Barchi
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1590/1516-731320160030006
Rodrigo Barchi1
Resumo: Esse ensaio busca discutir o processo de institucionalização da educação ambiental, utilizan-
do como categoria de análise o conceito de governamentalidade, elaborado por Michel Foucault como
um conjunto de procedimentos, análises, reflexões, cálculos e táticas que permitem o exercício de uma
determinada forma de poder, e também como uma tendência produzida pelo Ocidente de desenvolver
uma série de aparelhos específicos de governo, envolvendo um determinado conjunto de saberes. A
intenção desse texto é dialogar com algumas críticas libertárias sobre o processo de institucionalização
da educação ambiental brasileira, e discutir possibilidades de entender a apropriação da educação am-
biental pelo Estado como um modo de torná-la uma ferramenta da governamentalidade, fazendo com
que o potencial ativo das relações entre a educação e o meio ambiente se neutralize e cristalize por ser
transformado em leis e políticas públicas.
Palavras-chave: Governamentalidade. Poder. Educação ambiental. Meio Ambiente.
Abstract: This essay aims to discuss the process of institutionalization of environmental education,
using as a category of analysis, the concept of governmentality, developed by Michel Foucault as a set
of procedures, analysis, reflections, calculations and tactics that allow the exercise of a particular form
of power. We look as well at a trend produced by the West to develop a series of specific apparatus of
government, involving, therefore, a particular set of knowledge. The intention of this paper is to dia-
logue with some libertarian criticism of the process of institutionalization of Brazilian environmental
education, and from there, discuss some possibilities to understand this appropriation by the state of
environmental education as a way to make it a tool of governmentality. We examine the active potential
of the relationship between education and the environment through crystallization and neutralization
to be turned into laws and public policies.
Keywords: Governmentality. Power. Enviroment education. Environment.
1
Universidade de Sorocaba, Departamento de Geografia, Sorocaba, SP, Brasil. E-mail: <[email protected]>.
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Os movimentos ecologistas dos anos 1960 e 1970 foram responsáveis diretos pela
popularização da questão ambiental, caracterizando-se pelas perspectivas libertárias, pois atri-
buíram aos governos grande parte da responsabilidade no que diz respeito à crise ambiental
das últimas décadas, sejam eles dos países capitalistas ou dos antigos socialistas (GUATTARI,
1990), sejam eles dos ricos desenvolvidos ou dos pobres em desenvolvimento ou miseráveis
(CASTORIADIS, 2006; GORZ, 1982; MOSCOVICI, 2007).
Um dos motivos dessa culpa se dava pelo modelo socioeconômico incentivado pelos
governos dos países ricos, baseado em grande extração e consumo de recursos naturais, além
da geração de enormes quantidades de resíduos. De acordo com os discursos predominantes
nos movimentos ambientalistas dos anos 60 e 70, os governos não se preocupavam com as
paisagens naturais e com as espécies vivas ali residentes, muito menos com as culturas humanas
que viviam de maneira menos predatória que a civilização ocidental.
Outra alegação dos ecologistas era que os governos estavam cada vez mais submetidos
aos interesses das megacorporações transnacionais, as quais, em grande parte, consideravam
os gastos com a minimização dos impactos ambientais extremamente prejudiciais ao desen-
volvimento e crescimento de seus ganhos (LUTZENBERGER, 2012; MOSCOVICI, 2007).
Do outro lado, os críticos aos ecologistas questionavam essas acusações indagando se, caso
os governos e as empresas viessem a arcar com esses gastos, quais seriam os argumentos e
justificativas dadas à população que a sua qualidade de vida delas diminuiria devido aos gastos
com preservação de áreas naturais e animais silvestres.
A questão ambiental se tornou amplamente difundida, popular e legitimada, devido
ao grande poder de convencimento dos discursos científicos e políticos que afirmaram que a
vida no planeta estava correndo grave risco se mudanças não ocorressem, e pelo fato de boa
parte dos governos começarem a instituir políticas ambientais como forma de minimizar sua
responsabilidade pela problemática ecológica, e também responder às reivindicações dos mo-
vimentos sociais (LEIS, 1999). E em uma esfera ainda maior, há o esforço das Nações Unidas
– através de órgãos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) – em reunir
os países, criar consensos e compromissos internacionais para tomada de ações conjuntas que
visem a proteção do planeta.
Numerosos documentos norteadores de ações são criados por essas instituições in-
ternacionais – muitas vezes com o apoio e financiamento de megacorporações internacionais,
ou de órgãos transnacionais, como o Banco Mundial – para auxiliar os governos nacionais a
tomarem medidas de combate à destruição do ambiente. Esses documentos, quando não são
seguidos à risca, no mínimo servem de orientadores para boa parte das políticas ambientais,
oferecendo tanto marcos teóricos como técnicos e metodológicos, permitindo aos governos
sistematizarem suas ações com melhor precisão e base conceitual.
Considerada um dos meios pelos quais é possível se combater a destruição ecológica
e promover uma nova forma de convívio entre seres humanos e o planeta, a educação cons-
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tantemente teve um papel de destaque nas discussões ambientais, ganhando uma terminologia
própria para tratar do tema, surgindo assim, a “educação ambiental”2.
A bibliografia nacional e internacional sobre educação ambiental é ampla, e o número
de trabalhos acadêmicos não para de crescer. As perspectivas filosóficas políticas e metodológi-
cas são as mais diferenciadas possíveis, tornando cada vez mais acaloradas as discussões sobre
quais rumos ela pode tomar.
O espaço que a educação ambiental ocupa nas conferências sobre o meio ambiente é
representativo, e desde os anos 70, conferências internacionais exclusivas sobre ela são realizadas,
dando-lhe um status de grande relevância. A quantidade de tratados e documentos elaborados
nessas reuniões é abundante3, sendo produzida de forma a nortear as políticas e ações sobre
educação ambiental pelos governos nacionais, e consequentemente orientar ou até servir como
matriz teórica e metodológica, às políticas regionais e locais.
No Brasil, a educação ambiental está instituída por lei nacional desde a criação da
Política Nacional de Meio Ambiente de 1981, a qual, apesar de não ser uma política pública
exclusiva de educação ambiental, tem nessa ação um de seus dez princípios4. A necessidade do
Estado ser o principal agente condutor da educação ambiental foi reforçada na Constituição
de 19885, e desde então, secretarias e departamentos de educação ambiental se estabeleceram
em nível federal, estadual e municipal.
A Política Nacional de Educação Ambiental foi instituída em 1999, e partir de 2005
o governo federal passou a desenvolver o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRO-
NEA), que conta com um programa de formação de educadores formais e não formais além de
2
A terminologia Educação para o Desenvolvimento Sustentável – e não Educação Ambiental – está sendo
largamente utilizada pela UNESCO, que declarou o decênio 2005-2014 como “Década para a Educação para o
Desenvolvimento Sustentável”. Sauvé (1997) e Reigota (1999) alertam para as diferenças pedagógicas, políticas,
econômicas e ecológicas entre as duas terminologias.
3
Entre alguns dos tratados e documentos mais importantes estão a Carta de Belgrado (de 1975), as
recomendações da Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental de Tbilisi (em 1977), Moscou
(em 1987) e Thelassonica (em 1997), o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (de 1992) e o capítulo 36 da Agenda 21, de 1992.
4
“Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico,
aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
[...] X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando
capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. [...]” (BRASIL, 1981).
5
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: [...] VI – Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente. (BRASIL, 1981).
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Governar, governamentalidade
No começo do curso de 1978, Foucault (2008a) afirma que desejava estudar o biopoder,
ou seja, o conjunto de fenômenos pelos quais, a partir do século XVIII, foram desenvolvidos
os mecanismos de poder que, ao levar em consideração o fato biológico da espécie humana,
passaram a gerir a vida dos humanos em seus aspectos individuais e coletivos. Sobre o esses
mecanismos, Foucault (1987) já havia desenvolvido e publicado dois estudos nos anos anteriores
aos cursos: em “Vigiar e Punir”, explorou intensamente o desenvolvimento dos mecanismos
de vigilância e correção instituições disciplinares – escola, quartéis, hospitais, prisões – em um
fenômeno chamado anatomopolítica; e no ano seguinte, lançou o primeiro volume da “História
da Sexualidade”, chamado “A Vontade de Saber”, onde sistematiza os estudos dos exercícios
de poder sobre a população, através do dispositivo da sexualidade, no processo que chamou
de biopolítica7. Nesse último, o autor deixa evidente que não é possível entender biopoder sem
entender o conjunto entre anatomopolítica e biopolítica e, mesmo com a perda de força das
sociedades disciplinares, esse processo se mantinha forte e intrínseco ao exercício biopolítico.
(FOULCAUT, 1988).
6
Além da Política Nacional e do Programa Nacional de Educação Ambiental, diversos livros e coletâneas de
artigos foram publicados pelo governo federal nos últimos anos, entre eles a coletânea coordenada por Layrargues
(2004), os dois volumes de Encontros e Caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores
(FERRARO JÚNIOR, 2005, 2007), e os textos de Brandão (2005) e Czapski (2008).
7
Foucault desenvolve em outros trabalhos as práticas biopolíticas – sem ainda chamá-las por esse termo – como
aquelas abordadas no texto “O nascimento da medicina social”, onde explica que o controle da população ocorre
através da instauração da noção de salubridade, a partir da qual pode intervir em práticas sociais nas mais diversas
esferas, como as fábricas, as casas e os espaços públicos de lazer.
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Porém era necessário ampliar a noção de biopoder, e Foucault fez isso tendo como eixo
norteador a ideia de governo e sua ligação com o conceito de Estado. Ao resumir esse curso
na primeira aula do curso seguinte, “Nascimento da Biopolítica”, e justificar os métodos de
pesquisa utilizados para abordar seus estudos relativos às tecnologias de poder nas sociedades
ocidentais, ele afirmou que usava à palavra governar no sentido estrito em que ela aparecia como
o governo dos humanos no exercício da soberania política, deixando de lado as concepções de
governos dos filhos, das almas, das comunidades ou das famílias. Era uma consciência de si dos
governos, ou um estudo da racionalização prática governamental que Foucault (2008a) queria
fazer no âmbito da soberania política, cuja base se encontra no Estado.
Uma razão governamental, surgida entre os séculos XVI e XVII, que tinha no Estado
ao mesmo tempo seu princípio e seu objetivo, sua ideia reguladora, um princípio de “inteligibi-
lidade do real”, que ao mesmo tempo existe, mas não o suficiente, que está dado a se construir
e edificar, definido como uma realidade específica e autônoma. Além disso, Estado, de acordo
com Foucault (2008a), também foi uma determinada forma de entender, analisar e definir a
natureza e as relações de elementos, realidades e personagens políticos até então já concebidos,
como reis, soberanos, súditos, leis, territórios, riquezas, entre outros.
O Estado não é nem uma casa, nem uma igreja, nem um império. O estado
é uma realidade específica e descontínua. O Estado só existe para si mesmo
e em relação a si mesmo, qualquer que seja o sistema de obediência que
ele deve a outros sistemas com a natureza o como Deus. (FOUCAULT,
2008a, p. 7).
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de acordo com Foucault, estão baseadas em dois elementos conceituais indissociáveis: o homo
oeconomicus e a sociedade civil.
O homo oeconomicus é uma noção que permeou todo o pensamento liberal desde o século
XVIII, e surge dentro da perspectiva na qual o poder soberano não consegue vigiar e controlar
todo o processo econômico. Afirma Foucault (2008b), baseado em suas leituras sobre Adam
Smith, que o liberalismo começa quando se formula a incompatibilidade entre a multiplicidade
não totalizável dos sujeitos de interesse econômicos e a tentativa de unidade totalizante do
soberano jurídico. O liberalismo clássico substitui o sujeito de direito, que se negativiza e se
anula para fazer parte do corpo político do soberano, por um sujeito que destrói o conjunto do
soberano, limitando suas ações, de forma que não interfira nos interesses do homem econômico,
já que não pode compreender toda a esfera da atividade econômica.
Se o soberano representava o conjunto centralizado e totalizado, cuja legitimidade
estava na representação de Deus sobre a Terra, nos desejos da Providência e nas leis de Deus
sobre a Terra, agora o que emergia era justamente uma perspectiva econômica atéia, uma dis-
ciplina sem totalidade, que manifestava a impossibilidade de um soberano governar e interferir
na vida dos sujeitos.
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Nessa perspectiva, Gallo (2012) afirma que a presença da Filosofia no Ensino Básico
(mais especificamente no Ensino Médio) como reivindicação no processo de transição demo-
crática representava para os movimentos que então emergiam uma das formas de exercício de
cidadania, preparando os cidadãos para os desafios de uma sociedade futura. Mas ao se buro-
cratizar e se racionalizar demais – quando não, ser extremamente banalizado, fato mais evidente
na educação ambiental, como será visto adiante – acabou se tornando mais uma ferramenta do
exercício da governamentalidade nas práticas escolares, fazendo da filosofia não uma forma de
busca pela liberdade ou de entendimento e construção de si mesmo, mas mais um conhecimento
devidamente cristalizado nos currículos escolares.
Além disso, pode-se dizer que essa mesma filosofia segue, em diversos momentos,
justamente uma via oposta, já que muitas vezes é sugerida como mais um modo de inserção
nesse mercado de trabalho emergente, pois é possível buscar nela táticas e modos de conhecer
melhor os seres humanos e suas relações, obedecer convenientemente, comandar eficientemente,
dialogar e falar sabiamente, e estar devidamente preparado para as mais distintas situações no
campo profissional.
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Portanto, não somente algumas perspectivas criadas em âmbito nacional foram privilegiadas na
elaboração dos documentos oficiais de educação ambiental, mas também, e com grande ênfase,
as perspectivas presentes nas discussões internacionais.
E a educação ambiental, se não tem um espaço maior que a própria filosofia analisada
por Gallo (2012) nos currículos escolares, possui, no mínimo, o mesmo grau de importância.
Independente das diferenças curriculares – já que uma é uma disciplina obrigatória, com um
currículo definido em todo o território nacional, e outra é tida como um conhecimento trans-
versal, que deve permear todas as disciplinas, cujos conhecimentos, apesar de ser um pouco
mais flexíveis, também devem seguir as doutrinas estabelecidas nos PCN’s e na Política Nacional
de Educação Ambiental – sendo que as duas tem um histórico muito parecido de inserção na
educação escolar brasileira. Ambas surgiram aproximadamente no mesmo período e no mesmo
contexto social, ou seja, durante o combate à ditadura brasileira (1964-1985), e tem em seus
discursos um argumento muito semelhante, que é o seu potencial de despertar na mente dos
alunos e alunas que eles podem ser agentes de transformação social e ambiental.
Um dos maiores críticos do processo de institucionalização da educação ambiental
brasileiras é Marcos Reigota. Em diversos de seus artigos, alguns mais antigos, outros mais
recentes, ele afirma que longe de levar em consideração as diferenças presentes nos trabalhos
dos educadores ambientais brasileiros, a inserção da educação ambiental pelo Estado brasileiro
ocorre com a assimilação superficial do pensamento de alguns autores, e com a total exclusão
da contribuição de outros. Mas é preciso aprofundar um pouco mais suas observações.
Em um artigo publicado na conceituada revista mexicana Tópicos en Educación Ambiental,
Reigota (2000) faz uma análise da presença da Educação Ambiental nos Parâmetros Curricula-
res Nacionais da Educação Brasileira, elaborados e instituídos durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), afirmando que ela havia se transformado em não mais do que
uma mera banalidade pedagógica. Sua indignação se dava pelo fato de, além de ter sido um
modelo importado da Espanha e não dar a devida relevância aos pensadores nacionais – que
no caso da Educação Ambiental já desenvolviam trabalhos há quase duas décadas – os PCN’s
não levaram em consideração o gigantismo territorial e cultural brasileiro, estabelecendo uma
perspectiva única em todo o território brasileiro, sugerindo as mesmas resoluções de problemas
ambientais a partir da educação tanto para o contexto do Sul, do Nordeste e da Amazônia.
Além disso, Reigota (2000) critica de maneira veemente os equívocos feitos pelos PCN’s
no que diz respeito ao conceito de transversalidade. De acordo com ele – e uma boa revisão
dos Temas Transversais dos Parâmetros confirma esse fato – em nenhum momento o conceito
é minuciosamente descrito ou explicado, sendo que em algumas partes desses documentos, a
transversalidade é confundida com a interdisciplinaridade. Além de ter sido assimilada de modo
grosseiro e simplório, os principais pensadores responsáveis pela transversalidade foram com-
pletamente esquecidos, principalmente o filósofo e psicanalista francês Felix Guattari.
No texto Cidadania e educação ambiental, já no contexto do governo Lula (2003-2010), o
qual teve grande repercussão entre os educadores ambientais brasileiros e estrangeiros devido
à posição incisiva e ácida exposta durante todo o artigo, Reigota (2008) critica a postura de
diversos pensadores e educadores ambientais brasileiros, devido ao abandono das perspectivas
de solidariedade, colaboração e anseios de construção de uma sociedade justa, sustentável e
pacífica, em prol dos benefícios do capital – tanto o simbólico quanto o real – representado
pelo poder do Estado e das empresas que o rodeiam.
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Ele lamenta o silêncio dos educadores ambientais que prestavam serviço ao governo
federal e que se alinhavam politicamente ao posicionamento oficial, em questões ecológicas tão
graves e evidentes, como a transposição do Rio São Francisco, a liberação dos transgênicos, e a
mudança do Código Florestal, pelo simples fato da discordância em relação às atitudes governa-
mentais poder gerar a perda do cargo ou do financiamento de pesquisa. Durante todo o texto,
ele afirma que a educação ambiental teve sua cisão ainda mais intensificada entre os apoiadores
e dissidentes da esfera oficial, durante a crise ética que se abateu durante o governo Lula:
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legitimadas e aprovadas para que consigam atingir suas devidas formações como pesquisadores
e pesquisadoras.
Próxima a essas perspectivas, Godoy (2007) contesta o fato da educação para o meio
ambiente ainda estar refém da forma escolar, na qual as crianças e adolescentes ainda estão
submetidos univocamente a uma ação de conformidade ao espaço e adequação dos compor-
tamentos. Estando intimamente ligada a um modelo científico maior, hegemônico e homoge-
neizante das práticas, a ecologia binária precisa se perpetuar a partir de uma forma educativa
que faça com que os indivíduos entendam que se trata de uma nova luta do bem contra o mal
para que o planeta se mantenha vivo e sustentável.
Para se evitar que os seres humanos destruam o planeta em seus ímpetos consumistas e
predatórios, é preciso que meios reguladores e controladores sejam implantados e disseminados
de forma a docilizar o corpo individual e planetário:
Ainda nesse sentido, Corrêa (2012) lembra que de maneira constante e quase incons-
ciente, costumamos relacionar a educação aos processos de escolarização. Enquanto que os
processos de escolarização estão submetidos às leis e políticas públicas, a educação é qualquer
movimento que produza mudança, seja ela no corpo, no espaço ou no pensamento. Afirma
ele que o entendimento da educação unicamente como escolarização, ao ser constantemente
positivado, é um processo atravessado por um movimento moralizante, que faz com que outros
quaisquer movimentos educativos sejam vitimas de preconceito, sendo assim, marginalizados
e excluídos.
Correa afirma que, consequentemente a isso, temos a inserção da ecologia na educação
escolar em forma de tema transversal, o que não a isenta de ser contaminada pelos preconceitos
reinantes nos processos de escolarização. Isso devido a educação ambiental estar permeada pe-
los modos moralizantes de estabelecimento de condutas, que transformam em certo ou errado
determinadas práticas cotidianas, como, por exemplo, jogar uma garrafa plástica na rua, e não
destiná-la à reciclagem, ou qualquer outra prática tida como ecologicamente correta.
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e ao enquadramento nos moldes das leis e das políticas públicas, a educação ambiental corre o
risco de se transformar muito mais em uma instauradora de condutas homogêneas e cristalizadas,
do que realmente uma potencializadora de novos modos de existência.
Além disso, a educação ambiental, institucionalizada, parece atender e se encaixar aos
três pilares da governamentalidade de modo bastante nítido e eficaz.
Em primeiro lugar, age sobre a população. Ao se instaurar como uma forma de conduta
que possibilita às pessoas participarem do processo de salvação do planeta, a institucionalização
da educação ambiental consegue tanto atender à demanda do processo de tomada de consciência
da população, quanto se permite agir como uma nova promotora de homogeneização de con-
dutas pedagógicas, já que se ela não tiver êxito, o que caberá aos seres humanos será somente
esperar o apocalipse ecológico previamente anunciado.
Em segundo lugar, a educação ambiental atende a economia política. Mesmo ao
recusar ser chamada de Educação para o Desenvolvimento Sustentável – noção muito cara
aos ecologistas promotores do capitalismo verde – a proposta da sustentabilidade presente
nos documentos oficiais brasileiros ainda se aproxima muito mais da ideia de adequação das
perspectivas ecológicas às governabilidades liberais, já que existe uma constante legitimação
e reforço da ideia do Estado se tornar o centro das ações em educação ambiental, apesar dos
discursos “críticos” às mazelas capitalistas, e da participação da sociedade civil na elaboração
dos programas federais.
Cabe a lembrança na qual Foucault entende a sociedade civil como uma construção
dessa governamentalidade, a qual, ao mesmo tempo em que não está totalmente submissa a uma
lógica do capital e dos governos, é capaz de impedir a sua ação em total potência, ao permitir
“a participação” na construção das tomadas de decisões.
Por último, essa educação ambiental legitimada, normalizada e legal serve aos anseios
por segurança, pois ela pode ser responsável tanto pela docilização dos indivíduos alvo dessa
educação, quanto pela criação de um inimigo em comum, capaz de unificar os interesses coletivos
no combate ao monstro ecológico. Monstro que pode estar presente nos próprios indivíduos,
já que a crise ecológica está estritamente vinculada às práticas de consumo, que precisam ser
direcionadas às formas menos predatórias. Monstro também presente nos outros, que também
são responsáveis pela crise e, por isso, é necessário que se mantenha a vigilância constante para
que o esforço do ecologista não seja jogado fora pelo não ecologista.
Nesse sentido, ao atender às três principais preocupações da governamentalidade, a
institucionalização da educação ambiental, mesmo em perspectivas cujas bases teóricas marxis-
tas se comprometem com uma noção de transformação radical do sistema socioeconômico, se
mantém presa ao estabelecimento de um controle e direcionamento das práticas cotidianas dos
indivíduos e dos coletivos. Não consegue escapar do discurso da sustentabilidade econômica,
cujos princípios estão estritamente atrelados às concepções ligadas a submissão da ecologia
aos mercados, apesar da constante reafirmação da diferença entre a educação ambiental e a
educação para a sustentabilidade.
É possível que a intensa institucionalização que a educação ambiental brasileira atraves-
sou nos últimos quinze anos esteja atrelada ao movimento internacional que exige dos países o
estabelecimento de Políticas Públicas de educação ambiental. Esse fato reforça o argumento que
afirma o estabelecimento de uma ecogovernamentalidade planetária, a qual, em muitos pontos,
é confundida com o conceito que Reigota (2008) sugere como cidadania planetária, o qual está
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muito mais próximo a um cosmopolitismo internacionalista, cujas intenções estão muito longe
da ideia de governança e controle global, onde as perspectivas libertárias, menores e autônomas
podem ser capazes de contribuir aos processos educativos de maneira aberta e criativa.
Esse ensaio buscou apenas levantar algumas questões relativas ao risco que a educação
ambiental corre em seus processos de legitimação, e sugere que as análises e investigações sobre
a sua transformação em ferramenta de exercício da governamentalidade se ampliem e aprofun-
dem. Ela foi proposta como uma força pedagógica e política de potencial revolucionário, capaz
de realizar mudanças radicais tanto nas relações humanas, quanto nas relações dos humanos
com o planeta. Aliás, e cabe sempre frisar esse fato, de que não foi uma, mas foram diversas
educações ambientais propostas pelos movimentos ecologistas e educacionais nos últimos 50
anos. Permitir sua cristalização sob um molde unívoco em formato de política pública, cuja
elaboração, implantação, manejo e avaliação de resultados estejam submetidos aos interesses
de um determinado grupo político, pode ter um resultado inverso àquele que esperam que a
educação ambiental se fortaleça e transforme as sociedades contemporâneas, promovendo assim
o apagamento das diferenças que possibilitam a ampliação da força e da consistência teórica e
prática das educações ambientais.
Referências
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pensar e praticar o município educador sustentável. Brasília: Ministério do Meio Ambiente,
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Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 2 set. 1981. Disponível em:
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______. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui
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República Federativa do Brasil], Brasília, v. 137, n. 79, 28 abr. 1999. Seção 1, p. 1-3.
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