Livro 13 Iniciacao A Cultura Classica Greco Latina
Livro 13 Iniciacao A Cultura Classica Greco Latina
Livro 13 Iniciacao A Cultura Classica Greco Latina
Clássica GRECO-LATINA
Editora da Universidade Estadual de Maringá
Conselho Editorial
Equipe Técnica
Iniciação à Cultura
Clássica Greco-Latina
13
Maringá
2011
Coleção Formação de Professores em Letras - EAD
copydesk: Rosane Gomes Carpanese
Apoio técnico: Rosineide Ferreira
Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Maria Regina Pante
Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio
Júnior Bianchi
Eliane Arruda
Vânia Cristina Arruda
ISBN: 978-85-7628-355-3
Introdução
> 15
Capítulo 1
A Cultura Grega
> 19
Capítulo 2
A Cultura Latina
> 51
5
S obre o autor
Aécio Flávio de Carvalho
Graduado em Letras Franco-portuguesas pela Faculdade Estadual de Filosofia
Estadual de Maringá, desde 1985 até maio p.p. Credencia-se pela experiência
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A presentação da Coleção
Os 54 títulos que compõem a coleção Formação de Professores em Letras fazem
parte do material didático utilizado pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatu-
ra em Letras, habilitação dupla, Português-Inglês, na Modalidade a Distância, da Uni-
versidade Estadual de Maringá (UEM). O curso está vinculado à Universidade Aberta
do Brasil (UAB) que, por seu turno, faz parte das ações da Diretoria de Educação a
Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
(Capes).
A UEM, na condição de Instituição de Ensino Superior (IES) proponente do curso,
assumiu a responsabilidade da produção dos 54 livros, dentre os quais 51 títulos fica-
ram a cargo do Departamento de Letras (DLE), 2 do Departamento de Teoria e Prática
da Educação (DTP) e 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE). O pro-
cesso de elaboração da coleção teve início no ano de 2009, e sua conclusão, seguindo
o cronograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), está prevista até 2013. É importante ressaltar que, visando a
atender às necessidades e à demanda dos alunos ingressantes no Curso de Graduação
em Letras-Português/Inglês a Distância, da UEM, no âmbito da UAB, nos diferentes
polos, serão impressos 338 exemplares de cada livro.
A coleção, não obstante a necessária organicidade que aproxima e estabelece a
comunicação entre diferentes áreas, busca contemplar especificidades que tornam o
curso de Letras uma interessante frente de estudos e profissional. Desse modo, as
três principais instâncias que compõem o curso de Letras na modalidade a distância
(Língua Portuguesa, Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa e
Língua Inglesa e Literaturas Correspondentes) são contempladas com livros que
são organizados tendo em vista a construção do saber de cada área. Semelhante cons-
trução não apenas trabalha conteúdos necessários de modo rigoroso tal como seria
de esperar de um curso universitário, como também atua decisivamente no sentido de
proporcionar ao aluno da Educação a Distância a autonomia e a posse do discurso de
modo a realizar uma caminhada plenamente satisfatória tanto em sua jornada acadê-
mica quanto em sua vida profissional posterior. Isso só é possível graças à competência
e ao comprometimento dos organizadores e autores dos livros dessa coleção, em sua
maior parte ligados aos departamentos da Universidade Estadual de Maringá envol-
vidos neste curso, além de convidados que enriqueceram a produção dos livros com
sua contribuição. A excelência e a destacada contribuição científica e acadêmica desses
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INICIAÇÃO À CULTURA autores e organizadores são outros elementos que garantem a seriedade do material
Clássica GRECO-LATINA
e reforça a oportunidade que se abre ao aluno da Educação a Distância. Além disso, o
material produzido poderá ser utilizado por outras instituições ligadas à Universidade
Aberta do Brasil, abrindo uma perspectiva nacional para os livros do curso de Letras
a Distância.
Além do trabalho desses profissionais, essa coleção não seria possível sem a con-
tribuição da Reitoria da UEM e de suas Pró-Reitorias, do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes da UEM e seus respectivos representantes e departamentos, da Diretoria
de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (Capes) e do Ministério da Educação (MEC). Todas essas esferas, de
acordo com suas atribuições, foram de suma importância em todas as etapas do traba-
lho. Diante disso, é imperativo expressar, aqui, nosso muito obrigada.
Por último, mas não menos importante, registramos nosso agradecimento especial
à equipe do NEAD-UEM: Pró-Reitoria de Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe
técnica, pela dedicação e empenho, sem os quais essa empreitada teria sido muito
mais difícil, se não impossível.
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U ma reportagem
do clássico
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INICIAÇÃO À CULTURA plutocracia, democracia: todas são palavras gregas para designar forma de cul-
Clássica GRECO-LATINA tura raramente originadas, mas quase sempre amadurecidas, para o bem ou
para o mal, pela exuberante energia dos gregos. Todos os problemas que hoje
nos preocupam – o desflorestamento e a erosão do solo; a emancipação da
mulher e a limitação da família, o conservantismo dos estabelecidos e o experi-
mentalismo dos deslocados, na moral, na música e no governo; as corrupções
da política e as perversões da conduta; o conflito entre a religião e a ciência
e o enfraquecimento dos esteios sobrenaturais da moralidade; as guerras de
classes e de nações e de continentes; as revoluções dos pobres contra o poder
econômico dos ricos, e dos ricos contra o poder político do pobres; as lutas
entre a democracia e a ditadura, entre o individualismo e o comunismo, entre
o Oriente e o Ocidente – todos estes problemas agitaram, como que a nos dar
uma lição, a brilhante e turbulenta vida da antiga Hélade [...]
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de que a ideia base que fundamenta o Curso é a possibilidade, que o distingue, de be- Uma reportagem
do clássico
neficiar uma clientela mais ampla, ensejando-se, pois, a condição de iniciar os cursistas
no conhecimento das características distintivas da civilização greco-latina, dar-lhes a
“notícia” de fatos, de nomes, de teorias que – nascidas no limiar dos tempos históri-
cos – projetam-se até nós; suscitar-lhes a curiosidade e o desejo de saber, e discutir,
“como” e “porque” e “se” esse legado, às vezes lendário, pode – ainda – nos ser útil.
Um último considerando: obviamente, este livro é uma “compilação” de dados,
informações. Não há o que inventar. Ocorrem entretanto também, juízos de valor (nes-
tes, às vezes, pode aparecer um dedo do autor, talvez até inconsciente). Mas, via de
regra, a compilação e a avaliação advêm do cânone; coube ao autor escolher como
aproveitar a matéria e/ou material já consagrado pela tradição. E prover uma sistema-
tização dos dados, tendo-se optado por apresentá-los sob o viés da cronologia, com a
certeza de que, assim, os iniciantes no estudo poderão se situar melhor no tempo da
ocorrência dos eventos.
Como é da tradição acadêmico-clássica, é preciso estudar: oportet studere!
Anotações
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INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
Anotações
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I Introdução
De início, é importante definir melhor o objeto deste estudo, até aqui apenas delineado.
Para chegar mais facilmente à definição do nosso objetivo vamos preestabelecer o
entendimento de que a cultura greco-latina é uma cultura clássica. E aí temos, juntas,
as palavras “cultura” e “clássica”. Tanto uma quanto outra são muito empregadas no
nosso dia-a-dia, em contextos diversos. Ou seja: se vamos falar de “cultura” é preciso
definir qual o sentido que terão, neste trabalho, as palavras “cultura” e “clássica”; e, já
em seguida, explicar porque estudar a “cultura clássica greco-latina”, ainda que este
estudo seja apenas uma iniciação.
Em busca da maior clareza, transcrevemos abaixo, da última edição do Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa, os significados que nos interessam:
Cultura - conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costu-
mes etc. que distinguem um grupo social forma ou etapa evolutiva das tradições e va-
lores intelectuais, morais, espirituais (de um lugar ou período específico); civilização.
Clássico - relativo à literatura, às artes ou à cultura da Antiguidade greco-latina; -
que é fiel à tradição da Antiguidade greco-latina ou a seus autores; - que serve como
modelo ou referência; exemplar.
Casando os conceitos acima, chegamos ao que interessa:
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INICIAÇÃO À CULTURA Sabemos, então, “o que” vamos estudar, definimos o objeto do nosso
Clássica GRECO-LATINA
estudo: a cultura grego-latina.
E esclarecemos o “porquê”, o objetivo de tal estudo: conhecer as características
exemplares das culturas dos antigos gregos e latinos; ou, mudando a ordem das pa-
lavras, vamos estudar as culturas dos antigos gregos e latinos porque são exemplares:
deixaram ideias, conceitos, princípios que até hoje, passados mais de vinte séculos,
ainda têm força e eficácia na vida e nas ações individuais ou coletivas dos homens.
E por serem essas ideias, conceitos e princípios assim tão especiais e importantes
para a humanidade constituem uma “classe”, isto é, um conjunto essencialmente dife-
renciado: são o clássico.
É por isso que o binômio Cultura Clássica, na maioria das vezes (nos meios aca-
dêmicos, em especial), remete a um conceito único: estudo dos princípios e valores
espirituais, ideológicos, sociais e estéticos da civilização greco-latina.
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intocáveis; mas o cânone é um parâmetro tanto mais válido quanto mais foi apurado Introdução
Anotações
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INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
Anotações
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1 A Cultura Grega
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INICIAÇÃO À CULTURA A miscigenação desses povos foi facilitada pela possível origem comum, pois todos
Clássica GRECO-LATINA
seriam indo-europeus, chegados à bacia do Egeu em diferentes e imprecisas etapas. É
É na mitologia que se vai
achar uma explicação para o importante ter isto em mente para que se possa compreender o fenômeno da pequena
nome “heleno”. Segundo uma
tradição, o titã Prometeu (“o diferença cultural, neste momento considerada em termos linguísticos, apenas. Ou
previdente”) tinha feito o pri-
meiro homem de barro; e, para seja: esses povos pré-gregos falavam dialetos diferentes, mas suficientemente seme-
dar-lhe vida, roubou o fogo de
ZEUS. Irado, Zeus acorrentou lhantes para se entenderem. Dos dialetos, sobressaíram o dialeto eólico, o jônico e o
Prometeu a um rochedo; ali,
um abutre vinha devorar-lhe o dórico; o eólico era falado no norte do território, desde então identificado como Tessá-
fígado. Não satisfeito, ZEUS se
voltou contra os homens, sob a
lia; o jônico, no centro, ou seja, na Ática; e o dórico, no sul, no Peloponeso e nas ilhas.
forma do dilúvio. Só se salva-
ram Deucalião e Pirra, filha de
Eólios, jônios e dórios podem ser considerados povos “pré-gregos”; porém nem
Pandora. De Deucalião e Pirra eles nem seus descendentes se auto-identificaram com o nome “grego”. Antes, na nar-
nasceu, entre outros filhos,
HÉLEN; e ele, com uma ninfa, rativa homérica, aparecem designados como aqueus ou acaios (que, aliás, as pesquisas
teve três filhos: ÉOLO, DORO e
Xuto. Este último teve de Creu- modernas indicam como os primeiros migrantes indo-europeus na penísula). Serão os
sa dois filhos: ÍON e AQUEU.
Destes chefes epônimos (a latinos que, bem mais tarde - tornando comum o nome que era particular aos mem-
saber, Hélen, Éolo, Doro, Íon
e Aqueu) teriam derivado os bros de uma tribo do noroeste da Grécia, que se identificavam como graikoi - passarão
nomes dos Helenos e das qua-
tro principais tribos gregas: 0s a usar o termo para designar, indistintamente, todos os habitantes da península. Eles
eólios, os dórios, os jônios e os
aqueus. mesmos, a partir do séc. VII a. C., depois que se identificaram como um povo único,
denominavam-se “helenos” e ao país que constituíram denominaram “Hélade”.
Enquadramento geográfico.
Mapa da Grécia Antiga – com identificação didática das divisões e regiões referidas abaixo, bem como
a localização das cidades mais importantes na história da Grécia: Atenas, na Ática; Esparta, na Lacônia;
Tebas, na Beócia; Corinto, no Peloponeso, próxima ao istmo do mesmo nome.
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A superfície atual da Grécia é bem mais extensa do que a dos tempos antigos. E não A Cultura Grega
eram bem precisos os limites do território que os helenos, então, chamavam Hélade.
Para o nosso trabalho convém distinguir: a Grécia Continental, a Grécia Peninsular e a
Grécia Insular, divisão meramente didática, pois os habitantes, em geral, tinham paren-
tesco étnico e linguístico, o que significa pensar numa certa homogeneidade cultural:
A Grécia Continental e a Peninsular (o Peloponeso), bem distintas no mapa, com o istmo (faixa de terra
estreita) de Corinto bem visível. E uma parte da Grécia Insular, destacando-se, no mar Jônio, Corfu, As
Lêucades, Cefalônia e Zacinto; e no mar Egeu, Eubeia
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INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
A ilha de Creta em destaque, e algumas da inúmeras ilhas no mar Egeu. Em Cnossos é que se localizava
o famoso labirinto que escondia o lendário Minotauro. De lá foi que fugiram Dédalo e seu filho Ícaro,
também lendários.
Observe- se o mapa:
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comunitária), do pensamento (religioso ou filosófico/político) e da produção (artística A Cultura Grega
ou econômica).
A pouca fertilidade do solo levou o grego a ser sóbrio, a viver com pouco; a ameni-
dade do clima empurrou para a vida ao ar livre, favorecendo a sociabilidade, influindo
na comunicação das ideias dentro da comunidade e na possível discussão das opini-
ões, ambiente propício à formação de uma consciência política.
Entretanto, o retalhamento físico-topográfico provocou isolamento de comunida-
des, cada uma guardando o tesouro das suas próprias leis e tradições; esse fato teve
como consequência o retalhamento político. O que ocorreu é que quantas ilhas ou
quantos vales cercados por muros de montanhas, tantas comunidades com certa in-
dependência, algumas vindo a ser, em algum momento da história, “cidades-estados”.
E, então, um duplo ideal alimentava essas comunidades assim independentes: ser,
cada uma, autosuficiente e ser a melhor entre as vizinhas. A cidade tornava-se, por isso
mesmo, uma escola de civismo, convalidando a educação para a nobreza de espírito e/
ou valorização do físico.
Em direção ao que interessa particularmente ao nosso estudo, ou seja, relativamente
à sedimentação de uma cultura, a influência do meio geográfico foi muito marcante. O
solo árido, dificultando atividades agrícolas, impelia o grego à prática do comércio, en-
senjando trocas de produtos e de outras ideias. E o clima, favorecendo uma vida ao livre, “Na Grécia, o mar une o que
a montanha separa. Por mar, em
impeliu às práticas esportivas, às atividades ginásticas, à dança e à frequência ao teatro. todos os tempos, se estabelece-
Por outro lado, inclinava o homem à contemplação metafísica (à filosofia) e à produção ram naquela terra as transações
e relações humanas mais impor-
artística (à poesia, ao canto, à literatura), fornecendo-lhe, ademais, abundante matéria tantes”. (Robert, 1987, IX)
Ou seja, não é possível admitir que “o milagre grego” – expressão cunhada por Ernest
Renan (1823-1892) para destacar o prodigioso legado cultural que os gregos nos dei-
xaram – seja um resultado determinado pelas condições do meio físico. É inegável a
importância do condicionamento ambiental; mais importante, porém, é o agente da
história e da cultura que ali se processou: o homem. Afinal, o gênio grego soube trans-
formar a península tão pobre em recursos naturais em um dos recantos da terra mais
ricos em produtividade espiritual.
Por outro lado, importa não esquecer que o milagre grego não é uma criação ins-
tantânea, do nada, sem antecedentes. Na impossibilidade de reconstituir, de forma
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INICIAÇÃO À CULTURA fidedigna, todos os dados anteriores à civilização grega, a arqueologia já nos fornece
Clássica GRECO-LATINA
elementos suficientes para afirmar que o milagre grego aprofundou suas raízes em
húmus histórico espesso e rico, das civilizações pré-helênicas ou pré-gregas.1
O que importa é compreender que a civilização grega, ou helênica, que começou
Usamos aqui a palavra “ci- a existir milênios antes de Cristo, está viva ainda hoje, de maneira multiforme, ainda
ência” entendendo que dados
importantes fornecidos pela que, muitas vezes, reinventada nos aspectos formais.
arqueologia, pela papirologia,
pela epigrafia, pela numismática
e até pela literatura somam-se,
fornecendo a matéria para a
Enquadramento histórico
construção das certezas ou das Já referimos a existência de povos precursores da civilização grega, que chegaram à
hipóteses da história.
península balcânica em ondas sucessivas, em tempos imemoriais.
De onde eles teriam vindo? Quando? A ciência não tem informação segura sobre
isso. Muito sinteticamente damos abaixo dados tidos como certos, independentemen-
te do fato de serem impossíveis datas absolutamente fidedignas.
• Admite-se a existência – nos espaços geográficos que um dia formarão a Gré-
cia – de um povo, talvez autóctone, que desde as fontes mais antigas é chama-
do pelasgo.
Autóctone, isto é, natural da • Os espaços geográficos acima referidos são, todos, banhados pelo mar Egeu, razão
região, indígena. Os Pelasgos
são um mistério para a ciência; pela qual os povos que habitaram às suas margens chamaram-se, também, egeus.
eram povos do mar, que deram
origem a outros dentre os quais • Esses povos serão dominados e se miscigenarão com povos invasores, possivel-
os fenícios e, possivelmente, os
etruscos. Há quem os relacione mente indo-europeus que, em levas sucessivas, desde os anos 2000 a.C. chegam,
com a Atlântida, o continente
desaparecido, fato admitido imigrando, provavelmente, das regiões da Ásia central.
como possível por alguns
cientistas. • Os primeiros invasores foram os aqueus, entre os anos 2.000 a.C. e 1.700 a.C.
Foram eles os fundadores de Micenas, cidade que foi o berço da civilização
micênica que, mais tarde, dominará os minóicos de Creta. A partir de 1400 a.C.,
com a decadência da civilização cretense, Micenas viveu um período de grande
desenvolvimento.
• Entre 1700 a.C. e 1400 a.C., chegaram outros povos: os eólios, que ocuparam a
Tessália e outras regiões, e os jônios, que se fixaram na Ática, onde posteriormen-
te fundaram a cidade de Atenas.
• Por volta de 1200 a.C., iniciaram-se as invasões dos dórios. Os dórios – último
povo indo-europeu a migrar para a Grécia – eram essencialmente guerreiros.
Seu domínio coincide com um tempo que os historiadores chamam de “Idade
das Trevas”, que se prolonga até os anos 800 a.C.
• Daí por diante, até os anos 500, aproximadamente, tem-se um período obscuro,
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que, entretanto, compreende duas fase importantes: A Cultura Grega
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INICIAÇÃO À CULTURA Dado o imenso cabedal de informações que o tema sugere, nossa primeira preocu-
Clássica GRECO-LATINA
pação é fazer uma seleção e escolher um critério:
a) faremos a seleção dos eventos artístico-culturais por períodos, visando ordenar
a exposição;
b) dentro dos períodos, dar-se-á destaque aos eventos que a tradição aponta como
mais significativos, visando a economia didática do trabalho.
A partir desses parâmetros, nossa primeira parada na jornada do tempo será o que,
no enquadramento histórico acima, identificou-se por tempos homéricos.
Há uma questão não resolvida envolvendo esse nome: estamos falando de um ho-
mem ou de vários homens a que os antigos distinguiram com o nome Homero? Home-
ro (séc. VIII a. C. ?) seria um nome próprio ou apenas sinônimo de aedo, rapsodo, poeta
ambulante que vagava pelas ágoras (praças) das cidades gregas? E as epopeias que
lhe(s) são atribuídas, a Ilíada e a Odisseia, são, de fato, obras de um ou de mais de um
autor? Estas questões constituem o que se chama, em história da literatura, “Questão
Homérica”.
A respeito, o que nos interessa saber é:
a) que as duas epopeias foram “compostas” entre o séc. IX e o séc. VII a.C.;
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b) que, provavelmente, são o resultado final de uma “costura” inteligente de A Cultura Grega
estilísticos quanto elementos temáticos; tanto o que é nobre e digno quanto o que
é vil e indigno no comportamento humano – tudo a partir de ações de personagens
criados por Homero,
Tanto a Ilíada como a Odisseia são poemas narrativos, divididos pelos filólogos
alexandrinos, cada um, em 24 “cantos ”. A Ilíada narra um episódio da famosa guerra
de Troia, normalmente conhecido como “a cólera de Aquiles”; ou seja, narra-se uma
desavença entre Aquiles, destemido guerreiro grego, e Agamênon, chefe supremo dos
exércitos que assediavam Troia; a raiva de Aquiles e as suas consequências são o ponto
27
INICIAÇÃO À CULTURA de partida para o narrador trazer para a cena dos acontecimentos outras personagens,
Clássica GRECO-LATINA
intercalar outras histórias, informar hábitos e costumes, tudo revestido da aura da lenda
ou do mito. E então desfilam diante de nossos olhos um cortejo de divindades, deuses,
deusas, ninfas, faunos, sátiros... E o que a Ilíada não traz é complementado na Odisseia
que, alias, é outra narrativa derivada da primeira: narra-se agora que, finda a guerra de
Troia, Ulisses, um guerreiro cujo traço distintivo é a astúcia, de volta para a sua terra,
precisa superar desafios fantásticos, até chegar junto à sua querida esposa Penélope.
Na impossibilidade de nos atermos a todos os aspectos de cada uma das narrativas,
e conscientes do que é de mais valia para uma iniciação à cultura clássica grega, desta-
camos, a seguir, algumas personagens das narrativas; fazemos isto porque, a juízo da
crítica universal, – mais do que personagens – as figuras em destaque são protótipos
humanos, e como tal, são modelos de valores culturais, genericamente dignos de ins-
piração em qualquer espaço e tempo.
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A Cultura Grega
29
INICIAÇÃO À CULTURA fraco no momento da luta que ele mesmo provocara com o rapto da formosa Helena,
Clássica GRECO-LATINA
a qual, por sua vez, é o protótipo da mulher sedutora e seduzível.
É extensa a galeria das personagens-símbolo de Homero. A crítica ensina que são
personagens complexas, capazes de surpreender o leitor, a cada nova leitura, com li-
ções não captadas antes. É por isso que um estudioso diz que Homero é inspirado por
uma concepção relativa à natureza humana e às leis que regem o mundo e que passa
ao leitor essas ideias através dos exemplos que cria.
Trata-se de Werner Jaeger,
num livro muito famoso, intitu-
lado “Paideia”. Para comprovar Hesíodo
sua afirmativa, Jaeger cita um
episódio muito interessante da Hesíodo é, com Homero, a mais antiga fonte de estudo da cultura grega, até o séc.
Ilíada, conhecida com o título
“O escudo de Aquiles”. VII a.C. Sabemos dele o que ele mesmo conta: que era pastor, que viveu a maior parte
da vida na Beócia, que após a morte do pai teve uma disputa com um irmão chamado
Perses por causa da herança. Exatamente quando e quanto viveu não se sabe; tem-se
como certo que sua obra apareceu depois que já era conhecida a narrativa de Homero.
Hesíodo deixou dois poemas: a Teogonia e Os trabalhos e os dias.
Esse poema, Os trabalhos e os dias, é explicitamente didático:
São 826 versos, dirigidos por Hesíodo ao irmão Perses, com a finalidade de incentivar
o irmão ao trabalho e à prática da justiça. É uma exortação em quatro partes, entremeada
por mitos, principalmente na primeira parte, quando ficamos conhecendo, por exemplo,
o mito de Prometeu, o de Pandora, o das cinco idades da terra, entre outros. Da segunda
parte em diante, Hesíodo é mais objetivo e realista: orienta o trabalho na agricultura e
na navegação; dá conselhos diversos e fala sobre os dias favoráveis e os desfavoráveis às
atividades. É de se pensar na atualidade de algumas observações do poeta:
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• Trabalhar não envergonha, o que envergonha é a preguiça; A Cultura Grega
São máximas fortes, inesquecíveis: encerram lições que, nascidas no VIII a.C., ainda
são modernas.
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INICIAÇÃO À CULTURA Em nosso caso específico, nós, que fazemos parte dos povos latinos, visto sermos
Clássica GRECO-LATINA
herdeiros diretos da cultura greco-latina, o conhecimento dos elementos básicos da
mitologia grega e latina é pré-requisito
• para o melhor entendimento das obras literárias dos gregos e dos latinos;
• fornece subsídios à compreensão dos fatos de qualquer uma das culturas oci-
Somos herdeiros diretos da
cultura greco-latina e tributários dentais, especialmente daquelas que, pelo instrumental linguístico, são conhe-
privilegiados da estrutura mor-
fossintática da língua latina. cidas como neolatinas (a portuguesa, a francesa, a espanhola, a italiana...).
• De resto, o conhecimento da mitologia greco-latina serve à compreensão de
toda a cultura humana, subsidiando conhecimentos da história, da filosofia, da
psicologia, da antropologia.
Apontamentos2:
1) C A O S não era um divindade: era o estágio primordial da realidade, anterior à
individualização do seres.
• G A I A – a Terra (= a natureza), ventre primordial, donde tudo nasce (não
deve ser confundida com terra=solo), é o primeiro ser que se individualiza
do Caos; ou melhor, é a primeira aparência de matéria.
• Com ela, emerge uma energia espiritual que a tudo preside.
• Gaia, sozinha (por cissiparidade), gera URANO (o céu).
• EROS é a representação da energia imaterial que preside a geração da vida.
• CRONOS (o Tempo) comanda a evolução da vida. Numa fase primeira, gera
vida; de Reia, faz nascer inumeráveis filhos. Numa fase seguinte, devora a
vida que fez nascer.
• ZEUS é único que se salva da gana do pai, e o sucede no poder. Torna-se o
pai dos deuses olímpicos.
2 - Nesse momento, aproveitamos os dados já publicados no capítulo III do livro “Fundamentos His-
tóricos da Educação”, p. 47-72
32
A Cultura Grega
Da união Gaia < > Urano nasceram:
• Hecatônquiros
• Cíclopes
• Titãs (Oceano,Ceos,Crio,Hipérion, Jápeto e Crônos)
• Hipéríon – o Sol, que tudo vê;
Jápeto – o pai de Prometeu;
• Titânides (Teia,Reia, Febe, Tétis, Mnémosine).
Mnémosine – a mãe das Musas; Febe, a Lua.
2)
Os deuses gregos eram antropomórficos, isto é: os gregos concebiam as divin-
dades com características dos seres humanos. Eles as representavam, fisicamente,
como homens ou mulheres; e lhes atribuíam qualidades intelectuais e sentimentos
humanos, inclusive paixões (amor, orgulho, ira, inveja, cobiça...).
33
INICIAÇÃO À CULTURA NB.* A relação dos olímpicos não é sempre apresentada assim; é possível encontrar
Clássica GRECO-LATINA
nela também o nome de Dionis(i)o/Baco; ou às vezes, a exclusão do nome de
Héstia.
* Adiantando informações que serão úteis mais à frente, nesta relação já apare-
cem os nomes pelos quais os deuses serão invocados pelos latinos.
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O panteão – isto é, o universo de todos os deuses – é vasto. A Cultura Grega
O que importa é conhecer os nomes que, ainda hoje, são empregados na vida mo-
derna e qual a possível relação do seu emprego atual com a função mítica tradicional.
Mais do que isso, ao acadêmico das ciências humanas, particularmente ao estudante
de letras, interessa que tenha subsídios para compreender as frequentes retomadas
do mito em textos de autores modernos, que buscam na remitologização das paixões
humanas a inspiração da sua ficção e da sua poesia.
Referência especial merece o deus Dionis(i)o (para os latinos BACO), em cujo cul-
to mesclavam-se, ritualizados, os fatos da origem da vida e a sua representação sacrali-
zada, (mais exatamente os fenômenos da fertilidade e da sexuualidade relacionados ao
cultivo da videira e à fabricação do vinho), de certa forma misturando as forças naturais
da reprodução e da renovação da vida humana, animal e vegetal num impulso comum.
Além dos deuses olímpicos – e de BACO – outras divindades, das gerações an-
teriores, são frequentemente citadas:
35
INICIAÇÃO À CULTURA TERPSÍCORE > da dança e do canto;
Clássica GRECO-LATINA
ÉRATO > da poesia erótica e da música coral;
POLÍMNIA > da oratória e retórica;
URÂNIA > da astronomia;
TÁLIA > da comédia e da poesia idílica.
36
Arquíloco, criador da sátira; e na ode, são nomes imortais os de Safo (560 a. C.) (a A Cultura Grega
37
INICIAÇÃO À CULTURA b) Num segundo estágio da prosperidade correspondente ao período áureo, as
Clássica GRECO-LATINA
especulações filosóficas voltaram-se para o ser humano, para a realização do
indivíduo como pessoa, e para as questões da construção do conhecimento e,
ainda, para os problemas do relacionamento da vida em comunidade.
• É quando aparecem os sofistas: os primeiros foram: Protágoras (481 a.C.-420
a.C.), Górgias (483 a.C.-376 a.C.), e Isócrates (436 a.C.-338 a.C.). A conhe-
cida frase “o homem é a medida de todas as coisas” resume, de certa forma,
os ensinamentos sofistas, que apregoavam a relatividade do conhecimentos
e das suas formulações.
• Da mesma época foi também Sócrates (470 – 399 a. C.), uma das figuras
mais marcantes dentre os filósofos gregos. Entretanto, ele não deixou nada
escrito. O que sabemos de sua vida e de seu pensamento nos foi transmitido
por seus dois discípulos Xenofonte e Platão. Seu método de pesquisa consis-
tia no diálogo, feito em duas etapas: a ironia e a maiêutica. A ironia socrática
levava o discípulo ou interlocutor à dúvida sobre o próprio conhecimento; a
seguir, pela maiêutica (literalmente, arte do parto), Sócrates procurava, com
perguntas pertinentes, levar o próprio discípulo a dar luz à verdade. Daí a
sua máxima mais conhecida: “conhece-te a ti mesmo”. É como se dissesse: é
preciso bem pensar para bem viver. O ponto alto dos ensinamentos socráticos
visava a moral: a prática da virtude é o único meio alcançar a felicidade, fim
supremo do homem. A virtude leva a sabedoria ou, antes, com ela se identifica.
Não obstante a nobreza de tais princípios, Sócrates foi acusado de corromper
a juventude e condenado a beber veneno (a cicuta), morreu aos 70 anos (ver,
mais adiante, a naração do filósofo).
38
treze cartas. Abaixo, alguns dos temas/ diálogos famosos: A Cultura Grega
- Apologia de Sócrates,
- Críton ou
- Do Dever,
- Lísis ou Da Amizade,
- Cármides ou Da Sabedoria,
- Hípias menos ou Da Mentira,
- Hípias Maior ou Do Belo,
- Górgias ou Da Rétorica,
- República - livro I,
- Protágoras ou Dos sofistas,
- Ménon ou Da Virtude,
- Fédon ou Da Alma, - Teeteto ou da Ciência,
- Banquete ou Do Bem, - Sofista ou Do Ser,
- República - livros II a X, - Timeu ou Da Natureza,
- Fedro ou Da Beleza, - Crítias ou Da Atlântida.
- Parménides ou Das Formas
Não há como sumarizar aqui todo o pensamento platônico; do mar imenso das
suas ideias, tomamos algumas, das mais lembradas, com a preocupação maior de sus-
citar a curiosidade para um estudo pertinente:
• Teoria das Ideias – Platão ensina que, por trás do mundo dos sentidos, existe
uma realidade autônoma e imutável, que ele chamou de mundo das ideias: são
formas primordiais, padrão de tudo o que existe no mundo sensível. Assim o co-
nhecimento através dos sentidos é suscetível de falhas, é fragmentário e restrito;
só é conhecimento aquele a que se chega por operações racionais e pela intui-
ção; só quando se chega ao mundo das ideias chega-se ao conhecimento univer-
sal e, portanto, à ciência. Assim se delineia o chamado Idealismo platônico.
• O Mito ou Alegoria da Caverna é o nome da exposição pela qual Platão procura
esclarecer como acontece a aprendizagem do homem “O mundo das ideias é
o mundo das realidades perfeitas ao qual se opõe o mundo visível, intermédio
entre o ser e o não ser, envolto em uma escuridão como uma caverna em que os
homens só podem ter conhecimento das sombras, imagens escuras do mundo
superior” (GIORDANI, 1984, p. 371).
• Para Platão, o homem é um composto de corpo e alma, sendo esta racional e
passível de reincarnações sucessivas.
39
INICIAÇÃO À CULTURA • A felicidade é fim supremo do homem; a realização da felicidade só será conse-
Clássica GRECO-LATINA
guida na contemplação do sumo bem, que se se encontra num mundo ideal ao
qual se chega pela prática da virtude.
• O Estado só se justifica como uma necessidade de os homens se reunirem para
suprirem as carências individuais. E os destinos do Estado deveriam ficar sob
a responsabilidade dos sábios (os filósofos), coadjuvados pelos produtores e
pelos guerreiros.
• Ao Estado ideal de Platão, tudo se subordina; na sociedade ideal, a segurança da
coletividade será mais importante que a formação do indivíduo e que o aperfei-
çoamento do homem. Este, assim, deverá ter uma educação correspondente à
sua função dentro da comunidade.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) foi discípulo de Platão, com quem estudou por
cerca de vinte anos; conviveu também com outros ex-discípulos de Sócrates. Esta re-
ferência serve para compreender quanto foi sólida a base doutrinária sobre a qual
Aristóteles construiu as teorias que, tanto quanto as do mestre, enredaram e enredam
os pensadores de todos os tempos. A imensa produção aristotélica provoca discussões
de variada natureza entre os especialistas. Ora, o objetivo deste trabalho é uma inicia-
ção, motivar para um aprofundamento posterior. Dessa forma, entendemos – num
primeiro momento – que a simples enumeração das obras de Aristóteles, agrupadas
por áreas de interesse, já é chamativa. Veja-se:
40
Protótipo do verdadeiro pesquisador, ao invés de aceitar docilmente as ideias do A Cultura Grega
41
INICIAÇÃO À CULTURA pensamento filosófico e da cultura grega se fez notável também por outras manifestações.
Clássica GRECO-LATINA
Assim, voltamos a falar de manifestações literárias, focando agora uma das signfica-
“A tragédia nasceu do culto tivas páginas da arte grega: o teatro e a representação dramática.
de Dioniso. (...) Historicamente,
por ocasião da vindima, celebra-
va-se a cada ano, em Atenas, e O teatro e a representação dramática
por toda a Ática, a festa do vinho
novo, em que os participantes , O surgimento do teatro entre os gregos está enredado com o mito e com a lenda: “A
como outrora os companheiros
do deus Baco, se embriagavam tragédia nasceu do culto de Dioniso”. Não vamos entrar em detalhes, a respeito. Vamos,
e começavam a cantar frenetica-
mente (. . .) Ora, ao que parece, sim, considerar o teatro grego já na fase áurea. E, assim, é preciso lembrar que a epopeia
esses adeptos do deus do vinho
disfarçavam-se em sátiros, que (com Homero) e a lírica (com Anacreonte, Safo, Píndaro) já tinha vivido sua exuberân-
eram concebidos pela imagina-
ção popular como “homens-bo- cia; bem como lembrar que outros fatores – guerras, perdas, conquistas territoriais e
des”. Teria nascido assim o vo-
cábulo tragédia (...”tragoidia”+
sociais, transformações políticas e ideológicas – impunham-se aos artistas como vetores
... “trágos”, bode +... “oidé”,
canto + ... “ia”, donde o latim
das suas produções. Expressões das vicissitudes sociais e políiticas desses tempos, e
tragoedia e o nosso tragédia. também ecos do pensamento ideológico-filosófico em voga, Ésquilo, Sófocles e Eurípi-
(Brandão, p. 10)
des, na tragédia; e Aristófanes, na comédia, foram os grandes autores do teatro grego.
De antemão, é preciso repetir que a intenção é trazer, apenas, informações genéricas e,
Se o homem ultrapassa o quanto possível, estimuladoras de melhores estudos, de aprofundamento, não cabendo
métron, a medida humana de
cada um, comete uma violência outros juízos de valor que os consagrados pela história e pela crítica.
a si próprio e à divindade, que
fatalmente gera a punição. Esta
ocorrerá ou sobre o indivíduo
cuplpado ou soobre a sua des- 1) A tragédia grega
cendência. Esta filosofia básica
do teatro de Ésquilo está às Ésquilo (525-425 a.C.) – é, na verdade, do séc. VI a. C. Está, portanto, mais ligado
páginas 17 e 18 do livro Teatro
Grego- Tragédia e comédia., de às origens e menos sujeito às influências ideológicas do século seguinte. Por isso, sua
Junito de Souza Brandão. (v. re-
ferências bibliográficas). produção é notavelmente impregnada de um sentido religioso, por sua vez engajado
num objetivo político: é preciso obedecer às leis dos homens sob pena de sofrer o
castigo dos deuses: “o ánthropos, o homem, em Ésquilo, tem que estar realmente
condicionaddo por sua condição humana”, “sofrer para compreender ”. Sob esse con-
dicionamento ideológico, têm-se 7 grandes peças trágicas, sendo mais conhecidas O
Vem daí o chamado “voto de
Minerva”, que decide uma vota- Prometeu Acorrentado ( cujo argumento é o castigo que Prometeu recebe por trazer
ção, numa situação de empate
de votos. o fogo aos homens) e a Oréstia (uma trilogia, i. é, três peças de assunto correlato).
• Na primeira peça, Agamêmnon, Clitemnestra assassina o marido que, antes, na
expedição à Troia, sacrificara a filha Ifigênia;
• Na segunda, Coéforas, Orestes vinga a morte do pai, matando Clitemnestra e o
seu amante Egisto;
• Na terceira peça, Eumênides, Orestes é julgado em Atenas e, tendo como advo-
gado o deus Apolo; terminando empatada a votação dos jurados, entra em ação a
deusa Atená (=Minerva), e, como juíza do tribunal, dá o seu voto e absolve o réu.
• Com a trilogia Oréstia se configura toda uma evolução da antiga mentalidade
grega, a substituição da lei de talião pela aplicação da justiça pelos tribunais.
42
Sófocles (495-405 a. C) – Compôs mais de cem peças, das quais, inteiras, só restam A Cultura Grega
fatores que escapam à sua percepção; quando esta, finalmente, ocorre, o desenlace
trágico já está em consumação. “Uma das características fundamentais da obra dramá-
tica de Sófocles é fazer que suas personagens, no fecho da tragédia, se apaguem numa
sombra física e psíquica...”
Édipo Rei é considerada a obra-prima do teatro, é considerada uma tragédia em
sentido moderno. Sófocles, inegavelmente, integra a tríade dos dramaturgos gregos
mais celebrados em todos os tempos.
43
INICIAÇÃO À CULTURA suficiente para justificar sua genialidade criadora é Medeia, peça que data de 431 a.C.
Clássica GRECO-LATINA
Na protagonista, representa-se o perfil psicológico de uma mulher carregada de amor
e ódio a um só tempo. Apaixonada, Medeia deixara tudo para trás, a pátria e a família,
para seguir ao lado de seu grande amor, Jasão. Líder dos argonautas, Jasão partira para
a Cólquida em busca do velocino de ouro, missão que lhe fora imposta para ter de
volta o trono de Iolco, usurpado por Pelias; a filha deste, Medeia, apaixonada pelo he-
rói da Argos, e desprezando os interesses do pai, usa seus poderes de feiticeira, ajuda
decisivamente Jasão a vencer todos os obstáculos e, apoderando-se do velocino, fogem
ambos para Corinto. Lá, depois de tudo, inclusive depois de dar à luz dois filhos, Me-
deia vê-se traída por Jasão. É a partir daí que se desencadeia sua fúria louca, a ponto
de matar os filhos para vingar-se do marido traidor.
2) A comédia
Tragédia e comédia, já dissemos, têm sua origem estreitamente ligada aos rituais
dionisíacos. Na comédia, particularmente na comédia antiga, são mais claros os indí-
cios dos elementos burlescos e satíricos que caracterizavam as festas báquicas, princi-
palmente as celebradas por ocasião da primeira vindima anual.
O maior representante da comédia grega foi Aristófanes.
Aristófanes (445-385 a.C.) teria escrito 44 peças; restam onze; mais lembradas são
As rãs, A paz, Lisístrata, As aves, As nuvens.
Lisístrata é conhecida, também por outro título: A greve do sexo. Cansadas de ver
os maridos em guerra, as mulheres entram em greve para forçar a paz.
A paz é uma criação ditada pela rejeição à guerra.
As aves é uma história fantástica sobre a construção de uma cidade ideal no céu.
As rãs têm um argumento muito interessante. Dioniso resolve trazer dos infernos
44
um bom escritor, ou Ésquilo ou Eurípides, visto que o nível das representações, na A Cultura Grega
fazem;
- Demócrito (460 - ?) – autor de teorias inaugurais sobre o átomo;
- Euclides (300 a.C.?) – sistematizador de teorias sobre a Geometria;
- Arquimedes (287-212) – matemático e astrônomo, seu nome vem sempre
associado à exclamação “heureca!” e à frase: “Dêem-me uma alavanca e um
ponto de apoio e eu moverei o mundo”.
• na Literatura: os poetas alexandrinos.
- De entre os poetas alexandrinos, destacam-se:
- Calímaco (300 - 240 a.C.) Foi bibliotecário da Biblioteca de Alexandria. Das
obras em prosa, a mais importante é Pinakes, um catálogo analítico das
45
INICIAÇÃO À CULTURA obras da biblioteca. Como poeta, escreveu poemas curtos, entre os quais
Clássica GRECO-LATINA
sobressaem cerca de sessenta epigramas. Composições que influenciaram
fortemente os poetas romanos, especialmente Cátulo, Ovídio e Propércio.
Das suas obras, sobreviveram ainda alguns fragmentos de Aetia, uma colec-
ção de lendas gregas em versos elegíacos, e a curta obra épica Hecale.
- Apolónio de Rodes(295 - 215 a.C.), gramático e poeta épico, manteve em
Rodes uma famosa escola de retórica. Compôs um grande poema épico in-
titulado “Argonautica” (poema em cinco cantos que narra as aventuras de
Jasão e seus companheiros na Argos em expedição à Cólchida, em busca do
velocino de ouro).
- Teócrito(310 - 250 a.C.) nasceu em Siracusa, Sicília, passou algum tempo
na ilha de Cós e depois foi viver para a corte de Ptolomeu II em Alexandria,
onde foi membro da pleiade dos poetas alexandrinos. Criador do estilo po-
ético pastoral, chegaram até nós trinta poemas idílicos e vinte e quatro epi-
gramas curtos, se bem que as autoridades no assunto questionem a autoria
de alguns. Dos poemas idílicos, dez são pastoris; seu seguidor mais célebre
foi Virgílio.
46
A Cultura Grega
47
INICIAÇÃO À CULTURA Dentro dos parâmetros que estabelecemos, estamos agora no limiar de novos tem-
Clássica GRECO-LATINA
pos. Como marcos dessa passagem aos tempos novos, em que a força do Helenismo se
impõe citemos os nomes de Zenão (336-264 a.C) e de Epicuro (341-270 a.C.).
Postas em confronto as duas doutrinas, e expostas de outra forma, pode-se chegar
ao seguinte quadro das idéias epicuristas e estoicas:
48
A Cultura Grega
- todos os corpos são formados por átomos, a natureza é deus; a osmologia estoica é, tam-
incriados, eternos, infinitos; bém, a sua cosmologia: o mundo e deus se
identificam;
- não existe razão para teorias sobre o conhe- o conhecimento é empírico; conhecer é es-
cimento: este nasce das sensações, simples- tabelecer razões de consequência; e estas
mente; toda a sensação imediata é verdadeira nascem da “representação” do objeto e da
e, portanto, é um bem; consequente afeição (eles dizem pathos) que a
representação provoca na alma;
- não existe alma espiritual; corpo e alma são a alma existe: é uma parte do sopro divino in-
combinações de átomos; a dissolução de tal suflado no corpo humano;
combinação provoca a morte;
- não existe destino; tudo se explic em função qundo o corpo morre, a alma subsiste, mas vai
de causas físicas, a partir da combinação dos se diluindo até integrar-se no universo;
átomos;
- a liberdade é o estágio final da sabedoria, cada ser humano está programado pelo seu
que se alcança quando se stinge a ataraxia; hegemonikon, que é uma das oito partes da
alma (juntamente com os cinco sentidos, mais
os órgãos reprodutores e a fala);
- a moral se baseia na ideia de que a sensação Epitecto, um dos teóricos do estoicismo, ensina
é a fonte do sumo bem: regra de vida é fugir da que é livre o homem que compreende a neces-
dor e buscar o prazer, sidade de as coisas acontecerem como con-
sequência de suas ações (estas, por sua vez,
determinadas pela tendência fundamental de
os seres se autoconservarem);
que deve ser entendido como participação di- o prazer é uma decorrência de o ser humano
reta naquilo que a natureza oferece; a moral aceitar a sua própria natureza; e aceitar a
epicurista é, então, individualista. própria natureza é estar em harmonia com a
razão, que não é individual, mas universal; a
moral estoica, então, é universalista.
49
INICIAÇÃO À CULTURA Essas duas correntes filosóficas grangearam muitos adeptos, desde o seu apare-
Clássica GRECO-LATINA
cimento. Em Roma, que teve no poeta Lucrécio o grande divulgador das doutrinas
estoicas, nenhum dos intelectuais posteriores ficou completamente indiferente a uma
ou outra dessas teorias, em especial Cícero, que as discutiu em duas obras: De natura
deorum (Sobre a natureza dos deuses) e De fato (Sobre o destino); e Sêneca que, em
sua Quaestiones naturales (Questões naturais) apresenta um posicionamento estoico.
A essa altura da história, importantes acontecimentos tinham modificado a vida po-
lítica dos gregos. O apogeu, simbolizado pela figura olímpica de Péricles, estava corro-
ído. As chamadas “cidades-estado” Esparta, Atenas e Tebas alternaram-se na hegemonia
política, sempre a um alto custo da união interna dos helenos dentro da península e a
um crescente desgaste da resistência frente aos interesses de outros povos, em particu-
lar dos macedônios. Estes, apesar dos esforços do grande orador Demóstenes no senti-
“Era sua vontade tomar toda
a terra habitável sujeita à mes- do de inflamar os gregos à resistência com a sua oratória, assumiam, a partir de 336 a.
ma razão e todos os homens
cidadãos do mesmo governo.” C., o controle da península helênica inteira: emergia para a história do mundo a figura
Plutarco, cit. in Bonnard,
1972, II :203
semi-lendária de Alexandre, cognominado o Grande. E somente doze anos depois, o
grande conquistador já tinha dominado, sucessivamente, a Pérsia e toda a Mesopotâ-
mia, a Síria, a Fenícia, o Egito, a Magna Grécia (sul da península itálica, inclusive a ilha
da Sicilia), expandindo o helenismo para quase toda a bacia do mar Mediterrâneo.
Dois feitos históricos de Alexandre são particularmente interessantes para o pros-
seguimento de nosso estudo: a conquista da Magna Grécia, consolidando a influência
grega naquela região; e a fundação da cidade de Alexandria (332 a. C.), onde um seu
general, Ptolomeu I, se estabelecerá como governante do Egito, vindo a criar a célebre
biblioteca, que vai se tornar extraordinário pólo de irradiação de cultura, com signifi-
cativa influência no mundo romano.
É tempo de entrar na segunda parte do nosso estudo.
Anotações
50
2 A Cultura Latina
A conotação das palavras “latino” e “latina” para nós, hoje, na maioria das vezes
não remete ao sentido que as palavras vão ganhar neste trabalho. Quando dizemos
que somos povos latinos, ou povo da América Latina, na maioria das vezes, estamos
esquecidos da razão porque assim somos considerados.
Ora, o adjetivo tem a ver com a língua; latinos foram povos da península itálica que
falavam “latim”; e latim/latino são palavras que interrelacionam com o nome da região
que tais povos ocupavam na península: os povos latinos antigos, que falavam latim,
habitavam o Lácio; ou, em latim, Latium.
51
INICIAÇÃO À CULTURA Ora, é bem sabido que o latim evoluiu, influindo decisivamente na formação de
Clássica GRECO-LATINA
outras línguas pelo mundo afora; os povos cujas línguas evoluíram à sombra da influ-
ência do latim são, por extensão, povos latinos. Mas os latinos da antiguidade eram
povos itálicos.
52
O conjunto do quadro geográfico propicia um clima variável mas, em geral saudá- A Cultura Latina
53
INICIAÇÃO À CULTURA férteis, propiciando mais facilidade ao amanho da terra, à agricultura dos cereais e à
Clássica GRECO-LATINA
diversificação dos frutos da terra. Isto ensejou o gosto pela prática agrícola, forjando
o caráter na apreciação dos resultados concretos e o físico na rudeza do trabalho nos
campos. Ao romano não importavam outros questionamentos que não fossem os liga-
dos à atividade agrícola ou à defesa dos seus campos e lavouras. Ao contrário dos gre-
gos, seu pensamento era pragmático: apreciava o que é útil; era ambicioso: valorizava
o que propicia o lucro; era sistemático: dava importância à lei e à ordem como forma
de melhor convivência e de melhores resultados imediatos.
Justamente pela menor disposição “pensar abstrato”, as manifestações do pen-
samento romano só acontecem por imitação e tardiamente, depois que os romanos
dominaram a Magna Grécia. Então, conquistadores pelas armas, os romanos foram
conquistados pela inteligência grega.
Costuma-se dividir a história do pensamento romano em períodos:
I – Período arcaico, desde a fundação até 240 a.C.;
II- Período helenístico – caracterizado pela produção exclusivamente de imitação;
vai até 81 a.C., ano marcado pela aparição de Cícero;
III- Período clássico, que se estende até 68 d.C. e é balizado pela morte de Nero.
Três eventos políticos sinalizam fases intermediárias: a) o consulado de Cícero;
b) o império de Augusto; c) a dinastia júlio-claudiana.
IV – Período pós-clássico, que se prolonga até a queda do império romano no
Ocidente, no séc. V d. C.
PERÍODO ARCAICO:
A origem do império romano não tem um marco histórico; é, geralmente, associa-
da à fundação da cidade de Roma, que se presume ter acontecido por volta de 753 a.
C., por iniciativa dos irmãos gêmeos Rômulo e Remo. Entretanto, a lenda envolve a
história; e a versão lendária é sempre lembrada: os dois irmãos, Rômulo e Remo, eram
filhos do deus Marte e da vestal Rea Sílvia; por ser vestal, i. é, sacerdotisa da deusa Ves-
ta, ela deveria manter-se virgem; sua gravidez implicou na condenação dos filhos que,
ao nascer, foram abandonados às margens do rio Tibre; uma loba os salvou e amamen-
tou e, mais tarde, um pastor os acolheu; já adultos, fundaram a cidade de Roma; mas,
no ato, uma discussão entre os gêmeos resultou na morte de Remo; Rômulo, então,
deu nome à cidade.
O conhecimento das vicissitudes que transformaram a cidade de Roma na capital
de um império tão grande que, nele, o sol nunca se punha (conforme uma frase co-
nhecida e comum) – é um outro viés das informações que dão substância à construção
de uma cultura clássica.
54
Para o nosso objetivo – fixar o que é clássico – pouco há o que informar deste A Cultura Latina
PERÍODO HELENÍSTICO:
O marco histórico do período é a conquista dos Romanos na Magna Grécia, apos- Ver a página. sobre a mitolo-
gia grega
sando-se da cidade de Tarento.
Várias foram as causas agentes da influência helenizante; e as cosequências se fize-
ram sentir nos segmentos mais importantes da vida romana:
Escravo grego da gens Iulia,
a) sobre a religião, porque os romanos “latinizaram” as divindades gregas, alforriado, passa a ser o precep-
tor dos jovens da família; e, de-
adotando-as ou incorporandoas aos seus antigos deuses; pois, funda a sua escola, vindo
a ser o primeiro professor em
b) sobre a educação, porque a língua grega se impôs como uma necessidade de Roma. Foi então que os jovens
latinos tomaram contato com a
atualização cultural aos embevecidos patrícios romanos diante do conhecimen- Odisseia, traduzida por Lívio
para o latim, para uso como ma-
to e da produção artística dos gregos; e aprender grego requeria mestres gre- terial didático..
gos, pedagogos, ou seja, escravos gregos tornados preceptores dos seus filhos;
c) sobre a vida social, cujos hábitos tradicionais passam a refinar-se, ao contato
com novos elementos de cultura;
d) sobre a língua, que enriquece o vocabulário de uso cotidiano com o léxico e a
fraseologia própria à expressão do abstrato.
55
INICIAÇÃO À CULTURA família; e, depois, funda a sua escola, vindo a ser o primeiro professor em Roma. Foi
Clássica GRECO-LATINA
então que os jovens latinos tomaram contato com a Odisseia, traduzida por Lívio para
o latim, para uso como material didático.
É de Ênio a frase Moribus an-
tiquis res stat Romana virisque/ São nomes representativos do período:
Nos homens e nos costumes
antigos se fundamenta a gran- • Névio (270-201 a.C) – o primeiro poeta latino, autor do Bellum Punicum, poe-
deza de Roma
ma em versos satúrnios;
• Ênio (239 – 169) – autor de Annale s, onde exprime com vigor o sentimento
romano;
• Catão, o Velho (234-149), escritor e orador;
• Plauto (259? – 184?) e Terêncio (190-159), comediógrafos;
• Lucílio (180-102), poeta satírico.
PERÍODO CLÁSSICO
O adjetivo “clássico” atribuido a este período deriva, justamente, da excelência
dos nomes e das produções que, então, surgiram, garantindo o reconhecimento dos
estudiosos até os nossos dias, mesmo porque continuam sendo fontes de inspiração
56
à análise, à crítica e à recriação. Como dissemos antes, três eventos políticos sinalizam A Cultura Latina
57
INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
Cícero (Marco Túlio Cícero - em latim Marcus Tullius Cicero, viveu de 106 a.C. - 43
a.C.), foi político, advogado, orador, filósofo, e escritor. Sem dúvida, é uma das perso-
nalidades mais marcantes da história de Roma, é personagem símbolo da sua época
e das mais importantes para o estudo da cultura clássica greco-latina. Isto principal-
mente pelas muitas obras que escreveu - em prosa - abrangendo, sobretudo, temas
Dos discursos citados, só o
Pro Archia não tem vinculação ligados à retórica, à filosofia, à política e à moral, e, ainda, inúmeros discursos, frutos
com a política; é uma defesa
criminal, mas o lembro aqui do exercício da advocacia ou da sua ação política.
porque contém um elogio à
poesia. Entretanto, foram os Discursos, a crítica enumera 61, mais fragmentos de outros 20, dos 120 que teria
discursos políticos que deram
maior renome ao orador. escrito; e relaciona entre os mais importantes As Verrinas (In Verrem – 70 a.C), Catili-
nárias (In Lucium Catilinam orationes IV – 63 a. C), Em favor de Arquias (Pro Archia
– 62 a. C), Filípicas (Philippicae orationes – 44/43 a.C.).
As obras retóricas têm conteúdo didático: Cícero ensina sobre a técnica da elabo-
ração do discurso, sobre as qualidades necessárias ao orador e exemplifica, trazendo
a história da oratória romana numa obra intitulada Brutus (De claris oratoribus). Ou-
tras, do gênero, são: Rethoria ou de inventione, De oratore, Orator ad M. Brutum,
Partitiones oratoriae.
As obras filosóficas distribuem-se em:
- Tratados políticos: De Republica (6 livros), De legibus (6 livros);
- Tratados metafísicos, p.ex.: De natura deorum; De finibus bonorum et malo-
rum, Tusculanae disputationes;
- Tratados sobre a moral: De officiis, De senectute, De amicitia.
58
A Cultura Latina
Numa apreciação genérica sobre as ideias filosóficas de Cícero, importa dizer
que valem menos pela originalidade (que é encontrada nos tratados políticos) do
que valem pela condição de intermediar teorias das fontes gregas das quais fez
uso, trazendo-as para nós, com os recursos da retórica e o brilho de estilo que
distinguiram todos os seus escritos, e que lhe garantiram – ao lado de Demóstenes
– o título dos melhores oradores de todos os tempos. A crítica, em geral, considera
Cícero um eclético.
59
INICIAÇÃO À CULTURA servindo como referência mesmo aos estudiosos de hoje, históriadores e estudiosos
Clássica GRECO-LATINA
da língua latina.
Virgílio, Públio Virgílio Marão – em latim Publius Vergilius Maro (70 a.C. – 19
d.C.) é, reconhecidamente, nome imortalizado na literatura latina, criador de
60
uma obra poética capaz de suscitar admiradores e inspirar continuadamente A Cultura Latina
61
INICIAÇÃO À CULTURA com o rebanho e o quarto canto sobre apicultura. Os detalhes referem as-
Clássica GRECO-LATINA
suntos ligados à vida rural; por exemplo, dos dias propícios ao plantio; dos
diferentes tipos de solo e das suas qualidades; da importância de escolher a
terra própria para cada tipo de planta; da necessidade de alternância de cul-
turas; da irrigação de terras secas; da importância da seleção das sementes;
da enxertia e do transplante da videira; do aprimoramento dos espécimes
animais; da formação de um apiário e do cuidado com as colmeias. Bem se
vê aí um verdadeiro tratado de agronomia.
A par dessas instruções de ordem prática, temas de natureza moral, cívica e religio-
sa vêm à tona, tais como o valor dignificante do trabalho, a importância da organização
e da ordem, a responsabilidade dos atos humanos, as obrigações do homem com a
divindade, a efemeridade da existência humana. Para estas ideias muito concorreu a
influência epicurista do escritor Lucrécio e do seu livro De rerum natura, seguramen-
te uma das fontes do poeta mantuano.
Não é difícil concluir que é patente a atualidade dos temas tratados por Virgílio nas
Geórgicas, comprovando-se, de novo, a perenidade dos valores culturais herdados da
antiguidade greco-latinna.
• A Eneida é o poema maior da literatura latina. Está estruturado em doze
cantos, somando 9. 826 versos. A história é rica em detalhes. No primeiro
canto, há o relato das vicissitudes de Eneias, fugindo de Tróia. No mar, os
navios do herói são atingidos por uma violenta tempestade e a chegada dele
a Cartago; tudo é consequência da intervenção dos deuses, particularmente
de Juno e Vênus. No segundo canto, a rainha Dido, já apaixonada, ouve do
herói o relato dos acontecimentos da guerra de Tróia. O relato termina no
canto III: Eneias detalha as escalas da sua viagem desde Tróia (Trácia, Delos,
Estrofades, Creta, Ítaca, Sicília e Epiro) e outros acontecimentos, como o
encontro com as harpias e a morte de Anquises. No quarto canto, Dido, no
clímax da paixão, se entrega à Eneias; entretanto, Mercúrio, como emissário
de Júpiter, vem lembrar o herói que deve abandonar Cartago e cumprir a sua
missão, o seu destino. Consciente, o herói abandona Dido, que o amaldiçoa
e se suicida. Eneias, então, parte para a Sicília, onde realiza jogos fúnebres
em homenagem ao aniversário da morte de seu pai Anquises (canto V ). Na
sequência, em Cumas, Eneias encontra a sacerdotisa de Apolo e obtém a
permissão para entrar no mundo dos mortos, onde encontra Anquises, que
antecipa informações sobre o futuro de Roma (canto VI). No canto seguinte,
narra-se a chegada de Eneias à região do Tibre, o encontro com o rei Latino,
62
que lhe oferece a mão da filha, Lavínia; por isso, atrai a inimizade da rainha A Cultura Latina
63
INICIAÇÃO À CULTURA A Eneida é quase uma unanimidade na apreciação da crítica literária, desde o seu
Clássica GRECO-LATINA
aparecimento, mantendo-se como um dos textos literários primordiais - analisado,
estudado, criticado, reinventado – renovando-se como inspiração para todas as formas
de expressão artística.
Ele mesmo parece ter tido
muito orgulho do seu trabalho,
o que transparece nos famosos Horácio, Quinto Horácio Flaco – em latim Quintus Horatius Flaccus (65 a.C.
versos:
Construí um monumento – 8 d.C) foi contemporâneo e amigo de Virgílio, que o apresentou a Mecenas,
mais duradouro que o bronze
E ainda mais alto que a real passando a gozar os favores da corte augustana; manteve, porém, sua indepen-
decrepitude das pirâmides.
(Hor. III, 30, 1-2) dência pessoal, conciliando bem a arte e a vida. São as seguintes suas obras:
Odes (4 livros), Epodos, Sátiras (2 livros), Epistolas.
• As Odes são poesias de conteúdo lírico, nas quais a crítica vê o melhor da produ-
ção horaciana. Costumam ser dividas em odes ligeiras e odes cívicas e religiosas.
Nas primeiras, os temas são os comuns à poesia lírica: expressão de sentimentos
Ver antologia, ao final desse
estudo.
pessoais diante da natureza e da vida (amor, amizade, reflexões). No conjunto,
tem-se uma poesia “filosófica”, deixando entrever uma postura epicurista diante
da existência, o que poderia ser inferido do célebre carpe diem.
Nas odes cívicas e religiosas, a poesia de Horácio assume um tom moralizan-
te e decisivamente educativo patriota; aparece uma crítica aos costumes do
tempo para a exaltação do passado grandioso, de Roma e do Imperador Au-
gusto; bem assim é, também, o Carmen Saeculare, composto especialmente
para os Jogos Seculares, realizados por Augusto em 17 a. C.
• Os Epodos (ou Iambos) e as Sátiras (ou “Sermones”) podem ser vistos como
um duo de igual inspiração na criação horaciana; ou seja, tanto nos 17 poe-
mas dos Epodos quanto nos dois livros de Sátiras a inspiração, o conteúdo
e o tom da expressão são os mesmos. A inspiração vem da sátira de Lucílio
e da influência do grego Arquíloco; o conteúdo, consiste na indicação pers-
picaz do ridículo nos homens; a expressão, é sempre uma variável do tom
jocoso para a ironia e/ou para a mordacidade.
• As Epístolas de Horácio são poemas cartas; ou cartas em forma de poema.
O poeta as chamou, também, sermones, isto é, “conversas”. Estas conver-
sas, como as produções anteriores, nascem da observação do mundo e dos
homens, mas feita, agora, num momento mais sereno da vida do poeta, o
que explica revelarem maior ponderação. São, ao todo, 23 cartas, a maioria
de sentido moralizante. E uma, a mais famosa, de reflexão sobre a arte lite-
rária, conhecida como Ars poetica (Arte poética), foi, na origem, uma carta
escrita aos Pisões, melhor explicando, aos filhos do cônsul Calpúrnio Pisão.
Demonstrando influências tanto de Platão quanto de Aristóteles, Horácio
64
ensina os princípios básicos de uma composição literária; discorre sobre os A Cultura Latina
Ovídio, Públio Ovídio Naso, em latim Publius Ovidius Naso (43 a.C. – 17 p.C.)
– é, dentre os componentes da tríade, o que melhor realiza em si o provébio ... quod tentabam scribere
latino “poeta nascitur...”, um poeta nasce poeta. Ele mesmo narra que, quando versus erat. (Trist , 4, 10 26)
65
INICIAÇÃO À CULTURA Remedia Amoris, criada para ser o reverso da obra anterior, ou seja, ensina-se como
Clássica GRECO-LATINA
alguém pode livrar-se de uma paixão. O conselho principal é: para expulsar um amor,
é preciso encontrar outro.
De medicamine faciei (Remédios para face), fala sobre o uso de cosméticos - é
bem uma prova de quanto Ovídio fixava-se em tudo quanto se refere à arte feminina
da sedução.
Do período da maturidade, importa destacar as Metamorfoses (Metamorphoseon,
libri XV ) e Fastos (Fasti).
Metamorfoses são a obra-prima de Ovídio, a obra de maior e mais perene influên-
cia. Muitas gerações conheceram os mitos e as fábulas da antiguidade através desta
obra. Ovídio parece ter planejado uma história da humanidade, dando à obra uma
feição de epopeia, começando a narrativa pelo caos original para chegar à apoteose de
César. Pode-se dizer que o mundo das Metamorfoses é o mundo das divindades sem as
características olímpicas. A obra compreende 15 livros. Vale a pena conhecer algumas
(são 246!) das fábulas de cada um dos cantos para se perceber o mundo lendário que
o poeta atualizou em latim, e do latim para a posteridade: I – O caos, a criação do
mundo, a origem do homem, as quatro idades da humanidade, o dilúvio, Deucalião e
Pirra; II- A história de Faetonte; III- Cadmo e o dragão, Eco e Narciso; IV- Perseu e An-
drômeda; V- Prosérpina; VI – Aracne e Níobe; VII – Medeia, a feiticeira; VIII – Dédalo
e Ícaro, Filemon e Baucis; IX – A apoteose de Hércules; X – Orfeu e Eurídice; XI – A
morte de Orfeu; XII – O sacrifício de Ifigênia; XIII – O saque de Troia, A fuga de Eneias;
XIV – A apoteose de Eneias; XV – A apoteose de Augusto.
As Metamorfoses foram, ao longo dos tempos, uma constante fonte de inspiração
para novas criações artísticas; e aí vale a pena destacar o quanto serviu sua obra para a
arte plástica, particularmente para a pintura, conforme se exemplifica a seguir.
66
A Cultura Latina
Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C) integra, com Júlio César, Salústio, Cornélio Ne-
pos, Anísio Polião, Tácito e Suetônio uma galeria de representantes dos escri-
tores do gênero histórico em Roma.
67
INICIAÇÃO À CULTURA Já demos o possível destaque a César; e agora falemos de Títo Lívio. Sua imensa obra
Clássica GRECO-LATINA
intitulada Ab urbe condita libri, em português Desde a fundação da cidade, já revela
no título as intenções do autor. Entretanto, dos 142 livros de que essa história de Roma
se compunha, tem-se hoje apenas 35. Não obstante isso, e apesar de acolher na sua obra
também referências lendárias, sobretudo em relação às origens de Roma, Tito Lívio é res-
peitado como historiador. Concorre para isso a preocupação de tornar a narrativa - mais
do que uma relação de fatos e de ações, que ele procura transmitir com seriedade - uma
forma de ensinar, talvez consciente do que Cícero já doutrinara: a história é a mestra da
vida. Além disso, a narrativa de Lívio atrai pela vivacidade com que recupera e transmite
os fatos, sem descuidar de insinuar a psicologia das figuras históricas. Enfim, o que asse-
V. Giordani, p. 246 gura um lugar de destaque a Tito Lívio e lhe dá foros de historiador-fonte, o seu grande
mérito, “foi ter extraído o que havia de mais verossímil na Literatura Histórica anterior e,
sobretudo, de havê-lo fixado para o porvir, graças à superioridade de sua arte”.
68
Tácito e Suetônio. A Cultura Latina
69
INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
Sêneca, Lúcio Aneu Sêneca (4 - 56 d. C.), foi um dos mais célebres escritores e inte-
lectuais do Império Romano. Conhecido também como Sêneca, o Moço, o Filósofo,
ou ainda, o Jovem, sua obra literária e, principalmente, a filosófica, é considerável; e
o autor, a máxima expressão do pensador estoico latino, inspirou o desenvolvimen-
to da tragédia na dramaturgia e contribuiu grandemente no pensamento filosófico
ocidental.
Hispânico de nascimento, veio para Roma com o pai, logo envolvendo-se na vida
pública; desenvolveu intensa ação política e intelectual. Sua produção literária abran-
ge tratados filosóficos, tragédias e uma sátira.
Dentre os tratados filosóficos merecem destaque: De ira (três livros); De Consola-
tione (reunem-se aqui três consolationes: a Políibio, a Marcia, à mãe Élvia); De Cons-
tantia sapientis; De Providentia; De vita beata; De otio; De tranquilitate animi; De
brevitate vitae; De beneficiis; Epistolae ad Lucilium (124 cartas).
Esses tratados mantêm certas características comuns: uma preocupação com as
questões práticas da vida e com a moral; um ecletismo de ideias, com predileção pelo
estoicismo. Pelo tom geral, essas obras de Sêneca resvalam para o que, hoje, se chama-
ria de aconselhamento espiritual.
Além delas, ainda no âmbito da filosofia, merecem menção os Quaestionum Na-
turalium Libri (Livros sobre as questões naturas), um estudo sobre os fenômenos
naturais a partir da filosofia estóica.
70
Sêneca escreveu também nove tragédias, todas inspiradas em modelos gregos; uma A Cultura Latina
tem merecido referência especial, Medeia, sempre confrontada com o modelo origi-
nal, a peça de Eurípides. Há certo consenso na apreciação de que as tragédias sene-
quianas se destinavam à recitação retórica, não à representação dramática.
A sátira que Sêneca compôs passa por ser sua obra mais original; o título, em grego,
é Apocolocyntosis (=aboborização); aqui, vale apenas a menção.
Quintiliano, Quinto Fábio Quintiliano (30 d.C,?-95 d.C) foi advogado e retor, isto
é, dirigente de uma escola de retórica que ele mesmo fundara, vindo a ser o primeiro
a ser pago, em Roma, para ensinar. Essa experiência docente serviu para dar suporte
prático às muitas teorias que acumulou pela leitura de autores gregos e latinos, firman-
do, afinal, um cabedal próprio de princípios relativos não apenas ao ensino das técni-
cas da oratória mas à educação da criança como um todo. É o que se pode comprovar
pela leitura de sua obra A Instituição Oratória, composta em doze livros.
Interessante que, já então, Quintiliano antecipava ideias didático-pedagógicas que
agora são discutidas pelos teóricos modernos, por exemplo em relação à importância
e à metodologia de ensino da leitura, às conveniências e inconveniências da educação
escolar. E também já apontava a importância dos clássicos – ele falava de Cícero, por
exemplo – como modelos dignos de imitação.
Petrônio e Apuleio – são lembrados juntos, aqui, porque ambos trabalharam um Raymond Queneau, in apre-
gênero de narativa que, às vezes e impropriamente, é entendido como nascido nos sentação de Satíricon, Petrônio,
tradução de Cláudio Aquati, p. 7
tempos modernos. Trata-se do romance.
Petrônio - Caio ou Tito Petrônio – é identificado com um personagem que fre-
quentava a corte de Nero e a quem o imperador distinguia como arbiter elegantiae
(árbitro da elegância). As circunstâncias de seu nascimento são desconhecidas, mas
da morte não: Petrônio foi obrigado a cortar os pulsos, acusado de participar de uma
conspiração contra o Imperador; isto no ano 65 a.C.
Atribui-se a Petrônio a autoria de um romance hoje famoso: Satíricon, motivando
manifestações como esta: “De todos os escritores da Antiguidade não há nenhum
mais moderno do que Petrônio ”. E a história do texto desse romance ainda dá
margem a conjecturas e especulações, mesmo sendo, como é, incompleto: não se
71
INICIAÇÃO À CULTURA tem nem o começo nem o fim. “Nos trechos remanescentes, o Satíricon contas as
Clássica GRECO-LATINA
aventuras e desventuras de dois rapazes que perambulavam pelo sul da Itália, nas
imediações de Pompeia e Nápoles. (... ) Um deles é Encólpio, o narrador e perso-
nagem principal. Jovem bissexual, ciumento, covarde e violento, é um estudante
que aparentemente conhece as letras, a retórica em particular. Acompanha-o Gitão,
adolescente que tem por volta de dezesseis anos, um homossexual efeminado, vo-
lúvel e disseminado.” Só por esta síntese mínima já se vê que estamos falando de
uma narrativa capaz de suscitar viva curiosidade. E controvérsias. Até porque “Entre
as personagens que povoam o enredo desse romance (... ) nenhuma há que tenha
Essa informação acima, bem
como as linhas abaixo são, bons princípios morais...” E, então, donde o valor do Satíricon? Pode-se dizer que o
quase todas, uma “costura” de
excertos do posfácio escrito por Satíricon tem um caráter multifacetado. Primeiro, suscitou o interesse a gramáticos
Claudio Aquati (e transcritos
ipsis litteris) em apêndice à sua de várias épocas, por causa dos fenômenos linguísticos que documenta, fazendo um
tradução do Satíricon.( p. 224 e
seguintes; ver bibliografia)
registro único das particularidades da lingua cotidianamente falada, o latim vulgar;
e, depois, tardiamente, motivou estudos sobre a qualidade literária que esconde
com recursos hábeis, como o de dar voz aos libertos, a descrição dos valores desse
gruupo social, feita a partir de seus próprios representantes, a supressão do dis-
curso direto de personagens de fala culta, a construção de uma narrativa circular,
o emprego da paródia, da intertextualidade, entre outros. Em relação à história da
literatura antiga, o Satíricon tem importância decisiva como oposição e transgres-
são ao tradicional, não só por seus conteúdos e formas, mas também pelo choque
com o que se encontra acomodado. Em relação à literatura moderna, o Satíricon é
um texto dos mais importantes, não apenas pela consagração definitiva do gênero
romance, mas por uma (im)pertinente e continuada inspiração à produção artística
ainda em nosso tempo.
Apuleio (125 - 164) era cidadão romano, mas sua pátria de nascimento foi a Nu-
mídia, na África. Seu nome repercute até a atualidade por causa da sua obra intitulada
O asno de ouro, uma narrativa em prosa em 11 livros a que inicialmente chamou
Metamorfoses. Trata-se da narrativa das aventuras do jovem Lúcio, que é transfor-
mado por magia em burro e que só recupera a forma humana graças à intervenção
da deusa Ísis, a cujo serviço se consagra. O Asno de Ouro aproxima-se do Satíricon
pela narrativa autodiegética, bem como pelo conteúdo ironizante e anti-heroico, fre-
quentemente definido como pícaro. Nesse sentido, produções esparsas da literatura
moderna acusam influências dificilmente definíveis como sendo só de uma ou de
ambas as obras. O exemplo,
com frequência lembrado, é Dom Quixote de La Mancha.
72
Finalizando a reportagem A Cultura Latina
73
INICIAÇÃO À CULTURA • No direito: a regulação dos direitos e deveres, nos diversos segmentos da vida do
Clássica GRECO-LATINA
indivíduo e das relações sociais, tem a sua formulação mais antiga derivada das
especulações éticas dos filósofos gregos, concretizadas pelo pragmatismo atávico
dos latinos nos artigos, ainda indispensáveis, dos códigos do direito romano.
• Na educação: em qualquer dos aspectos, intelectual, moral e físico, paira sobre
o universo dos métodos didático-pedagógicos o espírito helenizante, represen-
tado – de forma concreta – pela revivência periódica dos Jogos Olímpicos.
74
TEXTOS – Excertos antológicos A Cultura Latina
75
INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
HESÍODO - Excerto da T e o g o n i a – O nascimento de Zeus
Reia submetida a Cronos pariu brilhantes filhos:
Hésia, Deméter e Hera de áureas sandálias,
O forte Hades que sob o chão habita um palácio
Com impiedoso coração, o troante Treme-terra
E o sábio Zeus, pai dos deuses e dos homens,
Sob cujo trovão até a ampla terra se abala.
E engolia-0s o grande Cronos tão logo cada um
Do ventre sagrado da mãe descia aos joelhos,
Tramando-o para que outro dos magníficos Uranidas
Não tivesse entre os imortais a honra de rei.
Pois soube da Terra e do Deu constelado
Que lhe era destino por um filho ser submetido
Apesar de poderoso, por desígnios do grande Zeus.
E não mantinha vigilância de cego, mas à espreita
Engolia os filhos. Reia agarrou-a grande aflição.
Mas quando a Zeus pai dos Deuses e dos homens
Ela devia parir, suplicou então aos pais queridos,
Aos seus, à Terra e ao Ceu constelado,
Comporem um ardil para que oculta parisse
O filho, e fosse punido pelas Erínias do pai
76
uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como A Cultura Latina
um acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A exce-
lência moral, portanto, é algo como equidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o
meio termo. Ademais é possível errar de várias maneiras, ao passo que só é possível
acertar de uma maneira (também por esta razão é fácil errar e difícil acertar – fácil
errar o alvo, e difícil acertar nele); também é por isto que o excesso e a falta são ca-
racterísticas da deficiência moral, e o meio termo é uma característica da excelência
moral, pois a bondade é uma só, mas a maldade é múltipla.
Fonte: Texto parcial - Revista Diálogo Educacional, Curitiba. Disponível em: <http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resu-
mos_comentarios/e/etica_a_nicomaco >. -Acesso em: 25 fev. 2011.
77
INICIAÇÃO À CULTURA anunciar, adeus! Procura suportar da melhor maneira aquilo que é fatal”! [...] Sócrates,
Clássica GRECO-LATINA
levantando os olhos para ele, disse-lhe: “A ti também, adeus! No tocante a nós, segui-
remos tua recomendação”! A esta altura, Sócrates voltou-se para nosso lado e disse:
“Quanta gentileza neste homem! [...]. E hoje, que generosidade na maneira como
chora a minha sorte! Vamos, pois! Obedeçamos-lhe, Críton. Tragam-me o veneno se já
estiver socado; caso ainda não esteja, que disso se ocupe quem estiver encarregado”!
Então Críton disse: “Mas Sócrates, se não me engano, o sol ainda está sobre as
montanhas e não acabou de se pôr. Também ouvi dizer que outros beberam o veneno
muito tempo depois de terem recebido o convite, e isto só depois de haverem comido
e bebido á saciedade [...] Vamos! Nada de precipitações: há tempo ainda”! Ao que
replicou Sócrates: “É natural, sem dúvida, Críton, que assim procedessem as pessoas
a que te referes, pensando, com efeito ganhar algo com isso. Quanto a mim, porém,
também é natural que não faça nada, pois penso que, deixando para beber um pouco
mais tarde o veneno, outra coisa não lucro senão ter-me tornado objecto de escárneo
para mim mesmo, [...] Basta, porém, de falar; vai, obedece e não me contraries”.
Assim interperlado, Críton fez sinal a um dos servidores que se mantinha perto.
Este saiu e voltou ao cabo de certo tempo, trazendo consigo quem deveria ministrar
o veneno já moído numa taça. Ao ver o homem Sócrates disse o seguinte:”Meu caro!
Tu que estás ao corrente do assunto, dize-me o que devo fazer. Nada mais, respondeu,
que dar uma volta depois de ter bebido, até que sintas tuas pernas pesadas, deita-te em
seguida e permanece estirado: com isto ele produzirá efeito”. Dizendo isto, estendeu a
taça a Sócrates. Este tomou-a, conservando, toda a serenidade, sem um tremor sequer,
sem a mínima alteração nem da côr nem dos traços. [...] Logo [...], sem parar, sem
demonstrar a mínima resistência ou enjôo, bebeu até ao fundo.
Então nós, que quase todos havíamos feito o máximo até aquele momento para
não chorar, ao vermos que bebia, que já tinha bebido, não pudemos mais conter-nos
[...]”Que fazeis lá? exclamou este (Sócrates)1 sois mesmo extraordinários! Se mandei
embora as mulheres, foi sobretudo pelo seguinte: para evitar da parte delas semelhan-
te falta de medida; pois como me ensinaram, é com palavaras felizes que devemos
terminar. Guardem, pois calma e firmeza”! Ao ouvir tal linguagem, sentimo-nos enver-
gonhados e deixámos de chorar.
Ele, porém, continuava a andar quando declarou que sentia as pernas tornarem-se
pesadas. Então, deitou-se de costas, como efectivamente lhe recomendara o homem.
Ao mesmo tempo, este aplicava a mão aos pés e às pernas examinando-o por intervalos.
1 - Interpolação minha
78
[...] Ao cabo de curto momento, ele teve, entretanto, um sobressalto. Então, o homem A Cultura Latina
descobriu-o: o seu olhar estava fixo. Vendo isto, Críton fechou-lhe a boca e os olhos.
Assim, foi o fim que vimos dar a nosso companheiro, o homem do qual podemos
dizer, com justiça, que, dentre todos os de seu tempo que nos foi dado conhecer, foi o
melhor, e, além disto, o mais sábio e o mais justo.
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/socrates/mortedesocrates.htm - Acesso em 25 fev. 2011
SAFO - Poemas
É minha esta criança.
Cleia se chama
E o seu corpo lembra
Uma flor de oiro.
Por nada eu trocava:
Nem pela Lídia toda
Nem pela minha amada...
(GIEBEL, Marion. Safo.Tradução de Maria Emilia Moura. Porto: Distri Editora, 1980. p. 37)
79
INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA E, tão doce, a tua voz escuta,
Ou terno riso – que tanto agita
Meu coração de súbito, pois basta ver-te
Para que não atine com o que digo,
Ou a língua se me torna inerte.
Um sutil fogo me percorre a pele,
Deixam de ver os meus olhos, zunem meus ouvidos,
80
A Cultura Latina
em vez de trazê-las para verem o espetáculo;
assim elas não precisam sentir sede, as crianças não morrem de fome
e não berram aqui, como cabritos desmamados;
que as senhoras vejam o espetáculo em silêncio, que
riam silenciosamente,
e que saibam moderar, aqui, o ruído de suas vozes esganiçadas;
que elas tagarele em casa para que, ao menos aqui,
não irritem os homens como fazem quando estão em casa.
(CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura Latina. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 31-32).
CATULO - Carmina
Carmen 85 Poema 85
Odeio e amo. Talvez tu me perguntes porque pro-
Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris.
cedo assim.
Nescio, sed fieri sentio et excrucior Não sei, mas sinto isto dentro de mim e me angustio.
Carmen 05 Poema 05
Vivamos, minha Lésbia, amemo-nos,
Viuamus, mea Lesbia, atque amemus,
E a todas as censuras dos velhos demasiada-
rumoresque senum seueriorum mente austeros,
omnes aestimemus unius assis. demos o valor de um único asse.
Os sóis podem se pôr e retornar;
Soles occidere et redire possunt; Quando, porém, numa única vez a breve luz
Nobis cum semel occidit breuis lux, 5 De nossas vidas desaparece no ocaso,
somos obrigados a dormir uma noite sem fim.
Nox est perpetua una dormienda.
Dá-me mil beijos, depois cem,
Da mi basia mille, deinde centum, e a seguir outros mil e mais cem
e depois ininterruptamente outros mil e mais cem.
Dein mille altera, dein secunda centum.
A seguir, depois que tivermos trocado estes mui-
Dein, cum milia multa fecerimus, tos milhares de beijos
conturbabimus illa, ne sciamus, 10 alteraremos a soma deles para que não saib-
amos quantos foram
aut nequis malus inuidere possit,
ou para que nenhum invejoso possa
cum tantum sciat esse basiorum. nos lançar uma mau-olhado quando
souber exatamente o número destes beijos.
(CATULO/CATVLLVS. O Cancioneiro de Lésbia. Tradução de Paulo Sérgio de Vasconcelos. São Paulo: Hucitec, 1991, p.38-39; 64-65.
81
INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
CÍCERO - Excerto do tratado intitulado De Senectute (Sobre a velhice).
Nesse trecho, Catão, o Censor, compara a mocidade e a velhice.
82
A Cultura Latina
sobre o leito, beijando-o “Morreremos sem vingança, mas morramos”, diz. [...]
Dissera; e, enquanto ainda falava, suas damas vêem-na caída sobre o ferro;
vêem a espada espumando com sangue e as mãos desfalecentes.
(In VIRGÍLIO, Eneida, Tradução Tassilo Orpheu Spalding. São Paulo: Cultrix, 1999.
HORÁCIO - POEMAS *2
Carmina I, 4. Odes I, 4.
Soluitur acris hiems grata uice ueris et Fauoni Esvai-se o rigoroso inverno com a volta aprazível da
trahuntque siccas machinae carinas, primavera e dos zéfiros
e os barcos, da terra seca, são impelidos ao mar;
ac neque iam stabulis gaudet pecus aut arator igni
não se aquece mais a ovelha nos estábulos, nem o
nec prata canis albicant pruinis. lavrador ao pé do fogo
Iam Cytherea choros ducit Venus imminente luna nem os campos branqueiam com a alva neve.
Iunctaeque Nymphis Gratiae decentes Vênus, a Citérea, já traz seu cortejo sob a luz da lua
Alterno terram quatiunt pede, dum graues Cy- e as Graças elegantes, unidas às Ninfas,
clopum embalam a terra ritmadamente, enquanto Vulca-
no, ardente,
Vulcanus ardens urit officinas.
inflama as rubras forjas dos Cíclopes.
Nunc decet aut uiridi nitidum caput impedire myrto É bom, agora, cingir os cabelos brilhantes com
aut flore, terrae quem ferunt solutae; verde coroa de mirto
nunc et in umbrosis Fauno decet immolare lucis, ou de flores, que a natureza generosa produz;
seu poscat agna siue malit haedo. é bom, nos bosques verdejantes, imolar a Fauno
Pallida mors aequo pulsat pede pauperum taber- quer seja uma ovelha, quer seja um cabrito.
nas A pálida morte bate, igualmente, às portas das tav-
ernas dos pobres
regumque turres. O beati Sesti,
Ou dos castelos dos reis. Ó feliz Séstio,
uitae summa breuis spem nos uetat inchoare lon- a vida é, enfim, tão breve que nos impede acalen-
gam. tar grandes esperanças
Logo pesarão sobre ti a noite e os Manes, estes
fantasmas,
2 - Os textos latinos dos poemas de Horácio são extraídos de HORACE, Oevres, publiés par F.
Plessis et P.Lejay. Paris: Hachette et Cie., 1909. A tradução da Ode I, 11 foi retirada de: NO-
VACK (Org.). Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
A tradução das Odes I, 4 e I, 9 são do autor deste livro.
83
INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA Iam te premet nox fabulaeque Manes e a casa ilusória de Plutão, na qual, tão logo
et domus exilis Plutonia, quo simul mearis, chegares,
Nec regna uini sortiere talis Não tirarás na sorte seres rei do banquete,
Nem terás olhos para o gentil Licidas, a quem hoje
nec tenerum Lycidam mirabere, quo calet iuventus
toda a mocidade
nunc omnis et mox uirgines tepebunt. cobiça, e por quem logo as moças arderão de
amor.
(Trad. Prof. Aécio F. Carvalho - 05/11/99)
Carmina 1, 9 Odes 1, 9
Vides ut alta stet niue candidum Vê como se alteia, branco de densa neve,
Soracte nec iam sustineant onus o Sorate; como as florestas, curvando as comas,
não mais sustêm tanto peso
siluae laborantes geluque
e como os rios cristalizam-se em gelo espesso?
flumina constiterint acuto? Dissipa o frio alimentando a fogueira
Dissolue frigus ligna super foco com muita lenha e, mais generosamente,
Large reponens atque benignius ó Taliarca, manda servir, de uma ânfora sabina,
deprome quadrimum Sabina, um vinho de quatro anos.
o Thaliarche, merum diota. Tudo o mais, deixa-o aos deuses: assim que eles
acalmarem os ventos revoltos sobre o mar agitado,
Permitte diuis cetera, qui simul
nem os ciprestes,
strauere uentos aequore feruido nem os velhos freixos se agitarão mais.
deproeliantes, nec cupressi Como será o amanhã, não queiras saber;
nec ueteres agitantur orni. qualquer seja o dia que te der a sorte, como lucro
Quid sit futurum cras, fuge quaerere, et o tenhas, nem desdenhes
quem fors dierum cumque dabit, lucro ó jovem, os doces amores ou as danças,
adpone nec dulces amores enquanto longe ainda está da tua juventude
a velhice molesta. Agora, é o Campo de Marte, são
sperne, puer, neque tu choreas
as praças,
donec uirenti canities abest e são suaves sussurros à sombra da noite,
morosa! Nunc et Campus et areae que se sucedem no momento certo;
lenesque sub noctem susurri agora, é o riso agradecido da menina
composita repetantur hora, traindo o que ela esconde no âmago da alma;
nunc et latentis proditor intumo é um prêmio roubado dos braços
e das mão, simuladamente resistentes.
gratus puellae risus ab angulo
(Trad. Prof. Aécio F. Carvalho - 05/11/99)
pignusque dereptum lacertis
aut digito male pertinaci.
Elige cui dicas: “Tu mihi sola places.” Elege, pois, aquela a quem dirás:
Haec tibi non tenues veniet delapsa per auras; “Só tu me podes agradar.”
Todavia não julgues que ela vá
Quaerenda est oculis apta puellis tuis.
Cair-te do céu, surgir do ar...
Terás com teus olhos procurá-la,
Se por fim a desejas encontrar.
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A Cultura Latina
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INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
Referências
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INICIAÇÃO À CULTURA
Clássica GRECO-LATINA
Anotações
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