, 2011, p. 25). Através das vivissecções, aprofunda-se o conhecimento de
anatomia, destacando-se as contribuições de Vesalius. Os desenhos de anatomia da época
demonstram como, também sob o ponto de vista científico, o corpo da mulher é olhado
como inferior em comparação ao do homem. Nessas imagens, que não diferiam muito do
modelo anatômico galênico, o órgão reprodutor feminino é representado como uma
versão invertida do masculino. A inferioridade do corpo feminino remonta a Aristóteles,
que via as mulheres como homens em potencial, cujo desenvolvimento em função da falta
de calor, não se completara.
Outras mudanças significativas no que diz respeito ao controle do corpo dão-se na
transição para a Idade Moderna, com a formação dos Estados. Neste período ocorre um
aumento de relações entre os indivíduos, o que leva a uma mudança comportamental
destes no autogerenciamento de seus corpos, denominada por Norbert Elias de Processo
Civilizador6. Para o autor, «quanto maior a cadeia de relacionamentos, mais complexa é
a organização; e mais exigente ela é com relação ao controle que o indivíduo tem de ter
sobre si» (Lima, Passos de Oliveira, Pinheiro, 2006, p.41). Tal processo engloba
principalmente as mudanças de concepções de vergonha em relação ao corpo que não
fossem aquelas pessoais dos indivíduos. Fundamentando o novo código de condutas, são
influentes os manuais de etiqueta, como a obra de Erasmo de Rotterdam De Civilitate
Morum Puerilium (1530). Nas noções de adequado e inadequado que passam a operar na
avaliação dos costumes, o determinante é o grau de repugnância que certas atitudes
despertavam, ao invés de uma compreensão racional das mesmas. Elias explica:
Algumas formas de comportamento são proibidas não porque são anti-higiênicas,
mas porque são feias à vista e geram associações desagradáveis. A vergonha de dar
espetáculo, antes ausente, e o medo de provocar tais associações, difundiam-se
gradualmente dos círculos que estabeleceram o padrão para outros mais amplos,
através de numerosas autoridades e instituições (Elias, 1994, p.134).
No século XVII, Descartes reforça o dualismo ‘corpo x mente’ com sua lógica
mecanicista. Fala-se de um corpo-máquina: «por um lado, temos o espírito que se
manifesta no fato de sermos seres pensantes, por outro, temos o corpo, o qual obedece
6
«Se antes as organizações sociais não exigiam uma relação crescente entre os indivíduos, isso mudou a
partir dos Estados. Os feudos, que eram isolados uns dos outros, a partir do aumento da competição entre
eles foram se rearranjando até se constituírem como grupos sociais mais interligados. Isso fez com que
houvesse uma mudança radical na forma como as pessoas se relacionavam. O aumento das relações
pessoais exige um autogerenciamento, não necessário na organização social anterior. (Pinheiro, Peixoto
Lima, Passos de Oliveira, 2006, pp. 41-42)
9
tanto aos movimentos quanto às leis que impelem todas as máquinas; aqui o corpo é
sinônimo de extensão» (Cardim, 2009, p.31).
No Iluminismo, desenvolvem-se diversos métodos que visam dar ordem ao corpo.
A matemática serve para estes fins, isto é, de ordenação e controle da natureza, como
comenta Stafford: «Essa supervalorização do Logos e da razão calculada, fazendo coisas
incomensuráveis mensuráveis, remete a Platão. [...] A natureza imutável da matemática e
da geometria estava ligada à alma imortal» (Stafford, 1993, p. 104). Padrões de
normatividade desenvolvidos a partir de medidas definiam como deveria ser um corpo
belo e saudável. Assim, foi sendo construído o corpo ideal: limpo e domesticado.
Todos esses momentos da história revelam a ideia de que em nosso inconsciente
e, até certo ponto, na consciência, acreditamos que há algo de muito assustador no corpo
que precisa ser contido. Como se, para além do território da razão, vivesse um monstro
que, se descuidássemos, pudesse vir à superfície e causar estragos. Entretanto, as barreiras
que construímos para domar esse desconhecido nunca são completamente eficazes. A
repressão nunca é completa e o reprimido sempre pode retornar. Para a racionalidade, o
corpo é sempre excesso: nunca cabe na caixa que lhe é imposta, vazando pelos orifícios.
10
mesmo pavor. A pele funciona como capa semipermeável, o que permite algumas trocas
entre interior e exterior, ao mesmo tempo que previne contato direto desses dois mundos.
O perigo maior encontra-se nos orifícios, que, sendo portas de entrada e saída,
desestabilizam as fronteiras que desejamos manter intactas. Por isso despertam os maiores
níveis de medo e nojo. Paradoxalmente, são também zonas erógenas. Rina Arya comenta
que os fluidos corporais (especialmente os alheios) «representam perigo por não terem
limites e serem vistos como transmissores de sujeira e infecção. Eles lembram-nos da
nossa animalidade – o fato de que estamos decaindo e de que, uma vez que a vida nos for
retirada, nossos corpos irão entrar em putrefação. » (Arya, op.cit., p. 61, tradução minha).
(...) para seres pensantes, a matéria mais elevada da arte é o homem, ou (mais
precisamente) sua superfície externa sozinha. (Winckelmann apud Meinninghaus,
2003, p. 55, tradução minha).
Sendo fonte de nojo, as aberturas do corpo possuem uma longa história de negação
na tradição estética. No paradigma clássico, «o corpo é algo rigorosamente acabado e
perfeito. Além disso, é isolado, solitário, separado dos demais corpos, fechado» (Bakhtin,
1987, p.26). Segundo, Bakhtin neste corpo
(...) elimina-se tudo o que leve a pensar que ele não está acabado, tudo que se
relaciona com seu crescimento e sua multiplicação: retiram-se as excrescências e
brotaduras, apagam-se as protuberâncias (que têm a significação de novos brotos,
rebentos), tapam-se os orifícios, faz-se abstração do estado perpetuamente
imperfeito do corpo e, em geral, passam despercebidos a concepção, a gravidez, o
parto e a agonia. (...). Mostram-se apenas os atos efetuados pelo corpo num mundo
exterior, nos quais há fronteiras nítidas e destacadas que separam o corpo do mundo;
os atos e processos intracorporais (absorção e necessidades naturais) não são
mencionados. (Bakhtin, 1987, p.26)
11
(...) o corpo grotesco não está separado do resto do mundo, não está isolado, acabado
nem perfeito, mas ultrapassa-se a si mesmo, franqueia seus próprios limites. Coloca-
se ênfase nas partes do corpo em que ele se abre ao mundo exterior, isto é, onde o
mundo penetra nele ou dele sai ou ele mesmo sai para o mundo, através de orifícios,
protuberâncias, ramificações e excrescências, tais como a boca aberta, os órgãos
genitais, seios, falo, barriga e nariz. É em atos como o coito, a gravidez, o parto, a
agonia, o comer, o beber, e a satisfação das necessidades naturais, que o corpo revela
sua essência como princípio em crescimento que ultrapassa seus próprios limites.
(Bakhtin, op.cit., p. 23)
A pele do leite não cheira mal; ela também, talvez, não tenha um gosto ruim, mas –
como o viscoso de Sartre– ela destrói as barreiras entre interior e exterior, entre firme
e fluido, entre próprio e impróprio. Recorda então a descida para a indivisibilidade
de corpo materno e da instabilidade das separações em que a integridade do nosso
corpo é baseada. (Menninghaus, op.cit., p. 374, tradução minha)
7
Julia Kristeva―Powers of Horror: An Essay on Abjection. Nova Iorque: Columbia University Press,
1982
12
(...) que os distingue é que, enquanto a abjeção ocasiona nojo, ela também envolve
medo, mas o contrário não é verdadeiro. Embora na ‘experiência real’ medo e nojo
estejam frequentemente misturados, Kolnai enfatiza o ponto, em ambos ensaios, de
que eles são estruturalmente distintos, um fato que deriva da análise fenomenológica;
o nojo está orientado para aspectos e características específicas de um objeto
(Sosein), mas o medo é mais profundo e é a reação ao ser (Dasein) do objeto. O medo
e a ameaça colocada à integridade do indivíduo está em jogo na abjeção, que causa
que a pessoa recue e/ou fuja. A abjeção difere do nojo na inextricável relação com a
subjetividade. O sujeito precisa se livrar do abjeto para ser. O nojo, entretanto, não
possui a mesma relação inextricável com o sujeito na presença de algo nojento não
sentimos medo. (Arya, op.cit.,p. 37, tradução minha)
8
Dentre as obras que dedicam-se exclusivamente à análise do nojo, destacam-se: Der Ekel (1929), de Aurel
Kolnai, The Anatomy of disgust (1997), de William Miller, e Disgust: Theory and history of a strong
sensation (2003), de Winnfried Menninghaus. Entretanto, o nojo foi abordado por Kant, Nietzsche, Darwin,
Freud, Elias, Sartre, entre outros autores que contribuíram para a diversidade de interpretações dessa
sensação.
13
Ao pensar o extravasamento das barreiras do corpo faz sentido retomar as ideias de
Bataille. O autor fala de um ‘materialismo de base’, que seria aquilo que é «externo e
estrangeiro às aspirações humanas ideais» (Bataille, 1985, p.51, tradução minha) pode ser
visto como uma anti-estética. Ao contrário da tradição do materialismo na filosofia, que
se ocupou em convencionar o que a matéria (ideal) deveria ser, o materialismo de base
pretende excluir idealizações. Ele propõe-se a «simultaneamente rebaixar e libertar (a
matéria) de todas as prisões ontológicas, de qualquer ‘devoir être’» (Bois, in Bois &
Krauss, 1997, p. 53, tradução minha). A matéria informe seria a manifestação mais
concreta do materialismo de base, «pois não se parece com nada» e «recusa se deixar
assimilar por qualquer conceito ou abstração» (ibidem, p.53). Segundo Bataille,
(...) informe não é apenas um adjetivo com um determinado significado, mas um termo que
serve para levar as coisas abaixo no mundo, geralmente requerendo que cada coisa tenha
sua própria forma. O que designa não tem razão em nenhum sentido e é esmagado em todo
lado, como uma aranha ou uma minhoca. De facto, para que os acadêmicos ficassem
felizes, o universo teria de tomar forma. Toda filosofia não tem outro objetivo: é uma
questão de dar uma sobrecasaca ao que é, uma sobrecasaca matemática. Por outro lado, ao
afirmar que o universo se assemelha a nada e é apenas informe significa dizer que o
universo é algo como uma aranha ou um cuspe. (Bataille, 1985, p. 31, tradução minha)
É digno de nota que Kristeva destaca que, nas estruturas sociais patriarcais, essas
poluições, isto é, impureza em geral, são consideradas vindas do corpo feminino. Em
outras palavras, o corpo feminino é visto como uma ameaça ao poder masculino
(subjetividade), significado através do falo. Proibições e rituais de profanação (seja
religiosos ou secularizados), que estão inextricavelmente ligados a clara separação
dos sexos, objetivavam manter a mulher à distância, que é considerada sinônimo da
mulher com seus fluidos, e especialmente do corpo maternal. Portanto, a
14
materialidade informe feminina no corpo de Sherman coloca-se em justaposição à
maneira hegemônica de dar forma, ao poder racional e espiritual do homem e da
ordem simbólica patriarcal. (ibidem, p. 43)
Fig. 1- Cindy Sherman, Untitled #173. 1986. Fig. 2- Cindy Sherman, Untitled (#175), 1987.
Impressão fotográfica cromogênica, (152,4 x Impressão fotográfica cromogênica, 119,1 x 181,6
225 cm.) cm.
15
Palmerston, apud Croak, tradução minha9). Exemplo disso são os fios de cabelo.
Enquanto presos ao corpo, não causam incômodo, mas na roupa, no chão, ou na comida
se tornam repulsivos. Outro caso exemplar é a saliva: quando está na boca não provoca
aversão, mas ao ultrapassar as fronteiras do corpo, torna-se suja. Entretanto, essa
demarcação não é sempre física. Os restos do alimento, que poucos minutos antes, no
mesmo prato, pareciam apetitosos, passam a ser vistos, encerrada a refeição, como sujeira.
A maior parte das coisas que consideramos sujas colocam menos em perigo a saúde
do que a sensação de ordem. O impuro é o ambíguo. A indefinição – como ocorre no
abjeto e no informe – ameaça a integridade do sujeito.
9
Segundo consta no site artnet, «variações da frase foram atribuídas a William James, Sigmund Freud,
Mary Douglas, John Ruskin, mas uma edição de 1883 da Longman’s Magazine confirma a autoria de Lord
Palmerston.
16
2. Pintura: corpo impuro
Desde o século dezoito, uma tendência do Modernismo tem sido eliminar o toque e
outros sinais de construção manual. Pintura, escultura, e arquitetura foram desviadas
de suas raízes corporais em direção a uma atividade mental crítica. A arte como
linguagem visível, movendo-se em direção a expressões cada vez mais abreviadas e
desmaterializadas caracterizou a poesia concreta, De Stijl, o Suprematismo, o
Conceptualismo e agora a computação gráfica. (...) Essa caligrafia da ausência,
circunscrevendo o branco absoluto, era parte de uma tradição de descontaminação
herdada da Antiguidade em busca de princípios eternos e imutáveis. Sua aplicação
prática resultaria em composições artísticas despoluídas da imundície da vida.
(Stafford, 1993, p. 131-132)
O fosso instaurado por Platão relaciona-se a uma série de outras oposições que
constituem o dualismo ontológico platônico. Christophe Rogue utiliza o termo dualismo
disjuntivo para referir-se ao chôrismos que predominou nos grandes diálogos de Platão
(Rogue, 2011). O chôrismos «decorre naturalmente dos caracteres dados à Ideia, eterna
identidade a si, universalidade, indivisibilidade» (Rogue, 2011, p. 87), que surge para
solucionar o problema das contradições do sensível. «Ao contrário da realidade em devir
que só é captada pelos sentidos, a Ideia é atingida apenas pela inteligência. Ela é afetada
num grau supremo de realidade, porque, não contraditória, só ela pode garantir a ordem
do logos» (ibidem, p. 87).
No pensamento platônico, o sensível é considerado inferior ao inteligível pois
aspira a assemelhar-se a este. Está assim em uma postura de deficiência. Só através do
intelecto pode-se apreender as ideias, pois também ele é incorpóreo. No Fédon, Sócrates
17
afirma que «todas as vezes que a alma investiga qualquer coisa por intermédio do corpo,
usando a visão, a audição, etc., ele a arrasta para a dessemelhança, para a ‘errância’
(planatai), a perturbação e a vertigem como se estivesse bêbada» (Platão apud Muniz,
2002, p. 193).
A relação entre os mundos sensível e inteligível aparece pela primeira vez no Fédon
(cf. Muniz, op.cit., p. 186). Trata-se de uma polarização do mundo em que um dos lados
é sempre definido negativamente em comparação ao outro. O primeiro é, assim, associado
à obscuridade, à irracionalidade, à mobilidade incessante. Em contraste, o segundo
caracteriza-se pela luminosidade, pela racionalidade e pela permanência; ou seja, pelos
valores que o filósofo tem por positivos. A inferioridade do sensível surge em uma
passagem do Fédon,10 na qual é questionada de onde vem a igualdade entre as coisas que
vemos (árvores e montanhas, por exemplo), já que há naquilo que consideramos igual
tanta dissemelhança. Surge aí a teoria da reminiscência, que afirma que, para que se
reconheça a igualdade em coisas tão distintas, é necessário que haja uma forma incorpórea
original e perfeita que sobreviva como reminiscência naquilo (a árvore ideal ou a
montanha ideal) que se apresenta aos nossos sentidos. Trata-se da Ideia (eidos) ou Forma.
No Górgias são expostos os perigos aos quais o corpo nos expõe. É por causa dele
que «sucumbimos às aparências e às seduções mais enganosas» (Dagognet, 2012, p.12).
A toalete (maquiagem, cosméticos, cores, vernizes e tudo o que esconde o natural), os
excessos alimentares, a retórica e a sofística aumentariam nossa servidão, deturpando
nossa capacidade de julgamento. O maior perigo estaria nas experiências de intenso
prazer. Por meio delas, somos levados a crer que a verdade está ali. O prazer confunde,
portanto, o nosso discernimento. «Cada prazer e cada dor funcionam como pregos que
fixam a alma ao corpo e a consequência epistemológica dessa assimilação é que ela só
toma como verdadeiro e real aquilo que o corpo declara ser» (Muniz, op.cit., p. 194). O
ornamento, nessa lógica, representaria uma ameaça, conforme comenta Lichtenstein:
10
Fédon, 74a-75d
18
A depreciação do mundo sensível e do artifício são basilares na visão do filósofo a
respeito da pintura. Se o que percebemos através dos nossos sentidos são meramente
cópias, a pintura, ao representar essa realidade, nada mais realiza que cópias de cópias.
Assim, estaria afastada da realidade em três graus, «uma vez que o pintor imita um objeto
que já é por sua vez uma imitação, uma imagem da Ideia» (Lichtenstein, 2004, p. 17).
Essa depreciação é constatada em obras como a República, na qual o pintor é banido da
cidade ideal, ou no Sofista, em que a pintura é vista como prática sofística, simulacro
enganador: «Ao mesmo tempo mentirosa e sedutora, a pintura é portanto uma atividade
inútil e perigosa» (ibidem, p. 17).
(...)só o que é insípido, inodoro e incolor pode ser chamado de verdadeiro, belo e
bom. Considerando sempre os prazeres do simulacro como fonte de sua exclusão
absoluta, todos os amantes da verdade e defensores da natureza, pertencentes a
qualquer época (...), são, neste sentido, os herdeiros de uma metafísica cujo olhar
moral só pode ver um universo em preto e branco, desprovido de seus adereços,
lavado de suas maquiagens, purificado de todas as drogas que ofuscam o espírito e
embriagam os sentidos (Lichtenstein, 1994, p.50)
19
poder de sedução, segundo o pensamento platônico, engana o intelecto, afastando-o da
compreensão do verdadeiro. É, portanto, depreciada de múltiplas maneiras segundo a
hierarquia que coloca a mente acima do corpo. Diferente da poesia, depende da artesania.
Por isso, foi considerada uma arte “meramente” manual. A suposta não intelectualidade
da pintura é uma das principais acusações da qual ela precisará se defender, moldando
seu discurso.
No Renascimento, consegue-se salvá-la do desprezo instituído por Platão. Porém,
isso não implicou na superação da condenação do sensível e dos seus prazeres (cf.
Lichtenstein, 2006, p.16). Através do esforço de teóricos como Vasari11, a pintura
consegue estatuto intelectual. Para provar sua relação com o intelecto, utilizou-se do
desenho, «expressão sensível da ideia», passando a exaltá-lo como alicerce. «A linha do
desenho traça no quadro uma separação que não é só física, mas também metafísica, já
que permite que a forma se manifeste distinta da matéria que aparece na cor, provando
assim que a pintura escapa ao universo do informe» (Lichtenstein, 1994, p. 67).
Nessa lógica, a pintura necessita «provar sua relação com o discurso, mostrar que
interiorizou suas exigências e caracteres, atestar que é uma arte da linguagem e que,
portanto, os pintores são seres com os quais a palavra é, de certa forma, virtual, como
com os poetas e oradores» (Lichtenstein, 1994, p. 144). Portanto, a pintura legitima-se,
mas respondendo a exigências do campo da filosofia, reforçando uma relação de
dependência. A necessidade de associar a pintura a um discurso racional para legitimá-la
associa-se a uma série de outras atitudes que buscaram mantê-la sob controle. Por
associar-se ao sensível, ao manual, ao material e, por conseguinte, ao corpo, é fonte de
grande inquietação para aqueles que pretendem manter a ordem do mundo.
Ainda que no Renascimento tenha se legitimado, os preconceitos envolvendo sua
ligação à manualidade e visualidade persistiram, sendo evidentes na abordagem que
Stafford faz da situação das artes plásticas no Iluminismo:
11
Ver: “O primado do desenho” (Vasari in Lichtenstein, 2006, pp. 20-22)
20
No Neoclássico, constata-se na arte um medo de colapso da ordem (representado
pela irregularidade, pelo excesso, pela liberdade, etc.) e, por isso, a pintura passa por um
adestramento. Para evitar a desordem, a razão deveria domar os sentidos. As ciências
exatas assumiam, portanto, o papel de disciplinar a arte (cf. Stafford, op.cit., pp. 136-137).
A respeito disso, Stafford comenta:
O meramente estético deveria ser suprimido pelo asséptico. O novo método analítico
cartesiano e o rigorismo de um Jansenismo agostiniano também faziam parte do
ímpeto neoclássico de lavar a linguagem, a arte e a moral do excesso de liberdade.
Eles deveriam ser limpos da ostentação e, mais fundamentalmente, da imaginação
cosmética. A condenação dos prazeres da carne era precipitada por um medo do
colapso da ordem (ibidem, p. 204)
21
2.3. Cromofobia
A branquidão é a cor mais conceitual.. ele não interfere nos seus pensamentos.
(Yoko Ono, in Batchellor, 2008, p. 216, tradução minha)
(...) esta matéria informe, presente nos corpos com a aparência de carne, é a mesma
coisa que se manifesta na pintura com a aparência da cor. (Lichtenstein, 1994, p.
69)12
12
A analogia da cor à carne feita pela autora insere-se na análise do pensamento aristotélico que teria
salavado a pintura da condenação platônica. Ela teria sido salva pela importância que Aristóteles deu ao
desenho, como aquilo que ordena a matéria, dando-lhe forma. Nesse sentido, estabelece-se a diferença entre
corpo (matéria organizada) e carne (matéria caótica): «Distinguindo a matéria como informe ou ordenada,
a hierarquia aristotélica introduz o princípio de uma diferença fundamental entre o corpo e a carne.; este
princípio permite, evidentemente, que a análise da pintura escape às determinações impostas pelo
platonismo, mas com vantagem exclusiva para o desenho (...). Deste modo, a cor está para a pintura assim
como a carne está para o corpo: como a marca de uma origem filosoficamente inominável e cujo o poder
paradoxal continuaria a se manifestar. Reais ou pintadas, as qualidades sensíveis das carnes sempre
revelarão a persistência da matéria informe no seio da matéria informada. » (Lichtenstein, 1994, p.69)
22
parques de diversões, festas infantis, ou manifestações populares como o Carnaval. Estão
excluídas dos ambientes intelectuais.
Da mesma maneira, no vestuário, se queremos transmitir respeito e aparentar
inteligência, apelaremos a roupas de cores neutras. Uma pessoa que se veste de maneira
muito colorida pode ser considerada excêntrica, pouco requintada, infantil ou, até mesmo,
perturbada. Para Baudrillard, as cores vivas, como o vermelho, contribuem para a
objetificação do corpo. Essa situação seria mais frequente no universo feminino,
conforme exemplifica: «Se alguém usa um vestido vermelho, está mais desnudo, se
converte em objeto puro, carente de interioridade» (Baudrillard, 1969, p.32, tradução
minha). O autor defende ainda que «o mundo das cores se opõe ao dos valores e o “chic”
consiste sempre em desvanecer as aparências em benefício do ser» (ibidem, p. 32).
No universo cromático banido dos valores elevados, há que lembrar que algumas
cores em específico refletem o mau gosto e o “baixo nível” mais que outras. São aquelas
associadas ao infantil e ao feminino (ainda que a cor de um modo geral já esteja associada
a esses universos, há aquelas que intensificam essa relação). Cores que vemos em
rebuçados, em barbies, em maquilagem ou em utensílios domésticos exemplificam essa
relação. Provavelmente a mais paradigmática é o cor-de-rosa. Consideramo-las estúpidas,
superficiais, bobas. Tratam-se de cores vulgares e nisso representam o que queremos
manter à distância, sob o risco de sermos rebaixados pela sua proximidade.
Na pintura, ultrapassadas as querelas de ‘desenho × cor’, é possível detectar
diferentes tratamentos cromáticos. Para além dos preconceitos culturais mencionados
relativos à cor, esta ocupa também dimensões nobres na arte. Quando utilizada com
moderação − funciona como um perfume: há que ter cuidado para não exceder a dose, se
não, causa enjoo −, encanta-nos e inclusive evoca transcendência, como percebemos nas
pinturas de Mark Rothko ou de Yves Klein. Este último possui uma relação mística com
a cor − em especial o azul – interessando-se por sua descorporificação. Klein afirma: «E
sem dúvida, foi através da cor que me tornei aos poucos familiarizado com o Imaterial»
(Klein in Harrison & Wood, 2003, p.819). O pensamento do artista, nesse sentido,
contraria a visão tradicional que associa a cor ao mundo material, podendo ser
interpretado como uma tentativa de devolver dignidade
à cor, elevando-a.
De fato, mesmo na arte contemporânea é mais fácil encontrarmos a cor utilizada
ordenadamente, em obras com aspecto ‘limpo’, do que em excesso, enfatizando seu
potencial desestabilizador. Katharina Grosse (fig.3) utiliza a cor como elemento
23
anárquico e defende seu papel de fazer frente ao discurso dominante «como a mulher, o
elemento menos claro e inteligente da pintura, enquanto o conceito, a linha e o desenho
são mais o homem, a parte clara, progressiva e inteligente da obra de arte» (Grosse in
Art21, 2015, tradução minha). A artista afirma que em seu trabalho a cor atua «retirando
a barreira do objeto, de modo que deixa de haver a relação sujeito×objeto» (ibidem).
No trabalho de Judy Pfaff (fig. 4) a cor intensifica a sensação caótica proveniente
da variedade de materiais e da profusão de formas em peças que podem ser consideradas
qualquer coisa menos requintadas. As esculturas e instalações de Pfaff possuem
afinidades com a pintura de Beatriz Milhazes (fig. 5). Essa fala de um temor em relação
à cor:
Fig. 3- Katharina Grosse, Cincy, 2006. Acrílica sobre parede, chão, vidro, esferovite e
terra. 8,53 x 7,39 x 11,8 m
24
Fig. 4- Judy Pfaff, Enter the dragon, 2012. Arames, plásticos e
papéis variados, lanternas chinesas, guarda-chuva, ventilador e
matéria orgânica. 210,82 x 279,4 x 53,34 cm
Fig.5- Beatriz Milhazes, Meu limão, 2000. Acrílica sobre tela. 248,9 x 318,8 cm
25
incorpora a dessantificação da cor que acompanhou o fim do idealismo dos modernistas
do início do século, como Henri Matisse, Vasily Kandinsky e Piet Mondrian» (Temkin,
op.cit, p. 18, tradução minha). A partir daí, a cor pictórica possui o mesmo valor daquela
de um automóvel.
Em pintura falamos em cores puras – aquelas utilizadas conforme saídas do tubo
ou da lata − e cores sujas, que seriam aquelas que foram muito misturadas e aproximam-
se dos tons de castanho. Porém, sujas ou não, as cores correm sempre o risco de se serem
vistas como impurezas, ao romperem a uniformidade da superfície e perturbarem a ordem
do branco absoluto. Assim, ainda que as cores puras não evoquem sujeira, podem ser
fonte de grande incômodo.
Para além da perturbação, é possível falar em perigo. É o caso das cores
fluorescentes, que remetem a um certo risco pela associação a substâncias tóxicas. Susana
Rocha afirma que em seu trabalho (fig. 6 e 7), «a cor não é reconfortante, é provocadora
e agressiva» e prossegue:
Se inicialmente a cor se apresenta, a quem quer que olhe as minhas pinturas, como
um sinal de forte vitalidade e otimismo, quase como se estivesse subjacente uma
euforia em viver, após um olhar demorado a sua intensidade acaba por tornar-se
numa agressão. A fluorescência da cor incomoda e ataca o olhar, como se de um
aviso luminoso de perigo se tratasse. A gama cromática que escolho usar é
impositiva e lancinante, destruindo assim o sentimento de otimismo inicial. São
pinturas que não aceitam ser ignoradas. Não se prestam a uma contemplação poética,
mas antes à provocação de um sentimento de ansiedade e urgência que
simultaneamente seduz e repele, para seduzir novamente (Rocha, 2012, p. 115)
Figs. 6 e 7- Susana Rocha, Paisagens Atemporais #4, 2012. Acrílico sobre tela
60x50 cm (cada)
Interesso-me pela artificialidade da cor e o desconforto que isso pode gerar. Penso
que, assim como Susana Rocha refere a respeito de suas pinturas, as cores em meu
trabalho são sempre atraentes em um primeiro momento, para em seguida tornarem-se
26
repelentes, provocando enjoo. Funcionam como uma armadilha que atrai o espectador
para depois expulsá-lo.
Isabel Sabino também comenta a respeito do perigo que a cor representa na pintura:
«O potencial de desvio da cor – catalisado na tinta – é então temido como nefasto,
podendo descaracterizar a forma, amolecê-la, arrastar significados obscuros ou
imprevistos, demasiado centrados nos sentidos, nos sentimentos, nas emoções – entrar no
irrazoável» (Sabino, 2013, p. 420). A cor extrapola o domínio da linguagem. John Gage
fala da ineficácia dessa para dar conta da experiência da cor (cf. Batchelor, 2007, p.81).
Para Kristeva, «a cor (...), está associada à ‘indeterminação do sujeito/objeto’, a um estado
anterior à formação do sujeito na linguagem, anterior à completa diferenciação do mundo
em relação ao sujeito.» (cf. Batchelor, 2007, p.82, tradução minha). Compreende-se assim
o medo que ela desperta. Trata-se da ameaça de perdermo-nos na indiferenciação, de
dissolvermo-nos irreversivelmente.
Na dicotomia que coloca a cor do lado da natureza e do irracional (enquanto o
desenho é posto junto à linguagem e ao racional), é possível aproximá-la ao lugar que foi
dado à mulher no Ocidente. Nesse o feminino está associado ao desregrado, ao instável,
à fragilidade, valores também atribuídos à cor. O colorido do feminino ameaça a ordem
masculina. Esse temor é expresso por Charles Blanc:
A união do desenho e da cor é necessária para gerar a pintura, assim como a união
do homem e da mulher para gerar a humanidade, mas o design deve manter sua
preponderância sobre a cor. De outro modo a pintura apressa-se à sua ruína: ela cairá
através da cor como a humanidade caiu através de Eva. (Blanc, apud Batchelor, p.
23, 2007, tradução minha)
Nesse sentido, a cor seria a corrupção da cultura (cf. Batchelor, 2007, p.23).
Em uma cultura cada vez mais asséptica e racional, sobra pouco espaço para
elementos que apelem aos sentidos. Matéria e cor, elementos formantes da pintura,
tornam-se excessivas, quando não agressivas. Perturbam a estabilidade dos ambientes e
lembram-nos do que há de irracional em nós. Evitamo-las, como doenças.
Sabe-se que na pintura, tradicionalmente, a cor materializa-se na tinta. Percebemos
na maneira como esse material foi tratado ao longo da história da arte um desejo de
disfarçar sua fisicalidade. Na superfície lisa que se coloca diante do homem como janela,
o aspecto informe da tinta é escondido.
27
A valorização de uma pintura incorpórea evidencia-se no ideal da visualidade pura
que persiste no modernismo. Yve-Alain Bois fala que, mesmo deixando de ser vista como
uma janela, a pintura modernista seguiu caracterizada pela verticalidade. Assim, ela é
feita para o homem em postura ereta, pressupondo que «que o espectador tenha esquecido
que seus pés estão na sujeira sendo assim uma atividade sublimatória» (Bois in Bois &
Krauss, 1997, p. 26).
Ainda que, ao longo dos séculos, tenha-se, progressivamente, exposto a condição
matérica da pintura, evidenciando pinceladas, é só no século XX, com artistas como
Fautrier, Dubuffet e Tapies que a materialidade é enaltecida, assumindo protagonismo. À
medida que ela incorporou o relevo, afastou-se do plano da ilusão e avançou para o espaço
ocupado pelos nossos corpos. Passamos então a percebê-la como parte do mundo real e
assim, mais próxima do nosso corpo.
No entanto, por mais esforços que os pintores realizem para esconder os indícios
de materialidade da pintura, ela está sempre presente. Nas palavras de Marlene Dumas, a
pintura «é sobre o vestígio do toque humano. É sobre a pele de uma superfície». A artista
prossegue: «Uma pintura não é um cartão postal. O conteúdo de uma pintura não pode
ser separado da sensação de sua superfície» (Marlene Dumas in Myers, 2011, p.95,
tradução minha).
A pintura, mesmo aquela de superfície mais plana, nunca deixou de conter uma
reminiscência da condição informe da tinta. Sabino comenta que
28
(...) nos séculos XX e XXI , a par das extraordinárias conquistas sucessivas das
ciências e tecnologias, parece revelar-se nas artes um movimento paradoxal em que
o fascínio evidente e quase autoritário das novas aquisições técnicas, em sofisticação
e assepsia crescentes high-tech, convive com tendência contrária, com uma espécie
de revolta em direção ao regresso aos processos mais básicos, ingênuos ou primitivos
(Sabino, op.cit., p. 400).
13
Arte contemporânea refere-se aqui àquela da época em que o autor escreveu o texto (década de 1990)
29
Fig. 8- Mike Kelley, Nostalgic depiction of the innocence of childhood, 1990. Fotografia. 24.1 x
16.5 cm
Entretanto, não é necessário utilizar matérias tão ignóbeis para provocar nojo. A
tinta, um dos materiais mais tradicionais na história da arte, pode se revelar perturbadora.
Sua condição física associa-se «ao caos, ao instável ou eventualmente em vias de se
organizar e ganhar forma. Ela é o viscoso a que se refere Sartre, o estado intermédio que
não é bem líquido nem sólido» (Sabino, op. cit., p. 419). Remete para várias secreções
corporais e atesta assim nossa própria condição física. Possivelmente resida aí a fonte de
nosso fascínio e nossa perturbação diante dela. É por nós que nos apaixonamos ao
maravilharmo-nos diante de uma pintura. É de nós que fugimos, quando a pintura repele-
nos.
Há no fazer pictórico uma espécie de alquimia escatológica14. Pintar é manusear a
matéria informe, num ritual de comunhão. Trata-se de um mergulho na indiferenciação
do ser, um retorno à experiência primitiva.
A pintura, ao agregar o colorido e o informe na tinta, reúne o que rechaçamos,
aquilo que o pensamento Ocidental desejou eliminar da cultura, que ameaça a ordem
estabelecida. A matéria da pintura possui
essa docilidade que caracteriza um certo modo de ser do sensível , informe e vago,
que dificilmente pode ser pensado pela razão metafísica de maneira diferente da
expressão de um estado arcaico da matéria: um resto do caos original que nenhuma
ordem viria disciplinar, o sinal de uma imperfeição cuja satisfação daria prova de
um gosto mórbido pelo indeterminado. Sempre que deixa de ser considerada na
beleza harmoniosa de suas formas, a pintura torna-se problemática do ponto de vista
14
Por escatológico não me refiro ao sentido teológico da escatologia, mas ao coprológico.
30
filosófico. Objeto de um prazer necessariamente triste. Como a carne. (Lichtenstein,
1994, p. 69)
Ao pensar a relação da pintura com a carne, para além das imagens das figuras
exuberantes de Rubens, vem à mente as pinturas de Adriana Varejão, da série Línguas e
cortes. Nelas a carne irrompe do interior da pintura, rasgando a superfície da tela,
disfarçada de parede (fig. 9). Se existe uma semelhança da superfície da pintura à da pele,
aqui ela ultrapassa a epiderme para ser pintura entranhada. Já nos paintants – mistura das
palavras painting e mutant – de Fabian Marcaccio (fig. 10 e 11), a matéria pictórica é
uma pele que que se transforma em uma gosma estranha e cria corpos instáveis, os quais
não sabemos se estão formando-se ou decompondo-se. O corpo da pintura assume aqui
um ar monstruoso, que, embora surreal, é extremamente atual. Marcaccio é como o
médico do romance de Mary Shelley, criando um corpo a partir de pedaços de outros.
Ora, fazer pintura é criar corpos.
Fig. 9- Adriana Varejão, Azulejaria verde em carne viva, 2000. Óleo sobre tela e poliuretano em
suporte de alumínio e madeira. 220 x 290 x 70 cm
31
Fig. 10- Fabian Marcaccio, Hero Structural Canvas
Paintant, 2009. Tinta de impressão sobre tela,
alumínio,tinta alquídica, silicone, 213 x 91 x 71cm
32
3. Corpo em excesso: reflexões sobre o processo artístico pessoal
De alguns anos para cá, ao refletir a respeito de meu trabalho, a palavra corpo
passou a surgir incessantemente. A constatação dessa regularidade motivou-me a
investigar os seus motivos. Na reflexão desenvolvida, verifiquei em minha a presença de
dois corpos que se inter-relacionam: o corpo da obra e o meu corpo. Devido à
interdependência destes, torna-se difícil abordá-los separadamente. Em função disso,
serão tratados concomitantemente neste capítulo. Comentarei ainda a respeito de um
terceiro corpo, que surge quando a obra é exposta (ainda que seja considerado já na
construção das obras), que é o do espectador. É preciso mencionar que, em função de sua
história no pensamento ocidental, há uma série implicações de ao abordá-lo. Portanto,
falar em corpo é falar do mundo material (em oposição ao imaterial), do sensível (em
oposição ao inteligível), de instintivo (em oposição ao racional), do natural (em oposição
ao civilizado), do efêmero (em oposição ao eterno). Essas dicotomias fazem parte de uma
lógica que despreza o mundo material, herdada do pensamento platônico.
3.1.Corpo a corpo
15
Frequentei o curso de Bacharelado em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em
Porto Alegre entre os anos 2009 a 2013
16
Por representação refiro-me à figuração icónica.
17
É claro que, mesmo não tendo uma imagem exata a ser reproduzida, o artista sempre carrega referências
visuais que aparecerão no suporte, não existindo a ausência total de referências. Aquilo a que me refiro é
não ter a decisão clara de uma imagem a ser reproduzida.
18
Esse processo revela como, desde o princípio, há um interesse pelo diálogo entre minha ação e a matéria,
que é determinante no desenvolvimento da minha poética.
33
Vejo nesse modus operandi uma postura muito mais ‘corporal’ do que ‘racional’,
a qual aproxima-se ao brincar da criança. Antes de iniciar seu processo de socialização,
ela experimenta o mundo sem censurar seus impulsos: toca, morde e aperta os objetos em
seu entorno conforme sua curiosidade. Essa postura, essencial em meu processo criativo,
é recorrente em artistas cujo trabalho enfatiza a materialidade, como é o caso de Karla
Black: «Eu sempre priorizei a experiência sensual em relação à linguagem como forma
de aprender a respeito do mundo e compreendê-lo» (Black, in Black & Hunter, 2013,
tradução minha). A artista comenta que vê a arte como um lugar “em que nos é dada
permissão para comportar-se como os animais que somos” (Black, in Tate, tradução
minha).
Quando adentro o ateliê, coloco-me em um estado que denomino ‘abertura ao
acaso’. Trata-se de acolher o incontrolável e entregar-se a incertezas, numa escuta aos
materiais. Essa relação com o material é característica das correntes artísticas ligadas ao
informalismo, movimento europeu que privilegiava o gesto e a matéria. Dentre os artistas
associados a esse, destaco meu interesse por Jean Dubuffet. Em suas obras, o
protagonismo da matéria determina uma série de procedimentos em sua fattura, conforme
relata:
Há que se deixar produzir e aparecer todos os acasos que são os acasos próprios do
material utilizado: o óleo que quer jorrar, o pincel insuficientemente carregado de
cor e que não deixa mais que um rastro impreciso, o traço que cai ao lado do lugar
exato onde o artista desejava traçar, o traço que treme, o que, no lugar de ser vertical,
se inclina no sentido da escrita, o traço que começa pesadamente e logo se debilita
porque o pincel se descarregou de sua cor, etc.” (Dubuffet, 1975, p.43, tradução
minha)
34
à sua frente. A imagem seria o resultado desse encontro. (Rosenberg, 2010, p. 589,
tradução minha)
Michael Archer aproxima esses artistas daqueles da Process Art, no que diz
respeito à ligação entre o fazer e o resultado final: «Artistas como Richard Serra, Bruce
Nauman, Eva Hesse, Lynda Benglis e Barry Le Va produziram trabalhos cujo aspecto
estava intricadamente conectado a uma série de procedimentos que os concretizavam»
(Archer, 1994, p. 23).
Fig.12- Registro do processo de trabalho de Lynda Fig.13- Registro de Jackson Pollock em seu
Benglis, 1970. Foto: Henry Groskinsky. ateliê ,1950. Foto: Hans Namuth
Manuseio a matéria, como se para ver fosse preciso tocar. O aspecto táctil das
superfícies guia minha pesquisa. Em 2012 iniciei uma busca por materiais que me atraíam
por suas cores, texturas e maleabilidade. Aplicados à tela ou, sendo o próprio suporte da
pintura, tencionavam os limites do quadro e apontavam para o espaço fora da tela (fig. 14
e 15).
35
Fig. 14- Carolina Marostica. Sem título
(série Bichos), 2012. Acrílica,esmalte, Fig. 15- Carolina Marostica, Sem título, 2012. Acrílica e
pelúcia e cartão. 80x50cm silicone. Dimensões variáveis
Neste ponto é válido ressaltar que, ainda que o caráter informe e objectual da
minha pintura aponte similaridades a obras que podem ser compreendidas dentro do
conceito de pintura expandida19− seja como objetos ou como instalações−, o
questionamento do suporte pictórico nunca foi a motivação do meu processo. Seu
extravasamento deu-se de modo espontâneo, pela vontade de ampliar meu campo de ação
e dar vazão à potencialidade da matéria. Entretanto, a percepção de possíveis relações
entre meus procedimentos e o campo da pintura expandida, conscientizou-me de que eu
não tratava a pintura como pintura. Explico-me: ao perceber que meu assunto principal
não era a pintura em si – como é o caso de artistas como Jessica Stockholder, Jim Lambie,
Angela De La Cruz e Ian Davenport (fig. 16-19) − indaguei-me sobre o que pretendia
falar, ou seja, por que pintava. No caso de Stockholder (fig. 16), percebemos em seus
trabalhos uma abordagem da pintura modernista, conforme Xosé Antón Castro comenta:
As referências que ela reivindica e as que nós podemos descobrir em uma obra
pictórica tão pouco ortodoxa como a sua se implicam no mesmo coração do
vanguardismo histórico e em nomes e em situações que afinal, não são senão as
19
O conceito de pintura expandida inspira-se no texto Sculpture in the expanded field (1979), de Rosalind
Krauss, em que a autora analisa obras que colocam a definição de escultura como monumento em questão;
transpondo o debate da dissolução de fronteiras entre categorias artísticas para o campo da pintura,
considerando principalmente suas incursões no tridimensional. Ainda que recente, o conceito remonta a
uma série de de momentos chave na história da arte que colocaram em questão a espacialidade pictórica,
como o uso da colagem pelos cubistas no início do século XX, as combine paintings de Robert
Rauschenberg, as shaped canvas de Frank Stella, os bólides de Hélio Oiticica – que em 1961 escreve em
seus diários que buscava uma "pintura depois do quadro"−, ou os tubos luminosos de Dan Flanvin.
36
chaves da arte do século XX, porque Stockholder atravessa a história, reinterpreta-
a, renova-a e fulmina-a com os mesmos argumentos que utiliza hoje o discurso
tradicional para falar da pintura, ou seja, para debater sobre a composição, o ritmo,
o movimento, a cor, o espaço... problemas de sempre. (Castro, 1999, p. 174, tradução
minha)
Fig.16- Jessica Stockholder, Vortex in the Play Fig.17- Jim Lambie, Zobop stairs
of Theatre with Real Passion, 2000. Duplo, (Colour), 2003/2015. Instalação: Fita
Cortina de teatro, containers, banco, luz de colorida de vinil. Dimensões variáveis.
teatro, linóleo, pele, mesas, jornal, tecido e
tinta.
Fig.18- Angela de la Cruz, Larger than life, Fig.19-Ian Daveport, Guidi Gallery wall
2004. Acrílica e óleo sobre tela. 260 x 400 x painting, 2012
1050 cm
37
Fig.20-Tony Oursler, Bound Interrupter, 2012. Duas projeções de vídeo, mixed media, som. Dimensões variáveis.
Fig.21- Thomas Hirschhorn, Cavemanman, 2002. Instalação: madeira, papel cartão, fita adesiva, papel alumínio,
livros, prateleiras, pôsteres, vídeos de Lascaux, manequins, lates, tubos de luz fluorescentes.
Concluí que sempre vira a pintura como um ser vivo. A tinta (acrílica, óleo ou
esmalte) molhada, em sua variação entre o líquido, o viscoso e o pastoso, remete-me a
secreções do corpo. Quando seca, forma uma película que se assemelha à pele. Outros
materiais, como o silicone, o látex, a cola branca e a vaselina provocam associações
semelhantes devido à sua consistência quando úmidos e depois de secarem (com excessão
à vaselina que não seca completamente). Elizabeth Sharek comenta a sugestão de corpo
presente no trabalho de artistas em função da tactilidade dos materiais que empregam:
38
Os trabalhos em látex de Eva Hesse e Louise Bourgeois, as instalações de Ernesto
Neto e os relevos de cera de Lynda Benglis, englobam uma forma poderosa de não-
representação de corporalidade sugerida através do emprego de tais materiais. A
presença visual mais óbvia do corpo é alterada pelo apelo adicional ao toque. O toque
se torna o caprichoso elemento que desestabiliza a noção da obra de arte existente
no domínio puramente visual. [...] A superfície lustrosa da cera e a substância
emborrachada do látex nos trabalhos de Benglis e Bourgeois geram uma ambígua
tensão entre o táctil e o visual, exibindo um ‘sedutor entrelaçamento do incômodo e
do prazeroso’ (Sharek, 2007, p.6, tradução minha)
Fig.22- Eva Hesse, Tori, 1969. Fibra Fig.23- Louise Bourgeois, Le Regard, 1966. Látex e
de vidro, resina de poliéster, tela de tecido
arame. 119,4 x 43,2 x 38,1 cm
Fig.24- Lynda Benglis, Karen, 1972. Fig.25- Ernesto Neto, Família humanóide, 2001
Encáustica sobre madeira. 91,4 x 12,7 Poliamida, veludo, lavanda, isopor. Dimensões
x 7,6 cm variáveis
39
Rachel De Joode trabalha a tactilidade de materiais que remetem à pele. Em objetos
que misturam escultura e fotografia, reunindo a imagem do material e o material em si,
discute fisicalidade e virtualidade (fig. 26-27).
Parte da minha pesquisa é fotografar texturas do cotidiano que me instigam pela
‘corporalidade’ que possuem. A fotografia foi o meio que experimentei que, já no início
revelava meu interesse pelo táctil, como pode ser visto nas figuras 28 a 31. Interesso-me
pelas aproximações hápticas na superfície de objetos, seres, alimentos (fig. 32-35). Esses
registos conduziram-me ao recurso de busca do Google, em que é possível buscar
imagens na internet pela semelhança visual a partir de outra existente (fig. 36-37).
Instiga-me as reações que certas texturas despertam em nós, num fascínio que envolve
atração e repulsa. Essa sensação ambígua remete-nos ao comentário de Jean-Paul Sartre
sobre a viscosidade:
Separo as mãos, quero largar o viscoso e ele adere a mim, me sorve, me aspira; seu
modo de ser não é nem a inércia tranquilizadora do sólido, nem um dinamismo como
o da água, que se exaure fugindo de mim: é uma atividade mole, babosa e feminina
de absorção; vive obscuramente entre meus dedos, e sinto uma espécie de vertigem;
atrai-me como poderia atrair-se o fundo de um precipício. Há uma espécie de
fascinação tátil do viscoso. (Sartre, 2011, pp. 742-743)
Fig.26- Rachel de Joode, Sculpted Human Fig.27- Rachel de Joode, Allotrope (II), 2014
Skin in Rock (I), 2014 Impressão digital Impressão digital em acrílico e pedestal 168 ×
sobre Alu-Dibond, mármore. 117 × 90 × 124 × 40 cm
35 cm
40
Fig. 28-31- Carolina Marostica, 2011.
Registros de texturas. Fotografia digital
41
Figs. 34-35- Carolina Marostica, 2016.
Registos de experimentos com materiais.
Fotografia digital
42
.
Samara Scott (fig. 38-41) também une registros fotográficos de texturas com forte
apelo táctil aos materiais em si, aludindo à fisicalidade corporal. Interessa-me a maneira
que a artista se apropria de materiais industrializados, já saturados de uso cotidiano e os
reconfigura para ativar nossos corpos. Ela afirma ter interesse por materiais que
transmitem a sensação daquilo «que se sente ao estar em um corpo, vivo, ser essa coisa
biológica carnosa e transpirante» (Scott, in Scott & Wade, 2015 p. 121, tradução minha)
e comenta:
43
Fig.40- Samara Scott, Plebs, 2014. Fig.41- Samara Scott, Plebs (detalhe)
Espuma de poliuretano, água, aguarela,
spaguetti, verniz de unhas, missangas,
feijões, castanhas.
Em meu trabalho vejo, para além das substâncias líquidas e viscosas, uma alusão
ao corpo em outros materiais caracterizados pela moleza. O mole remete à carne. Diante
de um material macio, somos impelidos a apertá-lo. Esse impulso de tocar as superfícies
é determinante em meu processo.
Entretanto, não faz parte do projeto propiciar uma experiência interativa entre o
espectador e o objeto. Em função da atração que as peças despertam, fui questionada
sobre o porquê de não propor essa interação. Ainda que não veja as obras em pedestais,
interessando-me que o observador se sinta próximo delas, acredito que parte da potência
do trabalho está na tensão que surge a partir da vontade de tocar e sua não concretização.
A pessoa vivencia a sensação de acordo com suas memórias, associações. É menos por
um receio de dessacralização da obra, do que pela alteração da experiência do observador,
que não incoporo a interatividade. Ernesto Neto fala a respeito de como em suas obras a
tactilidade não está limitada à concretização física do desejo:
Em relação à dinâmica participativa, devo dizer que não acho que todas as obras
tenham de ser participativas. Realizei muitas obras em que a participação não se
traduz numa ação física, mas em um processo interno e intrínseco já que existe uma
tactibilidade, os elementos relacionam-se e manifestam as suas propriedades, as suas
intimidades, de forma táctil. (...) Enfim quero dizer que as pessoas devem se
relacionar com a obra e isso não significa necessariamente que a relação se traduza
em tocar a obra. (Neto in Neto & Pereira, 2001, p.291)
44
fazer sentido por lembrar uma sobrancelha. Uma protuberância, pode remeter a um nariz,
um dedo, um braço, a uma perna ou um pé, conforme a posição no suporte. Vejo na
pelúcia, por mais artificial que seja, a sugestão do animal. Em função disso, nos primeiros
trabalhos em que a utilizei como suporte para uma pintura-objeto20, pareceu-me evidente
que deveria denominá-los Bichos (fig. 42-44). Enquanto crio estes ‘seres’, observo-os
com uma mistura de riso e estranhamento. Trata-se de sugerir corpos, não os representar.
Fig. 42- Carolina Marostica, Sem título (Série Bichos), 2013. Acrílica, óleo, silicone e vaselina sobre pelúcia.,
60x32 cm
Fig. 43- Carolina Marostica, Sem título, 2013 (Série Bichos). Acrílica, óleo, vaselina, silicone e pelúcia.
63x13
20
Utilizo o termo pintura-objeto para aqueles trabalhos que se situam entre a pintura e o objeto. Por serem
frontais, estarem na parede e terem na cor um dos elementos principais, identificam-se com o campo
pictórico. Por outro lado, a irregularidade do suporte e seus volumes, enfatizam a objectualidade.
45
Fig. 44- Carolina Marostica. Sem título, 2015 (Série Bichos). Acrílica, óleo, silicone, espuma de poliuretano,
pelúcia, plástico, esponja, EVA, papel vegetal, tela, fibra de vidro e resina.
Penso que este aspecto cômico se relaciona a uma maneira de tratar a arte que se
afasta aos ideais kantianos de sublime, que envolvem distanciamento e transcendência.
Desejo criar objetos que gerem aproximação, conscientizando o espectador de seu corpo.
Interessa-me que a maneira lúdica com que lido com os materiais transpareça nos objetos
finais, contribuindo para a romper a frieza da relação obra de arte-espectador. Essa atitude
aproxima-se ao pop e remete ao statement de Claes Oldenburg:
Sou a favor de uma arte que se enreda nas porcarias do cotidiano e ainda assim sai
por cima
Sou a favor de uma arte que imita o humano, o cômico, se necessário, ou o
violento, ou qualquer coisa que seja necessária
Sou a favor de toda a arte que tira sua forma das linhas da vida em si mesma, que
se torce, extende e acumula e cospe e pinga, e que é pesada e grosseira e brusca e
doce e estúpida como a vida em si mesma. (Oldenburg, in Selz & Stiles, 1996,
p.335, tradução minha)
Recentemente, materiais que não os rígidos têm começado a aparecer. Oldenburg foi
um dos primeiros a usar esse tipo de materiais. Uma investigação direta das
propriedades desses materiais está em progresso. Isso envolve uma reconsideração
do uso de ferramentas em relação ao material. Em alguns casos essas investigações
vão da construção das coisas até a contrução do próprio material. Às vezes ocorre a
manipulação direta de um dado material sem o uso de qualquer ferramenta. Nesses
casos, considerações quanto á gravidade se tornam tão importantes quanto aquelas
de espaço. O foco na matéria e na gravidade como meios resulta em formas que não
foram antecipadamente projetadas. Considerações de ordem são necessariamente
casuais e imprecisas e não enfatizadas. Amontoamento ao acaso, empilhamento
desordenado, suspensão, dão forma ao material. Aceita-se o acaso e emprega-se
indeterminância, substituindo intenção e resultado em outra configuração.
Desengajamento com formas duradouras preconcebidas e ordem para as coisas é
uma afirmação positiva. É parte da recusa do trabalho continuar estetizando a forma
lidando com ela através de um fim prescrito. (Morris, 1993, p.46, tradução minha).
47
Fig.45- Eva Hesse. Contingent, 1969. Látex, gaze e Fig. 46- Claes Oldnburg. Soft light switches, 1964.
fibra de vidro. 350 x 630 x 109 cm Vinil e poliéster. 119,4 x 119,4 x 9,2 cm.
Fig. 47- Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis.
48
Fig. 48- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis
Fig. 49- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
49
Fig. 50- Carolina Marostica, 2015. Registro do processo.
Relaciono a percepção das pinturas e objetos como seres vivos a uma tendência
de vislumbrar animação em objetos inanimados. Uma cadeira, um extintor, um saco, ou
uma vassoura, em dado momento podem aparentar animação. É como se tudo ao meu
redor fizesse-se corpo. Os objetos tornam-se simultaneamente mais estranhos e mais
próximos a nós. Essa ideia relaciona-se ao conceito freudiano de Unheimliche21, que
abrange uma ambiguidade que se faz presente quando não sabemos se algo é animado ou
inanimado. O conceito surge no texto O Inquietante (tradução brasileira do alemão Das
Unheimliche), de 1919, e é um dos textos freudianos mais influentes no campo das artes
visuais. Nele, Freud afirma que a origem dessa sensação estaria ligada a crenças do
21
Na palavra alemã Unheimliche, ‘un’ quer dizer não e ‘heimliche’, familiar. Assim, um dos significados
de Unheimliche seria não familiar. Outras definições ligam-na ao que é perturbador, inquietante, estranho,
assustador. Investigando a complexidade de significados da palavra, Freud conclui que Unheimliche, ainda
que seja por definição o não familiar, está intimamente ligado ao que outrora foi familiar. Ele afirma «o
inquietante (Unheimliche) é aquela espécie de coisa assustadora que remonta ao que é há muito conhecido,
ao bastante familiar» (Freud, 1919, p. 249) Unheimliche é o que foi uma vez familiar e deixou de ser e,por
permancer fora do alcance da nossa consciência, ao retornar, através de uma imagem ou evento externo;
torna-se estranho. «Unheimlich seria tudo o que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu» (Freud,
O Inquietante, 1919, p.254 »
50
homem primitivo, mas que ainda estariam presentes em alguns de nós de maneira
inconsciente. Essas estariam conectadas ao animismo, ou seja, ao preenchimento do
mundo com espíritos humanos:
Parece que todos nós, em nossa evolução individual, passamos por uma fase
correspondente a esse animismo dos primitivos, que em nenhum de nós ela
transcorreu sem deixar vestígios e traços ainda capazes de manifestação, e que tudo
o que hoje nos parece “inquietante” preenche a condição de tocar nesses restos de
atividade psíquica animista e estimular sua manifestação. (Freud, 1919, p. 268)
Fazer arte enfatiza a relação que temos com os objetos no mundo, sempre notando
essa ou aquela qualidade. No sentido de sentir de estar acompanhado por coisas
inanimadas, de modo semelhante à maneira que os povos antigos se sentiam
conectados à natureza, sentindo que não estavam sozinhos, a qual ainda é possível
hoje. Mas, na ausência de um ambiente natural, pode essa relação pode ser forçada
a partir de um ambiente artificial. (Sarah Lucas in Beatrix Ruf, Sarah Lucas, 2005,
pp.29-30, tradução minha)
51
Fig.52- Dorothea Tanning, Rainy Day Canapé, 1970.
Tweed, sofá de madeira, bolas de ping-pong e papel
Fig. 51- Hans Bellmer, La poupée, 1936.
cartão, 81,9 x 174 x 109.9 cm
Fotografia pintada à mão, 14,2 x 14,5 cm
Fig. 53- Sarah Lucas, Nud cyclatic 9, 2010. Nylon, Fig.54-Sarah Lucas, Bitch, 1995. T-shirt, mesa, melões,
fibra sintética, concreto, aço e arame, 53.3 × 62.2 × 61
cm peixe embalado a vácuo, 80.5 x 101.5 x 64 cm
52
A semelhança de algumas formas a intestinos, nos tubos, meias, entre outros
materiais cilíndricos que utilizo, também pode ser fonte de perturbação (fig.44). Por
desempenhar uma função de transição daquilo que entra e sai do nosso corpo, desafiando
a barreira que nos separa do mundo externo, o trato digestivo perturba nossa sensação de
ordem. Entretanto, o incômodo relaciona-se à parte interna do corpo de um modo mais
amplo. Essa remete para aquilo que não conhecemos e, assim, ao que não temos total
controle. William Kentridge compara a superfície de nossos corpos a do mar: «Nadamos
no alto, mas temos medo do que é molhado, viscoso, do que existe abaixo» e prossegue:
«a alteridade de nossas entranhas e a distância de nossa pele diária, de certa forma, aludem
a outras partes de nós que estão sob nosso controle e partes que, esperamos, continuarão
em seu rumo, na melhor das hipóteses.» (Kentridge, 2012, p. 302)
Em meu trabalho, a relação entre interior e exterior do corpo aparece também em
uma série de operações que realizo ao envolver superfícies com plásticos (fig. 55-56).
Esses revestem ao mesmo tempo que deixam ver o que está por baixo. Em outros casos,
encho meias, luvas, sacos e deixo escapar o que há dentro, dando a ideia de que algo está
sendo expelido. Essas ações reforçam a sensação de fragilidade do invólucro, remetendo
à pele. A epiderme funciona como tecido contentor, mas também deixa-se penetrar,
liberando o que contém. Essa fragilidade é metáfora da vitória do corpo e do que ele
representa (do animal, do irracional) sobre a assepsia da razão que julga tudo controlar.
Revela a impotência do homem e por isso o aterroriza.
Fig. 55- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (vista parcial). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
53
Fig. 56- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (etalhe). Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
22
O termo recalque foi escolhido no Brasil para traduzir a palavra alemã Verdrängung. Conforme consta
no dicionário de Psicanálise «o recalque designa o processo que visa a manter no inconsciente todas as
ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do
funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer. Freud, que modificou
diversas vezes sua definição e seu campo de ação, considera que o recalque é constitutivo do núcleo original
do inconsciente. No Brasil também se usa “recalcamento”» (Plon & Roudinesco, 1998, p. 647). Plon e
Roudinesco apontam a necessidade de não confundir esse termo com a palavra repressão, já que no inglês
o termo alemão foi traduzido como repression. Repressão, no vocabulário psicanalítico seria «a inibição
voluntária de uma conduta consciente (...)uma operação psíquica que tende a suprimir conscientemente
uma idéia ou um afeto cujo conteúdo é desagradável.»(ibidem, p. 659).
54
forma distante de fezes, é porque mantemos essa semelhança longe da nossa consciência,
já que, após a ingestão, o alimento é transformado em excremento. Evitamos aquilo que
remete ao interior do corpo, pois este atesta nossa fisicalidade, que é testemunho da
finitude.
Ao mesmo tempo em que trabalho com a organicidade de certos materiais, lido com
a artificialidade que possuem. Esta liga-se tanto à origem industrializada, quanto às suas
cores. O fato de um plástico de cor fluorescente remeter a um corpo, gera uma estranheza
que me interessa. Trata-se de uma dissolução de fronteiras que confunde,
desestabilizando nossa relação com o mundo. Esse embaçamento entre artificial e natural
remete ao universo de ficção científica. Liga-se às criaturas dos filmes de terror de David
Cronenberg (fig. 57-58) e às imagens de extraterrestres do cinema (fig. 59). No caso dos
alienígenas, tratam-se de criaturas estranhas, repulsivas, que representam para nós o
‘outro’, ou seja, o que está fora. No entanto, guardam semelhanças com o ser humano na
maneira de comportarem-se e na aparência, fazendo com que nos enxerguemos nelas e,
novamente, colocando em questão as barreiras que traçamos entre nós e o mundo.
Fig. 57 e 58- Stills do filme Videodrome (1983), dirigido por David Cronenberg
55
3.3. Habitat, organismo
56
Fig. 60 e 61- Registros de intervenções no ateliê.
Fig. 62- Carolina Marostica, Degrau, 2012. Instalação. Dimensões variáveis. Objeto: Vaselina, tinta
acrílica e plástico filme. 15x10x12 cm (aprox.)
57
(fig. 63-64). Na falta de recursos, criam-se o que chamamos de gambiarras23. Estas foram
registradas pelo artista Cao Guimarães (fig. 65) em uma série fotográfica. Hélio Oiticica
era fascinado pelo modo que a favela se construía, levando isso para o pensamento
pictórico. Na atualidade, encontramos artistas que se utilizam desse tipo de solução
construtiva em instalações e objetos, como é visível em obras de Jessica Stockholder (fig.
66).
23
Gambiarras são soluções precárias, improvisações, para solucionar um problema, funcionando como
paliativos, remendos.
58
Fig. 65- Cao Guimaraens, Gambiarra. 2000-2014. Série fotográfica (work in progress), 127 fotografias. Dimensões
variadas
Fig.66- Jessica Stockholder, Sem título (2006). Mobiliários, lacres de plástico, máquina de escrever, pesos, espuma de poliuretano,
tinta acrílica, tinta óleo, pedaços de plástico, rodas, tecido, tela, cadeira, curtina de banho,braçadeiras de madeira, lustre, lâmpada,
hardware de metal e cabo de metal, lustre de luz fluirescente e bateria. Instalação: 124” x 44”× 71
59
As relações que surgem dessa proximidade determinam as ações seguintes.
Percebo um impulso em preencher o espaço de modo a gerar uma continuidade entre os
objetos, formando uma espécie de tecido. Penso que este modo de construir relaciona-se
com o da Merzbau (fig. 67), conforme comenta Erika Suderburg: «A Merzbau de Kurt
Schwitters(1920-43) exemplifica essa mutação do objeto em environment. Crescendo a
partir de uma assemblage anterior, ‘Collumn of erotic mistery’, a qual Schwitters
construiu na sua própria sala de estar, a Merzbau era literalmente uma instalação viva»
(Suderburg, 2000, p.11, tradução minha). Gero uma instalação espontânea, no sentido de
ela se formar a partir de um conjunto de partes pensados inicialmente de modo autônomo,
mas que, conforme se multiplicam, conectam-se. Cria-se um habitat de seres imaginários,
que formam um corpus. Esse corpo é vivo: transforma-se continuamente, podendo
crescer até que o espaço não mais o comporte24. Um ser em ebulição, derramando-se no
espaço. Um corpo em excesso.
24
Penso que essa característica do meu trabalho se aproxima ao conceito de work in progress. Por esse
motivo, creio que as condições expositivas ideais seriam a de uma residência artística, com possibilidade
seguir trabalhando na obra mesmo ela já estando exposta. Meu trabalho exige um tempo de acúmulo que
dificulta sua montagem em condições tradicionais de exposição. No momento não consigo planejar as
instalações de modo a adaptá-las ao espaço expositivo, já que surgem vinculadas ao sítio de origem. Desse
modo, quando monto uma instalação com pouco tempo, sinto que ela não consegue aderir semanticamente
ao local, pois não houve tempo para surgirem situações específicas que ocorrem na rotina de ateliê e que
são fundamentais para o trabalho. Faz-se necessário desenvolver estratégias para que essas situações
ocorram mesmo com um tempo curto de construção no espaço, ou então simular esse tipo de situação.
60
61
.
Fig. 68-69- Carolina Marostica, Sem título, 2015 (in progress). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Registro feito em junho de 2015
62
63
Fig. 70-72- Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis. Registro feito em
junho de 2015
O globo terrestre está coberto de vulcões que lhe servem de ânus. Ainda que este
globo não coma nada, ele despreza expelindo, por vezes, o conteúdo de suas
entranhas. Este conteúdo jorra estrondosamente escorrendo nas encostas do Jésuve,
espalhando por toda parte o terror e a morte. (Bataille, 1986, p. 8)
64
sobre mim. Conforme cresce no espaço, engole-me. Desejo que aquele que o frua sinta-
se envolvido por ele.
Conforme fui desvendando a dinâmica desse modus operandi, percebi que,
quanto mais conseguisse assumir um estado de não racionalização do que estivesse
fazendo, mais potente seria o resultado. Quando atinjo esta imersividade, sinto não saber
o que estou fazendo, mas, ao mesmo tempo, tenho a convicção de que é a única maneira
que o trabalho pode acontecer. A intensidade do resultado é proporcional a intensidade
da entrega. Vejo minha maneira de trabalhar como uma urgência frente à racionalidade e
à assepsia que predominam no mundo hoje. Trata-se de anseio por retornar a um estado
primitivo, trazer o recalcado à superfície. Identifico-me com a descrição da obra de Franz
West feita por Lynne Cooke. Para ele, essas «denunciam um afastamento do canónico,
do definitivo e normativo assinalam um inexorável desvio do ideal» podendo ser descritas
através dos adjeitvos:
Penso que, com o crescimento vertiginoso da tecnologia e do papel que ela ocupa
em nosso cotidiano, faz-se urgente falar do corpo. Nossa relação com ele está
definitivamente alterando-se. Estamos mais assépticos e mais virtuais. A velocidade que
vivemos não corresponde ao ritmo orgânico. O mundo está mais limpo e distante das
entranhas, nossa pele, mais uniforme e modificada. Entretanto, contrastando com a
racionalidade ordenadora que exalta uma estética clean, é indiscutível que o cenário
contemporâneo é uma paisagem de excesso. Vejo nos trabalhos de Samara Scott e de
Rachel De Joode indícios disso. O asséptico torna-se estranho e monstruoso no caso da
primeira: as peças são limpas e ordenadas, mas há um aspecto de aberração que as torna
incômodas e até assustadoras. Em Scott, os produtos de higiene misturam-se ao lixo em
um caldo que tudo absorve. Na obra dessas artistas, tenho a sensação de estar diante de
uma revolta da ordem que criamos. O feitiço volta-se contra o feiticeiro: o pesadelo da
tecnologia, a ressaca da higiene.
65
3.3.1 O corpo que vivencia: um olhar de dentro
25
Denomino instalações habitats/organismos, para enfatizar a diferença dessas em relação àquelas em que
consistem na montagem das peças em um espaço expositivo, sem que haja imersividade e alteração
significativa do espaço da galeria. Mesmo que, atualmente, ao instalarmos obras de arte, sempre pensemos
nas características do sítio e no olhar daquele que o percorrerá e assim pensemos todas as montagens como
instalações, trata-se de uma situação distinta daquela em que fazemos alterações significativas no ambiente
em que o observador tem a sensação de estar dentro de uma obra.
66
Algumas configurações instalativas reforçam a sensação de imersão e,
consequentemente, a indistinção do espectador em relação ao ambiente. As cavernas são,
nesse sentido, referências para instalações ao longo da história da arte. A própria Merzbau
pode ser pensada como caverna. Recentemente, há casos mais explícitos, como a A
Cavemanman (fig. 21) de Thomas Hirschhhorn, ou A origem do terceiro mundo (figuras
73-74), de Henrique de Oliveira. Essa última, numa citação a Courbet, aborda a caverna
como útero, sendo a entrada da instalação semelhante à abertura vaginal, situação
explorada anteriormente na escultura por Niki de Saint Phalle (fig. 75). Nas Naves de
Ernesto Neto (fig. 76-77), a ideia do útero se faz presente pelas «superfícies curvilíneas,
luz abafada e arredores macios que fazem o espectador sentir-se quase flutuante» (Wilson,
2010, p.25, tradução minha). Ao penetrar esses espaços, ele pode sentir aconchego e
proteção, bem como a sensação de ser engolido e absorvido pela obra (cf. Wilson, op.cit.,
p. 25). A obra Valkyrie Azulejo de Joana Vasconcellos (fig. 78-79), com seu aspecto
imersivo e suas formas orgânicas também sugere uma atmosfera uterina.
Fig. 73-74- Henrique Oliveira- A origem do terceiro mundo, 2010. Madeira, madeira compensada, PVC
e metal. 4,9 x 45 x 5 m.
67
Fig. 75- Niki de Saint Phalle, Hon-en-katedral, 1966.
Fig. 76-77- Ernesto Neto. Célula Nave (It happens in the body of time, where thuth dances). Areia,
poliamida Museum Boijmans Van Beuningen, 2004 installation, collection Boijmans
68
Fig. 78- 79- Joana Vasocncelos, Valkyrie Azulejo. 2013. Croché em lã feito à mão, aplicações
em feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, fonte de alimentação Dimensões variáveis
Em meu trabalho, a ideia de caverna atrai-me por sua capacidade de criar maior
envolvimento físico do espectador, como pode ser visto em Knowing by Tearing Apart
(fig. 80-83) A sensação de imersão que busco gerar remete a um sentimento ambivalente
de medo e desejo de regressar a uma continuidade com o entorno. Relaciona-se com a
ideia de um corpo com fronteiras frágeis, corpo permeável e transbordante.
69
70
71
Fig. 80-83- Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
72
3.4. Projeto para instalação a ser apresentada no momento da discussão da
dissertação
73
74
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76
77
78
Fig. 84-94- Carolina Marostica, Mergulho/
transbordar ao avesso, 2016. Sacos
plásticos, fita adesiva, luvas vinílicas,
espuma, rede de jardinagem, spaghetti de
piscina, bolas de vinil, collants, esferovite
e material de isolamento de tubulações.
Instalação. 238 x 165 x 110 cm aprox..
79
Considerações finais
80
possibilidade negativa e um acaso possível, tentamos situar nossa humanidade de
homens» (Gil, 2006, p. 12). Assim, creio que, em uma investigação futura, a relação da
monstruosidade com minhas obras pode ser aprofundada.
Outras questões permearam a investigação, não sendo tratadas com centralidade,
como ocorre com aspectos em torno da noção de feminino. Estes aparecem em vários
momentos da dissertação, ao relacionarem-se ao que contrapõe a ordem hegemônica,
situando-se no polo oposto do que a hierarquia estabelecida valoriza. A ideia da mulher
como ser instável e a ameaça que isso provoca no mundo falocêntrico interessa este
estudo em sua dimensão teórica. Entretanto, como a ênfase desta pesquisa é o meu
trabalho prático, privilegiei questões que fossem mais relevantes à sua compreensão.
Penso que explorar o conceito de feminino não é tão pertinente nesse sentido.
No curso da pesquisa, deparei-me com teorias que dialogam com minhas ideias,
podendo apontar novos rumos para a pesquisa. Entretanto, reconhecendo a complexidade
delas assumi que abordá-las superficialmente seria improdutivo e até mesmo arriscado.
Refiro-me a autores que contestaram o platonismo. Dentre esses, destaco Nietzsche,
Walter Benjamin, Foucault e Deleuze.
Não me propus a comprovar hipóteses e assim, chegar a uma conclusão esperada,
mas a caminhada trilhada durante a realização deste estudo me permitiu atingir resultados
antes não suspeitados. Esta investigação possibilitou uma sistematização de ideias a
respeito da minha prática, bem como do campo da arte de um modo mais amplo. Intuições
foram fundamentadas ou descartadas. Por isso finalizo-a com mais caminhos abertos que
quando começara. Penso que certezas são contraprodutivas ao ato criativo, sendo a dúvida
o que o move.
81
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Índice de imagens
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4. Judy Pfaff, Enter the dragon, 2012. Arames, plásticos e papéis variados, lanternas
chinesas, guarda-chuva, ventilador e matéria orgânica. 210,82 x 279,4 x 53,34 cm.
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http://www.brunodavidgallery.com/detail.cfm?id_img=2992&id_artist=127
5. Beatriz Milhazes, Meu limão, 2000. Acrílica sobre tela. 248,9 x 318,8 cm. [citada a
2016-10-19] disponível em https://artelocalizada.wordpress.com/2012/11/16/meu-
limao/
6. Susana Rocha, Paisagens Atemporais #4, 2012. Acrílico sobre tela 60x50 cm. [citada
a 2016-10-19] disponível em http://susanavrocha.blogspot.com.br/search?updated-
max=2013-04-25T13:51:00-07:00&max-results=100&start=12&by-date=false
7. Susana Rocha, Paisagens Atemporais #4, 2012. Acrílico sobre tela 60x50 cm.
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http://susanavrocha.blogspot.com.br/search?updated-max=2013-04-25T13:51:00-
07:00&max-results=100&start=12&by-date=false
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em suporte de alumínio e madeira. 220 x 290 x 70 cm [citada a 2016-10-19]
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14. Carolina Marostica, Sem título (série Bichos), 2012. Acrílica,esmalte, pelúcia e
cartão. 80x50cm. Arquivo pessoal da artista
15. Carolina Marostica, Sem título, 2012. Acrílica e silicone. Dimensões variáveis.
Arquivo pessoal da artista
16. Jessica Stockholder, Vortex in the Play of Theatre with Real Passion, 2000. Duplo,
Cortina de teatro, containers, banco, luz de teatro, linóleo, pele, mesas, jornal, tecido
e tinta. [citada a 2016-10-19] disponível em https://s-media-cache-
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https://lisson.s3.amazonaws.com/uploads/attachment/image/body/32/CRUZ040023_
1.jpg
19. Ian Daveport, Guidi Gallery wall painting, 2012 [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.iandavenportstudio.com/artworks/categories/6/9459/
20. Tony Oursler, Bound Interrupter, 2012. Duas projeções de vídeo, mixed media, som.
Dimensões variáveis. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.visionaireworld.com/blog/wp-content/uploads/2014/05/to3.jpg
21. Thomas Hirschhorn, Cavemanman, 2002. Instalação: madeira, papel cartão, fita
adesiva, papel alumínio, livros, prateleiras, pôsteres, vídeos de Lascaux, manequins,
lates, tubos de luz fluorescentes. [citada a 2016-10-19] disponível em
https://jacquettawang.files.wordpress.com/2014/11/agambiarra.jpg
89
22. Eva Hesse, Tori, 1969. Fibra de vidro, resina de poliéster, tela de arame. 119,4 x 43,2
x 38,1 cm. [citada a 2016-10-19] disponível em
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23. Louise Bourgeois, Le Regard, 1966. Látex e tecido. [citada a 2016-10-19] disponível
em http://www.radford.edu/rbarris/Women%20and%20art/bourgeoisgaze.jpg
24. Lynda Benglis, Karen, 1972. Encáustica sobre madeira. 91,4 x 12,7 x 7,6 cm. [citada
a 2016-10-19] disponível em https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/originals/5d/96/c6/5d96c67a5a28641c1108fd160adc1ba7.jpg
25. Ernesto Neto, Família humanóide, 2001 Poliamida, veludo, lavanda, isopor.
Dimensões variáveis [citada a 2016-10-19] disponível em https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/236x/c1/c7/d4/c1c7d43727e84c3fade8a4c48de8c775.jpg
26. Rachel de Joode, Sculpted Human Skin in Rock (I), 2014 Impressão digital sobre Alu-
Dibond, mármore. 117 × 90 × 35 cm. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.racheldejoode.com/img/work4.jpg
27. Rachel de Joode, Allotrope (II), 2014 Impressão digital em acrílico e pedestal 168 ×
124 × 40 cm [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.racheldejoode.com/img/racheldejoode_works_2015.pdf
28. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.
29. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.
30. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.
31. Carolina Marostica, 2011. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista.
32. Carolina Marostica, 2015. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista
33. Carolina Marostica, 2015. Registros de texturas. Fotografia digital. Arquivo pessoal
da artista
90
36. Printscreen de busca de imagens visualmente semelhantes no Google. Acervo
pessoal da artista.
38. Samara Scott, Lonely Planet, 2014. Cimento, água, tinta óleo, aguarela, corante
alimentar, esmalte de unhas, refrigerantes, tinta spray, areia, argila, terra, sombra de
óleos, embalagens e mixed media. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.leiaasmeninas.com.br/wp-content/uploads/2015/10/Frieze-Samara-
Scott.jpg
39. Samara Scott, Lonely Planet, 2014 (detalhe). Cimento, água, tinta óleo, aguarela,
corante alimentar, esmalte de unhas, refrigerantes, tinta spray, areia, argila, terra,
sombra de óleos, embalagens e mixed media. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.thesundaypainter.co.uk/wp-content/uploads/121.jpg
40. Samara Scott, Plebs, 2014. Espuma de poliuretano, água, aguarela, spaguetti, verniz
de unhas, missangas, feijões, castanhas.[citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.studiointernational.com/images/articles/s/scott-samara-2015/7-Samara-
Scott-Plebs,-2014.jpg
41. Samara Scott, Plebs, 2014. (detalhe). Espuma de poliuretano, água, aguarela,
spaguetti, verniz de unhas, missangas, feijões, castanhas.[citada a 2016-10-19]
disponível em http://www.thesundaypainter.co.uk/wp-content/uploads/9.-Samara-
Scott-Plebs-2014-Insulation-foam-water-watercolour-spagetti-noodles-nail-varnish-
beads-beans-nuts-detail1.jpeg
42. Carolina Marostica, Sem título (Série Bichos), 2013. Acrílica, óleo, silicone e vaselina
sobre pelúcia., 60x32 cm. Arquivo pessoal da artista
43. Carolina Marostica, Sem título, 2013 (Série Bichos). Acrílica, óleo, vaselina, silicone
e pelúcia. 63x13. Arquivo pessoal da artista
44. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (Série Bichos). Acrílica, óleo, silicone, espuma
de poliuretano, pelúcia, plástico, esponja, EVA, papel vegetal, tela, fibra de vidro e
resina. Arquivo pessoal da artista.
45. Eva Hesse. Contingent, 1969. Látex, gaze e fibra de vidro. 350 x 630 x 109 cm [citada
a 2016-10-19] disponível em
http://nga.gov.au/international/catalogue/Detail.cfm?IRN=49353
46. Claes Oldnburg. Soft light switches, 1964. Vinil e poliéster. 119,4 x 119,4 x 9,2 cm.
[citada a 2016-10-19] disponível em http://newabstraction.net/wp-
content/uploads/2013/08/switches.jpg
91
47. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015 (detalhe). Instalação: técnica
mista, dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista
48. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Arquivo pessoal da artista
49. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (detalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Arquivo pessoal da artista
51. Hans Bellmer, La poupée, 1936. Fotografia pintada à mão, 14,2 x 14,5 cm. [citada a
2016-10-19] disponível em http://larepubliquedeslivres.com/wp-
content/uploads/2014/01/hans_bellmer_les_jeux_de_la_poupee_vers_1939_d54863
17h.jpg
52. Dorothea Tanning, Rainy Day Canapé, 1970. Tweed, sofá de madeira, bolas de ping-
pong e papel cartão, 81,9 x 174 x 109.9 cm [citada a 2016-10-19] disponível em
https://unframed.lacma.org/sites/default/files/attachments/rainy-day-canape-ex-
2424-161.jpg
53. Sarah Lucas, Nud cyclatic 9, 2010. Nylon, fibra sintética, concreto, aço e arame, 53.3
× 62.2 × 61 cm [citada a 2016-10-19] disponível em
http://images.metmuseum.org/CRDImages/ma/web-large/Lucas.2014.jpg
54. Sarah Lucas, Bitch, 1995. T-shirt, mesa, melões, peixe embalado a vácuo, 80.5 x
101.5 x 64 cm [citada a 2016-10-19] disponível em http://www.themilanese.com/wp-
content/uploads/2014/10/Sarah-Lucas-artist-Bitch-1995-high-res-1542x1881.jpg
55. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (vista parcial). Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista
56. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (etalhe). Instalação: técnica mista, dimensões
variáveis. Arquivo pessoal da artista
57. Still do filme Videodrome, dirigido por David Cronenberg [citada a 2016-10-19]
disponível em
http://www.gablescinema.com/media/filmassets/slides/Videodrome_2.png
58. Still do filme Videodrome, dirigido por David Cronenberg [citada a 2016-10-19]
disponível em https://jcplikesfilms.files.wordpress.com/2013/11/videodrome-1.jpg
59. Still do filme Alien (1979), dirigido por Ridley Scott. [citada a 2016-10-19] disponível
em http://static.srcdn.com/slir/w570-h239-q90-c570:239/wp-content/uploads/alien-
movie-still.jpg
65. Cao Guimaraens, Gambiarra. 2000-2014. Série fotográfica (work in progress), 127
fotografias. Dimensões variadas. [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.caoguimaraes.com/foto/gambiarras/
66. Jessica Stockholder, Sem título (2006). Mobiliários, lacres de plástico, máquina de
escrever, pesos, espuma de poliuretano, tinta acrílica, tinta óleo, pedaços de plástico,
rodas, tecido, tela, cadeira, curtina de banho,braçadeiras de madeira, lustre, lâmpada,
hardware de metal e cabo de metal, lustre de luz fluirescente e bateria. Instalação:
124” x 44”× 71 [citada a 2016-10-19] disponível em
http://www.stephaniebuhmann.com/Stockholder.jpg
68. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (in progress). Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista
69. Carolina Marostica, Sem título, 2015 (in progress). Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista
70. Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista
71. Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista
72. Carolina Marostica, Sem título, 2015. Instalação: técnica mista, dimensões variáveis.
Registro feito em junho de 2015. Arquivo pessoal da artista
73. Henrique Oliveira- A origem do terceiro mundo, 2010 (vista parcial) Madeira,
madeira compensada, PVC e metal. 4,9 x 45 x 5 m. [citada a 2016-10-19] disponível
em
http://1.bp.blogspot.com/_WI8iESvLN_E/TTAmZsPMSOI/AAAAAAAABEI/gqc1
93
h6jngYA/s1600/henrique%2Boliveira_a%2Borigem%2Bdo%2Bterceiro%2Bmundo
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76. Ernesto Neto. Célula Nave (It happens in the body of time, where thuth dances). Areia,
poliamida Museum Boijmans Van Beuningen, 2004 installation, collection Boijmans
[citada a 2016-10-19] disponível em
http://img.scoop.it/1X0DFMJ7QEWoJhO4hwAoIjl72eJkfbmt4t8yenImKBVvK0kT
mF0xjctABnaLJIm9
77. Ernesto Neto. Célula Nave (It happens in the body of time, where thuth dances). Areia,
poliamida Museum Boijmans Van Beuningen, 2004 installation, collection Boijmans
[citada a 2016-10-19] disponível em
http://66.media.tumblr.com/0942797260b960322f855a2c1a2f0a77/tumblr_mqi5huaj
SS1sx2ksvo1_1280.jpg
78. Joana Vasocncelos, Valkyrie Azulejo. 2013. Croché em lã feito à mão, aplicações em
feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, fonte de alimentação Dimensões variáveis
[citada a 2016-10-19] disponível em http://www.newsoftheartworld.com/wp-
content/uploads/2014/05/11-Valkyrie-Azulejo-TP.jpg
79. Joana Vasocncelos, Valkyrie Azulejo. 2013. Croché em lã feito à mão, aplicações em
feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, fonte de alimentação Dimensões variáveis
[citada a 2016-10-19] disponível em https://cfileonline.org/wp-
content/uploads/2016/04/7-joana-vasconcelos-portugal-biennale-contemporary-
ceramic-art.jpg
80. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista
81. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista
82. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista
83. Carolina Marostica, Knowing by tearing apart, 2015. Instalação: técnica mista,
dimensões variáveis. Arquivo pessoal da artista
94
84. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
85. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
86. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
87. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
88. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
89. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
90. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
91. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
92. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
93. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
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vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
94. Carolina Marostica, Mergulho/ transbordar ao avesso, 2016. Sacos plásticos, fita
adesiva, luvas vinílicas, espuma, rede de jardinagem, spaghetti de piscina, bolas de
vinil, collants, esferovite e material de isolamento de tubulações. Instalação. 238 x
165 x 110 cm aprox. Arquivo pessoal da artista
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