12 Des 2016 MS
12 Des 2016 MS
12 Des 2016 MS
NA CIDADE DE MAPUTO
REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA HABITACIONAL,
A POLÍTICA SOCIAL DE HABITAÇÃO E A EXCLUSÃO
SOCIAL
Michael Godet Sambo
INTRODUÇÃO
O acesso à habitação condigna é uma necessidade com a qual a população de Maputo se depara
desde os primeiros anos após a independência nacional em Junho de 1975. Com a ocupação
arbitrária das casas deixadas pelo colono e a subsequente nacionalização e regulamentação da
ocupação, em 1977 já se registava um excesso da procura por casas (Forjaz, 1984), facto que foi
agudizado pelo deflagrar da guerra civil (1987-1992). Esta guerra acelerou significativamente o
êxodo rural e sobretudo a emigração para a cidade capital, aumentando a pressão sobre a oferta
de imóveis, o que resultou na concentração de famílias em espaços relativamente pequenos e
consequente sobrelotação de alguns edifícios residenciais, bem como no despontar de constru-
ções anárquicas sobre os prédios residenciais (vide Barros, Chivangue & Samagaio, 2013; Allen
& Johnsen, 2008). Com o Acordo Geral de Paz (AGP), em Outubro de 1992, e a transição do
sistema económico socialista para o sistema de economia de mercado aliados à estabilidade
«sociopolítica» e económica, verificou-se um elevado crescimento de investimentos aprovados
pelo Centro de Promoção de Investimentos (CPI), entre outros, na área de construção em
Maputo. Como resultado, tem-se verificado, nos últimos anos, a gentrificação de alguns bairros
periféricos da cidade de Maputo.
A gentrificação no contexto de Maputo alinha-se à definição de R. Glass (1964, apud Smith,
2002: 438), que refere a ocupação e transformação paulatina dos bairros pobres de classes
trabalhadoras por pessoas de classe média alta, que os transformam em bairros e residências
modernos e caros (vide Smith, 2002: 438). O fenómeno de gentrificação, que em Maputo
tende a acompanhar o crescimento económico do País, caracteriza-se principalmente pela
emergência de novos e modernos edifícios nas zonas centrais e adjacentes à cidade. Mesmo
assim, a cidade ainda mantém a sua estrutura dual, que data do período colonial. A caracte-
rização dual da capital reside no facto de no seu centro existirem edifícios relativamente
modernos com prédios altos e luxuosos, e à volta bairros e subúrbios de construções precárias,
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Ocupação informal antes da independência
2
Arrendamento informal
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INFORMAL 77
Oferta informal
29
Compra informal
22
Informal através da administração local
2
Informal através do Conselho Municipal de Maputo
7
Formal através do reassentamento
FORMAL 23
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Aquisição formal através do Conselho Municipal de Maputo
0 5 10 15 20 25 30
A Figura 1 mostra que o acesso à terra até em 2002 foi principalmente feito por mecanismos
informais. Mais concretamente, o acesso por via informal constituía 77%, contra os 23% iden-
tificados como tendo acedido formalmente à terra, segundo o relatório de consultoria publicado
no site do município de Maputo (Banco Mundial, 2009). Além do mais, nota-se que a compra
informal dominou os mecanismos de acesso informal, seguido do acesso informal através das
administrações locais. Embora não haja dados correntes sobre estas formas de acesso à terra,
o mais provável é que as aquisições informais tenham continuado a ser as dominantes, por
serem a forma mais acessível de a população com baixo rendimento aceder à terra. Consequen-
temente, pode pensar-se que o acesso à terra em Maputo continua a ser feito, maioritariamente,
de forma informal, apesar dos crescentes esforços das entidades municipais em controlar os
novos acessos.
Governo
40 567 104
7 615 574 26 018 964 57 422 269 29 838 014 85 221 246
8 410 790
Tendo em conta que os subúrbios e bairros nas redondezas de Maputo são habitados por famílias
de médio e baixo rendimento, que vendem a sua força de trabalho nas regiões centrais da cidade,
pode depreender-se as consequências das respectivas deslocações para locais longínquos. Para além
de muitas destas famílias já se terem desligado do trabalho agrícola, os espaços que passam a ocupar
não dispõem de margens consideráveis para agricultura familiar que as sustente, e os meios de trans-
porte interurbanos continuam a funcionar com limitações. Por conseguinte, a sua exclusão social
agudiza-se. Se a maioria da população afectada pela gentrificação é constituída por pessoas com
baixo rendimento, que sobrevivem do trabalho informal, doméstico e com salários mínimos no
sector formal em áreas como segurança, guardas-nocturnos, polícias, varredores de rua, etc.2 (vide
Figura 4), implica que tenham também fraca capacidade financeira de contornar as dificuldades
emergentes. Daí a possibilidade de perda dos seus empregos e de fontes alternativas de rendimento,
a degradação das condições de acesso aos serviços básicos de saúde, educação, segurança, vias de
acesso, iluminação e água potável. De salientar que estes aspectos são de particular importância para
a formação de capital humano, em concordância com a segunda prioridade do PQG. Ou seja, a
gentrificação, que é uma consequência do ineficiente sistema de habitação e da dúbia e ineficaz polí-
tica social de habitação, pode resultar em marginalização e pauperização das famílias com baixo
rendimento.
Adicionalmente, como foi descrito por Bagchi (2000) na sua revisão do trabalho de Amartya
Sen Capability Approach, «a falta de habitação [condigna], a fome e ausência do bem mais pre-
cioso — o respeito» — caberiam todos na análise de Sen sobre a privação das capacidades (Bagchi,
2000: 4412). Deste modo, a venda das casas apenas resolve, temporariamente, as suas situações
de carência, que mais tarde se tornam piores, tanto pelas difíceis condições de transporte como
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Estas são algumas características constatadas durante uma pesquisa de campo anterior incluindo entrevistas a residentes
daqueles bairros. O referido trabalho de terreno decorreu no período entre Setembro e Novembro de 2013.
FIGURA 4. GRUPOS POPULACIONAIS POR RENDIMENTOS ESTIMADOS NA BASE MENSAL POR FAMÍLIA,
EM RELAÇÃO À POPULAÇÃO TOTAL (URBANA E RURAL), EM USD
CONCLUSÕES E DESAFIOS
Este artigo argumentou que a complexidade e a onerosidade do sistema de habitação moçam-
bicano, bem como a ambiguidade da política social de habitação, contribuem de forma