Hals, 12 ART
Hals, 12 ART
Hals, 12 ART
Vera Maria Tietzman Silva é professora titular da Faculdade de Letras da Universidade Fede-
ral de Goiás. Mestre em Literatura Brasileira pela mesma Universidade.
1Palestra proferida na IX Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém do Pará, em 21 de setem-
bro de 2005.
175
SILVA, Vera Maria Tietzman
176
Transitando nos limites: uma leitura de As Formigas de Lygia Fagundes Telles
177
SILVA, Vera Maria Tietzman
178
Transitando nos limites: uma leitura de As Formigas de Lygia Fagundes Telles
180
Transitando nos limites: uma leitura de As Formigas de Lygia Fagundes Telles
casa. São locais de passagem, nos quais a narradora não se detém. Sua
menção serve apenas para reforçar a interioridade e o difícil acesso do
quartinho no sótão. Quanto ao espaço aberto da rua, que se opõe aos
outros dois espaços fechados, ele só comparece na abertura e no fecha-
mento do conto, compondo, via repetição de ações e descrições, a
circularidade do conto. Observemos esses dois momentos:
Quando minha prima e eu descemos do táxi já era quase noite.
Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais
a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada. (Telles, 2004,
p.11)
No céu, as últimas estrelas já empalideciam. Quando encarei a casa,
só a janela vazada nos via, o outro olho era penumbra. (Telles, 2004,
p.18)
Nos trechos transcritos, duas circunstâncias chamam a atenção do lei-
tor: o tempo das ações e a animização do sobrado. Pode-se dizer que “As
formigas” é um conto noturno, o que é relevante em termos de construção
de atmosfera. Ele começa num início de noite e termina perto de um ama-
nhecer, ou seja, mais ou menos nos horários das marés, nas “horas abertas”,
o que lhe dá conotações mágicas. A magia do horário, contudo, é mais
nítida na rotina das formigas, que invadem o quarto das moças por volta
da meia-noite, outra “hora aberta”, propícia à intervenção do sobrenatural.
Reforçando essa impressão, a autora insere outros dois índices que reme-
tem às histórias folclóricas: as formigas aparecem em três noites consecuti-
vas, sempre no mesmo horário, e desaparecem ao amanhecer, como os vam-
piros e lobisomens.
Voltando às cenas de abertura e fechamento do conto, percebemos que a
casa é humanizada, o que é perfeitamente aceitável em termos simbólicos,
uma vez que tanto a tradição folclórica como as teorias psicanalíticas reco-
nhecem na casa a representação do corpo ou da alma humana (MAILLANT,
1972, p.156-160). As janelas ovaladas são os seus olhos, fazendo um
contraponto por espelhamento com a conhecida frase de Leonardo da Vinci,
que diz serem os olhos “as janelas da alma”. Contudo, ao confrontarmos as
duas passagens (ver as citações acima), deparamo-nos com um paradoxo
que, numa primeira leitura, passa despercebido: “só a janela vazada nos via.
O outro olho era penumbra”. Qual deles enxergava, afinal? O olho sadio,
como o primeiro excerto sugere, ou o olho cego? A indefinição se dá pela voz
da narradora, pondo também em xeque a sua percepção dos demais fatos
narrados. Hesita a narradora, hesita o leitor e, na indefinição que não se es-
clarece, prolonga-se o clima do fantástico para além do término do conto.
181
SILVA, Vera Maria Tietzman
3Em A metamorfose nos contos de Lygia Fagundes Telles (v. Referências) fizemos um estudo
desse tema em um corpus de mais de 70 contos da autora.
182
Transitando nos limites: uma leitura de As Formigas de Lygia Fagundes Telles
184
Transitando nos limites: uma leitura de As Formigas de Lygia Fagundes Telles
madrugada. A mesma sorte não tem o leitor, que permanece, como a esca-
da que leva ao sótão, parafusando em sua mente sobre o que de fato teria
acontecido no quartinho do sótão.
Ao fim destas breves considerações, que não esgotam as leituras possí-
veis de “As formigas”, podemos comprovar o virtuosismo desta ficcionista
brasileira, que se move tão à vontade nos meandros do gênero fantástico.
Este conto, como anunciamos no início, é apenas um dedo mindinho, uma
pequena amostra. Ele pode, contudo, apontar-nos metonimicamente para
a real estatura da grande e sedutora obra literária de Lygia Fagundes Telles.
BIBLIOGRAFIA
186