Avaliação II - Regimes e Organizações Internacionais

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Universidade de São Paulo

Instituto de Relações Internacionais

Cassius Cley Oliveira Santos


Nº USP: 11269122

Avaliação II – Regimes e Organizações


Internacionais

São Paulo

2020
4. Avalie o sucesso dos regimes e das organizações de segurança desde o fim da
2º Guerra Mundial. Diante das mudanças pós-Guerra Fria e pós-11 de setembro, o
que tem que mudar para que eles permaneçam relevantes e efetivos dentro do
contexto internacional contemporâneo? Justifique sua resposta.

Guerras e conflitos sempre fizeram parte das comunidades humanas organizadas


politicamente. O filófoso grego Aristóteles, muito antes do surgimento da Sociologia e
Filosofia como campos de estudo, já caracterizava o homem como um animal político,
ou seja, um ser que busca nas relações sociais uma forma de atingir seus desejos e
objetivos. Nesse ínterim, percebe-se que o uso da violência foi e é um meio muito
utilizado para atingir objetivos particulares, sendo as guerras o ápice do uso dessa
violência. Estima-se que nos últimos cinco mil anos guerras e conflitos armados tenham
assassinado cerca de cinco bilhões de vidas, número assustador considerando que a
taxa de natalidade no decorrer da história da humanidade foi baixa comparada aos dias
atuais, o que nos faz crer que as guerras foram um dos principais obstáculos para a
permanência e resistência da espécie humana em solo terrestre. Dado que a guerra é
um aconteciemento constante na história e que é responsável por significativas perdas
humanas e materiais, a questão da segurança e defesa sempre foi um assunto de
importância central entre os governantes, que ora para se proteger de ameaças externas
ora para agredir uma comuidade rival buscavam a maximação da capacidade de seus
exércitos.

Como consequência desse padrão de comportamento das sociedades, houve um


estímulo cada vez maior para que as estratégias de guerra, a eficiência dos exércitos e
o desenvolvimento de armas fossem aprimorados, progressivamente resultando em
grandes aparelhos de defesa nacional. A Primeira Guerra Mundial, nesse contexto,
ilustra muito bem essa sinergia. Enquanto muitas técnicas industriais e tecnológicas
eram desenvolvidas nos séculos XIX e XX, a indústria bélica também ganhou uma forte
atenção, com as principais potências da época investindo consideralvelmente na
produção, desenvolvimento e aperfeiçoamento de armas, pautados na crença de que a
qualquer momento uma guerra generalizada, como as Guerras Napoleônicas, poderia
surgir. E surgiu. A Primeira Guerra Mundial tomou proporções tão gigantescas que ao
seu final os principais beligerantes se uniram em torno de um interesse comum: criar
uma organização que garantisse a segurança internacional, diminuindo a ocorrência de
conflitos armados e abrindo um espaço para o diálogo entre seus participantes, para
que assim potenciais atritos entre países pudessem ser resolvidos através da
diplomacia. Entretanto, como é sabido, a Liga das Nações, criada em 1919 com os
objetivos anteriormente citados, não logrou devido sua incapacidade de evitar que um
novo conflito, de proporções ainda maiores, ocorresse. Nesse escopo, pode-se dizer
que o sucesso de organizações internacionais de segurança só foi alcançado depois da
2º Guerra Mundial.
A criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1949, foi um ponto de virada para as
Relações Internacionais, pois dessa vez as principais potências da época, juntamente
com seus aliados, dispuseram grandes esforços para que Organizações Internacionais
ganhassem bastante relevância no contexto internacional, principalmente em questões
de segurança coletiva. Visando principalmente a manutenção da paz no mundo, quando
criada a ONU contava com 53 membros, dos quais 5 compunham o Conselho de
Segurança (CS): Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido, França e China
(representada por Taiwan). O estabelecimento de um conselho de segurança, em que
um número reduzido de países pudessem decidir acerca de temas envolvendo guerra e
o uso da força militar sem a necessidade de aprovação dos membros restantes, foi uma
importante mudança em relação à estrutura da Liga das Nações, pois diferentemente
dela, a ONU dispõe de dispositivos de enforcement, ou seja, o conselho de segurança,
quando aprovado pelos 5 países participantes, tem o aval da organização de intervir
militarmente em casos específicos. Tal medida, apesar de ter sido efetivamente
praticada poucas vezes pelo CS, é uma das explicações para o sucesso da
Organização, pois o potencial uso da força pelas principais potências da época garantia-
lhes certo poder de coerção.

Em 1948, o Tratado de Bruxelas, assinado por Bélgica, Países Baixos,


Luxemburgo, França e Reino Unido, abriu caminho para que as principais potências
capitalistas estabelecessem um organismo multilateral de defesa mútua. Esse tratado
visava a união desses países em caso de agressão externa a qualquer um deles, além
de prever cooperação econômica entre eles. Entretanto, o avanço do comunismo na
Europa oriental e em outras partes do globo e a necessidade de tomar providências
acerca do futuro da Alemanha fomentou a expansão desse tratado, acarretando a
criação da OTAN no ano seguinte. Nesse contexto, ve-se mais uma vez o papel de
crises na criação e manutenção de organizações e regimes internacionais. Embora
fundada em 1949, foi só com a eclosão da Guerra da Coreia em 1950 que a OTAN
tomou um caráter institucional, criando comissões e delegações responsáveis por
tarefas específicas. Em 1950, portanto, as duas principais organzações internacionais
de segurança estavam formadas e institucionalizadas, ganhando cada vez mais
relevância dentro do contexto da Guerra Fria e, sobretudo, garantindo a manutenção do
status quo do bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos, uma vez que essas
organizações não objetivavam uma mudança estrutural do sistema internacional, mas
sim preservar a posição preponderante das grandes potências ocidentais. Uma vez
esclarecido o contexto de criação de regimes e organzações internacionais de
segurança no pós-2º Guerra Mundial, faz-se necessário avaliar e entender o sucesso
dessas organizações até o fim da Guerra Fria, quando esse paradigma de sucesso é
questionado.
Primeiramente, para se analisar o sucesso (ou não) de uma organização
internacional, é necessário se voltar para seus objetivos iniciais, ou seja, aqueles
buscados na fundação da organização. Em se tratando da ONU, sua criação foi
embasada em torno do conceito de segurança coletiva, em que é possível citar 4
princípios básicos: manutenção da paz e segurança internacional, promoção e
manutenção de relações amigáveis entre os membros, cooperação pacífica entre os
participantes para a resolução de problemas internacionais e respeito aos Direitos
Humanos e harmonização entre as nações do mundo. Nesse escopo, percebe-se que
todos esses princípios têm algo em comum: visam sempre a manutenção da paz e da
pacificidade. As crises instauradas pela 1º e 2º Guerras Mundiais foram chaves para
que esses princípios fossem colocados como prioridade pela ONU, já que a primeira
metade do século XX mostrou aos países que sem um canal de comunicação e
coordenação dos diferentes interesses dos atores internacionais os conflitos armados
seriam cada vez mais recorrentes. A Otan, por sua vez, tinha como objetivo principal
defender as potências do Atlântico Norte, mais precisamente Estados Unidos e Europa
Ocidental, de um possível ataque soviético, já que após o fim da 2º Guerra Mundial a
URSS havia se tornado uma superpotência em expansão. Sendo 2 organizações
internacionais que a princípio tinham a função de garantir a segurança e integridade dos
países do bloco capitalista, a ONU e a OTAN desempenharam seus papeis com
sucesso durante a Guerra Fria, haja vista que impediram o avanço soviético e não
sofreram ataques externos.

Entretanto, apesar do relativo sucesso, é possível avaliar essas organizações


tanto positivamente quanto negativamente. De acordo com o London Declaration on a
Transformed North Atlantic Alliance (1990), a OTAN é a aliança defensiva mais exitosa
da história. De fato, considerando que os países membros não foram atacados e que a
OTAN garantiu seu status quo, o sucesso da organização é claramente visível. Em
relação a ONU, porém, deve-se ser cauteloso em determinar seu sucesso. Estima-se
que cerca de 30 milhões de pessoas morreram em conflitos armados locais e regionais
durante o período da Guerra Fria, o que mostra que a Organização, apesar de se
desmembrar em diversas funções e atribuições, não foi capaz de prevenir ou mediar
conflitos de menor escala, como aconteceram na África, América Latina e Ásia. Ainda
sim, comparado ao ínicio do século passado, hoje em dia um número consideravelmente
menor de pessoas morrem em conflitos armados, resultado de progressivas pressões
internacionais e do trabalho de inúmeros regimes e organizações internacionais. Assim
como foi exposto no início, a história humana é marcada por atritos de diversas ordens
e em diferentes momentos, muitos deles resultando em guerras e no extermínio de
muitas vidas, todavia, os últimos 75 anos sem guerra geral representa uma excessão
na história mundial - a qual tem poucos registros de longos períodos de paz -, pois com
a atuação cada vez maior de organismos internacionais está sendo possível diminuir a
ocorrência de guerras generalizadas.
Nesse contexto, existem diferentes argumentos que explicam o sucesso dessas
organizações de segurança, cada um focando em linhas de pensamento distintas. É
possível argumentar que a cultura de paz criada por essas organizações fez diminuir o
número de conflitos pelo mundo, ou seja, a instauração de um canal de comunicaçao e
de diálogo entre os diferentes países do mundo reforçou a importância da diplomacia
como ferramenta de resolução de conflitos, além de estimular as nações a cooperarem
em diversas áreas. Esse argumento seria o argumento pautado na teroria liberal das
relações internacionais, o qual Moravcsik (1997) caracteriza como um de seus
pressupostos a interdependência como reguladora do comportamento dos estados.
Nesse sentido, o fato dos países estarem organizados dentro de uma instuição
internacional que estimula a cooperação entre eles os tornaria menos propensos ao
conflito armado, reassegurando a segurança coletiva. Já o argumento pautado na teoria
realista das relações internacionais utilizaria outros pressupostos para avaliar o sucesso
dos regimes e organizações internacionais. De acordo com o trabalho de Jervis (1994),
a existência de grandes estoques de armamento nuclear pelas superpotências
inviabilizava uma guerra entre elas no contexto da Guerra Fria. Dessa maneira, para um
realista, a relativa paz alcançada durante a Guerra Fria não tem relação direta com a
existência de organizações internacionais, mas sim com a atuação das potências
mundiais, que receosas com a eclosão de uma possível guerra nuclear mudaram o
cálculo de como resolver litígios. De uma maneira ou de outra, com a influência de
organizações internacionais ou de armas nucleares, o período entre o final da 2º Guerra
Mundial e o final da Guerra Fria caracterizou-se pela predominância da paz negativa,
que segundo Souza e Sperb (2006), é definida como a ausência de guerra ou violência,
mas sem haver coexistência harmônica entre as duas partes antagônicas.

Como foi exposto anteriormente, a Organização das Nações Unidas teve um


papel preponderante durante a Guerra Fria, contribuindo de diversas maneiras para o
controle e proliferação de armas no mundo. A ONU foi responsável pelo estabelecimento
de acordos de não proliferação de armas nucleares, de proibição de armas quimicas e
biológicas, de controle de mísseis, além de outras armas de destruição em massa.
Nesse ínterim, verifica-se que a ONU focou na prevenção de conflitos e na
administração de situações de pós-conflito, mostrando-se hábil em se adaptar nos
diferentes contextos que a Guerra Fria demandava. Tal habilidade também é uma das
explicações para o sucesso dessa Organização, pois no decorrer dos anos ela expandiu
consideravelmente sua agenda de atuação, desenvolvendo trabalhos na área da saúde,
educação, segurança alimentar, meio ambiente, entre outros. Dessa forma, a
organização se manteve ativa e dinâmica, garantindo sua sobrevivência em meio às
tenções proporcionadas pela Guerra Fria.

Como se pode observar, os objetivos inicias das organizações internacionais de


segurança, com algumas ressalvas, foram atingidos com sucesso: uma nova guerra
generalizada entre as potências mundias foi evitada. Contudo, o fim da Guerra Fria na
década de 1990, bem como o episódio terrorista de 11 setembro de 2001, colocaram
em xeque o papel dessas organizações. De acordo com Lepgold (1998), após a caída
da União Soviética, não era óbvia a sobrevivência da OTAN. Os líderes da Organização
tentaram, então, adaptar a aliança estabelecendo novas relações diplomáticas e
militares, além de reafirmar sua habilidade de lidar com operações de paz como uma
justificativa para sua continuidade. Com o fim da Guerra Fria, a base da ONU e da OTAN
não fazia mais sentido, sua ideologia normativa ficou em processo de transformação e
eles tiveram que repensar sua égide de atuação. É nesse contexto que surge o conceito
de segurança humana, ou seja, essas organizações passaram a focar não somente em
Estados, mas também em pessoas, influenciadas pela crescente globalização da época
e por suas implicações. Entretanto, a nova agenda proposta por essas organizações
não era tão bem delimitada e definida como a agenda da Guerra Fria, em que os
objetivos eram mais claros e consensuais, assim, com um modelo de atuação não tão
bem definido, essas organizações perderam relativa força e legitimidade no contexto
internacional.

Com consequência do novo paradigma de sociedade internacional que surgiu na


década de 1990, tanto a ONU como a OTAN estabeleceram novas tarefas a
desenvolver, as quais pode-se citar: segurança humana, fortalecimento das instituições
democráticas, resolução pacífica de disputas intervenções para criar condições de paz,
promover cooperação e diálogo entre os países e gerenciamento de crises, como
aconteceu no caso da invasão do Kwait pelo Iraque ou na Guerra do Kosovo. Assim,
como forma de se manter ativas, as organizações passaram a perseguir alguns
problemas de ordem mundial, como narcotráfico, problemas ecológicos, direitos
humanos e, após o ataque às torres gêmeas em 2001, o terrorismo passou a ser
considerado uma ameaça global que deveria ser combatida. As organizações
internacionais de segurança podem desempenhar importantes papeis na manutenção
da paz, no entanto, é necessário que elas se articulem melhor, definam metas claras,
tenham um plano estratégico sólido e que respeite as diferenças culturais, políticas e
sociais dos países e abram espaço para todos os membros discutirem formas mais
eficientes de atuação, para que assim permaneçam relevantes e efetivas dentro do
contexto internacional contemporâneo. Ademais, assim como aponta Weiffen, Gawrich
e Axyonova (2020), organizações regionais assumem um importante papel em meio a
ameaças de segurança internacional, uma vez que estão mais familiarizadas com
questões específicas de cada região e conseguem identificar melhor padrões e
dinâmicas próprias delas. Portanto, é preciso que organizações internacionais de
segurança promovam, também, o fortalecimento de organizações regionais, seja na
área de segurança ou em qualquer outra.
REFERÊNCIAS
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