Fisiologia Do Exercício II
Fisiologia Do Exercício II
Fisiologia Do Exercício II
DE IPATINGA
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO II
SUMÁRIO
Unidade 1:
Unidade 2:
Unidade 3:
Unidade 4:
Unidade 5:
Unidade 6:
Introdução
O nosso organismo necessita continuamente de energia, seja para realizar
uma atividade física ou apenas se manter em repouso e desempenhar as
funções biológicas básicas. Ao realizar um exercício físico, o corpo ativa
mecanismos, a fim de produzir mais energia, em contrapartida, também
pode apresentar gastos energéticos durante esse processo.
É indispensável que o fisioterapeuta compreenda os efeitos dos
diferentes exercícios físicos no organismo e quais são os principais me-
canismos metabólicos envolvidos na realização desses exercícios. Esse
conhecimento será diretamente utilizado para que a intervenção fisio-
terapêutica seja planejada e definida.
Dessa forma, neste capítulo, você irá estudar os conceitos básicos da
fisiologia do exercício.
2 Conceitos básicos em fisiologia do exercício
Rotas metabólicas
Para que o nosso organismo realize as suas funções, é necessário que seja pro-
duzida energia. Essa energia química pode ser obtida pela quebra da molécula
de ATP, o que faz com que um dos três grupos fosfato seja removido dessa
molécula. Devido a essa importante função, o ATP é conhecido como a moeda
energética dos seres vivos, a qual permite que exista energia para ser utilizada
durante processos químicos, mecânicos (como a contração da musculatura),
elétricos (como a propagação de um estímulo nervoso pelo sistema nervoso),
entre outros (SILVERTHORN, 2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).
Para iniciar um exercício, é necessário ter energia para que ocorra contração
da musculatura esquelética e que essa energia seja obtida por vias metabólicas.
Inicialmente, a energia é proveniente da quebra de moléculas de ATP existentes
nas fibras musculares. No entanto, pouco ATP existe nas fibras musculares,
permitindo sustentar apenas um ou dois segundos de contração muscular
4
DÉBITO CARDÍACO EM REPOUSO 5,8 L/min DÉBITO CARDÍACO DURANTE O EXERCÍCIO VIGOROSO OU INTENSO 25,6 L/min
19% 1%
Rim Rim
9% 2,5%
Pele Pele
10% 0,5%
Outros tecidos Outros tecidos
21%
Músculos Músculos
esqueléticos 88%
esqueléticos
Figura 1. Modificação da distribuição do fluxo sanguíneo durante a realização de um exercício físico vigoroso.
Fonte: Silverthorn (2010, p. 820).
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 5
intensa, por isso, existem diferentes rotas metabólicas que proporcionam essa
energia para a realização do exercício físico: a via anaeróbia alática, a via
anaeróbia lática e a via aeróbia. As principais diferenças entre essas vias são
a velocidade com que ocorrem, a necessidade ou não de o oxigênio participar
da reação e a produção ou não de lactato (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD,
2004; TORRES; MARZZOCO, 2007).
Para dar continuidade ao exercício, ocorre a via anaeróbia alática que
necessita da participação da molécula de FCr presente na fibra muscular.
Porém, esta também é uma via rápida e, se o exercício necessitar ser mais
longo, outras vias deverão ser ativadas para a obtenção do ATP. Conforme a
disponibilidade de oxigênio, a via poderá ser a via anaeróbia lática, em caso
de ausência de oxigênio, ou via aeróbia (fosforilação oxidativa), na presença de
oxigênio. Essas vias ocorrem a partir de substratos provenientes de nutrientes,
principalmente a glicose, que pode ser obtida não apenas pela ingestão de
glicose livre, mas também em forma de amido, sacarose e lactose. Parte dos
substratos que serão utilizados pelas vias metabólicas anaeróbia lática e aeróbia
está localizado nas fibras musculares, enquanto a outra parte é direcionada
pela corrente sanguínea de outras estruturas do corpo, como o fígado e o
tecido adiposo, chegando até a musculatura esquelética (SILVERTHORN,
2010; HEYWARD, 2004; TORRES; MARZZOCO, 2007).
As diferentes fibras musculares que existem na musculatura esquelética
apresentam características diferenciadas e, por isso, têm a capacidade de
obter energia preferencialmente por uma via ou outra. As fibras tipo I, por
exemplo, são denominadas fibras lentas oxidativas. Essas fibras são altamente
vascularizadas e ricas em mitocôndrias e mioglobina, tendo a capacidade de
produzir ATP pela oxidação aeróbia. Por outro lado, as fibras tipo II, também
conhecidas como fibras rápidas, têm poucas mitocôndrias e mioglobina, bem
como poucas enzimas do metabolismo aeróbio e resistência à fadiga. Além
disso, essas fibras tipo II têm maior capacidade de realizar a contração mus-
cular com grande velocidade por meio da via da glicólise anaeróbia, a qual
utiliza a glicose e o glicogênio como substratos para obter energia (TORRES;
MARZZOCO, 2007).
A distribuição dos tipos de fibras musculares pela musculatura esquelética
é variada e determinada pelo modo de utilização dessa musculatura. Além
disso, o exercício físico é um importante estímulo para a transformação mus-
cular, podendo converter um tipo de fibra em outro. A musculatura de atletas
maratonistas que correm longas distâncias, por exemplo, tem predominância
de fibras lentas do tipo I, enquanto os corredores de curta distância têm maior
quantidade de fibras rápidas do tipo II (TORRES; MARZZOCO, 2007).
6 Conceitos básicos em fisiologia do exercício
Quadro 1. Comparativo das vias anaeróbias e via aeróbia e seus processos metabólicos
Vendo a Figura 2, é possível saber mais sobre a contribuição energética das principais
rotas metabólicas desencadeadas pelo exercício físico.
Contribuição Energética
50
0
0 1 2 3 4 5
Duração do Exercício
Veja na Figura 3 o ciclo do ácido cítrico (também conhecido como ciclo de Krebs),
perceba que o processo inicia com a AcetilCoA. Nessa rota circular, são produzidos
ATP, elétrons de alta energia e dióxido de carbono.
Misto de duas
Via anaeróbia vias Via aeróbia
Intensidade do exercício
Figura 3. Imagem representativa da relação das rotas metabólicas e dos tipos de exercícios
físicos.
Fonte: Adaptada de Riddell et al. (2017).
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 11
Você já imaginou o porquê de alguns atletas como Usain Bolt conseguirem adquirir
performances motoras incríveis? A fisiologia pode explicar.
Acesse o link a seguir e veja a notícia que explica algumas características físicas
desse atleta.
https://goo.gl/o9NG7T
Leituras recomendadas
GUYTON, A. C.; HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro:
Elsevier Brasil, 2006.
HUIJSMANS, R. J. et al. The clinical utility of the GOLD classification of COPD disease
severity in pulmonary rehabilitation. Respiratory Medicine, v. 102, n. 1, p. 162-171, 2008.
SWANWICK, E.; MATTHEWS, M. Energy systems: a new look at aerobic metabolism in
stressful exercise. MOJ Sports Medicine, v. 2, n. 1, p. 39, 2018.
Conteúdo:
ESTUDO DO
MOVIMENTO III:
FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO
Introdução
Para aqueles que trabalham com a prescrição de exercício físico, o co-
nhecimento em fisiologia do exercício é altamente necessário, pois é
extremante importante conhecer a ampla gama de respostas ao exercício,
incluindo aquelas que ocorrem no âmbito de uma determinada classe
de doenças, bem como entre as diferentes condições especiais.
Neste capítulo, você conhecerá a importância do conhecimento em
fisiologia do exercício na prescrição e aplicação de programas de exercício
físico com ênfase em grupos especiais. Assim, ampliará seu conhecimento
sobre as principais modificações fisiológicas ocorridas nas condições
especiais apresentadas, compreendendo o possível papel do exercício
no seu tratamento. Além disso, conhecerá as principais condutas para
o atendimento às respectivas populações especiais, com destaque para
suas individualidades e aspectos mais importantes.
2 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Crianças e adolescentes
As crianças e adolescentes são fisiologicamente adaptáveis tanto aos treinamen-
tos aeróbicos quanto aos de força muscular (resistência). Para essa população,
o exercício físico contribui na redução dos fatores de risco cardiometabólicos,
4 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Envelhecimento
A partir dos 35–40 anos de idade, a tendência é que nossa capacidade fun-
cional comece a declinar, com a deterioração variando em qualquer idade,
porém sofrendo influências genéticas, sexuais e de estilo de vida de cada um.
Nosso pico de força muscular geralmente é alcançado entre os 20 e 40 anos,
quando, então, a força concêntrica da maioria dos grupos musculares começa
a declinar (MCARDLE; KATCH; KATCH TCH, 2018). A perda de força
sofre influência direta do nível mais baixo de AF em indivíduos idosos; no
entanto, a perda acelerada que ocorre entre os 60 e 80 anos de idade decorre
da própria perda de massa muscular, inerente ao envelhecimento, chamada
de sarcopenia (POWERS; HOWLEY, 2017).
Observa-se ainda que o ritmo de perda de força é maior nos membros
inferiores do que nos membros superiores, o que se torna uma preocupação por
elevar o risco de quedas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). No entanto, o
treinamento de força é capaz de promover alterações positivas, aumentando a
força muscular nos idosos de forma muito similar ao que ocorre em indivíduos
mais jovens (POWERS; HOWLEY, 2017). De fato, cargas equivalentes a 80%
de uma repetição máxima (1–RM) são capazes de promover tanto o aumento
de massa quanto de força muscular (Figura 1), indicando que os idosos apre-
sentam impressionante plasticidade nas características fisiológicas, estruturais
e relacionadas com o desempenho, mesmos que as capacidades de responder
aos sinais de crescimento muscular diminuíam com a idade (MCARDLE;
KATCH; KATCH, 2018).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 5
Gestantes
A gestação é marcada por modificações fisiológicas e anatômicas progressi-
vas. O organismo da grávida está constantemente tentando adequar as suas
demandas às necessidades do feto em desenvolvimento. Para isso, vários
mecanismos tentam manter um ambiente fisiologicamente estável. As principais
adaptações cardiovasculares e metabólicas à gestação incluem um aumento
do volume sanguíneo em torno de 40–50%, ligeiro aumento do consumo do
O2, aumento do gasto energético para exercícios com sustentação de peso,
6 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Diabetes melito
Diabetes melito é um termo que abrange um grupo de doenças metabólicas
caracterizadas pela dificuldade de se produzir insulina suficiente ou de utilizá-la
de forma adequada, resultando em hiperglicemia. A insulina é um hormônio
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 7
Normal Pré-diabetes DM
GPJ < 100 mg.dl-1 GPJ = 100 a 125 mg.dl-1 GPJ > 125 mg.dl-1
Obesidade
O sobrepeso e a obesidade são definidos com base na avaliação do índice
de massa corporal (IMC), correspondendo a 25–29,9 kg.m-2 e a 30 kg.m-2 ou
mais, respectivamente. Para todas as idades e etnias, ambas condições estão
associadas a um aumento no risco de diversas condições crônicas como doenças
cardiovasculares, DM, alguns tipos de cânceres e até alterações musculoes-
queléticas (EHRMAN et al., 2017; POWERS; HOWLEY, 2017; ACSM, 2018).
Embora o IMC seja utilizado para avaliar a obesidade, é necessária a rea-
lização de outras avaliações para corroborar o real estado do indivíduo, pois
esse dado isolado não leva em consideração sua proporção de massa gorda e
massa magra (Figura 2) (EHRMAN et al., 2017).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 9
Doenças cardiovasculares
Os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento de doenças
cardiovasculares (DCV) são sobrepeso e obesidade, comportamento seden-
tário e componente genético (EHRMAN et al., 2017). As DCVs mais comuns
englobam a insuficiência cardíaca (IC) e hipertensão arterial sistêmica (HAS)
(EHRMAN et al., 2017; POWERS E HOWLEY, 2017; ACSM, 2018; MCAR-
DLE; KATCH; KATCH, 2018).
Pacientes que sofrem de IC apresentam uma incapacidade cardíaca em
acompanhar as demandas metabólica dos órgãos e tecidos. Essa condição
está associada principalmente ao ventrículo esquerdo (VE), podendo ser
causada por falhas na função sistólica ou diastólica (EHRMAN et al., 2017).
Cerca de 60% dos casos de IC estão associados a doença cardíaca isquêmica
(DCI), ou seja, aterosclerose coronariana, gerando infarto do miocárdio (IM),
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 11
Doenças pulmonares
As alterações pulmonares podem ser subdivididas em condições obstrutivas,
em que há dificuldade do fluxo de ar pulmonar, ou restritivas, em que há
redução das dimensões pulmonares (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
12 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Uma atenção especial deve ser dada ao indivíduo com asma, pois os sintomas podem
ser provocados ou piorados pelo exercício, uma condição associada à broncoconstrição
induzida pelo exercício (BIE), chamada de asma induzida pelo exercício (AIE). Uma
forma de minimizar essa condição é evitar a realização de exercícios em ambientes
frios e secos, bem como com alto nível de poluição (ACSM, 2018).
Câncer
O câncer engloba um grupo de doenças caracterizadas por um crescimento
descontrolado de células anormais. Dentre as consequências mais sérias para
o sobrevivente do câncer, podemos destacar a perda de massa corporal e o seu
estado funcional, incluindo dificuldade na deambulação, fadiga séria, perda de
endurance cardiovascular e força muscular, afetando suas atividades diárias.
Dessa forma, a realização de exercícios e atividades físicas para os pacientes
durante e após as diferentes modalidades de tratamento pode auxiliar na
retomada de seu cotidiano, além de parecer prevenir recaídas (MCARDLE;
KATCH; KATCH, 2018). De fato, existe uma associação inversa entre a prática
de exercício físico regular após o diagnóstico e a recidiva do câncer, além da
mortalidade específica da doença e geral. Além disso, o exercício parece ter
um papel preventivo ao desenvolvimento de certos tipos de câncer, como o
de mama, de próstata e o colorretal (EHRMAN et al., 2017).
Os tratamentos do câncer acabam por desenvolver manifestações clínicas
como sensação de dispneia, com redução da capacidade pulmonar, fraqueza
muscular, incontinência urinária, diarreia, náuseas, vômitos, aterosclerose
prematura, miocardiopatias, disfunção sexual, anorexia, anemia, perda de
massa muscular, osteoporose, cefaleia, alterações da pressão arterial, dentre
14 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Doenças neurodegenerativas
As duas condições neurodegenerativas mais comuns são a doença de Pa-
rkinson (DP) e doença de Alzheimer (DA), que afetam principalmente
indivíduos idosos. A DP configura-se como um transtorno neurológico
crônico e progressivo marcado por sintomas que consistem em tremores em
repouso, bradicinesia (redução da velocidade da amplitude do movimento),
rigidez, instabilidade postural e anormalidade na marcha. A sua causa ainda
é desconhecida; no entanto, parece haver influências genéticas e do meio
ambiente. Além disso, o processo de envelhecimento, respostas autoimunes
e a disfunção mitocondrial dos neurônios também parecem contribuir com
a doença. O exercício físico representa um tratamento complementar no
auxílio ao paciente com DP. De fato, a prática regular de exercícios parece
retardar as sequelas secundárias que podem afetar os sistemas musculoes-
quelético e cardiorrespiratório, além de melhorar a performance da marcha,
a qualidade de vida e a capacidade aeróbica do paciente (ACSM, 2018). Um
estudo conduzido por Zigmond e Smeyne (2014) propôs a hipótese de que
o exercício físico apresenta um papel neuroprotetor em indivíduos com DP,
mas sua comprovação ainda exige mais estudos.
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 15
https://qrgo.page.link/6cpdJ
Crianças e adolescentes
Crianças e adolescentes saudáveis podem iniciar um programa de exercícios
sem a necessidade de realização de teste de esforço; no entanto, se apre-
sentarem condições como asma, diabetes, obesidade ou alguma condição
cardiovascular, o teste de esforço pode ser solicitado. Em geral, podem ainda
ser realizados testes de saúde e aptidão, como, por exemplo, a bateria de testes
do FitnessGram, que avalia os seguintes componentes: composição corporal
(IMC, dobras cutâneas ou impedância bioelétrica) aptidão cardiorrespiratória;
e aptidão muscular e flexibilidade (ACSM, 2018).
Geralmente, as diretrizes de treinamento de força para adultos podem ser
aplicadas a esta população, respeitando-se as características inerentes a cada
idade (ACSM, 2018). A maneira como crianças e adolescentes respondem ao
exercício pode ser diferente de como o adulto responderia, e suas adaptações
ao treinamento estão associadas, até certo ponto, ao crescimento e maturação
(EHRMAN et al., 2017).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 17
Envelhecimento
As recomendações para programas de treinamento físico voltados para idosos
são similares àquelas para pessoas mais jovens, com a necessidade de realização
de um exame clínico e de triagem de fatores de risco, já que idosos apresen-
tam maior probabilidade de terem DCV e outras comorbidades. Devem ser
investigados os padrões de AF habituais, seu nível de capacidade funcional
e os sintomas induzidos pelo exercício (dor no peito, dispneia, palpitações,
tonturas ou claudicações). Caso o idoso apresente histórico desses sintomas
ou infarto do miocárdio, revascularização periférica, presença de DM e/ou
outros distúrbios, ele deverá ser colocado em uma categoria de maior risco.
Devido às possíveis condições que essa população pode apresentar, é importante
identificar os medicamentos utilizados, pois podem influenciar no desempenho
e na segurança do exercício físico. Exemplo disso são os fármacos psicoativos
(como os ansiolíticos), que podem aumentar o risco de quedas (ACSM, 2018;
MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
Deve ser realizado um exame físico focado na PA e na auscultação cardíaca
e pulmonar, além de avaliações físicas que incluem medidas antropométricas
para composição corporal, avaliação postural e avaliação funcional. Um teste
simples de caminhada por um corredor pode revelar alterações na marcha.
Geralmente, idosos que não apresentam alterações da PA e nenhuma outra DCV
podem iniciar um programa de exercício de intensidade baixa ou moderada (de
3 a 6 METs; 40–60% do VO2máx estimado) sem a necessidade de um teste de
esforço (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). No caso de idosos com riscos
maiores ou que desejam realizar exercícios mais intensos, é recomendado a
realização de um teste de esforço, incluindo capacidade cardiorrespiratória,
força e flexibilidade. Se apresentarem histórico de queda, é importante a
avaliação do equilíbrio. Alguns dos testes de desempenhos mais utilizados
são o Senior Fitness Test, Short Physical Performance Battery, Velocidade de
Marcha Usual, Teste de Caminhada de 6 min e Teste de Desempenho Físico
de Escala Contínua (ACSM, 2018).
Gestantes
A avaliação médica da gestante para prática de exercícios físicos pode incluir
a aplicação do PARmed-X para gestação, que é um instrumento que avalia o
seu estado de prontidão para AF (ACSM, 2018). Os testes de esforço máximo
não devem ser realizados, a menos que seja uma necessidade médica e desde
18 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Diabetes melito
O exercício físico regular em indivíduos com DM2 resulta em melhorias na
tolerância à glicose, na sensibilidade à insulina e na diminuição da hemoglo-
bina glicada (HbA1c). Além disso, existem outros benefícios para indivíduos
com DM1, DM2 ou pré-diabéticos, que incluem melhoria nos fatores de risco
associados a doenças cardiovasculares, bem como no bem-estar geral. A prática
de exercícios 150 minutos/semana está associada à diminuição da morbimor-
talidade em todas as populações, incluindo aquelas com DM (EHRMAN et
al., 2017).
A prescrição de exercícios físicos para indivíduos com DM1 deve ter como
preocupação a possibilidade de hiperglicemia e cetose, que podem resultar em
coma diabético (ACSM, 2018). Os sintomas comuns associados à hiperglicemia
são fadiga, poliúria, fraqueza, sede e hálito cetônico. É recomendado avaliar
a concentração de cetonas se a glicemia do paciente estiver superior a 250
mg.dl-1. Indivíduos que apresentem uma glicemia maior que 299 mg.dl-1, se
estiverem se sentindo bem e não apresentarem corpos cetônicos nos testes de
sangue e urina, podem praticar exercícios de intensidade moderada, abstendo-se
de exercícios de intensidade vigorosa. Caso apresentem corpos cetônicos, o
exercício deve ser adiado (Figura 3) (LAMOUNIER et al., 2015; EHRMAN
et al., 2017).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 19
Obesidade
Embora a obesidade seja, aparentemente, uma condição médica óbvia, é
necessária uma avaliação completa para determinar sua real condição. Para
isso, é preciso realizar uma avaliação da massa corporal, da estatura, das cir-
cunferências de cintura, quadril e pescoço (recentemente sendo demonstrado
como fator de risco para DM e DCV), gordura corporal, problemas musculo-
esqueléticos e/ou ortopédicos, além de outras medidas para identificação de
possíveis comorbidades, como HAS e DM (ACSM, 2018).
Um teste de esforço não é indicado para indivíduos com sobrepeso ou obesos
antes do início de um programa de exercícios de intensidade leve à moderada
(2–6 METs). Porém, caso seja realizado, principalmente para os indivíduos
obesos, é recomendado a utilização de bicicletas ergométricas que permitam
com que o indivíduo possa ficar sentado (ACSM, 2018). Apesar disso, um
estudo conduzido por McCullough et al. (2006) com indivíduos obesos que
possuíam indicação para cirurgia bariátrica (IMC > 45 km.m-2), demonstrou
que apenas um não pode realizar o protocolo de caminhada testado. Além
disso, recomenda-se a realização de teste de força, para orientar na elaboração
de um programa de força, e a avaliação da flexibilidade, para identificar
articulações com amplitude limitada (EHRMAN et al., 2017).
Doenças cardiovasculares
Antes de iniciar um programa de AF, é necessário realizar uma triagem de
saúde que deve incluir anamnese, exame físico, avaliações laboratoriais e
testes fisiológicos pertinentes. O histórico médico deve estar atualizado,
sendo importante seu acompanhamento ao longo do programa de treinamento
(MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). O ACSM (2018) propõe a utilização
do algoritmo de triagem de pré-participação, um instrumento desenvolvido
para identificar participantes com risco de complicações cardiovasculares
durante ou imediatamente após exercícios.
Para indivíduos com sinais/sintomas ou alguma DCV diagnosticada, é reco-
mendada a avaliação dos níveis plasmáticos de colesterol e triglicerídeos, além
da glicemia de jejum. Além disso, deve ser realizado, com base na avaliação
médica, eletrocardiograma de 12 derivações em repouso, angiografia coronária,
ecocardiograma, radiografia de tórax (em caso de suspeita ou presença de IC),
perfil bioquímico e hemograma completo (EHRMAN et al., 2017).
O teste de esforço limitado por sintomas é seguro junto a pacientes com
IC, e, quando associados à medição indireta de gases inspirados, fornece
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 21
Doenças pulmonares
Antes de iniciarem um programa de exercício físico, os pacientes que apre-
sentam doenças pulmonares devem ser orientados a realizar testes de esforço,
pois eles fornecem medidas objetivas da capacidade de exercício, mecanismos
de intolerância ao exercício, prognóstico, progressão da doença e resposta
ao tratamento. Em indivíduos cuja doença é leve ou moderada, os sintomas
podem surgir apenas quando o sistema respiratório é demandado, como du-
rante o exercício. Já nas condições graves, a sua capacidade está tão reduzida
que até a atividade simples se torna um desafio para o sistema respiratório
(EHRMAN et al., 2017).
Durante os testes, devem ser realizados a monitorização da PA, a atividade
elétrica cardíaca (eletrocardiograma), a saturação de O2 arterial e a medição
da dispneia. Já existem aparelhos validados para a medição da PA durante
exercícios. Além disso, um oxímetro de pulso, também validado, pode ser
utilizado. Para avaliação da dispneia, podem ser utilizadas escalas subjetivas
(como a escala de Borg CR-10 modificada para dispneia) (EHRMAN et al.,
2017; ACSM, 2018).
Para indivíduos com DPOC, é preciso tomar um cuidado especial com seu
risco de desenvolver hipertensão pulmonar, tanto durante os testes quanto
durante os exercícios. É recomendada cautela ao realizar exercícios de membros
superiores, pois o aumento da pressão adicional nos músculos assessórios da
22 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais
Câncer
Ainda são poucas as pesquisas que demonstram a prescrição adequada de
exercícios para indivíduos com câncer, bem como o momento mais adequado
para iniciar o programa em relação às fases do tratamento. Por conta disso, as
recomendações para a reabilitação oncológica, em geral, incluem exercícios
que são limitados por sintomas. Devem ser avaliados o estado nutricional,
possíveis problemas metabólicos, além de sinais agudos ou sintomas que
são específicos de um tipo de câncer e que poderiam impedir a participação
no exercício (uma mulher que realizou mastectomia recente, por exemplo,
pode estar limitada a realizar exercícios de membros superiores). Também
deve ser realizada uma avaliação funcional que permita identificar possíveis
instabilidades na marcha associadas à quimioterapia ou ao envolvimento do
sistema nervoso, alterações na cicatrização, imunossupressão e sangramentos.
Além disso, alguns sintomas agudos podem exigir mudanças no planejamento,
como náusea, vômito, fadiga e fraqueza. Isso requer uma reavaliação constante
durante o programa de treinamento (EHRMAN et al., 2017).
Os procedimentos utilizados para os testes de esforço são os mesmos
adotados para indivíduos sadios, com a ressalva de que tais pacientes devem
receber uma atenção especial em termos de suas sensações de fadiga. Não é
recomendado que se exercitem ao máximo, e algumas informações podem
sugerir uma contraindicação para a realização de exercícios (EHRMAN et
al., 2017):
Doenças neurodegenerativas
Como estas condições afetam principalmente os idosos e apresentam re-
percussões significativas nas suas capacidades funcionais, é recomendada
a realização de testes de aptidão física específicos para idosos, que incluam
avaliações de equilíbrio, marcha, mobilidade geral, amplitude de movimento
articular, flexibilidade e força e resistência musculares (ACSM, 2018).
Como se tratam de condições degenerativas progressivas, pode haver dis-
função do sistema nervoso autônomo, o que talvez acarrete em anormalidades
na pressão arterial. Dessa forma, deve-se ter cuidado na prescrição e deve
ser realizado monitoramento constante das variáveis hemodinâmicas. Além
disso, esses indivíduos podem apresentar com maior frequência hipotensão
ortostática, sendo recomendado, portanto, a realização de exercícios com a
maior segurança possível, evitando-se a mudança de posição rápida e constante
(FORLENZA et al., 2012; ACSM, 2018).
ACSM. Diretrizes do ACSM para os testes de esforço e sua prescrição. 10. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2018.
EHRMAN, J. K. et al. Fisiologia do exercício clínico. 3. ed. São Paulo: Phorte, 2017.
FORLENZA, O. et al. Doença de Alzheimer: uma perspectiva do tratamento multiprofis-
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Acesso em: 1 ago. 2019.
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EXERCÍCIO FÍSICO
PARA POPULAÇÕES
ESPECIAIS
Introdução
Gravidez não é doença, mas requer cuidados especiais. Esta frase traduz
o tema que será abordado neste capítulo. De fato, a gestação não implica
doença ou condição patológica alguma. Contudo, as gestantes são clas-
sificadas como “população especial” perante os programas de exercícios
físicos, por exigirem cuidados extras àqueles normalmente aplicados
na população em geral. Não são todas as modalidades, volumes, inten-
sidades e/ou posições de exercícios que as gestantes podem executar.
O entendimento dos principais cuidados, especialmente no primeiro
trimestre de gestação, pode determinar o sucesso de um programa
de exercício físico. Além disso, o fortalecimento do assoalho pélvico e
lombar, entre outros objetivos, tanto para gestantes sedentárias quanto
para aquelas habituadas a treinos, deve ser executado com segurança.
Assim, neste capítulo você conhecerá os cuidados que devem ser
adotados para a prática de exercícios físicos, com atenção especial
aos três primeiros meses de gestação. Também aprenderá a aplicar
programas de treinamento específicos para fortalecimento do core:
2 Exercícios para gestantes
músculos do quadril, lombar e pelve. Por fim, ficará a par das dife-
rentes estratégias de treinamento para perfis distintos de gestantes:
sedentárias e atletas.
Você sabe qual é a diferença entre atividade física e exercício físico? Atividade física
é todo movimento corporal realizado pela musculatura esquelética que requer gasto
calórico acima do repouso. Exercício físico, por sua vez, é uma atividade física com o
objetivo específico de aumentar a aptidão física relacionada à saúde e/ou desempenho
esportivo. Assim, por atividade física, entenda “movimentar-se mais”, e por exercício
físico, entenda “[...] praticar atividade física programada e com objetivo definido sobre
a aptidão física” (GUEDES; GUEDES, 1995, documento on-line).
4 Exercícios para gestantes
Absolutas Relativas
Não deve ser prescrito exercício máximo, mesmo que seja para avaliação.
É recomendada a presença ou supervisão de um médico.
Para avaliação do consumo máximo de oxigênio (VO2máx), pode ser
realizado um teste submáximo (até 80% FCmáx predita pela idade, ou
65–70% FC de reserva).
Gestantes sedentárias devem ser avaliadas pelo médico antes da rea-
lização dos testes físicos.
(Continua)
8 Exercícios para gestantes
(Continuação)
No link a seguir, você encontra exemplos de exercícios com método Pilates para
reforçar o core. É necessário ajustar os exercícios de acordo com a individualidade
biológica das gestantes, levando-se em consideração a experiência prévia, possíveis
dores e desconfortos etc.
https://qrgo.page.link/dmBmL
10 Exercícios para gestantes
GUEDES, D. P.; GUEDES, J. E. R. P. Atividade física, aptidão física e saúde. Revista Brasileira
de Atividade Física & Saúde, v. 1, n. 1, p. 18–35, 1995. Disponível em: http://rbafs.org.br/
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MONTENEGRO, L. P. Musculação: abordagens para a prescrição e recomendações para
gestantes. Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício, v. 8, n. 47, p. 494-98,
2014. Disponível em: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/676/618.
Acesso em: 12 jul. 2019.
526 TREINAMENTO EM MÉDIA ALTITUDE E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECIAIS DO MEIO AMBIENTE
capacidade integral de trabalho somente entre o sétimo e As reações do esportista ao calor: adaptação
o décimo dia. De maneira geral, propõe-se que para cada Sabemos que aproximadamente 75% da energia produzida
hora de diferença é necessário um dia de adaptação. durante um treinamento intenso ou uma competição é li-
Klein (1977), citado por Platonov, refere que, quando berada para o meio externo sob a forma de calor. O meio
se voa em direção oeste, a adaptação é 30 a 50% mais rápida mais ativo dessa liberação de calor é a exalação durante a
do que na direção leste. Essa assimetria na influência dos ventilação e a difusão de líquidos através da pele. Produto
vôos transoceânicos deve-se ao fato de que o ritmo circa- disso, se a temperatura ótima do ar para a atividade vital
diano natural na direção oeste supera as 24 horas e, na do ser humano oscila entre 18 e 22oC, a atividade física
direção leste, diminui. intensa requer uma diminuição na temperatura ótima. Por
Como em algumas ocasiões a alteração no fuso horário exemplo, para uma atividade física que requeira uma fre-
está acompanhada de alteração no clima, na temperatura qüência cardíaca de 140 bpm, a temperatura ideal seria
e na alimentação, recomenda-se que, no caso de competi- entre 16 e 17oC e, para 170 a 180 bpm, a realização ótima
ções fundamentais (como olimpíadas e campeonatos mun- de trabalho seria a uma temperatura de 13 a 14oC.
diais), os esportistas com possibilidade de medalha partam, O aumento da temperatura externa acima de um nível
junto com seus treinadores e equipe médica, 2 a 3 semanas relativamente suportável elimina a diferença útil, do ponto
antes do evento, a fim de garantir uma adaptação completa. de vista fisiológico, entre a temperatura interna do corpo e
A defasagem de horário é também conhecida como jet- a externa, o que dificulta seriamente a liberação de calor e
lag, expressão inglesa que se refere ao desequilíbrio que gera uma ameaça por meio do superaquecimento do corpo.
acompanha as viagens de avião através das diferentes zonas A evaporação do suor da superfície do corpo torna-se
de fusos horários no mundo. Isto é, voando transversal- mais difícil quando ocorre aumento na umidade. Com a
mente sobre o globo terrestre no sentido leste-oeste ou vice- pressão dos vapores de água do ar ambiente superior a 40
versa. mm rrtst, a evaporação do suor é quase nula. Por isso, o
Possíveis recomendações: esportista suporta melhor uma temperatura do ar muito
Quando se voa na direção oeste: o dia fica maior, alta quando a umidade não é significativa em relação a
assim, o mais provável é que haja interesse em man- uma temperatura relativamente baixa mas com grande
ter-se acordado, o que é o melhor para a adaptação. umidade.
É importante uma dieta rica em proteínas (carne, O aumento da temperatura e da umidade do ar em rela-
peixe, ovos, derivados do leite), o que ajuda a man- ção ao nível de bem-estar (Tabela 19.5) está relacionado
ter-se desperto. com uma diminuição importante do nível de consumo de
Quando se voa na direção leste: o dia se torna mais oxigênio com o qual o ser humano mantém a temperatura
curto, de forma que é melhor descansar no avião. corporal constante. O treinamento ou a competição em
Para dormir, é conveniente uma dieta rica em car- temperaturas muito elevadas sem que haja aumento da
boidratos (massa, arroz, frutas, vegetais, etc.). temperatura do corpo exige uma forte diminuição da inten-
sidade da atividade, o que produz uma diminuição do
De maneira geral: VO2máx em aproximadamente 33% e uma marcada dimi-
Antes e durante o vôo, pensar positivamente em rela- nuição do rendimento esportivo, de forma mais notória
ção ao próprio vôo e a futura permanência. nas modalidades de tempo prolongado.
Beber em abundância água mineral ou sucos para A partir dos 37oC de temperatura seca ou dos 29oC de
evitar a perda de líquidos que ocorre nos vôos. Não temperatura úmida, o esportista apresenta sérias dificulda-
é conveniente ingerir bebidas alcoólicas, nem bebi- des fisiológicas, e a manutenção da atividade física prolon-
das com cafeína (café, chá, bebidas à base de cola). gada provoca uma diminuição no rendimento e, em tempe-
Durante as escalas nos terminais de aeroporto, apro- raturas extremamente elevadas, como observado na Tabela
veitar para andar e realizar alongamentos. 19.5, pode colocar em perigo a saúde do atleta. Essas si-
No local de destino: estabelecer um cronograma aco- tuações influenciam negativamente os sistemas circulató-
plado ao novo horário, sendo muito rigoroso com os rio e respiratório, alteram a formação do suor e a transpi-
horários de treinamento, de alimentação e de des- ração, assim como o balanço salino e hídrico. Por exemplo,
canso. Evitar comer ou dormir fora de horário. O o fluxo de sangue e o VO2 não são diferenciados do nível
primeiro treinamento deve ser uma sessão curta com alcançado no início do trabalho em condições normais e
caráter aeróbio (corrida contínua, não mais de 30 em condições de calor, porém são diferenciados em qualida-
min), realizando aquecimento e resfriamento apro- de, já que com o calor há aumento da circulação da pele
priados. (cutânea) até 20% do fluxo cardíaco (cerca de quatro vezes
MEDICINA DO ESPORTE 527
Tabela 19.5 Condições de temperatura e rendimento Tem-se observado que pessoas de climas moderados e
de olhos negros e castanhos adaptam-se, de forma geral,
Temperatura Temperatura mais facilmente. Pessoas de olhos claros, em algumas oca-
Classificação seca (oC) úmida (oC) siões, são acometidas no período de aclimatação com irri-
tabilidade, insônia, hipertensão arterial, etc.
Agradável 27 22
Quando os atletas devem deslocar-se de países frios para
Quente 37 29
competir em países quentes, é necessário organizar uma
Muito quente 40 32,5 aclimatação prévia, entre 7 e 14 dias, com sessões diárias
de 2 ou 3 horas, inicialmente com baixa intensidade. Se
não for possível treinar nessas condições, é preciso utilizar
mais que em condições normais). Esse aumento em direção uma roupa que bloqueie a liberação de calor e limite a eva-
à rede capilar cutânea é necessário para impedir um supera- poração do suor, com a finalidade de ir criando mecanismos
quecimento do corpo. de adaptação.
Uma das conseqüências mais negativas da desidratação Os esportistas jovens suportam menos o calor do que
é a diminuição do volume do plasma sangüíneo. Durante os adultos, já que se aclimatam mais lentamente a um clima
a desidratação, como conseqüência do trabalho prolongado quente.
em altas temperaturas secas e/ou úmidas, perde-se aproxi- De maneira geral, são dadas algumas recomendações
madamente 4% do peso corporal, e o volume do plasma para a adaptação ao calor:
diminui em 16 a 18%. Também há diminuição do volume Quando nos deslocamos em direção a um país com
sangüíneo circulante e do volume sistólico, observando-se temperaturas e/ou umidade elevada, a adaptação an-
uma hemoconcentração com um aumento do hematócrito tes da competição deve ser, no mínimo, de 7 a 14
e da viscosidade do sangue, aumentando a carga de traba- dias.
lho que o coração pode suportar e diminuindo a sua produ- É preciso, no início, diminuir a duração e a intensida-
tividade. Isso leva a uma diminuição da circulação nos mús- de e aumentar progressivamente as cargas. Realizar
culos que estão sendo utilizados devido ao aumento da por- mais de uma sessão diária de treinamento. Não pas-
centagem do fluxo cardíaco dirigido aos vasos cutâneos sar de 2 a 3 horas de treinamento nos primeiros dias.
para intensificar a perda de calor, diminuindo o volume de Os esportistas devem estar bem-hidratados antes de
sangue circulante. Isso leva a um acúmulo de lactato e, treinar e de competir. É preciso repor as necessida-
por conseguinte, diminui o ritmo de trabalho. Uma conse- des hidreletrolíticas mediante bebidas isotônicas e,
qüência da desidratação é, inclusive, a diminuição do volu- em algumas ocasiões, somente água, durante o
me de líquido intercelular e intracelular. Nas células com treinamento e a competição, em uma proporção de
baixo conteúdo de água e com um equilíbrio alterado de 150 a 200 mL a cada 20 a 30 minutos.
eletrólitos, a atividade normal altera-se. Esse desvio do flu- Essas condições críticas de temperatura fazem o or-
xo sangüíneo em direção à pele também afeta o suprimento ganismo consumir de 2 a 2,5 vezes mais do que em
para o fígado, para os rins e para o intestino. Essa situação condições normais, devido à grande quantidade de
crítica de insuficiência coronariana aumenta a freqüência água absorvida.
cardíaca, a qual é insuficiente. Se isso persistir por um tem- A alimentação deve ser balanceada e com poucas
po prolongado, em condições de competição, pode provo- calorias no início da adaptação.
car no esportista um choque térmico e colocar sua vida em Utilizar roupas leves, as quais devem ter apenas uma
perigo. Pode ser típico da maratona. camada de tecido para permitir a evaporação da água
O treinamento e a competição do esportista com altas e abrir o máximo possível a superfície da pele.
temperaturas e umidade ambiental provocam, pouco a pou- Ainda devemos ser mais cuidadosos com crianças e
co, o desenvolvimento de reações de adaptação, fazendo adolescentes, já que sua adaptação é mais lenta, es-
com que a atividade do organismo seja mais efetiva e o pecialmente as crianças.
rendimento aumente. Lembrar que a resposta é individual e que alguns se
As pessoas que vivem em países quentes caracterizam- recuperam mais rapidamente.
se por um limiar menor de perda de calor, não só por adap- A adaptação do esportista ao calor seco não é garan-
tação, mas também por um aumento de 0,2oC na tempera- tia de adaptação ao calor úmido.
tura corporal e, inclusive, um acentuado aumento na quan- A adaptação ao trabalho de baixa intensidade (25%
tidade de glândulas sudoríparas por cada cm2 de superfície do VO2máx ou um pouco mais) em condições de
corporal em comparação com as pessoas que vivem em paí- calor não garante a adaptação a um trabalho de
ses de temperaturas moderadas. maior intensidade nas mesmas condições.
528 TREINAMENTO EM MÉDIA ALTITUDE E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECIAIS DO MEIO AMBIENTE
Em algumas ocasiões, as alterações de adaptação nas mais afetadas. Por exemplo, utilizar luvas nos dedos
modalidades esportivas de tempo prolongado, como das mãos e, se possível, durante a prática do esporte,
é o caso de algumas modalidades de resistência em como pode ocorrer no futebol, atletismo de fundo,
clima quente, são bastante complexas e necessitam etc. É fundamental evitar doenças respiratórias, as-
de 3 a 4 semanas. sim como lesões do esporte, incluindo fraturas devi-
Os esportistas de países mais quentes e úmidos adap- das a quedas após nevar.
tam-se melhor ao treinamento e à competição nessas Dieta balanceada, com um maior aporte de calorias
condições. do que o habitual em esportistas que não tenham
O aumento da temperatura retal do corpo é um índi- dificuldades com sobrepeso, com um pequeno au-
ce que informa sobre a ação da carga no organismo mento das proteínas e dos lipídeos a fim de garantir
do esportista, e há uma elevação considerável dessa um maior aporte calórico e enfrentar os gastos extras
temperatura quando estamos realizando trabalho devidos ao frio.
em condições de alta temperatura. Tem sido proposta Realizar um ótimo aquecimento para garantir o au-
como um indicador para classificar a intensidade mento e a manutenção do calor corporal por meio
de trabalho, segundo os registros da temperatura, do aumento do metabolismo, evitando também fu-
em: leve até 38,1oC; difícil de 38,1 até 39,4ºC; ex- turas lesões.
tremamente difícil (crítica) em mais de 39,4°C. Tem-
se demonstrado, em um seguimento de esportistas, O não-cumprimento dessas medidas conduz à diminui-
durante um trabalho intenso e durante a recupe- ção da temperatura corporal abaixo do normal, devido ao
ração, a relação desse indicador (temperatura retal) resfriamento, o que diminui o VO2máx, o fluxo cardíaco, a
com a freqüência cardíaca, com o fluxo sangüíneo e capacidade de trabalho e a recuperação. Também decrescem
com a ventilação pulmonar. significativamente os índices de força e velocidade, cujo
nível está diretamente relacionado com a temperatura mus-
cular. A capacidade de resistência também diminui. A adap-
As reações do esportista ao frio: adaptação tação crônica ao frio diminui a vasoconstrição cutânea, in-
A adaptação aguda e crônica do esportista ao frio é muito tensificando a circulação sangüínea periférica e diminuindo
menos complexa. Não obstante, para os esportistas de paí- menos a temperatura cutânea e muscular. Aumenta a coor-
ses quentes, é mais lenta e um pouco arriscada para a saúde, denação dos esportistas, assim como a força-velocidade, a
observando-se o aumento da incidência de lesões esporti- mobilidade articular e a resistência. A adaptação deve durar
vas. entre 7 e 14 dias, lembrando que as crianças se adaptam
As reações de adaptação aguda do organismo a certas mais lentamente do que os adultos.
temperaturas estão condicionadas pela necessidade de de-
fesa do corpo ante a perda de calor.
Influência das condições climáticas
O aumento da capacidade de isolamento por meio de
sobre o rendimento esportivo
vasoconstrição cutânea é fundamental. Isso provoca uma
diminuição da temperatura cutânea, pela qual é produzida As condições climáticas também influenciam o treinamen-
uma diferença de temperatura entre a superfície do corpo to, a competição e a preparação do esportista para o desen-
e o meio ambiente. volvimento da competição. A informação sobre o tempo
A vasoconstrição mais importante é produzida nas ex- real permite aumentar a qualidade da preparação do es-
tremidades, especialmente nos dedos das mãos e dos pés. portista e a realização das competições, assim como permite
A circulação entre os dedos das mãos e dos pés pode dimi- resolver melhor os problemas envolvendo o treinamento e
nuir cerca de cem vezes, enquanto os tecidos das partes a competição.
distais das extremidades podem diminuir até a temperatura Para organizar o treinamento e a competição, convém
do meio ambiente. Por isso, a capacidade de isolamento da conhecer a previsão do tempo em curto prazo (segurança
pele pode aumentar 5 ou 6 vezes. de 80 a 90%), em médio prazo (70 a 75%) e em longo prazo
É importante conservar o calor do corpo em temperatu- (60 a 65%).
ras baixas. Para que isso seja garantido, deve-se: Quando o tempo é agradável e quente, pode-se reduzir
a duração do aquecimento e diminuir um pouco a sua in-
Utilizar roupas adequadas. Utilizar roupa e calçado tensidade. Quando, por exemplo, sopra um vento forte,
esportivos durante o treinamento e a competição, deve-se corrigir a técnica e a tática da atividade competitiva
para garantir a manutenção de uma temperatura em esportes que dependem do tempo, como vela, remo,
ótima e proteger as áreas do corpo que podem ser canoagem, esqui, ciclismo, triatlo, futebol e vôlei de praia.
MEDICINA DO ESPORTE 529
As temperaturas baixas podem modificar os programas das Colaborar, oportunamente, na avaliação da organiza-
sessões de treinamento e alterar os programas das com- ção do evento.
petições; por exemplo, quando chove forte são adiadas as Prever a chegada para ao menos três dias antes do
corridas do ciclismo em pista aberta, beisebol, etc. evento.
Pode ser útil manter um tratamento com uma fór-
mula antioxidante via oral.
Influência das condições de poluição Usar uma medicação preventiva da tosse induzida
ambiental sobre o rendimento esportivo pelo esforço após exercício em indivíduos sensíveis,
Existem muitos compostos químicos que, isoladamente ou como o Nedocromil, o qual produz efeitos benéficos
em combinação com outros compostos, produzem efeitos nessas situações e não é um produto proibido.
danosos sobre a saúde, afetando principalmente o sistema Avaliar a presença de outros possíveis contaminantes
respiratório por meio da diminuição ou alteração de sua e, conseqüentemente, fazer profilaxia da bronco-
função. Essas substâncias tóxicas terão uma maior ou constrição em indivíduos hiper-reativos, sejam ou
menor repercussão no rendimento físico do esportista que não asmáticos. Devem ser utilizados medicamentos
compete ou treina sob condições atmosféricas adversas, simpaticomiméticos que não se encontrem na lista
dependendo de diferentes fatores, como a concentração de substâncias proibidas pelo COI.
do produto químico no meio e a combinação com outros Se a área estiver muito contaminada, deve-se avaliar
produtos químicos, ocasionando uma soma por adição de seriamente a possibilidade de não competir, sobretu-
efeitos tóxicos; o nível de ventilação do esportista; o estado do atletas de esportes de moderada e alta intensida-
prévio da árvore brônquica do atleta; o estado de saúde e a de e duração, como ciclismo, provas de fundo no
forma física do esportista; a combinação com outros fatores atletismo, marcha, triatlo, e, fundamentalmente, es-
atmosféricos (altitude, temperatura, umidade, etc.). portistas com maior sensibilidade.
Os agentes contaminantes são classificados em primá-
rios e secundários. Os secundários são muito mais prejudi-
ciais. Formam-se por meio de reações químicas de precurso- Asma e hiper-reatividade brônquica nos
res naturais ou emitidos por fontes artificiais; estes incluem esportistas de rendimento
o ozônio (O3), o HNO3, o H2SO4, o peroxiacetil nitrato e A presença de asma no esportista deve ser avaliada com
uma grande quantidade de compostos inorgânicos que certa cautela e deve-se estar preparado para atendê-la e
pode existir em forma gasosa ou de partículas. A principal preveni-la durante as competições. Em condições de conta-
fonte dos agentes de poluição, tanto primários quanto se- minação ambiental, esses esportistas são mais suscetíveis.
cundários, é a combinação de produtos derivados do pe- Em condições ambientais normais, a porcentagem de espor-
tróleo pelos meios de transporte nas cidades e nas áreas tistas asmáticos é similar à da população em geral, oscilando
industriais. entre 5 e 10%; porém, nos atletas, existe uma hiper-rea-
É preocupante que esportistas treinem em áreas onde tividade brônquica superior à da população em geral. O
existe contaminação ambiental, correndo por grandes ave- motivo ainda não está claro, mas suspeita-se de que a hi-
nidas em que a contaminação ambiental é elevada devido perventilação durante períodos longos, desde idades muito
aos produtos da combustão dos meios de transporte, ou jovens, em muitos casos, provoca o envio de certas subs-
tenham parte de seu circuito de treinamento em zonas in- tâncias irritantes e/ou hipersensibilizantes em maior quan-
dustriais. tidade e intensidade.
Drobnic (1996) propõe uma série de recomendações Além do efeito do exercício, há o próprio efeito do ar
para o esporte em um meio ambiente com contaminação frio e seco sobre a mucosa brônquica. Devemos lembrar
ambiental, que citaremos a seguir: que um atleta de maratona ventila, em duas horas e meia,
Organizadores do evento: o mesmo volume que ventilaria em 5 ou 6 dias levando
uma vida sedentária.
Estudar os locais onde se vai competir.
Como hiper-reatividade brônquica entende-se um esta-
Avaliar os locais de treinamento.
do de maior sensibilidade dos brônquios ante um determi-
Estabelecer um horário compatível com os horários
nado estímulo físico (exercício) ou químico (substâncias
de menor contaminação.
provocadoras), resultando em uma diminuição da capaci-
Estabelecer medidas oportunas para limitar a poluição
dade brônquica. O esportista hiper-reativo pode jamais
durante a atividade física (indústrias, transportes).
apresentar uma crise, porém, em condições de gripe ou
Equipe esportiva (técnicos do esporte, equipe médica e durante um clima muito frio ou seco, pode apresentar sinto-
esportistas): mas leves de “sufoco”, tosse ou sensação de aperto no peito
530 TREINAMENTO EM MÉDIA ALTITUDE E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECIAIS DO MEIO AMBIENTE
Altos níveis de monóxido de carbono estão relaciona- NAVARRO, F. Metodología del entrenamiento para el desarrollo de la
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dos com a patinação sobre o gelo, juntamente com
outro gás, o NO2. São convertidos em irritantes do ______. Sobre el entrenamiento en la altitud. XXII Congreso Técnico de
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436 NUTRIÇÃO. SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS E ESPORTE DE COMPETIÇÃO DE ALTO NÍVEL
conseqüente eliminação pelas fezes. A Tabela 15.7 Ergogenia é uma palavra de origem grega que, em rela-
apresenta os primeiros sinais e sintomas de de- ção ao esporte, significa economia na utilização, no controle
ficiência do ferro, e a Figura 15.11 mostra a rela- e na eficiência da energia. Não se deve confundir ajuda
ção do ferro em seus depósitos de reserva e fun- ergogênica com ingestão de substâncias proibidas (doping)
cional e sua relação com a anemia do esportista. e/ou com administração de transfusões sangüíneas ou ma-
Considerando as características do atleta e sua mo- nipulações químicas. É um dever de todos lutar contra o
dalidade esportiva, idade e sexo, deve-se orientá-lo doping, por isso é importante educar os atletas desde seu
ao consumo da dieta apresentada anteriormente. As início para evitar esse hábito prejudicial. Todos os treina-
carnes vermelhas, as vísceras, a gema do ovo, os le- dores, dirigentes de federações, médicos e profissionais do
gumes secos, o cacau, os mariscos e a salsa são ali- esporte, em seus respectivos comitês olímpicos nacionais,
mentos ricos em ferro. Às vezes, é necessário utilizar federações esportivas e instituições estatais do esporte, de-
suplementos com a combinação de ferro ferroso e vem informar sobre substâncias que contenham doping e
ácido fólico, assim como complexo de vitamina B, que anualmente aparecem publicadas nas listas oficiais
principalmente a B12. emitidas pelo COI.
Isostar 296 73 24 4 12
Gatorade 349 62 23 3 14
Lucozado Sport 280 69 23 4 1
Prips Energy 260 75 13 2 7
dos proibidos, como estimulantes e diuréticos, muito De forma breve, apresentaremos a classificação atual
utilizados para diminuir o peso corporal. da Agência Mundial Antidoping (WADA - AMA) e do Comitê
Se este foi o resultado encontrado ao avaliar-se em- Olímpico Internacional para 2004, relacionada às substân-
presas de países desenvolvidos, é muito provável que cias e aos métodos proibidos.
a situação de países menos desenvolvidos seja mais
grave.
Substâncias proibidas
A Agência Mundial Antidoping, WADA, informa ao
S1. Estimulantes
Movimento Desportivo Olímpico e a todos os prati-
S2. Narcóticos
cantes de exercícios físicos que o uso de suplemen-
S3. Canabinóides
tos nutricionais não é necessário para a performance
S4. Agentes anabolizantes
e recuperação do atleta, ressaltando que o verdadeiro
S5. Hormônios peptídicos
êxito do rendimento esportivo e da longevidade do
S6. Beta-2-agonistas
atleta encontra-se no sucesso de um planejamento
S7. Agentes com atividades antiestrogênica
e controle do treinamento cientificamente funda-
S8. Agentes mascarantes
mentados e personalizados, necessitando-se de uma
S9. Glicorticosteróides
ótima relação entre as cargas de treinamento e com-
petições aplicadas, uma boa recuperação e ótima nu-
trição.
Métodos proibidos
M1. Aumento do transporte do oxigênio
M2. Manipulação farmacológica, química e física
DOPING E ESPORTE M3. Dopagem genética
Com o objetivo de melhorar o rendimento esportivo, alguns
treinadores, atletas e, lamentavelmente, certos médicos e
investigadores do esporte recorrem a fármacos e/ou méto- Substâncias proibidas para
dos para conseguir tal objetivo, tentando justificar que o determinada disciplina esportiva
preço não é demasiado elevado para atingir o objetivo de Sustâncias como álcool, diuréticos e beta-bloqueadores
vencer. Além dos problemas éticos, por tentar obter uma encontram-se registradas como substâncias proibidas para
vantagem adicional sobre seus adversários, tal prática põe determinadas disciplinas esportivas. A nova classificação
a saúde do atleta em risco. de dopagem é discutida no Capítulo 22.
O doping não é novo, embora nos últimos tempos a pro- Cada vez mais as federações esportivas internacionais
fissionalização e a comercialização excessivas do esporte, exigem o cumprimento do regulamento oficial do COI –
repleto de competições de alto nível e poucas possibilidades WADA que relaciona a lista das substâncias proibidas
de recuperação, associadas ao aparecimento de fármacos (doping).
novos (alguns deles obtidos por técnicas recombinantes, A recente criação da Agência Internacional Antidoping
que dificultam ou impossibilitam sua detecção na análise fortaleceu essa posição em nível mundial.
da urina), possam sugerir que tais meios têm sofrido um Os controles sangüíneos incorporados contribuirão de
considerável aumento. No entanto, deve-se levar em con- forma definitiva para a detecção de substâncias não-detec-
ta que a detecção de um maior número de positivos tem tadas na urina.
exercido um papel importante no controle e na regulamen-
tação mais rigorosa a que em épocas anteriores.
A Agência Mundial Antidoping com a elaboração de seu ESPORTE DE ALTO RISCO E NUTRIÇÃO
código ético, em união ao Comitê Olímpico Internacional,
MARGINAL: EFEITOS FISIOPATOLÓGICOS
da mesma forma que as diferentes federações esportivas
internacionais, exerce um papel importante na atualização
DA RESTRIÇÃO CALÓRICA E DIMINUIÇÃO
das substâncias e dos métodos considerados doping, DE PESO E DO PERCENTUAL DE GORDURA
tentando, com isso, assegurar o jogo limpo e a segurança CORPORAL
dos esportistas. Os fármacos proibidos são um arsenal A perda da gordura corporal abaixo dos valores normais
terapêutico reduzido. Portanto, o atleta que, por motivos mínimos do percentual de gordura corporal (5% nos ho-
clínicos, necessite de um tratamento, dispõe de alternativas mens e 10 a 12% nas mulheres), a longo prazo, não melhora
válidas que garantem seu direito a um tratamento apro- o rendimento esportivo. Ocorre primeiro um estancamen-
priado. to nos resultados e, posteriormente, uma redução, o que
440 NUTRIÇÃO. SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS E ESPORTE DE COMPETIÇÃO DE ALTO NÍVEL
se acentua quando a situação ocorre por meses ou tempo- cuperação biológica, incluindo má relação carga de treina-
radas, ainda que seja de forma flutuante (ver Capítulo 13). mento e/ou competição com recuperação insuficiente, são
A Tabela 15.9 mostra um grupo de modalidades esporti- causas multifatoriais desses quadros negativos para a per-
vas nas quais isso pode ocorrer se os atletas possuírem di- formance esportiva e o futuro dos atletas. Tudo isso está
ficuldades com sua composição corporal. Observamos dois relacionado à depleção de carboidratos endógena.
grupos com diferentes características metodológicas com-
petitivas, ambos com um possível problema de peso.
CUIDADOS NOS PROGRAMAS DE
Mecanismos desencadeantes de fadiga PERDA OU AUMENTO DE PESO
por deficiência de reserva energética Na hora de definir os programas de perda ou aumento de
peso dos atletas, deve-se levar em consideração importantes
Ao diminuir a reserva de gordura corporal do organismo
aspectos que caracterizam a qualidade desse programa:
esgotam-se também as reservas do glicogênio e, assim, ini-
ciam-se mecanismos catabólicos no organismo do atleta, Conhecer o estado de saúde do atleta, já que a causa
que se caracterizam por: do problema de baixo peso ou sobrepeso geralmente
está associada a hábitos de alimentação incorretos.
Depleção de substratos (triglicerídeos e glicogênio),
Devem ser descartadas alterações endócrino-meta-
acúmulo de metabólitos, alterações hidreletrolíticas, bólicas, parasitismo, entre outras.
alteração na captação de aminoácidos ramificados Caracterizar o esportista do ponto de vista morfo-
e alteração de enzimas cinases. funcional. Conhecer a superfície corporal, o gasto
A depleção do glicogênio e dos triglicerídeos armaze- energético da modalidade, tanto nas sessões de trei-
nados exerce um papel muito importante nas altera- namento como na competição e no resto de sua ati-
ções endócrino-metabólicas. vidade diária.
Começar o programa desde o início da etapa prepara-
tória e, inclusive, se for necessário, iniciá-lo entre 4
Depleção de carboidratos endógenos: efeitos e 8 semanas antes que seus demais companheiros
Alteração na função dos aminoácidos, importante mudança de modalidade para poder criar uma base ideal, do
na relação aminoácidos intramusculares e plasmáticos, uti- ponto de vista morfofuncional, combinando a nu-
lização dos aminoácidos ramificados e aumento rápido dos trição e o treinamento necessário.
produtos finais protéicos. Tudo isso leva à limitação do ren- Conhecer o gasto energético diário do atleta, incluin-
dimento esportivo. do o do treinamento.
A ação crônica desse quadro produz desequilíbrio hor- As modificações que forem necessárias na ingestão
monal, favorecendo dos processos catabólicos. calórica e no treinamento não podem afetar a saúde
Nos Capítulos 17 e 20 trataremos de diferentes estados do atleta.
fisiopatológicos que ocorrem no esporte de alto rendimento, A combinação do programa de nutrição (incluída a
como a tríade da atleta, problemas de depressão imuno- ajuda ergogênica) com o treinamento não deve
lógica e fadiga crônica, em que a perda exagerada de peso produzir aumento ou perda de peso maior de 1 kg
e uma diminuição excessiva do percentual da gordura cor- por semana.
poral, com nutrição deficiente e maus mecanismos de re- Obter o peso corporal e a distribuição de sua com-
posição corporal ideal pelo menos uma semana an-
tes da competição.
Estabilizar o peso corporal do atleta de maneira que
Tabela 15.9 Esportes de alto risco em nutrição marginal responda à estratégia competitiva, sem afetar o esta-
do de saúde, o rendimento e a longevidade atlética.
Critérios Modalidades esportivas Para competir ou treinar com menos de 5% de gordu-
ra corporal nos homens e de 12% nas mulheres, de-
Peso baixo Ginástica esportiva e artística, vemos ter permissão do médico especialista. Procu-
< % Gordura patinação artística, balé, aeróbica, nado
rar evitar essa situação para qualquer modalidade,
Aparência corporal sincronizado, salto de trampolim, salto
de esqui, hípica (jóquei) idade e sexo.
Os atletas que estão acima de seu peso ideal devem
Competição vs Judô, boxe, luta, taekwondo, remo reduzi-lo gradualmente, na razão de não mais que
categoria de peso (categorias leves), halterofilismo,
1 kg/semana, para preservar seu peso magro (massa
fisiculturismo
livre de gordura). Isso deve ser alcançado mediante
MEDICINA DO ESPORTE 47
Tais modificações estão relacionadas aos seguintes prin- de resistência podem apresentar entre 28 e 40 bpm,
cípios: pelo aumento do volume sistólico, a partir de uma
hipertrofia ventricular esquerda de caráter fisiológico.
Individualidade (incluindo herança genética)
A FC normalmente diminui com a idade, tanto em
Especificidade do treinamento (com predomínio
repouso como durante exercícios submáximos e má-
aeróbio, anaeróbio ou misto)
ximos (principalmente neste último, em conseqüên-
Relação entre volume e intensidade
cia do processo biológico do envelhecimento).
Progressão da carga
Fatores como aumento de temperatura e altitude
Manutenção (a perda é reversível)
aumentam a FC de repouso.
Antes do exercício, a FC costuma aumentar acima
dos valores normais, o que se denomina resposta
AJUSTES CARDIOVASCULARES AO ESFORÇO antecipatória. Devido a isso, as verificações de FC
A realização de qualquer exercício físico pressupõe o estabe- de repouso prévias ao exercício devem ser desconsi-
lecimento de uma situação de sobrecarga para o sistema deradas. A verdadeira FC de repouso deve ser verifi-
cardiovascular. A atividade física traduz-se na existência cada nas primeiras horas da manhã, quando a pessoa
de um aumento de substâncias nutritivas e no aumento levanta.
do aporte de oxigênio necessário para os músculos ativos. Se quando estivermos deitados nossa FC de repou-
Secundariamente, aumentam também os níveis de anidri- so for de 50 bpm, quando estivermos sentados au-
do carbônico e de metabólitos, os quais precisam ser eli- mentará para 55 bpm e, quando estivermos de pé,
minados. Para responder a isso, é necessária uma série de para 60 bpm. A FC de repouso aumenta porque,
ajustes no sistema cardiovascular e em sua inter-relação quando nosso corpo passa de uma posição, deitado,
com os diferentes órgãos e sistemas do corpo. para outra, de pé, o volume sistólico cai imediata-
mente. Isso se deve sobretudo ao efeito da gravidade,
que faz com que o sangue se acumule nas pernas,
Freqüência cardíaca reduzindo o volume de sangue que retorna para o
O controle da freqüência cardíaca (FC) durante o repouso coração. Isso, ao mesmo tempo, produz um aumento
e o exercício é um bom indicador do nível de intensidade da FC de repouso, para manter o débito cardíaco de
em que o coração está trabalhando e é uma informação repouso.
importante do estado de saúde de uma pessoa. O músculo Por fim, determinadas doenças e medicamentos po-
cardíaco responderá diretamente à necessidade de oxigênio dem aumentar ou diminuir a FC de repouso.
e de fluxo sangüíneo do organismo em diferentes momen-
tos da vida, tanto para realizar um exercício de determinado Freqüência cardíaca durante o exercício
nível de intensidade como durante períodos de doença ou
Algumas considerações que devemos lembrar:
de necessidade externa, em que o organismo responde en-
viando fluxo sangüíneo aos músculos e/ou órgãos que ne- Quando se inicia um exercício, a FC aumenta propor-
cessitem do aporte de sangue e de O2. A freqüência cardíaca cionalmente à sua intensidade (de acordo com a ca-
é parte importante de diferentes variáveis fisiológicas. Por pacidade física atual).
exemplo, junto ao volume sistólico forma o débito cardíaco. Existe uma correlação direta entre a intensidade da
A freqüência cardíaca é também parte do duplo produto. FCmáx e o VO2máx durante o exercício, embora pró-
Existe uma correlação linear entre o aumento do consumo ximo do VO2máx se perca a linearidade.
máximo de O2 (VO2máx) durante o exercício e o aumento A freqüência cardíaca máxima é muito importante
da freqüência cardíaca. Nesse caso, com respeito ao per- para o planejamento do treinamento e seu controle,
centual da FC máxima. A seguir, abordaremos a importân- assim como para determinados testes de laboratório
cia do controle da freqüência cardíaca. e de campo, tanto para esportistas como para a po-
pulação em geral.
Freqüência cardíaca de repouso Segundo a fórmula da OMS-Karvonen, a FCmáx é
220 – idade (fórmula aplicada pela Organização
Considerações importantes:
Mundial de Saúde [OMS]). No entanto, isso é uma
A freqüência cardíaca de repouso (FCR) é de 60 a estimativa, e os valores individuais variam conside-
80 batimentos por minuto (bpm) em média. Em in- ravelmente em relação a esses valores médios. Por
divíduos sedentários e de meia-idade, ela pode supe- exemplo, em uma pessoa com 40 anos de idade, a
rar 100 bpm. Esportistas em forma e de modalidades FCmáx seria estimada em 180 bpm. No entanto, se-
48 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO
gundo estudos realizados, dentre pessoas de 40 anos, Tabela 2.2 Variações na resposta da FC a uma velocidade
68% apresentam uma FCmáx entre 168 e 192 bpm de 14 km/h na esteira ergométrica com alterações
e 95% entre 156 e 204 bpm. O próprio Karvonen ambientais
possui outra fórmula para avaliar o VO2máx ou a FC
de reserva: FCmáx – FCR. Ambas as fórmulas são Freqüência cardíaca
Tabela 2.3 Variações, durante o dia, da FC de um mesmo indivíduo em repouso e durante o exercício
Repouso 65 69 73 74 72 69
Exercício leve 100 103 109 109 105 104
Exercício moderado 130 131 138 139 135 134
Exercício intenso 179 179 183 184 181 181
Recuperação, 3 min 118 122 129 128 128 125
Em casos de doença, trabalha-se a partir da freqüência energético, e a diferença arteriovenosa durante esse tem-
de trabalho submáximo, e a fórmula que se utiliza para po é de 5 mL de O2 por 100 mL de sangue. Assim, confor-
obtê-la é: me a fórmula de Fick, teríamos um DC de 5.000 mL/min
de sangue, ou seja, de 5 L/min.
FC submáxima= FC máxima × 0,85
rios, o VS médio fica entre 103 e 113 mL de sangue por Tabela 2.4 Volumes sistólicos típicos para diferentes esta-
batimento, enquanto em pessoas treinadas pode ser entre dos de treinamento
150 e 210 mL/batimento. Como exemplo, consideremos
duas pessoas que realizam um esforço máximo de 195 bpm: VS em VS
Indivíduos repouso (mL) máximo (mL)
Esforço máximo
– Débito cardíaco = Sedentários 55-75 80-110
freqüência cardíaca × volume sistólico Ativos 80-90 130-150
– Indivíduos sedentários: Esportistas de resistência 100-120 160-220 ou >220
21.450 mL/min = 195 bpm × 110 mL/batimento
– Indivíduos treinados:
34.950 mL/min = 195 bpm × 179 mL/batimento
igual ou superior ao volume sistólico dos sedentários du-
Devemos salientar que a eficiência do trabalho é muito rante o exercício. Se a pessoa tiver uma maior atividade de
diferente entre os exemplos que podemos apresentar, já resistência aeróbia, terá um maior volume sistólico de re-
que o que é um esforço máximo para um sedentário (por pouso e durante o exercício.
exemplo, correr 2 km em 13 minutos e 30 segundos) pode Após um treinamento de resistência cardiorrespiratória,
ser um esforço submáximo ou moderado (correr esses 2 o volume sistólico aumenta em repouso, assim como ao
km em 12 minutos e 45 segundos) para uma pessoa que realizar exercícios de nível submáximo ou máximo de in-
realiza atividade física aeróbia de forma sistemática e pode tensidade. Durante o treinamento aeróbio, ocorre um au-
ser um esforço leve para um esportista de alto rendimento mento do volume diastólico final, causado principalmente
(que percorra 2 km em 11 minutos e 20 segundos). Os pelo aumento do volume plasmático.
mecanismos de recuperação da FC, do VS e, por conseguin- O ventrículo esquerdo é a câmara do coração mais modi-
te, do DC são mais rápidos em indivíduos treinados. ficada em resposta ao treinamento de resistência. As di-
Durante exercícios realizados em pé, o volume sistólico mensões internas do ventrículo esquerdo aumentam sobre-
aumenta durante a transição do repouso ao exercício leve, tudo como resposta a um aumento no enchimento ventri-
com valores máximos que chegam a 45% do VO2máx. De- cular. Durante o treinamento de resistência cardiorrespi-
pois desse ponto, o débito cardíaco intensifica-se conforme ratória, a espessura da parede ventricular esquerda também
aumenta a freqüência cardíaca. Os aumentos no volume aumenta, intensificando o potencial de força das contrações
sistólico em exercícios realizados em pé devem-se geral- do ventrículo esquerdo.
mente a um esvaziamento sistólico mais completo, em lu- A lei de Frank Starling descreve que o fator principal
gar de um maior enchimento dos ventrículos durante a no controle e no desenvolvimento do volume sistólico é o
diástole. A ejeção sistólica aumenta por meio dos hormô- grau de estiramento dos ventrículos. Quando os ventrículos
nios simpáticos. O treinamento de fundo melhora a força se estiram mais, eles se contraem com mais força. Por exem-
miocárdica, que também contribui consideravelmente para plo, se um grande volume de sangue entra na câmara quan-
a potência do batimento durante a sístole. do os ventrículos se enchem durante a diástole, as paredes
A freqüência cardíaca e o consumo de O2 estão relacio- dos ventrículos se distenderão mais do que quando entra
nados de maneira linear, tanto em indivíduos treinados um volume menor de sangue. Com o objetivo de expulsar
como em não-treinados, durante a maior parte do exercício. essa quantidade maior de sangue, os ventrículos devem
Com o treinamento de resistência, essa relação desloca-se reagir ao estiramento, contraindo-se com mais força.
significativamente para a direita, devido à melhora no vo- O trabalho sistemático de treinamento de resistência
lume sistólico cardíaco. Por conseguinte, a freqüência car- aeróbia ou de condicionamento cardiorrespiratório produz
díaca reduz-se consideravelmente, em nível de trabalho uma hipertrofia cardíaca esquerda com predomínio do ven-
submáximo, nos indivíduos treinados em exercícios de re- trículo esquerdo, o que garante um coração mais forte e
sistência aeróbia. eficiente em condições de repouso e durante o exercício
Na Tabela 2.4, observa-se o comportamento do volume submáximo e máximo.
sistólico em condições de repouso e durante o exercício O volume ou débito sistólico previsto pode ser calculado
em pessoas sedentárias, em pessoas ativas que treinam para (Ellestad) por meio da seguinte fórmula indireta:
melhorar o condicionamento cardiorrespiratório e em es-
Volume sistólico previsto em homens:
portistas de alto rendimento de modalidades de resistência.
VSp = 112 – (0,363 × idade) mL/min
Vê-se que o volume sistólico de repouso das pessoas ativas
que treinam o condicionamento aeróbio ou cardiorrespi- Volume sistólico previsto em mulheres:
ratório e o dos esportistas de resistência é praticamente VSp = 74 – (0,172 × idade) mL/min
MEDICINA DO ESPORTE 51
O volume sistólico avaliado durante um teste de esforço Tabela 2.6 Distribuição do débito cardíaco durante
é obtido, para ambos os sexos: exercícios leves, moderados e vigorosos
Existe uma relação direta entre o exercício e o aumento freqüência cardíaca máxima durante um teste de esforço,
do DC, porque este assegura o aumento de O2 durante o pode produzir uma resposta hipertensiva tanto sistólica
exercício. como diastólica, como ilustra a Tabela 2.8.
Na Tabela 2.7, observam-se, durante a prática de exercí- Em pessoas treinadas em exercícios aeróbios com a fina-
cios intensos, as alterações na FC, no VS e no DC de uma lidade de prevenir doenças ou recuperar a saúde, e sobretu-
pessoa ativa, saudável e com bons indicadores de condicio- do em esportistas de competição, principalmente nas mo-
namento cardiorrespiratório (não-esportista de rendimen- dalidades de resistência, durante exercícios de grande in-
to). Tais alterações dependem da posição anatômica e do tensidade, aumenta consideravelmente a pressão arterial
percentual de músculos usados na corrida, no ciclismo e diferencial, elevando a sistólica e diminuindo a diastólica
na natação. e produzindo uma diminuição da resistência periférica geral
com o propósito de levar um maior fluxo sangüíneo e de
O2 aos tecidos que trabalham (em especial aos músculos)
Fluxo sangüíneo e exercício de uma forma econômica e efetiva.
O fluxo sangüíneo aumenta durante o esforço, principal- Durante o exercício isométrico (estático), com pesos e
mente pelo exercício que desenvolve o condicionamento com máquinas hidráulicas, as pressões sistólica e diastólica
cardiorrespiratório, com um aumento do volume sistólico aumentam o estado hipertensivo, o que constitui um risco
e do débito cardíaco. Esse aumento é devido a três fatores: para o indivíduo hipertenso ou com outra doença cardio-
vascular.
Maior capilarização
Como se sabe, a hipertensão arterial sistêmica (HAS)
Maior abertura dos capilares existentes
impõe uma carga crônica sobre a função cardíaca. O treina-
Redistribuição mais efetiva do sangue
mento aeróbio (caminhada, trote, natação, ciclismo, etc.)
Nas Tabelas 2.5 e 2.6, podem-se observar a distribuição regular, de forma individualizada e conservadora para cada
e a redistribuição do fluxo sangüíneo durante repouso e paciente, produz melhora da hipertensão arterial, tanto em
durante exercícios de intensidades leve, moderada e intensa. condições de repouso como no exercício submáximo. De-
vemos ser cuidadosos com os estágios graves e muito graves
da HAS; apenas com acompanhamento médico a prática
Pressão arterial e exercício de exercícios físicos é indicada para esses indivíduos.
Pacientes com hipertensão arterial leve podem realizar,
A pressão sistólica (PAS) aumenta em proporção ao consu-
sem exageros, exercícios de força, de caráter isotônico ou
mo de O2, ao débito cardíaco e à progressão do exercício,
dinâmico (ver Capítulo 4), sempre sob prescrição médica e
enquanto a pressão diastólica (PAD) permanece relativa-
com pressão arterial normal.
mente igual ou aumenta apenas levemente. Com a mes-
Devem-se observar as seguintes considerações:
ma carga relativa de trabalho, as pressões sistólicas são
maiores quando o trabalho se realiza mais com os braços Antes de mais nada, deve-se recordar que a pressão
do que com as pernas, devido à menor massa muscular e à sistólica de repouso oscila entre 135 e 100 mmHg e
menor vascularização que existe nos membros superiores. que a diastólica ou mínima, entre 85 e 60 mmHg.
Em pacientes hipertensos ou com predisposição, o estí- Podem-se observar valores tensionais normais, prin-
mulo do exercício escalonado, com o objetivo de levar à cipalmente no sexo feminino, entre 100 e 90 mmHg
de sistólica e 60 mmHg de diastólica. Uma pressão
normal típica é de 120/80 ou 110/70 mmHg, o que
Tabela 2.7 Modificações na FC, no VS e no DC assegura uma pressão diferencial de 40 mmHg.
Tipo de FC VS DC
exercício Condição (bpm) (mL/bat) (L/min)
Tabela 2.8 Resposta hipertensiva ao esforço durante o
Corrida Repouso 60 70 4,2
teste ergométrico funcional (Instituto de Cardiologia de
Exercício máximo 190 130 24,7
Cuba)
Ciclismo Repouso 60 70 4,2
Exercício máximo 185 120 22,2 Resposta hipertensiva Sistólica Diastólica
A pressão (ou tensão) arterial sistólica aumenta, du- por exemplo: se a PA de repouso for 120/80 mmHg,
rante o exercício, proporcionalmente ao consumo a pressão diferencial será 40; para uma PA de 220/30
de O2 e ao débito cardíaco, que aumenta durante o durante o exercício de um atleta de esporte de resis-
exercício progressivo. A pressão diastólica permane- tência, em um teste de esforço máximo progressivo,
ce relativamente igual, aumenta levemente ou dimi- a tensão ou pressão diferencial será de 190 mmHg.
nui, dependendo do grau de atividade da pessoa, do A pressão ou tensão arterial média (PAM ou TAM;
estado de saúde e do tipo de exercício realizado. ver Capítulo 6) é obtida por meio da seguinte fórmula:
Em esportistas submetidos a esforços máximos, po-
PAS + (2 × PAD)
de-se obter 200 a 250 mmHg de PAS. Relataram-se PAM = _______________
240 a 250 mmHg em esportistas de alto nível e sau- 3
dáveis.
Vivacqua e Spagna (Lamb, 1985) propuseram uma
A atividade física sistemática melhora a qualidade
avaliação de parâmetros da pressão arterial com res-
da resposta da PAS e da PAD durante o exercício,
peito à pressão arterial durante repouso (basal) e
elevando a pressão arterial diferencial.
esforço, relacionada aos equivalentes metabólicos de
Durante um exercício máximo progressivo, podemos
tarefa (METs) alcançados durante o esforço, que se
encontrar em esportistas, sobretudo de modalidades
expressam em mmHg/MET. Essa avaliação é usada
de resistência, valores de 250 mmHg na sistólica e
principalmente em cardiologia, mas também em me-
de 30 ou menos na diastólica, garantindo uma pres-
dicina do esporte. As fórmulas são as seguintes:
são arterial diferencial grande, para obter a eficiência
do aumento do débito cardíaco com um maior fluxo – Variação da pressão arterial sistólica (VAR PAS):
de sangue e de oxigenação para os músculos. PAS máxima – PAS repouso
Indivíduos sedentários e/ou com hipertensão arterial VAR PAS = _________________________
METs
não respondem de forma fisiológica ao exercício ae-
róbio, com dificuldades na pressão arterial diastólica, – Variação da pressão arterial diastólica (VAR PAD):
que geralmente aumenta, diminuindo a pressão arte-
rial diferencial, que torna o trabalho menos econômico. PAD máxima – PAD repouso
_________________________
VAR PAD =
Na hipertensão arterial leve ou moderada, a ativi- METs
dade física aeróbia sistemática diminui, em condi-
ções de repouso, uma média de 11 mmHg da PAS e Lembrar que 1 MET equivale ao consumo metabólico
de 8 mm da PAD, reduzindo, assim, a pressão média de uma pessoa sentada e em condições de repouso (1 MET=
(ver Capítulo 6). 3,5 mL O2/kg/min).
Um aumento de 15 mm na pressão arterial diastólica Para garantir que uma pessoa possa caminhar a um passo
durante o exercício é considerado uma resposta anor- normal, necessita-se de 5 METs (17,5 mL de O2/kg/min).
mal ao exercício, sobretudo em pessoas “aparente- Esse tema é abordado nos Capítulos 4 e 6.
mente saudáveis”.
A resposta ao trabalho de halterofilismo de grande Duplo produto
intensidade e volume pode chegar até o valor pato- O consumo de O2 pelo miocárdio e o fluxo miocárdico de
lógico de PAS de 480 e de PAD 350 mm (480/350 sangue são diretamente proporcionais ao produto da fre-
mmHg), segundo refere Wilmore (2000), em pessoas qüência cardíaca e da pressão arterial sistólica, o que é defi-
hipertensas e que praticam halterofilismo ou fisicul- nido como duplo produto (DP).
turismo de forma intensa e perigosa.
DP = FC × PAS
O treinamento de força isotônico bem-realizado não
gera problemas de saúde em pessoas saudáveis. É O DP é uma estimativa do trabalho do miocárdio e do
um método importante de exercícios para melhorar VO2máx.
de forma notável o condicionamento musculoesque- Em cardiologia, utiliza-se o duplo produto para avaliar
lético e também colabora com o condicionamento o risco cardiovascular ao esforço físico, tanto por aumento
cardiorrespiratório (ver Capítulos 4 e 6). da FC quanto da PAS.
Veja no Capítulo 6 a classificação da pressão arterial O DP é utilizado para análise comparativa em um mes-
e da hipertensão arterial segundo a Organização mo indivíduo, para avaliar a ação terapêutica de um medi-
Mundial de Saúde. camento e sua utilização ou não e para a prescrição de exer-
A pressão diferencial é obtida subtraindo-se a pres- cícios físicos e de procedimentos clínicos de cardiologia,
são arterial diastólica da pressão arterial sistólica; como a evolução da revascularização miocárdica.
54 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO
Durante exercícios contínuos, a FC e a PAS aumentam tensidade, da temperatura ambiental, do grau de treina-
paralelamente com a intensidade do esfoço, como ocorre mento, do nível de hidratação, da postura, etc. Tais altera-
nos testes máximos de ergonomia funcional. ções podem modificar esses parâmetros.
Nos esportistas, sobretudo das modalidades de resis- O treinamento bem-planejado permite modificações ne-
tência, e em pessoas ativas e saudáveis que realizam exercí- cessárias nas variações hematológicas, tanto com fins de
cio de forma sistemática para melhorar o condicionamento alto rendimento como nos programas de saúde dirigidos à
cardiorrespiratório, o duplo produto diminui em condições população. Essas modificações são menos bruscas pela
de repouso. O DP é utilizado pelos cardiologistas e pelos adaptação ao exercício, como se verá a seguir.
médicos do esporte.
Segundo Ellestad, obtemos o duplo produto (mmHg/ Hemoconcentração e hemodiluição
bpm) por meio das seguintes fórmulas:
A hemoconcentração refere-se ao aumento progressivo dos
DPmáx previsto = 360 – (0,54 × idade) × 100 componentes intravasculares devido à perda contínua de
DPmáx avaliado = PAS × FCmáx líquido plasmático da corrente sangüínea. A hemodiluição
é o contrário, o conteúdo vascular aumenta graças a um
A partir da obtenção do DP, podemos saber de forma ganho resultante de líquido proveniente do espaço inters-
indireta o VO2máx do miocárdio (Hellesterns et al., in ticial. Os elementos figurados e os solutos diluem-se.
Lamb, 1985), que se expressa em unidade de mL × 100 g O trânsito de líquidos pelos tecidos depende do equilí-
de ventrículo esquerdo, e o déficit funcional do ventrículo brio entre pressões hidrostáticas e coloidosmóticas capilares
esquerdo (DFVE), que se expressa em porcentagem; ambos e teciduais. Assim, a tendência à hemodiluição ou à he-
são muito utilizados em cardiologia, mediante as seguintes moconcentração depende de vários fatores específicos:
fórmulas:
Quanto maior a temperatura ambiental maior será
VO2máx do miocárdio = (DP × 0,0014) – 6,3 mL a tendência à hemoconcentração, devido, logica-
mente, à eliminação de suor.
100 × DPmáx previsto – DPmáx alcançado
DFVE = _____________________________________ Gravidade e duração: a magnitude da hemoconcen-
DPmáx previsto tração costuma ser propocional ao exercício intenso
e prolongado. Durante trabalho intenso e curto, tam-
bém a observamos.
Utilização de oxigênio pelo miocárdio A postura de execução pode condicionar a resposta.
Em repouso, cerca de 80% do oxigênio que flui pelas artérias Um exercício em posição ortostática facilita a hemo-
coronárias é extraído pelo miocárdio. Essa extração de alto concentração, porque predomina a filtração no leito
nível significa que as demandas elevadas de O2 para o mio- capilar da parte inferior do corpo.
cárdio, durante o exercício, só podem ser atendidas com O estado de hidratação pode influir qualitativa e
um aumento proporcional da irrigação sangüínea corona- quantitativamente nas respostas do volume intra-
riana. Durante esforço intenso, a quantidade de fluxo san- vascular ao exercício. Comprovou-se que reposições
güíneo coronariano aumenta cinco vezes para atender a líquidas durante o esforço podem atenuar a hemo-
demanda de O2 acima do nível de repouso. concentração gerada no treinamento e na compe-
Como o miocárdio é um tecido essencialmente aeróbio, tição.
deve ter uma provisão contínua de O2. O impedimento do
fluxo sangüíneo coronariano causa dor anginosa e pode Capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue
provocar um dano irreversível ao músculo cardíaco, como
É um fator determinante da capacidade física e tem como
no infarto do miocárdio.
base a concentração de hemoglobinas (Hb), o número de
Os principais substratos que geram energia no miocár-
hemácias circulantes e a eficácia de suas funções. O exer-
dio são a glicose, os ácidos graxos e o ácido láctico. O per-
cício físico gera aumentos na concentração de hemoglobi-
centual de utilização desses substratos dependerá da inten-
na, no hematócrito e na contagem de eritrócitos no sangue
sidade e da duração do exercício.
periférico, por:
Desidratação.
Algumas considerações sobre Catecolaminas, que provocam contrações de reserva-
variações hematológicas no exercício tórios sangüíneos como o baço ou o fígado, capazes
Durante a atividade física, ocorrem alterações hematoló- de liberar certa quantidade de eritrócitos para a cir-
gicas, dependendo do tipo de exercício, da duração, da in- culação.