MMSE-2 (Formulário Breve - Azul)

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A EFETIVIDADE DO DIREITO À AUTONOMIA DA PESSOA IDOSA ACOLHIDA EM

INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA: PROPOSTA PARA UM NOVO MODELO


DE ATUAÇÃO

A efetividade do direito à
autonomia da pessoa idosa
na Instituição de Longa Permanência:
Uma nova proposta de atuação
LUIZ CLÁUDIO CARVALHO DE ALMEIDA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
BibliotecaDados Internacionais
Procurador-Geral de deCatalogação na Publicação(CIP)
Justiça Clóvis Paulo da Rocha – IERBB/MPRJ
Biblioteca Procurador -Geral deJustiça ClóvisPaulo da Rocha–IERBB/MPRJ
L953 A efetividade do direito à autonomia da pessoa idosa acolhida
L953 em instituição
A efetividade de longa
do direito permanência:
à autonom uma nova
ia da pessoa idosaproposta
acolhida
de atuação. [versão digital] / Luiz Cláudio Carvalho
eminstituição de longa permanência:uma nova proposta de
Almeida, Centro de Apoio Operacional das Promotorias
de atuação. [versãodigital] / Luiz Cláudio Carvalho de
de JustiçaCentro
Almeida, de Proteção ao Idoso
de Apoio do Ministério
Operacional Público do
dasPromotorias
deEstado do Rio de Janeiro – CAO Idoso/MPRJ. – Rio de
Justiça de Proteção ao Idoso do Ministério Público do
Janeiro, RJ: MPRJ, 2022.
Estado
93 f.
do Rio de Janeiro – CAOIdoso/MPRJ. – Rio de
Janeiro, RJ: MPRJ, 2022.
93 f. 978-65-88520-15-4
ISBN:
ISBN:978-65-88520-15-4
1. Idoso. I. Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro. II. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
1. Idoso.
Justiça I. Ministério
de Proteção Público
ao Idoso do Estado
do Ministério do RiododeEstado
Público
Janeiro. II. Centro de Apoio Operacional das Promotoriasde
do Rio de Janeiro – CAO Idoso/MPRJ. III. Título.
Justiçade Proteção ao Idoso do Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro – CAOIdoso/MPRJ. III. Título.
CDD 341.413

CDD341.413
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Procurador-Geral de Justiça
Luciano Oliveira Mattos de Souza

Corregedora-Geral do Ministério Público


Luciana Sapha Silveira

Subprocurador-Geral de Administração
Eduardo da Silva Lima Neto

Subprocurador-Geral de Justiça de Assuntos Cíveis e Institucionais


Pedro Elias Erthal Sanglard

Subprocurador-Geral de Assuntos Criminais


Roberto Moura Costa Soares

Subprocuradora-Geral de Justiça de Planejamento e Políticas Institucionais


Ediléa Gonçalves dos Santos Cesario

Subprocurador-Geral de Justiça de Relações Institucionais e Defesa de


Prerrogativas
Marfan Martins Vieira

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça


de Proteção ao Idoso
Cristiane Branquinho Lucas

Promotor de Justiça Titular da Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso


e à Pessoa com Deficiência do Núcleo Campos dos Goytacazes
Luiz Cláudio Carvalho de Almeida
O AUTOR

Luiz Cláudio Carvalho de Almeida é Promotor de Justiça, tendo ingressado


no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro no ano de 1996. É titular
da Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência
do Núcleo Campos dos Goytacazes. Foi Coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa
com Deficiência do MPRJ (2013-2018). É doutor pelo programa de pós-
graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e mestre em Direito pelo Centro
Universitário Fluminense (2002). Integrou o Conselho Nacional dos Direitos
da Pessoa com Deficiência (CONADE) no ano de 2012. É membro da
Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos
Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID) e do Grupo Internacional Tríplice
Aliança pela Cultura da Não Contenção da Pessoa Idosa. Atualmente integra
o Grupo de Trabalho de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Comissão
de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP).
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------ 6

BREVE RESUMO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO RECONHECIMENTO


DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA ------------------------------------------- 8

O CONCEITO DE AUTONOMIA E SEUS MODELOS -------------- 12

O DIREITO DA PESSOA IDOSA INSTITUCIONALIZADA E UMA BREVE


ANÁLISE SOBRE DOCUMENTOS OPERACIONAIS DAS INSTITUIÇÕES
DE LONGA PERMANÊNCIA QUE ASSEGURAM OS DIREITOS
DA PESSOA IDOSA -------------------------------------------------------------- 42

A FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA


PARA IDOSOS ---------------------------------------------------------------------- 51

O MODELO DE CUIDADO CENTRADO NA PESSOA -------------- 56

A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL DE REFERÊNCIA


PARA A AUTONOMIA DO IDOSO ABRIGADO ---------------------- 60

PROPOSTA PARA UM NOVO MODELO DE ATUAÇÃO DAS EQUIPES


TÉCNICAS DAS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA ------ 67

CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------- 84

REFERÊNCIAS ---------------------------------------------------------------------- 87
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

1. INTRODUÇÃO

No curso das fiscalizações feitas pelo Ministério Público do Estado do Rio de


Janeiro a verificação do respeito ao direito à autonomia das pessoas idosas
abrigadas tem sido uma das tarefas mais desafiadoras para Promotores
de Justiça e equipes técnicas, sobretudo quando envolvidas pessoas com
transtornos neurocognitivos.

Permite-se conjecturar as hipóteses que levam a tal dificuldade, como por


exemplo os contornos imprecisos do que seria o direito à autonomia, seja
na doutrina jurídica seja na jurisprudência, ou a ausência de protocolos de
fiscalização especificamente criados para a identificação de falhas na atuação
das instituições de longa permanência para idosos (ILPI) na implementação
desse direito. Até mesmo a presença de uma cultura de trabalho impregnada
em algumas instituições que se baseia em estereótipos e preconceitos
ligados ao processo de envelhecer torna-se um fator importante que dificulta
a implementação do direito à autonomia dentro do ambiente asilar.

Pensando nessa dificuldade é que foi desenvolvida a presente publicação,


que teve por base tese de doutorado do autor sobre o tema1 e cujo escopo
foi justamente a criação de uma proposta de trabalho para equipes técnicas
no sentido de entender o que seria o direito à autonomia e como garantir
sua efetividade para as pessoas idosas acolhidas, ainda que acometidas por
transtornos neurocognitivos graves.

A presente publicação desenvolve-se com o foco em produzir uma ferramenta


de simples utilização, mas de grande impacto no diagnóstico de eventuais
falhas na garantia de direitos das pessoas idosas acolhidas em instituições
de longa permanência.

1 ALMEIDA, L. C. C. O Direito à Autonomia e à Manutenção de Vínculos Comunitários da Pessoa Idosa com Déficit Cognitivo nas
Instituições de Longa Permanência de Campos dos Goytacazes. Campos dos Goytacazes, RJ: Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro – UENF, 2022.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Ressalta-se que a perspectiva do trabalho é eminentemente pedagógica


no sentido de que busca mais a melhoria da qualidade do serviço das
entidades do que uma punição, consciente de que no maioria das vezes
há grande dificuldade para as instituições de longa permanência, (?), no
acesso à mão de obra qualificada ou mesmo na qualificação de sua própria
equipe.

Muito embora o cenário nacional seja bastante diverso, com entidades


dos mais variados matizes, espera-se que a presente publicação possa, em
certa medida, auxiliar na formação das equipes técnicas que atuam em ILPIs
ou ao menos trazer à lume o debate a respeito da autonomia das pessoas
idosas, levando a uma reflexão sobre a necessidade de revisão de
conceitos que naturalizam a apatia e desumanizam os residentes em
evidente prejuízo à efetivação de direitos que lhe são garantidos pela
legislação pátria.

Por outro lado, nas hipóteses em que a entidade não se mostrar


sensível ou até mesmo resistente à aplicação da norma, o presente
trabalho tem a ambição de propiciar às equipes de fiscalização
subsídios técnicos tendentes à identificação de violações ao direito à
autonomia da pessoa idosa abrigada, de modo a lastrear a ação do
Ministério Público e de outros entes de fiscalização que porventura
adotarem o protocolo ora proposto.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

2. BREVE RESUMO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO


RECONHECIMENTO DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA

Um dos efeitos do aumento do percentual populacional acima dos 60


(sessenta) anos é a crescente normatização dos temas que se tornam
relevantes em razão do envelhecimento, muitos deles ligados a direitos
concernentes à autonomia, capacidade, assistência social e saúde.

Se traçada uma linha do tempo, é possível a identificação de marcos


importantes que consagraram reconhecimento de direitos específicos para
essa parcela da população, na perspectiva que o envelhecimento traz em seu
bojo vulnerabilidades que exigem do Estado leis de proteção que garantam
dignidade à pessoa nessa fase da vida.

Interessante notar que até a década de 70, do século 20, a produção legislativa
nessa seara era muito tímida. No Brasil, restringia-se praticamente às normas
de direito previdenciário, não havendo nenhum recorte ou microssistema
jurídico organizado para as peculiaridades do envelhecimento que
demandassem medidas específicas de proteção.

No plano internacional o primeiro marco normativo foi fruto da I Assembleia


Mundial sobre o Envelhecimento realizada em Viena no ano de 1982, cujo
resultado foi o primeiro Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento,
aprovado pela Resolução 37/51, da Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU).

8
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Posteriormente, já no ano de 1991, a Assembleia Geral da ONU adotou, por


meio da Resolução n. 46/91, os chamados “Princípios das Nações Unidas
para Pessoas Idosas”. Os princípios foram elencados em eixos denominados
“independência”, “participação”, “assistência”, “realização pessoal” e
“dignidade”, desdobrados em 18 (dezoito) itens que consubstanciam
verdadeiros enunciados sobre direitos da população idosa2.

Cerca de 20 (vinte) anos após a primeira edição, foi realizada a II Assembleia


Mundial sobre o Envelhecimento, sediada desta feita em Madri no ano de
2002, gerando um novo Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento,
mais robusto e detalhado, aprovado pela Resolução n. 57/1673. O objetivo
do plano foi nomeadamente atualizar as propostas da primeira edição
da Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento realizada em Viena,
adequando-as aos desafios vindouros no século XXI, conforme se extrai da
seguinte passagem de sua introdução (2003, p. 29):

O Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento,


2002, exige mudanças das atitudes, das políticas e das
práticas em todos os níveis e em todos os setores, para
que possam se concretizar as enormes possibilidades
que oferece o envelhecimento no século XXI. Muitos
idosos envelhecem com segurança e dignidade e
também elevam sua própria capacidade para participar
no âmbito de suas famílias e comunidades. O objetivo
do Plano de Ação consiste em garantir que em todas as
partes, a população possa envelhecer com segurança e
dignidade e que os idosos possam continuar participando

2 Em relação aos direitos de pessoas idosas residentes em instituições de longa permanência destaca-se o enunciado número 14,
cujo texto é o seguinte: “Os idosos devem ter a possibilidade de gozar os direitos humanos e liberdades fundamentais quando residam em
qualquer lar ou instituição de assistência ou tratamento, incluindo a garantia do pleno respeito da sua dignidade, convicções, necessidades
e privacidade e do direito de tomar decisões acerca do seu cuidado e da qualidade das suas vidas”. Disponível no endereço eletrônico https://
idoso.mppr.mp.br/arquivos/File/Direitos_dos_Idosos_-_Principios_das_Nacoes_Unidas_para_o_Idoso.pdf. Acesso em 01 de novembro
de 2021.

3 Disponível em http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_manual/5.pdf, acesso em 01 de novembro de


2021.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

em suas respectivas sociedades como cidadãos com


plenos direitos. Sem deixar de reconhecer que as bases
de uma velhice sadia e enriquecedora são lançadas em
uma etapa inicial da vida. O objetivo do Plano é oferecer
um instrumento prático para ajudar os responsáveis pela
formulação de políticas a considerar as prioridades básicas
associadas com o envelhecimento dos indivíduos e das
populações. Reconhecem-se as características comuns
do envelhecimento e os problemas que apresenta e se
formulam recomendações concretas adaptáveis às mais
diversas circunstâncias de cada país. No Plano levam-se
em conta as diversas etapas do desenvolvimento e as
transições que estão tendo lugar em diversas regiões,
assim como a interdependência de todos os países na
presente época de globalização (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 2003, p.29).

Em consonância com os princípios consagrados pelo Plano de Madri, em


âmbito nacional foi promulgada a Lei n. 10.741, de 01 de outubro de 2003,
denominada Estatuto do Idoso, que até os dias atuais é o mais importante
diploma legal brasileiro sobre o direito da pessoa idosa.

Cumpre ser consignado que, no Brasil, já se encontrava em vigor a Lei n.


8.842, de 04 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política nacional do
idoso, que foi regulamentada pelo Decreto n. 1.948, de 03 de julho de 1996,
decreto este que foi posteriormente substituído pelo Decreto n. 9.921, de
18 de julho de 2019.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Além disso, deve ser ressaltado que a Constituição da República Federativa


do Brasil (CF), promulgada em 1988, consagrou em seu art. 230 o dever
do Estado, da sociedade e da família “de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade
e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”4.

O Estatuto do Idoso inaugurou na legislação pátria, tal qual já havia ocorrido


em outras áreas do Direito como no caso da infância e juventude e do direito
do consumidor, um microssistema normativo que compilou e organizou de
forma sistemática os preceitos garantidores dos direitos fundamentais da
pessoa idosa, regulando os temas de interesse desse segmento populacional,
tais como saúde, assistência social, transporte público e instituições de
longa permanência, colocando o Ministério Público como um dos agentes
fiscalizadores da aplicação da lei.

4 A Constituição de Portugal prevê um preceito semelhante em seu art. 72: “As pessoas idosas têm direito à segurança económica
e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou
a marginalização social”. Disponível no endereço eletrônico https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf, acesso em
02 de novembro de 2021.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

3. O CONCEITO DE AUTONOMIA E SEUS MODELOS

3.1. O Conceito de Autonomia

Partindo de uma análise que busca um modelo para a garantia do direito ao


convívio comunitário de pessoas com transtornos neurocognitivos é muito
importante definir o conceito de autonomia, sobretudo, porque a forma
com que a pessoa transita no meio social, via de regra, é aderente aos seus
valores, crenças, vontade e preferências. Ou seja, o indivíduo tende a buscar
vínculos com atividades, comunidades, pessoas que possuam afinidade com
a sua visão da vida e a forma como vê o mundo.

No contexto em que a pessoa passa a residir num ambiente protegido e com


regras muito rígidas, como é o caso das instituições de longa permanência
para idosos, agregado a um declínio mental, o exercício dessa autonomia
passa a depender da ação de terceiros.

O dilema encontrado nas instituições de longa permanência que acolhem


idosos com essas características é a forma de compatibilização da segurança
com a liberdade do morador.

É sabido que o comprometimento cognitivo tem como consequência a


desorientação, lapsos de memória, algumas vezes pensamento delirante,
e alterações de comportamento que podem resultar em episódios de
agressividade, o que coloca a pessoa em condição de vulnerabilidade, seja
em função de suas próprias ações seja em razão da ação de terceiros.

Tal condição causa, por uma série de razões melhor abordadas adiante,
uma ação paternalista da equipe técnica da entidade de acolhimento que
restringe a autonomia do idoso a ponto de impedir por completo seu acesso
à comunidade. Ou seja, o idoso passa a viver enclausurado na instituição
sem nenhum contato com o mundo exterior.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Não parece incomum os registros de moradores durante as fiscalizações


promovidas pelo Ministério Público relatando o desejo de sair da entidade
para realização de atividades externas, mesmo que simples passeios em
locais frequentados no passado pelo idoso e que lhe trazem lembranças
agradáveis de momentos vividos nessas localidades.

Por outro lado, no caso das pessoas idosas com transtornos neurocognitivos,
o simples atendimento dessas solicitações pela equipe técnica colocaria a
pessoa em situação de risco real, na medida em que as características da
patologia geram prejuízo para a avaliação de situações concretas, além de
déficits de memória que retiram do idoso a autonomia e independência para
a realização de atividades externas sem o suporte de terceiros.

Nesse sentido, é preciso que, sob o prisma da defesa dos direitos


fundamentais, se estabeleçam algumas premissas conceituais. Sob o ponto
de vista jurídico, o conceito de autonomia já foi analisado com percuciência
por órgãos vinculados ao Sistema Internacional de Direitos Humanos, tendo
a jurisprudência de Cortes internacionais, como a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, delineado os contornos do direito à autonomia a partir
do direito à privacidade, o qual, por sua vez, engloba também o direito ao
desenvolvimento pessoal e o direito imanente ao ser humano de estabelecer
relações intersubjetivas (ALBUQUERQUE, 2018, p. 33).

Por outro lado, ainda de acordo com o entendimento da Corte Interamericana,


o direito à autonomia veda qualquer ação do Estado que “converta o indivíduo
em sujeito alheio às eleições feitas por ele sobre sua própria vida, seu corpo
e o desenvolvimento pleno de sua personalidade (ALBUQUERQUE, 2018, p.
33).

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Portanto, o direito à autonomia, na forma do conceito construído pelas


Cortes internacionais de direitos humanos, consiste no direito inalienável
à construção de um projeto de vida baseado nas escolhas e preferências
individuais com o fim do desenvolvimento da personalidade do indivíduo
em sua plenitude5.

É preciso lembrar, ainda, que a autonomia não se restringe a um único


ato. Trata-se, na verdade, de um processo de construção ao longo da vida.
Implica o reconhecimento de valores, crenças, decisões pretéritas erradas
que levaram a um aprendizado, contextos sociais e econômicos nos quais a
pessoa se vê inserida. Portanto, não é fácil de ser implementada num contexto
em que sua gestão é necessariamente vinculada ao apoio de terceiros, como
é o caso das equipes técnicas de instituições de longa permanência que tem
o dever de pensar estratégias para tornar efetivo o dito direito dos idosos
residentes.

3.1.1. Autonomia e Liberdade

Em primeiro lugar, num cenário como o que se apresenta, é preciso distinguir


o conceito de liberdade em relação ao conceito de autonomia. No caso de
pessoas com transtornos neurocognitivos, a referência à liberdade como
ausência de restrição externa ou interna à realização de desejos e vontades,
tal qual aplicada a pessoas sem qualquer patologia, levaria a conclusões
equivocadas e que mascarariam a complexidade das situações que se
apresentam no cotidiano das equipes responsáveis pelos cuidados com
esse segmento populacional.

5 No entanto, Herring (2016, p. 54-55) utilizando-se do critério adotado por John Coggon indica que conforme o caso a autonomia
pode ser vista por várias faces. Em primeiro lugar a autonomia como forma de concretização do desejo idealizado da pessoa (ideal desire
autonomy), onde ter autonomia significaria agir de acordo com o que a pessoa deveria desejar de acordo com padrões e valores sociais
universalmente aceitos. Em contraposição a esse modelo, haveria uma autonomia que refletiria os desejos pessoais do indivíduo baseados
nos valores por ele construídos ao longo da vida, mesmo que conflitassem com padrões sociais do que deveria ser desejável ou do que
deveria ser a melhor decisão para a pessoa (best desire autonomy). E por fim, haveria a visão de que autonomia deve consubstanciar
a concretização do desejo imediato da pessoa, mesmo que contrária aos valores da própria pessoa, ou seja, a autonomia consistiria na
realização do desejo imediato e irrefletido da pessoa (current desire autonomy). É interessante observar que o Mental Capacity
Act (disponível em https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/9/section/1, acesso em 03 de novembro de 2021), legislação britânica que
trata da incapacidade em casos de transtornos mentais prevê entre os seus princípios o direito de a pessoa não ser considerada incapaz pelo
simples fato de tomar decisões consideradas temerárias ou pouco sábias (“a person is not to be treated as unable to make a
decision merely because he makes an unwise decision”).

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Do ponto de vista legal, o direito à liberdade como direito fundamental


de todas as pessoas, independentemente da faixa etária, está previsto
genericamente no caput do art. 5º, da CF, donde é possível extrair vários
direitos mais específicos, como o direito de livre manifestação do pensamento
(art. 5º, inciso IV), o direito de livre locomoção (art. 5º, inciso XV), o direito de
crença (art. 5º, inciso VI) e o direito de livre associação (art. 5º, inciso XVII). Ou
seja, a lei fundamental consagrou uma cláusula geral de liberdade seguida
por vários desdobramentos mais específicos, que podem ser concebidos
como direitos especiais de liberdade (SARLET; VALE, 2013, p. 220/221).

No que tange à legislação que trata dos direitos do idoso, o direito à


liberdade encontra-se previsto nos arts. 2º; 3º, caput; e 10, do Estatuto do
Idoso, sendo este último inserido num capítulo específico para o tema, qual
seja o Capítulo II, do Título II6.

Por óbvio, para nenhuma pessoa, seja ela idosa ou não, é garantido um
direito à liberdade de forma ilimitada. Uma concepção de liberdade feita de
maneira absoluta e irrestrita levaria ao caos e a impossibilidade de vida em
sociedade, na medida em que a liberdade de alguns, levada ao extremo, se
chocaria inevitavelmente com a liberdade de outros.

6 De acordo com o previsto no parágrafo 1º, do art.10, do Estatuto do Idoso, o direito à liberdade compreende, entre outros, os
seguintes aspectos: I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II –
opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – prática de esportes e de diversões; V – participação na vida familiar e comunitária;
VI – participação na vida política, na forma da lei; VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Outro ponto que deve ser ressaltado e que se cogita analisar presentemente
é a liberdade jurídica, que se apresenta ora com o viés negativo ora com o
viés positivo7. A liberdade negativa consiste na ausência de obstáculo legal
para fazer ou deixar de fazer alguma coisa (ALEXY, 2008, p. 222), enquanto
a liberdade positiva pressupõe condições físicas, econômicas e sociais para
agir de acordo com os desígnios da pessoa. A título de exemplo, permite-se
imaginar uma pessoa com transtornos neurognitivos que é livre para fazer
ou deixar de fazer uma viagem (liberdade negativa), mas não consegue
realizar seu intento em função de suas limitações físicas que a impedem de
planejar a viagem e celebrar os contratos necessários para a concretização
de seu intento.

Os textos legais acima mencionados se referiram à liberdade negativa, ou


seja, na ausência de obstrução para o exercício de direitos. Sob tal aspecto
cabe ao Estado evitar editar normas que criem obstáculos para o exercício da
liberdade da população idosa, que se materializam nas liberdades específicas
previstas no ordenamento jurídico, como por exemplo a liberdade de crença,
ou de manifestação de opinião.

Deve ser observado, no contexto do abrigamento de pessoas idosas,


que o tema, por exemplo, relativo à possibilidade de sair da entidade
desacompanhado está mais ligado ao tema liberdade do que ao tema
autonomia. Portanto, as medidas restritivas adotadas pelas entidades de
acolhimento no que se refere ao direito de ir e vir dos moradores identificam-
se mais fortemente com o direito de liberdade.

Nesse ponto da exposição, faz-se necessário observar que os conceitos


liberdade e autonomia, muito embora sejam distintos, conectam-se. A
autonomia consiste basicamente na construção e no exercício da identidade
do indivíduo, de seus planos de vida e de sua autodeterminação como
pessoa (ALBUQUERQUE, 2018, p. 45). Segundo Albuquerque (2018, p. 8/9):

7 A distinção entre liberdade negativa e liberdade positiva é atribuída à Isaiah Berlin, em sua obra “Dois Conceitos de Liberdade”,
de 1958.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

A liberdade diz respeito ao espectro de ação sem


constrangimento interno ou externo. Por outro lado, a
autonomia diz respeito à independência e à autenticidade
dos próprios valores, desejos e emoções que impelem à
atuação do indivíduo. Com efeito, a autonomia envolve a
soberania da vontade do indivíduo e a liberdade a ação
sem interferências externas. Assim, uma pessoa privada de
liberdade pode ter preservada de forma significativa sua
autonomia, mesmo tendo sua liberdade de ação suprimida.
Por outro lado, uma pessoa com grave demência pode ter sua
autonomia comprometida, mas manter a liberdade de agir.

Portanto, muito embora liberdade e autonomia sejam conceitos que se


relacionem, não se confundem. Necessário salientar, ainda, que em relação
a pessoas com transtornos neurocognitivos, a liberdade plena pode ampliar
sua vulnerabilidade criando situação de risco. Ou seja, como no exemplo do
idoso com demência que deseja vagar a esmo e sozinho fora da instituição
de longa permanência onde reside, a adoção de um conceito de liberdade
ilimitada implica não na garantia de direitos mas sim em exposição a risco.

Segundo Kong (2018, p. 36) a liberdade articula condições de ação enquanto


a autonomia articula condições de vontade. Por outro lado, a autonomia do
indivíduo poderá ser garantida conforme a equipe técnica da instituição atue
ou não na construção de uma estratégia visando a promover a continuidade
do projeto de vida daquela pessoa tal qual até então construído (DONNELLY,
2011, p. 46).

Outro ponto que deve ser salientado é que as instituições de longa


permanência, tal qual todas as entidades que por sua natureza impliquem
no convívio com outras pessoas, devem possuir regras de funcionamento de
seus diversos serviços e uma vez admitido a pessoa idosa deve se submeter a
tais regras, desde que, obviamente, não consubstanciem cláusulas abusivas.

17
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Ou seja, a liberdade não encontra limites apenas na questão do direito de ir e


vir, mas também nas regras de convivência, que podem limitar legitimamente
a liberdade estabelecendo, por exemplo, limites ao uso de aparelhos sonoros
ou horários de regresso à instituição em caso de passeios.

Ao fim e ao cabo, haverá sempre a liberdade de não se institucionalizar ou


de buscar outra entidade cujo perfil seja mais adequado ao perfil da pessoa
idosa que busca acolhimento.

3.1.2. Autonomia e Capacidade

Outro termo cujo conceito precisa ser apartado do conceito de autonomia é


o de capacidade. O direito brasileiro distingue a capacidade de direito (ou
de gozo) da capacidade de fato (ou de exercício), conceituando a primeira
como a aptidão genérica para ser titular de direitos e a segunda como a
aptidão de praticar pessoalmente os atos da vida civil (FARIAS; ROSENVALD,
2006, p. 190/191). Ou seja, em determinadas condições a pessoa pode ser
titular de um direito, mas não poder exercê-lo pessoalmente. É o caso de
uma criança de tenra idade que passa a ser titular do direito de propriedade
sobre um apartamento, mas não pode exercer pessoalmente os direitos
que decorrem da propriedade desse bem, como vendê-lo ou alugá-lo.
Nesse caso, para usufruir plenamente do bem a criança precisará de um
representante legal para agir em seu nome, função que normalmente cabe
aos seus genitores.

Conforme a condição da pessoa, o enquadramento jurídico pode ser como


plenamente capaz, relativamente incapaz ou absolutamente incapaz. No
primeiro caso, a pessoa exerce plenamente seus direitos sem a necessidade
de nenhum intermediário, no segundo caso, exige-se uma assistência, ou
seja, uma pessoa que pratique o ato em conjunto com a pessoa de modo a
suprir eventuais fragilidades decorrentes de sua condição, e no último caso
um representante legal pratica o ato em nome da pessoa, representando-a.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Até o ano de 2015, as pessoas com transtornos neurocognitivos poderiam ser


enquadradas ou como totalmente incapazes, caso não tivessem o necessário
discernimento para a prática de atos jurídicos, ou como relativamente
incapazes, caso tivessem o discernimento reduzido, conforme a redação
então vigente dos artigos 3º e 4º, do Código Civil8. Tal gradação deveria ser
determinada por meio de perícia a ser realizada no bojo de um processo de
interdição.

Contudo, o advento da Lei 13.146/15, conhecida como Estatuto da Pessoa


com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência,
alterou profundamente a chamada teoria das incapacidades. Na verdade,
o referido ato normativo regulamentou ao nível da legislação ordinária
brasileira os preceitos da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência que, dentre outros ditames, previu em seu art. 12 uma quebra
de paradigma no tema da capacidade civil9 10.

8 O texto então vigente do Código Civil possuía a seguinte redação:


“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: II - os que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”.
“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que,
por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”.
9 Eis o texto do item 4, do art. 12, da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: “Os Estados Partes assegurarão
que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em
conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício
da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência
indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas
à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao
grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa”.
10 A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi ratificada pelo Brasil, aprovada pelo Congresso Nacional pelo
Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.948, de 25 de agosto de 2009. Por ter sido aprovada
pelo quórum qualificado previsto pelo art. 5º, parágrafo 3º, da Constituição Federal, possui status de emenda constitucional.

19
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Em linhas gerais a Lei 13.146/15 alterou o Código Civil estabelecendo que


em relação a pessoas adultas com transtornos neurocognitivos a capacidade
só poderá ser restringida relativamente e limitada aos atos de natureza
patrimonial. Além da alteração do texto dos artigos 3º e 4º, do Código
Civil, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência previu de forma
expressa, em seu art. 85, que a curatela não “alcança o direito ao próprio
corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao
trabalho e ao voto”.

Ou seja, a possibilidade de declaração de incapacidade de uma pessoa adulta


por meio de um processo de curatela não afeta seus direitos existenciais e
nem tampouco outorga poderes ao curador para suprimir o projeto de vida
do curatelado, anulando seus anseios e eliminando suas potencialidades11.
Por tal motivo, é equivocado confundir-se os conceitos de capacidade
jurídica com o de autonomia12. Nesse sentido, mostra-se pertinente o escólio
de Farias e Rosenvald (2016, p. 96):

Realmente, em tempos pós-modernos, com preocupações


de inclusão social e cidadania, não mais se pode admitir
que a lei repute um ser humano incapaz absolutamente
somente por conta de uma deficiência física ou mental e,
muito pior do que isso, que promova uma transferência
compulsória das decisões e escolhas sobre sua vida e
as suas relações existenciais para um terceiro, o curador,
aniquilando a sua vontade e a sua preferência. Equivale,
na prática, a uma verdadeira morte civil de um humano.

11 É importante salientar que o conceito do direito de civil de capacidade de fato e de capacidade de direito é, para alguns autores
(MIRANDA), inaplicável aos direitos humanos fundamentais, e para outros (CANOTILHO, 1998, p. 387/388) aplica-se apenas em relação a
direitos fundamentais para cujo exercício for necessária a tomada de decisão e exijam alguma maturidade para seu exercício, como por
exemplo o direito de associação. Deve-se consignar que ambos os autores em seus textos têm em mente a incapacidade decorrente da idade
e não em função de algum comprometimento mental.
12 Todavia é necessário registrar que a autonomia pode ser tolhida por via indireta em função do reconhecimento judicial da
incapacidade civil da pessoa. Por tal motivo, a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência regulou o tema da capacidade em
seu artigo 12. A capacidade funciona como uma espécie de porteiro (gatekeeper) do acesso à autonomia (Nesse sentido DONELLY, 2011,
pág. 2). Nas palavras de Donelly (2011, p. 2) “while respect for autonomy provides the principled foundation for the law’s approach to
decision-making, the question of whether or not each individual’s decision will actually be respected is dependent on whether she meets
the legal standard for capacity in respect of the decision in question”.

20
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental


que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas,
em especial as que dizem respeito às suas crenças,
preferências, vontade, valores e afetos, em um âmbito
condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico.
Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se
reduz à capacidade intelectiva da pessoa, estando, em
verdade, vocacionado à satisfação de suas necessidades
existenciais, que transcendem o plano puramente objetivo
do trânsito das titularidades” .

Usualmente, muitos idosos residentes em instituições de longa permanência,


em função dos transtornos neurocognitivos que ostentam, estão sob o
regime de curatela. Nesse contexto, não é incomum às equipes técnicas se
referirem apenas ao curador para buscar autorização para toda e qualquer
atividade, com graves prejuízos à autoestima da pessoa idosa.

É preciso fixar que o fato de a pessoa idosa estar sob o regime de curatela
não impede a equipe técnica da entidade de acolhimento de trabalhar sua
autonomia, buscando criar estratégias que permitam o desenvolvimento de
um projeto de vida possível no ambiente onde se encontra.

Consoante demonstrado acima o poder do curador não afeta os direitos


existenciais da pessoa sob o regime de curatela, limitando-se à prática dos
atos de natureza patrimonial. Ou seja, se por um lado o curador tem poderes
para realizar pagamentos e firmar recibos em nome da pessoa idosa sob
o regime de curatela, não pode privá-lo do convívio comunitário ou de
atividades de lazer identificadas com sua personalidade e que, lastreada em
diagnóstico da equipe multidisciplinar, tenham o potencial de promover sua
autonomia.

21
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Eventual discordância quanto o desempenho de tais atividade ou eventual


desrespeito imotivado das vontades e preferências da pessoa idosa sob o
regime de curatela pode levar, inclusive, ao afastamento do curador. Note-
se que o art. 758, do Código de Processo Civil, estipula que “o curador
deverá buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia
pelo interdito”.

3.1.3. Autonomia e Independência

Outro conceito que se relaciona com o de autonomia é o de independência. A


Convenção Interamericana de Direitos Humanos da Pessoa Idosa mencionou
a independência do idoso como um direito a ser garantido pelos Estados
membros. Aliás, a independência figura entre seus princípios gerais (art. 3º,
alínea c). É interessante observar, ainda, que no texto da Convenção a palavra
independência no mais das vezes vem acompanhada da palavra autonomia,
tudo a indicar que apesar de distintos, os conceitos se relacionam. Maior
exemplo dessa relação é o título dado ao art. 7º, que é justamente “direito à
independência e à autonomia”.

Ao enunciar o direito à autonomia e à independência a Convenção pareceu


não se preocupar em diferenciar os conceitos, conforme previsão do referido
art. 7º:

Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem o direito do idoso


a tomar decisões, a definir seu plano de vida, a desenvolver uma vida
autônoma e independente, conforme suas tradições e crenças, em igualdade
de condições, e a dispor de mecanismos para poder exercer seus direitos.

O Estatuto do Idoso, no entanto, não prevê o direito à independência de


maneira expressa, muito embora seja possível extraí-lo de outros preceitos
previstos no texto legal, como, por exemplo, o art. 2º e o art. 10.

22
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Contudo, nas normas regulamentares das instituições de longa permanência


o conceito de independência está relacionado às condições físicas e mentais
da pessoa para o desempenho de atividades da vida diária. A Resolução da
Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária nº 502, de
27 de maio de 2021, que dispõe sobre o funcionamento de instituições de
longa permanência para idosos de caráter residencial, consagra em seu art.
3º, inciso II, a definição de dependência do idoso como sendo a “condição
do indivíduo que requer o auxílio de pessoas ou de equipamentos especiais
para realização de atividades da vida diária”. Em seguida, prevê em seu art.
3º, inciso IV, os graus de dependência, conforme haja comprometimento no
desempenho de alguma atividade cotidiana, como alimentar-se, vestir-se ou
ir ao banheiro13.

Interessante observar que a Lei Estadual nº 8.049, de 17 de julho de 2018, do


Estado do Rio de Janeiro, que estabelece normas para o funcionamento de
instituições de longa permanência, adotou o mesmo critério para classificar
os idosos conforme o seu grau de dependência.

Tem-se, portanto, ao menos no que se refere ao universo normativo


das instituições de longa permanência, a consagração do conceito de
independência com a ausência de restrições físicas ou mentais para o
desempenho de atividades da vida diária, permitindo-se sua gradação
conforme o número de atividades comprometidas.

13 1. grau de dependência I: idosos independentes, mesmo que requeiram uso de equipamentos de autoajuda; 2. grau de
dependência II: idosos com dependência em até três atividades de autocuidado para a vida diária tais como: alimentação, mobilidade,
higiene; sem comprometimento cognitivo ou com alteração cognitiva controlada; e 3. grau de dependência III: idosos com dependência
que requeiram assistência em todas as atividades de autocuidado para a vida diária e ou com comprometimento cognitivo.

23
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Notou-se que, nesse sentido, o conceito de independência não se confunde


com o conceito de autonomia, uma vez que um se liga ao desempenho de
tarefas cotidianas enquanto a autonomia se conecta ao desenvolvimento
de um projeto de vida, de realização de vontades e preferências. Logo, a
perda de independência, muito embora possa ter repercussões no plano
da autonomia, não a inviabiliza absolutamente. A título de exemplo, a
equipe da entidade pode oferecer apoio a um idoso em uma cadeira de
rodas (independência comprometida no sentido consagrado pela norma da
ANVISA) de modo a manter preservada sua autonomia para desenvolver
plenamente suas potencialidades de acordo com seu perfil.

3.2. Modelos de Autonomia

O conceito de autonomia evoluiu ao longo do tempo, conforme foram


percebidos nuances sobre a forma de sua aplicação à realidade das
populações vulneráveis, onde se insere a população idosa com declínio
cognitivo.

3.2.1. Autonomia Tradicional

O modelo de autonomia tradicional calcado na filosofia liberal pressupõe


a não intervenção na esfera de escolhas individuais. Ou seja, a autonomia
é garantida basicamente por um não agir de terceiros ou do Estado. Assim,
garantir a autonomia do indivíduo consistiria em deixá-lo livre para fazer suas
opções de vida sem qualquer intervenção externa. Segundo Biroli (2013,
posição 276):

No pensamento liberal contemporâneo, a compreensão


de que os indivíduos são igualmente capazes de definir
suas preferências e fazer escolhas sobre como viver suas
vidas está na base de abordagens influentes das conexões
entre autonomia, liberdade individual e igualdade.

Ou seja, o modelo liberal parte do pressuposto de que a construção da


autonomia se trata de uma tarefa individual e que para o seu exercício basta
a não intervenção estatal e a ausência da coerção de terceiros.

24
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Porém, tal modelo negligencia aspectos importantes como o contexto social


em que vive o indivíduo e sua própria condição de higidez mental. Teoriza a
partir de um ser humano desconectado do meio em que vive, das estruturas
sociais que moldam seu comportamento de forma estruturante e de seu
histórico de vida, pressupondo igualdade de condições para o exercício da
autonomia simplesmente pela condição de ser humano. Nas palavras de
Biroli (2013, posição 304).

Mesmo quando o igual respeito à liberdade e à autonomia dos indivíduos


é garantido pelas leis, há hierarquias significativas organizando a produção
social das preferências e as possibilidades de ação, restringindo ou ampliando
o horizonte em que se definem.

A título de exemplo, num ambiente de violência doméstica esse modelo, ao


invés de chancelar a legítima vontade da mulher, poderia, ao revés, mascarar
a opressão do agressor como fator determinante para a manifestação da
vontade.

Também num contexto de transtorno neurocognitivo, a aplicação de um


modelo tradicional teria grandes chances de colocar o indivíduo em risco
ao invés de promover uma real autonomia.

3.2.2. Autonomia Relacional

O modelo de autonomia relacional analisa o contexto social e cultural em


que a pessoa se encontra inserida. Nenhuma decisão é tomada a partir de
um sujeito sem história ou desconectado de um sistema de crenças. Assim,
muitas vezes esse sistema de crenças encaminha a pessoa para as decisões
que toma ao longo da vida. Foram muito influentes nessa guinada teórica os
estudos feministas. Segundo Biroli (2013, posição 286)

25
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

... enquanto no pensamento liberal individualismo


abstrato, preferências individuais e autonomia são
largamente vinculados, o feminismo avançaria na análise
da posição concreta dos indivíduos e da produção social
das preferências para que a autonomia deixasse de ser um
ideal desencarnado”.

Diferentemente do modelo tradicional é relevante verificar se o contexto no


qual a pessoa vive afeta ou não sua autonomia, uma vez que muitas vezes,
seja em razão de fatores culturais, sociais, religiosos ou familiares, o leque de
opções pode ser alterado de modo a causar prejuízo à construção do projeto
pessoal do indivíduo.

Havendo algum elemento externo limitador da autonomia, caberia uma


intervenção externa, no mais das vezes estatal, de modo a garantir o direito
da pessoa afetada. Não se trata de tarefa fácil discernir o ponto exato em que
tal contexto exigirá uma intervenção externa de modo a garantir o exercício
da autonomia individual. Por um lado, todas as escolhas estão, em certa
medida influenciadas pela história, pelo contexto cultural e social onde vive
o indivíduo. Não se poderia imputar como inidônea, por exemplo, a decisão
de um indivíduo que abandona o sonho de estudar numa universidade para
trabalhar em razão da notícia da gravidez da namorada. Obviamente que tal
decisão estaria toldada por um fato externo e pela pressão social que exige a
responsabilidade paterna, porém, não se teria por inidônea ou tampouco se
identificaria qualquer violação a direito fundamental.

Por outro lado, a situação seria diferente, no caso de uma mulher, temerosa de
se lançar à miséria por falta de recursos financeiros, que manifesta sua vontade
de permanecer casada com o marido que a agride. Ainda que o mesmo
não a tenha coagido a permanecer casada, no sentido literal do termo, sua
autonomia encontra-se limitada por falta de confiança na possibilidade de
sucesso da escolha da opção de separação, seja por falta de apoio familiar,
seja por falta de estrutura estatal de proteção social14.

14 Note-se que até mesmo a decisão de ser acolhido em instituição de longa permanência pode consubstanciar violação ao direito
de autonomia do idoso, nos casos em que tal posição é decorrente de pressão de familiares ou falta de estrutura local, seja pública ou
privada, para concretização de possibilidades alternativas, como a opção por frequentar Centros Dia e retornar ao lar ao final do período.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Assim, o modelo relacional questiona o modelo tradicional de autonomia, na


medida em que desvela que o exercício do direito de escolha do indivíduo
não é sempre garantido apenas como uma ação negativa de terceiros ou do
Estado, exigindo um olhar mais profundo caso a caso no intuito de investigar
a motivação do ato e se essa motivação não pode consistir numa violação ao
direito fundamental à autonomia.

3.2.3. Autonomia Promocional

Quando a análise incide sobre o indivíduo com alguma deficiência mental


ou intelectual, ou algum transtorno neurocognitivo, a aferição do respeito ao
direito à autonomia torna-se ainda mais complexa.

O efeito da aplicação ao modelo tradicional a casos como esses é relegar a


pessoa à própria sorte mantendo-a eternamente alheia às decisões de sua
própria vida. Melhor explicando, a não oferta de medidas de apoio implicará
na exclusão social e na impossibilidade do exercício da autonomia. Ao revés
do que normalmente se espera, a não intervenção de terceiros ou do Estado
não significa, nestas hipóteses, liberdade, mas sim abandono.

Basta imaginar uma pessoa que nasça com alguma deficiência intelectual. A
falta de intervenção precoce que possibilite, por exemplo, sua inserção no
sistema de educação, a privará de uma série de opções futuras. No mesmo
sentido, seria imaginar uma pessoa com deficiência auditiva privada do
acesso ao ensino da língua brasileira de sinais (Libras). O exercício de sua
autonomia seria o mesmo em relação a um outro indivíduo que pudesse se
comunicar no referido sistema linguístico? Certamente que não.

Desta forma, sobretudo para o grupo de pessoas com deficiência, o exercício


da autonomia impõe o reconhecimento do dever estatal de promover o
acesso dessa população a estruturas de apoio e tecnologias assistivas que
permitam um incremento paulatino de sua independência e inserção social.
Segundo Albuquerque (2018, p. 21):

27
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Quanto ao princípio da autonomia pessoal, o modelo da


autonomia como promoção impõe o comando no sentido
da criação de oportunidades que propiciem sua existência
e materialização. Nesse sentido, quando uma pessoa não
tem como fazer escolhas por ausência de alternativas,
torna-se dificultoso sustentar a presença da autonomia.

Para o exercício do direito à autonomia para pessoas com deficiência é


fundamental a oferta de suportes que neutralizem os impedimentos de
condição pessoal que obstam o pleno desenvolvimento do plano de vida
estabelecido pelo indivíduo. Esses mecanismos de suporte podem ser
categorizados em três tipos: a) suportes para formulação de objetivos e
explorar alternativas; b) suportes para engajar a pessoa no processo de
tomada de decisão; e c) suportes para concretizar o agir em consonância
com a decisão tomada (ALBUQUERQUE, 2018, p. 120)15.

Em termos jurídicos, é possível concluir que o ordenamento brasileiro


consagra expressamente o modelo de autonomia promocional. Em primeiro
plano cumpre ser destacado o art. 230, da CF, cujo texto é o seguinte: “A
família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade
e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

15 Para maiores detalhes vide BACH, Michael; KERZNER, Lana. A New Paradigm for Protection Autonomy and the Rights to Legal
Capacity. Disponível em https://www.lco-cdo.org/wp-content/uploads/2010/11/disabilities-commissioned-paper-bach-kerzner.pdf. Acesso
em 23 de setembro de 2021.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Ao tratar de idosos com algum declínio cognitivo, com perda de autonomia


e independência, a legislação que trata dos direitos da pessoa idosa dialoga
fortemente com a legislação específica de inclusão da pessoa com deficiência,
sobretudo no que se refere aos suportes necessários para o desenvolvimento
dos projetos de vida de cada indivíduo nessa condição de vulnerabilidade. É
possível extrair da legislação infraconstitucional de ambas as áreas temáticas
(idoso e pessoa com deficiência) normas que reafirmam o dever da família,
de sociedade e do Estado de fornecer o suporte necessário para o exercício
da autonomia da pessoa idosa com transtorno neurocognitivo16 17.

3.2.4. A Autonomia do Idoso com Transtorno Neurocognitivo

O envelhecimento é muitas vezes associado ao declínio cognitivo da


pessoa. No entanto, há que se fazer uma distinção preliminar entre o que se
concebe como senescência e o que é considerado senilidade. No primeiro
caso, identifica-se um declínio natural das condições físicas e biológicas do
indivíduo que não afetam sua capacidade de entendimento e de interação
com as outras pessoas. Enquanto num quadro de senilidade, há a presença
de um declínio patológico com comprometimento da capacidade cognitiva
e que acarreta problemas de sociabilidade e de comunicação. Contudo,
o uso dos dois termos é muitas vezes disseminado de forma imprecisa,
causando, não raro, confusão conceitual. Segundo Cançado, Alanis e Horta
(2017, p. 517)

16 A pessoa idosa com transtorno neurocognitivo pode enquadrar-se no conceito de pessoa com deficiência na medida em que
apresenta um impedimento de longo prazo de natureza mental, que, em interação com barreiras das mais variadas naturezas, pode obstruir
sua participação plena na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (vide art. 2º, da Lei 13.146/15).
17 É exemplo do dever legal de oferecer suporte para o exercício da autonomia da pessoa com deficiência o art. 74, da Lei 13.146/15,
que preceitua: “É garantido à pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e serviços de
tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida”.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

O envelhecimento patológico (senilidade) ocorre quando


esses mesmos danos se derem em uma intensidade
muito maior, levando a deficiências funcionais marcantes
e, seguramente, a alterações das funções nobres do
SNC, atingindo, especialmente, as relacionadas com a
capacidade intelectual do indivíduo, por meio de alterações
da atenção, memória, raciocínio e juízo crítico, as funções
práxicas e gnósicas, na fala e outros tipos de comunicação
e, consequentemente, comprometendo progressiva e
severamente a sua vida de relação, sua afetividade, sua
personalidade e sua conduta. Entretanto, senilidade é um
termo amplo, impreciso e, muitas vezes, mal-empregado,
que torna indistinta a fronteira entre a idade e a doença
física ou mental. Esta palavra não pode existir na prática
médica, sociológica ou legal. É em decorrência dessa
confusão que sintomas importantes são comumente
atribuídos à idade (subentendendo-se, senilidade) pelos
familiares, pelo próprio idoso e, infelizmente, por muitos
profissionais da área. As afirmativas “É a idade…” e “É
da idade…” podem seguramente mascarar doenças
graves (agudas ou crônicas), protelar a ida ao profissional
de saúde, e, consequentemente, retardar o início da
abordagem clínica e o tratamento.

O conceito de transtorno neurocognitivo, também conhecido como síndrome


cerebral orgânica, vem sendo adotado mais modernamente em lugar do
conceito de demência. Trata-se de

30
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

... um termo geral que descreve a função mental


diminuída devido a uma doença médica que não seja
uma doença psiquiátrica. Ainda hoje, o termo demência é
frequentemente usado como sinônimo porque os diversos
transtornos envolvem deficiências cognitivas e declínios
semelhantes, que afetam mais frequentemente pessoas
idosas18.

A 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais


(DSM-5, 2013), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, agrupou
sob a nomenclatura “transtornos neurocognitivos” o delirium, as demências
e outros transtornos cognitivos. Os termos transtorno cognitivo leve (TCL)
e demência passaram a ser referidos, respectivamente, como transtorno
neurocognitivo leve (TNL) e transtorno neurocognitivo maior (TNM).

A doença cujo diagnóstico é bastante associado ao envelhecimento é o Mal


de Alzheimer, ainda que outras doenças possam também levar a transtornos
neurocognitivos (como a degeneração frontotemporal e a doença dos
corpos de Lewy por exemplo19) e, portanto, colocar o paciente na posição de
fragilidade a que se refere este estudo. Segundo a dupla Speranza e Mosci
(2017, p. 565):

A prevalência de demência varia substancialmente entre


as diversas regiões do mundo. Na América Latina, a
prevalência é maior do que o esperado para o nível de
envelhecimento populacional, fenômeno explicado pela
combinação de baixo nível educacional e alta prevalência
do perfil de risco vascular (Rizzi et al., 2014).

18 ABCMED, 2019. Distúrbio neurocognitivo - conceito, causas, diagnóstico, tratamento, evolução. Disponível em: <https://www.
abc.med.br/p/saude-do-idoso/1334903/disturbio-neurocognitivo-conceito-causas-diagnostico-tratamento-evolucao.htm>. Acesso em: 20
abr. 2020.
19 O DSM-5, 2013, arrola especificamente como subtipos de transtornos neurocognitivos maiores e leves a Doença de Alzheimer,
a Degeneração lobar frontotemporal, a Doença com corpos de Lewy, a Doença vascular, a Lesão cerebral traumática, o Uso de substância/
medicamento, a Infecção por HTV, a Doença de príon, a Doença de Parkinson e a Doença de Huntington (p. 592).

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Dados recentes de estudo clinicopatológico realizado


no Brasil (Grinberg et al., 2013) mostraram as seguintes
prevalências dos subtipos de demências: doença de
Alzheimer (35,4%), demência vascular (21,2%), demência
mista (13,3%) e outras causas de demência (30,1%). Em
comparação a outros países, esses dados mostraram
prevalências mais baixas de doença de Alzheimer e mais
altas de demência vascular (DV) e demência mista (DM). A
alta prevalência encontrada de DV e DM provavelmente
reflete o acesso limitado da população estudada ao
controle adequado dos fatores de risco cardiovasculares.

Ao nível internacional preferiu-se o termo demência que é utilizado como um


termo “guarda-chuva”, que abarca uma série de síndromes e doenças que
afetam a cognição, raciocínio lógico, memória, alteração de comportamento
e perda da independência para realização de atividades cotidianas (MILTE
et allii, 2015)20 21.

A grande repercussão para a pessoa idosa no diagnóstico de um transtorno


de semelhante natureza é o comprometimento progressivo da capacidade
para tomada de decisões. Num quadro como esse, há evidente aumento da
vulnerabilidade da pessoa, uma vez que haverá perda de autonomia com
repercussões, no plano jurídico, na capacidade civil.

20 Esse conceito é utilizado pela Organização Mundial de Saúde, no texto do Plano de Ação Global para as Demências: “Dementia
is an umbrella term for several diseases that are mostly progressive, affecting memory, other cognitive abilities and behaviour that interfere
significantly with a person’s ability to maintain the activities of daily living. Alzheimer disease is the most common form of dementia and
may contribute to 60–70% of cases. Other major forms include vascular dementia, dementia with Lewy bodies, and a group of diseases that
contribute to frontotemporal dementia. The boundaries between different forms of dementia are indistinct and mixed forms often coexist”
(https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA70/A70_28-en.pdf, acesso em 13 de setembro de 2021).
21 O próprio DSM-V reconhece o uso do termo demência como sinônimo de transtorno neurocognitivo, preferindo, no entanto, o uso
deste último: “O termo demência é mantido no DSM-5 para continuidade, podendo ser usado em contextos em que médicos e pacientes
estejam acostumados a ele. Embora demência seja o termo habitual para transtornos como as demências degenerativas, que costumam
afetar adultos com mais idade, o termo transtorno neurocognitivo é amplamente empregado, sendo, em geral, o termo preferido para
condições que afetam pessoas mais jovens, como o prejuízo secundário a lesão cerebral traumática ou a infecção pelo HIV. A definição de
TNC maior, além disso, é mais ampla que o termo demência, no sentido de que pessoas com declínio substancial em um só domínio podem
receber esse diagnóstico, mais notadamente a categoria do DSM-IV “Transtorno Amnéstico”, agora diagnosticado como TNC maior devido a
outra condição médica e para o qual o termo demência não será utilizado” (2014, p. 591).

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Tal contexto gerou a necessidade de políticas públicas atentas a mitigar os


efeitos deletérios de a inserção de idosos com transtornos neurocognitivos em
ambientes asilares desprovidos de recursos humanos adequados, seja pela
insuficiência ou pelo despreparo da equipe.

Pela possibilidade de caracterização de situação de risco para essa parcela mais


vulnerável da população idosa, o tema mereceu atenção do Plano de Ação
Internacional para o Envelhecimento22, aprovado pela II Assembleia Mundial
Sobre o Envelhecimento, realizada em Madri no ano de 2002, por meio da
Resolução n. 57/167. O tema 6, da orientação prioritária II, trouxe enunciados
específicos em relação aos direitos de pessoas idosas com algum grau de
perda cognitiva em ambientes asilares. São os enunciados 87 a 89, transcritos
abaixo:

87. A incidência da diminuição da capacidade e a


incapacidade aumentam com a idade. As mulheres idosas
são particularmente vulneráveis à incapacidade na velhice
devido, entre outras coisas, a diferenças entre os gêneros no
que respeita à expectativa de vida e à propensão a doenças,
assim como às desigualdades por razão de sexo sofrida
durante a vida.

88.Os efeitos da diminuição da capacidade e da incapacidade


se são agravados com frequência pelos estereótipos
negativos a respeito das pessoas incapacitadas, que podem
levar a que se deprecie sua capacidade e que as políticas
sociais não lhes permitam tornar efetivas todas.

89. As intervenções propícias e os ambientes favoráveis


a todos os idosos são indispensáveis para promover a
independência e capacitar os idosos com incapacidades,
para participarem plenamente em todos os aspectos da
sociedade. O envelhecimento das pessoas com problemas
cognitivos é fator que deve ser considerado nos processos
de planejamentos e tomada de decisões.

22 Disponível em http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_manual/5.pdf, acesso em 01 de novembro de


2021.

33
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Sobretudo se inseridos em ambientes asilares, os idosos com transtornos


neurocognitivos são mais suscetíveis a sofrer violação de direitos (LACHS;
PILLEMER, 2015). Fragilizadas as formas de entendimento e comunicação
de vontades e preferências, os cuidados dispensados pelas equipes
técnicas das entidades de acolhimento exigirão, por certo, estratégias
mais complexas para inserção dos moradores em tais condições de
saúde nas atividades desenvolvidas com intuito de manutenção de
vínculos familiares e comunitários.

Ressalta-se que conforme levantamento do CENSO do Sistema Único de


Assistência Social (SUAS) observou-se a presença de declínio cognitivo em
60,6% a 78,8% dos idosos residentes em instituições de longa permanência
investigados (BRASIL, 2021, p. 12), o que revela a prevalência desse perfil
da pessoa idosa institucionalizada, indicando a relevância do tema no que
tange a se estabelecer uma estratégia de ação de equipe técnica da entidade
de acolhimento no que se refere aos serviços prestados e ao manejo de
situações cotidianas que envolvam pessoas idosas acolhidas com transtornos
neurocognitivos.

Aliás, a presença de transtornos cognitivos é fator que potencializa a


ocorrência de episódios de violência (COOPER; LIVINGSTON, 2014), assim
como o isolamento social (LACHS; PILLEMER, 2015), faz com que a pessoa
fique mais propensa a sofrer contenção (BICEGO, 2018, p. 54/55), sendo
um dos fatores predisponentes da institucionalização das pessoas idosas
(BORN; BOECHAT, 2017, p. 2.942).

Tratando-se de pessoa idosa com transtorno neurocognitivo é preciso


combinar os modelos de autonomia relacional e promocional a fim de dar
uma resposta adequada aos anseios de autonomia das pessoas abrigadas
em entidades de acolhimento.

34
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

A efetivação e a continuidade do projeto de vida do idoso de acordo


com as suas convicções e propósitos, numa fase de comprometimento
mental, só é possível a partir da atuação da equipe técnica da instituição
de longa permanência, que, com base no histórico de vida e contexto
cultural e familiar, terá que elaborar estratégias de construção do
referido projeto, agora em novas bases e na perspectiva de uma ação
externa de terceiros.

Por tal motivo, não se permite adotar uma visão de autonomia que prescinda
do apoio de terceiros. Nesse contexto, esperar do idoso a iniciativa para
tomada de decisões como também atender cegamente todos os seus
anseios, ao invés de significar garantia de direitos, ao revés, importaria em
colocá-lo em situação de risco, sem que haja a efetivação de qualquer direito.

Todavia zelar pela autonomia de uma pessoa que não mais se comunica
ou interage com o mundo externo é um enorme desafio. Num quadro
em que tal pessoa é idosa e se encontra abrigada numa instituição de
longa permanência tal desafio necessariamente deverá ser enfrentado
pela equipe técnica.

Deve, nesse ponto, ser frisado mais uma vez que, nos moldes do que
dispõem a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência a pessoa idosa com
transtorno neurocognitivo pode ser enquadrada no conceito de pessoa com
deficiência. Partindo de tal premissa as estratégias utilizadas pela equipe
técnica da entidade de acolhimento deverão ter como vetores os princípios
dos referidos diplomas legais.

35
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Há que ser considerado ainda que o transtorno neurocognitivo possui


gradações, podendo variar conforme haja maior ou menor comprometimento
da capacidade mental da pessoa23, mas certo é que sua presença na pessoa
idosa, sobretudo, em ambiente asilar, na maioria dos casos é irreversível
e progressivamente incapacitante, e, portanto, aderente ao conceito de
pessoa com deficiência24.

O primeiro princípio arrolado dentre aqueles previstos expressamente


pelo art. 3º, da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
se refere justamente à autonomia da pessoa e apresenta-se enunciado da
forma seguinte: “o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual,
inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das
pessoas”. Conjugado com o art. 12, da Convenção, extrai-se a conclusão de
que o exercício da autonomia das pessoas com algum comprometimento
mental deve ser feito com respeito aos direitos, vontade e preferências e
sejam isentas de conflitos de interesse e influência indevidas25.

23 O próprio Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) faz uma classificação entre transtorno neurocognitivo
maior e leve e ainda prevê que dentro de cada modalidade deva ser feita uma especificação quanto à sua gravidade no momento da
avaliação como leve, moderada ou grave (2014).
24 Conforme o art. 1º, da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
25 O texto do art. 12, em seu item 4, prevê: “Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade
legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos.
Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências
da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa,
se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente,
independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa”.

36
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Assim fixado, o desenvolvimento da autonomia dentro do ambiente


asilar pressupõe que a equipe conheça efetivamente as vontades e
preferências da pessoa idosa com quem trabalha. Para que isso seja
possível a equipe deve lançar mão de várias ações coordenadas nesse
sentido, desde uma cuidadosa e detalhada colheita de informações
sobre o idoso no momento de seu abrigamento, o que pode ser feito
por meio de entrevista com o próprio idoso e com seus familiares, até
o acompanhamento diuturno do idoso no curso de sua vida na fase de
acolhimento institucional.

Nessa tarefa de colheita de informações podem ocorrer uma série de


intercorrências que podem tornar mais difícil o seu desenvolvimento ou até
mesmo quase impossível. De plano, permite-se divisar extremos que tornam
a colheita de informações mais simples e de uma dificuldade hercúlea. Na
primeira hipótese, basta imaginar a situação de uma pessoa idosa que foi
abrigada com plenas condições mentais, conviveu um longo período em
boas condições de saúde mental com a equipe e ainda provém de uma família
participativa sempre presente na vida do morador. Nesse caso, na hipótese
do surgimento de um transtorno cognitivo, todo o histórico de convivência
com a equipe será a bússola para o trabalho que virá e será também o norte
da inserção da pessoa nas atividades futuramente promovidas e nas escolhas
que deverão ser feitas, sendo factível promover com sucesso a autonomia
da pessoa idosa mesmo na fase em que o transtorno cognitivo avançar para
um estágio mais grave.

No outro extremo, tem-se a situação em que a pessoa idosa é abrigada


sem qualquer referência familiar e com transtorno neurocognitivo maior em
estágio grave. O desenvolvimento da autonomia com base nas vontades e
preferência afigurar-se-á quase impossível para equipe técnica, por falta de
qualquer referência sobre a personalidade e o histórico da pessoa.

37
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Para essa última situação apregoa-se a adoção do princípio do melhor


interesse do idoso26, todavia, não sem alguma polêmica em relação a
eventual conflito com o texto da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência que consagra a preservação do modelo de autonomia
voltado para as vontades e preferências da pessoa27.

Embora na legislação brasileira não haja previsão expressa para a utilização


do princípio do melhor interesse do idoso (best interest), o instituto é previsto
e largamente utilizado na legislação do Reino Unido, previsto no “Mental
Capacity Act” (MCA) de 200528, diploma legal tido como referência sobre o
tema saúde mental, juntamente como o “Mental Health Act”, e que é aplicável
não só para idosos com transtornos cognitivos, mas para qualquer pessoa
com comprometimento mental que afete sua capacidade de manifestação
de vontade29.

26 BARBOZA, Heloisa Helena. O Princípio do Melhor Interesse do Idoso. In PEREIRA, Tania da Silva e OLIVEIRA, Guilherme de. O
Cuidado como Valor Jurídico. Rio de Janeiro: Forense. 2018.

27 Sobre dita discussão vide DONNELY, Mary. Bests Interests in the Mental Capacity Act: time to say goodbye?. In Medical Law
Review, Vol. 24, No. 3, 2016, pp. 318–332.

28 Disponível no endereço eletrônico https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/9/contents. Acesso em 02 de novembro de 2021.

29 O conceito para a incapacidade utilizado pelo MCA é o seguinte: “a person lacks capacity in relation to a matter if at the material
time he is unable to make a decision for himself in relation to the matter because of an impairment of, or a disturbance in the functioning
of, the mind or brain”.

38
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

O MCA estipula detalhadamente as regras que devem ser adotadas para a


tomada de decisão em favor da pessoa cuja capacidade de decidir esteja
afetada. Para tanto, segundo o ato normativo em referência devem ser
seguidos os seguintes passos: 1) em primeiro lugar deve ser considerado
o que a pessoa faria se estive em condições plenas de decidir nas mesmas
circunstâncias que se apresentam; 2) a própria pessoa, na medida do
possível, deve ser encorajada a participar do processo decisório; 3) deve ser
considerada a vida pregressa da pessoa, desejos e vontades manifestados
ou realizados no passado; 4) devem ser considerados valores e crenças da
pessoa, caso do conhecimento dos que lhe oferecem apoio; 5) deve ser
consultada qualquer pessoa que tenha sido indicada previamente pela
pessoa idosa para decidir em seu lugar em situações de incapacidade ou
familiares ou outras pessoas que sabidamente tenham relações afetivas ou
tenha atuado em tarefas de cuidado com a pessoa em momentos anteriores.

Entretanto, o Comitê que acompanha a aplicação da Convenção Sobre os


Direitos das Pessoas com Deficiência entendeu que o critério do melhor
interesse é incompatível com o que estabelece a Convenção e não pode
prevalecer em relação ao critério dos desejos e preferências30.

Compreende-se o motivo de tal resistência na medida em que o critério do


melhor interesse pressupõe que a decisão é tomada por um terceiro por um
critério objetivo alheio aos desejos e vontades da pessoa, já que estes nem
sempre consubstanciam o que, num juízo do homem médio, corresponderia
ao melhor. Por exemplo, uma pessoa poderia, segundo suas vontades e
preferências, recusar um tratamento médico ou uma vacinação, o que numa
análise objetiva não traria benefício à pessoa. Nesse contexto, a provável
decisão de um terceiro seria contrária ao que a própria pessoa decidiria se
estivesse em condições de fazê-lo por si só.

30 Vide DONELLY, Mary, op. cit.

39
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Contudo, os critérios utilizados pela legislação britânica mitigam bastante a


distância entre os dois critérios, já que se preocupa com a colheita de várias
informações para dar subsídios idôneos ao tomador da decisão.

Todavia, considerando o desafio que é para a equipe técnica de uma


instituição de longa permanência para idosos zelar pela autonomia de
uma pessoa idosa com transtorno mental, permite-se compatibilizar as
ferramentas disponíveis e mais adequadas ao caso concreto, ora com uma
atuação mais participativa do próprio idoso e sua família, onde a construção
do processo de tomada de decisões pode ser feito ao longo do tempo,
ora com critérios calcados nas regras do melhor interesse, sobretudo nas
hipóteses em que a comunicação com a pessoa idosa ou seus familiares é
impossível (DONNELY, 2016).

Por fim, é interessante observar as críticas de Herring (2016, p. 46-70) à


aplicação do MCA pelo fato de não considerar nuances que podem acontecer
nas questões práticas que envolvem a tomada de decisão, sobretudo em
razão de conflitos internos da própria pessoa em relação a seus desejos.
Cita um exemplo, baseado em um caso concreto, no qual uma mulher com
deficiência mental dizia não querer se submeter a uma cesariana por ter
medo de injeção e ao mesmo tempo desejava ser mãe. Nesse caso havia um
evidente conflito, uma vez que a não realização da cesariana colocaria tanto
a mãe quanto o feto em risco de morte.

40
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Em seus estudos Herring (2016, p. 70) sugere a adoção da regra segundo


a qual quanto maior for o risco de dano maior aprofundamento sobre a
autonomia da pessoa deve ser exigida e quanto maior for o benefício que
resulte da decisão tomada a averiguação da autonomia da pessoa poderá
ser feita de forma mais superficial31. No caso da mulher, tal critério levaria à
realização da cesariana mesmo contra a vontade da pessoa, uma vez que uma
análise mais profunda chegaria à conclusão de que o real objetivo da pessoa
era o de ser mãe e a deficiência mental a impedia de ter a compreensão de
que sua vontade de vetar o uso de injeções seria um óbice intransponível
à sua realização pessoal, objetivo maior e aderente ao projeto de vida por
ela eleito no exercício de sua autonomia.A ausência de preparo da equipe
ou o número insuficiente de profissionais gera um serviço massificado,
desumanizado e de baixa qualidade e que, no mais das vezes, perpetuam
práticas que mais do que atender às necessidades do idoso abrigado visam
a resolver problemas dos profissionais e da administração da entidade. É
exemplo dessa realidade a adoção da contenção, que será objeto de outro
estudo e publicação.. A contenção surge na maioria dos casos como forma
de permitir o controle dos idosos em caso de instituições que contam com
número reduzido de funcionários e que se valem dessa prática para diminuir
o trabalho dos cuidadores.

31 Nas palavras do autor: “The greater the harm that will be suffered if the decision is followed, the more richly autonomous the
decision needs to be. By contrast, the more beneficial the results that will follow from the decision, the less richly autonomous it needs to be”
(HERRING, 2016, p. 70).

41
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

4. O DIREITO DA PESSOA IDOSA INSTITUCIONALIZADA E UMA


BREVE ANÁLISE SOBRE DOCUMENTOS OPERACIONAIS DAS
INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA QUE ASSEGURAM OS
DIREITOS DA PESSOA IDOSA

No Brasil são dois os marcos legais principais que regulamentam o direito


das pessoas idosas no âmbito de sua relação como residente de uma
instituição de longa permanência, que são a Lei n. 8.842, de 04 de janeiro
de 1994, que dispõe sobre a política nacional do idoso, e a Lei n. 10.741, de
01 de outubro de 2003, que instituiu o Estatuto do Idoso. Ambas preveem
regras de proteção aos direitos dos usuários dos serviços de acolhimento
institucional.

A Lei n. 8.842, de 04 de janeiro de 1994, prevê como uma das diretrizes


da política nacional do idoso a “priorização do atendimento ao idoso em
órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados
e sem família” (art. 4º, inciso VIII), estando atualmente regulamentada pelo
Decreto n. 9.921, de 18 de julho de 2019, cujo artigo 18, parágrafo único,
prevê que “a pessoa idosa que não tenha meios de prover a sua própria
subsistência, que não tenha família ou cuja família não tenha condições de
prover a sua manutenção, terá assegurada a assistência asilar”, pelos entes
federativos conforme distribuição legal de competência.

Por sua vez, o Estatuto do Idoso traz uma série de normas que regulam
de maneira pormenorizada os direitos das pessoas idosas abrigadas
em instituições de longa permanência, destacando-se os artigos 35; 37,
parágrafos 2º e 3º; 48; 49; 50; 51; 52 e 74, VIII.

42
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

No direito brasileiro é o Estatuto do Idoso o diploma legal que compila


as regras gerais sobre as instituições de longa permanência e é a partir
dessas normas que é possível extrair os princípios que regem o serviço,
bem como os padrões de qualidade esperados e que, geralmente, são
checados nas inspeções realizadas pelo Ministério Público e por outros
órgãos de fiscalização. Contudo, outros países preocuparam-se em estipular
expressamente direitos das pessoas idosas abrigadas de forma mais
específica, como é o caso do Canadá, mais especificamente a província de
Ontário, que aprovou o Long-Term Care Homes Act, de 200732. O que torna
bastante interessante esse diploma legal é que ele consagra uma declaração
de direitos da pessoa idosa abrigada (Bill of Rights) em seu art. 3º. Dos 27
(vinte e sete) direitos enunciados destacam-se os seguintes:

1. Todos os residentes têm o direito de serem tratados com


cortesia e respeito, de modo que lhes sejam reconhecidas sua
individualidade e dignidade;
2. Todos os residentes têm o direito de serem protegidos contra
a violência;
3. Todos os residentes têm o direito de participar do processo
de tomada de decisão em relação aos assuntos que lhe digam
respeito;
4. Todos os residentes têm o direito de tomar parte no
planejamento, implementação, acompanhamento e revisão de
seu plano de cuidados;
5. Todos os residentes têm o direito à privacidade para se
comunicar com quem quiser e receber visitas sem a intervenção
da equipe técnica;
6. Todos os residentes têm o direito de ter acesso a áreas externas
e participar de atividades externas, salvo quando houver
limitações físicas que tornem impossível tais atividades.

32 Disponível em https://www.ontario.ca/laws/statute/07l08, acesso em 04 de novembro de 2021.

43
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

É possível afirmar que, muito embora não estejam descritos com tamanho
detalhamento, todos os 27 (vinte e sete) direitos enunciados no Bill of Rights
do Long-Term Care Homes Act de Ontário são assegurados pelo Estatuto
do Idoso a partir da interpretação de suas normas. O art. 49, do Estatuto
do Idoso33, já traz regras gerais a partir das quais é possível deduzir vários
direitos das pessoas idosas em situação de abrigamento.

A legislação incumbiu ao Ministério Público o dever de fiscalizar as instituições


de longa permanência com a finalidade de zelar pelos direitos das pessoas
idosas abrigadas.

Dita atividade de fiscalização foi regulamentada pela Resolução nº 154, de


13 de dezembro de 2016, expedida pelo Conselho Nacional do Ministério
Público. De acordo com o referido ato normativo, o membro do Ministério
Público deve inspecionar pelo menos uma vez por ano as instituições de
longa permanência para idosos situadas em sua área territorial de atuação,
com a finalidade de zelar pela efetividade e qualidade do serviço prestado,
zelar pela observância, nos equipamentos disponibilizados, das normas
relativas à política de assistência da pessoa idosa e identificar eventuais
situações de violação dos direitos humanos dos usuários (art. 3º).

33 Art. 49. As entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência adotarão os seguintes princípios:
I – preservação dos vínculos familiares;
II – atendimento personalizado e em pequenos grupos;
III – manutenção do idoso na mesma instituição, salvo em caso de força maior;
IV – participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno e externo;
V – observância dos direitos e garantias dos idosos;
VI – preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade.

44
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Um dos focos da colheita de informações por parte do Ministério Público do


Estado do Rio de Janeiro por ocasião da fiscalização da ILPI é a verificação
da regularidade do funcionamento da entidade sob o ponto de vista formal,
como, por exemplo, sua constituição jurídica, a existência de alvará sanitário
e inscrição no Conselho Municipal de Direitos do Idoso, dentre outros
documentos. Outro é aquele voltado para a qualidade do serviço prestado
pela entidade, com uma área voltada para a individualização e humanização
do atendimento e outra para a garantia de acesso a serviços de saúde.

No que se refere à qualidade dos serviços prestados pela ILPI, em especial


no que tange ao atendimento individualizado dos residentes e à atenção
à sua saúde, há quatro itens estratégicos sobre os quais é possível retirar
algumas conclusões sobre a qualidade dos serviços prestados na entidade.
Esses itens referem-se à adoção pela instituição de contratos escritos por
ocasião do ingresso do morador, conforme previsão do art. 35, do Estatuto
do Idoso; à adoção de plano de trabalho; à utilização de planos individuais
de atendimento e à adoção de um plano de atenção integral à saúde do
idoso.

CONTRATOS ESCRITOS POR OCASIÃO DO INGRESSO DO


MORADOR, CONFORME PREVISÃO DO ART. 35, DO ESTATUTO
DO IDOSO

O contrato e os documentos operacionais acima mencionados são indicativos


da importância que a instituição confere aos anseios e expectativas da pessoa
idosa abrigada, bem como sobre a qualidade de atuação da equipe técnica,
sob o prisma do cuidado centrado na pessoa.

45
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Em primeiro plano o contrato, cuja utilização é obrigatória por força do que


determina o art. 35, do Estatuto do Idoso, é um forte instrumento de controle
a respeito da anuência da pessoa idosa ao abrigamento. Historicamente e
ainda hoje, muitos abrigamentos em instituições de longa permanência
ocorrem à revelia da vontade da pessoa idosa, mormente se apresenta
algum declínio cognitivo. No entanto, o ingresso numa instituição de longa
permanência não pode ser compulsório, sob pena de se transformar de
medida de proteção em cárcere privado. No caso em que a pessoa idosa
apresenta transtorno neurocognitivo que a impeça de compreender as
condições de acolhimento ou até mesmo de entender todo o contexto
que a cerca num momento como esse, cabe ao seu curador, como seu
representante legal, assinar o contrato, à luz do que prevê o art. 35, § 3º,
do Estatuto do Idoso. Ressalte-se que a regra vale para todas as entidades,
tenham finalidade lucrativas ou não.

Por isso, em todas as inspeções é exigida a apresentação dos contratos


assinados pelos residentes, sobretudo para se aferir se o abrigamento foi
realizado com o consentimento da pessoa idosa.

A Resolução nº 33/17, do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, que


estabelece parâmetros para o contrato de prestação de serviço das instituições
de longa permanência para idosos, prevê em seu art. 1º, parágrafo único,
que se considera entidade para os efeitos da incidência da obrigatoriedade
do uso do instrumento contratual toda instituição, seja ela governamental ou
não governamental, com ou sem fins lucrativos. No entanto, tratando-se de
entidades públicas, a oferta do serviço no âmbito do SUAS muitas vezes não
se coaduna com a forma de contratação tradicional que se vê no ingresso de
moradores em entidades da rede privada.

Contudo, ainda que não se utilize de instrumento contratual com sua


forma tradicional, algum documento deve ser utilizado para indicar que o
abrigamento contou com a anuência do idoso, bem como que há normas de
conduta que terão que ser observadas pela pessoa idosa por morar em uma
residência coletiva e normas indicando os direitos da pessoa idosa durante
a sua permanência no local.

46
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Em relação aos três outros documentos operacionais, certo é que a sua falta
é indicativa de falha grave na qualidade do serviço oferecido pela entidade
de acolhimento, qualquer que seja sua natureza jurídica.

PLANO DE TRABALHO

O plano de trabalho está previsto no art. 48, inciso II, do Estatuto do Idoso
e no art. 31, da Resolução RDC 502/21. Segundo o “Roteiro de Atuação: o
Ministério Público e a fiscalização do serviço de acolhimento institucional de
longa permanência para idosos” (2015, p. 34):

O Plano de Trabalho é um documento institucional que


sintetiza a rotina da ILPI descrevendo de modo organizado
o que a instituição faz cotidianamente, porque e como
faz, servindo de orientador para os profissionais e de
referência para os órgãos de controle e fiscalização. Ele
deve descrever todas as atividades desenvolvidas pela
ILPI, demonstrando de que forma a instituição pretende
efetivar os princípios e premissas que norteiam a atenção
ao idoso...

De acordo com o art. 32, da Resolução RDC 502/21, o plano de trabalho


deve ser planejado “em parceria e com a participação efetiva dos idosos,
respeitando as demandas do grupo e aspectos socioculturais do idoso e da
região onde estão inseridos”.

Portanto, o plano de trabalho serve de parâmetro para identificação da forma


de atuação da equipe técnica, inclusive no modo como as pessoas idosas
são inseridas na elaboração de estratégias de promoção de autonomia e em
atividades desenvolvidas, sob o prisma dos princípios vetores do cuidado
centrado na pessoa.

47
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

O plano de trabalho é um documento obrigatório e traduz a filosofia de


trabalho da instituição. Ou seja, a presunção que se tem ao se verificar que
a instituição trabalha sem o documento operacional em referência é que a
mesma atua de modo improvisado e não planejado, com uma equipe sem
uma orientação quanto ao modo de interagir com os idosos residentes e
sem princípios vetores do trabalho desenvolvido na entidade.

Nesse cenário, é bem provável que cada profissional atue de acordo com
seus próprios princípios o que gera um trabalho institucional descoordenado
e descontínuo, em evidente prejuízo à qualidade do serviço prestado ao
morador da ILPI.

PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO

Além do planejamento geral institucional, corporificado no plano de trabalho,


é dever da entidade de acolhimento elaborar um planejamento estratégico
de sua atuação em relação a cada idoso acolhido. Nesse sentido, para a
efetivação dos direitos da pessoa idosa abrigada, sobretudo seu direito à
autonomia, é essencial para a equipe conhecer o perfil e potencialidades
do novo morador. Para tal finalidade é que existe o plano individual de
atendimento (PIA) previsto no art. 50, inciso V, do Estatuto do Idoso.

Segundo o “Roteiro de Atuação: o Ministério Público e a fiscalização do


serviço de acolhimento institucional de longa permanência para idosos”

O Plano Individual de Atendimento é um instrumento


elaborado interdisciplinarmente pela equipe técnica
da ILPI para planejar as estratégias necessárias para
garantir atendimento integral às demandas sociais do
idoso, orientando também, dentre as ofertas de serviço
institucionais e as da rede de serviços, aqueles que são
mais adequados ao perfil do idoso (RIO DE JANEIRO,
2015, p. 30).

48
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

O plano de atendimento individualizado materializa as estratégias utilizadas


pela equipe multidisciplinar para o desenvolvimento do cuidado centrado
na pessoa. É nesse documento que deve ser registrado seu histórico de
vida e familiar, sua rede de afeto, suas preferências, sua evolução dentro da
instituição após o abrigamento, bem como as ações planejadas pela equipe
no intuito de garantir qualidade de vida no curso do acolhimento, além dos
resultados e intercorrências surgidas nesse período.

Portanto, a inexistência desse documento é um forte indicativo da falta


de qualidade do serviço prestado pela instituição, indicando atuação
desumanizada da equipe e desconhecimento das características dos
moradores, com grande possibilidade de violação de direitos.

PLANO DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAUDE DO IDOSO

Outro documento obrigatório é o plano de atenção integral à saúde do idoso


(PAISI), que é previsto pelo art. 36, da Resolução RDC ANVISA N. 502/21. O
plano é mencionado e conceituado no documento denominado “Roteiro
de Atuação: o Ministério Público e a fiscalização do serviço de acolhimento
institucional de longa permanência para idosos”, utilizado como documento
de orientação das fiscalizações realizadas pelas Promotorias de Justiça com
atribuição sobre o tema. Desse texto, extrai-se o seguinte conceito:

O Plano de Atenção Integral à saúde do idoso é um


instrumento elaborado pela equipe de saúde da ILPI para
planejar as formas de garantir atenção integral à saúde do
idoso. Nele, deverá constar um panorama geral de saúde
do idoso, com a descrição das patologias incidentes, do
grau de dependência e dos respectivos medicamentos e
tratamentos indicados, além da identificação dos recursos
de saúde disponíveis na rede, pública ou privada, para
atendimento a estas necessidades. Este Plano deve ser
anualmente avaliado e atualizado a cada dois anos (RIO
DE JANEIRO, 2015, p 30).

49
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Portanto, o referido documento é um dos parâmetros


utilizados pela fiscalização do Ministério Público para
aferição da qualidade do serviço prestado pela instituição
sendo um importante indicativo para se detectar se o
trabalho da equipe técnica da entidade de acolhimento
é feito de forma planejada e atenta às necessidades de
saúde dos moradores idosos.

A ausência dos documentos operacionais acima indica ou


um despreparo das equipes técnicas que atuam nessas
unidades ou até mesmo a insuficiência de profissionais
em todas as áreas exigidas por lei para a composição
dessas equipes multidisciplinares. Nesse cenário o maior
prejudicado é, sem sombra de dúvida, a pessoa idosa
abrigada.

Salienta-se, desde já, que mesmo as instituições que


utilizam os documentos operacionais em comento, muitas
vezes não o fazem corretamente. É possível perceber nas
fiscalizações que a adoção dos documentos pela entidade
se presta muito mais a cumprir uma exigência da fiscalização
do que propriamente a ser utilizado de maneira correta no
curso das atividades da equipe técnica.

50
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

5. A FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA


PARA IDOSOS

É importante salientar que os relatórios que registram as fiscalizações do


Ministério Público representam grande fonte de dados para pesquisa uma
vez que consignam as irregularidades detectadas e indicam possíveis falhas
na atuação da equipe técnica das entidades no que tange à garantia de
direitos dos idosos abrigados.

No mais das vezes, percebe-se na atividade de fiscalização uma dificuldade


de se identificar o desrespeito ao direito do idoso à integração comunitária
ou da manutenção dos vínculos comunitários após a institucionalização.

Note-se que esse direito é previsto na base normativa que lastreia a atividade
fiscalizatória. No presente momento interessam todos os dispositivos legais
que preservam o direito do idoso ao convívio comunitário, destacando-
se nesse sentido o artigo 49, inciso IV, que eleva à condição de princípio
a ser seguido obrigatoriamente por todas as entidades de acolhimento a
“participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno e
externo”.

A título de exemplo, merece também menção o disposto pelo art. 6º, da


Resolução RDC nº 502/21, da ANVISA, que estipula que a instituição de
longa permanência deve, dentre outras obrigações, promover a integração
de idosos nas atividades desenvolvidas pela comunidade local (inciso V),
incentivar e promover a participação da família e da comunidade na atenção
ao idoso residente (inciso VII), desenvolver atividades que estimulem
a autonomia dos idosos (inciso VIII) e promover condições de lazer em
atividades físicas, recreativas e culturais (inciso IX).

Esse dever de promover a manutenção dos vínculos comunitários se torna


mais desafiador no caso de idosos com distúrbios neurocognitivos, o
que exige da equipe técnica da ILPI maior capacitação para gerenciar as
questões que afloram da construção de plano de atuação para os idosos
nessa condição.

51
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Cumpre salientar dois aspectos que impactam diretamente no sucesso


das estratégias de manutenção de vínculos comunitários de idosos com
transtorno neurocognitivo: o quantitativo de profissionais disponíveis e a
capacitação da equipe técnica.

Aliás, esses indicadores são expressamente mencionados no Manual de


Fiscalização das Instituições de Longa Permanência para os Conselhos
Estaduais e Municipais da Pessoa Idosa, publicação orientadora editada
pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como fatores
identificados nas fiscalizações e que tem direta repercussão na qualidade do
serviço prestado pelas entidades (BRASIL, 2021, p. 26). Transcreve-se:

No que se refere aos aspectos previstos no art. 48 do Estatuto


do Idoso e que as instituições possuem mais dificuldades
em cumprir (Figura 9), os conselheiros ressaltaram, com
maior prevalência, a manutenção no quadro de pessoal
profissionais com formação específica (48,9%), seguido
por oferta de atividades educacionais, esportivas, culturais
e de lazer (37,6%), oferta de atendimento personalizado
(35,4%) e oferta de serviço social para preservação
dos vínculos familiares (29,2%). Dessa forma, os itens
mencionados destacam a escassez de recursos humanos e
de ofertas institucionais voltadas à promoção de atividades
orientadas à melhoria de um cuidado individualizado e
que oportunize as relações familiares e o acesso a culturas
e lazer. Esses dados corroboram com o perfil encontrado
por Duarte et al. (2018) e Watanabe (2020), e reforçam
a necessidade de fortalecer a capacidade técnica das
instituições na promoção de cuidados de qualidade para
a população idosa institucionalizada.

A Resolução RDC 502/21, da ANVISA, estabeleceu como critério para a


quantificação da equipe necessária para atuação dentro de uma instituição
de longa permanência o grau de dependência dos idosos residentes. A
Resolução, em seu art. 3º, inciso V, prevê 3 (três) graus de dependência, quais
sejam:

52
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

1. Grau de Dependência I - idosos independentes, mesmo que


requeiram uso de equipamentos de auto-ajuda;
2. Grau de Dependência II - idosos com dependência em até
três atividades de autocuidado para a vida diária tais como:
alimentação, mobilidade, higiene; sem comprometimento
cognitivo ou com alteração cognitiva controlada;
3. Grau de Dependência III - idosos com dependência que
requeiram assistência em todas as atividades de autocuidado
para a vida diária e ou com comprometimento cognitivo.

Em função do grau de dependência, a Resolução da Agência Nacional de


Vigilância Sanitária, exige um número respectivo de cuidadores atuantes na
ILPI, conforme previsto em seu art. 16, inciso II:

a. Grau de Dependência I: um cuidador para cada 20 idosos, ou


fração, com carga horária de 8 horas/dia;
b. Grau de Dependência II: um cuidador para cada 10 idosos, ou
fração, por turno;
c. Grau de Dependência III: um cuidador para cada 6 idosos, ou
fração, por turno.

No Estado do Rio de Janeiro, a Lei 8.049, de 17 de julho de 2018, seguiu


os mesmos parâmetros para vincular o número de cuidadores ao grau de
dependência dos idosos residentes em instituições de longa permanência.
No entanto, o texto da lei estadual foi além e vinculou grau de dependência à
obrigação da entidade de acolhimento de possuir outros profissionais além
de cuidadores. O art. 4º prevê a seguinte correlação traduzida no quadro
abaixo:

53
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

GRAU DE
EQUIPE TÉCNICA
DEPENDÊNCIA

a) 1 (um) cuidador para cada 20 (vinte) idosos;


b) funcionários para serviços gerais, com quantitativo a ser definido de acordo
com sua estrutura física;
I c) 2 (dois) cozinheiros;
d) assistente social;
e) psicólogo.

a) 1 (um) médico, preferencialmente geriatra ou especialista em Gerontologia;


b) 1 (um) enfermeiro;
c) 1 (um) nutricionista;
d) 1 (um) fisioterapeuta;
e) 1 (um) auxiliar ou técnico de enfermagem para cada 15 (quinze) idosos;
f) 1 (um) cuidador para cada 10 (dez) idosos;
II
g) funcionários para serviços gerais, com quantitativo a ser definido de acordo
com sua estrutura física;
h) 2 (dois) cozinheiros;
i) 1 (um) terapeuta ocupacional;
j) assistente social;
k) psicólogo.

a) 1 (um) médico, preferencialmente, geriatra ou especialista em Gerontologia;


b) 1 (um) enfermeiro;
c) 1 (um) nutricionista;
d) 1 (um) auxiliar ou técnico de enfermagem para cada 10 (dez) idosos;
e) 1 (um) cuidador para cada 08 (oito) idosos;
f) funcionários para serviços gerais, com quantitativo a ser definido de acordo
III com sua estrutura física;
g) 2 (dois) cozinheiros;
h) 1 (um) fisioterapeuta;
i) 1 (um) terapeuta ocupacional;
j) assistente social;
k) psicólogo.

54
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Além disso, o art. 5º, da Lei Estadual 8.049/18, prevê que além dos
profissionais obrigatórios, as instituições de longa permanência poderão
colocar à disposição dos idosos, em conformidade com seu plano de atenção
integral à saúde dos residentes, profissionais das áreas de Fonoaudiologia,
Educação Física, Odontologia e Musicoterapia.

A proposta de modelo que consta do anexo do “Roteiro de Atuação:


O Ministério Público e o serviço de acolhimento institucional de longa
permanência para idosos” sugere que o plano de atendimento individualizado
(PIA) contenha informações sobre a identificação do residente, sua situação
documental e familiar, os motivos e as expectativas do abrigamento, sua
condição financeira e interesses, dentre outros dados. Com a colheita de tais
dados propicia-se à equipe técnica da ILPI um conhecimento mais profundo
sobre a pessoa que está sendo acolhida visando a impedir sua desumanização
e a elaborar estratégias de ação para que seu potencial possa ser explorado
nessa nova fase da vida, inclusive com atividades externas na comunidade.

Paralelamente ao PIA, o Plano de Atenção Integral à Saúde do Idoso (PAISI),


previsto pelo art. 36, da Resolução RDC 502/21, da ANVISA, também funciona
como importante ferramenta para a construção de estratégias para a
manutenção dos vínculos comunitários dos idosos residentes em instituições
de longa permanência, sobretudo aqueles com algum comprometimento
neurocognitivo. Esse documento se presta a registrar não só as eventuais
comorbidades que a pessoa idosa possua, mas também as estruturas da
rede de saúde que lhe servirão de referência, o que, nos casos, por exemplo,
de idosos com transtorno mental, será essencial para a construção de um
projeto terapêutico singular que lhe permita qualidade de vida no curso do
abrigamento.

Em muitas ocasiões, é altamente recomendável que a equipe da ILPI trabalhe


em conjunto com a rede de saúde na construção de soluções para eventuais
óbices à manutenção de vínculos externos da pessoa e a manutenção de
sua autonomia.

55
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

6. O MODELO DE CUIDADO CENTRADO NA PESSOA

O grande desafio para as instituições de longa permanência é a garantia da


efetividade do direito à manutenção de vínculos comunitários e familiares
para as pessoas idosas com transtornos neurocognitivos, mormente porque
dentro das entidades a tendência é a desumanização das pessoas em
condições de vulnerabilidade em decorrência de alguma morbidade que
lhe afete a independência e a autonomia.

Salienta-se que nossa sociedade desvaloriza o envelhecimento em si,


vinculando o idoso à características negativas como inaptidão para atividades
intelectuais, feiura e falta de utilidade, considerando-o um peso para
sociedade34 (KITWOOD, 2011, p. 12). É o que Tom Kitwood vai chamar de
psicodinâmica da exclusão (op. cit. p. 12). Esse processo é pautado tanto pelo
desvalor que a sociedade agrega ao envelhecimento como também pela
ansiedade gerada nos cuidadores de se tornarem pessoas com demência.
Essa dinâmica tem como consequência a desumanização do idoso com
transtorno neurocognitivo de modo a transformá-lo numa “espécie” diversa
da “espécie” de quem cuida (KITWOOD, 2011, p. 14).

Nesse cenário, é intuitivo perceber que no caso de idosos com transtornos


neurocognitivos a equipe tenda a não vislumbrar utilidade na elaboração de
estratégias para a inserção comunitária da pessoa abrigada, naturalizando
a apatia decorrente do quadro clínico, que, num ciclo vicioso, tende a se
agudizar.

34 “Many societies, including our own, are permead by na ageism which categorizes older people as
incompetent, ugly and burdensome, and which discriminates against them at both a personal and a structural
level” (KITWOOD, Tom. Dementia Reconsidered: the person comes first. Open University Press, 2011, p. 12).

56
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Por isso, é tão importante continuar a lidar com o morador reconhecendo


nele um indivíduo semelhante a quem cuida. Assim, assume relevância
o chamado cuidado centrado na pessoa (person-centred care)35 36, o que
implica necessariamente no reconhecimento da humanidade do indivíduo
(personhood) por meio de atitudes de respeito e confiança (KITWOOD,
2011). O cuidado centrado na pessoa

é uma abordagem relacionada às atitudes e práticas


assistenciais com foco no indivíduo, enxergando a sua
singularidade e não a sua doença, seu contexto social
e suas interações. Por meio de relações interpessoais
positivas, ele permite maior compreensão do indivíduo,
fornece suporte para as necessidades não atendidas e
promove uma sensação de bem-estar (BOAS et allii, 2021,
p. 39).

Em seus trabalhos Kitwood (2011) identifica práticas existentes dentro


da rotina das instituições de longa permanência categorizando-as entre
aquelas que importam em relações de reconhecimento como indivíduos
entre quem cuida e quem é cuidado e aquelas que objetificam os idosos,
desconsiderando-os como seres humanos que são. Às primeiras denomina
como “positive person work” e as últimas como “malignant social psychology”.
Há uma série de exemplos sobre situações que caracterizam cada uma das
categorias mencionadas. Por exemplo, no que tange ao trabalho que o autor
entende como positivo, pode-se citar o tratar o idoso como um indivíduo
único, sempre chamando-o pelo nome e reconhecendo suas preferências na
oferta dos serviços disponíveis na instituição. Por outro lado, a infantilização
do idoso é um exemplo da ação negativa da equipe37.

35 A criação do termo é atribuída a Carl Rogers, em sua obra On Becoming a Person, de 1961 (vide Mitchell G, Agnelli J (2015)
Person-centred care for people with dementia: Kitwood reconsidered. Nursing Standard. 30, 7, 46-50. Date of submission: August 28 2014;
date of acceptance: September 4 2014).
36 Outros termos utilizados com sinônimos são “patient-centered care,” “person-directed care,” e “person-focused care” (KOGAN,
Alexis Colourides et allii. Person-Centered Care for Older Adults with Chronic Conditions and Functional Impairments: A Sistematic Literature
Review. Disponível em Person-Centered Care for Older Adults with Chronic Conditions and Functional Impairment: A Systematic Literature
Review (wiley.com), acesso em 30 de março de 2021).
37 Para uma relação bastante completa de exemplos vide MITCHELL G, AGNELLI J (2015) Person-Centred Care for People with
Dementia: Kitwood reconsidered. Nursing Standard. 30, 7, 46-50. Date of submission: August 28 2014; date of acceptance: September 4
2014.

57
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

O cuidado centrado na pessoa (CCP) rege-se pelos seguintes princípios:


amor para enfrentar a solidão; atividades com propósito; diálogo contínuo
com os residentes de modo a conhecer seus desejos e expectativas; e
interações espontâneas (BOAS et allii, 2021, p. 40). Nesse sentido

Baseado na ideia de que o crescimento pessoal é uma


experiência que faz parte da vida humana, o CCP propõe
que o indivíduo e a equipe cresçam juntos, mesmo
com as dificuldades associadas ao processo de cuidar.
Aponta que a equipe de profissionais deve ser convidada
a refletir sobre os temas advindos do cuidado à pessoa
idosa, revendo as práticas e debatendo as ideias sobre os
desafios da atenção ao(a) residente institucionalizado(a) e,
por meio de uma mudança cultural, transformar a prática
cuidadora de tarefa-centrada em pessoa-centrada.

Assim, para que seja garantida a manutenção dos vínculos das pessoas
idosas com a comunidade é imprescindível que a equipe da entidade
de acolhimento esteja capacitada e consciente de que seu agir com o
outro é fundamental para a manutenção da humanidade do residente
no curso de seu abrigamento, ainda que haja diagnóstico de transtorno
neurocognitivo38.

Inexistindo a centralidade da pessoa idosa no contexto do cuidado oferecido,


a tendência será a desumanização e a normalização da impossibilidade da
manutenção de qualquer vínculo comunitário.

38 Ressalte-se que há relação direta entre o cuidado centrado na pessoa e a diminuição de episódios de agressividade e agitação em
residentes de instituição de longa permanência com transtornos neurocognitivos (KIM e PARK, 2017).

58
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Para Herring (2013, p. 14-26) existem 4 (quatro) marcadores para o cuidado,


que são o atendimento das necessidades das pessoas envolvidas, o
respeito, a responsabilidade e a relação que envolve o cuidador e a pessoa
que é cuidada. O enfoque do autor dialoga fortemente com as propostas
de Kitwood e se presta, portanto, a esclarecer a importância do cuidado
centrado na pessoa para que os direitos do idoso possam ser garantidos
durante sua estadia na entidade de acolhimento.

É interessante observar que no que se refere ao respeito, Herring (2013, p.


18-19) disseca o item indicando a necessidade de se conhecer a pessoa que
é cuidada, reconhecendo-a como um semelhante e não como um “objeto”
de cuidado, ouvindo-a com atenção para que se obtenha o máximo de
informação sobre como ela experiencia o cuidado39.

É nesse contexto que a equipe técnica poderá, mesmo em condições de


dificuldade de comunicação, coletar informações relevantes que permitam
a elaboração de estratégias de manutenção dos vínculos comunitários.
Deve ser levado em conta, sobretudo, nas hipóteses em que não é possível
a comunicação, o histórico de vida da pessoa idosa. Ainda que não seja
possível verbalizar desejos, para a pessoa cuidada, a experiência de uma
atividade aderente a suas preferências pode produzir sensação de bem-
estar e muito prazerosas. Tais atividades podem incluir passeios ao ar livre
ou músicas40.

39 “... respect requires an awareness of how the other person is experiencing the care. This involves interaction and engagement
with the individual. Obviously care provide with no thought to the response of the person receiving it is in danger of objetifying the person
receiving the care (HERRING, 2013, p. 19).

40 Sobre uma experiência bem-sucedida com o uso de músicas provenientes de um repertório de preferência de idosos com
demência vide o documentário “Alive Inside”, disponível no YouTube.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

7. A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL DE REFERÊNCIA PARA A


AUTONOMIA DO IDOSO ABRIGADO

Para a garantia da autonomia de uma pessoa, sobretudo, de uma pessoa


que em função de um transtorno neurocognitivo não se comunica, é
essencial conhecê-la. No ambiente de uma instituição de longa permanência
para idosos, o primeiro contato que se tem com a história do candidato
ao abrigamento acontece, normalmente, por meio das conversas iniciais
que a equipe técnica tem com a família que busca a vaga na entidade
de acolhimento. Portanto, a entrevista que se faz nesse momento é
importantíssima para a elaboração de um plano de cuidados e essencial para
a criação de estratégias tendentes a promover a adaptação do indivíduo ao
novo ambiente e à garantia de que nessa fase da vida possa ser exercido
plenamente o direito à autonomia.

Ressalta-se que nos casos em que a pessoa idosa mantém íntegras suas
funções cognitivas sua participação em todo o processo de ingresso na
instituição é essencial, até porque pela legislação brasileira, que está em
consonância com os cânones internacionais sobre direitos humanos, a
anuência da própria pessoa ao abrigamento é condição sine qua non para
que a institucionalização possa se concretizar.

Porém, mesmo que o idoso tenha diagnóstico de transtorno neurocognitivo


sua participação deve ser incentivada ao máximo possível41. Nesse sentido,
a equipe técnica deve ser sensível para a presença de conflitos de interesses
entre o que a família deseja e o que é a melhor opção para a pessoa idosa,
para que o acolhimento ao invés de consubstanciar medida de proteção
não se transforme em violação de direitos.

41 O artigo 32, da Resolução RDC ANVISA 502/21, prevê, inclusive, em relação ao plano de trabalho que “as atividades das Instituições
de Longa Permanência para idosos devem ser planejadas em parceria e com a participação efetiva dos idosos, respeitando as demandas do
grupo e aspectos socioculturais do idoso e da região onde estão inseridos”.

60
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

A partir do acolhimento, sobretudo em sua fase inicial, também se mostra


imprescindível o acompanhamento da pessoa idosa pela equipe técnica
no curso dessa fase de transição. Entender as expectativas atendidas ou
não, os desajustes com a forma como o serviço é oferecido, a convivência
com os demais moradores e a adaptação às novas rotinas institucionais é
fundamental para a garantia da qualidade de vida do indivíduo acolhido
calcada nos princípios do cuidado centrado na pessoa.

É bom lembrar que o conceito de que se parte é o de que a autonomia


da pessoa não é propriamente o atendimento a um desejo específico em
determinado momento, mas sim um processo de desenvolvimento de uma
existência coerente com os valores que a pessoa constrói ao longo da vida.
Portanto, garantir a autonomia de um idoso em situação de vulnerabilidade
por conta de um transtorno neurocognitivo não significa dizer sim a todos
os seus pedidos por mais desprovidos de sentido que sejam, mas, ao revés,
pressupõe conhecê-lo o suficiente para integrá-lo nas atividades que mais
se adequem ao seu perfil. Isso envolve inclusive respeitar seus momentos
de quietude e de isolamento voluntário.

Essa tarefa é tanto mais difícil quanto mais complicada a comunicação com a
pessoa idosa. Nos extremos, há situações em que a pessoa acolhida possui
relações familiares extremamente robustas, bem como amigos presentes
que poderão colaborar muito na construção de um plano de cuidados
aderente aos anseios da pessoa, o que trará como consequência a garantia
de sua autonomia e a manutenção de vínculos familiares e sociais, mesmo
no curso do abrigamento institucional.

Por outro lado, há situações em que a instituição, mormente aquelas


integradas ao SUAS, acolhe pessoas idosas com transtornos neurocognitivos
sem qualquer referência. Pessoas que representam verdadeiras páginas
em branco. Porém, a partir do acolhimento, a equipe deve se esmerar em
observar a pessoa e tentar entender o seu perfil, sem embargo do esforço
hercúleo que tal tarefa possa representar.

61
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Muitas vezes a construção desse verdadeiro quebra-cabeças sobre a


personalidade da pessoa desenrola-se por meio de pequenas descobertas
cotidianas, como um sorriso após uma atividade promovida na ILPI ou um
choro diante de uma determinada música. Perceber que a pessoa aprecia
sentir o vento à beira mar e transformar esse anseio em realidade é um
exemplo de como uma equipe técnica bem preparada pode promover a
autonomia de uma pessoa idosa, mesmo em condições extremas de falta de
informação ou de comunicação.

Todavia, seja nas hipóteses em que o abrigamento é realizado acompanhado


de extensas referências sobre o indivíduo ou nas situações em que não
há nenhuma informação sobre o histórico da pessoa, para que se possa
construir um plano de cuidados é preciso a utilização de um profissional de
referência. Ou seja, dentro da equipe é preciso que o acompanhamento da
pessoa seja feito especificamente por um de seus integrantes de modo que
o conhecimento sobre o indivíduo seja acumulado no decorrer do período
de sua estadia no ambiente asilar. Como visto anteriormente, a autonomia é
o processo que se constrói, é um percurso desenvolvido ao longo da vida.

Esse profissional, que poderá ter qualquer qualificação dentro da equipe,


desempenha várias funções, dentre as quais a de perceber e acumular
conhecimento sobre a personalidade, medos e anseios da pessoa idosa, mas
também a de conferir-lhe acolhimento dentro de um ambiente impessoal.
Por outro lado, a pessoa idosa deverá ser informada sobre a existência desse
profissional na equipe até para que possa se reportar a ele em caso de
dúvidas, sugestões ou até mesmo reclamações.

Dentro de um plano individual de atendimento (PIA) é altamente desejável


que esse profissional seja indicado desde o ingresso da pessoa idosa na
instituição, sendo intuitivo que, nos casos em que há informação sobre o
histórico do morador, a equipe discuta quem teria o perfil mais adequado
para servir de referência para o novo residente.

62
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Também o plano elaborado deve ser flexível para alterar o profissional de


referência caso o perfil incialmente pensado não se mostre adequado de fato,
na medida em que houver a interação rotineira com o idoso acompanhado.

É necessário enfatizar que a figura do profissional de referência é totalmente


adequada aos princípios que iluminam os serviços de assistência social
no Brasil. Na verdade, é um dos pilares do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), consoante se observa da seguinte passagem da publicação
elaborada pela Secretaria Nacional de Assistência Social para esclarecer
a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de
Assistência Social, conhecida como NOB-RH/SUAS42 43:

Em síntese, a natureza da referência construída pelas


equipes de referência do SUAS é uma só: produzir para o
cidadão a certeza de que ele encontrará acolhida, convívio
e meios para o desenvolvimento de sua autonomia. Esse
entendimento traz maior clareza sobre a articulação
necessária entre as equipes da proteção social básica
e especial. Como consequência desse entendimento,
podemos afirmar o seguinte: não se trata de funcionar na
lógica de encaminhamento formal de uma equipe para
outra, como se a somatória de intervenções isoladas levasse,
automaticamente, ao atendimento das necessidades
sociais das famílias e indivíduos. A fragmentação das
respostas leva, muitas vezes, à sensação de sobrecarga
ou de insatisfação tanto para o cidadão, quanto para as
equipes profissionais. Portanto, ainda que o plano de
ação de cada equipe organize o trabalho para garantir os
resultados esperados do serviço sob sua responsabilidade,
conforme consta da Tipificação, há que se ter essa referência
compartilhada, cuja baliza é a matricialidade sociofamiliar
e o território (SILVA, 2011, p. 26).

42 Disponível em https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/NOB-RH_SUAS_Anotada_
Comentada.pdf, acesso em 06 de novembro de 2021.
43 A NOB-RH/SUAS foi aprovada pela Resolução CNAS n. 269, de 13 de dezembro de 2006, e seu texto foi publicado pela Resolução
CNAS n. 01, de 25 de janeiro de 2007.

63
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

É interessante observar que a lógica do profissional de referência é adotada


no caso de acolhimento de crianças e adolescentes, conforme se observa
do item 4.1.4 da Resolução Conjunta nº 01, de 18 de junho de 2009, do
CONANDA e do CNAS44, que aprova o documento “Orientações Técnicas:
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, e que prevê:

4.1.4 Recursos humanos

Para que o atendimento em serviços de abrigo institucional


possibilite à criança e ao adolescente constância e
estabilidade na prestação dos cuidados, vinculação com
o educador/cuidador de referência e previsibilidade da
organização da rotina diária, os educadores/cuidadores
deverão trabalhar, preferencialmente, em turnos fixos
diários, de modo a que o mesmo educador/cuidador
desenvolva sempre determinadas tarefas da rotina diária
(p. ex: preparar café da manhã, almoço, jantar, dar banho,
preparar para a escola, apoiar as tarefas escolares, colocar
para dormir, etc.), sendo desaconselhável esquemas
de plantão, caracterizados pela grande alternância na
prestação de tais cuidados (BRASIL, 2009, p. 68/69).

Até certo ponto, é estranho que o legislador não tenha previsto, na linha da
regra geral do SUAS ou de forma análoga aos abrigamentos de crianças e
adolescentes, que também no caso das instituições de longa permanência
haja um profissional de referência para cada idoso acolhido.

44 Disponível em https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes-tecnicas-servicos-de-
alcolhimento.pdf, acesso em 06 de novembro de 2021.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Tampouco a RDC ANVISA n. 502/21 faz menção a esse profissional,


reproduzindo a mesma omissão que já existia na RDC 283/05. Todavia, a
adoção dessa estratégia e o seu registro no plano individual de atendimento
afigura-se como medida de vital importância para a garantia do direito à
autonomia do idoso e é um consectário lógico da aplicação do cuidado
centrado na pessoa.

Note-se que, inclusive o Bill of Rights do Long-Term Care Homes Act, de


2007, da Província de Ontário, no Canadá, prevê o direito de a pessoa idosa
saber quem é o seu profissional de referência45, o que, no contexto brasileiro,
pode ser aplicado nas ILPI e até mesmo vislumbrado como um direito que
implicitamente pode ser extraído dos princípios que regem o Estatuto do
Idoso.

Além dos princípios gerais previstos nos artigos 1º e 2º, o Estatuto do Idoso
prevê para as instituições de longa permanência para idosos o dever, dentre
outros, de prestar atendimento personalizado e em pequenos grupos (art.
49, inciso II) e de preservação da identidade da pessoa idosa e oferecimento
de ambiente de respeito e dignidade (art. 49, inciso VI). O dever da entidade
de acolhimento em oferecer atendimento personalizado é reforçado por
nova menção no rol de obrigações das instituições de longa permanência
previsto no art. 50, mais especificamente em seu inciso V.

Conjugando-se a norma de regência das instituições de longa permanência


com a lógica de atuação adotada para serviços de cuidado no âmbito da
assistência social é possível concluir que a indicação de profissional de
referência é requisito obrigatório na elaboração do plano individual de
atendimento (PIA) que é o documento que materializa o plano de cuidados
entabulado pela entidade de forma personalizada para cada um dos idosos
residentes.

45 “Every resident has the right to be told who is responsible for and who is providing the resident’s
direct care” (Art. 3º, 7). Disponível em https://www.ontario.ca/laws/statute/07l08, acesso em 06 de novembro de 2021.

65
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Raciocínio contrário levaria à prevalência da ideia de que é possível prestar


um atendimento personalizado mediante um permanente rodízio de
técnicos que, ao não realizar o acompanhamento de moradores de forma
individualizada, acabariam por desumanizar o atendimento, gerando
situações rotineiramente identificadas nas fiscalização realizadas pelo
Ministério Público no bojo das quais os integrantes das equipes técnicas
das entidades de acolhimento sequer sabem o nome dos idosos residentes,
tratando-os por apelidos genéricos como “vovó” ou “tia”, ou mesmo
atribuindo-lhes um nome que sequer é o verdadeiro nome do idoso.

A falta de continuidade do acompanhamento, ou seja, a falta de um profissional


de referência pode levar inclusive a sérias consequências para a pessoa idosa
abrigada, inclusive no campo da saúde. Alguns comportamentos atípicos
podem ser incorretamente interpretados sem um conhecimento prévio do
histórico do indivíduo na instituição. Assim, por exemplo, um comportamento
apático pode ser naturalizado por uma visão etarista do membro da equipe
que enxergue a apatia como uma característica normal do envelhecimento,
quando, na verdade, pode indicar um quadro patológico que está se
instalando, perfeitamente identificável por outro membro da equipe que,
por acompanhar aquele morador, tenha ciência de que seu perfil é de
uma pessoa alegre e ativa. Nesse contexto, perde-se a oportunidade de
um diagnóstico precoce que permita o início de um tratamento médico e
consequentemente o retorno do estado anímico normal da pessoa idosa
em questão, fazendo com que seu quadro evolua para uma condição de
degradação da saúde mental muitas vezes irreversível.

66
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

8. PROPOSTA PARA UM NOVO MODELO DE ATUAÇÃO DAS


EQUIPES TÉCNICAS DAS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA

Um lugar comum nos relatórios produzidos pela equipe técnica do


Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro foi a identificação na falha
nas documentações exigidas pela legislação, sobretudo no que se refere
ao Plano Individual de Atendimento (PIA) e ao Plano de Atenção Integral à
Saúde do Idoso (PAISI).

Pelo que se percebe da investigação feita na base documental do MID é


possível associar tal falha em dois fatores básicos: 1) falta de capacitação da
equipe; 2) recursos humanos em número insuficiente.

Mas em termos práticos o que significa capacitar a equipe técnica? Essa é


uma pergunta que provavelmente muitas entidades de acolhimento que não
dispõem de acesso a informações ou funcionam com poucos recursos se
fazem. É muito comum se detectar nas inspeções realizadas pelo Ministério
Público que a única capacitação a qual essas instituições frequentam são as
que são oferecidas pelo próprio Ministério Público.

O ideal seria que todos os profissionais atuantes na instituição tivessem


formação em gerontologia46, porém nem sempre é possível encontrar
profissionais em número suficiente com essa formação, até mesmo porque
muitos integrantes da equipe possuem formação até o ensino médio e não tem
acesso a cursos específicos na área. Na verdade, a maioria dos profissionais
que integram as equipes das instituições de longa permanência para idosos
são cuidadores, que em sua maioria tem apenas o nível fundamental de
ensino47 48.

46 A Lei n. 8.842, de 04 de janeiro de 1994, prevê como uma das diretrizes da política nacional do idoso a “capacitação e reciclagem
dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços” (art. 4º, inciso V).

47 Os projetos de lei que tramitam no Congresso de Lei para a regulamentar a profissão de cuidador exigem apenas o ensino
fundamental, como, por exemplo, o PL 76/2020, de autoria de Deputado Federal Chico Rodrigues. Disponível em https://legis.senado.leg.
br/sdleg-getter/documento?dm=8061698&ts=1644004723022&disposition=inline, acesso em 02 de janeiro de 2022.
48 Cumpre ser ressaltado que a profissão de cuidador de idosos sequer é regulamentada no Brasil, sendo certo que em 2019
houve a aprovação de um projeto de lei pelo Congresso Nacional que foi vetado pelo Presidente da República ao argumento de que ”ao
criar condicionantes para a profissão de cuidador, a lei restringiria o livre exercício profissional garantido pela Constituição” (Disponível em
https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/pl-que-criaria-profissao-de-cuidador-e-vetado-pelo-presidente, acesso em 02 de janeiro
de 2022).

67
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Sobre o tema da capacitação merece destaque o trabalho desenvolvido


pela Frente Nacional de Fortalecimento à Instituição de Longa Permanência,
coletivo criado no decorrer da pandemia de COVID-19 com a finalidade de
orientar tecnicamente as entidades de acolhimento de idosos e que congrega
profissionais altamente capacitados em variadas áreas da gerontologia.

Na publicação “Qualidade do Cuidado em ILPI: sugestões para o dia a dia”


(BOAS et allii, 2021, p. 126/127) são arroladas diversas práticas cotidianas
que visam à melhoria da qualidade do serviço prestado pela instituição e que
estão ligadas à capacitação da equipe. É interessante observar que muitas
delas podem ser implementadas e desenvolvidas sem grandes investimentos
financeiros, exigindo apenas mudança de hábitos institucionais. Muitas dessas
práticas indicam que a simples troca de informações e de conhecimento
entre integrantes da equipe técnica promove um crescimento recíproco de
seus membros em termos de repertório técnico para a solução das questões
cotidianas que ocorrem dentro da entidade49. Em linhas gerais, as sugestões
feitas na publicação em referência são as seguintes:

Realizar reuniões de equipe interprofissional com


apresentações de uma área específica (fisioterapia,
enfermagem, nutrição, cuidadores, limpeza, etc.) para
promover a discussão e a contribuição de toda equipe;

Identificar problemas, eleger prioridades e incentivar a


busca de soluções e resolubilidade: quais habilidades eu
preciso aprender para contribuir com a minha equipe?

Implementar a aprendizagem significativa do trabalho,


considerando a transformação das práticas profissionais,
de modo a permitir reflexões e críticas acerca do trabalho
desenvolvido junto à equipe e às famílias;

49 Aliás, o próprio Manual indica expressamente que capacitação no âmbito de uma instituição de longa permanência implica
também a troca permanente de informações entre os integrantes da equipe técnica: “A produção de conhecimentos relacionados ao
envelhecimento caracteriza-se como um processo gerado no trabalho fundamentalmente participativo, pois resulta da confrontação
de experiências e saberes diferentes e complementares, entre os profissionais e toda a equipe de colaboradores da ILPI, bem como a
comunidade na qual está inserida” (BOAS et allii, 2021, p. 125).

68
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Promover estudos de casos clínicos ou de uma situação


desafiadora vivenciada pela equipe. Esta discussão
possibilita a construção de procedimentos e de projetos
terapêuticos para condução de novos casos ou situações
semelhantes ou que venham a se repetir;

Incorporar e utilizar metodologias ativas e crítico-


reflexivas, como por exemplo: oficinas, rodas de conversa,
apresentação de filmes, músicas, filmagens da própria
equipe;

Estimular a qualificação profissional no campo da


Gerontologia por meio de cursos de pós-graduação e
atualização em Gerontologia;

Desenvolver atividades promotoras da vivência usando


dispositivos que possam simular algumas perdas sensoriais
e funcionais para que os trabalhadores experienciem o
processo do envelhecimento;

Promover treinamentos básicos e avançados com objetivo


de capacitar profissionais que estão iniciando na ILPI e os
que já atuam há mais de 2 anos;

Realizar capacitações frente às demandas relatadas pelos


técnicos, com sugestões e a coparticipação da equipe
interdisciplinar;

Nota-se que diversas atividades sugeridas podem ser organizadas com os


recursos humanos já disponíveis na instituição, o que invalida o discurso
muitas vezes apresentado de que as capacitações não são feitas por falta de
recursos financeiros.

É importante lembrar, ainda, que há capacitações gratuitas em plataformas


digitais, sendo que a própria Frente Nacional de Fortalecimento às ILPI
disponibilizou diversas sobre os mais variados assuntos.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Em relação aos documentos operacionais, o seu preenchimento mais do que


simples burocracia representa a garantia de que ao ingressar na instituição
de acolhimento houve um levantamento das características individuais de
cada morador o que possibilitará a elaboração de uma estratégia de atuação
personalizada para cada pessoa. Pouco importa, nesse caso, a condição
neuropsíquica do idoso, uma vez que tais dados podem ser coletados não
só diretamente com o interessado como também com sua família ou até
mesmo com os integrantes da rede de assistência que já o acompanham.

Nesse sentido, a existência de tais documentos corretamente preenchidos e


atualizados sinalizam para a fiscalização a atuação da equipe técnica da ILPI
no sentido de desenvolver um atendimento personalizado e humanizado.
Contudo, no mais das vezes, consoante se extrai dos relatórios pesquisados,
quando existentes, tais documentos operacionais são preenchidos de forma
mecânica e sem muita profundidade, e apenas uma única vez, na ocasião do
ingresso do residente, o que consubstancia uma falha grave.

O Plano Individual de Atendimento (PIA) pressupõe um preenchimento


dinâmico ao longo de todo o período de abrigamento, uma vez que a
própria vida é dinâmica e, portanto, sujeita a avaliações permanentes e
adaptações contínuas. Logo, qualquer proposta de atuação em relação a
qualquer pessoa idosa acolhida pressupõe a reavaliação periódica pela
equipe técnica do plano inicialmente gestado. Em primeiro lugar, é forçoso
reconhecer que o ingresso em uma instituição asilar é para o idoso uma
revolução em seu modo de vida, que apresenta desafios para a adaptação
nessa nova fase. Assim sendo, o PIA elaborado nesse momento inicial nada
mais é que um prognóstico, uma proposta de atuação diante de expectativas
recíprocas existentes tanto na equipe técnica quanto no novo morador.
Desse modo, é um consectário lógico que o planejamento inicial precisa ser
reavaliado necessariamente nos meses iniciais de adaptação para verificar
se as expectativas se confirmaram e o planejamento funcionou ou, ao revés,
se houve uma frustração dessas expectativas e um novo plano precisa ser
elaborado.

70
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Um bom parâmetro dessa ação planejada é o plano de cuidado (plane of


care) que é previsto no Long-Term Care Homes Act da província de Ontário, no
Canadá, já mencionado anteriormente.. Conforme visto o plano de cuidado
consubstancia a descrição da ação da equipe na sua intervenção em relação
ao idoso que está sendo abrigado, registrando os objetivos visados com
essa intervenção e os meios eleitos para a consecução do objetivo, sendo
certo que dito planejamento deve ter como parâmetro as necessidades
e preferências do acolhido. O plano deve envolver todos os aspectos do
cuidado, dentre eles temas ligados à saúde, ao suporte para tomada de
decisões, à vida religiosa e à social. Outro ponto que a legislação canadense
salienta é que o próprio residente, quando possível, ou seu responsável legal
em caso de curatela, deve participar da elaboração do plano. Além disso,
o plano, como é aplicado ao longo do tempo deve ser permanentemente
avaliado e revisado caso necessário.

No Brasil, esse planejamento pode ser feito por meio do PIA e do PAISI e
ele é estratégico para a garantia do direito à autonomia e à manutenção dos
vínculos comunitários dos residentes.

No que se refere ao plano de trabalho, a RDC ANVISA 502/21 prevê que toda
instituição de longa permanência contemple, dentre outras, atividades que
promovam a convivência entre os moradores da entidade de acolhimento;
promovam a integração dos idosos nas atividades desenvolvidas pela
comunidade local; incentivem a participação da família da pessoa idosa
abrigada; estimulem a autonomia do idoso; promova condições de lazer
para os residentes; e desenvolva atividades e rotinas para prevenir e coibir
qualquer tipo de violência e discriminação contra a pessoa idosa (conforme
artigos 6º e 31).

Como informado acima, as falhas nesse trabalho, na maioria das vezes,


ocorrem porque a equipe técnica não atinge o número mínimo de
integrantes exigido por lei e, sendo reduzida, não consegue tempo para
reunir-se nem para rever o plano periodicamente, gerando a queda de
qualidade no atendimento do idoso residente. Por outro lado, como se
observa dos relatórios de fiscalização, a única capacitação que essas

71
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

equipes recebem é, invariavelmente, a oferecida pelo próprio Ministério


Público, que periodicamente produz materiais informativos e organiza
eventos. Sem capacitação específica na área da gerontologia os integrantes
da equipe tendem a reproduzir comportamentos sociais que invisibilizam
os idosos como seres humanos com suas próprias especificidades e que
se traduzem em atitudes identificadas nas fiscalizações, como por exemplo
compartilhamento de roupas ou ausência de atividades para idosos com
demência.

No que se refere ao objeto deste trabalho, essas falhas trazem consequências


graves para a manutenção dos vínculos comunitários dos idosos com
transtornos neurocognitivos. Quando há barreiras de comunicação entre os
moradores e a equipe técnica, somente a existência de um plano individual de
atendimento permitirá a atuação efetiva dos profissionais no planejamento
de ações visando à manutenção de vínculos comunitários.

Nesse ponto, é importante delinear dois cenários: o primeiro no qual o


idoso ingressa na instituição com uma condição cognitiva boa e ele próprio
passa as informações sobre suas preferências e características e um segundo
onde o idoso possui grave comprometimento neurocognitivo que torna a
comunicação com a equipe mínima ou até mesmo nula.

Na primeira hipótese, o adoecimento ao longo do período de abrigamento


com declínio cognitivo não impedirá a equipe de continuar a atuar no
planejamento de atividades, tendo em vista o longo histórico registrado no
PIA de abordagens que poderão nortear às ações no futuro, ainda que o
prejuízo cognitivo leve a alterações de comportamento. Presume-se que ao
longo do abrigamento, seja pela colheita de informações prestadas pelo
próprio idoso seja pela observação atenta da equipe técnica, seja possível
traçar um perfil do morador e, consequentemente, um planejamento para
atividades tendentes ao estímulo à manutenção de vínculos comunitários,
sociais e familiares.

72
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Num segundo cenário, no qual o primeiro contato da equipe já é com


uma pessoa idosa adoecida e com forte déficit cognitivo, as informações
constantes do PIA deverão ser coletadas indiretamente por meio de
familiares, cuidadores e atores da rede de assistência e de saúde.

Invariavelmente a falta dessas informações leva a equipe das instituições


asilares a agir de forma uniforme em relação a todos os residentes, não
se atentando às peculiaridades dos moradores, o que acaba gerando o
desinteresse e via de consequência a apatia dos idosos, sempre entendida
como um comportamento “natural”.

Não se permite ainda esquecer que muitas dessas atividades planejadas


sem que haja capacitação envolvida muitas vezes perpetua estereótipos e
infantiliza os moradores, o que funciona como um fator de desestímulo para
a participação. Infelizmente, muitas vezes a equipe não consegue enxergar
esse problema na atividade proposta e acaba imputando a baixa adesão a
uma circunstância “natural” do envelhecimento.

Se internamente posturas como essas levam ao desinteresse nas atividades


internas da entidade, o que se dirá quanto ao desejo de participar de
atividades externas?

Pelo que se depreende dos relatórios, os idosos que desejam manter


o vínculo com a comunidade, saindo das instituições com frequência e
desacompanhados são muitas vezes vistos como “problemas”. Mesmo
pessoas idosas plenamente capazes quando se ausentam e não retornam
são reportados aos Ministério Público como “fugitivos”, expondo a ideologia
tradicional de que envelhecimento se confunde com incapacidade numa
perspectiva de infantilização.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

O que se observa é que as próprias equipes das instituições de longa


permanência pesquisadas identificam suas entidades como “instituições
totais”, onde o acolhimento pressupõe a perda da liberdade do morador.
Daí tem-se como consectário a ideia equivocada de que a vinculação do
idoso à comunidade sempre tem que ser mediada pela equipe da instituição,
que deverá determinar quando, onde e como o morador poderá entrar em
contato com o mundo externo.

Nada mais equivocado.

Não há nenhuma norma legal que restrinja a liberdade do idoso pelo fato
de ter sido acolhido em instituição de longa permanência. Ao contrário,
a principiologia do direito do idoso é toda no sentido de resguardar
sua dignidade, autonomia, independência e liberdade. A entidade de
acolhimento, como estrutura ligada à assistência social que é, atende ao
direito da pessoa idosa a uma moradia. Tratando-se de pessoa maior e capaz
não se confunde o acolhimento com confinamento ou prisão. Por óbvio, o
acolhimento implicará à submissão de regras de convivência e a horários,
porém, de forma alguma, importará na restrição da liberdade do morador,
que poderá inclusive desligar-se da entidade caso assim o deseje.

Apenas nos casos em que houver a presença de um morador com transtorno


neurocognitivo, será necessário um cuidado maior do acompanhamento
das saídas e do contato externo.

Por óbvio que no caso, por exemplo, de um morador com Mal de Alzheimer,
permitir sua saída da instituição desacompanhado, será o mesmo que
colocá-lo em situação de risco, uma vez que será altamente improvável que
consiga retornar ao local de sua moradia, mesmo que deseje fazê-lo.

74
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Nesses casos, a legislação brasileira não se ocupou de estabelecer


parâmetros claros quanto à responsabilidade da instituição por eventuais
danos causados a moradores com essas características, nem tampouco
previu critérios precisos para se ponderar o eventual conflito entre o direito
de liberdade do idoso e o dever de cuidado que incide sobre a entidade de
acolhimento.

O Estatuto do Idoso ao prever em seu artigo 49, inciso IV, o direito à


manutenção dos vínculos comunitários para a pessoa idosa institucionalizada,
não esclareceu como fazê-lo nos casos de idosos com alguma espécie de
demência.

Nesse ponto, cabe um pequeno parêntese para esclarecer que mesmo


nos casos dos idosos que estejam sob o regime de curatela, o problema
remanesce. Isto porque não cabe ao curador decidir em nome do idoso sobre
direitos existenciais. A legislação em vigor, alterada por força da Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência, restringiu bastante os poderes do
curador, limitando-os aos atos de cunho eminentemente patrimoniais, de
modo que nem mesmo o curador pode decidir a respeito da liberdade do
curatelado, sob o risco de incorrer em ato ilícito.

Nesses casos, permite-se a adoção de alguns parâmetros. O primeiro deles é


buscar base técnica para a identificação da higidez da vontade manifestada.
Em muitas situações, como no caso do Mal de Alzheimer, a manifestação
da vontade encontra-se comprometida pela doença, e por isso o desejo de
sair da instituição é na verdade um pedido automaticamente repetido e não
um desejo genuíno. Vale citar presentemente a prática criativa adotada por
uma instituição de longa permanência da cidade de Trieste, na Itália, onde
residem apenas idosos com Mal de Alzheimer e demências assemelhadas.
Nessa entidade, o quadro de agitação dos moradores era constante
em razão dos repetidos pedidos dos moradores para deixaro local onde
estavam acolhidos. Diante de tal quadro, a equipe técnica criou o que veio
a ser chamado “caminho Alzheimer”, que nada mais era que uma rota que
pretensamente levaria à saída da instituição, mas que, de fato, não levava

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

a lugar algum. Também houve uma mudança de atitude dos integrantes


da equipe. Antes, sempre que havia um pedido de morador para deixar a
ILPI, os funcionários respondiam negativamente gerando uma reação de
agitação nos idosos. Com a nova proposta, os servidores passaram a sempre
responder positivamente deixando os idosos “irem embora”, o que nunca
acontecia de fato. Mas o que é mais importante nessa experiência é que
os idosos ficavam satisfeitos e sem agitação. E qual foi a razão do sucesso
dessa proposta? Baseou-se em dois pontos decorrentes da observação da
equipe: em primeiro lugar o fato de que o desejo de ir embora não era
genuíno, de modo que ao fazer o caminho o idoso o esquecia. E em segundo
lugar que quanto mais agradável fosse o caminho, ornado com desenhos
de paisagens naturais e com elementos sensoriais de decoração e objetos
imitando atividades externas (como uma banca de feira), mais facilmente os
idosos teriam sua atenção voltada para o caminho em si do que para a saída.

Esse exemplo é bastante enfático no sentido de que a capacitação da equipe


técnica e o número adequado de profissionais contratados permite a criação
de soluções para as situações rotineiras que se apresentam na gestão de
uma entidade de acolhimento para idosos.

E como agir quando a vontade do idoso demenciado em ter contato com o


mundo externo for genuína?

Nessas situações é preciso conhecer o idoso e isso só será possível se


houve todo o trabalho em delinear o seu perfil dentro do plano individual
de atendimento. Por meio do documento operacional em referência será
possível conhecer suas vontades e preferências e também suas referências
familiares e sociais. É a partir desse planejamento que, no caso de idosos com
transtorno neurocognitivo, será possível aferir se o seu direito ao convívio
comunitário está sendo respeitado.

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

De nada adianta, inserir o morador num passeio à praia, se o idoso odeia


estar à beira mar. O planejamento deve ser baseado em dados e a atividade
proposta deve ser, na medida do possível, pactuada com o próprio idoso.
E mesmo assim, após realizada, deve ser avaliada quanto à sua eficácia na
manutenção de vínculos.

É preciso que haja também um profissional de referência. É esse profissional


que mediante o acompanhamento do idoso ao longo de seu período de
acolhimento que poderá entender melhor a personalidade do indivíduo, seus
valores e expectativas, de modo a apoiá-lo no exercício de sua autonomia.
Nesse contexto, o profissional de referência deve ser, desde logo, indicado
no plano individual de atendimento (PIA).

É curioso observar que, apesar dessa estratégia ser prevista pelas normas
do SUAS e pelas orientações técnicas para acolhimento de crianças e
adolescentes, não é mencionada expressamente nas normas técnicas que
regem o serviço prestado pelas instituições de longa permanência.

Contudo, a relevância desse profissional pode ser deduzida dos princípios


que regem a legislação protetiva da pessoa idosa e por isso deve ser
implementada nas rotinas institucionais.

A autonomia da pessoa trata-se de um processo de construção do indivíduo


e, sobretudo num cenário em que a pessoa ingressa numa instituição
asilar sem qualquer referência histórica e sem condições de se comunicar
em razão de um transtorno neurocognitivo, o acompanhamento de seu
comportamento é o único meio de se traçar um perfil dessa pessoa.

Ainda que não haja comunicação verbal, as reações corporais e emocionais


servirão de bússola para delinear vontades e preferências. Muito embora
tal tarefa seja difícil para qualquer pessoa da equipe técnica, a falta desse
acompanhamento por um profissional específico a torna impossível.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

Cumpre ser ressaltado que deve haver flexibilidade na indicação do


profissional de referência cujo perfil deve ser aderente ao perfil da pessoa
idosa abrigada. Assim, muitas vezes o planejamento inicial pode não se
desenvolver como esperado, produzindo uma demanda pela substituição
do profissional. Tal substituição não representa nenhum prejuízo ao direito
do idoso, ao revés tende a indicar uma maturidade da equipe que ao rever
periodicamente o plano individual de atendimento demonstra a iniciativa
de revisá-lo para torná-lo melhor.

Em termos práticos, a aplicação da proposta aqui apresentada pode ser


feita por meio do roteiro abaixo que indica as etapas a serem seguidas pela
equipe técnica por ocasião do ingresso da pessoa idosa na instituição de
longa permanência e atualizado periodicamente durante as reuniões da
equipe multidisciplinar:

1. Colheita de todas as informações sobre a pessoa idosa, tais


como profissão, hobbies, religião, crenças, histórico familiar,
relações de amizade, preferências alimentares, rotinas,
patologias crônicas etc. O ideal é que nessa colheita de
informações, sempre que possível, a própria pessoa idosa
participe sendo protagonista desse momento de mudança de
vida. No caso da impossibilidade de comunicação em razão
de algum transtorno neurocognitivo, as informações devem
ser colhidas com as pessoas, familiares ou não, que tenham
contato próximo com o idoso, eis que muitos familiares, apesar
da relação de parentesco, não mantém o convívio com a pessoa
idosa e, portanto, pouco poderão colaborar no fornecimento
de informações relevantes;

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

2. No caso de encaminhamentos de pessoas idosas pela rede de


assistência, deverá haver uma interlocução com as equipes da
rede de assistência (SUAS) e com a rede de saúde. Neste último
caso e, sobretudo nas hipóteses em que houver transtorno
neurocognitivo, o ideal é que sejam buscadas informações
sobre o projeto terapêutico desenvolvido para a pessoa de
modo que a partir do abrigamento possa ser acompanhado
pela equipe de ILPI. Por outro lado, o próprio acolhimento
deverá ser informado a rede de assistência e de saúde para
que possa haver uma interação contínua entre as equipes
envolvidas;

3. Todas as informações relevantes deverão ser inseridas no


plano individual de atendimento (PIA) e no plano de atenção
integral à saúde do caso (PAISI). A publicação “Roteiro de
Atuação: o Ministério Público e a fiscalização do serviço de
acolhimento institucional de longa permanência para idosos”
(2015) elaborada pelo Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro apresenta modelos de formulários para ambos os
documentos operacionais50;

4. A equipe deverá reunir-se para a elaboração de um


planejamento estratégico de intervenção especificamente
preparado para o novo morador, no bojo do qual deverão ser
pensadas as atividades que serão propostas, tanto internas
quanto externas, deverá ser pensado qual o melhor quarto a
ser ocupado pelo novo morador, desde sua decoração com
itens pessoais até eventuais companheiros de quarto, no caso
de habitações coletivas51, bem como indicar qual seria o
profissional de referência;

50 Disponível em http://www.mprj.mp.br/documents/20184/74440/roreito_atuacao_cao_idoso.pdf, acesso em 02 de janeiro de


2022.

51 A Resolução RDC/ANVISA n. 502/21 prevê o limite máximo de 4 (quatro) moradores por quarto (art. 29, inciso I).

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

5. A escolha do profissional de referência deverá levar em conta


as características do morador idoso de modo a gerar a maior
interação possível e o nome do referido profissional deverá
constar expressamente do PIA em campo próprio criado
especificamente para tal finalidade. A pessoa idosa deverá
ser comunicada sobre o profissional de referência, devendo
constar do PIA referência expressa a essa circunstância;

6. Em caso de não adaptação da pessoa idosa ao profissional


de referência inicialmente indicado, a equipe técnica deverá
avaliar a necessidade de troca por outro profissional atuante
na ILPI, conforme as circunstâncias indiquem efeito benéfico
para a qualidade de vida do idoso residente;

7. A ILPI deverá possuir uma instância de escuta sem vínculo com


o profissional de referência para qual a pessoa idosa possa
se dirigir em caso de alguma reclamação. A existência de tal
instância é essencial para que o idoso não se sinta dependente
do profissional de referência a ponto de não poder questionar
nenhuma atitude que não considere correta;

8. O plano elaborado pela equipe técnica da ILPI deverá ser


comunicado à própria pessoa idosa, quando ainda possível
a interação, bem como à família, cujas opiniões deverão ser
consideradas para a melhoria e adaptações do plano proposto;

9. O PIA deverá ser analisado e avaliado periodicamente pela


equipe multidisciplinar da ILPI no intuito de verificar sua eficácia,
bem como a necessidade de mudanças no planejamento
inicialmente gestado em razão de alterações do contexto
existente no período do acolhimento, tais como surgimento de
patologias, falta de adaptação às rotinas asilares, abandono da
família etc.;

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CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

10. No que tange a atividades externas (tais como passeios ao ar


livre, cinema, teatro, frequência a missas ou cultos de acordo
com a crença do idoso etc.) deve sempre ser incentivada a
participação de familiares e amigos, no intuito de promover a
manutenção de vínculos tanto familiares quanto comunitários,
devendo a equipe estar aberta à escuta da própria pessoa idosa
na proposição de atividades de acordo com suas vontades e
preferências. É ainda altamente recomendável que a pessoa
possa alternar períodos fora da instituição em datas festivas e
ou períodos de férias em companhia de seu círculo familiar ou
de amizade;

11. A pessoa idosa abrigada deverá ter acesso aos meios de


comunicação com o público externo, sobretudo através de
aparelho de telefone celular de uso privativo ou computadores,
caso possua afinidade para utilizar ferramentas tecnológicas.
Do mesmo modo, a pessoa idosa deverá ter acesso a utensílios
e tecnologias assistivas que permitam sua interação com o
ambiente, tais como óculos, cadeiras de rodas e aparelhos
auditivos.

O roteiro acima proposto poderá, conforme a conveniência da equipe,


ser facilmente convertido num check list permitindo a equipe verificar em
todos os casos o atendimento aos itens elencados, incorporando a proposta
sugerida nesta tese à rotina institucional.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

A título de exemplo, permite-se a sugestão do formulário abaixo:

SIM NÃO
1. Por ocasião do acolhimento da pessoa idosa foram colhidas
informações pessoais, tais como profissão, hobbies, religião,
crenças, histórico familiar, relações de amizade, preferências
alimentares, rotinas, patologias crônicas etc.?
2. A própria pessoa idosa foi entrevistada pela equipe técnica para
a colheita de tais informações?
3. Na colheita dessas informações foi buscado o contato com
familiares e amigos?
4. Na colheita dessas informações foi buscado o contato com a
rede de assistência social (SUAS)?
5. Na colheita dessas informações foi buscado o contato com a
rede de saúde?
6. Foi feita a indicação de um dos integrantes da equipe técnica da
ILPI para ser o profissional de referência da pessoa idosa?

7. A pessoa idosa foi comunicada sobre o nome do profissional de


referência para ela indicado?
8. O nome do profissional de referência foi inserido no plano
individual de atendimento (PIA)?
9. O plano individual de atendimento (PIA), com base nas
informações colhidas, inseriu estratégias para o desenvolvimento
de atividades externas no intuito da manutenção de vínculos
comunitários (passeios ao ar livre, cinema, teatro, missa ou culto
etc.)?
10. O plano individual de atendimento (PIA), com base nas
informações colhidas, inseriu estratégias para o desenvolvimento
de atividades externas no intuito da manutenção de vínculos
familiares (saída para datas festivas, viagens de férias com a
família etc.)?
11. A ILPI dispõe de instância para a qual a pessoa idosa possa se
dirigir para questionar a ação do profissional de referência?

12. A pessoa idosa tem acesso a telefone celular privativo ou outro


meio de contato com pessoas não vinculadas à ILPI?
13. O PIA prevê a periodicidade de sua revisão pela equipe
multidisciplinar da ILPI?

82
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

Sem embargo de sua simplicidade, o check list acima é o que bastaria para
que a equipe técnica fosse alertada para a falha em suas rotinas no que
se refere à garantia do direito à autonomia e à manutenção dos vínculos
comunitários da pessoa idosa acolhida, sendo certo que, conforme as
peculiaridades e o nível dos profissionais envolvidos, a relação poderia ser
incrementada ou mais detalhada.

Na proposta acima, o cenário ideal seria aquele em que fosse marcada a


resposta “SIM” em todos os quesitos. No entanto, cumpre ser salientado que
nem toda resposta “NÃO” deve ser traduzida como uma falha da equipe.
Em alguns casos, funcionará muito mais como um sinal de alerta para a
atenção dos profissionais. Basta imaginar a hipótese da pessoa idosa com
comprometimento cognitivo severo. Nessa situação, a resposta “NÃO” ao
item 7 não representará uma falha da equipe, mas uma impossibilidade
de comunicação. Nesses casos seria recomendável que fosse feita uma
observação no próprio questionário.

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CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

9. CONCLUSÃO

A partir das premissas desenvolvidas nos capítulos anteriores é forçoso


concluir que a presença de um profissional de referência indicado para o
acompanhamento de todo o percurso do acolhimento da pessoa idosa
com transtornos neurocognitivos em uma instituição de longa permanência
mostra-se essencial para a garantia do exercício do direito à autonomia e a
manutenção dos vínculos comunitários da população abrigada, muito embora
não haja previsão legal para a atuação de tal profissional nem tampouco
referência à sua atuação nos manuais de orientação do Sistema Único de
Assistência Social.

Deve ser ressaltado que o exercício da autonomia da pessoa idosa, visto como
um direito humano fundamental decorrente do direito à privacidade, deve
ser garantido em todo o período em que a pessoa estiver em acolhimento
institucional. As pessoas idosas, independentemente de sua condição de
saúde mental, também têm o direito assegurado na legislação brasileira à
manutenção dos vínculos comunitários ao longo do período de acolhimento
em instituições de longa permanência para idosos.

Via de regra, a autonomia consiste num processo de autoconhecimento da


pessoa humana que lhe permite a construção de um projeto de vida, baseado
em valores, princípios éticos, crenças, preferências e vontades. Assim sendo,
para que tanto o direito à autonomia quanto o direito ao convívio comunitário
sejam assegurados é essencial que as equipes técnicas conheçam as
características individuais dos idosos acolhidos, por meio da colheita de
informações com os próprios interessados, com sua família, referências sociais
e comunitárias e com agentes da rede de assistência e de saúde, sendo
certo que as ferramentas estabelecidas na legislação brasileira para registro
de tais informações e planejamento de ações é o plano individualizado de
atendimento (PIA) e o plano de atenção integral à saúde do idoso (PAISI).

84
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

No caso de pessoas idosas com transtornos neurocognitivos o exercício


do direito à autonomia dependerá da busca de informações que permitam
delinear valores, vontades e preferências, seja por meio de colheita de dados
com familiares e pessoas do convívio do indivíduo seja pelo acompanhamento
da pessoa ao longo do abrigamento, permitindo a conjugação das duas
estratégias caso isso seja possível.

E é justamente nesse contexto que assume importância a adoção do


profissional de referência.. Para que a colheita de informações sobre
valores, crenças, vontade e preferências da pessoa idosa seja cumulativa e
possa ser trabalhada com alguma metodologia é essencial a indicação do
profissional específico dentre os integrantes da equipe técnica da entidade
de acolhimento. Só assim, mediante a observação diuturna e contínua será
possível o acompanhamento das reações da pessoa ao longo do abrigamento,
sem embargo de que se criam condições propícias à formação de vínculo de
confiança entre a pessoa acolhida e o profissional, permitindo maior sensação
de acolhimento e diminuição do stress decorrente da mudança para uma
nova forma de moradia.

Constata-se ainda que a falta de capacitação da equipe da ILIPI aliada ao


número insuficiente de profissionais gera comportamentos que tendem a
infantilizar as pessoas idosas e acentuar estigmas e preconceitos incidentes
sobre os residentes das instituições de longa permanência, levando a um
processo de desumanização que impacta diretamente o direito à autonomia
e à manutenção dos vínculos comunitários. A consequência dessa falha
do serviço prestado pelas entidades de acolhimento é a naturalização do
comportamento apático da pessoa idosa, dotando o ambiente da instituição
de condições propícias ao isolamento, permitindo-se supor que há relação
direta entre esse comportamento e a falta de capacitação dos funcionários
em temas ligados à gerontologia.

85
CAO IDOSO Manual Autonomia ILPI

O levantamento dos dados extraídos do Módulo do Idoso (MID), plataforma


que reúne informações sobre as fiscalizações realizadas pelo Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro nas instituições de longa permanência de todo
o Estado do Rio de Janeiro indicam que um número bastante significativo de
entidades que ainda não utilizam nem o plano individualizado de atendimento
(PIA) nem o plano de atenção integral à saúde do idoso (PAISI).

No decorrer das fiscalizações realizadas pelo Ministério Público do Estado do


Rio de Janeiro foi possível verificar que o não atendimento ao número mínimo
de profissionais exigido por lei e a falta de capacitação da equipe técnica
teve como consequência falhas no preenchimento do plano individualizado
de atendimento (PIA) e na falta de atualização permanente, sendo certo que
é possível apontar uma relação direta entre o uso inadequado da ferramenta
e a ausência de estratégias para manutenção de vínculos comunitários para
os idosos residentes.

Por outro lado, a falta da utilização adequada do PIA e a ausência de articulação


da equipe técnica, numa atuação multidisciplinar e periódica, atinge mais
fortemente aos moradores idosos com transtorno neurocognitivo, que, em
função da dificuldade de comunicação, dependem mais de uma atuação
proativa dos profissionais da entidade de acolhimento para o planejamento
de ações que busquem garantir o direito ao convívio comunitário nessas
circunstâncias.

Diante de tudo o que foi analisado, o que a presente exposição propõe é que
as entidades de acolhimento, além da utilização adequada do PIA, passem
a utilizar um profissional de referência em relação aos idosos abrigados, de
modo a permitir um acompanhamento individualizado e cujo conhecimento
sobre vontades e preferências do morador possa ser cumulativo e desta forma
mais efetivo para traçar estratégias que visem a garantir o efetivo exercício
do direito à autonomia da pessoa idosa. Sugere-se, ainda, que a indicação
do profissional de referência passe a fazer parte do plano individualizado de
atendimento (PIA), sendo certo que é direito do próprio idoso ser informado
sobre qual o profissional foi indicado para tal função, bem como sobre
eventuais alterações no curso do abrigamento.

86
CAO IDOSO Manual Autonomia iLPI

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