Adultez Emergente
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RESUMO
O estudo teve por objetivo examinar as percepções de jovens adultos sobre os desafios e as oportunidades vivenciados
na transição para a vida adulta e as mudanças ocorridas nas relações com os membros da família. Trata-se de um
estudo exploratório com abordagem qualitativa que utilizou a técnica de coleta de dados com grupo focal e análise de
conteúdo. Participaram 13 jovens adultos (idade entre 20 e 28 anos), sendo sete mulheres e seis homens do estado do
Rio de Janeiro. Os resultados indicaram que as trajetórias vivenciadas pelos jovens adultos são plurais e influenciadas
por suas condições socioculturais e econômicas. A permanência prolongada na residência parental pode resultar tanto
em conflitos e sentimentos de ambivalência quanto em solidariedade intergeracional entre os membros da família. As
informações obtidas com o estudo poderão auxiliar futuros programas de intervenção preventivos e de promoção de
saúde mental com os jovens adultos e seus familiares.
Palavras-chave: Transição para a vida adulta, Relações pais e filhos, Grupo focal.
ABSTRACT
This study aimed at understanding the perceptions of young adults regarding the transition to adulthood and the
changes in relationships with family members during this period of the life cycle. This is a qualitative exploratory
study, which used data collection with focus groups and posterior content analysis. The participants were 13 young
adults (aged between 20 and 28 years old), seven of which were women and six were men, all from the state of Rio
de Janeiro. The results indicated that the trajectories experienced by young adults are plural and influenced by their
socio-cultural and economic conditions. Prolonged periods in the parental home can result both in conflicts and in
feelings of ambivalence in intergenerational solidarity amongst family members. The information obtained from the
study may help future preventive intervention programs and mental health promotion programs with young adults
and their families.
Keywords: Transition to adulthood, parent-child relationship, focus group.
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contexto (exemplos de falas),1 e alocadas do mês, sim. Porque tem que pagar contas.
organizadas em categorias que emergiram a Os primeiros quinze dias é mais tranquilo”
partir das unidades de contexto (Franco, 2012). (H). Tais aspectos são mais evidenciados nos
As categorias analisadas foram: 1. Desafios e jovens adultos de baixo NSE. As demandas
oportunidades: relatos dos jovens que indicam e responsabilidades que surgem na transição
insegurança com o que está por vir e o medo para a vida adulta afetam o comportamento
que eles sentem em relação às decisões que dos jovens e são influenciadas dependendo
deverão ser tomadas no momento presente do contexto social e histórico (Monteiro
e no futuro; 2. Conflitos e renegociações entre pais et al., 2009). Assim, a análise dos desafios
e filhos: relatos que indicam dificuldades de e oportunidades que acometem os jovens
compreensão e de relacionamento entre os adultos deve transcender alterações biológicas
jovens adultos e os seus pais, assim como e maturacionais e considerar a forma como a
falas que demonstram uma relação pautada sociedade organiza suas instituições políticas
por maior respeito e empatia e menor e educacionais, definindo cronologicamente
autoritarismo dos pais em relação aos filhos. que, a partir dos 18 anos, a pessoa deixa de ser
adolescente e passa a ser adulto, assumindo
Resultados e discussão novas responsabilidades (Trancoso & Oliveira,
Desafios e oportunidades 2014).
A transição da adolescência para a Em contrapartida, o fenômeno da
vida adulta é marcada pelas novas maneiras adultez emergente (AE) decorre de fatores
de os jovens terem de lidar com as situações macrossociais, tais como maior instabilidade
interpessoais e profissionais (Andrade, 2010; profissional, que leva ao prolongamento dos
Dutra-Thomé & Koller, 2014; Ponciano estudos e inserção tardia de jovens de classes
& Féres-Carneiro, 2014). Evidentemente médias no mercado de trabalho (Galambos
que numa sociedade caracterizada pela & Martínez, 2007; Oliveira et al., 2014).
desigualdade social, como é o caso do Brasil, Esses jovens tendem a manter dependências
a vida adulta será diversa para os jovens de econômica, residencial e emocional da família
níveis socioeconômicos, gênero e etnias que resultam em algumas características. Os
diferentes (Guerreiro & Abrantes, 2005; adultos emergentes manifestam a necessidade
Waiselfisz, 2013). Nessa direção, foram de explorar suas identidades, são mais focados
identificadas falas nas quais ser adulto está em si, o que faz com que eles não assumam
relacionado a entrar no mundo do trabalho, muitos compromissos com outras pessoas,
assim como às responsabilidades financeiras possibilitando-os ter maior autonomia na
que os jovens não tinham antes e passaram gestão das próprias vidas (Arnett, 2007, 2011).
a ter devido ao acúmulo de funções e novos Também expressam sentimentos de estar
papéis sociais: “Eu me sinto adulta pelo fato entre as fases da adolescência e a fase adulta
da responsabilidade que eu adquiri. Porque é e, por fim, observam mais possibilidades
estágio, trabalho, faculdade” (M). “No final otimistas em relação ao futuro, mas vivenciam
maior instabilidade em aspectos profissionais
1 M: sexo feminino, H: sexo masculino.
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e interpessoais (Arnett, 2007, 2011). a vida adulta de forma diferente dos seus
Contudo, indo ao encontro de outras pares com melhores condições econômicas.
pesquisas (Andrade, 2010, Coimbra & Para os jovens de baixa renda, existe a
Mendonça, 2013; Dutra-Tomé & Koller, 2014), necessidade de se preocupar com as questões
os participantes do presente estudo parecem de subsistência próprias e de suas famílias,
não vivenciar a AE, relatando significados em vez de experimentar novas possibilidades,
a respeito do mundo do trabalho (Dib & não podendo adiar sua inserção no mercado
Castro, 2010). Isto é, dependendo do contexto de trabalho (Barros, 2009). Para tais jovens
socioeconômico, jovens adultos assumem adultos, estudar exclusivamente não é uma
papéis de status de adulto que diferem dos opção (Coimbra & Mendonça, 2013).
processos de desenvolvimento típicos dos As dificuldades de inserção no mercado
adultos emergentes (Andrade, 2010; Monteiro de trabalho e a instabilidade profissional
et al., 2009). Diferentemente, nos contextos podem gerar relatos de medo e angústia
urbanos das sociedades industrializadas, de nos jovens adultos. Isso fica evidenciado no
modo geral, o que diferencia os adultos dos trecho a seguir: “São os ‘nãos’ que a gente
adolescentes das classes socioeconômicas vai encontrar. A gente vai procurar em um
favoráveis é que esses últimos não precisam lugar e com certeza vai ouvir um ‘não’. Na
assumir responsabilidades financeiras e questão de emprego mesmo, porque a gente
profissionais, dedicando-se apenas aos estudos para ter estabilidade vai começar por baixo.
(Dutra-Thomé & Koller, 2014; Monteiro et al., Difícil a gente começar por cima. Aí, até achar
2009) um ‘sim’. Essa é a que eu acho que é a maior
Nos trechos a seguir, percebe-se o dificuldade” (H). “Eu tenho medo de nada dar
impacto de situações sociais desfavoráveis e certo e ter que voltar morar com minha mãe.
como estas acometem jovens de baixo NSE. Imagina? Não deu certo, mãe, voltei” (M).
Tais situações trazem novas tarefas para a Nesse âmbito, parece que o projeto
vida dos jovens e algumas fazem com que eles de vida não precisa ser feito em longo prazo,
absorvam responsabilidades mais cedo (XXX): como pode ser notado na fala do jovem a
“Eu fui obrigada a me tornar adulta. Eu com seguir: “Porque eu não penso muito no futuro,
16, 17 anos não tinha cabeça de adolescente, não. Eu penso no agora” (H). Por sua vez, o
de sair pra badalar, farra, desculpa a expressão, relato dessa jovem sugere certa indefinição:
‘pegação’. Marcou muito isso. A questão de “Vou terminar a faculdade em 2017. Aí já
você começar a trabalhar e você não poder começa a pensar na carreira. O que eu vou
optar. Por fazer a faculdade, me especializar querer. Se eu vou querer continuar a carreira,
e depois eu vou trabalhar. Não. Eu tenho que chegar ao pós-doutorado. Voltar pra minha
trabalhar” (M). cidade. Se eu vou querer ser dona de escola”
Galambos & Martínez (2007) (M).
relataram que para muitos jovens a pobreza e Na elaboração do projeto de vida,
as poucas oportunidades educacionais fazem alguns jovens necessitam (e podem), por vezes,
com que eles experimentem a transição para ter de adiar algumas responsabilidades, visando
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à obtenção de um diploma universitário para autonomia financeira pode fazer com que
ter uma melhor colocação no mercado de os jovens continuem mais tempo morando
trabalho (Barros, 2009; Trancoso & Oliveira, com os familiares (Henriques et al., 2011;
2014). Contudo, o prolongamento da vida Johson, 2013). Essa permanência longa pode
acadêmica nem sempre garante a obtenção de gerar aprendizagens para todos, porém não é
emprego e a constituição da família. De fato, a isenta de conflitos e ambiguidades (Coimbra
inserção num mercado de trabalho produtivo & Mendonça, 2013; Henriques et al., 2011;
e competitivo, a construção de um projeto de Ponciano & Féres-Carneiro, 2014). Nos
vida e a possibilidade de planejar o próprio trechos a seguir, observa-se a dificuldade de
futuro têm sido desafios para os jovens relacionamento entre os jovens adultos e seus
adultos (Barros, 2009; Dib & Castro, 2010). pais: “A questão não é gostar ou não dos pais.
Assim, é possível que o desejo de estabilidade Dar valor ou não dar valor. Pra mim a questão
seja associado a obter sucesso nos estudos é que na casa da minha mãe as regras são dela.
e na carreira profissional, mas sem muito O dia que eu tiver a minha casa as regras vão
planejamento (Guerreiro & Abrantes, 2005). ser minhas. Entendeu?” (M). “Eu estudava a
Nos trechos a seguir, evidencia-se a noite e sempre chegava 23 horas em casa. Ia
percepção de que os jovens se veem como pro meu quarto dormir. Esse companheiro
responsáveis pela busca de oportunidades para dela foi falar pra ela que eu cheguei 5 horas
alcançar sucesso profissional: “Na verdade, da manhã. Eu acordei com minha mãe me
a gente tem que correr atrás das nossas batendo horrores e eu sem entender por quê.
oportunidades. Temos que dar o impulso para Ele pediu pra ela escolher ou ele ou eu. Minha
o primeiro passo. Não deixar que deem por mãe escolheu o companheiro. Desde 15 anos
nós. Ficarmos sentados aguardando a coisa até hoje eu moro sozinha. A primeira casa que
acontecer. Temos que correr atrás dos nossos eu morei não tinha nem colchonete. Mas, hoje
objetivos. Se temos um sonho, batalha. Vamos em dia, eu até ajudo ela” (M).
ouvir ‘não’. Mas vai ter uma hora que vamos Todos os membros da família têm
ouvir um ‘sim’. Aí, agarra essa oportunidade” que se readaptar às novas regras e maneiras
(M). “Acho que a gente cria oportunidades. de relacionar, buscando reorganizações
Nada acontece se a gente não fizer nada” espaciais e emocionais, porque os filhos não
(H). Todavia, Malfitano (2011) salienta que são mais adolescentes, ainda que dependam
as condições socioeconômicas desfavoráveis financeiramente dos pais (Henriques et al.,
e ausência de políticas públicas prejudicam 2011; Peixoto & Luz, 2007). Embora muitos
o acesso e a criação de oportunidades dos conflitos surjam devido à ajuda financeira
profissionais. Essa falta de possibilidades e à cobrança dos pais, se houver diálogo entre
pode acarretar frustração nos jovens, gerando eles e espaço para renegociação das regras no
sofrimento e diminuição da autonomia. contexto da família, a convivência pode ser
benéfica, gerando suporte financeiro e afetivo
Conflitos e renegociações entre pais e filhos para toda a família (Johson, 2013; Leopold,
A dificuldade em conseguir a 2012).
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