Exposição de Motivos - Código de Processo Penal
Exposição de Motivos - Código de Processo Penal
Exposição de Motivos - Código de Processo Penal
689, DE 3 DE OUTUBRO DE
1941 - Exposição de Motivos
Veja também:
No Governo do Presidente Ernesto Geisel deu-se início à edição de novo Código de Processo Penal, tendo por base o anteprojeto
elaborado em 1970 pelo Professor José Frederico Marques, revisto por Comissão composta dos Professores Benjamin Moraes Filho, José
Carlos Moreira Alves e José Salgado Martins, este último substituído, em virtude de falecimento, pelo Professor Hélio Bastos Tornaghi.
2. Essa Comissão submeteu o anteprojeto a debates em congressos juristas, incorporando-lhe, ao cabo de extensa e profunda revisão
crítica, a colaboração do que havia de mais expressivo em nossa cultura jurídica, na área do Direito Processual Penal.
3. Em 1975, o Poder Executivo remeteu o projeto ao Congresso Nacional. Na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o texto foi
novamente submetido ao exame de professores, magistrados, advogados e membros do Ministério Público, entre junho de 1975 e novembro
de 1977. A mencionada Comissão Especial da Câmara dos Deputados foram apresentadas 784 emendas (Parecer do Relator Geral,
Deputado Geraldo Freire, in "Diário do Congresso Nacional", Suplemento ao nº 136, de 4-11-1977), muitas das quais acolhidas pela
Comissão e aprovadas em Plenário. A contribuição da Câmara dos Deputados resultou em inegável enriquecimento do projeto, que adquiriu,
daí por diante, o caráter de obra comum, reveladora das tendências jurídico-culturais dominantes.
4. Datam, contudo, da aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados os fatores que aturam no sentido da reconstrução do texto. O
desenvolvimento da sociedade brasileira na década de 70 resultou em problemas novos para a administração da Justiça Criminal, o que
impôs a revogação do Código Penal de 1969, antes mesmo de sua entrada em vigor. Tornou-se, assim, inadequado o projeto em muitas de
suas concepções, dada a sua relação com os postulados do Código Penal revogado. A incorporação do rol de emendas aprovadas pela
Câmara afetou-lhe a estrutura sistemática. Finalmente, repercutira, nele as modificações introduzidas no sistema de penas pela Lei nº 6.416,
de 24/5/1977, imposta ao legislador pela crescente pressão dos índices de criminalidade.
5. Em decorrência desses fatos históricos, o projeto foi retirado do Congresso Nacional pela Mensagem de 30/8/1978, do Presidente
Ernesto Geisel.
6. Os trabalhos destinados à edição do novo estatuto processual penal foram retomados no Governo de Vossa Excelência, quando instituí
a Comissão composta dos Professores Rogério Lauria Tucci, da Universidade de São Paulo, Francisco de Assis Toledo, Subprocurador Geral
da República junto ao Supremo Tribunal Federal, e Hélio Fonseca, da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, que sob minha
assistência elaborou extenso e minudente trabalho de pré-elaboração legislativa, com a colaboração de especialistas e entidades jurídicas de
todo o País, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro, onde importantes debates foram realizados.
7. Tornou-se necessário reformular o projeto elaborado por essa Comissão, dadas as múltiplas sugestões apresentadas. Incumbi dessa
tarefa os Professores Rogério Lauria Tucci e Francisco de Assis Toledo, cujo trabalho de reformulação foi submetido a revisão técnico-jurídica
pelo Professor José Frederico Marques, com revisão lingüistica a cargo do Professor Aires da Matta Machado.
8. Compôs-se, assim, o Anteprojeto de Código de Processo Penal, que convinha submeter em sua redação final à comunidade jurídica do
País, com o objetivo de colher ainda o maior número possível de contribuições. Com essa finalidade, o anteprojeto foi publicado em avulso
pela Imprensa Nacional e também no diário Oficial da União, Suplemento ao nº 97, de 27-5-1981.
9. O debate que então se estabeleceu tece caráter nacional, destacando-se entre as numerosas discussões realizadas as que
transcorrem no I Congresso Nacional de Política Criminal e Penitenciária, promovido sob os auspícios do Conselho Nacional de Política
Penitenciária, deste Ministério, da Universidade de Brasília e do Governo do Distrito Federal.
10. Nessa fase última de debate foram recebidas mais de seiscentas sugestões de emendas, muitas delas total ou parcialmente acolhidas
pela Comissão revisora que nomeei, integrada pelos Professores Francisco de Assis Toledo, Coordenador, José Frederico Marques, Jorge
Alberto Romeiro e Rogério Lauria Tucci.
11. Coube a essa Comissão revisora dar forma definitiva ao Projeto, fruto de longo e valioso esforço de numerosos juristas, o qual tenho
agora a honra de submeter à superior apreciação de Vossa Excelência.
12. Mantém o Projeto as partes fundamentais de codificação elaborada pelo Professor José Frederico Marques. Adota boa parte do texto
original, emendado pela Câmara dos Deputados. Embora resguarde a estrutura do referido Anteprojeto, aproveita as sugestões úteis,
formuladas ao longo de tão numerosos debates. Reorganiza-o, enfim, com as subtrações, modificações e adições tidas como apropriadas e
relevantes.
13. Trata-se de Projeto moderno, ajustado às exigências atuais da Ciência Processual Penal e à realidade brasileira, cujas inovações
principais devem ser desde logo destacadas:
a) simplificação do sistema procedimental, designadamente do recursal, com a instituição de procedimento sumaríssimo adequado ao
julgamento das causas de menor relevância e das atinentes aos denominados delitos de trânsito;
b) utilização de gravação sonora ou meio equivalente, onde seja possível e conveniente, na audiência de instrução e julgamento;
c) poder de aplicação, pelo juiz, de medidas alternativas à prisão provisória, de acordo com as recomendações da Organização das
Nações Unidas em Congresso realizado em 1980 em Caracas, Venezuela, sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente;
d) criação de órgão colegiado de primeira instância, para julgamento, em grau de recurso, das causas processadas em rito sumaríssimo,
visando o desafogo dos trabalhos dos tribunais;
e) simplificação do procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri, particularmente no tocante à formulação de
quesitos;
f) deslocação do exame criminológico para o processo de execução, como incidente destes; e
g) fortalecimento do instituto da prisão preventiva com referência ao delinqüente perigoso, nos crimes de roubo, latrocínio, extorsão,
seqüesto, estupro, atentado violento ao pudor, rapto não consensual que determine dependência física ou psíquica, com o propósito de
melhor aparelhar a Justiça Penal para o combate a estas modalidades mais graves de delinqüência.
14. Ao regulamentar o processo penal e as cautelas exclui o Projeto o Título pertinente á execução da pena, matéria constante de projeto
autônomo - o Projeto de Lei de Execução Penal, cujo texto estou encaminhando, igualmente, ao exame de Vossa Excelência.
15. Delimita o Projeto os órgãos da justiça comum, segundo os preceitos constitucionais específicos, razão pela qual são excluídos os
processos por delitos de imprensa e os cometidos por meios de telecomunicação, os de extradição e os referentes a tóxicos, bem como os
pertinentes a situações prescritas em tratados, convenções e regras de Direito Internacional.
16. Mantêm-se os princípios da interpretação extensiva, da aplicação analógica e do suplemento dos princípios gerais de direito.
17. Quanto à aplicação da lei processual no tempo, foram aduzidas à regra do artigo 3º, acolhida sem discrepância pela doutrina
processual, as dos artigos 707 e 710, de caráter transitório, com o propósito de regulamentar situações abrangidas, simultânea e
sucessivamente, pela nova legislação. Cabe, a propósito, a lição de VINCENZO MANZINI (v. Tratatto di Diritto Processuale Penale Italiano.
Turim, vol. I, págs. 204 e 206, nota 3) de que não devem ser confundidos os problemas de direito transitório processual penal com os de
direito transitório penal material, já que a lei processual penal se aplica ao procedimento, que diz respeito ao presente e ao futuro, e não à
infração cometida.
DA AÇÃO PENAL
18. Ao estabelecer a disciplina da ação penal atém-se o Projeto às disposições constantes da Parte Geral do Código Penal, objeto da
reforma cujo texto acabo de submeter ao alto descortino de Vossa Excelência. A ação penal distingue-se em pública e de iniciativa privada,
expressão sugerida pelo saudoso Professor Serrano Neves e sem dúvida mais adequada que a atual. A ação será pública quando promovida
quando intentada mediante queixa formulada pelo ofendido ou por quem possua qualidade para representá-lo, quer exclusiva, quer
supletivamente (artigo 6º e § 1º).
19. Devolvendo ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, aboliu-se, por vedação expressa, o procedimento de
ofício (artigo 5º), ou seja, a atuação espontânea de órgão jurisdicional, visando à indicação de processo penal (of. JOAQUIM CANUTO
MENDES DE ALMEIDA, Princípios Fundamentais do Processo Penal, São Paulo, 1973, págs. 87 a 91/2).
20. Em obediência à mesma orientação, estabeleceu-se a imprescindibilidade do fundamento razoável, bem como a do legítimo interesse,
como requisitos de justa causa, sem a qual não pode prosperar a acusação (df. JOSÉ FREDERICO MARQUES, Elementos de Direito
Processual Penal, Rio de Janeiro, 1965, Vol. IV, págs. 397/8).
21. Na sistematização da denominada notitia criminis, estabelecida nos artigos 10 a 13, cuida o Projeto de uniformizar a terminologia,
adotando, em lugar de comunicação ou notícia, a locução notícia da infração penal, abrangente tanto de crime como de contravenção.
22. Esses mencionados preceitos, complementados pelos dos artigos 211 e 212, confirmam com destinatários da notícia da infração penal
apenas a autoridade policial e o Ministério Público, o que importa em posicionar com clareza os integrantes da persecução penal em todo o
seu desenvolvimento.
23. Tendo disposto com precisão sobre os destinatário da notícia da infração penal, o Projeto houve por bem afastar o juiz da notitia
criminis, livrando-o da condição ainda que eventual de agente do Estado na persecutio criminis, ao mesmo tempo que lhe envolve o
exclusivismo, absolutamente necessário, do poder de decisão.
24. Circunscrita unicamente ao Ministério Público a iniciativa da ação penal pública, a notícia de qualquer infração ser-lhe-á
necessariamente dirigida pelo agente do Poder Judiciário, quer para requisitar a instauração de inquérito policial, quer para formular desde
logo a acusação.
25. O Projeto inclui dispositivo idêntico ao do artigo 40 do Código de Processo Penal em vigor, reproduzindo-o no parágrafo único do
artigo 12.
26. Apresenta, finalmente, duas outras inovações: a do artigo 12, inciso I, que estende o dever de noticiar a infração penal aos que dela
tenham conhecimento no exercício de atividade delegada pelo Poder Público, e a do parágrafo único do artigo 11, pertinentes à
retratabilidade da requisição do Ministro da Justiça (que é, sem dúvida, notícia de infração penal, dada ao Ministério Público) até o
oferecimento da denúncia (df. JORGE ALBERTO ROMEIRO, Da Ação Penal, Rio, 1978, págs. 165/70).
DA JURISDIÇÃO E DA COMPETÊNCIA
27. Quanto à jurisdição e à competência, o Projeto discrimina os órgãos judiciários no artigo 20, expressa norma atinente ao princípio do
juiz natural no artigo 22 e estabelece, no artigo 23, a persecutio jurisdictionis.
28. Ao estatuir as regras relativas à competência, adotou o Projeto a concepção tripartida, fundada na observância da ratione loci, ratione
materiae e ratione personae (cf. VICENTE DE PAULO-VICENTE DE AZEVEDO, Curso de Direito Judiciário Penal, São Paulo, 1958, vol. 1º,
pág. 161, e JOSÉ FREDERICO MARQUES, Elementos de Direito Processual Penal, cit., 2ª ed., vol. I, págs. 233/8), nesta mesma ordem,
para melhor distribuição da matéria.
29. A regulamentação da competência territorial foi mantida praticamente na íntegra (artigos 24 a 29). Foram suprimidas, porém,
disposições concernentes à competência em razão da matéria, disciplinada nos artigos 30 a 34, ás quais acrescentou-se, no entanto, a do
parágrafo único do artigo 33, que atribui à Justiça Estadual o processo e o julgamento de contravenções penais de competência da Justiça
Federal, praticadas em município alheio ao da sede de sua Seção Judiciária.
30. A regra é análoga à das leis em vigor sobre tráfico de tóxicos e tem sido aplicada pelo Supremo Tribunal Federal aos processos por
crimes de tráfico internacional de entorpecentes, para viabilizar a celeridade dos julgamentos.
31. Os preceitos relativos á competência funcional, contidos nos artigos 35 a 37, sofreram acentuadas modificações, destacando-se a do
parágrafo único do artigo 35, as do inciso VI e § 2º do artigo 36 e a do artigo 37.
32. Derivam tais alterações da necessidade urgente de se adequar o novo estatuto processual penal às normas constitucionais e à
realidade forense. A do parágrafo único do artigo 35, conjugada com os parágrafos únicos dos artigos 507 e 531, tem relevo ainda mais
significativo, pela instituição do juízo colegiado de primeira instância, dotado de competência para julgamento dos recursos interpostos nas
causas de procedimento sumaríssimo da justiça local. A criação e a organização desse órgão são remetidas às leis estaduais de organização
judiciária.
DO JUIZ PENAL
33. Na determinação dos poderes e deveres do juiz (artigos 59 a 62), o Projeto admite a iniciativa jurisdicional na perquirição da verdade,
dado relevante de todo processo penal, sem afetar, contudo, a marcada tendência para o sistema acusatório, ora adotado.
34. Pôs-se em destaque, no artigo 59, inciso I, e no parágrafo único do artigo 61, conjunto de preceitos reguladores do contraditório,
destinado à garganta de ampla defesa do acusado, em obediência à norma prescrita na Constituição.
35. As hipóteses de impedimento e de suspeição aduziu-se a da incompatibilidade do juiz para exercer suas funções no processo (artigos
63 a 70), suprindo-se, assim, omissão do Código em vigor. Substitui-se texto anterior, pertinente a suborno, pelo inciso V do artigo 63.
36. A adição constante do artigo 65 cria obstáculo ao propósito de criar impedimento ou forjar suspeição. A do artigo 70 prescreve a
exceção como forma processual de argüir o impedimento, a incompatibilidade e a suspeição, estabelecendo os artigos 240 e 245 a 257 o
respectivo regulamento.
37. O Projeto reduz para um o número de peritos oficiais anteriormente estabelecido. Esta tem sido a solução encontrada pela
jurisprudência brasileira e não há fundamento razoável para alterá-la (RTJ, 65/816; RF, 200/217, RT, 470/339; JTACSP, 10/339).
38. Suprimiu-se, ainda, o texto do primitivo § 1º do artigo 77 (ao qual corresponde o artigo 76 do Projeto), de forma a restringir a
expressão peritos a "pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos" (cf. VALENTIN SILVA MELERO), La prueba procesal, Madrid,
1936, tomo I, pág. 273).
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
39. Já no Projeto de sua organização, que tive a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência e do qual resultou a Lei
Complementar à Constituição nº 40, de 14-12-81, buscávamos conferir ao Ministério Público a dignidade de instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, reconhecendo-lhe não apenas a condição de titular exclusivo da ação penal pública e de fiscal da aplicação
da Lei, mas também a de responsável pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade.
40. O Projeto reafirma os conceitos enunciados na Lei Orgânica, ao estabelecer o conjunto de suas atribuições.
41. Atuando, embora, como parte, a finalidade com que se move o Ministério Público e a da preservação do interesse social. Definiu-o
Carnelutti, por força dessas circunstâncias, como parte "sui generis" ou imprópria (Principi del Processo Penale, Morano, Napoli, 1960, pág.
42).
42. O Projeto acolhe os princípios doutrinários que situam o Ministério Público como instituição subordinada exclusivamente aos princípios
da legalidade, da descoberta da verdade e da realização da justiça, extraindo dessa condição superior as conseqüências lógicas. Assume
assim o Ministério Público, em razão da lei, a posição de dominus litis, cabendo-lhe, contudo, impetrar habeas corpus e interpor recursos em
favor do réu (artigos 501, § 1º e 646).
43. Confere-lhes, assim, poderes novos, indispensáveis ao desempenho de suas funções no sistema processual ora adotado, no qual se
revaloriza igualmente o papel de defesa. Quebrar-se-ia, sem tais cautelas, o equilíbrio entre a acusação e a defesa, pressuposto básico de
realização da justiça criminal.
44. O verdadeiro perfil do novo Ministério Público se delineia com precisão não só nos capítulos que especificamente lhe dizem respeito,
mas no Projeto como um todo, e na respectiva Lei Orgânica (cf. FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, O Ministério Público e a Reforma Penal,
conferência proferida no III Encontro do Ministério Público Fluminense, 1982).
45. Suas atribuições estão reestruturadas nos artigos 81 a 86, que regulamentam a fase pré-processual de apuração dos dados
necessários ao oferecimento da denúncia, com a garantia da assistência de advogado ao indiciado.
DA POLÍCIA JUDICIÁRIA
46. As atribuições da Polícia Judiciária estão relacionadas no artigo 107 do Projeto: cabe-lhe colher as provas na primeira fase da
persecutio criminis, nos autos do denominado inquérito policial, destinado, eventualmente, a servir de base à acusação.
47. Na elaboração desse elenco de atribuições teve-se presente a interdependência funcional entre Polícia Judiciária, Poder Judiciário e
Ministérios Público, matéria cuja delicadeza exige precisão de limites e exatidão de conceitos.
48. Embora judiciária, essa ramificação da atividade policial está organicamente encartada na máquina executiva de outro Poder, donde o
reconhecimento de seu caráter misto: é judiciária nos fins, mas administrativa em sua forma e substância (cf. HÉLIO BASTOS TORNAGHI,
Instituições de Processo Penal cit., vol. II, pág. 202, FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIRA; in Arquivos da Polícia Civil de São
Paulo, São Paulo, 1942, vol. 3/1 págs. 221 e seguintes).
49. O Projeto entrosa as atuações da Polícia Judiciária e do Ministério Público, regulamentando-as minuciosamente nos Capítulos I a IV
do Título II (Do procedimento ordinário), integrantes do Livro IV, relativo ao processo de conhecimento.
50. Nos artigos 211 a 222, 225 a 231 e 233 a 235 encontram-se as normas disciplinares do procedimento policial, desde a notícia da
infração penal até o oferecimento da denúncia ou pedido de arquivamento do inquérito policial. Nos artigos 213, 214 e 215 se estabelece a
interdependência funcional entre polícia Judiciária e Ministério Público. Nesses mesmos artigos confere-se a este o poder de determinar a
realização de diligências indispensáveis ao esclarecimento de fato relevante para o Direito Penal e de quem tenha sido o seu autor.
51. Mantém o Projeto a designação autoridade policial em lugar de delegado de polícia, por abranger a primeira os funcionários públicos
que exerçam a mesma atividade, tanto nos Estados como na Polícia Federal. Distingue, ainda, a autoridade policial de seus agentes. Tem-se
a primeira como pessoa que, investida por lei, dirige as atividades da Polícia Judiciária, no âmbito de suas atribuições; têm-se os segundos
como pessoas encarregadas da prática de atos investigatórios ou coativos, com a finalidade de prevenir ou reprimir a prática de infrações
penais.
DO INDICIADO OU ACUSADO E DO
DIREITO DE DEFESA
52. O Projeto assegura ao ser humano submetido à persecutio criminis a amplitude do direito de defesa prescrita no artigo 153, § 15, da
Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
53. As regras essenciais, asseguradoras do direito de defesa, estão confirmadas nos artigos 14 a 17 e 87 a 90, que uniformizam ainda a
terminologia com o emprego, tão-só, da expressão acusado, em lugar de réu. Ocorreu o mesmo no tocante aos atos do procedimento e às
providências cautelares.
54. Destacam-se, a propósito, os preceitos contidos nos artigos 154, incisos V e VI, e 158, incisos IV e V, segundo os quais o ato de
citação somente se perfaz com o "esclarecimento de que o acusado tem direito à defesa por intermédio de advogado da assistência
judiciária, onde houver, ou de defensor dativo, se lhe faltar condição para efetuá-la por defensor constituído", e a "indicação do local onde
funciona a assistência judiciária".
55. Isso significa que a defesa do acusado, elaborada antes do oferecimento da denúncia ou da queixa (artigos 237, 240, 244 e 256), deve
revestir-se de caráter efetivo, como verdadeira contrariedade à acusação.
56. O contraditório domina toda a instrução criminal, com o escopo de apuração da verdade material, relevando-se, por inteiro, no direito
de audiência, ou seja, "na expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no
Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo, como "co-participação" de todos os
interessados na criação da decisão" (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, vol. I, pág. 158).
57. Essa conceituação ampla do direito de defesa levou o projeto a consagrar duas outras disposições: a do artigo 18, que considera o
defensor como partícipe da Jurisdição Penal, e a do artigo 198, inciso III, que fulmina o processo com a sanção de nulidade insanável,
quando, "por violação do contraditório, ou regra a ele inerente, houver prejuízo substancial à defesa do acusado".
58. Estabeleceram-se os ônus e deveres do indiciado e do acusado, nos artigos 91 a 97. Se o acusado não pode ser compelido a
apresentar prova que o incrime (artigo 262), também lhe é vedado o exercício abusivo do direito de defesa. Impõe-se-lhe a cooperação, para
o regular desenvolvimento da persecutio criminis.
DO OFENDIDO
59. Nos artigos 98 a 104 o Projeto disciplina a atuação do ofendido no desenrolar da persecução penal.
60. Evitou-se nessas disposições o emprego do vocábulo parte, visto que nem sempre o ofendido figura como tal, no âmbito do processo
penal.
61. No artigo 100, § 2º, fixou-se em seis meses o prazo de decadência da queixa ou representação, contados do dia em que o ofendido ou
seu representante legal vem a saber quem é o autor do crime, na ação penal de iniciativa exclusivamente privada, ou a partir da data em que
se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia, no caso de ação penal de iniciativa privada subsidiária, prevista no artigo 6º, § 1º.
62. O critério adotado é o artigo 38 do atual Código de Processo Penal, acolhido sem restrições pelos mais autorizados doutrinadores da
matéria em nosso País (v. ALOYSIO DE CARVALHO FILHO e JORGE ALBERTO ROMEIRO, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro,
1979, vol. IV págs. 402/4; JOSÉ FREDERICO MARQUES, Tratado de Direito Penal, 2ª ed., São Paulo, 1966, vol. III, pág. 398; HÉLIO
BASTOS TORNAGHI, Curso de Processo Penal, São Paulo, 1980, Vol. I, pág. 70; CHRISTIANO JOSÉ DE ANDRADE, Da Prescrição em
Matéria Penal, São Paulo, 1979, pág. 36).
63. Suprindo a omissão existente, o Projeto regulamenta o direito de representação nos §§ 3º a 6º do mesmo artigo 100; e admite o
ofendido como litisconsorte no processo de habeas corpus "impetrado por falta de justa causa da ação penal de iniciativa privada" (artigo
103, inciso I), restringindo, porém, a admissão a esse caso único, em que a decisão dos habeas corpus poderá fulminar o direito de queixa. A
exceção se justifica diante do inegável interesse do ofendido no desfecho do writ, destinado a trancar a ação penal por ele ajuizada.
64. Ao assegurar ao ofendido possibilidade de larga atuação no processo, atende o Projeto ao propósito de assegurar a reparação do
dano causado pelo crime, prescrito no Livro V, artigos 662 a 689. Para tornar efetiva a medida alvitrada, dispõe-se sobre a reparação do dano
nos artigos 688 a 689.
65. O Projeto efetuou modificações de caráter formal no Livro pertinente aos Atos Processuais.
66. Adotou as regras da instrumentalidade das formas, exceto quando imprescindíveis à conformação do ato, e as da publicidade dos atos
processuais, ressalvados as exceções estabelecidas no § 1º do artigo 111.
67. Reafirmou a obrigatoriedade do uso do vernáculo em todos os atos e termos do processo (artigo 109). Confirmou a classificação dos
atos do juiz, no processo de conhecimento, em sentenças, decisões e despachos (artigo 114). Manteve a regulamentação dos atos dos
auxiliares do juízo, especialmente os do escrivão ou chefe de secretaria (artigos 116 a 120). Disciplinou a realização dos atos, estabelecendo
as exigências de tempo, lugar, prazos e comunicação, inclusive cartas (artigos 121 a 171).
68. Encontram-se particularmente prescritos nos artigos 169 e 191, a distribuição, visando a distribuir os feitos entre juízes e escrivães
segundo rigorosa igualdade, e o registro em livro próprio, com a finalidade de documentar-lhes a existência.
69. No parágrafo único do artigo 169 mantêm-se tais atos como indispensáveis, quando a notícia da infração penal tiver como destinatário
o Ministério Público, visto que o arquivamento dos autos do inquérito policial ou de peças de informação, em face do que dispõe o artigo 227,
somente se fará em juízo, e por decisão do juiz competente, a pedido do Ministério Público. A conveniência desse procedimento foi
recomendada na conclusão do III Congresso Internacional de Magistrados, realizado em Berlim, em 1969 (III Internationaler Richter -
Kongress in Berlin, cf. JORGE ALBERTO ROMEIRO, Elementos de Direito Penal e Processo Penal, São Paulo, 1978, págs. 190/1).
70. Finalmente, quanto ás nulidades, conjugaram-se os princípios da instrumentalidade das formas e da garantia constitucional da ampla e
plena defesa do acusado (artigos 193 a 200).
71. O artigo 198 dispõe em particular a respeito das situações em que a nulidade deve ser declarada ex-officio. Já na Exposição de
Motivos de anteprojeto primitivo se asseverava, com razão: "Abolir as nulidades absolutas do processo penal é comprometer o direito de
defesa plena", pois é verdade que o fetichismo da forma já se encontra superado, menos certo não é que os atos destinados a assegurar a
plenitude do direito de defesa não podem ser omitidos, nem desrespeitadas as formas que a lei lhes imprime justamente para garantir aquele
direito em sua plenitude".
DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
72. O processo de conhecimento, regulamentado no Livro IV, artigos 201 a 661, passa a abranger não só o de natureza condenatória,
mas também o de caráter declaratório e constitutivo.
73. Tal abrangência deriva da concepção de que o processo de conhecimento não se restringe ao da natureza condenatória. Há ações,
como as de habeas corpus e de revisão criminal, que a despeito de sua natureza declaratória ou constitutiva importam em processo de
conhecimento, convindo, portanto, localizá-la no Livro a este pertinente.
74. Cumpre salientar ainda que os incidentes se encontram disciplinados em boa parte do sistema procedimental, em cuja esfera se
situam as providências cautelares, ora igualmente reguladas.
75. Daí contemplar o aludido Livro IV, em dez (10) Títulos, a constituição, a suspensão, a extinção e as formas do processo (I), os
procedimentos ordinário, sumário e sumaríssimo (II e VIII), as especiais e incidentais (IX, III e VI), as destinadas à tutela dos direitos (X), as
cautelares (IV), as questões prejudiciais (V) e o processo nos tribunais (VII).
76. Estabeleceu-se a necessária distinção entre processo e procedimento, conferindo a este, em que aquele se exterioriza, índole
finalística, de mera esquematização formal. (V. JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, Direito Judiciário Brasileiro, 1960, págs. 243/4,
NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Processo, auto-composición y autodefesa, 2ª ed., México, 1970, págs. 115/6; FRANCESDO
CARNELUTTI, Sistema di Diritto Processuale Civile, Pádua, 1939, Vol. III, págs. 315, e 348/50; EDGAR MAGALHÃES NORONHA, Curso de
Direito Processual Penal, 10ª ed., São Paulo, 1978, pág. 228; JOSÉ FREDERICO MARQUES, Tratado de Direito Processual Penal, cit., vol.
II, págs. 157/9.
77. Cuidou-se em primeiro lugar da constituição, suspensão, extinção e formas de processo, merecendo destaque o instituto da
aquiescência do acusado à proposição acusatória, em determinadas circunstâncias (artigo 207, inciso II, e §§ 1º e 2º).
78. Outro aspecto relevante é o que se refere à instituição do procedimento sumaríssimo, subespécie do sumário, prescrito no artigo 209,
inciso III, o qual, combinado com os artigos 544 a 548, constitui uma das mais importantes inovações da fase de reformulação do projeto
retirado do Congresso Nacional.
79. Esse procedimento destina-se às causas penais atinentes a crimes a que for cominada pena de detenção até um ano, a
contravenções e a certos delitos culposos, particularmente aos denominados delitos de trânsito.
80. Dispensando inquérito policial, reclama instrução e julgamento breves (dez dias, no máximo), em juizados especiais a serem criados
pelas leis locais sobre organização judiciária, ou em juízos atualmente competentes, assegurada ao acusado a plenitude do direito de defesa.
81. Manifestas serão as vantagens decorrentes de sua adoção, quer pela sensível diminuição do volume de autos de inquérito nos
distritos policiais, quer pela simplificação do procedimento e celeridade do julgamento.
82. Acrescente-se a tais vantagens a possibilidade de rápido julgamento do recurso, pelo órgão colegiado de primeira instância,
explicitado no item 32, e se concluirá facilmente pela excelência da inovação projetada.
83. Considerado o procedimento, em rigor técnico, como comum ou especial (artigo 208), é ele subdividido em ordinário, sumário e
sumaríssimo (artigo 209).
84. Como pode ser verificado neste último, o critério distintivo repousa, de acordo com a tradição de nosso processo penal, na qualidade e
quantidade da sanção cominada para a infração, com ressalva, já acentuada, das causas concernentes a certos delitos culposos (artigo 209,
III). As demais espécies procedimentais devem ser aplicadas, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (artigo 240).
85. Esse, à evidência, o motivo pelo qual a sua regulamentação se faz com maiores minúcias.
DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
86. A regulamentação ao rito ordinário segue, igualmente, nas suas generalidades, os textos anteriores, com ênfase preambular ao
inquérito policial ou peças de informação (artigos 211 a 224), e na atuação do Ministério Público, ainda no pórtico da ação penal,
especialmente no tocante à acusação artigos 225 a 236).
87. Mantém-se, outrossim, pela sua qualificação, a fase postulatória, com o despacho liminar (artigos 237 a 239) e a resposta do acusado,
abrangente de defesa e exceção (artigos 240 a 251).
88. Conservam-se diferenciados, na fase saneadora, o julgamento conforme o estado do processo - julgamento antecipado da causa ou
extinção do processo sem julgamento do mérito, artigos 253 § 1º, 254 e 255 - do proferimento do despacho saneador (artigos 253, 1º e 256).
(cf. ALFREDO BUZAID, Do Despacho Saneador, in Estudos de Direito, São Paulo, 1972, págs. 43/4, ROGÉRIO LAURIA TUCCI, Do
Julgamento conforme o estado do processo, 2ª ed., São Paulo, 1982, pág. 128; JOSÉ FREDERICO MARQUES, "Do processo de
conhecimento", in Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, São Paulo, 1974, págs. 51/2; JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, O
novo processo civil brasileiro, 5ª ed., Rio de Janeiro. 1982, págs. 70/2).
89. Já na fase instrutória, praticamente intocada em matéria de provas, duas inovações, entre outras, devem ser ressaltadas.
90. Sob regras determinadas e de acordo com as instruções baixadas pelos Tribunais, as provas orais poderão ser realizadas mediante
sistema de gravação sonora ou equivalente (artigo 258, § 1º).
91. Visa-se, com tal providência, sem prejuízo da exatidão do registro, a reduzir o tempo de duração das audiências, subordinadas ainda à
prática obsoleta de perguntas, reperguntas, respostas e ditados ao auxiliar do juízo incumbido de sua documentação.
92. A outra inovação destina-se a evitar a delonga do encerramento do processo em razão do aditamento da denúncia. O aditamento, nos
termos do artigo 350, poderá operar-se ao final da fase instrutória, na própria audiência de instrução e julgamento, à semelhança do que se
permite também no procedimento sumário, nos termos do artigo 542.
93. Esclareça-se, por último, que se atenua a oralidade em atenção às peculiaridades da causa, ao permitir-se a substituição do debate
oral por memoriais (artigos 350, § 7º). A fase decisória resume-se, assim, na prolação da sentença pelo juiz singular - ato decisório ao qual se
aplicam os artigos 354 e seguintes do Projeto, e que deve situar-se nos limites da acusação e na definição legal constante do despacho
saneador (artigos 355 e 356), salvo, nesta última hipótese, as exceções neste previstas.
94. Ainda com referência à sentença, absolutória ou condenatória, o acusado solto continua em liberdade, a não ser que o juiz lhe decrete
a prisão preventiva (artigo 362, inciso I), sem substituí-la por uma ou mais das medidas alternativas previstas no § 2º do artigo 409, ou lhe
imponha medida de segurança (artigo 362, III). A única exceção a esse princípio refere-se às condenações pelo Júri, que se executam
imediatamente (artigo 633, §§ 1º e 3º, b), para resguardo da soberania do Tribunal Popular.
95. Já o acusado preso deve ser posto imediatamente em liberdade, no caso de sentença absolutória (artigos 359, § 2º e 633, § 2º).
96. Isso significa que o Projeto tem como regra a liberdade do acusado, enquanto não definitivamente condenado, só cogitando do seu
encarceramento provisório em situações expressamente previstas.
97. Atende-se, destarte, às recomendações da moderna Política Criminal, no sentido de só utilizar a privação da liberdade quando essa
medida apresentar-se como necessária e devidamente justificada.
DO PROCEDIMENTO SUMÁRIO
98. O procedimento sumário, de acordo com o disposto no artigo 209, inciso II, destina-se ao processamento das causas relativas aos
crimes a que for cominada pena de detenção superior a um ano (exceto, quanto a estas, os de lesão corporal culposa e homicídio culposo).
99. Situando-se em grau intermediário entre o ordinário e o sumaríssimo, o procedimento sumário efetiva-se pela simplificação de atos e
diminuição de prazos a que se subordina o primeiro, como consta dos artigos 538 a 542.
100. Essa, sem dúvida, é a índole do procedimento sumário, no qual "só se observam os atos substanciais, sendo dispensadas as demais
formalidades do rito ordinário, e encurtando-se a sua marcha, pela redução dos termos, prazos e dilações" (MANOEL AURELIANO DE
GUSMÃO, Processo Civil e Comercial, São Paulo, 1939, pág. 203; EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, Código de Processo Penal Brasileiro
anotado, cit., vol. V, pág. 222).
101. Nos processos por crime contra a honra estabelece-se a prévia tentativa de conciliação das partes, no início da audiência (artigo
541, §§ 1º e 2º), o que, entre outros fatores, conduz à exclusão de tais crimes do rito sumaríssimo, mesmo quando a pena não exceda a uma
no de detenção.
102. O Projeto situa a tentativa de conciliação no início da audiência, não só porque adotou também as fases postulatória e saneadora no
procedimento sumário, tal como previsto nos artigos 539 e 540, como em razão da conveniência de se uniformizar o sistema procedimental
instituído,
103. Na linha do Anteprojeto revisto, os procedimentos especiais foram reduzidos ao mínimo imprescindível. São, ao todo, três:
procedimento por crimes contra a propriedade imaterial (artigos 549 a 555), procedimento penal falimentar (artigos 556 a 562) e
procedimento nas causas da competência do Júri (artigos 563 a 633).
104. Atendidas as peculiaridades que os especificam, em atenção à fisionomia especial do direito submetido à declaração e satisfação
pelos órgãos jurisdicionais, os dois primeiros observam o rito ordinário ou sumário desde o início do processo (artigos 553 e 562).
105. Especial por excelência - especialíssimo, portanto - é ó procedimento nas causas de competência do Tribunal do Júri, cuja
simplificação se tornou imperativa em face da experiência. O Projeto suprime o libelo-crime acusatório e possibilita a ampliação do pedido
formulado na acusação (artigo 581, in fine). Torna conciso o ato de pronúncia, preservando, porém, o caráter de decisão, ou decisão
interlocutória, de que se reveste (artigos 114, § 2º, 115 e 583, § 2º). Dá tratamento inovador à formulação de quesitos, já delineada no artigo
616. E suprime o instituto ambíguo do protesto por novo Júri.
106. Adota, ainda, a regionalização do Tribunal do Júri, que deverá verificar-se nos termos da legislação local sobre organização judiciária
(artigo 568), com evidentes vantagens, quer quanto à imparcialidade do Conselho de Julgamento, quer quanto à desnecessidade de
desaforamento na maior parte dos casos previstos no artigo 564.
107. Tais reformas regulamentam a competência do Tribunal do Júri nos detalhes necessários, com evidente obediência ao disposto na
Carta Magna da República (artigo 153, § 18). Havendo conexão de causas, fica mantida a unidade processual dos crimes conexos, cabendo,
porém, ao Presidente do Tribunal do Júri decidir e sentenciar sobre o crime que refoge à competência do Tribunal.
108. Dadas as suas características, a apelação contra a sentença do Tribunal do Júri merece tratamento específico, dispondo o Projeto a
respeito nos artigos 632 e 633. A exegese desta disposição deve conjugar-se com a todos artigos 508 a 511, pertinentes a esta espécie de
manifestação recursal.
109. Além dos procedimentos incidentais relativos à verificação da insanidade mental do indiciado ou acusado (artigos 377 a 380), à
declaração da extinção da punibilidade (artigos 381 a 386), à argüição da falsidade (artigos 387 a 389), à restauração de autos extraviados
ou destruídos (artigos 390 a 393) e às justificações (artigos 394 a 398), o Projeto institui dois outros; o pedido de explicações (artigos 399 a
402), e a exceção da verdade (artigos 403 e 404).
110. A regulamentação destes institutos no Código de Processo Penal tornou-se imperativa, em face de suas implicações na Justiça
Criminal.
111. O pedido de explicações é instituído no caput do artigo 399 como procedimento incidental restrito à hipótese de ofensa imprecisa ou
equívoca, não o admitindo, porém, o parágrafo único do mesmo artigo, para esclarecimento de autoria. Essas elucidações apresentam-se,
muitas vezes, como pressuposto do ajuizamento da acusação, tornando-se, por isso, indispensável a sua previsão legal.
112. Tornou-se inafastável, em conseqüência, a inclusão de regra alusiva á competência para apreciar as explicações apresentadas,
optando o Projeto, em consonância com o entendimento doutrinário corrente, pela do juiz do processo principal, na oportunidade de
apreciação prévia da denúncia ou da queixa (artigo 402). EUCLIDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA, Direito Penal - Crimes Contra a Pessoa, São
Paulo, 1969, págs. 237/4; NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, 1945, vol. VI, pág. 129; ROGÉRIO LAURIA
TUCCI, Pedido de Explicações in Persecução Penal, Prisão e Liberdade, São Paulo, 1978, págs. 123/3).
113. O Projeto disciplina, a seu turno, a exceção da verdade, dadas as implicações de sua cognição e exame até na suspensão do curso
do processo, tal como estabelece o parágrafo único do artigo 404.
114. As questões prejudiciais subordinam-se no Projeto à mesma diretriz dos textos precedentes. Descola-se, apenas, o preceito referente
á nulidade da sentença proferida com infração ao disposto no artigo 467 para o local adequado, o Título VII do Livro III, alusivo às nulidades
dos atos processuais (artigo 195, parágrafo único, letra d).
115. A audiência de procedimento incidental está disciplinada no artigo 471. Foram feitas as adaptações indispensáveis, inclusive as de
natureza terminológica, em obediência à orientação impressa pelo Projeto ao sistema procedimental.
DOS PROCEDIMENTOS RELATIVOS ÀS AÇÕES
PARA TUTELA DOS DIREITOS
116. Cuida o Projeto da regulamentação das Ações e respectivos procedimentos relacionais com a tutela dos direitos, no Título do Livro
IV.
117. Trata da reabilitação no Capítulo I (artigos 631 a 638), do processo contra a condenação à revelia no Capítulo II (artigos 639 a 641) e
do habeas corpus no Capítulo II (artigos 642 a 661).
118. Embora utilizável em determinadas circunstâncias, a denominada revisão especial constitui modalidade da revisão criminal, estatuída
nos artigos 481 a 494. Suprime-a o Projeto, pela desnecessidade de reiterá-la sob outro condicionamento.
120. Referem-se à aplicação, pelo juiz, de medidas alternativas à prisão provisória (parágrafos do artigo 409), consistentes em: a)
proibição de ausentar-se da comarca, do domicílio ou da residência; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) obrigação de
comparecer às audiências e atos do processo; d) prestação de assistência material à vítima ou a seus dependentes, se o indiciado ou
acusado voluntariamente apresentar proposta neste sentido; e) obrigação de submeter-se a tratamento médico ou psiquiátrico; f) interdição
provisória de certos direitos; g) obrigação de prestar determinados serviços não remunerados à comunidade, quando possível, fora do horário
do trabalho normal, se o indiciado ou acusado voluntariamente apresentar proposta nesse sentido; h) obrigação de apresentar-se
periodicamente ao juiz, em dia e hora por este designado.
121. A importância dessas alternativas à pena privativa da liberdade, nos casos em que as justifiquem a natureza do delito e as
condições personalíssimas do agente, foi salientada na Exposição de Motivos do Projeto de Reforma da Parte Geral do Código Penal. No
curso do processo, com o objetivo de evitar prisões desnecessárias, pode o juiz aplicá-las em caráter temporário, tal como, ocorre na "prisão
provisória".
122. Essa "prisão provisória", por outro lado, adquire dimensionamento e peculiaridades novas, sendo cabível quando exclusivamente
decretada pelo juiz, e pelo prazo máximo de cinco dias, nas situações previstas no artigo 424.
123. Há discreta condescendência para com os indiciados e acusados primários e ocasionais, e acentuado rigor para com os agentes da
criminalidade violenta, cuja repressão deve tornar-se mais efetiva.
124. Institui o Projeto, ao lado da declaração de inconstitucionalidade, o incidente de uniformização da jurisprudência (artigos 475 e 476),
cuja significação é muito mais expressiva no processo penal do que em qualquer outro ramo do Direito Processual.
125. Nos processos de competência originária dos tribunais é sensivelmente alterada a disciplina do procedimento especial por
prerrogativa de função (artigos 477 a 480).
126. Nos termos das modificações introduzidas, o auto de exame de corpo de delito e os demais elementos da investigação, levados a
termo pela autoridade policial que tomar conhecimento do fato penalmente relevante, devem ser remetidos ao tribunal competente,
dependendo a instauração do inquérito da ordem do juiz relator (artigo 477).
127. A esse mesmo juiz competirá a direção do procedimento respectivo (artigos 478 e 479), até o julgamento, a ser realizado pelo
Plenário do Tribunal ou seu Órgão Especial (artlgo 480).
128. A regulamentação dada à revisão criminal (artigos 481 a 494) não contém alterações expressivas.
129. Atento à natureza jurídica dos embargos de declaração, corretamente conceituados como incidente de complementação do julgado
(artigo 495 a 498) , o Projeto aperfeiçoa a técnica do sistema de recursos, compatibilizando-os com os atos decisórios recorríveis.
130. Dos atos decisórios na primeira instância são dois os recursos instituídos: da sentença cabe o recurso de apelação (artigo 508), e da
decisão o de agravo de instrumento (artigo 512).
131. Nos órgãos colegiados são três os recursos admissíveis: embargos infringentes, nos julgamentos de apelação e de revisão criminal,
tomados por maioria de votos e nas circunstâncias previstas no artigo 520 e seu § 1º; recurso ordinário constitucional, no caso de denegação
de habeas corpus por tribunais federais ou locais (artigos 524 a 526); e recurso extraordinário , nas situações alvitradas no artigo 119, inciso
III, da Constituição da República (com a redação da Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969) e na forma prescrita nos artigos 527 a 530.
132.O Projeto dispõe, ainda, sobre a regulamentação dos juízos colegiados de primeira instância, estabelece a ordem do processo nos
tribunais (artigo 531 a 534) e regula a atuação do Ministério Púbico perante os órgãos colegiados (artigos 535 a 537).
DA REPARAÇÃO DO CAUSADO
PELA INFRAÇÃO PENAL
133. No Livro V, trata o Projeto da reparação do dano causado pela infração penal, regulamentando, em primeiro lugar, os efeitos civis da
sentença penal (artigos 662 a 667) e, em seguida, as medidas preventivas de reparação do dano: o seqüestro e o arresto (artigos 668 a 673),
a hipoteca legal (artigo 674) e a restituição (artigos 675 a 683). Particularizando o seqüestro nos crimes em prejuízo da Fazenda Pública
(artigos 684 a 687) , completa a regulamentação com preceitos atinentes ao arbitramento do dano (artigos 688 e
689).
134. Procurando, enfim, agilizar os respectivos procedimentos, adota o Projeto a Concepção da viabilidade e rapidez do recebimento de
indenização pela vitima da infração penal, a quem é dada a merecida atenção.
136. A regulamentação fica reduzida aos dispositivos imprescindíveis, uma vez que a matéria, em sua maior parte, tem sede própria em
leis especiais e nas convenções internacionais.
137. Restringiu-se o Projeto às disposições necessárias, tais como as referentes à extradição (artigos 693 a 695), ao trânsito de
indiciados acusados (artigo 696), à entrega de objetos (artigo 697), às cartas rogatórias (artigos 698 e 699) e à homologação de sentenças
estrangeiras (artigos 700 e 701).
CONCLUSÃO
138. O Projeto de Código de Processo Penal, que tenho a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência, é fruto das
concepções dominantes na comunidade jurídica do País, na área específica do Direito Processual Penal. Os institutos contemplados, quer o
mais antigos, quer os traduzidos em significativas inovações, apresentam-se segundo moderna concepção técnico-científica, sem se
afastarem, contudo, das linhas tradicionais do Direito Processual Penal Brasileiro. Como os demais Projetos constitutivos da reforma do
sistema penal, que igualmente estou submetendo ao exame de Vossa Excelência, a anexa proposta de codificação constitui relevante marco
na reformulação das leis penais brasileiras.
Valho-me do ensejo para renovar a Vossa Excelência a expressão do meu mais profundo respeito.
IBRAHIM ABI-ACKEL
Ministro da Justiça
Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - Suplemento de 01/07/1983
Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - Suplemento - 1/7/1983, Página 073 (Exposição de Motivos)