Aspectos Epistemológicos E Cognitivos Da Educação Ambiental E Mobilização Social em Saneamento Na Bahia

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ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS E COGNITIVOS DA EDUCAÇÃO

AMBIENTAL E MOBILIZAÇÃO SOCIAL EM SANEAMENTO NA


BAHIA

Rubem Castro Neves¹


José Claudio Rocha²

Eixo Temático: 16. Educação, Educação no Campo, Movimentos Sociais

RESUMO

A questão ambiental sempre esteve presente na vida do homem influenciada por vários
modelos epistemológicos conforme os interesses político-ideológicos envolvidos. Assim, o
objetivo deste artigo é apresentar um recorte dessa trajetória e tratar o conhecimento desde
sua produção até a ação, tendo o Projeto de Educação Ambiental e Mobilização Social em
Saneamento – PEAMSS – como pano de fundo para reflexão. Trata-se de um trabalho
bibliográfico que nos permite refletir criticamente sobre os diferentes paradigmas que
permeiam a questão ambiental, tomando um pequeno recorte dos resultados de uma pesquisa
de campo para avaliação do conhecimento adquirido no PEAMSS como exemplo para essa
reflexão. Na conclusão, discute-se o conhecimento como algo que brota de uma interação
entre o sujeito e os desafios do mundo empírico e do mundo lógico.

Palavras-chave: Epistemologia; Educação Ambiental; PEAMSS.

ABSTRACT

The environmental issue has always been present in human life influenced for several
epistemological models according to the political and ideological interests involved. So, this
article's goal is to present a glimpse of this trajectory and to treat the knowledge from the
production until action, with the Environmental Education and Social Mobilization for
Sanitation Project - EESMSP - as a backdrop for reflection. It's a bibliography research paper
that enable critical reflection about different paradigms on environmental issue, taking a
clipping of the results of a field survey to assess the knowledge acquired on EESMSP, as an
example to this reflection. In conclusion, it discusses knowledge as something that comes up
from interation between the subject and challenges of the empirical world and the logical
world.

Keywords: Epistemology, Environmental Education PEAMSS.

¹ Mestre em Agronomia, doutorando em Difusão do Conhecimento, participa do grupo de pesquisa Gestão,


Educação e Direitos Humanos – [email protected]

² Doutor em Educação, participa do grupo de pesquisa Gestão, Educação e Direitos Humanos – [email protected]
1 INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda os aspectos epistemológicos e cognitivos da Educação


Ambiental e a Mobilização Social em Saneamento no âmbito do PEAMSS - Projeto de
Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento. Atualmente, segundo estudos
realizados pelo Ministério das Cidades, existem diversas ações de educação ambiental sendo
desenvolvidas em função de obras de saneamento financiadas pelo Governo Federal, dentre as
quais, surge, seguindo a linha Nacional, o Projeto de Educação Ambiental e Mobilização
Social em Saneamento envolvendo 13 municípios do Estado da Bahia – PEAMSS Bahia. Tal
projeto foi uma parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Urbano/Empresa Baiana de
Água e Saneamento (SEDUR/EMBASA); Fundação Juazeirense para o Desenvolvmento
Científico, Tecnológico, Econômico, Sociocultural e Ambiental (FUNDESF) e a
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). O projeto está dentro das ações do Programa
Água Para Todos, onde o Governo do Estado da Bahia promove intervenções nos serviços de
abastecimento de água e esgotamento sanitário que são avaliados tecnicamente como críticos,
caso dos 13 municípios selecionados pela EMBASA para as atividades (PEAMSS, 2010).

O PEAMSS Bahia, desenvolvido em 2010, em sua primeira fase, capacitou um grupo


de pessoas em cada um dos 13 municípios, denominados GAPEAMSS (Grupo de
Acompanhamento do Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em
Saneamento). Esses grupos, formados por representantes de movimentos sociais, sindicatos,
associações e poder público local, receberam durante o ano, um pacote de informações em
Educação Ambiental, Educomunicação, Legislação ambiental e desenvolvimento de Planos
de Saneamento Básico, empoderando essas pessoas através do conhecimento, para a gestão
social e consequente tomada de decisão junto ao poder público, no sentido de se construir a
partir dos anos seguintes, o Plano de Saneamento do Município conforme a legislação
vigente, bem como, promover mudanças de atitudes com relação ao meio ambiente com base
no conhecimento adquirido pela comunidade.
A questão ambiental e os aspectos que a compõe sempre estiveram presentes na vida
do homem influenciada por modelos epistemológicos que variaram conforme a própria
trajetória da epistemologia e os interesses político-ideológicos envolvidos, influenciando na
forma de conceber o ambiente. Assim, a finalidade deste artigo é apresentar um recorte dessa
trajetória que nortearam e norteiam as diferentes correntes epistemológicas e, ao mesmo
tempo, promover uma reflexão sobre conhecimentos, cognição e ação através da perspectiva
de alguns autores e de um pequeno recorte da pesquisa de avaliação do PEAMSS em
processos cognitivos. Procura tratar esses conhecimentos no nível de sua produção, tradução,
conceito e aprendizagem tendo o PEAMSS como um referencial para contextualização e
reflexão. Da mesma forma, é discutido neste artigo o PEAMSS como política pública voltada
para o conhecimento e ação utilizando conceitos de dados, informação e conhecimento, com
bases assentadas no poder que o mesmo confere.

2 RAÍZES EPISTEMOLÓGICAS DA QUESTÃO AMBIENTAL

O conceito de natureza e meio ambiente é resultado da evolução do próprio


conhecimento científico através das diversas ciências, como política, economia, sociologia,
dentre outras e está em constante construção.
Os filósofos chamados pré-socráticos tinham a natureza como fonte de inspiração e
todo conhecimento. Segundo Unger (2009a), são considerados pensadores originários porque
pensam a origem de todas as coisas, o princípio , que, em grego, se diz arché. Esses
pensadores também consideravam a physis como o mundo físico e o interesse fundamental
desses pensadores era pensar a arché da physis, ou seja, a origem da física, do mundo físico.
Ainda nessa linha de pensamento, a palavra aletheia significando o movimento de
desvelamento da realidade, Martin Heidegger mostra que physis e aletheia mantém uma
ligação. Tomando apenas parte dos seus significados poderíamos dizer, baseado em Unger
(2009), que “a aletheia é o próprio movimento de ocultamento e desvelamento da physis”.
Apesar de não trazer a concepção de meio ambiente como é vista hoje, esses sinais
demonstram a importância do mundo físico e sua relação com o homem desde a antiguidade.
Já em Aristóteles podemos ver claramente sua preocupação com a inserção do homem
à natureza quando o mesmo a concebe como “dotada de uma finalidade”, um “telos”
conforme é colocado por Marcondes (2009). Essa finalidade consiste em que cada coisa que
pertence à natureza deve realizar o seu potencial. Um ser humano busca realizar-se na vida e
em suas atividades assim como uma semente se transforma em arvore.
A discussão da ética de Atistóteles para o meio ambiente, seguindo ainda a linha de
Marcondes (2009), está na concepção de que “o ser humano deve ser visto como integrado ao
meio ambiente”, como parte da natureza, não como um corpo separado da mesma como
foram tratados (homem e natureza) até praticamente os dias atuais. É claro que sabemos que
essa forma de tratar a natureza em nossa época é muito mais uma atitude ligada a interesses
políticos e econômicos do que mera ignorância ou desconhecimento das leis que regem os
princípios básicos da natureza.
Ainda segundo a concepção de Aristóteles, o saber técnico ou instrumental, por meio
do qual o ser humano intervém na natureza, ou seja, no meio ambiente, deve ser subordinado
à decisão racional e ao saber prudencial. Isso parece tão atual como este próprio artigo,
quando observamos os fundamentos teóricos do desenvolvimento sustentável concebido em
1987, a partir do Relatório Nosso Futuro Comum publicado pela ONU (COMISSÃO...1991).
Para Tomás de Aquino, de acordo com Culleton (2009), o entendimento divino é a
razão da natureza considerada absolutamente e nos singulares; e a natureza é a razão do
entendimento humano, e, de algum modo, a sua medida. Para ele, os corpos naturais são
virtuosos e que qualquer obra da natureza é efeito de uma substância intelectual, por isso
vemos que as operações da natureza se encaminham ordenadamente ao fim, como se fossem
operações de um sábio.
Mas, essa razão, ainda divinizada, está com seus dias contados. A Europa em pleno
séc. XVI atravessava um período de efervescência no campo do conhecimento onde a
mentalidade medieval e feudal dão lugar a uma inovadora mentalidade que traz no seu bojo
uma série de mudanças nos aspectos políticos, sociais, econômicos e, principalmente, traz
uma revolução epistemológica, responsável pelo projeto iluminista da modernidade, que está
então se instaurando.

3 O INÍCIO DAS REVOLUÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DA QUESTÃO


AMBIENTAL E A ATUALIDADE.

Libertado da tutela da Teologia, encarnada na Escolástica o homem não está mais


limitado ao conhecimento dos fatos, conhece a razão que constitui a essência dos mesmos, é o
império do racionalismo que começa a se edificar.
Bacon aparece aqui juntamente com Galileu no epicentro dessa discussão e vão
encarcerar a natureza como cativa da ciência, através da criação do método experimental,
marcando assim, o início do processo que, mais tarde, será responsável pelo modo de
produção da sociedade moderna e contemporânea, onde a natureza está a serviço do homem e
a exploração excessiva dos recursos naturais para satisfazer as necessidades desse novo estilo
de vida que está por vir, vão marcar as premissas da filosofia do desenvolvimento sustentável
nos dias de hoje.
Segundo Severino (2009, p.53):
Bacon intuiu a importância que a técnica, como capacidade de intervenção
do homem sobre a natureza, vai assumir na civilização ocidental,
explicitando com muita força a íntima relação entre o saber e o poder. Disso
decorre a necessidade para os homens de estabelecer outra relação com a
natureza física, que lhes cabe dominar e manejar em seu proveito.

Para Bacon todo arcabouço científico ou filosófico que não coubesse no método
científico, deveria ser descartado para que houvesse a renovação da ciência.
Descartes no séc. XVII, conforme Grun (2009), dá continuidade a esse processo
iniciado por Bacon ao “propor uma física matemática que deixa de ser especulativa e passa a
intervir direto na natureza” com enormes conseqüências para a nossa relação com o meio
ambiente. Interessante é como Descartes “descarta” os costumes e a cultura como meios para
determinar a veracidade de fatos, uma vez que considera que nas culturas há “tanta
divergência e discórdia quanto entre os próprios filósofos” (GRUN, 2009, p.66). E, é assim,
que ele ataca a confiança que a filosofia escolástica tem nos sentidos, pois acha que isto
constitui uma falha conceitual séria, uma vez que a crença nos sentidos conduz a erros e
interpretações equivocadas.
Com suas reflexões a respeito da existência em que é bastante o pensamento para
saber que existe, Descartes conclui que o lugar e o corpo não são necessários para a
existência. Com isso, deduzimos os efeitos devastadores e em cascata que esse pensamento
vai ter sobre o meio ambiente.
Assim, Grun (2009) nos mostra como Descartes influenciou os debates na Filosofia
Ambiental contemporânea, na Ética Ambiental, na Educação Ambiental, na distinção entre
objeto e sujeito, corpo e alma, natureza e cultura. “O corpo então é descartado junto com a
natureza, os sentidos e o bom senso”.
Com isso, o pensamento científico de Descartes calcado no antropocentrismo, abre
caminho para o desenvolvimento da técnica e da exploração do meio ambiente sem os mitos e
sem os medos do passado escolástico e cada vez mais nos afastamos da natureza, subjugando-
a a mero objeto de domínio e satisfação das nossas necessidades como se nós mesmos não a
ela pertencessemos e a episteme da questão ambiental toma então o grau dos óculos dessa
nova ordem de dominação.
Porém, enquanto uns pulverizam e fragmentam, outros aglutinam, faz as junções
naturais como Espinosa, considerado por Sawaia (2009), o precursor da ética e da educação
ambiental com base nas paixões humanas, ao oferecer a construção de um paradigma
ecológico, que conecta todas as coisas, pessoas, objetos, animais e planeta em uma só trama.
Compare-se isso hoje com o holismo e com as redes e conexões ocultas propostas por Capra
(2002).
Na visão de Espinosa, Deus e Natureza constituem uma coisa só, afirma que “a
Natureza é o ser fundante de todos os seres, é a substância que existe no interior de todos
eles” (SAWAIA, 2009, p.81). É este sentido de simbiose e de holismo que torna Espinosa tão
próximo dos problemas ecológicos contemporâneos, dai a razão de o seu pensamento ser tão
útil na fundamentação da ética na questão ambiental.
E é nesse sentido que trazemos à tona “o retorno à natureza” colocada por Hermann
(2009) através da visão de Rousseau, que indica a natureza como um “conceito filosófico
Estruturante”, o fio condutor para empreender uma reforma moral e intelectual da sociedade,
que lhe permitisse projetar a vida com liberdade e igualdade. Os influxos de seu pensamento
conforme afirma Hermann (2009), prosseguiram em vários âmbitos e ele é hoje também
reconhecido como um dos precursores do movimento ecológico, pois, mesmo sem conhecer
as consequências destrutivas que o capitalismo através do progresso e da revolução industrial
causou aos recursos naturais do planeta, contribuiu para a criação de uma nova mentalidade a
respeito de nossas relações com a natureza.
Participa também dessa nova mentalidade, Karl Marx, considerado por seus analistas
um pensador transdisciplinar e autor, conforme Loureiro (2009), de uma teoria revolucionária
que procurava a ruptura com os padrões culturais, filosóficos e científicos da época,
indispensável aos que almejam uma sociedade socialmente justa, culturalmente diversa e
ecologicamente viável, como contribuição às reflexões e práticas dos educadores ambientais.
Até a Psicanálise de Freud e Winnicott segundo Plastino (2009), influenciou a
percepção da natureza, pois a maneira segundo a qual a teoria psicanalítica concebe a natureza
externa e a natureza humana mudou significativamente ao longo da obra de Freud, e sofreu
uma profunda inflexão na obra de um dos principais autores pós-freudianos: Donald
Winnicott. No início da obra freudiana, o pano de fundo da elaboração do pensamento
psicanalítico foi a concepção que o paradigma moderno construíra sobre a Natureza,
divorciada do homem e como objeto de dominação.
Nessa perspectiva, o homem deixou de ser visto como integrado à natureza,
divorciando-se dela e mantendo apenas uma relação de oposição e dominação, assumindo
uma postura antropocêntrica, assim:
“O processo de conhecimento, finalmente, foi igualmente mutilado, fazendo
da ciência a única forma de conhecimento admissível, e o “experimento”, a
única modalidade de experiência válida como fonte de saber. Legitimada
pela fabulosa eficiência manipulatória que demonstrou no mundo da matéria,
esta perspectiva reducionista fechou radicalmente a possibilidade de pensar a
extrema complexidade da natureza e do ser humano, bem como das relações
entre ambos, deixando o homem inerme para lidar com os evidentes
processos de destruição da natureza e de autodestruição da espécie”
(PLASTINO, 2009, p.140).

O pensamento de Martin Heidegger também questiona a base antropocêntrica da


modernidade e conforme Unger (2009b), esse pensamento busca uma nova dimensão do
pensar que supere a racionalidade unidimensional hoje dominante, mostrando que a noção do
ser humano como sujeito e centro de tudo foi construída, portanto, pode ser desconstruída.
Podemos também registrar aqui a contribuição de Vygotsky evidenciada por Molon
(2009) quando relata que “a noção de meio ambiente na obra de Vygotsky diz respeito a um
determinado espaço-tempo histórico, um lugar definido onde ocorrem as relações dinâmicas e
as interações resultantes das atividades humanas e da natureza”. Isso reforça o amplo conceito
de meio ambiente e os diversos aspectos envolvidos na questão ambiental absorvendo “todas
as transformações produzidas nas relações dos sujeitos com o meio natural e construído”, na
passagem do natural ao humano-cultural constituindo assim o conceito moderno de meio
ambiente.
A questão ambiental vem sendo foco de conflitos e disputas entre diferentes
concepções e práticas e é nessa perspectiva que conforme Pernambuco e Silva (2009) a
pedagogia crítica de Paulo Freire pode sugerir princípios e orientar diretrizes para a
implementação de práticas de ensino-aprendizagem na área ambiental. As práticas de
Educação Ambiental, fundamentadas na pedagogia freireana, buscam relacionar ensino e
pesquisa para consubstanciar e promover avanços teórico-práticos em suas proposições e
diretrizes pedagógicas, abordando, conforme Pernambuco e Silva (2009), temáticas
ambientais de forma crítica, contextualizada e interdisciplinar. Nesse sentido, as técnicas
fundamentadas na prática freireana, buscam a aproximação entre diversas correntes que
tratam da questão ambiental e o pensamento de Paulo Freire.
Dessa forma não podemos estabelecer “a epistemologia” da questão ambiental, ela não
segue uma única estratégia que estimula a produção de conhecimentos capaz de serem
aplicados as diversas alternativas produtivas. Acreditamos “nas epistemologias” da questão
ambiental, aplicadas no grau certo para cada povo, cultura, situação, aspecto, caso das
comunidades do PEAMSS, só assim poderá aproximar nosso olhar na medida certa em cada
situação.
Para Bachelard (1996), a questão ambiental está essencialmente vinculada às ações
humanas e assim, todos os que trabalham com esta questão, especialmente, todo epistemólogo
devem ter bastante cuidado, o que ele chama de “vigilância epistemológica” que, por sua vez,
é inerente a toda filosofia e indispensável para o processo do conhecimento e transformação
de qualquer problema, sendo que as diferentes concepções de ambiente de educação e de
sociedade, faz da epistemologia ambiental, um estudo metódico e reflexivo de seus produtos
intelectuais.
Assim, com base no que diz Dentz (2011), a questão ambiental “emerge como um
questionamento acompanhado de uma filosofia crítica às vertentes positivistas fundadoras da
racionalidade instrumental”, bem como uma crítica à ciência moderna, pois implica uma
revolução do pensamento, uma ruptura epistemológica com quebra de paradigmas, um novo
nascimento sem o qual não sairemos da crise sócio-ambiental que marca nossa existência na
sociedade contemporânea.
As múltiplas possibilidades de se trabalhar as ciências ambientais, talvez, tenha
contribuído para a falta de estabelecimento de uma de base epistemológica sólida para a
questão ambiental e conforme Leff (2010, p.86), as condições de articulação das ciências e
dos processos transdisciplinares, nos quais se difundem as noções, conceitos de métodos das
ciências, gerou uma demanda de unificação terminológica na temática ambiental, dai a
necessidade de se estabelecer uma linguagem interdisciplinar. Afirma ainda que o saber
ambiental surge como uma consciência crítica e avança com um propósito estratégico,
“transformando os conceitos e métodos de uma constelação de disciplinas, e construindo
novos instrumentos para implementar projetos e programas de gestão ambiental” (LEFF,
2010, p.126). Isso é reforçado por Kuhn (1979, p. 78), quando define que, “as mudanças de
paradigmas são naturalmente frequentes na história da ciência e o que diferencia o período de
crise de paradigma do período de estabilidade é justamente o debate que ocorre em torno dos
seus fundamentos”.

4 CONHECIMENTO NO PEAMSS: PRODUÇÃO, TRADUÇÃO E APRENDIZAGEM.


O homem desde sua origem, pela sua capacidade de pensar, é um sujeito apto a
aprender. Conhecimento e aprendizagem fazem parte da nossa cultura, além de ser uma
necessidade biológica. Estamos sempre aprendendo, descobrindo, transmitindo, mas será que
estamos produzindo conhecimento? Ou serão apenas descobertas, traduções daquilo que já
existe? Até certo ponto, tínhamos certeza da criação de conhecimentos, mas Morin (2008, p.
17), desmonta essa certeza ao despedaçar a “noção de conhecimento questionando se o
mesmo “é um reflexo das coisas, construção do espírito, desvelamento, tradução,
representação, captamos o real ou apenas a sua sombra?”Afirma ainda que o conhecimento “é
necessariamente tradução, construção e solução de problema, a começar pelo problema
cognitivo da adequação da construção tradutora à realidade que se trata de conhecer, caso
constatado no PEAMSS e que veremos mais adiante”.
No entanto, o conhecimento de acordo com (Alves, 2011, p. 2), “não é um conjunto de
dados e informações isoladas. O conhecimento brota de uma interação entre o sujeito
continuamente confrontado com as resistências do objeto e com os desafios do mundo
empírico e do mundo lógico”. Diríamos também, do mundo metafísico, físico, mítico,
místico, real e irreal. É pessoal e intransferível em quase toda sua totalidade e pode ser
compartilhado apenas na porção ínfima transferível, representada através das diversas formas
como linguagem, signos e símbolos que fazem parte de um domínio comum, ditado por regras
e normas da “ciência”. É essa porção ínfima inimaginável em sua dimensão microscópica que
constitui todo o acervo da ciência.
Assim, aumentam-se cada vez mais as interrogações e dúvidas sobre inteligência,
conhecimento, cognição, e aprendizagem desafiando aqueles que se dedicam às ciências
cognitivas.
Baseado em Alves (2011, p.12), o conhecimento não se reduz ao conhecimento dito
cientifico até porque a dimensão ética procede da sua dimensão afetiva e espiritual, mais do
que da sua dimensão técnica e científica.
Portanto, o processo cognitivo não é apenas de natureza racional. Quando falamos em
conhecimento no PEAMSS, estamos falando de todo processo de geração, transmissão,
tradução, gestão e aplicação do mesmo na vida pessoal e na comunidade em questão
encerrando um universo biológico, neurológico, psicológico, social, político, emocional,
histórico, subjetivo e afetivo. Esse universo, de acordo com Alves (2011,p.14), “dá à
dinâmica da aprendizagem um caráter pessoal e coletivo ao mesmo tempo, apontando para a
autonomia crescente do indivíduo em permanente tensão dialética com os seus compromissos
sociais”.
É a partir desses compromissos sociais despertado em cada indivíduo que o PEAMSS
pretende alcançar seus objetivos atingindo o coletivo no sentido da construção de um saber
universal em um contexto social cujo empoderamento consequente desse conhecimento seja
suficiente e competente o bastante para fazer o coletivo tomar as rédeas na decisão de ações
voltadas para o meio ambiente, em especial, o saneamento básico. É claro que quando
falamos aqui em construção de um saber universal e conhecimento em nível de PEAMSS
estamos tratando o conhecimento de forma simplificada, sem a polêmica do seu conceito nas
ciências cognitivas, mas apenas no nível de dados, informações, e sua aplicação prática, o que
acaba redundando em conhecimento, segundo nosso entendimento.
Assim, até mesmo antes de tentarmos conhecer o conhecimento ele deve conforme
Demo (2001, p. 20), “ser educado em uma perspectiva ética e cidadã em favor da vida” e
segundo Morin (1984) “não há evidências de que a educação científica produza valores éticos,
razão pela qual muitos propugnam e lutam por uma ética do conhecimento” Ao mesmo tempo
em que o conhecimento constrói ele também destrói, sendo necessária uma ética e uma
política do conhecimento que venha reduzir as desigualdades sociais.
Dessa forma, entendemos a cognição como um processo vital, ético, moral e cidadão,
pois é a partir da cidadania estabelecida através de um conhecimento que se processa uma
mudança social.

5 PEAMSS COMO POLÍTICA PÚBLICA VOLTADA PARA O CONHECIMENTO E


AÇÃO.

A política pública de saneamento veiculada através do PEAMSS tem na variável


conhecimento um lugar de destaque. Os cursos, as palestras e oficinas ministradas tiveram
sempre a intenção de transmitir, gerar, gerenciar e regular conhecimento, empoderando a
comunidade através do saber. Com base em Faria (2003, p.22), podemos distinguir cinco
grandes vertentes nas políticas públicas, destacaremos apenas uma delas: “as abordagens que
destacam o papel das idéias e do conhecimento”, essa vertente contempla a idéia básica do
PEAMSS que é gerar e gerenciar conhecimentos empoderando a comunidade através do saber
e, é a partir desse empoderamento que se esperam as ações através de mudanças de atitudes
com relação ao meio ambiente e elaboração dos planos de saneamento básico local.
Essa vertente citada acima faz parte então do campo da análise de políticas públicas, o
qual no Brasil, “ainda é bastante incipiente, padecendo de grande fragmentação
organizacional e tendo uma institucionalização ainda precária” (FARIA, 2003, p.22). Essa
precariedade, acrescenta, se deve a “carência de estudos dedicados aos processos e às
metodologias de avaliação de políticas, contudo, deve também ser tributada à escassa
utilização da avaliação, como instrumento de gestão, pelo setor público”.
O que se espera após a implementação do PEAMSS baseia-se na idéia de que o
conhecimento adquirido possa alavancar ações em questões ambientais locais, especialmente,
na elaboração de planos de saneamento básico para o município, coadunando com o fato de
que “idéias e conhecimentos podem especificar relações causais” (FARIA, 2003, p.3).
Mas que conhecimento adquirido é esse? Será que houve realmente aquisição de
conhecimento ou tudo não passou de um jogo de interesses do poder público para
implementar a política e da comunidade para adquirir os benefícios do saneamento? Essas
questões talvez, não possam ser respondidas por que a verdadeira aquisição do conhecimento
por cada indivíduo na comunidade não pode ser mensurada, faz parte da sua própria
consciência e, se pode, não passa de uma representação baseada na experiência do próprio
indivíduo. Porém, as ações comunitárias sim poderão ser mensuradas voltando aos municípios
e verificando que mudanças ocorreram nas questões ambientais, que municípios elaboraram
seus planos de saneamento.

6 DADOS, INFORMAÇÃO E AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO NO PEAMSS

“Para que a informação se transforme em conhecimento, os seres humanos precisam


fazer virtualmente todo o trabalho.”
Não há duvidas quanto à afirmação de Moreira (2005, p.44), de que “a criação do
conhecimento a partir da informação é ação exclusiva dos seres humanos e ocorre a partir de
seus processos cognitivos”. Quando se fala em utilização do conhecimento, Moreira (2005,
p.81), afirma que isto “está no foco central da gestão do conhecimento e se o mesmo não for
utilizado, tornam-se inúteis os processos de criação, identificação, aquisição,
desenvolvimento e transferência de conhecimentos”. Qual ou quais desses processos
estiveram presentes no PEAMSS, não podemos precisar ao certo: se transformaram dados e
informações para produzirem conhecimentos, se houve apenas identificação com o problema
ou transferências não importa, essa discussão só nos levaria aos labirintos das teorias do
conhecimento. O importante para a comunidade em questão é a transformação e utilização do
conhecimento, ou o que quer que seja, para o benefício de todos.
Em uma avaliação final do PEAMSS foi apresentado um relatório com os principais
resultados obtidos pela Pesquisa de Avaliação nos treze municípios participantes cuja amostra
foi composta por 185 pessoas. No que diz respeito ao quesito conhecimentos adquirido, foi
solicitado aos participantes que realizassem uma auto-avaliação acerca da evolução de seus
conhecimentos sobre os conteúdos trabalhados nos cursos, oficinas e seminários. Uma síntese
dos resultados é apresentada na tabela 1.

Tabela 1: Autoavaliação do grau de aprendizagem por tema trabalhado


Grau de aprendizagem
(%)
Temas
Todo Não
Nada Pouco Moderadamente Muito
conteúdo participou
Construção de
biomapas -
0,6 4,4 26,0 38,7 13,3 17,1
diagnósticos sócio-
ambientais
Construção de
0 6,6 25,7 39,3 22,4 6,0
jornais
Construção de blogs 13,5 25,8 25,8 7,3 6,2 21,3
Trabalho em rede na
14,4 25,9 24,7 12,6 6,3 16,1
internet
Tecnologias
sustentáveis – 2,8 13,6 32,8 31,1 10,2 9,6
permacultura
Educação popular
1,1 2,8 26,1 47,7 18,8 3,4
ambiental
Saneamento básico 0,6 1,7 18,3 48,3 29,4 1,7
Leis de saneamento
1,1 7,4 34,7 36,4 17,6 2,8
ambiental
Aspectos conceituais
sobre participação e 0,6 9,9 34,8 33,1 17,1 4,4
controle social
Gestão de serviços
0 10,0 38,9 31,7 14,4 5,0
de saneamento
básico
Plano municipal de
2,2 6,7 22,8 40,6 18,3 9,4
saneamento básico
Política estadual de
2,2 7,1 35,2 35,2 12,1 8,2
educação ambiental
Fonte: PEAMSS (2011)

Baseado nos depoimentos, todos os temas relacionados com saneamento básico foram
os mais apreendidos. Isto prova que o maior interesse da população com esse projeto era
resolver seus problemas relacionados a saneamento por isso, provavelmente, a maior
aprendizagem nessa área. O questionário contemplou, ainda, outro aspecto que denuncia este
fato: quais ações os multiplicadores pretendem desenvolver em seus municípios? As ações
citadas pelos participantes mostraram que as intenções de promover ações de conscientização
e propor ações de melhoria para a vida da população foram categorias frequentemente
evocadas pelos mesmos, o que torna mais evidente a preocupação com a utilização do
conhecimento para solução de problemas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre alguns aspectos, podemos concluir que a epistemologia da questão ambiental,


não segue uma única estratégia que estimula a produção de conhecimentos capaz de ser
aplicada à complexidade das diversas alternativas apresentadas. Acreditamos nas
epistemologias da questão ambiental, aplicadas no grau certo para cada povo, cultura e
situação, onde o saber ambiental surge como uma consciência crítica e avança com o
propósito estratégico de transformar o atual modelo de desenvolvimento da sociedade
moderna.
Ressaltamos também, o interesse que o saneamento desperta no contexto coletivo,
onde ocorre uma adequação do conhecimento voltado para a solução de problemas. Não
podemos negar que houve e ainda poderá haver no PEAMSS construção e tradução de
conhecimentos ao considerarmos que o aparelho cognitivo humano é um produtor contínuo de
conhecimentos. Observações e depoimentos indicam que houve a partir dos cursos, palestras,
seminários e oficinas ministradas durante os oito meses, pelo menos, traduções e assimilação
de conhecimentos cristalizados nas novas idéias, posturas, algumas ações e nas manifestações
através de discursos que até então não faziam parte do domínio linguístico dos grupos de
acompanhamento do PEAMSS (GAPEAMSS). Espera-se a partir dos próximos dois anos a
cristalização de novos conhecimentos através de ações muito mais efetivas nos municípios
contemplados pelo projeto.

REFERÊNCIAS

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COGNICENTE E O CONHECIMENTO SOCIAL CRÍTICO. Disponível em:
<http://www.lhermitage.org.br/site/admin/pdfs/O_CONHECIMENTO_EM_DEFESA_DA_V
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In: CARVALHO, I. C. M. de; GRUN, M.; TRAJBER, R. (Orgs.), Pensar o Ambiente: bases
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