(1968) DPGT PPGT Aula3 2008 08 30 Leituraobrigatoria
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Disciplina
Aula 3
LEITURA OBRIGATÓRIA
1
I. Histórico e objetivo das propostas sobre o Tribunal do Júri
É difícil falar do Tribunal do Júri sem provocar discussões acaloradas, a começar pela
própria existência do tribunal popular. Esta, contudo, é uma questão que, deliberadamente, não
será analisada no presente trabalho. Até mesmo porque o direito ao julgamento pelo Tribunal do
Júri, em caso de crime doloso contra a vida, está inserido entre as garantias e direitos
individuais, sendo portanto cláusula pétrea da Constituição de 1988. Não há, pois, como abolir o
Tribunal do Júri, não significando, entretanto, não ser necessário aperfeiçoá-lo.
Com efeito, o Código de Processo Penal, desde que entrou em vigor, em 1 o de janeiro de
1942, sofreu poucas alterações na disciplina do Tribunal do Júri.1
A análise de qualquer projeto de reforma legislativa deve começar pelo levantamento dos
problemas da legislação em vigor. Sempre que pessoas de boa intenção se propõem a alterar algo
existente, inegavelmente o objetivo é aprimorar e melhorar o que já existe.
No caso do Júri, inúmeros são os problemas que tem sido apontados em relação ao
sistema atual: a demora na realização dos julgamentos; o excesso de formalismo e a prática de
atos inúteis, a demora na realização do julgamento, o grande número de processos anulados por
questões formais, entre outras. Buscando eliminar tais problemas, elaborou-se um Anteprojeto
de Lei que tem como principais objetivos agilizar e simplificar o julgamento pelo Tribunal o Júri.
A Comissão de Reforma, na elaboração do Anteprojeto sobre o Tribunal do Júri, baseou-
se, principalmente, no Projeto no 4.900, de 1995, elaborado pela Comissão de Reforma do Código
de Processo Penal que, em 1994, apresentou os seus trabalhos ao então Ministro da Justiça
Alexandre Dupeyrat, que os encaminhou à Presidência a República.
Na Comissão de 1994, a relatoria do Anteprojeto sobre o Tribunal do Júri foi atribuída a
René Ariel Dotti, tendo redundado no Projeto de Lei n o 4900, de 1995.2 Em linhas gerais, a nova
Comissão manteve o Projeto de 1995, com algumas alterações. 3 A elaboração do Anteprojeto a
Comissão “Pellegrini” dispondo sobre o Tribunal do Júri também teve por relator René Ariel
Dotti, que posteriormente renunciou ao encargo, sendo substitui por Rui Stoco, tanto na
1
Assim, com poucos anos de vigência do Código de Processo Penal de 1942, a Lei n o 263, de 23 de fevereiro
de 1948, alterou o art. 466, o art. 474, o parágrafo único do art 484, e o caput do art. 492.
Posteriormente, outras alterações foram realizadas pela Lei n o 5.941, de 22 de novembro de 1973,
conhecida como Lei Fleury, que modificou principalmente os efeitos da pronúncia (art. 408 e seus
parágrafos), permitindo que o acusado primário e de bons antecedentes pudesse permanecer em
liberdade, ou tivesse revogada a sua prisão cautelar; também reduzindo os prazos para os debates (art.
474). Além destas mudanças de maior abrangência, outras alterações pontuais foram realizadas pela Lei n o
6.416, de 24 de maio de 1977, que alterou a redação do art. 453, caput; pela Lei no 9.033, de 2 de maio de
1995, que alterou a redação do § 1o do art. 408; e pela Lei no 9.113, de 16 de outubro de 1995, que alterou
a redação do inciso III, ao art. 484.
2
O Projeto foi encaminhado pelo Presidente Itamar Franco para a Câmara dos Deputados e recebeu
parecer favorável, pela aprovação, do Deputado Ibraim Abi-Ackel da Comissão de Constituição e Justiça e
de Redação. Posteriormente, já no Governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministro da Justiça Nelson
Jobim, pela Exposição de Motivos do MJ n. 237, de 16 de maio de 1996, retirou o projeto da Câmara dos
Deputados.
3
Segundo RUI STOCO (Tribunal do Júri e o Projeto de Reforma de 2001. Revista brasileira de ciências
criminais. São Paulo, no 36, out/dez. 2001, p. 197) foram as seguintes as alterações básicas, propostas pelo
próprio René Ariel Dotti: “arts. 417 (introdução do parágrafo único sobre prazo do edital); 419 ( caput e
parágrafos, para reintroduzir o libelo); arts. 420 a 422 (in totum, sobre o libelo); 423 e 424 (simples
renumeração); 425 e 426 (renumeração e nova redação); arts. 427, 428 e 429 (somente ajuste de
numeração); art. 455 (inclusão do § 2 o, para regular o prazo de ingresso do assistente do Ministério
Público); 474 (nova redação ao § 3o, para somente permitir a leitura de peças relativas às provas
irrepetíveis) e 483 (inversão entre os incs. I e II)”.
2
Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, quanto na relatoria do anteprojeto sobre o
Tribunal do Júri.
Na 11a Reunião da Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, realizada no dia 10
de outubro de 2.000, no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, foi discutido e aprovado o
Anteprojeto final sobre o Tribunal do Júri, já incorporando as sugestões feitas após os debates
públicos a que foram submetidas às primeiras versões dos Anteprojetos da Comissão de Reforma
do Código de Processo Penal.
O Anteprojeto sobre o júri, juntamente com os demais anteprojetos, foram entregues ao
Ministro da Justiça José Gregori, em 6 de dezembro de 2000. Remetidos à Presidência da
República, foram encaminhados à Câmara dos Deputados em 8 de março de 2001.4
4
Encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, teve por relator o Deputado Ibrahim
Abi-Ackel que, em 20 de dezembro de 2001, apresentou parecer pela aprovação, com uma emenda relativa
ao art. 427, nos seguintes termos: “Dê-se ao art. 427 do Projeto a seguinte redação: ‘Art. 427 – Se o
interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do Júri ou a segurança
pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público ou do acusado, ou mediante
representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca
da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferencialmente as mais próximas”.
Posteriormente, em 13 de março de 2002, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação opinou
unanimemente pela aprovação com emenda, do Projeto de Lei n o 4.203/01, nos termos do Parecer do
Relator.
3
Seria impossível analisar detalhada e exaustivamente todas as mudanças e inovações que
serão trazidas pelo Projeto de Lei no 4203/2001, devendo a exposição limitar-se aos pontos de
maior importância.
As alterações normativas serão apresentadas segundo a própria ordem dos artigos do
Código de Processo Penal de 1.942, que sofrerão alterações ou que irão inovar em relação ao
Tribunal do Júri.
Passaremos a analisar as principais alterações e inovações propostas no Projeto de Lei n o
4.203, de 2001, circunscrito ao Júri.5
No Código de Processo Penal de 1942 a primeira fase do procedimento do Júri não possui
disciplina própria. O Código traz apenas alguns dispositivos que alteram o procedimento comum
ordinário, aplicado, em linhas gerais, na fase do juízo de acusação ou de formação da culpa. 6
As principais diferenças são a inexistência de uma fase de diligências complementares,
equivalente ao art. 499; a previsão de um prazo mais dilatado – de 5 dias – para apresentação de
alegações finais (CPP, art. 406, caput), enquanto que no procedimento comum ordinário este
prazo é de 3 dias (CPP, art. 500, caput); um prazo mais exíguo, de apenas 48 horas, para que o
juiz sane eventuais nulidades e ordene diligências (CPP, art. 407), enquanto que no
procedimento comum ordinário este prazo é de 5 dias, consoante o art. 501 do Código de
Processo Penal de 1942.
O Projeto estabelece uma disciplina própria para a primeira fase do procedimento do Júri,
L, arts. 406 a 412. A nova disciplina é inspirada no procedimento comum sumário, previsto no
Projeto de Lei no 4.207, de 2001, arts. 395 a 399 e arts. 531 a 538.
As principais novidades são a introdução de uma fase prévia de admissibilidade da
acusação. Oferecida a denúncia, o juiz poderá rejeitá-la, de plano. Não sendo rejeitada a
denúncia, o acusado será citado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 dias (PL,
art. 406, caput). Em sua resposta o acusado deverá alegar tudo que seja de interesse da defesa,
oferecer documentos e justificações, especificar provas e arrolar testemunhas, até o máximo de
5 dias (PL, art. 406, § 2o). Na mesma oportunidade, o acusado também deverá argüir questões
preliminares e oferecer exceção, que será processada em apartado (PL, art. 407). Apresentada a
5
Em 2002 foi criada uma Comissão Mista Temporária no Senado destinada a, “no prazo de 60 dias, levantar
e diagnosticar as causas e efeitos da violência que assola o País, ouvindo-se, para tanto, Governadores de
Estados, Secretários de Segurança Pública, Comandantes das Polícias Civis e Militares, Diretores de
Presídios e outros especialistas e autoridades ligados à área e requisitando-se cópia de todas as
proposições em tramitação em ambas as Casas, para consolidá-las em uma única proposta de emenda à
Constituição ou em um único projeto de lei, conforme o caso, com vista a uma tramitação em ritmo
acelerado tanto na Câmara como no Senado”. Esta comissão, por iniciativa do Deputado Luiz Antonio
Fleury Filho, apresentou Projetos de Lei de Reforma ao Código de Processo Penal. Salvo pouquíssimas
exceções, os projetos apresentados são idênticos aos Projetos elaborados pela Associação dos Membros do
Ministério Público – CONAMP, a título de sugestão de alteração dos Projetos de Lei apresentados pelo
Governo Federal. Especificamente com relação ao Tribunal do Júri, foi apresentado o Projeto de Lei n o
7.130, de 2002. Ao longo da presente análise, este Projeto, que representa uma “segunda via” à Reforma
do Tribunal do Júri, será confrontado com o Projeto de Lei 4.203, de 2001, nos aspectos em que haja
divergência relevante entre ambos.
6
A sistemática atual é mantida pelo Projeto de Lei n o 7130, de 2001, da Comissão Mista de Segurança
Pública, (art. 406 e 407) que mantém para o iudicium accusationis a aplicação do procedimento comum
ordinário.
4
defesa, sobre ela será ouvido o Ministério Público ou o querelante, no prazo de 5 dias (PL, art.
409). Passa-se então para a instrução, que deverá se iniciar no prazo de 10 dias (PL, art. 410). O
novo procedimento prevê a realização de audiência una, na qual deverão ser ouvidos: o
ofendido, se possível, as testemunhas de acusação, as testemunhas de defesa, destacando que,
após tais oitivas, poderá haver esclarecimentos orais dos peritos, acareações e reconhecimento
de pessoas ou coisas, se necessário; por último, proceder-se a ao interrogatório do acusado (PL,
art. 411, caput).7 Encerrada a prova, passa-se aos debates orais, concedendo-se a palavra
primeiro para a acusação e depois para a defesa, pelo prazo de 20 minutos, prorrogáveis por
mais 10 minutos (PL, art. 411, § 3o).
De se observar que, durante todo o procedimento acima descrito, ainda não houve o
recebimento da denúncia, que somente ocorrerá caso o juiz entenda que o acusado deve ser
pronunciado (PL, art. 413, caput).8
Da mesma forma que em relação ao Projeto sobre o procedimento sumário, há previsão
de que o procedimento atinente ao Júri deverá estar concluído no prazo máximo de 90 dias (PL,
art. 412). A novidade certamente fará surgir a questão acerca do excesso de prazo para os
processo em que o acusado esteja preso cautelarmente, não deixando de ser um avanço a
previsão de um prazo fixo para o término do procedimento. Na disciplina legal proposta, o termo
inicial deste prazo, não suscitará dúvidas, começando com o oferecimento da denúncia. Já com
relação ao dies ad quem, poderá surgir divergência: será o dia da audiência una de instrução e
debates, ou será o ato final do juízo de admissibilidade, que poderá consistir na pronúncia,
impronúncia ou absolvição sumária? Entendemos correta a primeira posição, principalmente
quando comparamos este procedimento com o procedimento sumário projetado. No
procedimento sumário, embora também exista a previsão de conclusão em 90 dias (PL n o 4207,
de 2001, art. 537), a audiência é de instrução, debates e julgamento, devendo o juiz proferir
sentença oral, na própria audiência (PL n o 4207, de 2001, art. 534, caput). Já a primeira fase do
procedimento do Júri, a disciplina é diversa, sendo a audiência apenas de instrução e debates,
não havendo previsão de prolação de decisão quanto ao juízo de admissibilidade da acusação.
Assim, concluída a instrução no prazo de noventa dias, o juiz terá 10 dias, nos termos do art.
800, inc. I, do Código de Processo Penal de 1942, para proferir a decisão de pronúncia, a
sentença de impronúncia ou a sentença de absolvição sumária, podendo o prazo ser duplicado,
na hipótese do § 3o, do mesmo artigo.9
7
Como facilmente se percebe, trata-se de disciplina bastante semelhante à da audiência do procedimento
sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais, prevista no art. 81, da Lei n o 9.099/95, principalmente no
que toca a realização do interrogatório após a produção de toda a prova, ressaltando o caráter de
autodefesa deste ato.
8
Analisando o Projeto, STOCO (Tribunal do Júri ..., p. 214) destaca que “no sistema atual a denúncia é
recebida sem a participação do acusado e sem lhe permitir uma defesa preliminar ou initio litis,
reiterando a possibilidade de demonstrar a sua improcedência. Ora, tal ofende comezinhos princípios
constitucionais. Ademais, o constrangimento e o dissabor de um processo é, o mais das vezes, mais
nocivo, ofensivo, constrangedor e danoso do que a própria condenação”. Embora a análise esteja
absolutamente correta, é de observar, contudo, que embora o novo procedimento estabeleça a
possibilidade de uma defesa verdadeiramente prévia, antes do recebimento da denúncia, esta somente se
dará ao término do procedimento, após inclusive a audiência de instrução. Assim, todo o constrangimento
e o dissabor serão sentidos pelo acusado, da mesma forma, tendo inclusive que ser interrogado. Somente
do ponto de vista formal, ou quiçá meramente terminológico, não haverá tal constrangimento. Poderia o
acusado dizer: apresentei defesa, aleguei preliminares, arrolei testemunhas, acompanhei a oitiva das
testemunhas de acusação e de defesa, fui interrogado e apresentei alegações orais, mais não sofri
qualquer constrangimento, pois ainda não há denúncia recebida contra mim! De se lembrar, ainda, que no
Projeto de Lei no 4.207, de 2001, no procedimento comum, tanto ordinário quanto sumário, o juízo de
admissibilidade é, em regra, prévio à audiência de instrução.
9
O art. 800, § 3o, do CPP, estabelece que “em qualquer instância, declarando o motivo justo, poderá o juiz
exceder por igual tempo os prazos a ele fixados neste Código”.
5
III.2. Pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação
III.2.1. Pronúncia
10
A mesma alteração constava do Projeto n o 4.900, de 1.995, que alterava a redação do art. 408, caput. Já
o Projeto de Lei 7.130, de 2002 mantém a fórmula atual (art. 408), inovando apenas na inclusão da
menção à participação.
11
Segundo VICENTE GRECO FILHO (Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 360) “prova da
existência do crime significa convicção de certeza sobre a materialidade, ou seja, exemplificando no
homicídio, certeza sobre a ocorrência da morte não-natural, provocada por alguém”. Nesse sentido, na
jurisprudência: “deve o juiz estar convencido da existência do fato delituoso, vale dizer, de estar
comprovada a materialidade da infração” (TJSP, RSE n o 12.931-3, 4a Câm. Crim., Rel. Des. Márcio Bonilha,
j. 24.5.82, v.u., RT 572/327)
12
EDUARDO ESPINOLA FILHO (Código de Processo Penal brasileiro anotado. 6. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965,
p. 250) afirma: “verificada a prova plena da existência de um fato criminoso ...”. Também BORGES DA ROSA
(Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed. Atualizada por Angelito A Aiquel, São Paulo: R. dos
Tribunais, 1982 ..., p. 505) refere-se à “existência do fato criminoso”.
13
Para JAMES TUBENCHLAK (Tribunal do Júri: contradições e soluções. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 59)
“a prova da existência do crime – o corpo de delito – deve ser cabal, fora de dúvida”.
14
A doutrina tem entendido que não bastam meras conjecturas ou tênues indícios, ADA PELLEGRINI GRINOVER
(O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 357), fundada em ampla
doutrina, conclui que os “indícios hão de ser ‘graves, precisos e concordes’; ‘convincentes, veementes,
vinculando por elo racional a autoria do fato a determinada pessoa mediante circunstância da qual se
infira logicamente o nexo de causalidade’; ‘pela sua força e precisão, capazes de determinar uma só e
única conclusão: a de que não foi outro senão o indiciado o autor ou cúmplice do fato criminoso’”. De
qualquer forma, embora se exija um conjunto probatório que indique com alto grau de probabilidade que
foi o acusado o autor do delito, certamente não se exige a certeza da autoria.
6
no regime vigente, se o juiz não se convencer da existência de “indício suficiente de autoria”
deverá impronunciar o acusado (CPP, art. 409, caput). Assim, a contrário senso, a pronúncia
exige, na sistemática atual, “indícios suficientes de autoria”.15
De outro lado, andou bem o Projeto ao incluir a expressão alternativa “ou de
participação”. Efetivamente, quando se trata de acusação em relação ao partícipe de um crime
doloso contra a vida, a pronúncia deve trazer indício suficiente de que participou do crime e não
de que ele seja o seu autor, figurando diversas condutas entre o partícipe e do autor, no
concurso de pessoas.
Com relação à natureza do ato processual, do ponto de vista conceitual, é correta a
substituição da expressão “sentença de pronúncia” (CPP, art. 416) por “decisão de pronúncia”
(PL, art. 421).16 A pronúncia constitui decisão e não sentença, posto que não põe fim ao
processo, mas apenas a uma fase do procedimento. 17 Em conseqüência, o Projeto de Lei n o
4203/2001 não mais utiliza a expressão “passada em julgado a sentença de pronúncia” (art.
416), substituindo-a por “preclusa a decisão de pronúncia” (PL, art. 421, caput e § 1o).18
Por fim, na disciplina da decisão de pronúncia, há mudança quanto à motivação de tal ato
decisório. O Código de Processo Penal de 1942, no art. 408, caput, determina, de forma
genérica, que o juiz deverá pronunciar o acusado “dando os motivos de seu convencimento”. Já
o Projeto estabelece que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da
materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação” (art.
413, § 1o, primeira parte).19 A princípio, poderia parecer que a alteração seria prejudicial na
medida em que limitaria a fundamentação. Contudo, a razão de ser do dispositivo é evitar que a
15
Cf. BORGES DA ROSA. Comentários ..., p. 506.
16
No Anteprojeto de Código de Processo Penal de autoria de José Frederico Marques, o art. 698, inc. II,
referia-se à “decisão de pronúncia”. Da mesma forma, o art. 583, caput, do Projeto n o 1.533, de 1983, e o
art. 408, parágrafo único, do Projeto 4.900, de 1995, também utilizam a expressão “decisão de
pronúncia”.
17
Embora a Código refira-se a “sentença de pronúncia” a natureza jurídica de tal ato processual é
controvertida na doutrina. Para JOSÉ FREDERICO MARQUES (Elementos de Direito Processual Penal. Rio de
Janeiro: Forense, 1962. v. III, p. 198) trata-se de uma sentença em sentido formal e não substancial: “é
sentença processual de conteúdo declaratório, em que o juiz proclama admissível a acusação”. No mesmo
sentido, cf. MARREY, SILVA FRANCO e STOCO. Teoria e Prática do Júri, p. 257; FERNANDO DA COSTA TOURINHO
FILHO, Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. vol. 4, p. 70; JULIO FABBRINI MIRABETE. Código de
Processo Penal interpretado. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 915. No sentido de que se trata de sentença,
cf. WALTER P. ACOSTA. O processo penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Coleção Jurídica Editora do Autor, 1973, p.
457; ARY DE AZEVEDO FRANCO. Código de processo penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. vol. 2,
p. 34. No sentido de que se trata de decisão interlocutória, cf. JOSÉ FREDERICO MARQUES, A instituição do
Júri, São Paulo: Saraiva, 1963. v. I, p. 232; HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO. Júri. Procedimento e aspectos
do julgamento. Questionários. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 79; TUBENCHLAK, Tribunal do júri ..., p.
61; GRECO FILHO, Manual ..., p. 363; e RENÉ ARIEL DOTTI, Um novo Tribunal do Júri. Projeto de Lei 4.900, de
1995, In Revista de Processo, São Paulo, n. 85, jan./mar. 1997, p. 138.
18
FREDERICO MARQUES (A Instituição ..., p. 232) explica que “o art. 416 do Código de Processo Penal, ao
referir-se à sentença de pronúncia ‘passada em julgado’, incide em clamoroso erro de técnica processual”.
No mesmo sentido, TOURINHO FILHO, Processo penal, vol. 4, p. 45; e GRECO FILHO, Manual..., p. 365. Como
esclarecem MARREY, SILVA FRANCO E STOCO (Teoria e Prática do Júri, p. 269) “não obstante o art. 416 do CPP
aluda ao ‘transito em julgado da sentença de pronúncia’, o que se verifica é mera preclusão pro judicato”.
Embora o trânsito em julgado ou o “passado em julgado” não se confunda com a coisa julgada, tais
fenômenos ligam-se às sentenças e não às decisões interlocutórias, cuja estabilidade decorre da preclusão
e não da coisa julgada, razão pela qual também não transitam em julgado ou “passam em julgado”. O
Projeto, contudo, é incoerente, ao referir-se no art. 428, caput, ao “trânsito em julgado da decisão de
pronúncia”.
19
A inspiração do dispositivo foi o art. 410, do Projeto n o 4.900, de 1995, que dispunha: “a fundamentação
da pronúncia limitar-se-á à indicação dos requisitos estabelecidos no art. 408”.
7
pronúncia se transforme em verdadeira peça de acusação afirmando categoricamente a autoria
delitiva e influenciando o Conselho de Sentença, verdadeiro juiz natural da questão. Mesmo
diante da norma atual, tem se afirmado que na decisão de pronúncia a motivação deve ser
sucinta e sem profundidade,20 realizada com moderação de linguagem, e em termos sóbrios e
comedidos, sob pena de poder representar prejulgamento capaz de influir no posterior
convencimento dos jurados.21
Na verdade, sendo requisito da pronúncia a existência de indícios suficientes de autoria,
isto é, um início de prova que demonstre a probabilidade do acusado ser o autor do delito, não
poderá o juiz afirmar, categoricamente, que a prova dos autos demonstre, com certeza, que o
acusado praticou o crime. Neste caso, a decisão estará extrapolando seus limites, passando de
mera probabilidade de autoria para certeza de autoria. Porém, ainda que de forma limitada, é
necessário que a decisão seja perfeitamente motivada, valorando as provas existentes nos autos
para que se possa demonstrar a conclusão de que existem “indícios suficientes da autoria”
delitiva.22 Neste caso, não haverá qualquer prejulgamento quanto à certeza da autoria, mas
apenas julgamento sobre a existência dos indícios suficientes de autoria.
No que tange à motivação da pronúncia, a lei atual prevê apenas que o juiz declare “o
dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu” (art. 408, § 1o, primeira parte). Já o
Projeto de Lei no 4203/2001, acrescenta, ainda, que o juiz deve também “especificar as
circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena” (art. 413, § 1o). Cabe observar
que com relação às qualificadoras, sem previsão legal, o entendimento atual é no sentido de que
as mesmas já devem ser incluídas na pronúncia.23 Já com relação à outra alteração, a inclusão
das causas de aumento de pena, constitui verdadeira inovação, inclusive no sentido contrário ao
entendimento prevalecente atualmente. A previsão justifica-se, principalmente, em vista da
20
A jurisprudência é rica em julgados nos quais se afirma que: “o juiz pronunciante não deve aprofundar-se
no exame das provas” (STJ, Resp. n o 93.552/PB, 5a Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 14.4.98, v.u., RT
756/532); na pronúncia “é de todo indevida a análise aprofundada da prova” (TJSP, RSE n o 143.506-3/4, 3a
Câmara Criminal, Rel. Des. Segurado Braz, j. 26.9.94, v.u., RT 712/382); “não pode e não deve o
magistrado, ao proferir a sentença de pronúncia, fazer apreciação subjetiva dos elementos probatórios
coligidos” (TJSP, RSE no 172.527.3/7, 5a Câmara Criminal, Rel. Des. Denser de Sá, j. 10.11.94, v.u., RT
713/344); “extravasa a sua competência o juiz que, ao prolatar o despacho de pronúncia, aprecia com
profundidade o mérito, perdendo-se em estudo comparativo das provas colhidas, repudiando umas e, com
veemência, valorizando outras, exercendo atribuições próprias dos jurados” (TJMT, RSE n o 51/77, Câmara
Criminal, Rel. Des. Oscar César Ribeiro Travassos, j. 26.4.78, m.v., RT 521/439).
21
Cf. JOSÉ FREDERICO MARQUES. A Instituição do Júri. São Paulo: Saraiva, 1963. v. I, p. 232-233; ID.,
Elementos ..., v. III, p. 199-200; e MIRABETE, Código ..., p. 917. Há inúmeros julgados no sentido de que “a
sentença de pronúncia deve ser sucinta, precisamente para evitar sugestiva influência ao Júri” (STF, RHC
no 34.012, 2ª Turma, Rel. Min. Ribeiro da Costa, j. 30.01.56, v.u., RF 169/342); “os Juízes e Tribunais
devem submeter-se, quando praticam o ato culminante do judicium accusationis (pronúncia), à dupla
exigência de sobriedade e comedimento no uso da linguagem, sob pena de ilegítima influência sobre o
ânimo e a vontade dos membro integrantes do Conselho de Sentença” (STF, HC n o 68.606-1, 1ª Turma, Rel.
Min. Celso de Mello, j. 18.6.91, v.u., RT 682/393); “a linguagem e os fundamentos da pronúncia não
podem ir além do razoável, sendo defeso ao juízo adentrar em fundamentação tal que venha a influenciar
o corpo de jurados (STJ, RHC nº 4.748-GO; 5ª Turma, Rel. Min. Jesus Costa Lima; j. 16.8.1995; m.v.; DJU,
Seção I, 4.9.1995, p. 27.841); a pronúncia deve ser lançada “em termos sóbrios e comedidos a fim de não
exercer qualquer influência no ânimo dos jurados” (TJSP, RSE n o 136.505, 2a Câmara, Rel. Des. Azevedo
Franceschini, j. 24.7.78, v.u., RT 522/361) Nesse mesmo sentido: TJRG, SER no 25.380, 2ª Câmara
Criminal, Rel. Des. Ladislau Fernando Rölnelt, j. 3.9.81, v.u., RT 557/369.
22
Segundo TUBENCHLAK (Tribunal do Júri ... p. 59) “na motivação da pronúncia, o Juiz discute as provas
constantes do processo, necessariamente de modo equilibrado, ou seja, sem ficar na superfície, mas sem
aprofundar-se em demasia, proclamando apenas a existência do crime e de indícios satisfatórios de
autoria”. Para MARREY, SILVA FRANCO e STOCO (Teoria e prática do Júri, p. 261) a pronúncia não deve “sofrer
o vício da superficialidade”.
23
Nesse sentido, cf. ESPINOLA FILHO, Código..., v. IV, p. 252; MIRABETE, Código ..., p. 921.
8
supressão do libelo.24 Ausente o libelo, a pronúncia limitará a acusação em plenário e não poderá
ser formulado quesito sobre causa de aumento de pena não prevista na pronúncia. Com tal
dispositivo, preserva-se o contraditório, evitando que a defesa seja surpreendida em plenário
com a inclusão de causa de aumento de pena até então não imputada, violando-se a regra da
correlação entre acusação e a sentença.
III.2.2. Impronúncia
Com relação à impronúncia, não há alteração nas hipóteses em que o juiz deverá
impronunciar o acusado: “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de
indícios de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, rejeitará a acusação e
impronunciará o acusado” (PL, art. 414).25
Houve apenas uma mudança terminológica, com a substituição da expressão “existência
do crime” (CPP, art. 409, caput) por “materialidade do fato”.26
O Projeto de Lei no 4203/2001 corretamente supre lacuna referente à participação,
referindo-se, além da autoria, também à ausência de indícios suficientes de participação.
Mudança significativa ocorreu com relação à natureza da impronúncia. O art. 409, caput
do Código de Processo Penal de 1942 estabelece que na impronúncia o juiz “julga improcedente
a denúncia ou queixa”. É de se destacar que, no sistema de 1942, no início do iudicium
accusationis a denúncia o queixa já foram recebidas. Porém, no Projeto de Lei n o 4203/2001, até
o momento da pronúncia ou impronúncia, a denúncia ou queixa ainda não foram recebidas ou
rejeitadas. Por isso, o art. 414, caput do Projeto de Lei no 4203/2001 estabelece que, neste caso,
o juiz “rejeitará a acusação e impronunciará o acusado”. Ora, neste caso, a duplicidade de
conteúdo parece se justificar por mera tradição ou obséquio histórico. Se o juiz ainda não
recebeu a denúncia - mesmo após a instrução do iudicium accusationis – deverá simplesmente
rejeitar a denúncia.
Por fim, altera-se o recurso cabível em caso de impronúncia. No Código de Processo Penal
de 1942 cabe recurso em sentido estrito contra a impronúncia (CPP, art. 581, inc. IV), enquanto
que o Projeto de Lei no 4203/2001, partido da premissa de que a impronúncia é uma sentença,
prevê o recurso de apelação (art. 416)
28
Aliás, mesmo no regime atual GRECO FILHO (Manual..., p. 361) defende que “apesar de não haver
referência na lei, também deverá o juiz absolver sumariamente o réu se se convencer da inexistência do
fato ..., porque não tem cabimento remeter-se o processo a júri, mantendo, pois, o constrangimento do
processo se já está provado que o fato não existiu”. No mesmo sentido, cf. Bento de Faria, Código de
Processo Penal. 1942, v. 2, p. 20; BORGES DA ROSA, Comentários ..., p. 508; ESPINOLA FILHO, Código..., v. IV,
p. 280. Diversa é a posição de FREDERICO MARQUES (Elementos ..., v. III, p. 202), para quem neste caso o juiz
deve impronunciar o acusado, mas “a decisão equivalerá a verdadeira sentença absolutória, e então a
impronúncia faz coisa julgada material e torna impossível nova persecutio criminis”.
29
O exemplo é de ESPINOLA FILHO, Código..., v. IV, p. 281.
30
O Código de Processo Penal do Estado do Rio Grande do Sul, com as alterações feitas pela Lei n. 141, de
23 de julho de 1912, no art. 367, letra “b”, previa a “não pronúncia” que produzia coisa julgada, “quando
afirmar ... a não participação do indiciado no fato criminoso”. Também no Código de Processo Penal do
Estado do Piauí, o art. 256, § 3o, letra “a”, estabelecia que: “o juiz da formação da culpa absolverá in
limine o acusado ... quando estiver provado que não foi ele autor ou cúmplice do fato criminoso”.
31
Também com relação a tal hipótese, pelos mesmos motivos invocados na nota acima, GRECO FILHO
(Manual..., p. 361) defende a absolvição sumária, mesmo sem previsão expressa no CPP. Em sentido
contrário, MIRABETE (Código ..., p. 915) afirma que “as hipóteses de absolvição sumária são as previstas no
art. 411, que é taxativo. Assim, se o juiz reconhecer que o agente não participou do ilícito, negando,
portanto a autoria, a decisão é de impronúncia”.
32
Com relação à pronúncia e impronúncia, o Projeto refere-se a indícios suficientes de autoria ou de
participação (art. 413, caput, e art. 414, caput, respectivamente).
33
A alteração já havia sido proposta no art. 414, inc. II, do Projeto n o 4.900, de 1995. Cabe destacar a
posição de FREDERICO MARQUES (Elementos ..., v. III, p. 202), para quem, neste caso, o juiz deve
impronunciar o acusado, mas “a decisão equivalerá a verdadeira sentença absolutória, e então a
impronúncia faz coisa julgada material e torna impossível nova persecutio criminis”.
10
prova cabal de que B, querendo suicidar-se,s em ciência sequer de A, tomou, espontaneamente,
o veneno”.34
De se observar, porém, que exceto em relação à hipótese de absolvição sumária, por
estar provado que o acusado não foi o autor do fato, as demais inovações deverão ser de difícil
aplicação, na medida em que caracterizam casos que já autorizariam, previamente, a rejeição
liminar da denúncia, como por exemplo, no caso em que a denúncia narra um fato atípico,
impondo-se sua rejeição, nos termos do art. 43, inc. I, do Código de Processo Penal de 1942. Da
mesma forma, com relação à inexistência material do fato, a hipótese será de difícil ocorrência,
na medida em que, para o recebimento da denúncia, imprescindível será a prova da existência
do fato, sob pena de rejeição, por falta de justa causa.
Mantém-se a hipótese de absolvição sumária prevista no Código de Processo Penal de
1942, no caso e quem estiver “demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime”
(PL, art. 414, inc. IV). Contudo, o Projeto de Lei n o 4203/2001, ao dispor sobre a mesma matéria,
prevê uma exceção: o acusado não deverá ser absolvido sumariamente, caso demonstre ser
inimputável, nos termos do art. 26, caput, do Código Penal de 1984.
Comprovada a inimputabilidade decorrente de doença mental ou de desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, que torna o agente inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito de seu ato ou de determinar-se de acordo com este entendimento (CP, art. 26, caput),
cabível será a denominada absolvição imprópria, com a imposição de medida de segurança
(Código Penal de 1984, art. 97, caput, c.c. Código de Processo Penal de 1942, art. 386, parágrafo
único, inc. III). Não há porque alterar esta sistemática no procedimento de Tribunal do Júri,
vedando, tem tal caso, a absolvição sumária. Principalmente, porque, para que ocorra a
absolvição sumária, o motivo autorizante, deverá estar cabalmente demonstrado, isto é, no caso
da inimputabilidade deverá haver laudo pericial comprovando tal circunstância. Neste caso, se
ao término do iudicium accusationis, já houver prova plena da inimputabilidade, não há razão
para submeter o acusado ao Tribunal do Júri, posto que os jurados, ao final, certamente irão
reconhecerão tal circunstância. Assim, em regra, comprovada a inimputabilidade, deverá ser o
acusado absolvido sumariamente.35
A absolvição sumária, na modalidade de absolvição imprópria, 36 somente não deverá ser
aplicada somente na hipótese em que a defesa, além da inimputabilidade, alegar outra tese que,
se acolhida, possa levar à absolvição plena, sem a imposição de medida de segurança. Assim,
antes de absolver sumariamente o acusado, por inimputabilidade, deve o juiz examinar se a
defesa não formulou outra tese que possa levar a absolvição plena. 37 Somente no caso de ser a
34
Código ..., v. IV, p. 252.
35
Nesse sentido, cf. ARY AZEVEDO FRANCO. Código de Processo Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956. v.
2, p. 52; BORGES DA ROSA, Comentários ..., p. 508; e MARQUES PORTO, Júri ..., p. 70. Na jurisprudência: “No
crime de duplo homicídio, constatada por exame psiquiátrico a inimputabilidade do réu que, ao tempo do
fato, em virtude de doença mental, era inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso de sua
conduta, impõe-se, ainda na fase de pronúncia, a sua absolvição sumária, nos termos do art. 411 do CPP,
com aplicação imediata de medida de segurança, sem que haja nenhuma necessidade de submetê-lo a
julgamento perante o Tribunal do Júri (TJSP, RSE n o 265.219-3/4-00, 1a Câm. Crim., Rel. Des. Jarbas
Mazzoni, j. 30.11.1998, v.u., RT 762/613). No mesmo sentido: TJSP, RSE n o 196.157-3, Rel. Des. Almeida
Sampaio, j. 4.3.1996, v.u; TJSP, RSE n o 158.226-3, Rel. Des. Ângelo Gallucci, j. 17.4.1995, v.u; TJGO, RC
Ex Officio no 5.215-5/223, 2a Câm. Crim., Rel. Des. Pedro Soares Correa, j. 14.9.1995, v.u., RT 727/544;
TJSP, AP. no 59.088-3, 4a Câm. Crim., Rel. Des. Ary Belfort, j. 9.5.88, v.u., RT 631/285; TJBA, RSE no
10/84, 1a Câm. Crim., Rel. Des. Sento Sé, , j. 17.4.84, v.u., RT 589/374; TJBA, RSE no 2/83, 1a Câm. Crim.,
Rel. Des. Ariovaldo A. Oliveira, j. 30.3.82, v.u., RT 582/386.
36
Sobre a natureza da sentença que impõe medida de segurança, cf. EDUARDO REALE FERRARI. Medidas de
Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001, p. 209 e
segs.
37
MIRABETE, Código ..., p. 942.
11
inimputabilidade a única tese defensiva, é que poderá o juiz absolver sumariamente o acusado,
impondo-lhe a medida de segurança adequada. Havendo mais de uma tese defensiva, se não tiver
sido comprovada qualquer outra hipótese de absolvição sumária, o caminho será a pronúncia do
acusado – se houver prova da materialidade delitiva e indícios suficiente de autoria –, 38 ou a
impronúncia – senão estiver presente a prova da materialidade ou os indícios suficientes de
autoria.
Neste ponto, o Projeto de Lei n o 4203/2001 poderia ter permitido a absolvição sumária,
quando estivesse comprovada a inimputabilidade, e esta fosse a única tese defensiva.39
Também será alterada a sistemática recursal no caso de absolvição sumária. Segundo o
Código de Processo Penal de 1942, no caso da absolvição sumária, cabe o chamado recurso ex
officio (art. 574, inc. II). O Projeto de Lei n o 4.206/2001, que altera a disciplina dos recursos no
processo penal, estabelece que “os recursos serão voluntários” (art. 574). Também quanto ao
recurso – voluntário – cabível, haverá mudança: não mais será caso de recurso em sentido estrito
(CPP, art. 581, inc. VI),40 mas sim apelação (art. 416), sendo correta a alteração, na medida em
que a absolvição sumária tem natureza de sentença de mérito, devendo desafiar o recurso de
apelação.
III.2.4. Desclassificação
43
O art. 418 do PL é substancialmente idêntico ao art. 383 do CPP.
44
Como explica FREDERICO MARQUES (A Instituição ..., p. 234): “O juiz não pode pronunciar o acusado por
fato estranho à acusação, ou seja, não mencionado na denúncia. A imputação que se contém na denúncia
traça o perímetro máximo da pronúncia. O juiz, para poder ir além, deve proceder na forma prevista no
art. 384, do Código de Processo Penal. A fortiori não se irá mudar o perímetro da acusação que no libelo
deve vir formulada, se fato novo ocorrer. Cumpre, então, ao juiz, em tal caso, baixar o processo a fim de
que o Ministério Público possa aditar a denúncia, o que não impede, porém, que este tome, por si próprio
a iniciativa”. Nesse sentido, cf. MANUEL DA COSTA MANSO. O processo em segunda instância. São Paulo,
Saraiva, 1923. vol. I, p. 537; BORGES DA ROSA, Comentários ..., p. 507; MARREY, SILVA FRANCO e STOCO, Teoria
e prática do Júri, p. 265; ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE
FERNANDES. As nulidades no processo penal. 6. ed. São Paulo, R. dos Tribunais, 1999 ..., p. 226; e BADARÓ,
Correlação ..., p. 201. Em sentido diverso, para POZZER (Correlação ..., p. 176) “o artigo 410, do Código de
Processo Penal, contém as mesmas normas dos artigos 383 e 384 e parágrafo único”.
13
De há muito, inúmeras vozes se levantaram contra o libelo acusatório, propugnando por
sua abolição. Não faltaram projetos legislativos que já eliminavam do processo do Júri o libelo
crime acusatório.45 Existem, porém, aqueles que defendem a manutenção do libelo, 46
considerando-o uma peça de fundamental importância para a delimitação dos fatos a serem
julgados pelo Conselho de Sentença.
Não haverá prejuízo com a supressão do libelo, na medida em que a acusação já estará
delimitada pela decisão de pronúncia, que por sua vez, será a fonte da elaboração dos quesitos,
juntamente com o interrogatório do acusado e as alegações das partes em plenário, conforme
prevê o art. 482, parágrafo único, do Projeto de Lei n o 4203/2001. As qualificadoras e as causas
de aumento de pena deverão constar da pronúncia (PL, art. 413, § 1 o), sendo necessário que a
pronúncia delimite, precisamente, o fato pelo qual o acusado será submetido ao julgamento,
com a indicação concreta da conduta que lhe é imputada, não bastando a mera utilização de
fórmulas jurídicas abstratas e que tornam a defesa vulnerável, ante a indefinição dos fatos que
terá que contrariar.
A única possibilidade de supressa para a defesa seria a acusação alegar alguma
circunstância agravante não imputada anteriormente, que poderia ser considerada na sentença,
nos termos do art. 385, parte final do Código de Processo Penal de 1942. Soma-se a isto a
circunstância de que, na nova sistemática, não haverá quesitos sobre circunstâncias agravantes
ou atenuantes, que passarão a ser objeto de julgamento do Juiz-Presidente do Tribunal do Júri e
não mais dos jurados (PL, art. 492, inc. II, b).47
Obviamente, ausente o libelo, por conseqüência, não mais haverá contrariedade ao libelo
(CPP, art. 421, parágrafo único).
O procedimento nesta fase preparatória será bastante simplificado: ao receber os autos
com a decisão de pronúncia, o juiz presidente determinará a intimação das partes para
arrolarem as testemunhas que pretenderem ouvir em plenário, até o máximo de oito, bem como
juntar documentos ou requerer diligências que se façam necessários (PL, art. 422). O Juiz
Presidente então, deliberará sobre os requerimentos de provas a serem produzidos em plenário
(art. 423, caput), podendo ainda ordenar diligências para sanar eventuais nulidades ou esclarecer
fatos de interesse do julgamento (art. 423, inc. I), cabendo ao juiz, finalmente, fazer o relatório
45
O Anteprojeto de Código de Processo Penal, de autoria do Professor José Frederico Marques, já eliminava
o libelo. Da mesma forma, o Projeto n. 1.655-B, de 1983, também não mais previa o libelo.
46
De se destacar, neste passo, que o Projeto de Lei n o 4900/1995, suprimia o libelo do procedimento do
Tribunal do Júri (art. 420). Porém, na primeira versão apresentada pela Comissão de Reforma do Código de
Processo Penal de 2000, aquele Projeto foi revisto pelo Prof. René Ariel Dotti, que propôs a reintrodução
do libelo (art. 419). Pela manutenção do libelo, principalmente, por ser peça que limita a acusação em
plenário, cf. SÉRGIO MARCO DE MORAES PITOMBO, Supressão do libelo. In TUCCI, Rogério Lauria (Coord.).
Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: R dos
Tribunais, 1999, p. 143; ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES. A reforma do Júri. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n.
37, jan. 1996, p. 6. Para TUBENCHLAK (Tribunal do Júri ..., p. 168) o libelo é “peça de relevância mais que
duvidosa e geradora de tantas nulidades”.
47
De se ressaltar que, tanto o art. 385, parte final, do Código de Processo Penal de 1942, quanto o art.
492, inc. II, letra “b” (que determina que o juiz “considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes
alegadas nos debates”), devem ser interpretados em conjunto com o art. 41 do mesmo diploma, que exige
que a denúncia ou queixa contenha a “exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”.
Assim, o juiz não poderá considerar na sentença uma circunstância agravante que não tenha constado da
denúncia, sob pena de causar surpresa à defesa, com violação do contraditório e da ampla defesa.
Comentando ao art. 476, do Projeto n o 4900/1995, TUBENCHLAK (Tribunal do Júri ..., p. 170) afirma que o
dispositivo é inconstitucional, “ao permitir que o Promotor de Justiça sustente a existência de
circunstância agravante no Plenário. O princípio da ampla defesa desmorona, por não poder o réu, colhido
de surpresa durante o julgamento, dispor nem mesmo de um mínimo lapso de tempo para arquitetar sua
resposta”. Sobre a inconstitucionalidade do art. 385, segunda parte, do Código de Processo Penal de 1942,
cf. BADARÓ, Correlação ..., p. 185 e segs.
14
do processo e determinar a sua inclusão em pauta na reunião do Tribunal do Júri (art. 423, inc.
II).
48
Segundo STOCO (Tribunal do Júri ..., p. 209-210) “uma das críticas que se faz à instituição do Júri é a
forma de arregimentação dos jurados, apontando-se o absoluto controle do Poder Judiciário na sua
participação, esvaziando um dos significados políticos da previsão do julgamento do acusado pelos seus
pares. Agora, segundo o Projeto, a possibilidade de buscar o alistamento de pessoas da própria
comunidade, por meio do concurso de um número mais dilargado de entidades representativas, tornará
mais dúctil o critério e mais democrático o instituto”.
49
FREDERICO MARQUES, A instituição do Júri, v. I, p. 96.
15
Visando a acabar com a figura do chamado “jurado profissional”, 50 segundo o art. 426, §
4 , do Projeto de Lei n o 4203/2001, “fica excluído da lista geral, pelo prazo de dois anos, o
o
jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença no ano anterior”.51 A previsão, contudo,
parece ser exagerada. Se é verdade que se deve evitar o “jurado de carteirinha”, posto que
contrário ao espírito do Tribunal do Júri, cuja estrutura não se compatibiliza com um corpo
permanente e estável de julgadores, não menos verdade constitui o fato de que jurado ter
integrado o Conselho de Sentença, uma única vez, não o torna um “jurado profissional”. A norma
deveria ter previsto um número maior de participações do jurado para que ele fosse considerado
impedido.52
O dispositivo projetado cria um verdadeiro requisito negativo para a seleção do jurado. 53
Assim, se por equívoco o nome do jurado que integrou o Conselho de Sentença vier a ser incluído
na lista no ano seguinte, se ele integrar algum Conselho de Sentença o julgamento será
absolutamente nulo, por vício de formação do Conselho de Sentença (CPP, art. 564, inc. III, letra
“j”).54 Já na hipótese em que o jurado impedido tenha integrado o Tribunal do Júri, isto é, seja
incluído na lista geral e seja sorteado para as sessões, sem contudo chegar a integrar o Conselho
de Sentença, a violação da lei, em regra, não causará qualquer prejuízo, pelo que não haverá
que se falar em nulidade.55
50
RENÉ ARIEL DOTTI (Um novo Tribunal do Júri. Projeto de Lei 4.900, de 1995, In Revista de Processo, São
Paulo, n. 85, jan./mar. 1997, p. 136) observa que, em Curitiba, já se formou uma Associação de Jurados
do Tribunal do Júri.
51
Sistemática semelhante era prevista no art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei n o 167, de 5 de janeiro
de 1938: “A lista geral, publicada em novembro de cada ano, poderá ser alterada ‘ex officio’, ou em
virtude de reclamação de qualquer do povo, até publicação definitiva, na segunda quinzena de dezembro,
com recurso dentro de dez dias para a instância superior, sem efeito suspensivo. Essa lista será todo ano
parcialmente renovada, por aquele processo e na mesma época, substituindo-se os que já tenham
efetivamente servido (art. 7o, parágrafo único, n. X), os falecidos e os que tenham revelado incapazes para
o exercício da função”. Todavia, a inspiração direta foi o art. 424, parágrafo único, do Projeto n o
4900/1995 que previa: “nenhum jurado poderá permanecer na lista por mais de 2 (dois) anos
consecutivos”. Segundo TUBENCHLAK (Tribunal do Júri ..., p. 169), trata-se “de medida salutar ... tendente
a expurgar a classe de ‘Jurados Vitalícios’”. Diversamente, o Grupo de Estudos dos Ministérios Públicos dos
Estados e do Distrito Federal (ANTONIO SCARANCE FERNANDES et al (Rels.). Anteprojeto para alteração ao
Código de Processo Penal. São Paulo: APMP, 1994, p. 3) critica o dispositivo analisado.
52
Na cidade de São Paulo, em que o Tribunal do Júri funciona permanentemente, e não em sessões
periódicas, instituiu-se o sistema de jubilação dos jurados (Decreto n o 9.008, de 24 de fevereiro de 1938, e
art. 103, inc. III, da Consolidação das Normas da Corregedoria-Geral da Justiça), segundo o qual será
jubilado o jurado que perfizer um número de seis pontos (um ponto para cada comparecimento e mais um
pelo fato de haver servido efetivamente como membro do Conselho de Sentença).
53
Segundo a Exposição de Motivos do Projeto de Lei n o 7130/2002, “A norma do § 4 o do art. 426 (do Projeto
de Lei no 4203/2001) é truculenta e desnecessária, cabendo ao juiz coibir excessos. Não pode a lei
determinar uma renovação impositiva e inconseqüente, afastando da atividade aqueles jurados
verdadeiramente interessados na realização da justiça. Veja-se que, pela proposta, basta o jurado integrar
o conselho uma única vez para ficar impedido dessa atividade pelos dois anos seguintes”. O Projeto de Lei
no 7130/2002 acrescenta um § 3o, ao art. 435, nos seguintes termos: “o jurado que integrar o Conselho de
sentença mais de uma vez no ano, poderá requerer a suja dispensa na lista geral no ano seguinte ”, que é
semelhante à regra atual de isenção prevista no art. 436, inc. X, do Código de Processo Penal de 1942.
54
De forma crítica, a Exposição de Motivos do Projeto de Lei 7.130/2002, destaca que “pela proposta,
basta o jurado integrar o conselho uma única vez para ficar impedido dessa atividade pelos dois anos
seguintes” (destaque no original).
55
A jurisprudência tem sido bastante tolerante, admitindo que inexistirá prejuízo mesmo um jurado
impedido participa do Conselho de Sentença, desde que sua influência não seja apta a alterar o resultado
do julgamento: “Aplica-se o disposto no art. 563 do CPP, e, conseqüentemente, não se anula a decisão do
Tribunal do Júri, quando embora entre os Jurados houvesse um impedido, não houve, em face da diferença
de votos vencedores e vencidos, prejuízo potencial para a defesa ou para a acusação (STF, HC n o 90.266, 2.
16
De outro lado, visando a eliminar atos inúteis, será suprimido o recurso em sentido estrito
contra a decisão, de natureza administrativa, que inclui ou exclui jurado da lista geral (Código de
Processo Penal de 1942, art. 439, parágrafo único, parte final, c.c. art. 581, inc. XIV). Em seu
lugar, o Projeto de Lei no 4203/2001 prevê, apenas, que a lista poderá ser alterada, de ofício ou
mediante reclamação de qualquer do povo, ao Juiz-Presidente, até a sua publicação definitiva
(art. 426, § 1o).
O Projeto de Lei no 4203/2001 elimina a previsão de que o sorteio dos jurados seja
realizado por um menor de 18 anos, 56 que era taxada de anacrônica57 e até mesmo de
ridicularia.58 Por outro lado, passará a se exigir que sejam intimados do sorteio “o Ministério
Público, os assistentes, os querelantes e os defensores dos acusados que serão julgados na
reunião periódica” (PL, ar. 432).59
Uma inovação negativa, ao nosso ver, no Projeto de Lei n o 4203/2001 é a previsão de que
no expediente de convocação dos jurados que irão integrar a sessão de julgamento deverão ser
“anexadas cópias da pronúncia e do relatório do processo” (PL, art. 434, parágrafo único). 60 Ao
que tudo indica, o escopo da inovação foi permitir que os jurados melhor conheçam o caso que
irão julgar. Haverá, contudo, um efeito negativo em tal alteração, já que conferir ciência prévia
ao jurado sobre o caso que será julgado poderá colocar em risco a sua imparcialidade. A
curiosidade humana poderá levar o jurado a buscar informações sobre o caso que poderá vir a ser
julgado. Além disto, já sabendo das circunstâncias concretas do caso, poderá, inclusive,
comentá-las com outros jurados sorteados, comprometendo a própria incomunicabilidade dos
jurados.61
Se há necessidade de que os jurados tenham em mãos, antes do início do julgamento, o
relatório e as principais peças do processo, é preferível que as mesmas lhes sejam entregues
assim que os jurados cheguem ao fórum, no dia do julgamento. Certamente, haveria tempo
Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 16.10.79, v.u., RTJ 96/250); “o impedimento de um Jurado não acarreta
a nulidade do julgamento se não influir no resultado da votação” (TJSP, Ap. n o 42.783-3, 1a Câmara
Criminal, Rel. Des. Castro Duarte, j. 2.6.86, v.u., RT 611/328).
56
A origem do dispositivo estaria no art. 238 do Código de Processo Criminal de 1832, segundo o qual, para
a formação do Conselho de Jurados, ou Júri de Acusação, o juiz, após abrir a urna e conferir as cédulas,
“mandará o mesmo Juiz, extrahir da urna por um menino, vinte e três cédulas”.
57
MARREY, SILVA FRANCO e STOCO, Teoria e Prática do Júri, p. 135. Para DOTTI (Um novo Tribunal do Júri ...,
p. 136) trata-se de uma “fórmula obsoleta”.
58
FREDERICO MARQUES, A Instituição do Júri, v. I, p. 101. Para MAGARINO TORRES (Processo Penal do Jury no
Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho Ed., 1939, p. 265) o dispositivo deve ser abolido, revelando um
preconceito contra o juiz, não tendo qualquer proveito.
59
Idêntica era a redação proposta para o mesmo dispositivo no Projeto de Lei n o 4900/1995.
60
Mais uma vez, o dispositivo citado é igual ao previsto no Projeto de Lei n o 4900/1995.
61
Não se desconhece que a incomunicabilidade dos jurados somente prevalece, no sistema do Código de
Processo Penal de 1942, após o sorteio dos mesmos para formarem o Conselho de Sentença (CPP, art. 458,
§ 1o). Todavia, a mesma finalidade de assegurar que cada jurado forme, isoladamente e sem influencias
alheias, o seu convencimento sobre o caso, poderá ser prejudicada se os jurados, antes mesmo de serem
sorteados, já tiverem conhecimento do caso concreto que irão julgar. Analisando a Reforma de 1994,
Grupo de Estudos dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal (SCARANCE FERNANDES et al.
(Rels.), Anteprojeto para ..., p. 6) observou que “Esta previsão, além de onerosa para o Estado, acarretará
um problema muito maior, ou seja, a quebra da incomunicabilidade. Não se diga que a incomunicabilidade
somente se aplica ao Conselho de Sentença e este será formado somente no dia do julgamento. O jurado
convocado para a sessão, de posse da pronúncia e do relatório terá conhecimento, embora superficial, do
processo que será posto em julgamento. A curiosidade, o interesse de cada pessoa e o comportamento da
mesma, poderá possibilitar que o jurado, ao receber tais peças, passe a comentar com vizinhos e amigos
dos casos que serão postos em julgamento e aí então, receber influências externas, que fatalmente
acabará interferindo desta ou daquela forma na formação do seu convencimento, no dia do julgamento”.
17
suficiente para a leitura antes que se iniciasse a sessão e não haveria perigo de
comprometimento da imparcialidade e da incomunicabilidade.
III.5 – Desaforamento
62
Nesse passo o Projeto de Lei n o 4203/2001 sofreu alteração na Comissão de Constituição e Justiça e de
Redação a Câmara dos Deputados, tendo sido aprovado o Parecer do Relator Deputado Ibrahim Abi-Ackel,
com emenda, justamente para excluir a legitimidade do assistente de acusação em requerer o
desaforamento do julgamento. Segundo o Parecer “No caso de atribuição de competência ao assistente do
Ministério Público para requerer o desaforamento há evidente excesso de função. O assistente secunda,
tão somente, a ação do Ministério Público, dono exclusivo da ação penal e seu condutor único. Se o
Ministério Público não requer o desaforamento, por entende-lo desamparado das condições legais
estabelecidas, não cabe ao assistente assumir a iniciativa de fazê-lo, pois tanto importa em assumir o
controle da ação penal”.
63
ESPINOLA FILHO, Código ..., v. IV, p. 341.
64
Claramente, o dispositivo foi inspirado no art. 558, caput, do Código de Processo Civil, com a redação
dada pela Lei no 9.139, de 30 de novembro de 1.995, que alterou a disciplina do agravo, possibilitando, ao
relator, conferir efeito suspensivo ao agravo, em determinados casos, desde que estejam presentes dois
requisitos: possibilidade de “lesão grave e de difícil reparação” e “relevância da fundamentação”. Em
sentido diverso, o Projeto de Lei n o 7130/2002 prevê que, sempre, o pedido de desaforamento terá efeito
suspensivo (art. 425, § 1o).
18
ponto de vista jurídico, quando do ponto de vista da “prova” 65 dos fatos que lhe são
subjacentes.66
Por fim, o Projeto de Lei no 4203/2001 cria limites temporais máximos para o pedido de
desaforamento, enunciando: “na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando
efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última
hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização do julgamento” (PL, art. 427, §
4o). O dispositivo trata de situações distintas. Se estiver pendendo recurso contra a decisão de
pronúncia, não caberá o desaforamento.67 Portanto, se não houve recurso contra tal decisão, ou
mesmo após o julgamento do recurso, e por óbvio, tendo sido mantida pronúncia, poderá ser
requerido o desaforamento. A outra hipótese disciplinada pelo novo dispositivo é aquela em que
já houve o julgamento pelo Tribunal do Júri. Uma vez anulado o julgamento – por qualquer
motivo, e não apenas por situações ligadas ao desaforamento, como a parcialidade do Conselho
de Sentença – poderá haver desaforamento do segundo julgamento a ser realizado, caso durante
a sessão do primeiro julgamento, ou mesmo após ela, tenha ocorrido algum dos motivos para o
desaforamento.
Com relação ao outro motivo autorizante do desaforamento, o excesso de serviço, a
hipótese é mantida pelo Projeto de Lei no 4203/2001, embora com alteração do prazo para o
desaforamento e do seu termo inicial. Consoante o art. 424, parágrafo único do Código de
Processo Penal de 1942, o prazo é de 1 ano e seu termo inicial é o “recebimento do libelo”. O
Projeto de Lei no 4203/2001 reduz o prazo para 6 meses, a contar do “trânsito em julgado da
decisão de pronúncia”. A redução de prazo se justifica pelo objetivo de dar maior celeridade ao
procedimento, destacando que a mudança do seu marco inicial decorre da supressão do libelo,
que não mais é previsto no Projeto.
O Projeto de Lei no 4203/2001 restringirá a legitimação para o requerimento do
desaforamento por excesso de serviço será restringida, passando a ser exclusiva acusado (art.
428, caput), não mais sendo permitido ao Ministério Público pode requerê-la, como é possível no
Código de Processo Penal de 1942, art. 424, parágrafo único.
Quanto ao procedimento nessa segunda hipótese de desaforamento, a semelhança do que
ocorre atualmente, não haverá necessidade de oitiva do juiz preparador do feito. 68 Também não
se aplicará a previsão de suspensão do julgamento pelo relator (PL, art. 427, § 1 o). Aliás, o que
se pretende é exatamente o oposto, isto é, o pronto julgamento.
65
Por óbvio, para que o relator conceda o efeito suspensivo, não será necessário prova plena do motivo
ensejado do pedido de desaforamento, o que somente será exigido para o deferimento final do pedido de
desaforamento pelo Tribunal. Salvo no caso de se tratar de fatos públicos e notórios de tais situações,
deverá haver, pelo menos, um início de prova que, se não trouxer certeza plena ao julgador, ao menos
deverá indicar ser provável a ocorrência do fundamento invocado.
66
Comentando o art. 558 do Código de Processo Civil de 1973, mas em lição igualmente válida para o
dispositivo projetado, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (O novo recurso de agravo e outros estudos. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 74) observa que “o fumus boni iuris, igualmente imprescindível à concessão
desta liminar acautelatória, decorre da exigência de que seja relevante a fundamentação contida na
petição do agravo em prol à reforma da decisão interlocutória recorrida”.
67
Mesmo na ausência de tal regra, MARREY, SILVA FRANCO e STOCO (Teoria e Prática do Júri, p. 117) já
observavam que “o pedido de desaforamento somente torna-se oportuno após haver ocorrido preclusão no
tocante à pronúncia”. Da mesma forma, posicionou-se a jurisprudência: “o desaforamento, que implica
apenas na realização do julgamento em Comarca distinta daquela do distrito da culpa, pressupõe estar o
processo pronto para ser submetido ao Tribunal do Júri, sendo, por isso, prematuro o seu deferimento na
pendência de recurso contra a pronúncia” (STF, HC no 69.054-8, Rel. Célio Borja, j. 19.12.1991, v.u., DJU
10.04.1992, p. 4.798).
68
Nesse sentido, com relação ao sistema vigente: ESPINOLA FILHO, Comentários ..., v. IV, p. 341.
19
Por fim, ainda com relação ao desaforamento por excesso de serviço, destaque deve ser
conferido ao Projeto de Lei no 4203/2001, por ter sido mais detalhista do que o legislador de
1942, determinando que se exclua do cômputo do prazo “o tempo de adiamentos, diligências ou
incidentes de interesse da defesa” (art. 428, § 1o). O Código de Processo Penal de 1942, de forma
mais genérica, estabelece apenas que “para a demora não tenham concorrido o réu ou a
defesa”. Aliás, nos sistema atual, mais do que uma simples disciplina do cálculo do prazo de
demora ou atraso no julgamento, a exigência de que “para a demora não tenha concorrido o réu
ou a defesa” é um verdadeiro requisito negativo do desaforamento. Assim, se a defesa ou o réu
deram causa à demora, não cabe o desaforamento.
Ainda na disciplina do desaforamento, o Projeto de Lei no 4203/2001 traz uma novidade,
que não é propriamente um desaforamento,69 mas uma “aceleração” do julgamento. De
verdadeiro desaforamento não se trata, posto que não haverá alteração da competência
territorial. O acusado será julgado pelo Tribunal do Júri da mesma comarca em que se encontra
tramitando o processo, realizado-se o julgamento de forma mais rápida, pelo mesmo Tribunal do
Júri.
Estabelece o Projeto de Lei no 4203/2001 que “não havendo excesso de serviço ou
existência de processos aguardando julgamento, em quantidade que ultrapasse a possibilidade
de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o
acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento” (art.
428, § 2o).
69
A própria Exposição de Motivos reconhece que “embora esta última hipótese não seja de desaforamento
propriamente dito, pois o deslocamento do julgamento para outra comarca implicaria em premiar o juiz
desidioso, o julgamento dentro do prazo máximo de 6 meses passa a ser direito subjetivo do acusado”. No
mesmo sentido, cf. STOCO, Tribunal do Júri ..., p. 209.
70
Atualmente, entre os crimes dolosos contra a vida, são afiançáveis: o induzimento, instigação ou auxílio
ao suicídio (CP, art. 122), o infanticídio (CP, art. 123), o auto aborto e o aborto consentido (CP, art. 124) e
o aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante (CP, art. 126). Todavia, na prática, são
muito raros os casos de processos por tais delitos.
71
Com o advento da Lei no 9.271, de 17 de abril de 1996, parte da jurisprudência passou a admitir que,
mesmo no processo do júri, o julgamento possa ser realizado sem a presença do acusado, ainda no caso de
crimes inafiançáveis: “A Constituição da República do 1988 consagra ser direito do réu silenciar. Em
decorrência, não o desejando, embora devidamente intimado, não precisa comparecer à sessão do
Tribunal do Júri. Este, por isso, pode funcionar normalmente” (STJ, RHC n o 2.967-6, 6a Turma, Rel. Min.
Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 2.8.94, v.u., RT 710/344).
20
levado da prisão ao julgamento. Bastava ser denunciado pelo crime de homicídio, mesmo que na
sua forma simples, já deveria ser decretada a prisão do acusado. Uma vez preso, facilmente seria
intimado da “sentença de pronúncia”, posto que estava preso, e designado o dia do julgamento,
não tendo o acusado como deixar de comparecer.
Com a supressão da prisão preventiva obrigatória, e com a possibilidade da liberdade
provisória no caso de prisão em flagrante delito, desde que não estivessem presentes os
requisitos da prisão preventiva, passou a ser comum o acusado por crime de homicídio – simples
ou qualificado73 – permanecer em liberdade durante o processo. Com isto, surgiu a possibilidade
de acusados por crimes inafiançáveis não comparecerem no dia do julgamento. 74
A proposta de mudança constante do Projeto de Lei n o 4203/2001, todavia, tem outro
fundamento. Consagrado constitucionalmente o direito ao silêncio (CR, art. 5 o, inc. LXIII), o
acusado passou a ter a faculdade de se calar em seu interrogatório, sem que de tal silêncio
pudesse extrair qualquer conseqüência negativa. 75 Assim, não seria razoável exigir que o acusado
comparecesse ao julgamento, se em plenário poderia nada dizer em seu interrogatório. 76 Sua
presença serviria, tão-somente, para submetê-lo à degradante cerimônia de sentar-se no banco
dos réus perante toda a comunidade.77
O Projeto de Lei no 4203/2001, de forma coerente, assegura o direito de não
comparecimento à sessão de julgamento também ao acusado preso, que poderá requerer, por
escrito, e juntamente com o seu defensor, a dispensa de comparecimento (art. 457, § 2 o, parte
final).78
72
O art. 312 do Código de Processo Penal, em sua redação originária, estabelecia que: “A prisão
preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou
posterior a dez anos”, e foi alterado pela Lei n o 5.349, de 3 de novembro de 1967, que suprimiu da nossa
legislação processual penal a prisão preventiva compulsória.
73
Com a inclusão do homicídio qualificado entre os crimes hediondos (Lei n o 9.830, de 6 de setembro de
1994, que alterou a redação do art. 1 o, da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1.990), para os quais não é
admitida a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 2, inc. II, da Lei n o 8.072/90), em casos que tais,
será mais difícil ao acusado permanecer em liberdade durante o processo.
74
A Exposição de Motivos do Projeto de Lei n o 4203/2001 destaca que “a prisão provisória que era regra,
converte-se em exceção, de modo que a exigência do acusado solto em plenário como condição para o
julgamento não mais se harmoniza com o novo sistema”.
75
Neste ponto, o Projeto de Lei n o 4204/2001, irá alterar a redação do art. 186, caput, eliminando a
advertência de que “o silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”. Além disto, o
Projeto acrescentará um parágrafo único ao mesmo artigo, nos seguintes termos: “o silêncio, que não
importa em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa e tampouco poderá influir no
convencimento do juiz”.
76
Em sentido contrário, discordando da possibilidade de julgamento sem a presença do réu, cf. PIRES, A
reforma do Júri, p. 6.
77
Equivocada, a nosso ver, a disciplina proposta no Projeto de Lei n o 7130/2002, que mantém a
necessidade de intimação pessoal do acusado pronunciado por crime inafiançável (art. 413), prevendo a
suspensão do processo caso não seja realizada a intimação pessoal (art. 416). Além disto, se o acusado
tiver sido intimado da sessão de julgamento e, sem motivo justificado, não comparecer ao julgamento,
deverá o juiz determinar a suspensão do processo (art. 457, § 2o).
78
A sugestão de que a mesma regra fosse aplicável ao acusado preso foi formulada pelo IBCCRIM ( Reforma
do Código de Processo Penal. Sugestões do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 2000, p.
17). A mesma sugestão também foi feita por HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO, nas III Jornadas Brasileiras de
Direito Processual Penal, realizadas em Brasília, nos dias 23 a 26 de agosto de 2000. Cf., ainda, no mesmo
sentido, MÁRIO DE OLIVEIRA FILHO. A reforma do Código de Processo Penal. In Tribuna do Direito. set. 2000,
p. 29.
21
Do ponto de vista jurídico, a medida é absolutamente correta. Caberá principalmente à
defesa julgar a conveniência e a repercussão do não comparecimento do acusado na sessão de
julgamento. Não se pode esquecer que, embora do ponto de vista jurídico, o silêncio não possa
ser utilizado contra o acusado, a aplicabilidade de tal ressalva é de difícil verificação, na medida
em que o julgamento dos jurados não é motivado. Mais do que isto, do ponto de vista
psicológico, principalmente para um corpo de julgadores leigos, o fato do acusado de um crime
não comparecer para se defender poderá significar uma espécie de fuga de suas responsabilidade
ou a ausência de uma defesa efetiva a ser apresentada perante os jurados, 79 sendo legítimo ao
acusado e seu defensor optarem por uma ou outra estratégia.
79
TUBENCHLAK (Tribunal do Júri ..., p. 168) não considera conveniente a possibilidade de julgamento sem a
presença do acusado, afirmando que “não é plausível que os ‘Cidadãos do Povo” sejam instados a julgar
um concidadão que não tiveram a oportunidade de ver”.
80
Segundo a Exposição de Motivos do Projeto de Lei 7.130, de 2002, “o § 3 o do art. 473 contém o mais sério
de todos os problemas do Projeto, vedando a utilização em plenário da prova colhida na instrução judicial.
O dispositivo obriga, desse modo, a que a prova testemunhal tenha de ser trazida ao plenário, salvo
quando irrepetível” (Destaque no original). O mesmo dispositivo também foi criticado por HERMÍNIO ALBERTO
MARQUES PORTO e por AFRÂNIO SILVA JARDIM, nas III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal, realizadas
em Brasília, nos dias 23 a 26 de agosto de 2000.
22
Entendemos correta a exclusão dos elementos de informação produzidos durante o
inquérito policial, no procedimento do Júri. Tais elementos não são “provas”, em sentido estrito,
não podendo ser valorados pelo juiz para a formação do seu convencimento, no momento do
julgamento do mérito. Prova, em sentido estrito, são somente os elementos de convicção
produzido em contraditório, na presença do juiz e das partes. 82
Nos demais procedimentos, não há previsão do desentranhamento dos elementos de
informação produzido no inquérito policial,83 mas há regra prevendo que tais elementos não
poderão ser valorados pelo juiz na sentença.84 A mesma sistemática não teria cabimento no
procedimento do Júri, na medida em que, sendo imotivada a decisão dos jurados, se os
elementos de informação produzidos no inquérito policial puderem ser lidos em plenário, será
impossível saber se os juízes leigos se utilizaram ou não de tais informativos para a condenação
ou absolvição do acusado. E, neste caso, o Júri que é garantia constitucional do acusado acabaria
lhe sendo prejudicial, na medida em que provas produzidas na fase inquisitiva poderiam levar a
sua condenação.
Mais complexa, contudo, é a questão relativa à exclusão dos meios de prova produzidas no
iudicium accusationis. Tais provas foram produzidas perante o juiz, sob o crivo do contraditório,
com plena possibilidade das partes indagarem as testemunhas. Em tais condições, sua exclusão
parece ser exagerada. Embora tenham sido produzidas com vista ao julgamento de
admissibilidade da acusação, e não o julgamento da causa, inegável que tais provas respeitam
todos os princípios constitucionais do processo penal acusatório. Em certa medida, sua utilização
estaria comprometendo a oralidade, a imediatidade e a identidade física do juiz, mas tais
princípios, que não ostentam status constitucional, não são absolutos, devendo ser conjugados
com a necessidade de reconstrução dos fatos de forma a possibilitar um conhecimento mais
próximo possível da realidade.
Além disto, a dificuldade da produção de prova oral perante o Tribunal do Júri, nos casos
em que a testemunha que não reside na comarca e conseqüentemente não está obrigada a
81
FREDERICO MARQUES (Elementos ..., v. II, p. 234) analisando a oralidade no júri brasileiro, destaca que
“infelizmente, a praxe entre nós, é bem outra. O procedimento do Júri somente guarda da oralidade o
torneio dialético que se trava entre acusação e defesa. As provas que foram produzidas no ‘sumário de
culpa’ são lidas aos jurados, que, assim, tomam contato muito superficial com as questões de fato que
devem julgar. Como o Cód. de Proc. Penal admite que sejam dispensados os depoimentos já ouvidos na
instrução do judicium accusationis (art. 561, no IV), e declara facultativo arrolarem-se testemunhas no
libelo (art. 417, § 2o), ou na contrariedade (art. 421, parág. único), é muito difícil haver inquirição em
plenário. O jurado se vê, deste modo, na contingência de decidir, com sua livre convicção, baseado apenas
em peças escritas do processo, ou no que lhe dizem os eloqüentes oradores que ocupam, respectivamente,
a tribuna de acusação e a de defesa. Decide o jurado, portanto, sem um direto contato com a prova, a não
ser sem casos excepcionais e esporádicos”.
82
Para a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, “prova”, é somente o elemento de convicção
produzido em contraditório, na presença das partes e perante um juiz imparcial. Em conseqüência, no
Projeto de Lei no 4209/2001, que tem por objeto o inquérito policial, não utiliza o termo “prova”, mas
“informações” (art. 6o, § 3o) e “elementos de informação” (art. 7o e art. 8o).
83
De se observar que a primeira versão do Projeto de Lei sobre procedimentos tinha regra geral, em seu
art. 399, caput, estabelecendo que “Recebida a acusação, os autos da investigação policial serão
desentranhados e devolvidos ao Ministério Público, remetendo-se cópias ao defensor, ao querelante e ao
assistente” (A reforma do Processo Penal – III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal, Brasília, p.
32).
84
O art. 7o, parágrafo único, do Projeto de Lei n o 4209/2001, estabelece que “esses elementos não poderão
constituir fundamento da sentença, ressalvadas as provas produzidas cautelarmente ou irrepetíveis, que
serão submetidas a posterior contraditório”. Provavelmente, a origem de tais dispositivos é o art. 526 do
Código de Processo Penal italiano de 1988, que estabelece, como regra geral, que “il giudice non può
utilizzare ai fini della deliberazione prove diverse da quelle legittimamente acquisite nel dibattimento”.
23
comparecer na sessão de julgamento (CPP, art. 222), também indica que a a exclusão da prova
produzida no iudicium accusationis é inadequada.85
85
Em vigorando tal regra, seria fundamental a previsão de um dispositivo que excepcionasse o art. 222 do
Código de Processo Penal de 1942, e impusesse o dever da testemunha depor perante o Tribunal do Júri,
mesmo nos casos em que resida fora da comarca, devendo, neste caso, o Estado providenciar e custear o
deslocamento, a estadia e a alimentação da testemunha.
86
Cabe observar que a primeira versão do Projeto de Lei sobre o Júri previa, no art. 473, caput, que
“Prestado compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária com o interrogatório do acusado”
(A reforma do Processo Penal – III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal, Brasília, p. 73).
Comentando tal dispositivo, o Grupo de estudos do IBCCRIM (Reforma do Código de Processo Penal.
Sugestões do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 2000, p. 14) observou que “vale
acentuar ainda – e isso necessita ser imperiosamente corrigido – que o art. 473 está em total dissonância
com as regras estabelecidas nos arts. 400 a 405 do anteprojeto referente aos procedimentos, não se
justificando que o interrogatório, no Tribunal do Júri, abra a instrução”.
87
Código de Processo Penal de 1942, art. 188, caput, e Projeto de Lei no 4204/2001, art. 186, caput.
24
III.9. Proibição de leitura de documentos novos em plenário
88
A sugestão de que no prazo fossem contados apenas os dias úteis foi formulada pelo IBCCRIM (Reforma
do Código de Processo Penal. Sugestões do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 2000, p.
18).
89
Segundo STOCO (Tribunal do Júri ..., p. 219) o Projeto “optou por uma disciplina mais cautelosa e
estabelecida em numerus clausus, com previsão do que pode ou não ser apresentado no Plenário”. A
sugestão para melhor explicitação das vedações, incluindo “vídeos, gravações ou qualquer outro meio
assemelhado”, foi formulada pelo IBCCRIM (Reforma do Código de Processo Penal. Sugestões do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 2000, p. 18).
90
GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Roteiro Prático do Júri. São Paulo: Ed. Oliveira Mendes, 1997, p. 102) observa
que “não tem a jurisprudência impedido a exibição de fitas gravadas (vídeo ou somente áudio) de
programas de televisão e rádio, contendo entrevistas de pessoas ou do próprio acusado, falando sobre o
caso, desde que tenha sido respeitada a ciência à parte contrária no tríduo legal”. Na jurisprudência, já se
decidiu que “o uso de gravação sonorizada em Plenário é admissível, se a parte contrária for devidamente
cientificada da juntada de fita cassete, cuja autenticidade não foi contestada” (TJSP, Ap. n o 133.935, 1a
Câmara Criminal, Rel. Des. Djalma Lofrano, 5.12.77, v.u., RT 511/326).
91
MARREY, SILVA FRANCO e STOCO (Teoria e Prática do Júri, p. 372) afirmam que “a exibição em Plenário, pelo
defensor, de crocri do local do crime, não anexado aos autos com antecedência legal e com surpresa para
a acusação, justifica que se ordene novo julgamento”.
92
Nesse sentido, referindo-se às provas ilícitas, mas em lição igualmente aplicável às prova ilegítimas,
GRINOVER, GOMES FILHO e SCARANCE FERNANDES (As nulidades ..., p. 142) destacam que “o veredicto dos
jurados, porém, será irremediavelmente nulo, até porque a ausência de motivação impede o conhecimento
25
III.10. A simplificação do questionário
formulados quesitos sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes (art. 484, parágrafo único).
Assim, o Juiz-Presidente realiza a fixação da pena, levando em conta o que os jurados decidiram
sobre a existência ou não de tais circunstâncias.
No Projeto de Lei no 4203/2001, devido à simplificação dos quesitos e por não mais haver
indagação específica aos jurados sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes, a decisão
sobre a sua incidência ou não passará para o Juiz Presidente, no momento de fixação da pena. 97
Outra alteração do Projeto de Lei no 4203/2001 visando à simplificação dos quesitos, bem
como a evitar confusões sobre a resposta correta dos jurados, com a possibilidade de nulidade do
julgamento, consiste na exigência de que sejam redigidos “em proposições afirmativas” (art.
482, parágrafo único). A formulação negativa dos quesitos pode causar confusão nos jurados e
levar a respostas equivocadas.98 FREDERICO MARQUES observa que “como as proposições
simultaneamente interrogativas e negativas podem causar confusão no espírito dos jurados sobre
a maneira de enunciarem o seu pensamento ou ocasionar dúvidas no tocante à resposta,
defeituoso é o questionário onde os quesitos são redigidos em forma negativa”. 99
Todavia, a simplificação, tal qual formulada, certamente causará problemas, em várias
situações, nas quais não será possível aferir a real vontade do Conselho de Sentença. Sem
preocupação de esgotar as hipóteses, poderão surgir dificuldades nos casos em que a defesa
apresentar tese subsidiária ou no caso em que a tese defensiva não conduza à absolvição, como
por exemplo, o arrependimento eficaz. Também surgirá problema na hipótese em que, nos
debates, houver alegação de excesso culposo. Citem-se, também, as dificuldades da votação
quanto ao reconhecimento do erro de tipo e do erro de proibição inescusáveis. No concurso de
agentes, a participação dolosamente distinta será de difícil reconhecimento.
97
Projeto de Lei no 4203/2001 volta à sistemática originária do Código de Processo Penal de 1942, que
previa, no parágrafo único do art. 484 que: “Não serão formulados quesitos relativamente às circunstâncias
agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 44, 45, e 48 do Código Penal”. A redação atual do parágrafo
único do art. 484, foi determinada pela Lei n o 263, de 23 de fevereiro de 1948, que inverteu o sistema,
determinando a quesitação aos jurados sobre circunstâncias agravantes e atenuantes. Cabe observar,
ainda, que a referência aos artigos 44, 45, e 48 tem em vista a Parte Geral do Código Penal 1940, que
correspondem aos atuais arts. 61, 62 e 65, da Parte Geral do Código Penal de 1984.
98
MARREY, SILVA FRANCO e STOCO (Teoria e Prática do Júri, p. 459) entendem que “a forma negativa deve ser
expungida do questionário”.
99
O Júri no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 257, citando julgado do TJSP, Ap. n o
20.526, 2a Câmara Criminal, Rel. Des. Bernardes Júnior, j. 27.5.1948, v.u., RF 123/553. MARREY, SILVA
FRANCO e STOCO (Teoria e Prática do Júri, p. 459) lembram, ainda, que “ao jurado leigo uma resposta
positiva pode anular uma pergunta em forma negativa e uma resposta negativa pode ensejar uma
conclusão positiva, em razão da existência de duas negativas. Com isso, o julgamento pode tornar-se
ambíguo”.
27
Obviamente, para que possa surgir a questão relativa ao excesso, deverá estar em debate
a ocorrência ou não de uma excludente de ilicitude. Assim, se os jurados acolherem a tese
defensiva de que houve, por exemplo, legítima defesa, deverão responder o terceiro quesito com
a cédula “absolvo”. Nenhum problema haverá neste caso.
Outra hipótese será aquela em que a defesa alega a ocorrência da excludente de ilicitude
e o órgão da acusação, em plenário, muda a sua tese, passando a admitir a excludente, mas
alegando que houve excesso doloso ou culposo. Neste caso, tudo dependerá da resposta do
terceiro quesito. Caso respondam “absolvo”, estarão acolhendo a tese de defesa, de legítima
defesa, e conseqüentemente afastando a tese do excesso, doloso ou culposo. Já no caso oposto,
se a maioria dos jurados responder “condeno”, estará afastando a tese de legítima defesa e
acolhendo a tese da acusação de excesso doloso ou culposo.100
Todavia, quando a defesa alegar, como tese principal a excludente, como por exemplo a
legítima defesa, e como tese subsidiária o excesso culposo, será impossível aferir a vontade dos
jurados, caso a resposta ao terceiro quesito seja “condeno”.
Se quiserem acolher a tese da legítima defesa, responderão “absolvo”, no terceiro
quesito, e o resultado será plenamente compreensível. Se quiserem adotar a tese acusatória, p.
ex: condenação por homicídio doloso, e rejeitar as teses defensivas, tanto a principal, p. ex.:
legítima defesa, quanto a subsidiária, p. ex.: excesso culposo, responderão “condeno”. Porém,
se os jurados entenderem que houve excesso culposo, acolhendo a tese defensiva subsidiária, 101
como deverão votar? Não poderão votar absolvo, pois isto implicaria acolher a tese principal, de
ocorrência de legítima defesa. Teriam, pois, que responder o terceiro quesito: “condeno”. Neste
caso, porém, será impossível saber se estão acolhendo a tese acusatória, qual seja, condenação
por homicídio doloso, com exclusão da teses defensivas de legítima defesa e do excesso culposo,
ou se estarão acolhendo a tese defensiva subsidiária, isto é, reconhecendo a ocorrência de
excesso culposo na legítima defesa, que equivale a condenar por homicídio culposo por
equiparação.
Para a resolução de tal impasse, poderia se cogitar a elaboração de um quesito sobre a
desclassificação, nos termos do art. 483, § 6 o, do Projeto de Lei no 4203/2001. Todavia, como o
quesito da desclassificação deverá ser respondido “em seguida à afirmação da autoria ou
participação” – e portanto antes do quesito sobre absolvição ou condenação – inegavelmente o
dispositivo disciplina apenas a hipótese que tem sido denominada desclassificação própria. Já a
condenação por homicídio culposo – na verdade homicídio doloso cometido com excesso culposo,
em relação a uma excludente de ilicitude, e punido como se homicídio culposo fosse – decorre da
denominada desclassificação imprópria, para a qual não há previsão de quesito na sistemática
proposta. Impossível, portanto, a utilização do aluído § 6o do art. 484, do Projeto.
100
Nesse sentido, STOCO, Tribunal do Júri ..., p. 228.
101
Neste passo, entendemos inaceitável a explicação de STOCO (Tribunal do Júri ..., p. 228-229), para a
resposta aos quesitos, no modelo simplificado proposto pelo Projeto de Lei n o 4203/2001, no sentido de
que “a partir de entrada em vigor do novo procedimento do Júri, o excesso punível só poderá ser
considerado se for objeto de expressa invocação e provocação da acusação”. Partindo de tal premissa,
explica que “o excesso somente poderá ser objeto de deliberação implícita no terceiro quesito se a
acusação, reconhecendo durante os debates a ocorrência da causa de exclusão da ilicitude (como por
exemplo a legítima defesa) expressamente defendida pela defesa, sustentar o excesso culposo (ou doloso),
de modo que a resposta por maioria ao terceiro quesito na versão ‘condeno’ sugira que a pena deve ser
correspondente ao crime culposo”. Conseqüentemente, entende, ainda, que “dessume-se que à defesa
caberá, em favor do acusado, apenas alegar as causas de exclusão de ilicitude ou culpabilidade ... Mostra-
se evidente que apenas a acusação poderá alegar tais excessos. Se a defesa o fizer, o acusado deverá ser
considerado indefeso pela razão simples de que a função do defensor será sempre e obrigatoriamente de
buscar a absolvição, jamais a condenação, ainda que mitigada”. A defesa pode, perfeitamente, não
pleitear a absolvição e sustentar um excesso culposo. Bastará pensar na hipótese em que, em tal caso, já
esteja prescrita a pena para o homicídio culposo. O acolhimento do excesso implicará, então, extinção da
punibilidade. Evidente que em tal caso, o acusado não estará indefeso!
28
Melhor será, portanto, prever a possibilidade de formulação de um quesito específico para
os casos de desclassificação imprópria, a ser proposto após a votação do terceiro quesito, quando
a resposta da maioria for “condeno”.
29
III.10.4. Participação dolosamente distinta
Na hipótese de erro, tanto de tipo, quanto de proibição, não haverá problema se o erro
foi escusável ou invencível, na medida que, em um ou em outro caso, o resultado será a
absolvição do acusado. No erro de tipo invencível, a absolvição se imporá por ser a conduta
atípica, ante a exclusão do dolo (CP, art. 20, caput). Já o erro de proibição escusável, a
absolvição decorrerá da ausência da potencial consciência da ilicitude, e conseqüentemente, a
culpabilidade (CP, art. 21, caput). A questão, pois, será resolvida através da votação do terceiro
quesito: “absolvo”.
Todavia, se houver alegação de que o erro foi vencível, a questão torna-se mais
complexa.
102
Nesse passo, parece mais adequada a regulamentação do Projeto de Lei proposto pela CONAMP, que
estabelece: “Se houver tese de participação dolosamente distinta, o quesito correspondente, do qual
constará o crime residual, será o segundo a ser formulado, indagando o juiz se o réu quis participar desse
delito”. De se observar que a sistemática de quesitos desse Projeto é diversa: “o primeiro indagará se ‘o
júri considera o réu culpado?’”. Já no Projeto de Lei n o 4203/2001, o quesito específico sobre deverá ser
formulado após a votação ao terceiro quesito. Mais uma vez, é de se destacar que o Projeto de Lei n o
7130/2002, não apresenta disciplina específica sobre os quesitos, nem mantém a regulamentação atual.
103
Nesse sentido, NUCCI (Roteiro prático do Júri, p. 77) assim se manifesta sobre o tema “afirmando o
segundo quesito e reconhecendo sua competência para julgar, pode acontecer dos jurados, em quesito
subseqüente, reconhecerem tese defensiva que peça o homicídio culposo ou mesmo qualquer outro crime
(como, no caso da participação, a indagação ‘quis o réu participar de crime menos grave, consistente
em ...?’). Estará havendo, nesse caso, a desclassificação imprópria”. De se observar que, em tal hipótese,
somente se pode admitir que o Júri reconheceu sua competência em relação ao crime mais grave,
praticado pelo co-autor. Especificamente em relação ao acusado que alegou a participação em crime
menos grave, o Júri está afirmando que ele não quis praticar um crime doloso contra a vida.
30
Com relação ao erro de proibição vencível, a solução será responder “condeno” ao
terceiro quesito e, no quarto quesito, reconhecer-se a existência de causa de diminuição de pena
(Projeto de Lei no 4203/2001, art. 483, § 5o, inc. I).
Já no erro de tipo vencível, tal como previsto no questionário, não será possível
reconhecê-lo. Se o crime não admitir a modalidade culposa, como por exemplo o aborto, embora
reconhecido o erro de tipo vencível, os jurados deverão absolver o acusado, por atipicidade da
conduta. Já no caso do homicídio, em que há previsão da figura culposa, o reconhecimento de
um erro de tipo vencível implicará a condenação pelo homicídio culposo, 104 ocorrendo a
denomina desclassificação imprópria.
Mais uma vez, portanto, entendemos que a solução será a previsão de um quesito
específico para os casos de desclassificação imprópria, como já sugerido nos itens anteriores.
DAMÁSIO E. DE JESUS (Direito Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 1, p. 259) explica que “na culpa
104
imprópria, também denominada culpa por extensão, assimilação ou equiparação, o resultado é previsto e
querido pelo agente, que labora em erro de tipo inescusável ou vencível. A denominação é incorreta, uma
vez que na chamada culpa imprópria temos, na verdade, um crime doloso a que o legislador aplica a pena
do crime culposo”.
105
DOTTI (Um novo Tribunal do Júri ..., p. 146) lembra que “aplicando-se em caso de homicídio
intensamente qualificado a pena inferior a 20 (vinte) anos, o Juiz deixa de reprovar necessária e
suficientemente a conduta ilícita”.
106
Em sentido contrário, manifestando-se pela manutenção do protesto por novo júri, cf. TUBENCHLAK,
Tribunal do Júri ..., p. 173; PIRES, A reforma do Júri, p. 6; e OLIVEIRA FILHO, A reforma do ..., p. 29. Já
AFRÂNIO SILVA JARDIM, nas III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal, realizadas em Brasília, nos dias
23 a 26 de agosto de 2000, apresentou sugestão no sentido de que o protesto por novo júri fosse mantido,
somente para as hipóteses em que o resultado do julgamento fosse 4x3.
31
O Código de Processo Penal de 1942, em seu art. 492, § 2o, estabelece que “se for
desclassificada a infração para outra atribuída à competência do juiz singular, ao presidente do
tribunal caberá proferir em seguida a sentença”. A mesma regra é mantida no Projeto (art. 492,
§ 1o), com a seguinte ressalva: “quando o delito resultante da nova tipificação for considerado
pela Lei como infração de menor potencial ofensivo, da competência do Juizado Especial
Criminal” (PL, art. 492, § 1o, parte final), caso em que o processo deverá ser remetido ao
Juizado Especial Criminal.
A ressalva tem sua razão de ser, na medida em que a competência dos Juizados Especiais
Criminais é absoluta.107 Além disto, se for o caso, deverá o Ministério Público fazer proposta de
transação antes que seja proferida sentença no Juizado Especial Criminal.
Neste ponto, é de se observar que, a redação do Projeto de Lei n o 4203/2001 determina
que, ocorrendo a desclassificação, o juiz presidente deverá “proferir em seguida a sentença”.
Tal dispositivo indica que a sentença deverá ser proferida na própria sessão de julgamento.
Contudo, é de se observar que, em determinados casos, é possível que a infração para qual
houve a desclassificação, p. ex: desclassificação de tentativa de homicídio para lesão corporal
grave, embora não seja infração de menor potencial ofensivo, permita a suspensão condicional
do processo (Lei no 9.099/95, art. 89). Neste caso, não deverá o juiz “em seguida” proferir
sentença, porque – após o trânsito em julgado da decisão do júri – deverá haver prévia
oportunidade para o acusado aceitar ou não a proposta de suspensão condicional do processo que
deverá ser feita pelo Ministério Público.108
Além desta hipótese, o Projeto de Lei no 4203/2001 também disciplinou a competência
para o julgamento em caso de haver imputação de delito conexo ao crime doloso contra a vida.
107
ADA PELLEGRINI GRINOVER et. al. (Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 3.
ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 1999, p. 79) explicam que “Pelo sistema do Código de Processo Penal, em
face da desclassificação, cabe ao juiz presidente do Tribunal do Júri proferir sentença (art. 492, § 2 o). Mas,
quando a desclassificação for para infração de menor potencial ofensivo, outra deve ser a solução, pois a
competência passa a ser do Juizado Especial Criminal. Transitada em julgado a decisão desclassificatória,
os autos serão remetidos ao Juizado competente, onde será designada audiência prevista nos arts. 70-76
da lei. Não há outra solução, pois a competência dos Juizados para as infrações de menor potencial
ofensivo, por ser de ordem material e por ter base constitucional, é absoluta”. Em sentido contrário,
NUCCI (Roteiro Prático do Júri, p. 79) entende, com fundamento no disposto no art. 492, § 2 o, que não é
necessário que o juiz remeta o processo ao Juizado Especial, devendo ele mesmo praticar os atos
ulteriores. É de se observar, porém, que o mencionado dispositivo legal é anterior à Lei n o 9.099/95. Em
outras palavras, na sistemática originária do Código de Processo Penal de 1942, em não se tratando de
crime doloso contra a vida ou crime cuja competência originária fosse dos Tribunais, caberia ao juiz
singular o julgamento. Porém, com a criação dos Juizados Especiais Criminais, a regra deve ser
reinterpretada à luz desta nova situação, não podendo, a nosso ver, desrespeitar-se o art. 98, inc. I, da
Constituição de 1988, que confere ao Juizados Especiais Criminais, a competência para julgar as infrações
de menor potencial ofensivo.
108
Nesse sentido, já se decidiu que: “ocorrendo a desclassificação, pelo Júri, de homicídio qualificado para
culposo, não é possível o Juiz conceder ao condenado a suspensão do processo sem que o representante do
Ministério Público, titular absoluto da ação penal, tenha oferecido proposta. Ademais, o benefício previsto
no art. 89 da Lei 9.099/95 tem momento próprio para sua incidência (TJSP, Ap. n o 213.944, 5a Câmara
Criminal, Rel. Des. Dante Busana, j. 17.9.98, RT 761/575); “Ocorrendo a desclassificação, pelo Júri, do
crime de homicídio para o de lesões corporais, deve ser promovido o incidente de suspensão condicional do
processo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95” (TJSP, Ap. n o 223.623, 3a Câmara Criminal, Rel. Des.
Gonçalves Nogueira, j. 11.5.99, RT 768/5575). Na doutrina, embora restrinja o entendimento para a
hipótese de desclassificação imprópria, NUCCI (Roteiro Prático do Júri, p. 79) observa que “conforme o
crime, poderá ocorrer transação ou aplicação de suspensão condicional do processo, caso o promotor
concorde. O juiz, nesses casos, não dará sentença condenatória em plenário, mas apenas fará menção à
Lei no 9.099/95, encerrando o julgamento, mas aguardando para, ouvido o Ministério Público, proferir a
melhor solução ao processo”.
32
O art. 492, § 2o, estabelece que “em caso de desclassificação, o crime conexo, que não seja
doloso contra a vida, será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, salvo quando estiver
incluído na competência do Juizado Especial Criminal”.109
Neste ponto, porém, o Projeto parece ter olvidado de uma distinção – com relevantes
conseqüências práticas e jurídicas – já sedimentada na doutrina e na jurisprudência, 110 mesmo
sem regra legal específica, que aparta a desclassificação própria da desclassificação imprópria.
109
O dispositivo foi criticado por HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO, nas III Jornadas Brasileiras de Direito
Processual Penal, realizadas em Brasília, nos dias 23 a 26 de agosto de 2000.
110
É da jurisprudência: “Desclassificação própria é aquela que, afastando uma figura indagada (por
exemplo: tentativa de homicídio), não afirma a existência de qualquer figura (crime de lesões corporais
leves, graves etc.); desclassificação imprópria é aquela que, afastando uma figura indagada (por exemplo:
homicídio doloso), afirma a existência de outra figura penal (por exemplo: homicídio culposo)” (TACRIMSP,
Rev. Crim. no 148.230-1, 2o Grupo de Câmaras, Rel. Juiz Rubens Gonçalves, j. 28.5.86, m.v., JUTACRIMSP
88/29).
111
Cf. MARQUES PORTO, Júri ..., p. 138; NUCCI, Roteiro Prático do Júri, p. 78.
112
Cf. NUCCI, Roteiro Prático do Júri, p. 78; MARREY, SILVA FRANCO e STOCO, Teoria e Prática do Júri, p. 438.
113
Cf. MARQUES PORTO, Júri ..., p. 140; e NUCCI, Roteiro Prático do Júri, p. 78.
114
Cf. MARQUES PORTO, Júri ..., p. 138; e NUCCI, Roteiro Prático do Júri, p. 78.
115
A sugestão de inclusão do parágrafo único foi formulada pelo IBCCRIM (Reforma do Código de Processo
Penal. Sugestões do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 2000, p. 19). Também já havia
sugestão de HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO (Tribunal do Júri. Sessão de Julgamento e assentada especial.
Protestos. In Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 37, jan. 1996, p. 7) no sentido de que o escrivão lavrasse
uma “assentada especial”. Nesse passo, parece mais simples e adequada a regulamentação do Projeto de
Lei 7.130, de 2002, que prevê a elaboração de minuta somente “não sendo possível a imediata” lavratura
da ata (art. 494, parágrafo único).
33
Assim, ao término da própria sessão de julgamento, deverão o juiz e as partes assinar a
minuta da ata, que servirá de base para posterior elaboração da ata.
Também em relação à ata, há mudança sobre quem irá assiná-la. Segundo o Código de
Processo Penal de 1942, assinam a ata apenas o juiz e o representante do Ministério Público (art.
494). O Projeto de Lei no 4203/2001 prevê que, além do Presidente, a ata seja assinada “pelas
partes” (art. 494, caput).116 Assim, além do Ministério Público, também o acusado deverá assinar
a ata. Entendemos que, não só o acusado, mas também o seu defensor deverá assinar a ata.
Aliás, o advogado terá mais condições de verificar a correção da ata e sua correspondência à sua
minuta do que o próprio acusado, que normalmente não tem conhecimentos técnicos. 117 Se
houver assistente de acusação, também deverá assinar a ata, na medida em que, embora com
poderes limitados, não deixa de ser parte, ainda que parte secundária ou ad coadjuvandum.118
Já quanto ao conteúdo, a principal mudança é a exigência de que conste da ata às
alegações das partes com os respectivos fundamentos. Consoante o Código de Processo Penal de
1942, basta constar da ata apenas “os debates orais” (art. 495, inc. XV, segunda parte). O
Projeto de Lei no 4203/2001 exige que a ata descreva “os debates e as alegações das partes com
os respectivos fundamentos” (art. 495, inc. XIV).119
A exigência de que da ata constem as alegações e os fundamentos será fundamental para
se compreender o motivo da absolvição ou da condenação. Como os quesitos serão simplificados,
a ata será fundamental para se saber qual a tese acolhida. Aliás, embora o Código de Processo
Penal de 1942 exija que constem da ata apenas “os debates orais”, a doutrina vem se
manifestando no sentido de que a ata mencione também as teses sustentadas pelas partes,
principalmente para que, em grau de recurso, o Tribunal possa avaliar o que foi pleiteado pela
acusação e qual foi a tese da defesa. 120 A mudança, portanto, vem ao encontro dos reclamos da
doutrina.
116
Dispositivo idêntico era previsto no Projeto Lei no 4900/1995.
O advogado deverá verificar, por exemplo, se todos os seus protestos constam da ata, bem como se dela
117
De se destacar, por fim, que o Projeto de Lei n o 4203/2001 prevê a exclusão de qualquer
influência da decisão penal do Tribunal do Júri sobre a responsabilidade civil. O § 3 o, do art. 492,
do referido Projeto estabelece que “A decisão absolutória, quando afirmada a materialidade do
fato pelos jurados, não faz coisa julgada no cível e não impede a propositura da ação visando a
reparação do dano”.
Inicialmente, há de se observar que o dispositivo não trata da absolvição por
reconhecimento da inexistência do fato material, que decorreria da resposta negativa ao
primeiro quesito. Aliás, é difícil que tal situação ocorra. Se o fato não existiu, dificilmente
haverá prova da existência do fato, para caracterizar a justa causa. Conseqüentemente, a
denúncia deverá ser rejeitada, nos termos do art. 396, inc. III, do Projeto de Lei n o 4207/2001.
Ainda que recebida a denúncia, provada a inocorrência do fato, o acusado deverá ser absolvido
sumariamente (Projeto de Lei no 4203/2001, art. 415, inc. I). Se houvesse dúvida sobre a
ocorrência do fato, o acusado seria impronunciado (Projeto de Lei n o 4203/2001, art. 414,
caput). O sistema portanto, parte da premissa de que se o acusado chegou a ponto de ser julgado
pelo Tribunal do Júri é porque há prova da cabal da materialidade delitiva. A despeito disso,
porém, os jurados serão indagados sobre a “materialidade do fato” (Projeto de Lei n o 4203/2001,
art. 483, inc. I).
122
Cabe destacar que, no § 8 o, do art. 432, do Código de Processo Penal Militar, há previsão dos apartes na
sessão de julgamento do procedimento ordinário, nos seguintes termos: “Durante os debates poderão ser
dados apartes, desde que permitidos por quem esteja na tribuna, e não tumultuem a sessão”.
123
MARQUES PORTO (Júri ..., p. 356-357) observa que “não está dentre as atribuições do Juiz togado na
presidência da sessão (art. 497) a ordenação, por critério pessoal, de fórmulas para o exercício de aparte.
E nem poderia estar presente previsão para o tema, pois a lei entrega a cada uma das partes períodos de
tempo determinados e não poderiam ser, por qualquer motivação, violentados mediante redução
decorrente da interferência de aparte, em benéfico do aparteador. Assim, a negativa, pelos acusadores ou
pelos defensores, de interrupções à exposição oral represente o exercício de um direito que decorre e que
convive com muitas fontes constitucionais e processuais voltadas para a plenitude do contraditório através
da igualdade das partes”.
124
Nesse sentido, cf. JOSÉ RUY BORGES PEREIRA. Tribunal do Júri, Crimes Dolosos Contra a Vida. São Paulo:
Savaiva, 1993, p. 346. Também, NUCCI (Roteiro Prático do Júri, p. 33), acrescentando, ainda, que deverá
também o Juiz Presidente “oficiar ao órgão cabível (Procuradoria Geral da Justiça, Procuradoria Geral do
Estado ou Ordem dos Advogados do Brasil), comunicando o ocorrido e solicitando providências”.
35
Consoante o Código de Processo Penal de 1942, aliás, a única hipótese em que a
absolvição criminal veda a ação cível é o reconhecimento da inexistência do fato: 125 “não
obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não
tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato” (CPP, art. 66). Em tal
caso, o acusado será absolvido nos termos do inc. I, do art. 386, do Código de Processo Penal de
1942. Como já destacado, do ponto de vista da dinâmica processual, é muito difícil que tal
hipótese ocorra no julgamento do Tribunal do Júri.
Há, porém, um outro óbice par que a absolvição criminal do Tribunal do Júri, mesmo
quando se funde na inexistência material do fato, feche as portas das vias cíveis. É que a ação
civil somente ficará excluída se for reconhecido, categoricamente, que o fato não existiu (Código
de Processo Penal de 1942, art. 386, inc. I). Se o acusado for absolvido porque há dúvida sobre a
existência material do fato (Código de Processo Penal de 1942, art. 386, inc. II), a ação cível
poderá ser proposta. Contudo, no Tribunal do Júri, quando os jurados votam negativamente ao
primeiro quesito, que diz respeito à materialidade e autoria (Código de Processo Penal de 1942,
art. 484, inc. I) ou mesmo no sistema do projetado, em que haverá um quesito específico sobre a
materialidade delitiva (Projeto de Lei n o 4203/2001, art. 483, inc. I), por se tratar de decisão não
motivada, será impossível saber se estão negando categoricamente a existência material do fato,
ou se estarão, absolvendo com base no in dubio pro reo, pois não há prova plena da ocorrência
do fato.126 Além disto, como o quesito engloba, além da materialidade delitiva, também a
indagação quanto à autoria, e ao nexo causal, será impossível saber qual das três questões
recebeu resposta negativa.127
125
Nesse passo, é de se observar que o Código Civil de 1916, estabelecia, como regra, a independência da
jurisdição civil e criminal, com duas exceções, a decisão sobre autoria e a decisão sobre a existência do
fato. Já o Código de Processo Penal, manteve a regra geral de independência, mas restringiu as exceções a
apenas uma: a inexistência material do fato. Por ser lei posterior, o Código de Processo Penal de 1942
revogou a segunda exceção à regra geral, relativa à autoria delitiva. Contudo, o Código Civil de 2002, em
seu art. 935, voltou a regra anterior, excepcionado tanto a existência do fato, quanto a autoria. De se
observar, porém, que não será possível aplicar esta segunda exceção, na medida em que a decisão penal
jamais poderá decidir plenamente sobre a autoria no âmbito penal. É interessante uma comparação com o
tratamento dado ao fato material. Neste caso, o legislador bipartiu as hipóteses absolutórias, uma para o
caso de certeza – “estar provada a inexistência do fato” (CPP, art. 386, inc. I) – e outra para a dúvida –
“não haver prova da existência do fato” (inc. II). Já com relação à autoria, somente existe a fórmula
dubidativa: “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal” (inc. IV). Justamente por
isto, ARAMIS NASSIF (Absolvição e álibi (não-autoria). Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
São Paulo, n. 54, p. 13) sugere substituir o inciso VI, do art. 386, do Código de Processo Penal de 1942, por
outros dois, com as seguintes redações: Art. 386 – o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte
dispositiva, desde que reconheça: (...) VI – estar provado que o réu não foi autor do fato; VII – não houver
prova de ter sido o réu autor do fato”.
126
JOSÉ FREDERICO MARQUES (Estudos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 250)
observa que “em decisão não motivada, como a do júri, impossível é saber-se se a referida negativa foi ou
não categórica”. E conclui: “como se vê, a absolvição ditada pelo júri em virtude de negativa do fato
principal, em nada influi sobre a responsabilidade civil”.
127
HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO e JOSÉ CARLOS MASCARI BONILHA (Júri: Autoria e Materialidade no Mesmo
Quesito? Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 84, nov. 1999, p. 6) explicam que “caso os jurados respondam
negativamente ao primeiro quesito, votando não, por unanimidade ou por maioria de votos, estará o réu
absolvido, evidentemente. Mas, por qual fundamento? Por ter sido reconhecido que o fato materialmente
não ocorreu? (O que garantiria ao acusado estar alijado de ser perseguido, judicialmente, na esfera cível
por quem se diz vítima e que procura indenização.) Por negativa de autoria? Ou, por fim, porque inexistiu
nexo causal entre o comportamento do agente e o resultado?” Diante disto, concluem: “Com a premente
finalidade de obstar-se que isso perdure, há imperiosa necessidade de que o primeiro quesito seja
fracionado, para que questões diversas sejam objeto de quesitos autônomos e separadamente votados.
Vale dizer, deve ser feito um quesito concernente à existência material do fato; outro pertinente à autoria
delitiva e outro, ainda, atinente ao nexo causal entre conduta e resultado. Posto isso, teríamos, ao invés
de um único quesito englobando três importantes e distintas questões, três, versando, cada qual, sobre
36
O dispositivo projetado estabelece apenas que absolvição criminal, por negativa de
autoria, não produzirá o efetivo de obstar a ação civil visando à reparação do dano causado pelo
delito.128
Nesse passo, é de se observar que o Código Civil de 1916, estabelecia, em seu art. 1525, a
regra geral da independência da jurisdição civil e criminal, havendo, contudo, duas exceções: 1)
a decisão sobre autoria, 2) a decisão sobre a existência do fato.
O Código de Processo Penal de 1942, no artigo 66, manteve a regra geral de
independência, mas restringiu as exceções a apenas uma: a inexistência material do fato. É
interessante uma comparação entre o tratamento dado à autoria e ao fato material. Neste caso,
o legislador bipartiu as hipóteses absolutórias, uma para o caso de certeza – “estar provada a
inexistência do fato” (CPP, art. 386, inc. I) – e outra para a dúvida – “não haver prova da
existência do fato” (inc. II). Já com relação à autoria, somente existe a fórmula dubidativa: “ não
existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal” (inc. IV). 129 Jamais, portanto, uma
sentença penal, em seu dispositivo, poderá conter a afirmação categoria de que o acusado não
foi o autor do fato. Quer por uma interpretação isolada do artigo 66 do Código de Processo Penal
de 1942, quer por uma interpretação sistemática de tal diploma – que é lei posterior –, é inegável
a revogação da segunda exceção à regra geral, relativa à autoria delitiva, anteriormente prevista
no Código Civil.
Contudo, o novo Código Civil de 2002, em seu artigo 935, restabeleceu a regra anterior,
excepcionado tanto a existência do fato, quanto a autoria. De se observar, porém, que não será
possível aplicar esta segunda exceção, na medida em que a decisão penal jamais poderá decidir
plenamente sobre a autoria no âmbito penal. Como regra geral, não há previsão explícita de
absolvição penal por “estar provado que o acusado não foi autor do fato”. Todavia, o próprio
Projeto de Lei no 4203/2001 trará uma hipótese de absolvição por estar provado que o acusado
não foi o autor do fato, como um dos novos casos de absolvição sumária (art. 415, inc. II). Tal
dispositivo, conjugado com o artigo 935 do novo Código Civil, permitirá afirmar que a absolvição
sumária, na hipótese em que o acusado não foi o autor do delito, impedirá a ação civil. Nem se
objete que o art. 493, § 2 o, do Projeto de Lei n o 4203/2001 vedará tal solução, posto que era
aplicação limitada à absolvição proferida pelo Juiz-Presidente, com base na afirmação dos
jurados, e não aos casos de absolvição sumária.
Em suma, no Projeto de Lei no 4203/2001, a absolvição sumária, com fundamento da
prova de que acusado não é o autor do crime, impedirá a ação civil ex delicto (art. 413, inc. II,
cc. art. 935 do Código Civil). Já a absolvição decorrente da resposta negativa ao segundo
quesito, sobre a autoria, manterá integra a possibilidade de propositura da ação civil (Projeto de
Lei no 4203/2001, art. 492, § 3o).
BIBLIOGRAFIA
uma dessas. (...) E por quê isso é relevante? Para sabermos se o acusado, absolvido criminalmente, com o
devido trânsito em julgado, está, ou não, livre de figurar no pólo passivo de uma ação cível, que, movida
pela parte ofendida da infração penal, eventualmente existente, visa o ressarcimento do dano”.
Discordamos desta conclusão final, pois a resposta negativa ao quesito sobre a materialidade, por ser
imotivada, jamais significaria o categórico reconhecimento da inexistência material do fato.
128
Cf., supra, nota 123.
Justamente por isto, NASSIF (Absolvição e álibi ..., p. 13) sugere substituir o inciso VI, do art. 386, CPP,
129
por outros dois, com as seguintes redações: Art. 386 – o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na
parte dispositiva, desde que reconheça: (...) VI – estar provado que o réu não foi autor do fato; VII – não
houver prova de ter sido o réu autor do fato”.
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