Centro de Ciências Da Saúde Doutorado em Saúde Coletiva
Centro de Ciências Da Saúde Doutorado em Saúde Coletiva
Centro de Ciências Da Saúde Doutorado em Saúde Coletiva
Fortaleza - CE
2021
LEILA MARIA DE ANDRADE FILGUEIRA
Fortaleza - CE
2021
LEILA MARIA DE ANDRADE FILGUEIRA
BANCA EXAMINADORA
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Profa. Dra. Aline Veras Morais Brilhante (Orientador)
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
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enxergar.
À Deus, Força de Luz, pela vida e pela resiliência durante esse processo
À minha família, meu porto seguro, principalmente aos meus filhos, Matheus, Juan e
Bia, que tanto me ensinam e alegram minha vida
À minha orientadora, professora Aline Brilhante, que desde o início me fez entender
que pode haver leveza, pelo acolhimento e disponibilidade de sempre, escuta atenta, pela
compreensão, pelo exemplo de força, empoderamento feminino, humanidade, e por todas as
palavras de estímulo e força nesse percurso turbulento. Gratidão pela partilha do conhecimento
e pelo encontro!
Aos membros da banca, que se debruçaram sobre esse estudo e tanto contribuíram com
seu olhar atento e conhecimento
Agradeço ainda a dança, que permite expressar o que não sei dizer
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................................... 11
2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................... 15
2.1 Autismo ........................................................................................................................................ 15
2.2 Paradigma da Neurodiversidade ............................................................................................ 24
3 OBJETIVOS ............................................................................................................................... 31
3.1 Geral.............................................................................................................................................. 31
3.2 Específicos .................................................................................................................................... 31
4 RESULTADOS ........................................................................................................................... 32
4.1 Artigo 1: percepção de mães de crianças autistas sobre o isolamento social motivado
pela pandemia do covid 19 ...................................................................................................... 32
4.2 Artigo 2: percepção dos profissionais de saúde e mães de crianças autistas acerca dos
teleatendimentos realizados com essas crianças durante a pandemia do covid -19 .. 49
4.3. Artigo 3: Autismo, pandemia e isolamento social: com a palavra, os próprios
autistas .............................................................................................................................. 66
CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS .................................................................................... 79
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 81
APÊNDICE A - Roteiro de Entrevista mães ........................................................................... 87
APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista: profissionais de Saúde .............................................. 89
APÊNDICE C -Formularios Google Forms ............................................................................ 90
ANEXO A - Parecer Consubstanciado do CEP .................................................................... 120
11
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
“Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque
sinceramente sou diferente!”
Clarice Lispector
interessantes, que escapam aos padrões, não correspondem as expectativas sobre ter um
comportamento convencional, um corpo sincronizado e funcional aos moldes prontos, uma
comunicação eficaz, ou seja, oralizada, de acordo com as normas sociais impostas. Nos
motivamos a nos aproximar do universo de pessoas que se manifestam e se expressam das
formas mais criativas e interessantes, perpassando entre silêncios, gritos, contato,
distanciamento, disponibilidade, agressividade, arte, sensibilidade, espontaneidade,
dificuldades motoras, deficiência cognitiva, isolamento, atipias, superdotação, hiperfocos,
dificuldade em quebrar rotinas, entre tantas outras características que permeiam o universo
autista.
Diante desse contexto nos questionamos: quais as repercussões do isolamento social
como medida de contenção da pandemia do Covid-19 para as pessoas autistas e para os que
circundam o seu universo?
Sobre essas pessoas, inseridas no contexto de isolamento social associada à pandemia
do COVID-19, iremos nos centrar nesse estudo. Nos orientamos pelo paradigma da
Neurodiversidade, o qual defendemos e pelo qual nos norteamos para embasar os resultados
dessa tese, que buscou compreender como as pessoas autistas, familiares e profissionais de
saúde que assistem aos autistas de forma remota, estão vivenciando o período de isolamento
social e quais as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos mesmos.
A relevância desse estudo é a sua originalidade, por ser o contexto vivido, um momento
atípico na história mundial nos últimos anos, uma vez que a última pandemia de enormes
proporções enfrentada foi há um século, a Gripe Espanhola (1918-1920) que entre janeiro de
1918 e dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população
mundial na época (FIOCRUZ, 2021). Além da originalidade, dentro do atual cenário torna-se
relevante compreender como parte da população portadora de necessidades especiais, como os
autistas, a partir de seus próprios relatos, percepções e experiências, sem a interlocução de seus
representantes, estão enfrentando o contexto hodierno.
Portanto, esse estudo apresenta em seu referencial teórico uma contextualização
histórica acerca do Autismo, em seguida elucida sobre o paradigma da Neurodiversidade.
Apresentamos então os resultados desse estudo composto de 3 artigos que discutem sobre as
percepções dos autistas, seus familiares e profissionais de saúde que atendem o público autista
13
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Autismo
Nesse estudo optamos por utilizar o termo Autismo e pessoas com autismo e autistas,
evitando utilizar Transtorno do Espectro Autista (TEA), embora comumente utilizado pela
literatura científica, por compreendermos, nos embasando no paradigma da Neurodiversidade,
que o autismo não é um transtorno em si, patologia ou doença, mas uma condição
neurodivergente que por vezes necessita de adaptações, suporte e mesmo terapias.
Nessa perspectiva, trazemos o conceito social de deficiência, o qual nos ancoramos
nesse estudo, que preconiza que diferente do conceito biomédico, a deficiência é resultado da
interação entre pessoas com impedimentos (físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais) e as
barreiras ambientais e sociais que impedem a participação integral e efetiva das pessoas
deficientes em igualdade de oportunidade com as demais pessoas. Ou seja, se não houvesse
barreiras, não haveria deficiência (DALL’AGNOL, 2019). No caso do Autismo, se não
houvesse a necessidade por parte da sociedade em adequar às pessoas aos padrões e normas
pré-estabelecidos, ignorando as diversidades e os modos outros de ser/estar no mundo,
certamente o Autismo não seria definido por Transtorno, doença ou distúrbio.
O Autismo se refere a uma série de condições caracterizadas por algum grau de
comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, além de uma
gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma
repetitiva. Apresenta os primeiros indícios na infância, durante os primeiros cinco anos, na
maioria dos casos, e tende a persistir na adolescência e na idade adulta (OMS, [2017?]).
Apresenta como características principais: déficits persistentes na comunicação social,
seja linguagem verbal e/ou não verbal, na interação social em múltiplos contextos, incluindo
déficits na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para
interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos.
Além dos déficits na comunicação social, apresenta comportamento caracteristicamente
estereotipado, repetitivo, com gama restrita de interesses ou atividades e insistência nas mesmas
coisas. Varia de pessoas que apresentam um quadro leve, e com total independência e discretas
dificuldades de adaptação, até aquelas pessoas que serão dependentes para as atividades de vida
diárias, ao longo de toda a vida (TAMANAHA, 2013).
16
Podem apresentar alterações motoras, além das sensoriais, conforme Geschwind (2013),
podemos encontrar crianças apáticas, hipotônicas, com a atividade motora reduzida, e posturas
viciosas, com dificuldades de iniciar um movimento. Ou crianças hiperativas, sem ter nenhum
interesse por objetos ou pessoas. Em crianças autistas, muitas vezes, é difícil avaliar o tônus
isolado. Hipotonia moderada é observada em mais de 50% e pode provocar alterações da coluna
vertebral (escoliose) na puberdade. Mas algumas crianças podem ter hipertensão ou alternância
das duas variedades de tônus (GESCHWIND, 2013; SACREY et al., 2014).
De acordo com Ferreira e Thompson (2002) o autista frequentemente apresenta
dificuldade de compreender seu corpo em sua globalidade e em segmentos, assim como seu
corpo em movimento. Quando partes do corpo não são percebidas e desse modo as funções
atribuídas a essas são ignoradas, podem ser observados movimentos, ações e gestos pouco
adaptados. O distúrbio na estruturação do esquema corporal prejudica também o
desenvolvimento do equilíbrio estático, da lateralidade, da noção de reversibilidade; funções de
base necessárias à aquisição da autonomia e aprendizagens cognitivas. No entanto, existem
autistas com capacidades motoras e proprioceptivas refinadas, embora não seja a maioria.
Sobre as alterações sensoriais, Posar e Visconti (2018) relatam que as alterações
sensoriais em crianças autistas são comuns, mas não são percebidas com frequência pela
dificuldade de comunicação apresentada pelos autistas. De acordo com o Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders 5 (DSM-5), esta sintomatologia é o aumento ou a
redução de uma reação no ambiente para a entrada sensorial, ou um interesse não comum de
aspectos sensoriais que se encontram no ambiente, tais como: fascínio visual por luzes ou
objetos que rodam, resposta adversa a sons ou texturas específicas, cheiro ou toque excessivos
de objetos, aparente indiferença a dor, calor ou frio. Afirma ainda que pode haver vários tipos
de alterações sensoriais na mesma pessoa durante a vida ou até mesmo ao mesmo tempo (APA,
2014).
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, indivíduos autistas
frequentemente apresentam outras condições concomitantes, incluindo epilepsia, depressão,
ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O nível de
funcionamento intelectual dessas pessoas é extremamente variável, estendendo-se de
comprometimento profundo até níveis superiores (OMS, [2017?]).
17
Ainda segundo a OMS (2017), uma em cada 160 crianças são autistas e embora algumas
pessoas possam viver de forma independente, outras têm graves incapacidades e necessitam de
cuidados e apoio ao longo da vida.
E sobre a terapêutica para esse público a OMS (2017), preconiza que as intervenções
psicossociais baseadas em evidências, como a terapia comportamental e os programas de
treinamento de habilidades para os pais, podem reduzir as dificuldades de comunicação e
comportamento social, com impacto positivo no bem-estar e qualidade de vida das pessoas
autistas e seus cuidadores. Inferem ainda que as intervenções precisam ser acompanhadas por
ações mais amplas, tornando ambientes físicos, sociais e atitudinais mais acessíveis, inclusivos
e de apoio, uma vez que em todo o mundo, os autistas são frequentemente sujeitos à
estigmatização, discriminação e violações de direitos humano e que o acesso aos serviços e
apoio para essas pessoas é inadequado (OMS, [2017?]).
De acordo com Brasil (2015) e Dourado (2012), o diagnóstico de autismo se dá de forma
processual e deve ser realizado por uma equipe multiprofissional que avaliará, através de uma
escuta qualificada e observações diretas, a história de vida, a configuração familiar, a rotina
diária, a história clínica, os interesses e dificuldades enfrentadas, o modo com que a pessoa
avaliada se relaciona com as demais, como responde aos estímulos do ambiente, como se
comunica, se compartilha interesse, se há isolamento diante de grupos.
Paul Bercherie (2001), em sua obra “A clínica psiquiátrica da criança: um estudo
histórico” destaca a existência de três grandes períodos na estruturação da clínica da criança, os
quais são perpassados por características próprias e refletem o momento histórico social e
científico de cada fase.
De acordo com o mesmo autor, o primeiro período foi marcado essencialmente pela
discussão da noção de retardamento mental, não havendo a existência de uma “loucura na
criança”, mas a ideia de “idiotia” ou de “debilidade mental”. Esse período ocorreu durante os
três primeiros quartos do século XIX.
Já o segundo período retrata a “loucura (do adulto) na criança” inicia-se na segunda
metade do século XIX, mas só se manifesta no fim da década de 1880, a partir da publicação
da primeira geração dos tratados de psiquiatria infantil nas línguas francesa, alemã e inglesa.
Durante essa época, os transtornos da conduta infantil só interessavam aos psiquiatras quando
pareciam conter um diagnóstico criado para os adultos. A partir dessa perspectiva, os
18
Após a revisão do DSM- III em 1987, de acordo com Grandim (2019), o DSM- III-R
alterou o nome do diagnóstico de autismo infantil para transtorno autista, além de expandir o
diagnóstico anterior, que cobria casos em que a maioria dos sintomas de autismo eram mais
brandos ou em que a maioria, mas não todos os sintomas, estavam presentes: o transtorno global
do desenvolvimento sem outra especificação (TGD-SOE).
Do mesmo modo no DSM-IV de 1994 foi sustentado o método categórico e o empirismo
indutivista. Segundo Câmara e Câmara (2017), algumas categorias foram revisadas, outras
removidas e outras ainda adicionadas, como transtornos de ansiedade, os transtornos
alimentares e os transtornos de personalidade.
Segundo Klin (2006), na quarta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), a categoria TID (transtornos invasivos do
desenvolvimento), inclui condições que estão invariavelmente associadas ao retardo mental
(síndrome de Rett e transtorno desintegrativo da infância), condições que podem ou não estar
associados ao retardo mental (autismo e TID sem outra especificação ou TID-SOE) e uma
condição que é tipicamente associada à inteligência normal (síndrome de Asperger).
Até a atualidade os estudos em relação a síndrome de Asperger ainda são controversos,
mesmo após sua formalização no DSM-IV. A polêmica é relacionada principalmente ao fato
deste diagnóstico ser confundido com o de autismo não acompanhado de retardo mental, ou
autismo com "alto grau de funcionamento" (KLIN, 2006).
Após a tentativa de categorização e abrangência de transtornos de desenvolvimento que
apresentavam condições muito similares, houve um aumento representativo na incidência de
diagnósticos de autismo. E no intuito de redimensionar tal diagnóstico, seria necessário rever e
revisar algumas questões.
A partir dessas reflexões, foi originada a versão em vigor, a quinta versão do DSM-5 no
ano de 2013. Com o lançamento do DSM-V, a “síndrome” passou a ser denominada de
Transtorno do Espectro Autista (TEA), estando no grupo dos transtornos do
neurodesenvolvimento. Esta mudança trouxe novas possibilidades terapêuticas e de
compreensão do indivíduo autista.
A abordagem do grupo que organizou o DSM-V se manteve ateórica, mas passou a
considerar que parte dos complexos sintomáticos compartilhavam fatores de risco entre si e
podiam ser colocados numa categoria única, denominada espectro, que agrupavam diferentes
22
toma como parâmetro os sujeitos ditos normais para afirmar o seu diagnóstico de
deficiência/anormalidade. Segundo Canguilhem (1995, p.113), “não existe fato que seja normal
ou patológico em si. A anomalia e a mutação não são, em si mesmas, patológicas. Elas
exprimem outras normas de vida possíveis.”
Diniz, Barbosa e Santos (2009), aponta que a normalidade, atende uma expectativa
biomédica de padrão de funcionamento da espécie, pautada no preceito moral de produtividade
e adequação às normas sociais. E compreende que deficiência não é apenas um conceito
biomédico, mas a opressão do corpo com variações de funcionamento.
Nesse contexto, a deficiência traduz, portanto, a opressão ao corpo com impedimentos:
o conceito de corpo deficiente ou pessoa com deficiência devem ser entendidos em termos
políticos e não mais estritamente biomédicos. Para os teóricos do modelo social, a deficiência
não é uma tragédia pessoal; é um problema social e político (DINIZ; BARBOSA; SANTOS,
2009).
A ideia de um corpo deficiente remete a um indivíduo considerado problemático, com
características indesejáveis e patologizantes. Tais características afastam o sujeito do modelo
padrão vigente imposto por uma sociedade que se recusa a aceitar a variabilidade do corpo
humano e se constitui orientada a obedecer a lógica do consumo, produtividade e apressamento.
De modo que para satisfazer esse sistema produtivo, o modelo social determina um padrão de
indivíduo “normal”, engessado, definido aos moldes dos corpos docilizados de Foucault (1999).
Compreendemos que se locomover numa cadeira de rodas torna-se um problema porque
não temos uma sociedade preparada para se adequar a essa realidade, vivemos num mundo
repleto de escadas, do mesmo modo que a comunicação oralizada é a considerada padrão,
porque não aprendemos a desenvolver um olhar atento para a comunicação que os movimentos
corporais expressam, ou seja, estar fora do padrão se constitui numa anormalidade.
Vale contextualizar, que os movimentos iniciais que contestaram a hegemonia do
modelo social, aconteceram no século XVIII, na França, organizado pela nação surda-muda
como reação à ameaça de extinção do ensino das línguas de sinais, que representava um grande
legado dos surdos-mudos (BENVENUTO, 2009). Antes dessa data, existiam obviamente
pessoas surdas e seus familiares, mas não existiam discursos nem políticas públicas sobre e para
a surdez, assim como não havia nenhum tipo de instituição educacional para surdos. Como
26
conseqüência, os surdos não eram constituídos como um grupo e não possuíam identidade de
classe ou outra forma de organização (ORTEGA, 2009).
O mesmo autor afirma ainda que quando um grupo social é estigmatizado pela maioria
da sociedade, a autodeclaração da identidade constitui um processo de coming out. A afirmação
“sou deficiente” (surdo, cego, autista, entre outros) constitui uma afirmação de auto-
categorização, um processo de subjetivação e de formação de identidade.
Nessa perspectiva, entendemos que a partir da afirmação identitária que é atravessada
pela sensação de pertença a um grupo, o indivíduo ressignifica sua condição, no caso, a
deficiência, e através desse processo transformador o sujeito se empodera e se apropria de sua
singularidadecomo um modo diferente de ser e estar no mundo, um enaltecimento de identidade
e um orgulho deficiente, como afirma Ortega (2009) e não como uma condição determinante
de anormalidade atrelada ao fracasso, improdutividade e infelicidade.
Estar apropriado de tal condição, permite ao sujeito não se sentir doente, rejeitar o
esteriótipo de disfuncional, de fracasso humano e, portanto, não buscar uma cura. Compreensão
que é disparadora para o surgimento do movimento anti-cura, fortalecido pela afirmação
identitária. Tendo como argumento básico segundo Cheu (2004), que se a deficiência é um
fenômeno criado socialmente e perpetuado culturalmente, então também a cura e os valores a
ela associados são igualmente socialmente construídos.
Se você não acreditar que há deficiência, se não acreditar que há algo que necessita ser
‘curado’ ou prevenido geneticamente – então você será igualmente libertado da necessidade de
cura (CHEU, 2004).
No entanto, o modelo biomédico, que conforme Dantas (2014, p. 120) se constitui
enquanto caráter de regulador moral, “produtor de crenças, valores, desejos e padrões
coletivos”. Ou seja, é um modelo estabelecido através de um paradigma dominante que procura
determinar as possibilidades de se viver uma vida seguindo padrões estabelecidos, sustenta essa
obsessão de corpos perfeitos e produtivos, o que implica assumir “que há algo errado com os
portadores de deficiências”. Os corpos anormais e deficientes devem ser exorcizados na
construção de uma imagem nacional que pressupõe um ideal de perfeição corporal. É nesse
contexto que se situa a retórica anti-cura defendida por diversos teóricos e ativistas do
movimento deficiente (MORRIS, 2000).
27
National Autistic Society). Em 1964, Bernard Rimland, autor de Infantile Autism: The
Syndrome and Its Implications for a Neural Theory of Behavior, funda a Autism Society of
America. Logo surgiriam associações semelhantes em muitos países (DEKKER, 2006;
SHAPIRO, 2006; WING, 1997).
Com o surgimento da internet, os movimentos se difundiram e diversas correntes e
propostas de enfrentamento foram divulgadas e compartilhadas através da rede de
computadores, entre elas a obsessão pela cura do autismo e modelos pré-concebidos de
adaptação e treinamento das crianças autistas. De acordo com Ortega (2009), esse padrão que
enfatiza exclusivamente a procura pela cura, levou a uma série de críticas de adultos no espectro
de transtornos autísticos, os quais se sentem incompreendidos e desconsiderados pelos
especialistas e os familiares de autistas.
Nessa perspectiva, a principal crítica é contestar a visão negativa do autismo e a busca
pela cura, uma vez que sustentar que precisa haver uma cura é compreender que o autismo é
uma doença, e não uma diferença. Se o autismo não é uma doença e sim uma diferença, a
procura pela cura constitui uma tentativa de apagar a diferença, a diversidade. É por isso que
os movimentos de anticura vêm ganhando força dentro dos movimentos de auto-advocacia
autista (ORTEGA, 2009).
Em torno do movimento da neurodiversidade, vem aumentando o número de páginas da
internet que revelam a "cultura autista". Atualmente estão disponíveis diversos sites que
asseguram a identidade autista, bem como a referência ao termo Aspie, em referência à
síndrome de Asperger. O conteúdo disponibilizado nessas páginas, envolvem indicações de
literatura sobre os mais variados aspectos do espectro do transtorno, também organizações de
apoio, blogs e chats que facilitam a comunicação entre autistas, informam sobre o transtorno,
favorecem a troca de experiências e ainda possibilita o encontro de amigos ou futuros
companheiros e cônjuges (AUTISMO E REALIDADE, 2013).
De acordo com Silberman (2001), a autista Temple Grandin defende que o casamento
entre autistas é natural, pois acredita que os casamentos entre duas pessoas com autismo,
deficiência ou ainda com perfil excêntrico, tem maior probabilidade de funcionar melhor, uma
vez que seus intelectos operam de modo equivalente.
Ortega (2008), relata que o intuito desses movimentos é promover a conscientização da
cultura autista, o que inclui a comemoração do "Dia do Orgulho Autista" (Autistic Pride Day)
29
que, inspirado no Dia do Orgulho Gay, é festejado no dia 18 de junho como celebração da
neurodiversidade dos autistas. Desde 2005 o "Dia do Orgulho Autista" teve os seguintes temas:
"Aceitação, não cura" (2005); "Celebrando a neurodiversidade" (2006); "Autismo fala. É hora
de escutar" (2007).
Conforme o mesmo autor, a proliferação nos últimos anos dos movimentos da
neurodiversidade e o aumento de sua exposição na mídia têm intensificado o embate político
entre os ativistas do movimento autista e as organizações de pais e profissionais dos grupos pró-
cura. Na contramão do paradigma da Neurodiversidade, o movimento pró -cura assegura que a
o autismo é um transtorno e não um estilo de vida, como afirmado por carta aberta ao New York
Times por Kate Weintraub, mãe de uma criança autista, ativista e defensora do movimento pró-
cura (ORTEGA, 2008).
Esses debates elucidam temas diversos, sobretudo no que se refere ao tratamento ou
atividades adequadas para o referido público. Nesse cenário, um dos pontos mais destoantes faz
menção à terapia cognitiva ABA (Análise Comportamental Aplicada — Applied Behavior
Analysis), que para muitos pais constitui a única terapia que permite às crianças autistas
realizarem algum progresso no estabelecimento de contato visual e em certas tarefas cognitivas.
Para os ativistas autistas, a terapia reprime a forma de expressão natural dos autistas
(DAWSON, 2004).
Concordamos com o ponto de vista dos ativistas autistas no que diz respeito às terapias
limitantes e condicionantes, estimulantes de comportamentos pré-concebidos, que além de
padronizar, enquadram os sujeitos em rótulos de modo a bloquear toda e qualquer possibilidade
expressiva, criativa, artística e singular que nos constitui enquanto indivíduos. Compreendemos
que os sujeitos são constituídos de afetos, corporeidades e subjetividades, bem como de sua
percepção e ressignificação particular do modo de ser-estar no mundo, entendendo o autismo
como uma diferença, e uma condição outra, porém não menos genuína, de estar em relação.
Portanto, apresentamos a seguir os objetivos gerais e específicos, e em seguida os artigos
que contextualizam o cenário da pandemia do Covid 19 bem como as percepções a partir dos
próprios autistas, familiares e profissionais de saúde acerca do contexto do isolamento social.
30
31
3 OBJETIVOS
3.1 Geral
3.2 Específicos
4 RESULTADOS
4.1 Artigo 1: percepção de mães de crianças autistas sobre o isolamento social motivado
pela pandemia do covid 19
RESUMO
A pandemia do covid-19 exige algumas medidas de contenção entre essas o isolamento social,
responsável por situações de angústia em grande parte da população.Neste sentido, o objetivo
deste estudo foi analisar a percepção de mães de crianças autistas sobre a condição de
isolamento social como medida de contenção da pandemia do COVID-19 e as estratégias de
enfrentamento utilizadas pelos mesmos.Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada no
período de abril a maio de 2020, com 14 mães com idades entre 28 e 47 anos e um pai com 34
anos. A coleta dos dados foi realizada por entrevistas semiestruturadas através de meios
digitais.Os dados foram analisados segundo a análise temática de conteúdo, partindo do
paradigma da Neurodiversidade.Do processo de análise emergiram três categorias: gênero e
maternidade, anseios relacionados ao processo terapêutico da criança e resiliência e
religiosidade. Conclui-se que as mães de crianças autistas estão vivenciando o momento de
isolamento social imersas em contextos de desgaste emocional e que as questões de gênero
potencializam nessas mulheres sensações de angústias e incertezas, tanto em relação a
maternidade, como em relação às questões profissionais.
ABSTRACT
The covid-19 pandemic requires some measures to contain social isolation, which is responsible
for distress situations in a large part of the population. In this sense, the aim of this study was
33
to analyze the perception of fathers and mothers of autistic children about the condition of social
isolation as a measure of containment of the pandemic of the COVID-19 and the coping
strategies used by them. It is a qualitative research held from April to May 2020, with 14
mothers aged 28 to 47 years and one father aged 34 years. Data collection was carried out
through semi-structured interviews using digital media.The data were analyzed according to
the thematic content analysis, starting from the paradigm of Neurodiversity. From the analysis
process, three categories emerged: gender and maternity, concerns related to the child's
therapeutic process and resilience and religiosity. It is concluded that the mothers of autistic
children are experiencing the moment of social isolation immersed in contexts of emotional
exhaustion and that gender issues potentiate feelings of anguish and uncertainty in these
women, both in relation to motherhood, as in relation to professional issues.
INTRODUÇÃO
Desde o anúncio dos primeiros casos de uma nova síndrome respiratória aguda grave
(SARS), até o estabelecimento e progressão da pandemia pelo COVID-19, o mundo tem
experienciado uma crise social e sanitária sem precedentes para esta geração. Conquanto
tenham emergido uma variedade de discursos sobre as estratégias de enfrentamento, medidas
de distanciamento social vigoram entre as principais recomendações da OMS (OPAS, [2020?]).
Em casos extremos é adotado o isolamento social, quando as pessoas não podem sair de suas
casas para impedir a propagação do vírus. Já os suspeitos de infecção devem ficar de quarentena
por quatorze dias, que é o período de incubação, tempo para o vírus se manifestar no corpo
(BRASIL, [2021?]).
Nesse contexto de mudança de rotinas, necessidade de assimilação de novos hábitos de
biossegurança e contexto favorável ao desenvolvimento de ansiedade, estresse e angústia
pessoas autistas demandam uma atenção especial (BITTENCOURT, 2020). Embora o autismo
seja um espectro, com múltiplas e diversas formas de apresentação e diferentes necessidades de
suporte, algumas características são mais frequentes, como: déficits na interação social, na
comunicação e na linguagem, padrões de comportamentos repetitivos e presença de rigidez na
realização dos hábitos diários (MATTOS, 2019).
34
Diante dessa realidade, o objetivo deste estudo foi analisar a percepção de pais e mães
de crianças autistas sobre a condição de isolamento social como medida de contenção da
pandemia do COVID-19 e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos mesmos.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa realizada com pais de crianças autistas,
no período de abril de 2020 a maio de 2020. Estudos que utilizam a abordagem qualitativa
podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas
variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, podendo
também contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível
35
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Gênero e maternidade
Em sociedades em que o gênero é fator estruturante (nas quais tornar-se pessoa significa
tornar-se homem ou mulher, marcado pelo binarismo), podemos questionar sobre os scripts e
as expectativas normativas diferentes sobre o que é ser uma “pessoa”, seja homem (ser um
homem “de verdade”), seja mulher (ser uma mulher “de verdade”) Nessa perspectiva, há uma
divisão de trabalho emocional em sociedades patriarcais (DIMEN, 1997). A mesma autora
afirma que o patriarcado “denota uma estrutura de poder político disfarçado em sistema de
diferença natural”, no qual aos homens condições de autonomia, individualização e
independência são inerentes, e em relação as mulheres são atribuídas atitudes de cuidado e
interdependência (DIMEN, 1997, p. 46).
Ainda na fala de P2, é observado que o homem é considerado como sendo rede de apoio,
alguém que ajuda, quando é possível, como se prestasse um favor, sendo a mãe a única
responsável pelos cuidados com os filhos. Ou seja, essa lógica aponta para a naturalização do
cuidado intrínseco as mulheres e não aos homens, de modo que quando o fazem, demandam
esforço e devem ser enaltecidos. Desse modo a procriação interpela identitariamente a condição
de ser mulher, pela construção cultural da maternidade, porém essa mesma condição, a
paternidade, não interpela aos homens (ZANELLO, 2020).
Podemos observar que todas as participantes, quando questionadas sobre as estratégias
que estão conseguindo desenvolver nesse momento a fim de amenizar os problemas causados
pelo isolamento, sinalizaram em seus relatos apreensão, desgaste físico e mental e solidão. P3
em seu relato, discorre:” só peço a Deus que tudo passe logo, pois tenho medo que aconteça
algo comigo, pois só tenho ela de filha e ninguém vai cuidar dela com eu.” Aqui mais uma vez
percebemos a presença da introjeção do cuidado como algo inerente à condição de ser mulher,
e como sendo de exclusiva responsabilidade sua, de modo que fica claro o medo do
adoecimento não pela doença, mas pela impossibilidade de cumprir as obrigações com o filho.
Esse processo de subjetivação é tão intrínseco que naturaliza um silenciamento de afetos
“negativos” diferentes dos prescritos culturalmente. O silêncio é desse modo uma estratégia de
sobrevivência das mulheres em sociedades sexistas (ZANELLO, 2020). Trata-se do “fazer bem,
mesmo se sentindo mal” (“doing good and feeling bad”) (USSHER, 2011). Ainda nessa
perspectiva, P4 diz “sentir muito cansaço e vontade de descansar um pouco”.
Essa condição tem levando a mulher a sensações de desgaste e sobrecarga física e
mental, responsáveis por quadros de adoecimento mental. Na fala de P2 ilustramos a presença
38
dessa conjuntura quando a participante relata que para ser possível conciliar a nova rotina, o
trabalho, os cuidados de casa e os cuidados com as crianças, ela precisa se organizar, mas em
momento algum atribui qualquer responsabilidade diária ao pai, mas a divisão de atividades
cronometradas executadas por ela rotineiramente: “pela manhã eu atendo a manhã inteira, a
tarde eu me organizo em relação a casa e as crianças, tendo um momento de fazer as tarefas,
de brincar, praticar algum exercício e cuidar da casa também. E conclui: “lógico que a gente
sabe que não tem como realizar tudo com perfeição porque são muitas atividades, é uma
sobrecarga enorme que a gente tá encarando... é... um desafio.”
Além das questões apontadas sobre o excesso de atividades relacionadas ao aumento do
stress físico e mental, ainda em relação as estratégias desenvolvidas para amenizar o
isolamento, foram observadas também um sentimento de desconforto em relação a abdicação
da profissão por causa da maternidade. No relato de P5 é possível identificar essa relação
quando afirma: “não tenho mais um tempo pra mim e eu gosto de ter um tempo pra mim. Além
disso, eu pensava em voltar a trabalhar esse ano, tive uma depressão muito grande por ter
parado de trabalhar, eu trabalho desde os 14 anos. Ter parado de trabalhar, foi muito
perturbador. Pois sou feminista e reconheço o risco de uma mulher parar de trabalhar e
depender do marido. Mesmo que seja uma situação que foi solicitado isso, eu fico preocupada
se acontecer algo amanhã com ele. Eu não tenho uma renda minha. Então tem várias coisas
que me levam a voltar a trabalhar”, no mesmo contexto P6 relata sobre a sua abdicação diante
da maternidade: “abdiquei da minha independência financeira, isso não é fácil, mas assim
como algumas mães que estão na mesma situação que eu, deixam de viver pra tá com os filhos,
mas que não é nenhuma lástima, é só se organizar, cortar um pouquinho ,mais o que é
privilégio pra gente, porque é bom estar nesses momentos com eles”. A ideia introjetada de
que o cuidado é função prioritariamente materna naturaliza o abandono profissional pela
mulher, sem que o equivalente masculino ocorra.
Entre as participantes do estudo, todas mães, apenas um pai se prontificou a responder
às questões de entrevista, e diante da análise de seus relatos, foi observado que todas as
respostas mencionadas pelo mesmo foram curtas, e algumas ainda deixadas em branco, o que
evidencia a não participação na rotina do filho. E quando questionado sobre suas necessidades
nesse momento, o participante afirmou com naturalidade: “De voltar ao trabalho que é o que
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos relatos e das categorias obtidas, compreendemos que as mães de crianças
autistas estão vivenciando o momento de isolamento social imersas em contextos de grande
desgaste emocional, uma vez que se percebem exaustas diante do acúmulo de atividades
domésticas, profissionais, as apreensões sobre o tratamento dos filhos autistas e sobretudo pelos
cuidados que esses demandam.
As estratégias de enfrentamento utilizadas foram principalmente buscar o
fortalecimento de sua resiliência na religiosidade/espiritualidade, além de buscar redes de
apoio, como familiares, amigos e serviços de saúde, muito embora tenham relatado a escassez
dessas, o que favorece, portanto, aos quadros de angústia e isolamento observados.
Percebemos em suas falas, silêncios, e por vezes um certo pesar, que as questões de
gênero potencializam nessas mulheres sensações de angústias e incertezas, tanto em relação a
46
maternidade, como em relação às questões profissionais, uma vez que em seus discursos foi
enfatizado com naturalidade, apesar de uma certa tristeza, atrelada a culpa e mascarada pela
religiosidade e resiliência, que ser mulher/mãe é ter que ser/estar disponível prioritariamente
para as atividades domésticas e exercício da maternidade, tendo sua condição de existência
atravessadas pela missão do cuidar.
Vale ressaltar que essa condição reverbera para a condição de ser mulher, independente
de exercer a maternidade de uma criança autista. Numa sociedade regida pelo patriarcado, ser
mulher/mãe é estar imbricada no contexto descrito neste estudo.
REFERÊNCIAS
4.2 Artigo 2: percepção dos profissionais de saúde e mães de crianças autistas acerca dos
teleatendimentos realizados com essas crianças durante a pandemia do covid -19
RESUMO
A pandemia do covid-19 exige algumas medidas de contenção entre essas o isolamento social,
responsável por situações de angústia em grande parte da população. Neste sentido, o objetivo
deste estudo foi analisar a percepção dos profissionais de saúde e mães de crianças autistas
acerca dos teleatendimentos realizados durante a pandemia do Covid -19. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa realizada com 4 profissionais de saúde que atendem autistas por
teleatendimento e 14 mães de filhos autistas com idades entre 28 e 47 anos. A coleta dos dados
foi realizada por entrevistas semiestruturadas através de meios digitais.Os dados foram
analisados segundo a análise temática de conteúdo, partindo do paradigma da
Neurodiversidade.Do processo de análise emergiram três categorias: ansiedade infantil,
sobrecarga materna e dos profissionais de saúde frente ao isolamento social, teleatendimento e
engajamento das mães na rotina de tratamento e teleatendimento como mais uma possibilidade
de terapia. Concluímos que o teleatendimento é benéfico para as crianças autistas e para as mães
pois podem participar e se engajar no processo terapêutico dos filhos, além de se sentirem
menos ansiosas e mais preparadas para lidar com os cuidados e demandas de uma criança autista
no contexto de isolamento social.
ABSTRACT
The covid-19 pandemic requires some measures to contain social isolation, responsible for
situations of distress in a large part of the population. In this sense, the objective of this study
was to analyze the perception of health professionals and mothers of autistic children about the
telemedicine service made during the Covid -19 pandemic. This is a qualitative research carried
out with 4 health professionals who attend autistic patients by telemedicine service and 14
mothers of autistic children aged between 28 and 47 years. Data collection was carried out
through semi-structured interviews using digital means. Data were analyzed according to the
thematic content analysis, based on the paradigm of Neurodiversity. From the analysis process,
three categories emerged: child anxiety, maternal overload and health professionals facing
social isolation, call center and engagement of mothers in the treatment and call center routine
as yet another possibility of therapy. We conclude that the telemedicine is beneficial for autistic
children and mothers because they can participate and engage in the therapeutic process of their
children, in addition to feeling less anxious and more prepared to deal with the care and
demands of an autistic child in the context of isolation social.
INTRODUÇÃO
Neste início de 2020, quando os primeiros casos foram anunciados a respeito de uma
nova síndrome respiratória aguda grave (SARS), até o estabelecimento e progressão da
pandemia pelo COVID-19, o mundo tem experienciado uma grave crise social e sanitária sem
precedentes para esta geração (OPAS, [2020?]). Até que a maior parte da população mundial
esteja imunizada, as estratégias de enfrentamento e contenção como o distanciamento social
vigoram entre as principais recomendações da OMS (BRASIL, [2021?]). Nesse contexto, as
pessoas autistas demandam uma atenção especial (BITTENCOURT, 2020).
Embora o autismo seja um espectro, com múltiplas e diversas formas de apresentação e
diferentes necessidades de suporte, algumas características são mais frequentes, como: déficits
na interação social, na comunicação e na linguagem, padrões de comportamentos repetitivos e
presença de rigidez na realização dos hábitos diários (MATTOS, 2019). Deste modo, o contexto
da pandemia vigente, associado à mudança de rotinas, necessidade de assimilação de novos
51
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa realizada com mães de crianças autistas
com filhos em tratamento por teleatendimento em um serviço de referência e profissionais de
saúde da mesma instituição, que atendiam crianças autistas por atendimento remoto no período
da pesquisa.
Coleta de dados
A coleta dos dados foi realizada por entrevistas semiestruturadas que abordaram a
percepção das profissionais de saúde e mães de crianças autistas acerca dos teleatendimentos
realizados com crianças autistas durante a pandemia do Covid-19, bem como a percepção sobre
aspectos positivos e negativos desse formato, sua experiência anterior e treinamento realizado
para esse tipo de abordagem terapêutica e ainda acerca de suas expectativas sobre a
permanência desses atendimentos mesmo após a retomada dos atendimentos presenciais,
adotando um formato de atendimento híbrido.
O convite para participação no estudo, bem como o termo de consentimento livre e
esclarecido (TCLE), foi enviado para as participantes por meio do aplicativo de mensagem
53
Aspectos Éticos
De acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, será garantido aos
participantes do estudo o respeito e proteção ao indivíduo, bem como o sigilo dos seus dados
pessoais. A fim de assegurar o anonimato das participantes, estas receberam o pseudônimo de
letras alfabéticas seguidas de numeração arábica (P1, P2, P3...), para as profissionais de saúde
e (M1, M2, M3...) para as mães.
O estudo foi desenvolvido com base nos princípios legais e éticos que envolvem a
pesquisa com seres humanos, estabelecidos na Resolução 510/2016, sobre a Ética na Pesquisa
na área de Ciências Humanas e Sociais e foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas em
Seres Humanos da Universidade de Fortaleza, sendo aprovado sob o parecer 4.028.756.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos relatos analisados foi observado que todas as participantes, tanto as mães como as
profissionais de saúde, referiram queixas sobre ansiedade observadas nas crianças autistas e
que se sentem sobrecarregadas devido à rotina exaustiva pelo excesso de atividades, que estão
enfrentando durante o momento de isolamento social.
Questionada sobre sua observação diante dos efeitos do isolamento social sobre as
crianças acompanhadas por teleatendimento, a profissional (P1) relatou que as crianças estavam
55
ansiosas e agitadas durante o atendimento e que durante o contato com as mães as mesmas
enfatizaram que percebiam tais comportamentos nas crianças diariamente: “as maiores queixas
das mães eram agitação, agressividade e ansiedade por parte das crianças, o mesmo que
observei nos primeiros teleatendimentos.” Na mesma perspectiva, (P2) acrescenta que além de
observar as crianças agitadas e com baixa capacidade de concentração, ainda percebeu que
muitas delas estavam apresentando dificuldade com a nova rotina e excesso de tempo diante da
tela:” percebo parte das crianças com dificuldade em seguir nova rotina e muito uso de telas
(tv e celular), que tem sido muito utilizado nesse momento para minimizar o isolamento.”
O isolamento social motivado pela pandemia do Covid -19 é considerado entre as
medidas de contenção da pandemia, a de maior eficácia, no entanto, pode desencadear na
população sensações de incômodo, angústia e ansiedade, principalmente para as pessoas mais
suscetíveis (BITTENCOURT, 2020). No entanto, os recursos tecnológicos, nesse contexto,
podem favorecer a comunicação, e a acessibilidade aos serviços de saúde, o que contribui e
auxilia na promoção de saúde além de minimizar a sensação de desconforto, pois através do
ciberespaço é possível a criação e fortalecimento de vínculos e a integração (SANTOS; SILVA;
PAIVA, 2020).
Já para a maioria das mães participantes, quando questionadas sobre os efeitos do
isolamento social frente ao comportamento dos seus filhos, as maiores queixas e motivo
responsável por parte da sensação de exaustão por elas relatadas foi em relação ao temor da
regressão no tratamento devido a suspensão das terapias realizadas, conforme observado no
relato de (M1) quando diz “meu filho tava tendo grande evolução com a terapia, mas agora
sem fazer vai atrasar ele muito, né?” Os relatos de (M2), (M5), (M8), (M9) e (M11), também
se encaminham nessa perspectiva: “o medo de que o meu filho piore me deixa muito
preocupada” (M8), que coaduna com o relato de (M11): “de tudo desse isolamento o que me
entristece é meu filho piorar sem a terapia dele”. Para mães e cuidadores de crianças autistas,
o sentimento de angústia e incerteza, bem como episódios ansiosos e depressivos, são quadros
comuns identificados e que podem ser potencializados diante de episódios estressores como o
enfrentamento de uma pandemia (FLEISCHMANN, 2004; MILSHTEIN et al., 2010;
FÁVERO; SANTOS, 2005; BARBOSA et al, 2020).
Em relação às profissionais de saúde participantes do estudo, que também são mães,
todas relataram que além dos desafios de enfrentamento do isolamento social, acumulam
56
demandas domésticas e maternas além do trabalho remoto, cada uma, conforme relataram,
atendendo em média 44 crianças. Diante disso, se percebem sobrecarregadas pelo excesso de
carga laborativa, pois além de todas as atividades desempenhadas em casa, estão engajadas na
assistência via teleatendimento, o que para 3 das 4 profissionais do estudo, é uma ferramenta
que só atualmente estão utilizando, e portanto, ainda em fase de adaptação a esse recurso. Desse
modo, (P1) relata que” até já havia realizado teleatendimento, mas com crianças autistas tão
pequenas foi a primeira vez”, já (P2), afirma “ter bastante prática com atendimentos a
distância”, mas (P3) e (P4), afirmam nunca haver vivenciado essa experiência sobretudo com
crianças autistas. Nesse contexto P4 afirma:” nunca tinha realizado. Tive que me preparar pra
isso, assisti várias lives, busquei me capacitar, mas não recebi treinamento, busquei sozinha.”
E assim como P4, as demais participantes afirmaram que não houve capacitação,
precisaram buscar por si mesmas as informações necessárias para desenvolver as habilidades
para o teleatendimento, haja vista que a pandemia e as medidas de contenção como o isolamento
ocorreram de forma abrupta e não houve tempo hábil para desenvolver um planejamento e
preparação para as novas formas de atendimento prestados pelas instituições e espaços de saúde
(SANTOS et al., 2020).
No entanto, apesar do tempo escasso e da enorme necessidade de implementar em tempo
hábil o serviço de teleatendimento somados a inexperiência das profissionais, todas afirmaram
se sentirem seguras no desempenho da atividade.
Além das questões apontadas pelas profissionais no que tange a sobrecarga que estão
enfrentando e ansiedade observada nas crianças autistas em acompanhamento terapêutico, foi
mencionada por todas relatos que evidenciaram a percepção de sobrecarga e exaustão também
nas mães. Quando questionadas sobre os efeitos do isolamento social observados sobre as mães/
familiares das crianças as quais acompanhavam, P1 mencionou: “percebo as mães
sobrecarregadas e sem saber lidar com suas próprias demandas, deprimindo, chorosas,
ansiosas, casamentos em crise que agravaram com a pandemia, falta de comida em casa, sem
saber estimular as crianças a brincar em casa, sem saber como explicar o que estava havendo,
medo e insegurança sobre o futuro ...”
Além dos efeitos negativos sobre a saúde mental da população, a medida de isolamento
social promove incertezas diante da instabilidade econômica, haja vista o crescente número de
desempregados, oriundos do contexto da pandemia, o que favorece ao estresse emocional e
57
desajuste familiar, tendo sido observado ainda a elevação do índice de violência contra a
mulher, que mediante as medidas de isolamento, se mantém em confinamento com o próprio
agressor (COSTA, 2020; GUINANCIO et al., 2020). Ainda nesse contexto, P2 relata que
observa parte das mães, além de ansiosas muito impacientes com os filhos, declaração que
coaduna com a de P3: “na maioria das mães observo, irritabilidade, nervosismo, dificuldade
em criar rotina para as crianças, dificuldade em lidar com as birras e em brincar com seus
filhos.” Já P4 afirma:” existem casos de mães que não fizeram atividades, ou por não ter
paciência, não tem saco, estavam trabalhando em casa, de home office e diziam que não tinham
tempo, e também as mães que continuam trabalhando fora. Essas mães que não desenvolveram
as atividades são a minoria. A maioria se dedicaram, fizeram as atividades, estavam bem
empenhadas.”
É possível observar nos relatos das profissionais, que a maior sobrecarga sobre os
cuidados com os filhos recai sobre as mães, pois nenhuma profissional mencionou o pai ou
outro membro familiar, apesar do questionamento feito: “Qual a sua observação sobre os efeitos
do isolamento social sobre as mães/responsável pelas crianças acompanhadas por você?”, o que
justifica a sensação de sobrecarga e a impaciência no desempenho das atividades que exercem
pois, por aspectos socioculturais que envolvem questões de gênero, acumulam tarefas
domésticas, maternas e profissionais, e na maioria das vezes, sem compartilhar com o pai e sem
suporte de rede de apoio (ZANELLO, 2020). Portanto, na nossa sociedade, onde o gênero é
fator estruturante, quando a mulher desempenha atividades profissionais, estas devem ser
conciliadas com as tarefas domésticas e com a maternidade, que devem ser consideradas como
prioritárias (DIMEN, 1997).
No entanto, na fala de P4, quando a participante refere que a maioria das mães, apesar
de todo o contexto de sobrecarga e angústia vivenciados no momento de isolamento se
empenhou nas atividades atreladas ao processo terapêutico dos filhos autistas, percebemos que
tal comportamento pode estar introjetado pelas questões de culpabilidade materna que
permeiam as normas sociais de uma sociedade sexista regida por princípios patriarcais como a
nossa, de modo que desempenham as funções ditas essencialmente femininas, mesmo que
sintam desconforto e desalento (ZANELLO, 2020; USSHER, 2011). Porém, não vamos
aprofundar nas questões de gênero, mesmo diante da compreensão que essas perpassam por
58
Foi percebido que apesar das dificuldades ora mencionadas em relação a sobrecarga
materna, que a maioria das mães se engajaram nas atividades relacionadas ao processo
terapêutico das crianças. Vale ressaltar que diante da substituição das terapias presenciais por
terapias remotas, a presença de um familiar é fundamental para auxiliar as crianças com TEA
na execução e compreensão das atividades propostas pelos terapeutas em suas diferentes
abordagens como: psicoterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, que foram as
mencionadas no estudo.
Desse modo, compreendemos através dos relatos das terapeutas, que as mães
perceberam essa necessidade, o que facilitou a implementação, continuidade e qualidade dos
teleatendimentos, conforme relata P1 quando questionada sobre sua opinião em relação a
qualidade dos atendimentos realizados via teleatendimento: “No meu caso, não percebi queda
na qualidade, ao contrário vi uma melhora porque agora eu tinha as mães como parceiras. Os
atendimentos tinham duração de 30min cada. Atendia a criança junto à mãe. Orientava as
mães sobre as atividades propostas, passávamos as atividades e explicávamos qual o objetivo
delas.” Assim como P1, P3 reconhece a qualidade dos atendimentos apesar das limitações:
“existiram limitações devido à ausência do toque físico, da presença dos terapeutas”, além de
elucidar que nesse contexto os pais deveriam ser capacitados e orientados de como promover
maior suporte a rotina de tratamento dos seus filhos: “..., mas o objetivo dos teleatendimentos
era capacitar também os pais para lidarem de forma mais adequada com as crianças.” As
terapias online ainda são vistas com estranhamento por grande parte da população, tanto pelos
pacientes como pelos próprios profissionais de saúde (BITTENCOURT et al., 2020).
Nesse sentido, vale ressaltar as dificuldades na quebra de rotina das crianças com
autismo:
Crianças com autismo, muitas vezes, precisam e procuram ter previsibilidade no seu
ambiente. Uma pequena mudança em qualquer rotina como fazer refeições, vestir-se,
tomar banho, ir para a escola em um horário diferente do predeterminado e fora do
caminho habitual, pode ser extremamente perturbadora. (AUTISMO E
REALIDADE, 2013, p. 18).
59
Ainda nesse contexto vale ressaltar que apesar do autismo não está incluído como grupo
de risco no contexto da pandemia, exceto para os autistas que apresentam comorbidades clínicas
tais como diabetes, alterações imunológicas, ou outras doenças crônicas prévias, as crianças
autistas possuem risco aumentado de contágio, em função da hiperreatividade sensorial
(exploração pelo olfato – cheirar - colocar na boca e tocar objetos) as dificuldades em relação
a mudança de quebra de rotina, entre outras particularidades e alterações diversas dentro do
Espectro, podem corroborar para exarcebação dos sintomas comportamentais. Tais
particularidades solicitam dos familiares e cuidadores atitudes de atenção, além da necessidade
de medidas de orientação aos mesmos para auxiliar na abordagem das crianças com autismo no
que tange ao tratamento e a amenização dos efeitos do isolamento social (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2020).
Nessa perspectiva , ao serem questionadas se acreditam que os teleatendimentos estão
sendo benéficos para as crianças, as profissionais afirmaram que sim e os motivos apontados
estavam relacionados a diminuição dos sintomas de ansiedade e evoluções cognitivas nos
atendimentos, motivos que atrelaram principalmente a presença constante das mães e
envolvimento nas atividades terapêuticas, conforme os relatos de P1 , P2 , P3 e P4 : “As
crianças estão menos ansiosas, percebem a presença mais constante dos pais e cuidadores,
alguns passaram a expressar suas emoções de forma mais assertiva...” (P1), “Sim, as famílias
se sentiram mais seguras ao serem auxiliadas com as orientações, quando começaram a
perceber mudanças no desenvolvimento ou referente aos comportamentos da criança” (P2) ,
“Sim, porque tivemos grandes evoluções em diversos aspectos, tanto cognitivos, como na
comunicação, como no estado emocional e isso porque as mães se engajaram”(P3), e ainda
P4: “ com as crianças autistas o foco do teleatendimeto foi mais voltado para as mães. Eu falo
mãe porque nos teleatendimentos foram mais as mães que acompanharam. A prática do
teleatendimeto é centrada na família, no caso das crianças autistas.”
Portanto, para tornar viável o atendimento online de pessoas autistas, não é suficiente a
presença do terapeuta de forma remota, mas principalmente a presença dos pais e cuidadores,
uma vez que para manter a atividade intelectual dos autistas ativa é fundamental suporte
familiar além do terapêutico ancorado no lúdico como intervenção, e nesse momento os pais
viram protagonistas desse processo no intuito de entreter os filhos (BARBOSA et al., 2020).
60
A instauração das terapias de forma remota, assim como todas as outras atividades,
escolares, acadêmicas, artísticas, econômicas, fitness, entre outras, foram e estão sendo o
61
recurso mais seguro e possível para a manutenção do mercado de trabalho, setor de saúde,
educação e a interação social, diante da necessidade do isolamento social como medida de
contenção da pandemia do Covid-19, no entanto, as concepções sobre os benefícios e prejuízos
das tecnologias que possibilitam esse formato, provocam dilemas e opiniões conflitantes.
Apesar de reconhecer os benefícios da tecnologia como fator dinamizador da
continuidade dos serviços e recuperação do mercado de trabalho, essas por outro lado podem
se traduzir em prejuízos para a saúde, danos para as relações interpessoais e sobrecarga de
atividades laborais (MAENEJA; ABREU, 2020). O fato de o trabalho remoto facilitar o acesso
do profissional, independentemente do tempo e lugar, favorece para que as fronteiras entre
trabalho e ambiente doméstico não sejam bem delimitadas, e reduz a disponibilidade para as
relações familiares, por reduzir o tempo para o fortalecimento da intimidade entre os membros
da família, levar ao isolamento na mesma casa e à baixa coesão familiar podendo gerar situações
de stress emocional e conflitos (CARVALHO; FRANCISCO; RELVAS, 2015).
Partindo do ponto de vista que as atividades remotas podem favorecer a sobrecarga
laboral, as participantes P2 e P3 convergiram em seus relatos, afirmando não acreditar na
continuidade dos teleatendimentos. Ao serem questionadas sobre sua opinião em relação a
permanência da terapia online, mesmo após a retomada das atividades, como mais uma
possibilidade de atendimento, de modo que sejam ofertados no formato misto (presenciais e a
distância), (P2) relatou: “Não há necessidade, com os presenciais, há cobertura de tudo que
eles necessitam e não dispomos de tempo para presencial e ligações”, do mesmo modo para
(P3): “Impossível! Trabalhamos 4 horas por dia com uma demanda de 17 pacientes por manhã.
Nessa realidade ou fazemos o presencial ou o teleatendimento.”
Por outro lado, a terapia via teleatendimento pode trazer benefícios em relação a
otimização do tempo de atendimento, reduzir os custos, uma vez que não há deslocamento dos
profissionais e pacientes, melhorar a qualidade de assistência, possibilitar a inclusão de maior
número de pessoas, e no que tange às diretrizes preconizadas na contenção ao Covid -19,
diminui a circulação de pessoas evitando aglomerações e disseminação do vírus (CAETANO
et al., 2020; PORTNOY; WALLER; ELLIOTT, 2020; ZHAI et al., 2020).
Partindo do prisma favorável da permanência dos teleatendimentos (P1), acredita na
continuidade e afirma que “se forem feitos com prudência, parceria e responsabilidade, sim, é
mais uma alternativa, mas é necessária uma boa parceria e corresponsabilidade entre
62
profissionais e pais para que isso aconteça de forma adequada”. (P4) que assim como P1,
acredita na permanência dos teleatendimentos discorre: “Sim, vai permanecer, mas a essência
do presencial tem que ser mantida. São casos específicos em relação aos atendimentos
híbridos, porque depende de cada criança, porque muitos precisam estar em grupo.”
Portanto, assim como nos estudos disponíveis na literatura, as participantes do estudo
também apresentam opiniões divergentes quanto a permanência dos teleatendimentos após a
retomada das atividades.
Considerações Finais
Diante das incertezas que assolam o mundo oriundas de uma pandemia ainda em curso,
e que certamente deixará consequências que irão reverberar por muitas gerações, concluímos
com esse estudo, dentro de suas limitações dadas as circunstâncias de um contexto indefinido,
que o teleatendimento é benéfico para as crianças autistas e para as mães , pois estas se sentem
orientadas e acolhidas, podem participar e se engajar no processo terapêutico dos filhos, além
de se sentirem menos ansiosas e mais preparadas para lidar com os cuidados e demandas de
uma criança autista no contexto de isolamento social.
Foi constatado ainda que o isolamento social desencadeia sensações de apreensão,
quadros de angústia e ansiedade nas mães e nas crianças autistas e que as profissionais de saúde
envolvidas nos teleatendimentos também relataram tais desconfortos, além de sobrecarga
doméstica e laboral.
Apesar dos benefícios apontados pelas mães e profissionais de saúde sobre o
teleatendimento, as expectativas sobre a permanência desses mesmo após a retomada das
atividades presenciais como mais um recurso terapêutico, estão divididas, pois parte das
profissionais acreditam que esse novo formato será uma tendência que irá se estabelecer como
mais uma possibilidade, por outro lado, parte das profissionais compreendem que o formato
presencial é suficiente e que seria incompatível, além de exaustivo, por aumentar a sobrecarga
laborativa, manter os dois formatos após a retomada das atividades presenciais.
63
REFERÊNCIAS
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https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22455c-NA_-_COVID-
19_e_Transtorno_do_Espectro_Autista__1_.pdf. Acesso em: 8 jun. 2020.
SEGEREN, L.; FRANCOZO, M. F. C. As vivências de mães de jovens autistas. Psicologia
em Estudo, Maringá, v. 19, n. 1, p. 39-46, 2014. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141373722014000100006&lang=p.
Acesso em: 8 jun. 2020.
SIFUENTES, M.; BOSA, C. A. Criando pré-escolares com autismo: características e desafios
da coparentalidade. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 3, p. 477-485, 2010. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722010000300005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 8 jun. 2020.
USSHER, J. M. The madness of women: Myth and experience. [S. l.]: Routledge, 2011.
ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação.
Curitiba: Editora Appris, 2020.
ZHAI, Y. et al. From isolation to coordination: how can telemedicine help combat the Covid-
19 outbreak? medRxiv, [s. l.], 2020. Disponível em: https://
www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.02. 20.20025957v1. Acesso em: 8 jun. 2020.
66
Autism, pandemic and social isolation: with the word, the autistic themselves
RESUMO
O objetivo desse estudo foi investigar a percepção de autistas adolescentes e adultos sobre o
isolamento social como medida de contenção da pandemia do COVID-19 e as estratégias de
enfrentamento utilizadas. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, realizada de abril a
junho de 2020, tendo a análise temática de conteúdo, partindo do paradigma da
Neurodiversidade, como suporte para análise dos dados. Foram incluídos autistas acima de 15
anos com acesso a conteúdo digital, selecionados através de chamamento público nas redes
sociais. O instrumento utilizado foi questionário, aplicado pela ferramenta do Google
Formulários, envolvendo questões pertinentes ao tema. Os resultados demonstram que os
desajustes intrafamiliares repercutiram diretamente no aumento do sofrimento psíquico entre
os autistas. Concluímos que o isolamento não é em si um fator negativo para os autistas, sendo
o ambiente e a aceitação familiar fatores determinantes nesse processo.
ABSTRACT
The aim of this study was to investigate the perception of autistic adolescents and adults about
social isolation as a means of containing the COVID-19 pandemic and the coping strategies
used. This is a qualitative research, carried out from April to June 2020, with thematic content
analysis, starting from the Neurodiversity paradigm, as a support for data analysis. Autistic
patients over 15 years of age with access to digital content, selected through public calls on
67
social networks, were included. The instrument used was a questionnaire, applied by the Google
Forms tool, involving questions pertinent to the theme. The results demonstrate that the
intrafamily maladjustments had a direct impact on the increase in psychological distress among
autistic people. We conclude that isolation is not in itself a negative factor for autistic people,
with the environment and family acceptance as determining factors in this process.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue investigar la percepción de adolescentes y adultos autistas sobre
el aislamiento social como medida para contener la pandemia de COVID-19 y las estrategias
de afrontamiento empleadas. Se trata de una investigación cualitativa, realizada de abril a junio
de 2020, con análisis de contenido temático, partiendo del paradigma de la Neurodiversidad,
como soporte para el análisis de datos. Se incluyeron pacientes autistas mayores de 15 años con
acceso a contenidos digitales, seleccionados mediante convocatorias públicas en redes sociales.
El instrumento utilizado fue un cuestionario, aplicado por la herramienta Google Forms, que
involucró preguntas pertinentes al tema. Los resultados muestran que los desajustes
intrafamiliares afectaron directamente el aumento de la angustia psicológica entre las personas
autistas. Concluimos que el aislamiento no es en sí mismo un factor negativo para las personas
autistas, siendo el entorno y la aceptación familiar factores determinantes en este proceso.
INTRODUÇÃO
Diante da crise sanitária sem precedentes para a nossa geração associada a pandemia
do vírus SARS-COV-2 (COVID-19), uma série de mudanças comportamentais foram
demandadas. Sendo o imunizante ainda escasso e indisponível para uma cobertura vacinal
ampla no Brasil até o momento de escrita deste artigo, medidas com uso de máscaras, lavagens
das mãos e distanciamento social seguem como estratégias de enfrentamento mais eficazes,
havendo necessidade, em diversos momento, de isolamento social rígido (OPAS [2020?]).
68
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa realizada no período entre abril a junho
de 2020, com autistas adolescentes e adultos. Esse período caracterizou-se pelo decreto de
isolamento social rígido em múltiplos estados do Brasil, sendo o contexto agravado pelo pouco
conhecimento sobre a doença, incerteza acerca do desenvolvimento de imunizantes (que apenas
começaria a ser disponibilizado em dezembro de 2020) e por disputas de narrativas.
Os participantes foram recrutados por chamamento público em mídias sociais que
congregam autistas e familiares. A opção por participar da pesquisa foi espontânea. Os critérios
de inclusão foram: ser autista, acima de 15 anos e possuir acesso ao conteúdo digital. Foram
excluídos adolescentes menores de 15 anos sem autorização dos responsáveis. A idade de 15
anos foi utilizada como ponto de corte, considerando-se os limites etários para adolescência
adotados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (BRASIL, 2018).
69
A coleta dos dados foi realizada por meio de questionário que abordou as percepções de
autistas adolescentes e adultos a respeito do momento de isolamento social como medida de
contenção ao COVID-19, e as estratégias de enfrentamento utilizadas por eles nesse contexto,
sendo dividido em 8 categorias: educação, rotina familiar, trabalho, renda familiar, suporte e
saúde, tratamentos e terapias e necessidade de suporte. O questionário utilizou a ferramenta
Google formulários e foi veiculado nas redes sociais, no intuito de atingir uma maior quantidade
de participantes, e principalmente diante da necessidade de distanciamento social, fator
limitante para a realização de entrevistas presenciais.
O instrumento foi construído mesclando perguntas objetivas e perguntas abertas. As
perguntas fechadas objetivavam situar a pergunta aberta subsequente. Deste modo, antes de
perguntar sobre o impacto do isolamento em alguma esfera da vida, havia uma escola likert
perguntando o quanto havia interferido. A escolha por perguntas abertas em formulário
disponibilizado remotamente ocorreu por sugestão de experts e de pessoas autistas,
considerando que seria um modo de incluir pessoas não oralizadas, mas que se comunicam
virtualmente, com uso da escrita digital e/ou de técnicas de comunicação aumentativa e
alternativa (CAA).
Apesar de instrumentos qualitativos não requererem, por sua natureza subjetiva, uma
validação formal, esta pesquisa possui particularidades que demandaram adaptações.
Considerando que a rigidez mental, a alexitimia e a dificuldade de interpretação são
características frequentes entre pessoas autistas (embora mereça ser ressaltado que não são
universais), o instrumento foi apresentado previamente a um grupo de dez profissionais experts
no acompanhamento de pessoas autistas e a dez pessoas autistas com diferentes níveis de
suporte para fins de ajuste e validação de conteúdo.
Para a seleção dos juízes, utilizou-se a busca dos potenciais participantes, mediante
análise de currículo lattes via plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), buscando juízes mestres ou doutores, com pesquisas, publicações em
periódicos indexados, tese, dissertação ou monografia na área de interesse e atuação prática
(clínica, ensino ou pesquisa) também na área de interesse. Dos doze juízes convidados, dez
responderam positivamente ao convite. Para a seleção dos juízes autistas, a seleção se deu por
conveniência, a fim de incluir autistas com diferentes níveis de suporte e formas de
comunicação, incluindo-se dois autistas não oralizados que utilizam ferramentas de
70
comunicação aumentativa e alternativa. Além disso, a orientadora desta pesquisa, além de ser
mãe de uma criança autista, possui traços autísticos que a caracterizam como parte do Fenótipo
Ampliado do Autismo (FAA) (ENDRES et al., 2015). Essa particularidade contribuiu para o
estabelecimento do rapport e capilaridade na comunidade autista. As sugestões dos juízes foram
incorporadas e reapresentadas em total de 04 vezes, até a aprovação unânime dos 20 juízes.
Após a validação e disponibilização do chamamento aberto e público, o formulário foi
respondido por 40 pessoas, com idades entre 15 e 49 anos, dos quais 45% (18 pessoas), foram
do gênero feminino, 40% (16 pessoas, do gênero masculino, 7,5% (3 pessoas), transgêneros
não binários (não se identifica com o gênero atribuído ao nascimento, sendo uma pessoa não
binária), 5% (2 pessoas), gênero fluido ( mudam de gênero de tempos em tempos) e 2,5% (1
pessoa), mulher ipsogênero (intersexual que se identifica com o gênero feminino atribuído ao
nascimento. Em relação ao estado civil 65% (26 pessoas) solteiros (as), 32,5% (13 pessoas)
casados (as) ou em união estável e 2,5% (1 pessoa) divorciado (a) ou separado (a). Dos
participantes 77,5% (31 pessoas) se declararam brancos, 7,5% (3 pessoas), outras raças, 7,5%
(3 pessoas) asiáticos, 5% (2 pessoas) negros e 2,5% (1 pessoa) se declarou indígena. Entre os
participantes, todos brasileiro, 5 residem na região Norte do país, 19 na região Nordeste, 1 na
região Centro Oeste, 12 na região Sudeste, 2 na região Sul e 1 em Lisboa, Portugal. Sobre a
escolaridade 38,5% (15 pessoas) afirmaram ter o ensino médio, 35,9% (14 pessoas) afirmaram
ter pós-graduação, 10,3% (4 pessoas) afirmaram ter o ensino fundamental I, 7,7% (3 pessoas),
afirmaram ter o ensino fundamental II e 7,7% (3 pessoas) afirmaram ter ensino superior.
De acordo com Bardin (2016), esse artigo contempla as respostas abertas dos
participantes, que foram analisadas segundo a análise temática de conteúdo, partindo da
neurodiversidade como referencial teórico (ORTEGA, 2009; SILBERMAN, 2015). A fim de
manter o anonimato, os informantes foram identificados por letras alfabéticas seguidas de
numeração arábica (P1, P2, P3...).
O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade
de Fortaleza sob o número 4.028.756.
RESULTADOS
71
muito ficando preso em casa com essas pessoas. No meu caso, é o contrário. Minha família,
principalmente minha mãe, me entendem como ninguém.”
Quando o ambiente familiar se mostra acolhedor, o isolamento domiciliar com a família
passa a apresentar aspectos positivos, como o percebido por P34: “Nós estamos passando mais
tempo juntas, cooperando mais nas tarefas de casa e tentando dar apoio na medida do possível.”
Os participantes que relataram melhor adaptação da família e respeito às características
autísticas, foram os que melhor se adequaram tanto ao ensino como ao trabalho remoto. P2
reforça que o estímulo e aceitação da família atuaram de forma direta no desenvolvimento de
estratégias de adaptação: “No começo eu estranhei. Não concentrava. Não conseguia ficar
sentado vendo o monte de letra que fica porque todo mundo desliga suas câmeras nas
conferências. Aí minha irmã falou que eu não precisava ficar sentado. Eu comecei a ouvir as
aulas pelo celular, com os fones e andando pela casa.” P4, que atua profissionalmente como
psicóloga, e que também relatou um ambiente familiar respeitoso, encontrou aspectos positivos
em sua atividade laborativa exercida remotamente, chegando a afirmar que está “conhecendo
mais os meus pacientes.” Para P12 e P28, não precisar se deslocar para o trabalho é um fator
positivo, já para P6, P15 e P34, estar em home office é mais seguro e confortável.
Os participantes que elencaram fatores positivos no isolamento social, elencaram
estratégias de enfrentamento como apoio familiar, leitura, atividade física, meditação e
hiperfoco nos estudos e afirmaram sentir sensação de bem-estar, relaxamento, momento para
desenvolver autoconhecimento, melhor comunicação a distância, maior concentração para o
seu hiperfoco, normalidade por já viverem isolados anteriormente ao contexto da pandemia,
tranquilidade e alívio por não precisar “performar” (P2) na presença das pessoas.
DISCUSSÃO
Os resultados dessa pesquisa situam o núcleo familiar como fator crucial tanto para o
agravamento como para atenuação de dificuldades, estando a aceitação ou não das
características do autismo diretamente relacionada com os efeitos encontrados. Cabe destacar
de início, a premissa de que o autismo é uma condição que engloba um amplo espectro de
pessoas com diferentes necessidades de suporte (SILBERMAN, 2015).
75
Nesse sentido, quando se fala em aceitação, esta não deve ser confundida com ausência
de adaptações ou terapias, sob risco de se fomentar ainda mais dificuldades (DEN HOUTING,
2019). Contudo, embora seja importante reconhecer que algumas pessoas autistas necessitam
de maior suporte educacional e terapêutico que outras, o paradigma da Neurodiversidade parte
do pressuposto de que as limitações derivam de um misto entre questões subjetivas e
ambientais. Isso porque a Neurodiversidade entende o autismo concomitantemente como
condição e como deficiência (DEN HOUTING, 2019; NICOLAIDIS, 2012). O suporte
terapêutico, portanto, deveria buscar a redução de vulnerabilidades e o estabelecimento de
adaptações que minimizem os aspectos socioambientais, construindo ambientes propícios ao
desenvolvimento das habilidades necessárias para a conquista da autonomia - seja relativa ou
absoluta, sem, contudo, buscar a supressão de características individuais (NICOLAIDIS, 2012;
DONNELLAN; HILL; LEARY, 2013).
Nossos resultados corroboram as evidências de que tentativas de normalização e
adequação a um único padrão são formas de violência repressora (DELIGNY, 2015;
FOUCAULT, 2001). Kapp et al. (2019) afirma que deste modo, terapias e contextos sociais e
familiares baseados nesses preceitos fomentam o sofrimento psíquico, agravando os prejuízos
atrelados a um contexto social em si ansiogênico como o encontrado no período da pesquisa.
Tais tentativas de normalização constroem-se e naturalizam-se diante de uma
“corponormatividade compulsória”, que hierarquiza as pessoas por sua suposta capacidade
funcional e atrela esta capacidade a um corpo supostamente sem limitações e que se comporte
diante das regras sociais padronizadas (MCRUER, 2002; MELLO, 2014).
Neste sentido, interpretações equivocadas de pessoas não autistas acerca de
características frequentes entre autistas como, por exemplo, comportamentos autoestimulantes
- os “stimmig” - atuam como barreira social que amplifica os desafios sociocomunicativos das
pessoas autistas (KAPP et al., 2019). No espectro oposto, os resultados evidenciaram que
ambientes familiares e ambientes pautados pelo respeito às características e o reconhecimento
das demandas de regulação das pessoas autistas favoreceram o desenvolvimento de estratégias
adaptivas, repercutindo positivamente em diversos aspectos da vida e cotidiana e minimizando
os impactos do atual contexto sócio-sanitário. Esses achados dialogam com o estudo de Kapp,
que encontrou que as pessoas autistas tendem a descrever os comportamentos autoestimulantes
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa evidencia que as relações familiares atuam como elemento central na
adaptação ou não de pessoas autistas diante do contexto sócio-sanitário atrelado à Pandemia do
COVID-19. O núcleo familiar atua, nesse contexto de isolamento, como um microcosmo social.
Quando predominam condutas e vivências capacitistas, pautadas pela repressão de
características e movimentos autorregulatórios, houve a tendência de as pessoas autistas
desenvolverem maior dificuldade em diversos aspectos de sua vida no contexto da pandemia.
No espectro oposto, autistas que encontraram em seu núcleo familiar acolhimento e
receptividade, conseguiram desenvolver melhor estratégias de enfrentamento.
Vale ressaltar que nossas conclusões foram pontuadas através das falas dos próprios
autistas, incluindo pessoas com diferentes necessidades de suporte e limitação de linguagem,
sendo esse estudo norteado pelo modelo da Neurodiversidade.
REFERÊNCIAS
CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS
Diante das incertezas que assolam o mundo oriundas de uma pandemia ainda em curso,
e que certamente deixará consequências que irão reverberar por muitas gerações, concluímos
nesse estudo que as pessoas autistas e seus familiares estão vivenciando o isolamento social
imersos em contexto de amplo desgaste emocional, pois além das incertezas de um futuro
incerto e da convivência por vezes conflitante no ambiente familiar, ainda se deparam com suas
subjetividades e angústias ampliadas pelo cenário em questão.
A pandemia do Covid- 19 desnudou e inseriu uma lente de aumento em inúmeras
questões sociais, econômicas, políticas, sexuais, familiares e pessoais. Em nosso estudo
percebemos que as diferenças pautadas pelas questões de gênero pontuaram os depoimentos
das mães dos autistas, e das profissionais de saúde, que afirmaram se perceber em um contexto
exaustivo e solitário diante do acúmulo de atividades domésticas e profissionais. Para as mães
dos autistas, além de todo o cenário social desfavorável, permeiam as apreensões sobre o
tratamento dos filhos autistas e sobretudo os cuidados que esses demandam.
Atribuímos esse cenário ao resultado de uma sociedade pautada no patriarcado, que
obriga a mulher a acumular funções e a exercer de modo não compartilhado o papel de mãe
uma vez que diante do contexto social imposto, é a “maior” responsável pelos cuidados com os
filhos.
Compreendemos ainda, que o núcleo familiar atua, nesse contexto de isolamento, como
um microcosmo social, pois de acordo com os depoimentos dos próprios autistas, os familiares
atuam como elemento central na adaptação ou não de pessoas autistas diante do contexto sócio-
sanitário atrelado à Pandemia do COVID-19. Percebemos que no ambiente familiar onde
predominam condutas e vivências capacitistas, pautadas pela repressão de características e
movimentos autorregulatórios, houve a tendência de as pessoas autistas desenvolverem maior
dificuldade em diversos aspectos de sua vida no contexto da pandemia. Por outro lado, autistas
que encontraram em seu núcleo familiar acolhimento e receptividade, conseguiram desenvolver
melhor estratégias de enfrentamento.
Por fim concluímos com esse estudo, dentro de suas limitações dadas as circunstâncias
de um contexto indefinido, que as estratégias de enfrentamento utilizadas tanto pelas mães,
profissionais de saúde e pelos próprios autistas, como o fortalecimento de sua resiliência na
religiosidade/espiritualidade, além de redes de apoio, como familiares, amigos e serviços de
80
saúde, muito embora tenham relatado a escassez dessas, estão favorecendo o enfrentamento e
minimizando o sofrimento e quadros de angústia vivenciados.
Vale ressaltar que nossas conclusões em relação a percepção dos autistas foram
pontuadas através das falas dos mesmos, sem a pontuação de seus interlocutores, por
compreendermos e defendermos o modelo da Neurodiversidade que estimula a autonomia e
respeito as subjetividades e singularidades e as inúmeras possibilidades de ser-estar no mundo.
81
REFERÊNCIAS
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deficiencia/. Acesso em: 13 set. 2021.
DINIZ, D.; BARBOSA, L.; SANTOS, W. R. dos. Deficiência, direitos humanos e justiça.
Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, [s. l.], v. 6, p. 64-77, 2009. Disponível
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SACREY, L. et al. Reaching and grasping in au- tism spectrum disorder: a review of recent
literature. Frontiers in Neurology, [s. l.], v. 5, jan. 2014. Disponível em:
https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fneur.2014.00006/full. Acesso em: 10 abr. 2020.
SANTOS, C. M. dos; SILVA, J. P. da; PAIVA, J. Novos espaços de afeto e cuidado em
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SANTOS, G. B. et al. Estratégias para redução do estresse ocupacional em trabalhadores da
saúde durante a pandemia por COVID-19: uma revisão da literatura. Research, Society and
Development, [s. l.], v. 9, n. 11, 2020.
SBP. COVID-19 e transtorno do espectro autista. Brasília, DF: SBP, 2020. Disponível em:
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22455c-NA_-_COVID-
19_e_Transtorno_do_Espectro_Autista__1_.pdf. Acesso em: 8 jun. 2020.
88
ZANATTA, E. A. et al. Cotidiano de famílias que convivem com o autismo infantil. Revista
Baiana de Enfermagem, Salvador, v. 28, n. 3, p. 271-282, set./dez. 2014. Disponível em:
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ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação.
Curitiba: Editora Appris, 2020.
ZHAI, Y. et al. From isolation to coordination: how can telemedicine help combat the Covid-
19 outbreak? medRxiv, [s. l.], 2020. Disponível em: https://
www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.02. 20.20025957v1. Acesso em: 8 jun. 2020.
87
Dados Sociodemográficos
Gênero:
Idade:
Município de Residência:
Possui relacionamento íntimo:
Tem filhos? Quantos?
Profissão:
Possui pós graduação? Qual?
Qual o seu tempo de atuação na área?
Perguntas Disparadoras:
1.Qual a sua observação sobre os efeitos do isolamento social sobre as crianças
acompanhadas por teleatendimento?
2.Qual a sua observação sobre os efeitos do isolamento social sobre as mães/responsável pelas
crianças acompanhadas por você?
3.Qual a sua opinião sobre a qualidade dos atendimentos realizados via teleatendimento?
4.Você acredita que o teleatendimento está trazendo benefícios as crianças que estão sendo
atendidas? Por quê?
5.Como você percebe a motivação dos pacientes autistas durante as terapias realizadas por
teleatendimento? Por quê?
6.Como você percebe a motivação das mães no acompanhamento das terapias realizadas por
teleatendimento? Por quê?
7.O teleatendimento , na sua opinião deve permanecer , mesmo após a retomada das
atividades, como mais uma possibilidade de atendimento, de modo que sejam ofertados
atendimentos mistos (presenciais e a distância)?
8.Você já havia realizado atendimento a distância antes desse contexto da pandemia?
9.Você recebeu algum treinamento para realizar esses atendimentos? Se sim, você sente
segurança para desenvolver essa atividade?
90
Gostaria de pedir a sua colaboração nesta pesquisa realizada por pesquisadores da área da Saúde
Coletiva e Psicologia, que tem como objetivo investigar as mudanças na sua rotina diante da
condição de isolamento social como medida de contenção da pandemia do COVID-19 e quais as
estratégias de enfrentamento que você está utilizando.
Sua participação será totalmente ANÔNIMA e suas informações terão a finalidade de contribuir
com pesquisas em desenvolvimento que abordam o contexto atual, para que novos
conhecimentos possam ser somados às atuais estratégias de enfrentamento ao Covid 19.
Foi mantida a barra de progresso para facilitar alguma previsibilidade quanto a evolução do
preenchimento do questionário, mas não se preocupe, você não passará por todas as seções! Isso
porque o formulário está configurado para direcionar você para determinadas seções de
perguntas a depender das repostas anteriores. Por exemplo: você responderá pergunta sobre
estudos, apenas se for estudante; só responderá perguntas sobre trabalho se estiver trabalhando;
só responderá sobre fatores positivos de algum evento se tiver respondido anteriormente que há
fatores positivos; e igualmente para os fatores negativos. Essa organização visa não expor você a
perguntas não pertinentes à sua realidade. O preenchimento deve levar em média 18 minutos.
https://drive.google.com/file/d/1iVgp3De-U8OK57gmqjZVqkOqqv9zTtAo/view? usp=sharing
Pesquisadores responsáveis: Adriana Reis, Aline Veras Morais Brilhante e Leila Maria de Andrade
Filgueira.
*Obrigatório
91
1. Para participar selecione a opção "Concordo". Se não concordar com o termo e não
estiver de acordo em participar, selecione a opção "Não concordo". * Marcar apenas
uma oval.
Concordo
Não concordo
Questionário
Mulher cisgênero (se identifica completamente com gênero feminino que lhe foi
designado ao nascer)
Homem cisgênero (se identifica completamente com o gênero masculino que lhe foi
designado ao nascer)
Transgênero não binário (não se identifica com o gênero atribuído ao nascimento, sendo
uma pessoa não binária)
Solteiro (a)
Divorciado(a) ou separado(a)
Viúvo(a)
Branca
Negra
Indígena
Asiática
Outra
Brasileira
Brasileira Naturalizada
Estrangeira
residência?
Não estudou
Ensino Médio
Ensino Superior
Pós-graduação
9. Caso você tenha alguém responsável pelo seu cuidado (financeiro, saúde, de
autonomia, cuidados básico), qual a escolaridade dessa pessoa? (Caso exista mais de
uma pessoa responsável, escolha a de maior escolaridade) Marcar apenas uma oval.
Não estudou
Fundamental: 6º ao 9º ano
Ensino Médio
Ensino Superior
Pós-graduação
Não se aplica. Não tenho ninguém responsável pelo meu cuidado (financeiro, saúde, de
autonomia, cuidados básico)
Particular
Pública
12. Você recebeu alguma bolsa de estudos ou financiamento do curso para custear todas
ou a maior parte das mensalidades? Você pode marcar mais de uma opção, se for
necessário.
Não recebi, embora minha escola ou meu curso não seja gratuito. Bolsa de
ProUni integral.
ProUni parcial
FIES
Financiamento bancário.
13. Sua escola ou curso adotou o modelo de aulas on-line nesse período da pandemia?
Sim, na totalidade
Adotou parcialmente
15. Você acha que o contexto de isolamento social interferiu nos estudos?
16. Quais os fatores positivos você percebe que o contexto de isolamento social trouxe
para os seus estudos?
97
18. Como você define sua reação ou seus sentimentos quanto aos seus estudos no atual
contexto?
19. Quais os fatores negativos você percebe que o contexto de isolamento social trouxe
para os seus estudos?
98
20. Você desenvolveu ou colocou em prática alguma estratégia nova para amenizar
dificuldades nesse período? Se sim, qual ou quais?
21. Como você define sua reação ou seus sentimentos quanto aos seus estudos no atual
contexto?
Em casa ou apartamento, com pais ou parentes ou outra pessoa responsável pelo meu
cuidado
Em casa ou apartamento, com pais ou parentes, sem que haja relação de cuidado ou
dependência
Moro sozinho(a)
7 ou mais.
24. Você acha que o contexto de isolamento social interferiu na sua relação com as
pessoas que moram com você?
25. Quais os fatores positivos você percebe que o contexto de isolamento social trouxe
para a sua relação com as pessoas que moram com você?
26. Como você define sua reação ou seus sentimentos quanto a sua relação com as
pessoas que moram com você no atual contexto?
101
28. Quais os fatores negativos você percebe que o contexto de isolamento social trouxe
para a sua relação com as pessoas que moram com você?
29. Como você define sua reação ou seus sentimentos sobre a sua relação com as pessoas
que moram com você no atual contexto?
102
30. Você desenvolveu ou colocou em prática alguma estratégia nova para amenizar
dificuldades ou potencializar facilidades no que se refere ao relacionamento com as
pessoas que moram com você? Se sim, quais?
31. Qual alternativa melhor descreve sua situação atual de ocupação ou trabalho
remunerado (exceto estágio ou bolsas)?
32. Quais os motivos que levou você a optar não exercer sua atividade remunerada nesse
período?
33. Como você descreve as suas reações ou sentimentos em relação a essa escolha?
34. Como você descreve a sua reação ou os seus sentimentos em relação perda do
emprego ou interrupção da ocupação remunerada?
104
35. Você está recebendo algum suporte financeiro, psicológico ou emocional após essa
perda?
38. Como você descreve sua atual situação de trabalho ou ocupação remunerada?
40. Quais os fatores positivos você percebe que o contexto de isolamento social trouxe
para a sua atividade remunerada?
106
41. Como você define sua reação ou seus sentimentos quanto ao exercício da sua
atividade remunerada como está nesse contexto de pandemia?
42. Quais os fatores negativos você percebe que o contexto de isolamento social trouxe
para a sua atividade remunerada?
107
43. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação ao exercício da sua
atividade remunerada como está nesse contexto de pandemia?
Não tenho renda e meus gastos são financiados pela minha família ou por outras
pessoas Avançar para a pergunta 48
Não tenho renda e meus gastos são financiados por programas governamentais
Avançar para a pergunta 46
Tenho renda, mas recebo ajuda da família ou de outras pessoas para financiar meus
gastos. Avançar para a pergunta 48
Tenho renda e sou o(a) principal responsável pelo sustento da família Avançar
para a pergunta 48
46. Qual auxílio você recebe usualmente ou está recebendo nesse momento?
Bolsa Família
Garantia-Safra
Seguro Desemprego
Pensão
Aposentadoria
Auxílio Emergencial
47. Qual a importância desses auxílios para a sua sustentabilidade financeira no atual
contexto da pandemia?
109
48. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação à sua condição
financeira e de sua família no contexto da pandemia
49. Você possui alguma condição associada ao autismo que demande necessidade de
suporte?
50. Qual/quais?
110
53. Você desenvolveu ou colocou em prática alguma estratégia para tentar amenizar esse
aumento da necessidade de suporte?
111
As terapias são parte custeadas pelo SUS e parte particulares ou cobertas por plano de
saúde
113
59. Houve alguma mudança nos seus tratamentos ou terapias em razão do contexto
associado à pandemia do COVID-19?
Não houve qualquer alteração nos meus tratamentos ou terapias, que seguem
presenciais Avançar para a pergunta 60
Estou fazendo pelo menos parte das terapias remotamente, por teleatendimento
Avançar para a pergunta 61
60. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação à manutenção das
terapias no contexto de isolamento social decorrente da pandemia?
64. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação às terapias on line?
Muito positivamente
Não interferiu
Muito negativamente
66. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação à suspensão das
terapias?
116
67. Você considera que a necessidade de isolamento social interferiu na sua rotina?
Interferiu muito na minha rotina e isso teve mais aspectos positivos do que negativos
Interferiu pouco na minha rotina e isso teve mais aspectos positivos do que negativos
Interferiu pouco na minha rotina e isso teve mais aspectos negativos do que positivos
Interferiu muito na minha rotina e isso teve mais aspectos negativos do que positivos
68. A necessidade de isolamento social interferiu na sua relação com sua rede social e de
amigos
69. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação ao isolamento social?
70. Como você define sua reação ou seus sentimentos sobre a sua relação com sua rede
social e seus amigos no atual contexto?
71. Você acredita que possua alguma necessidade de cuidado, assistência ou suporte que
não esteja sendo provida nesse momento?
Caso você possua alguma necessidade de cuidado, assistência ou suporte que não esteja
sendo provida nesse momento
73. Como você define sua reação ou seus sentimentos em relação à falta de de suporte?
74. Tem algo que eu não perguntei , mas que você gostaria de falar? Sinta-se à vontade
para escrever o que você quiser;
119
Formulários
120
Objetivo da Pesquisa:
GERAL:
Analisar a percepção de autistas adolescentes e adultos sobre a condição de
isolamento social comomedida de contenção da pandemia do COVID-19 e as estratégias
de enfrentamento utilizadas pelos mesmos.
ESPECÍFICOS:
- Identificar as dificuldades encontradas por autistas adolescentes e adultos no
contexto de isolamento social;
- Descrever as estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelos mesmos no contexto de
isolamento social;
- Caracterizar as redes de apoio disponíveis para autistas adolescentes e adultos no
contexto de isolamento social;
- Analisar as percepções de autistas adultos e adolescentes sobre o fenômeno da
pandemia do COVID-19 eseus efeitos sobre suas experiências vividas.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
RISCOS:
O estudo oferece riscos mínimos. O procedimento utilizado na pesquisa, resposta a
entrevista, apresenta um risco mínimo, esclarecendo que toda pesquisa com seres humanos
envolve risco, mas que no caso dessas pesquisa é mínimo e refere-se ao possível
constrangimento ou desconforto emocional ao responder sobre os fatos relacionados à sua
vida e às suas crenças. Qualquer constrangimento ou outro mal estar que deve ser
informado ao pesquisador que buscará amenizar tais desconfortos. Caso seja necessário
encaminhamento, a participante poderá ser encaminhada, pela pesquisadora que estiver
entrevistando, para avaliação por uma das pesquisadoras que é psicóloga, clínica
especialista em autismo e mestre em Bioética.
BENEFÍCIOS:
Os (As) participantes serão diretamente beneficiados (as), na medida em que estarão
contribuindo para uma compreensão mais ampla acerca do evento estudado, como se
tornando efetivamente participativas de um processo de enriquecimento científico e
social, fornecendo subsídios para a adoção de medidas que visem o aperfeiçoamento das
redes de apoio a pessoas autistas. Os (As) participantes serão diretamente beneficiados
122