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História da arquitetura brasileira: pesquisas monográficas e

trabalhos panorâmicos (1)

Abilio Guerra

Durante muito tempo, dois livros mitológicos reinaram quase solitários como
explicadores da arquitetura moderna brasileira: Brazil Builds, de Philip Goodwin,
publicado em 1943 (GOODWIN, 1943); e Arquitetura moderna no Brasil, de Henrique
Mindlin, publicado em 1956 (MINDLIN, 1956). Na década seguinte, o volume não
autorizado Lucio Costa: sobre arquitetura, organizado e publicado por Alberto Xavier
em 1962 (XAVIER, 1962), trará a um público maior os textos e as ideias do grande
mestre da arquitetura moderna brasileira, que orientaram as duas primeiras
publicações. Somente muito tempo depois é que surgiram outras colaborações
significativas: em 1979, com a publicação de Arquitetura brasileira, de Carlos Lemos
(LEMOS, 1979); em 1981, com o livro Quatro séculos de arquitetura no Brasil, de
Paulo F. Santos (SANTOS, 1981). A proximidade temporal entre estas duas
publicações – cuja relevância está muito mais em incorporarem novo olhar sobre um
tema circunscrito por uma visão quase axiomática – prenuncia a chegada do livro que
revolucionará a situação modorrenta.
No início dos anos 80, precisamente no ano de 1981, o primeiro grande
manual, de autoria de Yves Bruand (BRUAND, 1981), dá início de fato à estruturação
da história da arquitetura moderna em nosso país. Com uma bibliografia constituída
hegemonicamente de periódicos e consultas às fontes primárias, o geógrafo francês
constituirá um notável painel do desenvolvimento de nossa arquitetura ao longo do
século passado. Das doze páginas dedicadas à bibliografia, Bruand ocupa apenas
uma com os livros sobre o Brasil, sendo que estão abordadas as áreas de arquitetura
(da colonial até a contemporânea), urbanismo e geografia. Específicos sobre
arquitetura moderna no Brasil, são muito poucos os títulos, de autoria de Attílio Correa
Lima, Geraldo Ferraz, Oscar Niemeyer e Stamo Papadaki, além dos já mencionados
Lúcio Costa, Philip Goodwin e Henrique Mindlin. Como a tese original em francês de
Bruand é de 1971 (L’architecture contemporaine au Brésil), não aparecem na
bibliografia os mencionados livros de Carlos Lemos e Paulo F. Santos.
É impressionante hoje constatar que se operou neste episódio uma inversão
da ordem natural das coisas: a de os trabalhos panorâmicos de maior fôlego

1 Este artigo é baseado no seguinte texto: GUERRA, Abilio. Monografia sobre Salvador Candia
e a necessidade de um diálogo acadêmico. Resenhas Online, São Paulo, n. 07.078, Vitruvius,
jun 2008 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.078/3071>.

1
aparecerem depois de um número ponderável de investigações mais pontuais e
aprofundados, como atestam os livros História da arquitetura moderna, de Leonardo
Benevolo (BENÉVOLO, 1976), História crítica da arquitetura moderna, de Kenneth
Frampton (FRAMPTON, 1997), Arquitetura moderna desde 1900, de William Curtis
(CURTIS, 2008), Arte moderna, de Giulio Carlo Argan (ARGAN, 1992), todos eles
tributários de um conjunto expressivo de pesquisas específicas desenvolvidas em
vários países europeus e nos Estados Unidos. Os livros estrangeiros mencionados,
que conformam os grandes painéis críticos da arquitetura moderna internacional após
os livros-manifestos dos arquitetos engajados – Reyner Banham, Sigfried Giedion,
Nikolaus Pevsner, Emil Kaufmann e Bruno Zevi – foram publicados respectivamente
em 1960, 1980, 1982 e 1988. Ou seja, com exceção do livro de Benevolo, todos os
outros foram publicados na mesma década do livro de Bruand, o que dá uma medida
do significado desta obra monumental.
Coube a Hugo Segawa enfrentar o desafio de publicar o primeiro manual pós-
Bruand. Seu livro Arquiteturas no Brasil – 1900-1990 (SEGAWA, 1998) vai abrir um
leque grande de encaminhamentos paralelos da nossa arquitetura, se beneficiando de
um conjunto já expressivo de pesquisas acadêmicas com recortes mais específicos,
diversas delas monográficas. Contudo, a data de sua primeira edição, o ano de 1998,
é um tanto enganosa, pois – conforme nos explicou o próprio autor por ocasião da
publicação – os originais, baseados em publicação ocorrida anteriormente no México,
ficaram parados por diversos anos na Edusp e não passaram por uma atualização
quando foram finalmente publicados. E foram anos cruciais, quando começaram a
surgir os primeiros trabalhos relevantes dentro dos programas de pós-graduação,
muitos deles ausentes da obra de Segawa.
Depois deste, somente outros dois livros pretenderam pintar painéis amplos
da arquitetura brasileira moderna e contemporânea, ambos de publicação recente e
focando a segunda metade do século 20: Architettura Contemporanea: Brasile, de
Renato Anelli (ANELLI, 2008) 2 ; e Brasil: arquiteturas após 1950, de Maria Alice
Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (BASTOS/ZEIN, 2010). O livro de Anelli se
defronta com as restrições inescapáveis a um livro para estrangeiros, com um projeto
gráfico-editorial que impôs restritas 144 páginas e pouquíssimas ilustrações; contudo,
tais limitações não impendem a entrada de salutar lufada de vento, que areja um
cenário de convicções arraigadas, muitas delas preconceituosas, como é o caso de

2 O livro, publicado originalmente em italiano, mereceu uma versão em francês, mas não tem
ainda tradução para o português.

2
não ver qualquer contribuição digna de nota no período pós-moderno vivenciado pelo
Brasil nos anos 1980. O livro da dupla Bastos/Zein é muito recente e seria prematuro
manifestar comentários apressados, mas é flagrante em um simples passar de olhos a
diversidade de temas e enfoques, ampliando bastante os presentes nos manuais
anteriores. No que diz respeito ao argumento central de nossa apresentação, não há
risco algum em afirmar que ambos os livros se beneficiam em muito da crescente e
cada vez mais sólida produção historiográfica sobre a arquitetura brasileira do século
20, em especial a que se produziu nos últimos 25 anos.
O rol de teses e dissertações mencionado a seguir não é fruto de um
levantamento exaustivo, mas do conhecimento prévio a partir de participação em
bancas, de indicações de colegas e de consultas feitas por motivos diversos. Um
levantamento mais sistemático seria necessário para um balanço mais preciso, o que
poderia implicar em alguma correção nas afirmações aqui presentes, talvez um tanto
impressionistas. Também é bom destacar que há uma excessiva hegemonia de
trabalhos desenvolvidos em São Paulo, cidade onde desenvolvemos nosso trabalho.
Mas apesar destes e outros vícios de origem, o que temos em mente é apresentar um
painel de como a pesquisa acadêmica, e em especial os trabalhos monográficos, têm
montado uma estrutura cada vez mais sólida de referências, que permitirão em futuro
breve uma leva de novos manuais compatível com a qualidade e diversidade de nossa
arquitetura.
O surgimento e consolidação dos cursos de pós-graduação em São Paulo e
no Rio de Janeiro, fenômeno depois acompanhado por outras importantes capitais e
cidades brasileiras, acabou permitindo que, dentre outras temáticas igualmente
relevantes, a abordagem monográfica de arquitetos brasileiros fosse reiteradamente
testada e desenvolvida. Lembramos que no dicionário de Aurélio Buarque de Holanda
o termo monografia é definido como “dissertação ou estudo minucioso que se propõe
esgotar determinado tema relativamente restrito”. No caso, consideramos para a
finalidade específica desta apresentação que a abordagem monográfica de um
determinado arquiteto é a pesquisa que se detém sobre a totalidade ou a parte de uma
determinada obra autoral.
Como seria de se esperar, os personagens mais expressivos de nossa
arquitetura, como Oscar Niemeyer (VALLE, 2000; CASTOR, 2004; QUEIROZ, 2007),
Affonso Eduardo Reidy (KAMITA, 1994; CENIQUEL, 1996), Vilanova Artigas (BUZZAR,
1996; THOMAZ, 1997; CORREA, 1998; SUZUKI, 2000; IRIGOYEN DE TOUCEDA,
2000; COTRIM, 2008), Rino Levi (ANELLI, 1990; MACHADO, 1992; ANELLI, 1995;

3
GONSALES, 2000; ARANHA, 2003; VILLELA, 2003), Oswaldo Bratke (CAMARGO,
2000)3, Lucio Costa (MARTINS, 1987; GUERRA, 2002; CARRILHO, 2003; RIBEIRO,
2005) e Roberto Burle Marx (OLIVEIRA, 1998; DOURADO, 2000), foram alvos de
mestrados e doutorados, alguns deles merecedores de duas ou mais pesquisas sobre
aspectos variados de suas obras. Estas pesquisas vieram a se alinhar àquela que
talvez seja a monografia precursora, ao menos em São Paulo – a sobre Flávio de
Carvalho, de autoria de Luiz Carlos Daher (DAHER, 1979) – e que viria a se
transformar em livro marco de nossa historiografia.4 A seguir, tivemos uma profusão de
trabalhos que escrutinaram arquitetos de nossa tradição moderna. A convergência
geográfica se deu nas capitais de Rio e São Paulo, aonde temos o adensamento do
debate cultural arquitetônico e conseqüente produção qualificada, como também o
pioneirismo dos cursos de pós-graduação na área de arquitetura, a FAU USP e a FAU
UFRJ.
Do universo carioca podemos mencionar, dentre outras, dissertações de
mestrado e teses de doutorado sobre os arquitetos Attilio Correa Lima (ACKEL, 2007),
Francisco Bolonha (MACEDO, 2003), Alcides da Rocha Miranda (NOBRE, 1997),
Irmãos Roberto (PEREIRA, 1993), Jorge Machado Moreira (MORAES, 2001) e
Severiano Porto (LIMA, 2004).
Do universo paulista é possível mencionar Paulo Mendes da Rocha (ZEIN,
2000), Pedro Paulo de Mello Saraiva (MENDONÇA, 2006), Abrahão Sanovicz (SILVA,
2004), Carlos Millán (FAGGIN, 1992; MATERA, 2006), Eduardo Longo (CARRANZA,
2004), Eduardo Kneese de Mello (REGINO, 2006; MONTENEGRO FILHO, 2007),
Artacho Jurado (FRANCO, 2004) e Eduardo de Almeida (IMBRONITO, 2008).
Algumas pesquisas monográficas mereceram uma versão publicada em livro, duas
delas por nossas mãos – uma sobre o chamado Grupo Arquitetura Nova, formado
pelos arquitetos Flavio Império, Sérgio Ferro e Rodrigo Lefrève, pesquisa de Ana
Paula Koury (KOURY, 1999); outra, de autoria de Luciana Tombi Brasil, sobre
residências de David Libeskind (BRASIL, 2004). Mesmo arquitetos em plena atividade,

3 A tese de Mônica Junqueira de Camargo é subproduto direto do Projeto de pesquisa


“Arquitetura de Oswaldo Arthur Bratke”, coordenado por Hugo Segawa durante os anos de
1995-1997, que contou com a participação de Mônica Junqueira de Camargo e Guilherme
Mazza Dourado, e resultou na publicação do livro Oswaldo Arthur Bratke, de Hugo Segawa e
Guilherme Mazza Dourado.
4 Posteriormente, outras duas pesquisas importantes foram realizadas sobre o arquiteto por
Rui Moreira Leite: A experiência sem número: uma década marcada pela atuação de Flávio de
Carvalho, de 1988; Flávio de Carvalho entre a experiência e a experimentação, de 1995.

4
como Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci (Brasil Arquitetura), já mereceram
recentemente a atenção acadêmica (NAHAS, 2009).
Ao contrário das pesquisas sobre os arquitetos cariocas, que foram
defendidas em cinco universidades de três Estados brasileiros – FAU USP, EESC
USP, PUC-Rio, FAU UFRJ, FAU UFRGS –, as teses e dissertações sobre os
arquitetos paulistas foram, com exceção de uma (Ruth Verde Zein, FAU UFRGS),
defendidas em universidades paulistas: FAU Mackenzie, FAU USP e EESC USP. Vale
ressaltar que utilizamos os adjetivos regionais não como marca de nascimento, mas
como identificador dos Estados aonde os arquitetos desenvolveram parte mais
importante de suas obras e com os quais, portanto, são mais comumente identificados
(sem falar que é ali em geral que seus acervos estão localizados). Daí os paranaenses
Vilanova Artigas e David Libeskind estarem aqui identificados como “paulistas”, o
carioca Luiz Nunes como “pernambucano” e o paulista Roberto Burle Marx como
“carioca”.
Também é flagrante o aumento quantitativo e qualitativo de centros
emergentes de pesquisa, com destaque para as pós-graduações em São Carlos
(EESC-USP), Porto Alegre (FAU UFRGS) e Salvador (FAU-UFBA), onde é possível se
encontrar pesquisas sobre arquitetos de inserção local ou nacional. Vale assinalar que
é curiosa a concentração de pesquisas sobre Lina Bo Bardi na UFBA, seguramente
induzida pela atuação da arquiteta italiana na cidade (BIERRENBACH, 2001;
CHAGAS, 2002; ROSSETTI, 2003). Se há alguns anos o estudo de um arquiteto com
atuação regional se dava necessariamente no eixo Rio–São Paulo – caso, por
exemplo, da presença de Luiz Nunes no Recife, que foi estudada na USP (VAZ, 1989)
–, já há algum tempo é possível verificar que eles são estudados na própria região, o
que melhora muito as condições de pesquisa devido à proximidade com a obra e o
acervo, como se pode verificar nos casos dos arquitetos Fernando Corona em Porto
Alegre (CANEZ, 1997) e Assis Reis em Salvador (NERY, 2002).
No caso de São Paulo, devido às circunstâncias específicas da imigração,
temos o rico manancial de arquitetos estrangeiros como Gregori Warchavchik
(FARIAS, 1990; LIRA, 2008), Lina Bo Bardi (OLIVEIRA, 2002; RUBINO, 2002; LUZ,
2004; COSTA NETO, 2004; COSULICH, 2007; OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA, 2008),
Giancarlo Palanti (ROCHA, 1991; SANCHES, 2004), Lucjan Korngold (FALBEL, 2003),
Hans Broos (DAUFENBACH , 2006), Franz Heep (BARBOSA, 2002) e Victor Reif
(REBOUÇAS, 2004), que também já mereceram suas teses e dissertações,

5
defendidas quase todas em escolas paulistas. 5 Com exceção do primeiro, Gregori
Warchavchik, que conta com inserção muito específica no universo arquitetônico
brasileiro na condição de pioneiro –, as pesquisas sobre as obras dos estrangeiros são
mais recentes e só foram possíveis após uma mudança de ótica das pesquisas, que
privilegiava de maneira quase axiomática os arquitetos nativos. Limitação à qual não
escapou Bruand, que menciona an passant os arquitetos estrangeiros:

“Os vários profissionais estrangeiros que se instalaram em São Paulo também


tem sido partidários fervorosos do estilo simples da escola racionalista, quer se
trate do francês Jacques Pilon, do alemão Arnold Heep, do polonês Lucjan
Korngold ou dos italianos Palanti e Lina Bo Bardi” (BRUAND, 1981, p. 267).

Mesmo que Lina mereça comentários mais entusiasmados do autor francês –


“principalmente esta alcançou renome internacional e encomendas em vários países
da América Latina” (BRUAND, 1981, p. 267) –, ela está destinada, como os demais, a
um papel secundário, que nem de longe corresponde ao que ocupa atualmente na
história da arquitetura brasileira.
Acreditamos que o papel secundário dado aos estrangeiros e o tom
neoclássico de sua obra inicial – algo também inaceitável para a visão crítica
hegemônica em nossa historiografia até pouco tempo atrás – sejam os motivos da
ausência de uma monografia mais sistemática sobre a trajetória do arquiteto francês
Jacques Pilon no Rio de Janeiro e São Paulo, o que explica, talvez, a existência de
uma solitária pesquisa monográfica sobre o arquiteto (FRANCO, 2009).
O processo de revisão crítica nos anos 1990 permitiu o surgimento de novas
pesquisas menos comprometidas com um pretenso caráter nacional de nossa
arquitetura, o que viabilizou não só a presença dos arquitetos estrangeiros nas
monografias acadêmicas – corrigindo uma distorção constrangedora, pois a presença
deles é um dos dados mais flagrantes na paisagem urbana de São Paulo –, mas
também um novo olhar sobre os arquitetos brasileiros.
Com isso foi possível se constatar as múltiplas influências sofridas por nossa
arquitetura ao longo das décadas, matizando de forma significativa o monocromatismo
inicial que enxergava de forma míope (talvez seja mais apropriado dizer “daltônica”)
apenas o filão corbusiano original, que seria a mola propulsora de um
desenvolvimento particular, que muitas vezes ganhou os contornos de um

5
A tese de Olivia de Oliveira foi defendida na UPC de Barcelona e as dissertações de
mestrado de Karine Daufenbach e Achilles Costa Neto na UFRJ e UFRGS, respectivamente.

6
processamento endógeno, sem vasos comunicantes com a produção externa. O
afrouxamento inicial desses grilhões e seu posterior rompimento permitiram a
comprovação de arquiteturas brasileiras ancoradas em outras produções do universo
moderno, trazendo para a cena nacional figuras como Frank Lloyd Wright, Richard
Neutra, Walter Gropius, Alvar Aalto etc.
Hoje já é corriqueiro se ouvir referências aos “wrightianos” ou “miesianos”
paulistas, o que é a face mais visível deste fenômeno ocorrido dentro das hostes
acadêmicas. Sobre a grande influência de Frank Lloyd Wright e alguns de seus
seguidores, em especial Richard Neutra, sobre a arquitetura brasileira já temos um
número expressivo de trabalhos (FUJIOKA, 2004; BERNARDI, 2008; FORESTI, 2008;
PEREIRA, 2010). 6 Sobre a influência de Mies van der Rohe em São Paulo, em
especial sobre a obra de Salvador Candia, já temos também ao menos uma pesquisa
interessante (FERRONI, 2008). Usamos aqui o termo “influência”, em geral
empobrecedor por sua unilateralidade, apenas para ilustrar conexões que
condicionaram de alguma forma o desenvolvimento de nossa arquitetura. É evidente
que estes contatos tinham mão dupla, como o comprova a obra tardia de Le Corbusier.
É nesse pano de fundo que o episódio das bienais de São Paulo ganha vulto
e expressão, pois são momentos onde a interlocução com as idéias estrangeiras se
potencializa, graças à presença ao vivo de importantes artistas e arquitetos da Europa
e Estados Unidos. Não é possível ficarmos impassíveis diante das presenças de Le
Corbusier, Walter Gropius, Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Siegfrid Giedion, Kenzo
Tange, Ernesto Rogers etc. A extrema importância das diversas edições da Bienal tem
ganhado cada vez mais presença nos trabalhos acadêmicos recentes e se
apresentam como importantes assertivas nas argumentações centrais das hipóteses
do nosso desenvolvimento cultural. Portanto, é de se esperar que em futuro breve se
ampliem trabalhos de pesquisa sobre as relações destes arquitetos com o Brasil,
como já ocorreu timidamente com Richard Neutra (RIBEIRO, 2007) e de maneira mais
substantiva com Le Corbusier (SANTOS/PEREIRA/PEREIRA/CALDEIRA, 1987).
Estamos obviamente nos referindo à pesquisa desenvolvida dentro da Fundação Le
Corbusier em Paris por quatro estudiosos brasileiros – Cecilia Rodrigues Santos,
Margareth Silva Pereira, Romão Pereira e Vasco Caldeira –, que resultou no
antológico livro Le Corbusier e o Brasil. Esta pesquisa não poderia ficar de fora desta
seleção, mesmo que não tenha sido formalmente defendida em banca acadêmica.

6 Outra tese que aponta para uma influência wrightiana difusa no nosso país, de autoria da
brasileira Nelci Tinem, foi defendida na ETSAB UPC, em 2000.

7
Em processo paralelo e provavelmente articulado a esta ampliação das
referências externas pode-se observar igualmente uma crescente ampliação dos
pontos de vista com os quais os arquitetos e suas obras são observados. Se há alguns
anos havia uma clara predileção pela cobertura horizontal da obra de um determinado
arquiteto, hoje tal atitude convive com aportes mais específicos, que podem variar da
seleção de uma única obra – caso, por exemplo, das dissertações de mestrado sobre
um único edifício dos arquitetos Álvaro Vital Brazil e David Libeskind (ATIQUE, 2002;
VIÉGAS, 2003) ou algumas obras – caso de duas dissertações de mestrado sobre
obras de Oscar Niemeyer em São Paulo e Minas Gerais (LEAL, 2002; MACEDO,
2002)7 e de uma terceira, também sobre Niemeyer, mas com um recorte programático,
selecionando apenas as habitações unifamiliares (ALMEIDA, 2005). Também é
possível se constatar recortes a partir de aportes ideológicos que elegem um aspecto
da obra do arquiteto – militância política, docência, aspectos ideológicos etc., que
poderiam ser exemplificados com o trabalho que relaciona a organização do trabalho
no escritório Rino Levi ao processo de desenvolvimento e industrialização em São
Paulo (VILLELA, 2003).
A pesquisa acadêmica, em especial quando ela se desenvolve dentro de um
programa de pós-graduação, é fundamental para estabelecer um quadro mais
abrangente e qualificado da produção arquitetônica. Há ainda um papel subsidiário
interessante, que é o de olhar de forma mais atenta para os arquitetos ligados de
alguma forma à instituição. Podemos citar nossa realidade caseira para exemplificar
esta afirmação. Arquitetos como Oswaldo Bratke, Roberto Carvalho Franco, Plinio
Croce, Miguel Forte, Roberto Aflalo, Jacob Ruchti, Fábio Penteado, Carlos Millán,
Jorge Wilheim, Carlos Lemos, Victor Reif, Franz Heep, Salvador Candia e tantos
outros – egressos ou professores da FAU Mackenzie, alguns deles nas duas
condições – são hoje convertidos em assuntos cotidianos de aulas, seminários,
exposições e pesquisas. Já foram ou serão estudados mais a fundo em pesquisas de
mestrado e doutorado, se transformaram ou se transformarão em livros. E, fenômeno
ainda mais interessante, muitas vezes estes trabalhos são realizados na FAU USP,
pois os programas de pós-graduação das duas instituições desenvolvem diversos
trabalhos em comum.

7 Sobre este último trabalho cabe ressaltar a qualidade excepcional muito acima do esperado
em uma dissertação de mestrado, com um levantamento sistemático e leituras argutas e
multifacetadas realizadas pelo autor.

8
Uma pesquisa pioneira neste sentido é a de Marlene Acayaba, cuja tese de
doutorado defendida na USP, convertida posteriormente em livro, versa sobre
arquitetos hegemonicamente ligados ao Mackenzie (ACAYABA, 1991). Um trabalho
como o da jovem arquiteta Sabrina Bom Pereira, que trata da trajetória de Rodolpho
Ortenblad (PEREIRA, 2010) – arquiteto formado no Mackenzie, com importante
trabalho editorial à frente da revista Acrópole e cuja obra de arquitetura expressa um
olhar atento sobre a obra de Richard Neutra – é um exemplo lapidar de como as
monografias, ao se deter sobre arquitetos de projeção menor, permitem uma
ampliação enorme das temáticas, encaminhamentos teóricos e visões de mundo.
É possível imaginar que os frutos mais suculentos deste conjunto imenso de
pesquisas serão colhidos no futuro.

9
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