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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS E FLORESTAIS


ESTUDOS DE PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS

Prof. Dr. Luís Mauro Magalhães


Profª. Drª. Eliane Maria Ribeiro da Silva
Discente: Thielly Schmidt Furtado Stähelin
22 de novembro de 2022

As rodovias e o aumento do desmatamento no longo prazo

Estima-se que o modal rodoviário responda por, aproximadamente, 60% do transporte de


cargas e passageiros no Brasil. Somos o país que tem a maior concentração rodoviária de
transporte de cargas e passageiros entre as principais economias mundiais.

Abordando o tema desmatamento como consequência da implantação de rodovias na


Amazônia Legal, utilizaremos os exemplos das rodovias BR-163/PA; BR-319/AM e BR-230/PA.
Todas as rodovias foram implantadas entre as décadas de 70 e 80 num impulso de se povoar e
garantir a posse das áreas em Floresta Amazônica.

A implantação de rodovias leva a alterações significativas na paisagem natural e na dinâmica das


comunidades lindeiras; ainda pode haver transferência de populações considerando-se as
estradas como indutoras de desenvolvimento.

Em função da chegada de novos moradores, há uma relativa facilitação para a ocupação do


espaço, em especial numa região com abundância de terras disponíveis e recursos naturais
incluindo-se os recursos florestais madeireiros.

O fenômeno denominado espinha de peixe” é o desmatamento que tem como vetor a rodovia,
acontecendo perpendicularmente à rodovia.

A BR-163, no trecho entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA ) está em obras de pavimentação num
trecho de, aproximadamente, 1000 km de extensão. Os estudos ambientais colocam a obra
como necessária ao escoamento de produção, à disponibilização de serviços essencias como
saúde, educação, abastecimento de água e saneamento básico; à regularização do transporte
de passageiros; acesso do Estado para fiscalização e proteção da natureza e das populações.

Já a BR-230, conhecida por Transamazônica, está com obras de pavimentação no trecho entre a
divisa dos estados do Tocantins e Pará e a cidade de Rurópolis nesse útlimo estado. A principal
justificativa para o projeto era a de ligar pontos navegáveis dos rios da região, formando um
sistema de transporte rodo-fluvial integrado atendendo a uma população de 2.500.000
habitantes. A conservação da estrada é um permanente desafio com atoleiros durante a época
chuvosa e poeira intensa durante o período chuvoso. O estudo ambiental coloca que o
empreendimento visa atender reivindicações da população local e que permitirá consolidar a
estratégia de implementação de políticas efetivas de desenvolvimento econômico e social para
a região.

O próprio estudo traz a dicotomia entre a manutenção das áreas intactas e a necessidade de
gerar lucros a partir da utilização da natureza. Para tanto, seria um objetivo do projeto gerar
riqueza na Amazônia pela ocupação do vazio populacional entre os Rios Tapajós e Xingu;
melhoria do aproveitamento do porto de Santarém.
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Aborda, ainda a necessidade de indução de um novo modelo de desenvolvimento da Amazônia


baseado em inclusão social, na redução das desigualdades socioeconômicas, na geração de
emprego e renda e no uso sustentável dos recursos naturais, com a valorização da
biodiversidade e a manutenção do equilibro ecológico desse importante patrimônio brasileiro.

Por fim, a BR-319/AM liga de Manaus (AM) a Porto Velho (RO) com 870 km de extensão com o
objetivo de assegurar acesso regular e seguro à região do interflúvio Purus-Madeira. A
implantação foi iniciada em 1968 e concluída em 1976. Atualmente, encontra-se em obras de
reconstrução/pavimentação, no segmento entre os km 250,0 e o km 655,7.

A obra também é justificada pela necessidade de assegurar a presença do poder público e, desse
modo, garantir a governança da região para evitar maiores impactos ambientais

O próprio Rima da BR-319/AM destaca a necessidade de se acompanhar a ocorrência do


fenômeno denominado espinha de peixe, quando uma grande estrada torna-se o eixo de
vicinais. A possibilidade de ocorrência destes processos não deve ser descartada no processo de
gestão da rodovia, após sua recuperação. Estudos realizados mostram a intensificação da
abertura de ramais após a pavimentação de trechos da BR-319/AM.

Após breve apresentação do problema abordado, passa-se a discorrer acerca do pensamaento


da escola crítica denominada ecologia social.

Percebe-se que o processo de licenciamento ambiental baseia-se no conservacionismo, em que


um Estado forte e centralizado define as prioridades de implantação de empreendimentos;
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regula a utilização dos recursos com base na legislação; entende-se como indutor do
desenvolvimento; define traçados e, de certo modo, impõe necessidades às comunidades
diretamente atingidas.

A ecologia social contrapõe a escola conservacionaista que trata o mundo natural como fonte
de recursos para a espécie humana, quanto à necessidade de um estado forte e centralizado.
Contrapõe, também, a ecologia profunda, cujos ideais são considerados por Bookchin como
neomathusianos. Essa escola considera que os problemas ecológicos advém da superpolução e
que só sua redução seria capaz de permitir a sobrevivência do planeta. Desse modo, o
isolamento da população faz parte e, portanto, não se justificaria a implantação de uma rodovia.

Por outro lado a ecologia social defende que os problemas ambientais são fruto da pobreza e da
desigualdade. Destaca ainda, que não é possível atribuir a responsabilidade aos seres humanos
individuais. Os responsáveis pelos grandes problemas são as instituções, em especial o Estado e
o agronegócio.

As instituições, incluindo-se o mercado e o sistema capitalista foram criadas pela mente humana
e, portanto, podem e devem ser revistas. O Estado forte e centralizado não tem capacidade de
representar a humanidade. Humanidade não é uma coisa única, existem as mulheres, os
homens, os jovens, os idosos, as crianças, os privilegiados, os desprivilegiados.

Ainda, destaca-se que os problemas ambientais estão intimamente ligados com as divisões
internas no domínio do social dando origem às divisões entre sociedade e natureza.

A espécie humana não pode ser vista com uma abordagem zoológica, como apenas mais uma
espécie dentre todas em função da sua capacidade de establecer relações complexas. É essa
capacidade intelectual que dá ao ser humano a consciência no mundo e que, de algum modo o
leva a estabelecer relações de dominação.

Nessa lógica de dominação. Vem a necessidade de vencer e, por consequência, de ter. Sendo
assim, a solução dos problemas ecológicos passa, necessariamente, por uma mudança radical
no sistema em que estamos inseridos. Até que humanidade atinja sua plenitude enquanto
espécie, considerando sua capacidade de criar relações complexas, solidariedade e criatividade,
todos os problemas ecológicos continuarão a ter as suas raízes nos problemas sociais

Em contraposição à visão da ecologia profunda que reverencia profundamente a natureza em


seu sentido estético, que prega a mínima utilização dos recursos no limite do extremamente
necessário para a sobrevivência humana, levando a interpretações místicas e uma utopia da
volta aos modos de vida das sociedades pré-agricultura, a ecologia social defende que a
evolução social, assim a evolução das capacidades intelectuais humanas, sua capacidade de
autoconsciência e de interferência direcionada nos processos naturais (não significando que tem
entendimento completo da complexidade do mundo natural) caminham lado a lado.

Nesse contexto, não há que se falar no abandono das tecnologias pois que a espécie humana se
desenvolveu com uso de tecnologias, sejam as mais rudimentares (como as ferramentas de
pedra e madeiras) quanto as atuais tecnologias digitais.

Os vínculos comunitários, quando existentes devem ser fortalecidos, pois contribuem para o
florescimento da natureza do ser humano, equanto ser solidário, cooperativo e
interdependente. Dessa forma, há que se pensar sobre o fortalecimeto dos vínculos dessa
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comunidade. Somente dessa forma, se pode pensar em cuidar e pertencer ao meio ambiente
natural.

A questão do vínculo passa por considerarmos que as associações humanas são estáveis,
fortemente institucionalizadas e caracterizadas por um grau de solidariedade e de criatividade
notável.

Bookchin (1976) ao opor o "ambientalismo" e a "ecologia social", questiona a visão de um ser


humano avesso à natureza, que deve ser controlado, direcionado. É necessário compreender o
lugar da humanidade e da sociedade na evolução natural. A qual segue tendências, direções e,
pelo menos no que aos humanos diz respeito, propósitos conscientes.

Em relação ao problema sociambiental aqui abordado (aumento do desmatamento como


consequência da abertura de estradas), a ecologia social defende que, em primeio lugar, as
populações interessadas devem ser ouvidas. Devem ter espaço para debate e proposição de
alternativas.

Considera que os problemas ecológicos são, essencialmente, problemas sociais e só podem ser
solucionados com o fim da dominação, com o estabelecimento de vínculos comunitários, com
o entendimento da posição do ser humano no mundo e sua relação direta com a prórpia
evolução do mundo natural.

A ecologia social proporia uma solução de base uma comunitára ouvindo-se as populações locais
que, de algum modo, foram levadas a se firmar nesse local. Não se pode colocar a
responsabilidade nessas populações que reividnicam a rodovia. Elas estão inseridas e atendem
às suas necessidade de subsistência numa lógica capitalista, de geração de lucros.

Quando o Estado se coloca como definidor de prioridades e elenca a necessidade de


desenvolvimento e escoamento de produção em uma dada localidade verifica-se uma forte
interferência do sistema capiltalista, no qual, segundo Bookchin, tanto os seres individuais
quanto as comunidades devem “crescer ou morrer”.

Impõe-se às comunidades a necessidade da geração de lucro a partir da natureza, seja pela


exploração de madeira diretamente, seja pelo valor de uso da terra quando se coloca a
necessidade de valorização das terras pela implantação de monoculturas e, por consequência,
da necessidade de escoamento de produção. Todas essas ações dependem da supressão de
vegetação.

Nesse contexto, há que se questionar o sistema e suas instituições, pois que foram criadas pelos
próprios seres humanos.

Os estudos ambientais aqui apresentados transitam entre uma lógica conservacionista e


preservacionista, sempre exaltando a necessidade do Estado. Do estado como tomador de
decisão; como instância de planejamento institucional, como regulador do acesso à natureza,
como definidor das necessidades das comunidades.

O sistema capitalista impõe o entendimento de que a “humanidade” precisa de soluções


idênticas, seja qual grupo for. Aqui, há que se pensar, novamente na base de ecologia social que
entende que a humanidade é formada por grupos diversos e que seus interesses podem ser
diferentes daqueles vistos pelo Estado e a eles imposto.
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Há que se colocar alguns questionamentos: haveriam outras forma de subsistência (a exemplo


das associações de seringueios, de produtores de açaí, grupos de mulheres artesãs)? A
população deseja e precisa do transporte rodoviário, seja de cargas ou de passageiros? Como
estimular a governança e/ou autogestão dos povos que ali residem?

Não se pode abordar a questão do desmatamento somente pelos aspectos ecológicos. Todo e
qualquer problema ecológico na sociedade atual advém do social, do sistema e das instituições
criadas. É necessário considerar as desigualdades, fome e miséria em função do modelo
capitalista.

As populações vivem e se comportam de acordo com as contingências em que estão inseridas


e, de certo modo, nem sempre agem puramente de acordo com as próprias convicções.

Assim, impõe-se a necessidade de desenvolvimentismo de se gerar renda, considerando-se


como única opção a implantação do agronegócio, gerando a consequente necessidade de
escoamento de produção e, por fim, implantação de estradas. Num contexto de longo prazo
essa implantação leva à alteração da paisagem e das dinâmicas populacionais findando num
aumento significativo do desmatamento da Amazônia legal, chegando-se também nas ameaças
às terras dos povos tradicionais.

Percebe-se que não há soluções prontas, isso deve vir de diálogo e entendimento das
necessidades de cada comunidade. A ecologia social leva ao questionamento da ordem social,
das instituições, mas não por meio de simplismo e do dualismo que contrapõe homem e
natureza considerando que sociedade e natureza estão fundidas e são interdependentes.

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