347-Article Text-1051-1-10-20190916
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Farmacêuticas
Básica e Aplicada Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2011;32(2):217-223
Journal of Basic and Applied Pharmaceutical Sciences
ISSN 1808-4532
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Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas.Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
judicial, oriundas apenas de 660 destes pacientes (não Tabela 1. Medicamentos prescritos para faixa etária diferente da
foram computados nestes números pacientes que entraram recomendada de acordo com FDA e ANVISA.
com ações nos anos anteriores e que estavam recebendo Número de prescrições off label em que a faixa
o medicamento de forma ininterrupta durante o ano Medicamento etária prescrita foi diferente da recomendada Total
Foram consultados o Drugdex® e as Bulas dos seguintes laboratórios: Produtos Roche Químicos
e Farmacêuticos S.A; Bristol-Myers Squibb Farmacêutica S/A; Glaxosmithkline Brasil Ltda;
Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda; Schering-Plough Produtos Farmacêuticos Ltda; Laboratórios
Pfizer Ltda; Eli Lilly do Brasil Ltda; Astrazeneca do Brasil Ltda; Merck Sharp e Dohme
Farmaceutica Ltda; Genzyme do Brasil Ltda; Apsen Farmacêutica S/A; Zambon Laboratórios
Farmacêuticos Ltda; Shire Human Genetic Therapies Farmacêutica.
DISCUSSÃO
De acordo com os resultados obtidos neste no âmbito hospitalar. Recentemente, um estudo de análise
estudo, observa-se que os pacientes de menor idade estão de prescrições de pacientes pediátricos hospitalizados
envolvidos em um maior número de prescrições off label. no sul do Brasil constatou que aproximadamente 39%
Esse resultado confirma a afirmação de Roberts et al., tiveram, pelo menos, um medicamento de uso off label
(2003) de que o grupo etário mais jovem, como os recém- (Santos, 2009). Uma análise das demandas judiciais para
nascidos, é o mais afetado pela falta de informações sobre o fornecimento de medicamentos pela Secretaria de Estado
segurança e eficácia e que, diante desses aspectos, as de Saúde de Santa Catarina, realizada nos anos de 2003 e
prescrições normalmente são feitas na forma de tentativa 2004, revelou que o uso off label esteve presente em 42
e erro. Isso é preocupante e cada caso deve ser analisado processos (Pereira, 2009).
individualmente com relação aos riscos e benefícios. De Muitos medicamentos trazem a recomendação
acordo com os últimos dados divulgados pelo SINITOX em bula de que “Não é indicado para uso em crianças”,
(Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas), “Segurança e eficácia não foram estabelecidas em pacientes
os medicamentos, no ano de 2007, foram responsáveis por pediátricos”, “Este medicamento é contraindicado para
um total de 30,56% dos casos de intoxicação humana, paciente pediátrico” ou “O medicamento é destinado ao
sendo que crianças de até 14 anos se envolveram em uso em paciente adulto”. Apesar dessas informações claras,
13.750 (40,40%) casos (Ministério da Saúde, 2007). As muitos prescritores desconsideram tais advertências,
causas das intoxicações são variadas, no entanto, quando geralmente pela falta de opção terapêutica. Crianças,
não são realizados estudos definindo doses adequadas para especialmente as de menor idade - como demonstrado
determinada população, existe possibilidade da ocorrência neste estudo -, receberam medicamentos não aprovados em
de eventos adversos ou toxicidade. maior quantidade do que as de maior idade. O atual uso
A população pediátrica apresenta várias diferenças generalizado de produtos fora dessas condições pode ser
fisiológicas quando comparadas ao adulto e, de acordo com desvantajoso, com resultados imprevisíveis, ou pode ser
alguns autores, não devem ser tratadas como “homens e vantajoso, com o alcance do objetivo terapêutico.
mulheres em miniatura” ou “pequenos adultos” (Gazarian, Casos graves, com risco de morte em pacientes
2007; Giglio & Malozowski, 2004). As mudanças na hospitalizados (Carvalho et al., 2003) e pacientes não
proporção de gordura, proteínas e teor de água corporal, além responsivos à terapia padrão ou sem alternativas de
de alterações específicas no desenvolvimento dos órgãos, tratamento, podem ser justificativa viável para esse tipo de
acompanham o crescimento, influenciando diretamente prescrição (Tabarrok, 2009). Alguns autores reportam que,
a eficácia, a toxicidade e as doses utilizadas (WHO, no caso de doenças raras sem opções terapêuticas, o uso é
2007). Em resumo, encontram-se importantes diferenças justificável caso esteja inserido no contexto de uma pesquisa
farmacocinéticas e farmacodinâmicas associadas, clínica, com assinatura de termo de consentimento livre e
principalmente, com o crescimento, desenvolvimento esclarecido (Wannmacher, 2007). Dentre os documentos
e processos metabólicos. Além disso, alguns efeitos só constantes nas solicitações analisadas no presente estudo,
poderão ser observados na população pediátrica devido aos não foi localizado esse tipo de documento. Esta pesquisa
aspectos exclusivos da infância ou por causa das diferentes limita-se ao fato de que, muitas vezes, se esses documentos
patologias que possam afetar apenas esta população existem, não são encaminhados ao CEMEPAR.
(Gazarian, 2007; Sturkenboom et al., 2008). Conforme demonstrado na Tabela 2, pode-se
Do total de 18 medicamentos envolvidos nas observar que os medicamentos foram prescritos para
prescrições para faixa etária diferente da recomendada doenças graves não comuns na população. Esse fato, de
(Tabela 1), observa-se divergência relacionada somente acordo com o que já foi exposto, pode justificar o uso de
à prescrição de temozolomida, que não é recomendada forma off label, tendo em vista que o médico avalia o risco
pela FDA para pacientes pediátricos, mas que a ANVISA benefício da terapia. No entanto, não deve ser o único critério
autorizou seu uso em paciente acima de três anos de a ser analisado. A preferência por opções de tratamento já
idade. A literatura reporta que um medicamento pode ter consagradas não deve ser substituída por tratamentos não
status de off label em um país e não ter em outro (Anvisa, aprovados se não estiverem no contexto de uma pesquisa
2005). Esse fato está relacionado à análise que é realizada clínica. Outra justificativa para o uso é quando o paciente
pelos profissionais dos órgãos regulamentadores nas não está respondendo à terapia convencional e o uso off
documentações relacionadas aos estudos clínicos que são label, na ausência de outras opções, é uma alternativa.
apresentadas pelo fabricante no momento da solicitação do A falta de forma farmacêutica adequada pode ser
registro. Cada órgão tem autonomia em seu país de avaliar problema no momento da administração, quando se opta
pelo uso de um medicamento que não tem aprovação para
os estudos e aprovar ou não determinado medicamento, o
a pediatria. De acordo com a Tabela 1, a sildenafila é o
que ocorre com a temozolomida. medicamento encontrado em maior número de solicitações
Na Europa, calcula-se que uma média acima de 50% prescritas para faixa etária não recomendada (23,33%).
dos medicamentos utilizados em crianças nunca foi avaliada No Brasil, a ANVISA aprovou o uso do medicamento
nessa população (Duarte, 2006). Números como esse para tratamento da disfunção erétil e hipertensão arterial
incentivaram a União Europeia a exigir, a partir de 2007, a pulmonar em pacientes adultos. O fabricante disponibiliza
realização de estudos em crianças para que medicamentos no mercado comprimidos de 20, 25, 50 e 100 mg de citrato
novos sejam comercializados (Dunne, 2007; Auby, 2008; de sildenafila. Apesar de não aprovado para menores de
EMEA, 2009; Mühlbauer et al., 2009). No Brasil, pelo 18 anos, eles são amplamente utilizados em crianças com
fato de o tema ainda ser pouco discutido, não existe uma Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) pelo fato de ser
visão geral sobre o uso off label. São poucos os trabalhos situação clínica de elevada gravidade, que pode levar o
publicados e, desses, a maior parte envolve somente o uso paciente ao óbito (Lapa et al., 2006).
Para crianças e adultos com dificuldade de com que o médico continue a prescrever de forma off label
deglutição, que não possuem apresentação farmacêutica baseado em sua experiência. Existem casos em que essa
adequada (líquida) para administração, é comum indicação nunca será aprovada por uma agência reguladora,
práticas que incluem o fracionamento ou trituração do como em doenças raras cujo tratamento medicamentoso
comprimido e abertura das cápsulas para a administração só é respaldado por séries de casos, e tais indicações
oral. Um estudo analisou preparações em pó realizadas possivelmente nunca constarão da bula do medicamento
por farmácias que prepararam o medicamento que seria (Anvisa, 2005). Observa-se, dentro das solicitações
utilizado em hospitais no Rio de Janeiro e concluiu que encaminhadas ao CEMEPAR, vários casos de doenças raras
a maioria dos pacientes que necessitam de tratamento é acometendo a população pediátrica, o que pode justificar o
passível de não receber a dose correta, sendo difícil prever uso do medicamento com base em evidencias clínicas.
as consequências dessa prática (Souza et al., 2009). O fato No entanto, é de grande importância que essa
é que não existe padronização de preparo e a manipulação experiência seja documentada, publicada e que os gestores
de uma forma líquida a partir da sólida pode ser feita de do SUS recebam informações sobre essas terapias, pois
diversas formas. Desse modo, o fármaco é incorporado a não divulgação dos resultados obtidos faz com que o
em bases padrão sem qualquer estudo que comprove que medicamento seja utilizado inúmeras vezes em diversos
o mesmo será absorvido adequadamente ou que permaneça locais de forma diferente para a mesma situação. Os
estável durante o período de tratamento, além de não ser gestores federais e estaduais do SUS devem acompanhar
conhecido se está presente na quantidade adequada. Nesse sistematicamente as respostas do paciente ao tratamento,
contexto, conclui-se que a imprecisão da dose pode levar coletar informações e analisar as propostas para regular
à diminuição da eficácia, ocorrência de eventos adversos, certos usos, bem como outras propostas de medidas
reações idiossincráticas, toxicidade e, até mesmo, mortes. políticas que podem diminuir os riscos e prescrições
Uma dose padronizada para a idade geralmente ineficazes (Dresser & Frader, 2009). Acrescenta-se a isso
não é encontrada na literatura, tendo em vista ser um uso que pacientes que utilizam medicamentos dessa forma
não aprovado. Em algumas fontes, como a base de dados devem estar em constante monitoração para detecção de
Drugdex da Micromedex editora (Hutchison & Shahan, eventos adversos. Nessa perspectiva, o uso off label de
2009), pode ser localizada informação sobre alguns usos medicamentos poderá beneficiar um número maior de
off label, como dose ou indicação obtidas a partir de pacientes, com padronização de condutas e definição de
ensaios clínicos. Porém, o acesso a certas fontes é restrito a novos protocolos clínicos financiados pelo SUS.
assinantes, como é o caso da referida base de dados.
O cálculo da dose do medicamento que o médico ABSTRACT
faz normalmente é baseado no peso do paciente e a opção
por esta terapia está relacionada ao risco benefício para Off label use of medicines in children and adolescents
determinada condição clínica. Muitos artigos de relatos de
casos são publicados nas revistas científicas, mostrando Noting the definition of off-label use (ie, when a drug
resultados positivos de determinada terapia, e, com base is indicated for a patient with a condition for which
nessas informações, ou seja, na Medicina Baseada em it has not been authorized by the regulatory agency of
Evidências (MBE), é que o médico encontra respaldo para the country), the aim of this study was to identify
a prescrição de uma indicação não aprovada pela agência the presence of this type of prescription, at variance
regulatória de medicamentos de um país. A MBE é definida with the recommendations of the FDA and (in Brazil)
como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica, ANVISA, for children and adolescents from birth up to
utilizando provas científicas existentes e disponíveis no 18 years of age. To this end, the requests for drugs made
momento sobre sua efetividade (El Dib, 2007). by court order to CEMEPAR / SESA-PR (Paraná State
Baseados no artigo no 196 da Constituição da Medicine Center) in 2008 have been analyzed. A total
República Federativa do Brasil (“a saúde é direito de todos of 934 requests were filed, out of which 142 (15.20%)
e dever do Estado...”) (Brasil, 1988), pacientes recorrem contained indications other than the recommended
à justiça para garantir o fornecimento de medicamentos ones, according to information from FDA, and another
que não são ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) 112 (12%) indicated a use conflicting with information
ou medicamento de alto custo disponível em programas from ANVISA. Out of the prescriptions analyzed,
financiados pelo Governo, cujo fornecimento tenha 22.54% were for patients whose age differed from the
sido recusado tendo em vista o não enquadramento nos range recommended by FDA and 26.79% from the
protocolos clínicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. ANVISA range. Considering the importance of the issue
Nesse caso, o não fornecimento geralmente é justificado to public health, the study highlights the need to spread
pela falta de evidências sobre segurança e eficácia no uso information on the regulations on these practices in
do medicamento para a faixa etária prescrita ou doença. Brazil.
Diante de todos os aspectos mencionados, no atual Keywords: ANVISA. Package insert. Safety. Children.
sistema o estado é obrigado, por ordem judicial, a fornecer
um medicamento algumas vezes sem comprovação de
sua eficácia e segurança, beneficiando poucos pacientes REFERÊNCIAS
em detrimento da coletividade ou da saúde pública.
Ressalta-se que nem todos os tratamentos são inseguros ou Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
incorretos e que, em muitos casos, os clínicos observam Medicamentos. [Internet] Como a Anvisa vê o uso off label
melhoras significativas no quadro do paciente, o que faz de medicamentos 2005. [citado 2009 Jul 15]. Disponível