Diversidade e Inclusão
Diversidade e Inclusão
Diversidade e Inclusão
Professoras Pesquisadoras
Clarissa Bilhalva
Giovana Rodriguez
Supervisor
Cleisson Schossler Garcia
Apoio didático
Thiago Ribeiro Soares
Revisor Linguístico
André Rodrigues da Silva
Design Educacional
Verônica Porto Gayer
Design Gráfico
Verônica Porto Gayer
Diagramação
Verônica Porto Gayer
Apoio Acessibilidade
Maximira Rockemback da Porciuncula
Tecnologias de Informação
Rogério Matos
Produção audiovisual
Rogério Matos
Streaming
Daniel Porto
Fábio Nora
Tiago Louzada Teles
Apoio: SECADI-MEC
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição 4.0 Internacional
Sumário
INTRODUÇÃO 7
ROTEIRO DE ATIVIDADES 8
QUEM É NORMAL E ANORMAL? 9
PEDAGOGIA DA DIFERENÇA, EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ACOLHIMENTO NA
DIVERSIDADE E INCLUSÃO 13
DIVERSIDADE NA INCLUSÃO 15
CONSIDERAÇÕES FINAIS 24
REFERÊNCIAS 25
INTRODUÇÃO
DIVERSIDADE NA INCLUSÃO
Por fim, nós vamos pensar nas diferenças que, sendo parte de todo o
universo humano, obviamente também estão presentes na vida de pessoas com
deficiência e/ou autistas. Eu estou falando da diversidade ou diferenças que são
entendidas como pessoais (é o caso da orientação sexual e da identidade de gênero,
por exemplo), ou daquelas que são mais entendidas como sociais (é o caso da raça e
etnia).
Estas últimas costumam ser visíveis no corpo, sendo expressas na cor da
pele em conjunto com outras características e/ou fenótipos no rosto, no cabelo e
etc. Além da raça, a etnia envolve línguas, hábitos e tradições culturais que se
manifestam no dia a dia com diferentes culturas. A deficiência e o autismo são
elementos que fazem parte de todo o conjunto das diferenças que pessoas com
deficiência e/ou autistas experimentam na vida social; portanto, elas devem ser
socialmente concebidas a partir desse conjunto e não só pela deficiência e/ou
autismo.
É certo que uma criança branca que também é cega não sofrerá o racismo
que as crianças pretas e pardas, também cegas, podem sofrer, seja de forma direta
(as injúrias raciais, xingamentos e as agressões físicas motivados por raça), seja de
forma indireta pelo que chamamos de racismo estrutural - considerando o
atendimento em serviços públicos no Brasil, como as escolas, será que uma criança
com deficiência e pele negra sempre receberá o mesmo atendimento que as
crianças com deficiência e pele branca recebem?
Eu sei que esse tipo de pergunta causa estranhamento e até raiva, mas nós
precisamos entender que o mito da democracia racial é mesmo um mito (a
democracia racial não existe no Brasil). O racismo já foi e é intensamente
comprovado por pesquisas acadêmicas e/ou científicas, além das experiências reais
de quem vive os seus efeitos na pele - como pessoa negra, eu sei bem, através da
minha pele, do meu saber de pele, como a gente pode ser tratada e tratado com
(in)diferença pela cor da pele.
Nós ainda somos muito colonizadas e colonizados por modos de vida
europeus, os mesmos que foram impostos na invasão do território que hoje
chamamos de Brasil; os mesmos modos que trouxeram preconceitos de raça,
gênero e comportamento sexual, por exemplo. Basta pensar que, geralmente,
sequer imaginamos encontrar, na escola, crianças indígenas com deficiência e/ou
autistas. Certamente, os desafios seriam imensos, já que além dos nossos
preconceitos com a deficiência/neurodivergência (o capacitismo), a gente lidaria
com as “barreiras” pela diferença de língua e cultura, das formas de entender,
acolher e dialogar com a família dessas crianças, suas tradições e jeitos de aprender
e existir no mundo.
Deixando a diversidade etnicorracial, precisamos entender que
pré-adolescentes e adolescentes com deficiência e/ou autistas também
experimentam o que chamamos de puberdade, mesmo que falam isso do seu jeito
e/ou com suas diferenças. Desse modo, elas e eles podem se descobrir com uma
sexualidade, desejos e/ou identificações de orientação sexual e gênero. Contudo,
considerando os tabus que isso envolve, qual profissional da educação não teria
dúvidas se, por exemplo, um estudante de 12 fizesse uma pergunta simples,
questionando se a sua irmã, com Síndrome de Down, poderá fazer sexo quando
adulta? (VITAL, 2023, p.53).
No mais, as normas sociais que aprendemos e percebemos o mundo são tão
enraizadas e naturalizadas que nós não costumamos a pensar que pessoas com
deficiência e/ou autistas podem ser lésbicas, gays, bissexuais e transexuais
(LGBT+), tal como qualquer pessoa que sente, pensa e se experimenta nos campos
da sexualidade e dos papéis sociais de gênero (os papéis que nós consideramos
próprios de homens e de mulheres, apesar dessa divisão ser questionável).
Se a sexualidade faz parte da vida humana, as pessoas com deficiência e/ou
autistas podem sentir atração sexual, possuir necessidades afetivas e/ou vontade
de se relacionar para além das relações parentais e amizade. Desse modo, quando
achamos ou “aprendemos” (entre muitas aspas) que as pessoas com deficiência
e/ou autistas não sentem desejos ou necessidades sexuais, ou que elas sentem isso
em excesso ou de forma inadequada, isso não passa de preconceito e
desinformação. Sem falar que a sexualidade dessas pessoas também varia – por
exemplo, existem homens com autismo que são gays, mulheres cadeirantes que
são lésbicas ou pessoas com paralisia cerebral que são bissexuais (VITAL, 2023).
Por isso, quando pensamos na acessibilidade e na inclusão de pessoas com
deficiência e/ou autistas na escola, nós precisamos pensar, também, na sua
participação no que chamamos de educação sexual, considerando as suas
necessidades específicas, mas sem entender que a deficiência e o autismo são
critérios na decisão da sua participação nessas atividades. De toda forma, a
participação em quaisquer atividades escolares também não deve ser decidida
segundo o tipo de conteúdo ensinado, já que a deficiência e o autismo não elegem o
acesso do está previsto no currículo e no planejamento escolar - fazer isso seria
preconceito, capacitismo, uma situação que desrespeita o direito constitucional no
qual todas pessoas, sem exceção, devem ter acesso pleno à educação (VITAL, 2023).
Assim, o critério usado no planejamento e na participação de estudantes
com deficiência e/ou autistas, incluindo as atividades que envolvem informações
sobre sexo e sexualidade, deve ser o mesmo utilizado com todas as crianças e
adolescentes: a autonomia. É a autonomia o que garante que qualquer pessoa tenha
ou possa ter a consciência do que é sexo, a consciência do que elas querem, assim
como a consciência do que as outras pessoas querem com elas. A autonomia
permite que cada pessoa identifique o que ela mesma pensa, sente e quer, é o que
possibilita que ela faça escolhas conscientes (VITAL, 2023). Ou seja, ser pessoa com
deficiência e/ou autista não é suficiente para decidir o tipo de acesso a conteúdos
específicos na escola, já que essa decisão prevê a avaliação da autonomia,
independente da deficiência e do autismo - se a autonomia está de acordo com o
esperado para a idade e/ou com o previsto no currículo/planejamento escolar,
qualquer negativa será uma prática de exclusão.
Enquanto estudantes ditos sem deficiência ou neurotípicos tendem ao
acesso completo das atividades de uma escola, estudantes com deficiência e/ou
autistas podem ser impedidas e impedidos de ter o mesmo acesso, ressaltando as
atividades de educação sexual. Nesse sentido, é necessário que profissionais da
educação repensem o seu entendimento sobre as diferenças com relação aos temas
da sexualidade, por exemplo, considerando a diversidade que também está
presente nas pessoas com deficiência e/ou autistas (VITAL, 2023).
Nesse contexto, nós vamos revisitar aspectos da ‘educação inclusiva’, que
sendo mais inclusiva do que técnica ou especializada, considera a inclusão de todas
as pessoas, com e sem deficiência/neurodivergência, considerando as diferenças
que podem e devem compor os espaços educativos. A educação inclusiva nos
permite pensar na diversidade de raça, etnia, classe, orientação sexual, gênero e
várias outras diferenças que participam da vida social e os seus efeitos nos espaços
de educação.
Além da educação inclusiva qualificar as prátricas educativas sobre a
diversidade que existe na cultura, ela também qualifica o nosso entendimento
sobre o conjunto das diferenças que constituem uma pessoa - um garoto
adolescente pode ser autista, bissexual, negro e ser de classe média, por exemplo,
com o autismo sendo ‘uma’ das diferenças que compõem a sua identidade; esse
mesmo garoto autista, na escola, pode viver situações que ultrapassam o autismo,
bem como as práticas da educação especial, já que a sua cor de pele, sob a lógica do
racismo, também pode produz efeitos na sua socialização, assim como a sua
sexualidade aumenta as chances de sofrer bullying.
Podemos definir a ‘educação inclusiva’ como um caminho em construção e
cuja pretensão é promover e consolidar uma sociedade mais justa, solidária e apta a
garantir os direitos de todas as pessoas que vivem nela (MIRANDA, 2019). Sem
dúvida, concretizar o direito de todas, todes e todos à educação também implica em
considerar as várias formas de produzir exclusão, seja ela social, racial de gênero
ou de pessoas com deficiência e/ou autistas na sociedade e na escola (MAZZOTTA e
SOUZA, 2000 apud MIRANDA, 2019).
Incluir, portanto, também significa entender os efeitos do preconceito na
exclusão, entender como a supervalorização de pessoas brancas em relação a não
brancas (asiáticas, indígenas, pretas e pardas) fomenta o racismo (as práticas
sociais que inferiorizam, discriminam e violentam quem não atende os parâmetros
da branquitude); como o androcentrismo (a supervalorização de homens sobre as
mulheres) fomenta o sexismo, o machismo e a misoginia (práticas sociais que
inferiorizam, discriminam e violentam as mulheres pelo fato de serem mulheres).
Deve ser assim com a homofobia (a discriminação e a violência fomentadas na
supervalorização da heterossexualidade sobre as pessoas LGBT+), além da
trasnfobia (a discriminação e a violência de quem não se identifica com o
sexo/gênero imposto ao nascer, dada a supervalorização de homens que nasceram
com pênis e mulheres que nasceram com vulva/vagina).
Quando consideramos a combinação das diversas diferenças que constituem
uma pessoa, a inclusão se torna mais complexa, fazendo o acesso, a permanência e
a participação na escola ser incompatível com estratégias que consideram apenas
uma diferença na prática inclusiva; o que reduz e distorce a realidade de uma
pessoa e não resolve os desafios para a sua inclusão na educação (uma adolescente
cadeirante, lésbica e com altas habilidades não será incluída se considerarmos
somente as necessidades no uso da cadeira de rodas).
Incluir significa compreender o conjunto das diferenças que alguém
experimenta na vida social. Considerar esse conjunto significa torná-lo visível no
planejamento e execução das ações inclusivas. Dada a burocracia com que lidamos
e organizamos o trabalho nas instituições, só vai existir nesse trabalho quem ou o
que tem um nome reconhecido no sistema oficial da instituição. É o nome que torna
algo ou alguém considerável em um planejamento e, portanto, nas ações de uma
instituição como a escola. Tanto as pessoas como tudo aquilo que podemos sentir,
pensar e experimentar só existem, no sentido de ser considerável, se tiver o seu
nome ou termo legitimado na língua ou linguagem que usamos no coletivo.
Por isso, é fundamental usar os termos e os nomes que são considerados
politicamente ativos na luta por direitos e reconhecimento, não só para respeitar e
incluir as diferentes pessoas e suas experiências na vida, mas porque são com
nomes e termos que a gente se refere à vida de quem existe com a gente, se
referindo, muitas vezes, ao que pode ser sagrado à humanidade de quem
atendemos.
Vamos começar pelo autismo. Apesar de comum e não necessariamente
errado, falar que alguém “tem autismo” pode dar a entender o mesmo valor de
quando falamos que alguém tem depressão ou outro problema de saúde. Ou seja,
“ter autismo” pode transmitir a mensagem de que se trata de uma doença ou
transtorno, reforçando os aspectos médicos e clínicos em detrimento da pessoa no
espaço escolar. Por isso, os movimentos sociais e as/os ativistas problematizam
essa expressão, sugerindo que seja falado ‘pessoas autistas’, ‘crianças autistas’ e
etc., já que isso destaca a pessoa da qual se fala e não a sua características - para
saber mais, recomendo o vídeo da artista autista Amanda Beggs ((53) In My
Language - YouTube) e as obras do Professor Gustavo Henrique Rückert, da
Universidade Federal de Pelotas.
Quando pensamos nas pessoas com deficiência, essa discussão muda: são
anos falando e escutando termos como “alejado”, “especial”, “excepcional” e
“portador de deficiência”, como se a deficiência fosse uma doença ou algo a ser
portado, tal como um celular ou uma caneca. Por isso, movimentos sociais,
ativistas, profissionais e instituições reivindicam o uso do único termo
politicamente correto hoje em dia: ‘pessoas com deficiência’. Esta expressão
ressalta a pessoa antes da sua característica ou diferença frente ao conjunto da rede
de papéis ocupacionais que essas pessoas (re)produzem (mulher, pai, trabalhador,
religiosa, ativista, sobrinho, morador, etc.).
Indo para as questões etnicorraciais, falar que alguém é “índia”/“índio”
está equivocado e remete a processos de desigualdade e subalternização dos povos
originários - falas preconceituosas que nós herdamos da colonização do Brasil. A
mesma situação acontece com os termos “tribo” e “povos primitivos”, sendo mais
ético usar palavras e expressões como indígena, aldeia, comunidade indígena e
povos originários.
As palavras ‘negro’ e ‘negra’ podem ser pejorativas ou ofensivas em alguns
lugares do mundo, como os Estados Unidos. Mas essas palavras são politicamente
corretas no Brasil, se referindo à raça que, como já sabemos, não é biológica e sim
social. Negra e negro são palavras que remetem ao conjunto de pessoas que se
reconhecem e se autodeclaram com esta identidade racial, ou seja, as palavras
negra e negro, enquanto raça, se referem ao conjunto formado por pessoas com a
cor de pele preta e parda. Contudo, quando pensamos na legalidade dos direitos,
precisamos entender que nem toda pessoa que se reconhece e se autodeclara como
negra será entendida como sujeito de direito no contexto das leis.
Como exemplo, temos as cotas raciais nas universidades públicas e nos
concursos públicos, garantindo a reserva de vagas a pessoas pretas e pardas que,
independente de como se reconhecem e se autodeclaram, precisam ser assim
reconhecidas terceiros (para assumir essas vagas, precisam ser deferidas pela
banca de heteroidentificação racial). Ou seja, se reconhecer e se declarar como
negra/negro não significa, necesariamente, o direito legal de usar ações
afirmativas de reparação história e justiça social - segundo a Portaria Normativa
Nº 4/2018 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, tem direito
quem possuir um conjunto de fenótipos específicos (cor de pele, marcadores
faciais, cabelo e/ou etc.), independente do parentesco (ascendência/descendência)
e da autodeclaração. Esse assunto é importante, já que existem cotas mistas, como
as que se destinam a pessoas com deficiência e/ou autistas que também são negras
ou indígenas, egressas de escola pública (as cotas do grupo L10).
Sobre o gênero, atualmente debatemos a exclusividade do modelo binário de
gênero que concebe as identidades que entendemos como homem e mulher. Esse
modelo binário homem-mulher, portanto, não reconhece as pessoas que se
identificam de outra forma, como as pessoas não binárias que, sendo assim, não
são homem nem mulher - são um gênero à parte ou não possuem necessariamente
um gênero. A palavra ‘todes’, usada neste caderno, se refere ao gênero neutro,
dando visibilidade e incluindo as pessoas não binárias na nossa língua (falada e
escrita). Além disso, vocês devem ter notado que esse caderno de estudos não usa a
padronização no masculino quando se refere ao conjunto de seres humanos
(homens, mulheres, etc.), como orienta a norma culta da língua. É o que nós
chamamos de linguagem inclusiva de gênero, algo que dá visibilidade às mulheres
na escrita, conforme tem sido reivindicado por ativistas e movimentos sociais que
combatem a desigualdade de gênero.
Falando em gênero, nós sabemos que se trata de um fenômeno social. Logo,
o gênero de uma pessoa não necessariamente tem a ver com o seu corpo ou sua
genitália. Logo, pessoas cisgêneras ou “cis” são quelas que se identificam com o
gênero que lhes foi designado no nascer (mulheres que nascem com vulva/vagina e
homens que nascem com pênis). Pessoas transexuais ou “trans” são aquelas que
não se identificam com o gênero que receberam nascer, independente da sua
genitália - sem falar das pessoas intersexuais, que nascem com genótipos,
produção hormonal e/ou genitálias ambíguas ou diferentes de pênis e vulva/vagina
(elas já foram chamadas de “hermafrodita”, mas essa palavra é pejorativa e
inadequada hoje em dia).
Por fim, as palavras ‘gay’ e ‘homossexual’ são usadas para homens que se
sentem sexualmente e/ou amorosamente atraídos por homens, enquanto as
palavras ‘lésbica’ e ‘homossexual’ o são para as mulheres que se sentem atraídas
sexualmente e/ou amorosamente por mulheres. Nessa lógica, bissexuais são
homens e mulheres que se sentem sexualmente e/ou amorosamente atraídas e
atraídos tanto por pessoas do mesmo gênero, quanto por pessoas com o gênero
considerado oposto, assim como a palavra ‘pansexual’ é usada de forma política -
ela se refere às pessoas que amam ou se sentem atraídas por qualquer pessoa,
independente do seu sexo, gênero e orientação sexual. Não podemos esquecer da
palavra ‘travesti’, que também tem função política no Brasil, se referindo a pessoas
transexuais que se dizem travestis (o jeito correto é ‘a travesti’, com a letra A -
dizer “O” travesti, com a letra O, é pejorativo e preconceituoso).
CONSIDERAÇÕES FINAIS