Paisagem Urbana e Direito A Cidade Ladu Prourb Volume1
Paisagem Urbana e Direito A Cidade Ladu Prourb Volume1
Paisagem Urbana e Direito A Cidade Ladu Prourb Volume1
Volume 1
Paisagem urbana e direito à cidade
Organizadores
Rosângela Lunardelli Cavallazzi
Cláudio Rezende Ribeiro
Rio de Janeiro
Editora PROURB
2020
Vários autores.
ISBN 978-65-00-15228-9
21-53824 CDU-34:71(81)
Apresentação 5
Um livro, como a cidade, ao alcançar seu leitor, esconde sob sua forma todo o
processo de sua produção. A classificação simples dos materiais de divulgação
científica existente encaixaria este trabalho em meio a diversas coletâneas de
artigos cada vez mais usuais em nosso meio acadêmico contemporâneo. No
entanto, essa generalização não esclarece os diferentes percursos realizados
por cada uma destas obras, igualando diferentes processos de forma imprecisa.
Nesse momento, portanto, desejamos trabalhar com intuito de elaborar
não apenas uma usual apresentação, mas um breve texto científico introdutório
que possibilitará enxergar esta obra de forma ao mesmo tempo concisa, coe-
rente e plural a partir da evidenciação de seu método de construção. Os doze
textos que seguem são fruto do trabalho coletivo do Grupo de Pesquisa Direito
e Urbanismo, que tem como premissa o estudo da paisagem sob a égide do
direito à cidade como um sistema composto por um feixe de direitos humanos.
Assim, pesquisadores com formações diversas, originalmente das áreas do
direito e do urbanismo, realizam seus estudos no intuito de construir um
diálogo possível e desejável entre diferentes esferas do saber em torno do
espaço urbano.
Os temas abordados por cada um dos autores constituem uma paisagem
de um pensamento social heterogêneo, refletindo, muitas vezes, nos choques
entre suas idéias, o tecido social conflituoso que é a cidade contemporânea
brasileira. Unindo-os, há o desejo de construir críticas teóricas e estudos de
casos-referência reveladores da difícil tarefa do intérprete da paisagem urbana
em direção ao dissenso democrático.
O processo de produção foi alimentado pela formação acadêmica. Os
artigos constituem desdobramentos de dissertações de mestrado e teses de
APRESENTAÇÃO
1 Canaris, em 1989, já definia a importância dos princípios para dar coerência ao sistema
na Ciência do Direito. Segundo ele, princípios não valem sem exceção e podem entrar em
oposição ou contradição entre si, não têm pretensão de exclusividade, ostentam o seu
sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas e,
finalmente, necessitam, para a sua realização, da concretização através de subprincípios
e de valorações singulares com o conteúdo material próprio. No plano do direito pátrio,
Paisagem urbana e direito à cidade, Rio de Janeiro, 2010. p. 9-22. Coleção Direito e Urbanismo
destacamos o conceito de José Afonso da Silva, para quem os princípios são verdadeiros
mandamentos nucleares de um sistema.
2 Casos-referência, denominação introduzida e adotada por Cavallazzi em sua tese de dou-
torado (1993). Segundo a autora, o caso-referência permite a compreensão dos planos da
eficácia jurídica e da eficácia social da norma. Trata-se de caso exemplar, presente na
realidade (objeto real), que passa a constituir uma referência para a construção do objeto
de conhecimento. São casos exemplares, que pela sua importância e complexidade foram
adotados pelo grupo de pesquisa como paradigmas para que o grupo pudesse se
aprofundar no estudo da mediação entre direito e urbanismo, possibilitando a aplicação
das conclusões alcançadas em outros casos semelhantes.
IMPASSES E POSSIBILIDADES
6 Conteúdo da “Carta mundial pelo direito à cidade”, apresentada no Fórum Social Mundial
de 2003.
7 Para Cavallazzi e Araujo, 2003, mesmo que caiba ao município a competência privativa
de legislar sobre assuntos de interesse local, ainda persistem, no campo do uso e ocupação
do solo, enormes contradições na gestão das administrações municipais, inviabilizando
a inclusão socioespacial de parcela significativa de população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Através desta, todos poderão regularizar a situação de seu imóvel e valorizar seu bem.
Nas áreas onde não for possível identificar todos os moradores, será dado o título de
concessão coletiva. O título de concessão de uso especial para fins de moradia não poderá
ser concedido em situações em que o possuidor tiver título de imóveis, utilizar o imóvel
para outros fins que não o de moradia, estiver em área de preservação ambiental ou em
área de risco. No caso de áreas de risco e de preservação ambiental, o município deverá
reassentar os cidadãos em outras áreas do município.
BORJA, Jordi; MUXI, Zaida. Edicion Electa Disputació Barcelona Xarxa de mu-
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RESUMO
ABSTRACT
This article is based on Legal and urban translation of urban landscape search,
which, in view of promoting dialogue between urban and law, qualifies the
interpretation of the meaning of the standard seeking, above all, a focus broad-
ened the scope and importance of allowing Master Plan the implementation
of its devices, in camps and urban social environmental. The article also re-
lates to the structured of that research in the plans of: the epistemological
status of the Urban Brazilian Law; the effectiveness of the social norm; public
policy and democratic management of cities; and the legal instruments and
urban supervision of the City Rights. This includes the analysis of case-refer-
ence of São Gonçalo municipality, prioritizing those that combine issues con-
cerning supervision of the city rights, from the democratic management of
the city, as a principle of interpretation.
Keywords: urbanism, urban law, city, norm, urban planning and management.
INTRODUÇÃO
5 Evidências trazidas pelos levantamentos realizados pelo IBGE, pelo Worldwatch Institute
e pela European Foudation for the Improvement of Living and Working Conditions.
6 Fernandes, 2005, p. 181.
7 Fundo das Nações Unidas para a População, 2009, p. 100.
8 As desigualdades sociais fizeram aflorar os contornos da cidade informal, fruto da ocupa-
ção desordenada de espaços impróprios à habitabilidade. Os assentamentos irregulares,
excluídos da regularização fundiária e dos sistemas financeiros formais, somam aproxi-
madamente 40,5% dos domicílios urbanos do país e estão concentrados nas áreas prote-
gidas contra edificações ou não disponibilizadas para o mercado imobiliário formal pela
legislação urbano-ambiental (Maricato e Santos Júnior, p. 1). São regiões frágeis, protegidas
por sua função ambiental ou não passíveis de urbanização, que, uma vez ocupadas,
podem provocar enchentes, erosões, contaminações dos mananciais, entre outros desas-
tres socioambientais. Essas áreas são marcadas pela ausência do Poder Público e dos
serviços por ele prestados, o que levou a literatura a estabelecer dicotomias para a sua
denominação – por exemplo, legal/ilegal, formal/informal, oficial/não oficial –, que man-
tém forte conteúdo político ideológico.
9 As evidências apresentadas pelo IPCC mostram que tais padrões terão que sofrer alterações
substanciais com vistas a estancar e, se possível, reverter processos que levam ao
desequilíbrio ambiental global.
10 Sobre justiça ambiental, ver Cavedon, 2010, p. 161-185.
Segundo Milton Santos, o espaço inclui, além dos homens com seus
diversos tipos de trabalho e de demanda: as firmas, com sua função de produ-
ção de idéias, bens e serviços; as instituições, responsáveis pela ordenação,
produção de normas e legitimações; as infra-estruturas, que são os artefatos
humanos, ou seja, “o trabalho humano materializado e geografizado”; e o
meio ecológico, que, para o autor, “é o conjunto de complexos territoriais que
constituem a base física do trabalho humano.” 28 Esses elementos interagem
uns com os outros a partir de relações que não são apenas bilaterais, mas
29 Ibid., p. 25-26.
30 Cf. Ferraroti, apud Silva, 2006, p. 25.
31 Ibid.
32 É certo que as relações sociais são conflituosas por natureza: tanto sua produção quanto
sua remediação e seu reconhecimento são situações de conflito. Compreender, portanto,
que não é possível eliminar os conflitos ou resolvê-los, é pressuposto para o lançamento
de um novo olhar sobre eles. Em uma nova abordagem, o tratamento dos conflitos é
direcionado à sua transformação em chave para a compreensão das relações sociais con-
temporâneas. Diferente de considerar os conflitos somente como obstáculos a serem supe-
rados, essa nova perspectiva dialética de compreensão os vê também como possibilidades.
33 Sobre o tema, vide Giddens, 2000 e Beck, 2002, 1995, 1998.
Nesse sentido, Milton Santos afirma que o meio ambiente natural, como
“natureza primeira”, deixou de existir quando “o homem se transformou em
homem social, através da produção social”. Para o autor, “[o] meio ecológico já
é meio modificado, e cada vez mais é meio técnico. Dessa forma, o que em
realidade se dá é um acréscimo ao meio de novas obras dos homens, a criação
de um novo meio a partir daquele que já existia [...]”.
Tal entendimento é adotado desde a Conferência de Estocolmo sobre o Meio
Ambiente Humano, realizada em 1972, 40 que reconhece em sua Declaração que:
Como se vê, o conceito de meio ambiente não pode mais estar restrito
ao aspecto natural, devendo abranger o que é artificial ou construído, no sen-
tido da atuação humana, e também os valores históricos e culturais, princi-
palmente quando o meio ambiente a ser considerado é aquele que constitui o
espaço urbano.
A perspectiva, no campo do direito, é a de uma visão da relação homem-
natureza que seja compatível com a proteção do meio ambiente assim consi-
derado. Embora a origem do direito ambiental esteja vinculada à lógica
antropocêntrica-utilitarista, em que o sentido da proteção do meio ambiente se
dá pela sua capacidade de aproveitamento pelo homem, 42 a tendência é o reco-
nhecimento pelo ordenamento jurídico do valor intrínseco do bem ambiental. 43
44 O Relatório Brundtland, ou “Nosso futuro comum”, foi elaborado pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1985, e desenvolveu o conceito de desen-
volvimento sustentável. Esse relatório foi posteriormente introduzido no âmbito inter-
nacional pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992 e também conhecida como Rio-92 ou
Cúpula da Terra, e reforçado pela Agenda 21 na mesma conferência. Conceito controverso,
que possui diferentes versões, o desenvolvimento sustentável busca a compatibilização
entre crescimento econômico e conservação do meio ambiente, sem comprometimento
das necessidades das gerações futuras.
45 A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), entre outros avanços, instituiu o
Sistema Nacional do Meio Ambiente; estabeleceu a responsabilidade objetiva do poluidor
de reparar os danos causados ao meio ambiente; e, de forma essencial para a o desenvol-
vimento da matéria, incorporou no ordenamento jurídico pátrio o meio ambiente como
objeto específico de proteção, em suas diversas manifestações.
46 A Lei 7.347/85 instituiu a ação civil pública como instrumento processual específico
para a proteção dos interesses difusos e coletivos, entre eles o meio ambiente, trazendo
as atitudes contrárias a seu equilíbrio e proteção para o âmbito da jurisdição.
47 A Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) dispõe sobre as sanções penais e administra-
tivas derivadas das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O advento desta lei
proporcionou a sistematização das sanções administrativas, a tipificação orgânica dos
crimes ambientais e a inclusão da pessoa jurídica como sujeito ativo desses crimes, signi-
ficando um avanço na tutela do meio ambiente.
48 Sobre o tema, a afirmação de Eros R. Grau: “Produto cultural, o direito é, sempre, fruto de
uma determinada cultura. Por isso não pode ser concebido como um fenômeno universal
e atemporal.” (Grau, 2008, p. 20)
com suas distorções, torna-se por outro lado possível pela teoria das
“gerações” de direitos: os direitos humanos, independentemente do modo
como são classificados, revelam uma natureza essencialmente comple-
mentar, interagem uns com os outros; não se “substituem” ou se “suce-
dem” uns aos outros, distintamente do que a invocação infeliz da imagem
da passagem das gerações pareceria indicar. 71
Afirma, portanto, que “[a] emergência de ‘novos direitos’ não pode ter tido o
propósito de comprometer ou minar os avanços e conquistas do passado,
senão o de consolidá-los, enriquecê-los e desenvolvê-los ainda mais.” 72
Sob essa pespectiva, o direito humano fundamental ao meio ambiente
equilibrado, conforme delineado pelo ordenamento jurídico brasileiro, “ao
invés de acarretar restrições ao exercício de outros direitos, vem enriquecer o
corpus dos direitos humanos consagrados”. 73 O direito ao meio ambiente,
portanto, veio somar-se aos direitos humanos preexistentes, todos de igual
relevância para a constituição plena do direito à cidade.
Esse entendimento vai ao encontro da interpretação sistemática e teleo-
lógica dos artigos 182 e 225 da Constituição Federal, que, em conjunto, têm o
objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes a partir da construção de um meio
ambiente urbano equilibrado, o qual compreende o meio ambiente natural, o
artificial e o cultural. Tal fato demonstra que os interesses públicos de natu-
reza urbanística não podem estar dissociados daqueles relacionados à manu-
tenção do meio ambiente natural ecologicamente equilibrado.
Celso Antonio Pacheco Fiorillo sintetiza sua concepção sobre o tema da
seguinte forma:
89 Dentre as conferências realizadas pela ONU nas duas últimas décadas, destacam-se as
seguintes: Infância, 1990, em Genebra; Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, 1992,
no Rio de Janeiro; População e Desenvolvimento, 1994, no Cairo; Pobreza e Desenvolvi-
mento Social, 1995, em Copenhague; Assentamentos Humanos – Habitat II, 1996, em
Instanbul; Mulher, 1997, em Beijing; Habitat 2 + 5, 2001, em Nova York.
90 Acselrad, 2009, p. 44.
91 Ibid., p. 43-52.
suas características levaria o presente trabalho para rumos diversos dos deli-
mitados pelo objeto de estudo. 92
O que se pode depreender do amplo debate teórico que explora a impre-
cisão e as insuficiências dessas expressões é que a sustentabilidade ambiental
como requisito do desenvolvimento das sociedades é uma meta a ser atingida.
Uma meta que tem como objetivo não um simples “aperfeiçoamento” do que
se convencionou como desenvolvimento, e sim uma verdadeira superação da
concepção determinada pelos padrões modernos de produção e consumo, ou
seja, uma “nova utopia de entrada no terceiro milênio”. 93
Ciente desse debate, o presente trabalho não pretende adotar um con-
ceito de sustentabilidade, que, na linguagem jurídica, representa a flexibilidade
de interpretação de um conceito jurídico indeterminado. Da mesma forma,
não convém adotar um conceito de desenvolvimento sustentável, visto que a
expressão constitui “uma espécie de quadratura do círculo”, como prevê José
Eli da Veiga. 94 O que se busca aqui é a produção de sentidos da sustentabili-
dade urbano-ambiental condizentes com a eficácia social do direito à cidade
no espaço e no tempo que se vive e que se projeta para o futuro.
A realização das funções sociais da cidade e a garantia do direito à
cidade sustentável pressupõem, portanto, a mudança da trajetória de desen-
volvimento das cidades, afim de adequá-las aos preceitos constitucionais de
proteção do meio ambiente e de realização da vida; e não o caminho inverso,
que tem sido percorrido, no sentido de tentar trazer os instrumentos jurídico-
ambientais e jurídico-urbanísticos para dentro da cidade pautada em modelos
de desenvolvimento tradicionais.
No âmbito das competências comuns e concorrentes de ordenação das
cidades e de proteção do meio ambiente, que é o lugar que os diferentes entes
da federação podem compartilhar, entre todos, a cidade que se quer projetar
para as futuras gerações deve-se incorporar de maneira transversal à sustenta-
bilidade, para se delinear um curso apropriado de gestão urbana condizente
com a garantia plena do direito à cidade.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio
de Janeiro: Garamond, 2005.
RESUMO
ABSTRACT
the culture concept – requires the definition of the right beyond the perspec-
tive of scientific rationality that characterize the modern paradigm of knowl-
edge. This work was written from the law perspective of the dialogue between
the concept of urban and the concept of environment, this dialogue led to the
realization that sustainability is a precondition for achieving the city’s social
functions. Therefore, this perspective understands that the fundamental right
to environment is compounded by preexisting fundamental rights in the sense
of a synergy between all of them, in this sense, the right to the city, in it entire
perspective, is the right to sustainable city.
Keywords: sustainability of cities, human rights, right to the city sustainable,
democratic urban management.
INTRODUÇÃO
Paisagem urbana e direito à cidade, Rio de Janeiro, 2010. p. 55-71. Coleção Direito e Urbanismo
PROBLEMÁTICA
Talvez o fato de o conceito de função social ser muito vago tenha impe-
dido que se contestasse a afirmação acima. No entanto, tal assertiva encontra
um grande obstáculo quando se interpreta o art. 182 da CRFB. Isso porque tal
artigo diz que caberá ao Plano Diretor do Município conceituar o que vem a
ser a função social de cada imóvel urbano. E diz mais, em seu § 4º: no caso de
a propriedade urbana 4 não cumprir sua função social, o imóvel, numa etapa
final, será desapropriado com o pagamento de títulos.
Ou seja, a própria Constituição Federal confundiu os dois conceitos
(função social e desapropriação). Ela disse que, ainda que o Poder Público
declare que um imóvel sob propriedade não cumpre sua função social, ainda
assim ele apenas poderá desapropriar o imóvel. Não poderá declarar a sua
não-garantia/tutela pelo Estado. Não poderá declarar, portanto, a não existência
do direito de propriedade, na hipótese.
Os alunos tinham motivos para se sentirem confusos. Os estudiosos, e
principalmente os do Direito da Cidade e Urbanístico, não podem deixar de
rebater a falha da afirmativa “sem função social, não há garantia da proprie-
dade”. O Direito da Cidade e Urbanístico é um direito bastante concreto. As
fraquezas das teorias, nele, aparecem com uma enorme rapidez e evidência. O
que é, ao mesmo tempo, o seu ponto positivo e seu grande desafio. Caberia
ao professor resolver a celeuma. Foi o que tentei fazer, e, agora, exponho o
resultado.
METODOLOGIA
6 Ibid., p. 55.
7 Saule, 1997, p. 55.
8 Sunfeld, 1987, p. 11.
9 Grau, 1983, p. 133-134.
para quem é beneficiado com terras, mas sim para todo o sistema produtivo
nacional, além da sociedade como um todo.
Nas palavras de Manoel Maurício de Albuquerque em sua Pequena histó-
ria da formação social brasileira, 12 referentes à declaração de Estado em 1842:
Como a profusão de datas de terras, tem, mais que outras causas, con-
tribuindo para a dificuldade que hoje se sente de obter trabalhadores
livres, é seu parecer que d’ora em diante sejam as terras vendidas sem
exceção alguma. Aumentando-se, assim o valor das terras e dificultando-
se conseqüentemente a sua aquisição, é de se esperar que o imigrado
pobre alugue o seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de
obter meios de se fazer proprietário.
[...] mas ela própria (propriedade) é uma função social, sobretudo quando
cria poderes inerentes a um bem de produção.
Então, o Poder Público pode (rectius, deve) não apenas (em razão do
poder de polícia) impor limites e condicionantes à propriedade para adequá-
la aos objetivos públicos, mas também obrigar o cumprimento do dever do
proprietário de destinar concretamente seu imóvel a atender um interesse
social, tendo como instituto de legitimação a função social.
Por fim, resta fazer uma observação. Como foi visto, deve o interesse
individual adequar-se ao interesse social. No entanto, a recíproca também é
verdadeira. Na realidade, o que determina a Constituição é que “devem com-
patibilizar-se o interesse individual e o interesse social”, ou seja, um deve
conviver ao lado do outro, não sendo apropriado argüir aqui a sobreposição
do interesse público sobre o privado, pois que a lógica constitucional resulta
na proibição de ser fixado um máximo de utilização do solo que reduza ao
extremo “a capacidade de uso e disposição da propriedade do solo urbano,
sob pena de se comprometer a possibilidade de utilização econômica do imóvel,
isto é, o fundamento do direito de propriedade.” 14
Como já dito, a função social é geralmente tida pela doutrina como condição
para a garantia do direito de propriedade pelo Estado.
José Afonso da Silva 15 assevera que “o intérprete tem que entender as
normas constitucionais que fundamentam o regime jurídico da propriedade:
sua garantia enquanto atende à sua função social [...].” (grifei).
Não obstante colocar a função social como condição de existência do
direito de propriedade, mais à frente o autor se contradiz: “Por outro lado, em
concreto, o princípio [da função social] não autoriza esvaziar a propriedade
de seu conteúdo essencial mínimo, sem indenização, porque este está assegu-
rado pela norma de sua garantia”. 16
Embora conflitante com a explicação do autor a respeito da função social,
o início desta última assertiva citada é correta: a função social, por ser direito
tão fundamental quanto o direito de propriedade, não poderia, em regra, eli-
miná-lo, mas tão só comprimi-lo. O mesmo não ocorre com sua parte final:
não é verdade que o princípio da função social não possa determinar a exclusão
do domínio sobre a coisa sem indenização do até então proprietário. Como se
verá abaixo, o princípio da função social pode, sim, em situações de grave
ofensa a este princípio, eliminar o direito de propriedade.
Em conclusão, encontram-se dois equívocos nos ensinamentos de José
Afonso da Silva sobre a relação entre a propriedade e a função social: i) a
função social positivada pela Constituição brasileira não é, em regra, condição
de validade do direito de propriedade; ii) a função social positivada pela Cons-
tituição brasileira pode sim autorizar a eliminação do direito de propriedade
individual, como realmente o faz no art. 243, caput e parágrafo único.
Sônia Rabello 17 afirma que:
16 Ibid., p. 77.
17 Rabello, 1991, p. 11.
18 Ibid., p. 11-12: “Podemos destarte concluir que, ao aparecer no mundo jurídico, a proprie-
dade nasce obrigatoriamente condicionada à sua função social. O exercício do direito de
Ou seja, também Sônia Rabello coloca a função social como sendo condição
para se ter a garantia, constitucionalmente prevista, do direito de propriedade.
Sem aquela, esta não pode constitucionalmente ser reconhecida e garantida
pelo Estado. Esta é a sua conclusão.
Os civilistas já provaram que sem garantia não há direito. 19
Portanto, afirmar que “o Estado não garantirá o direito de propriedade”
é o mesmo que dizer que “o direito de propriedade não é reconhecido pelo
ordenamento jurídico estatal”, ou seja, que não há direito subjetivo à proprie-
dade – pelo menos não dentro do ordenamento jurídico estatal.
O problema ocorre quando a Constituição brasileira afirma, no art. 182,
§ 2º c/c § 4º, caput e inciso III; art. 184, caput; e art. 243, caput e parágrafo
único, que, em não se cumprindo a função social, haverá a desapropriação (ou
expropriação), sendo, no caso do art. 243, sem indenização, ou seja, confisco.
In textual:
21 Também nesse sentido, Fonseca et al., 1994. O próprio José Afonso da Silva reconhece
isso, embora sem se dar conta da importância de sua assertiva para a definição e esclareci-
mento sobre os efeitos que a função social positivada no Brasil tem sobre a propriedade.
Diz que “a desapropriação atinge o caráter de perpetuidade do direito de propriedade,
cortando-o coativamente.” (Silva, 2006, p. 413)
REFERÊNCIAS
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 1.
RESUMO
Caso seja aceita a idéia praticamente pacífica de que o proprietário que não
cumpre a função social de sua propriedade não terá a tutela, pelo Estado, de
seu direito de propriedade, em se declarando o não cumprimento da função
social da propriedade, ter-se-á, na hipótese, uma não-propriedade – inexistirá
o direito de propriedade – e, portanto, não haverá como incidir desapropria-
ção sobre a mesma – uma vez que não há como se desapropriar coisa não tida
sob a propriedade de alguém. Dessa forma, buscou-se fazer, neste artigo, uma
minuciosa análise dos dispositivos constitucionais sobre o tema, de modo a
identificar algumas verdades e mitos a respeito do instituto função social da
propriedade no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Constituição, direito de propriedade, função social, desapro-
priação, confisco.
ABSTRACT
If it is accepted the current idea that the owner of a land, who did not comply
with the principle of social function when administrating his property, does
not have the authority by the State of his properties right. In this situation,
due to the failure to comply with the principle of function of property, there
is what we call a “non-property” – the owner will not be entitled to ownership –
and therefore there is no possible way to expropriate the land – since it is not
possible to expropriate something that does not belong to someone. Thus, we
attempted to do a deep analysis of constitutional articles on the subject, in
order to identify some truths and myths about the institute of social function
of property in the Brazilian legal system.
Keywords: Constitution, property right, social function, expropriation, con-
fiscation.
MEMÓRIA
elementos que compõem a percepção espacial, por outro). Já o tempo é percebido apenas
uma vez – e cabe à memória trazer o passado à mente diversas vezes, de diversas formas.
6 Freire, 1997, p. 126.
7 Lowenthal, 2005a, p. 200.
8 Ibid., p. 204. No original: “for a memory to have meaning we must forget most of what
we have seen” (tradução nossa).
9 Ibid., p. 210.
10 Ibid., p. 196. No original: “to confirm our own and to give them endurance” (tradução
nossa).
11 Halbwachs, 1992, p. 38.
A MEMÓRIA E A COLETIVIDADE
Andreas Huyssen teme, dada nossa cultura saturada de mídia, que a sobrecarga
de memória resultante e o correspondente oblívio possam comprometer esse
papel:
[...] fica claro que velhas abordagens da memória coletiva – tal como a
de Maurice Halbwachs, que pressupõe formações de memórias sociais e
de grupos relativamente estáveis – não são adequadas para dar conta da
dinâmica atual da mídia e da temporalidade, da memória, do tempo
vivido e do esquecimento. As contrastantes e cada vez mais fragmentadas
memórias políticas de grupos sociais e étnicos específicos permitem
perguntar se ainda é possível, nos dias de hoje, a existência de formas
de memória consensual coletiva e, em caso negativo, que forma de coesão
social e cultural pode ser garantida sem ela. 12
A MEMÓRIA COLETIVA
[...] essas memórias [...] não consistem apenas em uma série de imagens
individuais do passado. Elas são ao mesmo tempo modelos, exemplos e
elementos de aprendizado. Elas expressam a atitude geral do grupo;
não apenas reproduzem sua história, mas também definem sua natureza
e suas qualidades e fraquezas. 16
16 Halbwachs, 1992, p. 59. No original: “these memories [...] consist not only of a series of
individual images of the past. They are at the same time models, examples, and elements
of teaching. They express the general attitude of the group; they not only reproduce its
history but also define its nature and its qualities and its weaknesses” (tradução nossa).
17 Le Goff, 2005, p. 421.
18 Halbwachs, 1992, p. 45. No original: “the most elementary and the most stable framework
of collective memory” (tradução nossa).
HISTÓRIA
ofício [...], corrija esta história tradicional falseada. A história deve escla-
recer a memória e ajudá-la a retificar os seus erros. 23
MONUMENTOS E RELÍQUIAS
23 Ibid., p. 29.
24 Ibid., p. 25.
25 Ibid., p. 538.
26 Ibid., p. 526.
PATRIMÔNIO CULTURAL
31 Riegl, 1984, p. 46. No original: “Le monument n’est plus que le substrat sensible nécessaire
pour produire sur le spectateur cette impression diffuse, suscitée chez l’homme moderne
par la répresentation du cycle nécessaire du devenir et de la mort, de la émergence du
singulier hors du géneral, et de son progressif et inéluctable rétour au géneral. Cette
impression […] met seulement en jeu la sensibilité et l’affectivité...” (tradução nossa)
32 Argan, 1993, p. 83.
33 Freire, 1997, p. 165.
ainda que esses fragmentos (edifícios, praças, lugares) podem ser considerados
supérfluos para os processos narrativos aos quais estão ligados, mas que na
verdade são essenciais para o que denomina de “efeito barthesiano de reali-
dade” do conceito de nação, uma noção abstrata dessa forma tornada concreta.
O autor considera ainda que a retórica da perda é “parte da própria
estratégia discursiva de apropriação de uma cultura nacional”. 39 Mais do que
implicar que só pode existir a perda uma vez constituído o patrimônio, é
preciso reconhecer que a iminência da perda faz parte da própria essência do
patrimônio. Freire considera mesmo que a visibilidade do monumento au-
menta com seu desaparecimento:
39 Ibid., p. 89.
40 Freire, 1997, p. 101.
41 Lynch, 1972, p. 53. No original: “For preservation is not simply saving of old things but
the maintaining of a response to those things. This response can be transmitted, lost, or
modified. It may survive beyond the real thing itself. We should expect to see conflicting
views of the past, based on the conflicting values of the present” (tradução nossa).
VALORES DO PATRIMÔNIO
lógica dos historiadores, apenas à fé dos seus herdeiros, que das imprecisões
e erros recontam fábulas arquetípicas para nutrir a coesão social.
A função primária do patrimônio é prover subsídios para a formação de
esquemas mentais coletivos de identidade. Portanto, privilegia a simplicidade
e os valores simples; não exclui a complexidade per se, apenas ocorre que as
mensagens simples alcançam mais pessoas com mais facilidade. Depois que
esse pano de fundo é estabelecido na infância, na vida adulta os membros da
coletividade conseguem perceber nuances nesses valores, ao se tornarem cons-
cientes de seus papéis na construção da coesão social, reconhecendo que as
histórias associadas ao patrimônio podem ser tanto alegorias como fatos his-
tóricos; alguns poucos irão mesmo se dedicar a desconstruir esses mitos pa-
trimoniais. O problema do conhecimento superficial do passado não é um
problema, do ponto de vista patrimonial, simplesmente porque é parte de sua
essência. A função do patrimônio é, basicamente, estabelecer um quadro refe-
rencial de valores de identidade no presente.
A interpretação dos objetos do passado, então, assume o papel de esta-
belecer vínculos capazes de fomentar esses valores. De acordo com Malpas:
47 Malpas, 2006, p. 174. No original: “the importance of cultural heritage lies in the way in
which it shows us something about ourselves and about the world to which we belong
[…] The task of heritage interpretation, then, is to enable the visitor to recognise that
which is, in a certain sense, already her own, but this is not always an easy task.” (tradução
nossa).
48 Silberman, 2007.
49 Lowenthal, 2005b, p. 13. No original: “While in our world the new replaces the old, in
theirs [in pre-Modern times] the new was but another aspect of the eternal […] Hence few
desired to preserve what was old. The only vestiges of the past medieval Europeans
conserved were princely talismans and spiritual icons – the vestments and bodily traces
of saints and sovereigns.” (tradução nossa).
50 Jeudy, 2005, p. 26.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
JEUDY, Henry-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
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University Press, 2005b.
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MALPAS, Jeff. Cultural Heritage in the Age of New Media. In: KVAN, Thomas;
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RIEGL, Aloïs. Le culte moderne des monuments: son essence et sa génese. Paris:
Éditions du Seuil, 1984.
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SILBERMAN, Neil A. (Org.). Interpreting the past. Volume II: Heritage, new tech-
nologies and local development. Bruxelas: pam Ename; Flemish Heritage Insti-
tute; Ename Center, 2007.
RESUMO
ABSTRACT
This paper examines the concepts of history and property, understanding them
as different ways, yet complementary, of dealing with the past, in order to
allow the construction of better methodologies for protection of cultural heritage.
The essential difference between the two concepts lies in the establishment of
a knowledge about the past, for the history, and the creation of emotional stim-
uli from objects from the past to the present action in the case of heritage. The
correlated concepts of memory and monument are used to further clarificate
the issue, highlighting the notion that both remembrances and monumental
values are in fact built around narratives about the past. While memory is formed
by the continuous rememoration of the past, both individually and socially –
which includes the implied distortion of the past generated by remembrance
itself –, the monument is an object to which is primarily attributed the quality
of invariable permanence in time. The main argument is that heritage must be
understood as a resource to be used by present times. The values we attribute
to each heritage object must be submitted to their present function, originated
in their reinterpretation and reinsertion in a new symbolic context.
Keywords: cultural heritage, history, collective memory, heritage objects.
* Este artigo apresenta um recorte das reflexões realizadas pelo autor em sua tese de dou-
toramento, realizado no Programa de Pós-graduação em Urbanismo da UFRJ. Cf. Ribeiro,
2009.
Paisagem urbana e direito à cidade, Rio de Janeiro, 2010. p. 97-122. Coleção Direito e Urbanismo
3 IPHAN, 1986.
4 Esta relação entre família e Estado será abordada de forma mais detida no decorrer deste
artigo; por hora, vale ressaltar a colocação que Holanda faz sobre o tema na abertura do
capítulo “O homem cordial”, de sua obra Raízes do Brasil: “O Estado não é uma ampliação
do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas
vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo
familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição.”
(Holanda, 1999, p. 141). A partir desta clara definição, o autor vai mostrar como esta é
mais uma idéia que se transforma num grande mal-entendido no Brasil.
5 Ver nota 1 supra.
são travestidos de carência cultural. A idéia que se constrói como senso comum,
e prática comum, é a de que esses conflitos se dão por desconhecimento da
verdade histórica; ainda há quem afirme que esses conflitos deveriam e seriam
resolvidos através da educação – significando, nesse contexto, convencimento
ou imposição. Muito pelo contrário, o que se quer evidenciar é que uma “incom-
preensão do patrimônio” pode ser traduzida por uma negação de identificação
entre o representante e o representado. Muitas vezes os monumentos não
servem de representação legítima àquilo que se deseja denominar como nação.
Portanto, em vez de ser sintoma de falta de educação ou preparo, essa negação
representacional demonstra que o conjunto social que se afirma como nação
exige ser construído sob o desafio de se assumir representações conflituosas
e heterogêneas em sua produção e reprodução e rejeita a tentativa de ser
forjado por um autoritário viés de mando.
Não se quer dar a entender que um patrimônio nacional – ou de qualquer
outra instância de organização social –, que um patrimônio histórico público,
enfim, deva ou mesmo possa ser aceito ou incorporado de forma natural,
imediata e ampla. Muito pelo contrário, afirma-se que patrimônio histórico
trata de disputa social e de disputa social urbana quando se concretiza no
âmbito da paisagem. Porém, quer-se evidenciar a existência de uma lacuna
crítica a respeito da forma de construção e condução do patrimônio histórico
nacional brasileiro que se naturaliza discursivamente e desvaloriza aqueles
que, de alguma forma, o recusam. Para realizar tal tarefa há que se fazer,
portanto, duas reflexões: uma sobre a questão da educação patrimonial e outra
sobre o significado de se habitar um patrimônio.
11 José Maria Gómez faz uma interessante reflexão a respeito das transformações nacionais
e da cidadania, que amplia o debate travado neste estudo: “É preciso ser também, com
um mínimo de direitos, obrigações e garantias institucionais, “cidadão do mundo” [...]:
um cidadão que tem acesso e é reconhecido como membro de comunidades políticas
interligadas – a do Estado-nação, a de regiões supra-estatais e a da ordem global –, exer-
cendo assim cidadanias múltiplas e diversas” (Gómez, 2000, p. 134). É bom deixar claro
que Gómez não prega a formação de um Estado mundial reconhecedor dessa cidadania
global – o que também é assumido pelo presente estudo, assim como se reconhece essa
necessidade de uma re-significação social do que deva ser a cidadania contemporânea
em direção a uma globalização, ou melhor, a um internacionalismo cidadão.
leira que opera fundada nos seus cidadãos, e uma sociedade brasileira que
funciona fundada nas mediações tradicionais”. 12 É esta sociedade, ou família,
que aqui fala mais alto.
Ora, seguindo a idéia clássica de formação da nação, este espaço deveria
ser o espaço do cidadão, gerido por uma relação fundada na entidade nação;
porém como o brasileiro, usualmente, não percebe nem constrói uma relação
segundo esses padrões, ele relega o que é nacional ao Estado – do qual, supos-
tamente, não faz parte. O Estado é visto como um outro, ou, conforme já se
observou, como uma família à parte, à qual não se pertence e na qual, muito
menos, se interfere. Trata-se de mais uma “idéia fora de lugar”. 13
Note-se que, segundo esses exemplos, o espaço cordial ganha ares de
negação do urbano, isto é: ao invés do exercício do conflito, o que se realiza é
sua negação por meio da indiferença ou da intolerância, reflexos da não iden-
tificação do público com seu espaço. Este fenômeno deve possuir alguma re-
lação com a não identificação desse mesmo público com sua memória. Milton
Santos faz uma observação importante ao debater o espaço do cidadão, que
ilustra bem o que tenta-se aqui compreender:
dade era exatamente a esfera do Estado, que nunca foi parte integrada à vida
do brasileiro.
Não se pretende, com essa observação, desconsiderar toda a história e o
papel relevante do IPHAN, muito menos diminuir sua importância, a de seus
fundadores – que atuaram na sua chamada “fase heróica” – e, obviamente, a
dos que ainda hoje mantêm viva a atuação do Instituto, agindo talvez de forma
bem mais heróica do que outrora. Muito pelo contrário, é importante que
sejam discutidas alternativas para a atuação do mesmo, bem como de outros
órgãos semelhantes, de diferentes esferas de poder, em vez de se desmantelá-
los de vez em nome, por exemplo, do mercado, como querem muitos.
A questão patrimonial – notadamente a do patrimônio edificado e urba-
no, mas não somente – possui um caráter tão importante para a (trans)formação
nacional que deve adquirir um grau primário na formação social. Invertendo
as propostas colocadas anteriormente, segundo as quais deveria ser realizada
alguma ação (abstrata) para que o patrimônio fosse salvaguardado, o que se
propõe é que a partir do conhecimento e do reconhecimento do patrimônio
seja permitida a construção de novas relações de sociabilidade capazes de,
em um movimento crítico, superar questões permanentes da história, plurali-
zando passados. Questões permanentes, repita-se, por estarem naturalizadas –
estado insustentável quando se considera a produção de um espaço público e
simbólico como histórica e, portanto, transformável.
A incorporação de práticas coletivas e relacionais que busquem uma
ampliação da percepção patrimonial por parte da população deve ser integrada
ao próprio conceito de patrimônio, de forma a possibilitar uma revisão de
práticas que influenciem e transformem o modo pelo qual o espaço do patri-
mônio é apropriado pela sociedade, seja através de sua visitação, seja a partir
de sua habitação, equilibrando a balança entre a apropriação e a dominação
na direção da superação dessa dicotomia.
Pensa-se, aqui, em práticas sociais (pedagógicas?) que possibilitem um
rompimento da distância existente entre o espaço público e seu habitante, ou
seja, uma aproximação, ou talvez uma fusão do Estado e do cidadão na direção
de uma autonomia a partir do espaço. Imagina-se que, muito além de uma
educação patrimonial, onde “patrimônio” aparece adjetivamente, o que deve-
se pensar em realizar é uma patrimonialização educativa, em que “patrimônio”
readquira um caráter substantivo e possibilite, enfim, que os cidadãos cons-
truam, não apenas simbolicamente, a sua cidade, superando a cordialidade
em nome daquilo que lhes convier, posto que é a partir de uma prática trans-
formadora que uma mudança se dará. Uma mudança como essa significa,
inclusive, revisão do passado, pluralizando-o.
Mas esse adiantamento propositivo adquire aqui ainda um caráter es-
peculativo, cujo objetivo é exercitar a compreensão do que ocorre na produção
do espaço cordial nos monumentos nacionais. Antes de decretar uma idéia de
rompimento na ação, é importante ter em mente os processos de formação da
situação atual e, principalmente, a maneira pela qual a atualidade se produz.
Esta produção está intimamente ligada ao fato de que os locais tidos como
patrimônio nacional são cidades contemporâneas, habitadas. Habitar o patri-
mônio requer um pensar e um agir próprios.
A ação dos movimentos de massa, neste caso, mesmo que não deliberada-
mente organizada, pode ser dada como de exemplo de resposta dos ouro-pre-
tanos à política preservacionista, ao atualizar o objeto colonial, reproduzindo-o
à sua maneira. Esse gesto acabou sendo legitimado pelo Estado através da
reconstrução de um casarão pela FIEMG (Federação das Indústrias de Minas
Gerais) em plena praça Tiradentes, viabilizado com a ajuda da técnica, sempre
acompanhada da política – que determinou a autorização daquela cena pelo
diretor do filme, possuidor de olhar privilegiado pelo poder institucional a ele
atribuído. A tradição criada pelo IPHAN foi abalada por sua própria condição
dúbia de conciliação de opostos. A manutenção da cena barroca como legítima
memória oficial ganhou seu revés quando o choque com a indústria se fez
menos doce e distante que o desejado, interferindo diretamente no cenário
intocável, ou melhor, tocável apenas pela mão de comando. De todas as pre-
missas adotadas pelo IPHAN em Ouro Preto, talvez apenas o aspecto barroco
tenha perpetuado quando esta instituição permitiu, ou teve que permitir, a
ilusória reconstrução do Hotel Pilão pela FIEMG. A mistura de técnicas, tão
temida pela pureza da ação original iphaniana e tão fomentada pelo caráter
cordial de seu discurso, atingiu seu ápice e legitimou, de uma vez por todas, a
REFERÊNCIAS
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 8. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In: ______;
ARANTES, O.; VAINER, C. A cidade do pensamento único: desmanchando con-
sensos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 121-192
RIBEIRO, Ana Clara Torres. O oriente negado: cultura, mercado e lugar. Cadernos
PPG-AU/FAU-UFBA. Salvador, ano 2, p. 97-106, número especial, 2004.
ROCHA, João Cezar de Castro. O exílio do homem cordial. Rio de Janeiro: Museu
da República, 2004.
______. O nada que é tudo. Ou: a cordialidade nossa de cada dia. In: ______ (Org.).
Cordialidade brasileira: mito ou realidade? Rio de Janeiro: Museu da República,
2005. p. 7-16.
RESUMO
ABSTRACT
The following paper is based on social relations observed through its spatial
bias in order to build new forms of understanding the practices over the pres-
ervation of cultural heritage related to urban sites in Brazil. Among many
cities eligible to be the main object of this study, it was Ouro Preto the chosen
due to its privileged interface with Brazilian national identity. A new concept
was here created as a manner of bringing different analysis to the field of
urban studies, that is, the “cordial space”. It came out from the crossing of
two different key concepts, the Henri Lefebvre’s production of space and Sérgio
Buarque de Holanda’s “cordial man”. Thus, it was possible to evidence the
way the policies of heritage preservation in urban sites become a form of
space and social domination due to the “cordiality” that remains even in the
representations of the space as in the spaces of representation as well in the
social practices that one can observe in a city like Ouro Preto. It was also
possible to determinate new possibilities in spatial production in this city due
to new forms of technical spread that takes place there nowadays.
Keywords: Ouro Preto, historic heritage, patrimonial education.
Paisagem urbana e direito à cidade, Rio de Janeiro, 2010. p. 123-142. Coleção Direito e Urbanismo
PARTE I
Projeto - (s.m.) [do lat. Projectu, part. Pass. de projicere, ‘lançar adiante’.] 1
(adj.) [do Lat. projectus, p.p. de projicere, lançar.] 2
1 Ferreira, 1975.
2 Silva, 1844.
3 Bluteau, 1712.
4 Transcrição exata do dicionário Bluteau, 1712. Observa-se a troca do ‘s’ por ‘f’.
5 Abbagnano, 2003.
6 Benévolo, 2004, p. 404.
7 Conferência Rafael Moneo. Vallés: Idear, representar, construir. XI Congreso Internacional
de Expresión Gráfica Arquitectónica – Funciones del Dibujo en la Producción actual de la
Arquitectura. Organização: Departamento de Expresión Gráfica Arquitectónica da Escuela
Técnica Superior de Arquitectura, Universidad de Sevilla y Universidad de Cádiz. Reales
Atarazanas, Sevilha, Espanha. 10 de maio de 2006.
Argan 19 nos suscita dizendo que: “nunca se projeta para, mas contra
alguém ou alguma coisa [...] contra a resignação ao imprevisível, ao acaso, à
20 Id., 1989.
21 A noção do “Eu Criador” e do gesto de desejo na criação do Projeto está vinculada à obra
de Murad, 1999.
22 Argan, 1989.
23 Na França o verbete “Projet Urbain” assume novas acepções como: “Projet de Ville” (mais
falado pelos habitantes); “Plan Stratégique” ou “Projet Mairie” e “Projet Urbain” (“Charte
Spatiale”). Ingallina, 2003.
24 Congresso Internacional da Arquitetura Moderna.
PROjeto e PROcesso
36 Ingallina, 2003.
37 Choay, 1985.
38 Ascher, 1998.
39 Ibid.
PARTE II
44 Krauss, 1984.
45 Entrevista com Tschumi, E2-Contest, 2002, p. 107. Tradução do autor. Original: Si mon
bâtiment lui-même joue un rôle d’irritant a rapport au contexte dans lequel il se trouve,
cela peut être bénéfique, et permettre d’activer un peu ce qui se passe autour. L’architecte
peut, de temps en temps, faire œuvre d’irritant, de provocateur.
46 Tsiomis, 2003.
tarefa de projetar algo que quando vire Projeto já não é mais Projeto, é devir
cidade, homem e Paisagem.
O homem tem necessidades. Necessitamos de segredos. A força do Pro-
jeto está em revelar o que está escondido. Devir-revelação, devir-sensação.
Riscos da Paisagem
51 Tschumi, 1996.
52 Deleuze e Guattari, 2004, p. 218.
53 Entendemos a Paisagem como movimento e ação – “an idea formation [...] on going
movement” (Corner, 1999) – opondo-se à noção tradicional que compreende a Paisagem
como algo estático e contemplativo. Paisagem como verbo (atuante), temporalidades,
corpo de memórias, caminho de uma alternativa, lugar de ação, espaço inventado.
54 Cauquelin, 2000, p. 23.
55 Ibid., p. 108.
56 Ibid., p. 112.
57 Id., 2002, p. 27.
REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlos. História da arte como história da cidade. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
60 Bachelard, 2008, p. 81 e 82. Tradução do autor. Original: C’est pas ici l’intelligence qui
est un meuble à tiroir. C’est le meuble à tiroir qui est une intelligence.
61 Ibid., p. 84. Tradução do autor. Original: Mais la véritable armoire n’est pas un meuble
quotidien. Elle ne s’ouvre pas tous les jours. Ainsi d’une âme qui ne se confie pas, la clef
n’est pas sur la porte.
ASCHER, François. Metapolis: acerca do futuro da cidade. Oeiras: Celta Editora, 1998.
AULETE, Caldas. Dicionário da língua portuguêsa: Rio de Janeiro: Delta S. A., 1970.
______. Logique du Sens. Paris: Les Éditions de Minuit, 2006. Collection Critique.
FIGUEIREDO, Cândido de. Dicionário da língua portuguesa. 14. ed. [S.l.]: Livraria
Bertrand, 1973.
KOOLHAAS, REM et al. Euralille. The Making of a New City Center. Birkhäuser:
Espace Croisé, 1996.
______. O projeto urbano hoje: entre situações e tensões. In: MACHADO, Denise
Pinheiro; PEREIRA, Margareth da Silva; SILVA, Rachel Coutinho Marques (Org.).
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VITERBO, Joaquim de Santa Rosa. Elucidario das palavras, termos e frases que
em Portugal antigamente se usaram e que hoje se ignoram (1798-1799). 2. ed.
Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1799.
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Paisagem urbana e direito à cidade, Rio de Janeiro, 2010. p. 145-153. Coleção Direito e Urbanismo
Rio de Janeiro, com seus 120 hectares centralmente situados entre o centro
da cidade e áreas residenciais da zona sul do Rio, às margens da Baía de
Guanabara. Foi projetado para ser uma via parque urbana por um grupo de
profissionais que incluía nomes importantes da arquitetura e do paisagismo
moderno no Brasil e criado a partir de uma extensão das margens da baía por
meio de um aterro. Está localizado em um dos mais espetaculares sítios pai-
sagísticos da cidade, onde várias montanhas enquadram a paisagem da Baía
de Guanabara, incluindo o Pão de Açúcar.
CONCLUSÕES
4 Spirn, 1984.
REFERÊNCIAS
ADAMS, W. H. Roberto Burle Marx: the unnatural art of the garden. New York:
The Museum of Modern Art, 1991.
SPIRN, A. W. The Granite Garden: Human Nature and Human Design. New
York: Basic Books, 1984.
RESUMO
ABSTRACT
Public parks have been privileged opportunities regarding new design vocabu-
lary in urban and landscape studies, and Modern Movement has brought im-
portant contributions for this discussion. This paper aims to contribute to the
debate concerning preservation of Modern Movement’s public open spaces.
Focusing on Parque do Flamengo, in Rio de Janeiro, Brazil, the paper deals
with the design value of these spaces through a discussion of their status as a
heritage landscape. Parque do Flamengo is a waterfront parkway created by
means of a landfill at the shores of Guanabara Bay during the 1960s. Created
to be a Modern landmark from the very beginning, the park was subject to a
preservation order without being even inaugurated. This paper argues that a
heritage park is a cultural landscape, subject to different interpretations and
appropriations over the years, and as such its management as a heritage should
be regarded.
Keywords: historic heritage, Parque do Flamengo, Rio de Janeiro.
INTRODUÇÃO
Fonte: <http://www.zee.ma.gov.br>.
5 GEDE, 2000a.
Fonte: <http://www.zee.ma.gov.br>.
6 Ibid.
Fonte: <http://www.zee.ma.gov.br>.
7 GMarques, 2003.
8 Ibid.
9 Cf. Paula, 1997.
10 EMBRAPA, 2003.
11 GEDE, 2003.
12 Cf. Goulet, 1971.
13 Todaro, 1994.
14 IBGE, 2000.
15 CONSULPLAN, 2001.
16 IBGE, 2000.
DESENVOLVIMENTO URBANO
17 Hartshorm, 1992.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
GOULET, Denis. The cruel choice: a new concept in the theory of development.
Londres: Atheneum, 1971.
HARTSHORM, Truman. Interpreting the city. Londres: John Wiley and sons, 1992.
PAULA, Carla Maria Batista. Formação histórica de Barreirinhas. São Luís: UFMA,
1997.
RESUMO
ABSTRACT
Cities that are outlying, isolated, poor and endowed with natural and touristic
attractions have a fragile development processes and are vulnerable to the
interests and the control of capital. This is the case of the city of Barreirinhas
in Maranhao State. The access road and the advertisement of natural attractions
promoted tourism in the city and the growth of local enterprises, both the
tourism and the local enterprises were developed without planning. The result
has been urban sprawl, spread of settlements, land speculation and environ-
mental impacts. Thus, it is necessary that conditions are created for the de-
ployment and management of an appropriate development process, taking in
consideration the economic, social and urban characteristics of the local. This
work aims to study strategies of sustainable development for the case in ques-
tion, as well as, it seeks to develop urban design guidelines to promote the
qualification of space and to attract adequate investments to the city.
Keywords: development, urban planning, urban design, environment.
INTRODUÇÃO
1 A avenida recebeu este nome em homenagem a Júlio Bueno Brandão (1858-1931), político
mineiro que governou por duas vezes o estado: nos períodos de 1908 a 1909 e de 1910
a 1914. Tudo indica que esta homenagem se deve aos estreitos laços de amizade entre o
homenageado e Arthur Bernardes, ex-Presidente da República (1922-1926), que nasceu
em Viçosa e foi secretário de Finanças no segundo governo de Bueno Brandão.
Paisagem urbana e direito à cidade , Rio de Janeiro, 2010. p. 175-196. Coleção Direito e Urbanismo
Figura 1: Gravura de Afonso Penna (1997): Largo da Estação e Av. Bueno Brandão
2 A noção de paisagem adotada neste trabalho tem como referência as pesquisas conduzidas
por Cavallazzi e D’Oliveira, 2002, p. 295, que abordam “a paisagem como um bem de
todos, difuso, [...]. A paisagem sinaliza a prioridade do espaço público em face do privado,
o uso coletivo em face do individual, a preservação da natureza e sua transformação
equilibrada diante da degradação, o ambiente natural e construído em harmonia, apesar
do descompasso da estruturação espacial urbana”.
Fonte: www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=952100.
3 Não pode deixar de serem mencionadas, como contributos para o crescimento da cidade,
principalmente de suas periferias, as políticas de modernização do campo deste período
e a disciplina financeira imposta pela pelo FMI e Banco Mundial ao país, que contribuíram
para acentuar a migração campo-cidade (Davis, 2006, p. 25).
de 1960 e 1980, com taxas que chegaram a mais de 80% em cada década ou
6,7% ao ano. Esse crescimento não implicaria problema algum se fosse acom-
panhado, no mínimo, de provimento de infraestrutura e de serviços urbanos
suficientes, além de ordenamento territorial planejado de forma sustentável
e com qualidade. Não foi o que aconteceu. Mesmo crescendo a taxas elevadas,
o poder público não proveu as condições adequadas para que Viçosa se desen-
volvesse de forma equilibrada. As poucas normas urbanísticas existentes no
período crítico (Lei de Parcelamento do Solo Urbano e Código de Obras) prati-
camente não foram aplicadas. Esse crescimento desequilibrado e sem planeja-
mento público (ou planejado pelo mercado) fica ainda mais realçado quando
comparado à estrutura urbana do campus universitário (ver Figuras 5 e 6).
Fonte: www.google.com.br.
Em vista disso, a paisagem urbana está, cada vez mais, marcada pelos
traços da modernidade capitalista neoliberal, representada, principalmente, pelos
grandes edifícios residenciais e comerciais e pela destruição do patrimônio de
interesse histórico, em um processo que Brenner e Theodore 6 denominam de
“destruição criativa”. 7
5 Carvalho, 2004, p. 1.
6 Brenner e Theodore, 2002, p. 351.
7 O conceito de “destruição criativa” é usado pelos autores para descrever as trajetórias
geograficamente desiguais, socialmente regressivas e politicamente voláteis de mudanças
institucionais/espaciais que têm sido cristalizadas sob as condições do capitalismo neoli-
beral.
parte alta (Av. Bueno Brandão) da parte baixa (atual Av. Sebastião Lopes de
Carvalho) (ver Figura 7). A Resolução 345, de 17 de janeiro de 1914, da Câmara
Municipal de Viçosa autorizava a abertura de uma avenida, “que se denominará
Bueno Brandão, ao longo da linha férrea em construção, entre a praça Emílio
Jardim e a rua Santa Rita [...]”.
Fonte: www.google.com.br.
8 A ferrovia “The Leopoldina Railway” foi construída em Viçosa em 1884, mas passava a
cerca de 6 km da área central.
município, com apoio do poder público, a propor uma alternativa para a pre-
servação do patrimônio arquitetônico e urbanístico da avenida, alternativa
que consistiu na aplicação do instrumento transferência do direito de construir.
10 O modelo proposto em 1976 para São Paulo foi inspirado no “plafond legal de densité”,
instituído em 1975 em toda a França, e no “development right transfer”, instituído em
1973 no Plano de Chicago (Brasil, 2001).
onde funcionou o primeiro hospital da cidade (Ver Figura 11). Segundo Carvalho
(2004), a elaboração dessa lei contou com uma fase de negociações entre o
Conselho de Cultura e do Patrimônio Cultural e Ambiental e os proprietários
do imóvel, que já possuíam o projeto arquitetônico de um edifício para o
local. De acordo com a autora,
11 Carvalho, 2004, p. 1.
12 Viçosa, 2003.
13 Esta é a lei do Plano Diretor que, no cap. V, prevê as operações urbanas.
14 Viçosa, 2006.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BRENNER, Neil; THEODORE, Nick. Cities and the geographies of “actually existing
neoliberalism”. Antipode. Disponível em: <http://www.ingentaconnect.com/
content/bpl/anti/2002/00000034/00000003/art00002> Acesso em: 07 fev.
2009. p. 349-379.
RESUMO
ABSTRACT
Daniel Gaio
1 Cf. art. 225, caput, da Constituição Federal – CF. No mesmo sentido, ver Machado, 2001,
p. 123-124.
2 Cf. Cecchetti, 2000, p. 1 e ss.; Canotilho e Moreira, 2007, p. 844 e ss.; Martin Mateo, 1977,
p. 72 e ss.
3 Cf. Jordano Fraga, 1995, p. 75-76. Entretanto, o pressuposto básico originário que ainda
se mantém diz respeito às relações entre o homem e o meio em que vive. Cf. Claval,
2007, p. 19-20.
Paisagem urbana e direito à cidade , Rio de Janeiro, 2010. p. 199-212. Coleção Direito e Urbanismo
vista concreto, mais importante do que uma definição – por vezes genérica ou
meramente formal – é a concepção que embasa a política relativas ao meio
ambiente.
Nesse sentido, tem sido predominante uma visão global e unitária do
meio ambiente, 11 notadamente porque os efeitos de determinada intervenção,
seja ela de natureza modificativa ou protetora, produzirão impactos em bens
de diferentes ordens. Exemplo dessa interdependência são as conseqüências
que uma política de combate à poluição igualmente produz na paisagem e na
biodiversidade. 12 É justamente em virtude desse efeito irradiante que se cons-
titui a concepção unitária de meio ambiente, pois, embora existam bens sin-
gulares e suas respectivas estruturas de proteção, o ponto de interseção e de
justificação de todas as políticas ambientais é a busca permanente do equilíbrio
ecológico.
Em consonância com essa concepção, a Constituição brasileira estabe-
lece que a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
está diretamente relacionada ao cumprimento de um conjunto de ações espe-
cíficas, 13 sendo, pois, insuficiente a proteção isolada de bens singulares. 14
Não há como negar o acerto da Constituição em considerar uma intrínseca
ligação entre meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadia qualidade de
vida, 15 embora esta seja mais ampla, 16 além de ser subjetivamente valorada. 17
Apesar de essa temática permitir inúmeras abordagens, interessa aqui
tratar de algumas possibilidades de apropriação pelo plano urbanístico dos
conteúdos ambientais, em especial da paisagem.
11 Cf. Canotilho e Moreira, 2007, p. 844-845; Caravita, 2005, p. 25; e Leite, 2000, p. 75.
12 Cf. Predieri, 1981, p. 510.
13 Cf. o art. 225, § 1o, CF.
14 Cf. Cecchetti, 2000, p. 73.
15 Cf. art. 225, caput, CF.
16 Como afirmam Canotilho e Vital Moreira (2007, p. 845): “a qualidade de vida é um resul-
tado, uma conseqüência derivada da interacção de múltiplos factores no mecanismo e
funcionamento das sociedades humanas e que se traduz primordialmente numa situa-
ção de bem-estar físico, mental, social e cultural, no plano individual e em relações de
solidariedade e fraternidade no plano colectivo”.
17 Exemplificando a condição subjetiva da qualidade de vida, Spantigati afirma que o barulho
de uma discoteca pode ser motivo de atração ou de repulsa. Cf. Spantigati, 1999, p. 223.
Ainda que passível de análise mais complexa, pode-se dizer que a tradição
brasileira em matéria de proteção do meio ambiente se realiza a partir de dois
objetivos principais: o equilíbrio ambiental – aqui entendido principalmente
como os “processos ecológicos essenciais à manutenção da vida” – 18 e a pre-
servação de bens que sejam representativos da história da sociedade humana
ou da cultura em geral.19 Em ambas as situações é fundamental que se proceda
à delimitação territorial dos espaços que possuam atributos necessários ao
cumprimento de tais finalidades, o que torna relevante a justificativa dos
critérios adotados para caracterizá-los como bens protegidos. 20
Entretanto, deve-se preliminarmente advertir que, não obstante a indis-
cutível importância dos “bens ambientais tradicionais”, estes são insuficientes
para assegurar uma adequada qualidade de vida nas cidades. Isso porque, em
sentido amplo, o equilíbrio ambiental urbano depende substancialmente do
modelo de planejamento adotado, que pode ser objetivamente aferido em
quesitos como: padrões de adensamento, níveis de poluição, proporção de
áreas verdes por habitante, temperatura, ventilação, áreas de lazer e demais
espaços livres. Em suma, a incorporação da temática ambiental na política
urbana vai além da delimitação espacial de áreas protegidas, mas abrange a
totalidade do seu território.
Na realidade, a dimensão ambiental acima mencionada já estava pre-
sente desde o surgimento do urbanismo moderno, 21 na medida em que o seu
pressuposto básico é o de garantir o bem-estar dos habitantes da urbe. Todavia,
apenas nas últimas décadas é que vem sendo construída culturalmente uma
configuração globalizante de meio ambiente urbano, sobretudo em decorrência
18 Essa expressão foi cunhada por Herman Benjamin para demonstrar as primeiras preocu-
pações ecológicas. Cf. Benjamin, 2005, p. II. Diferentemente, Afonso da Silva assinala
que essas áreas são “representativas de ecossistemas”. Cf. Silva, 2001, p. 11-17.
19 Cf. Souza Filho, 1997, p. 15-16. Veja-se que a Constituição Federal brasileira claramente
ressalta esses dois campos de proteção. Cf. o art. 216 e o art. 225.
20 Registre-se que o próprio texto constitucional identificou, de maneira direta, alguns
ecossistemas a serem protegidos (Cf. art. 225, §4o, da CF), o que não retira o dever do
poder público de identificar os demais espaços territoriais em suas respectivas unidades
federativas (Cf. art. 225, §1o, III, CF; e art. 216, §1o, CF).
21 Cf. Le Corbusieu, 1993, item 12.
40 Cf. art. 5o, Lei 1497/39; e o art. 7o, no 05, da Lei 1150/42, com redação dada pela Lei 1187/
68.
41 Cf. art. 80, do Decreto 616/77; Predieri, 1981, p. 514; e Cavallo, 1990, p. 410-411.
42 Cf. art. 135, no 01, do DL 42/2004, com redação dada pelo DL 63/2008.
43 Essas áreas, previstas pela Lei 431/85, foram mantidas pelo art. 135, no 01, do DL 42/
2004 (com redação dada pelo DL 63/2008), embora os planos paisagísticos possam mo-
dular a intensidade do vínculo. Cf. Desideri, 2009, p. 331.
44 Cf. Desideri, 2009, p. 332.
45 Cf. ibid., p. 333.
46 Cf. art. 155, no 02-bis, do DL 42/2004, com redação dada pelo DL 63/2008.
REFERÊNCIAS
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SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e proteção jurídica.
Porto Alegre: Unidade Editorial Porto Alegre, 1997.
RESUMO
ABSTRACT
The intense urban growth which has happened during the last decades has
raised a debate about the planning model to be adopted in order to secure an
environmental balance in the cities. At the same time, the protection of the
landscape as a concrete reference of the quality of life and the preservation of
a community’s values has obtained prominence. From this context, the cur-
rent text approaches the need of a unitary conception of the environment and
then demonstrates the possibility and importance of integrating the landscape
protection into the urban development policy.
Keywords: landscape, planning, urban, environment, Italy.
INTRODUÇÃO
A questão tratada no presente artigo, norteado por uma análise jurídica à luz
da legislação constitucional e infraconstitucional brasileira, diz respeito a
problemáticas ambientais vividas no processo decisório para a implantação
de usinas hidrelétricas no Brasil, no âmbito tanto do planejamento energético
quanto do licenciamento ambiental. O objetivo do presente trabalho é discu-
tir algumas das controvérsias ambientais existentes nessas fases e demons-
trar como o processo de licenciamento está sobrecarregado por questões
relevantes, como a da participação pública na concepção do projeto de hidre-
létricas, questões estas que deveriam estar sendo observadas, sob o ponto de
vista socioambiental, desde o enfoque do planejamento energético.
Paisagem urbana e direito à cidade , Rio de Janeiro, 2010. p. 213-241. Coleção Direito e Urbanismo
5 Nesse sentido, recorremos a Vainer, 2007; Vainer, 2004; Vainer, 1990; Rothman, 2002;
Rezende, 2007; Zhouri, 2006; Gonçalves, 2005; e Rothman, 1993.
6 Para um estudo aprofundado sobre o tema no cenário internacional, com a apresentação
das várias vertentes econômicas, e para explicar a noção de desenvolvimento sustentável,
cf. Veiga, 2006.
7 Neste ponto, vale lembrar a sempre atual lição de Celso Furtado, que distingue cresci-
mento econômico de desenvolvimento econômico. Para o referido autor, “[o] crescimento
econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das
elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo
seu projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição
suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o
projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o cres-
cimento se metamorfoseia em desenvolvimento.” (Furtado, 2004, p. 484). Sobre outro
prisma, cf. Coutinho, 2007, p. 22; in verbis: “A aceleração do crescimento econômico no
processo de acumulação capitalista tem como suporte essencial a superexploração da
força de trabalho, que não se restringe apenas ao local de trabalho, como a fábrica, por
exemplo, mas se projeta em todo o espaço urbano. Entretanto, da perspectiva do capital,
a abundância de mão-de-obra significa salários sempre baixos e elevadas taxas de mais-
valia e, como observa Campanário: ‘Politicamente, esta situação não se tem traduzido
em poder de apropriação, por parte das classes populares, das condições gerais de repro-
dução, isto é, os equipamentos coletivos e seus ‘efeitos úteis’. Assim, a reprodução passa
também por mecanismos ‘informais’ caracterizados pela autodestruição, favelamento e
outras formas de reprodução doméstica de valores de uso.’” (Campanário, 1984, p. 14)
PLANEJAMENTO ENERGÉTICO
12 Antes dessa etapa, são realizados estudos prévios para estimativa do potencial hidrelé-
trico, em que se procede à analise preliminar das características da bacia hidrográfica,
especialmente quanto aos aspectos topográficos, hidrológicos, geológicos e ambientais,
no sentido de verificar sua vocação para geração de energia elétrica. Tal análise baseia-se
em dados já disponíveis em escritório, permite uma primeira avaliação do potencial e
realiza estimativa de custo do aproveitamento da bacia hidrográfica, definindo as priori-
dades para a etapa posterior dos inventários hidrelétricos.
13 ANEEL. Resolução 393/98. Art. 1º.
14 Lei Federal n. 9074/95. Art. 5º, parágrafo 3º.
15 Vainer, 2007, p. 5.
16 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
17 “Art. 225 (omissis) § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas.”
18 “Art. 225 (omissis). § 1º [...] II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético.”
19 “Art. 225 (omissis). § 1º [...] VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies
ou submetam os animais a crueldade.”
20 “Art. 225 (omissis). § 1º [...] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio
de impacto ambiental, a que se dará publicidade.”
25 Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Resolução n. 37/2004. Art. 4º, caput e parágrafos
1º e 2º.
26 Ibid. Art. 4º, parágrafo 4º.
27 Machado, 2000, p. 447.
30 Segundo o art. 6º, inciso IX, da Lei de Licitações, o Projeto Básico é o “conjunto de ele-
mentos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a
obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com
base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica
e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a
avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução.”
31 Este é definido pelo art. 6º, inciso X, como o conjunto dos elementos necessários à exe-
cução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira
de Normas Técnicas – ABNT.
34 Ibid., p. 12.
39 Ibid.
40 Cf. Rezende, 2007, p. 69-70.
41 Cf. Zhouri, Laschefski e Pereira, 2006, p. 99-101.
42 No estado de Minas Gerais, encontram-se três das maiores bacias hidrográficas do Brasil,
sendo o estado alvo da política de expansão de hidroeletricidade.
43 Zhouri, Laschefski e Pereira, 2006, p. 103-106.
bem como a baixa qualidade dos estudos ambientais, revelada por informações
superficiais ou, mesmo, pela falta de informações necessárias, sendo cons-
tante a exigência, pelo órgão licenciador, de complementação de informações.
Evidentemente, a falta de participação e de informação adequada pre-
judica a transparência no processo de licenciamento ambiental. Muitas vezes,
quando a população interessada toma conhecimento do projeto, este já está
em fase avançada de análise, o que acaba por inviabilizar a efetividade da
participação pública.
No que diz respeito à fase da consulta pública, de absoluta importância
para que a população em geral tome conhecimento do teor do projeto hidre-
létrico, esta tem se limitado ao depósito dos estudos ambientais nos órgãos
públicos, sem que haja uma conduta mais específica, através da formulação
do chamado “plano de comunicação social”. 44
Em relação às audiências públicas propriamente ditas, momento em
que o projeto hidrelétrico é exposto à comunidade e que está sujeito a ques-
tionamentos, críticas, sugestões e novas informações, o que se verifica nos
processos de licenciamento ambiental é que a participação deixa de ser incor-
porada efetivamente ao processo. O ato da audiência pública passa a se confi-
gurar como modo de cumprimento de normas legais. 45
Ademais, não há, no atual modelo institucional de licenciamento ambien-
tal, uma fase exclusiva para a discussão acerca da viabilidade do projeto e
outra para, após a demonstração da sua viabilidade, o debate sobre as medidas
mitigadoras e compensatórias necessárias, já que na fase preliminar essas
duas questões – em princípio contraditórias – devem ser discutidas paralela-
mente. Não há, também, previsão sobre a constituição de espaços institucionais
próprios de participação após a fase da concessão de licença prévia – o que
seria bastante oportuno, considerando que os conflitos socioambientais se
intensificam nas fases de instalação e operação do projeto. 46
Com efeito, as críticas, acima realizadas, ao licenciamento ambiental
não o descredenciam como instrumento de grande relevância na prevenção
de impactos causados por atividades potencialmente poluidoras, fato este
47 É bom lembrar que, em meio à lógica mercantilista, que prioriza o crescimento econômico
a qualquer custo e enfatiza a necessidade de aumento da produção energética, o
licenciamento ambiental de hidrelétricas é visto como verdadeiro “entrave burocrático”.
48 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. “Princípio 10 – A melhor
maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado,
de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso
adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades pú-
blicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades,
bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados
devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a infor-
mação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais
e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos.”
53 Ibid., p. 212.
54 Ibid., p. 212-213.
55 Ibid., p. 216.
56 Ibid., p. 217.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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que é necessário preservar a coruja-pintada. Folha de S.Paulo, São Paulo, 13
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VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio
de Janeiro: Garamond, 2006.
RESUMO
ABSTRACT
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
1 Lei 8.078/90.
2 O CDC se refere expressamente à prestação de serviços públicos em três oportunidades:
a) no artigo 4º, inciso VII; b) no artigo 6º, inciso X; e c) no artigo 22.
Paisagem urbana e direito à cidade , Rio de Janeiro, 2010. p. 243-284. Coleção Direito e Urbanismo
4 Tal corrente é capitaneada pela professora Cláudia Lima Marques. Cf. entre outras obras
da autora, Marques, 2005.
5 Dentre outros, cf. Gouvêia, 1997, p. 187-192; Macedo Júnior, 1998, p. 46; e Donato, 1993,
p. 108 e ss.
cialidade e conhecimento técnico não quer dizer, necessariamente, que o faça nas mesmas
condições assemelhadas ao consumidor individual ou familiar, pois se pressupõe, devido
à sua atividade lucrativa, que se cerque de meios mais seguros para defesa de seus inte-
resses (Benjamin, 1988, p. 77).
21 Cuja norma geral, à época, era o Código Civil Brasileiro de 1916 (CCB/1916).
22 Pasqualotto in Pfeiffer e Pasqualotto, 2005, p. 146.
23 Ibid., p. 146.
24 Cf. Marques, 2004, p. 51.
EMENTA
CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ENERGIA.
DESPACHO SANEADOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 2º DO CDC. ILE-
GITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM”. [...]
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCEITO DE CONSU-
MIDOR. PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE. NÃO CONSTATAÇÃO
NA HIPÓTESE DOS AUTOS. FORO DE ELEIÇÃO. EXCEÇÃO DE INCOMPE-
TÊNCIA. REJEIÇÃO.
- A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a
aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando
evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação,
nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC.[...] 29
CONCEITO DE FORNECEDOR
39 Ibid., p. 394.
40 O exemplo é de De Lucca, 2003, p. 138.
41 Em sentido contrário, entendendo ser necessário o requisito da profissionalidade, cf.
Barcellos, 2007, p. 121-122. Todavia, a autora compreende que “serviço profissional” é
“aquele prestado por agente com formação especializada na área ou que exerça a atividade
com habitualidade” (Barcellos, 2007, p. 122, nota de rodapé n. 117). Portanto, para a
autora, o simples exercício de uma atividade de forma habitual já configuraria a pro-
fissionalidade.
42 Almeida, 2002, p. 42.
43 Cf. Marques, 2005, p. 394.
ele paga indiretamente o ‘benefício gratuito’ que está recebendo.” 44 Tal cir-
cunstância não seria possível caso o CDC tivesse previsto apenas a tutela do
fornecimento de serviços onerosos, que impõem, necessariamente, a obrigação
de pagamento, isto é, de remuneração direta.
A expressão remuneração deve ser entendida não apenas como repre-
sentativa da remuneração direta do serviço, ou seja, do pagamento que foi
efetuado de forma direta, mas, também, compreendendo a remuneração que
o fornecedor retira do benefício comercial indireto, advindo de prestações de
serviços aparentemente gratuitas, mas que na verdade encontram sua remune-
ração embutida em outros custos. 45 Os efeitos positivos do marketing também
captam consumidores, como na hipótese do oferecimento de cartões de milhas
na utilização de serviços de transportes aéreos. 46 A partir do momento que o
consumidor recebe esse cartão, é óbvio que deixará de contratar com outra
empresa que não fornece o mesmo benefício, simplesmente para não perder o
número de milhas já acumuladas. Veja-se que essa circunstância vincula os
consumidores a uma determinada empresa específica, trazendo a essa empresa
aumento nos lucros, principalmente em relação à concorrência que não oferece
os mesmos benefícios ou não participa do mesmo programa. Diante desse
contexto, verifica-se, nitidamente, a falácia da gratuidade desses serviços. 47
Dessa forma, então, podemos concluir que para a prestação de serviços
configurar uma relação de consumo é necessário que o fornecedor desenvolva
essa atividade de maneira habitual e contínua, ainda que não o faça profissio-
nalmente, devendo essa atividade ser remunerada pelo consumidor, direta ou
indiretamente, nos termos acima explicitados.
44 Ibid., p. 394.
45 Cf. Marins, 1993, p. 82.
46 O exemplo é de Marques, 2005, p. 396.
47 Cf. Marques, 1999, p. 126.
48 Cf. Aguillar, 1999, p. 111.
49 Ibid., p. 112.
50 Cf. Wald, 1986, p. 201.
51 Cf. Di Pietro, 2004, p. 97.
52 Cf. Grau, 2003, p. 82.
64 Ibid.
65 Ibid., 109. Monopólio é um tipo de regime jurídico próprio das atividades econômicas em
sentido estrito desenvolvidas pelo Estado, ao lado do regime de competição, onde também
figuram entidades do setor privado. Já em relação à prestação de serviços públicos, temos
o regime de privilégio, onde somente cabe ao Estado ou aos seus delegados a prestação
desses serviços. Nesta última hipótese, o setor privado também pode atuar, mediante a
concessão ou a permissão do serviço público, não descaracterizando o regime de privilégio.
(Grau, 2003, p. 118-119).
66 Ibid., p. 108-109.
67 Ibid., p. 109.
68 Ibid.
Dessa forma, a identificação dos casos nos quais uma atividade assume
caráter existencial em relação à sociedade é conformada pelo texto constitu-
cional de acordo com os termos analisados neste tópico, sendo certo que a
69 Ibid.
70 Ibid.
71 Ibid., p. 111, onde também afirma que o interesse coletivo e o interesse social são distintos
entre si, ainda que ambos sejam espécies do gênero interesse público.
72 Ibid., p. 113.
73 Ibid., p. 117-118.
74 Ibid., p. 117.
75 Ibid.
76 Ibid., p. 118.
82 Cf. entre outros: Donato, 1993, p. 123; Pasqualotto, 199-, p. 132; Marques, 2005, p. 561-
578; Bessa, 2009, p. 115-120; Macedo Júnior, 2001, p. 83.
83 Cf. Costa, 1997, p. 102-103.
84 Cf. Filomeno, 2001, p. 53; Bonatto e Moraes, 2001, p. 101-111.
85 Cf. Novais, 2006, p. 154-156.
86 Ibid., p. 155.
87 Ibid., p. 159-160; 169.
uma relação jurídica de consumo, “[...] já que, nesses casos não há relação
jurídico-tributária e o Estado não se reveste da autoridade estatal”. 88
Para o terceiro e último posicionamento dessa vertente doutrinária,
apenas existiria relação de consumo quando a prestação de serviços públicos
fosse remunerada diretamente pelo usuário do serviço, quer mediante o pa-
gamento de uma taxa, quer, indistintamente, pelo pagamento de uma tarifa
ou preço público. Tal circunstância acontece na prestação dos serviços públicos
uti singuli, que são pagos através de taxas ou tarifas, 89 ficando excluídos da
incidência do CDC os serviços uti universi, já que não são prestados em virtude
de um vínculo contratual, mas sim meramente cívico, entre o cidadão e o
Estado. 90 Sustenta-se que os serviços públicos universais, que não são pagos
diretamente pelos cidadãos, não poderiam ser objeto de tutela do CDC, pois,
nessa hipótese, o Estado não se caracterizaria como um profissional, 91 ou,
ainda, porque tais serviços, pela sua própria natureza, constituiriam funções
inerentes do Poder Público. 92
Leonardo Roscoe Bessa ensina que somente os serviços públicos uti singuli
estão sujeitos ao CDC, independentemente da natureza jurídica de sua remu-
neração, pois apenas tais serviços é que seriam prestados no mercado de con-
sumo, ao contrário dos serviços públicos universais que estariam fora desse
mercado. O autor ainda sustenta que deve “[...] haver certa correspondência
entre o valor pago e o serviço prestado (relação econômica de troca). [...] Simpli-
ficando, deve haver correlação entre o que se paga e o que se recebe (ou se
deveria receber)”, 93 concluindo que somente se submetem à disciplina do CDC
os serviços públicos cuja remuneração seja feita diretamente pelo consumidor.
Em resumo, os adeptos da segunda corrente doutrinária entendem que
apenas a prestação de serviços públicos uti singuli pode ser considerada como
relação de consumo, havendo aqueles que restringem sua opinião à prestação
dos serviços públicos singulares remunerados apenas por tarifas. A contro-
vérsia cinge-se, em geral, à questão da natureza jurídica da remuneração direta
88 Ibid., p. 171.
89 Cf. Pasqualotto, 199-, p. 132; Marques, 2005, p. 564.
90 Cf. Marques, 2005, p. 564.
91 Cf. Pasqualotto, 199-, p. 134-135.
92 Cf. Donato, 1993, p. 125.
93 Bessa, 2009, p. 117.
94 Temos duas posições principais a respeito da diferença entre taxas e tarifas: a) a que
considera que os serviços públicos específicos e divisíveis somente podem ser remune-
rados mediante taxas, ou seja, tributos vinculados a uma atuação estatal, de acordo com
o artigo 145, II, da CR/88; e b) a que entende que os serviços públicos específicos e
divisíveis podem ser remunerados mediante taxas ou tarifas, conforme o tipo específico
do serviço público uti singuli. Sobre o assunto, vide, entre outros: Torres, 1998, p. 157-
168; Ataliba, 1984, p. 152-154; Carrazza, 2004, p. 481-506; Coelho, 2005, p. 156-157.
95 Cf. Benjamin in Oliveira, 1991, p. 110; Capucho, 2002, p. 107-112; Almeida, 2002, p. 43; 99;
Alvim in Alvim et al, 1995, p. 158-164; Cazzaniga, 1994, p. 144-160; Nunes, 2005, p. 112;
Oliveira Filho, 2004, p. 137-138. Entretanto, reconhecemos que não encontramos posicio-
namentos nos tribunais a respeito dessa tese. Apenas em sentido contrário: STJ-MC 1853/
SP, Rel. Min. José Delgado, DJ 18.11.1999; REsp 260.578-MG, Rel. Min. José Delgado, DJ
23/10/2000; REsp 233.664/MG. Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 02/12/1999.
96 Benjamin, 1991, p. 110, grifo nosso.
97 Ibid., p. 111.
Com apoio nessa terceira vertente doutrinária e com a análise dos argu-
mentos expostos anteriormente, quando examinamos os elementos componen-
tes de uma relação jurídica de consumo, qualificamos a prestação de serviços
públicos a determinados usuários desses serviços como uma verdadeira relação
de consumo, independentemente da forma de sua remuneração.
98 Cf. Almeida, 2002, p. 43; 99; Alvim, 1995, p. 160; Cazzaniga, 1994, p. 157; Nunes, 2005,
p. 112-113; Oliveira Filho, 2004, p. 137-138.
99 Capucho, 2002, p. 109.
100 Ibid. Grifo do autor.
101 Como, à guisa de exemplo, o poder revisional do juiz diante da hipótese de onerosidade
excessiva, que não poderá ser aplicado na hipótese de serviços públicos remunerados
mediante tributos (impostos ou taxas), por se tratar de remunerações advindas de impo-
sição legal, só podendo ter seu valor pecuniário reduzido mediante promulgação da le-
gislação tributária específica que modifique, por exemplo, a alíquota do tributo. Tal tema
consiste em um dos desdobramentos do raciocínio aqui exposto, suscitando intenso
debate.
não-privativos, cuja prestação pode ser desenvolvida tanto pelo setor público
quanto pelo setor privado, independentemente de concessão ou permissão.
No primeiro caso, é óbvio que diante dessa total exclusividade na prestação
do serviço, o usuário submete-se ao que é imposto pelo fornecedor em razão
da sua necessidade de consumo, ainda mais se for considerado o caráter es-
sencial desse serviço.
Quem, nos dias atuais, no âmbito de sua vida privada, pode sobreviver
sem acesso à água tratada, à energia, aos serviços telefônicos etc.? Os consu-
midores desses serviços públicos não podem recorrer a outro fornecedor, caso
o serviço seja prestado de forma inadequada ou ineficiente, devido à própria
sistemática constitucional que estipula um verdadeiro monopólio fático 102 do
regime de prestação desses serviços. Inclusive, diante dessa circunstância, o
STJ vem considerando como consumidores – por analogia ou utilizando-se
das hipóteses de equiparação – os exercentes de uma atividade econômica
que utilizam um serviço público, desde que demonstrada, no caso concreto, a
vulnerabilidade desses últimos. 103
Indiscutível, também, a vulnerabilidade fática no tocante à prestação
dos serviços públicos não privativos, como a saúde e a educação, quando
prestados pelo setor público. 104 Nem se argumente que, nessa hipótese, o
consumidor teria a liberdade de não utilizar o serviço prestado pelo próprio
Estado, caso este fosse inadequado, e recorrer ao setor privado para o atendi-
mento de suas necessidades. Sabemos que a maior parte de nossa população
está excluída do acesso aos bens mais essenciais para o desenvolvimento digno
de sua personalidade – o chamado mínimo existencial –, tais como a moradia,
a educação, a alimentação, a saúde etc. Aqueles que utilizam um serviço pú-
blico não privativo prestado pelo Estado sequer podem entabular contratos
102 Entenda-se aqui o termo monopólio no seu sentido comum, como expressão da exclusi-
vidade de exploração de um determinado produto ou serviço, e não no sentido jurídico,
como regime de exploração de atividade econômica em sentido estrito, prestada pelo
Estado, como as previstas no artigo 177 da CR/88.
103 É o caso dos julgados: REsp nº 263.229/SP e REsp 661.145/ES.
104 Não é controverso o entendimento de que tais serviços, quando são prestados pelo setor
privado, configuram uma relação de consumo. O que se discute, conforme visto, é a
natureza jurídica desse serviço quando prestados nessa hipótese: se consistem em serviços
privados ou se continuam sendo serviços públicos. Para nós, como já demonstramos,
tais serviços continuam sendo públicos.
com o setor privado, pois não dispõem das condições econômicas exigidas
pelos planos de saúde ou pelos estabelecimentos de ensino particular, por
exemplo. Resta a essas pessoas, tão somente, desfrutar dos serviços prestados
pelo Estado – quando isso chega a ser possível –, na medida e nas condições
em que são fornecidos, ainda que de forma precária, como ocorre na maior
parte das vezes.
É latente, portanto, o desequilíbrio advindo do vínculo estabelecido entre
o consumidor de serviços públicos e o seu fornecedor, sendo imprescindível a
tutela especial dessa relação jurídica para que, também nesse caso, atenda-se
ao princípio da igualdade material e, conseqüentemente, do equilíbrio nas
relações entre consumidores e fornecedores, estipulada no artigo 4º, inciso III,
do CDC. Daí a inclusão da pessoa jurídica pública no rol dos fornecedores
elencado no artigo 3º, caput, do CDC.
O prestador de serviços públicos preenche todos os requisitos necessá-
rios para que possa ser considerado fornecedor de acordo com as disposições
do CDC. Relembre-se que o código estipulou que para a configuração de um
fornecedor de serviços basta que ele desenvolva qualquer atividade de presta-
ção de serviços. Ora, a prestação de serviços públicos nada mais é do que uma
atividade desenvolvida de forma organizada e contínua, pois consiste em uma
série de atos devidamente coordenados entre si.
Conceito que se relaciona diretamente ao de fornecedor é o de serviços;
e, também quanto a esse aspecto, os serviços públicos são totalmente enqua-
dráveis. Recorde-se que a maior parte da doutrina considera somente os ser-
viços públicos diretamente remunerados, os denominados serviços públicos
uti singuli, sob a tutela protetiva do código.
Um primeiro argumento dos que defendem essa posição é que apenas
nessa hipótese o Estado poderia ser considerado profissional, devido ao fato
de ser pago pelo serviço realizado. 105 Com a devida vênia, esse argumento é
inconsistente, pelo fato do CDC não exigir o requisito da profissionalidade
para o fornecimento de serviços. Repita-se, mais uma vez, que, no tocante à
prestação de serviços, a disciplina do código adotou um posicionamento amplo,
buscando abarcar um número maior de atividades. In casu, necessita-se apenas
que o fornecimento de serviços seja feito de maneira contínua, prescindindo-
se de investigações quanto ao caráter profissional ou não do fornecedor.
106 Cf. Bonatto e Moraes, 2001, p. 101; Marques, 2005, p. 564; Novais, 2006, p. 159-160.
107 Vide artigo 4º do CDC, dentre outros. Cf. Nery Júnior, 2004, p. 494.
108 Os exemplos são de Marques, 2005, p. 368.
109 Bem como para os remunerados mediante taxa.
[...] a remuneração não é direta pelo idoso beneficiado, mas indireta, pelo
preço pago por toda a coletividade e pelo benefício da manutenção da
concessão pública daquele fornecedor de serviços de transportes coletivos.
Tais atividades são de “consumo” e a relação que se estabelece com os
idosos é regida pelo CDC e pelas regras especiais desta oferta gratuita. 111
110 Cf. Marques, 2005, p. 394-395. A gratuidade dos serviços de transportes coletivos urbanos
para os idosos está prevista no art. 230, §2º, da CR/88.
111 Marques, 2005, p. 400.
112 Cf. Carazza, 2004, p. 490.
Não é de hoje que está em crise a distinção entre direito público e direito
privado. 116 A grande dicotomia público-privado 117 só tem razão de ser em
CONSIDERAÇÕES FINAIS
vado, quer seja a praticada pelo próprio Estado em razão dos imperativos da
segurança nacional ou devido a relevante interesse coletivo. Mas tal circuns-
tância não tem o condão de afastar a incidência do CDC.
O CDC representa não só uma mudança de paradigma de uma perspec-
tiva liberal e individualista para uma visão social e asseguradora do equilíbrio
entre os partícipes de uma relação de consumo, mas também ratifica a evolução
do relacionamento entre o Estado e os cidadãos por inserir o primeiro, justa-
mente, dentro desse contexto. O equilíbrio de direitos e obrigações deverá se
manifestar também nas relações travadas entre os consumidores dos serviços
públicos e o Estado.
O CDC, além de regular a disciplina jurídica das relações de consumo,
tem como objetivo promover a harmonização dos interesses dos seus partíci-
pes, 139 pautada pelo equilíbrio entre as posições dos agentes envolvidos. Esse
equilíbrio há de se manifestar, também, no âmbito das relações travadas entre
os consumidores de serviços públicos e seus prestadores. 140 Considerar como
de consumo certas relações travadas entre os usuários de serviços públicos e
os fornecedores desses serviços nada mais é do que buscar o equilíbrio entre
os interesses dos cidadãos e os interesses do aparelhamento administrativo.
Conclui-se, portanto, que os argumentos contrários a nossa tese não são
suficientes para impedir a aplicação do CDC à prestação de serviços públicos. A
resistência a esse entendimento não se justifica mais diante do atual contexto
jurídico socioeconômico, principalmente diante do caráter essencial e irrenun-
ciável dessa atividade. A prestação dos serviços públicos uti universi ou uti
singuli aos consumidores desses serviços preenche todos os requisitos neces-
sários para que se qualifique como uma relação jurídica de consumo, e não
tratá-la de tal forma é recusar a plena efetivação do sistema protetor do CDC.
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RESUMO
ABSTRACT
The paper discusses the applicability of the Consumer Protection Code to the
provision of public services. In it, it is analyzed the legal relationship between
the user of public services and the state, or other service provider, wich qual-
ifies it as a true consumer relationship. It shows that the user of public serv-
ices is legally considered consumer, statement indicating the fragile dichotomy
between private and public law. It starts with an interdisciplinary perspective,
involving the spheres of constitutional law, consumer law, civil law and ad-
ministrative law, in order to demonstrate that the analysis of this topic re-
quires the overcoming of the traditional fields specific to those areas of legal
knowledge. The teachings of each discipline are combined, as it is analyzed
the social role that the Code of Consumer Protection brought not only to the
so called private legal relations, but also to those who have always been con-
sidered, eminently, public, as the relationships established between users of
public services and the providers of these services.
Keywords: Code of Consumer Protection, public services, consumer relation-
ship.
Daniel Gaio
Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa (2003) e graduado em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Doutorando em Direito na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro e professor de Direito Ambiental,
Urbanístico e Constitucional. Pesquisador do Grupo Direito e Urbanismo.