Boudieu - Análise
Boudieu - Análise
Boudieu - Análise
2010v16n4p1033
Artigo de Revisão
Da escola de ofício a profissão educação física: a constituição do
habitus profissional de professor
Samuel de Souza Neto 1, 2
Larissa Cerignoni Benites 2
Mellissa Fernanda Gomes da Silva 2
1
UNESP – Univer. Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de
Educação, Rio Claro, SP, Brasil
2
UNESP – Univer. Estadual Paulista, Instituto de Biociências, PPGCM/ NEPEF;
DFPPE de Rio Claro, SP, Brasil
Resumo: Este estudo trata da questão dos elementos que constituem o habitus profissional de professor,
tendo na construção da identidade docente o ponto de partida. Como resultado concluiu-se que o habitus
profissional é formado por uma gramática geradora de práticas, rotinas e esquemas que envolvem ações
didáticas, hexis corporal e postura.
Palavras-chave: Educação Física. Professor. Habitus. Profissão.
apresentar uma variação de autor [PIMENTA ora consciente, ora inconsciente. Portanto, com
(1997); TARDIF(2002)] para autor em sua base nos estudos de Bourdieu (1989, 1994a,
sistematização de acordo com o recorte adotado, 1994b, 1994c, 1994d, 1994e, 1996, 2007),
podendo não ter o mesmo significado. verifica-se que o habitus traduz exatamente o
Da mesma forma que esta cultura engendra modo de ser professor, contemplando
um corpo de saberes que dão sustentação a características específicas que podem nos
profissionalidade ela também aponta para a auxiliar na compreensão da prática profissional
composição de uma identidade entendida, neste do professor, bem como proporcionar uma leitura
estudo, como o processo de construção social de mais objetiva sobre a figura do professor,
um sujeito historicamente situado. constituindo-se no foco deste trabalho que se
De acordo com Benites (2007, p.10) em se elucida com a seguinte questão ou problemática:
tratando da identidade profissional, esta se Quais são os elementos constituintes do
constrói com base na significação social da habitus profissional de professor de Educação
profissão e de suas tradições. Neste itinerário, a Física que contribuem para a construção da
profissão de professor, como as demais
profissões, emergiu num dado contexto como identidade docente, mas que não são revelados a
resposta às necessidades postas pelas priori?
sociedades, constituindo-se num corpo Na busca de respostas a este problema parte-
organizado de saberes e um conjunto de normas se do pressuposto de que embora o
e valores. Estes saberes, valores e normas, com conhecimento específico do professor seja
o passar do tempo, materializam-se na forma de pautado num saber tácito e na
uma tradição, criando ou gerando uma identidade academia/formação os conhecimentos apareçam
social que envolve a criação de procedimentos pré-configurados não será possível avançar na
institucionalizados de formação específica, questão pedagógica se não se efetivar uma
especializada e prolongados; constituição de mediação entre o objetivismo (estruturalismo) e o
associações profissionais e manifestação de um subjetivismo (construtivismo).
estatuto de legalidade.
Dessa forma tanto a questão da A teoria do habitus: uma gramática
profissionalidade, como os saberes docentes e a para a leitura da profissão professor
identidade profissional, bem como os conceitos Bourdieu (1989), num raro texto,
de profissão ou formação trazem como autobiográfico, assinala que se tivesse que
compreensão desse processo a idéia de cultura. caracterizar o seu trabalho em duas palavras, ou
A cultura pode ser expressa por meio de seus seja, se tivesse que lhe aplicar um rótulo falaria
valores e sentimentos, rituais, instituições, objetos de constructuvist structuralism ou de structuralism
e costumes que circundam a vida individual e constructuvist, tomando a palavra estruturalismo
coletiva da sociedade. Portanto, ao “„viver‟ uma no sentido daquele que lhe é dado pela tradição
determinada cultura, estaremos reproduzindo-a, saussuriana e lévi-straussiana.
reinterpretando-a e transformando-a “(CHAIM O texto assinala para a perspectiva de se
JUNIOR, 2007, p. 14). tentar entender como determinados grupos
Assim, Knoblauch (2007, p.4-5) assinala que a sociais ou instituições (igreja, política, ciência,
escola, enquanto instituição é responsável por arte, esporte, educação, mídia etc) demarcavam
transmitir um conjunto de esquemas o seu “território”, na luta política pela obtenção de
fundamentais, na forma de uma “„força formadora um espaço social, caracterizado por um capital
de hábitos’, baseados numa mesma cultura”. De específico, capital cultural, “capital simbólico”,
modo que a escola teria a função de transmitir um bem como organizavam a sua identidade em
habitus cultivado, um sistema de disposição geral termos de prática social e representação.
baseado numa mesma cultura, caracterizando a Na visão do autor, a ciência social, tanto a
internalização de uma cultura, a incorporação do antropologia como a sociologia e a história, oscila
habitus, para que este produza práticas. Porém, entre dois pontos de vista, aparentemente
um mesmo habitus, por sua vez, admite práticas
incompatíveis: o objetivismo (ou fisicalismo =
diferenciadas como um produto da relação entre
o habitus e uma determinada situação física social) e o subjetivismo [psicologismo (que
conjuntural. pode tomar diversas colorações –
A noção de habitus será entendida na mesma fenomenológica, semiológica etc)]. O primeiro
dimensão que Pierre Bourdieu (1989) atribuiu ao pode tratar os fatos sociais como coisas e deixar
mesmo, considerando que tende a conformar e
de lado tudo o que eles devem-se ao fato de
orientar a ação dos indivíduos, pois, na medida
que influencia o relacionamento entre pessoas, serem objetos de conhecimento (ou de
“produz alguns produtos” que tendem à perpetuar desconhecimento) na existência social; enquanto
o costume de uma cultura. que o segundo, pode reduzir o mundo social às
Nesta direção, Setton (2002) assinala que o representações que dele fazem parte os agentes.
habitus é uma noção que auxilia a pensar as
Para o autor, ambos os momentos estão
características de uma identidade social, de uma
numa relação dialética, uma vez que se o
experiência biográfica, um sistema de orientação,
momento subjetivista está próximo quando o objetivismo tende a deduzir as ações e interações
tomamos isoladamente nas análises da estrutura, consistindo-se num erro considerar
interacionalistas, o mesmo aparece separado do as classes ou os grupos no papel como classes e
momento objetivista quando se observa a posição grupos reais.
(pontos de vista) dos respectivos agente na Assim, o erro maior, o erro teoricista
estrutura. encontrado em Marx, consistiria em tratar as
Dessa forma para romper com esta oposição classes no papel como classes reais, em
concluir, da homogeneidade objetiva das
artificial, que se estabeleceu entre as estruturas e condições, dos condicionamentos e, portanto
as representações, é preciso, antes, romper com das disposições, que decorre da identidade de
o modo de pensamento substancialista que leva a posições no espaço social, a existência
enquanto grupo unificado, enquanto classe.
não reconhecer nenhuma outra realidade, além (p. 156)
das que se oferecem à intuição direta na
Como saída, a noção de espaço social
experiência cotidiana dos indivíduos e grupos.
permitiria escapar à alternativa do nominalismo e
Mas há uma grande probabilidade de que o do realismo em matéria de classes sociais, dado
espaço, isto é, as relações, escape ao leitor,
que somos nós que construímos o espaço social.
apesar do recurso a diagramas (e a analise
Em outros termos, através da distribuição das
fatorial): de um lado, porque o modo de
propriedades, o mundo social apresenta-se,
pensamento substancialista é mais fácil, mais
objetivamente, como um sistema simbólico
“natural”; e, depois, porque, como muitas
que é organizado segundo a lógica da
vezes acontece, os meios que se é obrigado a
diferença, do desvio diferencial. O espaço
empregar para construir o espaço social e
social tende a funcionar como um espaço
para torná-lo manifesto podem esconder os
simbólico, um espaço de estilos de vida e de
resultados que eles permitem alcançar. Os
grupos de estatuto, caracterizados por
grupos que se devem construir para objetivar
diferentes estilos de vida.
as posições que eles ocupam escondem estas
posições, (...). Assim, a percepção do mundo social é
produto de uma dupla estruturação: do lado
É possível, a esta altura da exposição,
objetivo, ela é socialmente estruturada porque
comparar o espaço social a um espaço
as propriedades atribuídas aos agentes e
geográfico no interior do qual se recortam
instituições apresentam-se em combinações
regiões. Mas este espaço é construído de tal
com probabilidades muito desiguais: assim
maneira que quanto mais próximos estiverem
como os animais com penas têm mais
os grupos ou instituições ali situados, mais
possibilidades de ter asas do que os animais
propriedades eles terão em comum; quanto
com pêlo, (...). Do lado subjetivo, ela é
mais afastados menos propriedades em
estruturada porque os esquemas de
comum eles terão (BOURDIEU, 1989, p. 154 –
percepção e apreciação, em especial os que
o grifo é nosso).
estão inscritos na linguagem, exprimem o
No geral, o autor conclui que o mal entendido, estado das relações de poder simbólico:
na leitura das análises que propõe, resulta do fato penso, por exemplo, nos pares de adjetivos:
de que as classes, no papel, correm o risco de pesado/leve, brilhante/apagado, etc. (p. 160-
161)
serem aprendidas como grupos reais. O espaço
social está construído de modo que os agentes, Neste contexto encontramos também as lutas
que ocupam posições semelhantes ou vizinhas, simbólicas, envolvendo a apreensão da
estão colocados em condições semelhantes e percepção do mundo social no âmbito do lado
submetidos a condicionamentos semelhantes, objetivo - relacionadas a ações de representação
podendo-se produzir práticas também individual e coletiva destinadas a mostrar e a
semelhantes. fazer valerem determinadas realidades como o
De fato, as distâncias sociais estão inscritas manifesto de um grupo, buscando a sua
nos corpos, ou, mais precisamente na relação visibilidade e/ou ao nível individual, visando a
com o corpo, com a linguagem e com o tempo apresentação de si, a manipulação da imagem de
(outros aspectos estruturais da prática que a
si e, sobretudo, de sua posição no espaço social
visão subjetivista ignora).
– e do lado subjetivo – tentando mudar as
Se acrescentarmos que esse sense of one´s categorias de percepção e apreciação do mundo
place, bem como as afinidades de Habitus
social, as estruturas cognitivas e avaliatórias: as
vividas como simpatia ou antipatia, estão na
origem de todas as formas de cooptação – categorias de percepção, os sistemas de
amizades, amores, casamentos, associações, classificação (as palavras, os nomes que
etc. – logo, de todas as ligações duráveis e às constroem a realidade social).
vezes juridicamente sancionadas, Essas lutas simbólicas, tanto as lutas
perceberemos que tudo nos leva a pensar que individuais da existência cotidiana como as
as classes no papel são grupos reais, e tanto lutas coletivas e organizadas da vida política,
mais reais quanto mais bem construído for o têm uma lógica específica que lhes confere
espaço e menores unidades recortadas nesse uma autonomia real em relação às estruturas
espaço. (p. 155) em que estão enraizadas. Pelo fato de que o
capital simbólico não é outra coisa senão o
Pondera-se que, assim como o subjetivismo capital econômico ou cultural quando
predispõe a reduzir as estruturas às interações, o conhecido e reconhecido, quando conhecido
segundo as categorias de percepção que ele utilitaristas, with full understanding, já que a
impõe, as relações de força tendem a ação é fruto de um cálculo das possibilidades
reproduzir e reforçar as relações de força que e dos benefícios (BOURDIEU, 1989, pág. 183)
constituem a estrutura do espaço social. Em
termos mais concretos, a legitimação da A idéia de habitus foi uma proposta da
ordem social não é produto, como alguns Escolástica que ficou conhecida por tentar
acreditam, de uma ação deliberadamente conciliar a Filosofia e a Teologia nas escolas da
orientada de propaganda ou de imposição Idade Média. Esta concebia o habitus como uma
simbólica; ele resulta do fato de que os disposição estável para se operar numa
agentes aplicam às estruturas objetivas do determinada direção, num processo de repetição,
mundo social estruturas de percepção e visando criar uma certa naturalidade entre sujeito
apreciação que são provenientes dessas e objeto na compreensão de que o hábito deveria
estruturas objetivas e tendem por isso a
perceber o mundo como evidente (p. 163).
se constituir na segunda dimensão do homem.
Decorrente desta compreensão reinterpreta-
Desse modo, as relações objetivas de poder se a noção de habitus, colocando que este se
tendem a se reproduzir nas relações de poder apresenta como disposição estável para operar
simbólico, bem como na luta simbólica pelo numa determinada direção. De modo que através
monopólio da nominação legítima, produção do da repetição, conseqüentemente, cria-se certa
senso comum, pois os agentes investem o capital naturalidade entre sujeito e objeto dando o
simbólico que adquiriram e que pode ser sentido de que o hábito se tornava uma segunda
juridicamente garantido, como os títulos escolares dimensão do homem, o que efetivamente
– títulos de propriedade simbólica que dão direito assegurava a realização da ação considerada.
às vantagens de reconhecimento. Se o mundo social tende a ser percebido
A legalização do capital simbólico confere a como evidente e a ser apreendido para
uma perspectiva um valor absoluto, universal, empregar os termos de Husserl, segundo
livrando-a assim da relatividade que é uma modalidade dóxica, é porque as
inerente, por definição, a qualquer ponto de
disposições dos agentes, o seu habitus,
vista, como visão tomada a partir de um ponto
particular do espaço social. isto é, as estruturas mentais através das
quais eles apreendem o mundo social,
Há um ponto de vista oficial, que é o ponto de são em essência produto da
vista das autoridades e que se exprime no interiorização das estruturas do mundo
discurso oficial. Esse discurso, (...), preenche
social. (BOURDIEU, 1989, p 158).
três funções: em primeiro lugar, ele opera um
diagnóstico, (...), um ato de conhecimento que As estruturas sociais e as estruturas mentais
obtém o reconhecimento e que, com muita perpassam todo este processo, abarcando de um
freqüência, tende a afirmar o que uma pessoa lado o objetivismo e de outro o subjetivismo. Dito
ou uma coisa é, e o que ela é universalmente,
de outra forma se pode colocar que há uma
para qualquer homem possível, logo,
objetivamente. (...). Em segundo, o discurso correspondência entre as estruturas sociais e as
administrativo, através das diretivas, ordens, estruturas mentais, entre as divisões objetivas do
prescrições, etc., diz que as pessoas têm de mundo social – dominantes e dominados nos
fazer, considerando o que elas são. Em diferentes campos – e os princípios de visão e
terceiro, ele diz o que as pessoas realmente divisão que os agentes lhes aplicam (BOURDIEU,
fizeram, como nos relatórios oficiais. (p. 164) 1991, p. 113).
Enfim, o que se tem é, de fato, um jogo em Na análise de exploração das estruturas
que o poder simbólico tem o poder de fazer cognitivas (construtivista) os agentes investem
grupos e está fundado na posse de um capital nas ações e representações pelas quais
simbólico, sendo este considerado uma espécie constroem a realidade social; enquanto que nas
de crédito (poder atribuído àqueles que obtiveram estruturas sociais (estruturalista), estruturas
reconhecimento). Depois há a eficácia simbólica objetivas, a contribuição está na análise dos
que depende do grau em que a visão proposta esquemas de percepção, de apreciação e de
esta alicerçada na realidade. Entretanto, toda ação que os agentes, alunos, assim como
esta proposta e as premissas que orientam o professores, põem em ação em seus julgamentos
trabalho do autor desembocam-se em dois e suas práticas. Posto de outro modo, o
pontos centrais de sua reflexão, a noção de discernimento decorrente desse processo aponta
habitus e a compreensão de campo. para a operação de um habitus, Isto é, de
esquemas geradores de classificações e de
A noção de habitus práticas classificáveis. Portanto, o habitus está
Uma das funções maiores da noção de
habitus consiste em descartar dois erros vinculado geneticamente e também
complementares nascidos da visão estruturalmente a esquemas, forma incorporada,
escolástica: por um lado, o mecanicismo, que e a uma tomada de posição prática sobre este
sustenta que a ação é o efeito mecânico da espaço. (BOURDIEU, 1991, p. 114).
coerção por causas externas; por outro lado, o A idéia de habitus se apresenta para Bourdieu
finalismo, que, em particular com a teoria da (1989, 1990a, 1994a, 1994d, 1994e), bem como
ação racional, sustenta que o agente atua de em estudiosos de seu trabalho (ORTIZ, 1994;
forma livre, consciente, e, como dizem alguns WACQUANT, 2007a, 2007b, entre outros) como
um sistema de esquemas para a elaboração de (...) o campo das práticas esportivas é o lugar
práticas concretas, uma espécie de gramática de lutas, pois entre outras coisas disputam o
das ações que serve para diferenciar uma classe monopólio de imposição da definição legitima
de outra no terreno social. da prática esportiva e da função legitima da
atividade esportiva, amadorismo contra
Para o autor, pode-se considerar o habitus profissionalismo. No geral este campo está ele
como aquilo que se adquiriu, mas que se também inserido no campo das lutas pela
encarnou de modo durável no corpo sob a forma definição do corpo legitimo e do uso legitimo
do corpo, lutas que além de oporem entre si,
de disposições permanentes. Habitus seria algo
treinadores, dirigentes, professores de
“potencialmente gerador”, “um produto dos ginástica e outros comerciantes de bens e
condicionamentos” que tende a reproduzir a serviços esportivos, opõem também os
moralistas... (BOURDIEU, 1983, p. 142),
lógica objetiva dos condicionamentos, mas
fazendo-a sofrer uma transformação. Para Bourdieu (1983, 1989) um “campo” se
Bourdieu (1983, 1989, 1990a, 1990b, 1994b, legitima no exercício de determinadas práticas
1994e) considera que o habitus tende a sociais que formam também um “habitus” em
conformar e orientar a ação, mas, na medida em função de um “capital simbólico” que é obtido
que é produto das relações sociais, ele tende a através de lutas políticas na demarcação de seu
assegurar a reprodução dessas mesmas relações território. Porém, o “campo” é definido como um
objetivas que o engendraram. A interiorização, espaço social de relações objetivas, pois...
Os campos se apresentam à apreensão
pelos atores, dos valores, normas e princípios
sincrônica como espaços estruturados de
sociais assegura, dessa forma, a adequação posições (ou de postos) cujas propriedades
entre as ações do sujeito e a realidade objetiva dependem das posições nestes espaços,
da sociedade como um todo (BOURDIEU, 1989, podendo ser analisadas independentemente
1994b, 1996; ORTIZ, 1994; WACQUANT, 2007b). das características de seus ocupantes (em
Trata-se de uma disposição estável para se parte determinadas por elas) (BOURDIEU,
operar numa determinada direção. Através da 1983, p. 89).
repetição, conseqüentemente, cria-se certa Dessa forma, o autor chega à noção de
naturalidade entre sujeito e objeto dando o campo, como sendo o espaço onde as posições
sentido de que o hábito se tornava uma segunda dos agentes se encontram a priori fixadas. O
dimensão do homem, o que efetivamente campo se define, assim, como o locus onde se
assegurava a realização da ação considerada. trava uma luta entre os atores sociais em torno de
De modo que habitus se define como um interesses específicos que caracterizam a área
sistema de disposições duráveis e transponíveis, em questão. É um espaço onde se manifestam as
estruturas estruturadas dispostas a funcionar relações de poder, sempre a partir do “capital
como estruturas estruturantes, como princípios social” dos agentes que estão em dois pólos:
geradores e organizadores de práticas e de dominantes e dominados. Dentro dessa
representações que podem ser objetivamente perspectiva resolve-se o problema da adequação
adaptadas a seu propósito. entre ação subjetiva e objetividade da sociedade,
Dessa forma, entender o habitus como um uma vez que todo ator age no interior de um
conjunto de disposições, decorrentes das campo socialmente predeterminado.
estruturas sociais, preparadas para a ação Bourdieu dedica grande parte de seu trabalho
significa falar numa dimensão prática, num conceituando o que denomina campo de
sentido prático que apela para um domínio de produção de bens culturais e simbólicos,
conhecimento pré-reflexivo, pois o agente orienta identificando-os abstratamente na sociedade
sua ação no mundo sem pensá-lo. Portanto, enquanto espaços portadores de
trata-se de uma hipótese construída no papel. especificidades: campo escolar, campo
No geral, o habitus pode ser considerado científico, campo artístico, campo político,
campo jornalístico etc.
como uma sociologia genética das disposições
relacionadas ao agir, sentir, acreditar e pensar e Os campos possuem traços estruturalmente
equivalentes ou determinados homologias
de suas atualizações com a tarefa de ultrapassar
estruturais e funcionais que lhes proporcionam
a oposição entre sociedade e individuo (LAHIRE, identificação. Entretanto, possuem
2002a). especificidades, objetivos e determinadas
características que são inerentes e irredutíveis
A compreensão de campo (espaço a outros campos. Há em cada um dos agentes
social) (profissionais, grupos e instituições) que se
Bourdieu (1983, 1989, 1990b, 1994c, 1994d, movimentam desenvolvendo ações e práticas
1994e) chega à noção de campo, como sendo o sociais e produzindo capital de diferentes
espaço onde as posições dos agentes se espécies e graus de legitimidade.
encontram a priori fixadas. O campo se define, Os agentes, no interior de cada campo e
assim, como o locus onde se trava uma luta entre externamente, vivenciam divergências,
os atores em torno de interesses específicos que conflitos e consensos, tendo como
caracterizam a área em questão. Por exemplo: fundamento o quantum de capital simbólico
conquistado ou acumulado historicamente. O
capital simbólico, como aponta Bourdieu, é
uma espécie de crédito, refere-se ao poder – A cada campo corresponde um habitus (sistema
atribuído àqueles que obtiveram de disposições incorporadas) próprio do campo (por
reconhecimento suficiente para ter condições exemplo o habitus da filologia ou o habitus do
de impor reconhecimento (CANESIN, 2002, p. pugilismo). Apenas quem tiver incorporado o habitus
97). próprio do campo tem condição de jogar o jogo e de
acreditar n(a importância d)esse jogo.
Dessa forma, o campo deve ser entendido
enquanto espaço objetivo de um jogo, um lugar – Cada agente do campo é caracterizado por sua
de luta onde se manifestam e se definem as trajetória social, seu habitus e sua posição no campo.
relações de poder. No interior de cada campo – Um campo possui uma autonomia relativa: as
estão reservados espaços para os dominantes lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o
seu resultado nas lutas (econômicas, sociais,
(aqueles que possuem um máximo de capital
políticas...) externas ao campo pesa fortemente sobre a
social) e para os dominados (ausência do capital questão das relações de força internas.
específico que define o campo). Assim, a
A teoria dos campos dá continuidade a uma longa
estrutura de um campo tende a se definir pela
tradição de reflexões sociológicas e antropológicas
conservação ou subversão da estrutura de sobre a diferenciação histórica das atividades ou
distribuição do capital específico ou simbólico. das funções sociais e sobre a divisão social do
Sobre o assunto Lahire (2002b, p.47-48) nos trabalho. (grifos nossos)
apresenta uma síntese muito clara com relação a
Na área da educação física Cesana (2005)
compreensão de campo de Bourdieu, com base
lembra que é o caso específico daquilo que
nas obras “Quelques propriétés des champs”
chamamos de “profissão” que tem como
(1980) e “Le champ littéraire” (1991) ao assinalar
referência um corpo organizado de conhecimento
que:
e como princípio regulador desta autoridade o
– Um campo é um microcosmo incluído no
macrocosmo constituído pelo espaço social conhecimento científico. O interessante é que
(nacional) global. Bourdieu (1983, 1990) remete ao entendimento
de que os espaços podem ser analisados pelos
– Cada campo possui regras do jogo e desafios
específicos, irredutíveis às regras do jogo ou aos
espaços estruturados de posições ou postos que
desafios dos outros campos (o que faz “correr” um podem, por sua vez, ser analisados
matemático – e a maneira como “corre” – nada tem a independentemente de seus ocupantes. Este
ver com o que faz “correr” – e a maneira como “corre” – procedimento identifica a escolha pelo referencial
um industrial ou um grande costureiro). do autor para abordar construções sociais, como
– Um campo é um “sistema” ou um “espaço” as profissões, pois em Bourdieu a estrutura social
estruturado de posições. é definida pelas profissões e os capitais a elas
– Esse espaço é um espaço de lutas entre os associados.
diferentes agentes que ocupam as diversas posições. Por último, para entender o pensamento de
Bourdieu em relação às construções sociais
– As lutas dão-se em torno da apropriação de um
capital específico do campo (o monopólio do capital surge o termo illusio com um conhecimento
específico legítimo) e/ou da redefinição daquele pautado no fato de se ter “nascido dentro do
capital. campo” ou “do jogo” (filho de jogador de futebol
– O capital é desigualmente distribuído dentro do
que quer se tornar jogador).
campo e existem, portanto, dominantes e dominados. A illusio
O illusio é uma espécie de conhecimento
– A distribuição desigual do capital determina a
baseado no fato de ter nascido dentro do jogo,
estrutura do campo, que é, portanto, definida pelo
de pertencer ao jogo pelo nascimento: dizer
estado de uma relação de força histórica entre as
que conheço o jogo desse modo significa que
forças (agentes, instituições) em presença no campo.
o tenho no sangue, no corpo, que ele joga em
– As estratégias dos agentes entendem-se se as mim sem mim; um pouco como quando meu
relacionarmos com suas posições no campo. corpo responde a um pontapé antes mesmo
– Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a de eu o ter percebido enquanto tal.
oposição entre as estratégias de conservação e as (BOURDIEU, 1989b, p. 44 apud LAHIRE,
estratégias de subversão (o estado da relação de 2002b, p.51).
força existente). As primeiras são mais freqüentemente
as dos dominantes e as segundas, as dos dominados
Entretanto também é possível viver num
(e, entre estes, mais particularmente, dos “últimos a universo sem ser totalmente possuído por ele,
chegar”). Essa oposição pode tomar a forma de um pela illusio específico desse universo, sem entrar
conflito entre “antigos” e “modernos”, “ortodoxos” e em concorrência, sem desenvolver estratégias de
“heterodoxos”… conquista do capital específico desse universo.
– Em luta uns contra os outros, os agentes de um Por exemplo: participar de um universo como
campo têm pelo menos interesse em que o campo praticante amador, simples consumidor ou na
exista e, portanto, mantêm uma “cumplicidade qualidade de simples participante na organização
objetiva” para além das lutas que os opõem. material desse universo, sem participar
– Logo, os interesses sociais são sempre diretamente do jogo que nele se joga, mas
específicos de cada campo e não se reduzem ao investido no interesse e na crença, numa crença
interesse de tipo econômico. compartilhada que efetiva o pertencimento a um
campo (espaço social). (LAHIRE, 2002b, PAIVA,
2003). Esta crença, segundo Cesana (2005, p.83) privilegiassem a análise de suas práticas
se traduz por interesse e investimentos que pedagógicas ou científicas. A caracterização
produzem e promovem tal jogo. Considerando: da illusio – a crença na necessidade de se
arbitrar com legitimidade as questões afetas
O investimento no jogo jogado em um
aos saberes e fazeres corporais
campo que tira seus agentes do patamar comum, pedagogizados e pedagogizáveis, escolares e
de certa indiferença, e os inclina e dispõe a não escolares - do campo da educação física,
operar com as distinções pertinentes à lógica do mostrou que as pedagogias do corpo nele
campo e; construídas ou autorizadas só o são com o
O interesse pelo jogo que valora e aval científico; o conhecimento científico que
legitima as apostas sociais nele geradas. busca discutir especificamente modos de
Portanto, a illusio é a condição original de um educação física – e não do esporte ou da
atividade física – só o podem fazê-lo a partir
campo e seu jogo, no qual ela é, ao mesmo
do olhar pedagógico (PAIVA e RON, 2003, p.
tempo, o arbitrário fundador e o produto. 59).
Desta forma, Paiva (2003) observa que o
reconhecimento da illusio na obra de Bourdieu Dessa forma, retomando o que já foi colocado,
busca identificar, pelo menos em parte, o que é a especificidade da construção do campo
capaz de dar unidade ao grupo. Para a autora... Educação Física caminha a par da constituição
“A construção da especificidade do campo da da illusio, reconhecendo-se os acordos tácitos
educação física caminha a par da constituição entre agentes e instituições sobre aquilo que
da illusio já que, para falar em campo, é merece ser disputado, produzindo os consensos
preciso que se estabeleça e se reconheça um acerca da importância do jogo, as formas
acordo tácito entre agentes e instituições legitimas de jogá-lo, produzindo a identidade
sobre aquilo que merece ser disputado, ou
seja, os consensos produzidos acerca da
social do grupo.
importância do jogo, bem como as formas No geral, há necessidade de identificar e
legítimas de jogá-lo, produzindo assim, a sistematizar a problemática que dá sentido ao
identidade social do grupo campo, o objeto da disputa e os interesses
(...) cabe observar que, no caso do específicos em jogo. O acordo tácito estabelecido
reconhecimento da illusio, trata-se de entre os jogadores, o efeito de campo na/da área,
identificar, pelo menos em parte, o que é os agentes e instituições que disputam e
capaz de dar unidade ao grupo, argüindo as disputaram a construção de legitimidade(s), as
questões que lhe são colocadas – ou as que estratégias de conservação e subversão
são por ele assumidas – como sendo suas adotadas, as formas específicas de organização
questões obrigatórias. (PAIVA e RON, 2003, e comunicação que foram/são acionadas para
p. 58-59)
instaurar/defender o monopólio da legitimidade, o
Por questões obrigatórias se entende aquela habitus que permite o conhecimento e
que os homens “ilustrados”, de uma determinada reconhecimento do campo, o capital específico do
época, estão de acordo em discutir mesmo campo e os bens simbólicos que produz (PAIVA,
discordando a respeito das questões que 2003, p. 65).
discutem, pois sob uma perspectiva histórica é
possível perceber como vai se “produzindo a O Habitus profissional como hipótese
Com efeito, nada é menos natural do que o
necessidade e a crença de que é preciso delegar
modo de pensamento e de acção que é
a um grupo de especialistas o arbítrio acerca das exigido pela participação no campo político:
educações do corpo” ( p. 59). como o habitus religioso, artístico ou científico,
Sobre este assunto vai ser colocado também o habitus do político supõe uma preparação
que, das relações entre os campos, a noção de especial. É, em primeiro lugar, toda a
subcampo auxilia na compreensão desse jogo, aprendizagem necessária para adquirir o
pois... corpus de saberes específicos (teorias,
Entendemos que, de fato, a educação física problemáticas, conceitos, tradições históricas,
pode ser pensada, em parte, como um dados econômicos, etc.) produzidos e
subcampo do campo pedagógico e/ou como acumulados pelo trabalho político dos
um subcampo do campo acadêmico. Significa profissionais do presente e do passado ou das
dizer que ela pode ser analisada com base capacidades mais gerais tais como o domínio
nas formas de organização e comunicação de certa linguagem e de certa retórica política,
que articulam as práticas e representações a do tribuno, indispensável nas relações com
que movem esses campos. Entretanto, os profanos, ou a do debater, necessária nas
parece-nos que é justamente a produção de relações entre profissionais. (BOURDIEU,
uma especificidade do campo educação física 1989, p.169)
constituída na interface dessas temáticas – e O exemplo apresentado nos coloca numa
que, portanto, o faz se apropriar e ressignificar relação imediata com a questão da profissão e do
a lógica de ambos a partir de interesses que exercício profissional, envolvendo um processo
lhe sejam, ou deveriam ser, próprios – que
permite não restringi-la ou reduzi-la a um
anterior, o da iniciação, com suas provas e ritos
subcampo do campo pedagógico ou do de passagem na aprendizagem de um habitus.
acadêmico, não sucumbindo, assim à Porém, este processo de passagem exige um
facilidade de recortes definitivos que domínio prático da lógica imanente daquele
campo, bem como uma submissão de fato aos específicos que se fundam nos saberes
valores, às hierarquias e às censuras inerentes a cotidianos e no conhecimento do meio. São
este campo. saberes práticos que “incorporam-se à vivência
O conceito de habitus profissional foi utilizado individual e coletiva sob a forma de habitus e de
por Perrenoud et al (1993) para se referir às habilidades, de saber fazer e de saber ser”
rotinas construídas pelos professores ao longo de (TARDIF et al, 1991, p. 220). Para o autor os
sua trajetória, considerando que este é a saberes da experiência formam um conjunto de
“interiorização do exterior”. Para o autor o habitus representações a partir das quais os professores
profissional compõe-se de: rotinas (que o interpretam, compreendem e orientam sua
professor constrói ao longo dos seus anos de profissão e sua prática, e constituem a cultura
trabalho); momento oportuno (a utilização de docente em ação.
saberes e representações explícitas capazes de No âmbito desse processo a profissão é vista
dirigir uma ação); ação racional (utilização de como um campo (espaço social), no sentido dado
certos conhecimentos, aliados ao raciocínio por Bourdieu (1994d), marcado por uma lógica
rápido, em extrema urgência); improvisação particular, por hierarquias e por disputas, de onde
regrada (parte imprevista na ação planejada, o se torna necessário desvelar os fragmentos
agir na urgência). invisíveis da constituição de um habitus
Nesta direção Sanchotene (2006, p. 270) vão profissional, visando relativizar as imagens de
assinalar que o habitus traduz a nossa negligência e incompetência técnica que possam
capacidade de operar, de forma prática, em uma ser atribuídas aos professores.
rotina econômica sendo durável, mas não Neste contexto, Silva (2005) vai afirmar que o
estático ou eterno, bem como não é uma aptidão habitus é desenvolvido somente no e com o
natural, mas social. De modo que este habitus exercício da docência e por isso enfatiza que o
profissional, por não ser reflexivo, por estar ato de ensinar na sala de aula seria melhor
baseado na repetição, nas rotinas e por denominado por habitus ao invés do termo prática
consolidar algumas regularidades no cotidiano docente.
escolar, contribui para o desenvolvimento de um Para a autora o habitus professoral pode
currículo oculto nas aulas e nas escolas.
ser organizado por meio de um principio
Na visão de Sanchotene; Molina Neto (2006),
com base na leitura de Perrenoud et al (2001), o hologramático composto por três elementos que
professor de educação física produz rotinas mantém uma relação complexa entre si: ações
econômicas que derivam dos saberes práticos. didáticas, hexis corporal e postura. Há em cada
Em outras palavras, práticas que deram certo são elemento que o compõe “uma referência básica
incorporadas ao habitus profissional dos
comum a todos que mostra, às vezes mais
professores. Na maioria das vezes, porém, são
práticas não questionadas, ou seja, resolvem as sutilmente às vezes menos, o tipo de habitus
situações de forma imediata. Em contrapartida, professoral que o conjunto dessas reações
para que haja a conscientização do habitus organiza” (SILVA, 2007, p. 60).
profissional é necessário, entre outros aspectos,
As ações didáticas dizem respeito diretamente
tempo para a reflexão, possibilitando trazer este
ao domínio que o professor tem do conteúdo,
habitus para a consciência. Sendo assim, a
bem como o modo de ensiná-lo. Segundo a
intensificação dificulta a superação do habitus
autora, essas ações são realizadas por meio do
profissional e favorece a utilização de rotinas e de
que ela denomina discurso professoral, em que o
materiais “pré-fabricados”.
que importa é o conteúdo deste discurso. Em
Assim, ao trabalhar com a intensificação
relação à hexis corporal a autora citando
aliada ao habitus profissional torna-se possível
Bourdieu (1983) afirma que:
montar uma cena que vai de encontro ao que são movimentos corpóreos que os sujeitos
sugere Perrenoud (1993) em seu estudo sobre as que exercem uma determinada prática
possibilidades de formação de novo habitus laborativa realizam quando a exercem, neste
profissional. Para o autor, é necessário fazer uma caso professores/as. Esses sujeitos realizam
tomada de consciência do habitus, trazê-lo à gestos e comportamentos muito parecidos,
tona, conhecê-lo: A tomada de consciência muda quase iguais, e os exercem sem que haja um
o habitus porque o combate em tempo real e na „acordo‟ consciente entre eles, mas esses
situação. Deste modo, a intensificação pode ser movimentos são harmônicos quando se olha o
considerada fator que dificulta a formação de um conjunto desses sujeitos na prática (SILVA,
2007, p. 66).
novo habitus profissional, influenciando as
possibilidades de mudança na prática Desta maneira, no professor, a héxis corporal
pedagógica. surge como mensageiro da qualidade profissional
Porém, sobre outra perspectiva Tardif et al daquele através da “fala corporal”, da motivação
(1991) procurando identificar e definir quais os e disposição. Vale lembrar que a héxis corporal
saberes que intervêm no habitus profissional, na nada tem a ver com a aparência física do
prática pedagógica dos professores, concluiu que professor, mas sim aos movimentos que auxiliam
os professores se utilizam, em grande medida, o seu ensino em sala de aula. E por o ultimo a
dos saberes da experiência, dos saberes postura do professor que diz respeito aos valores
que regem suas ações sociais e relacionais. esquemas de pensamento” (p. 211); o segundo
Assim, podemos dizer que a postura, nos três “envolve a necessidade de um trabalho mental a
elementos explicitados, é a que aparece de forma partir da natureza das ações realizadas e dos
mais sutil. Porém, todos estes elementos podem desafios confrontados em determinado contexto,
se manifestar simultaneamente, um sobrepondo abrangendo a consciência, isto é, um pensar
ao outro ou separadamente. sobre os motivos da sua ação, a partir do uso de
Dessa forma temos o habitus professoral que, uma sabedoria prudente” (p. 212).
de acordo com Silva (2007), é composto por Para fins de exemplificação, o professor ao
ações didáticas do docente reveladas por meio realizar a ação de um atendimento individualizado
do seu discurso professoral; pela hexis corporal a um aluno com dificuldades deixa transparecer
representada por movimentos realizados pelo naquele momento a faceta do habitus rotinizado e
professor como uma ferramenta que auxilia o seu ao pensar sobre o exercício da ação realizada, no
ensino em sala de aula e pela postura do instante em que ela está ocorrendo ou
professor manifestada através dos valores que posteriormente a ela, manifesta naquele
norteiam suas ações de um modo geral. momento a faceta do habitus reflexivo
(TOWNSEND e TOMAZZETI, 2007). Assim,
A guisa de conclusão algumas O habitus é a „gramática geradora das
questões sobre o habitus práticas‟, o sistema de esquemas que
Os primeiros trabalhos acerca do habitus orientam tanto a improvisação (na ilusão da
professoral tiveram início no fim da década de 80, espontaneidade) como a acção planificada,
sendo um re-significação desse conceito. No tanto a evidencia como a dúvida metódica,
tanto a invenção de novas estratégias como a
âmbito desses estudos outro conceito que
concretização de esquemas e receitas, tanto
influenciou na elaboração do habitus professoral as condutas inconscientes ou rotineiras como
foi a noção de experiência formulada por Edward as decisões (PERRENOUD, 1993, p. 24, grifo
Palmer Thompson, em 1981, bem como os nosso)
estudos realizados a respeito dos saberes Portanto, a importância do habitus deriva do
docentes por Maurice Tardif em 2002 (SILVA, fato de se poder “pensar e analisar um conjunto
2005). Porém, o pioneiro foi Perrenoud (1993, p. coerente de disposições subjetivas – capazes,
21) ao assinalar que “a profissão é composta por simultaneamente, de estruturar representações e
rotinas que o docente põe em acção de forma gerar práticas – como o produto de uma história”.
relativamente consciente, mas sem avaliar o seu Como o produto de uma seqüência
caráter arbitrário, logo sem as escolher e necessariamente heterogênea de condições
controlar verdadeiramente”. objetivas que define “a trajetória dos indivíduos
No dia-a-dia estes “esquemas” nas ações dos como movimento único através de campos
professores mais experientes funcionam sociais, tais como a família de origem, o sistema
eficazmente, mas não são organizados de forma escolar ou o universo profissional”. (DUBAR,
consciente. Esta falta de necessidade em 1997, p. 74).
organizar as ações conscientemente faz com que Neste contexto trabalhar com a questão da
os professores mais experientes não consigam docência em si, vinculada a compreensão dos
também mais se lembrar de que maneira suas saberes docente na trajetória de vida pessoal (e
ações pedagógicas foram fundamentadas. profissional) do professor, bem como com a
Knoblauch (2005), concordando com inferência de que esta também trás subjacente a
Perrenoud (1993), afirma que o habitus docente ela um habitus, pode nos auxiliar na
produz e regula práticas sem obediência decodificação dessa identidade.
consciente a regras, adaptando-as a seu fim, sem
o conhecimento desta finalidade. O agente social, Referências
neste caso o docente, é construído por meio de
reestruturações constantes de suas ações, ALTET. M. As competências do professor
gerando novas experiências que são integradas profissional: entre conhecimentos, esquemas de
ao seu habitus inicial. Por conseguinte, a autora ação e adaptação, saber analisar. In: PAQUAY.
coloca que mesmo que uma instituição de ensino L; et al. (Org..). Formando professores
tenha passado por diversas modificações profissionais: Quais estratégias? Quais
estratégicas de intervenção, há um conjunto de competências? Porto Alegre: Artmed, 2001. p.23-
esquemas fortemente instalado no interior da 35.
escola, denominado cultura escolar, que ao ser
incorporado pelos professores pode ser encarado BENITES, L. C. Identidade do Professor de
como facetas do “habitus docente constitutivo da Educação Física. Um estudo sobre os saberes
profissão” (p. 11). docentes e a prática pedagógica. Rio Claro,
Townsend e Tomazzeti (2007) corroborando SP: Unesp, 2007.
com o assunto, afirmam que o habitus professoral
(ou docente) é composto por dois “sub-habitus”: o BOURDIEU, P. Algumas propriedades dos
habitus rotinizado e o habitus reflexivo. O primeiro campos. In: Questões de Sociologia. Rio de
diz respeito à “constância, automatismo, porque Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 89 – 94.
não envolve a utilização consciente do uso dos