Analise de Bulas Medicamentos Na Gestação
Analise de Bulas Medicamentos Na Gestação
Analise de Bulas Medicamentos Na Gestação
RESUMO. Este trabalho avaliou medicamentos de risco na gravidez e lactação comercializados no Brasil
a partir da análise de bulas. Utilizou-se a classificação de risco conhecido na gravidez e lactação adotada
pela FDA e atualizada por Briggs e colaboradores. Das 358 bulas analisadas, apenas quatro informavam a
classificação de risco na gravidez. Das 196 especialidades farmacêuticas classificadas como de risco na lac-
tação, 94 (48%) informavam a contra-indicação e somente seis (3%) apresentaram informações sobre pos-
síveis reações adversas para o lactente. Essas falhas, entre outras apontadas neste estudo, são preocupan-
tes, na medida em que não alertam aos prescritores sobre o uso correto de medicamentos, podendo condu-
zir a erros de prescrição e, conseqüentemente, causar danos à saúde da gestante, feto e criança.
SUMMARY. “Medicaments of risk in pregnancy and lactation marketed in Brazil: an analysis of the bula con-
tents”. This paper presents an evaluation of medicaments marketed in Brazil that represents a risk in pregnant
and breast-feeding women through the analysis of the bula information contents. For this objective, the classifi-
cation of known risk in pregnancy and lactation adopted by the FDA was used. Of the 358 bulae analyzed, only
four informed about the risk category in pregnancy. Of the 196 bulae of medicines that are classified as risk for
the breast-feeding women, 94 (48%) informed such contraindication and only six (3%) presented information
about adverse reactions in infants. These and others omissions observed in the bulae analyzed in this study, char-
acterizes a risky situation, inasmuch they are not able to alert the doctors about the careful use of these medica-
ments, favoring prescribing errors and causing damages for pregnant woman, fetus and infant.
Food and Drug Administration (FDA), cerca de qüência de administração 8,10. É necessário ain-
dois terços dos medicamentos aprovados na- da considerar as mudanças fisiológicas próprias
quele país estão classificados na categoria C, ou da gestação (aumento do volume plasmático e
seja, não foram estudados em grávidas humanas da depuração renal, entre outros) que podem
e não há estudos em animais, ou aqueles reali- afetar a farmacocinética dos medicamentos alte-
zados revelaram efeitos adversos. Menos de 1% rando sua eficácia e toxicidade.
dos medicamentos são registrados na categoria As informações encontradas na literatura so-
A e, portanto são considerados de uso seguro bre a lactação recomendam também a restrição
na gestação com base em estudos controlados ao uso de diversos medicamentos nessa fase,
realizados em mulheres grávidas 4,5. Em geral, as uma vez que podem ser excretados no leite e
informações sobre os efeitos na gravidez huma- causar efeitos adversos na criança, ou ainda, ini-
na tornam-se disponíveis após a comerciali- bir ou estimular a lactação. Embora o conheci-
zação dos produtos, por meio de relatos indivi- mento sobre a relação entre medicamentos e
duais de anomalias congênitas, relatos de casos amamentação tenha aumentado, ainda se des-
clínicos, estudos epidemiológicos e sistemas de conhece o efeito de muitos fármacos utilizados
notificação de eventos adversos 6. É o caso, por pela nutriz. Além da necessidade de prevenir o
exemplo, do misoprostol, um medicamento an- uso de medicamentos incompatíveis com a lac-
ti-úlcera cuja teratogenicidade foi conhecida em tação, salienta-se a importância de evitar a inte-
decorrência do uso indiscriminado como aborti- rrupção desnecessária da amamentação movida
vo no Brasil 7. pelo receio dos profissionais quanto aos efeitos
A maioria das informações disponíveis sobre adversos. Os esforços devem assegurar que o
medicamentos de riscos na gravidez relaciona-se tratamento materno seja indicado quando neces-
com o efeito teratogênico. Embora a etiologia sário, e então selecionar o medicamento compa-
das malformações congênitas seja em grande tível com o aleitamento 11, ou caso a relação
parte desconhecida, estima-se que de 2 a 5% custo-benefício justifique, interromper a ama-
são associadas aos medicamentos 8 e, portanto, mentação e garantir o tratamento da lactante. A
potencialmente evitáveis. Outros efeitos impor- segurança de certos medicamentos depende da
tantes são: morte fetal, retardo no crescimento, idade da criança e especial precaução deve ser
toxicidade funcional e materna e complicações considerada no uso de medicamentos em
no parto 9. De modo geral, os efeitos dependem crianças prematuras e em menores de 1 mês de
do fármaco, da idade gestacional, da dose e fre- idade 12.
Categoria A Estudos controlados realizados não demonstraram riscos para o feto durante o primeiro trimestre
de gravidez, nem existem evidências de riscos em trimestres posteriores, sendo improvável possi-
bilidade de teratogênese.
Categoria D Existem claras evidências de risco teratogênico, mas os benefícios acarretados com o uso possam
torná-los aceitáveis.
Categoria X Os estudos em animais ou em humanos demonstraram evidentes risco de teratogênese, o que cla-
ramente supera o possível benefício em mulheres grávidas. Os medicamentos dessa categoria
estão contra-indicados em mulheres que estão ou possam ficar grávidas.
Tabela 1. Classificação de Risco dos Medicamentos para Uso na Gravidez. Fonte: Briggs et al. 13.
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Mudança
Risco de Significado
Classificação
D* B - de acordo c/ o produtor
Tabela 2. Classificação de Risco dos Medicamentos em Condições Especiais.* Condições de uso que modificam
a classificação: a) o período da gestação em que o medicamento é utilizado; e b) a dose e a posologia empre-
gada. Fonte: Briggs et al. 13.
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RIBEIRO M.S. de S., NUNES R.N., DA SILVA C.D.C., SUDO E.C., MOTA D.M. & COELHO H.L.L.
ginários das categorias D, X, A* e B*. Dessa for- medicamento na lactação, presente em alguma
ma, a amostra foi composta de 617 especialida- parte da bula.
des farmacêuticas, sendo analisadas 358 (58,0%) 2. Informação sobre reações adversas no lac-
bulas. Sempre que possível, procurou-se sele- tente.
cionar 50% das especialidades produzidas por 3. Informação sobre reações adversas na lac-
laboratórios nacionais. Assim, o número total tação.
analisado de especialidades farmacêuticas ficou 4. Informação sobre estudos em animais
distribuído da seguinte forma: categoria A*, 14 e/ou em humanos.
(3,9%); B*, 11 (3,1%); C, 217 (60,6%); D, 91
(25,4%) e a categoria X, 25 (7,0%). Coleta de bulas
A maior parte das bulas foi coletada em hos-
Amostragem para análise de bulas de medica- pitais públicos e privados. Outras fontes foram
mentos de risco na lactação os sites dos laboratórios farmacêuticos. Foram
Foram selecionados 81 fármacos classificados coletadas bulas de apenas 58,0% (358) das 617
como de risco na lactação, de acordo com Ame- especialidades da amostra de medicamentos de
rican Academy of Pediatrics 17, Briggs et al. 13 e risco na gravidez e de 100% das especialidades
Lima 18. Os referidos autores classificam os fár- da amostra de medicamentos de risco na lac-
macos em quatro grupos, a saber: 1. Totalmente tação. O período de coleta das bulas foi de ju-
contra-indicados; 2. Utilizados com cautela; 3. lho de 2000 a maio de 2001.
Compatíveis com a amamentação; 4. Infor-
mações ainda insuficientes quanto ao seu po- Estruturação e análise do banco de dados
tencial de risco. Neste estudo os fármacos consi- Foi estruturado um banco de dados com o
derados como de risco na lactação foram os do auxílio do programa Epi-info 6.02 em que as in-
grupo 1 e 2. A amostra foi composta de 196 es- formações foram inseridas e avaliadas estatisti-
pecialidades farmacêuticas que correspondeu à camente.
seleção de, no máximo, quatro especialidades
para cada fármaco classificado como de risco na
lactação. Das 196 especialidades, 133 (67,9%) RESULTADOS
apresentavam um princípio ativo e 63 (32,1%) Analisou-se um total de 554 bulas, sendo 358
eram associações. correspondentes a especialidades de risco na
gravidez e 196 de risco apenas para a lactação.
Parâmetros para análise das bulas Gravidez
Os parâmetros para análise das bulas foram Do total de 358 bulas das especialidades far-
construídos de acordo com os dados do PDR - macêuticas analisadas (risco A*, B*, C, D e X),
Physicians Desk Reference 19 e USP DI - Drug apenas quatro informavam a classificação de ris-
Information for the Health Care Professional 20, co, sendo que duas informavam categorias dife-
e em informações pesquisadas nos livros-texto rentes da FDA - as bulas informavam a categoria
Martindale 21 e Briggs et al. 13. B, enquanto a categoria correta seria a C.
a) Parâmetros para análise das bulas de
Conforme a Tabela 3, das 358 bulas analisa-
medicamentos com restrição de uso das, 238 (66,5%) apresentavam a frase: “Contra-
na gravidez: indicado na Gravidez” ou a palavra gravidez es-
1. Informação sobre a contra-indicação do tava incluída no item “Contra-indicações” ou em
medicamento na gravidez. outros itens como “Precauções” ou “Advertên-
2. Período da gravidez em que o produto é cias”, enquanto que 64 (17,9%) apenas sugeriam
contra-indicado. a contra-indicação e 56 (15,6%) não informa-
3. Local onde estava inserida a informação. vam. Quanto ao período da gravidez em que o
4. Destaque dado à contra-indicação na bula. produto era contra-indicado, somente 85
5. (In) suficiência de informações sobre rea- (23,7%) especialidades farmacêuticas forneciam
ções adversas comparadas com a literatura ana- essa informação.
lisada. Observou-se ainda, em relação ao destaque
6. (In) suficiência de informações sobre estu- dado à contra-indicação, que: 37 (10,0%) bulas
dos em animais comparadas com a literatura apresentaram a contra-indicação em um pará-
analisada. grafo, 214 (60,0%) destacaram-nas de duas ma-
b) Parâmetros para análise das bulas de neiras (por exemplo, negrito e letra maior), 32
medicamentos com restrição de uso na lactação: (9,0%) por meio de três tipos de destaque (por
1. Informação sobre a contra-indicação do exemplo, parágrafo, negrito e letra maior) e 75
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(21,0%) não deram nenhum destaque à contra- insuficientes, quando comparadas à literatura
indicação. consultada (Tabela 3).
Em relação ao local da bula em que a infor- No quesito referente à citação de estudos em
mação estava inserida, 87 (29,0%) encontravam- animais, somente 105 (29,3%) dentre as 358 es-
se no item gravidez, 37 (12,3%) no item pre- pecialidades farmacêuticas analisadas informa-
cauções, 38 (12,6%) em contra-indicação, 5 vam a existência de estudos descrevendo efeitos
(1,6%) em advertências, 10 (3,3%) especialida- adversos em animais durante a gestação, bem
des contra-indicaram em outros itens da bula, como parto prematuro ou retardo no desenvol-
94 (31,2%) contra-indicaram em dois itens de vimento do feto/embrião e diminuição do peso
sua bula e 30 (9,9%) em três ou mais itens da das crias; 253 (70,7%) especialidades farmacêuti-
bula (Tabela 3). Vale salientar que 57 (9,1%) de- cas não informavam a existência de tais estudos.
las não apresentaram informações sobre contra- Das 105 especialidades que informavam 37
indicação dos medicamentos. (10,3%) apresentavam informação suficiente, en-
Quanto à referência a evidências de reações quanto que 68 (19,0%) apresentavam infor-
adversas no feto, ou seja, citação de estudos ou mação insuficiente, segundo a literatura consul-
publicações existentes descrevendo efeitos des- tada (Tabela 3). Dentre os grupos terapêuticos
sa natureza verificou-se que 160 (44,7%) das 358 que mais falhas tiveram em suas bulas com re-
bulas analisadas citavam alguma evidência. Das lação aos aspectos desta análise destacam-se,
160 especialidades farmacêuticas que informa- em ordem de frequência: antibióticos, antihiper-
vam a existência de estudos, 36 (10,1%) apre- tensivos, antineoplásicos, corticoesteróides, con-
sentavam informações suficientes e 124 (34,6%) traceptivos e neurolépticos.
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RIBEIRO M.S. de S., NUNES R.N., DA SILVA C.D.C., SUDO E.C., MOTA D.M. & COELHO H.L.L.
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RIBEIRO M.S. de S., NUNES R.N., DA SILVA C.D.C., SUDO E.C., MOTA D.M. & COELHO H.L.L.
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