Daniela C

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Mestrado
Área de Concentração: Psicologia Aplicada

PSICANÁLISE E SAÚDE PÚBLICA: CUIDADOS BÁSICOS


PARA OS ESTADOS DE SOFRIMENTO PSÍQUICO
NA PRIMEIRÍSSIMA INFÂNCIA

DANIELA DE CASTRO BRITO LANDIM

UBERLÂNDIA
2008
ii

DANIELA DE CASTRO BRITO LANDIM

PSICANÁLISE E SAÚDE PÚBLICA: CUIDADOS BÁSICOS


PARA OS ESTADOS DE SOFRIMENTO PSÍQUICO
NA PRIMEIRÍSSIMA INFÂNCIA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Psicologia –
Mestrado, do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Psicologia Aplicada.

Área de Concentração: Psicologia


Aplicada

Orientador(a): Prof. Dr. João Luiz Leitão


Paravidini

UBERLÂNDIA
2008
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L257p Landim, Daniela de Castro Brito, 1980-


Psicanálise e saúde pública : cuidados básicos para os estados
de sofrimento psíquico na primeiríssima infância / Daniela de Castro
Brito Landim. - 2008.
143 f.
Orientador: João Luiz Leitão Paravidini.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.

1. Psicanálise infantil - Teses. 2. Saúde pública - Teses. 3.


Saúde mental infantil - Teses. I. Paravidini, João Luiz Leitão. II.
Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação
em Psicologia. III. Título.

CDU: 159.964.2

Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação


Mg 06/08
iii

DANIELA DE CASTRO BRITO LANDIM

PSICANÁLISE E SAÚDE PÚBLICA: CUIDADOS BÁSICOS PARA OS ESTADOS


DE SOFRIMENTO PSÍQUICO NA PRIMEIRÍSSIMA INFÂNCIA

Banca Examinadora da Dissertação de Mestrado

Orientador: Prof. Dr. João Luiz Leitão Paravidini

Membros:

__________________________________________________________
Prof.ª Dra. Ana Beatriz Freire – UFRJ

___________________________________________________________
Prof.ª Dra. Anamaria Silva Neves – UFU

___________________________________________________________
Prof.ª Dra. Neiry Primo Alessi – USP/RP

Uberlândia, 06 de Junho de 2008.


iv

À minha mãe Berenice, meu pai Valdair

e minha irmã Tatiana, pessoas mais

importantes da minha vida;

Ao Fernando por ser tão especial;

Às minhas avós Chiquinha e Maria,

exemplos a serem seguidos.


v

AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial aos meus Pais, por se dedicarem tanto, vocês me fazem

ser uma pessoa melhor, muito obrigada pelo amor, carinho e apoio de sempre.

Às crianças e familiares por mim assistidos, pelo aprendizado imensurável.

Ao prefeito Marcos e toda a sua equipe Elisa, Ivana, Dr. João, Cínthia, Tiziane, Sueli,

Juliana, Elizandra, Samira e demais profissionais da Unidade Básica de Saúde de Pirajuba,

por terem acreditado e possibilitado este trabalho.

Ao professor João Luiz, mestre e amigo, pelo voto de confiança, apoio e carinho

dedicado.

À Marineide, Anamaria, Silvia Maria, Maria Lúcia, Caio, Émerson e demais

professores e colegas do Mestrado em Psicologia Aplicada pelas significativas trocas que

possibilitaram meu engrandecimento profissional.

Às psicólogas e amigas Hélvia, Ludmilla, Giselle, Patrícia, Luizana, Isaura, Andréa e

Ana Carolina pelos momentos, conhecimentos e aprendizado compartilhados.


vi

SUMÁRIO

Resumo....................................................................................................................................viii
Abstract......................................................................................................................................ix

CAPÍTULO I...........................................................................................................................01
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................03
1.1 A Questão da Saúde Mental Infantil..............................................................................07
1.2 Transtornos que Acometem o Desenvolvimento Infantil..............................................11
1.3 Estudo de Sinais Indicadores de Sofrimento Psíquico na Primeira Infância.................15
1.4 Identificação e Intervenção Precoces.............................................................................26
1.5 Técnica de Observação da Relação Mãe-Bebê-Família e o Processo de Intervenção
Conjunta Pais-Filhos............................................................................................................28

CAPÍTULO II.........................................................................................................................39
2. OBJETIVOS.........................................................................................................................41
2.1 Objetivo Geral................................................................................................................41
2.2 Objetivos específicos......................................................................................................41

CAPÍTULO III........................................................................................................................43
3. METODOLOGIA.................................................................................................................45
3.1 A Investigação Psicanalítica...........................................................................................48
3.2 Pirajuba: a Cidade..........................................................................................................51
3.3 A Pesquisa......................................................................................................................55
3.3.1 A Prospecção: o processo de identificação precoce..............................................56
3.3.2 O Processo de Intervenção.....................................................................................68

CAPÍTULO IV........................................................................................................................77
4. RESULTADOS.....................................................................................................................79
4.1 Análise dos Resultados...................................................................................................79
4.2 Algumas Considerações.................................................................................................87
4.3 Os Sujeitos da Pesquisa..................................................................................................88
4.4 Apresentação dos Casos Selecionados...........................................................................89
vii

4.4.1 SUJEITO 1 – M. e a Mãe que não olhava.............................................................89


4.4.2 SUJEITO 2 – G. e o Pai da ‘E.T.’..........................................................................96
4.4.3 SUJEITO 3 – E. e a Mãe de uma filha só.............................................................105
4.4.4 SUJEITO 4 – A. e a Mãe que vomitava................................................................115

CAPÍTULO V........................................................................................................................125
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................127

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................133

ANEXOS................................................................................................................................139
viii

RESUMO

O presente trabalho é fruto de uma pesquisa que teve como objetivo propor uma
estratégia de ação em Saúde Mental para a primeira infância, a partir do dimensionamento da
relevância do trabalho de identificação e intervenção precoces de sinais de risco de sofrimento
psíquico entre crianças de zero a três anos. Para realizarmos essa Prospecção, utilizamos um
instrumento denominado “Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil” e
contamos com o apoio da equipe do Programa Saúde da Família do município de Pirajuba-
MG, com população total de aproximadamente 3.000 habitantes. A aplicação do Instrumento
foi realizada junto aos pais/responsáveis das 136 crianças, que correspondem a 4,53% da
população geral, independentemente do estado geral de saúde das mesmas. Após a aplicação e
análise do instrumento, podemos destacar que cerca de 14,7% das crianças apresentavam
algum sinal de risco de sofrimento psíquico, sendo necessário o encaminhamento das mesmas
aos atendimentos pertinentes. Esse mapeamento nos permite reafirmar a necessidade de
diretrizes que priorizem a Saúde Mental Infantil, frente à prevalência cada vez maior e mais
precoce de sofrimento psíquico na infância. Engajados com a questão da saúde e
reconhecendo a urgência e necessidade de criarmos estratégias e dispositivos de
acompanhamento e acolhimento, criamos uma rede de suporte e sustentabilidade, a partir de
recursos inerentes a cada situação. Essa rede foi tecida e estruturada a partir de três
direcionamentos: a) a desconstrução da função reparadora; b) o enfoque na “clínica” do laço
pais/criança; c) o reconhecimento da criança como sujeito. Dessa forma, desenvolvemos um
trabalho de acompanhamento junto a quatro crianças que apresentavam sinais indicadores de
risco de sofrimento psíquico utilizando da técnica de Intervenção Conjunta Pais-Filhos e do
método psicanalítico-interpretativo. Partindo dessa experiência, visamos suscitar
questionamentos e discussões sobre como enfrentar a questão do sofrimento psíquico de
primeira infância, estabelecendo reflexões sobre as possíveis inter-relações entre a Psicanálise
e Saúde Pública.

Palavras-chave: intervenção precoce; saúde mental infantil; saúde pública.


ix

ABSTRACT

The present work is fruit of a research that had as objective to propose an action
strategy in Mental Health for the first childhood, starting from the dimension of the relevance
of the identification work and precocious intervention of signs of risk of psychic suffering
among children range zero to three years old. In order to accomplish that search, we used an
instrument denominated "Record of Attendance of the Infantile Development" and we
counted with the support from the team of the ‘Health Family Program’ of the municipal
district of Pirajuba-MG, with total population of approximately 3.000 inhabitants. The
application of the Instrument was accomplished the 136 children' s parents/responsible, that
correspond to 4,53% of the general population, close to independently of the general state of
health of the same ones. After the application and analysis of the instrument, we can detach
that about 14,7% of the children presented some sign of risk of psychic suffering, being
necessary the direction of the same ones to the pertinent services. That mapping allows us
reaffirming the need of guidelines that you/they prioritize the Infantile Mental Health, front to
the prevalence every larger and more precocious of psychic suffering in the childhood.
Engaged with the subject of the health and recognizing the urgency and need of creating
strategies and attendance devices and reception, we formed a support net and sustainability,
starting from inherent resources to each situation. That net was woven and structured starting
from three directions: the) the deconstruction of the reparative logic; b) the focus in the
"clinic" of the bow parents/child; c) the child' s recognition as subject. In that way, we
developed an attendance work close to four children that presented indicative signs of risk of
psychic suffering using of the technique of Intervention United Parent-children and of the
psychoanalytic-interpretative method. Leaving of that experience, we sought to raise
questions and discussions on how to face the subject of the psychic suffering of first
childhood, establishing reflections about the possible interrelations between the
Psychoanalysis and Public Health.

Key-word: precocious intervention; infantile mental health; public health.


1

CAPÍTULO I

“Suponho que me entender não é uma


questão de inteligência e sim de sentir,
de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.”
Clarice Lispector
2
3

1. INTRODUÇÃO

Há mais de duas décadas, o campo da Saúde Mental no Brasil vem sofrendo

significativas transformações: construção de novas experiências, redimensionamento do ato

clínico, produção de conhecimento, embasamento normativo-jurídico e ampliação das

condições para o exercício da gestão pública (Couto, 2004).

Muito se avançou, nos últimos anos, na implementação de serviços de saúde mental e

espaços substitutivos ao modelo manicomial, principalmente no que diz respeito ao adulto em

situação de sofrimento psíquico, cujas preocupações se voltaram para a constituição de um

campo em que o cuidado do paciente não se transformasse em práticas mascaradas de

exclusão social. Em relação à criança, discussões e reflexões ainda precisam ser

acompanhadas de ações e intervenções eficazes capazes de promover uma trajetória

semelhante.

Segundo o “Relatório sobre a Saúde no Mundo” da Organização Mundial de Saúde

(OMS, 2001), os transtornos mentais são comuns durante a infância e a adolescência, porém a

atenção dada a essa área da saúde mental é insuficiente.

O Diretor Geral de Saúde dos Estados Unidos (DHHS, 2001) afirmou que o país está

passando por uma crise na saúde mental dos lactentes, crianças e adolescentes. Segundo tal

relatório, embora uma de cada dez crianças sofra doença mental suficientemente grave para

causar certo nível de prejuízo, menos de uma em cinco recebe o tratamento necessário.

A situação não é diferente, podendo ser até menos satisfatória, nos países em

desenvolvimento como o Brasil. Em nosso país, o tratamento de crianças com sofrimento

psíquico grave, quando existente, segue, em sua maioria, um modelo farmacoterápico, por

meio de atendimentos ambulatoriais de baixa resolutividade, ou um modelo hospitalar, cuja

conduta de internação nem sempre se faz necessária (Carvalho, 1995 apud Paravidini, 2002).
4

Para Paravidini (2002) essas condições parecem refletir a visão adultomórfica que

ainda vigora nas práticas institucionais públicas com crianças em estado de sofrimento

psíquico, a despeito das significativas mudanças que vêm ocorrendo, nos últimos 20 anos,

frente aos novos programas de atendimento a pacientes adultos com quadros mentais graves e

que não se fizeram acompanhar na área da Saúde Mental Infantil.

Essas pesquisas e estudos nacionais e internacionais têm demonstrado a ineficiência e

ineficácia de diretrizes e intervenções no âmbito da saúde mental de crianças e adolescentes.

No campo das políticas públicas de saúde, encontramos situação semelhante, uma vez

que os documentos oficiais não apresentam diretrizes específicas que abarquem a

complexidade dos problemas da infância, como se vê nos seguintes relatórios: Relatório Final

do Grupo de Trabalho de Saúde Mental do INAMPS (1986); Relatório Final da I Conferência

Nacional de Saúde Mental (1988); Relatório Final da II Conferência Nacional de Saúde

Mental (1992); Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental (2001);

Relatório Sobre a Saúde no Mundo da Organização Mundial de Saúde (2001). Apesar de

haver, nos respectivos relatórios, o reconhecimento da necessidade de tratamentos mais

eficazes e diretrizes que priorizem a Saúde Mental Infantil, frente à prevalência cada vez

maior e mais precoce de sofrimento psíquico na infância, pouco se observa de efetivo no

tratamento dessas crianças.

Para que haja a implantação de diretrizes e intervenções condizentes com a

necessidade dessas crianças, faz-se urgente levar a cabo pesquisas que identifiquem a

proporção em que crianças são acometidas pelos transtornos psíquicos e as formas de

implementação ou disseminação de fatores com maiores probabilidades de fomentar a adoção

e utilização de intervenções efetivas.

De acordo com Paravidini (2002), essa proposição esbarra na dificuldade que permeia

a práxis do diagnóstico de uma criança com sofrimento psíquico. Apesar de os avanços no


5

plano diagnóstico e terapêutico, ainda nos deparamos com situações na prática clínica em que

evita-se diagnosticar uma criança como autista, psicótica ou depressiva, seja por uma questão

de cuidado em não rotular o ser infantil, seja pela insuficiência de meios técnicos

supostamente garantidores. Contudo, é preciso também levantar a hipótese de que estas

situações podem estar respondendo a uma atitude de não reconhecer o sofrimento mental

infantil como um problema científico e social que merece intervenções próprias e diferenciais,

que urge por respostas.

Para o referido autor, essas crianças, freqüentemente, acabam percorrendo uma série

de serviços de diversas especialidades em busca de diagnóstico. No entanto, sem obterem

assistência na maioria dos casos, acabam sendo colocadas em longas filas de espera,

retardando, ainda mais, a deflagração do processo de tratamento e dificultando suas

perspectivas prognósticas. Essas condições tornam-se ainda mais alarmantes quando

percebemos que as demandas de diagnósticos e de intervenção estão sendo formuladas em

número crescente por pais de crianças com idade cada vez menor.

Estudos, como os de Klin (2006) e de Mercadante, Van der Gaag e Schwartzman

(2006), demonstram um número cada vez maior de transtornos que acometem o

desenvolvimento de crianças, já na primeira infância – até os três anos de idade.

Segundo dados apresentados pela Revista da Sociedade de Psiquiatria temos um

índice de um indivíduo com autismo para cada 1.000 nascimentos, e cerca de mais de quatro

com os chamados Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIDs) a cada 1.000

nascimentos (Klin, 2006; Mercadante et al., 2006).

O aumento na identificação dos indivíduos com TIDs renovou a urgência com que os

pesquisadores em todo o mundo estão se esforçando para explanar suas causas e desenvolver

tratamentos mais eficazes. Essa prevalência nos alerta para a necessidade de desenvolvermos

estudos e pesquisas para melhor determinarmos os índices de incidência também no Brasil.


6

Antes mesmo de um diagnóstico e prognóstico médico especializado, são os próprios

pais e familiares que identificam os sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico na

criança, prática essa de fundamental importância na busca precoce por intervenções

significativas.

É a partir do contato íntimo e convívio com a criança que os familiares percebem e se

incomodam, questionando-se sobre o que pode estar acontecendo com seus filhos ou com o

desenvolvimento deles. Na maioria das vezes, os relatos sobre a preocupação dos pais em

relação ao comportamento social e às brincadeiras de seu filho datam dos primeiros dois anos

de vida. Um outro fator que muito intriga os pais é o atraso no desenvolvimento da

linguagem. Em geral, esses são os principais fatores que levam os pais a buscarem ajuda

especializada.

Apesar disso, Paravidini (2002) alega que essas crianças, em sua maioria, ficam de

certa forma retidas nas planilhas de atendimentos clínicos gerais, sem que sejam

encaminhadas para os serviços que pudessem, efetivamente, delas tratar.

Em função desse contexto, foi que, inicialmente, esboçamos a perspectiva de

direcionar nossos esforços no sentido de propor uma estratégia de ação em Saúde Mental

para a primeira infância, a partir do dimensionamento da importância e necessidade do

trabalho de identificação e intervenção precoces, junto a crianças de 0 a 3 anos de idade, que

apresentam sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico. E, a partir da coleta dos dados,

propor questionamentos sobre como enfrentar a questão do sofrimento psíquico de primeira

infância.

Esta pesquisa busca promover articulações reflexivas e descrever um trabalho de

identificação e intervenção precoces, que vai ao encontro de uma das formulações que

vicejam no campo da Saúde Mental, por meio da qual podemos pensar que “se uma criança,

em seus primeiros anos de vida, puder ser aliviada do peso de seus primeiros sintomas, antes
7

da fixação ou do deslocamento dos mesmos, ela estaria em melhores condições para enfrentar

uma vida” (Paravidini, 2002, p.21).

1.1. A Questão da Saúde Mental Infantil

Segundo Couto (2004), o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira vem se

constituindo em um movimento pendular caracterizado por um lado, pelo reconhecimento de

avanços significativos e, por outro, pela imposição permanente de novos desafios,

acompanhado da evidência de que ainda há muito a ser feito em direção à construção efetiva

de um novo modo de cuidar e tratar de sujeitos em estado de sofrimento psíquico.

Messias (2004) afirma que, nas crianças, os ‘nomes’ da exclusão, às vezes, soam

diferentes: “retardadas, deficientes, problemáticas” são alguns deles. Para a autora, a

construção de lugares de tratamento e convivência que suportem a diferença e tenham espaço

para a singularidade ainda é um desafio para a saúde, a educação, a cultura.

Isso se torna evidente, ao olharmos para a questão da saúde mental infantil, na qual

nos deparamos com uma grande quantidade de crianças vivendo nos chamados “abrigos para

deficientes”, submetidas a toda sorte de banalização de sua condição humana em nome da

‘proteção’ e do ‘cuidado’. Para Couto (2004), esses “abrigos para deficientes” são verdadeiros

asilos à margem do sistema formal de saúde mental.

São essas crianças que, na maioridade, ingressarão na rede hospitalar psiquiátrica,

constituindo uma clientela que vem desafiando os mais variados projetos de

desinstitucionalização em curso pelos programas de reabilitação psicossocial.

Outras tantas crianças diagnosticadas como autistas ou psicóticas peregrinam em

busca de atendimento especializado e não encontrando, freqüentemente são submetidas a

métodos pedagógicos de controle de sua conduta ou, ainda, a uma medicação excessiva, com
8

conseqüências devastadoras. Couto (2004) nos apresenta a realidade de uma clientela infanto-

juvenil incluída nos programas de saúde mental, que parece reeditar o viés higiênico-

preventivista do início do século XX:

Não raramente nos deparamos com um contingente significativo da


clientela infanto-juvenil incluída nos programas oficiais de saúde
mental se, e somente se, portadoras de diagnósticos de “distúrbios de
aprendizagem” ou de “distúrbios de conduta”, superlotando os
ambulatórios públicos que freqüentemente as absorvem sem
problematizar estas demandas, dificultando, assim, um ordenamento
racional dos serviços de saúde mental, para que possam efetivamente
responder pelo cuidado e tratamento de crianças e adolescentes
portadores de transtornos psíquicos severos (Couto, 2004, p.62-63).

A noção de deficiência decorrente de grande parte da assistência oferecida às crianças

determina a formação de dispositivos mais pedagógicos que clínicos. Como resultado, aponta-

se um mal-entendido pedagógico que favorece o desenvolvimento funcional e dificulta as

possibilidades existenciais do sujeito. As crianças ficam, na verdade, excluídas das tentativas

de construção de dispositivos clínicos/psicossociais, que sustentam um novo modo de cuidar

dirigido a sujeitos em sofrimento, e não a aprendizes deficientes.

Retomando Couto, neste mesmo trabalho, muito desse mal-entendido – criança

deficiente e desadaptada, sim; louca não – diz respeito à desconsideração de que uma criança

possa portar o enigma da loucura. Tributar a uma criança a condição de uma existência

particular louca exige um duro exercício de rompimento com os ideais que na modernidade

sustentaram sua inclusão diferenciada e valorizada na cena social: a infância como o tempo da

inocência, pureza, beleza, ingenuidade, felicidade, descompromisso, aprendizado e um tempo

sem angústias. Incluir a loucura como uma das possíveis condições de existência da criança,

certamente, supõe romper, quebrar com essa visão idealizada.

Para a autora, a psicologização ou a psiquiatrização da alteração de conduta situa-se no

vértice oposto da ausência de serviços adequados para o atendimento de crianças autistas e


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psicóticas. Entretanto, a psicologia e a psiquiatria parecem integrar o mesmo problema da

falta de diretrizes públicas e éticas capazes de banalizar a implantação de uma rede

conseqüente de cuidados. Em decorrência disso, crianças e adolescentes vêm exibindo formas

silenciosas, mas efetivas de exclusão frente às quais não se podem mais adiar os

enfrentamentos necessários.

Construir uma direção pública para o atendimento em saúde mental não é uma tarefa

simples; requer delineamentos éticos, clínico-assistenciais, políticos, de produção de

conhecimento, formação de recursos humanos e de planejamento, que exigem um esforço

conjunto para reverter, de forma efetiva, a situação atual.

Contudo, para que ações e intervenções efetivas acompanhem a construção de uma

política pública de saúde mental integrada e eficaz, é preciso reconhecermos a criança como

um sujeito capaz de constituir uma ordem própria de existência, portadora de uma dimensão

subjetiva, responsabilizando-a como sujeito com condições de encontrar formas singulares,

portanto legítimas, de lidar com seu mal-estar e suas angústias, implicando-se no que lhe

acontece, sendo atravessada por ‘enigmas’ e tendo que lidar com eles como lhe for possível.

Apesar desse esboço geral das características mais significativas da saúde mental

pública infantil, não podemos negar que, algo se move em direção a uma atenção mais

integrada. Como é o caso da constituição de espaços coletivos de reflexão que tem como

objetivo estabelecer, pelo eixo da saúde mental, a construção de uma rede de atendimento

capaz de fazer frente à pluralidade das demandas em seus diversos níveis de complexidade e o

estabelecimento de diretrizes técnicas, conceituais, clínicas e políticas para direção das ações

públicas, a troca de experiências e a elaboração de princípios gerais que norteiam a construção

de uma política pública de saúde mental para crianças e adolescentes.

A atuação desses espaços já é reconhecida nas cidades de Belo Horizonte (MG), em

Betim (MG) e no Estado do Rio de Janeiro, a partir da constituição de um Fórum Inter-


10

Institucional para o Atendimento em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes, que congrega

diversos atores sociais (o judiciário, a educação, a saúde, a assistência social e os profissionais

da saúde mental) responsáveis pela atenção à criança e ao adolescente (III CNSM, 2001).

Outro exemplo capaz de responder pelo cuidado de crianças e adolescentes,

desenvolvido pela área técnica da saúde mental do Ministério da Saúde, foi a elaboração de

proposições e ações dirigidas a essa clientela. Em 2002, pela Portaria 336/2002, foram criadas

condições de financiamento para a construção de uma rede de Centros de Atenção

Psicossocial Infanto-Juvenis (CAPSi) em território nacional. Esses serviços, sustentados na

lógica da atenção diária, vêm constituindo dispositivos fundamentais para a reorientação da

assistência. Além da missão terapêutica e social, os CAPSi também cumprem a função de

gestores de seu território de abrangência, agenciando as ações necessárias para ampliação do

acesso e da cobertura assistencial, no cuidado e tratamento de crianças e adolescentes.

Também foi instituído, em 2004, o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil,

sob a coordenação da área de saúde mental do Ministério da Saúde, composto por

representações federadas dos campos da saúde, educação, cultura, justiça, assistência social,

entidades filantrópicas, saúde mental, direitos humanos (Portaria 1608, de 03/08/2004).

Considerado como um dispositivo privilegiado de gestão pública, esse Fórum busca responder

pela reorientação estrutural do tratamento de crianças e adolescentes.

Na III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001 na cidade de

Brasília, uma das pautas discutidas foi a necessidade de elaboração e execução de ações no

campo da Saúde Mental infanto-juvenil. Essas ações devem compor, obrigatoriamente, as

políticas públicas de saúde mental, respeitando as diretrizes do processo da Reforma

Psiquiátrica Brasileira e os princípios do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). É

fundamental a criação e/ou fortalecimento de uma rede de atenção integral à criança e ao

adolescente e a reavaliação dos serviços existentes.


11

Dentre as propostas, que versam sobre o campo da atenção à criança e ao adolescente,

foi aprovada a seguinte:

Estabelecer condições para a construção de um indicativo


populacional como critério para criação de serviço substitutivo
destinado ao atendimento de crianças e adolescentes, especialmente
nos municípios onde houver ausência total de serviços, e naqueles em
que as crianças e os adolescentes portadores de deficiência mental e
transtornos psíquicos são assistidos pelo modelo asilar (III CNSM,
2001, p.59).

Diante disso, podemos afirmar que algo está se movendo nesse cenário nacional,

apesar de ser necessário, ainda, realizar muito, para que haja uma mudança no modo de ver e

conceber o sofrimento mental em crianças e adolescentes.

É nesse sentido que buscamos, por meio desta pesquisa, propor uma estratégia de ação

em Saúde Mental para a primeira infância, através do dimensionamento da importância e

necessidade do trabalho de identificação e intervenção precoces de sinais de risco de

sofrimento psíquico de primeira infância na atenção básica em saúde, a partir da prospecção

de crianças de 0 a 3 anos de idade, do Município de Pirajuba/MG. Propõe-se, ainda,

questionamentos e reflexões sobre as intervenções no âmbito público da saúde mental

infantil.

1.2. Transtornos que Acometem o Desenvolvimento Infantil

Conforme mencionado anteriormente, estudos, como os de Klin (2006) e de

Mercadante et al. (2006), demonstram um número cada vez maior de transtornos que

acometem o desenvolvimento de crianças, já na primeira infância – até os três anos de idade.

Os chamados Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIDs) referem-se a uma

classe de distúrbios da socialização com início precoce e curso crônico, que possuem um
12

impacto variável em áreas múltiplas do desenvolvimento, desde o estabelecimento da

subjetividade e das relações pessoais (interação social), passando pela linguagem e

comunicação, até o aprendizado e as capacidades adaptativas da criança.

O termo TID, ou os conhecidos Transtornos Gerais do Desenvolvimento (Pervasive

Developmental Disorders – PDD), inclui tanto alguns subtipos mais claros e identificáveis,

como a Síndrome de Asperger e o autismo infantil, mas também a síndrome de Rett, o

transtorno desintegrativo da infância e outros, que, na classificação de doenças (e também no

DSM1 IV) são conhecidos como autismo atípico (Transtornos Gerais não especificados do

Desenvolvimento) ou transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação

(TID-SOE), onde encontramos classificadas as psicoses, como categorias dos TIDs.

Há pouco menos de uma década, trabalhava-se com uma noção de que o Autismo

Infantil Precoce ou Transtorno Autístico, segundo o DSM IV (APA2, 1995) e a CID 10 –

Classificação Internacional de Doenças – (OMS, 1993), possuía uma prevalência de 4 a

5:10.000 crianças, com predomínio em indivíduos do sexo masculino (3:1 ou 4:1). Essa baixa

condição de prevalência, sua raridade, era considerada um dos motivos que dificultavam a

realização do processo diagnóstico por profissionais que não fossem especialistas na área,

como se detectou em pesquisa anterior de Paravidini (1993). Entretanto, atualmente alguns

fatos parecem, senão surpreendentes, no mínimo apontam para uma situação bem distinta da

do início da década de 90.

Fleming (1999), em seu artigo O autismo está crescendo?, afirma enfaticamente que o

autismo não é raro e sustenta sua colocação em alguns dados estatísticos: de acordo com o

Centro de Controle de Doença e Prevenção (CDC), nos Estados Unidos 1:500 crianças é

afetada pela desordem, sendo a maioria delas, meninos. Em algumas regiões dos Estados

Unidos, bem como do Reino Unido, por razões ainda não compreendidas, este grau de

1
DSM IV refere-se à quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders.
2
APA sigla utilizada para a American Psychiatric Association.
13

prevalência é ainda maior, chegando a ser mais de uma para cada 150 crianças.

Complementando suas evidências estatísticas, a autora reporta que em determinada área no

estado da Califórnia (dois municípios), 150 novos casos são incluídos para receberem

atendimentos nos serviços públicos, a cada mês.

Em outro artigo, Bogo (2000 apud Paravidini, 2006) partindo da premissa de que

embora não existam dúvidas de que o autismo é de origem genética, interroga se o meio

ambiente pode também estar implicado nesta questão. Segundo o CDC, em uma cidade

chamada Brick Township (New Jersey), o número de casos de autismo alcança níveis nunca

antes observados: prevalência de 4:1000 e de 6,7:1000 para casos que apresentam alguma

relação com a desordem autística, em crianças de 3 a 10 anos de idade. Porém, segundo um

dos pais destas crianças diagnosticadas, o problema é ainda pior, pois o levantamento não

mostra que se a média é de 6,7:1000, desdobrando-se em dois grupos etários, os índices são

significativamente diferentes, sendo 6,1:1000 para faixa de crianças entre 6 e 10 anos e de

7,8:1000 para crianças entre 3 e 5 anos.

Em um levantamento divulgado por Nash (apud Paravidini, 2006) uma em cada 150

crianças com 10 anos ou menos pode ser afetada pelo autismo infantil ou por formas

correlatas, perfazendo um total de 300 mil crianças somente nos Estados Unidos.

Comparando os índices de prevalência entre os TID-SOE e o Autismo, a partir de

estudos mais recentes – como os apresentados pela Revista da Sociedade de Psiquiatria, de

maio de 2006 – temos o índice de um indivíduo com autismo para cada 1.000 nascimentos, e

cerca de mais de quatro com TID-SOE a cada 1.000 nascimentos (Klin; Mercadante et al.,

2006). Se visualizarmos essa incidência de modo global, os índices nos apontam para cerca de

mais de cinco indivíduos para cada 1.000 nascimentos com TIDs (Autismo e TID-SOE), o

que perfaz cerca de 1:200 indivíduos, ou mais, cerca de 1:150 indivíduos apresentando TIDs,
14

comprovando assim os estudos de Bogo (2000) referido anteriormente. Quanto ao Brasil,

carece-se de dados estatísticos de qualquer natureza.

O aumento exponencial na identificação dos indivíduos com TIDs renovou a urgência

com que os pesquisadores em todo o mundo estão se esforçando para elucidar suas causas e

desenvolver tratamentos mais eficazes.

De acordo com Paravidini (2006), estas mudanças nos índices podem estar

relacionadas a uma definição mais abrangente do Autismo Infantil e demais TIDs, tal como

encontramos no DSM-IV e na CID-10, bem como a uma melhoria nas condições

diagnósticas. No entanto, para o autor, o avanço numérico é tão alarmante que tais

explicações parecem ser insuficientes, frente ao quê uma questão permanece: o que está

acontecendo com o adoecer psíquico na infância?

Com a evolução da ciência e o fácil acesso aos parâmetros das melhores práticas, os

indivíduos com TIDs devem receber o melhor que as ciências médicas têm para oferecer

onde quer que eles estejam, com tratamentos eficazes, em substituição às crenças que não

têm comprovação de apresentarem algum benefício às crianças com Transtornos Invasivos do

Desenvolvimento e às suas famílias.

Essas crianças, também designadas como possuidoras de um Transtorno

Multissistêmico do Desenvolvimento...

...quando identificadas e tratadas apropriadamente desenvolvem


relacionamentos de afeto e intimidade. Muitas crianças demonstram
uma capacidade de fazer progresso consistente, especialmente em
relacionar-se mais afetuosamente e interativamente. O progresso na
linguagem e no desenvolvimento cognitivo freqüentemente
acompanha a melhora no relacionamento. (NCCIP, 1997, p.41).

Isso significa que crianças com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, cuja

presença está cada vez mais freqüente na clínica cotidiana devido a maior incidência desses

transtornos, ‘acenam’ para a possibilidade de que as intervenções terapêuticas possam


15

encontrar uma significativa efetividade, quando produzidas em circunstâncias específicas, que

buscaremos melhor evidenciar nesta pesquisa.

Essa prevalência nos alerta para a necessidade de desenvolvermos estudos e pesquisas

para melhor determinarmos à incidência também no Brasil e, mais importante ainda, de

desenvolvermos formas que favoreçam a criação de um campo de possibilidades em que se

possam tecer “fios de sentidos e afetos” (Rocha, 1997 apud Paravidini, 1998), na interação

com essas crianças, com seu modo particular de funcionamento e comunicação.

1.3. Estudo de Sinais Indicadores de Sofrimento Psíquico na Primeira Infância

Segundo Fonseca (2005), os TID (Transtornos Invasivos do Desenvolvimento)

representam um grupo bastante heterogêneo com sintomas surpreendentemente semelhantes.

O bater de mãos (flapping) e outras estereotipias, assim como alguns dos rituais de uma

criança autista com evidente prejuízo intelectual, são exatamente os mesmos de outra criança

com capacidades cognitivas bastante sofisticadas. Dessa forma, a busca incessante para

decifrar os vários mistérios com os quais o profissional se depara exige tanto abertura de

espírito, flexibilidade e rigor quanto à criação de um campo de observação que permita uma

visão macroscópica e microscópica dos transtornos infantis.

Não sabemos se estamos lidando com formas clínicas diversas ou com um spectrum,

um continuum. Para a autora, a designação de “spectrum autístico” satisfez os clínicos que

encontravam várias crianças com a característica comum de prejuízo na relação interpessoal,

também descrito como transtorno na comunicação social (reciprocidade afetiva e atenção

compartilhada), mas com enorme variação na personalidade. O continuum diria respeito à

gravidade do comprometimento social.


16

Os TIDs englobam vários tipos de desvios no desenvolvimento, todos caracterizados

por prejuízos básicos na interação social, na comunicação verbal e não verbal e por padrões

repetitivos e ritualísticos de comportamento.

A principal característica dos TIDs, segundo pesquisadores como Dawson e Meltzoff

(1998) é o prejuízo na orientação social, traduzido por uma incapacidade de a criança em se

orientar para os estímulos sociais que ocorrem naturalmente no ambiente.

São comportamentos sociais esperados em crianças pequenas: olhar para a face; reagir

ao som da voz humana com sorriso ou atenção concentrada; responder a seu próprio nome a

partir do cinco meses e, logo depois, dirigir o olhar aos objetos de atenção do adulto próximo.

Em um recente trabalho de Osterling e Dawson (2002), em que se comparam pré-

escolares com autismo, com retardo mental e sem nenhuma patologia, conclui-se que a

combinação entre déficit na orientação social e na atenção compartilhada é o que mais

discrimina crianças autistas de não-autistas, sendo a atenção compartilhada o melhor índice

para predizer a capacidade lingüística.

É importante para um melhor entendimento desses transtornos, explorar e

compreender detalhes do comportamento social dessas crianças. No DSM IV (APA, 1994),

encontramos algumas descrições do déficit qualitativo:

1 – Na interação social: déficit no uso do olhar, da expressão facial, da postura

corporal e de gestos; déficit na relação apropriada com outras crianças, falha no

compartilhar interesse ou emoções.

2 – Na comunicação: atraso ou ausência de linguagem falada, dificuldade em manter

um diálogo, uso repetitivo da linguagem, déficit na capacidade simbólica,

expresso em especial na dificuldade em brincar de modo criativo e no uso do faz-

de-conta.
17

3 – Padrões repetitivos de comportamento: preocupação e/ou interesse restrito a

alguns temas, comportamento ritualístico, maneirismos motores.

Outras características freqüentemente encontradas dizem respeito a dificuldades no

controle esfincteriano, particularmente, com controle fecal, com retenção de fezes e/ou recusa

em evacuar no vaso sanitário, podendo preferir a fralda ou lugares determinados do chão

(APA, 1994).

Também é freqüente o uso de objetos autísticos (Tustin, 1981), em geral brinquedos

ou objetos duros, que podem ser carregados por longo tempo. Mais raramente, trata-se de um

animal de pelúcia.

Nos tempos atuais, a forte preferência por vídeos infantis é bastante característica. As

crianças podem passar horas assistindo aos mesmos filmes e controlando com o controle

remoto as partes que querem ver ou que pretendem pular (Dawson & Meltzoff, 1998).

A seguir, descreveremos de forma sucinta as principais manifestações clínicas

precoces com risco de sofrimento psíquico infantil , baseadas nas proposições de

Geissmann e Geissmann (1993) e Mazet e Stoleru, (1990), citados por Paravidini (2002):

Uma atitude de docilidade particular

Indiferença em relação ao mundo exterior, às pessoas (não balbucia; ausência de choro

quando deixado só) e aos brinquedos.

Transtornos tônico-posturais e psicomotores

Hipotonia, fazendo-se acompanhar de uma falha de ajustamento postural (não procura se

endireitar nem se agarrar, não manifesta prazer, parecendo muito indiferente à situação e

à posição que ocupa). Ausência da atitude antecipatória. Retardos do desenvolvimento

psicomotor são também característicos.


18

As anomalias do olhar

A comunicação através da procura do Outro pelo olhar é precocemente perturbada. Essas

crianças parecem querer olhar através das pessoas ou varrer o horizonte não parando

sobre coisa alguma (“olhar periférico”). A criança em risco de psicotização pode também

lançar um olhar furtivo (olhar por olhadelas) e apresentar estrabismo.

Não aparecimento dos organizadores de R. Spitz

a) Ausência ou atraso do sorriso no terceiro mês, diante do rosto da mãe.

Trata-se da ausência do “primeiro organizador” descrito por Spitz (1965): o sorriso da

criança como resposta ao rosto humano.

b) A ausência de choro entre os seis e doze meses por ocasião do afastamento da mãe ou

diante de uma pessoa estranha.

Aqui faz-se presente o “segundo organizador” (Spitz, 1965), conhecido como

“angústia do oitavo mês”. Através desta ausência de reação, a criança expressa a

indiferença à qual chegou em relação a seu meio ambiente

Fobias maciças

São precoces e pouco organizadas. Trata-se de medos que se reproduzem

sistematicamente em presença de um objeto, ou numa situação precisa e sempre idêntica.

São de particular intensidade e de caráter abrangente, sobrevindo em crianças em

processo de psicotização no início do segundo ano. São fobias a certos barulhos e objetos

(ex. aparelhos domésticos).

Transtornos somáticos funcionais

a) Transtornos alimentares:

São distúrbios mais precoces, podendo ser uma falha na sucção, anorexia, vômitos,

regurgitação, recusa do seio ou chupeta. Nota-se bastante freqüentemente quando da


19

tentativa de diversificação de alimentos, sobretudo na recusa de mastigar, o que obriga

a se estender por muito tempo a ingestão de alimentação láctea ou pastosa.

b) Transtornos do sono:

Trata-se de insônias precoces que sobrevêm desde o terceiro mês. Podem ser de dois

tipos: a criança dorme normal e rapidamente se agita em movimentos de auto

agressividade, ou a insônia chamada calma, a criança é encontrada na cama acordada

de olhos escancarados e sem se mexer, quieta.

c) Transtornos esfincterianos:

Pode-se observar constipações funcionais muito precoces devidas à retenção das

matérias fecais.

As estereotipias

São intrigantes por sua repetição imutável. São comuns: jogos de mãos diante dos olhos,

que podem se complicar mais tarde com batimentos dos braços como se fossem asas; de

uma volta sobre si mesma; e de trazer junto do rosto objetos que são logo cheirados.

Esses estereótipos têm como características não cessarem ao contato com o adulto e de

tomar cada vez mais tempo das atividades com os mordentes, guizos, etc.

Ausência de objeto transicional

O objeto transicional, segundo a descrição de Winnicott (1951), trata-se de um objeto

mole, doce, no qual a criança investe e tem prazer em conservar consigo mesma. No que

concerne à criança autista, uma das possibilidades é ela nunca ter tido um objeto

privilegiado com estas características. Quando a criança traz consigo algum objeto, este é,

comumente ‘duro’, sendo utilizado em função desta sensação de dureza que oferece e não

por sua funcionalidade.


20

Incapacidade de brincar

Este sinal aparece um pouco mais tardiamente no decurso do segundo ano. É um ponto

importante por ser facilmente observado. Para Winnicott (1952, p. 385): “[...] trata-se de um

exagero grosseiro da preocupação normal da criança saudável durante o jogo”, distinguindo-

se do jogo saudável pela falta de um início e de um fim, pelo grau de controle mágico, pela

falta de organização do material do jogo de acordo com qualquer padrão.

Além dos autores anteriormente referenciados, outros também descreveram algumas

das principais manifestações clínicas de crianças com TIDs.

Chiappini e Miyares (1997) formularam, a partir das concepções de Tustin

( 1981) e de suas experiências clínicas: a Tabela Interpretativa Psicogenética, que

visava à detecção precoce de Autismo Infantil em bebês, no primeiro ano de vida.

Porém, de acordo com os autores, devemos levar em consideração a

artificialidade de tabelas que visam à detecção precoce de sinais clínicos de

sofrimentos psíquicos, na medida em que estas não respondem às particularidades

de cada criança, bem como observar a qualidade dos sinais de risco, sua intensidade

e sua persistência no tempo.

Embora existam pontos em comum com os sinais clínicos anteriormente

expostos por Geissmann e Geissmann (1993) e Mazet e Stoleru (1990, apud Paravidini,

2002), a Tabela Interpretativa Psicogenética se destaca em função de sua estruturação

basear-se numa articulação teórica psicanalítica, cujo conceito básico se refere às

manobras protetoras precoces frente a uma ruptura traumática.

Desse modo, as manobras protetoras frente à ruptura traumática se baseiam:


21

1- Na exacerbação patológica da reação de evitação, reação que se produz quando a mãe e

o bebê têm fugazes desencontros transitórios e temporários;

2- No estado de excitação permanentemente autogerado, que tem uma predominância

táctil, que buscam um contorno ou um limite continente, quando tenha falhado a

continência do objeto, sendo uma defesa frente às angústias primitivas como cair sem

fim, esparramar-se, romper-se em pedaços ou fazer frente a estímulos intoleráveis.

A Tabela Interpretativa Psicogenética de Chiappini e Miyares (1997)

apresentada no trabalho de Paravidini (2002) dispõe-se da seguinte maneira:

I - REAÇÃO DE EVITAÇÃO

A. Bebê ignora aos outros:

- É indiferente a todo intento de aproximação;

- É indiferente à separação;

- Não sorri depois do terceiro mês; raridade de sorrisos;

- Há uma ausência de olhar; olhar inadequado;

- Evita o contato olhos nos olhos; vira a cabeça para não olhar nos olhos;

- Olhar periférico;

- Não se comunica com a voz; não balbucia; ecolalia.

B. Tranqüilidade particular:

- Hipotonia;

- Hipersonia; insônia calma;

- Dá a impressão de surdez;

- Não tem gestos antecipatórios;


22

- Não se agarra quando levantado;

- Dificuldade de sucção;

- Anorexia;

- Mantém a deglutição primária, não mastiga;

- Não suga o polegar;

- Perda de funções adquiridas;

- Atraso ou falta de sustentação da cabeça ou da posição sentada.

II- REAÇÃO DE EXCITAÇÃO PERMANENTE DE PREDOMÍNIO TÁCTIL

A. Usa objetos duros que provêem sensações ao corpo, giram, apertam, enroscam.

Corpo duro musculoso (segunda pele):

- Hipertonia;

- Não se amolda ao corpo quando pego;

- Insônia agitada;

- Agressão e auto-agressão.

B. Figuras de sensação:

- Originadas em suas próprias substâncias corporais (saliva, fezes, urina);

- Estereotipias - balanceio, jogos com as mãos, “bater de asas”, girar sobre si

mesmo, marcha particular, tocam e esfregam-se em superfícies.

Autores como Lamour e Barraco (1998, citados por Tavares, 2004), utilizando-se de

estudos e observações com bebês menores de 18 meses, que tinham sido expostos a falhas

graves de parentalidade, descrevem a sintomatologia que revela uma dificuldade, uma


23

perturbação da interação “mãe-jovem criança/bebê” ou “pai-mãe-jovem criança/bebê”. Elas

descrevem:

Na criança:

- distúrbios psicossomáticos e funcionais (distúrbios do sono, alimentares,

respiratórios e/ou da pele);

- distúrbios de humor: medos, fobias;

- distúrbios do desenvolvimento (que não têm uma causa orgânica): intelectual,

psicomotor, do tônus e/ou o contato;

- dificuldades no controle da agressividade.

Do lado dos pais, toda a sintomatologia revelando:

- distúrbios psíquicos do pós-parto;

- estados psicóticos;

- estados depressivos ou depressão;

- condutas aditivas;

- neuroses graves;

- distúrbios do comportamento;

- maus-tratos (negligência, espancamentos).

Sendo assim, as manifestações clínicas de sofrimentos psíquicos na criança dizem,

então, não dos sintomas por si só, mas, sim, da dificuldade ou perturbação no laço afetivo-

simbólico, revelando-se por meio desses sintomas ou acompanhada desses sintomas.

Com isso, podemos perceber como os sinais de sofrimento psíquico da criança podem

ser discretos e o quanto esses sinais dizem respeito principalmente a toda a esfera relacional e

tônica-motor. No âmbito da esfera tônica-motor, temos, por exemplo, bebês “hipotônicos ou


24

hipertônicos”, que dificultam os ajustamentos mãe/bebê porque são difíceis de carregar no

colo, o que faz com que os contatos entre mãe e bebê fiquem cada vez mais raros. Na esfera

relacional, a ausência de interações lúdicas e vocais por parte da mãe faz com que ela

responda, raramente, às vocalizações de seu bebê, o que compromete a relação, as trocas entre

mãe-criança.

Segundo Tavares (2004), os autores constroem o conceito de interação, demonstrando

que a concepção da relação mãe-infans recém-nascido modificou-se enquanto passamos da

teoria da mãe “toda-poderosa”, organizadora da interação, ao reconhecimento do “papel” do

bebê como parceiro “ativo”. Eles definem: “as interações como o conjunto dos fenômenos

dinâmicos que desenvolvem-se no tempo entre recém-nascido e seus diferentes parceiros”

(Lamour & Barraco ,1998 apud Tavares, 2004, p.76).

Dentre todos esses indicadores de sinais de risco de sofrimento psíquico, fica evidente,

e concordamos com Paravidini (2002), ao afirmar que existem três vetores considerados como

significantes fundamentais do adoecer psíquico, e a partir dos quais todos os elementos

anteriormente descritos podem ser catalogados, segundo cada um deles: o olhar, o corpo e a

palavra.

De acordo com a definição de Paravidini (2002), neste mesmo trabalho:

Com relação ao olhar, referimo-nos às manifestações da criança no que diz respeito

aos contatos visuais e reações diante do olhar do Outro, com destaque ao estágio do

espelho como primordial para a instauração da imagem especular e dos investimentos

libidinais pelo olhar dos pais.

O corpo diz respeito ao modo como a criança se posiciona frente à sua imagem

constituída, mediante os investimentos libidinais do Outro e da instauração do circuito


25

pulsional do bebê, manifestado por meio de movimentos auto-eróticos, de expressões

vocais e corporais como oferecimento de seu corpo ao Outro.

A palavra inclui as manifestações vocais do bebê e sua relação com o Outro inseridos

no universo da linguagem e da simbolização.

Esses três vetores tanto se referem às operações fundamentais na constituição do

sujeito psíquico, como também ao que fracassa, ou melhor, o que não se instaura no

psiquismo infantil (Paravidini, 2002). É através do olhar, do corpo, da linguagem, que o

bebê/criança vai dar sinal, notícia de que algo no laço, no enlace com esse Outro não vai bem.

A sua majestade, o bebê, objeto de tantos investimentos narcísicos e esperanças de

superação pode não ser tão majestoso assim. Pode sofrer, enfear-se, angustiar-se, mutilar-se,

ter horror ao contato, recusar o olhar e o carinho que lhe são dirigidos, inquietar-se e também

inquietar. Essa criança enigmática modifica os ideais, subverte o imaginário cultural, mas nos

convoca, a todos, ao desafio de delas cuidar, tratar e com elas coexistir. É com base nesse

ponto que teremos que partir se quisermos, verdadeiramente, investigar, compreender e

propor intervenções significativas em saúde mental e, quem sabe, redirecionar as ações

públicas de saúde.

Tomaremos como referencial, para esta pesquisa, os sinais aqui descritos que se fazem

presentes no instrumento denominado “Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento

Infantil”, desenvolvido por Paravidini (2002). Este Instrumento será utilizado como um

mecanismo facilitador na execução do processo de identificação e diagnóstico de sinais

indicadores de risco de sofrimento psíquico de primeira infância, empregando o método

psicanalítico para a realização da pesquisa bem como para a análise dos resultados

encontrados.
26

Acreditamos ser importante destacar que, na saúde mental infantil, temos que

considerar que o número de variáveis envolvidas leva a combinações quase infinitas de

formas de ‘saúde’ e ‘adoecimento’. A diversidade e particularidade nas formas de responder

ao meio (interno e externo) encontradas pelas crianças nos mostram a importância de se

considerar cada indivíduo com sua própria particularidade.

1.4. A Identificação e Intervenção Precoces

Jerusalinsky (2002) trabalha essas diferentes nomeações que permeiam a clínica

interdisciplinar com bebês e crianças pequenas e fala da importância da escolha dos nomes. A

autora define inicialmente “estimulação precoce como a clínica com bebês e pequenas

crianças que apresentam problemas de constituição psíquica e de desenvolvimento (relativos

às aquisições da psicomotricidade, linguagem e aprendizagem)” (Op. cit., p.21).

Intervenção precoce é um conceito abrangente, que pressupõe uma clínica

interdisciplinar com bebês; é objeto de estudo de várias áreas como a fisioterapia,

fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, medicina e outras. A autora ressalta a

importância, na clínica com bebês, da interlocução com os diversos campos do saber, mesmo

que nossa escolha e nossa escuta estejam operando a partir do corte epistemológico da

psicanálise:

Daí o porquê de situar a clínica com bebês em um marco


interdisciplinar, que vem possibilitar o permanente exercício de
interlocução entre as diferentes disciplinas, uma vez que, pelo
momento da constituição na qual um bebê se encontra, as
problemáticas levantadas por esta clínica são irredutíveis a apenas
uma área do conhecimento (Jerusalinsky, 2002, p.75).

Podemos afirmar que esta pesquisa marca uma diferença nessa clínica: uma

intervenção que não seja apenas ‘estimulação’ e uma clínica que não se preocupe apenas com
27

a ‘prevenção’ que o termo ‘precoce’ insinua, mas que atente, também, para a escuta no tempo

necessário.

A questão da ‘prevenção’ em saúde mental é uma questão polêmica, porque traz em

sua conceituação algo de ‘educativo’ como se pudéssemos prevenir a doença mental.

Sabemos, pela clínica, que não se trata disso; e que qualquer tentativa de intervir sem que haja

uma demanda é uma intervenção destinada ao fracasso.

Dessa forma, o trabalho de intervenção precoce não consiste em antecipar a aparição

de um sintoma, uma vez que não é possível prever o que um acontecimento desencadeará

num sujeito.

Por outro lado, esta abordagem não exclui o fato de que uma escuta atenta pode

organizar um lugar para a significância que tal acontecimento toma para um sujeito. Nesse

sentido, os atendimentos realizados com crianças pequenas e bebês mostram que algo pode

ser feito nesse tempo, em que já acontecem problemas que merecem ser escutados na clínica.

Sobre o estabelecimento das primeiras relações do bebê com o Outro, Jerusalinsky

(2000, p. 13) nos diz o seguinte:

Se isto não funciona assim tão cedo, estamos diante de um problema.


Se há algo que a psicanálise pode fazer no campo da prevenção é
justamente neste tempo, e precisamente na leitura disto. Não se trata
de prevenção no sentido de assegurar que então vai-se vacinar contra
qualquer problema. E sim prevenção de um problema que já está
havendo a respeito do qual se adverte, porque vai ter conseqüências
visíveis do ponto de vista sintomático a posteriori. Não é que
estejamos fazendo prevenção, algo já está acontecendo.

Como dito, esta pesquisa vai ao encontro de uma das formulações presentes no campo

da Saúde Mental, por meio da qual pode-se pensar que intervenções precoces em crianças

com sinais indicadores de sofrimento psíquico, possibilitariam melhores condições para que

as mesmas enfrentassem os efeitos dos seus primeiros sintomas.


28

1.5. A Técnica de Observação da Relação Mãe-Bebê-Família e o Processo de Intervenção


Conjunta Pais-Filhos

A técnica de Observação da Relação Mãe-Bebê (ORMB), surgiu com os estudos da

psicanalista inglesa Esther Bick, em 1948, percebida a importância da observação da relação

mãe-bebê para a formação de psicanalistas de criança. Para Bick (1967), a psicanálise é parte

do mundo real e da sociedade, podendo ser ensinada a partir da história natural da vida, a

partir da história da relação mãe-bebê.

Bick propôs a prática clínica da observação de bebês, como um dos requisitos para o

curso de formação em Psicanálise Infantil, da Clínica Tavistock (Marra, 2005).

A prática consiste na observação do bebê em seu ambiente natural. O psicanalista em

formação firma um acordo com os pais de observar o bebê – semanalmente, com duração de

aproximadamente uma hora –, durante seus dois primeiros anos de vida, em sua própria

residência. A atividade é restrita à observação, são vetadas anotações, o ensino ao cuidado

com o bebê, ou qualquer atitude que impeça o aluno de se posicionar como observador. Após

a observação, o estudante redige um texto com o maior número de detalhes possível sobre a

experiência (Amorim, 2004, apud Chaves, 2007).

O objetivo é descrever o desenvolvimento da relação mãe-bebê-família-ambiente;

buscando compreender as inferências teóricas, práticas e clínicas desta inter-relação, ou seja,

compreender os aspectos inconscientes do comportamento, padrões de comunicação, e os

sentimentos despertados no próprio observador (Marra, 2005).

Neste trabalho, o aluno em formação recebe e pensa sobre os fenômenos

transferenciais e contratransferenciais, sem adotar a atitude da interpretação, como no

contexto clínico, que envolve o tornar consciente o inconsciente e lidar com as defesas e

angústias.
29

Mélega (1990) ressalta a importância dessa metodologia da observação para o trabalho

e metodologia psicanalítica, uma vez que se utiliza dos princípios da técnica analítica: atenção

aos mínimos detalhes, observação do contexto e não-neutralidade do observador.

De acordo com as formulações dessa mesma autora (1991), o psicoterapeuta deve

observar, escutar, conter e respeitar, registrando as condutas e os fenômenos emocionais, que

muitas vezes não são expressos por condutas, gestos ou palavras, mas por Identificação

Projetiva – um tipo de modalidade comunicativa.

Segundo Mélega (1998), trata-se de uma técnica psicológica, cujos atendimentos

buscam avaliar “situações problemas”, com a participação de todo o grupo familiar,

possibilitando promover a responsabilização e a participação de todos em relação à situação, a

partir de um campo de atenção, de observação e comunicação.

Mélega propôs esta técnica como investigação diagnóstica, cujo foco é a interação dos

pais em suas funções materna e paterna para com os filhos (Marra, 2005).

A autora afirma que essa abordagem nos possibilita utilizar o método analítico em

toda sua amplitude, permitindo a vivência da história do grupo e a percepção do lugar que

cada um ocupa. Possibilitando ao terapeuta ter acesso às interações existentes e presentes

entre os membros da família, de forma mais fidedigna, em detrimento das informações

narradas pelos pais.

Mélega (1995) denomina de observador psicanalítico o profissional que segue o

Modelo de Observação de Esther Bick (1967). De acordo com Mélega (1997) este modelo de

observação pode adquirir outra função importante: a de modelo continente da função materna,

na qual se destaca a função terapêutica da presença do observador psicanalítico no contexto

familiar e institucional.

Para a autora o observador psicanalítico deve desenvolver algumas atitudes, como as

definidas pela psicanálise: receptividade, escuta, não fazer julgamentos (memória e desejo),
30

conter as próprias emoções sem atuá-las, colocar-se numa posição de quem não sabe e precisa

observar e pensar para conhecer. Sua perspectiva se coloca em tentar aclarar as condutas

observadas durante o contato, dirigindo suas intervenções ao vínculo mãe-bebê, utilizando-se

dos impedimentos visíveis na conduta da mãe que estariam dificultando a comunicação das

necessidades da criança (Mélega, 1991).

Ao privilegiar estas condutas, Mélega (1990b) propõe uma postura cuja função

fundamental é ter condição de perceber e descrever para o grupo as situações criadas,

promovendo ativamente a comunicação e o pensamento entre os membros da família.

Para que o pensar possa acontecer, Mélega (1990a) enfatiza a importância da criação

de um clima, no qual a escuta, a observação e a continência emocional do profissional diante

da transferência e contratransferência, possam aproximá-lo da realidade psíquica dos

membros da família, promovendo um clima em que o pensar acontece.

Baseado no trabalho de “Intervenções Terapêuticas Conjuntas Pais-Filhos”, da

psicanalista Marisa Pelella Mélega (1997), e a partir de um vasto trabalho clínico e de

pesquisa, o professor João Luiz, em parceria com a psicóloga Hélvia Cristine, ofereceu um

serviço de Atendimento Psicoterapêutico Conjunto Pais-Crianças. O trabalho é realizado na

Clínica de Psicologia da UFU, fazendo parte da rede de atendimento à saúde mental

municipal, para crianças com sofrimento psíquico, no contexto de serviço ambulatorial. Nossa

proposta de intervenção terapêutica domiciliar conjunta foi inspirada nesse modelo clínico de

intervenção utilizado no contexto ambulatorial, pelo professor João Luiz.

No contexto ambulatorial, a função terapêutica encontra-se bipartida, ou seja, há a

presença de dois terapeutas no setting, um na função de observador e outro na função da

intervenção propriamente dita. O atendimento acontece a partir da dinâmica estabelecida pela

dupla: Observador e Terapeuta. O terapeuta é o agente condutor da sessão, cabe a ele realizar

as perguntas, as colocações e as ações que poderão propiciar o bom andamento do caso


31

clínico. Já o observador é o portador da palavra escrita, é o representante do espaço de

continência, contendo tanto os elementos comportamentais quanto os emocionais, do campo

criado pela interação do grupo. Assim, a função do terapeuta se enlaça com a função do

observador, formando uma dupla, na qual um complementa o outro (Chaves, 2007).

De acordo com Chaves (2007), outro aspecto importante está no relato sobre a

observação após a sessão, que possibilita ao terapeuta distanciar-se afetivamente para

compreender as interações, favorecendo a compreensão da qualidade e forma do

relacionamento pais-filhos. Este distanciamento é extremamente importante nos

acompanhamentos conjuntos, pois durante os encontros o terapeuta torna-se objeto das

identificações cruzadas ou sede de projeções múltiplas e intensas. O terapeuta nesta

modalidade deve sentir-se suficientemente dentro da família para viver seu impacto afetivo,

sem, todavia, deixar-se levar a actings contratransferenciais. Desta forma, por envolver a

complexa rede transferencial e contratransferencial, as anotações podem permitir o

surgimento de novas associações e esclarecimentos inéditos, podendo ser utilizados em

encontros posteriores.

Contudo, o modelo apresentado por nós neste trabalho de pesquisa guarda as suas

particularidades, fazendo uso diferente da observação. Em nossa proposta, a função de

observador fica delegada não só a terapeuta como também a agente de saúde (ou outro

profissional) que acompanha e vivencia o trabalho de forma também conjunta, possibilitando

à terapeuta a função da intervenção, e ao grupo de acompanhamento à discussão dos

encontros em momento de reunião. Isso visando estruturar as bases para a sua perpetuação

após o encerramento desta pesquisa, desenvolvendo maior interação entre os membros da

equipe de acompanhamento, bem como as possíveis diretrizes e estratégias assumidas neste

modelo de trabalho de identificação e intervenção precoces.


32

Watillon (1997, citada por Chaves, 2007), ressalta que ao trazer a família para a

consulta faz-se necessário saber observar os comportamentos, as interações e os gestos dos

familiares, sem negligenciar a escuta atenta da narrativa dos pais e as vocalizações ou

manifestações da criança. O que exige uma atenção vigilante, na qual o terapeuta não se deixa

levar totalmente pelo discurso parental, conseguindo manter a observação da interação.

Ao acompanharmos o grupo familiar, cunha-se um campo complexo de transferência e

contratransferência. O campo da linguagem é evidenciado através das falas, atitudes,

expressões, não-ditos, enfim, um extenso campo de significações que ‘invade’ a mente do

terapeuta (Chaves, 2007).

Neste novo enquadramento o terapeuta é responsável por fazer intervenções para

esclarecer as comunicações entre a criança e a mãe/responsável, quando o significado

emocional da conduta da criança não está realmente sendo captado. Além disso, ele tem a

função de continência, possibilitando que esta atitude se torne terapêutica e organizadora da

função materna.

Nesse sentido, quando se objetiva utilizar da técnica como instrumento de intervenção,

o papel fundamental do terapeuta passa ser o oferecimento de continência à mãe a partir das

atitudes de receptividade, reflexão, não-atuação e não-julgamento. O que refere-se à

capacidade analítica do terapeuta em receber as identificações projetivas do analisando,

conseguindo discriminá-las dos próprios sentimentos e utilizando-as para compreender e dar

significados aos fenômenos mentais do mesmo.

São consultas com forte mobilização afetiva, de modo que algumas descrições,

esclarecimentos, apontamentos e perguntas permitem ao conjunto familiar, compartilhar com

o terapeuta conflitos e sentimentos que trazem dor, frustração e dificultam a relação entre pais

e filhos.
33

Mélega (1998) propõe que o terapeuta assuma um novo lugar: não como detentor da

verdade que ao interpretar é capaz de desvendar o oculto; mas como aquele que vivencia e

acompanha com o grupo familiar a história narrada. Permitindo, assim, a circulação da

palavra e, possibilitando uma escuta atenta às manifestações da criança e às relações

‘conflitivas’ que se repetem pela impossibilidade de encontrar soluções, de pensá-las. Essa

postura marca a grande semelhança entre o trabalho desenvolvido por Mélega (1998) e o

modelo que propusemos de intervenção domiciliar.

O acolhimento e a ‘tradução’ de alguns aspectos pouco compreendidos, possibilitam

outras formas de reflexão, o que melhora a interação e alivia a carga emocional dos membros

da família.

Segundo as formulações de Cullere-Crespin (2004), o sintoma é construído de tal

maneira que ele comporta ao mesmo tempo: um impasse para o sujeito, e também um dizer

que de outro modo fica indizível para o sujeito.

Diante disso, podemos pensar que o sintoma da criança diz muito sobre sua condição,

sobre sua posição no desejo do outro, sobre o contexto em que as relações, o laço familiar é

constituído. Nesse sentido, a natureza das intervenções não deve se pautar na interpretação,

mas sim no objetivo de ouvir, esclarecer, motivar a pensar e dar continência a alguns

elementos que vão adquirindo significado no grupo.

De acordo com Chaves (2007), esta é a função transformadora humanizante do

trabalho, isto é, o terapeuta assumindo a posição de observador psicanalítico, possibilita uma

escuta diferenciada, ouvindo os pais em função (parental) daquela criança e a criança em

função (criadora) daqueles pais.

O foco deste trabalho de intervenção e escuta, está na relação, nas condições que

possibilitam a construção dessa relação, que estruturam o enlace pais-filhos. Segundo Chaves

(2007), buscamos compreender como são articulados os vínculos primordiais, ou seja, os pais
34

são ouvidos em função da constituição da sua parentalidade, que por sua vez, só se dá a partir

desta condição criadora de seu filho(a).

Nara Caron vem desenvolvendo intervenções em grávidas de bebês com anomalias

fetais, através do Método de Observação da Relação Mãe-Bebê como auxiliar diagnóstico e

terapêutico (Marra, 2005).

Segundo Marra, neste mesmo trabalho, a pesquisadora considera como contexto

fundamental do trabalho conjunto pais-bebês, a condição dele poder oferecer acesso a

observação, reflexão e possibilidade de abordagens que a sessão individual não oportuniza. A

dramaticidade e intensidade da conflitiva pais-bebês, assim como a alternância de diferentes

papéis entre os membros da família são rápidos e contagiantes. O bebê assume função

desencadeante e catalisadora neste processo, e o terapeuta assume o significativo papel de

proporcionar espaços para que os dramas sejam externalizados.

Sabemos, pela clínica, que o sintoma deve ser respeitado, na medida em que ele porta

a verdade do sujeito. Nesse sentido, oferecendo à criança uma escuta atenta e à família um

espaço no tratamento, do início ao fim, possibilitamos a circulação da verdade individual, ou

seja, possibilitamos que cada sujeito possa expressar seu sintoma, ou sua verdade.

Sendo assim, a posição de escuta comporta ao mesmo tempo uma implicação subjetiva

e uma não intrusão por parte do terapeuta. Implica que não saibamos de antemão o que vai se

produzir, mas que possamos ouvi-lo, abrindo espaço para o sujeito, para a sua questão, para a

sua verdade.

Nosso trabalho apresenta algumas características particulares, na medida em que

introduz novas concepções ao modelo de atendimento conjunto proposto por Mélega (1998).

Este trabalho propõe um modelo técnico de intervenção, para além da questão diagnóstica, em

que o enquadre se organiza com a constante e ativa participação dos pais/cuidadores. Além
35

disso, a posição assumida pelo terapeuta traz peculiaridades que o diferencia da abordagem

terapêutica fundamentada no modelo da psicanalista.

Na abordagem deste trabalho, o terapeuta se posiciona como observador,

acompanhando a descrição da história pela família e também, como terceiro, cuja função é

intervir na articulação dos fios que ‘tecem’ o laço, o enlace pais e filhos, os vínculos

manifestados por meio das condutas dos participantes, em contexto familiar. Esta conduta

diferenciada possibilita o trabalho se estender para a configuração de uma intervenção

psicoterapêutica.

Ao acompanhar a dinâmica familiar, estrutura-se um campo que possibilita a

compreensão da vivência emocional e de suas manifestações por entre os membros da família,

nos possibilitando oferecer sentido às manifestações da criança e às respostas de seus

pais/responsáveis. Não no sentido de um ensino operacional, como nos diz Chaves (2007),

numa conduta de quem sabe antecipadamente, mas num compasso de quem é capaz de

aguardar, compreender e conter o que está por vir.

Dessa maneira, nossa função é possibilitar a conversa, a circulação da palavra/verdade,

percebendo e compreendendo a posição de cada um frente ao desejo, vivenciando com o

grupo as redes de relações construídas. Além disso, estar com a família possibilita a

implicação de todos frente à queixa, permite a responsabilização de todos diante do que

Mélega (1998) chamou de “situações problema”.

Esta postura suprime a concepção culposa dos pais, que atribui a estes uma disposição

determinística do sintoma. E faz com que emerge a noção da qualidade única de cada relação

e a apreciação de que o bebê ou criança muito pequena tem um jeito próprio de desenvolver

sua relação com a mãe.


36

Nossa abordagem considera toda a articulação implicadora do psiquismo infantil com

o psiquismo parental, levando a intervenção a ser dirigida para a “clínica” do laço

pais/criança, propiciando as condições de relação e vinculação.

Esta abordagem vai ao encontro a toda concepção de constituição do sujeito, uma vez

que, ao intervir junto a crianças de zero a três anos de idade estamos atuando no período do

desenvolvimento que corresponde à estruturação dos laços primordiais. Neste sentido, o foco

torna-se exatamente a estruturação dos vínculos, sem privilegiar nem a criança ou seus pais,

separadamente, mas sim a relação, os laços primordiais que os dimensionam em uma

interação estrutural humanizante (Chaves, 2007).

Dessa forma, a possibilidade de se intervir com o intuito de romper ciclos impeditivos

de crescimentos instaurados, nos momentos precoces do desenvolvimento infantil e da relação

pais-bebê, se daria à medida que o profissional busca oferecer continência às angustias dos

pais na relação com o bebê, empregando-se uma atitude mental receptiva às identificações

projetivas daqueles. Essas projeções parentais têm a oportunidade de se tornarem

evidenciáveis, facilitando-se assim novas perspectivas na forma de vê-lo. Nesse processo,

estimula-se a discriminação entre as vivências dos pais e a experiência do bebê, bem como se

valoriza a potencialidade dos pais para a sintonia com as necessidades e sinais do bebê, com o

que se fortalece a função parental e estimulam os recursos internos em cada família para

funcionar como uma rede de relações continentes ao sofrimento psíquico que facilitam a

elaboração e tolerância a conteúdos emocionais (Pinheiro, 1997, apud Paravidini, 2002).

Paravidini (2002, p. 53) sintetiza esta proposição da seguinte maneira:

o foco se refere à interação dos pais em suas funções maternas e


paternas para com os filhos, buscando criar condições para a
comunicação e o pensamento entre os membros da família. Nesse
sentido, demarca-se uma explícita ampliação do contexto de inserção
do trabalho clínico para as relações pais-filhos, em que Mélega
(1990a) anteriormente remetia às relações precoces pais–bebês,
37

porém mantendo-se sob a égide inspiradora do Método de


Observação da relação Mãe-Bebê.

Esta pode ser considerada uma das proposições desta pesquisa de diagnóstico e

intervenção precoces, voltada para a possibilidade de deflagração de um processo que faça

com que estas intervenções estejam inseridas num protocolo mais amplo de assistência à

criança (com risco de sofrimento psíquico grave) e sua família.

Assim sendo, construímos as bases desta pesquisa na articulação do modelo de

observação da relação mãe-bebê com a inspiração na técnica conjunta pais-filhos, nos pontos

em que estes se interseccionam.

A pesquisadora na posição de terapeuta, buscando intervir junto a crianças que

apresentassem risco de sofrimento psíquico, estendeu o trabalho da sua forma clínica, para o

de acompanhamento domiciliar, participando das interações entre pais-crianças nas relações

estabelecidas durante as sessões. Seu papel predominante foi o de estar presente dentro de um

contexto que visa à produção de mudanças através de atos significantes produzidos por

aqueles que estão envolvidos no campo, sob diferentes perspectivas: palavras, silêncios,

pensamentos, olhares, escutas, comportamentos, etc. Ficando sujeito à transferência e

contratransferência que foram discutidas em momento posterior, no espaço de supervisão,

junto com outros psicoterapeutas.

Sendo a observação um método baseado em uma metodologia analítica, os

sentimentos despertados no terapeuta são pontos muito importantes no momento de entrar na

relação de um bebê com sua mãe e seu ambiente, assim como a capacidade de o terapeuta ser

continente, utilizando da transferência e contratransferência como instrumentos que

possibilitam ‘o pensar’. A observação, nesse contexto de acompanhamento domiciliar, vem

enriquecer e ampliar o olhar que é lançado sobre o campo da saúde mental infantil.
38
39

CAPÍTULO II

“É necessário ter o caos aqui dentro


para gerar uma estrela.”
Friedrich Nietzsche
40
41

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Propor uma estratégia de ação em Saúde Mental para a primeira infância a partir do

dimensionamento da relevância do trabalho de identificação e intervenção precoces de sinais

de risco de sofrimento psíquico na atenção básica em saúde.

2.2. Objetivos Específicos

Descrever, a partir da prospecção de crianças de 0 a 3 anos de idade, do Município de

Pirajuba/MG, a incidência dos sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico de

primeira infância (freqüência, variabilidade, intensidade, contexto familiar).

Realizar intervenções precoces (acompanhamentos e encaminhamentos) junto a crianças

que apresentaram sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico.

Refletir sobre a utilização de dispositivos técnicos que favoreçam a identificação e

intervenção precoces, estabelecendo inter-relações entre a Psicanálise e Saúde Pública.

Demonstrar como foi desenvolvido este trabalho de pesquisa no âmbito público e os

limites que puderam ser apontados para sua concretização.

Propor questionamentos e reflexões sobre como enfrentar a questão do sofrimento

psíquico de primeira infância.


42
43

CAPÍTULO III

“Não há como compreender algo sem antes


criar um envolvimento emocional. O desenho
da figura humana requer mais do que
simplesmente formação acadêmica, ele
depende de uma luta fundamental, vigorosa e
profunda”.
Henry Moore
44
45

3. METODOLOGIA

A pesquisa consiste inicialmente na realização de uma prospecção, na qual,

pretendeu-se identificar sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico em crianças de 0 a

3 anos de idade, do Município de Pirajuba/MG3.

Buscamos desenvolver este trabalho com crianças de até três anos devido a alguns

fatores, dos quais podemos relacionar: 1) nosso interesse em desenvolver um trabalho de

identificação e intervenção precoces; 2) pelo fato de utilizarmos a “Ficha de

Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil” como Instrumento para identificar sinais

indicadores de risco de sofrimento psíquico em crianças; 3) definido que atuaríamos junto às

crianças do referido Município, necessitávamos delimitar nosso público-alvo, por uma

questão de viabilidade financeira e de tempo (uma vez que dispusemos apenas de recursos

próprios para a realização da pesquisa).

Para isso, fizemos uso de um Instrumento técnico denominado “Ficha de

Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil” – desenvolvido pelo Dr. João Luiz Leitão

Paravidini, orientador e co-autor desta pesquisa –, que possibilita a execução do processo de

identificação e diagnóstico de sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico de primeira

infância (vide anexo 1).

A pesquisa foi subdividida em duas etapas. A primeira – denominada Prospecção –

consistiu na aplicação do Instrumento junto aos pais e/ou responsáveis, das crianças com

idade entre 0 e 3 anos – independentemente do estado geral de saúde das mesmas –

cadastradas ao Sistema Público de Saúde, do Município de Pirajuba/MG, com a finalidade de

realizar a identificação de crianças com sinais de risco de sofrimento psíquico de primeira

infância. As questões presentes nesse Instrumento foram respondidas pelos pais ou

3
O trabalho foi desenvolvido no referido Município devido ao interesse e apoio do Prefeito Marcos César
Brunozzi e da Secretária de Saúde e Vigilância Sanitária Elisa Vieira Campos Rodrigues, que se dispuseram a
favorecer a viabilidade e concretização da presente pesquisa.
46

responsável que tenham acompanhado ou acompanham o desenvolvimento da criança desde

o nascimento.

Na segunda etapa, após a aplicação e análise do Instrumento, as crianças que

apresentaram esses sinais de risco significativos foram encaminhadas aos atendimentos

pertinentes; dentre os quais a pesquisadora desenvolveu um trabalho de intervenção

terapêutica precoce, com quatro crianças que apresentavam casos mais graves, segundo a

classificação de transtornos mentais e comportamentais descritos na CID 10 (Classificação

Internacional de Doenças). A intervenção terapêutica ocorreu por meio de atendimentos

semanais com duração de aproximadamente uma hora, num período de quatro a seis meses,

conforme propõe Mélega (1998).

O método utilizado para a pesquisa é o psicanalítico-interpretativo. As crianças foram

acompanhadas utilizando-se da técnica de Intervenção Conjunta Pais-Filhos, proposta

originalmente por Mélega (1998), que advém do método de Observação da Relação Mãe-

Bebê de Esther Bick (Bick, 1967), técnica esta que implica também a participação de todo o

conjunto familiar, durante os atendimentos clínicos. Essa técnica encontrou alguns

ajustamentos quanto à sua aplicação em um contexto interventivo, para além de sua

perspectiva inicial de avaliação diagnóstica, conforme indicação de Paravidini (2006).

A “Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil” de cada criança, os

registros clínicos e teóricos, assim como as observações, impressões e sentimentos da

pesquisadora durante os atendimentos, enfim todo o material foi obtido para os propósitos da

pesquisa, sendo utilizados também com fins de encaminhamento a especialistas e

profissionais competentes, vinculados à Prefeitura, a fim de garantir a saúde (física e mental)

e o bem-estar dos participantes envolvidos.

As ações se fortalecem quando buscamos parcerias para efetivá-las. Assim sendo,

solicitamos à Secretária de Saúde que houvesse o acompanhamento de ao menos um


47

profissional, de preferência da área de saúde mental, durante todo o desenvolver da pesquisa,

a fim de participar e continuar o trabalho, após a finalização da pesquisa.

Uma vez, compreendida a fundamental importância dessa solicitação, esta foi acatada

e após apresentação de todo o projeto e esclarecimento de dúvidas, a psicóloga contratada

pela Prefeitura se colocou à disposição de acompanhar todo o trabalho junto à pesquisadora,

comprometendo-se em dar continuidade ao que foi desenvolvido, uma vez concluída a

pesquisa, conforme consta no termo de consentimento (vide anexo 2). Entretanto, em função

da não-disponibilidade de tempo da psicóloga, seu papel se reduziu ao atendimento de alguns

casos encaminhados pela pesquisadora.

Surgiu, concomitantemente, a questão: ‘que profissional acompanharia a pesquisa?

Quem, compreendendo a necessidade e importância do acompanhamento e desejando dar

continuidade ao trabalho desenvolvido, se comprometeria com o mesmo?’

Foi nesse momento de expectativa e tensão que a enfermeira do Programa Saúde da

Família da Unidade Básica de Saúde aderiu ao trabalho de pesquisa, colocando toda a sua

equipe de agentes de saúde à disposição. Após várias apresentações de como

desenvolveríamos o trabalho, longas explicações e esclarecimentos, formamos uma equipe

unida e comprometida com um objetivo comum, e mais, uma equipe desejante e impulsionada

a desenvolver um trabalho de referência para o Município.

Com o desenrolar da pesquisa, outros profissionais foram fazendo parte da equipe,

como é o caso do médico (clínico geral) e da fisioterapeuta, sejam por meio dos

encaminhamentos que nos faziam, sejam pelas discussões, reflexões e conversas sobre como

proceder e intervir de forma multidisciplinar, para não dizer interdisciplinar, junto a esses

casos que tanto demandavam um trabalho com essa amplitude.


48

3.1. A Investigação Psicanalítica

O que dizer da depressão e/ou psicose desencadeada na infância? E dos quadros

complexos de psicopatologia como autismo infantil? E as crianças filhas de pais psicóticos?

Há algo a dizer? Como desenvolver estratégias de intervenção precoce ou de prevenção

voltados a saúde mental infantil? O que a escuta psicanalítica tem nos ensinado?

Sabemos, em relação à clínica da saúde mental da criança, que a prevenção não

consiste em antecipar uma demanda, mas em permitir sua elaboração. Dessa forma,

acreditamos ser de extrema importância precisar e entender o que é um risco, uma situação de

sofrimento em crianças muito pequenas e, assim, definir o que seria uma questão, uma

prioridade para a saúde mental.

A Pesquisa de Identificação e Intervenção Precoces – o trabalho com bebês/crianças

pequenas e seus pais, que desenvolvemos no campo da saúde mental do Município de

Pirajuba – é um trabalho de avaliação, acolhimento e de tratamento dos casos que demandam

a saúde mental. Utilizamos o verbo ‘desenvolvemos’ na terceira pessoa do plural, uma vez

que, como apoio à rede de atendimento à criança, pudemos contar com uma equipe formada

por um médico, uma enfermeira, seis agentes de saúde e uma fisioterapeuta.

As prioridades eram crianças com sofrimentos psíquicos graves: autistas e psicóticas,

neuroses graves; e crianças em situação de risco: vítimas de violência, maus tratos, entre

outras.

A Pesquisa de Identificação e Intervenção Precoces nasceu a partir do desejo de que

essas crianças, que eram nossa prioridade, pudessem chegar mais cedo para tratamento.

Acreditamos e, mais, defendemos que a possibilidade de atendimento e intervenção num

estágio anterior possam minimizar os efeitos e os sintomas dessas doenças sobre as crianças e

bebês.
49

Surgiu, então, o seguinte questionamento: ‘o que poderíamos dizer da escuta de bebês

e crianças bem pequenas, tomando como fio condutor a psicanálise?’

Segundo Messias (2004), o infans, bebê que ainda não fala está necessariamente

inscrito em uma estrutura simbólica que o antecede. Lacan (1999), no Seminário V, afirma

que a criança está presa na matriz simbólica da língua desde que nasce. A criança recebe um

nome e tem uma história que começa bem antes do seu nascimento. A mãe supõe um saber

nos atos reflexos do bebê, introduzindo aí as marcas do Outro. O agente da função materna

antecipa um sujeito em seu bebê, e é a partir daí que o grito do bebê é considerado como

apelo e interpretado. Essa é a chamada loucura natural das mães de que nos fala Winnicott

(1951).

Buscamos ‘escutar’, compreender, no trabalho de intervenção precoce, o lugar que

essa criança vinha ocupando no desejo da mãe/pais, qual era o laço que a criança fazia com

esse Outro primordial, aquele responsável pelos cuidados primeiros, a maternagem. O não-

estabelecimento desse laço com o Outro, sabemos, pela clínica, pode ter conseqüências

marcantes na estruturação psíquica do bebê. Tendlarz (1997) comenta que se trata aí da

incidência do desejo do Outro, que pode tornar o sujeito um ser vivo ou mortificá-lo.

Segundo Laznik (1997), a instauração do aparelho psíquico na criança se faz bem

cedo, antes dos dois anos, o que a leva a considerar a hipótese de um trabalho clínico a ser

feito com bebês e seus pais quando algo não vai bem nessa relação. Para a autora, o trabalho

com os pediatras seria fundamental para a detecção precoce de “sinais de risco de autismo” e

início da intervenção a partir daí.

Fazer a prevenção quer dizer intervir no laço pais-criança. Eu


considero que a síndrome autística clássica é uma conseqüência de
uma falha no estabelecimento deste laço, sem o qual nenhum sujeito
pode advir (Laznik, 1997, p.37).
50

Acreditamos que a clínica da saúde mental infantil diz respeito à escuta da

subjetividade de cada criança, independentemente de sua idade, de ter sido trazida pelo outro,

no colo, andando, falando ou ainda não. É importante confiar que há um sujeito ali, ainda em

constituição, isso é fato, mas um sujeito que, se ainda não fala, é falado, é marcado pelo Outro

e traz muitas vezes, em seu corpo sinais importantes de adoecimento. É preciso aprender a

escutar esse sofrimento, às vezes intenso e incluí-lo em nossa pauta de prioridades. É uma

demanda um pouco diferente da usual que aporta à saúde mental, mas não menos importante.

É uma demanda que chora, um sofrimento que grita e não se faz calar. É preciso escutá-lo a

tempo.

O psiquiatra e psicanalista Golse (2000), citado por Tavares (2004), discute a

importância de se intervir junto a bebês ou crianças bem pequenas. O autor sugere que, para

chegar até essas crianças bem pequenas, é preciso que os trabalhadores em saúde e outros que

compõem a rede de atenção a crianças assumam uma atitude de “atenção ativa”, que opõe ao

conceito de “espera”, explicando que, se a espera tem a priori um objeto preciso, a atenção,

ao contrário, é uma disposição psíquica, um estado de alerta interior, uma disponibilidade

perceptiva que nos torna sensíveis ao imprevisto.

Com o saber da psicanálise e a partir da clínica, é possível delinear um campo de

trabalho que leve em conta que o bebê/criança é, como diz Lacan (1999), um corpo que fala; e

nós devemos apostar que aí (nesse corpo) tem um sujeito em formação.

Dessa forma, nosso trabalho consiste em nos fazermos suporte de suas construções,

construções que ele produz para dizer do mal-estar diante do qual ele é falado, ou melhor, do

lugar que ele ocupa no desejo de sua mãe/pai ou cuidador. E, sendo a partir do campo do

Outro que o infans se constitui sujeito, podemos dizer que nosso trabalho, também se baseia,

na clínica do laço, intervindo como terceiro sobre de que modo o bebê é falado, tentando
51

reendereçar a ele o discurso sobre ele, o que faz valer que supomos aí um sujeito que o tira da

posição de objeto falado.

Sendo assim, fazemos operar com nossa escuta, nosso olhar e nosso dizer, um espaço

terceiro em que a palavra pode circular, fazendo-nos suporte e tradutor do que o bebê traz,

propondo-nos a tratar não da loucura ou não-loucura dos pais, mas do lugar que o

bebê/criança ocupa para esse cuidador. É com o nosso olhar e com a nossa escuta que nos

endereçamos a esse bebê/criança e reendereçamos a seu cuidador suas manifestações. É

criando um espaço no qual possa ser ‘cavado’ um lugar de sujeito e um trabalho de aposta de

que o bebê possa diferenciar-se desse discurso que vigora sobre ele, que opera o trabalho de

diferenciação dele com esse Outro, tentando construir um outro sentido, um caminho de

sujeito.

3.2. Pirajuba: a Cidade

Neste tópico, buscamos descrever o Município de Pirajuba, com o intuito de

apresentarmos a Cidade (em que desenvolvemos a pesquisa) ao leitor, numa tentativa de

possibilitar ao mesmo uma melhor ‘visualização’ e possível caracterização do local e de suas

particulares condições. Os dados, aqui descritos, foram, em sua maioria, retirados do site

oficial da Prefeitura de Pirajuba (www.pirajuba.mg.gov.br), do site do IBGE

(www.ibge.gov.br), sendo algumas descrições oriundas do projeto de inventariação

patrimonial do Município adquirido junto à Diretora de Educação do Município, Regina Célia

Brunozzi, e de relatos a partir da percepção e observação da própria pesquisadora.

O Município de Pirajuba está localizada no Triângulo Mineiro, ao longo do vale do

Ribeirão Dourado e na margem do Ribeirão da Bagagem. Possui uma população total com

3.701 habitantes e área de 332,8 Km2. A cidade possui pouca infra-estrutura: uma parte da
52

região não possui pavimentação e asfalto, projetos de saneamento básico como canalização de

água e esgoto, e de eletricidade, para toda a população ainda estão sendo desenvolvidos pela

Administração (Gestão 2005/2008). É uma cidade de pequeno porte, subordina-se diretamente

a Frutal, estando dentro da zona de influência de Uberaba.

O município de Pirajuba teve origem no primitivo povoado fundado por sertanistas,

que por volta de 1830 chegaram à região, atraídos pela qualidade das pastagens, adequadas à

criação de gado.

Em terras doadas pelas irmãs Bárbara e Esídia Rodrigues foi erguida a primeira

capela, consagrada a Nossa Senhora da Abadia. Em torno da capela, cresceu o povoado

batizado de Buritis, mais tarde denominado Dourados.

Em 1938, o povoado é elevado a distrito e, em 1943, passa a se chamar Pirajuba,

integrado então ao município de Conceição das Alagoas. A emancipação data de 1953.

Aparentemente, muito do que se poderia esperar em termos de avanços econômicos

para Pirajuba foi abortado devido à não existência de estradas importantes que passem pelo

Município.

Passear por Pirajuba é uma experiência interessante, a quietude das ruas e o jeito

manso que o tempo corre, fazem-nos lembrar, a todo o momento, que estamos num mundo

ainda à parte de toda ‘complexidade’ apresentada pelas grandes cidades atuais. Ali se

encontra alguns espaços/momentos de convivência social, nos quais se pode ver o exercício

da sociabilidade típica do mineiro do interior.

Há os espaços da convivência cotidiana, que se dá nas ruas e na praça principal,

Professor Aníbal, local escolhido pela maioria da população para encontros e

confraternizações. É aonde os mais velhos vão para contar casos ou para ‘matar o tempo’, as

crianças brincam, correndo pelos canteiros e, por vezes, alguns jovens se reúnem para beber e

conversar.
53

Nessa praça, também se localizam os principais prédios e instituições locais, como a

Prefeitura e a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Abadia, correios, Sociedade Esportiva

Recreativa Pirajubense, além das principais casas comerciais da cidade: bares, sorveteria e

açougue. É o local onde todos os personagens, das mais variadas maneiras e situações,

encontram-se.

A vida cultural de Pirajuba é bastante marcada por suas festas. “Não existe no mundo

um povo pra gostar de festa mais do que esse da Pirajuba4” (Pimentel, 1996). Esta parece ser

uma característica enaltecida pelos moradores, uma visão que, ao mesmo tempo em que cria

uma identidade entre os moradores e sua cultura, promove entre eles um caráter especial à

maneira com que procuram se divertir.

Os principais eventos realizados no Município são: a Festa do Peão e a Festa de Nossa

Senhora da Abadia. Ambas mobilizam toda a Cidade. A diferença entre as duas está no tipo

de público que vem de fora. Enquanto a “Festa da Igreja” atrai contingente de pessoas mais

ligadas às famílias locais – geralmente ex-moradores, filhos e parentes de moradores – a Festa

do Peão traz consigo pessoas ‘que fazem a festa’, vendedores, artistas.

A identificação do povo com suas festas, a maneira como as praticam e demonstram

para os visitantes são formas de fazer Pirajuba encaixar-se no papel a que pode – e está de

certa maneira limitada – a exercer, qual seja, uma comunidade rural e festiva.

A cultura de Pirajuba está intimamente ligada à vida no campo, reflete o cotidiano do

homem simples, num universo minúsculo à dinâmica do tempo que, em muitos aspectos, flui

lentamente, assim as relações sociais e afetivas são realizadas entre conhecidos. Dessa forma,

os papéis sociais são bem definidos e claros nos âmbitos do trabalho, das práticas sociais e

religiosas, todos condizentes com um modelo cultural típico.

4
Depoimento de Francisco Tiago de Mendoça, citado em PIMENTEL, Sidney Valadares. O chão é o limite: a
festa de peão de boiadeiro e a domesticação do sertão. Brasília: Universidade de Brasília. 1996. Tese (Doutorado
em Antropologia). P.23.
54

Nos planos social e econômico fica em evidência o modo de vida baseado na produção

de subsistência, nas relações de compadrio e, culturalmente modas de viola, histórias do

passado, culinária típica e religiosidade.

A estrutura urbana é pouco diferenciada, predominando na área da cidade a função

residencial. No entanto, há concentração de estabelecimentos comerciais e de prestação de

serviços nas proximidades da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Abadia, conforme descrito.

Pirajuba possui um único distrito-sede e a zona rural. Extra-oficialmente, na divisão

local, a cidade é segmentada em duas partes, a primeira que caracterizamos acima, e outra

entendida como periférica. Com o surgimento da cultura da cana-de-açúcar, mudaram-se para

a zona urbana algumas famílias de trabalhadores rurais formando essa periferia, denominada

de “Vila do Plástico” – pelo fato de suas casas serem feitas desse material e papelão – hoje ela

está sendo urbanizada, e foi rebatizada como Vila de Santo Antônio.

Na zona rural, destacam-se as sedes das fazendas, de pecuária, agricultura de

subsistência, monocultura da cana-de-açúcar e soja.

A cidade possui duas escolas: a municipal Sérgio Pacheco e estadual Cel. Oscar de

Castro, localizadas uma ao lado da outra. Possui, ainda, uma Unidade Básica de Saúde (UBS)

responsável por todo trabalho desenvolvido no âmbito da saúde pública, uma vez que, o

Município não conta com a presença de hospitais, centros e clínicas para atendimentos

especializados.

Foi inserido nesse contexto e a partir da parceria desenvolvida junto ao Prefeito,

Secretária de Saúde e à equipe do Programa de Saúde da Família – composto por

profissionais e agentes de saúde –, da UBS, que nosso trabalho foi desenvolvido.


55

3.3. A Pesquisa

Superando a expectativa de que a clínica com crianças seja um decalque da clínica do

adulto, buscamos desenvolver novas possibilidades de identificação e intervenção junto a

crianças com risco de desenvolvimento ou que já apresentassem sofrimento psíquico.

Propusemos-nos, a partir de um trabalho de cooperação junto aos profissionais da

Rede Pública de Saúde do Município (secretária de saúde, enfermeira, médico, fisioterapeuta,

agentes de saúde, psicóloga), identificar e acompanhar crianças de zero a três anos que

apresentassem risco de sofrimento psíquico e/ou apresentassem dificuldades no laço com seus

pais e no laço social. Isso para montar um dispositivo de acompanhamento, de acolhimento,

propiciando criar uma rede de suporte, de sustentabilidade, através de recursos próprios e

inerentes da situação, da vivência com o grupo familiar, da contingência em que este grupo

nos apresentava.

Cabe ressaltar que este trabalho não contou com nenhum tipo de recurso financeiro,

fonte, destinação, não havendo também remuneração para a pesquisadora. Os gastos com

viagens até o Município de Pirajuba e os gastos com os materiais necessários a pesquisa,

como por exemplo: folhas de papéis, impressões e xérox, foram arcados pela própria

pesquisadora. A Prefeitura somente autorizou o xérox dos Instrumentos “Ficha de

Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil” que foram utilizados na pesquisa e que

passaram a fazer parte dos prontuários das crianças na Unidade Básica de Saúde.

Apesar de o Prefeito ter concedido o espaço físico, móveis e brinquedos de uma das

salas da Unidade Básica de Saúde; não foi utilizado, para fins da pesquisa, nenhum destes

recursos materiais, visto que a prospecção e o processo de intervenção ocorreram em

domicílio, nas casas das famílias pesquisadas. Contamos apenas com os recursos humanos

(profissionais e agentes de saúde) que reconhecendo a importância do trabalho proposto e


56

devido ao interesse dos mesmos, participaram da pesquisa. O transporte da UBS não foi, em

nenhum momento, utilizado pela pesquisadora, que se dispôs a realizar a pesquisa a pé ou no

próprio carro, através das visitas domiciliares às famílias, junto com as agentes.

Descreveremos a seguir como se estruturou e ‘desenrolou’ esta pesquisa, o longo

caminho percorrido; seus impasses, dificuldades e limitações, bem como a superação dos

mesmos; os resultados obtidos; as discussões e reflexões possibilitadas e as que ainda farão

parte por um longo período de nossas noites sem sono.

3.3.1 A PROSPECÇÃO: o processo de identificação precoce

Num esforço de construir dados que pudessem dimensionar os problemas existentes –

em um pequeno Município, como o de Pirajuba – e na tentativa de orientar as ações públicas

necessárias para a efetiva inclusão do segmento infanto-juvenil na agenda das políticas

públicas de saúde mental –, buscamos descrever a incidência dos sinais indicadores de risco

de sofrimento psíquico das crianças de até três anos, do referido Município; refletir sobre a

utilização de dispositivos técnicos que favoreçam a identificação e intervenção precoces; e

propor debates e reflexões sobre como enfrentar a questão da saúde mental infantil.

Sabemos que a clínica da saúde mental infantil tem a característica de que a criança é

trazida pelo Outro, e no município de Pirajuba a situação não se difere. Na maioria das vezes

isso ocorre porque seu sintoma incomoda o Outro – pai, a mãe ou a escola – que a criança é

levada até os profissionais de saúde. É, portanto, numa perspectiva reparadora que é feita a

demanda. Ou seja, é porque a criança faz barulho, briga, estraga os brinquedos, tem

dificuldades de aprendizagem, enfim, é porque algo incomoda esse Outro que a criança chega

até o atendimento. Por outro lado, as crianças quietas e retraídas são levadas a atendimento

numa idade em que se espera delas uma interação social.


57

O processo de Prospecção que correspondeu à primeira etapa da pesquisa consistiu na

aplicação do Instrumento junto aos pais e/ou responsáveis, das crianças com idade entre 0 e 3

anos cadastradas ao Sistema Público de Saúde, do Município de Pirajuba/MG, com a

finalidade de realizar a identificação de crianças com sinais de risco de sofrimento psíquico

de primeira infância.

Para a realização desta etapa nos deparamos com a dificuldade de como chegar até as

crianças com sinais indicadores de sofrimento psíquico, uma vez que o Município não

dispunha de nenhum trabalho que envolvesse a promoção em saúde mental, nem mesmo

cadastros de pacientes onde pudéssemos identificar os que já haviam passado por algum tipo

de atendimento desta natureza em outras cidades ou mesmo cadastros dos que já haviam sido

diagnosticados como portadores de sofrimento mental. Esse fato dificultava possíveis

encaminhamentos de pacientes adultos a profissionais de saúde mental, e em se tratando de

crianças, com até três anos de idade, certamente era impossível e totalmente inviável

aguardarmos algum encaminhamento desse tipo.

Portanto, não tínhamos idéia de como encontrar essas crianças ou seus pais, e mais,

como alcançar a abrangência e magnitude na qual nos propusemos que era a de mapear o

Município identificando os casos de crianças com risco de sofrimento psíquico de primeira

infância. Após muito pensar e discutir, levantamos algumas hipóteses. Como a Unidade

Básica de Saúde (UBS) é um centro para o recebimento de bebês e crianças, pois nela estão

previstas atividades como puericultura, acompanhamento pediátrico, vacinas dentre outras

atividades, poderíamos ir ao encontro dessas crianças e seus pais nos dias de vacinação ou

mesmo durante as consultas ao pediatra.

Apesar das possibilidades levantadas, em todas esbarrávamos em uma questão

importante: mesmo que conseguíssemos abranger um grande número de crianças no processo

de identificação de sinais de risco de sofrimento psíquico, não seria possível mapear o


58

Município, uma vez que nosso trabalho se limitaria em pesquisar as crianças que por algum

motivo fossem levadas à UBS.

Pensamos então que algo poderia ser proposto para que pudéssemos ir ao encontro

dessas crianças – diretamente, sem a necessidade de esperarmos por encaminhamentos,

visitas ao pediatra, vacinações ou pela busca dos pais por respostas, pelo o que vem

acometendo seu filho a algum tempo – fazendo com que essas pudessem chegar mais cedo ao

‘tratamento’.

Propusemos-nos, então, contando com o apoio e cooperação da equipe do Programa de

Saúde da Família (PSF), realizar a prospecção a partir de visitas nas próprias residências das

famílias. Essa decisão foi fundamental uma vez que nossa intenção era abranger as crianças

de até três anos de idade, não nos limitando apenas às famílias que com crianças dessa faixa

etária buscasse algum tipo de serviço na UBS.

Dessa forma, esta etapa inicial consistiu em ir até as residências de pais/familiares que

tinham crianças com idade de zero a três anos, para conversar, explicar sobre o trabalho que

estávamos desenvolvendo, sobre a importância do acompanhamento do desenvolvimento da

criança e em aplicar o Instrumento junto a estes pais/responsáveis.

Para que esse trabalho fosse possível, ‘dividimos’ o Município em seis grandes áreas,

a partir das regiões de acompanhamento de responsabilidade de cada agente.

No trabalho com o bebê e a criança pequena, a exigência de se fazer entender por

outros profissionais que não são psicólogos é premente e vital para a própria existência dessa

clínica, dado que esses pacientes são atendidos inicialmente, por exemplo, por médicos,

enfermeiros, educadores, etc. Assim sendo, antes de iniciar a prospecção, foi fundamental a

realização de várias reuniões e apresentações sobre como seria desenvolvida cada uma das

etapas do trabalho, sobre a importância da participação e engajamento de todos para o sucesso

e, principalmente, para a manutenção do mesmo posteriormente à pesquisa.


59

Dando início ao trabalho de prospecção, a pesquisadora juntamente com as agentes de

saúde (que se alternavam de acordo com a região pesquisada, pois cada agente acompanhava

a pesquisadora na área pela qual era responsável), sendo algumas vezes acompanhada também

pela enfermeira ou pelo médico do PSF, foi ao encontro dessa população-alvo.

Num total de aproximadamente oito meses, realizamos visitas às casas de todas as

famílias, em que havia criança(s) de até três anos de idade – independentemente do estado

geral de saúde das mesmas –, do Município de Pirajuba, incluindo zona urbana e rural, num

processo incansável e constante em busca de identificar as que apresentavam sinais

indicadores de risco de sofrimento psíquico, a partir da aplicação do Instrumento “Ficha de

Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil”.

Criamos uma escala em que constavam a data e a agente que acompanharia a

pesquisadora na aplicação do Instrumento. Dessa forma, informadas sobre os dias, as agentes

poderiam se organizar e se preparar para as visitas, sem que isso atrapalhasse suas demais

atribuições e compromissos profissionais.

Contamos, inicialmente, com a participação de somente três agentes, devido algumas

dificuldades como: falta de interesse, substituição de agentes que haviam mudado de

emprego, entre outras. Entretanto, essas dificuldades não inviabilizaram o trabalho, pelo

contrário, como visávamos iniciar o mapeamento a partir das regiões que delimitamos,

decidimos iniciar a prospecção junto às famílias das áreas de responsabilidade das agentes

que demonstraram maior interesse em participar e que já tinham certa experiência com o

trabalho como agente de saúde; visto que as agentes que seriam contratadas ainda teriam que

passar por um treinamento e acompanhamento para que pudessem se preparar e assumir o

trabalho de agente comunitária de saúde.

Na medida em que fomos desenvolvendo o trabalho, passamos a relatá-lo e discuti-lo

com as demais agentes e enfermeira, num processo que propiciou muita informação e
60

esclarecimentos. Durante os relatos, foi possível demonstrar como estava sendo realizado o

trabalho, as dificuldades enfrentadas, os erros cometidos e as necessidades de melhoramento.

Essa prática fez com que os receios e ansiedades do restante do grupo fossem diminuindo,

dando espaço para maior interesse, engajamento e participação, inclusive na resolução de

problemas ligados à própria equipe ou às questões de promoção de saúde e bem-estar da

população. Isso possibilitou continuarmos com a prospecção também nas demais regiões, de

responsabilidade das outras agentes, sem maiores problemas ou dificuldades.

Os assuntos discutidos com a equipe sempre extrapolavam as questões da pesquisa e

assumiam direções cada vez mais abrangentes. Isso nos levou a perceber a necessidade de

criarmos um espaço e tempo apropriado e delimitado para a realização de reuniões onde

questões ligadas à atuação profissional da equipe, dificuldades e necessidades pudessem ser

discutidas. Assim sendo, ficou determinado que de segunda a quinta-feira, antes de iniciar o

trabalho, a equipe se reuniria com essa finalidade; e que toda sexta-feira, antes de iniciarmos

as visitas às famílias, discutiríamos, durante uma hora e meia, sobre a pesquisa, o trabalho que

estávamos desenvolvendo, os casos mais graves, os acompanhamentos realizados, os

indicadores de sofrimento psíquico percebidos, etc.

Em campo, durante as visitas, era a própria agente quem determinava as casas das

famílias a serem visitadas e apresentava a pesquisadora aos pais/responsáveis da criança. A

pesquisadora informava-os sobre a pesquisa, esclarecendo seus objetivos, finalidade e a forma

como a mesma seria conduzida, apresentava o Instrumento e solicitava a participação dos

mesmos, deixando claro que não teriam nenhum prejuízo, nem mesmo seriam favorecidos

caso aceitassem, ou não, participar da pesquisa.

Sempre era solicitada a presença da criança, durante a conversa com os pais e

preenchimento do Instrumento, fato esse importante, uma vez que muito favoreceu para que a

pesquisadora e a agente percebessem melhor como se dava a relação, ou melhor, o enlace


61

pais-filhos; além de confirmarem por meio das próprias observações e percepções às respostas

dadas pelos pais às questões.

Inicialmente, era a pesquisadora quem aplicava o Instrumento junto aos

pais/responsáveis das crianças. Alguns apenas respondiam as questões presentes na Ficha

acrescentando poucas informações; outros além de responder as perguntas feitas, também

forneciam detalhes sobre sua vida e de seus filhos, contando sobre a história de vida inicial

da(s) criança(s), como: dificuldades enfrentadas durante a gestação; questões ligadas à saúde

(do bebê e sua própria); relatos sobre os contextos social, econômico e emocional vividos pela

família (pais, avós, tios) desde a gestação da criança, seu nascimento até o presente momento.

Esse primeiro contato com a criança e seus pais, nos possibilitou uma maior ‘aproximação’ da

realidade vivida e experienciada pela criança-família.

Na medida em que as agentes se familiarizavam com o Instrumento – demonstrando

maior segurança em ‘manuseá-lo’, mais desenvoltura em esclarecer aos pais/responsáveis

questões referentes ao desenvolvimento da criança, à pesquisa e ao trabalho desenvolvido –, a

pesquisadora solicitava que as mesmas passassem a realizar a aplicação do Instrumento.

Assim, ela podia acompanhá-las durante essa aplicação, auxiliá-las quando preciso e orientá-

las na forma correta de abordagem das pessoas e na maneira de explicar algumas das

perguntas contidas no material. Aos poucos as agentes foram adquirindo maior autonomia e

passaram a realizar a aplicação do Instrumento sem a presença da pesquisadora; recorrendo a

ela somente quando identificavam um caso em que havia uma maior variação nas respostas à

Ficha ou quando percebiam ‘algo’ que as chamasse a atenção. Esse ‘algo’ estava relacionado

com as frentes de trabalho nas quais nos baseamos e que estavam diretamente relacionadas à

saúde física e mental da criança e de seus pais.

As três frentes principais de trabalho em que baseamo-nos foram:


62

a) Crianças com sinais indicadores de um possível sofrimento psíquico: transtornos

invasivos do desenvolvimento, patologias do afeto e da relação.

b) Bebês com persistência de sintomas que apontem uma possível causa psicogênica

(refluxo persistente, distúrbios do sono, irritabilidade, choro constante).

c) Patologias dos pais, depressões graves na mãe, surtos, violências e outros

problemas que influenciam diretamente o cuidado com a criança.

A solicitação de que as agentes, após certa experiência e preparação, assumissem a

aplicação do Instrumento junto aos pais, fez parte de uma das etapas da pesquisa que visou

garantir a continuidade do trabalho, mesmo após seu encerramento. Etapa essa fundamental

quando se desenvolve um trabalho em que compreende a presença de seres humanos e,

primordial, quando o mesmo está ligado à saúde pública.

O Instrumento muito favoreceu e facilitou nosso trabalho na detecção inicial das

crianças, tendo em vista que membros de nossa equipe não possuíam formação especializada

em desenvolvimento e psicopatologia infantil.

Todas as famílias visitadas aceitaram participar da pesquisa e demonstraram

disponibilidade em colaborar com o trabalho desde que informadas e esclarecidas sobre o seu

teor científico.

Foi interessante perceber como alguns pais, independente do nível sócio-econômico,

dispunham-se a ajudar e como muitos solicitavam ainda ‘mais’, pediam conselhos e sugestões

em como criar e educar seus filhos; queriam que acompanhássemos o desenvolvimento dos

outros filhos e que também aplicássemos o Instrumento com os filhos maiores de três anos de

idade. Indagavam sobre como deveriam agir em situações como: a criança que volta a fazer

xixi na cama, ou que tem dificuldade em dormir, ou que bate freqüentemente em colegas da

escola; enfim esses detalhes demonstraram a necessidade de maiores esclarecimentos sentida


63

pelos pais, de uma melhor preparação por parte dos profissionais que atendem essa

população, de mais disponibilidade em ouvir e acolher essas pessoas, de forma geral, de um

melhor preparo dos recursos humanos para atuar na saúde pública.

As visitas também favoreceram o estreitamento das relações entre agentes, PSF e

população, favorecendo uma relação mais cordial, mais interativa, mais comprometida, tanto

por parte da população, engajando-se mais nos programas desenvolvidos pelo PSF e UBS;

como pelos profissionais, que passaram a perceber e reconhecer ‘as pessoas por trás das

planilhas, registros e patologias’, percebendo suas carências e necessidades, mas também suas

potencialidades e possibilidades. Isso tudo favoreceu o desenvolvimento de um trabalho

integrado, mais participativo e produtivo.

O Instrumento

“Para se diagnosticar é preciso antes


encontrar meios de se levantar possíveis
suspeitas”.
(Paravidini, 2002 p.61)

A utilização do Instrumento “Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento

Infantil” nos serviu como um suporte para o início do trabalho de pesquisa, uma vez que

facilita a detecção de sinais de risco de sofrimento psíquico infantil e que, ao mesmo tempo,

pela praticidade e facilidade de sua aplicação se adequa à realidade do trabalho que

pretendíamos realizar em Saúde Pública.

O Instrumento é dividido em cinco escalas, de acordo com as faixas etárias

correspondentes aos períodos do desenvolvimento infantil, em que se encontram esboçadas

questões fundamentais sobre o desenvolvimento da criança, em que a variabilidade nas

respostas encontradas nos possibilita detectar a forma como os sinais se manifestam. As

faixas etárias são então divididas da seguinte forma:


64

• Três primeiros meses;

• Dos quatro a seis meses;

• Dos seis a nove meses;

• Dos quinze aos dezoito meses;

• Dos vinte e quatro aos trinta meses.

Essas faixas etárias foram assim constituídas por se tratarem de períodos significativos

do desenvolvimento mental da criança e por serem os períodos mais freqüentes que os pais

relatam quanto ao aparecimento de sinais de risco de autismo infantil (Houzel, 1997, apud

Paravidini, 2002).

Cada uma das faixas etárias constitui uma escala de detecção de sinais indicadores de

risco de sofrimento psíquico na infância. O Instrumento tem como objetivo a identificação de

possíveis dificuldades no desenvolvimento mental em crianças abaixo de três anos de idade,

tomado-se como parâmetro de fundo alguns sinais discretos indicadores de risco de

sofrimento mental infantil, porém descritos na forma de comportamentos esperados e não em

sua forma sintomática (Paravidini, 2002).

Nessa Ficha, são descritos os comportamentos esperados em crianças de acordo com a

sua faixa etária, dentro de seu limite crítico. Assim sendo, cabe destacar que a Ficha é

composta apenas por frases formuladas de forma positivada visando não incrementar

situações de ansiedade nos responsáveis pelas crianças que venham a responder às perguntas.

Nas cinco escalas do Instrumento, encontramos itens que evidenciam os três vetores

propostos (olhar, corpo e linguagem), que estão vinculados à relação da criança com o Outro,

focalizado em diferentes períodos significativos de sua primeiríssima infância.


65

A “Ficha e Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil” não responde

integralmente a questão diagnóstica, mas é um material preciso e fidedigno enquanto recurso

para a identificação de possíveis casos de transtornos psíquicos na primeira infância;

servindo, para a pesquisa, como Instrumento sistemático e prático durante o processo de

identificação desses bebês e crianças.

O modo de aplicação do Instrumento

Conforme dito anteriormente, apesar de a Unidade Básica ser um centro para o

recebimento de bebês e crianças, propusemo-nos ir ao encontro dessas crianças em suas

próprias residências sem a necessidade de esperarmos por encaminhamentos ou pela busca

dos pais por atendimentos especializados para o que acomete seu filho; fazendo com que

esses pudessem ter acesso a intervenções ‘a tempo’. Essa decisão foi fundamental uma vez

que nossa intenção era abranger todas as crianças de até três anos de idade, não nos limitando

apenas às famílias que com crianças dessa faixa etária buscasse algum tipo de serviço na

UBS.

As agentes de saúde foram as responsáveis pelo contato inicial com os

pais/responsáveis das crianças, divulgando o trabalho e fazendo o convite para a participação

na pesquisa. Estando os pais de acordo com a participação, a pesquisadora e a agente de saúde

– com a presença esporádica da enfermeira e do médico – realizavam a visita, na qual a

pesquisadora esclarecia que se tratava de uma pesquisa sobre o desenvolvimento infantil e

colhia o aceite do participante.

O Instrumento foi administrado junto aos pais/cuidadores de 136 crianças do

Município, que correspondem a 4,53% da população geral, independentemente do estado

geral de saúde das mesmas. A distribuição por faixa etária ocorreu da seguinte maneira:
66

• Três primeiros meses – 11 crianças

• Dos quatro a seis meses – 19 crianças

• Dos seis a nove meses – 23 crianças

• Dos quinze aos dezoito meses – 29 crianças

• Dos vinte e quatro aos trinta meses – 54 crianças

Para a aplicação da “Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento Infantil”, a

pesquisadora e as agentes de saúde perguntavam aos pais/cuidador da criança sobre cada

comportamento descrito na mesma. Alguns comportamentos podiam também ser observados

diretamente com a presença da criança, quando se tratavam daqueles relacionados à faixa

etária em que a criança se encontrava. Todos os itens eram respondidos até idade da criança

na data de aplicação do Instrumento.

Para cada comportamento descrito, era assinalada apenas uma das respostas

correspondente à freqüência em que este comportamento ocorria:

Se ele nunca ocorria, assinalava-se o item (1)

Se ele ocorresse às vezes assinalava-se o item (2)

Se ele ocorresse sempre assinalava-se o item (3)

As visitas e aplicação do Instrumento foram realizadas com as famílias que tinham

crianças com idade de até três anos, cadastradas no Sistema Público de Saúde do Município

de Pirajuba. O trabalho nos permitiu realizar um mapeamento das crianças que apresentavam

sinais de risco de sofrimento psíquico de primeira infância. A Ficha, uma vez respondida,

passou a fazer parte do prontuário da respectiva criança, na UBS, para o acesso de


67

profissionais quando necessário fosse – seja para discussão do caso junto a outros

profissionais, seja para completar as respostas à medida que a criança crescesse.

Apenas no transcorrer da execução da pesquisa de campo de prospecção é que se foi

tornando mais nítido o quanto esta etapa de detecção inicial era complexa e repleta de

dificuldades (conforme descrevemos anteriormente), e o quanto carecia de atenção e cuidado

no manejo e realização, para que se pudesse construir bases para uma possível intervenção e

aderência dos pais e crianças numa etapa futura.

Visando desenvolver um trabalho adequado e efetivo, que atendesse às necessidades

da pesquisa e, principalmente, da população pesquisada, criamos uma rede de atenção

constituída por profissionais da saúde (psicólogo, enfermeiro, médico, fisioterapeuta, agentes

de saúde) e realizamos reuniões semanais para discussões de casos, discussões sobre o

trabalho que estávamos desenvolvendo, sobre os impasses e dificuldades percebidos durante o

desenvolvimento do mesmo, sobre os indicadores de sofrimento psíquico encontrados nas

crianças, sobre a necessidade de acompanhamento e/ou encaminhamento dos casos, etc.

Resultado da aplicação do Instrumento

Após a aplicação e análise do Instrumento, podemos destacar que das 136 crianças

pesquisadas, 20 delas, ou seja, cerca de 14,7% das crianças, do Município de Pirajuba,

apresentavam algum sinal de risco de sofrimento psíquico, sendo necessário o

encaminhamento das mesmas aos atendimentos pertinentes.

Os dados coletados na pesquisa reafirmaram a necessidade de diretrizes que priorizem

o campo da Saúde Mental Infantil, inclusive em pequenos Municípios como o de Pirajuba,

frente aos significativos índices e prevalência cada vez mais precoce de sofrimento psíquico

na infância.
68

Devido à elevada incidência, demonstrada pelos dados coletados na pesquisa, e

levando em consideração as limitações ao fazermos uso de tabelas que visam à

detecção precoce de sinais clínicos de sofrimentos psíquicos, na medida em que

estas não respondem por completo às particularidades de cada criança,

consideramos ser extremamente importante acompanhar os casos identificados, a

fim de observar a qualidade dos sinais de risco, sua intensidade e sua persistência

no tempo.

Para isso, criamos uma estratégia fundamentada nos dispositivos de acompanhamento

e acolhimento, a partir da estruturação de uma rede de suporte e sustentabilidade, que

denominamos de Processo de Intervenção. Em alguns casos, percebida a necessidade de uma

intervenção específica, encaminhávamos as crianças aos atendimentos especializados.

3.3.2 O PROCESSO DE INTERVENÇÃO

Durante a elaboração do projeto de pesquisa e, posteriormente, a de sua execução, era

premente o estabelecimento das bases teóricas que pudessem direcionar a detecção de sinais

de risco e suas manifestações clínicas, e embasar o trabalho de intervenção. Esta era uma

etapa fundamental da pesquisa, uma vez que para se diagnosticar, antes, é preciso encontrar

meios de se levantar possíveis suspeitas. E para se intervir é preciso, antes, fundamentação,

embasamento teórico e, mais, um debruçar-se sobre, um estar-se realmente presente para uma

tentativa de ‘resgatar’ o sujeito que ali muitas vezes se faz ausente (seja por um

posicionamento próprio, seja pela intermediação do Outro), através de “operações que vão do

corpo à imagem, da imagem à palavra e da palavra ao desejo” (Paravidini, 1998, p. 32).

‘Mas quais seriam os dispositivos possíveis para essa clínica?’ Em busca de

sustentarmos uma clínica cuidadosa, empenhamo-nos em formar uma equipe de atenção a


69

bebês e crianças bem pequena, constituída por profissionais (psicóloga, enfermeira, médico e

agentes de saúde), que possibilitasse a atenção, e não a predição, aos sinais de sofrimento

psíquico em crianças de zero a três anos.

Nesse sentido, propusemo-nos intervir junto às crianças que apresentavam risco de

sofrimento psíquico e/ou que apresentavam dificuldades no laço com seus pais e no laço

social, para montar um dispositivo de acompanhamento, de acolhimento, propiciando criar

uma rede de suporte, de sustentabilidade, a partir de recursos próprios e inerentes da situação.

Estabelecemos as bases desta intervenção na articulação do modelo de observação da

relação mãe-bebê com a inspiração na técnica de intervenção conjunta pais-filhos, conforme

mencionado anteriormente.

O trabalho de Intervenção Conjunta é um elemento que compôs a nossa técnica, nos

dizendo como fazer e servindo, ao mesmo tempo, como parâmetro teórico-clínico adotado

nesta pesquisa. Essa técnica possibilita dizer a respeito do lugar que os pais/cuidadores

ocuparam no processo de acompanhamento e intervenção das crianças.

A pesquisadora, na companhia das agentes de saúde, realizou um trabalho de

intervenção terapêutica precoce, estendendo o trabalho da sua forma clínica, para o de

acompanhamento domiciliar, participando das interações entre pais-crianças, como

observadora psicanalítica das relações estabelecidas durante as ‘sessões’.

Mais a diante estão registrados, de forma sucinta, parte dos conteúdos das

observações, bem como das impressões, sentimentos e percepções do observador-

pesquisador, referentes a quatro casos acompanhados pela mesma. Esse material foi obtido

através das observações realizadas semanalmente, que tiveram duração média de uma hora, e

perfizeram um total de no mínimo doze sessões para cada um dos casos selecionados.

Na impossibilidade de intervir junto àquela demanda crescente que requeria

acompanhamento, e rompendo com nossa onipotência inicial, passamos a identificar e


70

reconhecer a necessidade de atendimentos especializados, atendimentos que exigiam também

outros profissionais como fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo etc. Dessa forma,

passamos a encaminhar essas crianças aos profissionais adequados (do Município de Pirajuba

e de outras Cidades vizinhas), para que os mesmos realizassem o trabalho pertinente a cada

caso.

O trabalho com intermediários foi aos poucos se desenvolvendo. Desde o início as

agentes de saúde tiveram papel fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, pois

muito contribuíram tanto na etapa de prospecção conforme já descrito, quanto na de

intervenção. Elas acompanharam os casos observados pela pesquisadora, contribuíram com

reflexões pertinentes e asseguraram a continuidade do trabalho, mesmo após o encerramento

da pesquisa, ora dando continuidade nos acompanhamentos e acolhimentos das famílias e

crianças, ora encaminhando a demanda a outros profissionais da saúde.

À medida que os atendimentos demonstravam sua eficiência frente aos seus objetivos:

já se percebia o reposicionamento da criança enquanto sujeito; já houvera o restabelecimento

da criança (por parte dos pais/cuidadores) enquanto ser desejante, que por fazer parte do

enlace familiar, influencia e é influenciada pelo Outro; além disso, a partir do reconhecimento

da melhora no desenvolvimento da criança, principalmente nos aspectos ligados aos sinais

que apontavam para um possível sofrimento psíquico; e uma vez que, as melhoras

significativas dos quadros clínicos referentes às patologias dos pais, contribuíam para o

restabelecimento dos cuidados com o bebê e a criança; os mesmos foram sendo encerrados

pela pesquisadora. Passando a ser acompanhados pelas agentes de saúde e, demais

profissionais do PSF, caso a demanda necessitasse.


71

Estrutura-se a Rede de Atenção e Acolhimento

Engajados com a questão da saúde e reconhecendo a urgência e necessidade de

criarmos estratégias e dispositivos de acompanhamento e acolhimento, formamos uma rede de

suporte e sustentabilidade, a partir de recursos inerentes a cada situação.

Essa rede foi tecida e estruturada a partir de três direcionamentos, fundamentais para o

nosso trabalho de intervenção: a) a desconstrução da função reparadora; b) o enfoque na

“clínica” do laço pais/criança; c) o reconhecimento da criança como sujeito. Descreveremos

melhor esses direcionamentos a seguir.

Podemos identificar, facilmente, que a exclusão de crianças com sofrimentos psíquicos

nos chega via encaminhadores, pela busca por tratamentos e intervenções que visem corrigir

os ‘defeitos’, reorientar os comportamentos e remitir os sintomas. Frente a isso, muitas vezes

nos questionamos ‘o que fazer?’. Sem dúvida alguma, a primeira ‘direção’ dada, ao nosso

trabalho de intervenção, diz respeito à desconstrução da função reparadora, que nos é

demandada.

Não nos fazemos presentes para consertar, corrigir, nem restabelecer ou reorientar

comportamentos e aprendizagens. Nosso trabalho foi de escuta, possibilitando uma escuta da

subjetividade de cada criança, buscando compreender o lugar que a criança ocupava no desejo

de seus pais/cuidadores e qual o laço que a criança fazia com esse Outro primordial,

responsável pelos cuidados primeiros.

Crianças diferentes reagem de forma diferente a diferentes experiências. Nesse

sentido, pode ser difícil discernir quando o laço proposto a um bebê é portador de qualidades

favoráveis a seu desenvolvimento, muito além das pessoas que o encarnam. Podemos então

ficar preocupados ou muito tranqüilos, sem necessariamente termos razão.


72

A segunda ‘direção’ que demos ao nosso trabalho, fala da clínica do laço. Todavia,

nada tem de julgador ou de avaliador na maneira como os pais lidam, se interagem ou se

relacionam com o bebê/criança – esse foi um apontamento importante que nossa equipe

compreendeu, para a efetivação do processo de intervenção.

O trabalho proposto trata-se de uma clínica do laço pais/criança, de uma prática na

qual é preciso intervir de forma pontual e ‘homeopática’, nesse laço do bebê-criança com seu

cuidador.

Laznik (1997), apoiando-se nas proposições teóricas de Lacan (1999), faz a hipótese

de que há um tempo estrutural necessário que se constitui pelo “reconhecimento primeiro do

olhar do Outro”. Diz, ainda, que esse tempo estrutural permitiria a organização da Imagem

Originária (Urbild) do corpo, condição prévia para “instauração das relações especulares”.

As relações especulares fazem parte de um momento lógico da constituição do

sujeito5. Para fazer a transmissão do que ocorre nesse momento lógico da constituição do

sujeito, Lacan (1999) recorre a uma metáfora: o bebê, apesar de certa imaturidade orgânica,

vai viver uma experiência de júbilo frente a sua imagem no espelho, ao ser sustentado por um

adulto que aí o reconhece. O reconhecimento desse cuidador primordial é, na verdade, um

certo investimento libidinal no seu bebê, isto é, o grande espelho é uma metáfora para o olhar.

É nesse sentido que podemos dizer que ‘o bebê se vê como ele é visto’; quer dizer, o desejo

do Outro que cuida dessa criança, a maneira como se cuida irá marcar como essa criança é

tomada por esse Outro, por seu olhar.

Uma vez que o que faz laço se tece a partir do campo do Outro, o bebê, para tornar-se

sujeito, está totalmente dependente dos cuidados desse Outro, dos significantes do desejo do

Outro e, sobretudo da aposta de que aí tem um sujeito. Assim, o psicoterapeuta, com sua

5
O sujeito entendido aqui como sujeito do inconsciente, como diz Lacan (1999): é o que o significante
representa para outro significante. Encontramos no Dicionário de psicanálise de Larousse a seguinte definição:
“o ser humano, submetido às leis da linguagem que o constitui e que se manifesta de maneira privilegiada nas
formações do inconsciente”.
73

escuta, requerendo a presença do bebê/criança e não se propondo apenas a cuidar do cuidador

dessa criança, inaugura uma maneira de fazer valer essa mensagem – de que o bebê é um

sujeito, e que aí ele passa a ser contado como ‘um’.

Com isso, se inaugura um outro modo de conceber a clínica: é com a presença do

bebê/criança que se trabalha, uma vez que para Pirard e Giourgas (citados por Tavares, 2003):

[...] é no um a um que nos interrogamos sobre o trabalho a ser feito


com o bebê para que ele possa estar em condições de encontrar
respostas possíveis de sujeito diante do real da psicose de sua mãe...
(Ibid., p.107).

Intervir aqui não está na perspectiva da ação em si, mas da ‘intervenção’ do

psicoterapeuta com sua escuta junto a esse cuidador primordial – mãe, pai ou Outro que não

percebe os sinais desse bebê; intervir significa para a criança que a escutamos, que tomamos

nota de sua mensagem; intervir para fazer enigma junto a esse Outro cuidador.

Reconhecendo a importância e necessidade de acompanharmos o ‘desenrolar’ de cada

caso, assim como discutirmos os casos e os atendimentos em conjunto, integrando os diversos

saberes, formamos um grupo cujas reuniões ocorriam semanalmente e nas quais as questões

referentes aos atendimentos e à demanda faziam parte das discussões e reflexões, que muito

contribuíram para que realizássemos intervenções mais eficazes e integradas.

Toda informação obtida sobre os casos, seja a partir das intervenções conjuntas pais-

filhos realizadas, dos acompanhamentos e relatos das agentes, dos atendimentos do médico e

enfermeira, seja pelos contatos com os outros profissionais que também atendiam os casos,

tudo era material para reflexão e discussão durante as reuniões, visando desenvolver um

trabalho que trouxesse resolutividade, no âmbito público da saúde mental infantil.

Em alguns casos, discutimos a respeito da importância do trabalho em domicílio, que

possibilitasse o oferecimento de uma escuta em situações em que se pudesse obter uma

demanda em que é difícil passar do laço familiar ao laço social. Ou seja, passamos a cogitar a
74

idéia de realizarmos as intervenções nas próprias casas das famílias, que por motivo de

resistência aos atendimentos, recusa, falta de interesse, evitação ou algum outro fator que as

impossibilitasse de ir, acompanhadas da criança, à UBS para que se efetivassem os

atendimentos necessários, pudessem obtê-los sem qualquer prejuízo. E assim, sem qualquer

material (lúdico, pedagógico, ou outro) realizamos as Intervenções Terapêuticas Conjuntas

Pais-Filhos, em domicílio, acompanhados dos familiares e outras pessoas que por ventura

estavam nas casas nos momentos das intervenções.

Essa decisão de realizar os atendimentos em domicílio foi extremamente

enriquecedora e importante, pois além de presenciarmos e percebermos como se davam as

relações pais/cuidadores e crianças, nos foi possível também identificar, com maior

veracidade, como a família convivia e se relacionava no seu cotidiano, naquele lugar que lhe

era próprio, confiável, onde nós é que éramos os estranhos; e assim, pudemos vivenciar essas

relações no interior dessa estrutura física-emocional-familiar.

A técnica, Intervenções Terapêuticas Conjuntas Pais-Filhos empregada fundamenta-se

na Observação da Relação Mãe-Bebê-Família, por meio da qual buscamos manter dentro do

possível, uma atitude afável, sem interferir no atendimento que a mãe e familiares forneciam à

criança. Assumimos uma postura de ‘observador participante’, na qual nos era possível

participar das ansiedades presentes, percebendo os tipos de ligações que se estabeleciam e o

espaço que a criança ocupa na dinâmica familiar, sem necessariamente termos que comunicar,

aconselhar, influir ou demonstrar algo.

O trabalho de intervenção conjunta pais e filhos visou promover a escuta das questões,

das angústias, dos temas que os pais ou cuidador traziam; estivemos também atentos à

dinâmica da relação que acontecia entre o adulto e a criança, atentos às trocas interativas

subjetivas entre a criança e o Outro, seja este adulto, seja esse Outro, uma criança, e a

construção (brincadeira) de cada um. Nesse sentido, a terapeuta se posicionava como um


75

terceiro que intervinha possibilitando a escuta e fazendo com que a palavra circulasse entre os

sujeitos, permitindo recolocar o sujeito (criança) em outro lugar (não sendo a de objeto da

mãe).

Foi justamente essa a terceira direção do nosso trabalho: o reconhecimento da criança

ou bebê como sujeito. Nesse contexto, estamos longe de uma concepção do bebê submetido,

vitimizado, por exemplo, pela ação de seus pais sobre ele. Pelo contrário, buscamos

reconhecer o bebê, a criança como um parceiro ativo, verificando como a ação de um

(bebê/criança) tinha efeitos sobre a ação do outro. Trata-se de uma concepção dinâmica da

interação criança/pais.

Segundo Abou-Yd e Silva (2004, pp. 75-76):

[...] a ruptura radical com o Manicômio deve pressupor o limite


inerente à assistência ou à clínica. Deve tomar como questão a
necessidade de ir além destas para promover a inclusão social [...] [...]
A possibilidade de habitar o território ou a capacidade de produzir a
própria cidadania não são questões de menor relevância que a saída
propiciada pela reconstrução simbólica. A emancipação ou
autonomia devem articular reconstrução simbólica e construção de
direitos numa mesma tessitura, que tenha a vida e não a simples
remissão dos sintomas como meta. Gente a esta questão não cabe
recuo, assim como não cabe recuar diante da psicose.

O objetivo das intervenções era tentar ‘garantir’ o lugar de cada um como sujeito. As

intervenções variaram desde fazer-se tradutora das manifestações subjetivas que a criança

endereçava a seus pais ou a outra criança, até acolher ou fazer valer uma posição parental que

uma mãe ou cuidador estava tendo dificuldade de estabelecer ou sustentar. A intervenção

podia também passar pelo que a criança traz, diz e faz, para criar um certo enigma junto ao

saber tão fechado que lhe é dirigido por parte do adulto cuidador, que o desqualifica como

sujeito.

Outra consideração a fazer sobre o trabalho de intervenção conjunta é que este pode

ter como perspectiva situar-se em modalidade terapêutica de curta duração (12 a 15 sessões),
76

tempo em que, costumeiramente, emerge-se a conflitiva do grupo familiar, conforme a

proposta de Mélega (1999). Esse aspecto da delimitação temporal parece apontar para uma

perspectiva terapêutica que necessita produzir uma discriminação entre as manifestações

sintomáticas reativas e aquelas que por ventura possam ser constitutivas do sujeito psíquico

(Paravidini, 2006).

Para Paravidini (2006), nesse mesmo trabalho, nas circunstâncias de maior

precocidade, anterior aos três anos de idade, o objetivo terapêutico pode estar referido muito

mais aos aspectos constitutivos do sujeito e de seus sintomas. Nessas situações, podemos

acompanhar fracassos infantis através da precariedade de sua estruturação psíquica e nos

quais a inserção do contexto parental parece-nos ainda mais premente, face ao que ainda

possa estar por se constituir para a criança.

Dessa forma, se constitui aspecto crucial para toda e qualquer estratégia psicoterápica

propiciar meios de sustentação para um reposicionamento da criança na subjetividade

parental, criando condições para que esses pais possam se disponibilizar, sensivelmente, para

o estado de sofrimento em que a criança esteja imersa.

Apesar de termos desenvolvido todo este trabalho, reconhecemos, e temos a certeza,

que este ainda é um projeto em construção, que aponta os primeiros passos para a priorização

do atendimento a bebês e crianças pequenas, e seus pais na saúde mental pública.


77

CAPÍTULO IV

“Minha mãe achava estudo


A coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
Ela falou comigo:
‘Coitado, até essa hora no serviço pesado.’
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não falou em amor.
Essa palavra de luxo.”
Adélia Prado
78
79

4. RESULTADOS

4.1 Análise dos Resultados

Nesse tópico, apresentaremos e comentaremos os resultados, de forma geral, da

aplicação do Instrumento, discorrendo a partir da prospecção sobre os sinais indicadores de

sofrimento psíquico na primeira infância, que se evidenciaram neste trabalho menos por sua

gravidade, e mais por sua freqüência e recorrência, nas crianças pesquisadas.

A aplicação e análise do Instrumento apontaram que 20 crianças, de 0 a 3 anos de

idade, das 136 pesquisadas – o equivalente a cerca de 14,7% das crianças– apresentavam

algum sinal de risco de sofrimento psíquico, sendo necessário desenvolver intervenções que

variaram de intervenções em domicílio a atendimentos em centros especializados.

As crianças e suas famílias foram acompanhadas pela pesquisadora e equipe do PSF e,

quando necessário, encaminhadas para consultas médicas, sessões de fisioterapia, e outros

atendimentos específicos.

Durante nossos acompanhamentos junto às famílias cujas crianças apresentavam sinais

de risco de sofrimento psíquico, uma questão muito importante, atrelada ao contexto familiar,

destacou-se a partir de nossas observações e percepções. Em todas as famílias, o que nos

chamava mais a atenção era a incapacidade de os pais se comunicarem com as crianças. Essa

incapacidade ou dificuldade no enlace parecia ser o resultado de uma dificuldade subjetiva,

seguida à qual as trocas pareciam não acontecer, não mais funcionar. Discutimos então, que

parecia ser em substituição dessas trocas ausentes que o processo de sofrimento da criança se

punha a funcionar.

Se nos atrevermos a levantar algumas hipóteses, podemos pensar que essa dificuldade

subjetiva pode ter sido provocada por fatores vindos da criança (particularidades na
80

capacidade de trocas do bebê, deficiência ou doença detectadas no nascimento que tornaram

difíceis o investimento na criança), ou vindos dos pais ou cuidadores (estados depressivos,

perturbações psíquicas), seja vindos do ambiente (brigas, separações, acidentes perinatais,

etc).

O que nos importa é que esse estado particular impede a mãe/pai de se comportar com

essa criança como faz com os outros. Esses estados são dignos de interesse, visto que

demonstraram ser reversíveis por meio de um acompanhamento apropriado, imediatamente

após a identificação (conforme demonstraram os quatro casos que serão apresentados mais

adiante).

Retomando a análise a partir dos dados coletados, constatamos também que a

incidência dos sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico na primeiríssima infância

nos aponta a três registros fundamentais, descritos por Paravidini (2002), pertencentes ao

desenvolvimento da criança já no primeiro ano de vida. São eles: o olhar, que se refere à

função especular; o corpo, que se remete aos investimentos libidinais do Outro; e a palavra

(linguagem), que remete à pulsão invocante.

Na primeira escala do Instrumento (período dos três primeiros meses), temos a

presença de mais itens que estão relacionados ao campo da interação através do olhar e do

corpo (tanto esquema corporal como da imagem corporal) e pouquíssimos quanto à interação

no campo da palavra. Já nas escalas dois (dos quatro aos seis meses) e três (dos seis aos nove

meses) vamos encontrar um grande número de itens relacionados ao campo do corpo, uma

diminuição relativa ao campo do olhar e incremento dos itens relativos ao campo da palavra.

Na quarta (dos quinze aos dezoito meses) e quinta escalas (dos vinte e quatro aos trinta

meses) temos uma presença quase integral de itens relativos ao campo da palavra.

Apesar da variabilidade dos itens na formação de cada escala, cada conjunto responde

a presença de um mesmo e único fator, a relação com o Outro por meio de “vetores” cruciais
81

que constituem a base para a formação da subjetividade humana. De outro modo, podemos

dizer que as cinco escalas acompanham o fluxo do desenvolvimento psíquico da criança

(Paravidini, 2002).

Para um melhor entendimento, discorreremos brevemente sobre esses três registros

fundamentais apontados a partir da identificação dos sinais indicadores de risco de sofrimento

psíquico na primeira infância.

O Olhar

Com relação ao campo do olhar, referimo-nos às manifestações da criança no que diz

respeito aos contatos visuais e reações diante do olhar do Outro, constitutivo do desejo e da

imagem do corpo, dando destaque ao estágio do espelho como primordial para a instauração

da imagem especular e dos investimentos libidinais pelo olhar/escuta dos pais. Nessa

categoria estão incluídos, no Instrumento utilizado, os itens: A.1, A.3, A.5, A.6, B.2

(Paravidini, 2002).

Segundo Cullere-Crespin (2004), a especularidade ou registro da pulsão escópica,

como nos diz Lacan (1999), concerne à questão do olhar dos bebês.

Nas crianças com desenvolvimento satisfatório, a instauração da fixação do olhar

ocorre nas horas seguintes ao nascimento, portanto bem antes da constituição do campo

visual. Assim, podemos admitir a hipótese de que a instauração do olhar não está se tratando

do visual, ou seja, o olhar não é a visão.

O olhar deve ser distinguido da visão, no sentido em que visão é um funcionamento de

órgão, enquanto o olhar é uma função psíquica, que implica a questão da representação,

conforme nos fala Lacan6 (Cullere-Crespin, 2004).

6
Ver a esse propósito “A esquize do olho e do olhar”. In: Lacan, J. Seminários Livro XI: Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
82

Dessa forma, a dimensão que nos interessa, vai além da apreensão médica

propriamente dita, da fixação do olhar no recém-nascido como um sinal importante de

desenvolvimento. Estamos interessados no direcionamento do olhar como suporte da

comunicação e da relação com o Outro, é essa a dimensão do registro especular a que nos

referimos neste trabalho.

Cullere-Crespin (2004) afirma que, a representação, mesmo quando ela é persecutória,

hostil ou desvalorizadora, permite ao bebê se construir; ao passo que é a ausência da

representação que se torna o verdadeiro impasse, pois tudo transcorre como se o bebê fosse

confrontado com um olhar que não o vê, e por isso a identificação que estrutura o “eu” não é

possível.

Winnicott (1952) postula ser no olhar que a mãe coloca sobre o bebê que sua imagem

se forma e à qual o bebê vai poder se identificar. É através do olhar do Outro que o bebê vai

conseguir perceber a si mesmo. O olhar é a confirmação de existência que a criança recebe da

mãe/cuidador.

Assim, quando o bebê olha sua mãe, é a si mesmo que ele vê. Dessa forma, podemos

alegar que o olhar é uma função psíquica e um indicador de presença (Cullere-Crespin, 2004).

Para Winnicott (1951), se o rosto da mãe não responde, a ameaça de um caos se

precipita, e o bebê organiza seu retraimento, ou não olha nada. O espelho se torna algo que se

pode ver, mas no qual não é mais preciso olhar.

O evitamento do olhar não traduz uma ausência de olhar, ele corresponde a um ato do

bebê, uma recusa de olhar. Para Cullere-Crespin (2004), essa recusa geralmente visa de início

o rosto da mãe, e constitui uma forma de defesa para o bebê confrontado a algo de difícil no

olhar – ou na ausência de olhar – que sua mãe lhe dirige. Se o estado de sofrimento se

prolonga, a recusa se generaliza e progressivamente todo rosto humano é evitado.


83

Os evitamentos do olhar podem aparecer em casos de respostas caóticas (mães que

investem pouco no seu bebê, ou perturbadas psiquicamente) ou ausentes (mães deprimidas) e

constituem, por isso, um modo de defesa para o bebê (Cullere-Crespin, 2004).

De acordo com a autora, neste mesmo trabalho, a clínica do olhar é central no primeiro

ano de vida, não somente por que a ausência de olhar constitui um dos principais sinais das

psicopatologias infantis em bebês e crianças muito pequenas, mas também porque a

instauração do olhar, no sentido de acesso ao especular, constitui a entrada no mundo visível.

O Corpo

Paravidini (2002) descreve que a imagem do corpo da criança se constitui mediante os

investimentos libidinais do Outro e da instauração do circuito pulsional do bebê, que se

manifesta por meio de movimentos auto-eróticos, de expressões vocais e corporais como

oferecimento de seu corpo ao Outro. O modo como a criança se posiciona frente à sua

imagem constituída, a seu “eu” que começa a ser delineado, é o que irá caracterizar as atitudes

levantadas em cada etapa de vida, que destacamos a partir dos seguintes itens do Instrumento:

A.2, A.4, A.8, A.9, B.1, B.3, B.4, B.5, B.6, B.7, B.8, C.1, C.4, C.5, C.6, C.7, C.8, C.10, D.8,

D.9, D.10, D.11, E.9, E.10, E.11.

As dimensões do corpo estão relacionadas às aquisições do desenvolvimento

psicomotor e à questão tônico-postural do bebê, mediante os investimentos do Outro e da

qualidade das trocas estruturadas entre o bebê e sua mãe/cuidador.

Cullere-Crespin (2004) afirma que nos primeiros meses de vida do bebê é o

desenvolvimento tônico-postural indicador extremamente precioso da qualidade do laço, uma

vez que todo o corpo do bebê é tomado na relação com o Outro. Além disso, para a autora, os

sinais positivos de desenvolvimento são o bom ajustamento recíproco corporal, assim como
84

as condutas de antecipação e de resposta que o bebê saudável apresenta desde muito cedo, e

que são articuladas à questão de como o bebê é carregado ao colo.

A autora, nesse mesmo trabalho, afirma que o ajuste corporal que conduz a um

“carregar ao colo” de qualidade – no sentido do holding winnicottiano – é um indicador

clínico extremamente precioso, pois constitui o “lugar no mundo do bebê, na cabeça da mãe”

(p.71). De tal forma que se a mãe está em contato com seu bebê, e se este está desconfortável,

ela o sentirá e corrigirá espontaneamente sua postura. Ao contrário, se ela tem dificuldade de

contato com o bebê, ela não perceberá o mal-estar da criança, oriundo de seu desconforto

postural, nem corrigirá a postura dele.

A autora nos faz pensar que, ainda que o aspecto maturacional e neurológico sejam

muito importantes nas anomalias encontradas nesse registro, sua expressão clínica permanece

sensível à qualidade do laço. Assim, as hipotonias e hipertonias, bem como os atrasos

psicomotores, mesmo se inseridos num quadro neurológico declarado, podem estar correlatos

ao que ela chama o “diálogo tônico-postural”, em que a qualidade do carregar materno e a

resposta postural do bebê parecem se influenciar muito reciprocamente (Cullere-Crespin,

2004, p.72).

De acordo com Winnicott (1951), o carregar, ou holding, é um indicador clínico

importante do investimento no bebê. Assim, a má sustentação por parte dos pais, ou um bebê

aparentemente difícil de carregar – seja por estar muito rígido ou muito flácido – podem ser

sinais reveladores da impossibilidade de relaxar, de ter confiança, de se entregar um ao outro.

Cullere-Crespin (2004, p. 72) discute que: “[...] os incidentes perinatais, graves ou

vividos como tal pelos pais, podem ter como conseqüência um ajustamento corporal difícil,

mesmo um desinvestimento da relação.”

Sendo então, o desenvolvimento tônico-portural um indicador importante da qualidade

do laço estruturado entre bebê e seus pais/cuidadores, é essencial que os sinais relacionados
85

com a dimensão do corpo sejam destacados, visto que eles podem nos alertar para possíveis

estados de sofrimento psíquico em crianças e bebês, precocemente.

A Palavra

A categoria da palavra inclui as manifestações vocais do bebê e sua relação com o

Outro inseridos no universo da linguagem e da simbolização. Estão nessa categoria

destacados os seguintes itens do Instrumento: A.7, A.10, C.2, C.3, C.9, D.1, D.2, D.3, D.4,

D.5, D.6, D.7, E.1, E.2, E.3, E.4, E.5, E.6, E.7, E.8 (Paravidini, 2002).

Para Cullere-Crespin (2004), o registro da pulsão invocante (lacaniana), refere-se à

instauração do apelo, a partir do qual o bebê é elevado à categoria de ser falante. De outra

forma, podemos dizer que a pulsão invocante está ligada à escuta materna, à capacidade da

mãe em atribuir sentido ao choro do bebê. Por exemplo, em transformar o choro do bebê em

chamado.

Nas relações de troca com sua mãe, a criança se dirige a ela, com a ajuda de sua

própria voz, e ela responde, atribuindo sentido às suas vocalizações. O bebê está bem antes de

qualquer palavra verbal, no sentido da língua falada. Para a autora, essas trocas constituem

uma espécie de confirmação da existência, pelo viés da palavra, de um prazer de ser

compartilhado.

De fato, o choro do bebê – já suporte de trocas – constitui uma afirmação de sua

existência para o Outro primordial. É a partir dessa afirmação de existência que as trocas

sonoras vão servir de base à significação, à palavra.

Dessa maneira, a mãe além de atribuir sentido e fixar as vocalizações da criança aos

canais significantes, ela também destaca, na cadeia sonora produzida pela criança, as palavras

da língua: ‘mam mam’ se torna mamãe, ‘pa pa’ se torna papai (Cullere-Crespin, 2004).
86

A autora, no mesmo trabalho, afirma que contrariamente aos bebês nutridos pelas

mães em sofrimento, os bebês saudáveis vivem a linguagem muito cedo, utilizando seu

aparato vocal para fins de comunicação antes de toda palavra falada. Eles sabem, por

exemplo, com seu choro, fazer com que a mãe venha logo.

Cullere-Crespin (2004) alega que, em oposição aos bebês saudáveis, cujo aparato

vocal se diversifica rapidamente graças a uma resposta estruturada da mãe, os bebês em

sofrimento emitem muitos gritos, cuja função se equivale a uma simples descarga, sem visar

nenhuma comunicação com o próximo, sem ter jamais sido preso a qualquer cadeia

significante.

De acordo com a autora, o não estabelecimento da função de apelo tem como efeito,

por um lado, que o grito permaneça um puro real acústico, fora de sentido, tanto para o bebê

quanto para o entorno; e de outro lado, que a satisfação da necessidade/satisfação pulsional

não se produza.

Nas psicopatologias infantis podemos observar que quando os pais/cuidadores não

respondem aos apelos do bebê, esse deixa de apelar. Dizendo de outra forma, a criança passa

a abandonar toda tentativa de comunicação, de se fazer escutar pelo Outro da relação.

A cessação do apelo do bebê evolui de gritos e choros persistentes a um abandono das

vocalizações, chegando ao mutismo completo nas síndromes pré-autísticas (Cullere-Crespin,

2004).

Esse mutismo, ‘silêncio’ dos bebês pode ser apreciado por pais e profissionais que

deles se encarregam, fazendo com que eles sejam vistos como ‘bebês tranqüilos’, ‘fáceis de

cuidar’.

Porém, na clínica, a aparição desses sinais pode traduzir estados de sofrimento grave,

que necessitam rapidamente de cuidados, associados a tratamentos especializados. Sendo


87

necessário haver equipes atentas à identificação desses sinais e sensíveis à questão do laço

para que tal passividade se torne preocupante.

Esses resultados e apontamentos reafirmam a necessidade de diretrizes que priorizem

a Saúde Mental Infantil. É eminente a necessidade de criarmos estratégias e dispositivos de

acompanhamento e acolhimento, criando uma rede de suporte e sustentabilidade, frente à

possibilidade de identificação e intervenção precoces de sofrimento psíquico na infância.

4.2 Algumas Considerações

Esses sinais indicadores de risco de sofrimento psíquico na primeira infância devem

ser compreendidos como dependentes do somático e do relacional ao mesmo tempo, como

nos fala Cullere-Crespin (2004).

Tais indicadores são bem conhecidos pelos profissionais da pequena infância. Mas

quando são encontrados, por exemplo, em situação de consulta pediátrica, sua presença

produz um certo mal-estar devido ao fato de que freqüentemente os médicos não sabem muito

bem como proceder: muitas vezes a identificação desses sinais é tida como incerta, tanto do

ponto de vista de sua etiologia, quanto de seu diagnóstico e prognóstico.

Efetivamente, é provável que uma melhor identificação e discriminação desses sinais

pelos médicos e demais profissionais conduza a uma melhora na prevenção das

psicopatologias e distúrbios relacionais precoces.

Parece também ser possível que a identificação desses sinais indicadores de

sofrimento psíquico precoces permita às equipes de acompanhamento em saúde fazerem uma

distinção entre as situações de que podem se encarregar elas mesmas, nas creches, escolas e

nas unidades de saúde, daquelas crianças que necessitam, urgente, de cuidado especializado.
88

4.3 Os Sujeitos da Pesquisa

Conforme apresentado pelos dados coletados na pesquisa, a incidência dos sinais

indicadores de risco de sofrimento psíquico na primeiríssima infância nos apontou a três

registros fundamentais: o olhar, o corpo e a linguagem. Somente a título de exemplificação,

apresentaremos quatro casos que foram por nós acompanhados.

Quanto aos sujeitos da pesquisa, gostaríamos de dizer que eles foram selecionados, a

partir da suspeita levantada, quanto à presença de sinais clínicos indicadores de risco de

evolução de sofrimento psíquico de primeira infância, em função do conjunto de respostas ao

Instrumento durante o processo de aplicação do mesmo.

Nesse sentido, nos propusemos a intervir junto a essas crianças que apresentavam

risco de sofrimento psíquico e/ou que apresentavam dificuldades no laço com seus pais e no

laço social. E optamos por discorrer sobre as partes mais significativas percebidas durante as

visitas de acompanhamento domiciliar, a fim de poder demonstrar como foi possível

estruturar uma rede de suporte e de sustentabilidade, a partir de recursos próprios e inerentes

de cada situação.

Os quatro sujeitos da pesquisa são crianças, com idade entre zero e três anos, seus

respectivos pais e/ou cuidadores. As crianças e suas famílias foram acompanhadas pela

pesquisadora e agentes de saúde, no processo de intervenção, devido a suspeita de

dificuldades subjetivas, tendo como referência a padronização de análise qualitativa dos

resultados da Ficha.

Optamos por manter uma cópia da aplicação do Instrumento de cada criança no corpo

do texto, portanto, sem colocá-los nos anexos como seria de praxe. Essa decisão decorreu da

importância para os leitores de poderem visualizar os fluxos das respostas de maneira mais

próxima ao que deles descrevemos e discutimos. Cada fluxo de respostas forma uma espécie
89

de ‘curva imaginária’ que norteou a análise qualitativa que realizamos para cada sujeito em

sua singularidade.

4.4 Apresentação dos Casos Selecionados

4.4.1 SUJEITO 1 – M. e a Mãe que não olhava

Apresentação do caso:

Chegamos até M., um bebê de um mês de vida, devido a uma denúncia de maus tratos

e negligência por parte da mãe da criança, que segundo alegação do Conselho Tutelar do

Município de Pirajuba, esta não apresentava condições para cuidar da filha. A mãe teve que

comparecer junto ao Juizado da Criança e do Adolescente de Uberaba que determinou a

responsabilidade pela guarda da criança à sua irmã (tia de M.), podendo a mãe participar dos

cuidados para com a filha.

Fizemos (a pesquisadora, juntamente com o médico e a enfermeira do PSF) uma visita

a M. e sua mãe, na casa dessa tia. Constatamos que a mãe de M. estava iniciando um quadro

de crise psicótica pós-parto. O médico do PSF receitou uma medicação (um comprimido ao

dia de Sulpirida 100mg, durante 20 dias) e agendou uma consulta, para a mãe de M., na

semana seguinte.

Conversamos muito com a mãe e com sua irmã – a tia responsável pelos cuidados

junto à M. – explicamos sobre a importância da medicação, da continuidade aos atendimentos

em psicoterapia (que a mãe já realizava junto à psicóloga da Prefeitura) e do apoio familiar,

principalmente da tia, para evitar a perda da guarda da criança e sua possível


90

institucionalização, uma vez que foi esse o prenúncio feito pelo Juizado caso a situação não

melhorasse.

Cabe esclarecer que antes da aplicação do Instrumento, fizemos outras visitas à casa

da tia de M. para ver como estava decorrendo a situação. A realização dessas visitas tinha

como finalidade acolher e acompanhar mãe e filha, possibilitando um ambiente em que a mãe

pudesse expor seus medos e angústias frente à situação que vivenciava com a filha.

A mãe de M. demonstrou grande melhora com a administração do medicamento, e

decorrido os vinte dias a medicação diminuiu para 50mg. Após algumas semanas, novas

avaliações foram feitas pelo Conselho e Juizado que autorizaram o retorno de M. com sua

mãe para a casa – pois ainda estavam vivendo na casa da tia – devido a melhora no quadro

clínico da mãe.

No dia 16 de fevereiro, após esclarecer à mãe quanto ao teor da pesquisa, realizamos a

aplicação da primeira escala do Instrumento. Na data de aplicação do Instrumento, M. estava

a dois dias de completar três meses. A segunda escala foi aplicada no dia 30 de março, data

em que a criança estava com quatro meses e meio.

No caso de M., segundo sua mãe, a criança não chorava quando ela a deixava sozinha,

em alguns casos só ‘resmungava’, iniciando poucas vezes o choro. Uma questão importante e

contraditória merece destaque, durante a aplicação do Instrumento, quando perguntado se a

criança olhava para a mãe enquanto mamava, se ela tocava a mãe e olhava para ela durante a

amamentação, a mãe responde que não, que a criança não a olhava. Porém, presenciamos

durante nossas visitas a amamentação da criança e constatamos que esse relato era

contraditório ao que estávamos observando. Durante a amamentação a criança olhou algumas

vezes para sua mãe, como se solicitasse, requeresse, numa tentativa frustrada, a sua atenção,

ou melhor, a sua presença. Porém, como a mesma não respondia a essa solicitação, logo a

criança direcionava o olhar para outros lugares (teto, sofá) ou fechava os olhos e adormecia.
91

Alguns elementos relatados e observados durante as visitas domiciliares merecem ser

considerados. O primeiro deles refere-se a um aspecto contraditório na fala da mãe quanto ao

fato de querer ou não ter tido a criança. A mãe oscila ora dizendo que “ter filha mulher é a

melhor coisa que tem”, ora diz que “não queria ter tido filha mulher só os dois filhos

homem”. Quando questionada, a mesma não sabe explicar e apenas repete a mesma frase.

O segundo é que apesar de a mãe não olhar para a criança, não conversando com a

mesma durante a nossa presença, nem percebendo seus movimentos de solicitação (a mãe

apenas dá o peito quando a criança resmunga ou chora), a criança demonstrava, em alguns

momentos, buscar, solicitar, requerer o contato com esse Outro, seja através de alguns breves

olhares, seja através do sorriso ou dos movimentos que fazia com os braços e pernas.

Durante uma de nossas visitas, para ser mais específica, após duas semanas da

aplicação da primeira escala do Instrumento, a mãe de M. nos relata com alegria que sua filha

passou a lhe dirigir o olhar enquanto mamava.

Em nosso trabalho de intervenção foi possível ajudar e sermos ajudados por M. a

modificar o olhar de sua mãe. Foi devido a esse olhar de solicitação e busca da criança,

atrelado ao trabalho de acolhimento que desenvolvemos junto a essa família, que a mãe se

percebeu enquanto sujeito de desejo, reconhecendo M. como sua filha e desenvolvendo sua

função materna.

Interpretação dos dados do Instrumento:

Dentro de uma perspectiva geral dos resultados da aplicação do Instrumento, M.

apresenta, nas Escalas A e B respostas pouco irregulares, podemos encontrar uma constância

no padrão de respostas positivas. Variando apenas nas respostas relacionadas a aspectos do

contato com sua mãe, em que a criança demonstra reclamar a falta ou ausência do adulto.
92

FICHA DE ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Nome: M.L.S. Nasc.: 18/11/2006 Data :16/02/2007 e 30/03/2007

1 – NUNCA 2 - ÀS VEZES 3- SEMPRE

A – TRÊS PRIMEIROS MESES 16/02/2007 1 2 3

1- Amamenta-se bem, sugando o peito (ou mamadeira) de maneira firme e X

constante, sem apresentar regurgitações freqüentes, nem recusando o peito.

2- Apresenta comportamentos de procura do peito (ou mamadeira), buscando o X

mamilo, fazendo movimentos de sucção, antes de iniciar a amamentação.

3- Interage com a mãe, através do olhar, enquanto mama. X

4- Aconchega-se bem, quando pego no colo. X

5- Sorri diante dos rostos dos familiares. X

6- É responsivo à aproximação das pessoas, buscando-as com os olhos, X

movimentando os braços e pernas.

7- Demonstra reconhecer as vozes do pai ou da mãe, através de balbucios, X

movimentos corporais e choramingos.

8- Chora ou balbucia quando deixado sozinho. X

9- Quando chora, aceita ser consolado pelo adulto. X

10- Dorme bem, não apresentando insônias (batendo-se ou ficando quieto com os X

olhos abertos durante longo tempo).

B – DOS QUATRO AOS SEIS MESES 30/03/2007 1 2 3

1- Manifesta alegria diante das pessoas (movimentos de pernas, vocalizações). X

2- Apresenta diferentes expressões faciais, que podem demonstrar dor, alegria, X

curiosidade, satisfação.
93

3- Manifesta reações diante de sua imagem no espelho, tentando pegá-la, tocando

a si mesmo, apontando para a imagem. A mãe não a colocou em frente

ao espelho ainda.

4- Mantém contatos afetivos, reclamando se o adulto de ligação se afasta dele e X

alegrando-se com o seu retorno (“manhas”).

5- Vocaliza várias sílabas definidas. X

6- Percebe os objetos que estão próximos, tentando alcançá-los e tocá-los. X

7- Distingue os rostos familiares dos rostos estranhos. X

8- Faz uso de várias entonações de voz com a finalidade de comunicar-se. X

9- Aceita alimentar-se de papinha. X

10- Já se senta com o apoio de um adulto. X

Discussão:

Apesar de M. não apresentar significativos atrasos em seu desenvolvimento,

consideramos importante o acompanhamento junto à criança devido à situação relatada de

maus tratos e situação de crise da mãe. Nesse caso, percebemos que a necessidade de

acompanhamento se fez devido ao contexto, situação, contingência em que a relação mãe-

filha se dava.

A situação vivenciada por M. e sua mãe correspondia a uma das três frentes principais

de trabalho em que nos baseamos: acompanhar casos em que as patologias dos pais

(depressões graves na mãe, surtos), violências ou outros problemas pudessem influenciar

diretamente os cuidados com o bebê/criança.

Com relação ao aspecto do olhar – em que a mãe não olhava à criança e afirmava que

a filha também não lhe endereçava o olhar –, questionamos a possibilidade de ambas estarem
94

em uma espécie de impossibilidade de se olharem, de se reconhecerem, uma à outra. Parece

que o olhar – da mãe endereçado à criança, e da criança fixado à mãe – ainda não estava

presente nesta relação. Pensando aqui, o olhar enquanto função psíquica, conforme nos fala

Lacan, e indicador de presença, conforme Winnicott, independentemente da visão.

Quando a mãe nos relata que sua filha passou a lhe dirigir o olhar enquanto mamava.

Fomos convidados a pensar que somente após a mãe ter sido alertada pela questão do olhar da

filha, quer dizer, somente após perguntarmos se a filha lhe dirigia o olhar enquanto mamava, e

também utilizando do olhar da criança como instrumento de solicitação e requerimento, é que

a mãe pode perceber a filha em seus braços, pode reconhecer a criança como sua filha, e mais,

pode se perceber enquanto mãe daquele bebê.

Além disso, a partir dos ensinamentos de Winnicott (1951), podemos então pensar

que, a condição pela qual o olhar se instala parece estar correlacionada ao fato de ‘ser vista’.

Assim, é o olhar da mãe que faz o bebê entrar numa filiação, numa pertença. E é o

olhar do bebê que coloca a mãe em posição de se identificar com ele. A partir daí, o bebê

torna-se verdadeiramente um semelhante, podendo a mãe colocar em ação a função materna.

No momento em que F. se reconheceu enquanto mãe, a partir do olhar de M., ela se

coloca em posição de poder atribuir, a essa filha tornada sua, os objetos de seu desejo.

Constituindo assim, no olhar que a mãe passa a debruçar sobre a filha, uma imagem composta

do real do corpo de M. e das atribuições do desejo materno. O que aconteceu entre M. e sua

mãe refere-se à dimensão relacional da capacidade de olhar, quer dizer, da capacidade de se

servir da visão como uma ferramenta de comunicação.

Como o olhar é um efeito de palavra, quer dizer um trabalho de representação, o olhar

da mãe foi possibilitado, por meio de trocas que realizamos com ela, tanto pelas palavras da

terapeuta (pesquisadora) e equipe de saúde do PSF, quanto pelas palavras que a mãe foi

convidada a dizer sobre as dificuldades que encontrava.


95

Também podemos pensar que foi igualmente possível permitir à M., fazer uma

experiência diferente em relação ao olhar: em que sua tia – investida por M. – pôde direcioná-

la um olhar que a via, contrariamente ao olhar de sua mãe. Possibilitando, assim que M. se

reconhecesse por meio desse olhar; e mais, que buscasse, solicitasse, exigisse, numa tentativa

finalmente bem sucedida, a presença de sua mãe, através do direcionamento de seu olhar a

ela. E, a partir do olhar da criança – olhar este que serviu como suporte identificatório –, F.

pôde reconhecer a criança como sua, permitindo a M. entrar na filiação.

Em certos casos, o fato de solicitar a mãe bastará para fazê-la voltar ‘a si mesma’, em

outros casos será necessário recorrer a cuidados especializados e atendimentos específicos.

Torna-se fundamental reconhecermos que o estado emocional da mãe tem importante

papel, de maneira manifesta, no que vai se passar com a criança; e que essa tentativa

perseverante, por parte da equipe, para entrar na relação com essa mãe e criança,

possibilitando meios para que a relação mãe-filha se desenvolvesse, se revelou muito

importante e benéfica para a saúde psíquica de ambas.

Pensando a Saúde Pública...

Refletindo, a partir dessa experiência, sobre as possibilidades de intervenção em

Saúde Pública, podemos afirmar que nos casos em que a mãe e o bebê dão prova de uma boa

capacidade para reagir no enquadre da relação de acompanhamento, não será obrigatório

procurar um cuidado especializado. Podendo esse acompanhamento ser desenvolvido por

equipes de ‘prevenção’ em creches, escolas, unidades de saúde, instituições-abrigo, etc.

De todo modo, vale ressaltar que, é fundamental não pretender que o olhar chegará

‘com o tempo’. Pois os tempos mais longos para a fixação do olhar se observam
96

sistematicamente nos bebês em sofrimento, que têm relações complexas com seus próximos e

que necessitam, por isso, de um acompanhamento.

4.4.2 SUJEITO 2 – G. e o Pai da ‘E.T.’

Apresentação do caso:

G. era uma criança de cinco meses de idade quando a conhecemos. Ela apresentava

uma hipertonia ‘global’ que muito inquietou a agente de saúde que cuida da área onde G.

mora com os pais e uma irmã mais velha. Devido a essa inquietação e solicitação da agente,

fomos (a pesquisadora e a enfermeira do PSF) visitar essa família.

Ela apresentava uma hipertonia claramente identificada, fazendo-se acompanhar de

uma falha de ajustamento postural. A criança permanecia o tempo todo com o tronco bastante

rígido; cabeça e pescoço duros, impossibilitando seus movimentos como: olhar para o lado,

para cima, abaixar a cabeça, etc; apresentava as costas e braços enrijecidos, os braços sempre

para cima como quem estivesse agarrada a uma barra; e as mãos fechadas firmemente. G.

permanecia nessa posição mesmo durante o sono, dormindo. Parecia se defender, com essa

posição, de um estado de temor de ‘queda’, de aniquilamento.

Sua coluna ficava sempre bem ereta, não sentava sem apoio, não conseguia abaixar os

braços, apontar para um objeto ou pegá-lo; era a mãe, por vontade própria, quem pega e

entrega a ela, porém sem a solicitação da criança. G. apenas agarrava os objetos que lhe

fossem entregues à mão.

Esses atrasos que G. já apresentava, nas aquisições motoras, pareciam correlacionados

à sua dificuldade em ‘vivenciar’ um relaxamento tônico-postural.


97

G. parecia estar constantemente agarrada a uma barra invisível, não manifestava

prazer, nem desprazer, parecendo indiferente à situação e à posição. Retardos do

desenvolvimento psicomotor também eram característicos na criança.

Realmente a hipertonia de G. muito chamava a atenção, a rigidez de seus braços,

costas e pescoço era tal, que fazia com que se tornasse difícil contê-la, carregá-la, segurá-la ou

mesmo trocá-la.

Indagamos-nos pelo fato de esse estado de coisas não alertar os pais, que em todo caso

nunca falaram disso com a agente de saúde, segundo afirmação da mesma. E fomos nós que

tivemos que iniciar o assunto.

Perguntamos quando a criança havia começado a apresentar aquela postura enrijecida.

Os pais não souberam fazer referência ao tempo, deixando a entender que a criança

apresentava essa posição desde o nascimento. De acordo com os mesmos, após uma avaliação

do pediatra da UBS, esse alegou que a criança poderia ter sido gerada naquela posição, o que

justificaria a postura assumida desde o nascimento; e que com o passar do tempo, com o

crescimento e desenvolvimento da criança, isso se resolveria e G. abaixaria os braços

naturalmente.

Sem alarmar demasiadamente os pais, sugerimos que eles a levassem para fazer uma

avaliação neurofisiológica. A enfermeira encaminhou e marcou a consulta com um médico de

uma cidade próxima ao Município. Após a consulta e alguns exames, cujos resultados

confirmaram a ausência de elementos neurológicos conhecidos, decidimos realizar visitas

semanais, para acompanhar de perto o caso.

Durante as visitas à casa de G. aplicamos o Instrumento, que foi respondido pela mãe

da criança. Foram duas datas de aplicação da Ficha: uma no dia 10/01/2007 e outra na data de

23/03/07, uma vez que a criança teria alcançado a idade correspondente para completar a

terceira parte da Ficha.


98

Na primeira data de aplicação, G. estava com seis meses e doze dias. Na segunda data

de aplicação, estava para completar nove meses. As informações relativas ao questionário, nos

dois dias de aplicação, nos foram dadas por sua mãe, apesar de o pai estar presente em ambas.

A criança também esteve presente, possibilitando que observássemo-la diretamente nas duas

etapas em que se encontrava.

G. demonstrava ser uma criança tranqüila, que pouco ‘reclama’ ou solicita os pais, não

chorava, nem se inquietava quando colocada apoiada no canto do sofá (lugar em que a criança

na maioria das vezes estava).

Em uma das visitas, ao pegar G. no colo, a pesquisadora se espantou com a dificuldade

em pegá-la, a criança não demonstrava se aconchegar no colo da pesquisadora devido à

rigidez de suas costas e a posição ereta de sua coluna. Percebemos que ela não demonstrava se

aconchegar no colo da mãe, e menos ainda no colo de estranhos.

A mãe afirmava que a criança estranhava muito as pessoas, chorando sempre que

estranhos se aproximavam, só se acalmando quando a mãe a pegava no colo ou a colocava

sentada ao seu lado. Porém, essa afirmação contradiz a resposta dada pela mãe ao

Instrumento, quando perguntamos se a criança se assustava com estranhos.

No acompanhamento – visitas domiciliares de intervenção – a mãe reconheceu ter uma

inquietação contínua desde o nascimento de G., relacionada à impossibilidade de relaxar que

nós havíamos observado nela. Sugerimos o encaminhamento da criança à fisioterapeuta da

UBS, que iniciou um trabalho com sessões de massagens na criança, com a presença e

participação da mãe.

A mãe queixava muito do marido, que sempre a responsabilizava pelos cuidados com

a casa e para com as crianças, sendo acusada de culpada caso não atendesse às expectativas

que o marido lhe depositava.


99

Durante nossas visitas o pai se manifestou, não para responder às questões, mas para

nos questionar sobre o que a filha poderia ter. Uma de suas suspeitas era que a filha tinha

Síndrome de Down. O pai demonstrou temer muito ter uma filha assim, afirmando que não

queria ter uma filha com Síndrome de Down.

Os pais têm uma outra filha, mais velha, de três anos, eles demonstraram ter muito

orgulho da mesma, segundo eles, devido a sua inteligência e esperteza. G. sempre era

comparada à irmã, pelos pais, que demonstravam muitas angústias uma vez que a filha mais

nova não apresentava o desenvolvimento esperado, semelhante ao da irmã, quando na mesma

idade. Também realizamos a aplicação do Instrumento na irmã de G., e observamos que todas

suas respostas estavam de acordo com o desenvolvimento de sua faixa etária.

O pai afirmava constantemente que G. precisava ganhar peso, pois ela “está muito

magrinha, feia, essa menina parece um E.T.”. A agente de saúde solicitou o cartão da criança

e verificou que seus exames de peso e altura estavam dentro do padrão esperado pela idade,

ou seja, a criança apresentava tamanho e peso esperados para sua idade.

Apesar de a agente explicar sobre o cartão, mostrar a escala da altura e do peso para o

pai e demonstrar o quanto estava tudo correto com a filha, ele alegava que ela estava muito

feia e que “parece um E.T.”, que “ela é igual um E.T.”, repetiu isso várias vezes, até a mãe

se irritar e pedir para ele parar de falar, para que ela pudesse continuar a responder ao

Instrumento.

Esse caso foi amplamente discutido durante as reuniões que fazíamos com toda a

equipe. Nessas reuniões, passamos a contar com a presença e contribuições da fisioterapeuta,

que engajada no trabalho com G. começou a participar e a se interessar pelo trabalho que

desenvolvíamos.

A fisioterapeuta relatou que, após ensinar para a mãe, solicitava que a mesma

realizasse a massagem fisioterapêutica na filha todos os dias. Porém apesar das orientações e
100

insistência da profissional, a mãe sempre alegava falta de tempo para cumprir com o

combinado.

Assim durante uma das reuniões, sugerimos que a fisioterapeuta pedisse para que a

mãe realizasse a massagem durante o banho da criança, assim poderia usar do sabonete como

facilitador e não teria que dispor de outro tempo para realizar a massagem. A mãe aceitou e

assim fez. Ela se encantava com os resultados percebidos – uma significativa melhora no

desenvolvimento da filha – a partir de seu engajamento e dedicação, o que reforçava-lhe ainda

mais essas atitudes.

As sessões de fisioterapia, o acompanhamento, as escutas atentas e o acolhimento à

família, aproximaram os profissionais de G. e de sua mãe, e ao mesmo tempo, estreitaram e

reforçaram o laço entre mãe e filha, se traduzindo em uma melhora rápida e espetacular. A

hipertonia reduziu em algumas semanas, e G. passou rapidamente a recuperar o atraso em seu

desenvolvimento. A mãe estava mais atenta às solicitações e manifestações da filha, dispondo

de sua função materna para conhecer e atender às necessidades da criança.

À medida que a criança melhorava, ela passava de estranho a familiar. O que permitiu

uma maior aproximação do pai, que passou a desenvolver um comportamento mais afetuoso e

comprometido com a criança: o pai deixou de chamar a filha de E.T., passou a pegá-la no colo

e a passear com ela.

Interpretação dos dados do Instrumento:

O que nos chamou a atenção, em uma observação geral do fluxo das respostas, é que

G. apresentou respostas bastante irregulares, principalmente na Escala A (três primeiros

meses), oscilando bastante entre as respostas positivas e negativas, porém nas Escalas B e C

encontramos uma constância no padrão de respostas positivas, com poucas variações,


101

aparentando ter tido uma seqüência bastante razoável em seu desenvolvimento posterior. As

oscilações das duas faixas etárias que vão do quarto ao nono mês, estão muito relacionadas ao

aspecto motor, do corpo da criança. Já na primeira faixa etária as oscilações são constantes e

abrangem todos os itens.

FICHA DE ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Nome: G.E.R.S. Nasc.: 28/06/2006 Data :10/01/2007 e 23/03/2007

1 – NUNCA 2 - ÀS VEZES 3- SEMPRE

A – TRÊS PRIMEIROS MESES 10/01/2007 1 2 3

1- Amamenta-se bem, sugando o peito (ou mamadeira) de maneira firme e X

constante, sem apresentar regurgitações freqüentes, nem recusando o peito.

2- Apresenta comportamentos de procura do peito (ou mamadeira), buscando o X

mamilo, fazendo movimentos de sucção, antes de iniciar a amamentação.

3- Interage com a mãe, através do olhar, enquanto mama. X

4- Aconchega-se bem, quando pego no colo. X

5- Sorri diante dos rostos dos familiares. X

6- É responsivo à aproximação das pessoas, buscando-as com os olhos, X

movimentando os braços e pernas. Só com os olhos.

7- Demonstra reconhecer as vozes do pai ou da mãe, através de balbucios, X

movimentos corporais e choramingos.

8- Chora ou balbucia quando deixado sozinho. X

9- Quando chora, aceita ser consolado pelo adulto. X

10- Dorme bem, não apresentando insônias (batendo-se ou ficando quieto com os X

olhos abertos durante longo tempo).


102

B – DOS QUATRO AOS SEIS MESES 1 2 3

1- Manifesta alegria diante das pessoas (movimentos de pernas, vocalizações). X

2- Apresenta diferentes expressões faciais, que podem demonstrar dor, alegria, X

curiosidade, satisfação.

3- Manifesta reações diante de sua imagem no espelho, tentando pegá-la, tocando X

a si mesmo, apontando para a imagem. Sorri em frente ao espelho, mas não

consegue tocá-lo, nem mesmo apontar para a imagem.

4- Mantém contatos afetivos, reclamando se o adulto de ligação se afasta dele e X

alegrando-se com o seu retorno (“manhas”).

5- Vocaliza várias sílabas definidas. X

6- Percebe os objetos que estão próximos, tentando alcançá-los e tocá-los. X

Segura quando a mãe entrega o brinquedo na mão dela.

7- Distingue os rostos familiares dos rostos estranhos. X

8- Faz uso de várias entonações de voz com a finalidade de comunicar-se. X

9- Aceita alimentar-se de papinha. X

10- Já se senta com o apoio de um adulto. Com o corpo ereto e enrijecido. X

C - DOS SEIS AOS NOVE MESES 23/03/2007 1 2 3

1- Brinca de jogar os objetos no chão ou de esconde-esconde. X

2- Pronuncia sílabas ou as primeiras palavras. Só algumas sílabas. X

3- Reconhece as expressões faciais de raiva, alegria e aprovação das pessoas que X

o rodeiam.

4- Assusta-se com a presença de estranhos. X

5- Chora quando a mãe se afasta. X

6- Solicita ser pego no colo, estendendo os braços ou inclinando seu corpo em X


103

direção ao corpo do adulto. Apenas solicita ser pega no colo chorando.

7- Faz imitações ou gestos simbólicos, como dar adeus. X

8- Busca consolo quando se machuca. X

9- Mastiga alimentos sólidos. X

10- Engatinha. Está começando, mas chora quando colocada no chão, X

não gosta de ficar deitada com a barriga no chão.

11- Senta-se sozinho. Apoiada na almofada. X

Discussão:

Essa afirmação muito nos espantou. Como poderia o médico pediatra assumir uma

posição tão naturalista, com relação a um sintoma tão evidente, ligado à dificuldade de

desenvolvimento de uma criança?

É importante realçar que esse é o motivo pelo qual se torna extremamente importante

que estes sinais sejam destacados, pois eles alertam, sem dúvida, mas recebem, com

freqüência excessiva, respostas insuficientes ou inadequadas.

A partir da afirmação da mãe de que a criança chorava bastante na presença de

estranhos, só se acalmando quando ela a pegava no colo; podemos pensar que G. fazia uso do

choro como meio para solicitar os cuidados da mãe, assim como os bebês recém-nascidos

fazem, antes de estruturarem outras formas de comunicação.

Foi muito importante possibilitarmos um espaço em que a mãe pudesse falar e

expressar às suas angústias e medos por parte da filha, queixas com relação ao marido, além

de expor seus sentimentos de culpa e fracasso devido ao contexto vivenciado por ela.

A afirmação de que a filha parecia um E.T. é relevante se pudermos utilizar dessa fala

do pai para compreender o que podia estar passando pelo seu imaginário. O pai preferia alegar
104

que G. era um E.T., do que se ater, como pai, a uma filha com dificuldades, que não

correspondia ao seu ideal imaginário.

Aquela criança “estranho-familiar” demonstrava ser muito frustrante e ameaçadora ao

pai. De tal forma que ele se excluía de qualquer responsabilidade/paternidade, alegando que

tudo era culpa da esposa e que – “não tenho filha assim não... não sou um E.T.” – não

poderia ter uma filha com ‘problemas’, pois não tinha ‘problema’.

Refletindo sobre o caso e a partir do nosso conhecimento, podemos afirmar que o

conjunto das aquisições ditas do desenvolvimento psicomotor depende da estruturação da

imagem do corpo, que por sua vez, somente será possível a partir de uma construção psíquica,

que se estabelece através da interação da criança com o Outro.

No caso de G., a incapacidade dos pais em se comunicar com a criança parecia ser o

resultado de uma dificuldade subjetiva, em seguida à qual as trocas pareciam não acontecer ou

não mais funcionar. E foi em substituição dessas trocas ausentes que o processo de sofrimento

da criança se pôs a funcionar. Sendo, por outro lado, somente a partir da estruturação de

relações de trocas mais significativas, que a criança passou a responder através de uma

melhoria no seu desenvolvimento e, conseqüente, redução do sintoma.

Pensando a Saúde Pública...

No caso de G. e em muitos outros casos em que crianças apresentam dificuldades ou

atrasos nas aquisições psicomotoras, são comuns os médicos e outros profissionais – numa

tentativa de acalmarem os pais ou mesmo devido às dificuldades em diagnosticar e

prognosticar o caso – alegarem, a partir de uma visão ‘naturalista’, que aqueles sinais fazem

parte do desenvolvimento da criança e que desaparecerão com o tempo.


105

Este é o motivo pelo qual se torna extremamente importante que esses sinais sejam

destacados, pois alertam (sem dúvida), mas recebem (com freqüência excessiva) respostas

insuficientes ou inadequadas, podendo comprometer ainda mais o desenvolvimento da

criança, uma vez que não lhe dirigem a atenção adequada.

Nós, enquanto profissionais, não podemos negligenciar a dimensão simbólica do

sintoma, tratando-a como algo natural ou meramente orgânico.

No exemplo de G., ela mesma e sua mãe reagiram muito bem no espaço da relação de

acompanhamento. Mas é importante discutirmos que algumas vezes, situações aparentemente

semelhantes não se deixarão facilmente resolver, sendo necessário prever intervenções mais

diretivas.

4.4.3 SUJEITO 3 – E. e a Mãe de uma filha só

Apresentação do caso:

Foi a agente de saúde quem comunicou à mãe da criança sobre a pesquisa e

questionou-a sobre a possibilidade de trazer a pesquisadora para realizar uma visita e observar

o desenvolvimento de sua filha. Apesar de não recorrer aos atendimentos oferecidos pelo

Município, sempre buscando, quando necessário, por consultas, atendimentos e intervenções

em outras cidades; a mãe permitiu a realização das visitas domiciliares. Iniciamos essas

visitas junto a E., sua mãe e seus irmãos. Esclarecemos à mãe quanto ao teor da pesquisa, a

mesma demonstrou disposição e interesse em participar.

Na data de aplicação do Instrumento, E. tinha um ano e seis meses. A criança, apesar

de apresentar atrasos significativos e facilmente perceptíveis em seu desenvolvimento, era


106

extremamente alegre – de um sorriso cativante –, possuía um olhar muito ‘vivo’ e respondia

muito bem aos investimentos das pessoas a sua volta.

A criança utiliza dos serviços prestados pela APAE de Uberaba, sendo atendida por

fisioterapeuta e fonoaudióloga, e acompanhada por médicos e psicólogos em atendimentos

com formato de oficinas lúdicas, junto a outras crianças. Para a mãe, essas atividades muito

contribuíram para o desenvolvimento motor e para a aquisição da fala, por parte da criança.

Ela tem uma irmã gêmea e outros três irmãos mais velhos (duas meninas, uma de 17

anos, outra de 4 anos; e um menino de 14 anos de idade). Realizamos a aplicação do

Instrumento com a mãe de E., que nos relatou alguns fatos referentes ao nascimento da

criança.

De acordo com a mãe, E. nasceu com hidrocefalia e ‘cortação’ de aorta (“veia aorta

fechada”), tendo ficado na incubadora por seis meses. Durante esse período, a criança não se

amamentava direito e sua alimentação era realizada por sonda; somente no quinto mês, passou

a amamentar-se na mãe, “com muita dificuldade” – enfatizou a mesma.

Segundo seu relato, durante os três primeiros meses de vida, eram as enfermeiras as

responsáveis pelos cuidados com E. A mãe só pôde pegar E. no colo a partir do quarto mês de

vida da criança e afirmou que foi diferente, teve receio, pois estava acostumada com a irmã

que era mais “durinha”. Justificou não conseguir responder por completo a primeira etapa do

Instrumento devido aos fatos relatados.

Durante as visitas domiciliares, a mãe também nos contou sobre a batalha de E. para

sobreviver, que teve sete vezes meningite ventricular. A criança foi submetida a várias

cirurgias; com 15 dias de vida realizou a primeira delas. Com seis meses e meio, já havia

passado por 13 cirurgias no cérebro, devido a várias rejeições por parte do organismo da

criança. Contou que sempre que realizavam uma cirurgia na criança, em poucos dias, outra

era feita para retirar a ‘válvula’ introduzida na cabecinha da mesma, até que finalmente a
107

última teve o sucesso de não-rejeição. Porém, as cirurgias não cessaram por aí, e no sétimo

mês a criança foi submetida a uma cirurgia no coração, na cidade de Ribeirão Preto/SP.

E. sempre foi cuidada por várias pessoas (enfermeiras, médicos, familiares), mas com

seis meses já demonstrava reconhecer a mãe, através do olhar. Afirmou, também, que a

criança chorava muito e que só assumiu os cuidados para com a filha, quando a mesma foi

para a casa, próximo aos oito meses de idade.

Em uma de nossas visitas, a mãe de E. se emocionou ao afirmar que viveu um período

muito difícil com a criança, que sofreu muito por ter que deixar a mesma no hospital e voltar

para a casa para cuidar da irmã de E. e de seus outros filhos.

Ela alegou que apesar de a irmã gêmea de E. não ter tido nenhum problema de saúde,

esta sentia muito a falta da mãe e sempre requeria a sua presença e cuidados. Assim, quando

E. foi para casa, foi a filha mais velha quem assumiu a responsabilidade dos cuidados da

criança e a mãe continuou a se dedicar a outra (irmã gêmea de E.).

Esse relato, posteriormente, nos remeteu à lembrança de uma situação muito

importante observada durante nossas visitas. Numa ocasião em que estávamos, como de

costume, observando a relação mãe e filha, ocorreu um fato curioso e no mínimo intrigante:

estava na hora das crianças comerem, E. estava no carrinho, sua irmã no chão brincando e a

mãe trouxe um prato com comida para as duas. A mãe iniciou alimentando a irmã e em

seguida se dirigiu a E. Essa se recusou a comer apesar da insistência da mãe e começou a

chorar muito. A mãe um pouco ‘desconcertada’, demonstrando não saber o que estava

fazendo de errado, nos disse que não conseguia dar comida para a criança, apesar de toda

dedicação, pois “ela é muito chata pra comer”. Em seguida, chamou por sua filha mais velha

e a pediu para dar comida a E. enquanto ela alimentava a outra filha.


108

A filha mais velha pegou E. no colo, que logo parou de chorar, colocou comida para

ela e iniciou sua alimentação. E. demonstrou prazer ao ser alimentada pela irmã que brincava

e conversava com ela; a criança comeu praticamente toda a comida do prato.

Durante as nossas visitas, foi possível observar que E. sempre estava no colo de sua

irmã mais velha ou no carrinho, enquanto sua mãe segurava a outra filha no colo ou se detinha

aos cuidados da mesma. Apesar de a irmã gêmea de E. já demonstrar querer sair do colo da

mãe para pegar alguns brinquedos, a mãe sempre se antecipava, pegava o brinquedo e

entregava-o a filha, que dessa forma permanecia no colo da mãe brincando. Eram raras as

vezes em que a irmã de E. estava longe da mãe ou fora de seu colo.

Em outra ocasião, quando perguntamos sobre o estado atual de saúde de E., a mãe

respondeu que temia muito pela vida da filha, pois “ela é muito fraquinha, gripa com muita

facilidade, não tem resistência às doenças”. Disse também que apesar disso, achava a filha

forte por tudo que passou, e que durante várias vezes pensou que a filha não fosse resistir e

que morreria, mas E. sempre lhe provou o contrário.

Interpretação dos dados do Instrumento:

Quanto ao Instrumento, podemos verificar que o mesmo encontra-se incompleto, em

sua primeira parte, pois, conforme falado anteriormente, a mãe afirma não saber responder

por não ter estado presente junto à E. durante este período, uma vez que a mesma ficou na

incubadora, sob os cuidados de médicos e enfermeiras.

Avaliando de forma geral os resultados da aplicação do mesmo, percebemos que E.

apresentava significativos atrasos em seu desenvolvimento: seja na fala, seja em seu

desenvolvimento motor, apresentando respostas bastante irregulares nas Escalas B, C e D,

oscilando entre respostas positivas e negativas.


109

As respostas positivas estão relacionadas a aspectos do contato com o Outro, que

podemos pensar ser correspondente aos cuidados que as enfermeiras e posteriormente a irmã

mais velha tiveram para com E.

De acordo com a escala, desde o início, E. apresentou comprometimentos no que diz

respeito à aquisição da linguagem e à capacidade motora. Porém, como relatado, a criança

apresentou sérios problemas de saúde durante os primeiros meses de vida, o que, segundo o

médico do PSF, podem justificar esses atrasos, identificados a partir das observações e da

aplicação do Instrumento.

Mesmo assim, consideramos importante realizar as visitas de observações conjuntas

para conhecermos e compreendermos melhor a dimensão simbólica dos sintomas que

permeavam os atrasos no desenvolvimento da criança, apresentados pela aplicação do

Instrumento.

FICHA DE ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Nome: E. S. O. Nasc.: 15/07/2005 Data: 18/01/2007

1 – NUNCA 2 - ÀS VEZES 3- SEMPRE

A – TRÊS PRIMEIROS MESES 1 2 3

1- Amamenta-se bem, sugando o peito (ou mamadeira) de maneira firme e X

constante, sem apresentar regurgitações freqüentes, nem recusando o peito.

Amamentava-se pela sonda.

2- Apresenta comportamentos de procura do peito/mamadeira, buscando o

mamilo, fazendo movimentos de sucção, antes de iniciar a amamentação.

Mãe não soube responder, criança estava na incubadora.

3- Interage com a mãe, através do olhar, enquanto mama.

A mãe não sabe responder.


110

4- Aconchega-se bem, quando pego no colo. A mãe só a pegou no colo aos

quatro meses e afirma que foi diferente, teve receio, pois estava acostumada com

a irmã que era mais “durinha”.

5- Sorri diante dos rostos dos familiares. A mãe não soube responder.

6- É responsivo à aproximação das pessoas, buscando-as com os olhos,

movimentando os braços e pernas. A mãe não soube responder.

7- Demonstra reconhecer as vozes do pai ou da mãe, através de balbucios,

movimentos corporais e choramingos. A mãe não soube responder.

8- Chora ou balbucia quando deixado sozinho. A mãe não soube responder.

9- Quando chora, aceita ser consolado pelo adulto. A mãe não soube responder.

10- Dorme bem, não apresentando insônias (batendo-se ou ficando quieto com os X

olhos abertos durante longo tempo). Segundo a mãe, a criança chorava o

tempo todo. E tinha pressão alta.

B – DOS QUATRO AOS SEIS MESES 1 2 3

1- Manifesta alegria diante das pessoas (movimentos de pernas, vocalizações). X

2- Apresenta diferentes expressões faciais, que podem demonstrar dor, alegria, X

curiosidade, satisfação.

3- Manifesta reações diante de sua imagem no espelho, tentando pegá-la, tocando

a si mesmo, apontando para a imagem. Não havia colocado a criança

em frente ao espelho.

4- Mantém contatos afetivos, reclamando se o adulto de ligação se afasta dele e X

alegrando-se com o seu retorno (“manhas”).

5- Vocaliza várias sílabas definidas. X

6- Percebe os objetos que estão próximos, tentando alcançá-los e tocá-los. X


111

7- Distingue os rostos familiares dos rostos estranhos. X

8- Faz uso de várias entonações de voz com a finalidade de comunicar-se. X

9- Aceita alimentar-se de papinha. X

10- Já se senta com o apoio de um adulto. X

C - DOS SEIS AOS NOVE MESES 1 2 3

1- Brinca de jogar os objetos no chão ou de esconde-esconde. X

2- Pronuncia sílabas ou as primeiras palavras. Só grita. X

3- Reconhece as expressões faciais de raiva, alegria e aprovação das pessoas que o X

rodeiam.

4- Assusta-se com a presença de estranhos. X

5- Chora quando a mãe se afasta. X

6- Solicita ser pego no colo, estendendo os braços ou inclinando seu corpo em X

direção ao corpo do adulto.

7- Faz imitações ou gestos simbólicos, como dar adeus. X

8- Busca consolo quando se machuca. Só chora. X

9- Mastiga alimentos sólidos. X

10- Engatinha. Ainda não. X

11- Senta-se sozinho. X

D – DOS QUINZE AOS DEZOITO MESES 1 2 3

1- Aproxima-se de outras crianças. X

2- Brinca de faz-de-conta com objetos. Demonstrou dúvida ao responder, disse X

que não, depois afirmou que sim, mas não soube dizer como a criança brinca.

3- Compreende o que as outras pessoas querem lhe expressar. X

4- Chama pelas pessoas. Só grita para se comunicar. X


112

5- Beija e abraça o pescoço de quem o segura no colo. Só chega o rosto perto. X

Não consegue beijar.

6- Aponta com o dedo para as coisas que quer. Abaixa o corpo e estica a X

mão (aberta).

7- Mantém-se concentrado nas suas brincadeiras por tempo prolongado. X

8- Colabora na sua alimentação ajudando com a colher. X

9- Aceita diferentes tipos de alimentos. X

10- Desenvolve-se bem na fala. X

11- Desenvolve-se bem no andar. X

Discussão:

Inicialmente, é importante destacarmos que o acompanhamento junto a essa família

ocorreu em um número muito menor de sessões, totalizando apenas 11; devido ao fato de a

mãe sempre estar viajando, para a realização de procedimentos visando saúde de seus filhos

ou a usa própria. Todos os atendimentos e intervenções necessários eram buscados fora da

Cidade de Pirajuba, por opção da mãe.

A partir do que foi exposto pela mãe, sobre “a batalha de E.” (como ela mesma disse)

para sobreviver, discutimos sobre o quanto a criança possivelmente teve que batalhar para se

sustentar também nessa relação com esse Outro, que pouco parecia reconhecer a sua presença,

que talvez ainda não havia percebido seu retorno à sua casa, aos seus braços.

Pensamos também sobre essa imensa potencialidade da criança à vida, sendo capaz de

se agarrar a sua irmã mais velha, como quem se agarra à ponta de um ‘fio’, para a partir daí

tecerem juntas ‘a fita’ do laço dessa relação.


113

A partir da situação de alimentação descrita anteriormente (em que foi observada a

dificuldade da mãe no manejo com E.), podemos pensar que, apesar da mãe permanecer capaz

de cumprir com os cuidados básicos em relação à criança, a natureza mecânica das trocas que

estabelecia com E. muito comprometia a relação entre ambas. Essas trocas mecânicas podiam

corresponder ao medo da mãe em perder a criança, fazendo com que as trocas entre ambas

fossem realizadas de forma mais cuidadosa, menos natural e espontânea.

A ausência de investimentos psíquicos da mãe, nas trocas estabelecidas com E., fazia

com que a criança se manifestasse através da recusa em se alimentar. Essa recusa mascarada7

demonstrava a tentativa de E. em fazer sua mãe lembrar-se de sua existência enquanto sujeito

de desejo, de apelo, capaz de exigir por trocas mais significativas.

Se analisarmos a atitude de E. à luz da proposição da dupla vertente do laço primordial

podemos perceber porque a recusa alerta os mais próximos: além do argumento vital, sempre

colocado no primeiro plano, o que choca e provoca reações na mãe é que a recusa da criança

abala sua onipotência primordial.

Para Cullere-Crespin (2004), ao se recusar a comer, a criança toma para si a garantia

da função paterna: impõe um limite à onipotência originária da mãe, dispondo assim do

espaço no qual ela pode advir.

É extremamente importante compreender a dimensão simbólica da recusa e de seu

estatuto de linguagem, pois não se trata apenas de uma questão alimentar voltada à uma

necessidade, mas sim de um comportamento que traduz um posicionamento da criança no

desejo do Outro.

7
Chamamos a recusa de E. em se alimentar de mascarada porque não se tratava de um caso em que a criança não

comia ou recusava o alimento, como nos casos de anorexia em crianças, mas de uma recusa resistente à natureza

mecânica das trocas que sua mãe estabelecia com ela.


114

O obstáculo que os pais devem evitar nos cuidados com os bebês e crianças é a

confusão entre não-intrusividade e desinvestimento da relação por parte do adulto. O

investimento do adulto transformará o alimento em objeto oral, e a recusa ativa da criança,

quando tolerada, pode então operar como um ato que rompe com a onipotência original do

Outro.

Na ausência de investimento do adulto, como na troca alimentar mecânica, a recusa da

criança pode não atingir a mesma significação, e recairá, de certo modo, no vazio, como uma

palavra não escutada.

Durante o trabalho de intervenção, a mãe nos falou de seu medo, de seu temor em

‘perder’ a filha. Esse discurso é interessante se pensarmos que só podemos perder algo que

possuímos, literalmente. O que queremos dizer é que com essa fala a mãe já demonstrava

possuir, ter, reconhecer E. como filha, como objeto de seu desejo. A mãe passava a se

perceber como mãe de gêmeas e não de uma única filha.

Como a palavra é um efeito de representação, desenvolvemos com as visitas um

trabalho em que a palavra era permitida e possibilitada. Por meio de trocas que realizamos

com a mãe e os filhos, tanto pelas palavras da terapeuta (pesquisadora), quanto pelas palavras

(relatos) que a mãe foi convidada a dizer sobre as dificuldades que encontrava, os medos que

sentia, as angústias que temia, a mãe pôde cada vez mais se aproximar de E. e assumir

gradativamente os cuidados pela mesma, mas dessa vez, não de natureza mecânica, mas

simbólica, psíquica, representativa.

O trabalho de intervenção buscou favorecer o engajamento da mãe aos cuidados com a

E., de modo que a relação de troca não se estruturasse unicamente de forma operatória, mas

que comportasse uma dimensão simbólica, desejante: o fato de estar com a criança, de estar

atento e de lhe falar, dirigindo-se a ela, à parte de todo cuidado, conta muito. Principalmente,
115

em se tratando de uma criança que tenha passado por situações tão difíceis após o nascimento,

como no caso de E.

Pensando a Saúde Pública...

Apesar de a recusa ao alimento colocar em risco o prognóstico vital e por isso muitas

crianças necessitam ser tratadas no âmbito da urgência médica, não podemos negligenciar a

dimensão simbólica do sintoma. Devemos compreender a relação estabelecida entre pais e

filhos, a partir de estratégias e dispositivos de acolhimento, suporte e sustentabilidade

inerentes a cada situação.

Podemos encontrar este tipo de conduta operatória em algumas mães que parecem não

poder se perguntar por que o bebê não come, e querer unicamente que ele coma. Esse tipo de

atitude pode corresponder a realidades inconscientes muito diferentes, que determinam

capacidades também muito diferentes das mães para reagirem no quadro das relações de

tratamento, quer dizer, de seguirem os conselhos dados pelas equipes de prevenção.

Para essa sintomatologia invariável, é tal capacidade que designará as situações que

podem ser acompanhadas nos casos de prevenção, por equipes treinadas e atentas, em

oposição àquelas que necessitarão recorrer às consultas especializadas e condutas mais

diretivas.

4.4.4 SUJEITO 4 – A. e a Mãe que vomitava

Apresentação do caso:

A. era uma criança de um ano e dois meses, quando nos foi encaminhado pela agente

de saúde, devido ao seu atraso na aquisição da linguagem. A. falava muito pouco, utilizando-
116

se algumas sílabas, coisa que as crianças que se desenvolvem normalmente fazem num espaço

de algumas semanas a alguns meses.

Apresentava desnutrição, seu peso e altura estavam abaixo do esperado para a sua

idade, além disso, a criança não havia tomado algumas vacinas importantes, conforme

comprovava seu cartão de vacinação.

Na casa de A. moravam: a criança, sua mãe, seu irmão de quatro anos, seu pai, um

outro casal e mais duas meninas (a mais velha é registrada como filha do pai de A.). Segundo

sua mãe, a casa sempre ficava muito cheia, o pai de A. constantemente levava amigos para

dormir e residir lá.

Os homens (pais das crianças) não tinham trabalho fixo e as mulheres ficavam por

conta da casa e dos filhos. Conforme relato da agente, era comum a ocorrência de brigas,

agressões físicas e morais, entre as mulheres (mãe de A. e a outra mulher, que estava grávida

de um terceiro filho).

Apesar de morarem na mesma casa, os alimentos de um núcleo familiar eram

separados dos do outro núcleo. Segundo a mãe de A., sua família apresentava mais

dificuldades financeiras e os conflitos surgiam por esses e outros motivos. De acordo com a

agente, eles viviam em pleno estado de miséria e pobreza, faltando muitas vezes comida para

as crianças, fatos esses observados durante o processo de intervenção domiciliar.

A casa era composta por quatro cômodos: um quarto, um banheiro, uma sala cheia de

entulhos e uma espécie de cozinha, onde havia um fogão, um sofá e um armário. O chão era

de terra batida, havia três janelas, mas somente uma – a da cozinha, que dava para os fundos

da casa – ficava aberta, o que favorecia o mau cheiro e dificultava a iluminação na casa. Era

uma casa muito suja, com muitos entulhos, como: pedaços de madeiras, latões de tinta vazios,

comida no chão, etc. Não havia portas entre os cômodos e eram algumas paredes e lençóis

que faziam à divisão da residência. Algumas pessoas dormiam no chão (não é possível citar
117

quais), pois só havia uma cama de casal no quarto. A precariedade em que viviam era de

espantar.

Na visita inicial, A. estava com diarréia e vômito (situação que perdurava há duas

semanas), mamava constantemente na mãe, mas logo vomitava e defecava na própria roupa

ou no chão. Chorava muito, pois de acordo com a mãe a criança estava com muita fome, mas

segundo seu próprio relato tudo que ele comia, ele vomitava.

Momentos após a nossa chegada, um fato muito nos surpreendeu: A. evacuou no colo

de sua mãe, que o ‘lançou’ ao chão. A criança começou então a comer restos de alimentos

(arroz e macarrão) que estavam no chão.

Apesar de a mãe alegar que ela era mais apegada a ele – pois segundo seu próprio

discurso, o outro filho não gostava dela, só do pai –, ela não demonstrava ter cuidados, nem

atenção para com a criança. As vacinas de A. estavam atrasadas, sua desnutrição e

desidratação eram alarmantes, a mãe não o levava para as consultas na UBS, apesar de ter

sido encaminhado várias vezes pela agente.

Mesmo reconhecendo a dificuldade na fala do filho, a mãe não demonstrou

preocupação, pois afirmou que seu outro filho nunca havia falado direito, e ainda não falava.

Além disso, alegou que “com o tempo ele vai falar”.

Após algumas visitas, a família que anteriormente também morava na casa não estava

mais presente. A mãe de A. contou que eles tiveram um briga e que o seu marido mandou que

o outro casal se retirasse com as filhas. Porém, ela afirmou que lá sempre estava cheio de

amigos que o marido colocava dentro de casa, e que isso a deixava muito brava, pois eles só

ensinavam coisas erradas para os filhos dela, como, por exemplo, ‘xingar’, gritar, bater.

Com as visitas de acompanhamento e de acordo com os relatos da mãe, pudemos

perceber que o pai era uma pessoa muito agressiva com a esposa, impondo sua autoridade a

partir de gritos e ameaças aos filhos e à esposa. Estava constantemente ausente, trabalhava
118

com tráfico de entorpecentes no Município e região, já tendo sido preso várias vezes. Houve

uma denúncia, não comprovada, de que ele aliciava seu filho mais velho ao tráfico, usando-o

para a entrega das mercadorias.

A mãe de A. apresentava um quadro de depressão, que muito nos chamava a atenção,

uma vez que o quadro mais apontava para uma forma de ausência psíquica. Ela oscilava em

momentos em que demonstrava querer ‘sair’ daquela vida, mudar de cidade (voltar para o Rio

de Janeiro, de onde veio), deixando para trás o marido e os filhos. E momentos de solidão,

não querendo nos receber, ficando trancada na casa junto com os filhos, sem alimentá-los,

alegando que estava dormindo.

Segundo a avó paterna que morava ao lado da casa dos pais de A., por várias vezes ela

teve que interferir, chamando um outro filho para invadir a casa e retirar as crianças, pois as

mesmas estavam trancadas, sem comer.

Apesar dos nossos convites, o pai nunca participou declaradamente das sessões.

Utilizamos o termo ‘declaradamente’, pois algumas vezes foi possível perceber que ele ficava

escutando os relatos, disfarçadamente.

Foram inúmeras as sessões – a grande maioria – em que somente a mãe estava

presente, a justificativa era que os filhos não agüentavam ficar dentro de casa e que

“adoravam a rua, estavam sempre na rua”.

Estas sessões, em que só a mãe estava presente, eram caracterizadas e, por nós

denominadas, como sessões de ‘descarrego’. Sessões em que a mãe ‘vomitava’ as suas

ansiedades e angústias, e a nós era destinado o lugar de recipiente – receptor daquele ‘vômito’

tido como ‘vômito em jato’ –, invólucro em que se podia depositar ‘tudo’ o que a ela fazia

mal. Várias das agentes de saúde não agüentavam aquela situação e acabavam saindo da casa

no decorrer dessas sessões.


119

À medida que o trabalho foi se estruturando, as trocas entre mãe e filho começaram a

acontecer: a mãe após ter sido orientada passou a se preocupar mais com sua saúde e com a

dos filhos – passou a utilizar o soro caseiro, a freqüentar a UBS, vacinar as crianças. Além

disso, passou a compreender melhor a linguagem do filho e a responder ao que ele dizia,

atendendo às suas solicitações, necessidades. Em contrapartida, A. foi sendo capaz de

responder aos investimentos de sua mãe: começou a se alimentar melhor, ganhou peso,

passou a dormir mais durante a noite, demonstrava maior iniciativa estabelecendo

comunicações com seu irmão e mãe.

Segundo relatos mais recentes das agentes de saúde, A. já se comunica melhor através

da palavra, sua fala já apresenta palavras inteiras e algumas frases; sabe como requerer os

cuidados junto a sua mãe e passou a freqüentar a creche. A mãe iniciou um trabalho de

costura, através de uma cooperativa, onde se fabrica e vende peças íntimas.

Interpretação dos dados do Instrumento:

Ao aplicarmos o Instrumento junto à mãe, pudemos verificar que, numa perspectiva

geral dos resultados, A. não apresentava grandes oscilações entre as respostas, demonstrando

apenas uma dificuldade na linguagem, mais caracterizada na Escala C. A fala de A. era

realmente incompreensível. A linguagem era própria, dele próprio e de mais ninguém.

Nos demais aspectos e escalas, foi possível encontrar uma constância no padrão de

respostas positivas. Porém, segundo o relato da mãe, a criança não dormia bem à noite,

característica esta que esteve presente desde que A. era bebê, conforme demonstrado na

Escala A, do período correspondente aos três primeiros meses.


120

FICHA DE ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Nome: A. F. S. Nasc.: 15/10/2005 Data: 09/12/2006

1 – NUNCA 2 - ÀS VEZES 3- SEMPRE

A – TRÊS PRIMEIROS MESES 09/12/2006 1 2 3

1- Amamenta-se bem, sugando o peito (ou mamadeira) de maneira firme e X

constante, sem apresentar regurgitações freqüentes, nem recusando o peito.

2- Apresenta comportamentos de procura do peito (ou mamadeira), buscando o X

mamilo, fazendo movimentos de sucção, antes de iniciar a amamentação.

3- Interage com a mãe, através do olhar, enquanto mama. X

4- Aconchega-se bem, quando pego no colo. X

5- Sorri diante dos rostos dos familiares. X

6- É responsivo à aproximação das pessoas, buscando-as com os olhos, X

movimentando os braços e pernas.

7- Demonstra reconhecer as vozes do pai ou da mãe, através de balbucios, X

movimentos corporais e choramingos.

8- Chora ou balbucia quando deixado sozinho. X

9- Quando chora, aceita ser consolado pelo adulto. X

10- Dorme bem, não apresentando insônias (batendo-se ou ficando quieto com os X

olhos abertos durante longo tempo). Não dorme à noite e dorme

pouco durante o dia.

B – DOS QUATRO AOS SEIS MESES 1 2 3

1- Manifesta alegria diante das pessoas (movimentos de pernas, vocalizações). X

2- Apresenta diferentes expressões faciais, que podem demonstrar dor, alegria, X

curiosidade, satisfação.
121

3- Manifesta reações diante de sua imagem no espelho, tentando pegá-la, tocando X

a si mesmo, apontando para a imagem.

4- Mantém contatos afetivos, reclamando se o adulto de ligação se afasta dele e X

alegrando-se com o seu retorno (“manhas”).

5- Vocaliza várias sílabas definidas. Poucas, somente algumas como: “ah, dah” X

6- Percebe os objetos que estão próximos, tentando alcançá-los e tocá-los. X

7- Distingue os rostos familiares dos rostos estranhos. X

8- Faz uso de várias entonações de voz com a finalidade de comunicar-se. X

9- Aceita alimentar-se de papinha. X

10- Já se senta com o apoio de um adulto. X

C - DOS SEIS AOS NOVE MESES 1 2 3

1- Brinca de jogar os objetos no chão ou de esconde-esconde. X

2- Pronuncia sílabas ou as primeiras palavras. Somente algumas sílabas, X

palavras ainda não.

3- Reconhece as expressões faciais de raiva, alegria e aprovação das pessoas que o X

rodeiam.

4- Assusta-se com a presença de estranhos. X

5- Chora quando a mãe se afasta. Ficava sozinho sem chorar. X

6- Solicita ser pego no colo, estendendo os braços ou inclinando seu corpo em X

direção ao corpo do adulto.

7- Faz imitações ou gestos simbólicos, como dar adeus. X

8- Busca consolo quando se machuca. X

9- Mastiga alimentos sólidos. Mas nunca foi de comer muito. X

10- Engatinha. X
122

11- Senta-se sozinho. X

Discussão:

O motivo pelo qual, atrelado ao atraso na aquisição da linguagem, nos fez acompanhar

o caso, foi nos questionarmos incessantemente: Qual era a posição que a criança ocupava no

desejo de sua mãe? Essa questão muito nos inquietou, não sabíamos identificar em que lugar a

criança se situava no desejo materno, que posição ela havia assumido naquele enlace familiar

tão particular.

Sendo assim, apesar da dificuldade da criança se caracterizar basicamente na questão

da linguagem, consideramos importante o acompanhamento junto a essa família. Percebemos

que a necessidade de acompanhamento se fez devido ao contexto, situação, contingência em

que a relação pais-filhos-ambiente se estruturava.

O trabalho baseou-se num processo de acolhimento das angústias da mãe em relação à

posição que a mesma assumia frente ao seu marido, filhos e ao seu próprio desejo, de modo

que assim, a mesma pudesse ‘dar conta’, acolher as angústias do filho, possibilitando a

estruturação de trocas significativas com a criança, de forma que ela pudesse ir

desenvolvendo condições de, ao mesmo tempo, investir suficientemente na relação com o

filho e de aceitar os ‘limites’ que a criança lhe impunha (a linguagem não estruturada, a

‘barriga’ em que nada parava e o sono que não vinha).

Podemos pensar que a criança, além da questão orgânica, respondia aos ‘vômitos’ de

angústia de sua mãe da mesma forma, expulsando também a sua angústia em forma de

alimento, concretamente. Ela reagia às ausências de investimento de sua mãe, às ausências de

trocas psíquicas com ausência de fala, de sono, de alimento. ‘Alimento’ este que nutre não só

o organismo, mas que também sustenta psiquicamente a criança.


123

É possível suscitar a discussão que como os pais não respondiam às solicitações/apelos

da criança, essa passou a deixa de apelar, passou a abandonar toda tentativa de se fazer

escutar por sua mãe e seu pai. Seus choros, sílabas e gritos se equivaliam a uma simples

descarga, sem que visasse estruturar uma comunicação com o próximo.

As sessões de ‘descarrego’, em que a mãe ‘vomitava’ as suas ansiedades e angústias

em forma de ‘jato’, realmente eram sessões extremamente densas, difíceis de serem digeridas.

As sensações de ‘peso’ e ‘aperto, esmagamento’ internos, sentidas por nós, eram muito

discutidas nas reuniões com a equipe.

Era um trabalho que requeria muita aceitação (dos ‘vômitos’), compreensão (da

situação, do contexto), disciplina (para que não evadíssemos) e acolhimento (da realidade

interna e externa exposta pela mãe); o que nem sempre parecia ser possível sustentar.

Somente quando permitimos e aceitamos os ‘vômitos’ da mãe, é que foi possível a ela

reconhecer e perceber seus filhos, seus apelos e, também, se perceber enquanto mãe. Ou seja,

somente possibilitando que seus níveis de sua ansiedade e angústia diminuíssem, após longos

processos de expulsão e através do acolhimento deste ‘material’ – o que nos possibilitou

estruturar formas de pensar sobre o mesmo – foi que os filhos passaram a fazer parte de sua

‘história’, de seu desejo materno, de sua vida, de sua realidade psíquica (interna) e externa.

Sem dúvida alguma, as intervenções visaram recolocar a criança na condição de

sujeito; sujeito como ser de linguagem, de desejo, sendo dessa forma, responsável de forma

ativa na construção de sua história.

Era necessário reconhecer sua condição desejante no laço com seus pais, muitas vezes

impossibilitados também de oferecerem um lugar, alguma significação, ou qualquer tipo de

encantamento. E para isso, nosso trabalho dispunha fornecer, constituir suporte para que as

trocas mãe-criança pudessem ser estabelecidas, possibilitando à criança restabelecer,


124

reivindicar seu lugar no enlace familiar e possibilitando que esse pudesse ser reconhecido por

seus pais.

As trocas entre mãe e filho foram possibilitadas, à medida que o trabalho foi se

estruturando. Essas trocas constituíram uma espécie de confirmação da existência de um para

o outro, de um prazer de se compartilhar.

Pensando a Saúde Pública...

Esses sinais ligados à ‘palavra’, podem indicar estados de sofrimento psíquico infantil,

que urgem por intervenções e tratamentos especializados, principalmente, quando já se

percebe um atraso no desenvolvimento da criança com relação à aquisição da linguagem, ou

em estados em que a criança deixa de falar o que já havia aprendido.

É necessário haver equipes treinadas para observação e sensíveis à questão do laço,

para que as dificuldades na aquisição da linguagem das crianças ou o mutismo, passividade

silenciosa dos bebês deixem de ser apreciados por pais e profissionais que deles se

encarregam (percebidos como ‘bebês fáceis de cuidar’); e se tornem preocupantes, uma vez

que a aparição desses sinais pode traduzir estados de sofrimento grave, que necessitam

rapidamente de cuidados.
125

CAPÍTULO V

“Felicidade é ter o que fazer,

ter algo que amar

e algo que esperar.”


Aristóteles
126
127

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fascinante acompanhar o desenvolvimento normal de um bebê. À medida que ele

cresce, nos dá uma impressão de mágica, em que tudo caminha por si só. Nossa impressão é

de que tudo se desenvolve sem nós; como uma maçã que, ao ser deixada na fruteira,

amadurece naturalmente, sem ser necessário qualquer tipo de estimulação ou investimento.

De fato, é muito difícil delimitar a complexidade dos processos subjacentes ao

desenvolvimento do bebê, a partir da “opacidade do normal” – conforme nos fala Cullere-

Crespin (2004) –, ou seja, própria da situação dita normal.

Por outro lado, as psicopatologias infantis, também fascinantes, explicitam, tornam

visíveis os processos subjacentes emergentes do psiquismo, independente da idade em que

essas acometem as crianças.

Nosso trabalho com crianças (seja nos atendimentos na Clínica da UFU, seja a partir

desta pesquisa) tem demonstrado que elas podem tanto desenvolver muito rapidamente um

estado de adoecimento psíquico como recuperar-se desse adoecimento, melhorando seu

desenvolvimento de forma significativa num curto período de tempo, quando a intervenção se

faz em tempo e de maneira adequada.

Os sinais de sofrimento psíquico, nomeação delicada para apontar e descrever o que

ocorre com a criança que não está bem, mostram como podem ser observáveis e, dessa forma,

como diversos profissionais podem perceber esses sinais desde muito precocemente em

benefício da própria criança e do risco que essa correria, caso não fosse atendida.

Encontramos aí o limite necessário para pensarmos quando encaminhar para uma consulta

especializada ou quando a criança pode ser tratada pelas equipes de prevenção, como a do

PSF do Município de Pirajuba, por meio de atendimentos em domicílio, escolas, creches,

instituições-abrigo.
128

Nossa experiência em Pirajuba – junto à equipe de PSF, da Rede Púbica de Saúde do

Município, e às crianças e seus pais/cuidadores – nos permitiu abordar de outra forma a

clínica cotidiana e a questão da saúde mental infantil.

Nesse contexto, os atendimentos de bebês e crianças pequenas com sinais indicadores

de sofrimento psíquico permitiram intervenções rápidas e significativas, possibilitando

também acompanhamentos por meio de intermediários (agentes e demais profissionais da

saúde). Esse trabalho foi possibilitado por meio de uma escuta atenta, permitindo à equipe

vivenciar e acompanhar juntamente com a criança e seus pais/cuidadores, a história narrada,

possibilitando a circulação da palavra e permitindo a formulação e compreensão das

questões/verdade de cada membro da família.

Nas reuniões que realizávamos para discutir sobre o trabalho desenvolvido, pudemos

diversificar nossa prática e, em particular, intervir em nossa equipe sob forma de reflexões

clínicas, de observação e de análise de situações e dos dados coletados, que permitiram

aumentar o efeito das ações e obter melhores resultados, seja sobre a gestão de certas

situações vivenciadas, seja visando à obtenção de atendimentos especializados. Certamente, a

capacidade e a possibilidade de realizarmos essas reuniões, muito favoreceram o

desenvolvimento de um trabalho de acompanhamento e intervenção de qualidade.

Um outro ensinamento que retiramos desse percurso foi que o saber específico do

terapeuta se extrapola em situações fora do âmbito do tratamento clássico, podendo ser

colocado à disposição dos demais profissionais que se ocupam das crianças nas diversas

instituições.

Acreditamos que desenvolver práticas como as descritas neste trabalho, promovendo

ações de prevenção em instituições com modalidades de acolhimento (creches, abrigos,

escolas), em que não há triagem, poderiam se tornar preciosas para a saúde e desenvolvimento

de muitas crianças.
129

Existem formas múltiplas de atendimento indireto ou institucional, que são possíveis

de se fazer ou promover. Assim sendo, temos a obrigação de reconhecer que esses diferentes

efeitos praticáveis podem se revelar extremamente fecundos em matéria de resultados.

Outro ponto importante foi que nesta pesquisa encontramos, também, o trabalho em

rede para a constituição da demanda e as formas de seu aparecimento, para o processo de

intervenção num trabalho tão essencial de parcerias. Nesse sentido, o trabalho junto à Rede

Municipal de Saúde e a participação dos profissionais do PSF foram fundamentais para a

estruturação e efetivação deste trabalho.

A partir dos acompanhamentos realizados, no trabalho de intervenção, procuramos

evidenciar a questão da dificuldade dos pais em se comunicar com as crianças. Também

discutimos que essa dificuldade de comunicação parecia ser o resultado de uma dificuldade

subjetiva, seguida à qual as trocas, entre o bebê/criança e o Outro, pareciam não acontecer ou

não mais funcionar. Nesse sentido, foi essencial o desenvolvimento de um trabalho visando

reestruturar o processo de interação entre a mãe (pai, ou outro cuidador) com seu filho(a),

possibilitando a ‘retomada’ de suas capacidades maternantes diante da criança.

Em cada um dos casos prevaleceu uma problemática que pode ser indicada pelos três

grandes vetores (olhar, corpo e palavra) que sustentam a relação da criança com o Outro e que

formam a base metapsicológica das quatro escalas que compõem o Instrumento em questão, a

saber: no primeiro caso ressalta-se a questão fundamental do olhar, no segundo a questão da

função da imagem corporal; no terceiro encontramos uma articulação entre as dificuldades

impostas pelo organismo e a formação da imagem e esquema corporal; por fim no quarto

temos a questão primordial da palavra. Não se trata de exclusividade, mas apenas o que se

pode encontrar de mais marcante ou ilustrativo quando se empreende uma clínica

psicanalítica levando-se em conta os cuidados básicos em saúde pública para os estados de

sofrimento psíquico na primeiríssima infância.


130

Durante a intervenção junto a essas mães e pais, podemos afirmar que a maioria deles

foi capaz de testemunhar a sua dificuldade em ‘funcionar’, em se relacionar com essas

crianças, o que demandou um trabalho de acolhimento, apoio e compreensão por parte de

todos os envolvidos (pesquisadora, agentes, profissionais da saúde). Esses estados de

dificuldade subjetiva no enlace familiar, que dificultam as trocas entre mãe-criança são

particularmente dignos de interesse, pois parecem reversíveis se um acompanhamento

apropriado for proposto logo no início.

Ficou extremamente claro perceber que esses pais só foram capazes de voltar a se

comunicar com a criança, restabelecendo essas trocas familiares, quando adequadamente

apoiados pela terapeuta e demais profissionais, por essa rede de suporte e sustentabilidade que

tanto contribuiu para com o trabalho.

Essa rede foi tecida e estruturada a partir dos três direcionamentos: a) a desconstrução

da função reparadora; b) o enfoque na ‘clínica’ do laço pais/criança; c) a concepção da criança

como sujeito.

Os quatro casos clínicos foram apresentados a título de ilustração, dessa forma, não

nos propusemos a descrevê-los e analisá-los, como nos trabalhos de estudos de casos clínicos.

O que nos importava saber era: O que faz diferença nessa prática onde psicanálise e saúde

pública se mesclam, se defrontam, se integram; num trabalho onde os diversos saberes se

relacionam? Qual a direção tomada por essa ‘clínica’ do bebê e da criança pequena? Por que

foi buscada? Em que sentido as intervenções, mescladas entre o acompanhamento, o

acolhimento e os limites impostos, e embasadas na psicanálise, se fizeram eficazes no âmbito

público?

Não temos o intuito nem a pretensão de responder a essas indagações, mas ao

contrário, pretendemos propor uma discussão, possibilitando expandir as reflexões sobre


131

como enfrentar a questão do sofrimento psíquico de primeira infância, que acomete um

número cada vez mais significativo, em crianças.

Nessa perspectiva, pretendemos fazer com que essas reflexões contribuam para que

haja a implantação de diretrizes e intervenções condizentes com a necessidade dessas

crianças, implementando estratégias com maiores probabilidades de fomentar a adoção e

utilização de intervenções efetivas.


132
133

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Textos selecionados da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago.
138
139

ANEXOS
140
141

ANEXO 1

FICHA DE ACOMPANHAMENTO DO

DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Criança: ________________________________________________________. Nasc.:___ /___ /___

Agente: ________________________________________________________. Data :____________

1 – NUNCA 2 - ÀS VEZES 3- SEMPRE

A – TRÊS PRIMEIROS MESES 1 2 3

1- Amamenta-se bem, sugando o peito (ou mamadeira) de maneira firme e constante, sem

apresentar regurgitações freqüentes, nem recusando o peito.

2- Apresenta comportamentos de procura do peito (ou mamadeira), buscando o mamilo, fazendo

movimentos de sucção, antes de iniciar a amamentação.

3- Interage com a mãe, através do olhar, enquanto mama.

4- Aconchega-se bem, quando pego no colo.

5- Sorri diante dos rostos dos familiares.

6- É responsivo à aproximação das pessoas, buscando-as com os olhos, movimentando os braços e

pernas.

7- Demonstra reconhecer as vozes do pai ou da mãe, através de balbucios, movimentos corporais e

choramingos.

8- Chora ou balbucia quando deixado sozinho.

9- Quando chora, aceita ser consolado pelo adulto.

10- Dorme bem, não apresentando insônias (batendo-se ou ficando quieto com os olhos abertos

durante longo tempo).


142

B – DOS QUATRO AOS SEIS MESES 1 2 3

1- Manifesta alegria diante das pessoas (movimentos de pernas, vocalizações).

2- Apresenta diferentes expressões faciais, que podem demonstrar dor, alegria, curiosidade,

satisfação.

3- Manifesta reações diante de sua imagem no espelho, tentando pegá-la, tocando a si mesmo,

apontando para a imagem.

4- Mantém contatos afetivos, reclamando se o adulto de ligação se afasta dele e alegrando-se com o

seu retorno (“manhas”).

5- Vocaliza várias sílabas definidas.

6- Percebe os objetos que estão próximos, tentando alcançá-los e tocá-los.

7- Distingue os rostos familiares dos rostos estranhos.

8- Faz uso de várias entonações de voz com a finalidade de comunicar-se.

9- Aceita alimentar-se de papinha.

10- Já se senta com o apoio de um adulto.

C - DOS SEIS AOS NOVE MESES 1 2 3

1- Brinca de jogar os objetos no chão ou de esconde-esconde.

2- Pronuncia sílabas ou as primeiras palavras.

3- Reconhece as expressões faciais de raiva, alegria e aprovação das pessoas que o rodeiam

4- Assusta-se com a presença de estranhos.

5- Chora quando a mãe se afasta.

6- Solicita ser pego no colo, estendendo os braços ou inclinando seu corpo em direção ao corpo do

adulto

7- Faz imitações ou gestos simbólicos, como dar adeus.

8- Busca consolo quando se machuca.


143

9- Mastiga alimentos sólidos.

10- Engatinha.

11- Senta-se sozinho.

D - DOS QUINZE AOS DEZOITO MESES 1 2 3

1- Aproxima-se de outras crianças.

2- Brinca de faz-de-conta com objetos.

3- Compreende o que as outras pessoas querem lhe expressar.

4- Chama pelas pessoas.

5- Beija e abraça o pescoço de quem o segura no colo.

6- Aponta com o dedo para as coisas que quer.

7- Mantém-se concentrado nas suas brincadeiras por tempo prolongado

8- Colabora na sua alimentação ajudando com a colher.

9- Aceita diferentes tipos de alimentos.

10- Desenvolve-se bem na fala

11- Desenvolve-se bem no andar.

E - DOS VINTE E QUATRO MESES AOS TRINTA MESES 1 2 3

1- Sabe dizer não com a cabeça.

2- Fala seu próprio nome.

3- Constrói frases próprias com várias palavras.

4- Utiliza os pronomes pessoais – eu, tu ou você.

5- Fala enquanto brinca, repetindo cenas vistas ou vividas.

6- Interessa-se por estórias infantis.

7- É capaz de reproduzir, em parte, as estórias infantis que lhe são contadas.

7- Compartilha seus brinquedos com outras crianças.


144

8- Desenvolve-se bem em suas capacidades corporais através de movimentos como pular, correr,

dançar, subir, descer.

9- É capaz de ajudar em pequenas tarefas domésticas.

10- Alimenta-se sozinho.

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