O Aparecimento Da Escola Nova

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O APARECIMENTO DA ESCOLA NOVA

Texto de José Ramos Barbosa da Silva

O início da Escola Nova


Escrever sobre a Escola Nova não é tarefa fácil, pois envolve uma
discussão de ordem político-pedagógica, difícil de ser compreendida
em explicações de poucas palavras. Cobra um conhecimento da
conjuntura social e política do mundo ocidental que gestaram os
vários caminhos da educação escolar, a partir do século XIX; exige
uma compreensão das discussões sobre a Pedagogia, ciência recém-
criada à época, travadas num mundo de discórdias ideológicas e
procedimentais, envolvendo a Psicologia, a Filosofia, a Sociologia, a
Biologia e a História. Uma disputa trabalhosa de descrevê-la em um
punhado de páginas escritas que cabem dobradas em apenas um
bolso. Além do mais, esse assunto circunda os desacordos
acadêmicos filosóficos sobre a (im)possibilidade da existência de uma
escola para todos e soma-se a ação de governos, instrumentada por
intelectuais que apontavam a educação como a redentora da
humanidade ou como uma faca de dois gumes, numa especulação
sobre se a educação ofertada era liberal ou progressista, se era
democrática ou não, se acomodava ou libertava o indivíduo que dela
participasse nas regras de sua atual sociedade. Assunto complexo
que ocupou, no ano de 1982, um semestre inteiro do Doutorado em
Educação da PUC/SP que se dedicou a compreender a educação
liberal, tendo presente sua ideologia, como parte da superestrutura
da sociedade burguesa, responsável pelo modelo da escola liberal
existente, seja ela Nova, Tecnicista ou Compensatória, sem esquecer
neste detour da luta de interesses das classes sociais como parte das
contradições próprias do capitalismo. Uma confusão que é explicada
melhor por Guiomar Namo de Mello:
“Tratamos nesse semestre de entender o problema maior da
educação escolar, o mais evidente e fundamental e, exatamente por
isso, aquele que mais escapa a uma apreensão correta, na medida
em que merece tantas explicações quantas são as ideologias em
disputa, cada uma delas pretendendo dele dar conta de modo cabal e
propor soluções também cabais. Em termos resumidos esse problema
poderia ser expresso na velha pergunta: por que, quase dois séculos
após o aparecimento do Estado Burguês, que fez dos sistemas de
ensino sob sua tutela uma das pedras de toque da igualdade social, a
desgastada proclamação da escola pública universal e gratuita como
direito de todos está tão longe de constituir uma realidade?” (MELLO,
s/d. p. 10).
Tendo consciência da complexidade desse assunto, tentaremos, de
modo superficial, explicar as razões que levaram ao aparecimento da
Escola Nova, bem como citaremos circunstâncias sócio-pedagógicas
que motivaram alguns dos diversos procedimentos metodológicos que
foram enquadrados nessa tendência de ensino. Porém, de início
lembramos que a escola para todos é uma bandeira burguesa, como
bem esclarece Paulo Ghiraldelli Jr.: “Na verdade, as pedagogias que
hoje estão por aí são todas frutos do Mundo Moderno, ou seja, do
Mundo Burguês que nasceu do colapso dos mundos Medieval e
Feudal” (GHIRALDELLI JR. 1987, p. 11-12).
De acordo com Eric J. Hobsbawm (2012), esse mundo burguês, tal
como hoje se apresenta, começou a se firmar a partir da grande
revolução de 1789 a 1848. Uma revolução que não foi da indústria,
mas da indústria capitalista; também não era da liberdade e da
igualdade em geral, mas foi da liberdade da classe burguesa. Uma
revolução dupla: a política, realizada pelos franceses; e a industrial,
pelos ingleses.
Ainda seguindo aos esclarecimentos fornecidos por Hobsbawm
(2012), poucos refinamentos intelectuais foram exigidos para a
Revolução Industrial inglesa. Os artesãos, em suas oficinas,
desenvolveram máquinas que usufruíam principalmente de
conhecimentos da física, disponíveis à época. Mesmo a máquina a
vapor de James Watt (1784) só teve uma teoria adequada
desenvolvida no ex post facto, na década de 1820, pelo Francês
Carnot. Por isso, as inovações técnicas da Revolução Industrial
fizeram-se praticamente por si mesmas. Diferentemente, a Revolução
Francesa foi feita de ideias de ordem política. Ela forneceu o
vocabulário e os temas da política liberal para a maior parte do
mundo; foi inspiração para os códigos legais; para o modelo de
organização técnica e científica ocidentais; para a ideologia que
passou a reger os regimes políticos e econômicos modernos. E mais,
era ecumênica.
A Revolução Francesa foi alimentada, em parte, pelas ideias do
iluminismo, o qual acreditava que pela razão os seres humanos
seriam capazes de superar toda e qualquer ignorância, afastando-se
das superstições e religiosidades predominantes na Idade Média.
Baseados na Ciência, os humanos seriam capazes de construir um
mundo mais fraterno, mais livre e mais justo. Junto ao Iluminismo
havia o Naturalismo, inspirado em Rousseau, que somava à razão o
homem natural com suas características inatas, não maculadas por
convenções e preconceitos. Numa explicação mais exata: “Na base da
natureza humana encontram-se dois sentimentos: o amor próprio e a
compaixão. A razão embora desempenhe papel muito importante,
porque “é o freio da força” (Jean-Jacques Rousseau, Emile ou De
L’Education, Paris, Editions Garnier, 1951, p. 78), é apenas um
aspecto da consciência e é menos profunda que a vida emocional”
(ROSA, 2009, p. 192).
Na época da Revolução Francesa ainda não havia a classe operária,
organizada enquanto classe. Havia camponeses e assalariados
contratados, mas não industriais, não havia socialistas ou
revolucionários conscientes da classe operária. Tinham fome, faziam
agitações, mas não exerciam qualquer papel independente; seguiam
por razões práticas os líderes não proletários. Realidade que, segundo
Hobsbawm (2012), alcançou a Europa até o ano de 1830. Com uma
exceção, havia, na Grã-Bretanha, operários que se organizavam em
cooperativas, seguindo as orientações da ideologia de Robert Owen
(1771-1858), na busca de uma sociedade coletiva, sem que houvesse
propriedade privada – uma experiência que não deu certo.
É previdente salientar que dentro do iluminismo não havia um
pensamento uníssono. Criaram-se várias correntes de pensamento
que se digladiavam entre si. Entre seus pensadores, Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) defendia a interdependência entre liberdade e
igualdade e combatia as distâncias de posses existentes entre os
nobres e os pobres. Isto foi evidenciado no texto o Discurso sobre as
ciências e as artes, de 1749, no qual Rousseau sustenta: “Enquanto
nossos antepassados tinham sido robustos, agora o excesso de luxo
com que se alimenta o iluminismo consumiu nossa vitalidade e nos
fez escravos das armadilhas da cultura” (In: WOCLER, 2012, p. 22).
Contudo, havia esperança, por isso, nessa época, passou-se a se
empregar a palavra otimismo, apropriada para melhor dizer dessa
expectação, presente no pensamento liberal, representada pelos
filósofos mais respeitados da época.
O pensamento de Rousseau inspirou muitos pensadores, políticos e
juristas subsequentes, incluindo o de Louis-Michel Lepelletier de
Saint-Fargeau (1760-1793), político francês que era inicialmente
conservador e que converteu-se, gradativamente, à Revolução. Em
1790, Lepelletier foi eleito presidente da Assembléia Constituinte e
votou pela execução do Rei. Como já havia se comprometido em
defender o soberano, um membro da guarda real o assassinou, um
dia antes da execução de Luís XVI. Ele foi o autor do Plano Nacional
de Educação (PNE), aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte
da França, em 1793, que assegurava: “(I) Todas as crianças serão
educadas às custas da República, desde a idade de 5 anos até 12
anos para os meninos, e desde os 5 até 11 anos para as meninas.
(II) A educação será igual para todos; todos receberão a mesma
alimentação, as mesmas vestimentas, a mesma instrução e os
mesmos cuidados. (III) Sendo a educação nacional dívida da
República para com todos, todas as crianças têm direito de recebê-la,
e os pais não poderão se subtrair à obrigação de fazê-lo gozar de
suas vantagens.” (ROSA, 2009, p. 216-217). Vale lembrar que na
França, ainda segundo Rosa (2009, p. 216), num período que se
estende do século XVI ao século XVIII, a educação era dirigida
praticamente pelos Jesuítas que, a partir de 1763, quando a
educação deixa de ser uma caridade e se converte em direito, cessam
a oferta de colégios, deixando o povo francês sem escolas. A partir
daí, apareceram diversos planos de educação laica, sob os cuidados
do Estado, e não mais da Igreja.
A Revolução Francesa foi um marco para a educação e para a política
do mundo. Ela faz parte de uma série de acontecimentos indicando
que o feudalismo enquanto regime de produção estava morto. A
Igreja, apesar de ainda influente, perde o controle da política e do
controle do pensamento humano. A Ciência passa a ser o caminho
buscado pela escola. Razão e fé já não mais fazem parte de uma
mesma refeição. O tempo de São Tomás de Aquino passou.
Agora, os liberais, que foram os revolucionários da Revolução
Francesa, tornaram-se cautelosos e passaram a manifestar
inclinações opostas às pregadas por Rousseau. O que causou
decepção para alguns militantes que acreditavam que a Revolução
Francesa era apenas o prenuncio de outra revolução, a que traria a
verdadeira igualdade entre as pessoas. Estes últimos defendiam a
participação popular nas decisões do Estado e se intitularam
democratas. Queriam um Estado que interferisse na esfera
econômica, capaz de conter a ganância dos ricos e foram os primeiros
a utilizarem o termo socialismo. Alguns democratas se tornaram
radicais, organizaram a “Conspiração dos Iguais”, um movimento
clandestino que declarava: “Se é preciso, morram todas as artes,
desde que nos reste a igualdade efetiva”. Presos, François Noël, com
o nome fictício de Graco Babeuf (1760-1797), em sua defesa, disse
no Tribunal que “A propriedade é, sobre a terra, a causa de todos os
males”. (KONDER, 2003, p. 12).
Na análise de Konder (2003), a história do socialismo começa de
modo drástico, numa conspiração heróica, mas inviável. A onda de
repressão que se abateu sobre esses radicais imprimiu a noção de
que a luta por uma sociedade contra a injustiça não podia mais ser
por atos violentos. Nos 50 anos que se seguiram à tentativa dos
“Iguais”, a Europa viveu o auge do Romantismo, um movimento que
valorizava a força dos sentimentos, de intensas paixões, vividas ou
sonhadas. E é nessa atmosfera que, segundo Konder (2003),
florescem as utopias socialistas. Utopia significando o “lugar
inexistente”, o “não lugar”, termo utilizado por Thomas Morus (1478-
1535), no começo do século XVI.
É durante o século XIX que o sonho de transformação do mundo em
favor dos proletários começa a se constituir em um sonho real, dando
asas às aspirações românticas dos espíritos revolucionários inquietos
da época. É também nesse período em que as grandes cidades
começam a existir, graças ao aumento das indústrias que faziam
também crescer o volume de assalariados nas cidades. Isto, contado
por Luedemann:
“O século XIX viu o nascimento das grandes cidades e suas indústrias
e o crescimento acelerado do proletariado que trabalhava com o
ritmo frenético das máquinas e produzia mercadorias para serem
vendidas nos mais distantes mercados. Na multidão que se
encaminhava para as fábricas, era possível reconhecer – entre os
homens – mulheres que antes tinham como tarefa principal cuidar e
educar os filhos; e crianças que perderam o direito de proteção da
famìlia”. (LUEDEMANN, 2002, p.13).
O século XIX é o tempo em que o trabalhador assume o perfil de
explorado, de homens e mulheres sem dias nem noites, porque
dormiam e acordavam apenas para o trabalho. A família sobrevivia,
mas sem que houvesse tempo dedicado a si. Vivia-se para o trabalho.
As crianças, mesmo que tivessem a mãe em casa, passaram a
conhecer pouco o pai, que passava o dia trabalhando. Instalou-se
uma desestruturação das famílias proletárias, uma contradição para
um mundo onde as leis começaram a dar igualdade para todos,
concedendo a qualquer cidadão o direito à Educação. A lei dizia uma
coisa, mas a realidade era outra.
A criança, neste período, começa a se constituir num problema social.
Muitas se marginalizavam, outras ou eram órfãs, como resultado de
guerras que matavam o pai, ou viviam como tal. Um problema a ser
enfrentado. Eram vítimas de uma estrutura social e de uma base
econômica que destruía o núcleo familiar. As longas jornadas de
trabalho dos pais e até delas, destruíam o período concebido como
infância.
Somando-se a essa realidade social, no campo filosófico, havia a
herança deixada por Rousseau, que implorava que a criança fosse
olhada em si. Sem que ela precisasse crescer para ser gente. Ainda
estava forte o apelo de Rousseau, sublinhando:
“Não se conhece a infância; no caminho das falsas ideias que se têm,
quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-
se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que as
crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre o
homem na criança, sem pensar no que ela é antes de ser homem.”
(ROUSSEAU, 1999, p. 4).
Isto levou aos pedagogos do século XIX a se dedicarem a investigar a
natureza da criança, bem como conhecer as peculiaridades da mente
infantil, com a pressa de basear o processo educativo nesta fase da
vida. Princípio que norteou as ações de Pestalozzi (1746-1827), de
Herbart (1776-1841) e de Friedrich Froebel (1782-1852).
Pestalozzi voltou-se principalmente para o ensino elementar, por
considerá-lo fundamental para o desenvolvimento do ser humano.
Criou, em 1805, uma escola em Yverdon (Suiça) para crianças de
todas as partes da Europa. Seu método de ensino partia de
experiências concretas para estimular a observação e o raciocínio; do
objeto conhecido ao desconhecido, do concreto para o abstrato, do
particular para o geral. Preocupou-se em formar professores para
atuarem de acordo a seu método, inspirado nas recomendações de
Rousseau.
Johan Friedrich Herbart esforçou-se em elaborar uma doutrina
científica para a educação. Buscou equilibrar informações científicas
da matemática, física e química com informações humanas da
filosofia, das artes, da literatura. Discordava de Rousseau acerca de
que o homem nasce naturalmente bom, defendia a necessidade da
educação para o aprimoramento do caráter.
Friedrich Froebel fundou sua primeira escola em 1816. Extremamente
religioso, conduzia a educação escolar baseado em três princípios: a
paz do homem consigo mesmo e seus semelhantes; a paz do homem
com a natureza; a paz do homem com Deus. Foi o criador dos jardins
de infância e trabalhava por uma pedagogia da atividade espontânea.
Toda essa história acima contada favorece uma compreensão dos
conflitos ideológicos, dos modelos formativos de educação que
passaram a existir, desde o século XIX. E isso foi explicado por Cambi
(1999, p. 407), da seguinte maneira: “Se o século XIX aparece como
o século do “triunfo da burguesia”, também foi o do “grande medo”
burguês, do temor pelo “espectro” do socialismo-comunismo (como
lembrou Marx), um século, portanto, caracterizado por uma frontal
oposição/luta de classes, que investiu as ideologias, as políticas e a
própria cultura, além da economia e da vida social. Isso produziu
também uma ideologização mais radical (em relação ao passado) da
pedagogia e da educação, que se afirmaram como setores-chave do
controle social e, portanto, do projeto político e da própria gestão do
poder (social e polìtico)”.
Cambi (1999) nomeia a pedagogia de Pestalozzi, de Schiller e Froebel
como romântica. A de Hegel e a de Herbart como críticas ao
romantismo desses antecessores; embora Hegel, humanista integral,
tenha jamais tratado de maneira explicita o problema pedagógico. E
trata de acrescentar que durante toda a metade do século XIX, em
toda Europa, principalmente na França, Inglaterra, Suíça e Rússia,
mesmo com diferenças nacionais, foi praticado uma pedagogia
burguesa, guiada pelo Iluminismo, numa linha elitista e hierárquica.
Para os pobres (de qualquer idade), havia algumas experiências de
escolarização, das quais se pode citar a escola dominical em
Gloucester (Inglaterra), que ensinava a ler e a escrever, utilizando a
Bíblia.
A educação escolar popular também foi assunto discutido ente os
iluministas, com defensores entre os liberais e, com maior energia,
entre os democratas. Contra essa, havia reações dos reacionários,
principalmente dos jesuítas, porque se pensava que a instrução
destrói a moral. Para a educação popular inventaram-se as “escolas
do ensino mútuo”, vividas da seguinte maneira:
“(...) os rapazes mais maduros orientavam os aprendizados dos
menores, de modo que um só professor podia instruir quatrocentos
ou quinhentos rapazes simultaneamente, ajudados por vários vice-
professores escolhidos entre os alunos mais dotados. O objetivo
dessas escolas, que tiveram larga difusão no norte e no centro, era
ensinar a ler, escrever e calcular, ou seja, dar ao rapaz do povo os
instrumentos básicos da instrução e preparar as crianças para um
comportamento de solidariedade recíproca. O curso de estudos
durava 18 meses, dividido em períodos de quarenta dias e oferecia a
vantagem de instruir em tempo curto muitos rapazes, de modo a
torná-los mais idôneos para o trabalho industrial, então em
crescimento e em transformação.” (CAMBI, 1999, p. 461-462).
A partir da metade do século XIX, a Pedagogia, que deixava de ser
Filosofia para ser Ciência, se vê envolvida numa discussão
epistemológica de ordem ideológica: ou ela seria burguesa ou
proletária, ou positivista ou socialista. Uma discussão que equivalia às
divisões vistas na sociedade capitalista. O positivismo exalta a
ciência, a técnica, a ordem burguesa, o progresso; com inspiração,
inicialmente, em Comte (1798-1857). O socialismo é a posição
teórico-científica da classe antagonista, que valoriza a igualdade, a
participação popular, a solidariedade e insiste nas contradições entre
capital e trabalho; inspirado, inicialmente, em Charles Fourier (1772-
1837) e Robert Owen (1771-1858), pertencentes ao socialismo
utópico e, posteriormente, em Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895), materialistas históricos. Isto, numa demarcação
ainda superficial dos caminhos fundamentados da Pedagogia,
envolvendo a didática. Modelos que se subdividiram em várias outras
correntes pedagógicas, demarcando o que hoje se chama de
abordagens de ensino.

CONHECENDO OS VÁRIOS MODOS DE SER DA ESCOLA NOVA:


Texto: José Ramos Barbosa da Silva.
Johann Heinrich Pestalozzi, o senhor do afeto
O suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), inspirado na
leitura de Emílio, escrito por Rousseau (1712-1778), decide criar uma
escola que pudesse praticar as recomendações do romance. Ao trazer
para a sala de aula uma relação de parceria e afeto para com as
crianças, induzindo-as para uma auto-educação, Pestalozzi estava,
mesmo sem saber, iniciando a Escola Nova. Isso é contado de outra
maneira por Cotrim e Parisi (1985, p. 229):
“A leitura de Emìlio, de Rousseau, levou-o a divulgar e a aplicar as
ideias pedagógicas expostas nessa obra, considerando que a solução
para os problemas sociais deveria ser procurada na reforma do
ensino. Dedicou-se, particularmente, à instrução das crianças pobres.
As escolas que abriu e suas numerosas obras atraíram a atenção de
professores estrangeiros que, depois de observarem seus métodos,
divulgaram-nos mundialmente”.
A escola iniciada por Pestalozzi dedicava-se ao ensino elementar, tido
como fundamental para o desenvolvimento humano. Seu método de
ensino era indutivo, partia da observação de experiências concretas
para se chegar ao raciocínio das coisas não reveladas pela
observação. Seu ensino iniciava-se do conhecido para o
desconhecido; do concreto para o abstrato; do particular para o
geral.
Pestalozzi era um cristão devoto, seguidor do protestantismo e
acreditava que a escola deveria seguir o modelo do lar, como
extensão do próprio lar. Por isso pregava a importância do afeto nas
atividades de ensino. Cobrava dos professores a necessidade de se
ter um coração tranquilo, calmo e sereno, para os cuidados
necessários à condução do ensino que deveria conduzir à felicidade.
O ensino da escola de Pestalozzi observava os seguintes princípios
gerais:
(1) A observação sensorial (intuição) dos fatos é o início de toda
instrução.
(2) Não se deve começar pela crítica, mas da constatação do que foi
percebido.
(3) Deve se usar no ensino linguagem acessível a todos, observando
o grau de compreensão das crianças (seu ensino era para crianças),
indo das explicações mais simples, relativas aos fatos percebidos, até
as mais complexas, de fatores não revelados pela observação.
(4) Só se deve passar de um ponto a outro do assunto quando
houver um domínio completo dele pelo aluno.
(5) O ensino deve ter como alvo o desenvolvimento do raciocínio do
aluno e não a mera exposição dogmática de um professor.
(6) O mestre deve respeitar a individualidade do aluno.
(7) O fim principal do ensino é o de desenvolver a inteligência do
aluno, dando-lhe a possibilidade do domínio das técnicas de aprender
e do aumento do seu respectivo talento.
(8) Todas as ações do ensino devem se pautar numa relação afetiva,
em favor de uma boa instrução escolar.
A escola, para Pestalozzi era um lugar de segurança e afeto e,
diferentemente dos seus contemporâneos, não concordava com o
elogio da razão humana. Os sentimentos deveriam fazer parte do
processo de aprendizagem escolar. E a criança, para quem ele tinha
atenção especial, era um ser puro, que se desenvolve de dentro para
fora. Assim, seu aprendizado depende muito dela própria, que deve
ser estimulada com base na experiência prática e na vivência
sensorial, intelectual e emocional. Em outras palavras, praticar o
“aprender a fazer fazendo”, tal qual havia sido recomendado por
Comenius (2002, p. 244):
“Os mestres de artes mecânicas não ocupam as mentes dos seus
aprendizes com discursos teóricos, mas os levam a fazer as coisas
para que aprendam a fabricar fabricando, a esculpir esculpindo, a
pintar pintando, a dançar dançando etc. Também nas escolas deve-se
aprender e escrever escrevendo, a falar falando, a cantar cantando, a
raciocinar raciocinando, para que elas nada mais sejam que oficinas
fervilhantes de trabalho. E na prática será verificada a verdade do
ditado “fazemo-nos fazendo”.”
Segundo reportagem da Revista Nova Escola (2008), Pestalozzi não
foi um iluminista típico, porque era religioso demais. Foi simpático ao
pensamento republicano liberal, por isso se alinhou aos defensores da
Revolução Francesa. Montou uma escola, em 1798, para atender os
órfãos do massacre promovido pelos franceses na cidade de Stans
(Suíça), que acabou sendo uma de suas experiências pedagógicas
mais bem sucedidas. Pestalozzi comparava o professor a um
jardineiro, que deve cuidar das condições externas capazes de
garantir à planta um desenvolvimento natural e saudável.

Friedrich Froebel, o criador dos jardins-de-infância


O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) perdeu sua mãe aos
nove meses de idade. Foi criado pelo pai e por uma madrasta. Sua
família era pobre, por isso, desde os 15 anos, precisou trabalhar para
ajudar nas despesas da casa. Trabalhou como guarda florestal e,
durante este período, estudou por conta própria, principalmente a
botânica, a matemática e o desenho. Foi convidado, aos 23 anos, por
Anton Gruner, um discípulo de Pestalozzi, para assumir o cargo de
professor de desenho na escola modelo de Frankfurt. Desde então,
Froebel tornou-se um educador identificado com a profissão. Em
1811, decidido a trabalhar nesta área, regressou aos bancos
universitários. Estudou nas Universidades de Göttingen e Berlim. Em
1916, fundou sua primeira escola na cidade de Oberweissbach, onde
nasceu, no sudoeste da Alemanha. Alcançou prestígio com a
publicação do livro Educação do Homem, onde expos suas principais
ideias pedagógicas.
Em 1837, fundou o primeiro Jardim de Infância (Kindergarten) para
crianças com idade inferior a oito anos, iniciativa que alcançou
visibilidade internacional. Acreditava que o início da infância era
fundamental para o desenvolvimento das pessoas. Comparava a
criança a uma planta em sua fase de formação, o que exige cuidados
periódicos para que cresça de maneira saudável. Também acreditava
no potencial da auto-educação para a formação das crianças, um
conceito que somente foi desenvolvido no século XX, durante o
processo de teorização das experiências da Escola Nova.
Froebel no Jardim de Infância observava pacientemente as atitudes
de cada criança. Procurava compreender a personalidade de cada
uma delas. Observou que os brinquedos exercem grande influência
na educação infantil, por isso tratou de transformá-los em materiais
didáticos, úteis à aprendizagem escolar. Para ele brincar é muito mais
do que diversão, é a representação do mundo, um artifício lúdico
para falar das coisas da vida. Com essa compreensão, Froebel, junto
à sua equipe de trabalho, pensava quais brincadeiras deveriam
compor o universo das brincadeiras infantis do ambiente educativo
das crianças.
Dentre os materiais de suporte do Jardim de Infância de Froebel,
havia esferas, cubos e outros objetos, feitos de material macio e
manipulável, de peças desmontáveis, planejadas para estimular a
capacidade criativa das crianças, para que inventassem objetos a
partir das peças, numa livre interação entre seu desejo e os
instrumentos encontrados. Tudo sob a supervisão de um adulto. As
crianças eram acostumadas aos trabalhos manuais, no intuito de
desenvolver-lhes os sentidos e despertar-lhes o interesse pelo
trabalho. A educação nesses espaços era espontânea, a partir de
atividades livres, de acordo com os interesses demonstrados pela
própria criança. Havia, já ali, um estímulo ao aprender a aprender,
ideia muito comum na educação infantil dos dias de hoje.
Para Froebel, quanto mais for ativa a criança na sua aprendizagem,
mais ela desenvolverá seu interesse e capacidade para novas
aprendizagens. Apesar disso, de quando em quando, havia ensinos
diretivos, sem que fosse desprezado o fundamento da percepção,
vivenciado de forma natural pelos pequenos aprendentes. O excesso
de abstração era combatido; pois, para Froebel, isso afastava as
crianças do interesse por aprendizagens escolares. Froebel, pelas
atitudes e defesas teóricas, antecipou-se ao suíço Jean Piaget, ao
reconhecer que a criança passa por diferentes estágios de
aprendizagens. Na primeira infância, o importante para a criança é a
percepção e a aquisição da linguagem. A educação, em todo seu
percurso, deve ser “um processo evolutivo e natural das disposições
humanas.” (FROEBEL in LARROYO, 1974, p. 643).

Maria Montessori, criadora de ambientes escolares e materiais


didáticos adaptados às crianças
Maria Montessori (1870-1952) nasceu em Chiaravalle, no norte
da Itália. Filha única de um casal de classe média. Formou-se em
medicina, no tempo em que essa era uma profissão para homens.
Interessou-se pelo estudo de Psiquiatria, com atenção especial para
as crianças com retardo mental. Percebeu que os meninos e meninas
tidos como ineducáveis respondiam com entusiasmo aos apelos
práticos de tarefas domésticas. Nessas atividades, as crianças com
deficiência exercitavam suas habilidades motoras e experimentavam
a autonomia. Seus estudos confirmavam que a auto-educação leva a
criança a ser mais independente. Testou isso com crianças tidas como
retardadas e depois com crianças tidas como normais. Convenceu-se
que toda criança pode aprender e pode se ensinar. Para tanto, é
necessário que lhes sejam dadas a liberdade e as condições materiais
necessárias. Defendia uma escola de formação integral, capaz de
desenvolver o potencial criativo do indivíduo, desde a primeira
infância.
Para testar suas ideias pedagógicas, criou a Casa dei Bambini (Casa
das Crianças). Estudou Antropologia, Psicologia e Pedagogia. O
sucesso da sua Casa fez com outras casas das crianças fossem
criadas em diversos lugares da Itália, o que deu a Maria Montessori
uma notoriedade nacional. Defendia um método de ensino biológico,
baseado nas etapas do crescimento infantil, de acordo com as etapas
do seu desenvolvimento mental, com fases bem definidas. Acreditava
que o seu método era mais eficiente do que o método tradicional de
ensino. Buscava seguir as indicações da natureza humana, que vai se
desenvolvendo a partir de estímulos. Na casa das Crianças o
professor deveria observar as crianças e conduzi-las a desenvolver
sua própria aprendizagem, dando-lhes suportes materiais em
situações que indicasse tal necessidade. Uma educação feita pelos
sentidos e pelo movimento. Diferentemente do raciocínio da época,
Montessori tinha a criança como um ser completo e não como um
pretendente a ser adulto.
Montessori cuidava do espaço interno das escolas. Decorava o
ambiente de modo que a criança quisesse tocar, experimentar do
ambiente, sentindo-o a partir de iniciativas sensoriais e motoras,
dando vazão à tendência natural de toda criança de querer tocar e
manipular tudo o que está ao seu alcance. Coincidindo com Comenius
(1592-1670), Montessori defendia que o caminho do intelecto passa
pelas mãos. É do toque, do contato físico que as crianças exploram e
decodificam o mundo ao seu redor.
Convencida de que a criança é estimulada a agir pelo ambiente
material que está à sua volta, Montessori passou a desenvolver uma
escola adaptada na sua arquitetura, nos móveis e materiais didáticos
às crianças. Pensou em materiais que estimulam a linguagem até os
destinados a atividades de lógica e matemática. Com a ajuda do
material didático, a criança se organiza e o professor, antes de
interferir, deve observar a atitude da criança. Assim, de acordo com a
explicação de Cotrim e Parisi (1985, p. 291): “A obra do educador,
por sua vez, torna-se uma experiência científica e discreta. Seu papel
é observar a criança antes e dirigi-la, manter um clima favorável e
explicar-lhe o manuseio correto do material didático”. Na escola
montessoriana não existe a hora do recreio, pois não há diferenças
entre o lazer e a atividade didática.

Ovide Decroly, defensor da ideia globalizada de


conhecimentos
O médico e educador belga, Ovide Decroly (1871-1932) foi um
aluno indisciplinado, não gostava de autoritarismos, nem a do pai
nem a da escola. Discípulo de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
defendia que o interesse das pessoas gera a sua necessidade de
conhecimentos. Sua trajetória de formação assemelha-se à de
Montessori. Formado em Medicina, encaminhou-se para a Neurologia.
Assim como ela, trabalhou com deficientes mentais, criou métodos
baseados na observação e aplicou-os com os deficientes, depois com
os “normais”. Diferentemente de Montessori, Decroly atuava no dia-
a-dia das pessoas, sem a criação de um ambiente planejado para a
educação. Também evitava o atendimento individualizado do aluno,
trabalhava em grupos. Junto aos educandos, seu método de ensino
buscava desenvolver três objetivos: a observação, a associação e a
expressão. Dedicou atenção especial à linguagem, incluindo o
desenho, o corpo, a construção, a arte e o uso das palavras. Decroly
distinguia a inteligência da capacidade de dominar a linguagem, por
isso valorizava as expressões concretas, tais como trabalhos
manuais, esportes e desenhos.
Para Decroly, a criança apreende o mundo a partir de uma visão do
todo. Por isso defendia o princípio da globalização para qualquer
assunto estudado, desde que aplicados a centros de interesse. Isso
valia inclusive para a alfabetização, que deveria ser feita a partir do
método global, e não do método sintético. Nunca sílabas ou letras
isoladas, mas a partir de discursos completos, para dele se extrair
palavras, e das palavras as sílabas, e das sílabas as letras. Em
qualquer situação de ensino, deve-se partir de discursos completos,
para depois se buscar a associação de significados; indo-se, pouco a
pouco, aos esclarecimentos de detalhes. Tudo feito a partir de grupos
de interesses, que nascem de necessidades reais ou criadas, a partir
de uma visão integrada ou global do assunto. E o conhecimento de
um aspecto, motivado pelo interesse, sempre trás a necessidade de
outro conhecimento, porque um conhecimento evoca outro, e assim
sucessivamente. De acordo com a visão de Decroly são quatro as
necessidades humanas: comer, abrigar-se, defender-se e produzir.
Os grupos de aprendizado seriam organizados por interesse e por
idade, nos quais seriam observadas as fases neurológicas dos alunos.
As escolas seriam oficinas, onde os alunos escolhem o que querem
aprender. O ensino seria feito de maneira interdisciplinar ou
transdisciplinar, pois na vida tudo se mistura e não há a separação
por áreas de conhecimentos. Nas oficinas de trabalho é o próprio
aluno quem se envolve nas atividades, aprendendo o que é
necessário aprender, visando obter sucesso nas atividades
corriqueiras. Essa característica da educação decrolyana fazia com
que suas escolas reproduzissem a sociedade e seus problemas, numa
reprodução vivida em miniatura. O aluno, pelo seu interesse, deveria
se conduzir na sua aprendizagem.
Dentre os conhecimentos necessários, a criança precisa conhecer a si
mesma. “Precisa saber para que servem seus órgãos; o modo de
comer, ler, trabalhar e jogar; como funcionam seus sentidos; como
estes a defendem e a ajudam; como se movem seus membros e,
especialmente, que serviço lhe presta a mão; porque sente fome,
sede e frio; porque se amedronta e encoleriza, quais são as falhas e
as virtudes que possui. Depois de conhecer a si mesma, precisa
conhecer o meio natural e o meio humano em que vive, do que
depende e onde deve trabalhar, a fim de satisfazer suas
necessidades, desejos e ideais.” (Cotrim e Parisi (1985, p. 289). Para
Decroly, toda criança traz em si o desejo da observação, basta não
matá-lo. As turmas de trabalho nas oficinas de aprendizagem não
devem ultrapassar o número de 25 alunos.

Célestin Freinet, idealizador da escola trabalho


Célestin Freinet (1896-1966) era Francês com ideais socialistas.
Seu pensamento era profundamente intuitivo. Foi professor primário.
Não era um acadêmico, mas nunca ignorou os debates pedagógicos
do seu tempo. Precisou interromper seus estudos enquanto cursava o
Magistério, foi convocado a servir ao exército na Primeira Guerra
Mundial, ocasião na qual sofreu a ação de gases tóxicos que
comprometeram significativamente seus pulmões. Em 1920, foi
convidado a ser professor substituto na pequena escola rural de Bar-
Sul-Loup. E é ai que começa a se destacar como pedagogo
diferenciado no seu trabalho dedicado a adolescentes e crianças.
Defendia a ideia de que não se fazia necessário sufocar os
aprendentes com matérias de estudos que eles não sejam capazes de
aprender. Freinet buscava transformar a escola em um lugar
agradável e estimulador, sem grandes teorias ou apelos visuais.
Criou uma pedagogia totalmente nova, envolvendo as crianças em
trabalhos práticos de diversas naturezas. Envolveu-as de modo
cooperativo na redação de jornais escolares, situação em que as
crianças buscavam escrever corretamente, porque seriam lidas pelas
demais; nas aulas de descobertas, a partir de interesses
demonstrados pelas crianças, feitas em campo aberto; na
autocorreção de textos realizada coletivamente pelos alunos,
auxiliados pelo professor; na correspondência interescolar feita do
envio de cartas entre os alunos, de uma escola à outra; nas fichas
criadas pelos alunos e professores para suprir as lacunas deixadas
pelos livros didáticos convencionais; na redação sistemática do livro
da vida, no qual registravam sentimentos, impressões, pensamentos
e opiniões, durante todo o ano letivo; instituiu a auto-avaliação, onde
as crianças atestavam o que aprenderam e o que precisavam
aprender; além dos planos de trabalho de pequenos grupos,
acompanhados pelo educador.
Trinta e duas "invariantes pedagógicas" passaram a orientar o
pensamento de Freinet, segundo nos conta o Comunicação e Cultura
(s/d):

1. A criança e o adulto têm a mesma natureza.


2. Ser maior não significa necessariamente estar acima dos outros.
3. O comportamento escolar de uma criança depende de seu estado
fisiológico e orgânico, de toda a sua constituição.
4. A criança e o adulto não gostam de imposições autoritárias.
5. A criança e o adulto não gostam de disciplina rígida, quando isso
significa obedecer passivamente uma ordem externa.
6. Ninguém gosta de fazer determinado trabalho por coerção, mesmo
que, em particular, ele não o desagrade. Toda atitude coerciva é
paralisante.
7. Todos gostam de escolher seu próprio trabalho, mesmo que essa
escolha não seja a mais vantajosa.
8. Ninguém gosta de trabalhar sem objetivo, atuar como máquina,
sujeitando-se a rotinas das quais não participa.
9. É fundamental a motivação para o trabalho.

10. É preciso abolir a escolástica.


11. Todos querem ser bem sucedidos. O fracasso inibe, destrói o
ânimo e o entusiasmo.
12. Não é o jogo que é natural na criança, mas sim o trabalho.
13. Não são a observação, a explicação e a demonstração –
processos essenciais da escola – as únicas vias normais de aquisição
de conhecimento, mas a experiência tateante, que é uma conduta
natural e universal.
14. A memória, tão preconizada pela escola, não é válida, nem
preciosa, a não ser quando está integrada no tateamento
experimental, onde se encontra verdadeiramente a serviço da vida.
15. As aquisições não são obtidas pelo estudo de regras e leis, como
às vezes se crê, mas pela experiência. Estudar primeiro regras e leis
é colocar o carro à frente dos bois.
16. A inteligência não é um a faculdade específica, que funciona como
circuito fechado, independentemente dos demais elementos vitais do
indivíduo, como ensina a escolástica.
17. A escola cultiva apenas uma forma abstrata de inteligência, que
atua fora da realidade viva, fixada na memória por meio de palavras
e idéias.
18. A criança não gosta de receber lições ex-cathedra.
19. A criança não se cansa de um trabalho funcional, ou seja, que
atende os rumos de sua vida.
20. A criança e o adulto não gostam de ser controlados e receber
sanções. Isso caracteriza uma ofensa à dignidade humana, sobretudo
se exercida publicamente.
21. As notas e classificações constituem sempre um erro.
22. Fale o menos possível.
23. A criança não gosta de sujeitar-se a um trabalho em rebanho. Ela
prefere o trabalho individual ou de equipe, numa comunidade
cooperativa.
24. A ordem e a disciplina são necessárias na aula.
25. Os castigos são sempre um erro. São humilhantes, não conduzem
ao fim desejado e não passam de um paliativo.
26. A nova vida da escola supõe a cooperação escolar, isto é, a
gestão da vida e do trabalho escolar pelos que a praticam, incluindo o
educador.
27. A sobrecarga das classes constitui sempre um erro pedagógico.
28. A concepção atual dos grandes conjuntos escolares conduz
professores e alunos ao anonimato, o que é sempre um erro e cria
sérias barreiras.
29. A democracia de amanhã prepara-se pela democracia na escola.
Um regime autoritário na escola não seria capaz de formar cidadãos
democratas.
30. Uma das primeiras condições da renovação da escola é o respeito
à criança e, por sua vez, da criança aos seus professores; só assim é
possível educar dentro da dignidade.
31. A reação social e política, que manifesta uma reação pedagógica,
é uma oposição com a qual temos que contar, sem que se possa
evitá-la ou modificá-la.
32. É preciso ter esperança otimista na vida.

Anton Semionovich Makarenko, o pedagogo da Revolução


Anton Semionovich Makarenko (1888-1939) era ucraniano e
veio de uma família pobre, filho de um operário ferroviário e de uma
dona de casa, concluiu seu curso de Magistério em 1905. Um ano
depois, deu sua primeira aula na Escola Primária das Oficinas
Ferroviárias, onde ficou por oito anos. Interessava-se pelas ideias de
Vladimir Lênin (1870-1924) e de Máximo Gorki (1868-1936) que
exerceram grande influência em suas ações e pensamento. Em 1920,
Makarenko foi convocado por um funcionário do Estado Soviético,
responsável pelos problemas sociais do distrito da Ucrânia, o
Zavgubnarobraz, que lhe disse:
“– O que foi antes da Revolução não presta para nós. Temos de criar
o homem novo de maneira nova. Precisamos de um homem novo
assim... que seja nosso! E você trate de construí-lo.” (In:
LUEDEMANN, 2002, p. 118).
Quando assumiu a colônia de jovens delinqüentes, chamada de
Colônia Gorki, Makarenko sabia que precisava direcionar a educação
daquelas pessoas numa teoria de educação socialista. Mas essa teoria
ainda não existia. Para tanto, recebeu um pequeno sítio, a seis
quilômetros de Poltava, a caminho de Kharkov. Nele havia a
construção de cinco prédios quadrados, entre os prédios havia apenas
um pequeno pátio arenoso, abandonados, desde a Revolução de
1917. A arquitetura já denunciava que aquilo era um presídio. Para
começar o trabalho, Makarenko precisou ler centenas de trabalhos
pedagógicos, desde a Grécia Antiga até os novos pedagogos
europeus e norte-americanos. A pressão para que o trabalho fosse
iniciado, levou Makarenko a iniciar o trabalho, sem ter uma teoria
pedagógica previamente formada. Iniciou sem saber exatamente o
que iria fazer.
Makarenko seguiu sua intuição. Os jovens da sua escola eram tidos
como vagabundos. No dia 04 de dezembro de 1920, chegaram os
seis primeiros educandos, os quatros mais velhos, de 18 anos, eram
acusados de praticar assalto à mão armada; os dois mais novos, de
furto. Houve uma festa para a recepção dos garotos. Makarenko
discursou, pedindo que esquecessem o passado e trilhassem um
caminho radiante, provocando risos e ironias entre os recém-
chegados que perguntavam por que foram trazidos para um lugar de
última categoria. Os meninos queriam ser servidos, queixavam-se da
comida e não ajudavam em nada. Ao longo de quatro meses,
passavam os dias fora da Colônia, roubavam e voltavam apenas para
dormir.
Já no inverno, Makarenko perdeu a cabeça. Encarou o mais velho
pedindo que ele fosse rachar lenha. Desatendido, deu-lhe um tapa
tão violento que o derrubou. Não satisfeito, bateu-lhe com mais força
ainda. E disse: “Ou vão rachar lenha ou sumam e que o diabo os
carregue para longe da Colônia.” (In: LUEDEMANN, 2002, p. 125-
126). Deu certo. Tiveram a primeira refeição com a colaboração dos
meninos, de modo coletivo.
O inverno continuava torturante. Não havia ajuda para a Colônia. As
refeições começaram a ficar restritas a sopas magras, o que ajudou
ao grupo a perceber que teriam de mudar as regras da casa. Outros
jovens começaram a chegar à Colônia, somando 21 educandos.
Makarenko decidiu formar um “Conselho Pedagógico”. Alguns
permaneciam roubando, Makarenko fingia não saber. Resolveu,
então, transformá-los em dirigentes, nem mais ladrões nem
mendigos, mas administradores de terras para a agricultura e para a
criação de animais. Uma proposta que foi aceita pela coletividade.
Além do trabalho, todos deveriam participar de estudos obrigatórios.
Aos poucos, a desunião foi convertida em motivação para o trabalho
coletivo. O sentimento de ser um ladrão foi transformado em
consciência de grupo “donos” da colônia. Enquanto isto, novas
pessoas eram enviadas para a Colônia, a cada vez que um bando de
menores era preso, gerando um conflito entre os moradores antigos e
os novos. A Colônia Gorki passou a receber garotos que
abandonavam suas famílias e eram qualificados como ineducáveis.
Vinham analfabetos ou semi-alfabetizados, acostumados com sujeiras
e piolhos. A experiência deu a Makarenko a habilidade de organizar a
colônia como escola, na qual todos eram convidados a opinar, a ouvir
e a votar. Organizava as atividades por grupos, com regras a serem
cumpridas, como esforço da auto-educação. Makarenko era rígido,
mesmo assim cheio de afeto. A ordem na escola era a de se
autoformar um homem novo, à base de trabalhos coletivos, somados
aos estudos de todos os dias, sempre com a participação de todos
nas decisões importantes.
A partir de 1930, Makarenko começou a ser convidado para palestras,
sobre seu silencioso trabalho junto aos jovens e crianças. “Suas
palavras ganhavam a força da poesia e penetrava nos ouvidos
incrédulos de pais e diretores de escolas (...). As palestras de
Makarenko se transformavam em trocas de experiências, em
momentos para se repensar os modelos educacionais dos anos 30.”
(LUEDEMANN, 2002, p. 243).

John Dewey, o pensador que sistematizou a prática


John Dewey (1859-1952) nasceu em Burlington, Vermont, nos
Estados Unidos, onde foi professor do ensino secundário, durante dois
anos. Em 1884, na Universidade de Johns Hopkings, situada em
Baltimore (Maryland), instituição que dava grande ênfase à pesquisa
acadêmica, doutorou-se em Filosofia. Foi professor de Filosofia, na
Universidade de Michigan. Em 1887, publicou o seu primeiro
livro: Psychology, no qual conjugava o estudo científico da Psicologia
com a Filosofia Idealista Alemã. Durante a década de 1890, Dewey
começou a se afastar da visão idealista neo-hegeliana, substituindo-a
por uma nova posição, conhecida mais tarde como pragmatismo. Em
1894, foi nomeado professor de Filosofia da Universidade de Chicago.
Nesta instituição, em 1896, criou, junto com sua esposa Alice
Chipman, uma “escola-laboratório”, como parte integrante da própria
Universidade, na qual, durante sete anos, experimentou suas ideias
pedagógicas, com crianças de 4 a 13 anos.
O laboratório experimental de educação escolar de John Dewey
aconteceu num período tumultuado da educação no mundo, que se
encaminhava para a uma divisão ideológica, enquadrada a uma
práxis acusada de ser capitalista ou socialista. Discussão que
permeava o modo de ser da própria escola, refletindo a relação
professor-aluno e os modos da seleção de conteúdos do currículo.
Debate que foi se agravando desde meados do século XIX, quando o
mundo foi dividido em duas facções: ou se oprime ou se é oprimido;
ou se domina ou se é dominado; ou se é capitalista ou socialista. A
luta de classe ocupou o espaço da escola. Agora, como um problema
filosófico-político e não mais como mera escolha administrativa da
situação ensino-aprendizagem. Dewey se vê envolvido nesta luta e se
defende no Prefácio do livro Experiência e Educação. Diz ele:
“O campo da educação é uma arena para controvérsias.
Todos os movimentos sociais envolvem conflitos que resultam em
controvérsias intelectuais. Diante disso, não seria natural se um
importante foco de interesse social como a educação não fosse
também uma arena de lutas tanto práticas como teóricas. Porém,
para a teoria, pelo menos para a teoria que dá base a uma filosofia
de educação, os conflitos práticos e as controvérsias que surgem no
nível desses conflitos, apenas apontam para um problema. É tarefa
de uma teoria da educação inteligente investigar as causas dos
conflitos existentes e, em seguida, ao invés de tomar partido, indicar
um plano operacional a partir de um nível mais profundo e mais
abrangente do que o representado pelas práticas e ideias dos grupos
em competição.
(...) Diante disso, todo movimento em direção a uma nova ordem de
ideias e de atividades delas decorrentes, acaba, cedo ou tarde,
provocando um retorno ao que parecem ser as mais simples e mais
fundamentais ideias e práticas do passado – podendo ser tomado
como exemplo o que acontece na educação atualmente (1938) em
sua tentativa de reviver princípios da Grécia Antiga e da Idade
Média”. (DEWEY, 2011, p. 13-14).
Dewey era contra uma escola que se baseava apenas em fatos do
passado, e também era contra a escola que prepara os indivíduos
apenas para o futuro. Queria uma escola democrática, onde a
democracia fosse um exercício diário, que pensasse o aqui e o agora,
mesmo que para a compreensão do presente precisasse recorrer ao
passado ou, dependendo do caso, projetar repercussões futuras. E
avisa: “a unidade fundamental da nova Filosofia da Educação tem
como base a ideia de que há uma relação íntima e necessária entre
os processos da experiência real com a educação” (DEWEY, 2011, p.
22).
Dewey esclarece a importância de uma filosofia empírica e
experimental, dizendo que experiência e experimento não são ideias
autoexplicativas e que experiência e educação não se equivalem, pois
algumas experiências são deseducativas. Algumas são até
prazerosas, mesmo assim negligentes e desconectadas com a vida
real dos estudantes. Dizia isso para condenar a educação tradicional,
propondo, em seu lugar, uma nova educação:
“Admito com satisfação que a nova educação é mais simples em
princípio do que a tradicional. A nova educação está em harmonia
com os princípios do crescimento, o que é natural. Por outro lado, há
muito de artificial na seleção e no arranjo das matérias e dos
métodos na organização tradicional, e a artificialidade sempre leva a
uma complexidade desnecessária. Porém, o fácil e o simples não são
idênticos. Descobrir o que é realmente simples e agir de acordo com
essa descoberta é uma tarefa extremamente difìcil”. (DEWEY, 2011,
p. 31).
Para Dewey, o hábito afeta a nossa atitude e que a nossa educação
interfere na nossa escolha. A educação humana é fundamentalmente
social, envolve contato e comunicação, e, em termos morais, “a
pessoa madura, em certas ocasiões, não tem o direito de sonegar aos
mais jovens a capacidade de compreensão compatível com o que sua
própria experiência lhe proporcionou” (DEWEY, 2011, p. 39). E afirma
que as nossas experiências não se dão de dentro para fora, mas
dependem de condições externas, determinadas pelo ambiente. Por
isso o educador deve saber como se utilizar do ambiente, das
circunstâncias físicas e sociais existentes, para a construção de
experiências educativas válidas. E nisso, as condições objetivas da
educação podem ser submetidas a experiências internas do indivíduo
a ser educado. Devemos evitar divisões do mundo, pois num mundo
dividido preparamos a pessoa para ser insana. Tudo no mundo se
integra, por isso nossas experiências educacionais devem ser
integradas umas às outras, proporcionando a interação de um
indivíduo ao outro. O valor de qualquer educação não deve ser
abstrato, mas deve atender às necessidades do aprendiz, atendendo-
o no seu agora, mas que o prepare para experiências futuras. Com
esse cuidado, a preparação pode significar ajudar o aluno a
experimentar tudo aquilo do que ele já é capaz, partindo do seu
presente, pois é do nosso presente que podemos preparar o futuro,
como única preparação que conta ao longo da vida. Numa explicação
do próprio Dewey:
“De alguma maneira, o presente sempre afeto o futuro. As pessoas
que deveriam ter alguma ideia dessa conexão entre o presente e o
futuro são as que já alcançaram a maturidade. Consequentemente,
recai sobre essas pessoas a responsabilidade de estabelecer as
condições adequadas ao tipo de experiências presentes que produza
um efeito favorável sobre o futuro. A educação, como crescimento ou
amadurecimento, deve ser um processo contínuo e sempre
presente.” (DEWEY, 2011, p. 51).
As bases do pensamento de Dewey trazem ligações com o
pensamento de Rousseau. Ao transformar a escola numa miniatura
real do mundo existente, trazendo para dia-a-dia escolar problemas
existentes do mundo material ou social que envolvem as crianças e
que precisam de alguma solução, sensibilizando os estudantes para
um envolvimento na busca de soluções para eles, Dewey transforma
o jeito de ser da escola. O que era uma escola de transmissão de
saberes, transforma-se numa escola de diálogos e de buscas de
soluções para problemas do presente, onde os alunos devem se
envolver ativamente. A escola é para Dewey um laboratório para uma
sociedade democrática. Dessa sua experiência, baseado no learning
by doing, elaborou os seguintes passos para o ensino: atividade,
problema, dados, hipótese, experimentação. Numa explicação
fornecida por Ghiraldelli Jr.:
“Segundo os passos de Dewey, uma aula deveria começar colocando
os alunos livremente “em ação” (atividade). Da atividade os alunos
fatalmente deveriam surgir as dúvidas, as questões, as curiosidades
(problema). Para resolver os problemas surgidos, alunos professor
deveriam recorrer à pesquisa (coleta de dados), procurando material
nas bibliotecas, etc. Por fim, alunos e professor formulariam possíveis
soluções para o problema (hipótese). O último passo consistiria na
comprovação das hipóteses através da experimentação”
(GHIRALDELLI JR. 1987, p. 19-20).
O pensamento de Dewey influenciou muitos educadores do mundo
contemporâneo. Marcou o pensamento do americano William Heard
Kilpatrick (1871-1965) que se dedicou a desenvolver na escola o
método de projetos; do alemão Georg Kerschensteiner (1854-1932)
que se incumbiu de difundir o pensamento de John Dewey na
Alemanha; e ao brasileiro Anísio Teixeira que trouxe a Escola Nova
para o Brasil, desde a difusão do Manifesto da Escola Nova, divulgado
em 1932.
De um modo geral, pode-se ver que os relatos acima indicam que a
Escola Nova é fruto de várias iniciativas, cada uma com sua
característica peculiar, mas todas unidas pelo princípio de uma
educação ativa, a partir do qual o aluno deve se envolver nas ações
da sua aprendizagem. Um caminho pedagógico que dá ao aluno a
prioridade para a construção de currículos. Marca que se diferencia do
modo de ser da educação tradicional que é marcada por currículos
fixos, dando ao professor o lugar central para a transmissão de
informações aos alunos, que devem assistir às aulas e prestar conta
da aprendizagem adquirida, através de trabalhos ou provas.
É bom lembrar que muitas das experiências da Escola Nova foram
frutos de uma Pedagogia experimental, controlada e sistematizada,
iniciada no final do século XIX, direcionada principalmente para a
educação de crianças. Uma experiência que, a partir de 1946, passou
a ser exercitada com adultos, graças aos movimentos de educação de
adultos e da educação popular. Mas esse é o assunto da nossa
próxima aula.
Bibliografia:

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Comunicação e Cultura. Material preparado pelo Comunicação e
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Rua Castro e Silva 121 - 60030.010
Fortaleza. www.jornalescolar.org.br. Ou
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WOKLER, Robert. Rousseau. Trad. Denise Bottmann. Porto Alegre:
L&PM, 2012.

HORA DE PENSAR:

1. O que se repete no trabalho pedagógico de Heinrich Pestalozzi,


Friedrich Froebel, Maria Montessori, Ovide Decroly, Célestin
Freinet, Anton Makarenko e John Dewey?
2. Qual é a diferença pedagógica marcante entre os modos de
proceder da Escola Tradicional e a Escola Nova?
3. Quais são os passos de ensino da Escola Nova, de acordo com
John Dewey?
4. Todas as escolas novas são iguais? Explique-se.
5. Se coubesse a você a tarefa da definição conceitual da Escola
Nova, como ela seria definida?

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