Aprendizagem Completo

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Teorias da

Aprendizagem
Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco

Revisão Técnica:
Prof.ª Me. Cássia Souza
Diversidade, Dificuldades e
Transtornos de Aprendizagem

• Diversidade e Diferenças Individuais no Processo de Aprendizagem;


• Problemas de Ensino e Dificuldades de Aprendizagem;
• Transtornos Específicos de Aprendizagem e Outros Transtornos
do Neurodesenvolvimento;
• Patologização e Medicalização da Educação.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Discutir as principais dificuldades e problemas de aprendizagem com especial atenção para
o respeito às diferenças individuais e à diversidade nos contextos educacionais.
• Conhecer os principais transtornos e dificuldades de aprendizagem, refletindo sobre o ex-
cesso de diagnósticos equivocados e a medicalização da educação.
UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Diversidade e Diferenças Individuais


no Processo de Aprendizagem
Ciente de que a aprendizagem é um fenômeno complexo e que ao longo da his-
tória diferentes pesquisadores criaram teorias sobre o que é e como ocorre a apren-
dizagem e tais teorias influenciaram e ainda influenciam nas políticas educacionais,
objetivos de aprendizagem e práticas de ensino (ILLERIS, 2013), podemos afirmar
que a aprendizagem é um processo de aquisição de competências, conhecimentos,
valores, atitudes, comportamentos e habilidades e que tem como marcador neuro-
biológico as mudanças de conexões entre os neurônios, as chamadas sinapses, que
ocorrem graças à neuroplasticidade do cérebro.

Na evolução da espécie, o cérebro humano foi biologicamente selecionado para


funcionar como uma espécie de “máquina de aprendizagem”, no sentido de que é al-
tamente preparado para aprender. Os bebês humanos nascem com poucos recursos,
mas aprendem muito rapidamente e continuamos aprendendo por toda a vida. No
entanto, não aprendemos tudo com a mesma facilidade e nem aprendemos todos na
mesma velocidade ou com a mesma eficiência (LEFRANÇOIS, 2017).

As pesquisas mostram que a neuroplasticidade é maior na infância, fazendo dessa


uma etapa crucial para o estabelecimento de uma boa arquitetura cerebral e a otimiza-
ção de aprendizagens futuras. Nos primeiros anos de vida, as crianças aprendem muito
rapidamente sobre todas as coisas ao seu redor. Os adultos, por sua vez, têm menos
neuroplasticidade, mas aprendem com maior profundidade do que as crianças que
aprendem rapidamente, mas de modo superficial. Além disso, cada pessoa tem suas
próprias experiências de vida que facilitam ou dificultam determinadas aprendizagens.

Essas variações na aprendizagem são normais e esperadas. Além disso, não é


a mesma coisa aprender a amarrar os sapatos e aprender a ler e escrever. Cada
aprendizagem demandará tempos e pré-requisitos diferentes. Mas, nas instituições
educacionais existem objetivos de aprendizagem padronizados e espera-se que todos
alunos, com suas diferentes bagagens aprendam relativamente no mesmo ritmo e
com a mesma eficiência. As expectativas, avaliações e prazos na escola são os mes-
mos para todos. Assim, nas escolas fica mais evidente como as diferenças individuais
influenciam na aprendizagem. Na maioria dos casos essas diferenças são comuns,
mas em outras podem ser um problema acentuado que requer ajuda específica.

Assim, nesta Unidade discutiremos o impacto das diferenças individuais típicas


e atípicas na aprendizagem. Toda aprendizagem sempre depende de condições in-
ternas e externas para ocorrer. As internas podem incluir fatores biológicos e expe-
riências prévias, existem, por exemplo, distúrbios específicos de aprendizagem que
implicam em dificuldades de origem neurobiológica. Por outro, lado, muitas vezes
observam-se casos de problemas de aprendizagem que na verdade são devido às
condições externas como a escola, os professores e suas metodologias de ensino.

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Em todos os casos, precisamos ser cuidadosos e não nos esquecermos de que todos
podem aprender, desde que lhes sejam dadas condições apropriadas de ensino.

Quando fazemos uma teoria precisamos criar abstrações generalistas sobre o


mundo real. Ao tratarmos de crianças, adultos, aprendizes, estudantes em qualquer
teoria, referimo-nos sempre a uma abstração da realidade, de uma representação
média de várias pessoas que foram estudadas em diferentes pesquisas. A realidade,
contudo, é muito diversificada, não existem duas pessoas iguais. Mesmo irmãos gê-
meos têm trajetórias diferentes e vivências específicas que influenciam seu modo de
ser, viver e pensar, e sua forma de aprender. Assim, ao sair da teoria para a prática
sempre nos depararemos com uma realidade complexa que implica analisar diversos
fatores e buscar entender cada caso. Uma teoria nunca explicará tudo o que a rea-
lidade apresenta, mas lançará os caminhos para a melhor análise e entendimento.

É fato que todos aprendemos com o mesmo tipo de cérebro humano e é fato
também que somos limitados em nossa condição humana. Por mais esforço que se
faça, um ser humano não pode desenvolver asas e aprender a voar, como também
não poderá aprender a correr mais rapidamente do que a velocidade de um carro,
mesmo com muito treino. Todos somos limitados por nossa natureza biológica em
algum aspecto. A essas condições dadas pela biologia de nossa espécie chamamos
de filogênese ou filogenia, que se refere ao que é possibilitado a um organismo de
acordo com a evolução de sua própria espécie (MARTINS; VIEIRA, 2010).

Nós, humanos, falamos e pensamos, como peixes nadam e pássaros voam.


Os humanos nascem com muito pouco, além de uma base biológica que lhes per-
mite aprender muito e mudar quase tudo à sua volta, até mesmo criando máquinas
e equipamentos que lhes permitam voar, nadar e se transportar velozmente. Mas,
embora tenhamos potencial biológico para muitas coisas, não aprendemos todas as
coisas que nos são possíveis. Podemos aprender a caçar, a nadar, a falar múltiplas
línguas, a dirigir um carro veloz ou inventar e pilotar um avião. Esse potencial é pos-
sibilitado pela filogênese, mas se manifesta a partir da nossa experiência de vida, de
modo que aprendemos de acordo com nossas histórias e assim chamamos esse tipo
de desenvolvimento de ontogênese ou ontogenia.

Além disso, nossa aprendizagem é também mediada por uma cultura. O que
aprendemos em nossa ontogênese dependerá em boa parte da cultura em que es-
tamos. Comportamentos, conhecimentos e valores podem ser muito diferentes nas
diversas culturas existentes. O que é valorizado em uma cultura, pode ser rejeitado
em outra. Usar o sinal de positivo com o polegar, sinal comum para brasileiros, pode
ser ofensivo em outras culturas, como mostrar o dedo médio em algumas culturas
pode ter outros significados que não tão ofensivos quanto na cultura brasileira.

A cultura é um produto da história filogenética do homem, enquanto espécie e da


soma das diversas histórias ontogenéticas que possibilitaram a criação de conheci-
mentos específicos que depois foram socializados. Assim, um bebê traz consigo uma
organização biológica que é produto da história filogenética, mas mesmo antes de
nascer já está inserido em um ambiente sociocultural, que o modifica e é modificado
por ele (MARTINS; VIEIRA, 2010).

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Nesse sentido, mais recentemente temos discutido muito também sobre o con-
ceito de epigenética ou epigênese, isto é, a relação entre a genética e os fatores
ambientais. Esse conceito ajuda a avançar a compreensão da ação de genes, pro-
teínas, neurônios e do ambiente (incluindo a cultura) no desenvolvimento humano.
O que somos está previsto em nosso código genético, nosso ácido desoxirribonu-
cleico (DNA), mas em verdade o que lá está é só a receita de um bolo – e não o bolo
inteiro. Nosso DNA se expressa na interação com o meio ambiente. Fatores externos
como estresse, calor, frio, fome etc., podem influenciar não só no desenvolvimento
embriológico ainda no ventre materno, como por toda a nossa vida.

As pressões ambientais promovem mudanças em nosso organismo e isso tem sido


cada vez mais estudado (MARTINS; VIEIRA, 2010). A importância dessa discussão
é alertar que biologia também não é destino, não é porque nascemos com uma dada
condição como, por exemplo, um distúrbio de aprendizagem, que nada podemos
fazer para mudar. Podemos sim, e muito do que sabemos hoje é que a educação tem
um importante papel em promover mudanças que facilitem a aprendizagem mesmo
em situações adversas.

É importante compreender que há uma grande diversidade de culturas, de saberes


e de características individuais. Somos todos da mesma espécie, mas as possibilida-
des de aprendizagem são muito diversificadas. Alguns nascem com mais potencial
cognitivo do que outros, e podem aprender melhor, enquanto outros podem ter mais
dificuldades e mesmo assim ter vantagens em outros aspectos. Algumas crianças
autistas podem ter vantagens na dimensão cognitiva, mas dificuldades com as habi-
lidades socioemocionais. Enquanto crianças com síndrome de Down podem ter difi-
culdades cognitivas e facilidade com habilidades socioemocionais. Mas todos somos
diferentes em alguma medida e todos podem aprender desde que lhes sejam dadas
condições apropriadas de ensino.

Problemas de Ensino e
Dificuldades de Aprendizagem
Antes de ingressar nas escolas a maioria das crianças não tem dificuldades de
aprendizagem acentuadas. Muitas diferenças passam despercebidas pelas famílias,
pois as aprendizagens acontecem de forma incidental e sem avaliações. É comum
que os pais observem que um filho aprendeu a falar ou andar antes do outro, mas
isso normalmente não é motivo de preocupação a menos que sejam diferenças muito
marcantes, como uma criança que ainda não aprendeu a falar aos 3 anos de idade,
já que normalmente as crianças começam a falar por volta do primeiro aniversário.
Contudo, a maioria das crianças passa a enfrentar problemas de aprendizagem
quando ingressa na escola e se compara a outras crianças, esperando que as
aprendizagens ocorram de forma semelhante (CIASCA, 2003).

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A aprendizagem infantil está intimamente ligada ao desenvolvimento da criança e
pode ser influenciada tanto pelo ambiente de aprendizagem formal, isto é, a escola
ou os professores, quanto por condições orgânicas, condições emocionais e a pró-
pria estrutura familiar. Existem diversas características individuais que influenciam na
aprendizagem, desde síndromes genéticas, distúrbios específicos de aprendizagem,
condições neurológicas e até mesmo características culturais, diferenças linguísticas
e de conhecimentos básicos (PAULA et al., 2006).

Em alguns casos as condições internas não podem ser completamente modificá-


veis. Algumas crianças possuem distúrbios neurológicos ou síndromes genéticas que
dificultam a aprendizagem. Mas, em muitos casos essas condições podem ser atenu-
adas por processos educativos apropriados. Crianças autistas, por exemplo, podem
apresentar muitas dificuldades para aprender a falar, mas com metodologias apro-
priadas podem ter avanços importantes e se comunicarem de modo eficiente. Outras
crianças podem precisar de ajustes nos materiais para que a aprendizagem ocorra.
Crianças disléxicas, por exemplo, têm dificuldade acentuada de processamento de le-
tras, de modo que aumentar o espaçamento entre as letras ou mudar as fontes pode
facilitar a alfabetização de crianças disléxicas e seu desempenho em leitura.

Em todos os casos, portanto, as condições externas podem facilitar ou dificultar


os processos de aprendizagem. Algumas metodologias de ensino podem ser eficien-
tes para algumas crianças e não a outras, assim como uma explicação do professor
pode ser clara para alguns e não para outros. As diferenças individuais na escola são
diluídas em um grupo na sala de aula. Muitas vezes o problema não está na criança,
mas nas condições de ensino. Professores devem ficar atentos aos problemas de
aprendizagem que cada criança apresenta, buscando entender se existem fatores
externos que expliquem essas dificuldades, antes de hipotetizar que o problema seja
inerente à criança. Esses fatores externos às vezes são relacionados ao tipo de conte-
údo a ser aprendido, à forma como é ensinado, às relações interpessoais da criança
na escola etc. É fundamental explorar essas alternativas antes de considerar que de
fato a criança tenha algum tipo de problema de aprendizagem de origem biológica.

Em alguns casos, as crianças já possuem um diagnóstico e é o caso de se pre-


parar condições apropriadas de ensino. A perspectiva da Educação Inclusiva tem
ganhado cada vez mais espaço e busca promover a integração de crianças com di-
versos tipos de dificuldades em salas de aulas consideradas normais, junto a crianças
com desenvolvimento típico. Essa prática contribui para a melhoria na socialização
de todos, diminuição do preconceito e amplifica as possibilidades de aprendizagem.
Contudo, corre-se também o risco de que em algumas escolas na realidade se faça
uma exclusão velada, pois essas crianças não são realmente incluídas na turma
regular. Elas estão apenas presentes no mesmo ambiente, mas ficam separadas nas
salas e sem de fato conseguirem aprender (BEZERRA, 2017).

Igualdade não significa equidade em educação. Não basta oferecer tudo igual para
quem tem necessidades diferentes. Ofertar educação equitativa é dar mais a quem
precisa mais. Se para aprender a ler uma criança precisa de óculos, então é preciso
dar óculos para essa criança, não para todas as crianças. Nesse sentido, precisamos

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

entender que ao inserir crianças com necessidades especiais diferentes em uma mesma
sala precisamos dar aquilo que cada uma precisa – e não apenas colocá-las junto
às demais, correndo-se o risco de prejudicar e estigmatizar ao invés de ajudar essas
crianças.

Como uma professora pode lidar ao mesmo tempo com 25 crianças com
desenvolvimento típico, mas características e necessidades individuais diversas, e
mais uma criança com paralisia cerebral, uma criança surda, uma criança autista e
uma criança com síndrome de Down em uma única sala? Essa professora precisa
oferecer, pelo menos, cinco tipos diferentes de instruções para que possa garantir
que todos estejam sendo de fato atendidos. Não basta ofertar apenas um tipo de
instrução para todas essas crianças. Ademais, como saber se a professora tem
recursos e conhecimentos para lidar com todos? Como saber se sabe, por exemplo,
comunicar-se por Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e fazer uso de comunicação
alternativa e ampliada para crianças com paralisia cerebral e de ABA – Applied
Behavior Analysis – para a criança autista?

Uma aula tem aproximadamente 50 minutos, um período letivo tem cerca de 4


horas. Como dar conta de tudo isso em tão pouco tempo e sozinho? Esse é mais um
dos desafios da educação brasileira: ensinar a todos com equidade e qualidade. Você,
como especialista em aprendizagem, deve avaliar todo esse contexto quando estiver
tentando entender uma situação-problema de aprendizagem. Intuitivamente, você
talvez pensasse que em uma turma de 30 alunos, se só uma criança não aprende é
porque esta tem problemas. Contudo, a realidade nos mostra que não, a metodolo-
gia usada ou as explicações podem não ter sido suficientes para essa criança; a nossa
primeira hipótese nunca é a de que o problema está na criança, mas sim em todos
os fatores que podem influenciar na aprendizagem (CIASCA, 2003).

Não podemos nos esquecer que mesmo quando as crianças têm desenvolvimento
típico também podem ter mais dificuldades em aprender certos conteúdos. Aprender
a ler não é o mesmo que aprender a falar, não é o mesmo que aprender Geografia
e muito menos aprender a dançar. Diferentes aprendizagens implicam em diferentes
necessidades de recursos para essa aprendizagem. Quando vamos nos desenvolven-
do vamos adquirindo uma série de conhecimentos e habilidades que podem facilitar
algumas aprendizagens e não outras. As pessoas têm histórias de vida diferentes e
essas experiências e conhecimentos proporcionam diferentes formas de aprender.

Aprendemos a falar de modo relativamente simples, a linguagem oral está


pré-programada em nosso código genético. Mesmo com pouca exposição à fala,
aprenderemos a falar e desenvolveremos um vocabulário. Contudo, os estudos
mostram que dependendo das interações que temos com as pessoas ao nosso
redor essa aprendizagem pode ser muito diferente. Em um estudo particularmente
interessante, Hart e Risley (1995) mostraram que famílias que têm melhores condições
econômicas e mais anos de estudos (isto é, cursaram o Ensino Superior), conversam
mais com seus filhos do que aqueles que têm menos recursos e escolarização.
As diferenças nos 3 primeiros anos de vida das crianças é de cerca de 30 milhões

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de palavras ouvidas a menos, fazendo com que as crianças mais pobres conheçam
pouco mais da metade do vocabulário que as mais ricas. Essas diferenças não são
apenas quantitativas, mas também qualitativas, o vocabulário também é mais variado
e complexo quando se tem mais anos de escolarização.

Agora, imagine o impacto dessas diferenças em todo o desenvolvimento cognitivo


e nas possibilidades de ação dessas crianças. Ao chegar nas escolas de Educação
Infantil as crianças aos 4 anos de idade já possuem muitos conhecimentos diferentes
e há grande abismo entre as crianças que tiveram melhores oportunidades do que as
outras. A escola precisa ser um promotor de equidade, precisa preencher esse vão o
mais rapidamente possível, fazendo com que todos tenham condições de aprender a
partir de uma base semelhante (SARGIANI; MALUF, 2018).

Os primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento infantil. Nos seis pri-
meiros anos as crianças desenvolvem a arquitetura cerebral com base nas experiências
e interações que têm com o ambiente. Experiências positivas fortalecem as conexões,
criando uma estrutura sólida para as futuras aprendizagens. A neuroplasticidade é
maior nesse período e ajudará, por exemplo, a contornar alguns possíveis problemas
que poderiam ser mais complicados se a criança fosse mais velha. Quanto mais cedo
as crianças receberem estimulação apropriada, melhor será para que tenham mais
chances de acompanhar seus pares de idade (COSENZA; GUERRA, 2011).

Na década de 1980, Keith Stanovich transpôs da Sociologia aos estudos de alfa-


betização o conceito de efeito Matheus. A ideia originária vem da Bíblia, especifica-
mente do livro de Matheus e diz que os ricos cada vez ficam mais ricos e os pobres
cada vez ficam mais pobres. Nos estudos sobre a aprendizagem da leitura, Stanovich
(1986) mostrou que as pequenas diferenças que separam bons leitores de maus leito-
res no começo da escolarização se amplificam com o passar do tempo. Por exemplo,
imagine a situação de uma criança com facilidade de aprendizagem e bom desempe-
nho em leitura, pedirá para ler livros, gibis e revistas, será escolhida pela professora
para ler e terá várias oportunidades para praticar e aperfeiçoar suas habilidades.

Por outro lado, a criança que começa com dificuldades, sentirá que não é capaz
e tentará evitar a leitura, dirá que não gosta de ler, abaixará a cabeça para não ser
chamada para ler. Evitará ter contato com livros, gibis e revistas e a professora pro-
vavelmente não a chamará para ler na frente da turma até para evitar expô-la. Mas
isso tudo fará com que ao longo do tempo as diferenças mínimas sejam ampliadas a
ponto de que o que era uma diferença entre saber ler poucas palavras também será
uma diferença entre fluência em leitura, compreensão de textos e um vocabulário di-
versificado e amplo, além de conhecimentos gerais obtidos pela leitura. Na Figura 1
está um esquema que ilustra o efeito Matheus.

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Habilidades de leitura
Bons leitores

Maus leitores

Idade/Escolaridade

Figura 1 – Esquema representando o efeito Matheus, isto é, o aumento


da diferença entre bons e maus leitores ao longo dos anos de escolaridade

A educação deve, portanto, focar em oferecer condições apropriadas de apren-


dizagem desde muito cedo para que todos tenham uma mesma base, e se possa
diminuir ou evitar o efeito Matheus. Além disso, Tunmer (2013) mostrou que quando
crianças têm poucas habilidades iniciais, por exemplo, de leitura, precisam de instru-
ções mais explícitas e um esforço maior das professoras para que a aprendizagem
ocorra. Se os alunos têm conhecimentos iniciais medianos, a professora terá um
esforço mediano também.

Ademais, quando as crianças trazem muitas experiências de base, não é necessá-


rio que a professora tenha tanto esforço em suas ações, as crianças podem aprender
a partir do que já sabem e com instruções mínimas da professora. Por exemplo, se a
professora ensinar a ler e escrever e as crianças já souberem o alfabeto será mais fácil
ensinar do que quando as crianças não souberem nenhuma letra. As crianças depen-
derão menos do que a professora apresentará porque podem se basear em conheci-
mentos que já possuem. Na Figura 2 existe um esquema ilustrando esta explicação.

Alunos com bom repertório inicial cpmpensam o impacto do pouco ensino

Contribuição Contribuição
do aluno do professor

Aluno mediano + impacto mediano do professor

Contribuição Contribuição
Aprendizagem
do aluno do professor

Alunos com pouco repertório inicial, precisam mais do professor

Contribuição Contribuição
do aluno do professor

Figura 2 – Esquema representando a necessidade de esforço


de professores e alunos para que a aprendizagem aconteça

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O que acontece com a maioria das nossas crianças brasileiras? Trazem para
a escola muito pouco e recebem menos ainda. As crianças chegam com poucos
conhecimentos de base e se deparam com instruções pouco claras e diretivas. Nas
escolas públicas há ênfase em proposições teóricas contrárias a materiais estruturados
e que deixam as crianças livres para aprenderem ao seu modo. O problema é que
só conseguiriam se tivessem uma base comum de partida, chegando com pouco
apenas ficam em desvantagem ainda maior com quem recebe instrução diretiva em
uma escola particular e já possuía bons conhecimentos de base (HAASE; JULIO-
COSTA; SILVA, 2015).

Não é difícil entender o porquê, então, muitas crianças passam a ter dificuldades
de aprendizagem quando ingressam nas escolas, instituições estas exigentes de que a
aprendizagem ocorra de modo relativamente igual para todos, mas nem todos têm as
mesmas condições de aprender com as mesmas instruções. Muitas crianças, portanto,
não têm dificuldades ou problemas patológicos de aprendizagem, mas sim problemas
de “ensinagem”. Ou seja, o problema está no ensino que recebem, nas condições ex-
ternas que afetam a aprendizagem. É claro que assim como não devemos culpabilizar
as crianças, não estamos também culpabilizando os professores, mas apenas alertan-
do para o fato de que na relação ensino-aprendizagem é preciso analisar também as
questões do ensino que influenciam no processo de aprendizagem.

Contudo, algumas crianças, mesmo que inseridas em um ambiente favorável,


com acesso a todos os recursos necessários, explicações claras e metodologias apro-
priadas, não conseguem aprender conteúdo específico, como a leitura, a escrita e
os cálculos matemáticos. Nesses casos, a investigação pode revelar que se trata não
de problemas comuns de aprendizagem, mas de distúrbio ou transtorno que requer
atendimento especializado.

Transtornos Específicos
de Aprendizagem e Outros
Transtornos do Neurodesenvolvimento
Definir o que são distúrbios de aprendizagem não é uma tarefa simples, pois há
diversos termos comumente usados para se referir aos problemas relacionados à
aprendizagem, por exemplo, “dificuldades”, “distúrbios”, “problemas”, “discapacida-
des” e “transtornos”. Como se trata de um tema de interesse interdisciplinar, diferen-
tes profissionais, como médicos, educadores e psicólogos utilizam terminologias e
enfoques distintos. Contudo, distúrbios e transtornos são tipicamente usados como
sinônimos para se referir a uma manifestação clínica de uma disfunção do sistema
nervoso central (SOUZA; SANTUCCI, 2009), persistindo mesmo com o ensino
apropriado. Portanto, são diferentes os problemas de aprendizagem, podendo ser
pontuais, de origem externa ao indivíduo e sanados com ensino apropriado.

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Os transtornos ou distúrbios de aprendizagem são alterações mais acentuadas do


que os problemas de aprendizagem. Em geral, os transtornos de aprendizagem são
consequências de alterações na organização funcional do sistema nervoso central,
embora sua manifestação seja leve, pode trazer consequências para o futuro da
criança, uma vez que dificultam sua aprendizagem de forma global. Nesse quadro,
observa-se que os alunos têm dificuldades para aprender, apesar de adequada inte-
ligência, visão, audição, capacidade motora e equilíbrio emocional. Muitas vezes os
primeiros sinais são dificuldades motoras ou psicomotoras, de atenção, memorização,
compreensão, desinteresse, escassa participação e problemas de comportamento.

A etiologia dos distúrbios da aprendizagem ainda não está plenamente elucidada,


mas a hipótese mais forte é de que são causados por uma diferença na estrutura do
cérebro presente desde o nascimento e em alguns casos são hereditários. Existem
estudos que apontam para fatores genéticos envolvidos nos principais transtornos
de aprendizagem, tal como a dislexia. Os transtornos de aprendizagem são mais
frequentes em meninos do que em meninas e estima-se que no Brasil há incidência
entre 3 e 5% da população geral (CIASCA, 2003).

O diagnóstico de um transtorno de aprendizagem não é simples e envolve um


olhar multidisciplinar. Além disso, é inicialmente preciso excluir todas as outras pos-
síveis causas que expliquem o desempenho abaixo do esperado, como as metodolo-
gias de ensino adotadas. Em geral, a queixa de dificuldades de aprendizagem aparece
quando a criança ingressa na escola e o diagnóstico é feito por volta dos oito anos de
idade, quando as habilidades acadêmicas são mais demandadas. Antes dessa idade
o diagnóstico pode não ser muito preciso, provocando ansiedade desnecessária nos
pais e na criança. Na Educação Infantil, as crianças variam muito em suas habili-
dades e se desenvolvem rapidamente, tornando difícil um diagnóstico preciso em
alguns casos.

O diagnóstico apropriado é muito importante. Crianças com distúrbios de apren-


dizagem que não tenham sido diagnosticadas podem ser erroneamente classificadas
como tendo inteligência abaixo da média, preguiça, insolência, falta de interesse ou
serem desmotivadas e desatentas. Normalmente são muito cobradas pelos pais e
professores, o que acaba sendo um fator estressante que dificulta ainda mais a apren-
dizagem, gerando sentimentos negativos e crença de incapacidade (CIASCA, 2003).

As dificuldades ou problemas de aprendizagem diferem dos distúrbios ou transtor-


nos, pois quando se oferece oportunidades apropriadas de ensino, a aprendizagem
ocorre normalmente. Assim, avaliar as condições externas é muito importante, pois
ajuda a diferenciar dificuldades de aprendizagem de transtornos de aprendizagem.
Um bom professor aliado a uma metodologia apropriada de ensino poderá solu-
cionar as dificuldades da maioria de seus alunos utilizando diferentes estratégias de
ensino. Caso o aluno não aprenda mesmo assim, nesses casos poderemos ter um
real transtorno de aprendizagem. As dificuldades de aprendizagem, portanto, ao
contrário dos distúrbios, não têm uma relação direta com alterações no sistema ner-
voso central (PAULA et al., 2006).

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Segundo o Manual de diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013), os transtornos de aprendizagem
estão classificados como transtornos do neurodesenvolvimento na classificação mais
atual do DSM-V. Os transtornos de neurodesenvolvimento englobam alterações dos
processos iniciais do desenvolvimento cerebral que persistem ao longo da vida. Têm sua
origem no período gestacional ou na infância e envolvem déficits na interação social e
nas habilidades de comunicação que dificultam, dentre outras coisas, a aprendizagem
dentro e fora das escolas. Os principais transtornos de neurodesenvolvimento são
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); Transtorno do
Espectro Autista (TEA) e Transtornos Específicos de Aprendizagem (TEAp)
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).

As pesquisas indicam que os transtornos do neurodesenvolvimento têm origem


genética, embora não se tenha claro ainda quais são os genes responsáveis para
cada transtorno. Além disso, as origens desses transtornos podem também ter rela-
ção com alterações ou fatores de riscos ambientais que acontecem ainda nos perío-
dos iniciais do desenvolvimento, tal como a interação com agentes teratogênicos, isto
é, substância, organismo, agente físico ou estado de deficiência, que podem causar
alterações durante a vida embrionária ou fetal, tais como rubéola, síndrome da imu-
nodeficiência adquirida (Aids), álcool e drogas. Além disso, exposição ao estresse, a
toxinas, a determinados medicamentos, prejuízos no período perinatal, baixo peso
ao nascimento e prematuridade também podem estar relacionados.

A prevalência de transtornos do neurodesenvolvimento é maior para meninos do


que para meninas e o início dos sintomas geralmente ocorre nos primeiros anos de
vida e persistem por todo o desenvolvimento. É muito comum que esses transtornos
sejam identificados quando as crianças vão para a escola e passam a ser observadas
em situações que demandam algumas habilidades como a atenção e a linguagem e
são comparadas com outras crianças com a mesma idade.

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)


O TDAH é um dos transtornos do neurodesenvolvimento mais conhecidos, e
se caracteriza por prejuízos no controle da atenção e no controle motor. Frequen-
temente, existe um prejuízo também no controle emocional. Os sintomas incluem
dificuldades de concentração em atividades e desatenção para detalhes. Dadas as ca-
racterísticas dos sintomas, muitas crianças são erroneamente rotuladas como tendo
TDAH quando, na verdade, ainda estão desenvolvendo funções executivas – como
o controle inibitório.

As crianças que realmente têm TDAH apresentam dificuldades em manter a atenção


nas atividades e no controle do corpo, por exemplo, batendo a perna frequentemente
como se estivessem entediadas. Têm dificuldades em esperar e manifestam inquietação,
podendo levar a sentimentos de raiva intensa, descontrole emocional e impulsividade.

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Do ponto de vista neurobiológico, observa-se prejuízos na maturação e no de-


senvolvimento do córtex pré-frontal, área responsável pelas funções executivas e or-
questração das diferentes áreas do córtex motor, áreas relacionadas às emoções, aos
pensamentos e à atenção. O TDAH pode ocorrer em comorbidade com outros trans-
tornos específicos da aprendizagem, como a dislexia (MOUSINHO; NAVAS, 2016).

Transtorno do Espectro Autista (TEA)


O autismo é outro transtorno bastante conhecido e dada a diversidade das carac-
terísticas dos autistas e o nível de complexidade, atualmente se considera como um
transtorno do espectro do autismo. Em síntese, o TEA se caracteriza por alterações
no desenvolvimento neurológico marcado por três características fundamentais: pre-
juízos na comunicação, dificuldades de socialização e padrão de comportamento
restritivo e repetitivo. As primeiras manifestações, no comportamento das crianças
em geral, ocorrem no final do primeiro ou segundo ano de vida.

Como se trata de um espectro, alguns autistas podem desenvolver linguagem


adequadamente, mas mesmo assim ocorrem prejuízos na comunicação social não
verbal, o que inclui a compreensão de gestos, pistas sociais e leitura do ambiente
social. Apresentam dificuldades com a compreensão simbólica, por exemplo, tendo
limitações em compreender a linguagem figurada.

Muitos autistas podem ter inteligência normal ou até acima da média, com um
interesse predominante por diferentes temas, tais como dinossauros, carros, trens
e animais. Podem apresentar estereotipias comportamentais, comportamentos
repetitivos, alterações sensoriais e preferência por rotinas que, se quebradas, levam
a reações emocionais. Podem apresentar ecolalia, que é a repetição de palavras
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).

Existem pessoas com TEA que apresentam fala e comunicação verbal apropria-
das e com bom desenvolvimento nas escolas. Contudo, apresentam dificuldades qua-
litativas na comunicação e aproximação social, na leitura do ambiente e do contexto
social, na percepção das emoções, interesses restritos e alterações sensoriais.

Dada a diversidade do espectro autista, as pesquisas ainda são variadas, mas do


ponto de vista neurobiológico se percebe alterações nas conexões entre diferentes áreas
do cérebro, em especial nas ligadas aos pensamentos e funções cognitivas superiores.

Transtornos Específicos de Aprendizagem (TEAp)


Conforme já explicado, os transtornos específicos de aprendizagem são classifica-
dos como um dos transtornos do neurodesenvolvimento e podem ser subdivididos em
função do tipo de dificuldade: leitura, escrita e capacidade matemática. Em geral, as
crianças com TEAp possuem um bom desempenho em medidas intelectuais como
o QI – Quociente de Inteligência –, mas dificuldades específicas na aprendizagem e
desempenho nesses domínios acadêmicos (MOUSINHO; NAVAS, 2016).

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• Dislexia: é um dos subtipos mais conhecidos e se refere a uma dificuldade
acentuada na aprendizagem da leitura (decodificação) de palavras isoladas, nor-
malmente refletindo insuficiência do processamento fonológico. Ainda não se
sabe exatamente quais os mecanismos envolvidos na dislexia, mas a hipótese
mais vigorosa é de um déficit no processamento fonológico dificultaria também
o processamento de letras em paralelo;
• Disgrafia: é a dificuldade específica em relação à escrita, sendo manifestada
com dificuldades de ortografia e caligrafia. Como muitas crianças apenas são
consideradas como tendo a “letra feia”, esse transtorno acaba sendo menos
diagnosticado do que a dislexia e é menos conhecido;
• Discalculia: é o transtorno específico da Matemática e não está relacionado à
total falta de habilidades matemáticas, mas sim na maneira como a pessoa usa
esse conhecimento, por exemplo, para fazer cálculos.

Os transtornos específicos de aprendizagem são dificuldades acentuadas de ad-


quirir conhecimentos ou habilidades e são especialmente relacionados às dificuldades
escolares, mas não se resumem a elas. Quando a criança ingressa no processo de
escolarização é que se espera a aprendizagem formal da leitura, da escrita e do racio-
cínio lógico-matemático, por isso fica mais nítido quando uma criança tem alguma
dificuldade nesse processo. Contudo, podemos observar dificuldades acentuadas de
aprendizagem em todos os âmbitos da vida – há crianças com dificuldades em apren-
der a falar, a andar, a ter coordenação motora e concentração (CIASCA, 2003).

Considerando que todos temos dificuldades em alguma coisa, pense em alguma dificuldade
de aprendizagem que você teve. Por que você teve essa dificuldade? Quais eram os fatores
envolvidos? Como você resolveu?

Patologização e Medicalização da Educação


O cérebro humano é altamente eficiente para aprender. Se esse processo não
ocorre de forma fácil, certamente podemos encontrar alguma razão. Antigamente,
a primeira hipótese sempre recaia sobre a própria criança, suas condições internas
e estrutura familiar. Contudo, nas últimas décadas muito progresso foi feito e as
análises revelam que na maioria dos casos os problemas de aprendizagem estão, na
realidade, no ambiente externo à criança.

As condições de ensino são muito importantes para entender os processos de


aprendizagem que não acontecem com sucesso. Essa perspectiva é importante para
evitar a simples rotulação de crianças e a patologização dos processos educacionais
(MEIRA, 2012).

19
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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

No primeiro sinal de alterações da aprendizagem, é muito comum que pais e


professores busquem descobrir as causas e as possíveis soluções para essas dificuldades
(CIASCA, 2003). Contudo, muitas vezes o primeiro olhar é ainda para como a criança
pode ter algum tipo de desvio da normalidade, uma patologia ou outra condição
psicológica que influencie na sua forma diferente de aprender. Assim, várias crianças
chegam a psicólogos com queixas escolares relacionadas à aprendizagem. Mas,
quando se examina a fundo, percebe-se que a maioria apenas enfrenta um problema
em função de situações externas – como as condições de ensino.

Um olhar mais acurado deve, portanto, considerar que a relação ensino-apren-


dizagem envolve muitos fatores que são externos à criança. É preciso investigar o
contexto social no qual a criança está inserida, a metodologia de ensino utilizada
pela escola e pelo professor e as relações que se estabelecem dentro da sala de aula
e na escola, antes que possamos considerar que uma criança imediatamente tenha
um problema de aprendizagem. Em muitos casos, as crianças podem apenas não
aprender com o método utilizado pelo professor, por estarem sofrendo bullying ou
terem um ambiente familiar que não ofereça estimulação apropriada.

Nesses casos, a mudança necessária não está diretamente na criança, mas sim em
seu ambiente. Pode ser difícil de mudar todo o ambiente ao redor da criança, mas
é preciso explorar todas as possibilidades ao invés de apenas rotular uma criança
como tendo dificuldade de aprendizagem ou algum tipo de patologia. A rotulação
de crianças com problemas de aprendizagem é comum e antiga (ANTUNES, 2003),
isso causa uma série de marcas nas crianças e afeta suas relações interpessoais
presente e futuras. As crianças rotuladas deixam de ter um nome e passam a ser o
rótulo de uma patologia sem que tenham condições de mudar a própria condição.

Independentemente de ter ou não uma determinada patologia, os rótulos são


sempre negativos. As crianças não são o “autista da turma B”, ou o “disléxico da pro-
fessora Helena”. As crianças têm nome, história e merecem respeito. Faz parte do
processo educativo instruir as demais crianças sobre isso também. Deve-se ensiná-
-las a não fazer bullying ou usar esses termos como formas de ataque às crianças ou
segregação. Os efeitos cognitivos e socioemocionais dessas rotulações podem ser
muito diversos e graves.

Assista ao filme “Preciosa – uma história de esperança” –, de 2010 e dirigido por Lee
Daniels. Assista ao trailer: https://youtu.be/06ZF3zw1gHs

Nos últimos anos tem havido um crescente número de crianças que são medica-
das a partir de diagnósticos questionáveis e que não consideram toda a complexidade
dos processos de aprendizagem. Não é incomum, por exemplo, observar relatos de
crianças que tenham dificuldades de concentração na idade infantil. Muitos professo-
res e até mesmo psicólogos acabam desconsiderando o desenvolvimento das funções
executivas que acontece principalmente após os seis anos de idade e acreditam que

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crianças com quatro anos deveriam ficar sentadas por quatro horas sem se mexer,
prestando contínua atenção em uma aula. Isso não é possível e nem desejável. Rotu-
lar essas crianças como tendo TDAH é um risco enorme e que leva à estigmatização
em sala de aula e na vida de modo geral, além do encaminhamento errado da situa-
ção e do uso de medicamentos como a Ritalina, podendo, inclusive, prejudicar todo
o restante do desenvolvimento neurológico.

Vários educadores, psicólogos, médicos e pesquisadores têm criado movimen-


tos que lutam para a não medicalização da educação. Pelo reconhecimento de que
existem diferenças individuais e diversos fatores que podem influenciar a aprendi-
zagem e que não são patológicos, nem carecem de medicação. Além do mais, a
medicalização dos processos educacionais pode trazer mais danos do que soluções
nos casos em que não seria necessário qualquer tipo de medicação. Muitas crianças
que tomam remédios acabam tendo comprometimentos em seu desenvolvimento
neuropsicológico (MEIRA, 2012).

Quem são as crianças que são encaminhadas para atendimento psicológico? Se-
gundo Souza (2015), uma análise de prontuários de queixas escolares mostrou que
a média de idade das crianças atendidas era de 9,3 anos, sendo que 70% eram
meninos. O motivo mais frequente de encaminhamento era o que os educadores
denominam problemas de aprendizagem atrelados a problemas de atitudes em sala
de aula (26%), ou somente problemas de aprendizagem (24%), ou ainda problemas
de atitudes (19%). Ou seja, a soma dos motivos de encaminhamento mostra que 69%
das crianças apresentavam problemas na aprendizagem ou atitudes consideradas
inadequadas em sala de aula.

Quais são os tipos de problemas de aprendizagem? Quais são os comportamentos


da criança em sala de aula que são motivos de encaminhamento psicológico? Como
são descritos pelos educadores? Marilene Souza (2015) identificou dois tipos princi-
pais de problemas, os problemas de aprendizagem e os problemas de compor-
tamento. Segundo essa pesquisadora, os chamados problemas de aprendizagem
são descritos da seguinte maneira:
[...] “troca de letras”, “dificuldade em ler as palavras”, “não consegue ler e
escreve tudo amontoado”, “ainda está na fase dos rabiscos”, “não consegue
copiar da lousa”, “dificuldade na coordenação motora fina”, “troca letras,
não acentua palavras e não sabe quando tem que escrever uma letra mai-
úscula”, “não sabe ler e escrever, somente copia, [...] só conhece a letra A»,
«omite palavras, sílabas e letras em ditados e cópias e comete erros grama-
ticais», «não acerta as contas», «vai mal em Matemática”, “baixo rendimento
escolar”, “é lento”, “não está acompanhando o ritmo das outras crianças”,
“repetiu duas vezes a primeira série em função de disritmia”, “é distraído”,
“tem dificuldade em fazer a lição de casa”. (SOUZA, 2015, p. 137)

Enquanto os chamados problemas de comportamento ou de atitudes, são des-


critos como por Souza (2015, p. 138) como:
[...] “não responde às chamadas e às perguntas”, “sai da classe várias vezes”,
“recusa-se a realizar tarefas determinadas, como leitura, por exemplo”,

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

“compreende, mas não obedece a instruções”, “esquece as regras e fala


baixo”, “não apresenta ordem em seu caderno”, “não conseguia ficar
sentado assistindo às aulas”, “é muito agressivo”, “briga e faz bagunça”,
“é insuportável na escola: pegou um estilete para abordar as meninas,
para aprontar”, “é calado”, “não fala com a professora, não conversa com
os outros, não pede para ir ao banheiro”, “é facilmente enganado pelas
outras crianças”, “não se interessa pela escola”, “só quer saber de brincar
na escola”, “a professora falou que qualquer coisa ele chora”, “não presta
atenção ao que a professora fala”, “não tem interesse por nada na escola”,
“muito nervoso, não aceita aprender por medo de errar”, “sempre foi o
primeiro da classe, brigou com a professora de Matemática e tirou nota
vermelha”, “não teve integração com os professores”, “professora não
consegue colocar limites”.

Essas queixas escolares, para Souza (2015), sumarizam um pouco dos principais
motivos de encaminhamento de crianças para serviços de atendimento psicológico
e revelam que, em sua grande maioria, as queixas ainda são atribuídas às crianças.
São as crianças que trocam letras, elas que não aprendem, brigam com os colegas,
desobedecem a regras estabelecidas, são nervosas ou choram muito, não sabem se
defender ou se defendem até demais. Essas queixas ignoram a importância e o papel
dos professores e das escolas nessa relação de ensino-aprendizagem.

Outro problema apontado por Souza (2015) é que muitas escolas acabam pra-
ticamente obrigando os pais a buscarem ajuda psicológica para seus filhos, sem
considerar seu próprio papel diante da aprendizagem. Isso leva os pais a procurarem
diversas alternativas e profissionais para entender o que acontece com seus filhos,
o que pode levar também a uma medicalização do processo de escolarização. Além
disso, tantas investigações que eximem o papel da escola só podem concluir que o
problema está na criança – e não na escola.

A medicalização da Educação é um problema atual bastante grave, no qual as


diferenças individuais são patologizadas e as crianças medicadas sem a necessidade
real. O uso desses medicamentos pode causar ainda mais danos do que ajudar efe-
tivamente, lembrando que na infância essas crianças estão desenvolvendo o sistema
nervoso e nem todas as funções estão plenamente estabelecidas. O normal se torna
patológico pela incompreensão do que é de fato uma aprendizagem e de todos os
fatores que influenciam nesse processo (MEIRA, 2012). Assim, é fundamental que
você entenda que existem transtornos de aprendizagem, mas não são a maioria em
uma sala de aula. Precisamos investigar todas as opções possíveis antes de definir
que as crianças têm de fato um transtorno – e nesses casos buscar alternativas que
nem sempre serão medicamentosas, mas sim educacionais.

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Em Síntese
Com esta Unidade completamos nossa aprendizagem das principais teorias clássicas e
contemporâneas da aprendizagem, visando lhe introduzir neste campo instigante de
estudos que nos revela que a aprendizagem não acontece apenas nas escolas, mas em
todos os lugares e o tempo todo. Além disso, para aprender precisamos considerar o nos-
so corpo todo, o que certamente inclui o cérebro como o centro do processo da aprendi-
zagem. Somos seres biopsicossociais e precisamos entender que todas essas dimensões
afetam na aprendizagem.
O mundo está mudando e precisamos considerar essas mudanças nos processos de
ensino-aprendizagem. Precisamos considerar os diferentes tipos de aprendizagem e as
diferenças individuais que podem afetar a aprendizagem. Entendendo que nem sem-
pre essas dificuldades são patológicas, na maioria dos casos ocorrem apenas devido a
diferenças individuais e são influenciadas por questões ambientais, como a escola e os
professores. Bons docentes podem fazer a diferença ao oferecer condições apropriadas
de ensino para todos.
Esse entendimento é importante para evitar a rotulação e a patologização dos processos
educacionais, e a medicalização da educação pode trazer mais prejuízos do que benefí-
cios. Contudo, não podemos nos enganar e esquecer de quem de fato precisa de trata-
mento específico. Existem transtornos do neurodesenvolvimento e mais especificamen-
te transtornos de aprendizagem que necessitam ser identificados apropriadamente e
tratados para que todos possam ter condições de aprendizagem. Evitar a patologização
e a medicalização não pode levar à descrença nas evidências e ao negacionismo de dis-
túrbios que afetam a vida de milhares de crianças e que podem ser tratados apropriada-
mente, oferecendo melhores condições de vida.
Para concluir, nunca se esqueça de que todos podem aprender, desde que lhes sejam
dadas condições apropriadas de ensino. Que você possa continuar sempre aprendendo
por toda a sua vida!

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UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Na vida Dez, na Escola Zero
CARRAHER, T. N.; CARRAHER, D. W.; SCHLIEMANN, A. D. Na vida dez, na
escola zero. São Paulo: Cortez, 1988.
Por que o Construtivismo não funciona? Evolução, Processamento de Informação e Aprendizagem Escolar
HAASE, V. G.; JULIO-COSTA, A.; SILVA, J. B. L. Por que o construtivismo não
funciona? Evolução, processamento de informação e aprendizagem escolar.
Psicol. Pesq., Juiz de Fora, MG, v. 9, n. 1, p. 62-71, jun. 2015.

Filmes
Como Estrelas na Terra: toda Criança é Especial
O jovem Ishaan tem muita dificuldade para se concentrar nos estudos, e mal
consegue escrever o alfabeto. Depois de diversas reclamações da escola, o pai, que
acredita que Ishaan não faz as tarefas por falta de comprimisso, decide levá-lo a um
internato, o que leva o menino a entrar em depressão. Mas, um professor substituto
de artes, Nikumbh, logo percebe o problema de Ishaan, e entra em ação com seu
plano para devolver a ele a vontade de aprender e, sobretudo, viver.
https://youtu.be/ImK0Ncl3xuI
Preciosa – uma história de Esperança
1987, Nova York, bairro do Harlem. Claireece “Preciosa” Jones (Gabourey Sidibe) é
uma adolescente de 16 anos que sofre uma série de privações durante sua juventude.
Violentada pelo pai (Rodney Jackson) e abusada pela mãe (Mo’Nique), ela cresce
irritada e sem qualquer tipo de amor. O fato de ser pobre e gorda também não a
ajuda nem um pouco. Além disto, Preciosa tem um filho apelidado de “Mongo”,
por ser portador de síndrome de Down, que está sob os cuidados da avó. Quando
engravida pela segunda vez, Preciosa é suspensa da escola. A sra. Lichtenstein
(Nealla Gordon) consegue para ela uma escola alternativa, que possa ajudá-la a
melhor lidar com sua vida. Lá Preciosa encontra um meio de fugir de sua existência
traumática, se refugiando em sua imaginação.
https://youtu.be/06ZF3zw1gHs

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Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual
of mental disorders (DSM-V). 5th ed. Arlington, VA, USA, 2013.

ANTUNES, M. A. M. Psicologia e Educação no Brasil: um olhar histórico-crítico. In:


MEIRA, M. E. M.; ANTUNES, M. A. M. (Org.). Psicologia escolar: práticas críticas.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

BEZERRA, G. F. A inclusão escolar de alunos com deficiência: uma leitura baseada


em Pierre Bourdieu. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 22, n. 69, p. 475-497,
jun. 2017.

COSENZA, R.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro apren-


de. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011.

CIASCA S. M. Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar.


São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

HAASE, V. G.; JULIO-COSTA, A.; SILVA, J. B. L. Por que o construtivismo não


funciona? Evolução, processamento de informação e aprendizagem escolar. Psicol.
Pesq., Juiz de Fora, MG, v. 9, n. 1, p. 62-71, jun. 2015.

HART, B.; RISLEY, T. R. Meaningful differences in the everyday experience of


young american children. [S.l.]: Paul H. Brookes, 1995.

ILLERIS, K. (Org.). Teorias contemporâneas da aprendizagem. Porto Alegre, RS:


Penso, 2013.

LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da aprendizagem: o que o professor disse. São Paulo:


Cengage Learning, 2017.

MARTINS, G. D. F.; VIEIRA, M. L. Desenvolvimento humano e cultura: integração


entre filogênese, ontogênese e contexto sociocultural. Estud. psicol. Natal, RN, v. 15,
n. 1, p. 63-70, abr. 2010

MEIRA, M. E. M. Para uma crítica da medicalização na educação. Psicol. Esc.


Educ. Maringá, PR, v. 16, n. 1, p. 136-142, jun. 2012.

MOUSINHO, R.; NAVAS, A. L. Mudanças apontadas no DSM-5 em relação aos


transtornos específicos de aprendizagem em leitura e escrita. Revista Debates em
Psiquiatria, p. 38-46, maio/jun. 2016.

PAULA, G. R. et al. Neuropsicologia da aprendizagem. Rev. Psicopedag., São Paulo,


v. 23, n. 72, p. 224-231, 2006.

SARGIANI, R. de A.; MALUF, M. R. Linguagem, cognição e Educação Infantil: con-


tribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências. Psicol. Esc. Educ., Maringá,
PR, v. 22, n. 3, p. 477-484, dez. 2018.

25
25
UNIDADE Diversidade, Dificuldades e Transtornos de Aprendizagem

SOUZA, M. P. R. de. Formação de psicólogos para o atendimento a problemas de


aprendizagem: desafios e perspectivas. Estilos da Clínica, São Paulo, v. 5, n. 9, p.
97-104, 108-111, 2015.

STANOVICH, K. E. Matthew effects in reading: some consequences of individual


differences in the acquisition of literacy. Reading Research Quarterly, v. 21, p.
360-406, 1986.

TUNMER, W. E. Como a Ciência Cognitiva forneceu as bases teóricas para a re-


solução do “grande debate” sobre métodos de leitura em ortografias alfabéticas. In:
MALUF, M. R.; CARDOSO-MARTINS, C. (Org.). Alfabetização no século XXI:
como se aprende a ler e a escrever. Porto Alegre, RS: Penso, 2013. p. 124-137.

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Teorias da
Aprendizagem
Aprendizagem em Contextos Educacionais

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro

Revisão Técnica:
Prof.ª Me. Cássia Souza
Aprendizagem em
Contextos Educacionais

• Características da Aprendizagem em Instituições Educacionais;


• Documentos Normativos, Orientações Curriculares,
Materiais Didáticos e Práticas de Ensino;
• A Importância e o Papel dos Professores na Aprendizagem dos Alunos;
• Avaliação Diagnóstica, Formativa e Somativa da Aprendizagem;
• Alfabetização, Literacia e Numeracia.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Discutir sobre as particularidades da aprendizagem em ambientes educacionais, princi-
palmente na escola, com ênfase para a escolarização inicial, a alfabetização e o ensino
de matemática.
UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

Características da Aprendizagem
em Instituições Educacionais
Ao longo da história, a humanidade explorou o mundo, inventou, descobriu, inovou
e criou diversos conhecimentos e culturas. Inicialmente, esses conhecimentos eram
produzidos por pessoas e morriam com elas ou com seu pequeno grupo de familiares
e amigos. Mas logo os humanos perceberam, ainda que intuitivamente, que era ne-
cessário desenvolver mecanismos para que os conhecimentos úteis e que facilitavam
a vida pudessem ser armazenados e compartilhados entre todos (HARARI, 2015).
Assim, podemos dizer que essa é uma possível explicação para o surgimento das
primeiras ideias sobre a educação e as instituições educacionais.
Educar é estimular e promover a aquisição de conhecimentos, habilidades, com-
petências, valores e atitudes. Em outras palavras, educar é promover a aprendiza-
gem. Nas instituições educacionais, o ensino é organizado e sistematizado, e o que
será aprendido é previamente selecionado e planejado em função de regulamenta-
ções e orientações curriculares. É importante salientar que a educação não é nunca
descontextualizada, ela é sempre o reflexo das decisões de um determinado grupo
social e está atrelada, portanto, a um contexto social, cultural, histórico, político e
econômico. Os conhecimentos, habilidades, competências, valores e atitudes que
serão ensinados serão sempre determinados por pessoas que estão inseridas nesse
contexto e que tomam as decisões sobre o que e como deve ser ensinado.
As instituições educacionais foram criadas para perpetuar e transmitir os saberes cul-
turalmente acumulados. A função essencial dessas instituições é garantir que as novas
gerações possam aprender sobre o conhecimento já acumulado e desenvolver habilidades
para avançar ainda mais esses saberes, produzindo inovações. Para isso, essas instituições
precisam determinar os objetivos de aprendizagem e sistematizar práticas de ensino, já que
não se pode ensinar tudo o que já foi produzido. Imagine se, hoje, em pleno século XXI,
as escolas ainda ensinassem como lascar pedras ou viver em cavernas? O conhecimento
progride e precisamos selecionar o que será necessário ensinar em cada contexto e época.
Embora as escolas sejam as instituições educacionais mais facilmente reconheci-
das, elas não são as únicas. Existem diversas instituições educacionais como creches,
centros educacionais, faculdades, universidades, e outras não tão facilmente identi-
ficáveis como instituições educacionais, por exemplo, museus, parques, zoológicos,
ONGs, fundações e institutos culturais. Esses últimos, embora não tenham a função
de ensino sistematizado com um professor e vários alunos, como logo imaginamos
em uma escola, também são instituições educacionais que promovem oportunidades
de aprendizagem e conservam o conhecimento já produzido pela humanidade.

Trocando ideias...
Você já havia pensado em museus e zoológicos como instituições educacionais? Você
tem o hábito de frequentar museus? O que se pode aprender em um museu? Os
brasileiros costumam frequentar mais museus fora do país do que no Brasil. Por que
você acha que isso acontece? Como mudar essa situação?
Leia a seguinte reportagem, disponível em: https://bbc.in/3bZSorW

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Nesta unidade, vamos discutir sobre como nas instituições educacionais a aprendi-
zagem é pensada de modo sistematizado e delimitado. Em casa, nas famílias, a apren-
dizagem acontece de modo mais fluído e natural em diversas situações que acontecem
cotidianamente. No contexto educacional, as instituições seguem normas, diretrizes
que são fundamentadas em perspectivas teóricas como já discutimos nas unidades
anteriores. As diversas teorias estudadas até agora são a bússola que orienta diferentes
proposições sobre o que, como e quando ensinar, o que impacta nas aprendizagens.
Como você deve se lembrar, algumas proposições teóricas apresentam ideias antagô-
nicas, o que também se reflete nessas orientações que, por vezes, são contraditórias
e variam muito em diferentes culturas e governos, nas diferentes instituições e mais
focalmente no conhecimento específico e preferências de cada professor.

Documentos Normativos, Orientações


Curriculares, Materiais Didáticos
e Práticas de Ensino
A aprendizagem em contextos educacionais não é incidental como em casa ou
outros ambientes. Nas instituições educacionais, a aprendizagem é previamente pla-
nejada e segue diversas regulamentações e orientações. Ao discutir sobre a apren-
dizagem em contextos educacionais, primeiramente, precisamos entender como se
organizam os sistemas educacionais. Diversos países, estados e municípios têm suas
próprias regulamentações, mas focaremos aqui no caso do nosso país. No Brasil, o
Governo Federal regula as instituições educacionais por meio do Ministério da Edu-
cação (MEC), que segue o disposto na Constituição Federal, artigo 211:

Importante!
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime
de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as institui-
ções de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e
supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo
de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios;
§ 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil;
§ 3º. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental
e médio;
§ 4º. Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização
do ensino obrigatório;
§ 5º. A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.

Como se pode ver, a educação brasileira não é apenas função da União, mas sim
é o resultado de um regime de colaboração entre a União, Estados e Munícipios.

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

Cada qual com suas funções e responsabilidades. O regime de colaboração incentiva


que a União, Estados e municípios se organizem para solucionar problemas comuns
ou estimular e apoiar a implementação de políticas educacionais. O termo regime
de colaboração é usado para o trabalho articulado, coordenado e institucionalizado
entre os entes federados (União, estados, Distrito Federal e municípios) para garantir
o direito à Educação Básica para todos. Com ele, as esferas de governo têm respon-
sabilidade conjunta pelos estudantes daquele território e não apenas por redes ou
sistemas educacionais específicos.

Além do disposto na Constituição, você também deverá saber que existe uma
lei específica para estabelecer diretrizes e bases para a educação nacional. Essa é a
lei 9394/96, chamada de LDB (lei de diretrizes e bases). Na LDB, você encontrará
mais especificamente os princípios, finalidades, direitos e deveres que regem a edu-
cação brasileira. A LDB também recomenda o regime de colaboração para organizar
a educação nacional.

Importante!
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida fa-
miliar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por
meio do ensino, em instituições próprias;
§ 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

A aprendizagem que ocorre em instituições educacionais é, portanto, planejada e


organizada por meio de leis que regulamentam e normatizam o sistema de ensino e
as expectativas de aprendizagem de conteúdos, conhecimentos e competências que
serão importantes para determinadas sociedades. Além do Ministério da Educação
em nível Federal, cada Estado e Munícipio, conforme a regulamentação da consti-
tuição federal e da LDB, organiza seus próprios sistemas de ensino com Secretárias
Estaduais e Municipais destinadas a essa finalidade.

Em todo o Brasil, as nomenclaturas podem variar muito, mas de modo geral sem-
pre há uma Secretaria de Estado da Educação e uma Secretaria Municipal de Educa-
ção. Algumas vezes, essas secretarias também cuidam de interesses correlatos, como
esporte e cultura. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)
e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) são entidades que reúnem
respectivamente os secretários municipais e os secretários estaduais de educação de
modo a buscar representar os interesses coletivos desses grupos e promover avanços
junto ao Ministério da Educação, fortalecendo o regime de colaboração.

Além disso, há ainda o Conselho Nacional de Educação (CNE), que é um órgão


colegiado vinculado ao MEC, e que tem o objetivo de assegurar a participação da
sociedade no desenvolvimento, aprimoramento e consolidação da educação nacio-
nal de qualidade. O CNE tem funções normativas, deliberativas e de assessoramento

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do Ministro de Estado da Educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política nacio-
nal de educação, zelar pela qualidade do ensino, pelo cumprimento da legislação
educacional e assegurar a participação da sociedade no aprimoramento da educa-
ção brasileira. Cada Estado e Município pode também estabelecer seus próprios
Conselhos Municipais ou Estaduais de Educação semelhantes ao CNE e que au-
xiliem a participação da sociedade civil nas decisões sobre os rumos da educação
em nível subnacional.
Todos esses órgãos e entidades seguindo a legislação promovem novas leis, dire-
trizes, orientações e documentos normativos para que a educação nacional ocorra
conforme expressado na Constituição Federal. Assim, é importante que você se
familiarize com alguns deles para entender que nas instituições escolares, os profes-
sores, embora tenham flexibilidade na maneira como irão promover a aprendizagem
de seus alunos, devem, antes de tudo, responder às normas da própria escola que,
por sua vez, deve responder às regulamentações de uma diretoria de ensino ou
departamento de ensino – esse nome varia muito em todo o país, mas se trata de
um agrupamento administrativo regional de escolas que está abaixo da Secretaria
Municipal de Educação. Devem ainda seguir orientações da Secretaria Estadual de
Educação e, em última instância, do Ministério da Educação.

Você já tinha pensado em como a aprendizagem nas escolas é mais complexa do que apenas
decidir entre teorias da aprendizagem? Existem diversas regulamentações que orientam e
limitam o que e como se deve ensinar.

Nas instituições educacionais, a quantidade de dias letivos é definida por lei, assim
como a quantidade de horas necessária para as diferentes formações, níveis e moda-
lidades educacionais. O sistema educacional brasileiro é dividido em Educação Básica
e Ensino Superior. A Educação Básica, a partir da LDB, é estruturada por níveis
e modalidades de ensino, englobando a Educação Infantil, o Ensino Fundamental
obrigatório de nove anos e o Ensino Médio. Como modalidades de ensino, temos
a educação escolar indígena, educação especial, educação do campo, educação es-
colar quilombola, educação de jovens e adultos (EJA) e educação profissional. Cada
nível ou etapa e cada modalidade apresentam suas próprias regulamentações com
expectativas e objetivos de aprendizagem e formação.

Atualmente, há também uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que é


um documento normativo que orienta para um currículo mínimo que estados e mu-
nicípios devem contemplar na formulação de seus próprios documentos curricula-
res. Os currículos são a base que organiza os conteúdos que serão ministrados em
cada nível e modalidade de educação, isto é, aquilo que o professor deverá atingir
por meio de suas práticas de ensino e que, portanto, os alunos deverão aprender.

Assim, a partir da BNCC, publicada em 2017, os estados e municípios passaram


a desenvolver seus próprios currículos que estão sendo implementados obrigatoria-
mente a partir de 2020. A criação da BNCC, portanto, tem o objetivo principal de

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

garantir aos estudantes brasileiros o direito de aprender um conjunto fundamental


de conhecimentos e habilidades comuns, em todas as escolas públicas e privadas,
urbanas e rurais de todo o país. A BNCC é um referencial que objetiva fazer com
que todos os currículos implementados no Brasil tenham uma base mínima de
qualidade para todos. Cada Estado e Município pode ampliar essa base com suas
próprias expectativas e conteúdos locais como a história, geografia e cultura de
cada localidade.

Diante de um currículo e das normativas já referidas, as escolas devem conhecer


seus alunos e suas famílias e comunidade local buscando identificar os objetivos da pró-
pria escola e determinando projetos educacionais, o como será a educação dessa es-
cola. Assim, as escolas devem elaborar um Projeto Político-Pedagógico (PPP) que será
o documento que norteará a maneira como a escola planeja suas ações estratégicas e
estabelece metas para conseguir evoluir nos processos de ensino e de aprendizagem.

Como todas essas normatizações se convertem em aprendizagem? Até agora,


vimos que existem várias regras que delimitam o que e como se deve ensinar em
instituições educacionais. Mas essas são só a base, o que efetivamente promove a
aprendizagem nas instituições escolares são as práticas de ensino adotadas pelos
professores e o uso de materiais didáticos apropriados que contemplem os objeti-
vos curriculares.

Esses materiais estruturados podem ser mais ou menos estruturados. Existem li-
vros didáticos e sistemas de ensino muito regrados com planos de aulas e orientações
para cada atividade e proposta de ensino. Outras escolas e professores preferem não
adotar materiais estruturados ofertando possibilidades de aprendizagem de maneira
mais incidental a partir de proposições de projetos que deverão ser criados ao longo
do semestre.

Essas variações são previstas e possíveis em especial devido à multiplicidade de


abordagens teóricas como já estudamos anteriormente. Redes de ensino, escolas e os
professores podem adotar abordagens diferentes e que influenciem em suas formas de
ensinar. Escolas e professores que se denominam construtivista, por exemplo, procu-
ram evitar materiais estruturados e ofertar possibilidades de que os alunos resolvam
problemas que são apresentados nas diferentes aulas. Outras escolas podem utilizar
materiais estruturados justamente pensando na necessidade de que conteúdos sejam
ensinados em ordem progressiva de dificuldade, facilitando a aprendizagem.

É importante refletir que, embora existam diferentes proposições teóricas, a


aprendizagem é mais eficiente quando é organizada, quando conhecimentos são
apresentados de maneira sequencial e progressiva, de modo que o estudante possa
aprender de forma organizada e gradual. Práticas de ensino explícitas também são
mais eficientes do que aquelas que deixam os aprendizes muito livres e sem, de fato,
terem condições de aprender a partir da mesma base. Quando se explicam as razões
pelas quais um conteúdo deve ser aprendido e a forma como será mais fácil apren-
der, auxilia-se no desenvolvimento da metacognição, que permitirá um melhor con-
trole sobre os processos de aprendizagem. Em outras palavras, promove-se, dessa
forma, o aprender a aprender.

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A Importância e o Papel dos Professores
na Aprendizagem dos Alunos
Não há dúvidas de que os professores são o fator mais importante dentre todos
os que afetam a aprendizagem em contextos educacionais. Bons professores são ca-
pazes de identificar potencialidades e dificuldades, criando situações que favoreçam
a aprendizagem de seus alunos, engajando os extremos e promovendo a instrução
diferenciada para todos. O que torna um bom professor varia muito, será uma boa
faculdade ou serão os anos de experiência? Existem muitos debates sobre isso, mas
o fato é que é uma combinação de diferentes fatores que fazem com que alguém se
torne um bom professor (SOUZA, 2013).

Nenhuma sala de aula será igual nunca, mas sempre podemos identificar dentro
das diferentes turmas que existem alunos com mais dificuldades e outros com melhor
desempenho. Os bons professores podem identificar as dificuldades e criar ativida-
des extras, diferenciadas que facilitem a aprendizagem. Da mesma maneira, aqueles
que tenham mais facilidade e já tiverem concluído suas tarefas poderão ser estimu-
lados a cooperar com quem ainda não acabou, servindo com uma espécie de tutor,
que agiria como um scaffolding na zona de desenvolvimento proximal.

Os professores podem ter conhecimentos e habilidades muito diferentes. Na Edu-


cação Infantil e Ensino Fundamental I, normalmente os professores são Pedagogos
(OLIVEIRA, 2010). A Pedagogia é uma disciplina que estuda os processos de ensino
e de aprendizagem com um olhar especial para a infância. No Ensino Fundamental II
e Ensino Médio, os professores costumam ser licenciados em seus respectivos cam-
pos como Letras, Matemática, História, Geografia e Filosofia.

Denominamos de Ensino Fundamental I ou Ensino Fundamental – Anos Iniciais, os 5 primei-


ros anos do Ensino Fundamental. Enquanto o Ensino Fundamental II ou Ensino Fundamental
– Anos Finais contempla os últimos 4 anos do Ensino Fundamental.

No Ensino Superior, os professores podem ter qualquer formação de base, isto é, em


qualquer disciplina, mas precisam ter também pelo menos um curso de pós-graduação
lato sensu ou stricto sensu. Cursos lato sensu são mais rápidos e focados nas práticas
profissionais, são chamados de especialização ou MBA. Cursos stricto sensu são cur-
sos mais robustos, longos e que focam no desenvolvimento de habilidades de pesquisa
e ensino. Eles podem ser divididos em dois níveis, mestrado e doutorado. Sendo que o
mestrado habilita a cursar o doutorado. Excepcionalmente, em alguns casos, é possível
também fazer doutorado direto sem o mestrado.

Como já discutimos antes, o que caracteriza um bom professor é difícil de espe-


cificar, mas são suas práticas e experiências que fazem com que seu conhecimento
esteja sempre sendo testado e retestado em suas práticas de ensino. Não é apenas
uma questão de formação ou titulação que faz uma pessoa imediatamente bom pro-

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

fessor. É necessário que o professor possa se dedicar as suas práticas, testar seus
conhecimentos e modificar suas ações em função daquilo que está ensinando.

Não basta apenas conhecer didática para ser um bom professor. Ensinar envolve
mais do que apenas os conhecimentos técnicos, uma vez que também se ensinam
valores e atitudes por meio de nossos comportamentos. Professores servem muitas
vezes como modelos para seus alunos, em especial, na Educação Básica. É muito
comum que as crianças se identifiquem muito com seus professores e comecem a
imitar seus comportamentos e atitudes, assim como o fazem com seus pais também.
Nesse sentido, o professor precisa refletir não apenas sobre aquilo que deve ensinar
e como ensinar, mas também sobre o modo como ensina e se comporta.

Todo mundo tem um professor memorável. Seja por coisas boas ou ruins que ele fez. Qual
foi seu professor memorável? Aquele que marcou sua vida? Por que ele marcou sua vida?
Quais eram as características que o fizeram ser memorável?

Leia o livro: ABRAMOVICH, F. Que raio de professora sou eu? São Paulo: Scipione, 2019.

Avaliação Diagnóstica, Formativa


e Somativa da Aprendizagem
Nas instituições educacionais, não basta apenas ensinar e aprender, pois é neces-
sário também avaliar se a aprendizagem está de fato ocorrendo ou se ocorreu como
o esperado. É importante entender que o resultado de uma avaliação não é só con-
sequência do que o aluno aprendeu, mas também da forma como ele foi ensinado e
do tipo de avaliação que foi realizada.

Assim, a avaliação é útil para ajudar a identificar se as práticas pedagógicas estão


sendo apropriadas ou se precisam ser modificadas. É importante ressaltar que uma
avaliação pode ser muito inadequada e exigir conhecimentos que não tenham sido
ensinados ainda ou que o professor não tenha explicado de uma maneira suficiente-
mente clara.

Nesse sentido, a avaliação educacional deve ser entendida como parte integrante
da relação ensino-aprendizagem, pois auxilia na orientação das ações pedagógi-
cas que objetivem superar as dificuldades dos alunos. Contudo, ainda prevalece no
Brasil um modelo que considera apenas a realização de exames escolares e não de
avaliação da aprendizagem. Isso significa que os estudantes são avaliados pelo pro-
duto final e não pelo processo da aprendizagem (MIQUELANTE, 2017). Em outras
palavras, os exames não ajudam de fato a melhorar a qualidade da aprendizagem,
apenas a testar o que já foi aprendido.

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Uma proposta alternativa foi elaborada por Benjamin Bloom (BLOOM; HASTINGS;
MADAUS, 1983) que identificou que a avaliação possui três funções principais, que
consistem em 1) avaliação diagnóstica: diagnosticar os conhecimentos prévios dos
alunos; 2) avaliação formativa: monitorar se os alunos estão atingindo os objetivos
curriculares propostos, auxiliando o professor na identificação de dificuldades e es-
tratégias de ensino alternativas; e por último 3) avaliação somativa: objetiva a clas-
sificação dos alunos no final de um módulo ou curso de acordo com o rendimento de
cada aluno.
• A avaliação diagnóstica (ou analítica): a avaliação diagnóstica, como o consta
no próprio nome, oferece um diagnóstico da realidade que se pretende exami-
nar, permitindo estimar os conhecimentos e habilidades iniciais que estão pre-
sentes antes de qualquer tipo de ensino. Essa é a avaliação adequada para dar
início ao ano letivo. O professor ou o avaliador aqui terá como objetivo verificar
quais são os conhecimentos prévios que os alunos ou avaliados têm antes de re-
ceberem o ensino. Esse tipo de avaliação permite atestar se pré-requisitos estão
satisfeitos e prever se alguns terão mais dificuldades do que outros.

Além disso, a partir de uma avaliação diagnóstica, é possível ajustar o currículo e


os planos de aula para contemplar elementos que precisam ser ensinados antes para
que o ensino seja satisfatório (LUCKESI 2003). Por exemplo, ao ingressar no 1º ano,
as crianças podem ser avaliadas em conhecimentos de letras e, ao perceber que a
maioria não conhece os nomes das letras, o que seria uma habilidade importante
para essa etapa de alfabetização, a professora pode começar suas aulas ensinando e
revisando os nomes das letras.

A avaliação diagnóstica tem três objetivos principais: 1) identificar os conhecimen-


tos de base dos alunos; 2) verificar se os alunos possuem habilidades e conhecimen-
tos que são pré-requisitos para o processo de ensino; e 3) identificar possíveis causas
de dificuldades de aprendizagem e antever ações educativas apropriadas.
• A avaliação formativa (ou controladora): entende-se por avaliação formativa
aquela que tem como função controlar ou monitorar o processo de aprendiza-
gem. A avaliação formativa deve ser realizada periodicamente durante todo o
período letivo, com o objetivo de avaliar se os estudantes estão de fato alcançan-
do os objetivos de aprendizagem propostos. O objetivo é entender se os alunos
estão gradativamente e hierarquicamente aprendendo os objetivos curriculares
propostos para cada etapa, antes de que possam avançar para uma etapa mais
avançada. Essas avaliações são importantes para permitir que os alunos tam-
bém tomem conhecimento dos seus próprios erros e acertos, encontrando estí-
mulo para continuar seus estudos e procurar ajuda no que for necessário. Esse
tipo de avaliação também ajuda a superar as tensões causadas por avaliações
tradicionais que visavam apenas verificar se os alunos aprenderam ao término
do processo. As avaliações formativas ajudam os professores a detectar e iden-
tificar possíveis falhas ou deficiências na forma de ensinar, auxiliando na refor-
mulação das práticas didáticas em busca da melhoria da qualidade do ensino e
da aprendizagem;

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

• A avaliação somativa (ou classificatória): a avaliação somativa compreende a


soma de vários instrumentos avaliativos. Por exemplo, durante o período letivo
o aluno pode ter realizado vários trabalhos, provas, pesquisas e recebe uma
única nota no final do bimestre ou semestre. Esse tipo de avaliação tem como
função básica a classificação dos alunos de acordo com os níveis de aproveita-
mento previamente estabelecidos. Comumente é realizada ao final de um curso
ou unidade de ensino. Pode ser feita tanto internamente pelo próprio professor
quanto externamente, por exemplo, por um governo local, nacional ou interna-
cional, criando-se rankings de aproveitamento de cada segmento educacional.

Segundo Bloom e colaboradores (1983), essa avaliação serve como ponto de


apoio para atribuir notas, classificar os alunos e transmitir os resultados em termos
quantitativos no final de um período. Nacionalmente, por exemplo, temos avaliações
da Educação Básica como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do
Ensino Médio como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Ensino Supe-
rior o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) que avaliam períodos
importantes desses níveis educacionais. Esses exames são aplicados pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que é uma au-
tarquia federal vinculada ao Ministério da Educação.

Ainda existem diversas avaliações subnacionais como o Sistema de Avaliação


do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) em São Paulo e o Siste-
ma Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) no Ceará e a
Avaliação de Desempenho do Estudante (ADE) em Manaus. Ainda participamos de
avaliações em nível internacional, como o Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (PISA) e o Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Erce) que foca na
América Latina e Caribe.

Um problema com esse tipo de avaliação, segundo Bloom, é que ela pode se resu-
mir apenas à mera classificação, o que acarreta danos ao processo educacional. Um
aluno pode ter aprendido muito e apenas ter recebido como avaliação um número
qualquer em um ranking, como se bastasse o número e não o conteúdo aprendido.

Esses três tipos de avaliação devem ser utilizados de forma integrada e planejada
para aumentar a eficiência e eficácia do sistema de avaliação e como consequên-
cia beneficiando os processos de ensino e de aprendizagem em instituições educa-
cionais. Em todos os casos, cumpre-nos lembrar de que vários fatores devem ser
considerados em todo processos de avaliação, como o número de alunos, objetivo,
conhecimento técnico do professor e do aplicador, materiais usados, currículo etc.

As decisões sobre o processo de avaliação também devem ser tomadas de modo claro
e discutido entre os diferentes agentes envolvidos, como professores, diretores, coorde-
nadores pedagógicos e sempre que possível pais e alunos. As avaliações nem sempre
são ideais e também podem conter muitas falhas ou serem inapropriadas para determi-
nada situação. Nesses casos, elas devem ser revistas, e melhoradas para que não afetem
negativamente os processos educacionais. De todo modo, é importante reconhecer que,
no contexto educacional, a avaliação se faz necessária e é um importante termômetro
que indica se a aprendizagem está de fato ocorrendo e como melhorá-la.

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Alfabetização, Literacia e Numeracia
Nas escolas, dentre todas as aprendizagens possíveis, talvez as mais importantes
sejam aprender a ler, escrever e contar. Essas são as habilidades fundamentais que
estão no início do processo de escolarização e delas tudo depende em alguma me-
dida. Se alguém não sabe ler e escrever e minimamente contar também não conse-
guirá aprender bem história, geografia, ciências etc. Assim, nos primeiros anos de
escolarização os principais objetivos educacionais são ensinar essas habilidades que
serão a chave para o sucesso dentro e fora das escolas.

As pesquisas têm demonstrado que o cérebro humano não foi biologicamente


programado para aprender a ler e a escrever. A linguagem escrita é uma invenção
relativamente recente na história da humanidade e não houve ainda tempo evolutivo
para que o cérebro humano fosse geneticamente programado para aprender a ler
e escrever. Nós aprendemos essas habilidades com o mesmo cérebro, programado
pelo código genético, que permitia que nossos ancestrais pudessem caçar, plantar e
coletar. Essa aprendizagem de algo que não era previsto em nosso genoma acontece
graças à neuroplasticidade que permite modificar as conexões entre os neurônios e
criar um circuito neural que conecta as áreas da linguagem com as áreas da visão,
permitindo a aquisição das habilidades de leitura e de escrita (DEHAENE, 2012).

A linguagem oral, por outro lado, já está prevista em nosso código genético, de
modo que aprendemos a falar mesmo com pouca estimulação. Ninguém precisar ir
para a escola para aprender a falar. Mas, para aprender a ler e escrever, é preciso ir
além do mero contato com a linguagem escrita, é preciso refletir intencionalmente
sobre a linguagem e entender como funciona o código alfabético (MORAIS, 2013).

As pesquisas em neurociências mostraram que existe uma área do cérebro que


passa a se especializar no reconhecimento das letras quando se aprende a ler e
escrever. É a chamada Área da Forma Visual das Palavras (AFVP), situada na
região occipitotemporal esquerda, o que corresponderia a uma área na região atrás
da orelha esquerda, onde se conectam as regiões de processamento visual com as
regiões de processamento fonológico, e por isso é uma área ideal para responder ao
processo de leitura e de escrita (DEHAENE, 2012).

Antes de aprender a ler e escrever, essa área responde prioritariamente ao re-


conhecimento de faces e objetos. Contudo, em qualquer idade em que a pessoa
aprenda a ler e a escrever, a AFVP se modifica por meio da reciclagem neuronal, o
que permite os processos de leitura e de escrita. Embora aprender a ler e escrever
seja melhor na infância, pois possibilita que a pessoa tenha mais oportunidades de
aprendizagem e experiências com a leitura, aprender a ler e escrever não depende da
idade, mas sim dos conhecimentos que são aprendidos. Adultos analfabetos podem
ser alfabetizados, com resultados muito bons inclusive do ponto de vista neurológico
(DEHAENE, 2012).

As dificuldades da aprendizagem em adultos estão relacionadas com o conhecimento


que já deixaram de adquirir por meio da leitura durante a infância e adolescência e as

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

próprias dificuldades com o processo de alfabetização. Adultos precisam aprender a ler


e escrever mais rapidamente do que as crianças para continuarem motivados e engaja-
dos, precisam encontrar o sentido na aprendizagem e relacionar isso com seu ambiente
de trabalho. Muitas vezes, os materiais de alfabetização de adultos não são adequados,
são apenas adaptações de materiais de crianças, portanto, infantilizados, o que tam-
bém dificulta a aprendizagem.

Se a idade não é o determinante para a aprendizagem da leitura e da escrita, o que


será o fundamental? As pesquisas mostram que aprender a ler e a escrever em um
sistema alfabético requer aprender como funciona o código alfabético. O alfabeto é
um sistema de escrita no qual os grafemas (uma letra ou um conjunto de letras como
os dígrafos, ex. CH, LH, NH) representam os menores sons da fala, os fonemas. Por
exemplo, a palavra “bola” tem quatro letras e quatro fonemas /b/-/o/-/l/-/a/, mas
a palavra chuva tem cinco letras, quatro grafemas e quatro fonemas /x/-/u/-/v/-/a/.
Usamos letras entre barras para representar os fonemas. O dígrafo CH representa
um único fonema que corresponde ao mesmo da letra X. Para aprender a ler e es-
crever em um sistema alfabético, portanto, dois preditores são muito importantes a
consciência fonêmica e o conhecimento alfabético.

A consciência fonêmica diz respeito à habilidade de reflexão deliberada e mani-


pulação dos fonemas da fala. Naturalmente, a fala é percebida de forma coarticulada,
não percebemos que o que falamos é composto por unidades menores como pala-
vras, sílabas, rimas e fonemas. Ouvimos apenas as frases inteiras, mas não pensamos
nessas subunidades fonológicas. Para aprender a ler e escrever, é preciso ir além dessa
percepção natural. É preciso refletir e entender que a fala pode ser segmentada, de
modo que o aprendiz seja capaz de identificar cada palavra e segmentar cada fonema
que compõe essa palavra e assim possa escolher as letras apropriadas para repre-
sentar cada fonema (MORAIS, 2013).

Conhecimento alfabético é um termo abrangente que engloba o conhecimento


sobre as letras do alfabeto. As letras têm algumas propriedades importantes, elas têm
formas diferentes maiúsculas, minúsculas, cursivas ou de imprensa (ex. A, a, A, a). Elas
também têm nomes específicos, B se chama “Bê”, J se chama “Jota”. E elas represen-
tam um ou mais sons, muitas letras representam só um som como A, B, F, I, U. Outras
letras representam mais de um som, como a letra C que representa o fonema /k/
como na palavra “Casa”, mas se estiver antes das letras E ou I, ela representa o som
/s/ como na palavra “Cinema”. O conhecimento alfabético então diz respeito a saber
sobre essas propriedades das letras, o nome, a forma e os sons que elas representam.

Quando os aprendizes entendem que as palavras são formadas por fonemas e


conseguem identificar esses fonemas (consciência fonêmica), eles podem usar seu
conhecimento alfabético para escolher as letras apropriadas para representar esses
fonemas e assim conseguem ler ou escrever quaisquer palavras. Leia, por exemplo,
magatira, bolareda, supavota, relatina, semoditu. Você conseguiu ler, não é mesmo?
Mas, o que significam essas palavras? Elas não significam nada, são palavras inven-

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tadas, o que chamamos de pseudopalavras. Mas, elas seguem as regras de funcio-
namento do código alfabético e por isso você pode ler, mesmo sem compreender.
Contudo, se eu pedisse para você ler jnurnvurb, uenduneudnue, bdybpc, meenddps,
você não conseguirá, pois essas combinações de letras/sons não são possíveis em
português, assim essas são consideradas não palavras.

Assim, aprender a ler e escrever em um sistema alfabético depende mais do co-


nhecimento sobre esse sistema do que da idade ou outras características. A teoria
conexionista de fases do desenvolvimento da leitura e da escrita em sistemas alfa-
béticos, formulada por Linnea Ehri (2013), descreve a progressão das crianças na
aprendizagem da leitura e da escrita em sistemas alfabéticos, como o português. Ehri
distingue quatro maneiras de ler palavras: por predição, por analogia, por decodifi-
cação e por reconhecimento automático:
• Predição: é a maneira mais simples de ler palavras. Com base em elementos
da palavra, a pessoa adivinha o significado. Por exemplo, no hospital existem
muitos médicos e en...? Você pode predizer enfermeiros, mas poderia ser enfer-
mos, enfermeiras etc. A predição é uma estratégia pouco eficiente, mas muito
utilizada por iniciantes;
• Analogia: é uma maneira mais avançada, que depende do conhecimento prévio
de elementos da palavra que será usada para comparação. Por exemplo, eu sei
que João, termina igual a melão, então eu posso ler esse final ÃO sempre igual
como em sabão, pavão etc. Contudo, para usar essa estratégia, eu preciso no
mínimo conhecer o ÃO, assim não é uma estratégia muito inicial;
• Decodificação: é a maneira mais precisa de ler palavras. Consiste na extração
dos fonemas de cada grafema e na recombinação fonológica que permite iden-
tificar a palavra escrita com precisão. Quando decodificamos nós extraímos
todos os sons das letras é por isso que você pode ler limarado corretamente
mesmo não sabendo o que significa, como também pode ler limonada e saber
o significado. Essa é a principal estratégia de leitura e o alvo da alfabetização;
• Reconhecimento automatizado: é a maneira hábil de ler palavras. Quando a
decodificação já ocorre de modo eficiente, e após algumas exposições às palavras
escritas, o leitor se torna capaz ler a palavra sem decodificar, o que libera espaço
na memória para a compreensão.

Durante a aprendizagem da leitura e da escrita, as crianças utilizam diferentemente


essas maneiras de ler palavras de acordo com seu conhecimento do sistema de escrita.
Segundo Ehri (2013), podemos identificar quatro fases do desenvolvimento da leitura
e da escrita, que refletem o conhecimento e o uso que as crianças fazem do sistema
de escrita. O que faz uma criança mudar de uma fase para a outra, em direção à
leitura e à escrita convencional, é o conhecimento e o uso que ela faz do código alfa-
bético, ou seja, das relações entre letras e sons. Esse processo se aplica independen-
temente da idade, mas vamos usar as crianças como referência porque geralmente é
na infância que se aprende a ler e escrever.

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

Segundo Ehri (2013), o rótulo das fases reflete o tipo de conhecimento que as
crianças demonstram sobre o sistema alfabético. Portanto, as fases são: pré-alfabé-
tica, alfabética parcial, alfabética completa e alfabética consolidada:
• Fase pré-alfabética: As crianças usam inicialmente pistas visuais para ler e es-
crever palavras, sem recorrer às relações entre letras e sons. Elas leem palavras
familiares por reconhecimento de cores e formas salientes, mas são incapazes de
identificar diferenças nas letras. Nesta fase, elas podem escrever algumas palavras
de memória. Por exemplo, podem ler rótulos de refrigerantes e marcas famosas;
• Fase alfabética parcial: Quando aprendem algumas relações entre letras e
sons, as crianças passam a usar pistas fonológicas para ler e escrever palavras.
Nesta fase, as crianças ainda não sabem todas as relações entre letras e sons,
então, podem escrever palavras diferentes de forma idêntica como AA para re-
presenta Casa, Mala, Bala, Sala, já que conhecem apenas o som do A;
• Fase alfabética completa: Quando as crianças conhecem todos as relações en-
tre letras e sons, elas adquirem a habilidade de decodificação, que é a estratégia
mais eficiente de leitura. Assim, elas passam a ler e a escrever palavras com au-
tonomia. Contudo, elas podem ainda se confundir com a ortografia das palavras
e nessa fase podem escrever casa corretamente porque já viram repetidas vezes,
mas a palavra casamento pode ser escrita como kazamentu, porque elas não
escrevem ainda de forma ortográfica, mas sim como ouvem as palavras;
• Fase alfabética consolidada: A última fase representa a consolidação contínua
em que se dá o processamento de unidades cada vez maiores, como sílabas
e morfemas, o que permite uma leitura mais rápida, com precisão e fluência,
e uma escrita com precisão ortográfica. Nesta fase, a maior parte das pala-
vras é lida por reconhecimento automatizado, dessa forma, as crianças podem
usar seu conhecimento sobre palavras para ler cada vez mais rapidamente. Elas
aprendem a ler a palavra “mente” e com isso leem palavras como infeliz-mente,
alegre-mente, de forma mais rápida.

Em 2019, o Governo Federal publicou o Decreto No. 9765/2019 que estabe-


leceu a Política Nacional de Alfabetização (PNA) – trata-se de uma Política de
Estado que, portanto, tem o objetivo de transpassar governos e nortear as ações do
Governo Federal relacionadas à alfabetização. Trata-se de outro documento norma-
tivo, mas, nesse caso, muito específico focado nas orientações para a alfabetização.
A ideia é que todos os programas e ações do MEC relacionados à alfabetização sejam
fundamentados em evidências vigorosas das Ciências Cognitivas. Por isso, na PNA,
recomenda-se a adoção de seis componentes essenciais para a alfabetização: cons-
ciência fonêmica, instrução fônica sistematizada, fluência em leitura oral, de-
senvolvimento de vocabulário, compreensão de textos e produção de escrita.

Esses componentes são a base para a melhoria da qualidade de ensino de leitura


e de escrita. Instrução fônica sistematizada equivale a ensinar o conhecimento alfa-
bético, juntamente com a consciência fonêmica formam os dois melhores preditores
da aprendizagem da leitura e da escrita. Para compreender o que se lê, é importante
desenvolver fluência que é ler com velocidade e precisão, isso libera espaço na me-

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mória para que se possam compreender textos. A compreensão também depende
de bons conhecimentos de vocabulário, pois, sem saber o que significam as palavras,
não se pode compreender a leitura. Por fim, a produção de escrita diz respeito às
particularidades da escrita como a coordenação motora, a caligrafia e a ortografia.

Existe um debate histórico sobre como ensinar a ler e a escrever. Se devemos


começar ensinando as relações entre letras e sons ou começar por textos ricos em
vocabulário e que permitam aprender as relações entre letras e sons de modo implí-
cito. Os que defendem a primeira posição defendem abordagens fônicas e os outros
defendem abordagens globais. As pesquisas mostram que as abordagens fônicas são
mais eficientes do que as globais para ensinar a ler e a escrever, uma vez que elas
explicitam o funcionamento do código alfabético (DEHAENE, 2012).

As crianças precisam primeiramente aprender que palavras podem ser divididas


em fonemas e quais letras representam cada fonema para então ler as palavras
inteiras, depois frases e textos. Os textos ricos em vocabulário devem ser usados
inicialmente apenas pelas professoras para ampliar o vocabulário e desenvolver a
linguagem oral, por outro lado, as crianças devem focar em aprender como ler e
escrever palavras para depois lerem e escreverem textos.

Como já mencionamos anteriormente, as principais habilidades de todo o pro-


cesso de escolarização consistem em ler, escrever e realizar operações matemáticas
básicas. Assim, além da aprendizagem da leitura e da escrita, é importante discutir-
mos também sobre o conhecimento matemático. Professores alfabetizadores e pro-
fessores da Educação Infantil têm um importante papel em auxiliar no desenvolvi-
mento do raciocínio lógico-matemático, promovendo atividades e jogos que ensinam
noções básicas numéricas, espaciais, geométricas, de medidas e de estatística básica.

No Brasil, foi comum por muito tempo utilizar a expressão “alfabetização matemá-
tica”, mas ela é inadequada e não cumpre a função de designar o ensino de matemá-
tica básica. Na perspectiva das Ciências Cognitivas, entende-se que a palavra “alfa-
betização” deriva da palavra “alfabeto”, que designa o conjunto de letras do sistema
alfabético. O sistema alfabético é um sistema de escrita no qual as letras representam
os menores sons da fala chamados de fonemas. O termo alfabetização, portanto,
significa ensinar a ler e a escrever em um sistema alfabético e não pode ser entendido
apenas como o ensino básico de um determinado conhecimento.

Como podemos aprender a ler e escrever em diferentes sistemas de escritas?


Em Chinês, usa-se um silabário e não um alfabeto, ou seja, as unidades mínimas de
escrita são as sílabas e não os fonemas. Denominamos de literacia o conjunto de
habilidades de leitura e de escrita e o uso social que se faz delas. Assim, uma pessoa
que aprendeu a ler em chinês tem literacia, isto é, sabe ler e escrever, mas não foi
alfabetizada porque não aprendeu a ler em um alfabeto (MORAIS, 2013).

No caso da matemática, usamos um termo derivado de literacia, que é numeracia


e que tem origem no inglês “numerical literacy”, mas ficou popularizado como
numeracy. A ideia aqui é tratar do conjunto de habilidades relacionadas à matemá-
tica. Muitas habilidades de numeracia emergem simultaneamente com as habilida-

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UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

des de literacia, abrindo caminho para competências matemáticas mais complexas


que se instalarão mais tarde, mediante instrução formal.

A matemática está presente no universo da criança desde o seu nascimento.


Ao contrário da leitura e da escrita, que não estão previstas em nosso código gené-
tico, o cérebro humano é capacitado com representações elementares de espaço,
tempo e números, que são a fundação para a intuição matemática. Todos os seres
humanos nascem com um senso numérico, um sistema primário inato que envolve
uma compreensão implícita de numerosidade, ordinalidade, início da contagem e
aritmética simples. O senso numérico envolve reconhecer, representar, comparar,
estimar, julgar magnitudes não verbais, somar e subtrair números sem a utilização de
recursos de contagem, e está presente em todo ser humano, perceptível já em seu
primeiro ano de vida.

O senso numérico se desenvolve gradualmente durante os anos pré-escolares, jun-


tamente com a linguagem oral. Por outro lado, há também um sistema de habilidades
secundárias que são determinadas culturalmente, pelo sistema de ensino, e envolvem
o conceito de número e a contagem, a aritmética, o cálculo e a resolução de proble-
mas escritos. Esses conhecimentos matemáticos precisam ser formalmente ensina-
dos e juntamente com a literacia podem ser trabalhados desde a educação infantil.

Muitas crianças têm dificuldades e ansiedade em aprender matemática. Esse pro-


blema pode ser diminuído se as atividades forem integradas desde cedo no currí-
culo escolar. Com uma base em evidências de pesquisas, é possível determinar as
melhores formas de promover o ensino de matemática e de leitura e escrita, que
serão essenciais para todo o processo de escolarização. Os professores são muito
importantes no processo do desenvolvimento da literacia e da numeracia e precisam
receber sólida formação baseada em evidências científicas.

Em Síntese
Quando pensamos em aprendizagem, logo pensamos em aprendizagem nas escolas
ou instituições educacionais. Como vimos até então, a aprendizagem pode ocorrer em
todos os lugares e durante toda a nossa vida. Contudo, as instituições educacionais são
dedicadas a favorecer a aprendizagem de determinados conteúdos culturalmente pro-
duzidos e selecionados.
A aprendizagem nas instituições educacionais não é totalmente livre, ela segue normas
federais, estaduais, municipais e preferências dos professores que, apesar de seguirem
essas normas, também são livres para adotar concepções teóricas distintas ao ensinar.
Isso tudo faz com que a aprendizagem em instituições educacionais seja planejada e
sistematizada. Não se pode esquecer, contudo, que somos seres biopsicossociais, com
histórias de vida muito diversas e, por mais que estejamos em um mesmo contexto,
existem diversas condições internas e externas que afetam o ritmo, a velocidade e a
qualidade da aprendizagem como veremos na próxima unidade.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Base Nacional Comum Curricular
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo
que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.
https://bit.ly/2REhgfY
Política Nacional de Alfabetização
https://bit.ly/3cd5Wk9

Livros
Que raio de professora sou eu?
ABRAMOVICH, F. Que raio de professora sou eu? São Paulo: Scipione, 2019.
Política Educacional no Brasil: introdução histórica
VIEIRA, S. L.; FARIAS, I. M. S. Política Educacional no Brasil: introdução
histórica. Brasília: Liber Livro, 2007.
Análise das Estratégias de Escrita de Crianças Pré-Escolares em Português do Brasil
SARGIANI, R. A.; ALBUQUERQUE, A. Análise das Estratégias de Escrita de
Crianças Pré-Escolares em Português do Brasil. Psicol. Esc. Educ., Maringá , v. 20,
n. 3, p. 591-600, Dec. 2016.

Vídeos
Simpósios da Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (CONABE)
https://youtu.be/ybP8GrwDpX4

23
23
UNIDADE Aprendizagem em Contextos Educacionais

Referências
BLOOM, B. S.; HASTINGS, J. T.; MADAUS, G. F. Manual de Avaliação Formativa
e Somativa do Aprendizado Escolar. S. Paulo: Livraria Pioneira, 1983.

DEHAENE, S. Os neurônios da leitura. Porto Alegre: Penso, 2012.

EHRI, L. C. Aquisição da habilidade de leitura de palavras e sua influência na pronún-


cia e na aprendizagem do vocabulário. In: MALUF, M. R.; CARDOSO-MARTINS,
C. (org.). Alfabetização no século XXI: Como se aprende a ler e a escrever. Porto
Alegre-RS: Penso, 2013. p. 49–81.

HARARI, Y. N. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. São Paulo:


L&PM, 2015.

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. 13. ed. São Paulo:


Cortez, 2002.

MORAIS, J. (2013). Criar leitores – Para professores e educadores. Barueri, SP:


Manole, 154 p.

OLIVEIRA, L. M. de. Políticas educacionais na formação da professora dos anos ini-


ciais do ensino fundamental em cursos de licenciatura. Ensaio: aval.pol.públ.Educ.,
Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 235-252, junho, 2010.

SOUZA, A. R. de. O professor da educação básica no Brasil: identidade e trabalho.


Educ. rev., Curitiba, n. 48, p. 53-74, June 2013.

24
Teorias da
Aprendizagem
Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira

Revisão Técnica:
Prof.ª Me. Cássia Souza
Bases Neuropsicológicas
da Aprendizagem

• Ciência Cognitiva e Neurociência Cognitiva;


• O Desenvolvimento do Sistema Nervoso,
a Neuroplasticidade e a Aprendizagem;
• Atenção, Memória e Aprendizagem;
• A Emoção e suas Relações com a Cognição e Aprendizagem;
• Funções Executivas, Autorregulação e Aprendizagem.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Apresentar os principais mecanismos cerebrais e processos psicológicos envolvidos na apren-
dizagem, a partir do ponto de vista da Neurociência Cognitiva e da Psicologia Cognitiva.
UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

Ciência Cognitiva e Neurociência Cognitiva


O interesse pelo estudo do cérebro humano não é recente. Há evidências de co-
nhecimentos sobre o sistema nervoso em diferentes culturas antigas, como a egípcia,
a grega e a romana, e em alguns povos nativos da América Latina. Esse conheci-
mento, embora ainda muito impreciso e primitivo, já revelava preocupações com as
estruturas do cérebro e as suas funções (BEAR, 2017). Por exemplo, no papiro cirúr-
gico de Edwin Smith, escrito em 1501 a.C., encontra-se o relato de um homem que
perdeu a capacidade de falar, após uma lesão cerebral, embora não tivesse qualquer
paralisia na língua (PINHEIRO, 2005). Esses conhecimentos primitivos foram aper-
feiçoados com a Revolução Científica, iniciada no século XVI, e que se prolongou até
o século XVIII. Nesse período, muitas foram as descobertas sobre o encéfalo, suas
estruturas e funções.

Importante!
Para facilitar a leitura, nesta Unidade, usaremos cérebro e encéfalo como sinônimos.
Na verdade, o encéfalo é composto pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico que se
encontra na caixa craniana. Ele é o centro do sistema nervoso central juntamente com a
medula espinhal, também chamada de medula espinal.

Cérebro

Tronco
Encefálico

Cerebelo

Medula
Espinhal

Figura 1 – Representação das estruturas do Sistema Nervoso Central


Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

No século XIX, vários estudiosos buscaram localizar as funções específicas de dife-


rentes partes do encéfalo. O médico francês Paul Broca (1824-1880), por exemplo,
se convenceu de que as diversas funções psicológicas poderiam estar localizadas em

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diferentes partes do cérebro. Broca foi apresentado a um paciente que compreendia
a linguagem, mas era incapaz de falar. Após a morte desse paciente, em 1861, Broca
examinou seu encéfalo e encontrou uma lesão no lobo frontal esquerdo. Assim,
relacionando com a perda de fala do paciente ainda vivo, Broca concluiu que essa
região do cérebro era especificamente responsável pela produção da fala. Essa área
do cérebro é conhecida como o centro motor da fala, isto é, de produção da fala, e
é denominada de área de Broca (BEAR, 2017). Mais tarde, o médico alemão Karl
Wernicke (1848-1905) descobriu outra área no lobo temporal que correspondia à
compreensão da fala, denominada de área de Wernicke.

Figura 2 – Representação das áreas de Broca (no lobo frontal) e Wernicke (no lobo temporal)
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Apesar de o estudo sobre o sistema nervoso ser antigo, somente no século XX,
a partir da década de 1970, é que se começou a usar a expressão “Neurociência”
ou “Neurociências” para se referir às diferentes disciplinas científicas que estudam o
sistema nervoso, como a Psicologia, a Medicina, a Biologia e a Física. Nesse período,
foi criada a Society for Neuroscience, reunindo pesquisadores que entendiam que
dada a complexidade do estudo do encéfalo, seria necessário unir esforços e adotar
uma abordagem interdisciplinar que ofertasse uma multiplicidade de metodologias de
pesquisas e formas de compreender o sistema nervoso (BEAR, 2017).

As Neurociências, atualmente, podem ser subdivididas em diversas abordagens


que enfocam diferentes níveis de análise visando dividir e aprofundar o estudo de
um tema complexo como o sistema nervoso. Esses níveis são: molecular, celular,
de sistemas, comportamental e cognitivo. Nesta Unidade, iremos trabalhar com a
Neurociência Cognitiva, que aborda o mais complexo nível de análise, que é busca
pela compreensão dos mecanismos neurais responsáveis pelos níveis mais elevados
de atividade mental humana, como a consciência, a imaginação, a linguagem e a
aprendizagem. Em síntese, a Neurociência Cognitiva estuda a atividade do encéfalo,
que possibilita a mente.

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

A discussão sobre a relação entre mente e cérebro, ou mente e corpo também é


antiga e alvo de debates históricos. Desde discussões sobre a natureza da mente e cé-
rebro, e como interagem, até sobre a real existência de uma mente. Dualistas, como
o filósofo francês René Descartes (1596-1650), acreditavam que mente e cérebro
eram de naturezas diferentes, i.e., feitas de substâncias diferentes, mas interagiam.
Enquanto monistas, como o filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677), acredi-
tavam que o mental e o físico seriam ambos propriedades de uma única substância
neutra. Nesse sentido, os behavioristas, na impossibilidade de acesso direto aos con-
teúdos internos, apenas argumentavam que não precisavam de explicações mentais
para justificar o comportamento observável, rejeitando, assim, as terminologias e as
explicações mentalistas (PINHEIRO, 2005).

Entretanto, desde os anos 1950, vários cientistas começaram a discutir os limites


dos modelos behavioristas para explicar fenômenos complexos como a linguagem e
a aprendizagem. Como justificar, por exemplo, que uma criança faça conjugações de
um verbo de forma errada, dizendo “Eu fazo”, “Eu fizi”, se ela nunca observa essas
pronúncias feitas por adultos? Ou, apenas por meio do comportamento observável,
que alguém seja capaz de ser criativo e inventar coisas novas e nunca vistas antes em
seu ambiente? Como explicar a nossa capacidade de decidir responder ou não a um
estímulo ambiental? Ou onde armazenamos todo o conhecimento aprendido sem
falar do cérebro e da mente? Como ignorar os avanços no conhecimento sobre os
substratos anatômicos cerebrais e mecanismos neurofisiológicos do comportamento
e dos processos cognitivos?

Nos anos 1950, essas e outras questões colocavam em xeque as propostas beha-
vioristas que ignoravam o que acontecia na “caixa-preta”, isto é, na mente, ou o que
acontece dentro de nossas cabeças. Além disso, vários estudos sobre a consciência
(Psicologia da Gestalt), o Inconsciente (Psicanálise), o desenvolvimento cognitivo (Epis-
temologia Genética) estavam sendo desenvolvidos na Europa e lançavam luz sobre o
que ocorria na “caixa preta”, contrariando as proposições behavioristas de que não
era possível estudar cientificamente a mente. Ademais, nesse período, surgem os
computadores, que possibilitaram também os estudos sobre a inteligência artificial e
se tornaram uma metáfora para explicar a relação mente e cérebro, sendo a mente
(software) a função do cérebro (hardware).

Na metade do século XX, muitos avanços estavam sendo feitos no estudo sobre
o cérebro humano. Em 1949, o psicólogo canadense Donald Hebb (1904-1985)
estudou as funções dos neurônios para os processos psicológicos, como a memória
e a aprendizagem. Ele propôs que o córtex cerebral funcionava a partir de cone-
xões neuronais modificáveis, sendo que essas possibilidades de conexões entre os
neurônios são múltiplas. Assim, o armazenamento da memória não repousa em um
único neurônio, mas sim nas conexões entre eles. Esse modelo é conhecido atual-
mente como modelo celular e molecular da memória (PINHEIRO, 2005). O córtex
cerebral é a camada mais superficial do cérebro, composta por corpos de neurônios
que formam a substância cinzenta. É a parte responsável por processamentos mais
refinados, como a memória, atenção, consciência, linguagem e percepção.

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Outra contribuição importante veio do psicólogo norte-americano Karl Lashley
(1890-1958). Apesar de ser considerado behaviorista e de ter trabalhado com o
pai do behaviorismo, John Watson (1878-1958), Lashley estudou os mecanismos
neurofisiológicos envolvidos na aprendizagem. Ele discordava de algumas posições
mecanicistas do behaviorismo e estudava o funcionamento do cérebro com vários
tipos de aprendizagem. Em 1929, Lashley já havia escrito um livro muito importante
chamado “Brain Mechanisms and Intellingence”, no qual apresentou dois princípios
importantes: o princípio de ação em massa e o de equipotencialidade.
O princípio de ação em massa significa que certos tipos de aprendizagem são
mediados pelo córtex cerebral (a camada mais externa do cérebro) como um todo,
ao contrário da visão de que toda função psicológica é localizada em um lugar espe-
cífico no córtex (teoria da especialização funcional). Em outras palavras, a ideia é de
que não são os neurônios individuais, ou conexões neuronais específicas, mas sim a
massa cerebral (córtex) como um todo que importa para o funcionamento cerebral
completo. A memória não pode ser localizada apenas em uma única área cortical,
mas distribuída por todo o córtex. Assim, a equipotencialidade se refere ao fato de
que se algumas partes do sistema forem danificadas, outras partes do cérebro têm o
potencial de substituir essas funções.
O princípio de ação em massa é contrário à ideia de especialização funcional.
Essa visão postula que as funções estão localizadas no interior do cérebro, e só
podem ser realizadas por áreas específicas do cérebro. Sabemos hoje que existem
algumas funções que são altamente especializadas, como as áreas de Wernicke e de
Broca, que respondem predominantemente para a compreensão da fala e capacida-
de de produzir um discurso coerente, respectivamente. Porém, outras funções, como
a memória, estão amplamente distribuídas pelo córtex cerebral.
Na União Soviética, Alexander Luria (1902-1977), um importante colaborador de
Vygotksy, também desenvolveu muitos estudos em Neuropsicologia, mostrando a
importância do cérebro para a aprendizagem. Luria desenvolveu a noção do sistema
nervoso como um sistema funcional. Segundo Luria, as funções cerebrais são orga-
nizadas a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada e que
podem estar localizados em áreas diferentes do cérebro, isto é, não se encontram
necessariamente juntas em pontos específicos do cérebro ou em grupos isolados de
células (OLIVEIRA; REGO, 2010). Assim, a função cerebral não é apenas função de
uma área em particular, ou seja, toda atividade cognitiva complexa é o resultado do
funcionamento total, e não de grupos neuronais específicos.
Luria (1981) pensou o Sistema Nervoso Central como estruturado hierarquica-
mente de uma forma vertical em três estruturas. As estruturas inferiores serviriam
de base para as atividades superiores. A primeira unidade funcional (UF) seria res-
ponsável pela vigília e pelo tônus cortical. A segunda unidade funcional seria res-
ponsável por receber, processar e armazenar as informações que chegam do mundo
externo por meio dos órgãos de sentido. A terceira unidade funcional tem a função
de regular e verificar as estratégias comportamentais e a própria atividade mental.
Os estudos de Luria são ainda importantes, em especial para os educadores, com
vistas a investigar a aprendizagem em crianças e adolescentes (PINHEIRO, 2005).

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

Outra área do conhecimento que se desenvolveu desde os anos 1950 é denomi-


nada de Ciência Cognitiva ou Ciências Cognitivas. Trata-se do conjunto de disciplinas
científicas que estudam os mecanismos cerebrais e processos cognitivos envolvidos na
aprendizagem. É uma área de natureza interdisciplinar que se beneficia, sobretudo, dos
conhecimentos produzidos há mais de um século pela Psicologia, Filosofia, Antropo-
logia, Linguística e Educação/Pedagogia, e das descobertas mais recentes produzi-
das pelas Neurociências e pelos Estudos de Inteligência Artificial.

As Ciências Cognitivas ajudam a entender a aprendizagem em uma compreensão


mais abrangente, incluindo os achados comportamentais, cognitivos e neurobioló-
gicos. Assim, é possível entender melhor quais são as estruturas anatômicas, os
substratos neurobiológicos e os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem.
Nessa perspectiva, a aprendizagem é entendida como o processo de mudanças nas
conexões neuronais que ocorrem no cérebro em função dos estímulos e interações
da pessoa com o meio físico e social. Nesta Unidade, iremos discutir as contribuições
das Ciências Cognitivas, com foco na Neurociência Cognitiva para o entendimento
sobre a aprendizagem.

O Desenvolvimento do Sistema Nervoso,


a Neuroplasticidade e a Aprendizagem
Quem aprende é o nosso cérebro, ou somos nós que aprendemos com o corpo
inteiro, e o cérebro é apenas mais uma parte do corpo? Efetivamente, nós apren-
demos com o corpo todo, não apenas com o cérebro, mas, em última análise, ele é
o grande responsável por toda a aprendizagem. O cérebro é um pequeno órgão de
aproximadamente 1,4 kg que em repouso consome cerca de 20% de toda a energia
de nosso corpo; e que trabalha 24 horas por dia, sem interrupções, desde que é for-
mado ainda no vente materno. O cérebro não é uma entidade diferente de nós, mas
poderíamos dizer que, na verdade, tudo o que somos, sabemos, sentimos e fazemos
é o próprio funcionamento do cérebro (LENT, 2001).

O cérebro humano é geneticamente preparado para aprender com facilidade.


Ao contrário de outros animais, os bebês humanos nascem com poucas habilidades e
precisam aprender rapidamente sobre o mundo ao seu redor. Um potrinho pode ficar
em pé pouco tempo depois de nascer, enquanto os bebês demoram mais de um ano
para isso. Um bebê não tem mais do que alguns poucos instintos, como o reflexo de
sugar, o que lhe permitirá se alimentar. Contudo, em pouco tempo, os bebês apren-
dem de forma surpreendentemente rápida uma série de coisas. Crianças de três anos
são capazes de aprender uma palavra nova a cada 90 minutos e, aos cinco anos, as
crianças sabem não só milhares de palavras em sua língua materna, mas também o
uso social de sua língua e sua complicada gramática (SPITZER, 2006).

A maior parte de todos os comportamentos humanos se dá por meio da apren-


dizagem. As pesquisas em neurociências nos mostram que nascemos para apren-
der e que fazemos isso por toda a nossa vida. As pesquisas também mostram as

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condições para uma aprendizagem bem-sucedida e as diferenças na aprendizagem
em diferentes fases da vida (SPITZER, 2006). O cérebro humano é altamente
eficaz em possibilitar a aprendizagem por meio de duas propriedades básicas: a
neurogênese e a neuroplasticidade. Do ponto de vista neurobiológico, aprender
é modificar as conexões entre os neurônios, que são as principais células que for-
mam o sistema nervoso. Essa capacidade do encéfalo, de se modificar em função
das aprendizagens que ocorrem na interação com o meio ambiente, é o que deno-
minamos Neuroplasticidade. A neurogênese, por outro lado, se refere à capacida-
de de produzir novos neurônios, novas unidades de processamento.
Todos os humanos nascem com o mesmo cérebro geneticamente herdado e com
as mesmas capacidades, mas como não existem duas pessoas iguais, também não
existem dois cérebros completamente iguais. Ao nascer, a criança já tem prontos em
seu cérebro, os circuitos da aprendizagem, ainda que eles não estejam funcionando
em sua plenitude, o que deverá ocorrer com base nas interações ambientais e com
a maturação biológica (COSENZA; GUERRA, 2011). Ao longo do desenvolvimento,
os cérebros de diferentes pessoas se tornam cada vez mais diferentes entre si devido
às experiências e interações com o meio físico e social. Ao interagir com o meio
físico e social, as conexões entre os neurônios se modificam e tornam a arquitetura
cerebral de cada pessoa única.
Até mesmo irmãos gêmeos terão experiências distintas que impactam de diferentes
modos o desenvolvimento. Se, por exemplo, uma mãe tem dois filhos gêmeos e ambos
choram ao mesmo tempo, ela provavelmente terá que interagir primeiro com um, e
depois com o outro. O primeiro tem suas necessidades imediatamente satisfeitas, e
o segundo precisa aprender a esperar. É claro que não podemos dizer que esse fato
isolado tenha um efeito significativo. Contudo, esse exemplo serve apenas para que
você reflita sobre como, mesmo com uma base genética semelhante, o ambiente
pode influenciar de diferentes maneiras na arquitetura do cérebro. Nesse sentido,
enfatiza-se a importância de que as crianças tenham oportunidades de interações
que sejam potencializadoras do seu desenvolvimento (SARGIANI; MALUF, 2018).
A maior parte de nosso sistema nervoso é construída, em suas linhas gerais, ainda
no período embrionário e fetal. O desenvolvimento do sistema nervoso começa já
nas primeiras semanas de vida embrionária. Tudo começa com um minúsculo tubo
cuja parede é formada por células-tronco que vão dar origem a todos os neurônios
e também à maior parte das células auxiliares, as células gliais. O tubo neural tem
paredes finas e um comprimento pequeno, pois nessa fase todo o embrião não
chega a medir 10 milímetros. Contudo, em poucas semanas, ocorrerá uma imensa
transformação que possibilitará que a criança nasça com um sistema nervoso muito
parecido com o que ela terá na fase adulta. O desenvolvimento cerebral é muito
rápido, sendo produzidos cerca de 250.000 neurônios por minuto durante os nove
meses de gestação (COWAN, 1979).

Desenvolvimento encefálico desde o feto até o nascimento. Reprodução de Cowan, 1979.


Disponível em: https://bit.ly/2FZ7PF1

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

Apesar de toda a rápida transformação do encéfalo durante o período-pré-natal,


esse desenvolvimento somente estará completo no final da adolescência ou início
da vida adulta, culminando com a mielinização de toda a rede neuronal. Em uma
primeira fase, o evento mais importante é a contínua divisão das células-tronco,
formando novos neurônios que, de um número inicial reduzido, irão se tornar cerca
de 86 bilhões em um curto espaço de tempo (LENT, 2001). À medida em que as
paredes do tubo neural vão ficando mais espessas, sobretudo junto à cabeça, na
região que dará origem ao cérebro, os novos neurônios terão como primeira tarefa
deslocar-se, de uma forma ativa, para ocupar os lugares para os quais estão prede-
terminados geneticamente.
O bebê humano nasce bastante imaturo, pois a maior parte das conexões em
seu cérebro será feita com a ajuda das interações com o meio ambiente após o nas-
cimento. Até mesmo a percepção sensorial e a habilidade motora, que são muito
usadas desde o nascimento, deverão passar por longos períodos de aprendizagem.
Nesse sentido, a privação ou falta de estimulação adequada pode ser prejudicial ao
desenvolvimento do cérebro. Em especial, devemos destacar que existem períodos
sensíveis ou janelas de oportunidade nas quais certas habilidades são favorecidas
devido à maior neuroplasticidade na infância.

O termo “janelas de oportunidade” ficou muito popular por enfatizar a ideia de pe-
ríodos únicos em que a aprendizagem de certas habilidades é mais efetiva. Contudo,
esse não é um termo apropriado, pois passa a ideia errônea de que se o cérebro não
for estimulado naquele período crítico, não será mais possível aprender deter­minado
conhecimento ou habilidade. Na realidade, o cérebro adulto não tem a mesma ca-
pacidade de plasticidade neural que na infância, mas ainda assim somos capazes
de aprender a vida inteira (CONSEZA; GUERRA, 2011). O que acontece é que
algumas funções podem ser melhor desenvolvidas se forem estimuladas em períodos
sensíveis, conforme se vê na Tabela 1. Por isso é melhor dizer que temos períodos
sensíveis do desenvolvimento.

Tabela 1 – “Janelas de Oportunidade”: Períodos mais propícios ao desenvolvimento de habilidades


Funções Faixa ótima de desenvolvimento
Visão 0 – 6 anos
Controle emocional 9 meses – 6 anos
Formas comuns de reação 6 meses – 6 anos
Símbolos 18 meses – 6 anos
Linguagem 9 meses – 8 anos
Habilidades sociais 4 anos – 8 anos
Quantidades relativas 5 anos – 8 anos
Música 4 anos – 11 anos
Segundo idioma 18 meses – 11 anos
Fonte: DOHERTY, 1997

Normalmente, o cérebro não armazena todo o conhecimento que aprendemos,


como um gravador em vídeo. O cérebro na realidade extrai regularidades, regras
gerais que são armazenadas e que poderão ser utilizadas em diferentes situações.

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Por exemplo, você não se lembra de todos os tomates que já viu ou comeu ao longo
de sua vida, mas sabe identificar um tomate quando o vê. Essa aprendizagem de
regras acontece no córtex cerebral. Quando o cérebro processa detalhes, é possível
ver uma região mais interna do cérebro denominada hipocampo, e que tem facili-
dade para armazenar informações novas e importantes. Essa aprendizagem é mais
rápida e pontual, e normalmente acontece quando há um fato marcante (ex.: um
acidente comovente, ou fato histórico), ou quando são momentos importantes em
nossas vidas (SPITZER, 2006).

Lembrar-se de todos os detalhes seria muito custoso para o cérebro, e não seria
útil para guiar o futuro. Normalmente, os eventos em nossas vidas são repletos de
coincidências e aleatoriedades que não poderão ser replicadas em uma situação
futura, assim, não é importante guardar todos esses detalhes que apenas sobrecar-
regariam a nossa memória. Por outro lado, lembrar-se de regras gerais permite usar
esse conhecimento em diversas situações futuras. O que aprendemos na escola é
tipicamente armazenado em termos de regras gerais que poderão ser usadas para
diferentes fins. Essa ideia é acentuada em discussões mais contemporâneas quando
se propõe ensinar competências e estratégias de resolução de problemas, ao invés
de fatos e datas (SPITZER, 2006).

Nossa forma de aprender ao longo da vida também se modifica. Durante a infân-


cia, aprendemos com mais velocidade do que quando somos adultos, e essa veloci-
dade decai ainda mais na velhice. O cérebro de um recém-nascido é muito plástico,
os neurônios estão praticamente todos lá, mas as conexões ainda não foram plena-
mente feitas. O ambiente para um recém-nascido é extremamente complexo e rico
em possibilidades de aprendizagem. Assim, o cérebro rapidamente vai criando novas
conexões para aprender. Esse conhecimento, contudo, é mais simples e superficial
porque ainda é preciso aprender muitas coisas. Pessoas mais velhas aprendem de
forma mais lenta porque já acumularam muitos conhecimentos. Contudo, novos
conhecimentos são integrados ou modificam as conexões já existentes. Quanto mais
alguém sabe, melhor e mais fácil será para criar novas conexões entre os velhos e os
novos conhecimentos.

Assim, ao longo da vida, a forma de aprender se modifica. Enquanto os mais jo-


vens podem aprender mais rapidamente, os mais velhos podem aprender mais pro-
fundamente. As pessoas mais velhas se beneficiam de sua base de conhecimentos
mais ampla, ainda que possam ficar inflexíveis para mudanças, para aprender sobre
o novo, como tecnologias. Os mais jovens podem se beneficiar de sua flexibilidade e
velocidade em aprender, mas acabam aprendendo de modo mais superficial, come-
tendo mais erros.

O sistema nervoso é extremamente plástico nos primeiros anos de vida. Novas


conexões entre neurônios são criadas e eliminadas rapidamente de acordo com as
necessidades e interações com o meio ambiente. O ensino facilita a aprendizagem
porque cria condições em que a pessoa pode explorar problemas novos e usar o
conhecimento que já possui, ou adquirir novos conhecimentos. Muitas das sinapses
que são criadas na infância são eliminadas para que novas conexões sejam formadas.

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

Esse fenômeno natural é chamado poda sináptica, e favorece a maior especializa-


ção das redes neurais.

Assim, o ensino e aprendizagem podem levar à criação de sinapses mais espe-


cíficas que facilitem o fluxo de informação dentro de um circuito nervoso. Com a
prática, por exemplo, um pianista pode ser tornar mais habilidoso porque seus cir-
cuitos motores e cognitivos vão se alterando em função das práticas para facilitar a
habilidade de tocar piano. Por outro lado, se ele parar de praticar, a falta de estimula-
ção pode também enfraquecer as habilidades e até mesmo desfazer essas conexões,
impedindo que essa habilidade seja utilizada em uma situação futura.

Em síntese, do ponto de vista neurobiológico, a aprendizagem se revela pela


formação e consolidação de conexões entre neurônios. É fruto de modificações quí-
micas e estruturais no sistema nervoso de cada um, que exigem energia e tempo
para se manifestar. Os professores podem facilitar o processo, mas em uma última
análise, a aprendizagem é um fenômeno individual e privado, e vai obedecer às cir-
cunstâncias históricas de cada um de nós (SPITZER, 2006).

Atenção, Memória e Aprendizagem


Imagine a seguinte situação: você liga seu computador e abre vários programas ao
mesmo tempo, começa a escrever um texto, editar uma imagem, procurar vários sites
na internet, deixando dezenas de abas abertas no navegador. Você coloca algumas
músicas para escutar e resolve fazer uma varredura com o antivírus. A menos que
seu computador tenha muita memória, ele logo irá travar, correto? Isso acontece
porque não é possível lidar com mais informações do que o espaço disponível na
memória do computador.

Nosso cérebro não é muito diferente disso. O cérebro não tem necessidade e
nem capacidade para processar todas as informações que chegam a ele a todo o
momento. Pare por um instante e olhe atentamente para o ambiente em que você
está agora. Quantas informações estão concorrendo com essa leitura? Você pode
estar em uma sala tranquila apenas lendo, ou pode estar lendo esse texto no com-
putador e também fazendo dezenas de outras coisas paralelamente, como as que já
narrei anteriormente. Além disso, você pode estar com fome, pode ter barulho na
sua casa, a iluminação pode influenciar, e muitos outros fatores.

Como o cérebro consegue lidar com todas essas informações a todo o momento?
Ele precisa de um filtro que permita se concentrar no que é essencial, e ignorar o que
não é necessário. Esse filtro é a atenção, que permite que o cérebro possa se dedicar
às informações importantes para que não ocorra uma sobrecarga no processamento
cognitivo. A atenção é uma importante função psicológica que permite discriminar
o que deve ser processado daquilo que não deve ser processado em dado momento.
Ela funciona como uma lanterna que ilumina o foco do nosso processamento da
informação. Assim, apenas parte das inúmeras informações ao nosso redor é pro-
cessada por vez, para evitar a sobrecarga em nosso cérebro.

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Um exemplo prático é pensar nas nossas roupas, que pressionam os nossos re-
ceptores táteis a todo momento, mas que, de modo geral, nós não percebemos essa
estimulação constante. Estamos habituados a sentir a pressão da roupa, porque ela
está sempre em contato com os nossos receptores táteis. Agora que chamei a aten-
ção para esse fato, você irá direcionar sua atenção para o peso das roupas e irá sentir
como, mesmo que confortáveis, elas estão pressionando, tocando seu corpo. Assim,
a metáfora da lanterna ajuda a entender que nós temos uma janela de percepção do
mundo, mas não conseguimos apreender tudo o que está diante de nós, e a lanterna
da atenção serve para iluminar pontos específicos, aspectos externos e internos que
nos interessam (COSENZA; GUERRA, 2011).

Nesse sentido, a atenção não é um fenômeno unitário, e existem diferentes me-


canismos pelos quais ela pode se regular. A atenção pode ser controlada de “baixo
para cima”, ou de “cima para baixo”. No primeiro caso, são importantes os estímu-
los periféricos e suas características (como a novidade ou o contraste) e esse tipo de
atenção pode ser chamado atenção reflexa (COSENZA; GUERRA, 2011). Esse
processamento é de baixo para cima porque vem de nossos órgãos de sentido, e é
processado em nosso cérebro, que toma a decisão de prestar atenção. Um exemplo
disso é quando estamos distraídos e de repente ouvimos um barulho como um tro-
vão, ou um prato caindo na cozinha. Imediatamente nossa atenção é desviada por
esse estímulo externo, para que possamos entender o que está acontecendo.

No segundo caso, a atenção é regulada por aspectos centrais do processamento


cerebral, e esse tipo de atenção pode ser chamado atenção voluntária. Aqui, o con-
trole da atenção vem de cima para baixo, isto é, do cérebro para nossos receptores.
Também são importantes fatores, como os estados internos do organismo, como a
necessidade de água ou alimento. Um exemplo de atenção voluntária é quando pro-
curamos um objeto em uma gaveta, e mantemos a atenção concentrada até encon-
trarmos, ou quando, com fome, passamos a procurar por comida intencionalmente.

Como já dissemos, o cérebro tem capacidade limitada de processamento, então


não é possível processar todas as informações. Mas algumas coisas que acontecem ao
nosso redor podem ser perigosas à nossa vida. Um barulho estrondoso pode ser o in-
dicativo de algum perigo iminente, e percebê-lo pode ser fundamental para que você
possa parar o que está fazendo e se salvar. Assim, o cérebro humano foi preparado
ao longo da evolução para estar atento ao ambiente e fazer o que for necessário para
a sobrevivência do indivíduo. A atenção tem essa função de direcionar nosso compor-
tamento, e é essencial para a aprendizagem, pois tem a função de definir o que é, ou
não, relevante para que nós nos preocupemos. Terá mais chance de ser considerado
como significante e, portanto, alvo da atenção, aquilo que faça sentido no contexto
em que vive o indivíduo, que tenha ligações com o que já é conhecido, que atenda a
expectativas, ou que seja estimulante e agradável (COSENZA; GUERRA, 2011).

Tudo o que chega até nós por meio de nossos órgãos de sentido primeiramente
passa pelo filtro da atenção. Aquilo que for importante será processado, e o que não
for importante será ignorado. Quando algo recebe a atenção é processado e arma-
zenado pela memória. Aprender é criar memórias. A memória é a capacidade de

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

adquirir, armazenar e recuperar informações disponíveis (EYSENCK; KEANE, 2017).


Tipicamente, quando pensamos em memória, pensamos em uma espécie de arquivo
morto no qual são armazenadas todas as informações e conhecimentos que temos.
Contudo, a memória é mais do que um arquivo, é graças a ela que processamos as in-
formações e podemos recuperá-las em situações futuras.

Existem várias formas de se estudar a memória. Uma forma tradicional é pensar


na duração da memória. Assim, existiria uma memória de curto prazo, ou de
curta duração, e uma memória de longo prazo, ou de longa duração. A memória
de curto prazo serviria para armazenar acontecimentos recentes, enquanto que a
memória de longo prazo seria responsável pelo armazenamento de todas as nossas
lembranças e conhecimentos. Com o avanço nas pesquisas em Psicologia Cognitiva
e Neurociência Cognitiva essa definição inicial se mostrou insuficiente e menos com-
plexa do que a realidade.

Atualmente, consideramos que a memória não é um fenômeno unitário, pois


compreende várias subdivisões, as quais são processadas por sistemas neurais espe-
cíficos. Além disso, a memória não tem apenas uma função de armazenamento, mas
também de processar e recuperar informações. Uma primeira divisão que fazemos
é entre memória explícita e memória implícita. A primeira diz respeito às infor-
mações que podemos recuperar conscientemente, como saber o que comemos no
almoço. A segunda diz respeito a conhecimentos que sabemos fazer, mas não neces-
sariamente nos lembramos sobre como aprendemos, não temos controle consciente,
por exemplo, andar de bicicleta ou escovar os dentes.

Em relação a memória explícita, podemos distinguir ainda dois tipos de processos


de armazenamento, uma transitória e outra permanente. Esse processo transitório é
extremamente importante e utilizado o tempo todo. Antigamente, denominávamos
esse tipo de memória de curto prazo, mas atualmente é mais comum chamarmos de
memória de trabalho ou memória operacional. A memória de trabalho é o que
considerávamos como memória de curto prazo.

Como discutimos anteriormente, para que uma informação seja conscientemente


processada, ela precisa passar pelo filtro da atenção. Inicialmente, as informações
que chegam por meio dos receptores sensoriais são processadas pela memória
sensorial, ou memória imediata, que tem apenas alguns segundos de duração, que
correspondem apenas à ativação dos sistemas sensoriais ligados a ela. Se a in-
formação for considerada relevante, ela passa a ser processada, do contrário, ela
será descartada.

Se a informação for considerada relevante, ela permanecerá na consciência por


um tempo maior, por meio de um sistema de repetição que poderá ser tanto verbal
quanto apenas por imaginação visual. Essa informação dura segundos e logo é esque-
cida se não for necessário lembrar da informação. Por exemplo, você está passeando
de carro e vê um telefone em um anúncio. Você pode repetir alguns números do
telefone imediatamente, mas logo irá esquecer. Caso você queira se lembrar por mais
tempo, deverá conscientemente processar essa informação na memória operacional.

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O tempo todo nós dependemos da memória operacional para desempenhar
nossas tarefas cotidianas. A memória operacional funciona como uma espécie de
central de operação, em que todas as informações são mantidas e manipuladas na
consciência enquanto elas forem necessárias. Para esse processamento é possível
também que informações já arquivadas no cérebro possam ser trazidas à consciência
quando necessário. O processamento de informações na memória de trabalho tam-
bém é limitado e podemos processar ao mesmo tempo apenas cerca de 7 elementos
por vez. Essa limitação é chamada de capacidade de canal, e a maioria das pessoas
consegue processar entre 5 e 9 elementos por vez, com a média de 7. Quando pre-
cisamos processar mais informações, é comum fazermos agrupamentos (chunks) de
informação. Por exemplo, pense em como você memoriza um número de telefo-
ne, ou o número do seu CPF? Provavelmente você faz agrupamentos de números,
tornando os 11 números do CPF em um agrupamento do tipo 123-456-789-10.
É mais fácil processar 3 conjuntos de 3 algarismos e um de 2 algarismos, portanto,
4 chunks, do que 11 números.

O funcionamento da memória de trabalho depende da coordenação executada


principalmente pela região pré-frontal do córtex cerebral. Essa região se ocupa tam-
bém da memória prospectiva, o “lembrar de lembrar”. Normalmente pensamos
sempre em memória como algo do passado, mas existe também um tipo de memó-
ria de futuro, que é importante para ajudar no planejamento do porvir, e de nossas
estratégias comportamentais, como supervisionar a nossa agenda diária. Contudo,
é importante deixar claro que a memória não fica em apenas um lugar no cérebro,
pois ela é na verdade distribuída por vários circuitos ou sistemas cerebrais.

A memória operacional é muito importante, contudo, ela também é temporária e


precisamos armazenar conhecimentos por mais tempo. Assim, precisamos falar da
memória de longa duração, que é fundamental para a aprendizagem. Consenza e
Guerra (2011) alertam para a diferenciação desses dois conceitos que se confundem
muitas vezes: memória e aprendizagem. A aprendizagem diz respeito ao processo
de aquisição da informação, enquanto a memória se refere à persistência dessa apren-
dizagem em nosso cérebro de uma forma que possa ser utilizada posteriormente.

Retomando o que já vimos até então, as informações que chegam até nós por meio
dos receptores sensoriais devem passar pelo filtro da atenção e em seguida por um
processo de codificação, quando ela é processada pelos neurônios, ao que chamamos
de memória operacional. Se as informações forem relevantes, poderão ocorrer alte-
rações estruturais em circuitos nervosos específicos, cujas sinapses se tornarão mais
eficientes permitindo o aparecimento de um registro. Para que a informação fique ar-
mazenada em nossa memória, formando um registro ou traço permanente, é necessá-
rio um esforço adicional. Nesse sentido, os estudos em Psicologia Cognitiva mostram
que são importantes os processos de repetição, elaboração e consolidação.

Para que ocorra o armazenamento na memória de longo prazo é importante que


a informação seja repetida, isto é, vista mais de uma vez, elaborada, isto é, associada
com registros já existentes, que permitirão fortalecer o traço de memória e torná-lo
mais durável. Quanto mais associações de uma informação nova forem feitas com

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

informações já conhecidas, melhor será o registro para tornar a informação rele­vante.


Podemos elaborar as informações de modo simples ou complexo, assim, apenas
decorar uma informação é simples, se comparado com um entendimento aprofun-
dado das relações da informação com outras. Por exemplo, repetir um poema até
se lembrar dele é uma elaboração simples, enquanto relacionar com outras obras
do autor, dados sobre o autor e múltiplas informações é um tipo mais complexo e
efetivo de elaboração.
Por fim, as informações importantes precisam ser consolidadas na memória, isto é,
os registros devem ser retidos por um tempo maior. Durante a consolidação ocorrem
alterações biológicas nas ligações entre os neurônios, por meio dos quais o registro
vai se vincular a outros já existentes, tornando-se mais permanente. Essas alterações
envolvem a produção de proteínas e outras sustâncias que serão necessárias para o
fortalecimento e construção de sinapses nas redes neurais.

Assim, quando falamos de aprendizagem, faz muita diferença a criação de uma


rotina de estudos e a utilização de locais com poucos estímulos distraidores que pos-
sibilitem focar no que é essencial. Também é importante criar condições de aprendi-
zagem mais motivadoras, pois o cérebro estará disposto a processar o que percebe
como significante e gratificante. Nem sempre os registros serão eficientes, eles po-
dem ser fortes e fracos e, nesse sentido, podem ser esquecidos também.

A consolidação da aprendizagem se faz durante o sono e depende do hipo­campo.


Nela se constroem conexões entre diferentes áreas do córtex cerebral que armazenam
a informação. O hipocampo parece ter um papel mais importante na aprendizagem
de detalhes das informações, enquanto o córtex está mais envolvido na aprendizagem
de regras gerais que poderão ser aplicadas a diferentes contextos (SPITZER, 2006).

As estratégias de aprendizagem que têm mais chances de obter sucesso são aquelas
que levam em conta a forma do cérebro aprender. É importante respeitar os proces-
sos de repetição, elaboração e consolidação. Também faz diferença utilizar diferentes
canais de acesso ao cérebro e de processamento da informação. Quanto mais opor-
tunidades de ver um mesmo conteúdo de diferentes formas, melhor será a aprendiza-
gem. Por isso, nos últimos anos têm ganhado espaço as abordagens multissenso-
riais, que visam propiciar condições diversas para que uma mesma informação seja
vista e revista por diferentes ângulos. Ao alfabetizar, por exemplo, uma professora
pode mostrar o desenho das letras, pedir para as crianças desenharem as letras,
passarem a mão sobre a forma das letras em lixas, dentre outras formas.

A Emoção e suas Relações


com a Cognição e Aprendizagem
Todos nós sentimos e sabemos nomear emoções, como alegria, raiva, medo
ou tristeza, mas poucos sabem como definir precisamente, ou explicar a finalidade
das emoções. As emoções são fenômenos que assinalam a presença de um evento

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importante na vida dos animais. Elas têm valor de sobrevivência para o indivíduo
e a espécie. As emoções se manifestam por meio de alterações na fisiologia e nos
processos mentais, mobilizando os recursos cognitivos existentes, como a percep-
ção e a atenção. Além disso, elas alteram a fisiologia dos organismos visando uma
aproximação ou afastamento, e frequentemente, determinando as ações que acon-
tecerão em seguida (COSENZA; GUERRA, 2011).
As emoções funcionam como um sinalizador interno de que algo significativo
está ocorrendo, e são também um eficiente mecanismo de sinalização intragrupal, já
que podemos reconhecer as emoções uns dos outros e, por meio delas, comunicar
situações e decisões relevantes aos demais indivíduos ao nosso redor. Não apenas
os humanos têm emoções, mas os outros animais também conseguem perceber
reações emocionais de seus semelhantes e reagir prontamente. As emoções têm um
importante valor de sobrevivência, permitindo que diante de um perigo uma reação
seja necessária (COSENZA; GUERRA, 2011).
Muitas vezes, em nossas culturas, não valorizamos muito o papel das emoções.
Elas são vistas como resíduos da evolução animal e tidas como um elemento per-
turbador para a tomada de decisões. Você já esteve em uma situação na qual suas
decisões racionais foram influenciadas pelas emoções? Por exemplo, quando tem
que fazer algo importante como uma prova, mas está com medo e esquece todas a
matéria estudada. Ou quando em um momento de raiva você diz coisas que nunca
falaria para alguém, e acaba se arrependendo?
As emoções têm um papel importante em nosso comportamento e também na
aprendizagem. Contudo, muitas teorias da aprendizagem ignoraram essa importân-
cia por muitos anos. As neurociências têm contribuído para a mudança dessa per-
cepção ao mostrar que os processos cognitivos e emocionais são profundamente
entrelaçados no funcionamento do cérebro, e enfatizado a importância das emoções
em nossos processos de aprendizagem e demais comportamentos. A ausência de
emoções nos tornaria seres inexpressivos como robôs, e a vida perderia todas suas
cores e sabores (COSENZA; GUERRA, 2011).

As emoções são facilmente percebidas em nosso corpo interna e externamente.


Podemos, por exemplo, perceber aceleramento de batimentos cardíacos, sudorese,
dilatação das pupilas, lacrimejamento, alteração da expressão facial, dentre outros.
Podemos ainda ter sensações como “Nó na garganta”, “frio no estômago”. Na maior
parte das vezes, nós temos uma consciência emocional e podemos identificar esses
sentimentos e emoções, diferentemente dos animais, que apenas as sentem.

Todos esses sentimentos observáveis, ou não, têm origem no cérebro, e cada


um deles é processado em distintos circuitos e sistemas. A amígdala cerebral
é um centro nervoso regulador dos processos emocionais, fortemente responsá-
vel pela manifestação de reações emocionais e pela aprendizagem de conteúdo
emocionalmente relevante. As emoções positivas envolvem também um circuito
dopaminérgico que vai do mesencéfalo ao cérebro. Esse circuito está envolvido no
fenômeno da motivação, que também é muito importante para a aprendizagem
(COSENZA; GUERRA, 2011).

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

No nosso cotidiano, as informações sensoriais que nos chegam por meio dos re-
ceptores podem ser acompanhadas de uma valência emocional positiva, negativa ou
neutra. Por exemplo, ao ver um cachorro desconhecido, podemos ter uma reação
de medo (valência negativa), alegria (valência positiva) ou indiferença (neutro). Essas
valências são acrescentadas no processamento da informação quando atingem a
amígdala cerebral, que é responsável pelo processamento das informações.

Contudo, um estímulo emocional pode atingir o córtex cerebral antes das informa-
ções sensoriais conscientes. Nesse caso, podemos identificar erroneamente a emo-
ção que sentimos, ou a sua causa. Por exemplo, em um dia ruim, podemos confundir
o que de fato é o motivo de nossa irritação. Um pai que teve um dia cheio, com vários
problemas, pode chegar em casa e achar que seu filho o irrita porque está com os pés
no sofá, quando na verdade ele está irritado com o dia.

As emoções são inevitáveis, mas podemos aprender a controlar as respostas que


tendem a desencadeá-las, bem como aperfeiçoar o autoconhecimento emocional.
As emoções com valências positivas podem facilitar a aprendizagem, mas o estresse
e a ansiedade têm efeito contrário. Além das emoções, a motivação também é muito
importante para a aprendizagem. Para aprender é preciso ter interesse e motivação
pelo que se está aprendendo.

O ambiente escolar deve ser planejado para facilitar as emoções positivas, e evitar
as emoções negativas. É aconselhável criar condições que levem a um maior auto-
conhecimento emocional e orientem para a adequada manifestação das respostas
emocionais nas interações sociais (COSENZA; GUERRA, 2011). Muitas vezes nós
confundimos a origem de certas emoções ou não sabemos identificá-las apropria-
damente, o que pode influenciar em situações de aprendizagem sem que tenha-
mos conta disso. Antes de aprender uma matéria como estatística, podemos ter
uma ansiedade nessa aprendizagem, pensar que será muito difícil, e de fato isso irá
atrapalhar a aprendizagem. Enquanto controlar essa emoção e tentar ver as coisas
por outra perspectiva, pode facilitar a aprendizagem. Aprender a lidar com nossas
emoções também é chamado de inteligência emocional, e está ligado ao conceito de
funções executivas, como veremos a seguir.

Funções Executivas,
Autorregulação e Aprendizagem
As Funções Executivas (FE) são um conjunto de habilidades cognitivas que permi-
tem executar as ações necessárias, como planejamento e monitoramento, para atingir
um determinado objetivo. Em outras palavras, trata-se de habilidades necessárias
para aprender coisas novas, raciocinar ou concentrar-se diante de ambientes repletos
de distrações (LEÓN et al., 2013). As FE incluem o estabelecimento de metas, a ela-
boração de uma estratégia comportamental, o monitoramento das ações adequadas
e o respeito às normas sociais (COSENZA & GUERRA, 2011).

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Existem muitas divergências teóricas sobre como conceituar e estudar as funções
executivas. Uma maneira de estudá-las é dividir entre funções executivas principais
e funções executivas mais complexas. As FE principais são flexibilidade cogni-
tiva, controle inibitório (considerando autocontrole e autorregulação) e memória
de trabalho. As mais complexas são resolução de problemas e planejamento.
O desenvolvimento das FE inicia-se no primeiro ano de vida, e se intensifica entre
6 e 8 anos de idade, continuando até o final da adolescência e início da idade adulta.

O controle inibitório é a habilidade de pensar antes de agir, de postergar ou inibir


a resposta a partir da capacidade de avaliar múltiplos fatores. Essa capacidade é im-
portante e uma das mais utilizadas, pois permite inibir a atenção a distratores, esti-
mulando a autodisciplina e o autocontrole sobre a atenção e às ações tendenciosas
ou reativas. É graças ao controle inibitório que permanecemos calados, mesmo que-
rendo dizer algo, ou quando ficamos sentados por algumas horas para assistir uma
aula. O controle inibitório nos ajuda a focar no trabalho ou estudo, mesmo quando
estamos entediados e queremos nos levantar e fazer outras coisas. Nesse sentido, o
controle inibitório tem muita relação com a atenção, porque auxilia a manter o foco
em algo, permitindo uma atenção seletiva, que é direcionada à medida que seja
necessária. Crianças muito pequenas têm dificuldades de focar e se concentrar por
muito tempo, justamente porque essa função executiva ainda não está bem estabe-
lecida (COSENZA; GUERRA, 2011).

A flexibilidade cognitiva está relacionada com a capacidade do indivíduo em


mudar ou alternar entre seus objetivos quando o plano inicial não é bem-sucedido
devido a imprevistos, ou quando é necessário alternar entre mais de uma tarefa ou
operação, ajustando-se de modo flexível a novas demandas. Em outras palavras, é a
capacidade de mudar o curso de ação, alternando o foco atencional. A inflexibilidade
cognitiva pode limitar, por exemplo, a capacidade de abstração e de sentido figurado
em linguagem.

A memória de trabalho, também chamada de memória operacional, é res-


ponsável por armazenar temporariamente e integrar a informação a estímulos am-
bientais e à memória de longo prazo, possibilitando a manipulação da informação.
A memória de trabalho é demandada na compreensão, tanto auditiva como de lei-
tura, na aprendizagem e no raciocínio, sendo fundamental para dar sentido aos
eventos que ocorrem ao longo do tempo, manipulando e integrando a informação
recebida anteriormente com a informação recebida atualmente (LEÓN et al., 2013).

Esses três componentes das FE estão diretamente relacionados ao desenvolvimento


do autocontrole, da atenção seletiva e sustentada, da manipulação de ideias, das mu-
danças de perspectiva e da adaptação às novas demandas ambientais, habilidades
extremamente necessárias para aprender coisas novas, raciocinar ou concentra-se
diante de um ambiente distrator. Não é por acaso que muitos estudos têm sido feitos
sobre as FE atualmente, em especial se considerarmos o mundo VUCA em que vi-
vemos e que demandará cada vez mais que tenhamos boas habilidades de FE.

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

As Funções Executivas são coordenadas pelo córtex pré-frontal. A região dor-


solateral do lobo frontal é responsável pelo planejamento e flexibilização do com-
portamento; a região medial, pelas atividades de automonitoramento e da correção
de erros; a região orbitofrontal se encarrega da avaliação dos riscos envolvidos em
determinadas ações e da inibição de respostas inapropriadas. O córtex pré-frontral
tem um amadurecimento lento, que se prolonga até a adolescência. Paralelamente,
existe um processo de desenvolvimento das funções executivas, cujo amadurecimento
progressivo caracteriza muitos estágios identificados no desenvolvimento infantil
(LEÓN et al., 2013).

As FE permitem ao indivíduo interagir com o mundo de forma mais adaptativa,


sendo fundamentais para o direcionamento e regulação de várias habilidades intelec-
tuais, emocionais e sociais, como cozinhar, ir à escola, fazer compras, dentre outras.
É importante impulsionar o desenvolvimento das funções executivas por meio da
instrução de estratégias de ensino que as favoreçam. Elas devem estar voltadas para
que os estudantes aprendam a planejar suas atividades, sendo capazes de estabe-
lecer metas dentro de uma perspectiva temporal. Pretende-se que eles saibam não
só buscar a informação utilizando os recursos existentes, mas que saibam, também,
identificar as questões relevantes, fazendo inferências e generalizações. Devem ser
capazes de identificar erros, a discrepância e a ausência de lógica, estando aptos a
identificar e corrigir os próprios lapsos nas diversas matérias acadêmicas.

Há evidências de uma relação positiva entre FE e desempenho escolar, pois estu-


dos demonstram que algumas habilidades executivas, tais como o controle atencional
e a flexibilidade cognitiva, são preditoras de desempenho escolar em disciplinas como
linguagem e matemática (LEÓN et al., 2013). O mundo contemporâneo é muito
diferente daquele em que nosso cérebro humano historicamente evoluiu. Hoje, nem
sempre há um ambiente estruturado de forma adequada para o desenvolvimento das
funções executivas. Esse é um problema que deveria ser levado em conta se quiser-
mos realmente educar nossos jovens para uma vida útil e feliz no século XXI.

Em Síntese
Quando se fala em aprendizagem no século XXI não se pode ignorar os importantes
avanços feitos nas Ciências Cognitivas e em especial na Neurociência Cognitiva. É funda-
mental considerar-se que toda a aprendizagem sempre tem um aspecto neurobiológico.
Os seres humanos são biopsicossociais e isso implica em considerarmos a integração entre
as dimensões biológica, psicológica e social. Assim, não podemos ignorar o papel de
nenhuma dessas três dimensões.
A aprendizagem envolve mudanças na estrutura cerebral. As redes de neurônios são
modificadas em função das interações com o meio físico e social, que impactam em
diversas funções psicológicas como a atenção e a memória, e, em uma última análise,
modificam as sinapses entre os neurônios. A Educação no século XXI deve considerar
essas evidências para melhorar a qualidade do ensino, adequando-se ao tempo e às di-
ferentes necessidades do cérebro ao longo da vida.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Palestra: Jeff Hawkins – Como a Neurociência mudará a computação
https://bit.ly/3hWKSzs
Palestra: Alison Gopnik – O que pensam os bebês?
https://bit.ly/3iXmGye

Filmes
O Começo da Vida
Um dos maiores avanços da neurociência é ter descoberto que os bebês são muito mais
do que uma carga genética. O desenvolvimento de todos os seres humanos encontra-se
na combinação da genética com a qualidade das relações que desenvolvemos e do
ambiente em que estamos inseridos.
https://youtu.be/lxw7pV3I2SU

Leitura
Funções Executivas e Desenvolvimento infantil: habilidades necessárias para a autonomia
https://bit.ly/3hWOscL

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UNIDADE Bases Neuropsicológicas da Aprendizagem

Referências
COSENZA, R.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende.
Porto Alegre: Artmed, 2011.

COWAN, M. W. The development of the brain. Scientific American, 241, 1979,


113-133.

DOHERTY, G. Zero to six: the basis for school readiness. Apllied Research Branch
R.-97-8E, Ottawa, Canada: Human Resources Development, 1997.

EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de Psicologia Cognitiva. Porto Alegre:


Artmed, 2017.

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios: Conceitos Fundamentais de Neurociência.


São Paulo: Atheneu, 2001.

LEÓN, C. B. R. et al. Funções executivas e desempenho escolar em crianças de 6 a


9 anos de idade. Rev. psicopedag. São Paulo, v. 30, n. 92, p. 113-120, 2013.

LURIA, A. R. Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos


e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1981.

OLIVEIRA, M. K. de; REGO, T. C. Contribuições da perspectiva histórico-cultural


de Luria para a pesquisa contemporânea. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 36, n. spe,
p. 107-121, Apr. 2010.

PINHEIRO, M. Aspectos históricos da neuropsicologia: subsídios para a formação de


educadores. Educ. rev., Curitiba, n. 25, p. 175-196, Junho 2005.

SARGIANI, R. de A.; MALUF, M. R. Linguagem, Cognição e Educação Infantil:


Contribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências. Psicol. Esc. Educ.,
Maringá, v. 22, n. 3, p. 477-484, Dec. 2018.

SPITZER, M. Brain Research and Learning over the Life Cycle. In: Schooling for
tomorrow: Personalising education, OECD, 47–62. Paris: OECD, 2006.

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Teorias da
Aprendizagem
Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Teorias Contemporâneas
da Aprendizagem

• Aprendizagem no Século XXI;


• Aprendizagem ao Longo da Vida;
• Aprendizagem Social e Emocional;
• Aprendizagem Baseada em Problemas;
• Conexionismo e Redes Neurais;
• Conectivismo.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Apresentar e discutir os principais modelos e teorias sobre a aprendizagem humana desde
a década de 1990 até os dias atuais;
• Apresentar suas implicações e perspectivas futuras.
UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Aprendizagem no Século XXI


No século XXI, as tecnologias são cada vez mais avançadas e efêmeras. Em um
dia se compra um celular de última geração, e no outro já é possível que esse esteja
ultrapassado por um novo com muitos outros recursos inovadores. O mundo muda
muito rapidamente e mudam também as nossas formas de aprender e consumir
informações. Com recursos como a internet, consumimos informações com muito
mais agilidade e excesso do que em qualquer outro período da história. O mundo
está interconectado e eventos que acontecem em qualquer lugar do mundo são
imediatamente transmitidos, de modo que a informação chega e se modifica em
tempo real.

Pense em um homem que vivia no Brasil no século XVIII, sua vida era limitada
ao trabalho, provavelmente no campo, não frequentava escolas, não tinha e-mails,
televisão, celular, internet, rádio ou telefone. As informações que ele tinha acesso
depois da escola, se tivesse a sorte de ter frequentado alguma, eram normalmente
por conversas com outras pessoas ou nas missas nas igrejas. O conhecimento de que
ele dispunha era suficiente para se manter vivo, fazer seu trabalho, ganhar dinheiro,
se sustentar e cuidar da família. Um adolescente e até mesmo uma criança, naquela
época, já poderiam ter praticamente todo o conhecimento necessário para uma vida
típica e sem muitas inovações.

No século XXI, a vida é muito diferente. Ter um emprego as vezes não é o sufi-
ciente e muitas pessoas acabam tendo uma, duas, três ou quatro profissões diferentes.
Você mesmo pode ter mais de um emprego e ainda que já tenha finalizado seus es-
tudos na escola, está agora fazendo este curso. Ter uma profissão já não é mais algo
para a vida toda. Um carpinteiro sabia que seria carpinteiro até seus últimos dias e
talvez seu filho também, e assim por diante. Da mesma forma, um médico sabia que
seria médico até seus últimos dias e seus filhos provavelmente também. As profissões
eram vocações e duravam a vida toda. Hoje não mais, hoje um psicólogo pode ser
professor, psicólogo e ainda ter um canal no YouTube, por exemplo.

Nosso tempo é marcado por mudanças e incertezas constantes, o mundo e o


conhecimento são acessíveis e modificáveis de uma maneira que não ocorria há algu-
mas décadas. Nesse sentido, se convencionou usar a expressão mundo VUCA, para
se referir a essas características do mundo no século XXI. VUCA é um acrônimo em
inglês de Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incerteza), Complexity (Complexida-
de) e Ambiguity (Ambiguidade). A ideia de volatilidade se refere à velocidade, pois
tudo muda rapidamente atualmente. Incerteza se refere ao estado de constante mu-
dança das coisas, nada é permanente. Complexidade se refere ao fato de que mesmo
coisas que parecem simples são muito complexas e envolvem diferentes fatores, por
exemplo, a decisão de comer ou não carne envolve mais do que uma decisão pes-
soal, envolve questões políticas, filosóficas, nutricionais etc. Por fim, a ambiguidade
é uma consequência das características anteriores, vivemos em um contexto no qual
não existem respostas corretas, às vezes duas respostas contraditórias podem ser
válidas dependendo das argumentações (BIDARRA, 2019).

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A ideia do mundo VUCA reúne as principais características que definem o mun-
do em que vivemos no século XXI, um tempo marcado por mudanças constantes,
rápidas, e por incertezas. Originalmente, esse conceito foi empregado pelo exército
norte-americano, na década de 1990, para se referir a possíveis contextos de guerra.
Depois do atentado ao World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro
de 2001, esse termo passou a ser utilizado não apenas para cenários de guerra,
mas para definir toda a nossa sociedade. Em sociologia, o teórico polonês Zygmunt
Bauman (1925-2017) discutiu essas características da sociedade em nossos tempos,
empregando o termo “modernidade líquida”. Segundo ele, em nossa sociedade
atual, não temos mais certezas, pois tudo muda e tudo pode mudar a todo momento.

Café Filosófico sobre Bauman: diálogo da segurança e do efêmero, com Leandro Karnal.
Disponível em: https://youtu.be/LoxeltkRspY

Essa contextualização inicial serve para introduzirmos as mudanças que ocorrem


também nas teorias sobre a aprendizagem no século XXI. Nesta Unidade, discuti-
remos o que denominamos de teorias contemporâneas da aprendizagem. Definir o
que é contemporâneo não é tão simples quanto parece, não estamos falando apenas
de teorias que surgiram nos últimos meses ou anos, mas sim que compartilham de
certas características que são comuns às nossas sociedades nos dias atuais. Algumas
das teorias contemporâneas que discutiremos podem ter suas origens nas décadas de
1970 e 1980, mas elas ganharam mais força a partir da década de 1990, em que se
intensificaram as características que introduzem o século XXI, como os avanços das
tecnologias digitais e da internet.
Assim, para pensarmos no que é contemporâneo hoje, precisamos pensar em
como é a vida ao nosso redor. Quais são as principais características da contempora-
neidade? O que você efetivamente precisa aprender hoje? O que você aprende hoje
será sempre verdade? Será melhor do que o que se aprendia antes? Alguns de nós
nascemos na época em que Plutão era um planeta, e agora não é mais. Será que
continuaremos a mudar o que acreditamos ser verdade? Embora seja difícil respon-
der a essas questões, podemos com certeza afirmar que uma característica essencial
da contemporaneamente é que o conhecimento ou a verdade mudam muito rapida-
mente e, em uma velocidade que, muitas vezes, é difícil de acompanhar.
Será importante hoje que as crianças aprendam datilografia? Será importante me-
morizar datas e fatos quando se pode consultar a internet? Será importante saber para
que serve um cadeado para telefone ou uma ficha telefônica? Será importante saber o
que é um pager ou um telégrafo? Espero que você não precise consultar um volume
da Britânica ou da Barsa para saber o que são algumas dessas coisas, mas certamente
você poderá consultar o querido e indispensável Google. Para pensar em aprendi-
zagem no século XXI, precisamos pensar em como vivemos neste século. O que é
necessário aprender para viver no século XXI e para planejar o século XXII? Não é
necessário que aprendamos tudo o que a humanidade já desenvolveu ao longo de
toda a história, mas sim aquilo que será útil para esses novos tempos. Tempos incer-
tos e repletos de mudanças.

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

“Uma teoria da aprendizagem para o futuro deve defender o ensino de uma prontidão para
responder, de maneira criativa, à diferença e à alteridade. Isso inclui a capacidade de agir
imaginativamente em situações de incerteza (ELKJAER, 2013, p. 91).”. Qual é a importância
do estudo da aprendizagem no século XXI? Nossas escolas e universidades estão formando
alunos para o século XXI? O que é preciso mudar?

Aprendizagem ao Longo da Vida


As teorias contemporâneas da aprendizagem têm como característica principal a
consideração desse contexto incerto, cheio de mudanças e tecnologias em que vive-
mos e que, portanto, deve considerar também as novas evidências científicas de que
dispomos sobre os processos cognitivos e mecanismos cerebrais envolvidos na apren-
dizagem. Muitas das teorias que já discutimos foram criadas antes que tivéssemos o
primeiro computador pessoal e a internet. Aquelas teorias foram feitas antes de o
homem ter ido à Lua e antes mesmo de que pudéssemos entender melhor o nosso
próprio cérebro. Não significa que hoje saibamos sobre todo o cérebro humano, mas
sabemos muitas coisas que foram descobertas, principalmente a partir da década de
1990, a chamada década do cérebro (RIBEIRO, 2013). Naquele período, o aumento
nos investimentos em pesquisas e os avanços na qualidade dos recursos tecnológi-
cos, como as técnicas de imagens, permitiram muitos avanços em neurociências.
Ainda há muito a descobrir, mas já sabemos muito sobre como ocorre a aprendiza-
gem em nosso cérebro.

De lá para cá, a vida mudou muito, o mundo se transformou e as tecnolo-


gias avançaram muito. Vivemos tempos líquidos, como afirma o filósofo Bauman
(2007), porque nada é feito para durar, tudo muda tão rapidamente que não temos
mais as certezas que nossos antepassados tinham sobre a vida. Se antes nossos
antepassados tinham a certeza da profissão para a vida toda, hoje não sabemos
como será o amanhã. A Modernidade é marcada por essas mudanças constantes.
No minuto em que nos acostumamos com uma tecnologia, surge uma nova e a
substitui. E assim também são substituídos empregos, profissões e tudo o mais.
Não basta mais apenas aprender no século XXI, é preciso aprender a aprender, e
aprender a mudar quando necessário.

Não podemos nos enganar e pensar que isso significa que não há mais regras,
fatos, ou que não devemos considerar o que já foi feito. Precisamos sim considerar
tudo o que já foi produzido, e criticamente analisar o que ainda é possível ser uti-
lizado hoje, o que podemos mudar, o que será necessário para lidar com o hoje e
enfrentar o futuro. Também não podemos pensar que as teorias clássicas da apren-
dizagem estavam completamente erradas e não tenham mais nenhuma validade.
Pelo contrário, elas continuam sendo muito importantes e são a base de muitas das
teorias contemporâneas. A diferença essencial entre elas é a contextualização e per-
tinência aos problemas e evidências contemporâneos.

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Nesse sentido, pensar sobre a aprendizagem hoje não pode ser apenas pensar em
aprendizagem como aquisição de conhecimentos. O conhecimento está disponível em
todos os lugares e vai se modificando o tempo todo. Hoje é preciso aprender como
continuar aprendendo e se atualizar continuamente. É preciso que possamos aprender
como localizar as melhores informações, distinguir entre o que é certo e o que não é. Ao
invés de apenas aprender fatos, é cada vez mais importante hoje aprender como localizar
esses fatos e pensar criticamente sobre eles. Não basta mais apenas aprender na escola o
que o professor diz e levar isso para toda vida. Precisamos aprender que a aprendizagem
continua por toda a vida e o que considerávamos como fato pode se modificar também.
Assim, é importante frisar que muitas das teorias clássicas tratavam mais da apren-
dizagem na infância e no período de escolarização. Nas teorias contemporâneas,
vamos pensar na aprendizagem ao longo da vida, no que é preciso aprender além
do que tradicionalmente aprendíamos nas escolas, o que será necessário para o
mercado de trabalho e a vida, em um futuro cada vez mais incerto. Como dito ante-
riormente, não aprendemos apenas na escola, mas sim em todos os lugares. Agora é
preciso enfatizar que não aprendemos também apenas durante o período da escola,
mas sim o tempo todo. E o que aprendemos, ou devemos aprender, pode mudar
sempre. As aprendizagens são duradouras, mas não são imutáveis. Nós podemos e
devemos mudar sempre que necessário.
No século XXI, é preciso estar preparado para se adaptar às mudanças e a esse
ritmo acelerado de obtenção de informações. Não basta mais ter feito um curso de
Office 98 para estar apto para o mercado de trabalho hoje se vão te exigir conheci-
mentos do Office 365 e sabe-se lá qual versão eles irão inventar em um futuro breve.
É por isso que a principal ideia que se discute nos dias atuais é a de um conceito que
surgiu na Europa ainda na década de 1970, mas se popularizou nos anos 1990: a
ideia de aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning). Entender a aprendiza-
gem ao longo da vida é pensar em uma educação que transcende os limites de ins-
tituições, idade e nível social, e que, portanto, deve ocorrer o tempo todo, de forma
perene, contínua (LONDON, 2011).
A ideia é superar visões anteriores que entendiam a aprendizagem como um pro-
cesso focal de aquisição de conhecimentos, expandindo a noção para a aprendiza-
gem contínua que engloba outros fatores que não apenas os cognitivos. Segundo
Jacques Delors, no relatório “Educação: um tesouro a descobrir”, da Unesco
(1998), esse conceito de educação ou aprendizagem ao longo da vida é a chave que
abre as portas do século XXI, pois elimina a distinção tradicional entre a educação
formal inicial e a educação permanente (ou continuada). Delors enfatiza a importân-
cia da articulação de quatro pilares da educação para o século XXI que, segundo ele,
não estavam recebendo a mesma atenção no século XX, com a prevalência dos dois
primeiros sobre os dois últimos. Os quatro pilares são:
• Aprender a conhecer: é o processo de aquisição de saberes, o prazer de com-
preender, construir e reconstruir o conhecimento. Inclui também a capacidade
de aprender a pensar e não apenas reproduzir um pensamento.
• Aprender a fazer: é o processo de aprender habilidades e competências, saber
lidar com desafios e criar soluções para eles. Inclui também habilidades de boa
comunicação e relação interpessoal.

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

• Aprender a conviver: inclui à capacidade das pessoas de compreender o outro,


de estabelecer vínculos sociais e gerenciar os conflitos.
• Aprender a ser: inclui o desenvolvimento integral da pessoa, de modo que ela possa
agir com cada vez mais autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal.
A proposta de Delors é que, ao se privilegiar de modo equilibrado todos os qua-
tro pilares do conhecimentos, não apenas o aprender a saber e o aprender a fazer,
se possa contribuir para o desenvolvimento integral da pessoa – espírito e corpo,
inteligência, sensibilidade, sentido estético, pensamento crítico, responsabilidade
pessoal e espiritualidade (DELORS, 1998). A Educação, no século XXI, precisa
se adequar a esse modelo que considera que o currículo deve ser suficientemente
flexível e abrangente para considerar as diferentes realidades socioculturais, antro-
pológicas, éticas, legais, dentre outras. Não basta apenas ensinar conhecimentos e
habilidades, mas sim competências para lidar com situações diversas em um mundo
que se transforma constantemente.
O termo competência tem sido definido de diversas maneiras, em síntese, é o
conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que o indivíduo detém para exe-
cutar uma determinada atividade com nível superior de desempenho. Esse conceito
foi inicialmente discutido pelo psicólogo Robert White (1959), que entendia compe-
tência como a capacidade de lidar com o meio ambiente, e que essa capacidade seria
desenvolvida em um processo exploratório e de aprendizado, envolvendo também
sentimentos e crenças. Mas foi no final dos anos 1990, nos EUA e na Europa, que a
ideia de educação por competências ganhou mais força. No Brasil, a palavra compe-
tências surgiu já em 1996, com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (LDB), que determina a criação de competências e diretrizes para o
ensino nacional. A ideia era que se considerasse não apenas o conhecimento teórico,
mas também a capacidade de interpretar e tentar solucionar problemas reais. Mais
recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também orienta os
currículos nacionais para a utilização do ensino por competências para o desenvol-
vimento educacional integral.
Nesse mesmo sentido, as teorias da aprendizagem também têm se modificado
no século XXI. Desde os anos 1970, notamos uma mudança progressiva na forma
como se produziam as teorias sobre a aprendizagem. As grandes abordagens teóri-
cas clássicas que apresentavam explicações gerais sobre a aprendizagem cederam
cada vez mais lugar para as teorias específicas que versam sobre a aprendizagem de
habilidades e competências. Já sabemos que essas macroteorias mais gerais foram
paulatinamente sendo substituídas por microteorias mais específicas. Isso não signi-
fica que as macroteorias não sejam mais estudadas, mas que elas servem como um
grande framework, uma moldura ou pano de fundo, para as novas microteorias.
Outra mudança importante é que as grandes teorias do século XX tratavam princi-
palmente da aprendizagem de crianças dentro e fora das escolas. Teóricos do desen-
volvimento como Piaget e Wallon descreviam especificamente como as crianças pro-
gridem por meio de diferentes estágios que abarcam do nascimento até a adolescência.
Desde os anos 1970, começamos a pensar na aprendizagem que vai além da infância,
justamente pensando nas características da aprendizagem ao longo da vida.

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Erik Erikson (1902-1994), por exemplo, criou a teoria psicossocial do desenvol-
vimento, de matriz psicanalítica, na qual descreve oito estágios do desenvolvimento,
que vão desde o nascimento até a morte. Os quatro primeiros estágios cobrem do
nascimento até a infância, o quinto estágio se refere à adolescência, enquanto os
três últimos apresentam as características de adultos até a velhice. Em cada estágio,
Erikson (1998) descreve as crises psicossociais que caracterizam cada um deles,
por exemplo, discutindo como na fase adulta há uma necessidade de se pensar
na profissionalização e na produtividade. A discussão sobre as especificidades da
aprendizagem de adultos, portanto, é mais recente, e normalmente está atrelada à
profissionalização e ao mercado de trabalho.
Malcolm Knowles (1913-1997), por exemplo, ainda nos anos 1970, também apro-
fundou os estudos sobre a aprendizagem de adultos utilizando o termo andragogia
no sentido de educação de adultos, em oposição à pedagogia, como o estudo da
educação de crianças. Ele destacou diferenças importantes na forma como adultos
aprendem de maneira distinta das crianças. Os adultos, normalmente, precisam en-
contrar utilidade no que será aprendido, relacionando com as situações reais do seu
cotidiano. Eles aprendem melhor quando os conceitos são apresentados de forma
contextualizada e com alguma utilidade prática, em geral, relacionada à sua profis-
são. Além disso, adultos são responsáveis por suas escolhas e, portanto, precisam
participar do processo de decisão sobre o quê e como aprender, para que a motiva-
ção seja intrínseca. É importante também considerar que os adultos já acumularam
muitas vivências e conhecimentos prévios que devem ser reconhecidos e valorizados
para que se possam introduzir conhecimentos novos (KNOWLES, 1970).
Segundo London (2011), as teorias da aprendizagem contemporâneas, de modo
geral, consideram sempre o paradigma de aprendizagem ao longo da vida. Esse
conceito está muito relacionado com a ideia de aprendizagem de adultos e de edu-
cação para o mercado de trabalho, devendo também ser entendido no sentido de
que aprendemos e continuaremos aprendendo desde a infância até a nossa morte.
A aprendizagem ao longo da vida deve ser entendida como a maneira pela qual in-
divíduos ou grupos adquirem, interpretam, reorganizam, mudam ou assimilam um
conjunto de informações, habilidades, competências e sentimentos ao longo de toda
a vida; é o desenvolvimento contínuo de conhecimentos e habilidades que as pessoas
experimentam após a educação formal e ao longo de suas vidas. A premissa dessa
perspectiva é a de que não é viável equipar os alunos nas escolas ou faculdades com
todo o conhecimento e habilidades que serão importantes para que prosperem ao
longo da vida. Assim, é necessário que as pessoas continuem a buscar novas apren-
dizagens e a aprimorar seus conhecimentos e habilidades para lidar com os desafios
que o mundo impõe.

A aprendizagem ao longo da vida requer a capacidade de aprender com as expe-


riências de vida. Por isso, uma das teorias que se destacam dentro dessa abordagem
é a Teoria da Aprendizagem Experiencial, desenvolvida por David Kolb (nascido
em 1939), desde a década de 1970. Essa teoria é baseada nos trabalhos de grandes
teóricos do século XX, como William James, John Dewey, Kurt Lewin, Jean Piaget,
Lev Vygotsky, Carl Jung, Paulo Freire, Carl Rogers, e outros. A proposta de Kolb

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

também considera um equilíbrio entre a aprendizagem afetiva (emocional), compor-


tamental e cognitiva, o que é fundamental para as concepções contemporâneas de
aprendizagem. A experiência, nessa perspectiva, não é o conhecimento, mas sim a
base para a criação do conhecimento (ELKJAER, 2013).
A teoria da aprendizagem experiencial é holística, e define a aprendizagem como
o principal processo de adaptação humana envolvendo a pessoa como um todo.
Kolb considera que a aprendizagem é o processo pelo qual o conhecimento é criado
pela transformação da experiência. Dessa forma, ela se aplica não apenas na sala
de aula de educação formal, mas em todas as áreas da vida. O processo de aprender
com a experiência é onipresente, pois está presente na atividade humana em todos
os lugares e o tempo todo. A natureza holística do processo de aprendizagem signi-
fica que ele opera em todos os níveis da sociedade humana, desde o indivíduo aos
grupos, às organizações e à sociedade como um todo.
Kolb (1984) propôs que o processo de aprendizagem tem um ciclo contínuo de
quatro estágios: Experiência Concreta (agir), Observação Reflexiva (refletir), Concei-
tualização Abstrata (Conceitualizar) e Experimentação Ativa (aplicar). Segundo Kolb,
a aprendizagem pode começar por qualquer um desses estágios (Ver Figura 1), mas,
em síntese, podemos exemplificar que o ciclo de aprendizagem começa quando um
indivíduo se envolve em uma atividade; ele reflete sobre a sua experiência; e então
deduz o significado dessa reflexão; por fim, ele coloca em ação a percepção recém-
-adquirida por meio da modificação de um comportamento ou atitude. Sendo que
sempre será possível rever aquilo que já foi aprendido. Assim, para Kolb, o aprender,
em uma visão holística integrativa, combina a experiência, a percepção, a cognição
e o comportamento.

Testar implicações
de conceitos em Experiência
situações novas concreta

Formação de Observações e
conceitos abstratos reflexões
e generalizações
Figura 1 – Representação do ciclo de aprendizagem
Fonte: KOLB, 1984, p 21

Aprendizagem Social e Emocional


Além da perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, as abordagens contem-
porâneas da aprendizagem também têm enfatizado a importância da aprendizagem

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social e emocional ou da aprendizagem socioemocional. Como já mencionado
anteriormente, as abordagens teóricas no século XXI não são tão demarcadas quanto
eram as teorias do século XX. Abordagens como o behaviorismo, cognitivismo e
o construtivismo possuíam contornos mais delimitados, e mesmo quando teóricos
compartilhavam algumas ideias de diferentes abordagens, ainda assim era possível
classificar as suas teorias em uma ou outra abordagem. Esses limites têm sido cada
vez mais tênues, e atualmente os teóricos acabam transitando entre diferentes abor-
dagens, defendendo premissas gerais e outras específicas.

Saiba mais sobre algumas teorias contemporâneas da aprendizagem no livro de ILLERIS, K.


Teorias Contemporâneas da Aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2013.

Assim, os teóricos que defendem a importância da aprendizagem socioemocional


partem da premissa principal de que aprendemos através da interação com os ou-
tros; e não aprendemos apenas aspectos cognitivos, mas também aspectos afetivos e
volitivos. Essas ideias não são negadas por outros teóricos, como os que discutem a
importância da aprendizagem ao longo da vida, mas são, na verdade, ideias comple-
mentares, como na proposta de Kolb. Além disso, teóricos como Vygotsky, Bruner
e Bandura já haviam discutido, no século XX, sobre a importância das interações
sociais para a aprendizagem. Wallon e Rogers, por outro lado, também valorizavam
a aprendizagem da pessoa integral, incluindo não apenas cognição, mas emoção e
motivação. Ainda que, de modo geral, dava-se maior ênfase para os aspectos cogni-
tivos envolvidos na aprendizagem nas teorias clássicas.

Ao longo das últimas décadas, as escolas foram cada vez mais sendo requisitadas a
cumprir funções que vão além da ideia de apenas transmitir todo o saber culturalmente
acumulado e selecionado. As escolas passaram a ser entendidas como um espaço
de socialização, em que se deve promover de forma explícita os aspectos sociais e
emocionais do desenvolvimento de crianças e adolescentes. Assim, a aprendizagem
social e emocional foi ganhando cada vez mais interesse e espaço por sua potencial
contribuição para o desenvolvimento integral dos aprendizes, e pela necessidade de
que essas habilidades sejam utilizadas em um mundo VUCA. Como já discutimos,
hoje não basta mais apenas aprender a saber e aprender a fazer, mas também é
necessário aprender a conviver e aprender a ser, o que depende em grande parte de
habilidades socioemocionais (COSTA & FARIA, 2013).

As pesquisas mais recentes indicam que o desenvolvimento de competências socio-


emocionais das crianças é um fator crucial para o seu sucesso dentro e fora das escolas
(COLAGROSSI & VASSIMON, 2017). A aprendizagem social e emocional deve ser
entendida como um processo por meio do qual o aprendiz desenvolve a sua capacidade
de integrar o pensamento, a emoção e o comportamento para lidar com tarefas sociais
importantes em um mundo em constante transformação. Nesse sentido, a educação
não deve focar mais apenas em ensinar fatos e conhecimentos acadêmicos (cogniti-
vos), mas também em promover o desenvolvimento de competências (interpessoais)
que permitam aos alunos estabelecerem relações saudáveis, objetivos positivos e dar

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

respostas adequadas às necessidades pessoais e sociais (Collaborative for Academic,


Social, and Emotional Learning – CASEL, 2005).

Dentre as diversas competências relevantes da aprendizagem social e emocional ou


socioemocional, destacam-se particularmente a autoconsciência, o autocontrole,
a consciência social, as competências de relacionamento interpessoal, e a to-
mada de decisão responsável (CASEL, 2005). Em síntese, essas competências
incluem a capacidade de as crianças entenderem as suas próprias emoções, apren-
derem a focar a atenção e a relacionarem-se bem com os outros, demonstrando em-
patia. Essas competências, por sua vez, devem potencializar um melhor ajustamento
e desempenho acadêmico, refletindo em comportamentos sociais mais positivos,
diminuição de problemas comportamentais e de estresse emocional, e melhores re-
sultados em avaliações e testes, de tal modo que, em última instância, essa visão ca-
pacita os alunos a se tornarem mais informados, responsáveis, empáticos, produtivos
e ativos na sociedade, promovendo a participação ativa na sociedade e a cidadania.

A aprendizagem socioemocional já havia sido estudada desde o início do século


XX. Piaget e Vygotsky, por exemplo, fizeram muitos estudos discutindo os aspectos
sociais e emocionais envolvidos na aprendizagem, embora focassem mais no aspecto
cognitivo em suas teorias. Wallon talvez seja o principal teórico a discutir a importân-
cia de se considerar a visão integral da pessoa em seus processos de aprendizagem.
Contudo, o tema da aprendizagem socioemocional começou a ganhar força nos
anos 1990. Estudos, como os de Howard Gardner, sobre as inteligências múltiplas,
e de Daniel Goleman, sobre a inteligência emocional, enfatizaram a importância de
regular as emoções como um importante componente da inteligência. Em 2000, a
Unesco reconheceu os quatro pilares da educação no século XXI, conforme discuti-
do no relatório de Delors. Entre eles, está previsto o desenvolvimento de habilidades
sociais e emocionais dos alunos.

Essa abordagem é especialmente importante porque destaca que não apenas


aprendemos aspectos cognitivos que envolvem a memória, atenção e resolução de
problemas. Nós também aprendemos sobre sentimentos, valores, emoções e também
somos influenciados por essas aprendizagens. As crianças precisam aprender sobre os
sentimentos e suas emoções desde cedo. Precisam aprender a identificar e nomear es-
sas emoções, aprender a desenvolver a autoconfiança e autoeficácia. A aprendizagem
socioemocional também é conhecida por outros termos, por exemplo: educação
de caráter, habilidades do século XXI, habilidades não cognitivas, soft skills. Esses
termos se baseiam em propostas teóricas ligeiramente diferentes e em conjuntos de
dados de pesquisa distintos, mas apontam na mesma direção da importância dessas
habilidades (COLAGROSSI; VASSIMON, 2017).

Outro aspecto que muitas vezes negligenciamos nos processos de aprendizagem


são os aspectos relacionais ou sociais, já que não podemos nos esquecer de que
tipicamente nós aprendemos com os outros. Bandura já havia mostrado em sua
teoria da aprendizagem social que boa parte do comportamento é aprendida pela
observação e pela imitação de outros. Vygotsky e Bruner enfatizavam o papel das
relações sociais na aprendizagem. Aprender a se relacionar e conviver com outros

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é fundamental para uma vida plena e para o exercício da cidadania em sociedades
democráticas contemporâneas.

Nesse contexto, os trabalhos de Daniel Goleman (nascido em 1946) sobre a inteli-


gência emocional são particularmente interessantes por definirem essa como a com-
petência relacionada a lidar com as emoções. O que inclui as capacidades de percepção
das emoções, o raciocínio por meio das emoções, o entendimento ou compreensão das
emoções e o gerenciamento das emoções. Goleman aponta que gerenciar os sentimen-
tos de maneira eficaz é tão importante quanto a inteligência geral de que um indivíduo
dispõe para aprender. Assim, ele enfatiza o papel fundamental de cinco competências:
autoconsciência, como a capacidade de reconhecer as próprias emoções; autorregu-
lação, como a capacidade de lidar com as próprias emoções; automotivação, como
a capacidade de se motivar e de se manter motivado; empatia, como a capacidade
de enxergar as situações pelas perspectivas dos outros; e habilidades sociais, como
o conjunto de capacidades envolvidas na interação social (GOLEMAN, 1995). Essa
proposta enfatiza a necessidade de que ao tratarmos de aprendizagem não podemos
apenas pensar nos aspectos cognitivos, mas também nos socioemocionais e volitivos.

Aprendizagem Baseada em Problemas


No século XXI, as diferenças entre as abordagens teóricas da aprendizagem estão
cada vez mais diluídas, várias premissas são aceitas e compartilhadas entre as diferen-
tes proposições teóricas. A importância de aprender ao longo da vida e de aprender
as competências socioemocionais, por exemplo, são bastante aceitas por diferentes
pesquisadores, psicólogos e educadores. As questões que surgem, então, são: como
promover esse tipo de aprendizagem? Como fazer com essas ideias de fato sejam
articuladas e promovam melhorias na qualidade da aprendizagem?

Assim, surge a proposta da aprendizagem baseada em problemas (em inglês


Problem-Based Learning – PBL), uma proposta teórica e metodológica que come-
çou na década de 1960 em escolas de medicina no Canadá. Embora seja uma pro-
posta com mais de 50 anos, ela tem se popularizado cada vez mais nas últimas dé-
cadas, principalmente como uma metodologia adotada em universidades brasileiras.
A premissa da aprendizagem baseada em problemas é que o aprendiz sempre deve
ser considerado como ativo e deve poder aprender resolvendo problemas específicos
propostos pelos professores. Esses, por sua vez, funcionam como mediadores do
processo de aprendizagem, criando condições e orientando os alunos para melhores
estratégias de resolução de problemas.

Essa proposta, portanto, tem muita relação com a abordagem construtivista.


A interação entre professores e alunos é entendida como fundamental, pois a ênfase
está na construção cooperativa do conhecimento a partir da tentativa de resolução
do problema. A ideia não é a de resolver o problema em si, mas sim de explorar as
possíveis estratégias usadas pelos alunos para solucionar esse problema. A proposta
dessa metodologia é seguir um fluxo no qual se inicia por um problema específico e,

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

com base em seus próprios conhecimentos, os alunos começam a buscar ideias para
solucionar esse problema.
Nesse sentido, os alunos podem decompor o problema, identificar relações, funções,
estruturas, e com o auxílio do professor podem refletir sobre as melhores estratégias, e
decidir o que será possível fazer para solucionar o problema. A aprendizagem acontece
como consequência de todo esse processo. Dessa forma, pode-se realizar estudos indi-
viduais, grupos de discussões e registros de todo o procedimento. Por fim, é necessário
avaliar o trabalho desenvolvido e os resultados obtidos que deverão ser apresentados
para que se possa analisar os processos (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

Como você pode imaginar, essa proposta se assemelha mais a uma metodologia
de ensino do que a uma teoria da aprendizagem. Contudo, ainda podemos dizer que
se trata de uma teoria da aprendizagem, pois se propõe a explicar como ela ocorre
por meio das tentativas de encontrar soluções para uma determinada situação em
que se está enfrentando. A ideia é de uma relação dialética entre ensino e apren-
dizagem, portanto, ao falar de como aprendemos, também podemos efetivamente
descrever de que maneira é mais efetiva a aprendizagem.

A proposta da ABP é tornar o aluno capaz de construir a aprendizagem conceitu-


al, procedimental e atitudinal por meio de problemas propostos que o expõe a situ-
ações motivadoras e o prepara para o mundo de trabalho. A ABP é muito discutida
no contexto do Ensino Superior como uma metodologia de aprendizagem ativa em
universidades. Essa discussão é ainda mais importante ao se considerar o mercado de
trabalho cada vez mais globalizado e competitivo e as novas gerações de estudantes
jovens que têm ingressado na universidade (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

Essa abordagem é identificada também como uma das metodologias ativas de


aprendizagem. O objetivo dessas técnicas é o de ressaltar o papel central dos alunos
em seu processo de aprendizagem, criando situações e problemas baseados em situa-
ções reais para que o aluno possa ativamente se engajar na resolução e ser o respon-
sável pela construção de conhecimento. Nesse sentido, a aprendizagem baseada em
problemas tem como objetivo principal fazer com que os alunos possam aprender
por meio da resolução colaborativa de problemas e desafios apresentados pelo pro-
fessor. Diante de um determinado problema, eles poderão se valer de diferentes es-
tratégias e recursos tecnológicos, ou não, para explorar a questão, buscar entender o
que pode ser feito e criar novo conhecimento. Os professores auxiliam mediando a
aprendizagem, promovendo discussões, questionamentos e reflexões, motivando os
alunos a encontrarem suas próprias soluções.

Ainda no enquadramento das metodologias ativas, podemos ter variações da


ABP, por exemplo, a aprendizagem baseada em projetos. A diferença é que nessa
perspectiva os alunos devem trabalhar juntos para construir um projeto colaborativo
(ex.: construir uma horta orgânica). Isso pode ser observado, por exemplo, em uma
tendência chamada de movimento maker, que poderia ser traduzido pela ideia de
“faça você mesmo”. Por exemplo, para estudar sobre a importância das alavancas
em física, pode-se propor que os alunos construam diferentes alavancas e testem a
eficiência, requisitos e conceitos envolvidos.

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Outra forma de metodologia ativa é a aprendizagem entre times (Team Based
Learning – TBL), na qual criam-se equipes ou times dentro de uma mesma tur-
ma enfatizando a necessidade do trabalho em conjunto dentro de um mesmo time.
Os diferentes times podem ser responsáveis por um determinado projeto, problema
ou estudo de caso, e juntos devem buscar maneiras de resolver essa situação e pro-
duzir conhecimento de forma colaborativa. Além de possibilitar que os alunos apren-
dam a saber e a fazer, esse tipo de metodologia favorece o aprender a conviver e o
aprender a ser, pois essas situações possibilitam que os alunos reflitam sobre suas
próprias características individuais e em grupos, seus pontos fortes e fracos, e como
eles interagem com respeito à diversidade dos outros membros de seus times.
A aprendizagem baseada em problemas, ou essa concepção geral de metodolo-
gias ativas ajudam a repensar as situações de aprendizagem buscando transformar as
experiências em salas de aulas e mesmo em outros ambientes em que se tenham si-
tuações de aprendizagem. Ela integra conceitos de abordagens clássicas como o cog-
nitivismo e o construtivismo, e enfatiza a aprendizagem ao longo da vida, incluindo
também não apenas os aspectos cognitivos, mas a aprendizagem social e emocional,
estimulando o desenvolvimento de autonomia, resolução de problemas, tomada de
decisão, liderança, confiança, empatia, senso crítico, responsabilidade e cooperação
(BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

Conexionismo e Redes Neurais


Entre os anos de 1950 e 1960, surgiu um movimento nos EUA que introduziu
uma nova forma de se pensar a mente. Esse movimento reuniu pesquisadores de di-
ferentes áreas do conhecimento, como a Filosofia, Antropologia, Linguística, Psico-
logia e a Neurociência que adotaram uma nova e promissora metáfora para estudar
o psiquismo humano: a metáfora computacional. A ideia básica é a de que a mente
processa informações assim como um computador. Esse movimento ficou conhecido
como Revolução Cognitiva, por resgatar a possibilidade de investigações científi-
cas sobre os fenômenos mentais, o que era contrário ao paradigma predominante
da abordagem behaviorista, que focava os estudos do comportamento observável.
Nesse sentido, essa revolução também é chamada de contrarrevolução, por ser con-
trária ao movimento behaviorista que já era uma revolução por ter mudado o foco
da Psicologia do estudo da consciência para o estudo do comportamento observável
(VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2007).
O modelo computacional foi paulatinamente se tornando predominante na Psico-
logia, ainda que os avanços nas pesquisas em neurociências e as críticas aos limites da
ideia de processamento da informação de modo linear e sequencial foram impulsio-
nando o surgimento de novos modelos teóricos. Assim, a partir da década de 1980,
observou-se a emergência de outros modelos explicativos sobre a mente, que não
estavam em plena concordância com a metáfora computacional. Podemos dizer que
se tratava de uma segunda revolução cognitiva. Esse movimento reivindicava a ne-
cessidade uma compreensão mais holística da cognição, levando-se em consideração
principalmente a sua interface com os fenômenos culturais.

19
19
UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Nesse espaço da segunda revolução cognitiva, ganham espaço os modelos co-


nexionistas, que apregoam que a mente não funciona por meio de um conjunto de
regras fixas e lineares como se pensava até então, pois na verdade eles enfatizam os
padrões de neuroconectividade em uma ampla rede. Para os conexionistas, as infor-
mações não são processadas de forma linear, o funcionamento cognitivo deve consi-
derar um paralelismo no processamento de informações. A principal mudança é que
os modelos cognitivistas originais retratavam os seres humanos como “armazéns”
de informações, em que a aprendizagem ocorria de modo linear como uma entrada
e uma saída (input-output). Contudo, o cérebro na verdade processa as informações
de modo paralelo e distribuído em uma ampla rede de neurônios.

Assim, até meados da década de 1980, podemos classificar as teorias cognitivas


da primeira revolução como abordagens do processamento de informações. O en-
foque era de que a informação que chega até nós por meio dos órgãos de sentido é
processada pela mente como um computador processa informações em uma modelo
linear e sequencial. Com os avanços nas pesquisas em Neurociências, a Psicologia
foi remodelando e repensando esse modelo de entendimento e desenvolvendo o que
Rumelhart e McClelland (1986) chamaram de modelo de Processamento Paralelo
e Distribuído (PPD). Esse modelo indica que todas as informações que chegam até
nós, e mesmo as informações de que já dispomos em nossas memórias, são armaze-
nadas de forma distribuída em redes de neurônios, e o processamento da informação
ocorre não de forma linear, mas sim de forma paralela, em que várias informações
são analisadas ao mesmo tempo e de forma distribuída, diferentes unidades proces-
sam informações em diferentes sinapses e neurônios (Ver Figura 2).

Hidden
Input
Output

Figura 2

Na figura, cada círculo representa uma unidade de processamento, um neu-


rônio, que irá processar parte das informações paralelamente a outros neu-
rônios, de modo que múltiplos neurônios contribuem para o resultado final.

20
Essa visão recebeu também o nome de modelo conexionista. É importante frisar
que aqui conexões são entendidas como as sinapses entre os neurônios, diferente-
mente do que Thorndike postulou como modelo conexionista no começo do século
XX, em que as conexões eram as associações entre estímulos e respostas. Esses mo-
delos também são conhecidos como modelos de “redes neurais” porque se baseiam
na arquitetura do cérebro, representando a informação e os “estados mentais” por
padrões de atividade distribuídos por uma rede de unidades simples ao invés de por
estruturas simbólicas discretas como nos modelos computacionais. Os modelos co-
nexionistas são predominantes atualmente e explicam a aprendizagem de humanos,
animais e máquinas (LEFRANÇOIS, 2019).

Segundo o paradigma conexionista, a aprendizagem ocorre por meio do pro-


cessamento distribuído e paralelo feito por várias unidades simples (neurônios) que
compõem uma rede neural. Ao receber um estímulo qualquer, essa informação é pro-
cessada por essa ampla rede via conexões (sinapses) até que se encontre um estado
estável no qual a informação encontra-se processada, isto é, aprendida. Aprender,
portanto, modifica as redes neurais permitindo que em situações futuras o processa-
mento seja feito de forma mais eficiente. Os modelos conexionistas têm sido muito
empregados para o estudo da inteligência artificial, pois com base em modelos de
redes neurais artificiais é possível demonstrar como ocorrem fenômenos de apren-
dizagem, como a super-regularização de verbos. Uma criança pode falar “Eu fazo”
ou “Eu fizi” porque tenta conjugar verbos irregulares de forma regular, aplicando a
mesma regra geral aos verbos irregulares. Os modelos conexionistas são eficazes em
demonstrar como isso funciona mesmo em máquinas, repetindo o mesmo padrão
em computadores que após “aprenderem” a conjugação de verbos regulares e serem
solicitados a conjugar verbos irregulares cometem os mesmos erros infantis, o que é
explicado pelas formas de processamento da informação que são análogas.

Conectivismo
O Conectivismo é uma das teorias mais recente sobre a aprendizagem, conhecida
como uma teoria para a “Era Digital”. A proposta do conectivismo é que as tecnolo-
gias digitais reorganizaram a forma como vivemos, nos comunicamos e aprendemos
(SIEMENS, 2004). Por ser tão recente, essa proposta ainda é bastante limitada e
questionada por suas proposições. A ideia aqui de conectividade é semelhante à ideia
de conexão dos modelos conexionistas, mas com o foco na conectividade em redes
cibernéticas, isto é, o mundo interconectado pela internet.

Segundo Prensky (2001), no século XXI, coexistem nativos digitais e imigrantes


digitais. Os nativos digitais, isto é, os nascidos após a década de 1980 têm formas
diferentes de ser, agir e pensar do que aqueles que nasceram antes dessa época.
Os nativos digitais vivem em um mundo cercado por novas mídias como blogs e
redes sociais, e convivem com mudanças tecnológicas com muito mais facilidade do
que os imigrantes digitais. Essas mudanças impactam também na forma como os
alunos aprendem e se interessam pela aprendizagem. O professor, por outro lado,

21
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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

precisa muitas vezes enfrentar essa situação na qual ele não é mais a única ou prin-
cipal fonte de saber. O que o professor diz pode ser rapidamente contraposto com
uma simples pesquisa no Google ou outro site de buscas.

Segundo Siemens (2004), a tecnologia reorganizou o modo como vivemos, como


nos comunicamos e como aprendemos no século XXI. A aprendizagem ocorre de
várias maneiras, com destaque para a aprendizagem informal por meio de comuni-
dades de prática, redes pessoais e também atividades relacionadas ao trabalho. Não é
incomum que alguém queira aprender um determinado conteúdo hoje e procure, por
exemplo, vídeos no YouTube ou fóruns na internet que explicam e apresentam tuto-
riais sobre como fazer. A aprendizagem ocorre de maneira facilitada por diversos re-
cursos tecnológicos e de acordo com aquilo que o aprendiz quer aprender. Se um vídeo
não está claro ou não é empolgante é só trocar para o próximo, e assim por diante.

A ideia do Conectivismo é de que a aprendizagem não é mais uma atividade interna


e individual. As novas ferramentas de aprendizagem e mudanças ambientais modifi-
cam as formas de aprender. Assim, a aprendizagem pode residir fora do indivíduo,
pode ocorrer em comunidades, e aprender pode ser inclusive essa própria participa-
ção em comunidades. Tudo está interconectado e, por isso, a ideia de conectividade
aparece aqui não como conexões de redes neurais, mas como conectividade entre
redes cibernéticas, e a aprendizagem consiste na capacidade de circular por essas
redes (SILVA, 2014).

As teorias behavioristas, cognitivistas e construtivistas foram criadas em uma época em


que as tecnologias digitais ainda não eram tão impactantes para o estudo da aprendi-
zagem. Desde os anos 1990, temos visto muitas mudanças importantes com a expan-
são da internet e a evolução das tecnologias digitais. Assim, George Siemens (2005) e
Stephen Downes (2010) propuseram o conectivismo como uma nova forma de conce-
ber a aprendizagem, buscando explicar como as tecnologias da Internet criaram novas
oportunidades para as pessoas aprenderem e compartilharem informações na World
Wide Web e entre si. Essas tecnologias incluem navegadores da Web, e-mail, wikis,
fóruns de discussão online, redes sociais, YouTube e qualquer outra ferramenta que
permita aos usuários aprenderem e compartilharem informações com outras pessoas.

Uma característica fundamental do conectivismo é a de que muita aprendizagem


pode acontecer em redes de pares que ocorrem online. Na aprendizagem conecti-
vista, um professor orienta os alunos quanto às informações e responde a pergun-
tas-chave conforme necessário, a fim de apoiar os alunos na aprendizagem e no
compartilhamento por conta própria. Os alunos também são incentivados a buscar
informações por conta própria, online, e expressar o que encontram. Além disso,
a interação propiciada pela internet permite uma modalidade de ensino a distância
mais dinâmica, que investe em novas formas de aquisição de conhecimento. Elas
ultrapassam a relação professor e aluno, e se estabelecem também na troca de ex-
periências e aprendizado colaborativo, princípios fundamentais para a premissa da
aprendizagem ao longo da vida em um mundo cada vez mais VUCA.

22
Em Síntese
No século XXI, coexistem facilidades e dificuldades para a aprendizagem. Se por um lado
temos muitos recursos tecnológicos e abundante acesso a informações, por outro lado nem
sempre podemos confiar nessas informações e elas se modificam o tempo todo. As teorias
contemporâneas da aprendizagem não são tão delimitadas quanto no século XX, elas fo-
cam em aspectos fundamentais para a aprendizagem, como a necessidade de que se
entenda a aprendizagem ao longo da vida e não apenas os aspectos cognitivos inerentes
a essa aprendizagem.
Nesse sentido, o resgate dos aspectos socioemocionais é importante e ganha contor-
nos adicionais com as possibilidades de aprendizagem em comunidades, em redes na
internet. É fundamental que ao pensarmos em aprendizagem no século XXI pensemos
também em como está o nosso contexto, quais são as habilidades necessárias para viver
nesse momento histórico e o que será necessário para o futuro.

23
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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Tempos líquidos
BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2007.
A teoria da aprendizagem experiencial como alicerce de estudos sobre desenvolvimento profissional
PIMENTEL, A. A teoria da aprendizagem experiencial como alicerce de estudos
sobre desenvolvimento profissional. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 12, n. 2, p.
159-168, Ago. 2007.
Como aprende o nativo digital: reflexões sob a luz do conectivismo
SILVA, E. M. O. Como aprende o nativo digital: reflexões sob a luz do conectivismo.
Revista intersaberes, v. 9, n. 17, p. 68-80, 2014.
Uma análise das duas revoluções cognitivas
VASCONCELLOS, S. J. L.; VASCONCELLOS, C. T. de D. V. Uma análise das duas
revoluções cognitivas. Psicol. estud., Maringá, v. 12, n. 2, p. 385-391, Ago. 2007.

Filmes
O Substituto (Detachment)
Apesar do dom de se apegar aos alunos, Henry escolhe ser professor substituto
para manter distância, mas essa barreira fica prestes a ser rompida ao começar a
trabalhar numa problemática escola pública. Ano: 2011. Direção: Tony Kaye.
https://youtu.be/s8AXzFF-bgs

24
Referências
BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2007.

BIDARRA, I. D. G. da S. A transformação digital do ensino e aprendizagem: de-


safios para uma nova morfologia da escola. Tese de Doutoramento em Ciências
da Educação. Universidade Católica Portuguesa. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/10400.14/28068>.

BOROCHOVICIUS, E.; TORTELLA, J. C. B. Aprendizagem Baseada em Proble-


mas: um método de ensino-aprendizagem e suas práticas educativas. Ensaio: aval.
pol.públ.Educ., Rio de Janeiro , v. 22, n. 83, p. 263-294, 2014.

COLAGROSSI, A. L. R.; VASSIMON, G. A aprendizagem socioemocional pode


transformar a educação infantil no Brasil. Revista Construção Psicopedagógica,
25 (26): 17-23, 2017.

COLLABORATIVE FOR ACADEMIC, SOCIAL, AND EMOTIONAL LEARNING


(CASEL). (2005). Safe and sound: An educational leader´s guide to evidence-based
social and emotional learning programs – Illinois edition, 2005.

COSTA, A.; FARIA, L. Aprendizagem social e emocional: Reflexões sobre a teoria


e a prática na escola portuguesa. Aná. Psicológica, Lisboa, v. 31, n. 4, p. 407-424,
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DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO


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DOWNES, S. New technology supporting informal learning. Journal of Emerging


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ELKJAER, B. Pragmatismo: uma teoria da aprendizagem para o futuro. In: ILLERIS, K.


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ERIKSON, E. H. O ciclo da vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. 82. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

KNOWLES, M. S. The modern practice of adult education: andragogy versus


pedagogy. New York: Association Press, 1970.

KOLB, D. A. (1984). Experiential learning: Experience as the source of learning


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LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da Aprendizagem: O que o professor disse. São


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handbook of lifelong learning. Oxford: Oxford University Press, 2011.

25
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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

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PRENSKY, M. Digital Native, digital immmigrants. Digital Native immigrants.


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Journal of Instructional Technology and Distance Learning, 2(1), 3-10, 2005.

VASCONCELLOS, S. J. L.; VASCONCELLOS, C. T. de D. V.. Uma análise das duas


revoluções cognitivas. Psicol. estud., Maringá , v. 12, n. 2, p. 385-391, Aug. 2007.

WHITE, R. W. Motivation reconsidered: the concept of competence. Psychological


Review, 66(5), 297-333, 1959.

26
Teorias da
Aprendizagem
Teorias Clássicas da Aprendizagem

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Teorias Clássicas da Aprendizagem

• O Estudo Científico da Aprendizagem;


• Behaviorismo;
• Cognitivismo;
• Construtivismo;
• Humanismo.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Apresentar e discutir as principais teorias clássicas sobre a aprendizagem humana, com
ênfase nas abordagens comportamentalista, cognitivista, construtivista e humanista.
UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

O Estudo Científico da Aprendizagem


Desde os gregos antigos, muitos pensadores e filósofos demonstraram interesse
em compreender como o ser humano adquire conhecimentos, isto é, como aprende
sobre o mundo ao seu redor. No século XIX, esse interesse passou a ser objeto de
estudos científicos da nova ciência denominada Psicologia. Desde então, várias teo-
rias foram elaboradas e estudadas e possibilitaram entender os aspectos biopsicos-
sociais da aprendizagem como um agente propulsor do desenvolvimento humano.
Nosso foco, nesta Unidade, será entender quatro conjuntos principais de teorias:
a abordagem comportamentalista, a abordagem construtivista, a abordagem
cognitivista e a abordagem humanista. Essas não são as únicas abordagens teóri-
cas da aprendizagem desenvolvidas no século XX, mas são as mais proeminentes e
que influenciam psicólogos e educadores até os dias atuais. Poderíamos discutir tam-
bém outras abordagens da aprendizagem como as abordagens psicanalíticas, feno-
menológicas ou da Gestalt, mas como o foco dessas abordagens não é a aprendiza-
gem, optamos por explorar aqui apenas as teorias que predominantemente estudam
as diferentes formas de aprender (LEFRANÇOIS, 2019).

Conheça mais sobre as abordagens discutidas aqui e outras lendo o livro de CARRARA, K. (org.).
Introdução à psicologia da educação: seis abordagens. São Paulo: Editora Avercamp, 2004.

É importante ressaltar que a ordem de apresentação das abordagens teóricas aqui


não será cronológica. Essa escolha é intencional, para mostrar que essas teorias são,
muitas vezes, contemporâneas e coexistem até os dias atuais. Algumas vezes, você
verá que teorias foram formuladas em oposição a outras predominantes, ou surgiram
a partir da evolução natural da própria abordagem em face de novas evidências pro-
venientes dos estudos realizados. Assim, mesmo dentro de uma abordagem teórica
também existem divergências e proposições distintas, assim, é importante entender
que existem fundamentos epistemológicos semelhantes que nos permitem considerar
essas teorias dentro de um mesmo enfoque ou abordagem. Alguns teóricos também
poderiam ser enquadrados em mais de uma abordagem, como veremos adiante.

Epistemologia é um ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento científico. Podemos


dizer que trata do estudo metódico, reflexivo e crítico dos princípios, das hipóteses e dos re-
sultados das diversas ciências. A finalidade da Epistemologia é determinar os fundamentos
lógicos, o valor e a importância objetiva do método científico e de seus resultados.

Antes de discutirmos especificamente as teorias clássicas em psicologia da apren-


dizagem, vamos fazer apenas um breve resgate histórico, entendendo duas posi-
ções filosóficas bastante importantes que também dizem respeito à aprendizagem:
o racionalismo e o empirismo. Dentre todos os filósofos gregos, talvez os mais
conhecidos sejam Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.), Platão (428 a.C. – 348 a.C.)
e Aristóteles (385 a.C. – 323 a.C.). Sócrates teria sido professor de Platão que,

8
por sua vez, foi o professor de Aristóteles. Não iremos discutir aqui em profundidade
suas ideias, proposições, convergências e divergências, mas apenas apresentar duas
formas distintas de pensar a aprendizagem que influenciaram e, podemos dizer que,
ainda influenciam a Filosofia e a própria Psicologia.

Figura 1 – Sócrates Figura 2 – Platão Figura 3 – Aristóteles


Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons

Sócrates e Platão acreditavam que nós já nascemos com todo o conhecimento,


mas não temos acesso a ele de imediato. Para acessá-lo é preciso refletir intencional-
mente e buscar despertar esse conhecimento inato. Para isso, Sócrates desenvolveu
o método denominado de maiêutica, que consiste em realizar múltiplas perguntas,
induzindo o interlocutor na descoberta de suas próprias verdades e na conceituação
geral de um objeto do conhecimento.
Platão sistematizou as ideias de Sócrates e organizou um sistema educacional ba-
seado nessas duas doutrinas filosóficas: o inatismo e o racionalismo. O inatismo diz
respeito ao conhecimento que já nasce conosco e precisa ser revelado/recuperado, e
o racionalismo se refere à ideia de que podemos descobrir esse conhecimento inato
por meio da nossa reflexão deliberada. Nessa perspectiva, o professor não é aquele
que detém todo o saber, mas o que possibilita que os alunos questionem a si mesmos
e aprendam refletindo sobre seus próprios conhecimentos (DUMARD, 2015).
Aristóteles, por sua vez, pensava diferente de Platão e Sócrates. Ele acreditava
que nós não nascemos com conhecimento algum, tudo o que conhecemos é fruto
de nossas experiências, que nos chegam pelos órgãos de sentido. Essa doutrina de
Aristóteles ficou conhecida como empirismo, em que empiria significa que o conhe-
cimento é obtido exclusivamente com base na experiência direta, na observação do
mundo real. Aristóteles documentou e diferenciou dois métodos para se obter os
conhecimentos, isto é, aprender: o método dedutivo e o método indutivo.

• Método dedutivo ou raciocínio dedutivo: processo de análise e obtenção de conheci-


mento, que parte de uma premissa geral para uma específica, por meio da reflexão sobre o
que já se conhece. O que se sabe de novo já estava no conhecimento anterior.
• Método indutivo ou raciocínio indutivo: processo de obtenção de conhecimentos por
meio da observação empírica, da testagem e repetição de casos. O que se sabe de novo é
trazido pela observação da realidade.

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Aristóteles continuou a influenciar diversos pensadores ao longo da história. Não


é nosso objetivo explorar todos aqui, mas é recomendável que você procure co-
nhecer mais sobre as ideias de pensadores como Santo Agostinho, São Tomás de
Aquino; e na era Moderna, Francis Bacon, Galileu Galilei, René Descartes e John
Locke. Esses pensadores foram fundamentais para o desenvolvimento das Ciências a
partir da Revolução Científica iniciada no século XVI. Assim, as Ciências passaram a
valorizar cada vez mais o método indutivo e a necessidade da experimentação como
mediadora e classificadora da experiência vivida (DUMARD, 2015).

Um livro com linguagem acessível e que apresenta de modo simplificado essas bases filo-
sóficas, bem como as demais abordagens e teóricos estudados nesse curso é de SCHULTZ,
D. P.; SCHULTZ, S.E. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2019.

Retomando nossa discussão sobre o racionalismo e o empirismo, podemos dizer


que os racionalistas defendiam que o conhecimento verdadeiro se dá pelo raciocínio
lógico, enquanto os empiristas defendiam que na realidade todo conhecimento se dá
pela experiência e observação direta da realidade. Na Idade Moderna, o filósofo fran-
cês René Descartes (1596-1650) foi o principal defensor do racionalismo, enquanto
o filósofo inglês John Locke (1632-1704) o principal defensor das ideias empiristas.
No século XIX, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) sintetizou dialetica-
mente essas proposições antagônicas, criando uma nova visão que integra os principais
postulados do empirismo e do racionalismo. Assim, a maioria dos psicólogos atualmen-
te, concordam com Kant, e consideram que não se pode fazer uma teoria sem a refle-
xão lógica por um lado e a experimentação direta pelo outro (STERNBERG, 2010).

Figura 4 – René Descartes Figura 5 – John Locke Figura 6 – Immanuel Kant


Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons

Essas discussões filosóficas foram fundamentais para que as ciências se desenvol-


vessem, em especial com base na experimentação. Foi assim que, no século XIX, a
Fisiologia, por exemplo, como a ciência que estuda as funções e o funcionamento
dos seres vivos, ganhou cada vez mais importância por seus estudos com base na ex-
perimentação e no método científico. A Psicologia, por sua vez, ainda era um ramo
da Filosofia, e só em 1879 se tornou uma disciplina científica, com a criação do

10
primeiro laboratório de psicologia experimental em Leipzig, na Alemanha. Wilhelm
Wundt (1832-1920), o fundador da Psicologia Científica, dominava os dois campos
do conhecimento, Filosofia e Fisiologia, e ao criar o laboratório, deu as bases para
que a Psicologia pudesse definir seu objeto de estudos e métodos de investigação.

Figura 7 – Wilhelm Wundt


Fonte: Wikimedia Commons

A aprendizagem não foi inicialmente objeto de estudos da Psicologia Científica.


Wundt considerava a experiência consciente imediata como objeto de estudos da Psi-
cologia, focando nas pesquisas sobre a sensação e a percepção, conteúdos mentais
básicos da experiência imediata. Ele acreditava que fenômenos complexos como a
aprendizagem, a linguagem, a religião e os costumes não poderiam ser estudados
em laboratório, mas sim por meio de observações naturalísticas mais amplas. Por
isso, Wundt diferenciou duas áreas distintas da Psicologia: a Psicologia Experimental
e a Psicologia Cultural.

• Psicologia Experimental: estudo dos processos mentais básicos como a sensação e per-
cepção em laboratório, usando para a isso a introspecção, que é a reflexão sistemática
sobre os próprios processos mentais.
• Psicologia Cultural: estudos sobre fenômenos complexos como a aprendizagem, a lingua-
gem e as relações sociais, que se dariam por meio de observações naturalísticas, isto é, em
situações reais, como observando crianças aprendendo na escola.

Um contemporâneo e conterrâneo de Wundt discordou de suas ideias e decidiu


investigar a aprendizagem em um laboratório improvisado criado em sua própria
casa. Desse modo, Hermann Ebbinghaus (1850-1909) talvez tenha sido o pri-
meiro a explorar cientificamente a aprendizagem e a memória. Ele foi o primeiro

11
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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

pesquisador a estudar de modo sistemático os princípios do associacionismo, uma


corrente filosófica derivada do empirismo inglês que propunha a ideia de que a men-
te humana forma conexões e associações de ideias com origem nas experiências
trazidas pelos órgãos de sentido. Os associacionistas propunham estudar como as
ideias e eventos podem se associar na mente para propiciar a aprendizagem. Eles
descreveram alguns princípios de aprendizagem importantes como:
• Contiguidade: tendemos a associar as informações que ocorrem juntas ou quase
ao mesmo tempo;
• Similaridade: tendemos a associar assuntos com traços ou proprieda-
des semelhantes;
• Contraste: tendemos a associar assuntos que parecem apresentar polaridades
como quente/frio, claro/escuro, dia/noite.

Figura 8 – Hermann Ebbinghaus


Fonte: Wikimedia Commons

Ebbinghaus estudou experimentalmente seus próprios processos mentais envolvi-


dos na aprendizagem e memorização. Ele contou seus próprios erros e registrou suas
respostas diante da situação de aprender várias listas de palavras com características
diferentes. Assim descobriu, dentre outras coisas, o importante papel da repetição
consciente do material a ser aprendido. Ele concluiu que a repetição ajuda a fixar as
associações mentais de maneira mais consciente na memória, auxiliando a aprendi-
zagem (STERNBERG, 2010).

Os associacionistas foram os primeiros psicólogos a estudar cientificamente a


aprendizagem. Os trabalhos de Ebbinghaus e de outros associacionistas influencia-
ram e continuam influenciando diversos psicólogos, em especial, destacaremos a sua
sucessora direta, que é a abordagem comportamentalista da aprendizagem.

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Behaviorismo
O Behaviorismo ou Comportamentalismo é uma perspectiva sobre a aprendiza-
gem que se concentra nas mudanças que ocorrem nos comportamentos observáveis
dos indivíduos, isto é, mudanças no que as pessoas dizem ou fazem. Os behavioristas
descrevem a aprendizagem em termos daquilo que se pode efetivamente observar, e
não no que se passa em nossas mentes, como pensamentos. Não significa que eles
ignorem completamente a existência dos processos mentais, mas sim que eles não
consideram que esses sejam fundamentais para explicar como as pessoas aprendem
ou se comportam (LEFRANÇOIS, 2019).

Alternativamente, os behavioristas procuram explicar a aprendizagem em


termos do comportamento observável, procurando entender as contingências en-
volvidas nesse processo, ou seja, como as condições sob as quais um comporta-
mento é emitido e como as consequências desse comportamento podem reforçá-lo
ou extingui-lo. Por exemplo, um aluno faz toda a lição de casa e, por isso, ganha
um elogio da professora. Essa consequência (elogio) do comportamento (fazer a
lição de casa) reforçará a probabilidade de que o aluno faça novamente a lição de
casa no futuro.

Behavior ou Behaviour significa comportamento em inglês, daí o neologismo behaviorismo


para se referir à abordagem comportamentalista que em inglês é conhecida como Behaviorism.

Durante pelo menos a primeira metade do século XX, essa foi a principal abor-
dagem da Psicologia nos EUA. No Brasil, essa também foi uma visão importante,
embora tenha perdido muito espaço na década de 1980, com o avanço de abor-
dagens construtivistas e cognitivistas, como veremos mais adiante. Embora exis-
tam muitos teóricos behavioristas, daremos destaque aqui para as contribuições
de John B. Watson, Ivan Pavlov, Edward L. Thorndike e B. F. Skinner. Pavlov e
Thorndike na verdade eram associacionistas, mas normalmente são apresentados
como behavioristas por sua contribuição ao surgimento dessa abordagem.

O psicólogo norte-americano John B. Watson (1878-1958) é considerado o pai


do behaviorismo. Ao denominar de Behaviorismo esse movimento, Watson estava
enfatizando que o único interesse da Psicologia deveria ser pelo comportamento
(behavior), e não pela experiência consciente, como vários psicólogos faziam, se-
guindo ou adaptando a proposta de Wundt. Watson defendia que a Psicologia de-
veria estudar o comportamento dos homens tão objetivamente quanto se estuda o
funcionamento das máquinas. Watson era um empirista e acreditava que nós não
nascemos com quaisquer capacidades, traços ou predisposições mentais, tudo o que
herdamos é nosso corpo e alguns reflexos, como o reflexo de sucção ou o reflexo
patelar; as diferenças quanto à capacidade e personalidade são simplesmente diferen-
ças no comportamento aprendido (HILL, 1981).

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Figura 9 – John B. Watson


Fonte: Wikimedia Commons

Watson pautou suas ideias sobre aprendizagem nas pesquisas do fisiologista russo
Ivan Pavlov (1849-1936). Pavlov foi responsável pela chamada “Teoria do Reflexo”,
que foi formulada com base em seus estudos sobre a fisiologia do sistema gastroin-
testinal de cães. Em uma série de experimentos, Pavlov demonstrou que cães na-
turalmente salivam diante de comida, mas se a visão da comida for emparelhada
com a apresentação de um estímulo sonoro repetidas vezes, apenas ouvir o som
já passará a eliciar a resposta de salivação nos cães. Assim, Pavlov teorizou que se
houver o emparelhamento/associação de um Estímulo Incondicionado (EI – ver a
comida) e de um Estímulo Neutro não Condicionado (ENC – ouvir o som), repetidas
vezes, o comportamento reflexo (salivar) será eliciado com a apresentação apenas
do estímulo neutro – que então passará a ser chamado de Estímulo Condicionado
(EC). O comportamento reflexo em questão passa a chamar-se resposta ou Reflexo
Condicionado (RC). A esse procedimento de aprendizagem se dá o nome de con-
dicionamento clássico, condicionamento respondente, ou ainda aprendizagem
por substituição de estímulo (LEFRANÇOIS, 2019).

Figura 10 – Ivan Pavlov


Fonte: Wikimedia Commons

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A aprendizagem para Watson é baseada no modelo de Pavlov de condicionamento
clássico. Para ele, os homens nascem com um certo número de reflexos, como rea-
ções físicas e glandulares. Cada um desses reflexos é provocado por um estímulo,
por exemplo, ver comida e salivar, ou ser acariciado e ter sentimento de amor.
Assim, por meio do condicionamento clássico esses reflexos primários podem se tor-
nar complexos, como andar, falar, apaixonar-se, como o resultado de longas cadeias
de sequenciamento e articulação de reflexos básicos. Assim, toda aprendizagem tem
a ver com respostas que são selecionadas e encadeadas. Quanto mais complexa a
aprendizagem, maior o número de sequências de estímulo-resposta necessários.

Outro psicólogo muito importante para o behaviorismo foi Edward L. Thorndike


(1874-1949). Além de ser considerado o pai da Psicologia Educacional, Thorndike
também é considerado um dos pais do behaviorismo juntamente com Watson, por
seus trabalhos sobre a aprendizagem. Thorndike era, na realidade, um associacio-
nista como Ebbinghaus, assim suas proposições também são frequentemente deno-
minadas como associacionismo ou conexionismo, embora seja importante diferir
a sua ideia de conexionismo das propostas mais recentes em Psicologia Cognitiva e
dos Modelos de Redes Neurais, como veremos na próxima unidade.

Figura 11 – Edward L. Thorndike


Fonte: Wikimedia Commons

Thorndike acreditava que a “satisfação” era a chave para a formação de associações.


Em 1905, ele denominou de “Lei do Efeito” o fato de que um estímulo tenderá a produ-
zir uma determina resposta ao longo do tempo se o organismo for recompensando por
essa resposta e se isso gerar satisfação. Em outras palavras, o que ele propôs foi que se
o comportamento é seguido por uma recompensa, o organismo aprende a responder
(o efeito) dessa determinada maneira. A satisfação é, portanto, um reforçador daquele
comportamento esperado. Na Unidade anterior, falamos sobre um exemplo hipotético
de um pesquisador que queria usar chocolates para melhorar a aprendizagem. Aqui es-
tamos vendo como uma teoria poderia influenciar na criação dessa hipótese.

Thorndike foi o primeiro a estudar a aprendizagem por ensaio e erro. Em suas


pesquisas, ele criou uma espécie de “caixa problema” na qual colocava gatos que
tinham que executar alguns passos para escapar da caixa. Ele observou que os

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

gatos faziam várias alternativas e modificavam suas novas respostas em virtude dos
erros. Isso foi crucial para o avanço no entendimento sobre a aprendizagem, que
até então era vista como se a resolução de problemas fosse resultado unicamente
por um insight que fazia com que o problema fosse resolvido de uma única vez, ao
invés de uma solução gradual, como na aprendizagem por tentativa e erro. Thorn-
dike identificou que a aprendizagem por tentativa e erro é um método básico de
aprendizagem usado por, essencialmente, todos os organismos para aprender novos
comportamentos ou resolver problemas (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Insight: é um termo em inglês usado inicialmente pela Psicologia da Gestalt para se referir ao
momento em que uma pessoa compreende algo de forma súbita, ou que consegue encontrar
a solução de um problema ou situação complicada. Seria um equivalente do termo epifania.

A teoria de aprendizagem de Thorndike introduz a estrutura da psicologia compor-


tamental: a aprendizagem é o resultado da associação entre estímulos (S) e respostas
(R), portanto S-R. Essas associações entre estímulos e respostas são fortalecidas ou
enfraquecidas pela natureza e frequência dos pares S-R. Os estudos de Thorndike,
contudo, eram sobre respostas voluntárias (ainda que não conscientes) dos animais, en-
quanto Watson focava mais na aprendizagem involuntária, como no caso dos estudos
com cães de Pavlov, estudando, por exemplo, a aprendizagem das respostas de medo.

As maiores contribuições ao behaviorismo, contudo, foram dadas por Burrhus


Frederic Skinner (1904-1990), mais conhecido como B.F. Skinner. Skinner reco-
nhecia o condicionamento respondente como uma forma de aprendizagem, e identi-
ficou outro tipo de condicionamento que era mais frequente entre humanos, o con-
dicionamento operante. O termo “operante” se refere ao fato de que o indivíduo
aprende com as consequências de “operar” sobre o ambiente.

Figura 12 – Burrhus Frederic Skinner


Fonte: Wikimedia Commons

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Skinner trabalhou principalmente com ratos e pombos, usando um procedimento
semelhante a caixa de gatos de Thorndike, que alterada por ele, ficou conhecida
como “Caixa de Skinner”. Nesses experimentos, ratos ou pombos eram primei-
ramente privados de água ou comida e colocados em uma caixa especial na qual
conseguiam o alimento ou água se realizassem pequenas tarefas, como pressionar
botões ou alavancas. Skinner considerava que os princípios obtidos com essas pes-
quisas com animais também se aplicavam a seres humanos, o que foi demonstrado
posteriormente por inúmeras outras pesquisas (SKINNER, 2003).
Dentre esses princípios, ele descobriu que um organismo terá a tendência de
repetir uma resposta que foi reforçada e irá suprimir uma resposta que foi punida.
Dessa forma, Skinner avança os modelos behavioristas anteriores propondo um mo-
delo de tríplice contingência, ou seja, como S-R-C (estímulo-resposta-consequên-
cia). Um determinado estímulo é seguido por uma resposta do organismo e a conse-
quência dessa resposta pode influenciar para que a resposta volte a acontecer, ou seja
eliminada nas próximas vezes. Em outras palavras, todo comportamento aumenta
ou diminui de frequência em virtude das consequências que a seguem (MOREIRA;
MEDEIROS, 2007), uma ampliação da Lei do Efeito de Thorndike.
Para Skinner, as consequências dos comportamentos podem ser classificadas como
reforço ou punição. Quando as consequências aumentam a probabilidade de que o
comportamento se repita, são chamados de reforços. Quando a consequência diminui
a probabilidade de que o comportamento se repita, então chamamos de punição. É
importante que entendamos que o que é reforço ou punição dependerá muitas vezes
da pessoa, pois o que é reforçador para um pode ser punição para o outro (SKINNER,
2003). Uma pessoa pode adorar chocolates, que será um reforçador para ela, enquan-
to outra pode detestar, e assim o chocolate funcionará como punição.
Para Skinner, novos comportamentos normalmente são aprendidos por um pro-
cedimento denominado de modelagem ou aprendizagem por aproximações su-
cessivas. Nesse procedimento, a pessoa que está ensinando deve reforçar as respos-
tas parecidas com a resposta final gradualmente, até que se chegue cada vez mais
próximo da resposta final esperada. Uma professora, por exemplo, pode elogiar as
primeiras tentativas de escrita de uma criança, e, aos poucos, ir apresentando como
se deve escrever convencionalmente, até que a criança chegue no comportamento
final de escrever de forma autônoma e convencional.
Alguns efeitos importantes da aprendizagem são descritos por Skinner (2003), como
a generalização, onde um comportamento aprendido para uma situação é transferido
para outras situações. Por exemplo, a criança pode aprender a chamar um animal de
quatro patas que late de cachorro, e daí generalizar isso para todos os animais de quatro
patas, incluindo gatos. Até que ela aprenda a discriminação, ou seja, determinar quando
é apropriado ou não um determinado comportamento, por exemplo, diferenciar gatos
de cachorros. Por fim, há também a extinção, quando um comportamento deixa de ser
reforçado e por conseguinte passa a não ser mais emitido, sendo esquecido.

Skinner também propôs mudanças no processo de ensino, uma vez que para ele o
professor sozinho não teria condições para dar reforços a todos os alunos ao mesmo

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

tempo. A solução encontrada por ele foi criar o que denominou de “máquinas de
ensinar”, que eram instrumentos mecânicos capazes de cumprir essa função de re-
forços graduais, para auxiliar ao professor. Nessas máquinas, os alunos respondem
a uma questão ou problema, e se a resposta for correta recebem reforço imediato e
passam para a próxima questão. Do contrário, não recebem reforço e podem tentar
novamente. O reforço poderia ser algo como um som ou pontuação. (SKINNER,
1972). Podemos considerar que as máquinas de ensinar foram as primeiras tentativas
do uso de computadores na Educação. Além disso, as ideias de Skinner ainda hoje
são utilizadas na construção de muitos softwares e jogos educacionais.

Assista ao vídeo “Coleção Grandes Educadores – Skinner e a Análise do Comporta-


mento” para entender melhor sobre a teoria e suas principais contribuições.
Disponível em: https://youtu.be/0Hn9dN1_W4U

No limiar com a abordagem cognitivista, mas derivando principalmente dos tra-


balhos behavioristas, temos também a teoria da aprendizagem social, de Albert
Bandura (nascido em 1925). A teoria de Bandura é uma proposta mais recente do
que os trabalhos de Watson e Skinner, desenvolvida desde os anos 1960, portanto, já
assimilando conhecimentos da abordagem cognitivista. A premissa de Bandura é que
os condicionamentos clássicos e operantes não são suficientes para explicar toda a
aprendizagem. Ele enfatiza que boa parte daquilo que aprendemos se dá, na realidade,
pelo que se denomina de aprendizagem vicariante, aprendizagem por imitação, ou
aprendizagem observacional. Essa proposta enfatiza a importância do aspecto social
da aprendizagem e da observação do outro. Ao ver alguém fazendo algo, nós podemos
aprender com essa observação, sem que tenhamos a necessidade de passarmos, nós
mesmos, pelas mesmas etapas (SALDAÑA; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2002).

Figura 13 – Albert Bandura


Fonte: Wikimedia Commons

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Segundo Bandura, a aprendizagem por imitação ocorre quando as pessoas olham
e prestam atenção no que uma pessoa (modelo) faz, para então se lembrar do que o
modelo fez e por fim transformar essa aprendizagem em ação, podendo reproduzir
o mesmo comportamento. Pensando na escola, podemos notar vários exemplos de
aprendizagem vicária, como o fato de adolescentes começarem a se comportar de
modo semelhante, ou mesmo as crianças que imitam o jeito de seus pares ou adultos
próximos ao andar e falar.
A teoria da aprendizagem social é muito influente na psicologia clínica e no desen-
volvimento de métodos de ensino de habilidades sociais, e, transposta para a educação,
faz com que nós reconheçamos a importância das aprendizagens indiretas ou implícitas
que ocorrem o tempo todo na escola e fora dela. As crianças aprendem muito mais do
que o conteúdo formal ao qual são ensinadas, elas aprendem a postura e o interesse do
professor que ensina, aprendem com seus colegas e aprendem coisas que nem sempre
são explicitadas ou passíveis de serem avaliadas, como emoções, valores e crenças. Além
disso, Bandura mostrou que nem sempre a pessoa necessita ser reforçada ou punida
para aprender, aprende-se mesmo “sem querer”, e aprende-se por automotivação, por
exemplo, quando se quer muito fazer algo e se observa atentamente para aprender.

A teoria da aprendizagem social ajuda a entender não apenas sobre como as


pessoas aprendem destrezas e habilidades, mas também como transmitem, na socie-
dade, as atitudes, valores e ideias. Uma última característica importante da teoria de
Bandura é a distinção entre expectativa de resultado e auto-eficácia. A expectativa
de resultado diz respeito ao julgamento sobre as consequências para determinado
desempenho, o que pode facilitar a seleção de comportamentos do repertório, ou
a decisão entre emitir ou não certos comportamentos em relação a demandas do
ambiente (ex.: João imagina as consequências de faltar a uma festa e por isso deci-
de se vai ou não). Já a auto-eficácia se refere ao julgamento que a pessoa faz sobre
a sua própria capacidade de emitir um certo padrão de comportamento. Crianças
com baixa auto-eficácia acreditam que não conseguem realizar certas coisas e,
portanto, não tentam, o que reforça sua auto-crença e, por conseguinte, a sua difi-
culdade (SALDAÑA; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2002).

Cognitivismo
O Cognitivismo se caracteriza principalmente por ser a abordagem do processa-
mento da informação, partindo da premissa de que a mente humana funciona como
um computador que processa e transforma os estímulos ambientais que nos chegam
por meio dos órgãos de sentido. Os psicólogos cognitivos estão preocupados com
os processos mentais superiores, e não apenas com o comportamento observável,
como os behavioristas. Eles discutem a importância da aprendizagem como proces-
so de aquisição de conhecimentos e a necessidade de aprender a aprender, isto é,
de ter controle intencional sobre os próprios processos de aprendizagem. Os profes-
sores, nessa perspectiva, podem dar aos alunos a oportunidade de fazer perguntas,
refletir, falhar e pensar em voz alta. Essas estratégias podem ajudar os alunos a

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

entenderem como seu processo de pensamento funciona e usarem esse conheci-


mento para construirem melhores oportunidades de aprendizagem.
Existem muitas teorias diferentes que se propõem a investigar como a cognição
influencia nosso comportamento. Desde os gregos antigos, muitos pensadores se
ocuparam de estudar o desenvolvimento da cognição, ou seja, da nossa forma de
pensar e obter conhecimentos, e como nossa atividade mental influencia os compor-
tamentos. Embora todos esses pensadores estivessem adotando um referencial cog-
nitivista, nós estamos focando aqui na perspectiva cognitiva que deriva da Psicologia
Cognitiva, criada nos EUA, nos anos 1950.
Como já discutimos anteriormente, a perspectiva behaviorista dominou a Psico-
logia norte-americana até meados dos anos 1950, fazendo com que houvesse uma
profunda rejeição aos termos mentalistas (ex.: pensar, imaginar, mente, cognição), que
eram na realidade a base de toda a Psicologia em sua origem. Embora o behaviorismo
fosse predominante, muitos psicólogos eram contrários as suas restrições, principal-
mente pela identificação de limites nas explicações sobre como as pessoas aprendem
sem estudar o que acontece em nossas mentes.
Além disso, esses psicólogos estavam influenciados pelos estudos de Piaget
sobre o desenvolvimento cognitivo que aconteciam na Europa, bem como a Psico-
logia da Gestalt e a Psicobiologia do Cérebro, que mostravam a importância dos
processos mentais, da consciência e do cérebro como organizador ativo de todo
nosso comportamento. Esses fatores foram se intensificando em um movimento
que se consolidou em 1956, em um evento realizado no Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT), nos EUA. Depois desse evento, vários psicólogos norte-
-americanos passaram a reintroduzir nas pesquisas as discussões sobre a cogni-
ção, entendida aqui como os produtos e processos envolvidos na aquisição de
conhecimentos (STERNBERG, 2000).
É importante ressaltar que a abordagem cognitiva é atualmente muito utilizada in-
ternacionalmente, principalmente por sua estreita relação com as Neurociências e por
integrar a Ciência Cognitiva. Contudo, podemos notar diferenças importantes entre os
modelos adotados entre os anos 1950 e 1980, focados na mente como processador de
informações, e os modelos que foram desenvolvidos a partir dos anos 1980, focados
no processamento paralelo e distribuído, como veremos na próxima unidade.
Para os cognitivistas, a mente é como um computador, ou seja, um processador
de informações. Por esta razão, essa abordagem é também denominada de abor-
dagem do processamento de informações, modelo simbólico, ou do processa-
mento serial (LEFRANÇOIS, 2019). Nessa primeira fase da Psicologia Cognitiva
(1950-1980), entendia-se o processamento cognitivo de forma mais serial como os
computadores, ou seja, tudo que é aprendido segue um processamento como em
uma linha de produção; desde que a informação chega por meio dos nossos órgãos
sensoriais, ela passa a ser dividida e analisada por múltiplos processadores em nossa
mente até que seja compreendida e armazenada em nossa memória.
Atualmente, existem outras perspectivas dentro da Psicologia Cognitiva, como o
conexionismo (diferente da proposta de Thorndike), que incorpora as evidências de

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neurociências e adota o termo conexionismo, em alusão às conexões entre os neurô-
nios (sinapses) que são responsáveis pelo processamento de todas as informações no
cérebro. Dessa forma, o processamento cognitivo ocorre sempre de forma paralela
e distribuída, não linear e sequencial como se pensava antes. Ou seja, as informa-
ções que chegam aos nossos órgãos sensoriais não são tratadas em uma linha de
produção como se pensava, mas sim de forma dividida (compartilhada) entre vários
neurônios que trabalham todos ao mesmo tempo.

Dentre as principais contribuições dos cognitivistas para o estudo da aprendiza-


gem e do ensino estão o entendimento sobre os mecanismos cerebrais e processos
cognitivos envolvidos nesses processos. Muitos psicólogos cognitivos têm demons-
trado como a aprendizagem é um processo cognitivo que permite orquestrar, isto
é, organizar os demais processos como memória, atenção, linguagem, percepção,
raciocínio para processar as informações, resolver problemas e adquirir conhecimen-
tos. Esses conhecimentos têm sido cruciais para a melhoria das práticas de ensino
(STERNBERG, 2010).

Uma das teorias cognitivas mais importantes sobre a aprendizagem é a do psicó-


logo David Ausubel (1918-2008). Ausubel tinha muito interesse em construir uma
teoria de ensino que pudesse auxiliar os professores a melhorar o seu desempenho e a
aprendizagem dos alunos em sala de aula (RONCA, 1994). Um dos recursos pedagógi-
cos mais conhecidos da proposta de Ausubel são os mapas conceituais, que são dia-
gramas hierarquizados que procuram refletir a organização de uma disciplina ou parte
dela (RONCA, 1994). Mapas conceituais permitem identificar os conceitos básicos de
uma disciplina e as relações e influências desses conceitos em um quadro mais amplo.

Figura 14 – David Ausubel


Fonte: novaescola.org.br

A teoria de Ausubel parte do conjunto de conhecimentos que o aluno já traz


consigo, a que ele denomina de estrutura cognitiva, e que seria o ponto central

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

e mais importante que os professores deveriam levar em consideração nas suas


práticas educativas. O conteúdo que é assimilado pela estrutura cognitiva tem
uma forma hierárquica, onde conceitos mais amplos se superpõem a conceitos
com menor poder de extensão. Assim, quando os professores ensinam, eles pos-
sibilitam que conceitos mais complexos sejam incorporados à estrutura cognitiva
das crianças (RONCA, 1994).

Dessa forma, chegamos à ideia central da teoria de Ausubel, que é a diferen-


ciação entre aprendizagem significativa e aprendizagem mecânica. Para ele,
a aprendizagem significativa ocorre quando uma nova informação é relacionada
a outras informações relevantes (semelhantes) que já estão presentes na estrutura
cognitiva dos alunos. O conhecimento anterior resultará assim num “ponto de
ancoragem” onde as novas informações irão encontrar um modo de se integrar
a aquilo que o indivíduo já conhece. Por outro lado, a aprendizagem mecânica
ocorre quando uma informação nova não se relaciona a conceitos já existentes na
estrutura cognitiva, sendo arbitrariamente armazenada e, portanto, ocorre pouca
ou nenhuma interação entre a nova informação e as informações já presentes na
estrutura cognitiva (NOVAK, 1981).

Dentre as principais implicações da teoria da aprendizagem significativa está a


ênfase na importância de relacionar novos conteúdos a informações já conheci-
das pelos aprendizes, isto é, a ancoragem. O papel do professor nesse caso é
criar condições para que as aprendizagens sejam significativas, permitindo que o
aluno possa relacionar as novas informações com conceitos já pré-existentes em
sua estrutura cognitiva. Para Ausubel, uma teoria de ensino deve ser fundamen-
tada em um tripé que considere: a realidade local, a estrutura cognitiva de cada
aluno e a identificação dos conceitos amplos e fundamentais das diversas áreas
do conhecimento (RONCA, 1994).

Os cognitivistas também discutem muito a


importância das funções cognitivas como a me-
mória e a atenção na aprendizagem. A atenção
é necessária para que se possa focar no que
deverá ser aprendido, enquanto a memória é o
que permite processar, armazenar e recuperar
o conhecimento aprendido. George A. Miller
(1920-2012), considerado um dos pais da
Psicologia Cognitiva, apresentou um conceito
muito importante sobre a memória, denomina-
do de capacidade de canal. Nossa memória
não tem capacidade infinita de processamento,
nós podemos processar cerca de 5 a 9 coisas
ao mesmo tempo, sendo que a média é de 7
itens. Assim, para que não ocorra uma sobre-
carga cognitiva é importante dividir e agrupar
o conteúdo a ser ensinado para que se possa Figura 15 – George A. Miller
facilitar a aprendizagem (STERNBERG, 2010). Fonte: Wikimedia Commons

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Outra contribuição importante da Psicologia Cognitiva são os estudos sobre a
metacognição. John Flavell (nascido em 1928), definiu a metacognição, ainda
nos anos 1970, como o conhecimento que as pessoas têm sobre seus próprios
processos cognitivos e a habilidade de controlar esses processos, monitorando,
organizando e modificando-os para realizar objetivos concretos. Em outras palavras,
a metacognição se refere à habilidade de refletir sobre uma determinada tarefa (por
exemplo, ler, calcular, pensar, tomar uma decisão) e sozinho selecionar e usar o me-
lhor método para resolver essa tarefa.

Figura 16 – John Flavell


Fonte: amacad.org

Assim, um bom professor deveria incentivar seus alunos a planejarem seus pró-
prios modos de estudo e avaliarem a si mesmos, se estão com dificuldades e como
buscar alternativas para superá-las. Em outras palavras, os professores deveriam en-
sinar as crianças para desenvolverem essa habilidade de refletir sobre o melhor modo
para aprender, ou seja, desenvolverem a metacognição. Nesse sentido, a abordagem
cognitiva enfatiza que os alunos devem aprender a aprender, ou seja, desenvolver a
metacognição, e assim controlar intencionalmente seus processos de aprendizagem,
podendo aprender de maneira mais eficiente e significativa.

O psicólogo cognitivo Howard Gardner (nascido em 1943) também ofereceu


importantes contribuições para a Educação. Até os anos 1970, o conceito de inte-
ligência era muito valorizado em Psicologia e Educação e avaliado por meio dos fa-
mosos testes de inteligência ou testes de Q.I. (Quociente de Inteligência). A definição
de inteligência variava muito, de modo que existem até hoje mais de 70 definições
distintas do que significa inteligência (STERNBERG, 2000). Contudo, essas defini-
ções acabavam em síntese definindo inteligência como uma capacidade geral para
resolver problemas, muito relacionada ao conteúdo escolar e à cultura.

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Figura 17 – Howard Gardner


Fonte: Wikimedia Commons

Gardner, nos anos 1980, com base em suas pesquisas, formulou a “Teoria das
Inteligências Múltiplas”, que considera que não existe um só tipo de inteligência.
Gardner considera que para abarcar adequadamente o campo da cognição humana,
é necessário incluir um conjunto muito mais amplo e mais universal de competên-
cias do que se considerava até então (GARDNER, 1994). Nesta direção, ele passa a
definir inteligência como a capacidade de resolver problemas ou de criar produtos
que sejam valorizados dentro de um ou mais cenários culturais (GARDNER, 1994).

Para Gardner (1994), todos somos capazes de conhecer o mundo, criar coisas e
resolver problemas por meio de “inteligências” como a linguagem, a análise lógico-
-matemática, a representação espacial, o pensamento musical e o uso do corpo.
Contudo, é comum que um tipo de inteligência predomine em cada pessoa. Inicial-
mente, as pessoas nascem com um vasto potencial de talentos que são moldados
pela cultura, o que em grande parte é fruto da educação. Assim, cientistas podem
ter mais habilidade lógico-matemática, enquanto atores podem ter mais habilidade
corporal-cinestésica. Inicialmente, Gardner descreveu sete tipos de inteligência:
lógico-matemática, linguística, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal,
interpessoal; mais recentemente, ele introduziu duas novas: naturalista e existencial.

Existem muitas críticas às proposições de Gardner, justamente pelas dificulda-


des em se determinar o que é inteligência. Ainda assim, a sua proposta tem impli-
cações educacionais importantes, uma vez que enfatiza que uma criança que tem
mais habilidades matemáticas do que linguísticas não é mais inteligente do que a que

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possui superioridade nas habilidades linguísticas; elas só possuem inteligências dife-
rentes e precisam receber ensino que propicie o desenvolvimento de todas as suas
potencialidades. Além disso, nossos sistemas de educação costumam valorizar mais
algumas habilidades, como a linguística, em detrimento de outras, como a lógico-
-quantitativa, o que implica muitas vezes em sufocar talentos para determinados
tipos de inteligência. Para Gardner, é necessário que a educação forneça um maior
equilíbrio, não privilegiando apenas um tipo de conhecimento, mas sim dando con-
dições para que todos se desenvolvam em todas as suas potencialidades.

Construtivismo
O Construtivismo considera que a aprendizagem é um processo de “construção”
pessoal do aprendiz. Os construtivistas acreditam que o ambiente social e o am-
biente físico propiciam oportunidades de interação entre os sujeitos e os objetos de
conhecimento, gerando conflitos, e consequentemente, uma reestruturação, pelo
aprendiz, de suas construções mentais anteriores. Na escola, para os construtivistas,
o aprendiz constrói ativamente o conhecimento ao seu modo e o professor é um
mediador da relação ensino-aprendizagem, possibilitando as situações e experiências
que ajudarão os aprendizes a construírem suas aprendizagens.

A abordagem construtivista tem sido predominante na educação brasileira desde


os anos 1980. Ela foi desenvolvida, principalmente, entre as décadas de 1970 e 1980,
ainda que possamos identificar suas principais ideias desde a década de 1920. A abor-
dagem construtivista é muito semelhante à abordagem cognitivista porque ambas dis-
cutem os processos mentais envolvidos na aprendizagem. Assim, é comum encontrar
um mesmo autor classificado como construtivista ou cognitivista. A diferença principal
que fazemos nesse curso entre essas duas propostas é que na abordagem cognitivista
os teóricos entendem aprendizagem como a “aquisição de conhecimento”, no senti-
do de processamento das informações; e os construtivistas entendem aprendizagem
como a “construção de conhecimento”, no sentindo de pensar sobre e atribuir sentido
próprio às informações.

A principal ideia do construtivismo é que uma pessoa aprende organizando e


reorganizando mentalmente novas informações ou experiências. A organização
acontece, em parte, relacionando novas experiências a conhecimentos anteriores
que já são significativos e bem compreendidos. No começo do século XX, ideias
semelhantes eram defendidas pelo educador, psicólogo e filósofo norte-americano
John Dewey (1859-1952). Dentre as principais contribuições de Dewey estava o
incentivo à criação de laboratórios experimentais dentro das escolas de formação de
professores, com o objetivo de usar o método científico para melhorar o ensino e a
aprendizagem. Ele também defendia que os currículos deveriam ser ajustados para a
forma como os alunos aprendem e a seus interesses individuais.

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Figura 18 – John Dewey


Fonte: Wikimedia Commons

No Brasil, as ideias de Dewey influenciaram Anísio Teixeira (1900-1971), que


foi seu aluno e liderou um movimento de reformas educacionais chamado de Escola
Nova ou Escolanovismo, buscando mudar a forma como a educação ocorria no
Brasil. Teixeira era crítico do modelo tradicional de educação, que via a memori-
zação como o principal mecanismo de aprendizagem. As ideias construtivistas e
progressistas trazidas por Dewey enfatizavam o reconhecimento daquilo que o aluno
já sabe antes de aprender algo novo, e que não aprendemos apenas ideias ou fatos,
mas também atitudes, valores e senso crítico. A aprendizagem para esses autores só
ocorre quando sabemos agir de acordo com o que foi aprendido.

Figura 19 – Anísio Teixeira


Fonte: consed.org.br

O maior expoente do construtivismo é, sem dúvidas, o biólogo suíço Jean Piaget


(1896-1980). Piaget elaborou e atualizou a sua teoria do desenvolvimento cognitivo
por muitos anos e denominou um campo de estudos chamado de Epistemologia
Genética, isto é, o estudo da gênese do conhecimento. Para Piaget, o desenvol-

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vimento cognitivo se inicia com a capacidade inata dos seres humanos que, assim
como outros seres vivos, têm de se adaptar ao ambiente. A mais elevada forma de
adaptação humana é a cognição (ou conhecimento) e por isso ele estuda o desenvol-
vimento cognitivo (LEFRANÇOIS, 2019).

Figura 20 – Jean Piaget


Fonte: Wikimedia Commons

Segundo Piaget, desde o nascimento, os bebês tentam se adaptar ao seu ambiente,


o que impõe diferentes desafios que devem ser resolvidos. Assim, ele descreveu qua-
tro estágios que são caracterizados por diferentes formas de pensar e agir: estágio
sensório-motor, estágio pré-operatório, estágio operatório concreto e estágio
operatório formal. A idade não é o fator crucial de mudança para Piaget, mas sim
as diferentes formas com as quais a criança lida com os problemas ao seu redor, pas-
sando por desde operações mentais baseadas na simples atividade sensório-motora
(ex.: aprender a andar) até o mais refinado pensamento lógico-abstrato (ex.: aprender
sobre equação de segundo grau). As mudanças de um estágio para o outro são gra-
duais e ocorrem por meio de três princípios interrelacionados: organização, adap-
tação e equilibração.

A organização se refere à tendência inata que temos de criar estruturas cogni-


tivas cada vez mais complexas, que abarquem os conhecimentos adquiridos, isto,
os esquemas. Os esquemas são comportamentos que têm estruturas neurológicas
relacionadas a eles, por exemplo, olhar, falar. Quanto mais experiências, mais com-
plexos os esquemas se tornam. Todo conhecimento aprendido é sempre incorpora-
do, portanto, à estrutura cognitiva anterior. Essa é uma premissa básica de modelos
cognitivistas e construtivistas.

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Adaptação é o termo utilizado por Piaget para descrever como uma criança lida
com novas informações que parecem conflitar com o que ela já sabe. Por exemplo,
um recém-nascido tem apenas esquemas simples como os reflexos de sugar, alcançar
e agarrar, mas precisa adaptá-los para que se tornem mais complexos, coordenados
e propositais, como andar, falar, escrever etc. A adaptação envolve dois processos:
assimilação e acomodação. A assimilação ocorre quando se responde a situações
usando atividades ou conhecimentos já aprendidos. Novos objetos ou situações são
assimilados ao esquema quando se pode responder a eles usando o conhecimento
prévio. Uma criança pode somar 2+2 porque aprendeu regras de adição previamen-
te. Frequentemente, os esquemas prévios não servem para todas as situações novas
e é preciso modificá-los, o que ocorre por meio da acomodação, que significa mudar
nossas estruturas cognitivas para incluir um conhecimento novo.

Para exemplificar o que seriam esses processos, podemos pensar em uma criança
fazendo duas coisas distintas: brincar e imitar. Quando a criança brinca, ela usa pre-
dominantemente a assimilação, quando ela imita, ela usa a acomodação. Piaget diz
que ao brincar, a criança usa os esquemas já disponíveis e ignora tudo aquilo que
não se encaixa na brincadeira, por exemplo, brinca que uma cadeira é um cavalinho,
assimilando o andar a cavalo e ignorando que se trata de uma cadeira. Quando a
criança imita, ela modifica seu comportamento em função das demandas que lhe são
impostas por algo ou alguém, assim aprendendo algo novo (LEFRANÇOIS, 2019).

A equilibração é um esforço constante do organismo para manter um balanço ou


equilíbrio estável que determina a mudança da assimilação para a acomodação. Quan-
do as crianças não conseguem lidar com novas experiências dentro de suas estruturas
cognitivas existentes, elas tendem a organizar novos padrões mentais que integram a
nova experiência, assim restaurando o equilíbrio. Um bebê que está acostumado a ma-
mar no seio ou na mamadeira e que começa a sugar o bico do canudo de uma caneca
para bebês está demonstrando assimilação – utilizando um esquema já existente para li-
dar com um novo objeto ou com uma nova situação. Quando o bebê descobre que para
beber de canudo são necessários movimentos da língua e da boca um pouco diferentes
daqueles utilizados para sugar o seio ou a mamadeira, ele se ajusta para modificar o
esquema anterior. Ele “acomoda” seu esquema de sugação para lidar com uma nova
experiência: a caneca. Assim, assimilação e acomodação operam juntas para produzir
equilíbrio e crescimento cognitivo (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2010, p. 76).

Assista ao vídeo “Coleção Grandes Educadores – Jean Piaget” para entender melhor sobre
a teoria e suas principais contribuições. Disponível em: https://youtu.be/rRLukE2HGzA

Os estudos de Piaget focavam principalmente o desenvolvimento cognitivo indi-


vidual, o que acontece na mente de quem aprende. Outros construtivistas buscaram
expandir essa ideia ao integrar também a reflexão sobre as relações e interações
sociais e com os objetos culturais a serem aprendidos. Essa abordagem que enfatiza
os aspectos sociais é por vezes chamada de socio construtivismo, construtivismo
social ou teoria sociocultural.

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O principal representante desse enfoque é o psicólogo bielo-russo Lev Semenovich
Vygotsky (1896-1934), que elaborou uma teoria do desenvolvimento cognitivo sus-
tentando que todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações
humanas. A abordagem proposta por Vygotsky buscava integrar, em uma mesma
perspectiva, o ser humano enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e cul-
tural, enquanto membro de uma espécie animal e participante de um processo his-
tórico. Entendia que o funcionamento psicológico tipicamente humano é cultural e,
consequentemente, histórico. E que havia elementos mediadores na relação entre o
homem e o mundo, que seriam os instrumentos, os signos e todos os elementos do
ambiente, carregados de significado cultural e construídos nas relações humanas.

Figura 21 – Lev Semenovich Vygotsky


Fonte: Wikimedia Commons

Na teoria de Vygotsky (1998), a linguagem tem um grande destaque. A linguagem


é duplamente importante para Vygotsky, pois além de ser o principal instrumento de
intermediação do conhecimento entre os seres humanos, tem relação direta com o
próprio desenvolvimento psicológico. Nenhum conhecimento é construído pela pes-
soa sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os mediadores. Assim, a
linguagem é a principal ferramenta com a qual mediamos as relações. Inicialmente,
linguagem e pensamento estão desconectados, mas no curso do desenvolvimento
passam a ser indissociáveis.

Importante!
É mais comum utilizar o termo “aprendizado” do que aprendizagem para se referir à psi-
cologia de Vygotsky, pois em russo o termo usado por ele equivale a algo como o proces-
so de ensino-aprendizagem, isso é, ele inclui sempre aquele que aprende, aquele que en-
sina e a relação entre essas pessoas. Para Vygotsky, aprendizado é o “processo pelo qual o
indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores etc., a partir de seu contato
com a realidade, com o meio ambiente e com as outras pessoas” (OLIVEIRA, 2010, p. 59).

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Para Vygotsky (1998), a vivência em sociedade é essencial para a transformação


do homem, de ser biológico em ser humano. É pelo aprendizado nas relações com
os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento
mental. Vygotsky caracterizou essa evolução intelectual em duas funções, a primeira,
que já nascemos com ela, é a Função Psicológica Elementar, que são os reflexos e
a atenção involuntária, presentes em todas as crianças e nos animais mais desenvolvi-
dos. A partir do aprendizado cultural, parte dessas funções básicas transforma-se em
Função Psicológica Superior, como a consciência, o planejamento e a deliberação.
Com o intuito de explicar o processo de aprendizagem, construção de conheci-
mento ou desenvolvimento cognitivo, Vygotsky desenvolveu o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP), que definiu como a distância entre o nível de
desenvolvimento real (Zona de Desenvolvimento Real), aquilo que se pode fazer
de forma independente, e o nível de desenvolvimento potencial, o que se pode fazer
com a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes
(VYGOTSKY, 1998). O desenvolvimento proximal tem por determinante aquilo que
a criança ainda não domina, mas é capaz de realizar com auxílio de alguém mais
experiente, como exemplo, quando uma criança já sabe somar e é desafiada a fazer
uma multiplicação simples. Assim, a ZDP é a distância entre o desenvolvimento real
e o potencial, isto é, que está próximo, mas ainda não foi atingido.
Para Vygotsky, em síntese, o aprendizado é contínuo e o desenvolvimento inte-
lectual se concretiza por saltos qualitativos, de um nível de conhecimento para outro,
onde o ensinar e o aprender formam uma unidade. Essa unidade delimita o campo
de constituição do indivíduo na dimensão sociocultural. São processos indissociáveis
que implicam na ideia de que o professor participa ativamente do processo de apren-
dizagem e de desenvolvimento do aluno. O professor é visto como um impulsionador
do desenvolvimento cognitivo da criança. Assim, ao professor cabe apresentar às
crianças novas formas de pensamento e conceitos, mas, não sem antes, detectar
que condições elas têm de apreendê-lo. A aprendizagem dos alunos se construirá
mediante o processo de relação do indivíduo com seu ambiente sociocultural e com
o suporte de outros indivíduos mais experientes.

Assista ao vídeo “Coleção Grandes Educadores – Lev Vygotsky” para entender melhor
sobre a teoria e suas principais contribuições. Disponível em: https://youtu.be/T1sDZNSTuyE

Outra contribuição derivada do ponto de vista de Vygotsky veio de Jerome


Bruner (1915-2016), um dos psicólogos norte-americanos mais longevos. Ele teve
uma longa produção científica, discutindo muitos tópicos como percepção, lingua-
gem, desenvolvimento, aprendizagem e ensino. A sua principal teoria é conhecida
como “Teoria de instrumentalismo evolucionista”, pois, para ele, o homem de-
pende das técnicas (instrumentos, cultura) a sua volta para o seu desenvolvimento e
processo de humanização.
Bruner discutiu a aprendizagem por descoberta. Para ele, as crianças devem
explorar as situações para que estejam mais ativas e envolvidas em sua própria

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aprendizagem do que em metodologias expositivas nas quais permaneçam muito
passivas. Essa proposta é coerente com outra contribuição muito significativa de
Bruner para a Educação, que foi a proposição do currículo em espiral. A ideia
central da proposta é que os alunos recebam uma informação básica sobre determi-
nado assunto de forma que possam construir uma base para aprender mais sobre o
assunto em situações futuras (por exemplo, mais aulas, semestres, anos escolares).
Os assuntos devem ser apresentados cada vez com mais detalhes e complexidades
permitindo que o aluno possa pensar e repensar sobre o assunto até que atinja o
domínio ou maestria (BRUNER, 1973).

Figura 22 – Jerome Bruner


Fonte: rededucom.org

Em outras palavras, isso que dizer que qualquer coisa pode ser ensinada, pelo
menos nas suas formas mais simples, a alunos de todas as idades, uma vez que os
mesmos tópicos serão, posteriormente, retomados e aprofundados. Nesse sentido,
ele expande a ideia de Vygotsky de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), para
alavancar a aprendizagem por meio de Scaffolding (andaime), ou seja, para ele, o
professor deve criar condições de ensino que funcionem como andaimes para auxiliar
a criança a superar a sua ZDP e atingir novos patamares de aprendizagem.

Outra contribuição importante dos construtivistas vem do psicólogo francês Henri


Wallon (1879-1962). Ele argumentava que a relação ensino-aprendizagem apenas
pode ser analisada como uma unidade, pois, são lados de uma mesma moeda onde
a relação professor-aluno é um fator determinante. Ambos (professor e aluno) são
sujeitos concretos e historicamente determinados e trazem uma bagagem cultural e
experiências que o meio lhes propiciou. Aluno e Professor estão em desenvolvimento
durante a relação de ensino-aprendizagem, que é sempre aberta e inacabada. Ao ensi-
nar, o professor está promovendo o desenvolvimento do aluno e o seu próprio.

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Figura 23 – Henri Wallon


Fonte: novaescola.org.br

Além disso, Wallon traz uma contribuição importante ao campo da aprendizagem ao


resgatar a importância da afetividade e do movimento, uma vez que predominantemente
discutimos apenas a cognição. Para Wallon, não há uma dicotomia entre a afetividade
e a cognição, ou a afetividade e o ato motor. Esses são fatores que estão presentes no
desenvolvimento humano, em uma relação dialética e indissociável entre eles. Essas
dimensões atuam em conjunto e se estabelecem nas interações humano-sociais. Wallon
propõe que a afetividade, o ato motor (motricidade) e o conhecimento da pessoa
(cognição) são os domínios ou campos funcionais que a criança desvendará no decorrer
de seu desenvolvimento e que devem ser entendidos conjuntamente. Desta maneira,
estabelece-se o eixo principal da teoria de Wallon, que é a visão integradora do desenvol-
vimento humano, que passa pelas dimensões cognitiva-afetiva-motora da criança.

Assista ao vídeo “Coleção Grandes Educadores – Henri Wallon” para entender melhor
sobre a teoria e suas principais contribuições. Disponível em: https://youtu.be/ebt2iaiV9U8

Humanismo
O Humanismo foca no estudo das particularidades de cada ser humano, na com-
plexidade e singularidade de cada pessoa e nos seus motivos e interesses em apren-
der. A premissa da abordagem humanista é considerar a aprendizagem em uma
perspectiva mais ampla de desenvolvimento integral da pessoa. Essa abordagem
surgiu como uma forte crítica às ideias behavioristas e psicanalíticas predominantes
nos EUA até a década de 1950. Assim, partilha também de alguns princípios das
abordagens cognitiva e construtivista, entendendo a aprendizagem como um pro-
cesso individual de representação e reestruturação cognitiva, mas considerando que
o aprendiz deve ser o principal ator do seu processo de aprendizagem, refletindo,
questionando e fazendo escolhas.

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Carl Rogers (1902-1987) é o principal expoente do Humanismo e seus traba-
lhos são mais conhecidos pela prática clínica do que a educacional. Contudo, ainda
nos anos 1920, Rogers propôs uma nova forma de ensino que tomava o aluno como
o centro do processo educativo, mediante um estilo de aula tão diferente quanto atra-
tivo e estimulante, e que consistia em suprimir as aulas expositivas, e em aprender
sozinho, ou em grupos de trabalho sem a autoridade do mestre, cada qual se ocu-
pando dos seu próprios interesses (PUENTE, 1978). Essa proposta, conhecida como
o “ensino centrado no aluno”, era pautada em grande parte pelas ideias de John
Dewey, por isso a semelhança com a proposta construtivista também. Rogers enten-
dia que a aprendizagem é sempre individual, singular e peculiar para cada aprendiz,
mas valorizava também as relações interpessoais, principalmente na construção da
personalidade do indivíduo e no autoconceito para aprender.

Figura 24 – Carl Rogers


Fonte: Wikimedia Commons

Segundo Puente (1978), para os humanistas, a responsabilidade pela educação/


aprendizagem está no próprio estudante, possuidor de forças de crescimento, auto-
-avaliação e auto-correção, digno de confiança, e em quem deve estar centrado o
processo de ensino. Assim, a única tarefa do professor e da instituição de ensino
consiste em facilitar a aprendizagem do aluno, criando condições favoráveis que
liberem a sua capacidade de aprender. A educação humanista deve ser centrada no
estudante, em lugar de no professor ou no ensino.

Para Rogers, a educação ocorre pelo contato, assim, o professor deve ser um
educador-facilitador que não adota apenas um único modelo para facilitar a apren-
dizagem, mas que coloca o interesse dos aprendizes em primeiro lugar. Ele aponta
três condições que facilitam a aprendizagem do aluno: a autenticidade do professor,
a sua aceitação ou o apreço pelo aluno e a compreensão da realidade singular do
aluno. Entre essas três condições existe uma interdependência dinâmica, mas a mais
básica delas é a autenticidade do professor. Rogers enumera ainda uma quarta con-
dição, que seria a percepção do aluno das condições do professor, essa condição

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

portanto, seria a que envolve todas as demais, já que é a partir da percepção do


aluno que se pode aferir as demais condições (PUENTE, 1978).

Para os humanistas, os seres humanos têm uma potencialidade natural para


aprender. O desafio das instituições de ensino é proporcionar uma atmosfera favo-
rável onde estudantes e professores se sintam livres para novas descobertas, com
autoaceitação, sem pressões ou censuras. Para Rogers, a aprendizagem autoinicia-
da envolve a pessoa do aprendiz de forma holística, unindo sentimento e intelecto,
sendo, dessa forma, mais duradoura e abrangente. Por outro lado, a aprendizagem
socialmente útil deve fazer parte da vida do aluno, o qual deve incorporar dentro
de si um processo de mudança, aprendendo a aprender, estando aberto a novas ex-
periências e em busca de conhecimento, mas sem descartar o que já foi aprendido
(LIMA; BARBOSA; PEIXOTO, 2018).

Uma das principais críticas dos humanistas à educação escolar é a variável mo-
tivação, que para eles é muito esquecida na escola, e sem a qual não pode existir
aprendizagem significativa. Rogers alerta aos educadores contra a ênfase apenas
na motivação extrínseca, para ele, a motivação intrínseca do aluno é que deve ser
estimulada. Desse modo, motivados intrinsecamente, os alunos podem ter a apren-
dizagem autoiniciada, buscando descobrir quais são os seus problemas reais e vitais
e chegarem à aprendizagem significativa.

Nesse sentindo, o psicólogo humanista Abraham Maslow (1908-1970) apre-


sentou uma teoria para explicar as razões da motivação, segundo a qual as necessi-
dades humanas estão organizadas e dispostas em níveis de uma pirâmide, em uma
hierarquia de importância que vai de necessidades básicas no primeiro nível, para
necessidades psicológicas e, por fim, necessidades de auto-realização. Como você
pode observar na ilustração da pirâmide, na base dela estão as necessidades mais
básicas e primitivas, que são as necessidades fisiológicas, somente depois de tê-las
satisfeito é que nós passamos a necessidades mais “refinadas”, como as necessidades
psicológicas e de auto-realização.

Realização
Necessidades
Pessoal
Auto-Realização
Moralidade,
criatividade, solução de
problemas, ausência de
preconceitos, aceitação dos fatos.

Estima
Auto-estima, confiança, conquista
respeito dos outros, respeito aos outros. Necessidades
Psicológicas
Amor/Relacionamento
Amizade, família, intimidade sexual

Segurança
Segurança do corpo, do emprego, de recursos
da moralidade, da família, da saúde, da propriedade. Necessidades
Básicas
Fisiológicas
Alimento, roupa, repouso, moradia.

Figura 26

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A contribuição de Maslow é importante para que não nos esqueçamos que ao
avaliar uma situação de aprendizagem é importante considerar esses diferentes
fatores. Uma criança com fome e medo dificilmente terá motivação intrínseca e
conseguirá aprender da mesma forma que uma criança que não tenha essas ca-
rências. Além disso, assim como Rogers alerta, é preciso que a motivação para
aprender seja cada vez mais uma necessidade interna de auto-realização do que
uma exigência externa, que force o aprendiz a algo que ele não vê como sendo
uma necessidade.

Figura 25 – Abraham Maslow Carl Rogers


Fonte: Wikimedia Commons

Outro teórico humanista é Joseph Novak (nascido em 1932), que também tra-
balhou com o cognitivista David Ausubel, que formulou a teoria do mapa conceitual
ou mapa mental, e que, assim como ele, discute sobre a aprendizagem significativa,
ampliando essa noção ao adotar uma perspectiva humanista. Para Novak, a aprendi-
zagem significativa subjaz à integração construtiva, positiva, entre pensamentos, sen-
timentos e ações, conduzindo ao desenvolvimento integral da pessoa. A perspectiva
de Novak é que quando a aprendizagem é significativa, o aprendiz cresce, tem uma
sensação boa e se predispõe a novas aprendizagens na área. Por outro lado, quando
a aprendizagem é mecânica, o aprendiz acaba por desenvolver atitudes negativas em
relação ao conteúdo a ser aprendido e não atinge a aprendizagem significativa. A teoria
de Novak é importante porque enfatiza a predisposição para aprender como uma
das condições para a aprendizagem significativa, enfatizando a integração entre pen-
samento, sentimentos e ações.

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Figura 27 – Joseph Novak


Fonte: Divulgação | ihmc.us

Em Síntese
Nesta unidade, discutimos as principais teorias desenvolvidas ao longo do século XX,
mostrando como cada abordagem teórica foca diferentes aspectos sobre a aprendiza-
gem. Os associacionistas focam na associação entre as ideias. Os behavioristas enfa-
tizam o comportamento observável e o papel das contingências para a aprendizagem.
Os cognitivistas abordam os processos mentais envolvidos na aquisição, no processa-
mento e no armazenamento do conhecimento. Os construtivistas ressaltam o papel
ativo dos aprendizes na construção do conhecimento. Os humanistas, por sua vez, en-
fatizam a importância de se considerar a pessoa integral e a individualidade na apren-
dizagem. Todas essas abordagens contribuem para entender melhor a complexidade
e importância dos processos de aprendizagem e as implicações educacionais. Na pró-
xima unidade, iremos mais além dessas abordagens, discutindo seus desdobramentos
em abordagens mais contemporâneas e que trazem particularidades da aprendizagem
no século XXI.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
O processo da educação
BRUNER, J. S. O processo da educação. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1973.
Introdução a psicologia da educação: seis abordagens
CARRARA, K. (org). Introdução a psicologia da educação: seis abordagens.
1. ed. São Paulo: Avercamp, 2004.

Vídeos
Beyond Wit and Grit: Rethinking the Keys to Success
https://youtu.be/IfzrN2yMBaQ

Leitura
Aprendizagem por observação: perspectivas teóricas
e contribuições para o planejamento instrucional – uma revisão
BORGES-ANDRADE, J. E. Aprendizagem por observação: perspectivas teóricas e
contribuições para o planejamento instrucional – uma revisão. Psicol. cienc. prof.,
Brasília, v. 1, n. 2, p. 2-68, jul. 1981.
https://bit.ly/2RavJ2n
Teorias de ensino: a contribuição de David Ausubel
RONCA, A. C. C. Teorias de ensino: a contribuição de David Ausubel. Temas
psicol, Ribeirão Preto, v. 2, n. 3, p. 91-95, dez. 1994.
https://bit.ly/32dwnmf

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UNIDADE Teorias Clássicas da Aprendizagem

Referências
BRUNER, J. S. O processo da educação. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1973.
CUNHA, M. V. John Dewey, a outra face da escola nova no Brasil. In: GHIRALDELLI,
P. (Org.). O que é filosofia da Educação? 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A editora,
2002. p. 248-263.
DUMARD, K. Aprendizagem e sua dimensão cognitiva, afetiva e social. São
Paulo: Cengage Learning, 2015.
FLAVELL, J. H. Metacognitive aspects of problem solving. In: RESNICK, L. B.
(Ed.), The nature of intelligence. Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1976, p.231-236.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a Teoria das Múltiplas Inteligências. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994.
HILL, W. F. Aprendizagem: uma resenha das interpretações psicológicas. Rio de
Janeiro: Ed. Guanabara dois, 1981.
LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da Aprendizagem: o que o professor disse. São Paulo:
Cengage Learning, 2019.
LIMA, L. T.; BARBOSA, Z. C. L.; PEIXOTO, S. P. L. Teoria humanista: Carl Rogers
e a Educação. Ciências Humanas e Sociais. Alagoas, v.4, n.3., 2018.
MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios básicos de análise do compor-
tamento. Porto Alegre: Artmed, 2007.
NOVAK, J. D. Uma teoria de educação. Trad. de A. Moreira. São Paulo: Pioneira, 1981.
OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-
histórico. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1995.
PAPALIA, D.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento Humano. 8 ed.
Porto Alegre: Artmed, 2006.
PUENTE, M. De la. O ensino centrado no estudante: renovação e crítica das teorias
educacionais de Carl R. Rogers. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.
RONCA, A. C. C. Teorias de ensino: a contribuição de David Ausubel. Temas psicol.,
Ribeirão Preto, v. 2, n. 3, p. 91-95, dez. 1994.
SALDAÑA, M. R. R.; DEL PRETTE, A.; DEL PRETTE, Z. A. P. A importância da
teoria da aprendizagem social na constituição da área do treinamento de habilidades
sociais. In: GUILHARDI, H. J.; MADI, M. B. B.; QUEIROZ, P. P.; SCOZ, M. C.
(Orgs.). Sobre comportamento e cognição: Contribuições para a construção da
teoria do comportamento. Santo André: ESETec., 2002, p. 269-283.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
________. Tecnologia do Ensino. S. Paulo: Editora Pedagógica. 1972.
STERNBERG, R.J. Psicologia Cognitiva. 5. Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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Teorias da
Aprendizagem
Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Aprendizagem Humana no Século
XXI: Uma Compreensão Abrangente

• Introdução;
• Definição de Aprendizagem;
• Panorama Histórico das Diferentes Abordagens Teóricas
da Aprendizagem;
• A Relação entre Aprendizagem e o Desenvolvimento Humano;
• Processos Básicos e Dimensões da Aprendizagem;
• Tipos de Aprendizagem;
• Condições Internas e Externas de Aprendizagem.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Apresentar um panorama geral de diferentes concepções, teorias e modelos sobre aprendi-
zagem desenvolvidos ao longo da história;
• Introduzir uma compreensão contemporânea abrangente sobre a aprendizagem e suas
­implicações educacionais.
UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Introdução
O que é aprendizagem? O que você aprendeu para chegar até aqui? Como nós apren-
demos? Como sabemos que alguém aprendeu algo? Por que algumas pessoas apren-
dem melhor e mais rapidamente do que outras? Onde ficam armazenadas as nossas
aprendizagens? O cérebro aprende ou o corpo todo aprende? Há maneiras de aprender
melhor? Quais são os fatores que determinam o que aprendemos? Há limites para a
aprendizagem? Existem coisas que não conseguimos aprender? Por que criar diferentes
teorias sobre a aprendizagem? Por que eu deveria aprender sobre aprendizagem?
Essas são só algumas das inúmeras perguntas que você poderia estar se fazendo
ao começar esse curso de Teorias da Aprendizagem. Tipicamente, nós não pen-
samos muito sobre a aprendizagem e sua importância, mas o fato é que, pensando
sobre ou não, viver é aprender e estamos aprendendo o tempo todo e em diversas
situações. Estudar cientificamente a aprendizagem, portanto, nos permite entender
melhor como ela ocorre, o que facilita ou dificulta esse processo e como melhorar,
inclusive, a nossa própria aprendizagem. O interesse pelo estudo científico da apren-
dizagem não é novo, segundo Bigge (1977, p. 3) “O homem não só quis aprender
como também, frequentemente, sua curiosidade o impeliu a tentar aprender como se
aprende”, e assim surgiram as diferentes teorias sobre a aprendizagem.
Quando pensamos em aprendizagem, logo pensamos na escola, mas aprender
é muito mais amplo do que as aprendizagens que ocorrem no ambiente escolar.
Nem sempre nós nos lembramos disso, ainda que aprendamos a todo momento e
em todos os espaços possíveis. Não há nada que você saiba hoje que não tenha sido
aprendido em algum momento. E continuamos aprendendo sempre. Nós aprende-
mos o nome de pessoas novas, aprendemos novos caminhos, aprendemos novos
fatos, aprendemos novos sabores, aprendemos que antes havíamos aprendido algo
errado e que agora teremos que aprender de novo. A aprendizagem, portanto, não
está apenas na escola, ela está em todos os lugares, desde que nascemos até morrer-
mos, tudo o que faremos envolve sempre algum tipo de aprendizagem.
Nas últimas décadas, o tema da aprendizagem se tornou fundamental, não apenas
para os profissionais e estudantes de áreas como a Psicologia, Pedagogia e Educação,
como também em contextos políticos e econômicos. Esse interesse não é ao acaso,
na realidade o que se observou, nas últimas décadas, foi um crescente reconheci-
mento e a valorização da Educação como um importante meio de transformação
individual e social. A Educação é, por exemplo, um dos componentes utilizados
pela ONU para estimar o índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e classificar os
países como desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Países desen-
volvidos têm melhores índices educacionais que, por sua vez, estão associados ao
bem-estar, ao desenvolvimento econômico e à qualidade de vida.

“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” – Nelson
Mandela. O que você pensa que Mandela quis dizer com essa frase? Você concorda com ela?
Como o estudo científico da aprendizagem pode ser importante para mudar o mundo?

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Por outro lado, outro fator importante para o crescente reconhecimento da impor-
tância dos estudos sobre a aprendizagem vem dos avanços das pesquisas científicas,
sobretudo, oriundas das chamadas Ciências Cognitivas. Essas pesquisas promove-
ram avanços significativos em nossa compreensão sobre os mecanismos envolvidos
nos processos de aprendizagem e de ensino ampliando os debates e lançando luz
sobre a importância de que a Educação seja cada vez mais baseada em evidências
científicas, superando-se ações baseadas em crenças ou ideologias (ILLERIS, 2013;
THOMAS, PRING, 2007). Esses fatores, aliados com as mudanças trazidas com os
contínuos avanços tecnológicos, culminam na necessidade de constantes revisões
das teorias de aprendizagem, na busca por uma compreensão mais abrangente e
atualizada sobre como aprendemos no século XXI.

Neste curso, nós iremos discutir a aprendizagem em uma visão abrangente e con-
temporânea. Considerando-se a importância e contribuições das teorias clássicas,
mas contextualizando-as em seu período histórico e reconhecendo as novas contri-
buições das teorias contemporâneas. Nesse sentido, daremos foco para as principais
contribuições das Ciências Cognitivas. Optamos também por discutir nessa discipli-
na apenas a aprendizagem humana, embora exista vasta produção cientifica sobre a
aprendizagem animal, em especial no campo da Etologia.

Para saber mais sobre aprendizagem animal leia o livro de John Alcock, Comportamento
Animal: Uma Abordagem Evolutiva. Porto Alegre: Artmed, 2011.

Definição de Aprendizagem
Tradicionalmente, podemos pensar em aprendizagem como o processo de aqui-
sição de conhecimentos e habilidades. Contudo, atualmente, entendemos a apren-
dizagem como um conceito muito mais amplo, que inclui, além das dimensões cog-
nitiva e comportamental, também as dimensões emocional, motivacional e social
(DUMARD, 2015). Nesse sentido, a aprendizagem assume a natureza de desenvol-
vimento de competências, isto é, a capacidade de lidar com os diferentes desafios,
existentes e futuros, na vida profissional e em muitos outros campos de atuação
(ILLERIS, 2013). Assim, é muito difícil obter uma visão geral unitária da atual com-
preensão sobre o tema da aprendizagem, ainda assim, podemos dizer que ela se
caracteriza, antes de tudo pela complexidade.

Buscando contribuir para esse entendimento, Illeris (2013) apresenta o esquema


ilustrado na Figura 1 para sintetizar a estrutura típica das diferentes teorias de apren-
dizagem. Podemos dizer que, de modo geral, os estudos sobre a aprendizagem pro-
curam entender quais são as estruturas cerebrais e processos cognitivos envolvidos
nesse processo, os tipos de aprendizagem e os principais obstáculos que impedem
que a aprendizagem ocorra de modo eficiente. Para isso, essas teorias se fundamen-

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

tam em conhecimentos de base de diferentes ciências como a Biologia, a Psicologia,


a Ciência Social e a Ciência Cognitiva. Essas áreas de base contribuem com funda-
mentos e orientam para a importância das condições internas e externas para que
aprendizagem ocorra.

Quando pensamos em condições internas, nos referimos aos fatores inerentes


ao aprendiz, isto é, ao próprio indivíduo que aprende, como sua disposição e inten-
ção, motivação, conhecimentos prévios, habilidades e idade. As condições externas,
por sua vez, se referem ao impacto dos diferentes espaços de aprendizagem nas
exigências de diferentes sociedades, como currículos e planos de ensino, e mesmo
nos professores e materiais de ensino. A aplicação das teorias de aprendizagem está
principalmente relacionada com a sua usabilidade na pedagogia e educação ou em
políticas educacionais. Contudo, também podemos pensar no uso que outros profis-
sionais fazem desse conhecimento, por exemplo, os psicólogos que buscam entender
como diferentes fatores podem facilitar ou dificultar a aprendizagem e como melho-
rar essas condições da aprendizagem.

BASE
Biologia
Psicologia
Ciência Social
Ciência Cognitiva

CONDIÇÕES
CONDIÇÕES
APRENDIZAGEM EXTERNAS
INTERNAS
Disposições Estruturas Espaço de
Idade Tipos de Aprendizagem aprendizagem
Situação subjetiva Obstáculos Sociedade
Situação objetiva

APLICAÇÃO
Pedagogia/Educação
Políticas de
aprendizagem

Figura 1 – As principais áreas de estudo da aprendizagem


Fonte: Adaptado de ILLERIS, 2013, p. 16

Assim, afinal, o que é a aprendizagem? Podemos definir a aprendizagem como


“qualquer processo que, em organismos vivos, leve a uma mudança permanente em
capacidades e que não se deva unicamente ao amadurecimento biológico ou envelhe-
cimento” (ILLERIS, 2007, p.3). Essa é uma visão mais abrangente e contemporânea
que expande a visão clássica de aprendizagem apenas como o processo de aquisição
de conhecimentos e habilidades, estando alinhada com visões mais contemporâneas,
como veremos em unidade posterior.

Aprender é sempre sair de um estado de não conhecimento de algo para um


­estado em que se passar a conhecer. Podemos aprender habilidades, fatos, histórias,
atitudes, valores, estratégias etc. Toda aprendizagem sempre se revela como uma
mudança, relativamente duradoura, no organismo em que ocorre em função de uma
experiência, de uma vivência ou estímulo. Podendo durar alguns minutos, horas, dias,
anos ou até mesmo ser para sempre. Não se pode confundir, todavia, essas mudanças

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trazidas pela aprendizagem, e que dependem das experiências, com as mudanças que
ocorrem devido ao envelhecimento ou maturação como veremos mais adiante.

Como afirma Lefrançois (2019), aprendizagem pode ser entendida como toda
mudança relativamente permanente no potencial de comportamento, que resulta da
experiência, mas não é causada por cansaço, maturação, drogas, lesões ou doenças.
A aprendizagem é aquilo que acontece no organismo (humano ou não) como resultado
da experiência, dos eventos internos ou externos que estimulam novas formas de
pensar ou agir. Do ponto de vista comportamental, podemos saber que uma apren-
dizagem aconteceu quando ocorre uma mudança duradoura no comportamento (ex.
saber ler e escrever).

Mudança no
Aprendizagem: toda as
comportamento: mudanças
Experiência: As situações ou mudanças relativamente
observáveis ou potencialmente
eventos internos ou externos permanentes organismo que
observáveis após a experiência
a que estimulam a aprendizagem resultam da experiência e
e que oferecem evidência
não de outros fatores
de que a aprendizagem ocorreu

Figura 2
Fonte: Adaptado de LEFRANÇOIS, 2019, p. 5

A aprendizagem é um processo neurológico interno invisível, o que mudam


são as conexões (sinapses) entre os neurônios. Contudo, a evidência da
aprendizagem é encontrada nas mudanças observáveis ou potencialmente
observáveis do comportamento, como resultado da experiência.

Do ponto de vista neurobiológico, é importante frisar que as pesquisas em Neuro-


ciências têm nos mostrado que o cérebro se modifica em função das aprendizagens.
Quando aprendemos a ler, por exemplo, áreas do cérebro responsáveis pela visão
passam a ser conectadas às áreas responsáveis pela linguagem (DEHAENE, 2012).
O cérebro se modifica ao longo da vida e em função das experiências. Os neurô-
nios formam novas conexões, algumas são fortalecidas e outras enfraquecidas e até
eliminadas. Em outras palavras, a aprendizagem modifica as conexões entre os
neurônios no cérebro, as chamadas sinapses. (veremos mais sobre isso em unida-
des posteriores).

Definir aprendizagem, portanto, não é simples, mas ao longo das próximas uni-
dades iremos gradativamente revisitar e complementar essa definição, adicionando
novos elementos, com novas proposições teóricas e evidências. O importante nesse
momento é entendermos que a aprendizagem trata de um fenômeno complexo, mas
que, de modo geral, indica sempre uma mudança duradoura de comportamentos,
habilidades e atitudes em função das experiências. Como resultado da aprendizagem,
em nível neurobiológico, observam-se mudanças nas sinapses, e, em nível psicos-
social, observam-se mudanças de comportamentos.

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Panorama Histórico das Diferentes


Abordagens Teóricas da Aprendizagem
O interesse pela aprendizagem é antigo e pode ser identificado desde os filósofos
gregos da antiguidade, como Sócrates, Platão e Aristóteles (DUMARD, 2015).
­
­Contudo, desde as últimas décadas do século XIX, com o surgimento da Psicologia
Científica, foram propostas muitas teorias e visões variadas sobre a aprendizagem.
Cada autor apresenta suas diferentes concepções de acordo com o contexto social
e histórico que o envolvem, bem como com relação ao tipo de aprendizagem que
­investigam. As principais teorias do começo do século XX explicavam os mecanis-
mos e processos universais da aprendizagem. Essas teorias buscavam em última ins-
tância explicar como os seres humanos aprendem quaisquer coisas. Denominamos
de abordagens o agrupamento de teorias que partilham fundamentos e pressupostos
epistemológicos semelhantes. Estudaremos algumas abordagens teóricas clássicas
sobre a aprendizagem na próxima unidade.

Desde meados dos anos 1970, os pesquisadores começaram a modificar sua


­forma de compreender o fenômeno da aprendizagem, entendendo toda a diversidade
e complexidade desse processo em função das características do que seria aprendido,
dos contextos e dos próprios aprendizes. Essas teorias são normalmente mais espe-
cíficas e dizem respeito a aprendizagem pontual de conhecimentos ou habilidades, e
não de princípios universais da aprendizagem como era a proposta das teorias clássi-
cas. Elas são chamadas também de microteorias, em oposição às teorias ­anteriores,
que eram macroteorias buscando leis universais e princípios gerais (SARGIANI;
MALUF, 2018). Discutiremos algumas abordagens teóricas contemporâneas em uni-
dade posterior.

No século XXI, temos observado cada vez mais uma compreensão abrangente
da aprendizagem. Por abrangente entendemos uma visão que considere os princí-
pios universais como proposto pelas macroteorias e as especificidades das diferen-
tes aprendizagens como estudado pelas microteorias. Essa visão mais abrangente
busca incorporar as evidências encontradas pelos diferentes teóricos e olhar para a
­complexidade do fenômeno da aprendizagem em situações diversas. Reconhece-se
que aprender envolve mais do que apenas aspectos cognitivos e comportamentais,
mas também os aspectos emocionais, motivacionais e sociais/culturais. Essa é a vi-
são defendida pela Ciência Cognitiva e a que adotaremos neste curso.

Denominamos de Ciências Cognitivas ou apenas de Ciência Cognitiva o con-


junto de disciplinas científicas que estudam os mecanismos cerebrais e processos
cognitivos envolvidos na aprendizagem. Trata-se de uma área de conhecimentos de
natureza interdisciplinar, iniciada a partir dos anos 1950, e que se beneficia, sobre-
tudo, dos conhecimentos produzidos há mais de um século pela Psicologia, Filosofia,
­Antropologia, Linguística, Educação/Pedagogia e dos conhecimentos mais recentes
produzidos pelas Neurociências e os Estudos de Inteligência Artificial (Veremos mais
sobre isso em unidades posteriores).

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Linguística

Educação Neurociência

Inteligência Filosofia
artificial

Antropologia Psicologia
Figura 3

O grande diferencial trazido pela Ciência Cognitiva, além da visão interdisciplinar,


é o reconhecimento de que o cérebro é o responsável pela forma como processamos
as informações, armazenamos o conhecimento e selecionamos nosso comporta-
mento. Assim, entende-se que compreender o funcionamento do cérebro e as estra-
tégias que favorecem o seu desenvolvimento é essencial para que possamos entender
também sobre como as pessoas pensam, agem, aprendem e ensinam (EYSENCK,
KEANE, 2017).

O principal interesse dos cientistas cognitivos está, justamente, na compreensão


dos mecanismos e fatores que nos permitem avançar em nossas aprendizagens indi-
viduais e assim também contribuir para a evolução das nossas sociedades.

A palavra Cognição tem origem no Latim e significa o ato de conhecer, de saber.


Por isso, a Ciência Cognitiva é justamente aquela que se ocupa do estudo sobre
como podemos aprender, como podemos conhecer as coisas.

Como você já deve ter percebido até aqui, a aprendizagem é uma questão muito
complexa, envolve muitos fatores e diversas áreas do conhecimento têm produzido
subsídios para entendermos o que é e como ocorre a aprendizagem. Essa é a principal
razão para que o nome dessa disciplina esteja no plural e não no singular: Teorias
da Aprendizagem. Uma teoria científica é um conjunto de afirmações relacionadas
e que tem como função principal resumir e explicar as observações feitas por cien-
tistas ou pesquisadores (LEFRANÇOIS, 2016, p. 7). Ao longo da história, diversos
pensadores e pesquisadores olharam de diferentes maneiras para o fenômeno da
aprendizagem e criaram suas hipóteses e teorias.

Uma hipótese é uma afirmação sobre a realidade temporária. Ela é temporária


porque sempre irá carecer de testagem empírica, isto é, que se obtém com a obser-
vação da realidade. O trabalho de um pesquisador ou cientista é o de criar condições
para testar se as suas hipóteses, ou ideias provisórias, se confirmam ou se são refuta-
das e, desse modo, deve-se formular novas hipóteses. Por exemplo, um cientista pode
se perguntar se dar uma recompensa como um chocolate para uma criança a ajudará
a estudar mais. O raciocínio desse problema é que crianças normalmente gostam de

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

chocolate, mas nem sempre de estudar, então se dermos um chocolate para ela toda
vez que ela estudar, ela poderá ficar mais motivada a continuar estudando.

A hipótese nesse caso, portanto, é de que dar chocolate aumentará a motivação


para o estudo. O teste empírico poderá ser escolher dois grupos de crianças e dar
chocolates para um grupo, e não para o outro. Se o grupo que recebeu chocolates
estudar mais do que o outro, então a hipótese é verdadeira, do contrário, ela deverá
ser reformulada. Supondo que o cientista encontre que chocolates ajudam a estudar
mais, ele provavelmente irá testar novas hipóteses, como se há diferenças entre for-
necer chocolate ao leite ou chocolate amargo. Além disso, ele logo irá perceber que
existem crianças que não gostam de chocolates e que, portanto, talvez esse doce não
seja eficiente para todos os casos. Assim, ele irá testando sempre novas hipóteses
e acumulando evidências que são reunidas no que denominamos de teorias. Várias
teorias com pressupostos semelhantes são chamadas de abordagens teóricas. Algumas
teorias da aprendizagem semelhantes a esse exemplo do chocolate foram desenvol-
vidas por teóricos denominados de behavioristas ou comportamentalistas, discuti-
remos suas teorias na próxima unidade.

É evidente que essa exemplificação é também uma simplificação de todo o ­método


científico, mas serve para ilustrar o processo envolvido na criação e testagem de teo-
rias. É importante também entender que as pessoas têm diferentes pontos de vista e
existem muitas possibilidades de aprendizagem. Desse modo, alguns teóricos podem
se preocupar mais com a aprendizagem escolar, outros com a aprendizagem motora,
ou ainda com a aprendizagem de conteúdos específicos como a aprendizagem de
matemática ou a aprendizagem de mecânica.

Assim, como já discutimos antes, não existe apenas uma única definição de
aprendizagem utilizada como conceito unitário. Pelo contrário, ao longo da história,
observamos o desenvolvimento de um grande número de teorias mais ou menos
singulares ou sobrepostas. Algumas dessas teorias são mais vigorosas, estudadas há
muitas décadas e já apresentam evidências bastante sólidas, elas são chamadas de
teorias clássicas da aprendizagem. Outras teorias são mais recentes, ainda estão
em pleno desenvolvimento e se fundamentam nas teorias clássicas e em novas evi-
dências, vamos denominar a essas de teorias contemporâneas da aprendizagem.

Definir e distinguir o que é contemporâneo versus ao que é clássico é uma es-


colha bastante subjetiva, uma vez que não se pode determinar objetivamente o que
torna uma teoria clássica ou o que seria efetivamente contemporâneo. Se pensarmos
na questão do tempo e delimitarmos apenas temporalmente, poderíamos incorrer
no erro de pensar que as teorias clássicas são antigas e não mais usuais. Isso não é
verdade, muitas das teorias clássicas que iremos discutir nessa disciplina são ampla-
mente utilizadas por especialistas em aprendizagem como psicólogos, pedagogos e
educadores, de modo geral.

As teorias de Piaget, Vygotsky e Skinner, por exemplo, talvez sejam as mais conhe-
cidas teorias da Psicologia e amplamente utilizadas por educadores. Elas inclusive são
muitas vezes a base das teorias que denominamos aqui de contemporâneas. O que
as torna clássicas é realmente a sua importância e solidez, uma vez que muitas

14
de suas hipóteses continuam ainda vigorosas, com muitas décadas de evidências
acumuladas. O fato dessas teorias serem amplamente conhecidas também faz com
que elas sejam amplamente mal compreendidas. Há muitos erros, generalizações
e misconceptions sobre esses teóricos e suas teorias.

Você Sabia
Misconception é um termo em inglês que traduzido literalmente significa equívoco, mas
essa expressão é normalmente utilizada em inglês para se referir a um entendimento equi-
vocado sobre um fato ou evidência científica. Assim, algumas pessoas leem apenas parte
da obra de um autor e derivam ideias que não foram necessariamente trazidas por esse
pesquisador.

À guisa de exemplificação, Jean Piaget, por exemplo, em sua teoria postula que o
desenvolvimento precede a aprendizagem, ou seja, as crianças precisam desenvolver
certas formas de pensar para compreender certos fenômenos. Contudo, algumas
pessoas interpretam erroneamente que, então, não se deve ensinar algumas coisas
para crianças pequenas, porque elas ainda não estão “aptas” a aprender. Na reali-
dade, isso é uma transposição de uma teoria da aprendizagem para uma teoria do
ensino feita de modo muito equivocado. Veremos melhor essas nuances ao longo
dessa e das próximas unidades.

O fato de as crianças ainda não terem desenvolvido certas formas de pensar, não
as limita totalmente, e elas podem sim potencialmente aprender desde que o con-
teúdo que se quer ensinar seja adaptado a sua compreensão, assim como também
propuseram teóricos como Vygotsky e Bruner. Outra misconception muito comum
é a de que os teóricos behavioristas como Skinner pensam na aprendizagem de um
modo muito mecanicista e sem considerar toda a subjetividade dos aprendizes ou a
importância da cultura, veremos mais adiante que se trata também de outra má-inter-
pretação. Um equívoco muito comum, independentemente da teoria, é acreditar que
a aprendizagem ocorra como um processo uniforme para todos os indivíduos, sem
reconhecer que na verdade há muita variação em função de diversos fatores como
as características individuais, o que será aprendido e as condições de aprendizagem.

O fato é que as teorias são sempre explicações possíveis sobre a realidade, por-
tanto, são fragmentadas e não são verdades absolutas e imutáveis, elas podem sim
serem equivocadas ou ficar ultrapassadas. Como conjuntos de explicações teóricas
sobre a realidade, elas precisam ser constantemente colocadas à prova. Faz parte do
método científico criar hipóteses sobre o mundo, isto é, respostas provisórias e, em
seguida, criar condições de testar essas hipóteses de modo objetivo e que possa ser
replicado por outras pessoas. Uma vez que se testa uma hipótese, pode-se encontrar
evidências em favor ou contrárias. Se as evidências forem a favor, avança-se um
pouco mais e se testa novas hipóteses, se forem contrárias, rejeitam-se as hipóteses
iniciais e criam-se novas hipóteses. Assim, o trabalho de um cientista nunca acaba,
pois sempre é necessário se pensar em novas respostas para explicar os fenômenos
que se apresentam. As teorias são vivas e continuam a evoluir. O que se pensava há

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

100 anos sobre a aprendizagem, deve ser atualizado sempre em função de novos
conhecimentos, fatos, contextos e tecnologias.

Hoje em dia, as crianças nascem e já são expostas imediatamente há várias tecno-


logias digitais como tablets, celulares, televisões, internet e brinquedos eletrônicos.
Efetivamente, isso implica em entender que se o contexto foi modificado, as for-
mas de aprender também podem potencialmente terem sido modificadas. É possível
­inferir que deve ser diferente aprender hoje algumas coisas do que seria para uma
criança nascida no começo do século XX, sem televisão, internet ou rádio. O mundo
muda o tempo todo e o que temos de aprender é olhar para o passado para aprender
com ele, e não para reproduzi-lo. As teorias clássicas são um norte, mas nem tudo o
que foi teorizado continua a se mostrar real nos dias atuais, e, por isso, é preciso sem-
pre buscar a atualização e desenvolver um olhar crítico. As pesquisas mais ­recentes
trazem novas evidências e assim vamos criando novas teorias mais contemporâneas.
Essas são igualmente não perfeitas, mas muitas vezes respondem melhor às deman-
das atuais, que não poderiam ser previstas há 50 anos.

Hoje, você está aprendendo via uma disciplina online, nosso contato principal
de professor-aluno está se dando via esse texto e algumas aulas em vídeo. Nossa
interação é diferente da que nossos pais, avós e bisavós vivenciaram quando estuda-
ram. Por certo tempo, houve até mesmo ensino a distância via cartas, hoje as pes-
soas recebem cada vez menos cartas, mas passaram a receber centenas de e-mails
que antes nem existiam. As salas de aula estão se transformando, e, como nós,
­especialistas em aprendizagem, podemos pensar na aprendizagem nesses diferentes
contextos? Como podemos compreender as melhores formas de se aprender um
determinado conteúdo? Será que todo mundo aprende igual? Será que aprendemos
melhor que nossos antepassados? Será que aprendemos pior?

Essas respostas ainda estão porvir, mas espero que desde já esse seja o começo
de uma revolução de aprendizagens para você. Que você possa refletir sobre as dife-
rentes formas e possibilidades de aprender. Nunca esquecendo de que quem aprende,
aprende sempre alguma coisa. Não aprendemos de forma indeterminada e no vazio.
Assim, precisamos entender as particularidades da aprendizagem de diferentes con-
teúdos e em diferentes contextos. Aprender uma habilidade é diferente de aprender
um conhecimento, um fato etc. Aprender matemática, por exemplo, é diferente de
aprender a dirigir. Contudo, usamos sempre o mesmo corpo, o mesmo cérebro,
a mesma cognição para aprender e, por isso, é possível estudar cientificamente a
aprendizagem e encontrar princípios comuns a todas as aprendizagens.

A Relação entre Aprendizagem


e o Desenvolvimento Humano
Alguns termos e conceitos que utilizamos em Psicologia são na realidade empresta-
dos do uso popular e cotidiano, por exemplo: inteligência, linguagem, personalidade,­

16
desenvolvimento e aprendizagem. Esses termos são comumente utilizados pelas
pessoas há muito tempo, sem que elas de fato pensem nos aspectos teóricos ou
conceituais que os cientistas atribuem a eles. Quando essas palavras são utilizadas
por psicólogos, elas ganham uma definição específica que as tornam não mais ape-
nas palavras, mas sim conceitos ou construtos teóricos. Nesse sentido, ouvimos as
palavras aprendizagem e desenvolvimento ao longo de toda nossa vida e podemos
ter várias ideias sobre elas, que são anteriores às definições conceituais que iremos
adotar nessa disciplina. Assim, é importante partirmos de definições iniciais e delimi-
tarmos o que entendemos por aprendizagem e desenvolvimento nesse curso.

A noção geral é de que desenvolvimento e aprendizagem são/estão intimamente


interligados. Nós poderíamos até mesmo usar essas duas palavras como sinônimos.
Por exemplo, o João já desenvolveu a leitura ou o João já aprendeu a ler são pra-
ticamente frases sinônimas para leigos. Contudo, psicólogos usam esses termos de
maneira muito distinta. A noção de desenvolvimento carrega em si uma ideia de
aquisição mais natural e fluida, a aprendizagem ocorre de maneira mais contínua
e com mudanças qualitativas. As pessoas crescem se desenvolvem mesmo que não
queiram. Não se pode evitar passar pelas fases de bebê, criança, adolescente, adulto
e idoso e nem mesmo pular quaisquer dessas fases. Por outro lado, podemos ou não
aprender a ler ou aprender a jogar futebol, cantar, dançar. Perceba que nesses casos,
as mudanças não dependem apenas do indivíduo e de sua constituição biológica,
para adquirir certas habilidades, é necessário ter uma interação com o meio físico e
social e é nessa interação que ocorre a aprendizagem.

Alguém poderá dizer que no caso do desenvolvimento também precisamos da


interação com o meio físico e social, afinal nós não crescemos no vazio, mas sim
sendo alimentados, cuidados, estimulados e interagindo com nossa família e socie-
dade. Isso não está errado, é justamente por isso que é tão difícil separar desenvol-
vimento de aprendizagem. A diferença essencial é entender que quando estamos
falando de desenvolvimento, falamos daquilo que é comum a toda a espécie humana
(filogênese), enquanto a aprendizagem está mais ligada ao que se adquire na história
de vida de uma pessoa (ontogênese), por exemplo, conhecer ou não física quântica.
Podemos dizer que a diferença é entre aquilo que podemos fazer por nós mesmos e
aquilo que dependemos de um contexto, de uma situação específica, que nos facilite
e propicie essa aprendizagem.

Distinguir esses dois conceitos não é tarefa fácil, existem muitos debates e discor-
dâncias. Skinner, por exemplo, não utiliza a noção de desenvolvimento, antes, utiliza
apenas o conceito de aprendizagem em sua teoria, entendendo esta como as mudanças
duradouras que são consequências das respostas dadas pelo sujeito aos estímulos
fornecidos pelo ambiente externo. Para Skinner, tudo aquilo que somos e sabemos
é fruto da aprendizagem. Para Piaget, o desenvolvimento é fundamental, e é porque
nos desenvolvemos que podemos aprender, ou seja, ele enfatiza mais o crescimento
de nossas potencialidades que são frutos da nossa biologia e os processos mentais
de construção e assimilação desse conhecimento. Vygotsky, por sua vez, propôs que
desenvolvimento e aprendizagem são importantes, mas, ao contrário de Piaget, ele

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

afirmava que não é preciso esperar que ocorra o desenvolvimento para que se possa
aprender, pois quando se aprende se avança no desenvolvimento.

Como você pode ver, não se trata apenas do uso de termos diferentes, mas tam-
bém de posições epistemológicas e explicações distintas. Em síntese, quando fala-
mos em desenvolvimento, estamos pensando mais nas mudanças que ocorrem ao
longo do tempo, sejam elas físicas, motoras, cognitivas, emocionais ou da personali-
dade de uma pessoa. Enquanto quando falamos de aprendizagem, estamos falando
de um processo de aquisição que permite a ocorrência de mudanças duradoras na
nossa vida como fruto da nossa interação com o meio físico e social.

A distinção que você deve fazer, portanto, é a de que as pessoas que estudam e
teorizam sobre o desenvolvimento estão pensando sobre o modo como as pessoas
crescem e mudam quando elas vão envelhecendo, já aprendizagem é um desses
mecanismos de mudança. Podemos estudar o desenvolvimento físico, motor, social,
linguístico, cognitivo, moral e afetivo. Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento
podem ser diferentes. Um mecanismo é o crescimento, que é o processo físico de
desenvolvimento, mais especificamente o processo de ficarmos cada vez maiores
fisicamente. Por outro lado, temos a maturação, que é um processo de desenvolvi-
mento físico, intelectual ou emocional, mais influenciado pela genética. Por exemplo,
quando envelhecemos, nossa estrutura óssea cresce e se modifica e a maturação
sexual permite que os órgãos sexuais se tornem aptos para a reprodução.

Por fim, a aprendizagem poderia ser considerada como um outro mecanismo de


desenvolvimento, pois vai permitir que as experiências e vivências ambientais pro-
movam mudanças duradouras no organismo. Enquanto todos nós iremos crescer e
ter a maturação de nossos órgãos, nem todo mundo irá aprender as mesmas coisas.
A aprendizagem é um dos mecanismos do desenvolvimento humano e justamente
por isso ocupa papel central na educação, pois é por meio do ensino que promove-
mos a aprendizagem de habilidades, valores e conhecimentos que irão permitir às
crianças se desenvolverem para além de suas potencialidades biológicas.

Processos Básicos e Dimensões


da Aprendizagem
Toda aprendizagem acarreta a integração de dois processos muito diferentes: um
processo externo de interação entre o indivíduo e seu ambiente social, cultural
ou material, e um processo psicológico interno de aquisição, processamento e
armazenamento de informações. Algumas teorias acabam dissociando esses dois
processos e estudando ou um ou outro, isso não significa que elas estejam completa-
mente erradas, é de fato, possível estudar esses processos separadamente. Contudo,
essas teorias não cobrem todo o campo da aprendizagem. Teóricos cognitivistas
ou construtivistas, por exemplo, privilegiam os processos internos, enquanto certas

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teorias de aprendizagem social ou behavioristas acabam enfatizando mais o processo
externo, por vezes ignorando ou minimizando a importância do processo interno.

Uma visão que reúne as duas visões é proposta por Illeris (2013) que, ao inte-
grar esses dois processos, aponta para a importância também de três dimensões
da aprendizagem. A dimensão do conteúdo, que diz respeito àquilo que deve ser
aprendido, como conhecimentos ou habilidades, valores, atitudes, métodos, estra-
tégias etc. A dimensão do incentivo, que diz respeito à energia mental necessária
para o processo de aprendizagem, envolvendo os sentimentos, emoções e motiva-
ção para aprender. E por último, a dimensão da interação, que propicia os im-
pulsos que dão início aos processos de aprendizagem, podendo ocorrer na forma
de percepção, transmissão, experiência, imitação, atividade, participação. Essa é a
dimensão que propicia a integração pessoal em comunidades e na sociedade. Assim,
a aprendizagem começa com o corpo e ocorre por intermédio do cérebro, que tam-
bém faz parte do corpo, e apenas gradualmente o lado mental é separado como uma
área ou função específica, mas nunca totalmente independente e sempre inserida
em um meio físico e social.

Embora seja praticamente impossível dar uma única definição de aprendizagem


para a Psicologia que seja de aceitação geral para todos, segundo Hill (1981), pode-
mos assinalar alguns fenômenos aos quais o termo aprendizagem é ou não aplicado:
• O que é aprendido não necessariamente é “correto” ou adaptativo, podemos
aprender tanto coisas boas quanto coisas ruins. Ex.: pode-se aprender a salvar
vidas enquanto médico, ou a tirar vidas enquanto assassino;
• O que é aprendido não é necessariamente consciente ou deliberado. Aprende-
mos o tempo todo de forma implícita e explícita. Ex.: uma criança pode apren-
der a falar palavrões implicitamente pela observação de seus pais e explicita-
mente aprender que não se deve falar palavrões porque é advertida pelos pais;
• Aprender não envolve necessariamente qualquer ato manifesto, pode-se apren-
der atitudes, valores e emoções da mesma forma como se aprendem conheci-
mentos e habilidades. Embora se saiba que alguém aprendeu algo quando a pes-
soa demonstra, ela pode apenas ter o conhecimento adquirido sem demonstrar.
Ex.: na escola, muitas aprendizagens são explicitas, pois o professor deliberada-
mente ensina os conteúdos, mas os alunos também podem aprender implicita-
mente os valores e atitudes do professor, como seu respeito pelos alunos, ou o
amor pelo que ensina.

Assim, podemos perceber que quando falamos em aprendizagem estamos na


verdade falando de uma miríade de possibilidades de coisas diferentes que podem ser
aprendidas. Saber cantar, limpar uma casa, dirigir um automóvel, conhecer as letras
de músicas, ter princípios éticos, reconhecer amigos, lembrar de viagens e férias
agradáveis e acreditar na importância da democracia e dos direitos humanos, são
todos frutos de aprendizagens. Assim, como também são frutos de aprendizagens
nossas preferências musicais e alimentares, ou o comportamento violento e agressivo
de algumas pessoas.

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Uma Compreensão Abrangente

Para saber mais sobre a história da humanidade e todas as aprendizagens e conquistas que
tivemos e nos caracterizam como humanos leia o livro de Harari, Y. N. Sapiens: Uma Breve
História da Humanidade. São Paulo: L&PM, Edição, 2015.

Tipos de Aprendizagem
Aprender não é apenas arquivar conhecimentos em nossos cérebros como se es-
ses fossem uma biblioteca antiga repleta de livros dispostos em estantes enfileiradas.
Na realidade, esse conhecimento é distribuído em várias redes neurais formadas
pelas múltiplas conexões entre neurônios e que possibilitam a criação do que os
psicólogos cognitivos chamam de esquemas mentais. Esses esquemas são o resul-
tado da aprendizagem, são um modelo mental, que é o resultado do processamento
cognitivo daquilo que foi aprendido e que nos possibilitará recuperar informações e
usá-las no momento apropriado (EYSENCK, KEANE, 2017; ILLERIS, 2013).

Diversos teóricos também classificam tipos de aprendizagem que podemos ter.


O tipo mais comum é chamado de aprendizagem assimilativa ou por adição, e
significa que uma nova informação é adicionada ao esquema ou padrão mental já
existente. Nas escolas, por exemplo, os currículos são estruturados de modo que as
disciplinas sempre forneçam elementos novos que se adicionem aos anteriores já
ensinados e supostamente aprendidos. Contudo, esse tipo de aprendizagem ocorre
em todos os contextos em que o aprendiz desenvolve suas capacidades gradualmente
(ILLERIS, 2013).

Outro tipo de aprendizagem é denominado de acomodativa ou transcendente.


Esse tipo de aprendizagem implica na necessidade de se decompor e transformar um
esquema mental previamente estabelecido de modo que se possa adequar o conhe-
cimento a uma nova situação. É um tipo de aprendizagem mais difícil e mentalmente
custoso, pois se deve romper com o que já se estabeleceu como conhecimento e
criar novas alternativas e formas de pensar. O conhecimento adquirido na aprendi-
zagem assimilativa costuma ser de difícil generalização, enquanto o conhecimento
oriundo da aprendizagem acomodativa pode ser empregado em diferentes contextos
mais facilmente. Piaget chamava esses tipos de aprendizagem de assimilação e
acomodação como veremos na próxima unidade.

Outros tipos de aprendizagens são descritos por teóricos como o psicólogo norte-
-americano David Ausubel (1918-2008), por exemplo, que diferenciou entre a apren-
dizagem mecânica e a aprendizagem significativa. Uma aprendizagem é mecânica
quando ela acontece apenas por memorização, repetição e não tem um significado
real para aquele que está aprendendo. Por oposição, a aprendizagem significativa é
aquela em que o aprendiz relaciona o que está aprendendo com conhecimentos pré-
vios que já possuía e assim encontra sentido e significado nessa aprendizagem que,

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portanto, torna-se importante e duradora. Obviamente que o objetivo da educação
deveria ser criar situações para a aprendizagem significativa, mas isso nem sempre é
o que acontece na maioria de nossas escolas.

Isso não significa que a memorização não seja importante, mas que existem
diferentes tipos de aprendizagem para diferentes conteúdos. Aprender um número
de telefone é basicamente uma questão de aprendizagem mecânica, enquanto aprender
sobre aprendizagem deveria ser algo prazeroso e significativo, uma vez que você irá
utilizar esse conhecimento por muito tempo.

Podemos ainda falar de aprendizagem transformadora, que acarreta mudanças


na personalidade, sendo a mais custosa, uma vez que implica em mudanças profundas
e amplas que incluem a mudança de vários grupos de esquemas mentais (ILLERIS,
2013). Como já mencionamos anteriormente, temos também a aprendizagem implícita
e a aprendizagem explícita. A primeira ocorre por mera exposição a algo, sem que
tenhamos consciência de que estamos aprendendo, por exemplo, uma criança aprende
a gramática de sua língua implicitamente, mas como consequência não saberá explicar
o porquê de a frase “Os menina joga bola” estar incorreta. Já a aprendizagem explícita
demanda mais esforço cognitivo, isto é, prestar atenção e refletir deliberadamente sobre
algo. Assim, uma criança pode ser explicitamente ensinada sobre as regras gramáticas e
a importância da concordância verbal e nominal (EYSENCK, KEANE, 2017).

Esses não são os únicos tipos de aprendizagem e nem as únicas formas possíveis
de defini-los. Algumas vezes teóricos diferentes podem oferecer classificações distin-
tas para um mesmo tipo de aprendizagem já previamente estudado. Veremos mais
tipos de aprendizagens ao longo deste curso quando introduzirmos as teorias nas
próximas unidades.

Condições Internas e
Externas de Aprendizagem
Caminhando para a conclusão desta Unidade é importante apresentar uma breve
revisão e síntese focando em aspectos importantes sobre a aprendizagem.

Se você perguntar a qualquer pessoa o que é aprendizagem, muito provavelmente


a resposta terá a ver com aquisição de conhecimentos ou habilidades. Agora imagine
a situação de alguém que nunca viu um dromedário, e que na primeira vez que se
depara com um, outrem lhe diz o nome e que se trata de um mamífero que é pare-
cido com um camelo. Na próxima vez que a pessoa encontrar um dromedário, ou
pelo menos a foto de um, ela dirá que se trata de um dromedário. Essa aquisição
do conhecimento e mudança de comportamento é tipicamente o que chamamos
de aprendizagem.

Aprender, portanto, implica em conhecer algo que não se conhecia antes e


também modificar o nosso comportamento em função desse novo conhecimento.

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Uma criança que ainda não sabe ler passa, todos os dias, por várias coisas escritas
ao seu redor, como placas, letreiros, jornais, anúncios etc. E ela nem percebe que
elas estão ali ou que têm quaisquer significados. Contudo, uma vez que ela aprende
que as letras representam sons e a escrita, portanto, tem uma função de armazenar
e transmitir mensagens, essa mesma criança muda seu comportamento e passa a
se interessar e tentar ler tudo aquilo que ela encontra. Algumas vezes notamos essa
súbita diferença entre o não saber algo e o de repente compreender após uma apren-
dizagem, e podemos chamar a isso de insight.

As mudanças da aprendizagem nem sempre são tão óbvias como saber o nome
ou não de um dromedário. Algumas vezes elas são sutis, são mudanças de disposição
como quando adquirimos um hábito ou quando a criança passa a notar as palavras
escritas. Essas aprendizagens têm a ver com o que denominamos de motivação para
aprender (DUMARD, 2015). Estar motivado é estar interessado, disposto a conhe-
cer algo novo. Por algum tempo, valorizou-se mais os processos cognitivos do que
os volitivos e afetivos, mas hoje sabemos que a motivação, assim como o afeto, é
fundamental para aprender, e que ela pode ser tanto intrínseca quanto extrínseca.

A motivação intrínseca é também chamada de interna, e literalmente significa


aquela que vem de dentro. É, portanto, mais forte e costuma ser mais duradoura.
Motivação é o impulso ou força que nos leva a fazer alguma ação. Nesse momento,
você provavelmente está lendo esse texto em grande parte devido a sua motivação
intrínseca, pois quer aprender mais sobre a aprendizagem e/ou se formar ao final
do curso. Isso faz com que o fato de encontrar aquilo que procura, ou seja, aprender
­esses conhecimentos te motive a continuar a aprendendo. Por outro lado, alguém
pode estar aprendendo alguma coisa sem muita vontade, porque não se tem escolha.
Por exemplo, uma criança que é obrigada a ir à escola; não necessariamente ela estará
motivada intrinsecamente para aprender. Caberá ao professor e aos r­esponsáveis
pela criança criarem condições de motivação intrínseca e extrínseca, que podem
variar grandemente. A motivação extrínseca é aquela que vem de fora, são os estí-
mulos, benefícios ou recompensas que nos motivam a fazer algo.

Assim, os pais podem, por exemplo, tentar incentivar com presentes, brinquedos
ou até mesmo dinheiro. Os professores, por sua vez, podem tentar incentivar com
elogios, boas notas e até mesmo punições, como impedindo que a criança participe
do recreio, das aulas de educação física ou de algum jogo. Contudo, nenhum desses
casos será tão efetivo ou recomendável quanto estimular a criança a desenvolver
a própria motivação intrínseca pela aprendizagem. Como você pode imaginar até
aqui, quando a motivação é externa ela quase sempre será efêmera, fugaz e menos
efetiva do que a motivação interna. Pais e professores devem buscar auxiliar as
crianças a desenvolver a motivação intrínseca pela aprendizagem. A curiosidade está
ligada a motivação interna, quando estamos curiosos queremos aprender por vontade
própria. Como especialistas em aprendizagem, precisamos estimular o aprender a
gostar de aprender, querer aprender mais pelo fato de saber o novo e não por um
presente, recompensa ou mesmo punição.

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Assim, a aprendizagem depende sempre de condições internas e externas para
que ocorra. Internamente, podemos pensar na motivação e nos conhecimentos pré-
vios que facilitam ou dificultam a aprendizagem. Externamente, podemos pensar em
diversos fatores como as condições de ensino, as desigualdades socioeconômicas
e também a própria motivação. Em situações ideais é muito fácil aprender, mas o
mundo não é feito de situações ideais, e sim de situações reais e possíveis. Sempre
existirão diversos obstáculos para a aprendizagem e como um especialista em apren-
dizagem você deve buscar sempre entender quais são os fatores que estão influen-
ciando naquela situação específica. Quais são os fatores que explicam o porquê dessa
aprendizagem estar ou não ocorrendo?

Esses fatores podem ser muito diversos, podem ser relacionados, por exemplo,
ao tipo de conteúdo a ser aprendido. Algumas coisas são mais difíceis do que outras,
por exemplo, aprender a apontar o lápis é muito mais fácil do que aprender a fazer
desenhos ultrarrealistas. Nesse caso, é preciso delimitar os conhecimentos neces-
sários para se aprender, o que é o objetivo final, e criar condições, dividindo os
conteúdos em etapas mais simples. É para isso que existem os currículos e planos
de ensino nas escolas. Seria muito difícil ensinar como construir foguetes em uma
aula, mas é possível dividir em vários anos e várias disciplinas e assim ao final de
4 ou 5 anos você se tornaria hábil em construir foguetes ou pelo menos a entender
como pode continuar a aprender sobre isso. A mesma coisa em uma situação mais
simples como ensinar a ler. Ensinar a ler com fluência e compreensão um livro como
“Dom Casmurro”, de Machado de Assis, é impossível em uma só aula no 1º ano do
Ensino Fundamental. Mas podemos ensinar as crianças primeiro quais são as letras
do alfabeto, quais são os fonemas que elas representam, depois como dividir palavras
faladas em fonemas e usar letras para escrevê-las. Até que se ensina às crianças a
cada vez mais desenvolverem fluência e compreensão de leitura e elas possam ler
com prazer e autonomia um clássico como Dom Casmurro.

Ao analisar uma situação de aprendizagem, portanto, a primeira coisa que deve-


mos pensar é o que se está tentando aprender. Depois, partiremos para entender o
que é necessário para que essa aprendizagem ocorra, quais são as etapas, conhe-
cimentos e habilidades necessárias. Em seguida, precisamos pensar nas condições
do aprendiz. Ele possui esses conhecimentos e habilidades? Ele possui motivação
intrínseca e extrínseca para aprender? Esse aprendiz vive em condições precárias
e sente muita fome quando chega a escola? Alguém pode aprender com fome?
Dá para aprender algo novo quando se pensa em outra coisa básica como a comida?
As necessidades básicas precisam também ser contempladas para que a aprendiza-
gem ocorra de modo eficiente.

Não estamos aqui culpabilizando as crianças ou aprendizes por suas eventuais


dificuldades em aprender, estamos apenas reconhecendo que essas características
individuais afetam também à aprendizagem. Um bom especialista em aprendizagem
não pode ignorar esses fatores internos, mas também não pode se limitar a eles.
Precisamos investigar os fatores externos e que tipicamente são os grandes respon-
sáveis pela maior parte das dificuldades de aprendizagem. Se estamos falando de

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

aprendizagem em ambientes escolares, os professores, os materiais pedagógicos e


os currículos são os principais fatores externos que devem ser analisados. Algumas
vezes, os professores podem não estar notando algumas necessidades específicas de
seus alunos, ou os materiais pedagógicos/didáticos não são apropriados para todos,
ou o currículo não está bem organizado, ou sendo implementado adequadamente.
Não se trata novamente de culpar a um ou outro desses fatores, mas sim entender
como todos eles podem influenciar na situação de aprendizagem.

Fora das escolas, a aprendizagem ocorre o tempo todo e em todos os lugares.


Uma criança não nasce sabendo falar ou andar, mas aprende isso nos primeiros
anos de vida e, de modo geral, com certa facilidade. Entretanto, essa aprendizagem
também não ocorre sem a presença de estímulos ou a possibilidade de exercitar e
explorar novas experiências. As crianças precisam de ambientes que possibilitem a
exploração para que tentem olhar para novas coisas e tentem alcançá-las, mover o
corpo como for possível até que se tente engatinhar e depois se tente ficar de pé
como os adultos e, então se passe a andar tropeçando e caindo, mas levantando e
tentando novamente até que se estabilize e se possa correr, com quedas, mas sempre
se recuperando e tentando novamente.

Agora imagine uma situação irreal, mas infelizmente possível de acontecer, em


que as crianças são completamente impedidas de explorar, são deixadas apenas
no berço o tempo todo, no máximo são pegas no colo por alguns minutos. Essas
crianças iriam ficar impedidas de tentar explorar, e não aprenderiam a andar. Como
também não aprenderiam a falar se não escutassem pessoas falando ao seu redor
e consigo. Não há como aprender se não for estimulado, se não receber estímulos
para isso. Os estímulos podem estar disponíveis no ambiente ou ser fornecidos por
alguém, nas escolas os professores propiciam condições de aprendizagem ao esco-
lher os estímulos apropriados.

Essa é uma discussão muito profícua e que ganhará cada vez mais corpo e con-
sistência a medida em que avançarmos neste curso. Espero que você tenha cada
vez mais motivação intrínseca para que continue a devorar cada unidade e busque
sempre mais informações. Este curso foi planejado para que você tenha todas os estí-
mulos e condições apropriadas para a sua aprendizagem e para aprender a aprender,
isto é, ter o controle intencional sobre suas formas de aprendizagem, podendo assim
aprender mais e de forma melhor. Nas próximas unidades, veremos como diferentes
teorias da aprendizagem contribuem para isso, lançando luz em diferentes pontos e
fatores importantes. Também veremos como particularidades da aprendizagem em
diferentes contextos. Por hora, desejo a você uma aprendizagem muito eficiente e
prazerosa. Até a próxima unidade!

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São Paulo:
Edições Loyola, 2006.
Caçadores de neuromitos
EKUNI, R.; ZEGGIO, L.; BUENO, O. F. A. (eds.) Caçadores de neuromitos. O que
você sabe sobre o seu cérebro é verdade? São Paulo: Mennon, 2015.

Vídeos
Traga a revolução da aprendizagem!
ROBINSON K., Sir. Traga a revolução da aprendizagem! (2010) TED Talks.
https://bit.ly/321uOYC

Leitura
Motivação intrínseca e extrínseca: diferenças no sexo e na idade
PANSERA, S. M. et al. Motivação intrínseca e extrínseca: diferenças no sexo e na
idade. Psicol. Esc. Educ., Maringá, v. 20, n. 2, p. 313-320, Ago. 2016.
https://bit.ly/2F8bv6E

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Referências
BIGGE, M. L. Teorias da aprendizagem para professores. São Paulo: Editora
pedagógica e universitária, 1977.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: Como o cérebro


aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

DUMARD, K. Aprendizagem e sua dimensão cognitiva, afetiva e social. São


Paulo: Cengage Learning, 2015.

EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de Psicologia Cognitiva. Porto Alegre:


Artmed, 2017.

ILLERIS, K. (org.). Teorias Contemporâneas da Aprendizagem. Porto Alegre:


Penso, 2013.

HILL, W. F. Aprendizagem. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1981.

LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da Aprendizagem: o que o professor disse. São Paulo:


Cengage Learning, 2019.

SARGIANI, R. de A.; MALUF, M. R. Linguagem, Cognição e Educação Infantil:


Contribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências. Psicol. Esc. Educ.,
­Maringá, v. 22, n. 3, p. 477-484, Dez. 2018.

THOMAS, G.; PRING, R.. Educação baseada em evidências: a utilização dos acha-
dos científicos para a qualificação da prática pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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