Adultez Emergente

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V. B. R.

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PERCEPÇÕES DE JOVENS SOBRE A TRANSIÇÃO PARA A


VIDA ADULTA E AS RELAÇÕES FAMILIARES

YOUTH PERCEPTIONS ABOUT THE TRANSITION TO ADULTHOOD AND FAMILY


RELATIONS

Vanessa Barbosa Romera Leme1, Luana de Mendonça Fernandes, Neidiany

Vieira Jovarini, Amanda Oliveira Falcão, Gisele Aparecida de Moraes


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

RESUMO
O estudo teve por objetivo examinar as percepções de jovens adultos sobre os desafios e as oportunidades vivenciados
na transição para a vida adulta e as mudanças ocorridas nas relações com os membros da família. Trata-se de um
estudo exploratório com abordagem qualitativa que utilizou a técnica de coleta de dados com grupo focal e análise de
conteúdo. Participaram 13 jovens adultos (idade entre 20 e 28 anos), sendo sete mulheres e seis homens do estado do
Rio de Janeiro. Os resultados indicaram que as trajetórias vivenciadas pelos jovens adultos são plurais e influenciadas
por suas condições socioculturais e econômicas. A permanência prolongada na residência parental pode resultar tanto
em conflitos e sentimentos de ambivalência quanto em solidariedade intergeracional entre os membros da família. As
informações obtidas com o estudo poderão auxiliar futuros programas de intervenção preventivos e de promoção de
saúde mental com os jovens adultos e seus familiares.
Palavras-chave: Transição para a vida adulta, Relações pais e filhos, Grupo focal.

ABSTRACT
This study aimed at understanding the perceptions of young adults regarding the transition to adulthood and the
changes in relationships with family members during this period of the life cycle. This is a qualitative exploratory
study, which used data collection with focus groups and posterior content analysis. The participants were 13 young
adults (aged between 20 and 28 years old), seven of which were women and six were men, all from the state of Rio
de Janeiro. The results indicated that the trajectories experienced by young adults are plural and influenced by their
socio-cultural and economic conditions. Prolonged periods in the parental home can result both in conflicts and in
feelings of ambivalence in intergenerational solidarity amongst family members. The information obtained from the
study may help future preventive intervention programs and mental health promotion programs with young adults
and their families.
Keywords: Transition to adulthood, parent-child relationship, focus group.

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No Brasil, em contextos urbanos industrializadas, que modificaram as relações


industrializados, ser jovem assume diferentes entre os jovens e as suas famílias, com
possibilidades devido às diferenças entre as implicações para a definição dos papéis que
classes sociais, gênero e à diversidade cultural demarcam a entrada na vida adulta (Andrade,
e ético-racial específica de um determinado 2010). Essas transformações que contribuíram
momento social e histórico (Guerreiro & para modificações quanto às atitudes dos
Abrantes, 2005; Waiselfisz, 2013). Dados do jovens em assumir papéis de adulto envolvem o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística prolongamento do tempo dedicado ao estudo,
(IBGE, 2010), obtidos no Censo de 2010, devido à maior instabilidade profissional,
mostram que ¼ da população brasileira é maior dependência financeira dos pais e
jovem e, entre essa porcentagem, 66% são protelamento da emancipação da residência
solteiros, 28% dos homens são pais e 54% parental para constituir a própria família
das mulheres já são mães, e 61% ainda vivem (Guerreiro & Abrantes, 2005; Pais, 2009).
com os pais. Em relação ao grau de estudo No processo de transição para a
dos jovens, no Brasil, 29% terminaram o vida adulta, jovens dos centros urbanos com
Ensino Médio e 33% pararam e não seguiram. melhores condições socioeconômicas seguem
No que diz respeito ao trabalho, no Brasil, uma trajetória de vida menos normativa e
53,5% dos jovens entre 15 e 29 anos estão regulada da passagem da adolescência para a
trabalhando, 22,8% estudam e trabalham e fase adulta (Andrade, 2010). Nesse sentido,
36% só estão estudando. De modo geral, pesquisas internacionais têm identificado que
os jovens das camadas populares assumem tais jovens não se veem como adolescentes,
responsabilidades adultas desde a adolescência, mas também não se consideram inteiramente
inserindo-se prematuramente no mercado de adultos (Galambos & Martínez, 2007; Oliveira,
trabalho e atuando em empregos temporários, Mendonça, Coimbra, & Fontaine, 2014).
com longas jornadas laborais que podem Diante dessas constatações, Arnett (2007,
prejudicar seu desempenho escolar (Dutra- 2011) propôs a teoria da Adultez Emergente
Thomé, Pereira, & Koller, 2016). Além disso, (AE), que visa compreender como jovens
em contextos de baixo nível socioeconômico de sociedades industrializadas, na faixa etária
(NSE), os jovens são mais expostos à violência entre 18 e 29 anos, lidam com a percepção de
urbana e práticas discriminatórias como que ainda não alcançaram o status de adulto.
racismo e homofobia (Waiselfisz, 2013). A AE é um período do ciclo vital situado
Em relação ao comportamento entre a adolescência e a adultez, caracterizado
dos jovens adultos, verifica-se que a nova por possibilidades, exploração da identidade,
geração (aqueles nascidos a partir da década autofoco, ambivalência e instabilidades que
de 1980) tem características muito singulares decorrem do fato de o jovem continuar
em relação às precedentes (Coimbra & apresentando características comuns da
Mendonça, 2013). Em parte, isso decorreu adolescência, como dependências econômica,
de mudanças econômicas, políticas e culturais emocional e residencial da família de origem
observadas nas últimas décadas nas sociedades (Arnett, 2007; Dutra-Thomé & Koller, 2014;

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Galambos & Martínez, 2007). dependência residencial dos pais, decorrentes


Mediante o exposto, percebe-se que de situações malsucedidas nos aspectos
os jovens vivenciam a transição para a vida afetivo, acadêmico e profissional (Andrade,
adulta conforme as condições dos contextos 2010; Ponciano & Féres-Carneiro, 2014). Pais
socioeconômicos. Assim, na transição para a (2009) denomina esse movimento de ir e vir
vida adulta, pode ou não ocorrer o fenômeno como “yoyogeneização”, tendo em vista o
da AE, uma vez que este não é universal, mas fato de os jovens vivenciarem situações como
sim evidenciado em jovens das classes sociais e emprego/desemprego, casamento/divórcio e
econômicas mais elevadas nos países ocidentais abandono/retorno à escola e à casa dos pais.
industrializados (Arnett, 2007, 2011). Dutra- Essas vivências dificultam o estabelecimento
Thomé e Koller (2014) realizaram uma de um limite cronológico de quando termina
investigação que teve como objetivo analisar a adolescência e quando começa a vida adulta
as diferenças sociodemográficas entre os (Pais, 2009). Assim, com o prolongamento
jovens brasileiros, considerando as percepções da permanência na casa dos pais, a aquisição
que eles tinham da vida adulta, o acesso à da autonomia econômica e da independência
tecnologia e status educacional e de emprego. emocional torna-se tardia (Guerreiro &
A amostra incluiu 547 jovens entre 18 e 29 Abrantes, 2005; Monteiro, Tavares, & Pereira,
anos de idade, residentes em Porto Alegre 2009; Trancoso & Oliveira, 2014).
(RS), de baixo e alto nível socieconômico. A extensão da coabitação na família
Os resultados mostraram que mais de 50% nem sempre é fácil e harmoniosa (Henriques,
do total da amostra relataram que se sentiam Féres-Carneiro, & Ramos, 2011; Ponciano
entre a adolescência e a idade adulta, o que, & Féres-Carneiro, 2014). Os jovens adultos
segundo as autoras, pode indicar a ocorrência ao permaneceram na casa dos pais passam
do fenômeno da AE em indivíduos de ambos por vários temores, tais como o de perder a
os níveis socioeconômicos. No entanto, a AE figura cuidadora sem que tenha alcançado
esteve mais presente em contextos de NSE a independência e receio de não atingir as
mais alto, corroborando dados da literatura suas próprias expectativas e da família em
internacional (Arnett, 2007, 2011; Galambos relação aos aspectos profissionais e afetivos
& Martínez, 2007). (Germano & Colaço, 2012). Desse modo,
No que diz respeito às relações entre nota-se um conflito entre as gerações, e as
pais e filhos, na passagem para a vida adulta, os expectativas parentais sobre os jovens tendem
jovens das camadas médias são incentivados a gerar aproximação e distanciamento nos
a ter projetos pessoais que necessitam de relacionamentos entre pais e filhos, visando
maior investimento nos estudos para lidar diminuir ameaças no campo relacional
com as dificuldades de inserção no mercado (Henriques et al., 2011). Apesar disso, o
de trabalho (Andrade, 2010; Trancoso suporte familiar é essencial aos jovens adultos
& Oliveira, 2014). Diante desses novos e é oferecido de várias maneiras, por exemplo,
desafios, são verificados comportamentos nos nas situações em que os pais financiam
jovens de alternância entre independência/ um curso ou a faculdade para que os filhos

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aumentem a possibilidade de entrar no expressar suas habilidades interpessoais (Braz,


mercado de trabalho (Johson, 2013; Oliveira Fontaine, & Del Prette, 2013). As autoras
et al., 2014). Contudo, segundo Johson (2013), realizaram um estudo com 69 díades de pais
esse suporte financeiro também pode gerar idosos e filhos adultos, de diferentes níveis
conflitos se os pais cobram e os jovens socioeconômicos, com o objetivo de analisar
sentem-se pressionados por ainda não terem se as trocas intergeracionais favoreciam a
alcançado a estabilidade financeira. ampliação das habilidades sociais dos idosos
O prolongamento da convivência e dos filhos. Os resultados evidenciaram
familiar indica a necessidade de se rever a que idosos com um repertório elevado de
hierarquia dentro da família, a qual é marcada habilidades sociais tinham filhos também com
por práticas de socialização decorrentes de uma mais habilidades interpessoais e com mais
sociedade cada vez mais individualista (Borges facilidade de expressar suas emoções.
& Magalhães, 2009). A par dessas alterações Desse modo, se por um lado os
nas relações entre pais e filhos, Bengtson e filhos precisam do suporte de seus pais para
Oyama (2007) observaram que o convívio poder alcançar sua independência financeira
entre gerações pode propiciar a solidariedade e emocional, por outro, os pais por estarem
intergeracional em duas dimensões. A envelhecendo requerem a ajuda de seus filhos
primeira refere-se à dimensão macrossocial, (Bengtson & Oyama; Braz et al., 2013; Leopold,
que é a convivência entre os diversos grupos 2012). É importante, portanto, investigar as
etários dentro de uma sociedade. A segunda mudanças que ocorrem nas relações entre pais
é a dimensão microssocial, que diz respeito e filhos durante a transição para a vida adulta,
à convivência existente dentro de um núcleo considerando o atual momento de maior
familiar. Conforme Bengtson e Oyama (2007), incerteza e imprevisibilidades nos aspectos
a solidariedade intergeracional familiar (SIF) sociais, profissionais e afetivos (Oliveira et al.,
envolve proximidade física e afetiva que 2013; Ponciano & Féres-Carneiro, 2014).
proporciona trocas de apoio e de suporte, Na transição para a vida adulta, o
assim como a transmissão de valores familiares desenvolvimento dos jovens e suas relações
entre pais, filhos, avós e netos, podendo com os membros da família são afetados
ocorrer também conflitos e ambivalências por fatores socioculturais e econômicos
nessas relações interpessoais. (Waiselfisz, 2013). Jovens das camadas
Pesquisas têm encontrado que a SIF populares são expostos a responsabilidades
pode deixar a relação pais-filhos mais próxima, da vida adulta desde a infância e adolescência
o que pode ser observado, por exemplo, nas e, muitas vezes, com seu trabalho sustentam a
situações em que as obrigações domésticas e o família de origem (Barros, 2009). Do mesmo
apoio financeiro de uns para com os outros se modo, o fenômeno da AE é observado com
tornam uma tarefa harmonioza no contexto mais frequência entre aqueles de condição
familiar (Coimbra & Mendonça, 2013). A SIF financeira mais favorável (Dutra-Thomé &
pode auxiliar tanto os pais quanto os filhos, Koller, 2014). Portanto, é preciso considerar
na medida em que ambos podem aprender e no estudo com jovens adultos uma visão que

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supera a concepção naturalizante e universal haviam concluído o Ensino Médio.


por desconsiderar os distintos contextos Sobre a situação profissional/escolar,
sociais e históricos da realidade brasileira oito (61,5%) estudavam e trabalhavam,
(Oliveira & Trancoso, 2014). Porém, a maior três (23%) informaram apenas estudar e os
parte das pesquisas nacionais focaliza estudos demais só trabalhavam. Conforme o critério
com crianças e adolescentes (Tijanero & de classificação econômica da Associação
Páramo, 2012) e há poucos estudos com Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep,
jovens adultos (Braz et al., 2015; Dutra-Thomé 2013), 38,5% dos participantes pertencia
& Koller, 2014, Ponciano & Féres-Carneiro, à classe C2, 38,5% à classe C1 e 23% à
2014). A transição para a vida adulta é também classe B2. Mais da metade dos jovens (53%)
caracterizada por ser um momento em que os identificaram-se como brancos, seguidos dos
jovens podem apresentar mais transtornos que se consideraram pardos (23%), amarelos
psicológicos como depressão e ansiedade (15,3%) e negros (7,7%). Todos os jovens
e serem mais vulneráveis a tentativas de eram solteiros. Em relação à composição
suicídio (WHO, 2014). Somado a isso, a familiar, três participantes moravam com mãe,
maioria dos estudos sobre a transição para pai e irmão, dois com a mãe e os demais com:
a vida adulta é realizada com amostras de mãe, pai, irmã; avó; irmão; mãe e padrasto;
jovens europeus e americanos (Arnett, 2011), mãe e pai; sozinho; pai e irmão; mãe e irmã;
o que indica uma área aberta à investigação avó.
em relação ao contexto brasileiro. Diante
disso, o presente estudo tem por objetivo Instrumentos
examinar as percepções de jovens adultos Questionário demográfico –
pertencentes à classe média sobre os desafios elaborado para este estudo para investigar
e as oportunidades vivenciados na transição informações demográficas dos participantes,
para a vida adulta e as mudanças ocorridas nas tais como idade, sexo, cor, estado civil, situação
relações com os membros da família. profissional e escolar e composição familiar.
Questionário de Classificação
Método Econômica Brasil (Abep, 2013) – avalia o nível
Participantes socioeconômico e permite a estratificação dos
O estudo exploratório utilizou uma participantes, em ordem decrescente de poder
abordagem qualitativa e a técnica de coleta aquisitivo, em cinco classes: A (A1 e A2), B
de dados com grupo focal (Gatti, 2005). (B1 e B2), C, D e E.
Participaram do estudo 13 jovens adultos,
com idade entre 20 e 28 (M = 23,53 anos, DP Procedimentos
= 2,47), sendo sete mulheres e seis homens O estudo foi realizado numa
residentes no estado do Rio de Janeiro. A maior Instituição de Ensino Superior particular,
parte dos jovens era estudante universitário escolhida intencionalmente por ser o campo
(11 – 84,6%) (sete de instituição particular de trabalho dos autores. Como critérios de
e quatro de instituição pública). Os demais seleção, os participantes deveriam ter entre

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18 e 30 anos de idade, ser solteiros e sem participantes que foram, posteriormente,


filhos. Os participantes foram selecionados discutidas nas reuniões da equipe. Dois meses
intencionalmente pelos autores da pesquisa, que antes da coleta de dados, a mediadora e os
visitaram as salas de aulas e outros ambientes observadores frequentaram semanalmente
das universidades, convidando os alunos. um grupo de estudo sobre o tema da transição
Além disso, foram convidados jovens que para a vida adulta e relações entre pais e filhos.
não frequentavam a universidade, utilizando a O grupo focal apresentou a seguinte estrutura:
técnica de amostragem “bola de neve” (Bailey, a) estabelecimento de rapport com lanche; b)
1982). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê retomada dos objetivos e procedimentos do
de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da estudo, tais como uso do gravador e garantia
Universidade XXX, de acordo com o Parecer de confidencialidade das informações;
XXX, CAAE: XXX. Antes do início do grupo c) entrega do TCLE e dos questionários
focal, explicitou-se o anonimato dos dados demográfico e nível socioeconômico; d)
e os objetivos da pesquisa. A participação apresentação do trailer do filme De repente 30;
foi voluntária, anônima e referendada pela e) questionamento sobre os temas da transição
entrega do Termo de Consentimento Livre e para a vida adulta, por exemplo, “Vocês se
Esclarecido (TCLE). consideram adultos?”, “Como vocês se sentem
O grupo focal é uma técnica utilizada sendo adultos?”, e relações pais e filhos,
para a compreensão de discursos que são por exemplo, “Como é a proximidade entre
construídos coletivamente (Borges & Santos, vocês e seus pais?”, “Como vocês avaliam o
2012). No presente estudo, essa técnica foi seu relacionamento com os seus pais nesse
utilizada para identificar as percepções dos momento da vida?”, para facilitar o início de
jovens adultos sobre diversos aspectos que cada assunto; f) encerramento com síntese
ocorrem na transição para a vida adulta, tais dos conteúdos discutidos, agradecimento pela
como desafios e oportunidades profissionais participação e informação da disponibilidade
e interpessoais, assim como as mudanças nas da pesquisadora em atender os jovens que
relações com os membros da família. gostariam de falar privadamente sobre
O grupo focal ocorreu numa sala de sentimentos e pensamentos que emergiram
aula da universidade e teve duração média com o encontro.
de 120 minutos. Participaram do encontro a
mediadora (responsável da pesquisa), cinco Análise de dados
observadores (uma aluna de mestrado e As falas dos jovens foram gravadas,
quatro estagiários da graduação de Psicologia) transcritas na íntegra e, posteriormente,
e os jovens. A mediadora teve a função de submetidas à análise de Conteúdo Temático-
conduzir o grupo, apresentar os temas e Categorial, que contemplou a exploração do
intervir na dinâmica do grupo focal quando material, inferência, interpretação e tratamento
os participantes extrapolavam os temas. Os de dados (Bardin, 1995; Oliveira, 2008). As
observadores foram responsáveis por gravar falas fornecidas pelos jovens foram analisadas,
e anotar as principais falas e observações dos procurando-se identificar as unidades de

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contexto (exemplos de falas),1 e alocadas do mês, sim. Porque tem que pagar contas.
organizadas em categorias que emergiram a Os primeiros quinze dias é mais tranquilo”
partir das unidades de contexto (Franco, 2012). (H). Tais aspectos são mais evidenciados nos
As categorias analisadas foram: 1. Desafios e jovens adultos de baixo NSE. As demandas
oportunidades: relatos dos jovens que indicam e responsabilidades que surgem na transição
insegurança com o que está por vir e o medo para a vida adulta afetam o comportamento
que eles sentem em relação às decisões que dos jovens e são influenciadas dependendo
deverão ser tomadas no momento presente do contexto social e histórico (Monteiro
e no futuro; 2. Conflitos e renegociações entre pais et al., 2009). Assim, a análise dos desafios
e filhos: relatos que indicam dificuldades de e oportunidades que acometem os jovens
compreensão e de relacionamento entre os adultos deve transcender alterações biológicas
jovens adultos e os seus pais, assim como e maturacionais e considerar a forma como a
falas que demonstram uma relação pautada sociedade organiza suas instituições políticas
por maior respeito e empatia e menor e educacionais, definindo cronologicamente
autoritarismo dos pais em relação aos filhos. que, a partir dos 18 anos, a pessoa deixa de ser
adolescente e passa a ser adulto, assumindo
Resultados e discussão novas responsabilidades (Trancoso & Oliveira,
Desafios e oportunidades 2014).
A transição da adolescência para a Em contrapartida, o fenômeno da
vida adulta é marcada pelas novas maneiras adultez emergente (AE) decorre de fatores
de os jovens terem de lidar com as situações macrossociais, tais como maior instabilidade
interpessoais e profissionais (Andrade, 2010; profissional, que leva ao prolongamento dos
Dutra-Thomé & Koller, 2014; Ponciano estudos e inserção tardia de jovens de classes
& Féres-Carneiro, 2014). Evidentemente médias no mercado de trabalho (Galambos
que numa sociedade caracterizada pela & Martínez, 2007; Oliveira et al., 2014).
desigualdade social, como é o caso do Brasil, Esses jovens tendem a manter dependências
a vida adulta será diversa para os jovens de econômica, residencial e emocional da família
níveis socioeconômicos, gênero e etnias que resultam em algumas características. Os
diferentes (Guerreiro & Abrantes, 2005; adultos emergentes manifestam a necessidade
Waiselfisz, 2013). Nessa direção, foram de explorar suas identidades, são mais focados
identificadas falas nas quais ser adulto está em si, o que faz com que eles não assumam
relacionado a entrar no mundo do trabalho, muitos compromissos com outras pessoas,
assim como às responsabilidades financeiras possibilitando-os ter maior autonomia na
que os jovens não tinham antes e passaram gestão das próprias vidas (Arnett, 2007, 2011).
a ter devido ao acúmulo de funções e novos Também expressam sentimentos de estar
papéis sociais: “Eu me sinto adulta pelo fato entre as fases da adolescência e a fase adulta
da responsabilidade que eu adquiri. Porque é e, por fim, observam mais possibilidades
estágio, trabalho, faculdade” (M). “No final otimistas em relação ao futuro, mas vivenciam
maior instabilidade em aspectos profissionais
1 M: sexo feminino, H: sexo masculino.

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e interpessoais (Arnett, 2007, 2011). a vida adulta de forma diferente dos seus
Contudo, indo ao encontro de outras pares com melhores condições econômicas.
pesquisas (Andrade, 2010, Coimbra & Para os jovens de baixa renda, existe a
Mendonça, 2013; Dutra-Tomé & Koller, 2014), necessidade de se preocupar com as questões
os participantes do presente estudo parecem de subsistência próprias e de suas famílias,
não vivenciar a AE, relatando significados em vez de experimentar novas possibilidades,
a respeito do mundo do trabalho (Dib & não podendo adiar sua inserção no mercado
Castro, 2010). Isto é, dependendo do contexto de trabalho (Barros, 2009). Para tais jovens
socioeconômico, jovens adultos assumem adultos, estudar exclusivamente não é uma
papéis de status de adulto que diferem dos opção (Coimbra & Mendonça, 2013).
processos de desenvolvimento típicos dos As dificuldades de inserção no mercado
adultos emergentes (Andrade, 2010; Monteiro de trabalho e a instabilidade profissional
et al., 2009). Diferentemente, nos contextos podem gerar relatos de medo e angústia
urbanos das sociedades industrializadas, de nos jovens adultos. Isso fica evidenciado no
modo geral, o que diferencia os adultos dos trecho a seguir: “São os ‘nãos’ que a gente
adolescentes das classes socioeconômicas vai encontrar. A gente vai procurar em um
favoráveis é que esses últimos não precisam lugar e com certeza vai ouvir um ‘não’. Na
assumir responsabilidades financeiras e questão de emprego mesmo, porque a gente
profissionais, dedicando-se apenas aos estudos para ter estabilidade vai começar por baixo.
(Dutra-Thomé & Koller, 2014; Monteiro et al., Difícil a gente começar por cima. Aí, até achar
2009) um ‘sim’. Essa é a que eu acho que é a maior
Nos trechos a seguir, percebe-se o dificuldade” (H). “Eu tenho medo de nada dar
impacto de situações sociais desfavoráveis e certo e ter que voltar morar com minha mãe.
como estas acometem jovens de baixo NSE. Imagina? Não deu certo, mãe, voltei” (M).
Tais situações trazem novas tarefas para a Nesse âmbito, parece que o projeto
vida dos jovens e algumas fazem com que eles de vida não precisa ser feito em longo prazo,
absorvam responsabilidades mais cedo (XXX): como pode ser notado na fala do jovem a
“Eu fui obrigada a me tornar adulta. Eu com seguir: “Porque eu não penso muito no futuro,
16, 17 anos não tinha cabeça de adolescente, não. Eu penso no agora” (H). Por sua vez, o
de sair pra badalar, farra, desculpa a expressão, relato dessa jovem sugere certa indefinição:
‘pegação’. Marcou muito isso. A questão de “Vou terminar a faculdade em 2017. Aí já
você começar a trabalhar e você não poder começa a pensar na carreira. O que eu vou
optar. Por fazer a faculdade, me especializar querer. Se eu vou querer continuar a carreira,
e depois eu vou trabalhar. Não. Eu tenho que chegar ao pós-doutorado. Voltar pra minha
trabalhar” (M). cidade. Se eu vou querer ser dona de escola”
Galambos & Martínez (2007) (M).
relataram que para muitos jovens a pobreza e Na elaboração do projeto de vida,
as poucas oportunidades educacionais fazem alguns jovens necessitam (e podem), por vezes,
com que eles experimentem a transição para ter de adiar algumas responsabilidades, visando

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à obtenção de um diploma universitário para autonomia financeira pode fazer com que
ter uma melhor colocação no mercado de os jovens continuem mais tempo morando
trabalho (Barros, 2009; Trancoso & Oliveira, com os familiares (Henriques et al., 2011;
2014). Contudo, o prolongamento da vida Johson, 2013). Essa permanência longa pode
acadêmica nem sempre garante a obtenção de gerar aprendizagens para todos, porém não é
emprego e a constituição da família. De fato, a isenta de conflitos e ambiguidades (Coimbra
inserção num mercado de trabalho produtivo & Mendonça, 2013; Henriques et al., 2011;
e competitivo, a construção de um projeto de Ponciano & Féres-Carneiro, 2014). Nos
vida e a possibilidade de planejar o próprio trechos a seguir, observa-se a dificuldade de
futuro têm sido desafios para os jovens relacionamento entre os jovens adultos e seus
adultos (Barros, 2009; Dib & Castro, 2010). pais: “A questão não é gostar ou não dos pais.
Assim, é possível que o desejo de estabilidade Dar valor ou não dar valor. Pra mim a questão
seja associado a obter sucesso nos estudos é que na casa da minha mãe as regras são dela.
e na carreira profissional, mas sem muito O dia que eu tiver a minha casa as regras vão
planejamento (Guerreiro & Abrantes, 2005). ser minhas. Entendeu?” (M). “Eu estudava a
Nos trechos a seguir, evidencia-se a noite e sempre chegava 23 horas em casa. Ia
percepção de que os jovens se veem como pro meu quarto dormir. Esse companheiro
responsáveis pela busca de oportunidades para dela foi falar pra ela que eu cheguei 5 horas
alcançar sucesso profissional: “Na verdade, da manhã. Eu acordei com minha mãe me
a gente tem que correr atrás das nossas batendo horrores e eu sem entender por quê.
oportunidades. Temos que dar o impulso para Ele pediu pra ela escolher ou ele ou eu. Minha
o primeiro passo. Não deixar que deem por mãe escolheu o companheiro. Desde 15 anos
nós. Ficarmos sentados aguardando a coisa até hoje eu moro sozinha. A primeira casa que
acontecer. Temos que correr atrás dos nossos eu morei não tinha nem colchonete. Mas, hoje
objetivos. Se temos um sonho, batalha. Vamos em dia, eu até ajudo ela” (M).
ouvir ‘não’. Mas vai ter uma hora que vamos Todos os membros da família têm
ouvir um ‘sim’. Aí, agarra essa oportunidade” que se readaptar às novas regras e maneiras
(M). “Acho que a gente cria oportunidades. de relacionar, buscando reorganizações
Nada acontece se a gente não fizer nada” espaciais e emocionais, porque os filhos não
(H). Todavia, Malfitano (2011) salienta que são mais adolescentes, ainda que dependam
as condições socioeconômicas desfavoráveis financeiramente dos pais (Henriques et al.,
e ausência de políticas públicas prejudicam 2011; Peixoto & Luz, 2007). Embora muitos
o acesso e a criação de oportunidades dos conflitos surjam devido à ajuda financeira
profissionais. Essa falta de possibilidades e à cobrança dos pais, se houver diálogo entre
pode acarretar frustração nos jovens, gerando eles e espaço para renegociação das regras no
sofrimento e diminuição da autonomia. contexto da família, a convivência pode ser
benéfica, gerando suporte financeiro e afetivo
Conflitos e renegociações entre pais e filhos para toda a família (Johson, 2013; Leopold,
A dificuldade em conseguir a 2012).

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Assim, a manutenção da tutela nosso relacionamento” (M). “Quando a gente


parental na transição para a vida adulta pode é adolescente, a gente responde mais. A gente
auxiliar os jovens a enfrentar as inseguranças quer bater boca. Depois você vai ficando mais
em relação aos aspectos profissionais e velho. Você vai vendo que aquilo não adianta”
relacionais (Peixoto & Luz, 2007; Ponciano (M). “Tá melhorando porque a gente passa a
& Féres-Carneiro, 2014). Porém, como indica ser mais tolerante. A gente muda a visão de
a fala do jovem a seguir, nem sempre pais e mundo. A gente começa a entender aquilo
filhos têm conhecimento das suas dificuldades que a gente achava que era chatice e passa a
interpessoais: “Essa relação é feita como compreender melhor” (H).
aquela música do Legião Urbana, Pais e As tensões geradas pelas negociações
Filhos. Os pais têm também uma dificuldade entre pais e filhos possibilitam que ocorram
de compreender a gente, assim como a gente acordos entre os familiares (Borges &
tem em compreendê-los. Enquanto a gente Magalhães, 2009; Féres-Carneiro et al., 2011;
não compreende isso, nunca vai dar certo” Peixoto & Luz, 2007). De fato, a família
(H). constitui-se como uma importante fonte de
Os conflitos podem contribuir para apoio material e afetivo aos filhos adultos
renegociações na convivência familiar que em situação de vulnerabilidade, como
possibilitam aos jovens mais autonomia, desemprego, e, nesse caso, a coabitação
assim como ajudam os pais a rever tanto suas prolongada pode ser benéfica. Nota-se que
práticas educativas com os filhos quanto suas o relacionamento intergeracional na família
vidas afetivas e valores morais (Coimbra & pode proporcionar aprendizagem de ambos os
Fontaine, 2013; Ponciano & Féres-Carneiro, envolvidos, contribuindo para a transmissão
2014): “E o que mais me surpreendeu em recíproca entre pais e filhos de habilidades e
relação ao meu pai. Mesmo que hoje a gente competências, configurando uma dinâmica
não tenha muito contato. Naquela época a na qual todos aumentam seus conhecimentos
gente esperava aquela coisa tipo ‘meu filho e reveem suas visões de mundo (Braz et al.,
vai herdar meu cinturão de garanhão’. E foi 2015).
o contrário, porque que a minha orientação Assim, ao analisar as falas de todas as
sexual foi totalmente diferente. Ele me categorias, pode-se verificar que a transição
abraçou e hoje me dou ‘super-bem’ com isso. para a vida adulta não é isenta de conflitos
Nunca tive nenhum problema” (H). intergeracionais. Porém, tais divergências não
Nessa direção, alguns jovens impedem manifestações de solidariedade e
demonstram menor hierarquia e mais abertura afeto entre os membros da família (Bengtson
para conversa e negociação com os pais: & Oyama, 2007). A análise das falas sugere
“Você muda. Eu perdi minha mãe há pouco que há múltiplas trajétorias na construção
tempo. Mas eu lembro de quando eu era da adultez, a qual é forjada pelas condições
mais nova, nossa convivência era de muita socioculturais e econômicas dos jovens
briga. Muita, sabe? Um ano antes dela falecer adultos (Barros, 2009). A convivência mais
a gente teve uma mudança muito grande no prolongala entre pais e filhos pode, em vez

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de denotar relações disfuncionais, sinalizar promover o desenvolvimento de habilidades


para a possibilidade da solidariedade entre interpessoais dos pais. No entanto, os jovens
os membros da família (Braz et al., 2015). No podem ficar sobrecarregados pelos cuidados
caso dos jovens adultos de baixo NSE, isso com os pais idosos e ter mais dificuldades
torna-se ainda mais relevante, na medida em diante das demandas da vida adulta. Dessa
que o apoio socioemocional e material entre forma, conciliar seus planos pessoais e o
pais e filhos é essencial diante da precarização cuidado dos pais, sem perder o foco em
ou à ausência de serviços públicos de saúde, suas vidas, é um desafio a ser enfrentado
educação e lazer. pelos jovens adultos que será influenciado
pelas suas condições socioeconômicas. Tais
Considerações finais questões poderão ser trabalhadas em futuras
Aspectos relacionais e afetivos na intervenções preventivas e para a promoção
transição para a vida adulta ainda são poucos de saúde mental com os jovens adultos e seus
explorados no contexto brasileiro. Assim, para familiares.
contribuir com essa área de investigação, o Algumas limitações devem ser
presente estudo examinou as percepções dos destacadas neste estudo. As informações
jovens sobre a transição para a vida adulta e coletadas referem-se a uma amostra reduzida,
as relações com os membros da família. Os escolhida por conveniência e específica
resultados indicaram que a transição para a vida de jovens majoritariamente universitários
adulta traz aos jovens adultos novas demandas pertencentes às classes sociais C e B. Futuros
interpessoais e profissionais que surgem nesse estudos poderiam contemplar jovens com
momento da vida. Porém, essa constatação outros níveis de escolaridade e classes sociais.
tem reflexos diversos para os jovens adultos de Somado a isso, seria importante analisar as
baixo NSE, que precisam, muitas vezes desde percepções dos familiares (pais, avós e irmãos)
a adolescência, trabalhar e estudar, enquanto sobre a transição para a vida adulta. Outras
os jovens das classes médias têm mais chance pesquisas poderiam realizar uma intervenção
de vivenciar a adultez emergente, isto é, de que pudesse observar situações fáceis e
explorar inúmeras possibilidades nos aspectos difíceis na transição para a vida adulta e que
profissionais e relacionais. propiciassem a solidariedade intergeracional
A convivência mais prolongada na família. Como aspectos positivos, o
entre os jovens adultos e seus familiares foi presente estudo evidenciou características
caracterizada por conflitos e renegociações específicas das relações entre os jovens adultos
nos aspectos interpessoais e afetivos que e seus pais que são diversas das observadas
podem contribuir para futuras interações em outros momentos do ciclo vital. Os dados
mais positivas. De modo geral, a solidariedade sinalizaram a importância em se contextualizar
intergeracional entre os membros da família a teoria da Adultez Emergente para a nossa
pode favorecer a conquista de autonomia realidade sociocultural nas investigações em
e independências afetiva e profissional que o público-alvo é os jovens de classes
dos jovens adultos e, ao mesmo tempo, sociais desfavorecidas economicamente. Por

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Percepções de jovens sobre a transição 193

fim, a pesquisa indicou a importância da adultos: um estudo sobre habilidades sociais,


afetividade na relação pais e filhos, a busca solidariedade intergeracional e qualidade de
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