Resumo Capítulo 13
Resumo Capítulo 13
Resumo Capítulo 13
São muitas as teorias sobre o assunto, podendo, no entanto, ser discriminadas entre
duas grandes tendências-limite: uma no sentido de estudar-se o valor de modo
subjetivo, e outra que procura explicação de natureza puramente objetiva. Tudo está
em responder a esta pergunta: como e por que os valores valem? Não resta dúvida
que sentimos que as coisas valiosas se nos impõem, determinando nossos atos,
prendendo, de certa forma, nosso espírito. Por que essa força enlaçante do valor?
No mais das vezes, essas interpretações e outras semelhantes não se excluem, mas
se completam, sempre sem abandono de processos anímicos no plano da
Psicologia empírica, prevalecendo soluções de tipo eclético, como quando se afirma:
valioso é o que nos causa prazer, suscitando o nosso desejo.
E mais, se o indivíduo fosse fonte e medida dos valores, como explicar a força ou a
pressão social que eles representam, não só ditando comportamentos, como
exigindo ações de conformidade ou de subordinação em conflito com as
preferências individuais?
75. A teoria sociológica assume uma atitude crítica perante as conclusões das
doutrinas psicológicas da valoração, em cujo âmbito já se nota, aliás, tendência no
sentido de se situar o problema, não à luz da Psicologia dos indivíduos, mas segundo
as exigências da Psicologia social.
Assim é que alguns autores preferem admitir que os valores não são produto de um
indivíduo empírico, mas algo que deve ser estudado como fato da sociedade no seu
todo como expressão de crenças ou desejos sociais (Gabriel Tarde) ou produtos da
consciência coletiva (Émile Durkheim).
Põe-se, pois, o problema de uma Sociologia dos valores, que é uma ordem de
pesquisas de grande relevo, resultante da consideração de que a sociedade não
representa um simples ajuntamento de homens, mas algo de irredutível a cada um
de seus elementos componentes. Esta idéia da sociedade como um todo, que não se
reduz aos indivíduos que a formam, constitui idéia nuclear na Sociologia francesa,
especialmente na de inspiração durkheimiana. Nos estudos sociológicos de
Durkheim (1858-1917) e de seus continuadores, é de importância primordial a teoria
de uma consciência coletiva irredutível e superior à consciência dos indivíduos
componentes. Assim como o hidrogênio e o oxigênio se compõem para formar a
água, e esta não reúne as qualidades de seu elementos formadores, líquido que é,
não comburente nem combustível, assim também a sociedade formaria um todo
uno e diverso, que não seria explicável tão somente pela simples soma dos
indivíduos que se congregam para viver em comum. O elemento distintivo do fato
social seria dado pela consciência coletiva, insuscetível de ser explicada à luz da
Psicologia individual.
Cada homem de per si subordinar-se-ia ao mundo dos valores, por serem eles a
expressão, não de cada membro em sua singularidade pessoal, mas da consciência
coletiva considerada em sua unidade, podendo ser explicado, desse modo, o seu
caráter ideal sem ser necessário recorrer “a um mundo transcendente”: “O valor,
esclarece Durkheim em um famoso ensaio, provém da relação das coisas com os
diferentes aspectos do ideal; mas o ideal não é uma fuga para um além misterioso;
ele está na natureza e é da natureza”2. Como jamais do desejável pode resultar a
obrigação moral, nem o desejável definir a obrigação, é preciso recorrer à idéia de
consciência coletiva, que é “ao mesmo tempo transcendente com referência às
consciências individuais e está nelas imanente, e nós a sentimos como tal”. Desse
modo, o obrigatório e o desejável, o dever e o valor “não são mais que dois aspectos
de uma única e mesma realidade, que é a realidade da consciência coletiva”.
Essas teses foram desenvolvidas amplamente por grande número de seus
discípulos, bastando lembrar dois nomes, por terem cuidado de problemas ligados à
vida jurídica. ambos acentuando a tese durkheimiana do direito como “símbolo
visível da solidariedade social”.
A obra da Davy é de inegável importância neste campo do conhecimento, por ter ele
procurado mostrar como na história da sociedade vão surgindo valores, que depois
se impõem ao homem, com um caráter de objetividade e idealidade. Até mesmo a
idéia de personalidade jurí- dica seria a expressão de algo elaborado na consciência
coletiva, fruto de uma longa experiência.
A obra de Bouglé sobre a evolução sociológica dos valores distingue-se pela clareza
de seus conceitos e por mostrar-nos como determinadas posições espirituais de
natureza estimativa não surgiram na consciência histórica repentinamente, mas
marcam, ao contrário, o amadurecimento, digamos assim, de um processo
multissecular.
Quaisquer que sejam as restrições que possam ser feitas a estes estudos, o certo é
que eles representam um esforço notabilíssimo no sentido de explicar a objetividade
dos valores, a razão pela qual os valo- res se impõem aos indivíduos, muitas vezes
contrariando frontalmente seus desejos.
É inegável que o homem não segue apenas o que deseja ou quer; ao contrário,
subordina sua conduta, em muitas e muitas ocasiões, a algo que contraria suas
tendências naturais ou espontâneas. O valor de um ato resulta, bastas vezes, da
não-satisfação de um desejo, do superamento daquilo que seria inclinação imediata
de nosso ser.
Desde Kant se pode declarar verdadeira a afirmação de que do mundo do ser não se
passa para o do dever ser. Da simples verificação de que um fato “é” não resulta que
ele “deva ser”. O que é não envolve, como nexo necessário, aquilo que deve ser. O
dever ser, muitas vezes, é o contraposto daquilo que é. Isto não representa uma
novidade para o jurista. A vida jurídica é uma luta incessante contra a transgressão
legal e o delito, para salvaguarda de bens e de valores.
Desse modo, cabe reconhecer que a explicação sociológica e psico- lógica é válida
para a gênese do mundo estimativo, mas não para sua validade intrínseca. Por que
os valores obrigam? Valerão apenas pelo fato de serem revelados pela consciência
total? Mas quem nos garante que, em dados momentos da História, o partidário do
valor autêntico não seja aquele que se divorcia das médias estimativas dominantes
e se contrapõe, heroicamente, ao comumente consagrado como concreção do valor
mais alto? A História está aí para demonstrar-nos que mártires e heróis reve- lam,
muitas vezes, num ato singular, um valor contestado pela sociedade inteira, e que é
só o decurso do tempo que logra desvelar o seu significado altíssimo, arrancando os
véus dos preconceitos e da rotina. A opinião da maioria não traduz, de forma
alguma, a certeza ou a verdade no mundo das estimativas. Poderá ser indício de
verdade ou de validade, como já Santo Tomás de Aquino o observara, a propósito do
problema do bem, ao dizer que se pode esperar que o bem seja aquilo que acontece
mais freqüentemente... Mas o acontecer com freqüência é apenas indício, que
poderá ser contrariado no decurso da História. Daí a idealização que Durkheim fez da
consciência coletiva para conciliar o mundo do ser com o do dever ser, passando do
campo da Sociologia para o da Filosofia Social.
ONTOLOGISMO AXIOLÓGICO
Max Scheler, falecido em 1928, é autor de uma obra à qual já fizemos referência, e
que representa uma crítica admirável do formalismo ético de Kant para a
elaboração de uma ética material de valores. Seu livro fundamental intitula-se O
Formalismo na Ética e uma Ética Mate- rial de Valores (1913-16), no qual foram
lançadas com maestria as bases de uma Ética de conteúdo, a Ética de conteúdo
estimativo ou axiológico.
Este segundo pensador leva tão longe a separação entre o mundo dos valores e o
mundo histórico que chega a dizer que só podemos captar os valores na sua
singularidade, porque eles não se comunicam uns com os outros, nem tornam
possível qualquer processo. O seu objetivismo culmina, pois, em um verdadeiro
ontologismo axiológico. Na teoria de Hartmann, os valores representam um mundo
subsistente e cerrado em si mesmo, com todas as características de uma realidade
ontológica.
Já foi dito muito bem que a natureza se repete e que só o homem inova. É a essa
atividade inovadora, capaz de instaurar formas novas de ser e de viver, que
chamamos de espírito11. O ponto de partida não é, como se vê, uma hipótese
artificial, mas a verificação irrecusável de que o homem adicionou e continua
adicionando algo ao meramente dado.
A natureza de hoje não é a mesma de um, dois ou três mil anos atrás, porque o
mundo circundante foi adaptado à feição do homem. O homem, servindo-se das leis
naturais, que são instrumentos ideais, erigiu um segundo mundo sobre o mundo
dado: é o mundo histórico, o mundo cultural, só possível por ser o homem um ser
espiritual, isto é, um ente livre dotado de poder de síntese, que lhe permite compor
formas novas e estruturas inéditas, reunindo em unidades de sentido, sempre
renovadas e nunca exauríveis, os elementos particulares e dispersos da experiência.
Ora, graças à verificação de tais fatos, podemos afirmar que o espírito humano se
projeta sobre a natureza, dando-lhe uma dimensão nova. Esta dimensão nova são
valores, como a fonte de que promanam.
Que é que move o espírito nessa realização histórica, que não pertence a fulano ou a
beltrano, mas à totalidade da espécie humana, em sua universalidade? Que move o
homem nesse projetar-se histórico? Na resposta, divergem as diferentes doutrinas.
Dirão uns que são tendências profundamente éticas, outros que é o anseio de
liberdade, outros ainda que nos determinam necessidades econômicas inelutáveis
no sentido do progressivo domínio sobre a natureza.
A essa projeção do espírito para fora de si, no plano da história, como história, é que
Hegel denominava espírito objetivo — expressão que podemos conservar sem aderir
aos pressupostos do filósofo germânico: é, em suma, o mundo da cultura, ou o
mundo histórico-cultural.
Não basta, portanto, tecer uma explicação genética do mundo estimativo, pois é
mister procurar a razão de ser daquilo que se põe como valor e o valor não se
compreende sem referência à história.
Os valores não são, por conseguinte, objetos ideais, modelos estáticos segundo os
quais iriam se desenvolvendo, de maneira reflexa, as nossas valorações, mas se
inserem antes em nossa experiência histórica, irmanando-se com ela. Entre valor e
realidade não há, por conseguinte, um abismo; e isto porque entre ambos existe um
nexo de polaridade e de implicação, ou de complementaridade, de tal modo que a
história não teria sentido sem o valor: um “dado” ao qual não fosse atribuído algum
valor seria como que inexistente; um “valor” que jamais se convertesse em momento
da realidade seria algo de abstrato ou de quimérico. Pelas mesmas razões, o valor
não se reduz ao real, nem pode coincidir inteiramente, definitivamente, com ele: um
valor que se realizasse integralmente converter-se-ia em “dado”, perderia a sua
essência que é a de superar sempre a realidade graças à qual se revela e na qual
jamais se esgota.
À concepção especial, segundo a qual os valores não são apenas fatores éticos
(capazes de ilustrar-nos sobre o sentido de experiência histórica do homem), mas
também elementos constitutivos dessa mesma experiência, é que denominamos
historicismo axiológico, cujos conceitos e exigências estão implícitos sempre nas
páginas deste livro.