O Naufrágio Do Navio Haidar em Barcarena-Pa: Luciana Costa Braga Cruz

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LUCIANA COSTA BRAGA CRUZ

O NAUFRÁGIO DO NAVIO HAIDAR EM BARCARENA-PA

- conflitos ambientais e zona de sacrifício

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do


Programa de Pós-Graduação em Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.

Orientadora: Profª Drª Cecilia Campello do Amaral


Mello

Rio de Janeiro
2018
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de
Financiamento 001”.

“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001”.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, aos meus pais Marildo (in memoriam) e Maria Riéx, que sempre
foram minha inspiração, minha maior torcida e meu porto seguro, os agradecimentos
nunca serão suficientes. Aos meus irmãos, Luiza, Lourdes e Moisés, meus parceiros
de todos os momentos (longe ou perto), que enchem minha vida de alegria.
Ao Thiago, meu amor e companheiro, por dividirmos tantas aventuras.
À minha orientadora, Cecilia, pela compreensão, ensinamentos e incentivo constante
durante a escrita, que com sua generosidade tornou essa trajetória mais amena.
Aos moradores de Barcarena, em especial aqueles que me receberam, por me
permitir dar voz às suas lutas diárias. Espero fazer jus a confiança em mim depositada.
Aos professores Henri Acselrad, Hipólita Siqueira e Virgínia Guimarães, que aceitaram
participar da banca examinadora e contribuíram com o percurso dessa pesquisa.
À Rita Passos, por disponibilizar, já na reta final da pesquisa, dados essenciais para
a conclusão dessa dissertação.
A todos os funcionários e professores do IPPUR, que apesar de todas as
adversidades, sempre recebem os alunos com zelo e profissionalismo.
Aos meus amigos de Belém e da vida toda: Luana, Thanyele, Amanda, Renaira,
Danielen, Thais, Romulo e Matheus. E, em especial, ao Rodrigo e ao Caio, que
contribuíram com indicações de leitura para essa dissertação.
Às minhas amigas do Rio, Natália e Vanessa, com quem dividi a casa e vida, pelo
apoio mútuo.
À minha turma de mestrado, que me instigou e me divertiu, pela parceria nesse
percurso árduo.
RESUMO

Esta dissertação intenta descrever e analisar as dinâmicas sociais e econômicas que


contribuem para a configuração de cidades, como Barcarena-PA, como “zonas de
sacrifício”, áreas em que danos ambientais de projetos industriais e logísticos se
concentram e se sobrepõem. A partir de um estudo de caso do naufrágio do navio
Haidar, ocorrido em outubro de 2015 no porto de Vila do Conde, objetiva-se apresentar
uma análise que possa contribuir para dar maior inteligibilidade à lógica que destina
uma sobrecarga de problemas ambientais para esta cidade paraense e a sua relação
com o modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado pelo Brasil nas últimas
décadas. Analisa-se o discurso de desenvolvimento que revestiu a formação do polo
industrial na cidade, acompanhado de sua infraestrutura de suporte, assim como o
papel econômico desempenhado pela cidade de Barcarena, considerada enquanto
fronteira econômica para o Brasil e para o mercado internacional. Ademais, verifica-
se a incompatibilidade de convivência entre empresas que degradam o meio ambiente
e o modo de vida da população local, cuja reprodução pressupõe a disponibilidade e
a qualidade dos recursos ambientais locais. Apresenta-se, ainda, como os grupos
sociais organizados manejam estratégias de resistência à poluição ambiental – tais
como o acionamento do sistema de justiça – e analisa-se suas estratégias discursivas
em arenas capazes de dar visibilidade ao quadro de desigualdade ambiental no qual
se inserem.

Palavras-chave: Conflitos ambientais. Industrialização – Barcarena (PA). Análise do


discurso. Responsabilidade por danos ambientais. Zona de sacrifício.
ABSTRACT
This dissertation attempts to describe and analyze the social and economic dynamics
that contribute to the configuration of cities, such as Barcarena-PA, as "sacrifice zone",
areas where environmental damages from industrial and logistic projects are
concentrated and overlap. Based on a case study of the Haidar shipwreck, occurred
in October 2015 in the port of Vila do Conde, the objective is to present an analysis
that can contribute to give greater intelligibility to the logic that assigns an overload of
environmental problems to this city in Pará and its relation with the development model
that has been adopted by Brazil in the last decades. The discourse of development
that covers the formation of the industrial pole in the city, accompanied by its
supporting infrastructure, as well as the economic role played by the city of Barcarena,
considered as economic frontier for Brazil and for the international market, is analyzed.
In addition, it is verified the incompatibility of coexistence between companies that
degrade the environment and the way of life of the local population, whose
reproduction presupposes the availability and the quality of the local environmental
resources. It also shows how organized social groups manage strategies to resist
environmental pollution - such as the activation of the justice system - and analyzes
their discursive strategies in arenas capable of giving visibility to the panorama of
environmental inequality in which they are inserted.

Keywords: Environmental conflicts. Industrialization - Barcarena (PA). Speech


analysis. Responsibility for environmental demage. Sacrifice zone.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9

2 A HISTÓRIA E OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO EM BARCARENA ... 19


2.1 A história do município de Barcarena ............................................................ 19
2.1.1 A Cabanagem ................................................................................................ 22
2.1.2 Do final do século XIX até a formação do município de Barcarena .......... 24
2.2 Os modos de vida da população local antes da formação do complexo
industrial................................................................................................................. 25
2.3 A formação do polo industrial em Barcarena e o contexto político e
econômico .............................................................................................................. 27
2.3.1 A exploração da bauxita no Pará ................................................................. 27
2.3.2 A instalação das indústrias em Barcarena .................................................. 28
2.3.3 O projeto do alumínio na Amazônia ............................................................ 33
2.3.4 Intervenções sociais, econômicas e territoriais seguintes ........................ 35
2.4 O porto de Vila do Conde ................................................................................ 39
2.5 A exportação de cargas vivas ......................................................................... 44
2.6 A “civilização do alumínio” e o não desenvolvimento local ......................... 46
2.7 As vantagens locacionais da Amazônia, a competição de lugares e a
chantagem locacional ............................................................................................ 51

3 DESIGUALDADE AMBIENTAL E O NAUFRÁGIO DO NAVIO HAIDAR ............. 54


3.1 História de movimentos ambientais na modernidade ................................... 54
3.2 Degradação ambiental “democrática” e modernização ecológica ............... 58
3.2.1 Recursos naturais enquanto base de sustentação do modo de produção
capitalista ............................................................................................................... 58
3.2.2 Modernização ecológica ............................................................................... 60
3.2.3 Ambientalismo Consensualista ................................................................... 64
3.3 Justiça Ambiental ............................................................................................ 67
3.4 Racismo Ambiental .......................................................................................... 72
3.5 Conflito ambiental ............................................................................................ 75
3.6 O naufrágio do navio Haidar no porto de Vila do Conde – Barcarena/PA ... 78
3.6.1 O Naufrágio.................................................................................................... 78
3.6.2 A Ação Civil Pública...................................................................................... 87
3.6.2.1 Petição Inicial - Alegações dos autores da Ação .......................................... 87
3.6.2.2 Diagnóstico Socioeconômico elaborado pela Secretaria Municipal de
Assistência Social do município de Barcarena ......................................................... 91
3.6.2.3 Alegações e estratégias de defesa dos réus ................................................ 93
3.6.2.4 Decisões e despachos ................................................................................. 95
3.6.2.5 O acordo ...................................................................................................... 97
3.6.3 A “resolução” dos conflitos socioambientais no Judiciário ................... 100
3.6.3.1 Consequências da conciliação ................................................................... 100
3.6.3.2 Judiciário como mais uma das arenas de luta ............................................ 103

4 A ZONA DE SACRIFÍCIO E A PERCEPÇÃO DOS ATINGIDOS ....................... 106


4.1 A organização social de resistência a partir da formação do polo industrial
............................................................................................................................... 106
4.2 A política assistencialista .............................................................................. 110
4.3 O Campo ......................................................................................................... 111
4.3.1 As razões da escolha do caso do naufrágio ............................................. 111
4.3.2 Interlocutores da pesquisa ......................................................................... 112
4.3.4 Metodologia ................................................................................................. 113
4.3.5 O naufrágio .................................................................................................. 116
4.3.6 Como é ser vizinho do porto ...................................................................... 120
4.3.7 Acordo na Ação Civil Pública no caso do naufrágio ................................ 123
4.3.7.1 Lista de Atingidos no processo ................................................................... 125
4.3.8 Danos cotidianos ........................................................................................ 126
4.3.9 Organização social de resistência ............................................................. 130
4.3.9.1 O Fórum Intersetorial de Barcarena ........................................................... 131
4.3.9.2 O remanejamento....................................................................................... 134
4.3.10 Os danos e os Órgãos Públicos ............................................................... 135
4.4 Zonas de sacrifício ........................................................................................ 136
4.4.1 A percepção de Barcarena como uma zona de sacrifício ........................ 136
4.4.2 Zonas de sacrifício ...................................................................................... 137

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 142


5.1 O discurso de desenvolvimento para Amazônia no capitalismo brasileiro:
............................................................................................................................... 142
5.1.1 O discurso do desenvolvimento ................................................................ 142
5.1.2 O capitalismo brasileiro e a posição do país na Divisão Internacional do
Trabalho................................................................................................................ 145
5.2 Apontamentos finais sobre a cidade de Barcarena enquanto zona de
sacrifício ............................................................................................................... 149

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 152

ANEXOS ................................................................................................................ 160


Anexo A ................................................................................................................ 160
9

1 INTRODUÇÃO

No dia 06 outubro de 2015, um grave naufrágio sucedeu no Porto de Vila do


Conde, em Barcarena-PA. O navio Haidar, de bandeira libanesa e atracado no porto
havia três dias, adernou enquanto era carregado com quatro mil e novecentos bois
vivos, que seriam exportados para Venezuela. Desses quase 5 mil bois, cerca de trinta
foram resgatados com vida e duzentos conseguiram fugir da embarcação antes do
naufrágio total do navio. Alguns bois foram abatidos pela população local, mas
milhares morreram por afogamento e suas carcaças e o navio permanecem
submersos no fundo rio Pará até os dias de hoje.
A Companhia Docas do Pará (CPD), sociedade de economia mista que
administra o Porto, não possuía um Plano de Contingenciamento de Emergências
Ambientais – sua obrigação legal -, de forma que durante os dias seguintes, mesmo
com inúmeras notificações de órgãos fiscalizadores, nada foi feito. No dia 12 de
outubro, uma barreira de contenção1, que impedia a carga do navio de se espalhar,
rompeu-se, ocasionando o alastramento de aproximadamente setecentos mil litros de
óleo e dois mil quatrocentos e cinquenta toneladas de carcaças de boi pelo rio Pará.
As carcaças dos bois e o óleo chegaram até a praia de Vila do Conde em
Barcarena, ao município de Abaetetuba e às ilhas de Belém. Foram apreendidos cerca
de duzentos e quarenta quilos de carne bovina na região, sem procedência, que
possivelmente se tratavam dos bois abatidos pela população e que poderiam estar
contaminados pela ingestão de óleo. Só foi dada destinação adequada – com
aprovação dos órgãos ambientais – para as carcaças dos bois que saíram do navio.
O Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual do Pará, a
Defensoria Pública do Estado do Pará e a Procuradoria Geral do Pará entraram com
Ação Civil Pública contra as empresas responsáveis pela embarcação, carga e de
serviços portuários, além da própria CDP, com pedido de: apresentação de plano de
ação para retirada da embarcação e das carcaças do fundo rio, bem como sua
destinação ambientalmente adequada; apresentação de plano de remediação e
recuperação das áreas degradadas; promoção da limpeza das praias, solo e corpos

1
A barreira de contenção é utilizada para evitar o alastramento de óleo derramado e não para suportar
milhares de toneladas dos bois mortos, segundo alegado pelo MPF na petição inicial da Ação Civil
Pública que discutiu o caso.
10

hídricos afetados; indenização aos municípios de Barcarena e Abaetetuba pelos


danos já ocorridos, para ser empregada em políticas públicas voltadas ao meio
ambiente; indenização por danos morais coletivos destinada a ações de desporto,
turismo e lazer para as comunidades atingidas; indenização por danos materiais,
morais e estéticos a ser paga para as vítimas do naufrágio; indenização por maus-
tratos e crueldade contra os animais, a ser empregada para instalação de hospital
público veterinário; além dos pedidos em sede de urgência em favor dos grupos
atingidos, como fornecimento de água potável, cestas básicas e o pagamento de um
salário mínimo por habitante afetado. A Justiça Estadual também foi acionada de
forma individual pela população atingida por meio de inúmeros processos com
pedidos de indenizações.
Esse desastre aconteceu enquanto eu cursava a especialização em Política e
Planejamento Urbano no IPPUR no Rio de Janeiro. Em meio às leituras que
aprofundavam meu interesse por questões relativas aos conflitos ambientais,
impressionou-me, à época, as fortes imagens do naufrágio. O incidente foi muito
divulgado na mídia local, o que possibilitou o acompanhamento do desenrolar dos
acontecimentos através dos portais de notícias na internet 2. Morando no Rio de
Janeiro, naquele momento, percebi o distanciamento, não apenas físico, mas também
político, da região Amazônica em relação ao resto do país, ao verificar que os jornais
de alcance nacional, editados no sudeste, produziram pouquíssimas matérias sobre o
naufrágio – principalmente após o rompimento da barragem em Mariana/MG, ocorrido
dias depois - que tomou conta dos noticiários em razão da proporção quase
incomensurável dos danos. Ademais, as matérias jornalísticas privilegiaram os relatos
oficiais dos órgãos ambientais, das empresas envolvidas, do Ministério Público, de
instituições de pesquisa e não levaram em conta a perspectiva dos grupos sociais
afetados diretamente, como pescadores e barraqueiros, por exemplo.
A dificuldade de acesso a informações sobre Barcarena, estando à distância,
provocou meu interesse em estudar o município – que possui muitas pesquisas
relacionadas ao polo industrial –, e me levou à elaboração de minha monografia de

2
O jornalista Lúcio Flávio Pinto, em seu blog, publicou artigo que atribui à disputa entre os dois maiores
jornais do estado do Pará, O liberal e Diário do Pará (o segundo de propriedade da família Barbalho) a
visibilidade dada ao naufrágio no porto de Vila do Conde. Segundo Pinto, O liberal tentou desgastar a
imagem de Helder Barbalho, que havia acabado de assumir a Secretaria Nacional dos Portos, com o
naufrágio em Barcarena. Disponível em: <https://lucioflaviopinto.wordpress.com/2015/10/12/a-
tragedia-e-os-aproveitadores/>. Acesso em: 30 Ago 2017.
11

conclusão da especialização dedicada a uma análise do naufrágio. Essa aproximação


da história e organização do município de Barcarena revelou o quão pouco eu
conhecia sobre uma cidade tão próxima de Belém, onde vivi quase toda minha vida e
demonstrou que o distanciamento daquela realidade não ocorre somente em âmbito
nacional.
Para elaboração de minha monografia, realizei algumas entrevistas com
lideranças locais, pescadores e barraqueiros (comerciantes das praias), a fim de
conhecer minimamente a perspectiva dos atingidos acerca do naufrágio.
Nas entrevistas, dentre perguntas planejadas, respostas anotadas e conversas
mais informais, percebi que o naufrágio - que me parecia uma tragédia sem
precedentes - era visto pelos moradores como apenas mais um caso de dano
ambiental provocado pelo complexo industrial instalado na cidade e vivido por aquelas
pessoas. Meus interlocutores relataram: como era a vida na cidade antes da
instalação das indústrias e de toda infraestrutura para seu funcionamento; sobre casos
de danos ambientais dos mais diversos; a perspectiva de melhoria das condições de
vida que tiveram a partir da chegada das indústrias; a dificuldade de exercer suas
profissões, em razão da inegável contaminação das águas; a falta de infraestrutura
urbana e serviços públicos essenciais; as doenças que possivelmente são causadas
pela exposição à poluição; sobre sua organização política; e a relação com o governo
municipal e com o Poder Judiciário e Ministério Público.
Esse primeiro contato me mostrou que o naufrágio, ocorrido em 2015, era só
mais um da série de danos ambientais permanentemente sofridos pela população de
Barcarena. Esse caso era considerado pela população local como o de maior
repercussão até aquele momento das primeiras entrevistas – apesar de, a meu ver, o
desastre não ter tido a divulgação necessária, nem tampouco ter provocado o
necessário debate político sobre modelos de desenvolvimento para a região.
Meus interlocutores relataram diversos casos de vazamentos de rejeitos das
indústrias nos rios (alguns investigados e outros não), de derramamento de cargas no
processo de embarque/desembarque no porto e de alastramento de fuligem no ar.
Relataram, em suma, como o funcionamento das indústrias na cidade minam o
12

exercício de suas profissões - seja pela redução3 do pescado para os pescadores,


seja pelo afastamento dos banhistas para os barraqueiros – e, de forma mais ampla,
seus próprios modos de vida, antes marcado pelo extrativismo e cultivo de pequenas
roças e animais. A cidade de Barcarena, com os impactos causados a partir da
formação do complexo industrial, se apresenta, portanto, como um território complexo
e desigual, onde se produz muita riqueza, a partir da expropriação de recursos de uso
comum. Trata-se de um território onde emergem muitos conflitos relativos a formas
de apropriação e uso incompatíveis de recursos naturais. Nas palavras de um dos
pescadores entrevistados:
Eu posso falar mais da pesca, tenho 40 anos de pesca. A cada ano eu tenho
sentido mais esse impacto. Eu saio aí fora, tem dia que a gente traz alguma
coisa, tem dia que a gente não traz nada. Aí a gente fica só olhando a nossa
riqueza saindo aí dos portos e a gente parece que vai morrendo aos
pouquinhos.

A partir da perspectiva dos estudos sobre justiça ambiental e dos relatos e


percepções da população local entrevistada, toma-se a cidade de Barcarena, nesta
dissertação, como uma zona de sacrifício, pois trata-se de território onde se somam
empreendimentos potencial ou efetivamente poluentes. Essa concentração de
atividades (tanto produtivas como logísticas) é possibilitada por fatores que
extrapolam as justificativas oficiais de escolha de localização e implicam na dificuldade
de definir responsabilizações por danos ambientais, assim como, de definir os limites
dessas responsabilizações.
***

Barcarena é um município que se localiza no nordeste paraense, a cerca de


setenta quilômetros da capital, Belém, onde, no período da ditadura militar (1964-
1985), foram instaladas indústrias para produção de alumínio, pouco depois do início
da exploração de bauxita no estado do Pará. A Albrás e Alunorte eram, no princípio,
empresas sob controle da estatal Vale do Rio Doce, sendo a primeira produtora de
lingotes e ligas de alumínio e a segunda produtora de alumina (matéria-prima para
produção do alumínio). Junto às duas indústrias, foi construída toda a infraestrutura

3
Os pescadores relatam que nos igarapés da cidade raramente conseguem pescar, de forma que
precisam, hoje em dia, navegar nos rios maiores e se afastar cada vez mais da cidade para conseguir
volume considerável de peixes. Essa situação tem sido centro das pautas dos pescadores, pois seus
barcos são muito pequenos e o distanciamento da cidade envolve riscos em razão da maior intensidade
dos movimentos de maré.
13

necessária para seu funcionamento, tal como o porto de Vila do Conde. Nos anos
seguintes outras indústrias se instalaram na cidade, além de empresas prestadoras
de serviços atraídas pelo complexo industrial. O porto passou por diversos projetos
de ampliação para atender à produção crescente das indústrias – ressalta-se,
também, a instalação de outros modais de transporte 4 -, além de ter diversificado as
cargas transportadas, passando a ser rota de exportação da produção das chamadas
commodities (soja, carne, minérios) no norte do país.
Com o olhar atento à cidade nas idas a Barcarena, a sede do município me
pareceu como muitas outras cidades do interior paraense de precária infraestrutura
urbana: paisagem com prédios de, no máximo, três andares; muitas casas de madeira
intercalando com casas de alvenaria; várias casas com pequenos comércios à frente;
muitos buracos nas ruas; ruas sem calçada; ônibus antigos; e muitas motocicletas e
bicicletas circulando. Ao me afastar mais da atual sede do município, passei pelo
bairro Vila dos Cabanos, planejado para receber os funcionários das empresas Albrás
e Alunorte - que atualmente não é tão diferente do restante da cidade -, onde pude
observar que: as casas possuem estética mais moderna, com terrenos maiores; ruas
com calçadas e algumas com canteiro central arborizado; e casas, em sua maioria,
utilizadas somente para moradia.
A caminho de Vila do Conde, a rodovia passa por amplos terrenos, onde as
empresas minero-metalúrgicas fazem o despejo de seus rejeitos. São as chamadas
“bacias de rejeitos”: imensos buracos supostamente impermeabilizados, onde são
depositados os sub-produtos não reutilizáveis do processamento de minérios, até
atingir sua capacidade, quando uma nova cova é aberta. Na estrada há muitos
outdoors de propaganda das indústrias, que apontam como aqueles minérios podem
ser utilizados em nossa vida cotidiana.
Em Vila do Conde há ruas de terra e as casas são bem mais simples. A praia
(que estava deserta durante todas as minhas visitas, talvez por ter ido em horário
comercial, em dias úteis, talvez pelo medo de contaminação que ainda afasta os
banhistas, segundo relato das barraqueiras entrevistadas) continua bonita, apesar de
ter, em meio à paisagem natural, vista para o imenso porto de Vila do Conde, onde
estão atracados navios de grande calado.

4
Além da ampliação do porto de Vila do Conde, a infraestrutura para transporte da produção foi
diversificada. Foram construídas estradas, minerodutos e portos privados.
14

Essa trajetória me provocou diversos questionamentos que impulsionaram a


produção das reflexões desse trabalho: qual o “desenvolvimento” se produz a partir
da instalação de grandes projetos em cidades amazônicas? O que justifica a
instalação de diversas atividades poluentes de forma concentrada na cidade de
Barcarena? Como empresas, população local e poder público local se relacionam em
cidades que sediam grandes projetos? Qual papel desempenhado por cidades como
Barcarena na economia nacional e no capitalismo mundializado? Como se dão os
conflitos socioambientais que emergiram em Barcarena a partir da incompatibilidade
entre os modos de vida local e a produção industrial? Qual o perfil étnico-racial dos
grupos sociais mais atingidos? Quais os espaços e estratégias de resistência da
população local frente a esses grandes projetos e aos inegáveis impactos que causam
ao território e seus recursos? Considerando o sistema jurídico como uma das arenas
onde acontecem os conflitos, como têm atuado os atores envolvidos e como se
posicionou o Poder Judiciário no caso do naufrágio do navio Haidar?
Conforme apontado, entendemos que a cidade de Barcarena vem se
configurando historicamente enquanto uma zona de sacrifício, na medida em que seu
território concentra atividades industriais e logísticas potencial ou efetivamente
causadoras de danos ambientais ampliados. Sua população é composta por 80% de
não-brancos (pardos e pretos), segundo dados do IBGE de 2010 e encontra-se
distribuída em comunidades de baixa renda, que têm grande dificuldade de interferir
no debate público, ao mesmo tempo em que possuem pouca ou nenhuma mobilidade,
permanecendo, portanto, constantemente expostas aos processos de degradação
ambiental engendrados pelas empresas aí instaladas 5.
Ademais, essa concentração de empreendimentos poluentes, para além da
evidente maior exposição da população à danos e ameaça de danos ambientais,
implica complexidade na apuração da responsabilização dos agentes causadores
desses danos e provoca o questionamento, pelas empresas, da precisão dos estudos
ambientais, com a finalidade de se eximir da responsabilização. Assim, as empresas
valem-se da seguinte premissa: em um ambiente já poluído, que sedia diversas
empresas com potencial poluidor, como atribuir e delimitar a responsabilidade
ambiental por um determinado dano?

5
Em consonância com a conceituação utilizada por Viegas (2006), disponível em:
<https://www.faneesp.edu.br/site/documentos/desigualdade_ambiental_zonas_sacrificio.pdf>. Acesso
em: 05 maio 2017
15

Ainda que o caso do naufrágio do navio Haidar represente apenas uma parcela
dos impactos ambientais nocivos verificados em Barcarena, entorno do complexo
industrial e da rota logística da produção de commodities na região, este evento
poluidor – de acordo com diversas perícias realizadas -, causou danos
desproporcionais aos moradores locais e foi considerado pelos órgãos fiscalizadores
como um incidente inédito6, ainda pouco estudado, o que torna a extensão e as
consequências ambientais, sociais e sanitárias dos danos pouco conhecida.
Ressalto que, em fevereiro de 2018 – já na reta final da escrita da presente
dissertação – foi denunciada, pela população local, a suspeita de vazamento de
rejeitos da empresa Hydro Alunorte, durante o período de chuvas intensas na região.
Essa suspeita desencadeou uma investigação maior sobre o descarte de rejeitos na
produção de alumina, tendo sido constatado: a existência de dutos clandestinos de
lançamento de rejeitos não tratados diretamente nas águas do rio, durante a inspeção
técnica coordenada pelo Ministério Público7; a presença de metais pesados em níveis
muito acima do permitido em legislação nacional nas águas (rios e igarapés) do
entorno das bacias de rejeitos, constatada por análise realizada pelo Instituto Evandro
Chagas8; e contaminação por metais pesados (cancerígenos) de 80% da população
testada pelo Laboratório de Química da Universidade Federal do Pará 9.
Ainda que seja impossível dissociar um caso do quadro geral de exposição à
poluição que caracteriza a história recente da cidade de Barcarena, e sua
configuração enquanto uma zona de sacrifício, nesta dissertação irei ater-me ao caso
do naufrágio do navio Haidar no Porto de Vila do Conde, buscando não o dissociar do
contexto mais amplo em que se somam diversas outras fontes de dano ambiental
oriundas de atividades industriais de grande potencial poluente.
Portanto, a partir desse estudo de caso, este trabalho pretende também
analisar as diversas estratégias de luta empreendidas pela população local, em busca
de proteção do Estado contra a exposição aos agravos ambientais que violam seus

6
Uma funcionária da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará relatou, na Ação Civil
Pública sobre o caso, que não há registro de outros naufrágios de navios de carga viva ancorados em
portos.
7
Para mais informações, ver:
<http://www.mppa.mp.br/index.php?action=Menu.interna&id=8871&class=N>.
8
Para mais informações, ver resumo dos relatórios de pesquisa em:
<http://www.iec.gov.br/portal/coletiva-hydro/>; <http://www.iec.gov.br/portal/coletiva-hydro-2/>; e
<http://www.iec.gov.br/portal/nota-2/>.
9
Para mais informações, ver: <http://www.ihu.unisinos.br/577849-mineradoras-do-para-degradam-
floresta-e-contaminam-populacao-com-metais-pesados-entrevista-especial-com-simone-pereira>.
16

modos de vida, pela preservação de suas atividades profissionais e seus direitos à


saúde e à vida. Dentre o espectro de estratégias de resistência movidas pela
população local, iremos nos ater ao acionamento do Poder Judiciário. Em um território
onde as indústrias estão totalmente consolidadas, é recorrente que as ações de
resistência da população local para manutenção de seus modos de vida se orientem
para a busca de mitigação e compensação de danos através de processos judiciais.
Essa abordagem se mostrou pertinente por dois fatores: possibilitou o
acompanhamento do caso no decurso do tempo, até haver uma resposta institucional
e o encerramento do processo judicial por meio da efetivação de acordo; e por ter
possibilitado acesso à documentos oficiais, laudos periciais, resultados de inquéritos,
dentre outros. Porém, tal abordagem também reside na compreensão de que o
sistema jurídico se configura como arena de disputa onde os conflitos ganham
visibilidade e se tornam assuntos públicos 10, permitindo a enunciação do desastre
ambiental enquanto um problema social a ser enfrentado pelo Estado e empresas
envolvidas. Essa foi uma das estratégias de luta assumida pelos movimentos
associativos locais.
No capítulo II dessa dissertação (o capítulo I é a presente Introdução),
apresento relato baseado em dados históricos sobre a cidade de Barcarena e sua
conformação nos períodos anteriores à instalação do polo industrial. Ademais,
apresento o contexto de instalação das indústrias em Barcarena - fazendo um
apanhado da política dos governos militares para a Amazônia e o momento
econômico e geopolítico internacional, na década de 1970. Analiso, em seguida, os
projetos empresariais e políticos para a região, até o momento atual, incluindo o
mercado de exportação de carnes. Nessa perspectiva, analiso o discurso de
desenvolvimento e modernização que legitima a instalação de grandes projetos em
certas localidades, como Barcarena, ainda que os dados sobre a cidade não apontem
melhoria das condições de vida da população – ao contrário, trata-se de um território
onde evidencia-se fortemente a lógica de produção e concentração de desigualdades
ambientais, como uma das dimensões das desigualdades sociais que marcam a
formação econômica e histórica de nosso país.
Ainda que se intente fazer um recorte espacial para um estudo do “local”,
territórios como Barcarena - de grande relevância no processo de produção capitalista

10
“Afinal, uma condição alegada não constitui um problema social enquanto não for enunciada
publicamente como tal” (FUKS, 2001, p. 49)
17

globalizado – requerem o estudo das demais escalas, pois se inserem em uma rede
global e nacional de decisões políticas e econômicas, daí a tentativa de situar
Barcarena num contexto mais amplo. Segundo Brandão (2004), as decisões tomadas
fora do território implicam problemas que se materializam no espaço local, não sendo
possível abdicar de se debruçar sobre as diferentes escalas que permeiam essas
decisões – que configuram relações de poder multiescalares, pelas quais os
interesses das populações locais impactadas são preteridos. A intensificação das
relações econômicas globais, protagonizadas pelas empresas multinacionais e por
órgãos internacionais, não fazem desaparecer a necessidade de uma análise das
diversas escalas, ao contrário, complexificam as questões locais. Portanto, Barcarena
é simultaneamente um território local e global, pelas redes em que se insere, assim
como pelas redes que forma internamente.
No capítulo III faz-se uma revisão teórica da análise da degradação ambiental
através da perspectiva da justiça ambiental – conforme o entendimento de que os
problemas ambientais não se dissociam da desigualdade social verificada em uma
sociedade capitalista. Ademais, apresento a já mencionada Ação Civil Pública
proposta pelo Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual do Pará,
Defensoria Pública do Estado do Pará e Estado do Pará contra as empresas
envolvidas no naufrágio do navio Haidar. Não se trata de análise procedimental dos
atos realizados em juízo, mas de um estudo do acionamento dessa arena de disputas
– o Poder Judiciário - que torna pública certas demandas sociais. Buscamos também
entender quais são as implicações da utilização desse espaço de luta, que é ao
mesmo tempo legitimado e detentor de autoridade.
Por fim, no capítulo IV, apresento a perspectiva dos atingidos diretamente pelo
naufrágio, através de entrevistas realizadas em janeiro de 2016 e em fevereiro e
março de 2017 – alguns meses após o naufrágio e início da ação judicial e logo após
o acordo final no processo. A intenção de escutar os moradores locais sobre o
naufrágio se sustenta em razão do silenciamento que sofreram nesse processo,
18

quando os discursos oficiais e técnicos são tomados como verdade 11 e legitimam


certos interlocutores, desqualificando o chamado “discurso leigo”. A população local
nunca deixou de denunciar danos ambientais e os impactos sobre suas vidas
provocados pelo polo industrial de Barcarena, se revelando profundas conhecedoras
acerca das dinâmicas ambientais do município, mais até que as instâncias
fiscalizadoras das práticas empresariais - ainda que essas denúncias não tenham sido
capazes de alterar a correlação de forças local.
Por fim, nas considerações finais, faz-se uma pequena análise do discurso de
desenvolvimento que sustentam a instalação de empresas poluentes, a partir da
posição periférica que o Brasil ocupa na Divisão Internacional do Trabalho, que
pressiona territórios considerados de fronteira como a Amazônia, em um processo de
acumulação por espoliação (Harvey, 2003). Ademais, buscou demonstrar que a
análise a partir da perspectiva dos moradores da cidade de Barcarena sobre os danos
ambientais que vivenciam, pode contribuir significativamente para a compreensão dos
problemas sociais e ambientais verificados naquele território, inclusive para enquadrá-
lo no conceito de zona de sacrifício, apontando as diversas consequências da
sobrecarga de danos ambientais que a concentração de atividades provoca,
obstaculizando os modos de vida local e sua reprodução.

11
Foucault analisa as práticas jurídicas enquanto forma que nossa sociedade definiu a verdade, partido
da seguinte hipótese: “A hipótese que gostaria de propor é que, no fundo, há duas histórias da verdade.
A primeira é uma espécie de história interna da verdade, a história de uma verdade que se corrige a
partir de seus próprios princípios de regulação: é a história da verdade tal como se faz na ou a partir
da história das ciências. Por outro lado, parece-me que existem, na sociedade, ou pelo menos, em
nossas sociedades, vários outros lugares onde a verdade se forma, onde um certo número de regras
de jogo são definidas – regras de jogo a partir das quais vemos nascer certas formas de subjetividade,
certos domínios de objeto, certos tipos de saber – por conseguinte, podemos, a partir daí, fazer uma
história externa, exterior, da verdade. (2002, p. 11)
19

2 A HISTÓRIA E OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO EM BARCARENA

A cidade de Barcarena historicamente atravessou diversos processos de


intervenção decididos fora do âmbito local. Em razão disso, no capítulo II dessa
dissertação faz-se um apanhado histórico do município e uma análise dos fatores que
legitimaram as referidas intervenções 1.
Dessa forma, apresentam-se alguns dados históricos encontrados do período
anterior à formação do complexo industrial, assim como dos modos de vida da
população local. Analisa-se como o discurso de desenvolvimento e modernidade
possibilitou a instalação dos empreendimentos na cidade. Demonstra-se como atuam
as empresas e os governos de todas as esferas para a configuração dessa realidade
local, ainda que haja resistência da população negativamente afetada. E, por fim,
atesta-se que a formação do complexo industrial em Barcarena não foi capaz de
garantir melhoria de vida para a população local – como aumento da renda, acesso a
equipamentos urbanos, escolaridade, dentre outros.

2.1 A história do município de Barcarena

Não se intenta neste item fazer uma análise aprofundada da história do


município de Barcarena. A partir da apresentação de uma breve sistematização de
dados históricos encontrados, pretende-se contribuir para a compreensão das
diversas transformações ocorridas na cidade e como as diferenças entre os modos de
ocupação e interação com território conformam os conflitos socioambientais que serão
analisados nessa dissertação.
Alguns registros afirmam que as etnias indígenas predominantes no território
de Barcarena, quando da chegada dos colonizadores, eram os Aruã e os Mortigura.
Carmo (2011 apud HAZEU, 2015) afirma que essas etnias eram caçadoras-coletoras,
sendo os Aruãs provenientes da Ilha do Marajó, não há certeza sobre a razão de sua
migração para Barcarena, mas considera-se, que seu deslocamento possa ser

1
Há diversos estudos já produzidos sobre a cidade de Barcarena, de forma que este capítulo intenta
fazer uma análise dos fatores que possibilitaram a conformação atual do município por meio da
sistematização dessas referências teóricas.
20

consequência de expedições e guerras contra os portugueses. Outros registros


(PORRO, 2007) indicam que Mortigura (ou Mortiguara) era a denominação da aldeia
formada por indígenas Pochiguara (Potiguara) e Tupinambá, que haviam descido
juntos o rio Tocantins e se instalado na região que depois se tornou a Vila do Conde.
O registro mais antigo de ocupação do território por colonizadores portugueses é de
1653, quando a aldeia de Mortigura – depois chamada de Vila do Conde e Murucupi
– foi doada a Jesuítas, que ali fundaram a primeira aldeia da Companhia de Jesus 2
no território paraense. A evangelização dos indígenas atendia aos interesses de
expansão da igreja, assim como aos interesses portugueses de colonização.
A criação das missões era uma estratégia de dominação colonizadora sobre
os povos indígenas, que se materializou na região de Barcarena com a
formação das missões de Samaúma (hoje Beja), Mortigura (hoje Vila do
Conde) e Gibrié/Gebrié (hoje Vila de São Francisco). Mortigura foi a primeira
aldeia da Companhia do Pará doada aos jesuítas, em 1653, por ordem do
Rei. Estes a transformaram em uma aldeia de repartição [entidades cristãs
para defesa do território e promoção de trabalho compulsório de indígenas
catequizados], em seguida criaram Mortigura-nova, e em 1696 já contavam
com nove Aldeias de Índios, com um grande número de aldeados. (HAZEU,
2015, p. 59)

Segundo documento produzido pela Prefeitura Municipal de Barcarena (1999,


p. 33), o historiador Ernesto Cruz considera o marco inicial da ocupação de Barcarena
a Fazenda Gibirié (também chamada de Gibrié ou Gebrié) – hoje Vila de São
Francisco e onde se localizou a sede do município no momento de sua fundação -,
por volta de 1730. Na fazenda Gibirié foi construída a igreja de São Francisco Xavier,
que nomeia hoje a região da cidade. Na aldeia Mortigura, depois chamada de Vila do
Conde e Vila Murucupi, foi erguida a capela de São João de Mortigura. Em 1758 foi
criada a Freguesia de São Francisco Xavier de Barcarena, sob controle da igreja, até
a proclamação da República.
Hazeu (2015) aponta a intenção de controle da mão de obra indígena como um
dos fatores principais da disputa entre a igreja e o governo português, que culminou
com a expulsão dos jesuítas do Brasil e o confisco de suas posses em 1785. Em
seguida, o interesse econômico relativo às possibilidades de ganho com o tráfico de
pessoas escravizadas oriundas do continente africano inseriu a mão de obra
escravizada na região.
A região próxima a Belém, incluindo Acará, Moju, Igarapé Miri, Baixo
Tocantins e Guamá, tornou-se uma região voltada ao abastecimento de
alimentos para a cidade, de exploração de madeira para suprir o arsenal em
Belém e para exportação em Portugal, de plantações de cana e instalação de

2
Escola para catequização das comunidades indígenas fundada pelos Jesuítas.
21

engenhos para produção de açúcar e cachaça e para o cultivo e coleta de


cacau, o que exigia normas e formas de ocupação do território, de sistemas
intensivos de transporte, através dos rios, uma administração central de
arrecadação, comando e controle, e da já mencionada grande demanda de
mão de obra. (HAZEU, 2015, p. 60)

A denominação Barcarena advém da junção das palavras “barca” e “arena”,


que fazem referência a uma embarcação do povoamento, chamada Arena e
conhecida pelos habitantes como Barca3. Entretanto, Valente (1990 apud
PREFEITURA MUNICIPAL DE BARCARENA, 1999) aponta, de forma divergente, que
o território foi batizado de Barcarena por Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
governador do estado do Maranhão e Grão-Pará e irmão do Marquês de Pombal, em
1755, em homenagem a sua esposa, nascida no povoado de Barcarena, em Portugal,
no contexto da política pombalina de rompimento dos privilégios da igreja e
fortalecimento do Estado. Por essa teoria, a expulsão de missionários religiosos foi
marcada pela transformação de aldeamentos em vilas e alteração dos nomes
indígenas para nomes em português, em referência a cidades portuguesas 4.
O Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado alterou a situação
administrativa e o nome das antigas missões. Os nomes indígenas dados
pelos jesuítas às aldeias foram substituídos por nomes portugueses, por
exemplo a missão de Gebrié passou a se chamar freguesia de São Francisco
Xavier de Barcarena (em 1758), em analogia a uma localidade em Portugal,
a região de Oeiras, nas proximidades de Lisboa.
A nova política visava à regularização da mão de obra indígena como
“assalariada”, ou seja, seria utilizada pelos colonos em troca de pagamento,
passando do domínio dos religiosos para o controle dos civis. A partir de
então, os juízes e dirigentes das vilas organizavam a distribuição dos
indígenas, que, mesmo considerados livres, na prática continuavam a ser
intensamente explorados. (HAZEU, 2015, p. 63)

A política pombalina, do Diretório dos Índios 5, estimulava e provocava a fuga


de pessoas escravizadas de origem indígena e africana.
A partir de 1760, encontram-se mocambos de índios na extensa área
banhada pelo rio Tocantins, próximas a Cametá, Baião, Conde e Moju. Os
resquícios de um mocambo de índios mostram que eles eram organizados
com casas e muitas plantações de mandioca. Os mocambos dos índios
fugidos da Amazônia eram móveis, podendo-se identificar a formação de um

3
Informações encontradas no site da prefeitura municipal de Barcarena, disponível em:
<http://www.barcarena.pa.gov.br/portal/pagina?id=8&url=histria>. Acesso em 29 mar. 2017.
4
Há vários exemplos como esse no estado do Pará, como Alenquer, Bragança, Óbidos, Soure, Vigia,
entre outros.
5
Segundo Lago (2003), o Diretório dos Índios foi uma lei criada para extinguir a administração
eclesiástica dos aldeamentos e retirar dos missionários a tutela indígena. Essa lei foi editada em uma
conjuntura de centralização e fortalecimento do poder régio, na tentativa de diminuir a dependência de
Portugal em relação a Inglaterra. Assim, por meio da política pombalina e da lei do Diretório dos Índios
acusou-se os missionários de manterem os índios na ignorância, determinando-se a obrigação do
ensino da língua portuguesa, além da imposição de pagamento de dízimo pelos indígenas.
22

deles em 1762 na Vila do Conde, no rio Piriá (ANGELO-MENEZES;


GUERRA, 1998, apud, HAZEU, 2015, p. 67)

Uma atividade que se tornou importante na região do Baixo Tocantins do final


do século XVIII até meados do século XIX foi o cultivo e beneficiamento de cana de
açúcar. Padre Bartolomeu (1946, apud, HAZEU, 2015) registrou vinte e um engenhos
em Barcarena até o período da Cabanagem. Nos engenhos a mão de obra principal
era de pessoas escravizadas de origem africana. Segundo Hazeu (2015) eram,
majoritariamente, Bantos, divididos em dois subgrupos, os angolanos-congoleses e
os moçambicanos.

2.1.1 A Cabanagem
Aponta-se como origem do movimento da Cabanagem na Amazônia brasileira,
a partir dos anos de 1820, a chegada de ideais da Revolução Francesa – inclusive
através do Cônego Batista Campos 6 – em um momento de insatisfação de pequenos
proprietários de terras, divergências sobre a adesão da Província do Grão-Pará à
independência, disputas partidárias e conflitos entre proprietários de terras e
mocambos, segundo Hazeu (2015).
A Cabanagem captou as insatisfações de grupos que se encontravam mais
ou menos concentrados. Índios e mestiços se reuniam em cinco lugares
principais, e também nos lugares de reunião dos combatentes na região do
Conde, Beja e Barcarena; na região costeira de Vigia a Cintra; em algumas
partes da Ilha de Marajó; no Médio Amazonas e seus afluentes; e na quinta,
a região do Guamá, Moju, Acará e Capim, lugares de grandes plantações e
de concentrações de escravos (MARIN, 2000). (HAZEU, 2015, p. 77)

A partir de então começaram a ser difundidos, mais fortemente, ideais de


liberdade e igualdade formando um movimento que, de acordo com Ricci (2007), tinha
como base o patriotismo7 e o anticolonialismo. Os líderes da Cabanagem Felix

6
João Batista Gonçalves Campos foi um nome de destaque na Cabanagem, sendo definido por Ricci
(2007) como um: “liberal histórico, panfletário incendiário cassado e posto à beira do canhão por
portugueses, nos anos de 1820, tendo sido mandado ao exílio, voltado, tendo feito nova rebelião nos
anos 1830, quando foi novamente inocentado nos tempos de Feijó, na Corte”. O cônego era redator de
um periódico local chamado “O Paraense”, foi personagem importante para adesão da Província do
Grão-Pará à independência e sua morte é considerada como o estopim para a batalha de janeiro de
1835, quando o governador da Província Bernardo Lobo de Sousa foi morto e o primeiro governo
Cabano assumiu o poder.
7
Ricci (2007) ressalta sobre a caracterização do movimento cabano como patriota: “Eles se
autodenominavam ‘patriotas’, mas ser patriota não era necessariamente sinônimo de ser brasileiro.
Este sentimento fazia surgir no interior da Amazônia uma identidade comum entre povos de etnias e
culturas diferentes. Indígenas, negros de origem africana e mestiços perceberam lutas e problemas em
comum. Esta identidade se assentava no ódio ao mandonismo branco e português e na luta por direitos
e liberdade”
23

Malcher8, os irmãos Francisco e Antônio Vinagre9, Eduardo Angelim10 e o Cônego


Batista Campos ganharam a aliança de caboclos, índios e negros, que apoiaram o
movimento em razão dos ideais de liberdade e igualdade racial.
Depois de cinco anos de luta, os cabanos criaram ódio aos brancos e às
autoridades impostas, aprendendo a amar a aclamação popular e a revolução
infinita. Cultuavam a beleza revolucionária, mas viveram outras mazelas: a
fome, as doenças, as mortes e a instabilidade da guerra. Em um processo de
fuga da escravidão, tal qual Moisés no Egito bíblico, os cabanos foram
perseguidos e mortos, mas seus ideais não desapareceram completamente.
Em busca da sua “terra prometida”, muitos revolucionários se embrenharam
nos rios e nas matas da Amazônia, ampliando quilombos ou criando
comunidades mistas de negros, índios e mestiços, exemplos ímpares no
Brasil. (RICCI, 2007, p. 28)

Barcarena foi território importante para a formação e luta do movimento da


Cabanagem, em razão de sua localização privilegiada foi considerado o reduto dos
cabanos. Dois dos principais líderes da cabanagem, Eduardo Angelim e o Cônego
Batista Campos, estão enterrados na cidade de Barcarena.
A morte do Cônego Batista Campos, em Barcarena, onde se refugiava da
perseguição das autoridades culminou com a invasão dos cabanos ao Palácio do
Governo e morte do então presidente da província, Bernardo Lobo de Souza, em 7 de
janeiro de 1835, e início dos governos cabanos.
Aos 31 de Dezembro de 1834 faleceu no sítio Rosário em Atituba, aliás
Arrozal, o lutador da independência, Cônego Batista Campos. A sua morte foi
o sinal das lutas e das guerras civis que devastaram as terras de Barcarena
durante dois anos (1835 – 1836). Os Cabanos organizaram as suas tropas
de assalto com os Unços ou Onços – escravos que fugiram de seus patrões
e se tinham escondido nas ilhas desabitadas neste tempo. Assaltavam as

8
Félix Clemente Malcher era natural da cidade de Monte Alegre-PA, tendo se mudado ainda jovem
para região do Acará, onde se casou Rosa Maria Henriques de Lima, de família de descendência
portuguesa e herdeira de sesmarias. A partir de então tornou-se vereador em Belém e aliado do cônego
Batista Campos. Após a morte de Batista Campos, Malcher foi preso e a tomada da cidade de Belém
pelos cabanos, em 7 de janeiro de 1835, teve como objetivo, também, a sua libertação. Foi o primeiro
presidente cabano da Província, entretanto, sua ascensão ao poder culminou com a insatisfação de
seu Comandante de Armas Francisco Vinagre, de forma que os revolucionários cabanos se dividiram
e Felix Malcher foi deposto e posteriormente morto. (RICCI, 2007)
9
Francisco Vinagre assumiu a presidência da Província após a saída de Felix Malcher, de fevereiro a
agosto de 1835, quando resolveu deixar o governo com o emissário carioca Manuel Jorge Rodrigues,
que realizou uma eleição na qual foi eleito Ângelo Custódio, que tinha como base eleitoral a cidade de
Cametá, um reduto anticabano. Nessa nova conjuntura, Francisco Vinagre foi preso, o que fez emergir
um novo conflito, no qual seu irmão, Antonio Vinagre foi morto e Eduardo Angelim assumiu a
presidência da Província. (RICCI, 2007)
10
Eduardo Francisco Nogueira Angelim, era natural de Aracati-CE, mas jovem foi ao Pará, onde
arrendava terras de Félix Malcher (primeiro presidente cabano), na região do Acará (vizinha de
Barcarena). Foi o terceiro e último líder cabano a ocupar o posto de presidente da província e é descrito
por historiadores como religioso – a religiosidade foi artifício utilizado para aumentar sua autoridade -
que se pautava na hierarquia e ordem constitucional. Entretanto, seu governo, assim como dos outros
líderes, teve de enfrentar seus homens cada vez menos subordinados. Em maio de 1836 fugiu de
Belém no horário da chuva diária, para não ser percebido, só tendo podido retornar ao Pará em 1851,
onde viveu até 1882, em Barcarena. (RICCI, 2007)
24

fazendas e queimaram muitos engenhos de Barcarena, existentes naquela


época. (BARTOLOMEU, 1946 apud HAZEU, 2015, p. 79)

Os presidentes cabanos não foram capazes de cumprir com os ideais de


igualdade e liberdade, dividindo o movimento, o que enfraqueceu o apoio dos
indígenas, negros e mestiços cabanos. Em 1836, o cargo da presidência da província
foi ocupado por Soares Andréia, considerado o mais cruel, por ter prendido,
condenado, torturado e executado mais de vinte mil cabanos. Em 1840, o movimento
da Cabanagem sofreu esvaziamento, por meio de um decreto de anistia.

2.1.2 Do final do século XIX até a formação do município de Barcarena


Conforme dito, há registro do funcionamento em Barcarena de mais de vinte
engenhos para produção de açúcar e aguardente, além de quase uma dezena de
olarias, que exportavam seus produtos para Capital e outros municípios. Segundo o
documento histórico produzido pela prefeitura de Barcarena (1999, p. 94) “o golpe
mortal aos engenhos de Barcarena foi dado pela Cabanagem e a libertação dos
escravos”.
Os fazendeiros de cacau e de cana-de-açúcar foram alvos tanto dos cabanos,
quanto das forças legalistas, dependendo da posição que adotaram durante
a Cabanagem. A Cabanagem teve como principal consequência a
desorganização do regime escravista. Cessado o movimento cabano, este se
refez lentamente e os negros que escaparam foram reforçar os quilombos
(SALLES, 2004, p. 38).
[...]
Ou seja, uma das consequências da Cabanagem foi a destruição quase
completa do fabrico de rapadura em grande escala, que era excelente em
todo o estado e a despovoação de grandes regiões. (HAZEU, 2015, p. 81)

Registros destacam que Barcarena durante a Cabanagem e nas décadas


seguintes, mesmo diante das mortes provocadas pela revolta, teve a extração de látex
para produção de borracha como atividade importante. (HAZEU, 2015)
Barcarena foi sub-prefeitura de Belém, posteriormente Agência Municipal
subordinada a Municipalidade de Belém, até se tornar município de Barcarena, com
sede na Vila de São Francisco, em 30 de dezembro de 1943, a partir de um
desmembramento da capital.
O território de Barcarena ainda é formado pelos povoados de Arapiranga,
Vitória, Aicaraú e Carnapijó (antigo Carnapió), além da ilha de Trambióca.
Na década de 1940, após alcançar o status de município, iniciou-se, em
Barcarena, uma campanha dos líderes políticos e das famílias influentes para alterar
o local da sede municipal (que até então se situava na Vila de São Francisco), sob a
25

justificativa de que a cidade não poderia crescer estando “escondida na curva do rio
Barcarena”, longe do trânsito marítimo. Em 1952 que a almejada mudança da sede
municipal foi obtida e passou a se localizar na margem esquerda do rio Mucuruçá,
após um parecer favorável do então diretor do IBGE, no qual se lia:
O progresso de Barcarena exige a mudança da sua atual sede municipal para
outro lugar que reúna condições indispensáveis ao desenvolvimento de sua
vida, onde haja facilidade de transporte e comunicações, quer interiores quer
exteriores. Situada como está no alto rio Barcarena sujeita a precariedade
dos meios de transporte da região, a atual cidade não pode atender aos
encargos administrativos da comuna entrevando por assim dizer seu próprio
desenvolvimento. (CONCEIÇÃO e GUIMARÃES, 1999, apud HAZEU, 2015,
p. 84)

Entretanto, o processo de mudança só se iniciou de fato com a construção do


prédio da prefeitura na nova sede. Para tanto, a prefeitura teve de fazer campanhas
para convencer a população de se mudar para a “cidade nova”, cedendo terrenos e
doando materiais de construção (NAHUM, 2006). Portanto, essa alteração se tratou
de interesse de um grupo político, para a qual não há qualquer registro de participação
popular.

2.2 Os modos de vida da população local antes da formação do complexo


industrial

Os moradores de Vila do Conde - distrito da cidade de Barcarena onde as


fábricas e o Porto foram instalados -, antes da instalação do projeto Albrás/ Alunorte,
viviam, em sua maioria, da atividade produtiva de sítios familiares, exercendo o plantio
da mandioca (principal cultura), a caça, a pesca, a coleta de frutos e a criação de
animais, como galinhas e porcos. A maioria da população é de origem indígena: suas
práticas demonstram forte herança dos modos de vida dos povos originários
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BARCARENA, 1999, p. 146/148). Características
parecidas com aquelas que Trindade Júnior (2013) atribuiu às “cidades da floresta”:
As “cidades da floresta”, por seu turno, que eram predominantes na região
até a década de 1960, normalmente apresentam características de pequenas
cidades, associadas a circulação fluvial e com fortes elos em relação à
dinâmica da natureza e à vida rural não moderna. Além disso, tais cidades
sempre estabeleceram densas articulações com seus respectivos entornos
ou localidades relativamente próximas (vilas, povoados, comunidades
ribeirinhas, etc.). (TRINDADE JÚNIOR, 2013, p. 6)
26

Os sítios onde moravam se configuravam como domínio coletivo, ainda que


fossem conhecidos os limites individuais. “O repartir significava conservar a posse da
terra e a garantia de condições de reprodução da família” (MAIA, M. L. S.; MOURA,
E. A. F., 1995 apud PREFEITURA MUNICIPAL DE BARCARENA, 1999, p. 147).
Ademais, as árvores frutíferas tinham grande importância, pois representavam a
fartura do sítio.
“O sítio... era terreno nosso, tinha lavoura, roça, cada qual lá, éramos quinze
moradores, que morava lá, cada qual botava seu roçado. O terreno era
grande, cada divisão, eu botava aqui, esse um botava mais a frente, assim
nós íamos trabalhando. Ninguém brigava um com o outro, tudo unido, todo
mundo, um ajudava o outro, um dia eu trabalhava com ele juntava cinco, dez
pessoas, ia trabalhar pra mim, no outro dia já ia pro outro, era assim, nós
vivíamos” (MAIA, M. L. S.; MOURA, E. A. F., 1995 apud PREFEITURA
MUNICIPAL DE BARCARENA, 1999, p. 149)

Outros viviam de pequenos estabelecimentos comerciais ou de prestação de


serviços - como carpintaria e construção civil. As relações sociais se configuravam de
forma preponderante por relações de solidariedade, pois a terra vinculava a todos por
meio do trabalho. Dessa forma, “as ‘solidariedades organizacionais’ de hoje tendem a
substituir as ‘solidariedades orgânicas’ de outrora” (SANTOS, 1994,1996 apud
TRINDADE JÚNIOR, 2013, p. 10)
Portanto, em Barcarena se verificava o que Benatti (2006) descreve como o
instituto da posse agroecológica:
[...] definimos posse agroecológica como sendo a forma por que um grupo de
famílias camponesas (ou uma comunidade rural) se apossa da terra, levando
em consideração nesse apossamento as influências sociais, culturais,
econômicas, jurídicas e ecológicas. Fisicamente, é o conjunto de espaços
que inclui o apossamento familiar conjugado com área de uso comum,
necessárias para que o grupo social possa desenvolver suas atividades
agroextrativistas de forma sustentável. (BENATTI, 2006, p. 115)

Ao analisar como se caracteriza o espaço urbano nas pequenas cidades da


Amazônia, Trindade Júnior (2013) diferencia as “cidades na floresta” das “cidades da
floresta”, sendo as primeiras aquelas que se articulam com demandas externas à
região, como Barcarena, após a formação do complexo industrial, tornando o
ecossistema florestal um elemento de cada vez menor integração com a vida urbana,
enquanto as segundas seriam aquelas cidades que têm forte relação com a dinâmica
da natureza, além de se articularem com as localidades próximas.
Ao se caracterizar esse último tipo de cidade [cidades da floresta], não se
pretende uma interpretação essencialista e atemporal do urbano na região,
como se a realidade urbana estivesse congelada no tempo, mas sim de
considerá-lo a partir de seus enraizamentos e ligações socioeconômicas e
27

culturais com a escala geográfica local e regional. Tais enraizamentos se


traduzem, portanto, na relação das mesmas com o ambiente da floresta, não
apenas devido ao fato de estarem próximas a ela, mas por apresentarem
interação funcional e simbólica com esse meio ecológico, não obstante as
mudanças vivenciadas e a assimilação de novos valores socioculturais muito
próprios do mundo globalizado. (TRINDADE JÚNIOR, 2013, p. 6)

Ainda que se enquadre Barcarena no grupo de “cidades na floresta”, o autor


pondera que essa diferenciação classifica tipos ideais de Weber11, de forma que não
se está afirmando que certas ou todas as características atribuídas às “cidades da
floresta” não possam ser observadas em alguma medida em cidades como
Barcarena, pois as mudanças provocadas pela formação do complexo industrial não
se deram de forma homogênea.

2.3 A formação do polo industrial em Barcarena e o contexto político e


econômico

2.3.1 A exploração da bauxita no Pará


A partir da década de 50 do século XX, empresas multinacionais começaram a
se interessar pela busca de minérios na Amazônia, em função do aumento da
demanda e do esgotamento das reservas domésticas nos países de industrialização
mais antiga. Associado ao interesse do capital internacional na Amazônia, o governo
militar do gen. Castelo Branco lançou, em 1966, a Operação Amazônia, que tinha
como objetivo integrar a região à divisão territorial do trabalho, sob o lema “Integrar
para não entregar” - que significava integrar a região ao circuito de acumulação de
capital e geração de renda. Entre as medidas da Operação Amazônia esteve: a
criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, do Banco
da Amazônia S/A – BASA e da Zona Franca de Manaus; dentre outras. Nessa
conjuntura, o Estado brasileiro assumiu o papel de avalista de empreendimentos de
interesse (e com capital) internacional.
Segundo o ponto de vista empresarial, expresso no texto de Romeu do
Nascimento Teixeira (2008 apud PINTO, 2010) 12 sobre a “História da Albrás”, em
1967, a empresa canadense Alcan encontrou em Oriximiná - mais especificamente na

11
“Tipos ideais”, para Weber (apud TRINDADE JÚNIOR, 2013) são uma idealização, uma
normatização da realidade, portanto não refletem a realidade tal como ela é.
12
Ex-presidente da Albrás, autor da publicação “A História da Albrás”.
28

calha do rio Trombetas - uma reserva de 500 milhões de toneladas de bauxita 13, a
qual representava um depósito cerca de cinco vezes maior que as reservas
descobertas no Brasil até então. Entretanto, o projeto de extração da reserva ficou
parado até 1974, com alegação de que havia muita oferta desse minério no mercado
internacional.
O projeto de exploração de bauxita no rio Trombetas se configurou, à época,
da seguinte forma: 41% pertencia a estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
através da Mineração Rio do Norte (MRN), 10% pertencia a CBA do grupo Ermínio de
Moraes (único produtor nacional de alumínio do período) e o restante ficou com as
multinacionais Alcan e Alcoa. Assim, ficou garantido controle do projeto
majoritariamente nacional.

2.3.2 A instalação das indústrias em Barcarena


O intuito do governo brasileiro era de que a exploração da bauxita não fosse
um projeto isolado, de forma que se iniciou a implantação de um complexo industrial
minero-metalúrgico de transformação da bauxita em alumínio. Esse projeto abarcou a
construção de uma fábrica de produção de alumina - o refinamento da bauxita - e uma
fábrica de produção de alumínio a partir da alumina (óxido de alumínio)14. Em 1973
(antes da retomada do projeto da MRN em Trombetas) o Ministro Delfim Neto assinou,
em Tóquio, memorando para construção da fábrica de alumínio e da hidrelétrica de
Tucuruí, em meio a visitas técnicas de empresas produtoras de alumínio japonesas
que avaliavam a viabilidade do projeto.
Assim, formou-se a parceria do governo brasileiro - através da estatal
Companhia Vale do Rio Doce - e do consórcio japonês LMSA, formado pelo governo
japonês e mais 32 empresas privadas japonesas. LMSA foi substituída pela Nalco
posteriormente e, somente em 1977, a NAAC - Nippon Amazon Aluminium
Corporation - assumiu o projeto, mantendo sua participação até hoje. (PINTO, 2010)

13
A bauxita é uma rocha encontrada geralmente próxima à linha do equador e lavrada a poucos metros
do solo.
14
“A matéria-prima necessária para produzir alumínio primário é o óxido de alumínio, também
conhecido como alumina. Trata-se de um pó branco produzido a partir do refino de bauxita. São
necessárias cerca de duas toneladas de alumina para produzir uma tonelada de alumínio pelo processo
de eletrólise”. Descrição do processo disponível no endereço virtual da empresa Hydro:
http://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/Produtos/Bauxita-e-alumina/. Acessado em 25 Jul.
2017.
29

O município de Barcarena – localizado no nordeste do Pará -, então, foi


escolhido, dentro dessa política econômica e territorial do governo militar, como uma
das cidades que receberia incentivos e infraestrutura e concentraria capital, a partir
da instalação das indústrias. Segundo Nahum (2006, P. 29), do ponto de vista da
argumentação empresarial e estatal, essa escolha se deu em razão de vantagens
locacionais do município, como: território relativamente próximo dos insumos -
bauxita, vinda de Trombetas, e energia elétrica, transmitida de Tucuruí - necessários
à produção do alumínio; rio com suporte para navegação de navios de grande calado
para o transporte da bauxita e do alumínio; localização favorável à exportação da
produção por via marítima - posicionamento vantajoso para exportar para Estados
Unidos, Europa e Ásia; abundância de água para uso nas atividades das fábricas; solo
e subsolo favoráveis ao suporte das fábricas; mão de obra barata; e baixa densidade
populacional apesar da proximidade de Belém (grande centro urbano na região).
Mapa do Distrito Industrial de Barcarena:

Fonte: Tese de doutorado de João Nahum, 2006, Universidade Estadual Paulista


30

Nesse período, de acordo com Coelho, Monteiro e Santos (2008, p. 143) a


política do governo federal era de intervenção na economia para frear ou reverter
processos nocivos causados pelo livre mercado - seja pelo fornecimento de
infraestrutura, seja pelos incentivos fiscais. O crescimento econômico brasileiro pós-
1964 se deu sob intervenção estatal expressiva, à custa de endividamento externo de
um país que já apresentava alta concentração de renda. De acordo com Teixeira
(2008 apud PINTO, 2010), dentre os diversos benefícios fiscais e tributários
concedidos ao projeto minero-metalúrgico estavam: a redução do Imposto de Renda,
isenção do Imposto de Importação e sobre Produtos Industrializados, dispensa de
depósitos compulsórios sobre financiamentos externos, redução de impostos sobre
equipamentos nacionais, isenção de impostos estaduais e municipais, além dos
subsídios para implantação de infraestrutura.
Assim, durante a ditadura militar brasileira – cuja política econômica alterou a
dinâmica territorial, seja por obras de infraestrutura, seja pela alocação de grandes
empreendimentos em locais considerados estratégicos para o crescimento
econômico, como já mencionado –, a política estatal foi decisiva para as intervenções
realizadas no território da Amazônia. Os grandes projetos governamentais, que se
associavam ao capital nacional, primordialmente, e ao capital estrangeiro, vieram
acompanhados do discurso de crescimento econômico acelerado, acesso ao
consumo e de integração nacional, a fim de gerar aceitação dos empreendimentos em
escala nacional. (LEITE e MONIÉ, 2014)
Somado ao papel ativo do Estado brasileiro na instalação de grandes
empreendimentos na Amazônia havia um contexto internacional favorável à
exploração e produção primária de minérios em regiões periféricas, como o nordeste
paraense. Conforme Coelho et al15, a eclosão da crise do petróleo em 1973 e a
posição econômica favorável do Japão, que veio a ser sócio do governo militar
brasileiro no projeto, tornaram possível a exploração econômica da matéria-prima
(bauxita) disponível e a produção primária de alumínio.
Com as crises do petróleo em 1973 e 1979 tornou-se inviável para o Japão
manter a produção de alumínio internamente, em razão de ser o produto industrial que

15
COELHO, M. C. N. et al. Mineração de bauxita, industrialização de alumínio e territórios na Amazônia.
In: ALMEIDA, A. W. B. et al. Capitalismo globalizado e recursos territoriais: Fronteiras da acumulação
no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010. p. 311-350.
31

mais consome energia para sua fabricação. Diversas fábricas de alumínio se


fecharam no Japão nesse período. Portanto, nesse contexto, as fábricas em
Barcarena se tornaram extremamente convenientes. Ressalta-se que, mesmo num
contexto de crise econômica internacional, o Brasil lançou o II Plano de
Desenvolvimento Nacional, com diretrizes que buscavam acelerar a economia
nacional através de megaprojetos controlados pelo Estado.
Segundo Teixeira (2008 apud PINTO, 2010), o general Geisel autorizou o então
Ministro de Minas e Energia a assinar, caso fosse necessário, “contratos de gaveta”16
para firmar o acordo. Assim, o ministro deixou algumas cartas com os japoneses se
comprometendo com pontos “difíceis de serem atendidos no futuro”, nas palavras de
Teixeira. Com o controle majoritário do projeto nas mãos da Vale do Rio Doce foi
possível conseguir o financiamento do BNDES para a segunda fase de sua
implantação, no valor de 423 milhões de dólares – a primeira fase do projeto foi
custeada pelos sócios japoneses.
De acordo com Pinto (2010), a execução da segunda fase, pelo Brasil, implicou
a necessidade de fazer empréstimos que foram efetivados sob as mesmas regras de
financiamento da primeira fase, sendo em parte atrelado à moeda japonesa, o que
prejudicou a Albrás e seus acionistas e beneficiou os financiadores japoneses, em
razão das variações de câmbio. Ao final da instalação do projeto, o governo japonês
investiu 36% a menos do que o esperado, em decorrência de todas as
responsabilidades que o Brasil assumiu sozinho na execução do projeto.
Teixeira (2008 apud PINTO, 2010) relata, ainda, que a tecnologia que iniciou
as operações na Albrás não era a mais avançada para a época, pois foi aproveitado
o projeto de outra fábrica, a fim de cortar custos. Os japoneses alegaram necessidade
de diminuição dos riscos dessa operação, já que seria pioneira na Amazônia, além de
alegar falta de experiência da Vale do Rio Doce na produção de alumínio.
Para instalação das indústrias de alumínio na cidade de Barcarena foi
necessário construir a Hidrelétrica de Tucuruí17 e do Porto de Vila do Conde em
Barcarena, enquanto principais obras de infraestrutura. A Eletronorte - Centrais

16
Expressão foi utilizada por Teixeira (2008 apud PINTO, 2010) para designar as cartas através das
quais o governo brasileiro se comprometeu com tarefas difíceis de serem cumpridas na implantação
do projeto.
17
Para mais informações sobre a Hidrelétrica de Tucuruí, ver: TAVARES, Maria Goretti da Costa;
COELHO, Maria Célia Nunes; MACHADO, Lia Osório. Redes de distribuição de energia e
desenvolvimento regional na Amazônia Oriental. Novos Cadernos NAEA, v.9, n. 2, p. 99 – 134, 2006.
32

Elétricas do Norte do Brasil S.A. – foi criada para viabilizar a expansão de indústrias
eletrointensivas na região amazônica, tendo como um de seus objetivos a construção
da usina hidrelétrica em Tucuruí. Entretanto, os sócios japoneses do empreendimento
questionaram sua participação na construção da hidrelétrica, em razão do seu alto
custo e para firmar o negócio, o governo brasileiro eximiu a NAAC da participação nos
custos com a construção da usina.
Segundo Teixeira (2008 apud PINTO, 2010), na construção da hidrelétrica de
Tucuruí “o grande aliado era o fabuloso contrato turn key18 com a maior empreiteira
do país [Camargo Corrêa] que, de certa forma, garantia o fluxo de recursos. Mas,
talvez pela mesma razão, os custos da implantação estavam tendo um enorme
aumento, o que poderia trazer consequências para a tarifa de energia” 19.
Posteriormente, Albrás e Eletronorte fecharam contrato, pelo prazo de 20 anos,
através do qual, a energia elétrica seria fornecida a preços vinculados ao valor do
alumínio no mercado mundial e não em razão dos custos de produção e transmissão.
O contrato foi renovado em 2004, por mais 20 anos, após a realização de um
leilão pela Albrás, vencido pela Eletronorte, que fornece energia a 53 reais o
megawatt/hora. O novo acordo foi considerado, por analistas do setor, favorável às
duas partes, já que a Eletronorte não teria a quem vender a energia pela falta de linhas
de transmissão e a Albrás permaneceu pagando preço barato20. A Albrás, mediante
esse novo contrato, adiantou à Eletronorte 1,2 bilhão de dólares, a fim de amortizar a
situação financeira da segunda. Segundo Pinto (2004), a Eletronorte acumulava, no
período de realização do novo contrato, uma dívida de 5,6 bilhões de reais, que só
poderia ser amortizada se as duas maiores indústrias eletrointensivas – Albrás e
Alumar – pagassem 70 reais pelo megawatt/hora, entretanto, essa diferença é
embutida na tarifa do consumidor e paga pelo contribuinte.
Quanto ao porto em Vila do Conde, a extinta Portobrás, vinculada ao governo
federal, foi a responsável por sua construção em uma área de 430 ha a margem direita
do rio Pará. Foi inaugurado em 24 de outubro de 1985. Intentava-se, inicialmente,
atender às demandas de transporte da produção de alumínio, tendo capacidade de

18
Turn Key é expressão de designa contratos que abrangem no mesmo ajuste o projeto, a construção,
a montagem e a compra de equipamentos, de forma que, após seu cumprimento, só resta ao
contratante “ligar a chave do empreendimento”.
19
A construção da hidrelétrica de Tucuruí passou US$ 10 bilhões do orçamento.
20
Informação publicada em matéria do Jornal do Commercio. Disponível em:
<http://www.infomet.com.br/site/noticias-ler.php?bsc=ativar&cod=20505>. Acesso em: 04 jul 2017.
33

receber navios de grande calado. Tinha, à época de sua construção, capacidade para
receber 3 navios simultaneamente.
Portanto, sob a vigência do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) - e
do II Plano de Desenvolvimento da Amazônia - instituiu-se a Política dos Polos de
Desenvolvimento e o Programa Grande Carajás 21, período em que ocorreu a
instalação da Albrás (Alumínio Brasileiro S.A.) - para produção de alumínio, tendo sido
criada em 1975, através de uma joint venture22 e concluída sua instalação em 1984.
Em outubro de 1985 inaugurou-se a fase I da Albrás com capacidade para produção
de 160 mil toneladas de alumínio ao ano, enquanto a fase II só foi concluída em 1991,
quando também foi finalizado o processo de melhorias tecnológicas, o que pôde
ampliar a produção da fábrica para um patamar de 350 mil toneladas por ano.

2.3.3 O projeto do alumínio na Amazônia


As fábricas instaladas em Barcarena são consideradas indústrias de base, já
que não produzem mercadorias finais que chegam aos consumidores, mas
abastecem outras fábricas com lingotes de extrusão, lingotes de laminagem e ligas de
fundição. Sendo os lingotes de extrusão aqueles que podem ser transformados em
outros formatos pelo aquecimento e passagem do alumínio em um molde, chamado
de matriz; enquanto os lingotes de laminagem são as folhas laminadas de alumínio
produzidas; e, por fim, as ligas de fundição são aquelas que possibilitam o
derretimento do alumínio, de forma que podem ter sua composição alterada a fim de
se adaptar melhor ao uso final do produto, além de possibilitar a produção em outros
formatos, como aros de rodas, por exemplo. A partir desses lingotes e liga, outras
fábricas produzem as mercadorias em alumínio que utilizamos no nosso cotidiano. 23
Os projetos de desenvolvimento do período militar se justificaram pela
disponibilidade de recursos naturais, pela valorização de tais bens, e sob a tentativa
de alterar a posição do Brasil perante a geopolítica e economia mundial. Ainda que a
preferência tenha sido o capital estatal e nacional, nesse primeiro momento, por meio

21
Período de criação, ainda: do Programa de Integração Nacional, sob o qual foram construídos cerca
de 1.500 km de estradas na região; Programa de Redistribuição da Terra; e Programa de Polos
Agropecuários e Agrominerais da Amazônia.
22
Joint Venture é a forma de associação entre empresas para um determinado empreendimento, pela
qual nenhuma das envolvidas perde a identidade própria.
23
Informações sobre o processo produtivo do alumínio disponível em: <https://www.hydro.com/pt-BR/a-
hydro-no-brasil/Sobre-o-aluminio/como-o-aluminio-e-produzido/>. Acesso em: 10 maio 2017.
34

de participação majoritária nos empreendimentos, houve grande remessa de lucros


às empresas estrangeiras (COELHO et al, 2010).
Nessa perspectiva, a Amazônia é tomada como fronteira econômica, a fim de
realizar a empreitada do governo federal de crescimento econômico pela
industrialização planejada - por meio de fornecimento de infraestrutura, subsídios e
incentivos fiscais - e mudança de posição do país na divisão internacional do trabalho.
Por fronteira econômica, entendemos as áreas novas de incorporação à
economia, onde são estabelecidas as atividades econômicas promissoras de
acordo com o modelo capitalistas, infraestrutura logística, relações em redes
técnicas e econômicas e novas instituições viabilizadoras da economia
nacional ou regional/local. (COELHO et al. 2010, p. 316)

A posição da Amazônia enquanto fronteira econômica se dá, diversas vezes,


pela instalação de grandes projetos, como executado em Barcarena. Becker (1995
apud CARMO, E. D.; CASTRO, E. M. R.; PATRÍCIO, J. C. S., 2015) aponta os
seguintes aspectos como característicos dos grandes projetos:
1) pela escala gigante da construção da mobilização de capital e mão-de-
obra; 2) pelo isolamento, implantando-se geralmente como enclaves,
dissociado das forças locais; 3) pela conexão com sistemas econômicos mais
amplos, de escala planetária, de que são parte integrante; 4) pela presença
de núcleos urbanos espontâneos ao lado do planejado, expressão da
segmentação da força de trabalho, qualificada/ não qualificada. (p. 62)

Essas transformações espaciais pela economia, a expansão do mercado


internacional e a reestruturação produtiva podem ser apontadas como fatores de
ampliação da pressão sobre os espaços litorais. Há ritmo acelerado de urbanização e
industrialização das zonas costeiras, de maneira que se tornaram palco de inúmeros
conflitos ambientais e territoriais. Assim, Barcarena se insere em uma percepção de
localidade que oferece vantagens a acumulação de capital, tanto por integrar a
Amazônia – território tomado como fronteira econômica -, como por estar próxima a
saída para o mar. No Brasil, há legitimação da expansão dos portos em razão da
ameaça de apagão logístico em um país que privilegia a exportação de commodities24.

24
Nesse cenário, foi aprovada em 2013 uma nova lei que regulamenta o setor portuário no Brasil. Antes
da nova legislação ser editada, o setor portuário era tido como entrave ao desenvolvimento econômico.
De forma que a nova lei teve intenção de facilitar a criação de novos portos privados, dar maior agilidade
às transações, diminuir os custos e aumentar a eficiência dos portos. Para isso, os portos passaram a
ser arrendados como uma espécie de concessão de serviço público, com parâmetros de desempenho
e regulação tarifária. Além de não haver obrigatoriedade de pagamento de valor de outorga para
assunção de áreas. Essa nova legislação revela uma maior flexibilidade na regulação, característica
inconteste da dinâmica capitalista neoliberal. (FARRANHA; FREZZA e BARBOSA, 2015)
35

2.3.4 Intervenções sociais, econômicas e territoriais seguintes


A Alunorte, que também estava prevista no programa, para produção de
alumina, só foi inaugurada em 1995, em razão da grande oferta de alumina no
mercado internacional a preços baixos. A conformação do controle da Alunorte era de
60,8% brasileiro e 39,2% japonês – a participação japonesa na Alunorte foi
equivalente à exata quantidade de alumina que seria necessária para atingir a cota
japonesa de produção de alumínio na Albrás. De acordo com Teixeira (2008 apud
PINTO, 2010), a Alcoa pressionou o governo brasileiro para que fosse adiada
implantação da Alunorte, de forma que a Alumar 25 fosse beneficiada no mercado de
alumina. Então, o governo brasileiro teria cedido à pressão da Alcoa, pois a estatal
Vale do Rio Doce se encontrava em dificuldade de caixa para a instalação da Alunorte.
Nesse ínterim, a alumina que abasteceu a Albrás para a produção do alumínio
foi importada do Suriname. Portanto, o percurso da produção primária de alumínio no
interior paraense se deu de maneira inesperada (ou ilógica) por longo período,
enquanto a MRN exportava a bauxita (desde 1979) e a Albrás importava alumina
(desde 1985), até que a Alunorte iniciou suas operações em 1995.
A bauxita, a princípio, era extraída somente de Trombetas, distrito do município
de Oriximiná, noroeste do estado do Pará. Seguindo por via fluvial para o porto de
Barcarena onde é transformada em alumina pela Alunorte, posteriormente em
alumínio pela Albrás e, por fim, segue para os mercados internacionais.
A partir de 1989, a Albrás iniciou mudanças no seu modelo de gestão da
produção, com a metodologia Total Quality Control (TQT), que, de acordo com a
discurso empresarial, se baseia na liderança, na gestão de pessoas, no
desenvolvimento tecnológico e na gestão de processos 26. Dessa forma, mantiveram-
se os postos de trabalho centrais da produção de alumínio dentro do quadro de
funcionários da empresa, enquanto as demais atividades foram terceirizadas. A
redução do número de empregados foi um dos pontos mais marcantes dessas
mudanças. Isso acarretou, consequentemente, o aumento das tensões trabalhistas
que se refletiram no acionamento do Poder Judiciário 27. Segundo Francisco de

25
Produtora de alumina em São Luís-MA, sendo a Alcoa uma das empresas do consórcio.
26
MONTEIRO, Maurílio de Abreu; MONTEIRO, Eder Ferreira. Amazônia: os (des) caminhos da cadeia
de alumínio. Novos Cadernos NAEA. Belém, v. 10, n. 2, dez 2007. Disponível em: <
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/99>. Acesso em 04 maio 2017.
27
MONTEIRO M. A.; MONTEIRO, E. F., em seu estudo sobre a flexibilização produtiva e resistência
dos trabalhadores da Albrás, demonstram que se verificou na década de 90 a diminuição do número
de trabalhadores vinculados a Albrás ao mesmo tempo em que há aumento da produtividade.
36

Oliveira (2015), o processo de terceirização retira dos salários dos trabalhadores o


caráter de custo da produção – enquanto um adiantamento de capital pego pelo
empresário ao trabalhador representando risco de investimento para a empresa, pois
o valor da mercadoria pode ou não se realizar posteriormente -, tornando a
remuneração da mão de obra dependente dos lucros das empresas.
Com a virada do cenário econômico mundial pela prática de políticas
neoliberais, que ganharam força no Brasil na década de 1990, de acordo com Brandão
(2004) houve um deslocamento do planejamento regional do âmbito público para o
planejamento estratégico do setor privado. Observa-se a transferência das decisões
de localização e investimentos para dentro das empresas - o que esvaziou o trabalho
das instituições de planejamento, tornando-as, primordialmente, órgãos de repasse
de recursos.
O Estado brasileiro, que já não contava com os recursos das décadas
anteriores, nem com a política centralizadora, passou a utilizar o discurso de eficiência
do mercado, que seria capaz de proporcionar o desenvolvimento regional –
principalmente da região Amazônica, que possui grandes proporções territoriais,
abundância de recursos naturais e que apresenta graves problemas sociais
(COELHO, MONTEIRO e SANTOS, 2008). Assim, o governo federal lançou os planos
“Brasil em Ação”, de 1996 a 1999 e “Avança Brasil”, de 2000 a 2003 28.
Em 1996, entrou em vigor a Lei Kandir, que passou a isentar de ICMS (Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) produtos industriais semi-elaborados

Entretanto, percebeu-se, também, aumento do número de reclamações trabalhistas contra a empresa,


com picos entre 1990 e 1991 e 1997 e 1998. A diferença entre esses dois períodos de aumento do
número de processos trabalhista se dá pela reclamação de funcionários vinculados a Albrás no primeiro
momento e pela reclamação de terceirizados no segundo momento. Os processos de trabalhadores
terceirizados versam sobre violações de direitos trabalhistas básicos, de forma que a Albrás passou a
pagar indenizações a esses trabalhadores, como “mera liberalidade”, sem reconhecer vínculos
trabalhistas. O estudo toma como hipótese para explicar a posterior redução dos processos trabalhistas
a fragilização da organização sindical pelo novo modelo de gestão.
28
Foram programas lançados pelo governo federal, no período do mandato de Fernando Henrique
Cardoso, no âmbito de Planos Plurianuais com o objetivo de induzir investimentos e diminuir as
desigualdades regionais. Os projetos dos programas “Brasil em Ação” e “Avança Brasil” contavam com
investimentos da União em parceria com governos estaduais e municipais, além de investimentos da
iniciativa privada e recursos de bancos externos.
37

destinados à exportação29. Assim, os estados brasileiros deixaram de arrecadar esse


tributo, tendo como contrapartida repasse de verba da União, porém correspondendo
a valor inferior ao que seria arrecadado através do ICMS. Alegou-se que as perdas
auferidas seriam compensadas pelos benefícios financeiros. Assim, governos dos
estados, como Pará, que contam com expressiva produção de industrializados semi-
elaborados, têm travado grande batalha política para reverter a isenção do ICMS
alegando que houve diminuição da arrecadação, entretanto as atribuições estaduais
- como saúde, segurança pública, educação, dentre outras - permaneceram30.
O Plano Plurianual de 2004-2007 apontou prioridade ao controle da inflação e
a elevação do saldo da balança comercial. Segundo Coelho, Monteiro e Santos
(2008), para gerar saldo nas contas correntes externas, priorizaram-se setores que
precisam importar pouco para exportar. Tal política privilegia, mais uma vez, os
capitais instalados na cidade de Barcarena, na medida em que possuem vantagem
do baixo custo do uso de recursos naturais presentes na Amazônia brasileira.
Portanto, observam-se governos distintos entre si, nesse período que vai da ditadura
militar até os dias de hoje, mas que priorizaram uma política econômica e territorial
semelhante para a Amazônia.
Houve aumento da transnacionalização de empresas de extração mineral, a
partir globalização, e aumento da demanda por produção mineral primária. Dessa

29
Assim dispõe o artigo 3º da referida Lei Complementar 87/96: “ Art. 3º O imposto não incide sobre:
I - operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; II - operações e
prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos
industrializados semi-elaborados, ou serviços; III - operações interestaduais relativas a energia
elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando
destinados à industrialização ou à comercialização; IV - operações com ouro, quando definido em lei
como ativo financeiro ou instrumento cambial; V - operações relativas a mercadorias que tenham sido
ou que se destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço de qualquer
natureza definido em lei complementar como sujeito ao imposto sobre serviços, de competência dos
Municípios, ressalvadas as hipóteses previstas na mesma lei complementar; VI - operações de
qualquer natureza de que decorra a transferência de propriedade de estabelecimento industrial,
comercial ou de outra espécie; VII - operações decorrentes de alienação fiduciária em garantia,
inclusive a operação efetuada pelo credor em decorrência do inadimplemento do devedor; VIII -
operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;
IX - operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de bens móveis salvados de
sinistro para companhias seguradoras. Parágrafo único. Equipara-se às operações de que trata o
inciso II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior,
destinada a: I - empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro estabelecimento da
mesma empresa; II - armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.” (grifo meu).
30
Foi aprovada Emenda Constitucional em 2003 que manteve o formato de repasse compensatório de
recursos aos estados até que seja aprovada nova lei complementar (art. 91, § 3º do ADCT). O estado
do Pará ajuizou, em parceria de outros 15 estados, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
requerendo que nova lei complementar regulando a questão seja editada. Em 30 de novembro de 2016,
o STF julgou procedente a ação e fixou o prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional edite a
lei.
38

forma, ocorreram fusões, aquisições e outros mecanismos de internacionalização


dessas empresas. A produção de alumínio em Barcarena contava desde o início com
capital internacional, apesar do controle majoritário ser da estatal Vale do Rio Doce.
Em 1997 a CVRD foi privatizada e em 2010, a empresa multinacional Norsk Hydro
passou a ser acionista majoritária da Albrás e Alunorte (a última passando a se chamar
Hydro Alunorte).
Após a instalação das empresas Albrás e Alunorte - e toda a infraestrutura que
garante seus funcionamentos - outras grandes empresas do setor minero-metalúrgico
se instalaram no município, além das grandes empresas de infraestrutura ligadas à
produção, armazenamento e transporte31.
O complexo industrial de Barcarena ainda inclui a fábrica da Imerys Rio Capim
Caulim (uma das empresas do grupo Imerys, de origem francesa), em funcionamento
em Barcarena desde 1996 trabalhando o beneficiamento do caulim. O caulim é
extraído de duas minas localizadas em Ipixuna do Pará, às margens do rio Capim,
transportado até Barcarena por dois minerodutos, onde é beneficiado, e depois sai
pelo porto privado da empresa, sendo o mercado internacional o destino principal. Em
2010, a Imerys adquiriu da Vale a Pará Pigmentos S.A. - que já atuava na exploração
e comercialização do caulim -, passando a ser a maior planta de processamento de
caulim do mundo e correspondendo a 71% da produção do Brasil. De acordo com a
empresa, o caulim é um mineral argiloso branco, um dos mais abundantes na crosta
terrestre, com baixo teor de ferro. Segundo informações encontradas na página da
Imerys na internet, o caulim pode ser utilizado nos seguintes setores: cerâmico,
farmacêutico, geração de energia, alimentação animal, agrícola, biocombustível,
petróleo, cosmético, saúde e higiene, cimento, indústria de refratários, tintas,
automotiva, plástico, borrachas, papel, etc32.

31
A abordagem acerca do processo de instalação das empresas Albrás e Alunorte é feita nessa
dissertação com intuito de apresentar as decisões que impulsionaram a formação do complexo
industrial de Barcarena, já que foram as empresas pioneiras a se instalarem na cidade e para as quais
construiu-se infraestrutura – que inegavelmente foi fator de atração de outras indústrias e empresas –
como o porto de Vila do Conde. Dessa forma, não se aterá, nessa dissertação, às instalações das
demais empresas no município, de forma que não se alongue em um debate que não é concretamente
o objeto desta pesquisa, mas que é mencionado, por ser essencial a compreensão da realidade e
complexidade da cidade de Barcarena.
32
Disponível em: <http://www.imerysnopara.com.br/pagina/?id=3&id_categoria=24>. Acesso em: 28
jul. 2017.
39

A Imerys é apontada pelo Ministério Público como causadora de “acidentes” 33


ambientais com excessiva frequência. O Ministério Público Federal do Pará entrou
com seis ações judiciais nos últimos anos contra a empresa em razão de danos
ambientais causados pela indústria de caulim34. Em 2004 houve vazamento de rejeitos
nos igarapés de Curuperê e Dendê; em 2006 ocorreu outro vazamento nos cursos
d’água; em 2007 o vazamento foi em maior proporção, chegando ao rio Pará; em 2011
houve rompimento de duto com efluentes ácidos nos igarapés já mencionados; em
2012 mais um vazamento; e em 2014 outro vazamento que resultou em assinatura de
um Termo de Ajustamento de Conduta35.
Em 2007, no município de Paragominas - leste paraense - iniciou-se um novo
projeto de extração de bauxita a fim abastecer as empresas em Barcarena para
produção de alumínio, em complementação a bauxita lavrada no rio Trombetas. A
Hydro detém 67,9% das ações da empresa de lavra em Paragominas e o restante
pertence a Vale. A bauxita é transportada de Paragominas a Barcarena em um
mineroduto de 244 quilômetros, em forma de polpa aquosa 36.

2.4 O porto de Vila do Conde

O Porto de Vila do Conde é um porto fluviomarítimo37, que se localiza na


margem direita do rio Pará, entre o furo do Arrozal e a foz do rio Arienga. Inicialmente,
o Porto tinha infraestrutura para atender três navios simultaneamente. Com o
crescimento da demanda e produção de alumínio, além do aumento da exportação de
outras commodities, o Porto de Vila do Conde aumentou o volume de movimentação
e o tipo de carga transportada. Sua ampliação foi justificada pela sua inserção no eixo
nacional de circulação, pela diversificação das cargas transportadas e para melhorar

33
O termo acidente foi aqui utilizado para manter a informação como veiculada pelo MPF. Entretanto,
considero nesta dissertação que os danos ambientais causados dentro da margem de risco das
atividades industriais - e que geram lucros - não podem ser considerados acidentes.
34
Esses casos são aqui apresentados a fim de demonstrar a grande incidência de danos causados
pela empresa, mas só será feita análise do caso de conflito ambiental gerado pelo naufrágio do navio
Haidar, no Capítulo III.
35
Informações obtidas em notícia disponível no site do Ministério Público Federal:
<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mp-recomenda-suspensao-das-atividades-de-
mineradora-no-para>.
36
Informações disponíveis em: <https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/operacoes-no-
brasil/paragominas/>.
37
Porto fluviomarítico é aquele, que apesar de estar localizado em águas fluviais, atende a linhas
marítimas, de acordo com CDP (2015).
40

as condições de atendimento do setor mineral, entretanto, o que se verifica


concretamente é que a ampliação e melhoria dessa infraestrutura possibilita a
instalação de novos empreendimentos em Barcarena (COELHO, MONTEIRO e
SANTOS, 2004).

Porto de Vila do Conde:

Fonte: Relatório de Gestão CDP 2015


O porto de Vila do Conde tem formato de T, tendo os berços de atracação
alinhados com a correnteza do rio, de forma que o uso de rebocadores se torna
dispensável nas manobras de atracação e desatracação dos navios. Ademais, opera
com sistemas de navegação de longo curso, oferecendo calado que varia de
dezesseis a vinte metros – ainda que seus canais de acesso possuam calado inferior
-, de maneira que pode atender à 60% dos navios que operam em rotas internacionais
(COELHO, MONTEIRO e SANTOS, 2004).
Ressalta-se que a necessidade de ampliação e melhoria do serviço portuário
coincide com as necessidades das relações econômicas globalizadas. Uma mesma
multinacional se localiza em diversos lugares do mundo, no intuito de diminuir os seus
custos, de forma que cada etapa da produção se realiza no local que oferecer mais
vantagens. Essa reestruturação produtiva se dá mediante diversos fatores, como
flexibilização de leis trabalhistas e tributárias, mas também necessita de
modernização no setor de transporte. Portanto, a modernização dos portos, em um
mundo globalizado, não se dá apenas em razão da intensificação das trocas
comerciais, mas também pela necessidade de multilocalização das empresas (MONIÉ
e VIDAL, 2006).
O primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007,
incluiu a expressa priorização para a ampliação do porto de Vila do Conde e
41

priorização da indústria de alumínio (MONTEIRO e MONTEIRO, 2007). Apesar de


inicialmente o Porto ter sido concebido como o transporte principal dos minérios e
químicos essenciais às atividades das indústrias, com a ampliação da produção das
primeiras empresas e aumento de indústrias instaladas no distrito industrial de
Barcarena, outros modais se consolidaram. A Alça Viária é um complexo de rodovias
(74 km) e pontes (4,5 km) que liga a cidade de Barcarena à região metropolitana de
Belém, foi construída pelo governo do estado do Pará, inaugurada em 2002. Quanto
aos minerodutos, estes foram obras das próprias empresas de mínero-metalúrgia.
Em 2011, dos 14,7 milhões de toneladas de Bauxita consumidas pela
Alunorte (HYDRO, 2012c, p. 63), apenas 6,75 milhões de toneladas (46%)
foram transportadas por navio a serviço da MRN. Em 2013, das 15,0 milhões
de toneladas, apenas 6,00 milhões foram transportadas através de navios.
(RELATÓRIO DE GESTÃO, 2015, p. 105)

O porto de Vila do Conde conta, hoje, com doze berços onde atracam os navios
de grande calado. Atualmente, o governo do estado do Pará intenta executar um
projeto de ampliação do porto (no contexto da construção da Ferrovia Paraense),
através de uma Parceria Público-Privada, por meio do qual se aumentará o calado
dos canais que dão acesso ao rio Pará, como o do Quiriri e do Espadarte, que tem até
catorze metros de profundidade, a fim de que alcancem vinte metros38.
No Relatório da CDP 2015, verifica-se a variedade e capacidade de embarque
e desembarque atual do Porto de Vila do Conde, como segue: “A somatória do número
de embarcações do tipo ‘cargueiro’ e do tipo ‘graneleiro’ (411) representou
expressivos 33,77% de todos os atendimentos realizados no Porto de Vila do Conde
(1217).” (RELATÓRIO DE GESTÃO, 2015, p. 115).

38
Informações veiculadas no site da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração
e Energia. Disponível em: <http://sedeme.com.br/portal/estado-busca-competitividade-internacional-
para-porto-de-vila-do-conde-em-barcarena/>. Acesso em: 25 de jul. 2017.
42

Tabela 1 – Atendimento a embarcações no porto de Vila do Conde em 2015

Legenda: N – bandeira nacional; E – bandeira estrangeira; AP/AM – apoio portuário / apoio marítimo.
Fonte: Relatório de Gestão CDP 2015

Segundo as informações divulgadas no relatório de Indicadores de


Desempenho Operacional da CPD (2015), as principais cargas movimentadas no
porto de Vila do Conde são: ferro-gusa, vindos de Marabá-PA e destinados,
principalmente, aos Estados Unidos e México; carvão mineral ou vegetal, oriundo da
Colômbia ou Venezuela, destinado a abastecer a usina termoelétrica pertencente à
Alunorte; coque de petróleo originado dos Estados Unidos, Rússia e Colômbia e piche,
originado da Ucrânia, Grã-Bretanha e Espanha, são, majoritariamente, destinados
para consumo da Albrás e pequena parte segue para Itaituba-PA; fertilizantes,
produzidos pela Yara Brasil, que possui armazéns em Barcarena, além do transporte
de fertilizantes vindos de outras localidades, como Uberaba-MG; bauxita, vinda de
Oriximiná-PA para abastecer Alunorte ou seguir para Alumar, além ser exportada para
Estados Unidos, Canadá e Ilhas Virgens; alumina produzida pela Alunorte, 60% da
produção vai para as fábricas do grupo Hydro na Argentina e 25% é exportada para
vários portos de todo o mundo (apenas 15% permanece em Barcarena para abastecer
a Albrás); fluoreto de alumínio, importado pela Albrás da China, Portugal e Itália;
alumínio produzido pela Albrás é quase em sua totalidade exportado para Japão e
Holanda, além de parte destinada a outros portos no Brasil, como Suape e Santos;
animais vivos (bovinos) criados no Brasil, com destino a Venezuela, Colômbia,
Suriname, Turquia, Jordânia e Egito; soda cáustica originada dos Estados Unidos para
ser consumida na produção de alumina; manganês, vindo de Parauapebas-PA,
Marabá-PA, Mato Grosso do Sul, Bahia e Minas Gerais com destino a Cidade do
43

México; e produtos refrigerados, classificados no relatório como “contêiner” (como


carne, pescado e açaí).
Historicamente, no Brasil, a construção de portos e formação de cidades
portuárias esteve condicionada aos ditames do mercado internacional, de forma que
as decisões de política econômica e infraestrutura só consideram as dinâmicas
nacionais em um curto período, durante a industrialização do país.
Na era colonial, os portos funcionavam como nós de trânsito para os produtos
primários destinados ao mercado europeu. Na virada do século XIX para o
século XX, a construção de portos modernos foi ditada pelos imperativos
dessa divisão do trabalho mundial. No momento da industrialização do país,
a expansão das plataformas portuárias quebra um pouco esse esquema, à
medida que a retração do processo histórico de globalização implica outras
prioridades para os sistemas circulatórios, doravante centrados no território
nacional em via de integração. Nos dias atuais, as transformações do sistema
portuário são, a exemplo de um século atrás, em parte, impostas pelo
ambiente mundial onde os países periféricos constrangidos pelos imperativos
de pagamento pelo serviço da dívida externa especializam sua agenda de
exportações, valorizando alguns produtos primários como a soja ou o ferro,
no caso brasileiro. (MONIÉ e VIDAL, 2006, p. 991)

Essa lógica escalar se aprofunda, ao analisarmos o porto de Vila do Conde, já


que além da posição periférica do Brasil no mercado internacional, a região
Amazônica e Barcarena também se posicionam perifericamente dentro do país.
Desde a instalação do porto de Vila do Conde, passando pelas ampliações, até os
recentes projetos que almejam aumentar o calado dos rios que servem de canais ao
rio Pará, onde se localiza o porto, observam-se decisões externas ao município ou à
região. Tratam-se de decisões tomadas em escala nacional, em benefício de um
mercado externo, que não se conecta com as atividades desenvolvidas pela
população local.
Pensar a cidade portuária no Brasil implica levar em consideração alguns
obstáculos estruturantes. Em primeiro lugar, somos um país historicamente
inserido de forma periférica na Divisão Internacional do Trabalho, onde nossa
massa de manobra revela-se, até hoje, relativamente estreita. Em
consequência, o sistema portuário nacional é um sistema em parte
comandado a partir de fora. (MONIÉ e VIDAL, 2006, p. 990)

De acordo com a CDP (2015), após o naufrágio do navio Haidar no porto de


Vila do Conde, em outubro de 2015, as operações de embarque de cabeças de gado
ficaram suspensas, até haver autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente
e Sustentabilidade (SEMAS), emitida em 23 de dezembro de 2015, quando a CDP
entregou Plano Emergencial e houve aprovação pela SEMAS. Em 12 de janeiro de
2016 iniciaram-se novamente as operações de embarque de bois vivos, tendo sido
44

embarcados, nesse ínterim, aproximadamente vinte e nove mil animais até 15 de abril
de 2016, data da finalização do referido relatório da CPD.

2.5 A exportação de cargas vivas

Segundo o Atlas da Carne (2015), o mercado de carne tem margens de lucro


estreitas, o que faz com que as empresas do ramo tentem produzir com mais eficiência
e com menores custos, de forma que o mercado tem cada vez mais se concentrado.
A concentração da produção de carne pode significar a eliminação de pequenos
produtores, redução das opções pelos consumidores, além do aumento dos riscos
para a saúde humana, para a segurança alimentar, para o meio ambiente, para o
abastecimento de água, entre outros.
A JBS, empresa produtora de carne bovina com sede no Brasil, ampliou suas
bases no fim da década de 2000, ao adquirir produtoras de carne dos Estados
Unidos, da Austrália e da Europa, além de em seu próprio país. Atualmente,
é a maior produtora de carne bovina do mundo e também maior produtora de
frango, graças a aquisição, em 2013, da Seara Brasil. A JBS está entre as
dez principais empresas internacionais de alimentos e bebidas, com vendas
de US$ 38,7 bilhões em 2012 e com faturamentos anuais que superam os de
grandes atores da indústria alimentícia mundial, como Unilever, Cargill e
Danone. Em todo o mundo a empresa conta com uma capacidade de abater
85 mil cabeças de gado bovino, 70 mil de porcos e 12 milhões de aves
diariamente. A carne é distribuída para 150 países. (ATLAS DA CARNE,
2015, p. 12)

A empresa Minerva Foods, proprietária dos bois embarcados no navio Haidar


pra exportação, opera com vinte e seis plantas industriais – sendo 11 no Brasil, 6 no
Paraguai, 3 no Uruguai, 1 na Colômbia e 5 na Argentina –, possui catorze centros de
distribuição, localizados no Brasil, Paraguai, Chile, Argentina e Colômbia e exporta
para 100 países, nos cinco continentes39.
A América Latina como um todo tem apresentado crescimento na exportação
de carne bovina, tornando a região a maior exportadora. A produção concentrada cria
ambientes superlotados, como nas unidades de engorda e no transporte dos animais,
o que facilita a propagação de patógenos. O Escritório Regional das Organizações
Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) para América Latina e o Caribe afirmou
haver preocupações acompanhando o crescimento das exportações, como os altos
custos da alimentação animal, quanto a disponibilidade de forragens de qualidade e

39
Informações disponíveis em: <https://portal.minervafoods.com/sobre-minerva-foods>. Acesso em: 17
jun 2018.
45

quanto ao uso ineficiente dos recursos alimentícios disponíveis. Esses fatores não
afetariam somente a produtividade, mas aumentam os riscos de doenças e pragas
animais transfronteiriças, da degradação dos recursos naturais e impactam nas
mudanças climáticas. (ATLAS DA CARNE, 2015)
Alguns dos principais impactos apontados pelo Atlas da Carne (2015) acerca
do aumento da produção e consumo de carne são: a volatilidade dos preços oferece
riscos às populações mais vulneráveis, quanto a segurança alimentar, podendo
intensificar a desnutrição crônica; altas taxas de desmatamento para criação animal,
estimando-se no Brasil 172 milhões de hectares de pastagens, além de 31 milhões de
hectares de plantação de soja, que está vinculada a produção de carne, utilizada como
ração para os animais até o abate; perda da diversidade genética dos animais;
contaminação do solo e da água; e uso intensivo de fármacos nos processos de
engorda e para erradicar doenças.
Quanto ao uso excessivo de fármacos, a Organização Mundial da Saúde tem
advertido que o uso de antibióticos na criação de animais para erradicar doenças e no
processo de engorda, pode nos levar a uma era pós-antibióticos. O uso excessivo dos
antibióticos possibilita que as bactérias desenvolvam resistência a determinado
fármaco, fazendo surgir as “superbactérias”. Os antibióticos utilizados nos animais
podem chegar até os humanos através da alimentação, mas também por meio de
esterco utilizado como adubo que contamina solo e águas. Estima-se que 80% de
todo o antibiótico utilizado nos Estados Unidos até 2009, tenham sido na produção
pecuária. (ATLAS DA CARNE, 2015)
O estado do Pará é o terceiro entre os maiores detentores de rebanhos bovinos
do país, com mais de vinte milhões de cabeças de boi, perdendo apenas para Mato
Grosso e Minas Gerais (CDP, 2015). Dessa forma, alia-se a grandeza do setor
pecuário no estado e a estrutura do porto de Vila do Conde para tornar Barcarena rota
da exportação de gado vivo. Belém-PA sedia a Associação Brasileira dos
Exportadores de Gado (ABEG), criada pelos quatro maiores exportadores de gado
vivo, quais sejam: Grupo Minerva Foods (proprietária dos bois que morreram no
naufrágio do navio Haidar), Agroexport, Boi Branco e Kaiapós Fabril, que juntas
representam 97% da exportação de gado vivo brasileira40.

40
CDP. Indicadores de Desempenho Operacional. Belém, 2015.
46

Segundo relatório da CDP (2015), a demanda de bois vivos ocorre por dois
motivos: países que abatem o animal de acordo com métodos específicos, em razão
de preceitos religiosos mulçumanos e judeus (como Turquia, Líbano, Jordânia e
Egito); e, quanto a exportação para Venezuela, por exemplo, além da destinação para
abate, há também demanda para reprodução.

Tabela 3 – Principais portos de destino de bois vivos saídos do porto de Vila do Conde

Fonte: Relatório de Indicadores de Desempenho Operacional da CDP - 2015

2.6 A “civilização do alumínio” e o não desenvolvimento local

A despeito da intensificação dos conflitos territoriais e ambientais com a


chegada de grandes projetos em Barcarena, as empresas têm sofisticado o discurso
para sua legitimação enquanto promotoras de desenvolvimento local. Além da
argumentação de geração de empregos e recolhimento de impostos, uma reportagem
da revista Veja, no ano de 2000 (apud MONTEIRO M. A.; MONTEIRO, E. F., 2007),
denomina de “civilização do alumínio” a relação entre Albrás e seus funcionários e a
comunidade local. Relata-se que as práticas que configurariam a “civilização do
alumínio” são: a responsabilidade social e ambiental da empresa, a qualidade no
trabalho e a assistência às comunidades do entorno da fábrica. Assim, alega-se que
o crescimento na produção e no faturamento da empresa se dá por essa relação
harmoniosa entre comunidades locais e empresa, a chamada “civilização do
alumínio”.
Percebe-se, portanto, a conexão entre um ideário de desenvolvimento e de
processo civilizatório, que incute à chegada dos grandes, projetos em cidades em que
se verificava fortemente modos de produção não capitalistas, uma suposta superação
do atraso.
Apesar de discurso de modernização e desenvolvimento proferido pelas
empresas e pelo poder público, Barcarena é uma cidade com expressivos problemas
47

sociais. Na pesquisa do IBGE Cidades41 de 2015, verificou-se que quase metade


(46%) da população faz parte de domicílios em que a renda por pessoa é de ½ (meio)
salário mínimo. Ademais, apenas 27,8% dos domicílios possuem esgotamento
sanitário adequado (ou seja, 72,2% são precários) e apenas 16,2% dos domicílios
estão situados em vias públicas com urbanização adequada (ou seja, 83,8 estão em
vias inadequadas em termos urbanísticos)42. Outros dados do IBGE (Censo 2010),
contabilizam, como vimos, uma população 80% não branca (74% de pardos e 6% de
pretos). Os danos ambientais aqui analisados recaem, sobretudo, sobre a população
negra (pretos e pardos), indicando que a injustiça ambiental possui aí forte marcador
racial. Autores, como Bullard (1993), denominaram de racismo ambiental a
concentração desproporcional do dano ambiental sobre grupos étnico-raciais não-
brancos.
A pesquisa do IPEA, Índice de Vulnerabilidade Social, aponta que o município
de Barcarena tem resultado de 0,55 pelo índice Gini, que mede a concentração de
renda (em uma escala que varia de 0 a 1, sendo “zero” a igualdade de renda e “um” a
completa desigualdade) e apresenta IDMH (Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal) de 0,662.
Portanto, verifica-se que Barcarena apresenta resultados similares a grande
parte dos municípios brasileiros, principalmente daqueles situados no norte e no
nordeste do país. Dessa forma, a transformação do município em um polo industrial
não garantiu a modernidade e desenvolvimento propagados, que assegurariam mais
qualidade de vida à população local43.
A desconcentração industrial observada no Brasil não garantiu autonomia para
o crescimento econômico dos polos industriais que surgiram desse espraiamento, pois
não foram capazes de aumentar uma densidade intersetorial que garantisse maior
dinamismo na economia local (BRANDÃO, 2004).
Monteiro (2005 apud COELHO; MONTEIRO; SANTOS, 2008) pondera que o
setor de mínero-metalurgia não impulsiona desenvolvimento de base local, pois atua

41
Pesquisa disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil/pa/barcarena/panorama. Acesso em:
03/08/2017.
42
Ainda que o saneamento básico seja um problema de todo o estado do Pará e do Brasil, não se pode
desconsiderar que esses dados conflitam com o ideal de desenvolvimento e modernização propagado
a partir da formação do polo industrial em Barcarena.
43
Restringe-se aqui a verificação de índices básicos e oficiais da realidade desse município, sem se
ater a discussão mais aprofundada do que seria para aquela população considerado como melhoria da
qualidade de vida.
48

de forma dependente de dinâmicas externas, que determinam padrões tecnológicos,


de inovação e organização. Ademais, são empreendimentos que favorecem a
concentração de capital e renda, em razão da necessidade de vultosos investimentos
em infraestrutura e maquinário. Dessa maneira, não se estende a propriedade dos
meios de produção para segmentos sociais mais amplos.
São implantados na localidade pacotes tecnológicos fechados, com maquinário
produzido fora e tecnologia para instalação da infraestrutura gerida também de fora.
Portanto, a inserção das tecnologias localmente se limita às empresas do setor
minero-metalúgico, sem difusão para atividades já exercidas em determinado contexto
espacial, antes da chegada do empreendimento.
[as grandes empresas localizadas em Barcarena] necessitam recorrer a
procedimentos industriais padronizados em termos globais, de forma que a
[...] transformação [de bauxita] em alumina e posteriormente em alumínio
primário [...] utiliza sistemas industriais homogêneos, ou seja, são processos
produtivos que replicam outros existentes no mundo. Estas atividades, ao
demandarem processos produtivos desenvolvidos e implementados noutros
contextos sociais, culturais e ecológicos, diante da própria fragilidade da
organização da sociedade local, consolidam ‘habitus’ e passam a ter
dificuldade de interagir com a diversidade regional, pois, a partir dessa
diversidade, se constituem realidades e atores (camponeses, empresários
locais, etc.) com os quais a mínero-metalurgia tem enorme dificuldade de
interatuar e, com frequência, assume uma postura conflitante e antagônica
em relação a estes. (MONTEIRO apud COELHO; MONTEIRO; SANTOS,
2008, p. 146/147)

Mesmo com as mudanças no método de produção, que implicaram forte


terceirização de certas atividades da produção nesse período em que Barcarena
passou a ser um polo industrial, não se percebe a transferência de tecnologia entre as
empresas contratantes e fornecedoras da mão de obra. De maneira que não há
difusão desses pacotes tecnológicos e, consequentemente, não há perspectiva de
enraizamento social do crescimento econômico (MONTEIRO e MONTEIRO, 2007).
Dessa forma, não foi viável uma economia de aglomeração expressiva - para
produção de mercadorias para o consumidor final -, tendo a cadeia a produção do
alumínio acontecido em proporções pequenas, também em razão do pouco mercado
consumidor - se restringindo a produção de vergalhões e cabos de alumínio pela
Alubar Cabos, empresa instalada em Barcarena desde 1999. Brandão (2004) aponta
essa incapacidade de encadeamento como uma realidade, também, brasileira:
Ou seja, as inversões de capital que ocorreram não têm qualidade, postos
que geram poucos encadeamentos, poucos impostos, pouco emprego e
poucas divisas. Com baixa atualização do aparelho produtivo e pouca
geração de capacidade produtiva nova, aprofundou-se a especialização
regressiva, concentrando ainda mais nossa estrutura industrial na produção
de bens pouco elaborados, com pequeno valor agregado e com poucas
49

perspectivas dinâmicas nos mercados internacionais. (BRANDÃO, 2004, p.


19 - 20)

Nesse modelo de desenvolvimento há necessidade de avanço tecnológico


como uma corrida contra o tempo, pois as tecnologias estão sob regime de
exclusividade, sob as amarras das patentes. Portanto, para inovar é preciso associar
a ciência e a tecnologia (uma não se faz sem a outra), o que os países periféricos na
divisão internacional do trabalho, como o Brasil, não conseguem lograr, pois exige um
montante de investimento que ultrapassa a capacidade do capital interno, reforçando
a dependência externa e o poder das multinacionais no território brasileiro (OLIVEIRA,
2015). Na cidade de Barcarena essa dinâmica de distanciamento entre ciência e
tecnologia se torna premente, já que não há sequer oferta de formação superior no
município.
As determinações mais evidentes dessa contradição [de uma sociedade
extremamente desigual, na qual se combina conhecimento técnico-científico
e trabalho precarizado] residem na combinação do estatuto rebaixado da
força de trabalho com dependência externa. A primeira sustentou uma forma
de acumulação que financiou a expansão, isto é, o subdesenvolvimento,
conforme interpretado neste Crítica à razão dualista, mas combinando-se
com a segunda produziu um mercado interno apto apenas a consumir cópias,
dando como resultado uma reiteração não virtuosa. (OLIVEIRA, 2015, p. 143)

Percebe-se na extração mineral e produção de alumínio, no estado do Pará, a


configuração de “corredores-fronteiras”, na medida em que há grande circulação de
mercadorias e pessoas que se ligam somente nas pontas das rotas - seja da mina ao
porto ou ao distrito industrial de Barcarena -, pela qual não há solidariedade entre os
lugares ou formação de circuitos produtivos de economia regional (COELHO,
MONTEIRO e SANTOS, 2004).
De acordo com Coelho, Monteiro e Santos (2004), a entrada dos
empreendimentos na cidade de Barcarena proporcionou aumento da receita do
município, em termos tributários, em razão do crescimento populacional. Entretanto,
o município não se diferencia da realidade dos demais municípios brasileiros, que
dependem quase totalmente de repasses constitucionais ou voluntários. O diferencial
de Barcarena, quanto à arrecadação tributária, é o ISS – Imposto sobre Serviços -,
em razão da terceirização das atividades necessárias à produção industrial.
Pela ótica da despesa, verifica-se que Barcarena tem sua receita
basicamente comprometida com as despesas de custeio – folha de pessoal
e encargos sociais, serviços prestados e aquisição de material de consumo -
, que representam entre 70 e 90% de suas despesas totais. Barcarena
despendeu um investimento abaixo de 10%, consequência evidentemente da
elevada despesa com estrutura administrativa do poder municipal.
50

Isso faz com que a capacidade de investir em equipamentos urbanos


(hospitais, escolas, etc.) e no estímulo a atividades produtivas e à capacitação
de pessoal não ocorra linearmente em Barcarena. (COELHO; MONTEIRO;
SANTOS, 2008, p. 167)

Observa-se que, apesar de receber altos investimento e gerar grandes


montantes de lucros através desses empreendimentos, a cidade de Barcarena
apresenta desenvolvimento abaixo das expectativas. Quanto a geração de empregos,
Albrás e Hydro Alunorte oferecem atualmente 2.800 empregos diretos e 1.200 vagas
terceirizadas44, para uma população estimada, em 2017, de 121.190 pessoas 45,
ponderando-se que grande parte dos funcionários não é morador da cidade de
Barcarena, que pela proximidade de Belém, atrai profissionais da capital.
Francisco de Oliveira (2015) ao explicar sobre a necessidade do sistema
capitalista de manter lugares subdesenvolvidos, à luz do processo de industrialização
do Brasil, fornece insumos para compreender a incapacidade de grandes projetos,
como os realizados na cidade de Barcarena - que é grande produtora de riqueza, mas
não é capaz de garantir qualidade de vida a população local, condenando as diversas
comunidades locais a políticas assistencialistas e sem formação de cidadania e
garantia de direitos básicos - não produzem desenvolvimento.
Oliveira (2015) destaca como “especificidade particular” do capitalismo
brasileiro a criação e reprodução de espaços periféricos, onde os padrões
predominantes não são capitalistas, que sustentam e alimentam o crescimento de
setores capitalistas estratégicos, garantindo a manutenção das estruturas de
dominação e reprodução do sistema.
[...] qual manejo do capital que pode se opor a uma crise decorrente do seu
próprio excesso? Longe de ser uma proposição reformista, o acesso das
grandes massas da população aos ganhos da produção foi sempre uma
condição sine qua non da expansão capitalista, mas a expansão capitalista
da economia brasileira aprofundou no pós-ano 1964 a exclusão que já era
uma característica que vinha se firmando sobre as outras e, mais que isso,
tornou a exclusão um elemento vital de seu dinamismo. (OLIVEIRA, 2015, p.
118)

44
Informações disponíveis em: <https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/operacoes-no-
brasil/barcarena/>.
45
Informação disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/barcarena/panorama>.
51

2.7 As vantagens locacionais da Amazônia, a competição de lugares e a


chantagem locacional

A Amazônia em sua totalidade é tida como fronteira territorial. Sendo o estado


do Pará entendido, pelos setores empresariais e de governo, como um território com
vantagens comparativas - onde, havendo investimento, pode se tornar um território de
vantagem competitiva. As razões pelas quais se considera o estado do Pará um
território de vantagens locacionais são: a grande extensão territorial produtiva; clima
favorável; solo fértil e possuidor de grandes jazidas de minério do mundo; localização
estratégica, por ser o estado brasileiro mais próximo da América do Norte, Europa e
Ásia (a partir da abertura do canal do Panamá); possuir portos de águas profundas
(Barcarena e Abaetetuba); grande disponibilidade de energia; e telemática em
expansão46. Assim, agronegócio e mineração são tomados como os setores capazes
de gerar mais desenvolvimento para o estado, no discurso das empresas e dos
governos de todos os entes federativos.
Segundo Harvey (2004), as trocas de mercadorias do sistema produtivo
pressupõem deslocamentos e esses deslocamentos pressupõem fricções, fazendo
com que as empresas busquem minimizar essas fricções que produzem custos e
diminuem os lucros. As fricções do deslocamento são reduzidas pela busca de locais
que garantam vantagens comparativas, o que ocasiona deslocamentos das próprias
empresas, caso se avalie que um novo local diminuiria os custos totais de produção.
Faz-se emergir, então, a constante chantagem locacional, que se trata da ameaça de
deslocalização, nos locais onde as empresas se instalam, produzindo o receio da
perda de empregos pela população e diminuição na arrecadação de impostos pelo
governo.
Essa busca por vantagens decorrentes da localização conforma uma divisão
espacial do trabalho que, por sua vez, produz desenvolvimento econômico desigual
entre os territórios - ainda que não haja diferenciação geográfica em termos de
recursos, já que as vantagens são aferidas em diversas dimensões, como custo da
força de trabalho, legislação tributária e ambiental, entre outras.

46
Essas vantagens são elencadas em vídeo institucional do governo do estado sobre a construção da
Ferrovia Paraense, trecho da Ferrovia Norte-Sul que corta o território do estado do Pará. Disponível
em: <http://sedeme.com.br/portal/ferrovia-paraense/>. Acesso em: 01 Ago. 2017.
52

A melhor localização para uma determinada empresa gera vantagens


monopolísticas, já que somente uma empresa pode ocupar determinado local no
espaço - sendo a exclusividade uma das características fundamentais da propriedade
privada. A vantagem de monopólio garante maior segurança e calculabilidade dos
negócios. Dessa forma, as empresas sempre que podem aferir vantagens em razão
da localização, tentarão preservá-las e não hesitarão em se deslocar havendo
localização melhor. Portanto, essa tensão entre se manter ou se deslocar - fixidez ou
fluidez do capital - representa a contradição e uso que o sistema capitalista faz do
espaço (HARVEY, 2004).
Os Estados têm contribuído diretamente para essa organização do mercado
global, através de práticas que asseguram os investimentos privados. É isso que
Alfredo Wagner Almeida (2012) denominou “protecionismo” do Estado para
reestruturação do mercado, em razão de potencial crescimento econômico, através
do uso intensivo dos recursos naturais. A política protecionista dos Estados em
relação aos mercados é justificada como meio de resolução da extrema pobreza, na
medida em que os projetos e grandes obras gerariam renda, emprego e recolhimento
de impostos – assim se percebe a convergência dos discursos estatal e dos capitais
privados.
Nessa conjuntura, os países competem entre si e as medidas protecionistas
são tidas como defesas frente às ofensivas de outros países no mercado globalizado
– entretanto, pode-se também vislumbrar essa competição em escalas menores, entre
regiões, estados e municípios.
El rol de lo nacional se está debilitando para estas empresas globales –
incluso empresas nacionales con operaciones mundiales – y sus clientes.
(...)
Se puede describir este proceso como uma incipiente desnacionalización de
certas arenas institucionales. Puede argumentarse que tal desnacionalización
es uma condición necesaria para la globalización econômica como la
conocemos hoy. (SASSEN, 2003, p. 24)

A facilidade das empresas de mover-se no território gera uma disputa entre os


Estados para atrair os mercados, sujeitando os países menos industrializados e
menos desenvolvidos economicamente às atividades mais ambientalmente
degradantes. As localidades que oferecem mais atrativos ao mercado, também, são
aquelas em que a população geralmente é destituída de serviços básicos, que
deveriam ser ofertados pelo Poder Público - como saúde -, gerando uma flexibilização
53

dos limites de aceitação dos riscos por essa população. (ACSELRAD e BEZERRA,
2010)
Em contexto de conflito socioambiental, percebe-se um deslocamento da
identidade para a escala local – em detrimento da identidade predominantemente
nacional -, que se potencializa quando associado ao processo de descentralização de
competências político-administrativas47. O conflito reforça o sentimento de
pertencimento ao território, o que mobiliza a população e situa os atores externos
como usurpadores. Os governos locais agem a partir de uma posição de ambiguidade,
pois almejam a implantação de empreendimentos que gerariam crescimento
econômico e ao mesmo tempo em que sofrem as pressões das reivindicações sociais
(LEITE e MONIÉ, 2014).
Esses processos se reforçam em uma lógica de competição dos lugares,
principalmente, na escala local. Harvey (2005) aponta que no contexto neoliberal, as
cidades passam a ser protagonistas do seu próprio desenvolvimento econômico, o
que fomenta incessantemente a tentativa de atrair capitais. A contradição está na
homogeneização das cidades – já que todas desejam atrair empreendimentos, muitas
vezes similares, e criam as mesmas estruturas mínimas para tal atração – e na
necessidade de diferenciação, pois cada cidade deve oferecer uma vantagem própria
para a instalação de empreendimentos – essa diferenciação garante vantagens
distintivas extraordinárias à acumulação de capital.

47
A Constituição Federal de 1988 tornou os municípios entes federados e ampliou suas competências.
54

3 DESIGUALDADE AMBIENTAL E O NAUFRÁGIO DO NAVIO HAIDAR

Como apresentado no capítulo anterior, as dinâmicas econômicas e políticas


na cidade de Barcarena conformam um território onde foi possível a concentração de
diversos empreendimentos de grandes corporações internacionais, configurando-se
como uma zona de sacrifício. Em contraponto a tais empreendimentos, há uma
população local predominantemente negra, pobre e com poder político limitado, no
que se refere à tomada de decisões sobre o próprio território, que em razão disso fica
exposta a diversos danos ambientais causados pela presença das indústrias
poluentes e suas infraestruturas de suporte arriscadas.
Neste capítulo apresenta-se uma revisão bibliográfica acerca da discussão de
problemas ambientais enquanto questões sociais, a partir da inclusão no debate sobre
o meio ambiente da dimensão da desigualdade social verificada em uma sociedade
de produção capitalista. Ademais, apresenta-se de forma mais detalhada o naufrágio
do navio Haidar no porto de Vila do Conde e a Ação Civil Pública impetrada perante a
Justiça Federal para discutir o caso. As fontes para elaboração desse capítulo foram
documentos oficiais sobre o naufrágio. Por fim, faz-se uma análise do sistema de
justiça enquanto arena de disputas onde os conflitos sociais se tornam assuntos
púbicos.

3.1 História de movimentos ambientais na modernidade

Há uma vasta produção da história ambiental - não enquanto disciplina que


estuda as mudanças da natureza ao longo do tempo -, enquanto pesquisa da
percepção e interação dos grupos sociais com os recursos naturais, assim como as
bases que servem a formação do movimento ambiental na contemporaneidade, a
partir da análise da sociedade moderna1. Não é objeto dessa dissertação discutir esse
referencial teórico da história ambiental, mas considera-se importante apresentar
minimamente uma cronologia do debate da degradação ambiental na modernidade,

1
Glacken (1967, apud PÁDUA, 2010, p. 83) observa que as concepções intelectuais sobre a natureza
no mundo ocidental só se voltaram para o tema da capacidade da ação humana de degradar o mundo
natural na modernidade. Anteriormente, os temas questionavam os sentidos e propósitos da natureza
e se a natureza influenciava a vida humana.
55

para que se possa compreender a formação de movimentos que pautam questões


ambientais, que possuem entendimentos e ações distintas sobre a interação dos
grupos sociais com o meio ambiente.
A industrialização intensificou a produção de mercadorias nos últimos séculos,
dessa forma exige-se, também, a exploração mais intensa de recursos naturais que
são bases de sustentação material, energética e logística para a produção industrial.
Nessa conjuntura, se tornam mais evidentes os impactos dos modos de produção da
sociedade capitalista sobre o meio ambiente, fazendo emergir - principalmente a partir
dos anos 1970 -, enquanto questão social, a relação entre os grupos sociais e os
recursos naturais, via exploração, e a preocupação quanto aos impactos dessa
interação.
A ideia de “ecologia” rompeu os muros da academia para inspirar o
estabelecimento de comportamentos sociais, ações coletivas e políticas
públicas em diferentes níveis de articulação, do local ao global. Mais ainda,
ele penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de
comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da
arte e da cultura. O avanço da chamada globalização, com crescimento
qualitativo e quantitativo da produção científico-tecnológica e da velocidade
dos meios de comunicação, catalisou uma explosão de temas da vida e do
ambiente na agenda política. (PÁDUA, 2010, p. 82)

Portanto, a temática ambiental ocupa uma posição de destaque nos debates


públicos, tornando-se pauta fundamental da agenda da política institucional, de forma
a responder às denúncias de degradação ambiental deflagradas pela sociedade civil,
por pesquisas das ciências naturais e pelo próprio mercado ao perceber a limitação
dos recursos naturais para manutenção do crescimento produtivo industrial. Um
marco temporal importante nesse processo de discussão pública acerca dos recursos
naturais foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
ocorrida em Estocolmo, em 1972.
Entretanto, Pádua (2010) destaca que a questão ambiental que emergiu nos
debates da modernidade não é apenas consequência das grande transformação
urbano-industrial a partir dos séculos XIX e XX, mas também se relaciona a outros
processos históricos, como a expansão colonial e a exploração de diferentes
ambientes naturais, inserindo-os na lógica econômica dos países ocidentais centrais.
Ademais, o mesmo autor destaca a importância que a ciência alcança para a
compreensão do mundo nessa conjuntura, com pretensão de universalidade, que
tornou possível a comparação entre regiões diversas, a fim de constituir um saber
geográfico planetário.
56

As pesquisas de Richard Grove (1995) demonstram que os assentamentos


europeus no mundo tropical, incluindo o período posterior às independências,
se tornaram um espaço privilegiado para esse tipo de preocupação, na
medida em que a rápida transformação das áreas florestais em monoculturas
e minas geravam modificações ambientais “à flor da terra”, por assim dizer.
Mas tais observações empíricas não se tornariam tão “evidentes” sem
modificações no plano da percepção e do conhecimento. A ciência iluminista
começava a falar em sistemas naturais interdependentes, na importância de
cada espécie para a manutenção do todo natural, na relevância das florestas
para a conservação da umidade e da saúde do território. (PÁDUA, 2010, p.
84)

Ressalte-se que, com a inclusão de um papel de destaque das ciências, não


se está negando a percepção de populações afetadas por essas transformações
ambientais quanto ao processo de degradação do meio, intensificado na modernidade
industrial. Mas, destaca-se que a difusão da preocupação com a preservação do meio
ambiente também esteve fundada na discussão científica, principalmente quando se
fala de movimentos conservacionistas, que pugnam pela manutenção de certos
ecossistemas intocados, sem conexão com a vida humana. Esses movimentos
conservacionistas se pautam por uma concepção de oposição entre a sociedade e a
natureza.
Por sua vez, a imagem de ser humano e de história humana se construiu em
grande parte por oposição à natureza: arte versus natureza; ordem social
versus natureza; técnica versus natureza; espírito versus natureza etc. Em
outras palavras, um conjunto de oposições que procuram demarcar, por
diferenciação ou por identificação, a especificidade do fenômeno humano em
relação à natureza (seja afirmando uma oposição e ruptura radical entre
ambos, seja entendendo o humano como uma qualificação especial no
contexto do mundo natural). (PÁDUA, 2010, p. 87)

Enquanto outros grupos (ainda que não se identifiquem como movimentos


ambientalistas2) compreendem a relação entre seres humanos e meio ambiente, de
forma mais complexa, com aproximação de uma ideia de interdependência, como
comunidades tradicionais no interior da Amazônia, que vivem em áreas com poucas
características urbanas e exercem atividades como pesca e extrativismo, sem causar
impactos capazes de colapsar os ecossistemas.
Dessa forma, destaca-se que a questão ambiental assume grande importância
na modernidade, principalmente a partir dos anos 1970, com a formação de grupos

2
Acserad (2012) explica: A noção de “movimento ambientalista” tem sido evocada, no Brasil, para
designar um espaço social diversificado de circulação de discursos e práticas associados à “proteção
ambiental”, configurando uma nebulosa associativa formada por um conjunto diversificado de
organizações com diferentes graus de estruturação formal, desde ONGs e representações de
entidades ambientalistas internacionais a “seções ambientais” de organizações não especificamente
“ambientalistas” e grupos de base com existência associada a conjunturas específicas.
57

que se propõem a apresentar o caráter danoso da interação dos grupos sociais com
o meio e seus recursos naturais. Entretanto, os movimentos que pautam a questão
ambiental não convergem sobre quais seriam as possíveis soluções para a
problemática, nem convergem sobre o que se pretende resguardar ao preservar o
meio ambiente – a saúde e vida de populações afetadas pela poluição; a manutenção
do modo de produção capitalista, que necessita de recursos materiais, energéticos e
logísticos; ou, ainda, certos ambientes naturais que deveriam permanecer totalmente
intocados no que se refere a interação humana, a fim de que se preservem com certa
qualidade ecológica.
Desde o princípio, a questão ambiental esteve investida de distintos sentidos,
ora contracultural, ora utilitário. O primeiro constitui um movimento de
questionamento do estilo de vida que tem justificado o padrão dominante de
apropriação do mundo material – consumismo dito fordista, industrialização
químico-mecanizada da agricultura etc. O segundo, um sentido utilitário
protagonizado inicialmente pelo Clube de Roma, que, após trinta anos de
crescimento econômico nos países capitalistas centrais, preocupava-se em
assegurar a continuidade da acumulação do capital, economizando recursos
em matéria e energia. (ACSELRAD, 2010, p. 108)

Esses diversos movimentos, que pautam suas ações e conteúdos em


diferentes perspectivas acerca da problemática ambiental e em diferentes objetivos e
estratégias de disputa, nem sempre assumem papéis e posicionamentos antagônicos,
de forma que em certos momentos convergem.
No Brasil, o governo militar federal - receoso quanto a um possível cerceamento
do processo de industrialização após a Conferência de Estocolmo – seguiu os padrões
internacionais e criou uma Secretaria de Meio Ambiente, subordinada ao Ministério do
Interior.
Institucionalizada em 1973, a Sema refletia, por um lado, a demanda de
controles ambientais por parte de uma minoria advertida de técnicos
governamentais e, por outro lado, a oportunidade de chancela institucional
para a captação de financiamentos institucionais para os quais as garantias
ambientais eram necessárias. (LOPES, 2006, p. 37)

Lopes (2006) ressalta que a construção institucional em torno da questão do


meio ambiente no Brasil se deu por meio dos conflitos sociais. O autor apresenta
alguns exemplos de ações institucionais voltadas a resolução de questões ambientais,
após mobilizações sociais e conflitos de caráter socioambiental, como um decreto
federal promulgado durante a ditadura, dispondo sobre o controle da poluição
provocada por atividades industriais. O referido decreto foi promulgado após uma
mobilização social na cidade de Contagem, em Minas Gerais, contra a poluição
58

produzida por uma fábrica de cimentos, que resultou no fechamento da fábrica após
o prefeito da cidade propor uma ação judicial alegando desobediência às
determinações municipais acerca da instalação da fábrica com filtros. O decreto foi
elaborado, então, para garantir ao governo federal o monopólio sobre o fechamento
de fábricas por razões ecológicas e de poluição.
Nesse sentido Alonso e Costa (2002) também apontam o papel de destaque
que grupos organizados, fora das esferas institucionais, assumem quando da
emergência da degradação ambiental enquanto problema social no Brasil:
O momento histórico em que a questão ambiental emerge no Brasil favorece
a forma de mobilização “movimento social”. A ditadura promoveu essa forma
de mobilização ao limitar os recursos institucionais tradicionais, inclusive os
partidos. Com a redemocratização, ocorrem mudanças. A ênfase da “Agenda
21”, documento resultante da Rio-92, em arenas locais e transnacionais e em
espaços públicos não-estatais, como fóruns para discussão da questão
ambiental, leva a escolha de “organizações não governamentais” como
estruturas de mobilização ideais, já que capazes de transitar nos dois níveis.
Esses fatores ajudam a explicar a fraqueza do partido verde no Brasil, vis-à-
vis as ONGs ambientalistas. (ALONSO e COSTA, 2002, p. 128 – 129)

3.2 Degradação ambiental “democrática” e modernização ecológica

3.2.1 Recursos naturais enquanto base de sustentação do modo de produção


capitalista
Conforme apresentado no item anterior, os problemas ambientais passaram
a ser importante pauta para certos grupos – empresariais e governos – a partir da
percepção de que haveria necessidade de melhor gestão dos recursos naturais para
dar continuidade ao processo de crescimento econômico no sistema de produção
capitalista. Nessa perspectiva, se propõem mudanças acerca da utilização de
recursos materiais e de energia sem alteração do objetivo central do capitalismo de
crescimento econômico ou do modo de consumo.
Essa preocupação com a disponibilidade de recursos naturais não pressupõe
preocupação com a preservação do meio ambiente como um todo, ou com a natureza
como parte integrante do cotidiano e meio de subsistência de diversas populações –
como, por exemplo, preocupação com os cursos d’água na cidade de Barcarena, que
possuem diversas funções para a população local, como transporte, fonte de
alimentos e renda pela pesca, lazer, etc. Trata-se de uma tentativa do sistema de
corrigir uma falha no processo de produção, que poderia vir a inviabilizar a
continuidade do crescimento econômico.
59

Em razão disso, autores da sociologia ambiental adotaram uma divisão para


compreensão de quais recursos naturais estariam protegidos pelas mudanças
pretendidas pelo mercado e respaldadas por governos.
William Leiss, no seu livro O Domínio da Natureza (inspirado no trabalho da
Escola de Frankfurt), assegura que o controle sobre a natureza na cultura
Ocidental trouxe não apenas a idéia de separação entre homem e natureza,
mas também uma bifurcação da natureza (Leiss, 1974:135). A natureza ficou
dividida em natureza intuída, a natureza vivenciada no dia-a-dia, e natureza
abstrato-universal, a natureza matematizada das ciências físicas (Leiss,
1974:136). (MOL e SPAARGAREN, 2002, p. 20)

Assim, a natureza que é foco de controle de empresas e governos, a partir da


percepção do que se convencionou chamar de “crise ambiental”, é aquela que serve
de base de sustentação do modelo de desenvolvimento, enquanto insumo material,
energético e logístico. Portanto, a utilização degradante de recursos ambientais, na
perspectiva das empresas e de governos, passa a ser um problema econômico.
A natureza, como uma caixa preta, libera substâncias (inputs) na forma de
energia e matéria prima, e absorve e processa resultados (outputs) na forma
de lixo. Claramente, a natureza não pode mais ser tratada como um vazio no
seu funcionamento, seja como um estoque ou um reservatório para materiais
a serem usados interminavelmente e sem cobrança. Esta é a mensagem que
economistas ambientalistas como Nicholas Geogerscu-Roegen e Kenneth E.
Boulding e, na Holanda Roefie Hueting, Johannes Opschoor e Bob
Goudzwaard compreenderam há vinte anos atrás [década de setenta],
quando experimentaram incorporar o ambiente como fator de produção de
seus modelos econômicos neo-clássicos. (MOL e SPAARGAREN, 2002, p.
21)

Depreende-se da observação de Mol e Spaargaren (2002), que a preocupação


dos economistas citados é voltada a preservação dos recursos naturais necessários
a segurança do crescimento econômico. Portanto, “[...] não se questiona o caráter
capitalista da sociedade moderna, como as relações capitalistas de produção e o
modo capitalista de produção que são vistos como irrelevantes para superar os
problemas ecológicos” (MOL e SPAARGAREN, 2002, p. 34 - 36).
A degradação do meio ambiente causada em razão do modo de produção
industrial na modernidade, que afeta a saúde – podendo levar a morte – e os modos
de vida de certas populações que vivem sob os efeitos dessa poluição não está
inserida dentre os bens naturais que se intenta proteger, quando se fala em problemas
ambientais, por meio de soluções econômicas.
A mudança para padrões ecologicamente aceitáveis da produção e consumo,
pela dimensão da crise ambiental, tem a ver com a natureza como base de
sustentação e não oferece solução para problemas relacionados com o que
chamamos de segunda dimensão da crise ambiental: a mudança do papel da
60

natureza como “natureza intuída” e a maneira como o povo trata aspectos da


crise ambiental no dia-a-dia da vida. (MOL e SPAARGAREN, 2002, p. 11)

3.2.2 Modernização ecológica


Nessa perspectiva, a inovação tecnológica emerge como solução para a crise
ambiental, que poderia ser administrada por dentro do mercado, sem qualquer
intervenção política de proteção dos recursos naturais como um todo. A esse processo
de mudança da posição do mercado em relação aos recursos naturais que ele explora
tem-se chamado de “modernização ecológica”.
O conceito “modernização ecológica” tem uma breve história na Alemanha e,
de certa forma, discussões na Holanda, sobre as mudanças institucionais
necessárias em países industrializados do Ocidente para superar a crise
ecológica. O conceito é usado em dois níveis. Primeiro, o conceito de
modernização ecológica é usado como um conceito teórico para analisar o
desenvolvimento necessário de instituições centrais nas sociedades
modernas para resolver o problema fundamental da crise ecológica (Ver, por
exemplo, Huber, 1982, 1991; Spaargaren e Mol, 1991). Nesse nível, a
modernização ecológica pode ser vista como uma alternativa a outros
conceitos e análises da relação entre desenvolvimento institucional em
diferentes domínios da modernidade e do ambiente. Segundo, num nível mais
prático, o conceito modernização ecológica é usado como um programa
político para direcionar a política ambiental. (MOL e SPAARGAREN, 2002, p.
32)

Portanto, a modernização ecológica é o modo pelo qual o mercado internaliza


a problemática ambiental, oferecendo a solução para proteção apenas da natureza
utilizada como base de sustentação de modo de produção capitalista, através de
inovação tecnológica.
Para além da necessidade de preservar certos recursos que são essenciais à
manutenção do mercado capitalista, há necessidade de legitimar as atividades
empresariais em meio a difundida crise ambiental, através desse programa político
ambiental. Nessa perspectiva, a partir da percepção de que o uso indiscriminado dos
recursos naturais poderia afetar o crescimento econômico de maneira negativa,
empresas que desenvolvem atividades poluidoras, passam a adotar discursos
ambientais a fim de legitimar suas práticas, através da divulgação das mudanças de
tecnológicas de produção, que diminuiriam os impactos ao meio ambiente. A esse
processo de incorporação de um discurso ambiental, tem-se chamado de
ambientalização (ACSELRAD, 2010).
Pode-se fazer uma analogia do que está acontecendo com a concorrência
empresarial em torno dos controles ambientais com o que se passou no
século XIX em relação à jornada de trabalho descrita por Marx em O Capital.
Uma parte do empresariado vê vantagens na jornada menor com processos
produtivos mais eficazes e se alia ao Estado na regulamentação contra esses
61

setores que usam a exploração maior através da jornada maior. Da mesma


forma, dentre os grupos empresariais atuais alguns atentam mais para as
questões ambientais como questão de eficiência produtiva, de marca e
legitimidade no mercado e na sociedade. E, através das federações
empresariais, pressionam os setores de maior poluição a se reformarem
(veja-se a ação da federação dos industriais de Minas Gerais pressionando o
setor de ferro-gusa a equipar os processos menos poluentes). (LOPES, 2006,
p. 47)

Entretanto, não apenas as empresas preocupadas com a escassez de


recursos naturais para manutenção de sua produção ambientalizam seus discursos –
como veremos mais adiante - outros atores também passam a disputar quais seriam
as práticas adequadas a solucionar os problemas ambientais.
Por meio da discussão sobre a modernização ecológica, enquanto programa
político, difundiu-se amplamente a noção de desenvolvimento sustentável, que seria
o ideal de aliança do crescimento econômico e proteção do meio ambiente. Assim
como a noção de modernização ecológica, a noção de desenvolvimento sustentável
não questiona o modelo de desenvolvimento ou o modo de consumo na modernidade,
sendo um reforço discursivo da modernização ecológica para a manutenção do
crescimento econômico e da exploração de recursos naturais.
Segundo Timberlake (1989), um dos contribuidores do relatório de
Brundtland, o conceito de desenvolvimento sustentável é baseado mais em
opiniões do que em bases científicas. [...] Portanto, introduzimos um conceito
sociológico mais analítico – modernização ecológica – em conformidade com
o conceito político preliminarmente colocado de desenvolvimento
sustentável. Modernização ecológica esclarece a relação entre o processo de
modernização e o ambiente, num contexto de sociedades industrializadas,
enquanto que desenvolvimento sustentável também (1) se supõe seja
aplicável a países menos desenvolvidos (Spaargaren and Mol, 1989), e (2)
tenta incluir questões de desenvolvimento equitativo e de paz. (MOL e
SPAARGAREN, 2002, p. 31)

A noção de desenvolvimento sustentável acompanha a ideia de que a


degradação do meio ambiente impacta a todos que vivem no planeta, de forma que o
mercado estaria também habilitado a buscar e propor soluções para a crise ambiental,
justificando a internalização das questões ambientais pelas empresas. Sob a ideia de
que a degradação ambiental seria democrática – atingindo a todos da mesma forma -
, emerge a possibilidade de incorporação de discursos e práticas supostamente
voltadas a preservação ambiental por grupos que exercem atividades
comprovadamente nocivas ao meio. “Essa [ambientalização] pode designar tanto o
processo de adoção de um discurso ambiental genérico por parte dos diferentes
62

grupos sociais, como a incorporação concreta de justificativas ambientais para


legitimar práticas institucionais, políticas, científicas etc” (ACSELRAD, 2010, p. 103).
Estudiosos da sociologia ambiental criticam a modernização ecológica por
entender que – para além da dimensão política que legitima o mercado a propor
soluções para um problema que está totalmente ligado às atividades do capitalismo
industrial – essa noção, que aponta para a inovação tecnológica a solução para a
escassez de recursos naturais que servem a produção capitalista, considera
unicamente a dimensão industrial da modernidade, além de se restringir a natureza
enquanto base de sustentação (MOL e SPAARGAREN, 2002). Ademais, questionam
o seguinte:
Uma questão básica no campo das ciências ambientais é se, e em que
medida, nós já possuímos ou somos capazes de desenvolver conhecimento
técnico-científico necessário para envolver nossa interação com a base de
sustentação, tendo sobre ela um controle racional. Parece ser muito difícil
captar as consequências das ações humanas para o ambiente, por várias
razões, dentre as quais (1) a complexidade dos ecossistemas envolvidos; (2)
o deslocamento dos efeitos no tempo e no espaço; e (3) o crescimento rápido
da interação homem-natureza, que agora se dá em nível global. (MOL e
SPAARGAREN, 2002, p. 21 - 22)

Pelas noções de modernização ecológica e desenvolvimento sustentável,


verifica-se que as mudanças nos padrões de produção, em um mercado capitalista,
ocorreram somente dentro do que a própria dinâmica mercantil admitiu: “Na
perspectiva dos investidores, dinâmicas tecnológicas e locacionais só mudam, por
alegadas ‘razões ecológicas’, se o ‘mercado’ assim o corroborar, assegurando as
taxas de lucro esperadas” (ACSELRAD, 2013, p. 107).
A modernização ecológica recusa regulações políticas; propõe-se a dar preço
ao que não tem preço; opõe a lógica dos interesses à lógica dos direitos;
tende a equacionar o meio ambiente na lógica da propriedade privada – a
“tragédia dos comuns” é o paradigma que aponta a privatização dos bens
comunais como solução para seu uso econômico (na contramão das
conquistas de movimentos como o das quebradeiras de coco babaçu no
Maranhão ou coletoras de arumã no Baixo Rio Negro, por exemplo, que
afirmam territorialidades e sistemas jurídicos heterogêneos.); o “meio
ambiente” é visto como “oportunidade de negócios” (vide concepções
vigentes em seguidos Planos Plurianuais de Investimento de investimentos
de governos brasileiros); o meio ambiente e a sustentabilidade tornam-se
categorias importantes para a competição interterritorial e interurbana; para
atrair capitais a “ecologia” e a “sustentabilidade” podem tornar-se apenas um
símbolo, uma marca que se quer atrativa. (ACSELRAD, 2010, p. 109-110)

O processo de modernização ecológica possibilitou a formação de um


mercado – obviamente lucrativo – que atenda, ainda que só discursivamente, às
demandas ambientais. Assim, formou-se uma corrida por inovação tecnológica, que
63

agrida menos o meio ambiente – pontuando-se que só serão utilizáveis aquelas que
efetivamente garantirem as taxas de lucro. Portanto, a partir da crise ambiental, as
empresas enxergaram a possibilidade de inserir os recursos naturais na lógica de
mercado, transformando bens de uso comum em mercadorias.
Seguindo Huber (1985), vemos dois projetos centrais formando o coração da
reviravolta ecológica: a reestruturação dos processos de produção e de
consumo na direção de fins ecológicos. O primeiro projeto é o
desenvolvimento, inauguração e difusão de novas tecnologias mais
inteligentes do que as velhas, e que beneficiam o ambiente. Há uma mudança
das tradicionais “tecnologias de final de ponta” para tecnologias que
estabelecem processos limpos de produção. Microeletrônica, tecnologia
genética e novos materiais são vistos como tecnologias promissoras, por
desconectar o desenvolvimento econômico de insumos relevantes, do uso de
recursos e de emissões (Simonis, 1989), monitorando processos de produção
e consumo pelos seus efeitos sobre o ambiente (Huber, 1985). Esta mudança
deve levar a ecologização da economia, isto é, a mudanças físicas nos
processos de produção e consumo, e à possibilidade de monitorar esses
processos. Segundo, o conceito de modernização ecológica inclui
economização ecológica, colocando valor econômico sobre a terceira força
de produção: a natureza. Natureza e recursos ambientais devem readquirir
seu lugar nos processos econômicos e tomadas de decisão (Immler, 1989).
Como Simonis questiona: “Ao lado do trabalho e do capital, a natureza é o
verdadeiro fator de produção ainda dormente e explorado. Como pode ser
fortalecida a posição da natureza no jogo econômico? (p. 358). (MOL e
SPAARGAREN, 2002, p. 33 - 34)

Um exemplo da inserção dos recursos naturais em uma lógica de mercado é


a possibilidade de compensação ambiental, prevista na legislação brasileira, que
possibilita que uma empresa explore os recursos naturais de certa localidade até a
exaustão, enquanto mantém preservado outro lugar com características ambientais
similares. Por esse processo, as empresas poderiam produzir uma “perda líquida
zero” ou até um “ganho líquido” de biodiversidade, por uma lógica que quantifica ativos
ambientais. Nessa operação, as empresas altamente poluidoras passam a ser
prestadoras de serviços ambientais. (MALERBA, 2017)
A Hydro (que detém majoritariamente as ações de Albrás e Alunorte e é
comprovadamente causadora de diversos danos ambientais em Barcarena), em
relação a mina de bauxita que possui na cidade de Paragominas-PA, financia ações
de reflorestamento e restauração da biodiversidade numa área remanescente de
floresta no município3. Assim, cria-se uma imagem para a empresa de protetora do
meio ambiente, ainda que seja causadora de grandes desastres ambientais, tenha

3
Informações acerca do projeto de compensação ambiental em Paragominas disponível em:
https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/Imprensa/Noticias/2014/Biodiversidade-na-floresta-
tropical-do-Brasil/
64

sido indiciada mediante procedimentos dos Ministérios Públicos Federal e Estadual


do Pará, além dos processos judiciais e tenha admitido publicamente culpa em razão
dos vazamentos de rejeitos ocorridos em fevereiro de 2018, em Barcarena 4.
A possibilidade de compensar a degradação ambiental em outras áreas – para
além da inserção dos recursos naturais em um sistema quantificável e valorativo –
amplia o acesso e controle dessas empresas poluidoras a mais terras, o que tem
gerado, nas experiências já analisadas, o surgimento de conflitos territoriais com
populações (muitas vezes tradicionais) que já ocupavam a área, ignorando-se que a
preservação daquela biodiversidade se deve, também, ao manejo tradicional
desenvolvido por aquelas populações. (MALERBA, 2017)
Ademais, criou-se um mercado consumidor de produtos ditos “verdes”,
formado por classes médias e altas, que exigem selos e certificações ambientais
nacionais e internacionais, que acreditam estar contribuindo de alguma maneira para
diminuição da degradação ambiental – a partir da ideia de que a poluição ameaça a
todos igualmente e é responsabilidade, portanto, de todos.
Dessa forma, o status de sustentável passa a ser uma marca atribuída
também aos espaços, colocando as cidades (ou região, ou ainda Estados nacionais)
numa posição de mercadoria e de competição - como já abordado no item 2.8, sobre
chantagem locacional.
[modernização ecológica] É também usado para traçar um programa político,
a fim de sair da crise ambiental.
[...]
O primeiro [programa político] focaliza as compensações para os danos
ambientais e o uso de tecnologia adicional para minimizar os efeitos da
crescente produção e consumo sobre o ambiente. O segundo programa
político, pode-se dizer, está em conformidade com a teoria da modernização
ecológica, focaliza a mudança de processos de produção e consumo. Uma
descrição comum de noções usadas no segundo programa inclui tecnologia
limpa, valoração econômica de recursos ambientais, mudança de estilos de
consumo e de produção, produção e monitoramento de complexos através
de ciclos de produção-consumo, por exemplo. (MOL e SPAARGAREN, 2002,
p. 39)

3.2.3 Ambientalismo Consensualista


Enquanto programa político que busca emplacar uma política ambiental que
assegure o modo de produção capitalista, voltado à manutenção do crescimento

4
Hydro assumiu o descarte de rejeitos irregularmente no rio Pará, através de notícia publicada em seu
site, contendo também pedido de desculpas e informe da expansão da auditoria interna para tratar do
caso: https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/Imprensa/Noticias/2018/alunorte/hydro-expande-
revisao-e-lanca-auditoria-apos-novo-descarte-de-agua-de-chuva-nao-tratada-na-alunorte/.
65

econômico pela minoração - através de inovação tecnológica - da exploração de


certos recursos naturais essenciais a preservação do mercado, o processo de
modernização ecológica, acompanhado do discurso de desenvolvimento sustentável,
se baseia na tentativa de difusão de crenças na colaboração e no consenso voltados
a superação de problemas ambientais (ACSELRAD, 2010). Segundo esse discurso
difundido de democratização dos danos ambientais, todos seriam impactados, assim
como todos seriam responsáveis pela degradação ambiental, de forma que, seria
necessária a conscientização de toda a sociedade – enquanto consenso - para
superar a crise ambiental – através da colaboração.
Lopes (2006) aponta que o processo de ambientalização também é verificado
na promoção da “educação ambiental”, prática observada nas escolas, mas também
nos meios de comunicação, que visa orientar as condutas humanas individuais para
uma desejável harmonização com o meio ambiente e os recursos naturais. “Isso
aparenta os ‘manuais de etiqueta’ que apareceram no Renascimento europeu,
analisados por Norbert Elias (1990) e seu papel no controle das emoções e na
estilização da conduta, fazendo naturalizarem-se e interiorizarem-se certos
comportamentos” (LOPES, 2006, p. 45).
Por essa concepção da degradação ambiental – enquanto impacto que atinge
a todos – é que diversas campanhas sobre proteção ambiental têm se enviesado,
inclusive naquelas elaboradas por órgãos públicos responsáveis por elaborar e
executar políticas ambientais. A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Econômico de Barcarena – que não ocasionalmente congrega atribuições de política
ambiental e de desenvolvimento econômico -, promoveu, no dia do meio ambiente,
em 2018, uma programação cultural cujo objetivo era conscientizar todos os cidadãos
sobre a importância de cuidar da natureza. A divulgação do evento enfocou na
importância da sensibilização acerca do cuidado com o meio ambiente e em lições
como “não jogar lixo na rua”, mas não mencionou os despejos de rejeitos das
indústrias nos cursos d’água da cidade5. A democratização e a corresponsabilização
pela degradação ambiental posiciona atividades ou condutas diversas enquanto
igualmente danosas ao meio ambiente.
Certos grupos sociais organizados com agendas ambientais - assim como os
grupos empresariais - também baseiam suas ações e seus conteúdos acerca da

5
Disponível em: <https://www.barcarena.pa.gov.br/portal/noticia?id=754&url=prefeitura-apela-para-a-
consciencia-ambiental>. Acesso em: 15 jun 2018.
66

proteção ambiental na ideia de que a degradação do meio afetaria a vida de todas as


sociedades, assim como as futuras gerações – apontando, inclusive, um possível
colapso da vida humana no planeta. Esses são os movimentos que Bullard (1993)
chama de “mainstream”, destacando o caráter de senso comum dessas ideias,
enquanto as mais generalizadas quando se trata de questões ambientais.
Para a razão utilitária hegemônica, o meio ambiente é uno e composto
estritamente de recursos materiais, sem conteúdos socioculturais específicos
e diferenciados; é expresso em quantidades; justifica interrogações sobre os
meios e não sobre os fins para os quais a sociedade se apropria dos recursos
do planeta; pressupõe um risco ambiental único, instrumental – o da ruptura
das fontes de abastecimento do capital em insumos materiais e energéticos,
assim como da ruptura das condições materiais da urbanidade capitalista -,
ou seja, o risco de inviabilização crescente da cidade produtiva, por poluição,
congestionamento etc. Dado esse ambiente único, objeto instrumental da
acumulação de riqueza, a poluição é apresentada como “democrática”, não
propensa a fazer distinções de classe. (ACSELRAD, 2010, p. 108)

Campanhas acerca da importância da proteção ambiental, como a realizada


pela prefeitura de Barcarena, estão em conformidade com uma produção sociológica
acerca do movimento ambientalista no Brasil, a partir dos anos 1990, que o caracteriza
como “multissetorial”, a partir da ideia de que haveria uma adesão às pautas de
proteção ambiental por diversos setores. Essa perspectiva, que Acselrad (2012)
chama de “ambientalismo consensualista”, toma a diversidade de grupos organizados
disputando ações e discursos sobre os recursos naturais como consensual. Dessa
forma, o único conflito acerca da crise ambiental seria aquele existente entre grupos
ou indivíduos que já têm consciência ambiental e os que desconsideram a
necessidade de proteção do meio ambiente.
O pressuposto visível desta perspectiva é a remissão a um meio ambiente
único, ao qual corresponderia uma consciência ambiental também única,
relativa a um mundo material também fetichizado e reduzido a quantidades
de matéria e energia, um meio ambiente do qual não se evidenciaram as
múltiplas formas sociais de apropriação e as diversas práticas culturais de
sua significação. As estratégias associadas a esse tipo de diagnóstico –
consensualista – tendem, por certo, a esvaziar o próprio conteúdo político do
debate que envolve a definição das problemáticas do meio ambiente. O
debate assim configurado tende, consequentemente, a ser substituído pela
simples busca de indicadores técnico-científicos mais apropriados a
evidenciar a crise ambiental e a conquistar a adesão pública a seu
enfrentamento. (ACSELRAD, 2012, p. 40)

Acselrad (2012) destaca que a busca por consensualidade entre os diversos


setores que ambientalizam seus discursos - ignorando os conflitos verificados acerca
do acesso aos recursos naturais não degradados –, por meio da tentativa de
celebração de acordos, sem conteúdo político, com instituições (públicas ou privadas)
67

que exerçam atividades poluidoras, retira a possibilidade de controle da sociedade


sobre decisões de política ambiental.

3.3 Justiça Ambiental

O movimento por justiça ambiental se construiu pela constatação de que os


danos ambientais não afetam igualmente todas as pessoas, e se concentram em
áreas habitadas por populações mais pobres e não brancas, com menor capacidade
de resistência, menor capacidade de interferir em decisões políticas de localização de
empreendimentos poluentes e menor capacidade de deslocamento. Portanto, o
movimento por justiça ambiental surge da percepção de que, de fato, o que existe é
uma distribuição desigual dos riscos e da poluição ambiental.
A incidência de riscos ambientais e poluição em lugares habitados por
populações com menor poder social pode ser verificada em diversos exemplos, como
na cidade de Barcarena. A população moradora da cidade, e principalmente aquela
que vive nos entornos dos empreendimentos poluidores, é composta por famílias não
brancas e de baixa renda, como já demonstrado no item 2.7 desta dissertação.
Em fevereiro de 2018, quando foram descobertos dutos clandestinos que
despejavam rejeitos irregularmente da empresa Hydro Alunorte nos cursos d’água da
cidade de Barcarena e foi dada certa visibilidade ao incidente na mídia nacional,
destaco um dos apontamentos feitos em algumas reportagens sobre a reconhecida
qualidade ambiental do Estado da Noruega6, que detém 34,3% das ações da empresa
Hydro. Diante dessa observação, questionou-se o porquê da fábrica da empresa se
localizar no interior da Amazônia brasileira e não na própria Noruega.
Assim como já mencionado acerca da incorporação do debate ambiental por
diversos grupos, movimentos sociais que já discutiam questões de justiça social -
como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil - ao
ambientalizarem suas pautas e lutas, inevitavelmente, o fazem acionando questões
de desigualdade social.

6
Antes da descoberta da destinação de rejeitos, a mídia já havia apontado a contradição do discurso
ambiental do governo norueguês, quando este criticou o Brasil pela extinção da Reserva Nacional do
Cobre e Associados (RENCA), enquanto área de preservação mineral. Em razão dessa extinção, o
governo da Noruega anunciou o corte de 200 milhões de reais que repassava ao Fundo Amazônia,
para preservação ambiental. Informações disponíveis em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
40423002>. Acesso em: 29 jul 2017.
68

Os movimentos que combatem a injustiça ambiental assim a definem:


Entendemos injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades
desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos
danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos
grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros
operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. (REDE BRASILEIRA
DE JUSTIÇA AMBIENTAL, 2001)

Portanto, a apropriação da discussão ambiental por movimentos sociais que


pugnam por justiça social não é capaz de ignorar a concretude da desigualdade
ambiental verificada pela distribuição desigual dos riscos e danos ambientais. “Ela [a
noção de justiça ambiental] resulta de uma apropriação singular da temática do meio
ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a construção
da justiça social” (ACSELRAD, 2010, p. 108).
Acselrad (2010) resumidamente aponta a emergência dos movimentos por
justiça ambiental no Brasil:
A relação entre meio ambiente e justiça social, porém, ganhou importância
particular a partir de meados da década de 1980, culminando com a
constituição, na conjuntura aberta para a realização no Rio de Janeiro da
Conferência da ONU em 1992, de uma nova instância de articulação – o
Fórum Brasileiro de ONG e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento – por meio da qual procurou-se incorporar a temática
ambiental ao debate mais amplo de crítica e busca de alternativas ao modelo
dominante de desenvolvimento. Abriu-se, a partir de então, um diálogo,
inconcluso, mas persistente, voltado a construção de pautas comuns entre
entidades ambientalistas e o ativismo sindical, o movimento dos
trabalhadores rurais sem terra, os atingidos por barragens, os movimentos
comunitários das periferias das cidades, os seringueiros, os extrativistas e o
movimento indígena. (ACSELRAD, 2010, p. 105)

O movimento por justiça ambiental, diferentemente dos movimentos


chamados consensualistas ou da pauta empresarial de modernização ecológica, não
tem como objetivo evitar um possível colapso dos ecossistemas que possa extinguir
a vida no planeta – mesmo que não se rechace a possibilidade de grandes desastres
ambientais que impactem, em alguma medida, grupos de classe de renda ou raça
diversos e não apenas minorias sociais e étnicas -, nem buscam solucionar a
degradação ambiental de recursos naturais necessários a manutenção do
crescimento econômico. O movimento por justiça ambiental tem por bandeira o
combate contra a degradação ambiental que já se verifica, primordialmente em áreas
habitadas por minorias – e não a preservação com vistas a uma possibilidade de
colapso futuro -, causada pelo modelo de desenvolvimento empregado.
69

A percepção de que os riscos e danos ambientais são destinados para as


comunidades mais vulneráveis é a questão crucial a partir da qual os movimentos por
justiça ambiental passam a pautar seus discursos e ações – para além das demais
desigualdades vivenciadas em um sistema de produção capitalista. A escolha de
instalação de empreendimentos que exercem atividades potencialmente (ou
comprovadamente) poluentes é implicada pela política de terras, que relega ao mais
pobres e aos grupos não-brancos espaços de moradia distantes das áreas valorizadas
das cidades, assim como é consequência da mobilidade dos capitais e da chantagem
locacional, conforme discutido no item 2.8 desta dissertação.
A operação dessa lógica [de acumulação da riqueza tendo por base a
penalização ambiental dos mais despossuídos] estaria associada ao
funcionamento do mercado de terras, cuja “ação de coordenação” faz que
práticas danosas se situem áreas desvalorizadas, assim como à ausência de
políticas que limitem a ação desse mercado. Tal segmentação socioterritorial
tem se aprofundado com a globalização dos mercados e a abertura comercial
– a saber, com maior liberdade de movimento e deslocalização dos capitais,
queda do custo de relocalização e incremento do poder de exercício da
chantagem locacional pelos capitais, que podem usar a carência de
empregos e de receitas públicas como condição de força para impor práticas
poluentes e regressão dos direitos sociais. (ACSELRAD, 2010, p. 110)

Ademais, assim como os efeitos negativos da degradação ambiental não são


distribuídos igualmente, a responsabilização por essa degradação não deveria
também o ser. Considerar que a poluição é democrática, implica dizer que todos
também são responsáveis por ela, de forma que se cria um discurso que equipara
condutas com impactos distintos entre si, mascarando ou amenizando a
responsabilidade dos poluidores.
Quando nos damos conta que 20% da população mundial consome 80% dos
recursos do planeta e são responsáveis por 80% das emissões de poluentes,
a questão central – ausente dos debates – é a desigualdade ambiental
[...]
Ao contrário, nunca foi tão necessário destacar que a “responsabilidade
ambiental” é absolutamente diferenciada entre os distintos agentes
econômicos e sujeitos sociais no que diz respeito às logicas de uso dos
recursos ambientais e à sua possível degradação. (ACSELRAD, 2012, p. 68)

Acselrad (2002) analisa a organização e ação dos movimentos por justiça


ambiental a partir de uma analogia com o procedimento de caracterização das
condições de existência teórica e prática dos grupos sociais, feito por Bourdieu. Essa
ação coletiva se manifesta, segundo o autor, em dois planos, aos quais ele denomina
“momento objetivista” e “momento subjetivista”:
No momento objetivista encontraremos os grupos sociais distribuídos no
espaço social em função de sua disposição diferencial sobre elementos de
70

poder. Estaremos aí tratando do espaço relacional das posições ocupadas


pelos agentes em função da estrutura de distribuição de tipos específicos de
meios de poder. No momento subjetivista, identificaremos as representações
que os agentes fazem do mundo social, pontos de vista que contribuem para
a construção deste mesmo mundo, inclusive da diferenciação social dos
indivíduos que o caracteriza. Estaremos aí observando a configuração dos
esquemas classificatórios, princípios de classificação, de visão e divisão do
mundo social. (ACSELRAD, 2002, p. 10 - 11)

Portanto, a atuação dos movimentos sociais – neste caso os movimentos que


combatem a injustiça ambiental – se dá nesses dois níveis de análise, quais sejam:
na distribuição de poder, que implica a verificação nas dinâmicas sociais de processos
desiguais (momento objetivista); e na disputa discursiva, pela qual se constroem
discursos argumentativos de rechaço a essa desigualdade (momento subjetivista).
Assim, os dados de desigualdade social já passíveis de serem verificados na prática,
através da organização dos movimentos por justiça ambiental, ganham visibilidade
através de sua enunciação pública.
Esses momentos podem ser visualizados, no exemplo do conflito emergido em
Barcarena a partir do naufrágio do navio Haidar: quando a população fecha a via de
acesso ao porto de Vila do Conde, logo após o naufrágio, impedindo o embarque e
desembarque de cargas, para que as carcaças de bois não sejam enterradas em érea
habitada por populações tradicionais, seria o momento objetivista, pelo qual
manifesta-se uma reação contrária a uma decisão de localização que consideram
prejudicial; essa reação, enquanto uma manifestação pública de resistência àquela
escolha de localização, dá visibilidade a um entendimento de que a população local,
principalmente certos grupos mais vulneráveis, como as populações tradicionais,
suportam em demasia os impactos negativos – contaminação dos recursos naturais –
oriundos da presença daqueles empreendimentos na cidade.
Bullard (1993) evidencia que não pode haver qualquer avanço quanto à
qualidade ambiental, sem se considerar as desigualdades sociais, pois enquanto
existirem comunidades vulneráveis que não puderem resistir às decisões de
localização de atividades poluidoras em sua vizinhança, os processos degradantes
permanecerão – pela capacidade de deslocamento para áreas de menor resistência
social - e não será possível a discussão democrática de outras formas de
desenvolvimento.
[...] a desigualdade social e de poder sobre recursos ambientais estaria
presente na raiz dos processos de degradação ambiental: quando os
benefícios de uso do meio ambiente estão concentrados em poucas mãos,
do mesmo modo que a capacidade de transferir “custos ambientais” para os
mais fracos, o nível geral de “pressão” sobre o meio ambiente tende a não se
71

reduzir. Donde, decorreria logicamente que a proteção do meio ambiente


depende do combate à desigualdade ambiental. Não se poderia enfrentar a
crise ambiental sem promover a justiça social. (ACSELRAD, 2002, p. 15)

Dessa forma, os movimentos que combatem a injustiça ambiental alcançam


diversas dimensões e atores sociais, ao atrelar ao debate da questão ambiental a
desigualdade social, pois discutem processos produtivos, território, usos dos recursos
naturais e, inclusive, as relações de trabalho.
As lutas por justiça ambiental, tal como caracterizadas no caso brasileiro, têm
combinado assim: a defesa dos direitos a ambientes culturalmente
específicos – de comunidades tradicionais situadas na fronteira de expansão
das atividades capitalistas e de mercado -; a defesa dos direitos a uma
proteção ambiental equânime contra a segregação sócio-territorial e a
desigualdade ambiental promovidas pelo mercado e sancionadas pelo
Estado; a defesa dos direitos de acesso equânimes aos recursos ambientais,
contra a concentração de terras férteis, das águas e do solo seguro nas mãos
dos interesses econômicos fortes no mercado. Cabe ressaltar igualmente,
que, ao lutar pelo respeito à função social da terra, das águas, da atmosfera
e dos sistemas vivos, estes sujeitos não deixam de buscar assegurar
igualmente – por formas concretas e socialmente definidas, alheia às
retóricas genéricas como aquelas presentes no relatório Brudtland – a defesa
dos direitos das populações futuras. (ACSELRAD, 2012, p. 48)

“[...] Não há ambiente sem sujeito – ou seja, ele tem distintas significações e
lógicas de uso conforme os padrões das distintas sociedades e culturas” (ACSELRAD,
2010, p. 108-109). Os movimentos que pugnam por justiça ambiental, diferentemente
daqueles chamados de consensualistas, não estabelecem uma relação de
contrariedade entre “natureza” e “humanidade”. Esses movimentos foram capazes -
exatamente por não dissociar o ambiente e seus recursos naturais dos sujeitos - de
perceber que certas práticas degradam mais os recursos naturais, de forma a
incompatibilizar a convivência entre empreendimentos poluentes e grupos sociais que
têm sua qualidade de vida afetada por danos ambientais, e que essas práticas tendem
a se localizar nas proximidades de grupos sociais mais pobres, não-brancos e com
menor capacidade de interferir nos processos de tomada de decisão.
A partir do entendimento que há diversas interações e significações do meio
ambiente e de seus recursos, de acordo com os modos de vida de grupos sociais
diversos, torna-se possível a percepção de que certas práticas contêm “externalidades
negativas” que impactam comunidades mais vulneráveis e que a busca por práticas
de fato sustentáveis – no sentido de possíveis de se manter no decorrer do tempo,
sem o esgotamento dos recursos naturais – deve considerar a capacidade de escolha,
não apenas da localização de certas atividades, mas de sua viabilidade e
necessidade. A essa capacidade de escolha, certos movimentos têm chamado de
72

soberania popular, conforme se lê na apresentação do Movimento pela Soberania


Popular na Mineração, em sua página na internet: “Somente com a organização
popular podemos construir, paulatinamente, a proposta de um novo modelo de
utilização dos bens minerais, na forma de propriedade social e em benefício de todo
o povo brasileiro, que represente a soberania popular e nacional sobre todos os bens
minerais”7.

A noção de justiça ambiental promove uma articulação discursiva distinta


daquela prevalecente no debate ambiental corrente – entre meio ambiente e
escassez. Neste último, o meio ambiente tende a ser visto como uno,
homogêneo e quantitativamente limitado. A ideia de justiça, ao contrário,
remete a uma distribuição equânime de partes e a diferenciação qualitativa
do meio ambiente. Nesta perspectiva, a interatividade e o inter-
relacionamento entre os diferentes elementos do ambiente não querem dizer
indivisão. A denúncia da desigualdade ambiental sugere uma distribuição
desigual das partes de um meio ambiente de diferentes qualidades e
injustamente dividido. (ACSELRAD, 2002, p. 9 - 10)

3.4 Racismo Ambiental

A partir dos anos de 1980, nos Estados Unidos, surgem movimentos, que
Bullard (1993) chama de “grassroots environmental justice movement”, remetendo a
grupos de base comunitária (como um movimento de bairro, por exemplo), que
começaram a pautar discussões acerca da desigualdade ambiental. Esses grupos
inauguraram a discussão ambiental atrelada a questão da desigualdade, após
constatarem que os projetos ambientalmente nocivos - como um aterro sanitário - em
sua maioria se localizavam em bairros habitados por populações majoritariamente
negras, ou de outras minorias étnicas, como latinos, asiáticos e populações nativas
americanas remanescentes.
A constituição de um movimento afirmou-se a partir da experiência concreta
de luta inaugurada em Afton, no condado de Warren, na Carolina do Norte,
em 1982. Ao tomarem conhecimento da iminente contaminação da rede de
abastecimento de água da cidade caso nela fosse instalado um depósito de
policlorinato de bifenil, os habitantes do condado organizaram protestos
maciços, deitando-se diante dos caminhões que para lá traziam a perigosa
carga. Com a percepção de que o critério racial estava fortemente presente
na escolha de localização do depósito daquela carga tóxica, a luta
radicalizou-se, resultando na prisão de 500 pessoas. A população de Afton
era composta de 84% de negros; o condado de Warren, de 64% e o estado
da Carolina do Norte, de 24%. Face tais evidências estreitaram-se as
convergências entre movimento dos direitos civis e dos direitos ambientais.
(ACSELRAD, 2000, p. 2)

7
Disponível em: <http://mamnacional.org.br/mam/quem-somos/>. Acesso em 18 jun 2018.
73

Em sua pesquisa Bullard (1993) apresenta diversos dados que corroboram a


afirmação de que as escolhas de localização de atividades poluentes coincidem com
a moradia de populações negras e minorias étnicas e analisa esses dados a partir da
percepção dos Estados Unidos enquanto uma nação que historicamente subjugou a
população negra.
Para Blauner, não-brancos são submetidas a cinco principais processos de
colonização: eles entram na sociedade e economia “hospedeira”
involuntariamente; sua cultura nativa é destruída; as burocracias dominadas
pelos brancos impõem restrições das quais pessoas brancas estão isentas;
o grupo dominante utiliza o racismo institucional como justificativa para suas
ações; um mercado de trabalho duplo ou “dividido” emerge baseado em etnia
e raça. Tal dominação é também apoiada por instituições de Estado.
(BULLARD, 1993, p. 16, tradução nossa)

Esses movimentos, estudados por Bullard (1993), apontam que as escolhas


de localização de projetos que causam passivos ambientais são, também,
influenciados e subsidiados por políticas de governo, passando por todas as esferas
federativas. O mercado tende a escolher as áreas com terras disponíveis a baixo
custo, que coincidem com as áreas habitadas por minorias étnicas, assim como a
ausência de políticas públicas que impeçam que vigore a lógica do mercado de
localização (ACSELRAD, 2000). Portanto, há uma convergência entre as ações
governamentais e empresariais que configuram os espaços das minorias enquanto
espaços poluídos.
Em um estudo realizado por um escritório de advocacia em 1984, na
Califórnia, verificou-se que o lugar ideal para as escolhas de localização de
instalações poluentes não tinha nada a ver com solidez ambiental e tudo a ver com
ausência de poder social, razão pela qual constatou-se que as comunidades negras
ou de minorias étnicas se adequavam melhor a esse perfil. Assim como o perfil das
comissões de zoneamento e planejamento – instâncias que têm enquanto uma de
suas atribuições as decisões de localização - eram formadas, durante o estudo, por
pessoas brancas, em divergência às populações atingidas pela poluição ambiental
urbana (BULLARD, 1993).
Assim, um movimento contra a desigualdade ambiental, que nasce de
movimentos de base – principalmente do movimento negro nos Estados Unidos – não
é capaz de dissociar as escolhas locacionais dos empreendimentos poluentes das
outras formas de injustiça social e das desigualdades raciais. A instalação de
atividades ambientalmente degradantes em certa localidade se dá não apenas por
74

critérios de renda, como foi verificado por esses movimentos de base, mas pela
incapacidade dessas comunidades não brancas e pobres de influenciar decisões
políticas, pela dificuldade de pressionar os tomadores de decisão, pela falta de
mobilidade espacial e, pela disponibilidade de terras baratas nessas áreas. Portanto,
pela ausência de poder social das minorias étnicas, causado por racismo estrutural e
institucional nos Estados Unidos.
O fator raça revelou-se mais fortemente correlacionado com a distribuição
locacional dos rejeitos perigosos do que o próprio fator baixa renda. Portanto,
embora os fatores raça e classe de renda tenham se mostrado fortemente
interligados, a raça revelou-se um indicador mais potente da coincidência
entre os locais onde as pessoas vivem e aqueles onde os resíduos tóxicos
são depositados. (ACSELRAD, 2002, p. 7)

Exatamente por não ser possível desatrelar as escolhas de localização de


atividades poluentes de outras formas de desigualdade, os grupos estudados por
Bullard (1993), utilizaram diversas estratégias de luta oriundas do movimento por
direitos civis para a população negra, como protestos públicos, petições, lobbying,
apresentação de relatórios de dados, audiências e debates públicos.
O estudo demonstra, ainda, que os movimentos de base contra o racismo
ambiental surgiram por iniciativa das próprias comunidades, mesmo que
posteriormente haja, em alguns casos, apoio do movimento ambiental “mainstream” –
que Bullard aponta como um suporte significante para que as demandas sejam bem-
sucedidas, assim como a inclusão da discussão sobre a desigualdade ambiental na
agenda do movimento “mainstream” democratiza e diversifica sua atuação.
A cooperação entre as duas principais alas do movimento ambiental é ao
mesmo tempo possível e benéfica. Muitos ativistas ambientais não-brancos
agora estão recebendo apoio de organizações tradicionais na forma de
conselhos técnicos, testemunho de especialistas, assistência financeira
direta, captação de recursos, pesquisa e assistência legal. Em troca, um
número crescente de não-brancos está ajudando as organizações
tradicionais a redefinir suas agendas ambientais limitadas e expandir seu
alcance, servindo em conselhos, equipes e conselhos consultivos. Ativistas
de base têm sido, assim, os ativistas mais influentes em colocar as questões
de equidade e justiça social na grande agenda ambiental e democratizar e
diversificar o movimento como um todo. Tais mudanças são necessárias para
que o movimento ambiental possa ajudar a sociedade a resolver afetivamente
disputas ambientais urgentes. Ambientalistas e ativistas de direitos civis de
todos os tipos devem aceitar o crescente movimento de afro-americanos,
latinos, asiáticos, ilhéus do Pacífico e nativos americanos que estão lutando
pela justiça ambiental. (BULLARD, 1993, p. 39, tradução nossa)

Os movimentos de base utilizaram, também, como estratégia contra a


instalação de atividades poluentes em suas vizinhanças a produção de estudos
75

multidisciplinares que demonstravam a desigualdade ambiental no país, a partir de


então passou-se a utilizar a expressão “Racismo Ambiental”, cunhada pelo reverendo
Benjamin Chavis.
Momento crucial dessa experiência foi a pesquisa mandada realizar em 1987
pela Comissão de Justiça Racial da United Church of Christ, que mostrou que
“a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a
existência ou inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem
comercial em uma área”. (ACSELRAD, 2000, p. 3)

O movimento que denuncia o racismo ambiental nos Estados Unidos discute o


modelo de desenvolvimento que produz essa desigualdade ambiental, de forma que
tem como ideal a “poluição para ninguém”. Em razão disso, o movimento iniciado nos
Estados Unidos, teve capacidade de se expandir internacionalmente, por rechaçar a
alternativa de migração das atividades poluentes para países menos industrializados,
portanto, com menor capacidade de resistência às escolhas de localização. Assim
como, tem como pauta a “transição justa”, pela qual não se deve lutar contra a
poluição de modo que se destrua os empregos de trabalhadores de indústrias
poluentes. A conexão global de uma rede possibilita que as atividades altamente
poluidoras não simplesmente se reestruturem em localidades em que haja menor
poder social ainda. (ACSELRAD, 2000)
Na experiência dos Estados Unidos, o Movimento de Justiça Ambiental surgiu
a partir de meados dos anos 1980, denunciando a lógica socioterritorial, que
torna desiguais as condições sociais de exercício dos direitos. Ao contrário
da lógica dita “Nimby” – “not in my backyard” [“não no meu quintal”], os atores
que começam a se unificar nesse movimento propugnam a politização da
questão do racismo e da desigualdade ambientais, denunciando a lógica que
acreditam vigorar “sempre no quintal dos pobres” (Bullard, 2002).
(ACSELRAD, 2010, p. 111)

3.5 Conflito ambiental

A partir da percepção da desigualdade ambiental, a formação de movimentos


que pugnam por justiça ambiental conforma conflitos socioambientais 8. Esses
conflitos, ainda que tenham como atores grupos que não se identificam como
movimento por justiça ambiental, ressaltam a incompatibilidade de certas práticas que

8
Partindo do pressuposto de que não há ambiente sem sujeito, poderia se denominar os conflitos
formados em torno da questão ambiental de “conflitos ambientais” apenas. Entretanto, optou-se pela
utilização da expressão “conflitos socioambientais” para facilitar a compreensão da indissociabilidade
da questão ambiental e social.
76

impactam o meio ambiente com outras práticas que representam os modos de vida
de certo grupo social.
Tudo sugere que se trata do modo como se organizam as condições materiais
e espaciais de produção e reprodução da sociedade – mais especificamente,
como redistribuem-se no espaço distintas formas sociais de apropriação dos
recursos ambientais, e como, nessa distribuição, a permanência no tempo de
uma atividade, caracterizada por certas práticas espaciais, é afetada pela
operação de outras práticas espaciais. Ou seja, como para a expansão da
monocultura do eucalipto, perdem os quilombolas suas terras e fontes de
água; como, para a expansão da soja transgênica, são inviabilizadas as
atividades dos pequenos agricultores orgânicos; como, por causa da
produção de energia barata para as multinacionais do alumínio, perdem os
pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar; como para
a produção de petroquímicos, perdem os trabalhadores sua saúde pela
contaminação por poluentes orgânicos persistentes. (ACSELRAD, 2010, p.
111)

Portanto, os conflitos socioambientais não se dão pelas disputas relacionadas


às escolhas técnicas, no sentido de racionalidade ecológica ou de consciência
ambiental, mas ocorrem pelas diferentes lógicas de apropriação e uso dos recursos
naturais pelos diferentes interesses expressados em diferentes grupos sociais. Esses
conflitos emergem pela apropriação e uso dos recursos naturais com intenção de lucro
pelas empresas – frequentemente com apoio político institucional – em prejuízo da
saúde e sobrevivência (incluindo a sobrevivência de seus modos de vida) de
comunidades do seu entorno. Assim, na esfera pública as disputas em torno dos
recursos naturais, por meio da percepção dos atores envolvidos, ganham a
denominação de conflitos ambientais ou conflitos socioambientais.
Há um processo conflituoso em meio ao qual certas questões, antes
entendidas com base em categorias “econômicas”, “sociais” ou “políticas”,
ganham novo significado em arenas públicas. Assim se constrói uma
percepção social de algumas dimensões da experiência coletiva como
“ambientais”. (ALONSO e COSTA, 2002, p. 124)

Alonso e Costa (2002) ressaltam que um processo conflituoso supõe a


interação de diversos grupos de agentes. Essa interação conflituosa se dá pela
disputa em torno de bens e recursos e pode gerar e impor certas definições da
realidade, o que nos remete a análise feita por Acserald (2002) – mencionada no item
3.3 – acerca dos momentos objetivistas e subjetivistas que compõem a análise da
formação de movimentos sociais que disputam de acordo com certos interesses.
Isto é, os conflitos se estruturam simultaneamente em torno de interesses e
de valores. O próprio processo conflituoso constitui agentes, possibilitando a
formação de novas identidades, inexistentes quando do início do processo.
Chegamos ao fulcro desse modelo de análise: o fator crucial é o tempo. Os
conflitos têm história; não é possível compreendê-los considerando apenas a
77

configuração presente da ação coletiva. A produção de alianças, adesão a


valores, criação\redefinição de identidades, não é estática; é processual.
(ALONSO e COSTA, 2002, p. 126)

Lopes (2006) ressalta que a internalização de discursos ambientais que


legitimam os conflitos – ao que se tem chamado de ambientalização – passa pela
incorporação de pautas ambientais em diversas instâncias onde as disputas – por
meio de ações diretas ou discursivas - ocorrem, como: no sistema de justiça, por meio
do crescimento do direito ambiental, assim como do envolvimento do Ministério
Público em conflitos socioambientais; nas escolas, através de programas de educação
ambiental; nas empresas, que possuem cargos voltados ao gerenciamento de
questões ambientais, assim como pela criação e necessidade de aquisição de selos
ambientais; em espaços organizados pela sociedade civil (como associações de
moradores, sindicatos, etc.), quando as questões ambientais aparecem atreladas a
outras questões.
De acordo com a percepção de que em certos espaços se localizam as
atividades mais poluentes, a Amazônia se insere enquanto território propício ao
surgimento de conflitos socioambientais, na medida em que se trata de uma região
periférica nas dinâmicas nacionais, assim como está localizada em uma país também
periférico na Divisão Internacional do Trabalho. Trindade Jr. (2013) ao analisar as
cidades amazônicas aponta para essa propensão ao conflito:
Dada a sua natureza de espaço socialmente produzido (LEFÈBVRE, 1974),
sua dinâmica permite reconhecê-la dentro do território brasileiro em uma
perspectiva de expansão da fronteira que não se limita à dimensão
econômica. É nesse sentido que essa fronteira assume também uma
dimensão sociocultural, como bem sugere Martins (1997), ao considera-la
como espaço do conflito social, sendo por isso, essencialmente, o lugar da
alteridade e da diferença. À primeira vista, sustenta esse mesmo autor, ela é
o lugar do encontro de sujeitos sociais que são diferentes entre si por razões
distintas, mas ela é por excelência, o espaço do conflito, da alteridade,
tornando-a, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e também do
desencontro.
Enquanto região, a produção social do seu espaço não reflete uma suposta
linearidade histórica, não obstante a forte presença de projetos hegemônicos
exógenos que marcam sua dinâmica interna. Os conflitos decorrentes de
diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um dos grupos
humanos que aí se fazem presentes, conforme sustenta Martins (1997),
pressupõe, em vez de uma linearidade história, o desencontro de
temporalidades, pois cada um desses grupos está situado diversamente, e
não linearmente, no tempo da história. (TRINDADE JÚNIOR, 2013, p. 8 - 9)

O movimento por justiça ambiental constata – a partir da percepção da própria


vulnerabilidade – que é necessária a formação de uma rede internacional contra a
78

desigualdade ambiental, a fim de que se combata de fato a degradação ambiental. “A


prática de atacar as comunidades pobres de minorias étnicas no Terceiro Mundo para
a eliminação de resíduos e a introdução de tecnologias de risco dos países
industrializados são formas de ‘colonialismo tóxico’" (BULLARD, 1993, p. 19).

3.6 O naufrágio do navio Haidar no porto de Vila do Conde – Barcarena/PA

A cidade de Barcarena, por sediar diversas indústrias, além de empresas


atraídas pelas indústrias e infraestrutura de suporte, apresenta as características do
que chamamos de zonas de sacrifício – concentrando, assim, empreendimentos
efetiva ou potencialmente poluidores, que aglutinam uma sobrecarga de danos
ambientais sobre o mesmo território. Os diversos empreendimentos provocaram, ao
longo dos anos que se localizam em Barcarena, diversos casos de danos ambientais
comprovados por instituições fiscalizadoras, após a denúncia da população local
impactada. Durante a pesquisa de campo realizada para esta dissertação, assim
como nas visitas ao Ministério Público, verificou-se a relação conflituosa entre os
moradores da cidade e as empresas lá localizadas, que se potencializam pela
ocorrência de casos danosos de grandes proporções.
O caso do naufrágio do navio Haidar foi o que me levou a Barcarena desde o
princípio, mas se tornou impossível ignorar os demais casos relatados, principalmente
após o caso de vazamento de rejeitos da empresa Hydro Alunorte enquanto estava
lá, em fevereiro de 2018. Nesse item discute-se somente o naufrágio no porto de Vila
do Conde, ainda que adiante se demonstre a dificuldade de dissociar os eventos
danosos, que acumulam impactos sobre a população local.

3.6.1 O Naufrágio9
Em outubro de 2015, no píer 300 do porto de Vila do Conde, o navio de bandeira
libanesa Haidar Beirut, atracou para embarcar a carga de cinco mil bois vivos, noventa
toneladas de fardo de feno e cinquenta toneladas de fardo de arroz (para alimentação
dos bois durante a viagem), que seriam exportados para Venezuela. O embarque da

9
Os fatos narrados neste item têm fontes diversas, mas, em sua maioria, foram retirados das
alegações constantes em documentos oficias na Ação Civil Pública impetrada em decorrência do
naufrágio e de notícias da imprensa.
79

carga se iniciou por volta das 16 horas do dia 03 de outubro. Na madrugada do dia 6
de outubro, a embarcação começou a sofrer adernamento 10, inclinando-se em direção
ao porto, de forma que o comandante interrompeu o embarque por volta das 6 horas
e 30 minutos do mesmo dia, quando já haviam sido embarcados cerca de quatro mil
e novecentos bois.
Adernamento do Navio

Fonte: Assessoria de Comunicação da Polícia Civil/PA – Foto de Walrimar Santos

Cerca de 30 animais foram resgatados com vida; aproximadamente 200


conseguiram sair vivos da embarcação - sendo muitos destes abatidos pela
população; a expressiva maioria dos bois morreu por afogamento, alguns
permaneceram flutuando no rio, no raio da barreira de contenção de óleo instalada no
local – que posteriormente se rompeu e provocou o alastramento das carcaças; e
outros animais (por volta de 3.900) ficaram presos no interior da embarcação
naufragada, que permanece no local, até a finalização desta dissertação.

10
Segundo definição do Dicionário Aurélio de Português Online, adernar significa: “Inclinar-se (o navio)
até a borda chegar à água”. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/adernar>. Acesso em 27
maio 2018.
80

Carcaças dentro do navio

Fonte: Petição Inicial – Ação Civil Pública

Carcarças na barreira de contenção

Fonte: Petição Inicial – Ação Civil Pública


81

Órgãos ambientais do Município, Estado e União foram comunicados no dia do


naufrágio, de forma que foram emitidos relatórios preliminares que já apontavam a
falta de esforço para resgate dos animais e a necessidade de elaboração urgente de
plano de contingência, devido o prazo máximo de 48 horas para deterioração da
carga, de acordo com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade
(SEMAS) e a Delegacia Especializada em Meio Ambiente da Polícia Civil (DEMA/PC).
As empresas Minerva (exportadora da carga), CDP (administradora do porto),
Global (agente marítimo) e Norte Trading (operadora portuária) foram notificadas
pelos órgãos ambientais mencionados, assim como pelo IBAMA, para apresentarem
plano de emergência, licença de operação e relatório do sinistro, além de outros
documentos relacionados, no prazo de cinco dias, a contar do dia do naufrágio.
Corpo de Bombeiros, Capitania dos Portos, Polícia Militar, Guarda Portuária,
Grupamento Marítimo Fluvial e Secretaria Municipal de Meio Ambiente procederam o
isolamento da área, tanto terrestre, quanto no rio, além de monitorarem a extensão do
derramamento de óleo no rio Pará.
No dia 07 de outubro de 2015 foi emitido outro relatório de fiscalização pela
Secretaria Estadual de Meio Ambiente, no qual tomou-se administrativamente as
seguintes medidas:
 Embargo do porto de Vila do Conde para as atividades de movimentação
de carga viva;
 Notificação das empresas demandadas para, no prazo de 24 horas,
iniciar a retirada adequada dos animais e combustível do local do naufrágio;
 Lavratura dos autos de infração: 3247/2015 (em face da Minerva, por
lançamento irregular de resíduos líquidos), 3248/2015 (em face da Minerva, por
causar poluição de qualquer natureza), 3249/2015 (em face da CDP, por causar
poluição de qualquer natureza), 3250/2015 (em face da CDP, por lançamento irregular
de resíduos líquidos), 7001/07914 (em face da Global, por causar poluição de
qualquer natureza) e 7001/07915 (em face da Global, por lançamento irregular de
resíduos líquidos).
Ainda no dia 07, a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará
(ADEPARÁ) fiscalizou açougues e mercados locais em Barcarena, resultando na
apreensão de 239,94 quilos de carne sem procedência – com suspeita que de fossem
dos bois abatidos.
82

No dia 08 foi proposto plano para destinação das carcaças que flutuavam no
rio, que no mesmo dia foi rechaçado – mesmo estando de acordo com legislação
ambiental11 e com recomendação constante no Relatório do Ministério do Meio
Ambiente - por não haver possibilidade de refrigeração temporária das carcaças pela
CDP, e por não haver forno capaz de realizar a incineração de bois inteiros. Portanto,
a proposta foi considerada inviável. No dia 09, ainda não tendo sido tomadas
providências para retirada das carcaças dos rios, nova vistoria foi realizada pela
Diretoria de Recursos Hídricos da SEMAS, a fim de averiguar a presença de rejeitos
do naufrágio no porto e no seu entorno.
Na madrugada do dia 12 a barreira de contenção - que não tem a finalidade de
contenção de grandes volumes, como o peso das carcaças dos bois, segundo alegado
pelo na petição inicial da Ação Civil Pública - se rompeu, de forma que se alastraram
pelo rio e para as praias, os bois, o óleo e o feno. A empresa de limpeza contratada
pela CDP contou 315 cadáveres dos bois nas praias, indício de que algumas carcaças
estavam saindo do navio, já que a contagem inicial era de 200 bois flutuando.
Óleo na areia da praia de Vila do Conde

Fonte: Petição Inicial – Ação Civil Pública

11
Assim dispõe o artigo 11 da Resolução CONAMA nº 5: “Art. 11. Dentre as alternativas passíveis de
serem utilizadas no tratamento dos resíduos sólidos, pertencentes ao grupo ‘A’, ressalvadas as
condições particulares de emprego e operação de cada tecnologia, bem como considerando-se o atual
estágio de desenvolvimento tecnológico, recomenda-se a esterilização a vapor ou a incineração”.
83

Óleo nas rochas da praia de Vila do Conde

Fonte: Petição Inicial – Ação Civil Pública

Carcaças na praia de Vila do Conde

Fonte: Petição Inicial – Ação Civil Pública


84

Carcaças na praia de Vila do Conde

Fonte: Petição Inicial – Ação Civil Pública

Decomposição dos bois na praia de Vila do Conde

Fonte: site G1 Pará – Foto de Fabio Jose Lucena Costa


85

Secretaria de Assistência Social do Município de Barcarena enviou solicitação


de recomendações ao MPF, informando que:
 Os pescadores relataram que tiveram seus materiais de pesca (redes e
matapis) destruídos por causa do óleo que adentrou os rios e igarapés, bem como
apresentaram alergias devido contato com água na tentativa de recuperar os materiais
de pesca, dores de cabeça e tonturas em função do forte cheiro de óleo.
 De acordo com relatos dos pescadores, as águas dos rios também são
utilizadas para higiene pessoal e de utensílios domésticos e até mesmo para consumo
(ingestão), sendo que após o naufrágio essas famílias deixaram de utilizar a água,
ficando sem alternativas de sobrevivência.
 Ressaltou-se que a praia se encontrava interditada, logo, os atingidos
também foram os barraqueiros que sobrevivem do comércio na beira da praia.
Verificou-se que os barraqueiros tinham mercadorias (refrigerantes, bebidas, água
mineral e alimentos) para atender a demanda de turistas e clientes da praia, no
entanto devido à interdição da praia, estavam preocupados como iriam pagar as
mercadorias, uma vez que relataram que compravam as mercadorias para pagamento
em parcelas.
 No que se refere aos ribeirinhos, estes possuem relação direta com os
rios e igarapés, utilizando o rio como meio de sobrevivência, tanto para o consumo de
peixes e camarões, como para o consumo de água para utilização de higiene pessoal
e doméstica, além do lazer e recreação.
 A população em geral residente da Vila do Conde procurou o Centro de
Referência de Assistência Social, solicitando visita domiciliar, relatando os prejuízos,
como por exemplo vendedores ambulantes das praias residentes na comunidade e
que vendem produtos alimentícios na praia, pois como não havia
frequentadores/consumidores, logo, não haveria vendas.
Diante da situação de urgência e da ausência de tomada de medidas pela CPD,
a SEMAS passou a realizar ações orientadoras e a acompanhar os atos a serem
executados. Dessa forma, recomendou que a retirada dos cadáveres bovinos,
preferencialmente, por fundas ou redes não vazadas; que se realizasse o transporte
dos cadáveres bovinos em veículos estanques e lonados, ou que tivessem condições
técnicas semelhantes, evitando o risco de vazamento de resíduos diretamente no
solo, observando a melhor forma de acesso à área, sob os pontos de vista social e
86

ambiental; que se observasse que os níveis inferiores das covas deveriam manter
distância segura do mais alto nível do lençol freático; que verificasse se há algum
estudo realizado, referente ao lençol freático da área em questão, o que, em caso
positivo, deveria ser considerado, ainda que minimamente, tendo em vista a demanda
e a urgência que caso requeria; e, em caso negativo, deveria ser feito o referido
estudo, apresentando o relatório respectivo, no prazo máximo de 05 (cinco) dias, a
contar da data da notificação.
Foi recomendado, ainda, a impermeabilização das covas com material que
garantisse o confinamento do percolado (chorume), capaz de resistir à pressão a ser
exercida pelo peso dos animais, somado ao peso do solo a ser utilizado no
aterramento, encaminhando, diariamente, os relatórios das atividades realizadas, bem
como, na maior brevidade possível, apresentar, background e, posteriormente, o
plano de monitoramento do solo e lençol da área a ser utilizada.
Em 13 de outubro a população local realizou manifestação, através de
obstrução das vias do porto, se posicionando pela destinação dos cadáveres bovinos
dentro da área do porto, após ter sido cogitado que os bois fossem enterrados em
área habitada por uma comunidade tradicional, chamada de Pedral.
Nos dias seguintes houve discordância de posicionamento técnico acerca da
impermeabilização das covas que receberiam os bois entre SEMAS e IBAMA. O que
resultou em reunião para alinhamento dos posicionamentos, de forma que se
autorizou o uso das primeiras cavas, que foram instaladas sob condições precárias,
justificada pelo estado avançado de decomposição dos bois em terreno da CDP.
No dia 16 de outubro se iniciou a retirada o óleo que estava contido pela barreira
de proteção. No dia 18, a empresa Mamoet (contratada pela seguradora do navio) deu
início à retirada do óleo que se encontrava no interior da embarcação e das carcaças
bovinas que se espalharam, através de subcontratações que: lançaram novas
barreiras e recolheram o óleo contido na área entre o porto e as barreiras de
contenção; realizaram de serviços no casco do navio, através de mergulhadores;
contrataram balsa para armazenamento do óleo recolhido; e retiram os bois das
praias, realizaram abertura de cava, colocação dos restos de bois e fechamento das
trincheiras.
O trabalho de retirada do óleo só foi finalizado no final de novembro de 2015.
A destinação das carcaças de bois que chegam a costa foi realizada de forma
precária, conforme alegado pelo MPF na Ação Civil Pública (enterro em local
87

protegido com manta impermeabilizante), conforme definido na reunião entre SEMAS


e IBAMA.
Foi iniciada Ação Civil Pública, em dezembro de 2015, a fim de verificar os
responsáveis pelo incidente danoso, indenizar as pessoas impactadas e recuperar a
qualidade do meio ambiente. Este processo judicial se encerrou pela formalização de
acordo entre os autores da ação e algumas das empresas processadas em fevereiro
de 2018, entretanto, o navio com as carcaças bovinas permanecem até os dias de
hoje (junho de 2018) no fundo do rio Pará.

3.6.2 A Ação Civil Pública


Após os inúmeros procedimentos administrativos tomados em decorrência do
naufrágio, na tentativa, pouco eficaz – já que o navio e a maioria das carcaças bovinas
continuam no fundo do rio Pará –, de conter os danos sociais e ambientais, foram
iniciados alguns processos judiciais, dentre eles, a Ação Civil Pública de número
35481-71.2015.4.01.3900, sobre a qual se apresenta aqui o decurso e os resultados.
A escolha de análise desse processo, em específico, se deu em razão do processo
civil ser aquele que busca a reparação dos danos causados e não apenas a
averiguação e punição de responsáveis, de forma que aproxima (ou deveria
aproximar) os atingidos do litígio na esfera judiciária. Ressalta-se que o processo é
aqui apresentado de forma resumida – já que se trata de processo com 3.526 páginas
até a última consulta, após o acordo - e sem se aprofundar em pormenores jurídicos,
que não tenham influenciado o desfecho da ação.
Depois do início do processo pela apresentação da petição inicial - e dos
documentos comprobatórios que a acompanharam -, o seguimento desta ação não se
deu conforme a ordem sequencial prevista nas leis processuais, em razão da
pluralidade de partes e da complexidade técnica do objeto da ação, por isso optou-se
por não apresentar o seu conteúdo na ordem cronológica dos acontecimentos.

3.6.2.1 Petição Inicial - Alegações dos autores da Ação


- Responsabilidade passiva solidária:
A Ação Civil Pública busca atribuir a responsabilidade civil, neste caso
ambiental, aos causadores dos danos ambientais, a fim de que haja restauração da
qualidade ambiental anterior aos danos e reparação às pessoas afetadas. A
responsabilização civil ambiental, pela legislação brasileira, não exige a delimitação
88

da proporção de danos causados por cada uma das partes envolvidas, de forma que
todos os réus poderiam responder pela reparação de forma integral nesta ação
judicial, ficando ressalvado o direito de regresso12 em face dos demais posteriormente.
É o que se chama de responsabilidade civil solidária.
Essa possibilidade se justifica pela necessidade de resposta rápida, no que se
refere a reparação de danos ambientais, pois os procedimentos de averiguação e de
delimitação de responsabilidade de cada agente envolvido podem ser complexos e
demorados. A demora para delimitação de responsabilidades pode significar a
irreversibilidade desses danos, tendo sido essa a argumentação utilizada pelos
autores na petição inicial. No processo do naufrágio, ainda que não tenha se
estabelecido a proporção de responsabilidade de cada um dos réus, a ação durou um
pouco mais de dois anos e só definiu indenizações, sem definir totalmente os
parâmetros de recuperação ambiental, já que o navio continua submerso no rio Pará,
aguardando a contratação de empresa especializada no serviço por meio de uma
licitação promovida pela CDP.
- Responsabilidade civil objetiva:
Os autores defenderam, ainda, a incidência da responsabilidade civil objetiva,
pela qual, atribui-se responsabilidade aos agentes praticantes da ação que causou o
dano, ainda que não se verifique a existência de culpa (imperícia, imprudência ou
negligência), dolo ou ilicitude. Portanto, para se configurar a responsabilidade de
determinado agente quanto a dano ambiental, basta que se comprove o nexo de
causalidade entre a atividade desenvolvida por esse agente e o dano ambiental, ou
seja, que se comprove que o dano foi causado pela atividade com risco inerente
exercida pelo agente, ainda que tenham sido respeitadas todas as normas de
segurança para evitar danos. Essa teoria se consagrou em razão da imprevisibilidade
das consequências das práticas de certas atividades.
Nesse sentido, respaldou-se na teoria do risco profissional, positivada no artigo
927, parágrafo único, do Código Civil, segundo a qual aqueles que se dediquem ao
exercício de atividade com habitualidade que, por sua natureza, implique risco a
outrem, devem responsabilizar-se, independentemente da culpa, pelos danos
causados. Esses argumentos foram reforçados por doutrina jurídica:

12
Direito daquele que respondeu pela condenação em sua totalidade de acionar os demais
responsáveis para cumprirem com as partes que lhes cabem da condenação, na proporção de sua
responsabilidade.
89

[...] a teoria da responsabilidade objetiva tem como base a socialização do


lucro e do dano, considerando que aquele que obtém o lucro e causa dano
com uma atividade, deve responder pelo risco ou pela desvantagem dela
resultante. [...] O instituto da solidariedade, previsto no artigo 942 do Código
Civil Brasileiro, aplica-se em relação ao dano ambiental. Assim, quando
vários agentes desempenham uma atividade e essa vem a causar dano
ambiental, não há necessidade de se apurar quem, individualmente, tenha
dado causa ao dano, podendo ser atribuída a responsabilização a todos os
agentes ou a qualquer deles individualmente, sem prejuízo de que aquele que
se sentir lesado proponha ação regressiva em face dos demais. (LEITE, 2010
apud BRASIL, 2015)

Ademais, ressaltou-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é de


que a responsabilidade civil ambiental pressupõe a necessidade de reparação integral
dos danos causados, de forma que a condenação possa estabelecer a cumulação de
obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar. Nesse sentido, caberia aos réus
nessa Ação Civil Pública a “obrigação de fazer” pela reparação dos danos ambientais
e a “obrigação de indenizar” aqueles que foram atingidos pelo incidente.
Defendeu-se, ainda, na petição inicial - a título de pedido alternativo, caso o
juízo não entendesse pela responsabilidade civil objetiva - que permaneceria a
responsabilização dos réus, havendo culpa pela negligência – demora em manejar
um plano de contingência ou gestão de risco. Alegou-se, ainda, culpa por imperícia,
posto que as empresas permitiram o adernamento do navio na margem do rio,
havendo vídeos que demonstram que as amarras estavam muito tensionadas, de
forma que seria possível tê-la flexibilizado para evitar a inclinação total e naufrágio.
- Documentos comprobatórios anexados a petição inicial:
Dentre os documentos juntados na petição inicial que subsidiaram as
alegações dos autores no processo, contavam laudos do Instituto Evandro Chagas e
da Defesa Civil, além dos depoimentos de pessoas que estavam no local no porto no
momento do naufrágio recolhidos pela polícia civil e pela Capitania dos Portos, em
inquéritos.
Foi verificado, no relatório do IEC, valor abaixo do estabelecido para variável
de Oxigênio Dissolvido e acima do valor máximo permitido para Demanda Bioquímica
de Oxigênio que podem estar relacionadas com o processo de decomposição dos bois
no fundo do rio, podendo causar a mortandade dos peixes. Concluiu-se que houve um
aumento de 50% da riqueza de espécies fitoplactônicas, em razão de incremento de
nutrientes devido a decomposição da carga que favoreceu o crescimento da
população algal. Ademais, constatou-se que houve um aumento de uma espécie
(Aulacoseira granulata), a diminuição de aproximadamente 13% da riqueza das
90

espécies da comunidade zooplanctônica e aumento considerável do filo Rotifera, que


são característicos de ambientes em processo de alterações ambientais e possuem
características oportunistas.
Verificou-se, também, através dos laudos, elevada concentração de coliformes
termotolerantes, que influencia diretamente na qualidade microbiológica das águas do
rio Pará, sendo informação de extrema relevância, já que a população ribeirinha
consome essas águas superficiais. Ao final, sobre a poluição hídrica, o relatório do
IEC recomenda que se evite a utilização das águas do rio Pará, mesmo que para
contato primário (banho, recreação, etc.) devido ao risco de exposição a diversas
doenças.
Apresentou-se o relatório da Vigilância Sanitária, o qual declara que foram
feitos, entre 06 de outubro de 2015 e 15 de outubro de 2015, 113 atendimentos de
saúde nos quais os pacientes alegaram, principalmente, os seguintes sintomas:
vômito, epigastralgia, diarreia, dispneia e cefaleia. Tais sintomas estariam
relacionados com os fortes odores provocados pela putrefação dos bois mortos no
naufrágio.
- Danos não suscetíveis de reparação:
Alegou-se que há danos que não seriam suscetíveis de reparação, para os
quais a natureza levaria mais tempo para se recuperar, afetando o direito
intergeracional. Para compensação desses danos, foi pedido o valor correspondente
a 10% do orçamento previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias de Barcarena no ano
de 2015, a ser destinado a diversas políticas de gestão ambiental, como implantação
de serviço de monitoramento ambiental, capacitação de servidores públicos, criação
de fóruns para debate de questões ambientais, dentre outros.
- Retirada do óleo da embarcação e das carcaças bovinas:
Quanto às carcaças e à embarcação, alegou-se que a demora em retirar os
bois do navio se deu pelo interesse econômico de retirada da embarcação por
completo a fim de manter o valor econômico da mesma. Reforçou-se que as rés não
tomaram nenhuma providência de retirada do navio e das carcaças do fundo do rio,
mesmo tendo sido instadas em juízo criminal. As carcaças são consideradas resíduos
91

sólidos de classe “A”13, devendo a destinação seguir o que está positivado em


legislação específica (Resolução CONAMA 358/2005 e outras).
Alegou-se que a demora na tomada de medidas agrava os danos ambientais.
Ademais, os autores alegam que a lentidão para retirada das carcaças do navio se
tratou de uma medida tomada deliberadamente pela empresa Mammoet Salvage
Americas Inc., contratada para realizar a salvatagem, pois após a decomposição da
carne dos bois a operação se tornaria mais barata e mais fácil, já que seriam retirados
apenas os ossos bovinos. Essa decisão teria sido tomada unilateralmente e sem
comunicação aos órgãos ambientais.

3.6.2.2 Diagnóstico Socioeconômico elaborado pela Secretaria Municipal de


Assistência Social do município de Barcarena
Secretaria Municipal de Assistência Social do Município de Barcarena elaborou
um diagnóstico socioeconômico das famílias consideradas atingidas pelo naufrágio
do navio Haidar. O diagnóstico foi justificado pela necessidade de assistência das
pessoas afetadas, em razão de “situação de vulnerabilidade social”, definida pela
Política Nacional de Assistência Social como: situações decorrentes da pobreza,
privação, ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,
intempérie ou calamidade, fragilização de vínculos afetivos e de pertencimento social
decorrentes de discriminações etárias, étnicas, de gênero, relacionadas a
sexualidade, deficiência, entre outros, a que estão expostas famílias ou indivíduos, e
que dificultam seu acesso aos seus direitos e exigem proteção social do estado.

13
De acordo com a Resolução CONAMA 5/1993: “Classe A: resíduos que apresentam risco potencial
a saúde pública e ao meio ambiente devido a presença de agentes biológicos”; “Art. 10. Os resíduos
sólidos pertencentes ao grupo ‘A’ não poderão ser dispostos no meio ambiente sem tratamento prévio
que assegure:
a) a eliminação das características de periculosidade do resíduo;
b) a preservação dos recursos naturais; e,
c) o atendimento aos padrões de qualidade ambiental e de saúde pública.
Parágrafo único. Aterros sanitários implantados e operados conforme normas técnicas vigentes
deverão ter previstos em seus licenciamentos ambientais sistemas específicos que possibilitem a
disposição de resíduos sólidos pertencentes ao grupo ‘A’.
Art. 11. Dentre as alternativas passíveis de serem utilizadas no tratamento dos resíduos sólidos,
pertencentes ao grupo ‘A’, ressalvadas as condições particulares de emprego e operação de cada
tecnologia, bem como considerando-se o atual estágio de desenvolvimento tecnológico, recomenda-se
a esterilização a vapor ou a incineração.
§ 1º Outros processos de tratamento poderão ser adotados, desde que obedecido o disposto no art. 10
desta Resolução e com prévia aprovação pelo órgão de meio ambiente e de saúde competentes.
§ 2º Após tratamento, os resíduos sólidos pertencentes ao grupo ‘A’ serão considerados ‘resíduos
comuns’ (grupo ‘D’), para fins de disposição final.
§ 3º Os resíduos sólidos pertencentes ao grupo ‘A’ não poderão ser reciclados.
92

Os resultados a partir dos dados recolhidos pela Secretaria de Assistência


Social foram, resumidamente:
 Foram entrevistadas 786 famílias, correspondendo aproximadamente a
2.913 pessoas (aproximadamente 33% dos afetados pelo naufrágio segundo a defesa
civil);
 79,4% dos entrevistados alegaram algum prejuízo com o naufrágio
(econômico, material ou de saúde);
 28,64% eram famílias ribeirinhas; 46,06% alegam alguma relação com a
pesca; 28,18% tem vínculo formal com atividade pesqueira;
 53,69% das famílias já recebiam algum atendimento da Secretaria de
Assistência Social;
 51,4% das famílias são inscritas no CADÚNICO;
 7% dos entrevistados não apresentou ou não possui nenhum documento
de identidade;
 82 famílias encontram-se em situação de pobreza extrema e 19
reportaram não ter renda alguma (sobrevivendo por meio de doações);
 346 famílias são beneficiárias de programas de transferência de renda;
314 recebem bolsa família; 37 recebem benefício de Prestação Continuada; 20 são
beneficiárias do programa municipal “bolsa cidadã”;
 Renda per capta dos entrevistados é de aproximadamente R$ 358,41
(trezentos e cinquenta e oito reais e quarenta e um centavos);
 66% dos entrevistados reportou renda igual ou superior a um salário
mínimo, entretanto, somente 11% puderam comprovar a renda, o que demonstra o
alto nível de informalidade das relações de trabalho;
 30,88% apresentam renda familiar per capta igual ou inferior a ¼ de
salário mínimo, desse total, 40,73% não são beneficiários de programas de
transferência de renda;
 37% são crianças e adolescentes e 7,5% são idosos;
 33,84% dos entrevistados são homens; e 65,90% são mulheres;
 51,68% das famílias possuem água encanada; 39,73% utilizam poços;
76,59% têm banheiro interno; 36,24% despejam esgoto a céu aberto; e 35,12%
utilizam ligações elétricas improvisadas;
93

 54,42% dos entrevistados relatam algum prejuízo econômico; 19,93%


relatam algum dano material; 61,77% relatam problema de saúde em decorrência do
naufrágio;
 98,5% dos entrevistados informou que deixaram de fazer uso da praia.

3.6.2.3 Alegações e estratégias de defesa dos réus


- Global Agência Marítima é a empresa que representa a armadora no local do
embarque, exercendo diversas tarefas, de modo a tornar possível o transporte. Em
sede de contestação, a ré afirma que não existiria nexo de causalidade entre suas
atividades e o naufrágio. Alega que as atribuições do agente marítimo não têm
ingerência sobre as condutas dos tripulantes e portuários a bordo, tampouco na
gestão náutica ou comercial, cabendo apenas auxiliar o navio enquanto estiver parado
no porto nas questões administrativas perante as autoridades portuárias.
- A ré Minerva S/A é a proprietária da carga, portanto se trata da empresa
exportadora. Na primeira audiência, realizada no dia 19 de abril de 2016, alegou não
ter responsabilidade solidária no caso.
Ademais, em sede de contestação, alegou ausência de responsabilidade, e que
o ordenamento jurídico não permite a responsabilização “ad infinitum”, argumentando
que não se pode ficar buscando fatores “indiretos” para enquadrar a empresa como
responsável pelo naufrágio, sem que haja o nexo de causalidade. Afirma que não há
nexo de causalidade, porque não há ação ou omissão da ré que tenha causado o
naufrágio, de forma que as suas atividades seriam elo distante na cadeia de eventos
que provocaram o naufrágio.
Alega, ainda, que não se pode falar em culpa in eligendo e culpa in vigilando14,
pois a empresa Norte Trading seria a única habilitada pela Companhia Docas do Pará
para realizar os serviços de operadora portuária no porto de Vila do Conde. Alegou
que o operador portuário é o responsável pelo procedimento de embarque da carga.
Argumentou que a extensão e duração dos danos atribuídos na petição inicial
não tem qualquer respaldo científico. Colacionou diversos estudos que comprovam
que a água do rio não atende aos padrões de qualidade exigidos e alega que a cidade

14
Culpa in eligendo e culpa in vigilando são modalidades de culpa atribuídas ao contratante pelos danos
causados pelo contratado, decorrentes do dever de cuidado na escolha e na fiscalização do serviço
prestado.
94

já sofre com diversos danos ambientais, de forma que não seria possível dizer que os
danos verificados foram ocasionados pelo naufrágio.
Em sede de recurso de Agravo de Instrumento, a ré Minerva apresenta estudos
realizados por uma empresa contratada, alegando que os resultados fora do padrão
demonstram uma oscilação dentro do padrão no rio Pará, de forma que esses
resultados podem indicar a ausência de interferência do naufrágio sobre o meio ou
que as interferências já estariam sendo mitigadas naturalmente. Ademais, argumenta
que o esgotamento sanitário sem tratamento no rio Pará pode ser um dos fatores
causadores das variações de parâmetros obtidos nos estudos.
Alega, ainda, que não há fundamentos que justifiquem o bloqueio de bens, pois
os danos ambientais além de hipotéticos em sua extensão não autorizam a imposição
de dados meramente dedutivos, pois a análise da água do rio já vinha apresentando
resultados fora do padrão.
- A Norte Trading foi a empresa contratada para prestar o serviço de operador
portuário, que consiste em operar a movimentação e armazenagem das cargas em
transporte aquaviário, dentro do porto. Em sede de contestação, a ré alega que a
empresa não é responsável pelos danos causados pelo naufrágio pois não há nexo
de causalidade. Afirma que o trabalho da operadora portuária consiste em conduzir
os animais através do embarcadouro (um equipamento semelhante a uma gaiola) e
liberá-los na rampa de embarque, não entrando no navio, de forma que não se
responsabiliza pela arrumação da carga dentro do navio.
Ademais, a ré Norte Trading se pronunciou acerca do relatório de inspeção
judicial realizado durante o processo, alegando o caráter de ineditismo do incidente
no porto de vila do conde, baseado no discurso de funcionária da SEMAS durante a
visitação ao local do naufrágio. Portanto, não haveria previsão legal para sinistros
dessa natureza, tendo sido todas as exigências cumpridas pelas empresas envolvidas
e a atividade autorizada pelas autoridades competentes. Pelo que pediu a aplicação
da teoria da imprevisibilidade quanto a responsabilidade civil.
- No decurso do processo a ré CDP foi a única a cumprir, ainda que
limitadamente, algumas das decisões proferidas pelo juízo. Nas ocasiões em que não
cumpriu o determinado, alegou não haver verba disponível, por se tratar de sociedade
de economia mista, que necessita de aprovação para ampliação de verbas. CDP não
apresentou contestação, de forma que não discutiu o mérito das alegações dos
autores.
95

- Quanto às rés Tamara Shipping e Sleiman Co & Sons, estas só foram citadas 15
no processo no dia da realização da audiência que culminou com o acordo firmado. A
primeira se trata da empresa armadora e a segunda a proprietária do navio. Portanto,
a proprietária, Sleiman Co & Sons, colocou o navio sob responsabilidade da armadora
Tamara Shipping, para aparelhamento e navegação com fins comerciais. Tal
transação é comum no ramo de embarcações de transporte de carga.
A proprietária do navio e a empresa armadora são empresas estrangeiras, o
que dificultou o procedimento de citação - não havendo possibilidade de emissão de
carta rogatória16, pois o Líbano não possui tratado de cooperação com o Brasil.
Ademais, os advogados, indicados pelos autores como representantes legais das rés
no Brasil, quando finalmente citados - após tentativas de citação por outros meios -
alegaram que não representavam mais as rés e que, mesmo que ainda
representassem, os mandatos só abarcavam as ações criminais processadas na
justiça estadual, em Barcarena. Dessa forma, a proprietária no navio e a empresa
armadora só integraram a lide em fevereiro de 2018, o que foi considerado pelos
autores como manobra para não ingressar no processo, conforme declarado em
petição do Estado do Pará, na qual se afirma que tais rés tinham conhecimento da
Ação Civil Pública, pois participaram de reuniões no Ministério Público.

3.6.2.4 Decisões e despachos


Apesar de não ter havido sentença no processo, em razão do acordo firmado
entre as partes e homologado pelo juízo, destaco algumas decisões tomadas do
decorrer do processo:
- O juízo decidiu que o MPF não tem legitimidade para pedir indenização às
vítimas por danos materiais, morais e estéticos por entender se tratar de “direito
individual homogêneo de cunho patrimonial”, hipótese em que o MPF só estaria
autorizado a atuar em “situações extraordinárias”, como em casos de lesão à
consumidores e “causas de relevante interesse público-social”, subentendendo-se,
portanto, que não considera este caso suficientemente grave ou relevante do ponto

15
Citação é a primeira notificação endereçada à parte, na qual se informa a existência da ação.
16
O artigo 237, inciso II do Código de Processo Civil brasileiro dispõe que:
“Art. 237. Será expedida carta:
[...]
II - rogatória, para que órgão jurisdicional estrangeiro pratique ato de cooperação jurídica internacional,
relativo a processo em curso perante órgão jurisdicional brasileiro;”
96

de vista social ou ambiental. O juízo entendeu, ainda, que o caso tratado se refere a
“número restrito e identificável de beneficiários” e que “podem ser amparados pela
Defensoria Pública do Estado”. O MPF recorreu e a instância superior resolveu
sobrestar17 a decisão de primeiro grau, de forma que permaneceu a legitimidade dos
autores para tais pedidos.
- O juízo entendeu que os danos ambientais se enquadram entre aqueles em
que a responsabilidade dos causadores é objetiva e solidária, portanto independente
de verificação de culpa ou dolo, bastando a existência de nexo de causalidade entre
o dano e a atividade causadora do dano. Decidiu que, quanto à retirada dos animais
do interior do navio, estavam presentes os requisitos necessários para concessão da
tutela antecipada18. Decretou a multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
em caso de descumprimento da tutela antecipada, em 15 de fevereiro de 2016.
- Em 02 de março de 2016, determinou a intimação do MPF para adotar
medidas para obter informações que “potencializem o ânimo conciliatório da lide” 19
para concretização da retirada da embarcação e das carcaças, de forma que fixasse
prazos, condições e etapas, alegando que a legislação de Ação Civil Pública tem
“ânimo conciliatório” em todo seu texto – inclusive havendo previsão de que se firme
Termo de Ajustamento de Conduta20.
- Em audiência, realizada em 19 de abril de 2016, o MPF ponderou que a só a
Companhia Docas do Pará (CDP) adotou medidas de cumprimento da decisão liminar,
não possuindo mais recursos para finalização dos trabalhos e considerando que a
responsabilidade civil ambiental é solidária, requereu que fosse reconhecido o
descumprimento da liminar e aplicada de imediato a multa diária fixada em R$

17
A instância superior não chegou a decidir o mérito do recurso, em sede de urgência, decidiu-se
suspender a decisão de primeiro grau, até que o recurso fosse julgado em definitivo.
18
Tutela antecipada é a decisão – anterior a sentença - em que o juízo atende a pedido de urgência
feito pelo autor, quando as alegações forem verossímeis e haja perigo de irreversibilidade dos danos
se não reparados em caráter de urgência, conforme prevê o artigo 300 do Código de Processo Civil:
“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
19
A expressão “potencializar o ânimo conciliatório da lide” é utilizada no meio jurídico para instigar as
partes da ação a se disponibilizarem a celebração de acordo.
20
Rodrigues (2002, apud VIÉGAS, PINTO e GARZON, 2014) define o Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) como: “[...] uma forma de solução extrajudicial de conflitos promovida por órgãos
públicos, tendo como objeto a adequação do agir de um violador ou potencial violador de um direito
transindividual (direito difuso, coletivo ou individual homogêneo) às exigências legais, valendo como
título executivo extrajudicial”. Para mais informações sobre TAC’s ver: VIÉGAS, Rodrigo Nuñes; PINTO,
Raquel Giffoni; GARZON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o termo de
ajustamento de conduta (TAC) como forma de tratamento de conflitos ambientais. Rio de Janeiro:
Fundação Heinrich Böll, 2014.
97

10.000,00 (dez mil reais) a todas as rés, exceto a CDP. Ademais, requereu a intimação
de Tamara Shipping, Husein Sleiman e Minerva S/A, que, em razão de análise
preliminar do processo, serem as rés que possuem capacidade financeira para arcar
com as medidas urgentes de retirada da embarcação e das carcaças, a fim de que
efetuassem em dez dias depósito em conta a ser administrada pela CDP, da seguinte
forma: Tamara Shpping e Husein Sleiman 50% do valor (de acordo com plano já
apresentado nos autos pela CDP de US$ 15.700.000,00) e Minerva S/A os demais
50%. Ademais, requereu o aumento da multa para R$ 100.000,00 diários pelo
descumprimento da decisão.
Em razão desses pedidos, houve decisão, proferida no dia 15 de junho de
2016, afirmando que não havia necessidade de declaração do juízo acerca do início
da incidência da multa, pois esta já se aplicaria sozinha pelo simples descumprimento
da decisão liminar e aumentou o valor da multa diária para R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), em razão da inércia das rés em cumprir a decisão.

3.6.2.5 O acordo
O Ministério Público Federal protocolou petição em dezembro de 2017
requerendo que o juízo agendasse audiência de conciliação, ainda naquele ano,
alegando que as partes estavam em fase final de negociação para pôr fim a lide e
informou que todos os autores compareceriam independente de intimação. Em razão
disso a audiência foi marcada para o dia 18 de dezembro de 2017.
Nesta primeira audiência de conciliação compareceram todos os autores,
exceto a Defensoria do Estado do Pará. Quanto às rés, compareceram Norte Trading,
Global Agência Marítima, Companhia Docas do Pará – CDP, Minerva S/A.
Pelo decidido em primeira audiência, o acordo se encerraria em um valor total
de R$ 9.000.000,00 (nove milhões de reais), enquanto o valor da causa apontado na
petição inicial era de R$ 71.412.644,00 (setenta e um milhões, quatrocentos e doze
mil e seiscentos e quarenta e quatro reais). Encerrou-se a audiência sem
homologação do acordo, por ter se considerado que alguns pontos ainda
necessitavam de ajustes, de forma que a conciliação foi suspensa, sendo agendada
outra audiência para o dia 06 de fevereiro de 2018.
No dia 06 de fevereiro de 2018, estiveram presentes na audiência todos os
autores mais o Município de Barcarena, que ingressou na lide nessa ocasião, e todos
98

os réus, incluindo Tamara Shipping e Husein Sleiman, que até então não haviam sido
sequer citadas no processo. O acordo foi firmado segundo os seguintes termos:
- Quanto aos danos de natureza coletiva, as rés CDP e Tamara/Husein se
comprometeram a repassar, cada, o valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e
quinhentos mil reais) e a ré Norte Trading se comprometeu a repassar R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), em 20/06/2018, à FASE (Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educação) para a constituição de fundo de custeio de pequenos projetos
comunitários, nos municípios atingidos;
- O pagamento das rés CDP e Tamara/Husein, acima referido, será efetuado
em três parcelas de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), nas seguintes datas:
20/09/2018, 20/10/2018, 20/11/2018;
- Quanto aos danos individuais, Minerva S/A se comprometeu a repassar o
valor de R$ 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais); CDP e
Tamara/Husein se comprometeram a repassar, cada, R$ 3.000.000,00 (três milhões
de reais); e Norte Trading se comprometeu a repassar R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais). Esses valores repassados ao Instituto Internacional de Educação
do Brasil (IEB) se destinará ao pagamento de indenizações às famílias atingidas pelo
naufrágio, ficando o recebimento dessas indenizações condicionado à desistência de
ações individuais;
- Sobre os valores mencionados acima, Minerva se comprometeu em repassar
no prazo de 15 dias úteis a contar da data de homologação do acordo; CDP e
Tamara/Husein se comprometeram a pagar em seis parcelas de R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais), nas seguintes datas: 20/03/2018, 20/04/2018, 20/05/2018,
20/06/2018, 20/07/2018, 20/08/2018; Norte Trading se comprometeu a repassar o
valor em três parcelas de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nas datas 20/03/2018,
20/04/2018, 20/05/2018.
- O acordo previu que os valores relativos a atingidos que não aceitem os
termos do acordo, assim como os valores que não puderem ser pagos por motivos de
força maior, serão restituídos aos réus compromitentes, descontados custos
administrativos;
- Tamara Shipping e Husein Sleiman, para fins desse acordo, foram
considerados como um único demandado e responsáveis solidariamente pelo
montante de R$ 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais);
99

- Quanto a embarcação, a CDP se comprometeu a realizar a retirada, bem


como dar a destinação que a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental do Pará
orientar, conforme condições e cronograma estabelecidos no edital publicado em 13
de dezembro de 2017 no Diário Oficial da União para contratação de empresa
especializada na execução do serviço;
- Em relação às carcaças enterradas dentro do porto de Vila do Conde, a ré
Minerva S/A assumiu exclusivamente a obrigação de monitoramento das cavas,
conforme plano de trabalho apresentado no dia da audiência;
- Quanto a pedidos de adequação técnica do porto de Vila do Conde em
situações de emergência, a CDP se comprometeu a cumprir todas as condicionantes
da notificação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará,
que foi juntada no dia da audiência, exceto quanto “apresentação de barreira híbrida,
devidamente produzida de acordo com as características técnicas propostas no Plano
de Ação de Emergência”, questão sobre a qual as partes se comprometeram em dar
continuidade às discussões técnicas a fim de se chegar a um consenso;
- Acordou-se dar baixa integral a todos os valores que foram atribuídos às rés
Tamara/Husein, em sede criminal, sobre o que o MPF já ofereceu manifestação
favorável, em razão de alegada dificuldade financeira. Portanto, a adesão de
Tamara/Husein ao acordo ficou condicionado a esse ponto, que caso não cumprido
até 19/03/2018, ocasionaria abertura de prazo para se defenderem nessa Ação Civil
Pública;
- Determinou-se que o acordo não importava confissão de culpa pelas rés,
ficando impedido o ajuizamento de novas ações coletivas que tenham o mesmo
objeto.
O juízo sentenciou homologando o acordo conforme os itens apresentados
acima. Em sentença acolheu-se o pedido da ré Global Agência Marítima de não ser
legítima para figurar no polo passivo da ação, considerando-se mera contratante de
serviço de praticagem, de forma que não haveria nexo de causalidade entre a sua
atividade e o naufrágio, entendimento corroborado pelo MPF.
Mais uma vez, o juízo ressaltou que a “solução consensual de controvérsias
submetidas à apreciação do Poder Judiciário constitui medida sempre a ser buscada
pelas partes, inclusive, pelos juízes”, conforme seria o propósito da legislação
processual brasileira. Afirmou ainda: “Nesse sentido, afigura-se louvável o espírito
100

consensual com que se imbuíram as partes no presente caso, com vistas a solucionar
demanda nitidamente complexa”.
Ressaltou-se, na sentença, a estranheza da cláusula que condiciona a adesão
ao acordo, pelos réus Tamara Shipping e Husein Sleiman, a isenção de valores
atribuídos em sede criminal, que seria um evento futuro e incerto, mas considerou-se
que seria a solução mais adequada, por beneficiar as famílias afetadas e o meio
ambiente.
Nesta segunda audiência de conciliação não ficou expressa a divisão dos
percentuais de indenização para as famílias de acordo com a localidade da
comunidade em que moram. Entretanto, foi anexado termo de cooperação firmado
entre as partes e o Instituto Internacional de Educação do Brasil, no qual constavam
os seguintes termos: 50% do valor destinado à comunidade de Vila do Conde; 30%
destinado às comunidades Beja, Itupanema e Vila do Capim; e 20% a outras
comunidades - que não foram mencionadas expressamente.
Portanto, ao final o total pago foi R$ 13.700.000,00 (treze milhões de
setecentos mil), sendo R$ 3.050.000,00 (três milhões de cinquenta mil reais) para o
fundo destinado a pequenos projetos comunitários e R$ 10.650.000,00 (dez milhões
e seiscentos e cinquenta mil reais) destinados à indenização das famílias atingidas
pelo naufrágio. O valor total representa cerca de 20% do valor apontado na petição
inicial (R$ 71.412.644,00) como capaz de reparar os danos caudados pelo naufrágio.

3.6.3 A “resolução” dos conflitos socioambientais no Judiciário

3.6.3.1 Consequências da conciliação


Os autores da Ação Civil Pública, aqui analisada, defenderam, na petição
inicial, que em casos, como o do naufrágio, costuma haver impunidade, já que, após
ocorrerem danos, as empresas seriam requeridas a tomar medidas apenas
mitigatórias pelos danos produzidos por suas atividades exploratórias. Essas medidas
foram consideradas pelos autores como pequenas em comparação com os lucros
auferidos pelas empresas, ressaltando que pouquíssimos processos individuais e
coletivos interpostos conseguem chegar ao final, com trânsito em julgado da decisão.
Argumentou-se, na petição inicial, que esta é uma “matemática perversa”, na
medida em que a diferença entre os custos necessários para adoção dos
procedimentos legalmente previstos de segurança e os lucros auferidos com a
101

inobservância dessas obrigações legais são muito grandes comparados a eventuais


prejuízos resultantes dos danos causados pelo exercício da atividade econômica.
Mencionou-se, ainda, que há a falsa ideia de que tudo é permitido àqueles com alto
poderio econômico.
Dessa forma, defendeu-se a aplicação de indenizações de alta monta, de forma
que não seja mais vantajosa financeiramente para as empresas a manutenção de
procedimentos negligentes e descomprometidos com a prevenção de “acidentes”,
para que fossem adotadas práticas de desenvolvimento sustentável, respeitando o
meio ambiente e a população.
Mesmo diante dessas alegações iniciais, os autores da ação, representando os
atingidos pelo naufrágio, entenderam como benéfica a aceitação de acordo em
montante que equivale a aproximadamente 20% do valor calculado anteriormente
como capaz de reparar os danos causados.
O juiz, em diversos momentos do processo, se posicionou favoravelmente à
formalização de acordo, por este ser o “ânimo” da lei processual brasileira, mas
também em razão da complexidade da causa.
Nader (1994), ao analisar a ideologia da harmonia em modelos legais, aponta
que a ideia de harmonia é utilizada como uma técnica de pacificação, integrando um
controle hegemônico, que se expandiu com a colonização europeia e com a
evangelização cristã. “É interessante o processo através do qual as ideologias, que
são forças de mudanças, são moldadas através do discurso, estendendo-se bem além
das leis, para incluir os elos entre as leis, os negócios e os eleitores das comunidades”
(NADER, 1993, p. 20).
A autora sustenta que essa ideologia de harmonia alicerçou modelos
conciliatórios em disputas jurídicas. Ao tratar do surgimento da Alternative Dispute
Resolution (ADR) nos Estados Unidos, como método para solucionar uma suposta
crise de tribunais sobrecarregados e um povo americano extremamente litigante,
Nader sustenta que o país passou de uma preocupação com a justiça (em referência
aos anos 1960, quando emergiram lutas pelos direitos civis, direitos do consumidor,
direitos ambientais, entre outros) para uma preocupação com a harmonia – que ela
chama “coerciva” - e a eficiência (a partir de meados dos anos 1970).
Era uma mudança na maneira de pensar sobre direitos e justiça, um estilo
menos confrontador, mais “suave”, menos preocupado com a justiça e com
as causas básicas e muito voltado para a harmonia. A produção da harmonia,
a rebelião contra a lei e contra os advogados (vinda muitas vezes dos próprios
102

advogados), o movimento contra o contencioso, foi um movimento para


controlar aqueles que foram privados dos direitos civis.
[...]
Elementos de controle são muito mais difusos que o alcance direto do
controle do Estado. Uma intolerância pelo conflito impregnou a cultura para
evitar, não as causas da discórdia, mas sua manifestação e, a qualquer
preço, criar consenso, homogeneidade, concórdia. (NADER, 1993, p. 20)

A conciliação, a partir dessas premissas, segundo a autora, estaria relacionada


à paz, enquanto disputas judiciais estariam relacionadas à guerra; na segunda haveria
destruição da confiança e somente perdedores, enquanto a primeira a cura sensível
de conflitos humanos que produziria somente vencedores. “As relações, e não as
causas básicas, e a capacidade de resolver conflitos interpessoais, e não as
desigualdades de poder ou a injustiça, foram e são o ponto nodal do movimento ADR
[Alternative Dispute Resolution]” (NADER, 1993, p. 21).
No Brasil a lei processual civil – tendo como norma norteadora o Código de
Processo Civil – em diversos dispositivos incentiva a conciliação e mediação, assim
como o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 125/2010, instituiu a
Política Judiciária Nacional de Tratamento de Conflitos, que tem os seguintes
objetivos, de acordo com o órgão:
A Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos tem por
objetivo a utilização dos métodos consensuais de solução de conflitos –
principalmente a conciliação e a mediação – no Poder Judiciário e sob a
fiscalização deste, e, em última análise, a mudança de mentalidade dos
operadores do Direito e da própria comunidade em relação a esses métodos,
com a finalidade de alcançar a pacificação social, escopo magno da
jurisdição, e tornar efetivo o acesso qualificado à justiça (“acesso à ordem
jurídica justa”). Então, sistematicamente, os objetivos da Política Judiciária
Nacional são: 1) o acesso à Justiça como “acesso à ordem jurídica justa”; 2)
a mudança de mentalidade dos operadores do Direito e das próprias partes,
com a redução da resistência de todos em relação aos métodos consensuais
de solução de conflitos; 3) a qualidade do serviço prestado por conciliadores
e mediadores, inclusive da sua capacitação.

Os críticos às resoluções conciliadas de conflitos apontam para a falta de


publicidade das negociações, que podem mascarar as desigualdades existentes entre
as partes (NADER, 1993). A falta de publicidade acerca das negociações em
resoluções conciliatórias se verificou no caso do naufrágio do navio Haidar, pois ainda
que o acordo tenha sido firmado em audiência, as partes chegaram ao juízo com os
termos já definidos, privando de publicidade as discussões que formaram o
entendimento de que aquela solução seria a mais adequada para encerrar a disputa
judicial. O “espírito consensual” entre as partes, como definido pelo juiz da ação, não
havendo publicidade, possibilita a formalização de acordos desproporcionais em
103

casos complexos como o do naufrágio, em que não há uma relação equidade entre
os atores envolvidos no conflito.

3.6.3.2 Judiciário como mais uma das arenas de luta


Cole e Foster (2001), ao analisarem o caso de racismo ambiental verificado em
Chester, nos Estados Unidos, relatam que a comunidade impactada pela poluição
causada por um incinerador de lixo, ao ser procurada por um advogado, passam a
considerar as ações legais como uma nova arma de resistência a instalação de um
novo empreendimento poluidor em sua vizinhança. Após uma vitória judicial que
proibiu a instalação do incinerador da Thermal Pure na localidade, a empresa recorreu
a Suprema Corte para requisitar o caso para julgamento na instância superior e, para
surpresa de todos, o requerimento foi acolhido. Ao ser enviado para à Suprema Corte,
a comunidade de Chester perdeu a oportunidade de recorrer de qualquer decisão, já
que se tratava da última instância.
A experiência judicial foi considerada pela comunidade como mais uma forma
de racismo institucional, já que estavam esperançosos, antes da manobra jurídica, por
acreditarem que a empresa teria que respeitar a lei. Posteriormente, soube-se que o
juiz da Suprema Corte que analisou o caso era irmão de um dos sócios de outro
empreendimento localizado em Chester, o que foi lido pela comunidade como
totalmente impróprio. A partir dessa experiência, os autores argumentam que a justiça
ambiental é uma questão política e não legal, por isso as estratégias de judicialização
raramente dão conta de problemas que são políticos. Entretanto, as ações legais
teriam um papel fundamental para dar visibilidade às causas. A partir dessa
percepção, a comunidade de Chester passou a considerar as estratégias legais como
só mais uma estratégia em sua luta política.
Em Barcarena, não diversamente da percepção da comunidade de Chester, a
população atingida pela poluição causada pelos empreendimentos localizados na
cidade, acionam diversas arenas de disputa a fim de garantir seus direitos, conforme
ficará evidente no próximo capítulo. Os moradores e lideranças de Barcarena
entrevistados nesta pesquisa acionam o sistema de justiça – não apenas através de
ações judiciais, mas também recorrem ao Ministério Público, em razão de sua função
fiscalizadora e mediadora -; participam de espaços políticos, como conselhos
municipais; participam de instituição formada exclusivamente para solucionar os
104

conflitos socioambientais na cidade; participam de audiência públicas e


manifestações.
O acionamento do judiciário se configura, nos diversos conflitos ambientais,
portanto, como estratégia para dar visibilidade às disputas, colocando o caso em uma
arena pública.
Considerando que a intenção dos atores é intervir da forma mais ampla
possível no sistema de arenas de ação e debate públicos, a estratégia inicial
daqueles que promovem um determinado assunto público é encontrar canais
institucionais propensos a abrigá-los, os quais, por sua vez, atuarão no
sentido de reforçar sua presença nos demais espaços públicos. (FUKS, 2001,
p. 52)

Não se pode ignorar as limitações que os atores com menor força política e
econômica (como os movimentos sociais) enfrentam no judiciário, como: obstáculo da
linguagem, que torna necessária uma representação processual por um profissional
do campo; o desconhecimento das regras processuais que devem ser seguidas no
decurso de uma ação judicial pelos não-profissionais; além do obstáculo próprio de
um campo formado primordialmente por pessoas que têm origem nas classes
dominantes. Ainda assim, muitos movimentos têm recorrido ao judiciário, na tentativa
de diminuir as desigualdades, pelo caráter reparador que o campo jurídico proporciona
ou mesmo pela credibilidade que as demandas podem alcançar quando pleiteadas
perante uma arena pública, oficial e legítima.
Fuks (2001) afirma “afinal, uma condição alegada não constitui um problema
social enquanto não for enunciada publicamente como tal”. O mesmo autor, ao
analisar a disputa sobre a compreensão pública dos assuntos e dos problemas
sociais, ressalta que, quando os assuntos sociais se encontram nas arenas públicas,
ocorre uma interação permanente entre ação e debate.
Não se trata de processo regido por uma entidade abstrata chamada
“cultura”, nem ocorre em locais vagos tais como a “sociedade” ou a “opinião
pública”, mas emerge da disputa sediada em espaços específicos, entre uma
(virtual) pluralidade de versões, embora as condições diferenciadas de
participação impliquem vantagens para certos atores e o silêncio de outros.
(FUKS, 2001, p. 47)

Ao dar maior publicidade ao conflito, o processo judicial pode ultrapassar os


limites de um simples litígio entre grupos com interesses contraditórios, alcançando
legitimidade enquanto problema social mais amplo.
105

Poderia parecer incoerente que um assunto - meio ambiente sadio - tão


difundido como preocupação mundial da atualidade não consiga alcançar um debate
aprofundado capaz de alterar práticas poluidoras, como ocorre em Barcarena. Isso
demonstra o quanto a questão é complexa e disputada por diversos setores que
tentarão, de acordo com seus interesses, definir o discurso que será legitimado.
O combate no Judiciário, portanto, se estabelece enquanto uma estratégia
política a mais na luta travada pelos movimentos sociais, sendo uma componente a
mais dentre todas as estratégias manejadas para alcançar os seus objetivos.
Boaventura de Souza Santos (2003) ao pensar o que ele chama de “direito
cosmopolita subalterno”, um direito contra-hegemônico, que pode ser norteado por
normas, princípios e procedimentos diversos do direito estatal, assim como manejar o
direito estatal para fins não hegemônicos, afirma:
Existe, no entanto, a possibilidade de o direito e os direitos serem usados
como não-autônomos e não-exclusivos. Tal possibilidade assenta no
pressuposto da “integração” do direito e dos direitos em mobilizações
políticas de âmbito mais vasto, que permitam que as lutas sejam politizadas
antes de serem legalizadas. Havendo recurso ao direito e aos direitos, há
também que intensificar a mobilização política, por forma a impedir a
despolitização da luta - despolitização que o direito e os direitos, se
abandonados a si próprios, serão propensos a causar. Uma política de direito
e direitos forte é aquela que não fica dependente apenas do direito ou dos
direitos. Uma maneira de mostrar uma atitude de desafio pelo direito e pelos
direitos, paradoxalmente, é lutando por um direito e direitos cada vez mais
inclusivos. A disponibilidade para a manipulação, a contingência, e a
instabilidade procedentes de cima. Uma política de direitos forte é uma
política de caráter dual, assente na gestão dual de ferramentas jurídicas e
políticas sob a égide destas últimas. (SANTOS, 2003, p. 37)

Portanto, qualquer conflito social levado ao judiciário só terá alguma chance de


ver os interesses de classes não-dominantes atendidos - em uma arena que toma por
paritárias partes com forças política e econômica tão diversas – quando houver uma
mobilização política mais ampla e em outras arenas.
106

4 A ZONA DE SACRIFÍCIO E A PERCEPÇÃO DOS ATINGIDOS

Conflitos socioambientais como aqueles desencadeados pelo naufrágio do


navio Haidar são inegavelmente complexos de analisar, por envolverem diversos
atores sociais, tais como as diversas comunidades atingidas pelos danos ambientais;
os órgãos de fiscalização; as diversas empresas envolvidas, que estão ligadas por
relações jurídicas que são de difícil compreensão para quem está fora do ramo e
atores políticos. Entretanto, existem discursos que também traduzem as dinâmicas
sociais na cidade, mas que são desqualificados frente à linguagem técnica do
processo judicial, por serem discursos “leigos”, enunciados pelos moradores da
cidade.
Neste capítulo são apresentados discursos dos moradores da cidade de
Barcarena, em particular daqueles mais atingidos pelo naufrágio. Através das
entrevistas, esses sujeitos - cujas falas aparecem silenciadas no processo judicial
analisam de maneira refinada os impactos cumulativos causados pela presença de
diversas indústrias poluentes no município, a organização da resistência aos efeitos
da sobreposição dos danos ambientais no tempo e no espaço e a relação da
população com as empresas e os órgãos públicos. Foi através da escuta dos grupos
atingidos que nos foi possível entender como Barcarena se configura como uma zona
de sacrifício – ainda que não tenham utilizado essa expressão. Foi possível também
compreender a dificuldade que encontram de provocar mudanças estruturais na
cidade, por meio de estratégias de resistência aos empreendimentos poluentes –
mesmo quando respaldados pela legislação em vigor.

4.1 A organização social de resistência a partir da formação do polo industrial

A partir da chegada do projeto de produção de alumínio ao município de


Barcarena, a população local foi negativamente afetada de diversas formas, desde as
remoções de seus sítios – como consequência imediata - até a perda ou
enfraquecimento de práticas tradicionais que configuravam seus modos de vida e,
consequentemente, a qualidade de vida. Os efeitos da instalação destes projetos com
efeitos ambientais danosos se prolongam ao longo do tempo, embora algumas
107

práticas permaneçam, são cada vez mais obstaculizadas, como é o caso da pesca
nos cursos d’água contaminados.
Chama atenção... um aspecto particular da nossa realidade amazônica: a
coexistência de formas diferentes de produção, que foram caracterizadas
como sendo “tradicionais” e “modernas”... Os termos são ambíguos e sujeitos
a crítica, mas suficientemente claros para entender-se do que se trata (...)
Processa-se hoje, na Amazônia, o encontro ou, mesmo, o confronto de
modos de produção diferentes... Esse fenômeno, entretanto, está ocorrendo
diferentemente do processo que se verificou historicamente nos países
industrializados. O confronto de formas de produção diferentes na Europa
moderna, por exemplo, surgiu de dentro da própria sociedade; foi a partir da
crise da sociedade feudal que emergiu o modo de produção capitalista,
através de um processo de transformações técnicas, econômicas, sociais e
políticas geradas internamente. Já o confronto que está se verificando hoje
na Amazônia, entre formas sociais de produção, não se originou
endogenamente: procedeu de fora, pela imposição, pela invasão, pela
penetração violenta de um modo de produção que, por não ter sido gerado
internamente, não reflete o estágio de avanço coletivo das forças produtivas
da própria região. Daí seu caráter particularmente agressivo, destrutivo física
e culturalmente desarticulador, muitas vezes denunciado; daí, também, a
necessidade de se pensar, de se analisar esses problemas em termos
diferentes daqueles em que se tem refletido sobre a história da Europa ou da
América do Norte. (HÉBETTE, 1983, p. 169-170 apud TRINDADE JÚNIOR,
2013, p. 8)

Há registros de centenas de remoções forçadas da população local para a


instalação das indústrias e suas infraestruturas, processo que reconfigurou o território
do município. A área chamada Montanha, que abriga a fábrica da Albrás, teve sua
população removida para Curuperé, Vila do Conde ou para uma área denominada
Colônia Agrícola. Os moradores de Curuperé foram, posteriormente, mais uma vez
removidos para a instalação das fábricas de caulim no município.
A fim de que fosse posto em prática o mecanismo jurídico das
desapropriações, foi designada uma instituição estadual, CDI, que realizou
404 desapropriações no período de 1983 a 1984 numa área de 40.000 ha, e
uma federal, CODEBAR, que efetuou 155 desapropriações numa área 60.104
ha, no período de 1983 a 1984. A área desapropriada pela CDI destinou-se à
implantação do Complexo Industrial e à construção do Porto e a da
CODEBAR a instalação do Núcleo de Barcarena. As desapropriações foram
conduzidas em diferentes momentos, a ritmos diversos e com critérios
variados. Evidentemente que essa aparente desorganização tinha como
objetivo dificultar uma possível articulação da população. (MAIA; MOURA,
1995 apud NAHUM, 2006, p. 35)

Nesse processo de remoção, desconsiderou-se que os sítios onde a população


morava configuravam-se como área produtiva, a partir da qual garantiam sua
subsistência e reprodução. CDI e CODEBAR reassentaram a população removida em
lotes urbanos de 9x30 metros, ou 15x30 metros, e os lotes rurais tiveram dimensões
de até 5 ha. Entretanto, os sítios onde as desapropriações foram realizadas tinham
em média 20 ha, sem cercas que os delimitassem, pois a floresta e os rios eram
108

utilizados de forma coletiva e todos conheciam os limites da área de cada família


(NAHUM, 2006).
Carmo, E. D.; Castro, E. M. R.; Patrício, J. C. S. (2015) relatam que moradores
percebem o território, após a chegada das empresas, como “retalhado”, em razão da
perda do território contínuo - enquanto patrimônio coletivo - e subtração das áreas de
uso comum. Dessa forma, transformou-se o colono produtor em morador urbano. A
transformação da relação daquela coletividade de pessoas com o território desdobra-
se em diversas realidades (e dificuldades) que o espaço urbano apresenta em um
sistema capitalista de produção.
A cidade é a sede e o ambiente da reprodução das classes, das atividades
de produção, distribuição, troca e consumo. Atrai massas populacionais, mas
não tem, geralmente, capacidade suficiente de geração de postos de trabalho
e de absorver nos circuitos modernos da economia essas pessoas. Assim, o
urbano é também lócus da geração de demandas e o espaço de lutas políticas
dos estratos sociais que reivindicam acesso aos meios de consumo coletivo
e inserção no mercado de trabalho. É o espaço dos fluxos emanados de
diversas frações do capital. Também cumpre o papel de acelerar tais fluxos e
agiliza o ritmo desse verdadeiro espaço da “unidade do diverso”, que é o
urbano. (BRANDÃO, 2004, p. 17)

A transformação de uma grande massa de pessoas que viviam da produção de


suas terras em moradores urbanos, não somente força essas pessoas a exercerem
novas atividades profissionais, mas os obriga a arcar com os custos embutidos na
vida urbana - como transporte, consumo de energia elétrica, saúde, educação -, bens
que se mercantilizam cada vez mais, tornando-se mais inalcançáveis para essa
população.
As remoções ocorridas na cidade culminaram com a formação da Associação
dos Desapropriados de Barcarena (ADEBAR) que, a princípio, reivindicava os valores
das indenizações concedidas por benfeitorias, mas que também se tornou suporte de
experiências de resistência para moradores ameaçados com novas desapropriações
(NAHUM, 2006).
Seu Antonio1, um pescador entrevistado em 2016, relatou sobre as promessas
feitas quando da chegada das primeiras indústrias e sobre como tais promessas
nunca foram cumpridas:
Eu vi a construção do porto, eu até trabalhei de ajudante. Eu lembro de uma
audiência pública que aconteceu, que a proposta era a seguinte, que o projeto
Albrás/Alunorte ia acontecer pra priorizar os moradores da Vila do Conde, e
hoje são os mais abandonados que existe. Da região de Barcarena e
Tupanema, você pode ver, é uma minoria de pessoas que exercem trabalho
dentro dessas empresas. Então, onde foi que prorizaram? Não adiantou o

1
Nome fictício.
109

projeto. Eu não sou contra o projeto, mas que viesse também ajudar dentro
daquele segmento que deveria ajudar. Eu vi uma audiência, que Deus me
livre, o pescador ia ter assistência, ia ser amparado. Que nada, não
aconteceu nada disso. Hoje nós temos esse prédio aqui [galpão onde
funciona a sede da cooperativa de pescadores] através de um crime que
aconteceu, de um pó preto que derramaram em cima da vila do conde. Todos
nós fomos prejudicados. Aí numa briga judicial e tudo, a Alunorte construiu
esse prédio aqui pra nós. Mas depois foi esquecendo, foi esquecendo. Deu o
prédio, mas não deu uma mesa, nada. Sabe o que eu penso, que a Alunorte,
quando construiu isso aqui, era pra ela ter administrado junto com a gente.
Ela não tem os administradores? “Olha, estamos fazendo um
empreendimento, vamos colocar um barco, mas vamos colocar uma pessoa
nossa pra administrar junto com vocês”.

Ademais, o processo de instalação do polo industrial não garantiu a geração de


emprego. Segundo Nahum (2006), o município vizinho, Abaetetuba, foi escolhido
pelas empresas para recrutamento de mão de obra no momento da instalação das
indústrias, por ser cidade maior, que sediava escritórios de órgãos importantes (como
Secretaria de Estado de Fazenda e Ministério do Trabalho, por exemplo) e contava
com melhor infraestrutura de comunicação, transporte e comércio. A população de
Barcarena era grandemente formada por pessoas que não tinham qualquer
experiência com trabalho assalariado. Foram igualmente contratados muitos
trabalhadores vindos de outros estados, que tinham experiência em grandes obras,
como as hidrelétricas de Paulo Afonso e Sobradinho.
Ainda que tenha havido a construção da Vila dos Cabanos (vila residencial para
os funcionários das empresas), a área foi projetada para receber os trabalhadores
com funções de maior qualificação. Isso agravou o déficit de infraestrutura e serviços
urbanos a partir da chegada do grande número de trabalhadores que exerciam
trabalhos menos qualificados em Barcarena (NAHUM, 2006).
A cidade de Barcarena até a década de 70 mantinha a taxa de crescimento
populacional inferior à do estado do Pará e do Brasil. Após a instalação dos
empreendimentos industriais e da infraestrutura para seu funcionamento, a cidade
teve significativo crescimento demográfico, ultrapassando o crescimento populacional
apresentado pelo estado e pelo país, até a década de 90 - quando ocorreu uma
desaceleração, aproximando-se das taxas estaduais e nacionais. A Vila do Conde,
área do município de Barcarena onde se localizam o Porto e o distrito industrial,
também passou pelo processo de rápido crescimento populacional. A população de
Vila do Conde era de 965 habitantes em 1980 e passou a 3.332 em apenas nove anos
– taxa de crescimento de 14,76% até 1989 (COELHO, MONTEIRO e SANTOS, 2008).
110

4.2 A política assistencialista

Assim como os governos federal e estadual, a prefeitura municipal de


Barcarena reproduz ações políticas centralizadoras e sem transparência que minam
as formas de participação política da população. A elite que se alterna na gestão
municipal mantém a prática de uma política conservadora2. Nessa lógica, o executivo
e legislativo municipais têm como atividade principal o chamado “despachar”. Trata-
se de prática assistencialista, que se configura no recebimento pelo prefeito e pelos
vereadores, em seus gabinetes ou em suas residências, de demandas individuais das
mais diversas, ao invés da execução de políticas públicas mais amplas.
A população tem a vida política voltada aos espaços políticos não-institucionais,
como associações, sindicatos e centros comunitários. Deste modo, não se verifica a
ação do gestor público voltada para implementação de políticas públicas, percebem-
se práticas de uma elite governante que conduzem políticas de assistência social e
usam o território como recurso para assegurar seus interesses.
[...]
No atendimento imediato dessas demandas, a gestão municipal transforma
os órgãos de administração, mormente a secretaria de assistência social e a
câmara de vereadores, em centrais de atendimento e suprimento de uma
gama de solicitações. O ‘Programa Plantão Social’, desenvolvido pela
secretaria de ação social, realiza atendimentos emergenciais, com
concessões variadas, de acordo com a necessidade da demanda existente.
Auxílio funeral, certidão de nascimento, encaminhamento de 2ª via de carteira
de identidade, ajuda de custo para famílias imigrantes, cestas básicas de
alimentos, ofertas de medicamentos com prescrição médica dentre outros,
bem como encaminhamentos diversos da população carente para entidades
públicas e privadas. (NAHUM, 2006, p. 68/70)

Portanto, a manutenção dos territórios na pobreza garantiria também a


manutenção dos agentes conservadores da política institucional municipal, através
dessas práticas assistencialistas.
Ademais, de acordo com Nahum (2006) as críticas às ações políticas da
prefeitura e câmara municipal são continuamente desfeitas através de técnicas de
“dissuasão” e “perseguição”. Há ameaça de demissão de pessoas que ocupam cargos
nos poderes executivo e legislativo municipal, caso algum parente critique as ações
políticas, ou há tentativa de cooptação daquele que critica pelo oferecimento de

2
Nahum (2006) define a política institucional praticada em Barcarena como conservadora, pois se
pauta em ações assistencialistas, de coerção da sociedade civil, de centralização do poder e de uso
do território como recurso para a manutenção de elites políticas dominantes nos cargos do executivo e
legislativo.
111

cargos. Dessa forma, os coletivos organizados costumam pleitear somente demandas


pontuais e do cotidiano - para determinada categoria de trabalho ou para determinada
rua, por exemplo -, sem ser capaz de abalar as forças políticas conservadoras e de
transformações mais expressivas. Relatos de sindicalistas, recolhidos por Nahum
(2006), ressaltam também a dificuldade dos movimentos de acompanharem as
transformações na cidade, que ocorrem na velocidade da produção industrial.
Os conselhos municipais, que deveriam ser espaços de participação política da
população, existem para uma cumprir formalidade, na medida em que não têm
autonomia para propor ações políticas, segundo Nahum (2006). Subordinam-se às
secretarias municipais, de maneira que existem para que haja o repasse de verbas
dos outros entes federativos e para aprovar contratos e prestações de contas.
A grande desigualdade social observada em Barcarena - fomentada pela
presença de grandes empresas -, portanto, conserva as práticas políticas
assistencialistas (e vice-versa). Ou seja, a pobreza torna possível ações políticas
assistencialistas e essas ações e a falta de políticas públicas conservam a pobreza,
assim como dificultam a articulação de forças das comunidades mais pobres. Os
conflitos são extremamente desiguais, já que se fala de pessoas em situação de total
vulnerabilidade, contra grandes multinacionais, apoiadas por amplos grupos políticos.
Logo, a população tem dificuldade de exercer pressão política suficiente a fim de
garantir a prevalência de seus interesses (assegurar ou conquistar direitos) ou, ao
menos, mitigar os danos.

4.3 O Campo

4.3.1 As razões da escolha do caso do naufrágio


A decisão de analisar de um caso em específico nessa dissertação se deu em
razão, a princípio, do momento do naufrágio ter coincido com minha aproximação de
estudos acerca de justiça ambiental, durante minha especialização em Política e
Planejamento Urbano no IPPUR. A abordagem desta pesquisa a partir de um estudo
de caso, entretanto, não foi uma decisão fácil, na medida em que a leitura de estudos
já realizados sobre Barcarena e o contato com moradores da cidade para a elaboração
de minha monografia de especialização me mostravam que a realidade do município
é complexa, conformando-se a partir de diversos conflitos sociais, de forma que
112

considerei, em princípio, que a limitação do estudo a um caso deixaria de fora a


análise de muitos outros fatores importantes.
Entretanto, no decorrer da elaboração da dissertação - e por orientação da
banca durante o exame de qualificação – ficaram evidentes as limitações de uma
pesquisa em nível de mestrado que abordasse diversos casos, seja pelo tempo, pelos
custos e pela distância que estava de Barcarena. Ademais, o decorrer da pesquisa
abarcou todo o tempo da resposta institucional ao caso do naufrágio – pela conclusão
da Ação Civil Pública analisada, com assinatura de acordo em 7 de fevereiro de 2018.
Então, com o objetivo de fazer um estudo de caso, que pudesse ser uma porta
de entrada para a compreensão da realidade mais ampla daquele território e dos
conflitos ambientais que se conformam em Barcarena, buscou-se, nessa pesquisa,
não dissociar o caso naufrágio de outros que afetam negativamente a população local.
Por meio da fala de meus interlocutores que afirmavam que o naufrágio era “apenas
a ponta do iceberg” pude compreender a cidade de Barcarena como uma “zona de
sacrifício”. Ademais, durante uma de minhas visitas à cidade, no final de fevereiro de
2018, constatou-se, após dias de chuvas fortes, um vazamento de rejeitos da fábrica
da Hydro Alunorte, o que culminou com a descoberta, mediante fiscalização, de dutos
clandestinos que despejavam os rejeitos irregularmente no rio Pará de forma contínua.
A análise do naufrágio do navio Haidar realizada nesta dissertação não
pretende esgotar a discussão acerca da cidade de Barcarena, dos conflitos
socioambientais que lá brotam ou do modelo de desenvolvimento executado nas
cidades da Amazônia. Intenta-se apresentar uma análise preliminar de um caso de
dano ambiental recente para a melhor compreensão do acúmulo de danos ambientais
verificados nesse território e da perspectiva dos grupos atingidos.

4.3.2 Interlocutores da pesquisa3


Em fevereiro de 2016, alguns meses após o naufrágio do navio Haidar, entrei
em contato com seu João e dona Selma, por indicação do Procurador da República,
Bruno Valente, que assinava a Ação Civil Pública sobre o caso, após eu questionar
se havia alguma organização social formada para pleitear reparação a partir do
naufrágio. O primeiro contato foi com seu João, que se dispôs a me receber numa
manhã em Barcarena para conversarmos sobre o caso. A partir de então, voltei em

3
Todos os nomes dos entrevistados foram trocados por nomes fictícios a fim de protegê-los de
possíveis represálias.
113

Barcarena mais algumas vezes e conheci os demais moradores que entrevistei


através de seu João e dona Ana, uma das pescadoras de Vila do Conde. Portanto,
foram entrevistados duas lideranças, três pescadores e duas barraqueiras.
Como será demonstrado ao longo deste capítulo, a organização social em
Barcarena é muito diversa – pela formação de grupos comunitários, de bairros,
profissionais, entre outros. Esses diferentes grupos possuem, também, diferentes
agendas, mas todos com os quais tive contato, seja através da leitura de outros
estudos acadêmicos ou através da participação nas audiências públicas,
ambientalizam seus discursos. Ainda que se perceba dificuldade de articulação entre
esses grupos para a conquista de seus pleitos, observamos uma convergência de
entendimento quanto aos danos, mesmo que as estratégias de luta divirjam e que se
observem alguns conflitos internos quando da concessão de indenizações - como em
qualquer grupo ou associação de pessoas.
Por essa razão, durante a realização das entrevistas, ative-me ao circuito de
pessoas que apoiam ou dialogam com as duas lideranças que me receberam e com
as quais construí uma relação de confiança. Ressalto esse recorte de pesquisa quanto
ao grupo de pessoas que foram meus interlocutores para destacar que talvez as falas
aqui apresentadas não representem, em uníssono, as posições acerca das
discussões ambientais no município de todos os grupos sociais organizados.
Entretanto, o papel desempenhado por essas lideranças atende aos seus anseios de
legitimidade, o que proporciona que sejam capazes de circular e dialogar nos diversos
movimentos sociais. Ressalto, ainda, que, pelo observado em espaços públicos de
discussão, como as audiências públicas das quais participei, as denúncias de danos
ambientais convergem.

4.3.4 Metodologia
Os métodos de pesquisa utilizados foram: entrevistas semi-estruturadas com
moradores de Vila do Conde e lideranças sociais da cidade de Barcarena; participação
em audiências públicas; conversas informais com as lideranças locais; e
acompanhamento da cobertura na mídia de casos de danos ambientais na cidade de
Barcarena; além do já apresentado acompanhamento da Ação Civil Pública que
discutia o naufrágio.
Antes das entrevistas se iniciarem, eu me apresentava enquanto estudante de
mestrado, explicava de modo resumido do que se tratava minha pesquisa acadêmica
114

como “um estudo sobre os danos ambientais e sociais e sobre os conflitos


ocasionados pelo naufrágio do navio Haidar”. Depois perguntava se poderia gravar a
conversa, tendo havido algumas recusas, situações em que gravei meu relato sobre
a entrevista logo depois. As perguntas foram formuladas previamente, baseadas em
leituras de estudos anteriores realizados sobre Barcarena e acompanhamento do
caso do naufrágio através da mídia e do andamento da Ação Civil Pública. Objetivava-
se que as perguntas mantivessem um caráter geral, para que o entrevistado, ao
responder, pudesse abordar temas pertinentes sobre o conflito, que não puderam ser
previstos por mim, formulando-se novas questões a partir de então, assim como, para
que as respostas fossem formuladas pelos discursos consolidados nos espaços
políticos que o interlocutor compõe, mas também por discursos espontâneos.
Algumas dessas entrevistas se realizaram coletivamente, com mais de um
entrevistado ao mesmo tempo. Não se tratou de uma escolha metodológica, mas se
deu em função da disponibilidade dos entrevistados para me receber. Entretanto, as
entrevistas que ocorreram de forma coletiva possibilitaram maior informalidade,
segurança e conforto para os entrevistados, de forma que foram momentos mais
longos e ricos em informações.
As primeiras entrevistas foram realizadas em fevereiro de 2016, cerca de
quatro meses após o naufrágio do navio Haidar no porto de Vila do Conde, em dois
dias diferentes. No primeiro dia conheci pessoalmente as duas lideranças com as
quais havia entrado em contato por telefone. E no segundo dia realizei as entrevistas
com dois pescadores moradores de Vila do Conde e uma barraqueira da praia de Vila
do Conde. Essas primeiras entrevistas foram realizadas para serem utilizadas em
minha monografia de especialização, a princípio, mas que nessa dissertação se
mostram úteis para a compreensão do conflito no decorrer do tempo.
As demais entrevistas foram realizadas em fevereiro e março de 2018, já
durante a escrita dessa dissertação, após a qualificação, quando constatou-se a
importância da retomada desse trabalho e decidiu-se pelo retorno ao campo. Nessa
nova rodada de entrevistas, buscava-se ampliar o número de moradores de Vila do
Conde escutados, além de considerar a evolução do conflito no decorrer do tempo,
principalmente pela aparência de resolução com o encerramento da Ação Civil Pública
na justiça, pela assinatura de acordo entre as empresas e os representantes dos
atingidos.
115

O objetivo era entrevistar novamente os mesmo moradores e lideranças


ouvidos em 2016 e ampliar o alcance das entrevistas. Em razão do vazamento de
rejeitos pela empresa Hydro Alunorte no rio Pará em fevereiro de 2018, que envolveu
massivamente a população de Barcarena em agendas de audiências públicas,
manifestações e oitiva por órgãos de fiscalização e pela mídia, a pretensão de
ampliação do número de moradores entrevistados se deu de maneira exígua, de modo
que só foram ouvidos – além daqueles que foram entrevistados novamente – mais
dois moradores, uma barraqueira da praia de Vila do Conde e um pescador.
Importante apontar que tive como obstáculo para a realização das entrevistas,
a recusa de alguns moradores, que alegavam estar cansados de denunciar e os
problemas permanecerem. Apesar do número pequeno de moradores ouvidos, as
entrevistas, em sua maioria, duraram mais de uma hora – demonstrando
disponibilidade dos interlocutores em se expressar – e apresentam como resultados
dados consideráveis sobre a percepção desses grupos (lideranças, pescadores e
barraqueiros) envolvidos no conflito.
Quanto às audiências públicas de que participei, somente como observadora,
não tratavam do caso do naufrágio do navio Haidar. A primeira, realizada em
dezembro de 2017, tratava de um Inquérito Civil que se processa administrativamente
no Ministério Público Federal para remanejamento de um grupo de famílias moradoras
de Vila do Conde e entorno, que desejam ser realocadas. E a segunda audiência
pública da qual participei, em Barcarena, ocorreu em março de 2018, para tratar do
caso de vazamento de rejeitos da Hydro Alunorte no rio Pará, descoberto em fevereiro
de 2018.
Apesar de as audiências mencionadas não terem discutido o caso principal
dessa dissertação – naufrágio do navio Haidar -, minha participação foi importante
para compreensão dos conflitos socioambientais da cidade de Barcarena de forma
articulada – em convergência com o entendimento local de que aquele território se
configura como uma zona de sacrifício -; para aproximação e convivência com meus
interlocutores, conformando uma relação de confiança, essencial a qualidade das
informações dadas nas entrevistas; e para compreensão de como se organiza a
resistência daquela população aos danos ambientais provocados pelas empresas em
espaços públicos.
Por fim, as conversas informais aconteceram principalmente nos
deslocamentos entre um bairro e outro da cidade de Barcarena ou na casa de uma
116

das lideranças enquanto tomávamos café. Esses momentos me apresentaram os


modos de vida daquelas pessoas – para além das denúncias de danos ambientais -,
suas histórias de vida e a organização dos movimentos sociais da cidade, como eles
se articulam e como divergem.
Buscou-se editar minimamente a fala dos entrevistados, tendo sido realizados
cortes somente em trechos repetitivos. “Mas também aqui o esforço principal deve ir
no sentido de deixas os factos falarem por si” (MALINOWSKI, 1961, p. 33). As falas,
para as quais não foi autorizada a gravação, não são apresentadas em sua
literalidade, mas houve um esforço de gravação do meu relato logo após as
entrevistas e posterior transcrição, de forma que se preservasse a memória mais
próxima do que foi dito pelos entrevistados.
Buscou-se nos momentos das entrevistas garantir as falas dos entrevistados
de forma espontânea, fazendo-se perguntas ou provocações de caráter amplo, por
exemplo “me fale um pouco sobre o naufrágio do navio Haidar”. Entretanto, a tentativa
de não direcionar as respostas, por meio de perguntas muito específicas, não significa
que as entrevistas foram marcadas pelo meu distanciamento em relação aos
entrevistados, ou que busquei manter-me imparcial frente aos relatos. Ainda que pelo
formato de entrevistas, o objetivo da pesquisa de campo era compreender as relações
que se estabelecem entre aquele grupo social e os empreendimentos do seu entorno,
de forma que as entrevistas semi-estruturadas permitiram o surgimento de questões
não planejadas, como reações espontâneas também da pesquisadora.
Portanto, com o intuito de escutar e aprender com os moradores de Vila do
Conde, a partir da perspectiva deles, sobre a relação daquela comunidade com as
empresas, tive como objetivo apresentar nessa pesquisa uma abordagem que não
apenas as declarações oficiais sobre os danos ambientais e sociais ocorridos na
cidade, nem a utilização somente dos discursos proferidos em espaços públicos pelos
atores envolvidos nesses conflitos, mas, a partir de conversas mais espontâneas,
compreender as relações e conflitos em sua complexidade. “O objetivo é,
resumidamente, o de compreender o ponto de vista do nativo, a sua relação com a
vida, perceber a sua visão do seu mundo”. (MALINOWSKI, 1961, p. 36)

4.3.5 O naufrágio
Há inúmeros relatos sobre o naufrágio do navio Haidar no porto de Vila do
Conde, que podem ser encontrados com facilidade, como as matérias produzidas pela
117

imprensa, os relatórios oficiais de órgãos de fiscalização e, até mesmo, as alegações


constantes no processo judicial. O que há de comum nesses relatos é o destaque para
questões econômicas e técnicas, por meio da apresentação de dados quantitativos
sobre as consequências do incidente, a busca pelos indícios que comprovem as
causas do naufrágio e as possíveis soluções técnicas.
Ainda que em quase todas as matérias jornalísticas sobre o naufrágio em
Barcarena, acessadas durante essa pesquisa, tenham abarcado entrevistas com
moradores do entorno do porto, à perspectiva dos atingidos era destinado um espaço
menor e pouco informativo – já que as falas publicadas coincidiam com imagens ou
informações oficiais já veiculadas. Nesse sentido, juntam-se aqui os relatos dos
entrevistados sobre o naufrágio do navio Haidar, no intuito de apresentar e analisar
as relações entre empresas, comunidade e entidades públicas, que deem conta do
naufrágio de forma inserida no cotidiano da cidade.
Dona Selma relatou com detalhes os fatos ocorridos no dia 06 de outubro de
2015. Contou que foi chamada ao local do naufrágio de manhã logo cedo e a
população estava se encaminhando para o porto a fim de abater os bois, ressaltando
que nunca tinha visto nada parecido, “tinha mais gente que no círio”. Aos barcos
pequenos amarrava-se um boi e seguiam com dificuldade, quase virando. Os barcos
maiores, vindos da comunidade de Beja, em Abaetetuba, conseguiam transportar
vários bois ao mesmo tempo. Com o passar do tempo, a CDP começou a impedir a
passagem dos barcos pequenos para pegar os bois que ainda estavam vivos,
permitindo a passagem só dos barcos maiores, que apanhavam vários bois e mais à
frente distribuíam nos barcos menores.
Dona Selma relatou que foram feitos abates dos bois na praia, formando uma
onda vermelha de sangue no rio. Ressaltou que conhece como se deve fazer abate
bovino, pois cria cinco bois em seu sítio. Afirma, ainda, que durante o abate, deve-se
deixar o sangue escorrer, o que não estava sendo feito no abate pela população na
praia. Ela relata ter percebido que a carne estava estranha, quando levou um pedaço
para casa e que, ao fritar, a carne “aguava”, o que a fez desconfiar que a carne não
estivesse boa para consumo. Relatou que muitos frigoríficos da região foram até a
praia de Vila do Conde para comprar a carne dos bois abatidos pela população.
Contou, ainda, que o Ministério Público fez a perícia na carne abatida pela
população e verificou-se que foram aplicadas várias injeções de remédios nos bois
nos dias anteriores ao naufrágio, para que suportassem a viagem longa, de forma que
118

a carne abatida estava cheia de remédios, o que poderia explicar a textura anormal,
não sendo apropriada para consumo.
Dona Selma defendeu que o porto, a proprietária da carga, ou qualquer das
empresas envolvidas, no momento do naufrágio, deveriam ter dado o gado para
população, já que os bois estavam morrendo afogados. Disse que a burocracia
dificultou o fornecimento do gado, pois os funcionários não sabiam o que fazer e
alegavam que necessitavam de muitas autorizações para tomar qualquer providência,
de forma que nada foi feito, tendo o gado todo morrido afogado e o navio afundou
completamente.
O posicionamento de Dona Selma acerca do abate dos bois pela população
diverge matérias jornalísticas e textos que circularam nas redes sociais da internet 4.
Criticou-se ferozmente o abate daqueles bois apanhados pelos moradores da região,
alegando-se que foram cenas incontestáveis de maus-tratos. Entretanto, ignorou-se
outro fato relevante daquelas cenas de abate, a pobreza de uma população vizinha a
empresas com lucros bilionários que exploram recursos naturais locais 5.
Quando perguntei sobre o naufrágio do navio Haidar ao seu Pedro, morador da
comunidade do Curuperé – próxima a Vila do Conde -, disse que os bois e o óleo
chegaram até o quintal de sua casa, onde passa o rio Pará. Relatou que quando os
bombeiros apareceram lá, ele entrou no rio numa profundidade em que a água
chegava até o peito, mais ou menos, lá mergulhou e com um facão cortou um
quadrado do fundo do rio, quando emergiu mostrou aos bombeiros uma substância
sólida e branca que se acumula, que acredita ser dos rejeitos da empresa Imerys, que
possui uma bacia de rejeitos bem próxima a sua casa.

4
Um texto, de autoria desconhecida - que foi compartilhado somente da página do facebook que tive
acesso 13.770 vezes - dizia: “Em 6 anos de trabalho como servidora do Ibama, este foi o pior dia da
minha vida... Do ser humano: descaso, negligência, crueldade, irresponsabilidade, covardia... Dos
animais: desespero, dor, vítimas agonizando. Os últimos bois vivos presos sob as grades da lateral da
embarcação foram deixados para morrer, só esperando a maré subir e afogar os remanescentes.
Ribeirinhos tentando matar os animais ainda vivos com facões, batendo em suas cabeças, e tentando
puxar os sobreviventes para água para afogá-los. Os únicos que conseguiram atravessar o rio foram
recebidos com a morte: ribeirinhos com facões em mãos. Empresas responsáveis suspendendo o
resgate, já tardio, das últimas vítimas. Corpo de bombeiros negando resgate. Vidas abandonadas. O
ser humano é a espécie mais podre da face da terra. PODRE. Alguém duvida que o inferno existe???
Hoje tive uma boa amostra dele bem debaixo dos meus olhos...”
5
A Hydro Alunorte, por exemplo, teve no último quadrimestre de 2017 lucro de 3,55 bilhões, em moeda
norueguesa. Informação disponível em: <https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-
brasil/Imprensa/Noticias/2018/quarto-trimestre-de-2017-alta-nos-precos-da-alumina-e-do-aluminio-
melhoram-os-resultados/>. Acesso em: 06 jun 2018.
119

Dona Ana, pescadora e moradora de Vila do Conde relatou, em entrevista


realizada em fevereiro de 2016, assim o caso do naufrágio:
Nós paramos por três meses. O peixe que a gente pegava ali era pouco e
quando pegava ninguém queria comprar. E nós ficamos naquele jogo pra ver
se a gente consegue uma indenização ou mesmo um projeto pra que os
pescadores venham se fortalecer um pouco. Hoje a pescaria tá difícil nessa
área. E aí aconteceu essa tragédia aí. E até agora os grandão lá não
decidiram o que a gente tem que fazer. Não ajudaram em nada até hoje. Dão
uma cestinha [básica] aí, mas não tem comida.

Seu Antonio, pescador e morador de Vila do Conde, ponderou: “no período do


naufrágio nós não vendemos peixe. A gente ia, pegava algum peixe e ninguém queria
comprar. Tudo isso nós sofremos. Pra mim, foi um crime muito grande isso aí”. E foi
complementado por seu João: “não querem comprar porque dizem que o peixe tá
contaminado”. Dona Selma explicou:
Então, não teve um plano do que fazer com aquela quantidade de boi morto.
Em cima da hora, eles liberaram pra alguns pescadores alguns bois, eles
levaram pra casa e consumiram. Quando foi no outro dia, eu fiquei até 3 horas
da madrugada lá, vendo o desastre que foi. Quando deu por volta de meia
noite, o óleo que tava no porão do navio começou a vazar. Aí, o pessoal que
mora na Vila do Conde e Tupanema pegavam o boi, traziam pra beira pra
rachar o boi, só que o óleo lavava aquela carne. E mesmo assim, eles
levavam pra consumir. Então o que aconteceu? Eles consumiram essa carne
assim. Muitos adoeceram, né? No outro dia, a carne já tava apurada, não
tinha mais como consumir e eles continuaram levando pra casa. Só que
assim, depois de 24 horas já começa a entrar em estado de decomposição,
aí a conclusão é que toda essa matéria orgânica depois veio tudo pra praia,
como vocês viram, aí causa outro dano, que é a questão do ar.

Dona Tereza, uma barraqueira da praia de Vila do Conde contou que após o
naufrágio ficou tudo muito difícil, pois costumava ter muita clientela – contou que
chegava a ter sete ônibus de piquenique aos domingos na praia, vendia até vinte
caixas de cerveja e torcia para o fim de semana acabar para poder descansar.
Lamentou que agora a praia está vazia, ressaltando que quando vende bem, são
cerca de três caixas de cerveja.
Explicou que após o naufrágio o movimento caiu muito, por conta da divulgação
de que a água estava contaminada, mas ponderou que as outras praias das
proximidades não ficaram com essa fama mesmo sendo a mesma água. Disse que
inclusive Belém tem a mesma água, mas a fama de contaminada foi só para praia de
Vila do Conde.
Dona Rosa, barraqueira da praia de Vila do Conde relatou o naufrágio, em
entrevista realizada em fevereiro de 2016, da seguinte forma:
Eu tava lá embaixo, quando eu vi o pessoal começou a falar ‘olha Rosa, tu
não vai pegar boi?’. Eu disse ‘se eu tivesse canoa, eu já estava lá’, mas eu
120

não tenho canoa, minha canoa tá no conserto. Eu sou barraqueira e


pescadora. A minha filha achou já de ir pra lá pegar boi. Aí acabou que ela
não pegou nenhum. O irmão dela, que mora pra ali, foi que disse ‘compra
gasolina, que eu vou buscar dois bois pra a gente’. Quem comprou fui eu.
Realmente ele trouxe um e o outro ficou pelo meio. Foi aí que começou a
morrer boi. Começou a encostar muito boi aí. Eu vi que tava demais, tanto boi
como óleo. Queria que você visse como tava de óleo. Eu subi [para margem
da rua da praia]. Porque eu já vendia aqui pra cima, mas com essa história
do boi, eu subi o resto. Pro pessoal não ficarem bebendo as bebidas no tempo
[sujeitos a variação do tempo/clima], eu desmontei as telhas e trouxe pra cá.
Foi aí que eu fiz esse pedacinho aqui. Mas o negócio foi muito feio e tá até
hoje, não foi liberado. Dizem que foi [liberado].
[...]
O movimento ainda não melhorou. A gente vende uma grade de cerveja numa
semana, na outra semana vende outra. Aí assim a gente vai levando. Comida,
eu até parei de fazer comida, porque não quero comer. Até hoje o navio tá lá.
Não sabe quando vai sair. Quando vem uma cesta básica, a gente pega aqui,
como eu que pego porque tenho um bando de filho, um bando de mulher e
de homem também.

Dona Ana contou que o óleo que se espalhou teve o seguinte tratamento:
esponjas eram jogadas, as esponjas se encharcavam com o óleo, pesavam e iam
para o fundo do rio. Disse acreditar que essas esponjas cheias de óleo no fundo do
rio é o que estava espantando os peixes da região. Relatou que teve cerca de oito
redes perdidas por causa do óleo, pois quando jogava, as redes voltavam cheias de
óleo e que não era mais possível utilizá-las, mesmo que fossem lavadas depois.
Os diversos relatos acerca do naufrágio do navio Haidar, ainda que com
enfoques diferentes – seja pela denúncia de contaminação pelas lideranças, seja pela
demonstração de pescadores e barraqueiras de que não puderam mais exercer suas
profissões da mesma forma, pela contaminação e pela visibilidade da contaminação
– apontam para os danos ambientais causados e os impactos que tais danos tiveram
em seus cotidianos. As declarações dos profissionais que dependem do rio em Vila
do Conde demonstram a vulnerabilidade em que se encontram, posto que confirmam
a poluição das águas, mas também apontam como a divulgação dessa poluição
continua a afetar suas atividades.

4.3.6 Como é ser vizinho do porto


A relação dos moradores de Barcarena com o porto de Vila do Conde e os
demais portos privados da cidade se apresenta com características similares as outras
cidades litorâneas que se tornaram rota de escoamento de todo tipo de produção. Seu
Antonio, relatou que o fluxo intenso de navios grandes prejudica o trabalho dos
pescadores, já que esses navios não se preocupariam, nem se importariam com a
121

presença de pequenas embarcações. Segundo o pescador, no cotidiano, são as


pequenas embarcações que têm que se afastar dos grandes navios. Além disso, disse
que em serviços realizados no porto, joga-se todo tipo de lixo no rio, isso prejudica a
pesca, pois quando os pescadores lançam suas redes, muitas vezes pegam esses
lixos, assim como em outras vezes esses lixos rasgam a rede. Deu o exemplo os
restos de ferro soldado, utilizado no porto, que são jogados no rio e esses restos
rasgam as redes, durante a pesca.
É todo dia: derramamento de óleo, derramamento de não sei o que, é
lavagem de navio. Só a gente que trabalha aqui de fronte... as vezes eu digo
“meu deus, onde é que tá o poder público nessas questões? Onde é que o
Ministério Público se faz presente nessas questões? Porque eu sou pescador
e eu vejo o que esses navios fazem aqui. Eles tão cortando uma grade de
ferro lá, aí eles pegam a grade e jogam lá no fundo. Aí os pescadores jogam
uma linha e só puxam as cordas de manhã. Eu canso de perder material aí.
Quando chega o seguro defeso, que a gente recebe quatro salários mínimos
– como agora esse ano eu recebi – só pra comprar material. Não dá pra
comprar mais nada, porque dum ano pro outro você acaba com seus
materiais. O navio vem e passa por cima da tua rede, quando tu vê o navio
salta daqui e não dá tempo de tu puxar tua rede. Pra te dizer a verdade, o
pescador aqui tá ameaçado de todos os lados. Eu não sei o que pode
acontecer com a gente porque agora tá chegando umas barcaças aí com
soja. Meu irmão, é uma atrás da outra. A minha irmã foi botar a rede de noite,
aqui de fronte com meu cunhado, a balsa veio e passou por cima da canoa
dela. Quase que ela morreu. Deus ajudou que eles bateram água e o rapaz
olhou. Eles subiram no navio, se não ela tinha morrido lá. O barco [Haidar] tá
até hoje no fundo lá. Eles não permitem que vá tirar o motor lá no fundo
porque tá perto do porto.

Portanto, além da dificuldade de navegação em razão do fluxo de navios e dos


riscos que são submetidos por terem de enfrentar um tráfego formado por navios muito
maiores, declaram utilizar o seguro defeso - o auxílio financeiro para quando a pesca
não é autorizada, por ser período de reprodução dos peixes - para compra de
materiais perdidos.
Dona Ana completou contando sobre episódio em que teve a rede lavada por
navio que saia do porto privado da Imerys, quando recebeu, como ressarcimento,
redes que considerou de qualidade ruim:
Levam a nossa rede, vai querer saber quem é o culpado e não aparece. Na
Imerys, eu saí por fora, botei pela beira, ele saiu pela beira e levou três panos
da minha rede. Eu fui na Imerys, ela me deu três panos que durou 2 meses.
Importado, eu sacudia e o vento abria tudinho.

O mesmo foi relato por seu Pedro que mencionou que muitas coisas são
jogadas no rio que danificam o material de pesca. Explicou que eles sabem, quando
a rede se prende em algo no fundo do rio, do que se trata; se for galho, ao puxar a
122

rede o galho quebra e eles recuperam a rede, mas sendo outros materiais, como
pedaços de ferro, estes rasgam a rede. Contou de uma situação em que ele puxou a
rede com mais força, após ela se prender em algo, fazendo com que o barco quase
afundasse, porque entrou muita água ao virar.
Ademais, os pescadores apontam que pela escassez de peixes nos arredores
de Vila do Conde, o ideal seria navegar para mais longe para conseguir maior volume
de pesca, entretanto, utilizam pequenas embarcações, com as quais não conseguem
se afastar muito, conforme relata dona Ana:
Fica difícil pra a gente em embarcação pequena, porque aqui não tem mais
peixe, tem que ser lá pra baixo – do lado de Vigia pra baixo. Pra a gente fica
difícil no barquinho. Se fosse num barco grande, de cinco toneladas, que pare
de rede e tudo, seria bom, porque dava pra ir lá pra baixo mais um pouco.

Dona Rosa também afirmou: “Se a gente quer comer peixe, a gente atravessa
aquela baia, arriscando a nossa vida pra pegar peixe pra lá. Isso é verdade, cada vez
tá diminuindo [a quantidade de peixes]. Camarão é de ano a ano que pega. No final
de julho os camarões já tão indo embora”.
Dona Selma, sobre os impactos dos serviços de logística, que servem de
infraestrutura ao polo industrial, disse, em entrevista em 2016:
A gente já tinha uma perspectiva que isso [naufrágio] ia acontecer a qualquer
momento, porque o fluxo pra cá pros portos de Barcarena vem aumentando
muito rápido e não tem a malha viária. A questão desse transporte não foi
vista, não foi vista a questão da logística. Esse navio tava em teste, na
verdade, era pra 5.000 bois e botaram quase 6.000, então não aguentou. Na
verdade, a gente fazendo todo um estudo de plano de contingência, a gente
vê que não existem esses planos. O licenciamento portuário não existe uma
fiscalização rigorosa em cima, mesmo as autoridades sabendo que é uma
grande demanda que existe e não é monitorado e não é cobrado com rigor
essa fiscalização. Então existe uma liberdade, eles põem lá a quantidade que
der. O reflexo de tudo isso a gente vê no transporte da carga. O fluxo é muito
grande da exportação da soja, do gado e outros minérios que nós temos. A
rodovia é de via única e o que acontece é que já houve outros acidentes, só
que não deu uma proporção na mídia como deu esse agora. Já tombou
carreta.

Em entrevista coletiva realizada em fevereiro de 2016, seu João, Seu Antonio


e dona Ana fizeram o seguinte relato:
João: Sabe o que eles fazem? Eles trazem a água de lá do oceano, salgada,
contaminada pra fazer lastro no navio. Chega aqui eles jogam essa água.
Contamina.
Antonio: acontece que esses peixes vão ter outro oxigênio, eles morrem.
João: eles vão abastecer e jogam a água que veio de lá, porque o navio veio
vazio. É terrível.
Ana: tem dia que tem dez navios aí.
João: eles têm material de tudo aí, de construção, ferragem. Eles fazem tudo
na hora. Eles fazem grade de ferro e os restos eles jogam na água.
123

Ana: a gente sai arredando com a rede, a gente pega galão de tinta. Já peguei
três galões, dois estavam cheios e outro já tinha furado. Peguei uma
furadeira. Meu irmão pegou um carro de mão.

Quanto às barraqueiras da praia de Vila do Conde, estas alegam que pode


parecer bom ter o porto e as empresas na vizinhança, em razão da possível clientela,
mas que a praia tem estado vazia desde as divulgações de contaminação.

4.3.7 Acordo na Ação Civil Pública no caso do naufrágio


Sobre o acordo feito na Ação Civil Pública que discutia o naufrágio do navio
Haidar, Seu João disse:
Eu e a dona Selma conversamos sobre isso. Eu achei que foi uma coisa que
não foi boa. Primeiro, a comunidade esperou por dois anos e quatro meses,
quase cinco meses e quando chega na hora eles vão dar um valor
insignificante e ainda parcelado em seis vezes. Nós havíamos feito uma
proposição - que não foi acatada por causa dessas lideranças que queriam
logo o dinheiro - que era de um salário pra cada família, durante todo o
período do evento, inclusive retroativo desde o dia [do naufrágio], e ficasse
pagando até quando fosse constatado que não havia mais nenhum tipo de
contaminação, quando tivesse tirado o navio, tivesse tirado as carcaças, tudo,
tudo. Essa foi a nossa proposição. Só que as lideranças acharam que “não é
melhor pegar logo esse dinheiro”, o que que pode fazer?

Depois de eu comentar que tinha lido o acordo feito na justiça e que ainda havia
ficado pendente a retirada do navio, seu João comentou:
Pois é, isso é um absurdo. Cada tempo que vai passando fica mais difícil de
tirar esse navio, porque ele fica ali e a areia vai tomando conta, vai cobrindo.
É ferro, que contamina água. O navio é constituído de muitas coisas, que são
inflamáveis. Foi péssimo esse acordo. Eu pretendo ainda realizar umas
reuniões lá pra chamar atenção do povo, explicar pro povo. O povo, na
verdade, está feliz, achando que vai receber isso de uma vez. As lideranças
não explicaram pra eles como é o negócio. Eu vou fazer um quadro pra
explicar como vai funcionar, com o cálculo. Primeiro eu quero saber o número
total do Conde, quantos são os ribeirinhos, pra explicar pra eles, por que eu
fiz por alto. Aproximadamente, pelo que a dona Selma falou são umas 2000
pessoas lá do Conde. Então, nessa lista do conde - 50% de 7 milhões, são 3
milhões e 500 mil - (após fazer o cálculo no celular) dá R$ 1750, aí tu divide
isso por 6 parcelas, vai dar R$ 292 por 6 meses. É insignificante, não resolve
nada. Então quer dizer, é um prejuízo pra eles. Era preferível eles deixarem
correr o processo na justiça e ir fazendo pressão, inclusive na aqui [na sede
da] justiça federal. Se você coloca um processo na justiça e não vai pra cima,
não dá em nada. Primeiro, um advogado tem interesse no processo, acontece
que o advogado tem centenas, dezenas de processos, então ele não vai
priorizar só o seu. Ele tem que priorizar todos e ele acaba se atrapalhando.
Quando é um processo coletivo é mais fácil, porque você se mobiliza, faz
manifestação, faz um monte de coisas.

Quando questionei se ele achava preferível ter esperado o processo correr e


ter sentença, ele disse:
124

Não, poderia ser um acordo, mas um acordo que pelo menos [a indenização
fosse paga] de uma vez. E o valor, eu também achei insignificante, de 10
milhões, se o processo está em 300 e poucos milhões. Acho que cada uma
família dessa, no mínimo, teria que receber uns 10, 20 mil reais, porque aí já
dá pra comprar alguma coisa, ajudar fazer uma reforma na casa, alguma
coisa. E aí não tem nenhuma garantia, por esse acordo, de fazer uma perícia
nas pessoas pra ver se elas não estão com algum tipo de contaminação e
que preveja o tratamento delas. Não tem nada. E se alguém estiver doente.
Teve gente que comeu carne do boi vacinado. Imagina! Essas pessoas
podem estar doentes. Tomaram água contaminada, comeram peixe
contaminado, camarão contaminado. Esse dinheiro vai dar pra alguma coisa?
Eu fiquei muito triste, porque se eu tivesse lá essa coisa não teria acontecido.
Pelo menos teria recebido de uma vez. Faltou argumento. Veja bem, o
Ministério Público, juiz, eles já estão querendo se ver livres dos problemas.
Então, quanto mais resolver isso logo, pra eles é melhor. Então se espera da
gente e ele sabe que o povo não tem conhecimento. O juiz fala “olha”, os
caras falam “não dá pra pagar por isso, isso, isso, não temos condições, até
porque não tem provas de que as pessoas tão doentes, já acabou, a água já
levou tudo, não existe mais contaminação”, já tem um instituto aí, que é até
do estado, que fez uma perícia lá e disse que a água tá normal, não tem
problema nenhum. Do estado! Enquanto a Universidade fez lá [tenta lembrar
o nome do laboratório - LAQUANAM], da professora Simone, esse laboratório
fez perícia lá e constatou chumbo nas pessoas, bário, cádmio, constatou
alumínio, ferro, níquel e mercúrio, inclusive no cabelo. O Ministério [Público]
Federal tá entrando com uma ação pra cobrar esses danos, com base nesse
laudo. Eu tenho minha preocupação com relação a isso, deles ganharem ou
não, porque eu estive lá em Brasília, lá no Instituto de Perícia Científica da
Polícia Federal e onde nós fomos pra requerer que eles viessem fazer a
perícia, porque as empresas só respeitam e acatam os laudos feitos por esse
instituto. Aí nós solicitamos do MPF, do MPE, da Defensoria Pública do
Estado e da União e até hoje não conseguimos fazer a perícia. O que o
Evandro Chagas apresenta, o que a Universidade apresenta não vale nada,
as empresas questionam. Então teve muita gente que entrou com ação aí,
até individuais e não consegue. Então nós precisamos ser mais ousados,
sabe? Aí agora nós vamos partir pra isso, nós vamos fazer pressão.

Dona Selma também considera que o acordo feito não foi interessante, pois
quando se pensa o valor pago dividido pela população atingida - tendo sido
considerado atingidos tanto os moradores de Vila do Conde, quanto da Vila de Beja,
em Abaetetuba, até a Ilha das Onças, em Belém -, o valor se torna irrisório, ainda mais
porque foi previsto o pagamento em seis parcelas. Relata que a população aceitou de
imediato esse valor, porque muitos entenderam - contou que em um jornal a repórter
falou que o valor da indenização era de 13 milhões para cada comunidade atingida,
quando na verdade esse seria o valor total do acordo. Ressaltou que a população
acredita que receberá um valor maior, quando na verdade, pelos cálculos que eles
fizeram será algo em torno de 2 mil reais para cada família, parcelado em seis vezes.
Declarou, ainda, que defendia a ideia - que ela e seu João propuseram no início
do processo - como um acordo mais adequado, que seria: o pagamento de três
salários mínimos para cada família atingida mensalmente, a contar desde o dia do
125

naufrágio, até que se resolvesse a situação, pela retirada do navio, pela retirada dos
bois e pela constatação de que cessou a poluição decorrente desse incidente. Essa
proposta surgiu após experiência anterior de indenização parecida em um caso de
vazamento de rejeitos da empresa Imerys.
Os pescadores, dona Ana e seu Antonio, disseram também discordar do acordo
firmado na justiça, por considera-lo injusto, pois acharam o valor baixo e que ainda vai
ser parcelado. Além disso, discordam das listas de atingidos formuladas.
Seu Antonio considerou injusta a diferenciação do percentual de indenização
somente pelo local de moradia. Disse que achava que o correto seria que o Ministério
Público fizesse o levantamento dos atingidos e que considerasse como mais atingidos
aqueles que dependem do rio, que foi poluído em razão do naufrágio. Portanto,
deveriam ser considerados mais atingidos os pescadores e os barraqueiros da praia.
Seu Pedro disse também não concordar com o acordo na justiça, pois fizeram
uma classificação - reclamou que não aguenta mais essas classificações e cadastros
- e que por isso vai receber uma mixaria, se referindo aos percentuais da indenização
disponibilizados para cada área atingida, pois é morador do bairro de Curuperé, ao
lado de Vila do Conde.

4.3.7.1 Lista de Atingidos no processo


Acerca da lista de atingidos habilitados a receber a indenização pelos danos
causados pelo naufrágio do navio Haidar, ressalta-se que o acordo foi firmado sem a
definição dos beneficiários da indenização. Até a finalização desta dissertação, só
havia sido disponibilizada no site do Ministério Público Federal, através da página de
acompanhamento do caso6, uma lista contendo pessoas 1) confirmadas como aptas
a receber a indenização, 2) pessoas com indicativo de exclusão da lista 7 e 3) pessoas
indicadas como integrantes da mesma família, portanto não aptas a receber a
indenização. Apesar de vencido o prazo para impugnação das informações da lista,
em 3 de abril de 2018, não foi disponibilizada lista definitiva para consulta pública.
Além disso, questionou-se a lista por considerar como unidade familiar aquele
grupo de pessoas que vivem no mesmo endereço, ignorando as diversas famílias que,
muitas vezes, dividem a casa. Como ponderado por Dona Ana, que comentou que a

6
Para acompanhamento do caso, acessar: <www.mpf.mp.br/pa/haidar>.
7
Pessoas que não constam em cadastros municipais, portanto, ainda não confirmadas para receber a
indenização.
126

lista não incluiu as famílias diferentes que moram na mesma casa, como, por exemplo,
a situação de um de seus filhos, que já é casado e tem filhos, mas mora na casa dela.
Nesse sentido, Mello (2016) aponta que a contagem oficial de “unidade familiar”
quando referente a certos grupos sociais não considera a pluralidade de arranjos
familiares, pois “uma casa comporta muitas famílias e uma mesma família distribui-se
por muitas casas”.

4.3.8 Danos cotidianos


Seu João, depois de comentar sobre ações no judiciário, respondendo ao meu
comentário de que são muito os casos porque várias empresas poluem, disse:
Todas [as empresas poluem]! Umas mais outras menos. Por exemplo o ar, o
ar é poluído pela Alunorte, pela Albrás, pela Alubar, pela Imerys. Essas quatro
são as mais poluidoras. Só que agora tem mais duas fábricas de fertilizantes,
Tocantins e mais um outra que não lembro o nome. Elas também trabalham
com caldeiras, chaminés. A Alunorte queima carvão mineral, carvão mineral
é um terrível poluidor da atmosfera, ele expele um gás, que é o gás carbônico,
que é o gás que os carros também [expelem]. Ainda sem contar isso, aquela
quantidade de veículo, aquelas carretas, tudo soltando [poluição] no ar. Além
dos portos, na hora do embarque e desembarque, tu precisas ver como é,
fica aquela poeira enorme lá, que vai pro ar e cai na água. Aqueles
particulados, que eles chamam. Então é uma situação, eu propus que fosse
feito um projeto lá nos portos, chamado “efeito guarda chuva”, que eles usam
lá na Europa. Aquilo fica todo coberto, como se fosse um guarda-chuva. Ele
suga tudo que tá expelindo pro ar e depois ele devolve, ele reaproveita, a
empresa reaproveita o material, porque aquele material vai ser desperdiçado
caindo na água e vai contaminando o rio. Aí nós vamos tendo a perda dos
peixes que desaparecem e morrem ou vão embora - porque o peixe percebe
a contaminação e sai fora, não fica, só morre mesmo aqueles que é de
urgência, caiu ele tava lá, morreu.

Ao falar sobre o solo, disse:


Olha, uma das palmeiras, que era uma produção, uma fonte de renda muito
grande daquela população, era a pupunha. Barcarena era uma das maiores
produtoras de pupunha. Eles traziam barcos lotado pra vim vender em Belém,
no ver-o-peso. Hoje não tem mais, acabou. Ainda tem alguma pupunhazinha,
aqui pra esse lado de Barcarena [sede], mas nessa região do Conde não tem
mais não. As mais resistentes: o açaí, a bacaba.

Depois perguntou se eu já tinha ido à fábrica da Alunorte, para comentar sobre


os açaizeiros que têm na entrada:
Ela [árvore do açaí] é dessa grossurinha assim, não se desenvolve lá. O açaí
que dá, cai tudinho. E as árvores que ficam do lado da Alunorte são todas
amarelas, as folhas todas queimadas. Então, quando aquilo sobe no ar, ela
vai se acumulando na atmosfera, aquele ácido, quando chove, ela cai em
forma de chuva ácida, ela penetra no solo. O solo não tem força de manter,
aqueles que precisavam germinar, não germinam mais, quando já tá assim
já começa a morrer.
127

Dona Selma completou relatando que os frutos das árvores caem antes de
amadurecer, a mandioca queima embaixo da terra, e os peixes no rio diminuíram.
Seu Pedro relatou que a noite sai muita fuligem das chaminés das fábricas, que
às vezes cobre os móveis da casa de poeira, mas que as empresas alegam que a
fumaça que sai das chaminés é só vapor d’água. Disse, ainda, que gostaria de sair de
lá, porque não vê solução para a situação deles. Relatou que antes da chegada das
indústrias e da poluição, eles saiam para pescar e voltavam cedo porque tinha muito
peixe, além disso botavam muitos matapis8 e todos ficavam cheios de camarão e hoje
não tem mais camarão. Disse, também, que as plantas não são mais as mesmas, a
mangueira em frente de sua casa só dá só mangas pequeninas e o açaí, às vezes,
cai do cacho seco.
Dona Selma falando sobre o risco oferecido pelas bacias de rejeitos das
indústrias:
Existem bacias aqui (vocês viram, fizeram a matéria pela Record) que os
próprios peritos do ministério público federal já foram lá e já detectaram que
elas vão romper, qualquer hora dessa. Elas vão trincar. Aí tem morador no
lado. Nós temos essa bacia da Alunorte que é uma bacia enorme. Elas são
bacias de contenção, que a hora que isso romper é uma catástrofe, né? Da
última vez que vazou era umas 11 horas da noite, era onda de caulim nas
estradas. Sorte que tem igarapé, porque se ela desce de uma vez, tinha
matado todo mundo.

E completou protestando sobre a dificuldade de atendimento em casos


emergenciais:
Nós aqui não temos sequer uma formação de primeiros socorros, de
emergência pra comunidade, se acontecer um desastre dessa natureza.
Tudo é em Belém. Se acontece aqui um vazamento de caulim, um pó que
cai, um boi que morre, tem que ligar pra Belém pra DEMAS vir de lá, os peritos
virem de lá. Várias vezes aconteceram desastres e as empresas tiravam os
vestígios, apagavam tudo que era pra ninguém ver, jogavam areia, tiravam
caulim no carro pipa que era pra ninguém descobrir, pras autoridades não
descobrirem. E nós passamos por mentirosos várias vezes. Agora mesmo
aconteceu, em dezembro que deu aquele verão forte, a lama vermelha subiu
toda pro céu, aquilo se transforma em poeira. Aí quando ela desce causa
muito problema pra saúde da população – respiratório, pulmonar, visão,
mancha na pele. Mas quem vê? Quem viu isso? Então se a gente tiver uma
central de monitoramento aqui, que é por isso que a gente tá lutando, vai nos
ajudar muito.

8
De acordo com definição do Dicionário Informal, Matapi: “Armadilha cilíndrica, confeccionada com tala
de miriti, utilizada para capturar camarão nos rios da Amazônia”. Disponível em:
<https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/matapi/9954/>. Acesso em 03 jun 2018.
128

Seu João relata as diversas formas de poluição de recursos naturais, causado


por diversos atividades desenvolvidas na cidade, para além do caso do naufrágio:
Esse naufrágio foi de grande proporção que aconteceu, mas já vinham tendo
contaminações. Nosso ar, que tem 40 vezes acima do que é permitido pela
legislação ambiental, constatado por perícia feita pelo Instituto Evandro
Chagas. Nossas águas contêm metais pesados, tem chumbo, tem bário, tem
alumina, tem também outros tipos de bactérias, tem nitrato. Nós precisamos
ter um fornecimento de água pra toda população do município de Barcarena.
Nós precisávamos ter fornecimento nas ilhas de água, eles tomam água do
rio, que desce das empresas aqui, tanto da portuária, quanto das indústrias.

Dona Ana falou sobre os impactos dos empreendimentos na cidade sobre a


pesca:
Há anos que a pescaria vem caindo, quando começou essas obras aí. Na
época que eu vim pra cá, 1986, eu saia com meu pai na beira da praia aqui a
gente pegava dois carros de mão só de tainha, só daquelas grandona, (...)
sarda, mapará. Hoje não tem, acabou com as espécies. Tainha tem umas
desse tamaninho, lá no meio da baia, que ainda pega uma, duas. Acabou o
peixe da beira [margem do rio]. Teve esse desastre do boi e aí que acabou
mesmo. Parece que sumiu e quando dá é um dia ou dois e pronto, some. E
é só filhinho, desse tamaninho.

E seu Antonio completou:


Eu, como pescador há de 40 anos aqui nessa área, vejo que a cada ano que
passa a questão da pesca vai ficando escassa mesmo. Eu tenho sentido
nesses últimos anos aí, devidamente esses crimes que vem acontecendo,
esses impactos aí, a gente vendo que as espécies de peixe estão cada vez
mais sumindo. Não tá tendo mais. Então, a questão da pesca hoje, pra lhe
dizer a verdade, aqui nessa nossa região, ela tá quase sendo descartada.
Além de tudo vem acontecendo esses grandes acidentes, onde a gente sente
que cada vez mais assim a coisa aperta e a gente fica numa situação que
parece que não tem saída. A gente vê porque os projetos tão chegando aí e
parece que esses grandes projetos que chegam, eles não estão preocupados
se aqui existe pescador, se aqui existe agricultor, entendeu? Eles não têm
essa preocupação, porque tu vê que as terras eles tomaram tudo. Os grandes
agricultores que trabalhavam com a farinha agora tão tudo dentro da cidade
praticamente, e sem opção de vida, porque a pessoa que é acostumada a
trabalhar lá na roça vem pra cidade, não tem uma formação, o que acontece?
Vai sofrer as consequências da cidade. É a mesma coisa o pescador. O
pescador há 30 e poucos anos, a gente saia aqui nesse igarapé mesmo, a
gente saia pra pegar a comida aqui e era rapidinho. Hoje você vai aqui e não
tem nada mais.

Alegam também a incidência de doenças que acreditam serem consequências


da poluição causada pelas empresas na cidade, de forma que seu João disse: “e aqui
a doença, eles [os pescadores] podem dizer, é constante. Tu pode chegar em
qualquer casa dessas aqui [em Vila do Conde], tem alguém doente”. E dona Ana
completou: “tem a minha [filha] que tá dando febre nela, tá com problema de respirar,
ela tá com tosse”.
129

Dona Rosa também falou sobre problemas de saúde possivelmente causados


pela poluição:
As minhas netas [sentem problemas de saúde], essa aqui mora comigo. Aí,
as vezes gripe, olha hoje eu amanheci com uma dor aqui no rosto, aqui nos
olhos, aí disse ‘sei lá que diacho é isso’. E vermelho. Minha filha disse ‘ah,
mãe isso é desse negócio do pó, que cai aí com o vento’. A gente tem que
sofrer.

Sobre a falta de geração de empregos nas empresas que formam o polo


industrial, Seu João disse: “No entorno das indústrias e dos portos tem pescadores,
tem pessoas empregadas nas empresas prestadoras de serviços, comerciantes. A
comunidade do entorno se emprega nas prestadoras de serviço com contratos
temporários. Contratados diretos são poucos, a maioria de Belém, Abaetetuba”.
Seu Antonio também comentou sobre a falta de oportunidade de trabalho para
os mais jovens, que seguem a profissão dos pais de pescadores, quando está cada
vez mais difícil pescar em Barcarena:
Hoje eu vejo que se eu tivesse uma outra opção na minha vida assim pra mim
fazer, eu ia abandonar a pesca, entendeu? Mas por mim não ter estudo, não
ter formação pra entrar pra outra área – eu dependo desse ramo, minha
família, meus filhos. Eu me preocupo nessa questão, tô preocupado porque
é o seguinte, eu tenho meus filhos e eu tô preocupado com essa geração que
tá vindo aí. A gente depende dessa atividade, desse trabalho, que dá todo o
sustento pra a gente e a gente vê isso daí todo dia se acabando com esses
grandes projetos e grandes empreendimentos que tão chegando e destruindo
as coisas. Que esses projetos dessem oportunidade pros pescadores daqui.
Dando um serviço. A maior parte dos nossos filhos são pescadores. Nossos
filhos não têm oportunidade nas empresas. Você tem que ter uma alta
escolaridade.

Dona Ana completou:


Eu tenho 3 filhos, que eu não tenho condições de pagar faculdade. O que
eles vão fazer? A mesma coisa que a gente. Botaram uma coisa [seleção]
pra fazer curso de informática avançada. Meus filhos foram pra lá. Sabe
quantos passaram pra fazer o curso? Nenhum. Sabe de onde vieram? De
Belém. Tudo já formado. Chega aí e passa e os nossos são descartados.
Podia ser aqui pro Conde mesmo. Que fosse pros filhos de quem tá aqui
necessitado. Aí vem de fora, vem de Abaeté, de não sei de onde, vem do
Moju, vem de Belém. Aí quer dizer, eles que já estão estudados passam e os
daqui ficam chupando dedo. Isso que é a minha preocupação. Emprego, pode
meter currículo. Tem um com 18 e outro com 20. Aí me diz o que eles vão
fazer se o pai e a mãe não tiver 24 horas em cima deles? Vão vender droga,
vão fumar, tão na rua. Isso que é minha preocupação.

Seu Pedro, ao comentar sobre uma possível saída da Hydro de Barcarena após
a descoberta dos dutos clandestinos que despejavam rejeitos irregularmente no rio,
disse “pra mim não faz a menor diferença”, pois a empresa não teria oportunizado
nada de bom para sua família, portanto sua saída não seria sentida. Disse que sempre
130

teve o que comer e o que vestir antes das indústrias chegarem a Barcarena e que
continuaria assim.
Portanto, ainda que possa haver ameaça de deslocamentos – ou chantagem
locacional - pelas empresas, enquanto prática que submete áreas habitadas por
população pobre e não branca a convivência com o meio ambiente poluído, alguns
grupos sociais têm propensão de resistência maior, como os pescadores, que
dependem dos recursos naturais proporcionados pelos cursos d’água. Esse
posicionamento de maior resistência dos pescadores se verificou também na pesquisa
realizada por Raulino (2009):
Nos dois casos relatados acima – dos pescadores da AHOMAR, em Magé, e
o do Centro Comunitário, em São João de Meriti – nos quais os
representantes das instituições tiveram uma postura de maior resistência à
proximidade com os empreendimentos pesquisados, pode-se supor que o
discurso mais crítico que enunciaram estaria relacionado ao fato das
lideranças fazerem parte de instituições que se situam em locais onde a
carência de infra-estrutura urbana é maior e a possibilidade de emprego nos
empreendimentos pesquisados era remota ou vista como inexistente; ou
ainda de regiões onde os empreendimentos são vistos apenas como fonte de
riscos/danos, pois além da questão da baixa “empregabilidade”, estariam
prejudicando as fontes de subsistência dos integrantes das instituições
pesquisadas, além das empresas em questão não contribuírem para a
arrecadação de seus municípios, o que poderia se reverter em políticas
governamentais para as localidades. Resumidamente, estariam menos
sujeitos aos efeitos da “chantagem de localização”. (p. 125)

4.3.9 Organização social de resistência


As denúncias acerca das consequências da formação de um polo industrial na
cidade de Barcarena estiveram presentes em todas as minhas visitas ao município,
em todas as conversas e em todas as entrevistas.
Dona Selma ressaltou a dificuldade dos movimentos organizados na cidade de
fazer enfrentamento a grandes grupos econômicos:
Nós temos muita dificuldade, muito problema, porque nós que lutamos contra
os interesses econômicos, a gente não tem estrutura pra tudo isso. A gente
não recebe nada pra continuar nessa luta. Eu com seu João temos feito das
tripas coração pra tentar ajudar. Só que a preocupação é que isso não é
passageiro.

Seu João apresentou uma das pautas que eles têm tentado conseguir:
Nós temos trabalhado muito na criação dessa central de gerenciamento,
monitoramento e controle ambiental. Nós tivemos na Bahia no polo
petroquímico de Camaçari, que tem 60 indústrias, e ali tem uma empresa que
foi contratada pelas empresas localizadas lá, junto com o governo do estado
e do município, e lá eles fizeram uma organização e ali eles têm uma
organização feita entre eles, onde as empresas pagam o contrato dessa
empresa que faz o monitoramento, o controle, faz o tratamento dos resíduos
sólidos e líquidos. Então eles só soltam nas águas a água quando já está
131

tratada. E todos os resíduos eles reaproveitam. Aí o Dr. Bruno [Procurador


da República] chamou a UFPA, os engenheiros químicos e eles estão
fazendo uns estudos pra ver a possibilidade de a gente implementar isso,
junto com eles, porque tem que vir os técnicos ambientalistas pra verem o
que podemos fazer. Qual o tipo de equipamento eles vão precisar, pra
monitorar o ar, pra monitorar a água.

4.3.9.1 O Fórum Intersetorial de Barcarena


Seu João falou, em entrevista em 2016, sobre o Fórum Intersetorial, uma nova
arena criada para discussão e resolução dos conflitos na cidade de Barcarena, e o
que eles pautam como agenda a ser encaminhada nesse espaço:
Para avançar, resolvemos criar o Fórum Intersetorial de Barcarena, que é um
tripé, composto pela representação das empresas, dos poderes públicos e da
sociedade. Quem acatou isso [implementação do Fórum] foi a Hydro, que tem
um grupo de empresas – Albrás, Alunorte, etc. - e tem o poder público com
três secretarias, que é a de Meio Ambiente, Assistência Social e
Planejamento. Nesse Fórum nos elegemos três temas distintos, que é pra
fazer o reordenamento do município: a reformulação da Lei Orgânica, que tá
muito defasada; a reformulação do Plano Diretor e a democratização da
informação é que para ter o controle social. O Plano Diretor tem seis anos, é
praticamente um novo, [mas deseja-se reformular] porque ele não tem nada.
O nosso município é atípico, aqui nós temos indústrias, nós temos portos, nós
temos aqui o pessoal morando misturado no meio deles, nós não temos a
divisão. Até os limites do próprio município são complicados. Nós primeiro
vamos trabalhar os limites do município, vamos fazer os limites da área rural,
da área urbana, as previsões de expansão urbana, ver quais são as reservas
ambientais, quais são as áreas de perigo, vamos ver onde vão se instalar as
moradias. Então tudo isso estamos trabalhando agora.

O Fórum Intersetorial se apresenta enquanto um espaço de discussão sobre o


desenvolvimento sustentável na cidade de Barcarena, que garante a participação da
sociedade civil por meio de representantes eleitos. Fica evidente, pela
institucionalização desse espaço e pelas pautas apresentadas, que as empresas
instaladas em Barcarena têm amplo poder político para interferir em temas de gestão
territorial do município, políticas públicas e planejamento. Ademais, a formalização
desse espaço garante às empresas que compõem o Fórum uma imagem de abertura
ao diálogo com a comunidade local e de gestão participativa em temas relevantes a
cidade. Entretanto, não há vinculação das posições defendidas no Fórum pelos
representantes da sociedade civil, portanto, não há protagonismo dos cidadãos, pois
as decisões seriam tomadas por meio do convencimento, da capacidade de
persuasão dos representantes.
Ressalta-se que as pautas principais no Fórum em 2016 se relacionavam a
questões de gestão territorial e legislativas básicas, que as lideranças consideravam
ainda precárias. De forma que as empresas aparentam ser, também, o meio de
132

acesso da população ao poder público municipal para discussão de temas de grande


relevância e primordiais na administração pública local.
João completou sobre o Fórum e os projetos que se pretendem aprovar:
O Fórum tem esse papel: estar em diálogo direto com as empresas e com o
poder público e a sociedade. Primeiro nós vamos fazer o reordenamento do
município. E a partir daí vem os projetos. Dentro dos nossos projetos, tem o
chamado Fundo Social. O Fundo Social é um dinheiro que vai sair das
empresas – não vai ser fácil da gente conseguir isso. Num percentual de 1%
dos investimentos delas pro Fundo. Aí o município vai ter um percentual pro
fundo e o estado e o governo federal. Esse fundo vai ser gerado pelas
empresas, sociedade e poder público. Então vai ter uma coordenação de
pessoas e ao lado vai ter um corpo técnico – jurídico, técnico mesmo, que
entende da questão da pesca, técnico que entende da área agrícola, manejo.
Aí, eles aqui pescadores ‘nós queremos continuar na pesca’. Aí pode ser que
tenham uns que digam ‘eu não quero mais continuar na pesca, eu quero outro
projeto’, então ele entra num outro projeto. Aí vai vindo outros projetos.
Pescadores ‘nós já temos lá uma estrutura, nós queremos câmaras
frigoríficas, nós queremos caminhão, nós queremos um barco, nós queremos
pegar esse peixe, nós queremos utilizar o couro do peixe pra fazer ração,
calçado – tudo que se pode fazer do couro do peixe’. Aí vai ter uma espécie
de uma fábrica. Se não tiver o peixe aqui, eles vão buscar lá fora. Se houver
o controle ambiental, que é um dos projetos, também, vai voltar a ter peixe.
Vai ser controlado, eles não vão mais poder jogar no rio. Aí vai ser um controle
total. Os portos vão ser fiscalizados direto, vão levar multa e não vão
aguentar, vão ter que tratar sério. Vão ter que fazer, por exemplo, o efeito
guarda-chuva, que é um negócio que em outros países existe. É tipo um
guarda-chuva, uma coberta onde o particulado que tá saindo aqui, que tão
embarcado aqui ou tirando do navio, aquilo lá ele suga, aí não passa pro ar e
nem pra água. Aquilo suga e depois volta, até reaproveita. Tudo isso tem que
ser feito aqui pra controlar o meio ambiente. Onde eles soltam as águas das
bacias, eles jogam os rejeitos lá. A Alunorte e a Imerys são as empresas que
têm bacia e são muito grandes as bacias. Essa bacia daqui que em 2007
ameaçou desabar, ela estava com 480 mil metros cúbicos de rejeitos. Tu já
pensaste num negócio desses? Se essa bacia desabasse lá, ela ia matar todo
o bairro industrial e atravessar o igarapé e matar aqui o pessoal do Conde.
Você viu o que aconteceu lá em Mariana. Aquela bacia desabou e foi levando
tudo na frente, ela chegou no ES, mais de 300 km.

Em uma das entrevistas realizada em 2018, seu João explicou mais sobre as
disputas que ocorrem dentro das discussões do Fórum Intersetorial:
No começo havia muito desconhecimento do papel do Fórum, sabia-se no
papel, mas [não se sabia] na prática como se dava isso. São três interesses
diferentes, então o interesse do poder público não é o mesmo das empresas,
que não é o mesmo da sociedade civil. Então, essas nossas diferenças são
debatidas lá e a gente tenta levar. Aquele que tem mais capacidade de
argumento, de convencimento - é por convencimento, não é por votação. Veja
bem, tem momentos em que o poder público, o que é mais fácil de acontecer,
se junta com as empresas, contra nós. Mas tem vezes, que a gente usa uma
estratégia de jogar as empresas de encontro ao poder público. Qual o
interesse do poder público com relação as empresas? Arrecadar imposto,
gerar emprego, porque gerar emprego, gera voto. Como nós temos
conhecimento de tudo isso, a gente quebra eles. Eles ficam sem força, sem
ação, da forma como a gente fala. É uma forma que não é muito ofensiva,
mas acaba sendo, né? E eles sentem. E as empresas, a gente sabe da
responsabilidade social delas, então a gente vai pra cima, cobra das
empresas o compromisso delas da responsabilidade social, porque na
133

medida em que ela se implanta ali, a responsabilidade dela é com a


vizinhança, é tratar bem seus colaboradores, que são seus empregados,
respeitar os sindicatos, a organização deles, é respeitar as leis do nosso pais,
do estado, principalmente as leis ambientais, as leis trabalhistas, etc. Então
elas também têm recurso que pode ser investido no social. Por isso que eu
te digo que nós tivemos um avanço, nós conseguimos arrancar da Hydro 400
e poucos mil [reais] pra bancar o Fórum. Antes nós tínhamos conseguido 60
[mil reais], agora pulou para 400 e poucos mil [reais] pra bancar o Fórum.

Dona Selma relata que ela e seu João fazem uma luta em Barcarena por uma
via legítima, portanto, são contra o vandalismo, por isso, eles se envolvem e acreditam
no Fórum Intersetorial de Barcarena. Ponderou que os representantes da sociedade
civil no Fórum lutam através da argumentação para conquistar os pleitos de interesse
da sociedade civil. Entretanto, ressalta que é uma luta muito difícil, pois empresas e
governo se coligam, de certa forma, contra a comunidade, tornando muito difícil as
conquistas dentro desse espaço, ainda que eles acreditem que essa seja a forma
“correta” de luta.
Mesmo tendo se posicionado contra o “vandalismo”, dona Selma relata
experiências de ações direta, tais como fechamento de vias, queimada de troncos na
frente das fábricas para impedir o funcionamento, em momentos que eles
consideraram que não havia como dialogar. Afirma que ela e seu João exercem um
papel com muita legitimidade. Essa legitimidade faz com que lideranças comunitárias
procurem por eles em diversos momentos para integrar outras pautas, mas ela
ressalta que tomam muito cuidado e costumam divergir dessas lideranças quando
eles percebem que as lideranças estão movidas por interesses próprios. Relata,
ainda, que muitas dessas lideranças tiveram formação política no projeto do IEB,
decorrente do TAC de vazamento da Imerys. Dona Selma defende que a partir do
momento em que as lideranças tomam conhecimento dos acontecimentos e pautam
as lutas representando uma comunidade, deveriam garantir os interesses da
comunidade como um todo e não interesses individuais.
Portanto, verifica-se que, apesar de reconhecer a dificuldade de obter
conquistas através do Fórum Intersetorial, dona Selma e seu João continuam
apostando nesta via de disputa, pois lhes garante legitimidade e transparência quanto
a sua atuação.
134

4.3.9.2 O remanejamento
Como já mencionado, há um Inquérito Civil processado administrativamente no
Ministério Público Federal que tem, como uma das questões discutidas, o
remanejamento de moradores de Vila do Conde e outros bairros do entorno, que não
desejam mais permanecer naquela área. Alguns dos entrevistados compõem o grupo
que deseja sair do entorno das fábricas. Seu João e dona Selma integram o grupo de
trabalho que auxilia o Ministério Público no seguimento do procedimento. Não será
aqui apresentada análise desse inquérito, por não ser objetivo desta pesquisa, mas
apenas demonstrar, através desse caso, a posição de alguns moradores de Vila do
Conde, que não acreditam mais ser possível conviver com tanta proximidade das
fábricas localizadas no município. Dessa forma, seu João relatou:
O que acontece: não existe mais condições de sobrevivência lá, por isso, eu
gostaria de estar lutando pela permanência do povo lá, lutando por estrutura,
como escola, posto de saúde, saneamento, urbanização, moradia, tudo isso.
Mas, infelizmente, eu tenho que estar lutando pra retirada do povo pra não
morrer. E aí, a gente quer uma indenização justa e a garantia de eles terem
um outro lugar. Essa tem sido a nossa luta. A gente tem sido questionado,
inclusive tem um holandês, não sei se tu conhece, aí da Universidade, um
professor, ele questiona a gente, porque ele defende isso, permanecer. Ele
acha que é possível desfazer tudo isso e ter um ambiente saudável. Só se
tirasse todas as fábricas. Não tem como, isso tinha que ser antes,
acompanhar quando eles fossem se implantar, fiscalizar, acompanhar
licitações, licenciamento, não fizeram isso no começo.

Dona Selma disse que a população que resta hoje em dia é muito pequena,
portanto, o poder das empresas em relação à população é muito discrepante. Pontuou
que a população que deseja sair de lá, quer que seja de uma forma justa, por isso o
procedimento que corre no Ministério Público Federal, de maneira que esses
moradores não sejam retirados como outros já foram anteriormente - de forma que
considera injusta, “sem pagar nenhum centavo pelas terras”. Portanto, no período das
últimas entrevistas, dona Selma disse que essa tem sido a luta deles, que se pague
um valor justo, pela metragem da terra que eles ocupam, além do pagamento das
benfeitorias.
O conflito se dá, nesse caso, em razão do valor de avaliação das áreas
ocupadas e suas benfeitorias, pela CODEC (Companhia de Desenvolvimento
Econômico do Pará), órgão de fomento de políticas para a industrialização. A CODEC
não considera muitos daqueles moradores como populações tradicionais, o que
também tem gerado conflito. Entretanto, dona Selma pondera que nem todos devem
ser considerados populações tradicionais, que é importante fazer a separação dos
135

que são ocupantes (que chegaram depois) e não são nascidos na terra, dos que são
populações tradicionais, já que ao se pedir que considere todas aquelas famílias
populações tradicionais ficaria mais difícil garantir que a CODEC pague o valor correto
da metragem da terra. Disse que estão travando essa luta no procedimento de
remoção para que não aconteça o que houve com muitas famílias, que foram
inteiramente remanejadas, sem um procedimento democrático, no qual elas fossem
ouvidas, consultadas e informadas sobre o procedimento de remoção.
Seu Pedro explicou que gostaria de sair do bairro do Curuperé, onde vive, ao
lado da fábrica da Imerys e próximo à Vila do Conde, por não acreditar mais ser
possível recuperar a natureza, após tantos anos de poluição, que seria impossível tirar
tudo que já foi jogado no rio Pará.
Entretanto, há aqueles que não desejam sair, como dona Tereza, barraqueira,
que disse acreditar ser preciso que as pessoas se empenhem em melhorar Vila do
Conde. Protestou dizendo que não aparece ninguém para investir no turismo na praia
de Vila do Conde, que as melhorias na barraca em que trabalha foram feitas por ela e
pelo marido. Disse que gosta de morar e trabalhar em Vila do Conde e me questionou
o que eu faria no lugar dela nessa situação, ao que eu respondi que não sabia, ela
retrucou que eu iria embora, que não iria ficar passando por isso, mas que ela não
pode ir embora, porque não tem para onde ir, aquela é a casa e o trabalho dela e que
gostaria de continuar lá, mas que as coisas melhorassem e que parassem de falar
mal de Barcarena e Vila do Conde.

4.3.10 Os danos e os Órgãos Públicos


Como já mencionado, as lideranças de quem me aproximei durante essa
pesquisa de campo orientam suas ações prioritariamente através de disputas por via
institucional. Ainda assim, não deixam de apoiar intervenções diretas, como
fechamento de vias, quando avaliam que seja necessário. A luta feita em espaços
institucionais por essas lideranças se mostrou como uma forma de se legitimar em um
território marcado por disputas políticas internas aos movimentos sociais, e de se
diferenciar de possíveis lideranças oportunistas.
A relação com os órgãos públicos é permeada por parcerias e conflitos,
podendo se apresentar mais ou menos conflituosa a depender do órgão. Em razão
disso, há maior confiança na atuação de certos órgãos. Nesse sentido, neste item
136

apresentam-se as relações e articulações formadas com órgãos que atuam nos


conflitos socioambientais.
Sobre os órgãos de fiscalização, seu João disse:
A maioria das indústrias daqui não tem fiscalização da parte dos órgãos
ambientais e do governo federal, estadual, municipal. Essa fiscalização mais
precisa pra monitorar esse ar, as chaminés emitindo na atmosfera esse
particulado de gases. E aqui nós temos um problema seríssimo que é a chuva
ácida. E ela contamina o solo. Então, nosso solo é contaminado. As plantas,
quando você planta, ela germina, ela morre logo. E aquelas que já davam
fruto acabam pecando. O açaí tem uma produção cada vez menor, ele seca
antes de amadurecer, fica caindo dos cachos.

E protestou acerca de verbas repassadas aos órgãos quando há reparação em


razão de danos ambientais comprovados:
Houve um vazamento da bacia da Imerys, em 2007. Aí nós entramos em
ação, nós interditamos a fábrica. Nós mobilizamos o povo. Retiramos o
pessoal do bairro industrial, porque tava correndo o risco dela desabar, ia
matar todo mundo aqui no Conde. Começamos uma discussão, o Ministério
Público veio e se fez um TAC. Nesse TAC, a única coisa que a população
percebeu foi um recurso de 300 e poucos mil que saiu e o Ministério designou
pra um instituto, chamado IEB – Instituto Educacional do Brasil -, que dá
formação pras lideranças. Foi a única coisa [de reparação]. Várias lideranças
participaram disso, por isso que hoje o pessoal sabe falar um pouquinho,
conhece um pouquinho dos seus direitos. Ajudou de qualquer maneira. Mas
o resto. Os bombeiros pegaram dinheiro pra comprar barco, pra comprar
carro. A polícia pegou dinheiro... e acabou em nada. A prefeitura pegou
dinheiro pra fazer negócio pra saúde e nem sei o que ela fez. Cada um foi
pegando um pedaço pra lá. Eram 12 milhões. Esse 12 milhões se acabaram
em nada.

Seu Pedro relatou que apareceram bombeiros no Curuperé para averiguar a


situação da comunidade após o naufrágio, o que achou estranho, porque pensava que
bombeiros tinham função de apagar incêndios e salvar pessoas de afogamento.
Contou que os bombeiros registraram a situação do rio no quintal de sua casa, com
fotografia e filmagens. Disse acreditar que os órgãos todos aparecem nesses
momentos, porque querem receber verbas por realizar atividades de fiscalização.

4.4 Zonas de sacrifício

4.4.1 A percepção de Barcarena como uma zona de sacrifício


Como demonstrado ao longo dessa dissertação, o naufrágio do navio Haidar
no porto de Vila do Conde, em Barcarena, foi mais um dos diversos danos ambientais
que ocorrem na cidade em decorrência da presença de empresas, cujas atividades
são potencialmente poluidoras e que impactam na vida da população local. Isso foi
137

dito logo em minhas primeiras conversas com os moradores da cidade. Ainda que eu
tentasse me ater ao caso do naufrágio - que a mim, naquele momento, parecia um
desastre sem precedentes -, as falas de meus interlocutores sempre eram
perpassadas por relatos de outros incidentes, além dos relatos acerca do impacto que
as empresas causam no cotidiano das comunidades, pela soma de danos ambientais
ao longo das últimas décadas. Conforme 9 dito por seu João:
Esse naufrágio foi de grande proporção que aconteceu, mas já vinham tendo
contaminações. Nosso ar, que tem 40 vezes acima do que é permitido pela
legislação ambiental, constatado por perícia feita pelo Instituto Evandro
Chagas. Nossas águas contem metais pesados, tem chumbo, tem bário, tem
alumina, tem também outros tipos de bactérias, tem nitrato.

Portanto, a percepção de que Barcarena configura aquilo que se chama de


zona de sacrifício surgiu da pesquisa de campo, por meio da fala dos moradores
entrevistados. Essa percepção foi reforçada após análise da Ação Civil Pública, na
qual constou, entre as alegações de defesa das empresas envolvidas no incidente,
que não seria possível verificar o nexo de causalidade entre os danos ambientais
comprovados em perícia e a atividade daquelas empresas, por Barcarena ser um
município onde se sediam diversos empreendimentos potencialmente poluidores.

4.4.2 Zonas de sacrifício


Alguns lugares tendem a concentrar atividades de alto potencial poluidor, como
Barcarena, ficando extremamente expostas a contaminações diversas e a riscos de
grandes desastres ambientais. Em Barcarena, percebe-se, que o discurso de
desenvolvimento, que legitimou a chegada das primeiras industrias de alumínio,
continua sendo utilizado para justificar a instalações de outros empreendimentos
posteriores10, com promessa de maior desenvolvimento, pois já não se trata somente
de um grande projeto, mas da formação de um complexo industrial.

9
Além dos demais relatos apresentados no item 4.6.7 deste capítulo.
10
Em julho de 2017, menos de um ano após o naufrágio do navio Haidar, o governo do estado do Pará
divulgou a intenção de ampliação do porto, o que seria justificado como uma demanda social e de
desenvolvimento: “O secretário Adnan Demachki observa que é urgente a ampliação do Porto de Vila
do Conde para o atendimento dos padrões internacionais de logística num resgate histórico de uma
demanda da economia do Pará. No passado a sociedade paraense culpou os políticos paraenses por
permitir que o minério da Vale fosse escoado pelo Maranhão, como se tivéssemos perdido para o
Estado vizinho o nosso minério e parte do desenvolvimento”. Disponível em:
<http://sedeme.com.br/portal/estado-busca-competitividade-internacional-para-porto-de-vila-do-
conde-em-barcarena/>. Acesso em 08 jul 2018.
138

Ocorre que a esse discurso e a ampliação do número de empresas sediadas


na cidade está implícito o aprofundamento da vulnerabilidade da população local e de
seus modos de vida, pela maior exposição à riscos ambientais. O lugar escolhido para
sediar empresas poluidoras entra num ciclo de desregulação e descontrole pela
contaminação, que atrai mais contaminação e que, consequentemente, o desregula
mais. Então, a localidade que o discurso oficial - do Estado e das empresas - chama
de complexo industrial ou polo industrial se trata de uma zona de sacrifício.
Certas localidades destacam-se por serem objeto de uma concentração de
práticas ambientalmente agressivas, atingindo populações de baixa renda.
Os moradores dessas áreas convivem com a poluição industrial do ar e da
água, depósitos de resíduos tóxicos, solos contaminados, ausência de
abastecimento de água, baixos índices de arborização, riscos associados a
enchentes, lixões e pedreiras. Nestes locais, além da presença de fontes de
risco ambiental, verifica-se também uma tendência a sua escolha como sede
da implantação de novos empreendimentos de alto potencial poluidor. Tais
localidades são chamadas, pelos estudiosos da desigualdade ambiental, de
“zonas de sacrifício” ou “paraísos de poluição”, onde a desregulação
ambiental favorece os interesses econômicos predatórios, assim como as
isenções tributárias o fazem nos chamados “paraísos fiscais”.
Nestes locais, observa-se a conjunção das decisões de localização de
instalações ambientalmente danosas com a presença de agentes políticos e
econômicos empenhados em atrair para o local investimentos de todo o tipo,
qualquer que seja o seu custo social e ambiental. Estes dois processos
tendem a prevalecer em áreas de concentração de moradores de menor
renda e menos capazes de se fazerem ouvir nos meios de comunicação e
nas esferas de decisão. (ACSELRAD, 2004, p.13)

Dessa forma, nessas localidades chamadas de zonas de sacrifício - onde se


verifica a concentração de atividades poluidoras do meio ambiente - um primeiro
projeto tende atrair outros, seja pela disponibilidade de infraestrutura que poderá ser
reutilizada ou ampliada, seja pela escolha intencional de concentração desses riscos
ambientais sobre uma população vulnerável, com menor capacidade de resistência.
A escolha locacional para instalação de grandes projetos sempre vem
acompanhada de diversos argumentos que a justificam enquanto vantagens
comparativas, o que nem sempre é exposta é essa intenção de poluir lugares já
vulneráveis – seja pela presença maciça de populações pobres, seja pela exposição
a contaminação já existente -, conforme ficou explícito na posição do Banco Mundial
vazada, que ficou conhecida como memorando Summers, em que se lia: “Cá entre
139

nós, não deveria o Banco Mundial estar incentivando mais a migração de indústrias
poluentes para os países menos desenvolvidos?”11.
A divulgação de projetos de desenvolvimento na Amazônia, que busca legitimá-
los, foi atrelada a ideia de completo vazio demográfico ou da ideia de “muita terra para
pouco homem”, entretanto, o que se verifica na escolha locacional de projetos
potencialmente poluidores são lugares habitados por classes pobres e\ou minorias
étnico-raciais, que representam a camada social que não consegue interferir nos
processos políticos decisórios.
Viégas (2006) define algumas características que seriam comuns aos lugares
que se configuram como zonas de sacrifício, quais sejam: concentração de múltiplas
atividades ambientalmente agressivas; moradia de população de baixa renda e
minorias étnicas, que dispõem de menor capacidade de se fazer ouvir em espaços
públicos, de forma que têm dificuldade de resistir aos efeitos da distribuição desigual
dos danos ambientais; e desregulação ambiental e isenções tributárias, que buscam
atrair cada vez mais empreendimentos para o local, não importante quais os custos
sociais e ambientais da escolha locacional.
A explicitação de dados alarmantes de indignidade humana e falta de
infraestrutura urbana deveria direcionar para o local a prestação de serviços
públicos de saúde, educação, assistência social, saneamento e demais
medidas de contenção de riscos. Ao contrário, a precariedade social e
econômica potencializa a fragilidade política dessas populações e sobre elas
passam a ser depositados empreendimentos altamente perigosos, que por
sua vez, contribuirão para o agravamento dessa precariedade e da fragilidade
política, assim como para a completa e irresponsável degradação ambiental.
(PIRES; GUIMARÃES, 2016, p. 2)

A existência de lugares que apresentam essas características, que chamamos


de zonas de sacrifício, não se dissocia do debate sobre (in)justiça ambiental, mas se
apresenta como um aprofundamento da precariedade pela concentração de
atividades que degradam o meio ambiente. Portanto, a constatação de que a poluição
se localiza em áreas habitadas por populações pobres e minorias étnico-raciais, onde,
independentemente da atividade poluidora, se observam outros fatores de
precariedade – como falta de infraestrutura e serviços urbanos, educação e saúde
precárias ou inexistentes, etc. – também é pressuposto para a maior exposição a
contaminação verificada nas zonas de sacrifício.

11
ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo das Neves. Desregulação, deslocalização e conflito
ambiental: considerações sobre o controle das demandas sociais. In: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno
de et al. Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010. P. 179 – 209.
140

As zonas de sacrifício são moradia de grupos com pouca capacidade de


interferir – se fazer ouvir - em espaços políticos e, portanto, pouco capazes de fazer
valer seus interesses. Ainda que haja organização social de resistência a ações que
não correspondam aos seus interesses em diversas zonas de sacrifício – como em
Barcarena -, a disparidade daquilo que Bullard (1993) chamou de poder social entre
os envolvidos em conflitos ambientais nessas áreas tende a fazer prevalecer os
interesses das empresas (que em sua maioria coincidem com os interesses estatais),
relegando às comunidades locais medidas mitigadoras ou indenizatórias.
As zonas de sacrifício são lugares não somente habitados por populações de
baixa renda, mas também por minorias étnico-raciais. Ao se analisar desigualdade
ambiental no Brasil não se pode dissociar do debate étnico-racial.
Economias capitalistas racialmente estratificadas farão incidir seletivamente
sobre os corpos não brancos (ou tratados como pretos de tão pobres) os
riscos, as desvantagens e os danos resultantes de um sistema econômico
calcado na despossessão (da terra, do trabalho, do capital cultural, etc.), no
disciplinamento (de corpos e mentalidades) e na exploração para produção
de bens e riquezas que serão apropriados por outrem. (PIRES; GUIMARÃES,
2016, p. 4)

A dificuldade de intervir em instâncias políticas decisórias é percebida também


quanto a capacidade de se deslocar e se afastar de áreas ambientalmente
degradadas. Mesmo que se desconsiderasse os aspectos imateriais de desejo de
muitas populações em permanecer nessas localidades, ainda assim elas
permaneceriam.
Em Barcarena, conforme já relatado, há um grupo de pessoas moradoras de
Vila do Conde e comunidades do seu entorno que pleiteiam desde 2007, mediante um
Inquérito Civil iniciado no Ministério Público Federal, sua realocação para outra área
do município. Esse grupo, formado por pescadores, pequenos agricultores e
pequenos comerciantes, não desejam mais conviver com as contaminações
ambientais, assim como afirmam não acreditar ser possível a reversão da poluição,
de forma que preferem ser remanejados. Portanto, mesmo expressando sua vontade
de se deslocar, o procedimento - que até a finalização desta dissertação não havia
ainda realocado nenhum dos interessados – se mostra dificultado, por questões
fundiárias, não havendo concordância sobre o valor adequado das terras ocupadas
por essas famílias e suas benfeitorias.
Lugares que concentram atividades poluidoras possibilitam às empresas o
benefício da dúvida quanto a responsabilidade pelos danos ambientais, já que estes,
141

quando verificados, poderiam ter sido causados por qualquer dos empreendimentos.
As perícias, muitas vezes, não conseguem apontar com precisão quais fatos
desencadearam determinado dano ambiental, ou, quando é possível, muitas vezes o
dano é consequência de uma somatória de incidentes poluentes. A dificuldade de
atribuição de responsabilidade por níveis de poluição verificados em zonas de
sacrifício torna cobrança por reparação e indenização (até mesmo a
responsabilização criminal) também difícil, já que as empresas costumam não assumir
os danos e alegar que se trata de uma localidade onde se sediam diversas empresas
potencialmente poluidoras.
No caso do naufrágio do navio Haidar, as perícias verificaram a existência no
rio de certas substâncias em altas quantidades, assim como afirmaram que essa
presença tornava o ambiente inadequado para a vida marinha e tornava a água
imprópria para a utilização. Ademais, as perícias apontavam a decomposição dos bois
no fundo do rio como possível causa da presença em quantidades altas dessas
substâncias. Essas constatações periciais embasaram a defesa de que não seria
possível atribuir responsabilidade às empresas envolvidas na exportação de bois
vivos – mesmo após o naufrágio e permanência do navio e carcaças bovinas no rio
Pará – pela poluição alegada nos laudos, pois a cidade de Barcarena sedia diversos
empreendimentos que exercem atividades poluidoras.
142

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 O discurso de desenvolvimento para Amazônia no capitalismo brasileiro:

5.1.1 O discurso do desenvolvimento


A expansão de empreendimentos de commodities minerais e agrícolas tem sido
uma tendência dos países da América Latina – fortemente na Amazônia brasileira - a
partir das transformações da economia mundial no final do século XX e dos projetos
de desenvolvimento dos governos nacionais, como relatado no item 2.3 desta
dissertação, sobre o caso de Barcarena. Há um discurso de que o desenvolvimento
na Amazônia passa pela ação dos grandes capitais, que seriam os agentes capazes
de dar conta da grande dimensão territorial e das grandes potencialidades da região
(MONTEIRO e MONTEIRO, 2007).
Propaga-se um discurso de modernização e desenvolvimento a partir da
chegada de grandes empreendimentos em cidades pequenas e médias da Amazônia,
mas a realidade demonstra que há apenas crescimento econômico para as empresas
nessas localidades - marcado por desigualdade social e degradação ambiental.
Nesse contexto, fugindo da noção de que o desenvolvimento traz consigo
uma idéia de calma, tranquilidade e equilíbrio, é preciso deixar claro que o
desenvolvimento significa, por sua própria natureza, um estado de tensão.
Significa predispor-se o tempo todo, embaraçar, estorvar, transtornar e
obstaculizar as forças do atraso estrutural. Desenvolvimento é a anti-
serenidade, a anticoncórdia prévia, é a não “paz de espírito”. (BRANDÃO,
2004, p. 25)

Compreender o desenvolvimento dessa maneira rompe com ideia de que para


um lugar se desenvolver deve-se seguir uma trajetória predefinida de crescimento
econômico - no caso dos grandes projetos, essa trajetória passa pela instalação e
funcionamento das empresas, que melhorariam a vida da população local pela
geração de empregos, renda e recolhimento de impostos -, para ao final resultar
supostamente no alcance dos padrões de vida de países centrais (BRANDÃO, 2008).
O discurso de modernização também aparece recorrentemente como
legitimador da instalação desses grandes projetos na Amazônia. A destruição de
práticas da vida tradicional daquelas populações é permeada pela ideia de que é
necessário superar certas formas de organização da vida social para se alcançar a
modernidade, que seria indissociável da ideia de desenvolvimento. Em Barcarena
essa dimensão da modernização está totalmente expressa como tentativa de
143

legitimação dos empreendimentos, quando uma matéria jornalística exalta os


benefícios trazidos pelo polo industrial, denominando a relação da empresa com a
população local de “civilização do alumínio”, em uma tentativa de atribuir um efeito
civilizador à instalação das indústrias e suas infraestruturas na cidade (MONTEIRO e
MONTEIRO, 2007). Entretanto, a realidade tem demonstrado que o ideal de
desenvolvimento e modernidade só é atingido em certos lugares e os estudos sobre
a cidade de Barcarena apontam para concentração de renda e crescimento da
pobreza (vide item 2.6).
O discurso legitimador da instalação e manutenção dessas grandes empresas
em pequenas e médias cidades do interior da Amazônia está impregnado com a noção
de que o subdesenvolvimento é meramente uma conformação oriunda de certo
percurso histórico e econômico; e de desenvolvimento, que entende esse processo -
do subdesenvolvimento ao desenvolvimento - enquanto um caminho para o qual
haveria uma “receita”. Seguir certos passos levaria a modernização, ao progresso
(BRANDÃO, 2008). Entretanto, ignora-se que o sistema capitalista de produção, em
todo seu funcionamento, é o que impulsiona os desequilíbrios que mantém e produz
certos lugares desenvolvidos e outros subdesenvolvidos. Portanto, a existência de
lugares subdesenvolvidos é essencial para a expansão do capitalismo (HARVEY,
2005).
Percebe-se que o Brasil, historicamente, investe em programas políticos para
economia que explora a capacidade de exportação de commodities, assumindo os
impactos sociais e ambientais que essas políticas envolvem, mesmo que sejam
setores que agregam pouco valor às mercadorias – como ocorre em Barcarena, onde
as atividades dos grandes empreendimentos resultam em produtos semi-elaborados
e a verticalização da produção é incipiente (COELHO et al, 2010). Esse quadro insere
o Brasil em determinada posição na divisão internacional do trabalho, que em certos
momentos pode até ser capaz de garantir melhorias na qualidade de vida da
população, mas que sempre mantém distanciamento dos padrões dos países centrais.
Harvey (2005) explica que essa lógica de desigualdade entre Estados nacionais
decorre das práticas imperialistas do sistema capitalista 1 atual:

1
Entendendo o imperialismo capitalista “como uma fusão contraditória entre ‘a política do Estado e do
Império’ (o imperialismo como projeto distintivamente político da parte de atores cujo poder se baseia
no domínio de um território e numa capacidade de mobilizar os recursos naturais e humanos desse
território para fins políticos, econômicos e militares) e ‘os processos moleculares de acumulação do
capital no espaço e no tempo’ (o imperialismo como um processo político-econômico difuso no espaço
144

As práticas imperialistas, do ponto de vista da lógica capitalista, referem-se


tipicamente à exploração das condições geográficas desiguais sob as quais
ocorre a acumulação do capital, aproveitando-se igualmente do que chamo
de as “assimetrias” inevitavelmente advindas das relações espaciais de troca.
Essas últimas se expressam em trocas não-leais e desiguais, em forças
monopolistas espacialmente articuladas, em práticas extorsivas, vinculadas
com fluxos de capital restritos e na extração de rendas monopolistas. A
condição de igualdade costumeiramente presumida em mercados de
funcionamento perfeito é violada, e as desigualdades resultantes adquirem
expressão espacial e geográficas específicas. A riqueza e o bem-estar de
territórios particulares aumentam a custa de outros territórios. As condições
geográficas desiguais não advém apenas dos padrões desiguais da dotação
de recursos naturais e vantagens de localização; elas são também, o que é
mais relevante, produzidas pelas maneiras desiguais em que a própria
riqueza e o próprio poder se tornam altamente concentrados em certos
lugares como decorrência das relações assimétricas de troca. Esse é o ponto
no qual a dimensão política retorna ao panorama. Uma das tarefas essenciais
do Estado é tentar preservar o padrão de assimetrias espaciais de troca que
seja vantajoso para ele. [...] Em suma, o Estado é a entidade política, o corpo
político mais capacitado para orquestrar esses processos. É provável que a
capacidade de fazê-lo resulte na diminuição da riqueza e do poder do Estado.
[...] Do ponto de vista da acumulação do capital, a política imperialista
envolve, no mínimo, a manutenção e a exploração de quaisquer vantagens
em termos de dotação de recursos e de assimetrias que se possa adquirir
mediante o poder do Estado. (HARVEY, 2005, p. 35/36)

Nesse sistema de produção, as relações entre os territórios são intermediadas


pela lógica de acumulação do capital. Portanto, muitas vezes, faz-se necessário o
controle do território quando este é considerado um meio para alcançar o objetivo de
acumulação - não se podendo reinvestir o excedente dentro de um Estado, emergem
as práticas imperialistas sobre outros países -, de forma que predomina a lógica do
capital nas políticas territoriais.
O desenvolvimento enquanto processo multifacetado de intensa
transformação estrutural resulta de variadas e complexas interações sociais
que buscam o alargamento do horizonte de possibilidades de determinada
sociedade. Deve promover a ativação de recursos materiais e simbólicos e a
mobilização de sujeitos sociais e políticos buscando ampliar o campo de ação
da coletividade, aumentando sua autodeterminação e liberdade de decisão.
Neste sentido o verdadeiro sentido de desenvolvimento exige envolvimento e
legitimação de ações disruptivas, portanto envolve tensão, eleição de
alternativas e construção de trajetórias históricas, com horizontes temporais
de curto, médio e longo prazos. Essa construção social e política de
trajetórias sustentadas e duradouras deve ser dotada de durabilidade
orgânica, sendo permanentemente inclusiva de parcelas crescentes de

e no tempo no qual o domínio e o uso do capital assumem a primazia). Com a primeira expressão
desejo acentuar as estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um Estado
(ou por algum conjunto de Estados que funcionam como um bloco de poder político) em sua luta para
afirmar seus interesses e realizar suas metas no mundo mais amplo. Com essa última expressão,
concentro-me nas maneiras pelas quais o fluxo do poder econômico atravessa e percorre um espaço
contínuo, na direção de identidades territoriais (tais como Estados ou blocos regionais de poder) ou em
afastamento delas mediante as práticas cotidianas da produção, da troca, do comércio, dos fluxos de
capitais, das transferências monetárias, da migração do trabalho, da transferência de tecnologia, da
especulação com moedas, dos fluxos de informação, dos impulsos culturais e assim por diante.”
(HARVEY, 2005, p. 31/32)
145

populações marginalizadas dos frutos do progresso técnico,


endogeneizadora de centros de decisão e ter sustentabilidade ambiental.
(BRANDÃO, 2008, p. 3)

5.1.2 O capitalismo brasileiro e a posição do país na Divisão Internacional do


Trabalho
Francisco de Oliveira (2015) aponta resumidamente a posição que o Brasil
assume nessa divisão internacional do trabalho no decorrer do século XX, que nos
indica a incapacidade de alcançar crescimento econômico que se espraie para um
desenvolvimento em outras dimensões:
A crise dos anos 1930, em todo o sistema capitalista, cria o vazio, mas não a
alternativa de rearticulação; em seguida, a Segunda Guerra Mundial
continuará obstaculizando essa rearticulação e, não paradoxalmente,
reativará o papel de fornecedor de matérias-primas de economias como a do
Brasil. O mundo emerge da guerra com um problema crucial, qual seja o de
reconstruir as economias dos países ex-inimigos, a fim de que, entre outras
coisas, evitar uma expansão do socialismo nos países já desenvolvidos (esse
sistema se expandirá exatamente na periferia). E essa reconstrução não
apenas desvia os recursos que, alternativamente, numa perspectiva
prebischiana, poderiam ser aplicados nos países não industriais do sistema
capitalista, como restaura algo da divisão internacional do trabalho do pré-
guerra: a reconstrução das economias devastadas terá a indústria como
estratégia central e o comércio de manufaturas entre as nações industriais do
sistema será condição de viabilidade da estratégia; aos países não-industriais
do sistema continuará cabendo, por muito tempo, dentro dessa divisão do
trabalho, o papel de produtor de matérias-primas e produtos agrícolas.
(OLIVEIRA, 2015, p. 62-63)

O processo de industrialização do Brasil ocorreu sem ruptura com o antigo


modelo de acumulação - a economia agrária que preservava formas arcaicas de
funcionamento e ajudava a baixar o custo da reprodução da força de trabalho nas
cidades -, que continuou sendo grande gerador de divisas ao país2. A alteração foi na
estrutura de poder, em que a classe burguesa-industrial passou a posição de
hegemonia. Ademais, a industrialização tardia teve necessidade de acompanhar o
avanço das indústrias contemporâneas ao redor do mundo naquele momento,
entretanto sem dispor de estrutura de serviços, o que fez com que esses serviços
crescessem quase sem capitalização, na intenção apenas de retirar custos da
produção fabril.
As empresas que se localizam em Barcarena, que um dia foram de capital
majoritariamente nacional e estatal, hoje representam grandes empresas
multinacionais, que pela sua instalação no interior da Amazônia não ensejam novas

2
A preservação de formas arcaicas da economia agrária é o que Francisco de Oliveira chamou de uma
“especificidade particular” do processo de industrialização brasileiro.
146

oportunidades em um mercado competitivo, mas oportunizam a extensão do seu


próprio capital em direção a um mercado oligopolístico.
Como singularidade e não elo na cadeia do desenvolvimento, e pela
“consciência”, o subdesenvolvimento não era, exatamente, uma evolução
truncada, mas uma produção da dependência pela conjunção lugar na divisão
internacional do trabalho capitalista e articulação dos interesses internos.
(OLIVEIRA, 2015, p. 127)

Pode-se dizer que o Brasil é eficiente na produção de mercadorias pouco


elaboradas. A produção primária de alumínio em Barcarena, por exemplo, possui
capacidade competitiva no mercado externo, pelo acesso a matéria-prima, custo e
qualidade adequados, certa padronização no processo de produção e por não haver
grandes restrições ambientais. Entretanto, quando se fala da produção de
mercadorias mais elaboradas, com maior transformação, utilizando tecnologias mais
avançadas, essa capacidade competitiva diminui. Tem-se verificado, por meio de
pesquisas econômicas, que os investimentos industriais no Brasil geram poucos
encadeamentos, poucos impostos, pouco emprego e poucas divisas, sem atualização
desses mercados produtivos (BRANDÃO, 2004).
Brandão (2010) caracteriza o capitalismo brasileiro pela constante coexistência
de acumulação de natureza primitiva e novas formas de acumulação por
despossessão/espoliação. De maneira que a acumulação primitiva contínua 3 se dá
pela apropriação privada intensiva e extensiva do território, assim como a retenção
especulativa da terra, enquanto propriedade, e do dinheiro. Trata-se de processo
constante de expropriação, na medida em que o domínio e o acesso dos bens são
retirados de outrem. Assim, as heterogeneidades da realidade brasileira foram,
historicamente, utilizadas em razão da valorização econômica por uma elite rentista e
patrimonialista.
“A exploração mercantil encontrou reiteradamente vantagens expandidas ao
se apropriar das potências possibilitadas pela variedade de fronteiras de
acumulação disponibilizadas, espaços potenciais abertos, facultados e
desimpedidos para extração de lucros com pouco ou nenhum risco. Lógicas
e processos extensivos lograram itinerar pelo vasto território, descortinando,
incorporando e protegendo nichos, domínios e reservas de valorização,
exploração de energias renovadas ou previamente acumuladas (por vezes
através do uso de formas e relações sociais pretéritas de produção), tirando
proveito de recursos ociosos, ocultos ou entorpecidos, apropriando-se de

3
Para além da concepção marxista de acumulação primitiva, enquanto o momento do fim do modo de
produção feudal e início do sistema de produção capitalista, considera-se aqui a acumulação primitiva
como movimento constante do capitalismo, que continuamente expropria territórios, recursos e
conhecimentos de seus possuidores para sua inserção na lógica capitalista.
147

ganhos fáceis e, acima de tudo, resguardando autoritariamente os interesses


do atraso.” (BRANDÃO, 2010, p. 49)

A acumulação de capital por meio de acumulação primitiva é facilitada no Brasil


pela abundância de terras e recursos naturais, pela disponibilidade de força de
trabalho e pelos subsídios públicos. Essa lógica de funcionamento do sistema de
produção capitalista caracteriza, de maneira evidente, a extração de minérios do solo,
que explora certos territórios - no que se refere ao recurso natural propriamente dito,
mas também a força de trabalho - até o esgotamento do recurso, quando se locomove
para novas áreas de extração.
A partir dessa busca por fronteiras e apropriação e utilização do território de
forma itinerante, formaram-se polos de crescimento econômico pela exploração dos
recursos naturais e da mão-de-obra barata com pouca continuidade territorial e
conexão entre si (COELHO, MONTEIRO e SANTOS, 2004).
Segundo Brandão (2010), essas estratégias de desenvolvimento econômico –
como as aplicadas na Amazônia - vem, majoritariamente, por meio de decisões
tomadas fora do território - com heteronomia. As decisões são tomadas em diversas
escalas - internacionalmente pelas empresas, nacional e regionalmente pelos
governos da União e dos entes federativos - e são aplicadas no local, enquanto
espaço físico onde a população (impactada) vive. Os projetos são alocados em
pequenas e médias cidades amazônicas, sem qualquer diálogo com a economia e
com os modos de vida locais e com formas muito precárias de distribuição das
vantagens oriundas da exploração econômica dos recursos naturais às populações
locais.
Em Barcarena, onde o setor mineral não atua na extração propriamente dita do
minério (bauxita ou caulim) do solo, mas pela transformação da matéria-prima em
produto primário (lingotes e liga de alumínio e caulim beneficiado), para além do marco
temporal em que o município foi inserido nessa rede de locais onde a produção
capitalista é intensa - num processo de acumulação primitiva -, a privatização das
empresas que manejam recursos naturais e provocam degradação do ambiente
expropriam a sociedade como um todo do usufruto do meio ambiente saudável e de
qualquer possibilidade de mínima distribuição da riqueza produzida, processo que
caracteriza o que Harvey (2003) denomina de acumulação por espoliação.
A acumulação por espoliação pode ser entendida enquanto a expropriação de
certos espaços que já se apresentam como arenas de acumulação, pela
148

desvalorização de certos ativos (como a degradação ambiental), a fim de criar novas


oportunidades lucrativas que absorverão excedentes de capitais.
Portanto, fala-se, aqui não apenas da remoção da população de seus sítios,
mas de processo de degradação ambiental - do solo, das águas e do ar - que se protrai
e se intensifica no tempo, minando os modos de vida e subsistência dessa
coletividade, além de provocar a incidência de diversas mazelas de saúde que podem
estar ligadas a exposição a essa degradação do meio. Todo esse processo fragiliza a
resistência a novos empreendimentos - que podem ser entendidos como as referidas
novas oportunidades lucrativas nas quais se alocam os excedentes de capitais - e
aprofundam a expropriação de recursos naturais, enquanto ativos que são
considerados pela Constituição Federal4 bem de uso comum do povo, configurando
aquele território enquanto uma zona de sacrifício.
Dessa forma, a falta de capacidade de decisão sobre o desenvolvimento local
ou regional endogenamente obstaculiza a construção de cidadania plena, pois o
aprofundamento da desigualdade vulnerabiliza cada vez mais as populações locais
da Amazônia. Ao serem extirpadas de seus meios próprios de subsistência - seja
através das remoções que subtraem o modo de vida de colonos, seja pela poluição
que dificulta ou impede o usufruto dos recursos naturais -, essas populações passam
a depender de práticas assistencialistas, tanto do governo quanto das empresas que
se instalam no território, o que transforma os sujeitos de direitos em uma espécie de
demandante ou consumidor de serviços e assistência.
Não se advoga aqui pelo retorno aos modos de vida anteriores a instalação de
indústrias de minérios semiacabados, mas ressalta-se que a desigualdade entre os
atores que ocupam esses territórios fragiliza a conquista de direitos sociais,
inviabilizando, portanto, processos de desenvolvimento mais democráticos,
participativos e igualitários.
Configura-se o conflito socioambiental pela proximidade, no qual agentes
diversos disputam o espaço e seus recursos com interesses diversos – seja pelo
desenvolvimento econômico, seja pela preservação de práticas espaciais 5 da

4
Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: “Art. 225. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações”.
5
“fluxos, transferências e interações físicas e materiais que concorrem no e ao longo do espaço de
maneira a garantir a produção e a reprodução social” (HARVEY, 1992 apud ACSELRAD, 2010)
149

população local e sua qualidade de vida. Ademais, entram no embate, ainda, as


divergentes concepções de desenvolvimento – disputa pelo conceito de
desenvolvimento que não abarque apenas a dimensão material.
Rivalidades de poder acontecem entre atores que buscam apropriar-se ou
controlar um território cuja natureza e cuja superfície variam muito. Convém,
no entanto, ressaltar que essa apropriação não reveste um controle político
mais diz comumente respeito à imposição de usos a atores cujos interesses
concorrentes e/ou contraditórios. (SUBRA, 2008 apud LEITE; MONIÉ, 2014)

5.2 Apontamentos finais sobre a cidade de Barcarena enquanto zona de


sacrifício

A decisão de localização das primeiras indústrias na cidade de Barcarena, para


além de todas as justificativas oficiais quanto às vantagens comparativas que o
território oportunizava, se deu em razão de ser um município habitado por pessoas
com pouco poder político e social – no sentido de ser uma população majoritariamente
de baixa renda, majoritariamente não-branca, com acesso limitado às instâncias de
decisão política, assim como pouca capacidade de deslocamento espontâneo para se
afastar dos riscos ambientais – por meio de processos de acumulação primitiva e
acumulação por despossessão. Somado a isso, vivia-se, durante a chegada das
primeiras indústrias à cidade, um período não democrático, de forma que a população
local considerou que não foram informadas adequadamente sobre as implicações
daquelas instalações industriais, o que obstaculizou a possibilidade de resistência.
Com o passar do tempo, a população começa a perceber que as promessas
de desenvolvimento para a cidade não se concretizaram, ao contrário, aprofundou-se
a precariedade pela diminuição do acesso a recursos naturais não degradados. Essa
constatação dos moradores de Barcarena acompanha os dados sociais oficiais –
como disponibilidade de equipamentos urbanos, escolaridade, dentre outros -
recolhidos sobre a cidade, que não apontam diferenciações de Barcarena em relação
a outros municípios do norte do Brasil, que não sediam empreendimentos ditos
promotores de desenvolvimento.
De maneira oposta, emergem conflitos socioambientais pela incompatibilidade
de convivência entre empresas poluidoras e uma população que tem ligação estreita
com os recursos naturais, através de suas atividades profissionais, mas também de
seu modo de vida. Esses conflitos socioambientais evidenciam a distribuição desigual
dos riscos e danos ambientais, quando é acionada a pergunta do porquê aquelas
150

indústrias se localizam em Barcarena e não nos países de origem dos grupos


econômicos que as detêm.
As cidades [Paraupebas, Tucuruí e Barcarena] e os projetos aos quais se
vinculam acabam por exercer também grande pressão sobre a floresta, uma
vez que a lógica da implantação que as preside está associada a exploração
dos recursos ligados aos circuitos globais, como a exploração de ferro, de
bauxita e da água para a produção da energia elétrica. Essa lógica
extravertida e com vínculos de relações verticalizadas, estabelece pouca
integração orgânica com o entorno e com a vida local próxima dos projetos e
de suas cidades.
Implica, em consequência, num distanciamento dos novos comportamentos
difundidos em relação aos saberes e valores da floresta, responsáveis, em
grande parte, pela atitude de preservação da vida e do ecossistema ali
presentes. Essa mesma forma de articular o local com o global, negando
aquele primeiro e seus conteúdos mais enraizados, é responsável,
igualmente, por caracterizar esses núcleos urbanos como cidades pequenas,
mas não necessariamente como cidades locais, dada a pouca interação e
respostas às necessidades e demandas do entorno. (TRINDADE JÚNIOR,
2013, p. 12-13)

Em minhas primeiras visitas em Barcarena - com intuito de analisar as


estratégias de luta dos grupos sociais organizados a partir do naufrágio do navio
Haidar -, durante as conversas que me apontavam a dificuldade de articulação entre
os movimentos sociais organizados na cidade a fim de conformar uma resistência
mais potente, eu não conseguia compreender como incidentes de danos ambientais
graves denunciados por moradores engajados em diversas arenas não fosse capaz
de alterar de forma mais estrutural as dinâmicas municipais.
Entretanto, aos poucos, as falas dos moradores entrevistados apontavam para
a complexidade de organização daquela rede que empresas, movimentos sociais e
órgãos públicos forma. Minhas perguntas sobre o naufrágio do navio Haidar sempre
terminavam em relatos de outros casos e seus desdobramentos. É difícil focar em um
incidente danoso, se eles são corriqueiros. Aquelas falas, consideras leigas para tratar
de assuntos supostamente de caráter técnico e científico, como a poluição ambiental,
têm muito a informar.
A partir dessas falas, percebe-se que a instalação das primeiras indústrias não
somente atraiu novos empreendimentos pela disponibilidade de equipamentos
infraestruturais, mas porque desvalorizou mais ainda aquele território considerado
como fronteira econômica. Barcarena, a partir das primeiras indústrias, passou a ser
um território já poluído, com disponibilidade de infraestrutura e habitado por uma
população cada vez mais vulnerabilizada pela dificuldade de reprodução do seu modo
151

de vida em um ambiente contaminado. Portanto, se mudarmos a perspectiva de


análise, onde há um polo industrial, percebemos uma zona de sacrifício.
Observam-se governos distintos entre si, nesse período que vai da ditadura
militar até os dias de hoje, mas que priorizaram uma política econômica e territorial
semelhante para a Amazônia, que pode ser representada pela cidade de Barcarena,
atrelando as decisões de localização aos interesses de capitais, primordialmente
internacionais.
152

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160

ANEXOS
Anexo A – Fotos da Audiência Pública sobre o vazamento de rejeitos da empresa
Hydro Alunorte, realizada em 22 de março de 2018:

Audiência Pública – vazamento de rejeitos Hydro Alunorte 2018

Fonte: Acervo Ministério Público do Estado do Pará.


161

Denúncias em Cartazes
162
163
164

Fonte: Acervo Ministério Público do Estado do Pará.

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