Adilson Abreu

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CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS

FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS


CLASSIFICA ÇÕES GEOMORFOLÓGICAS
UTILIZADAS NO BRASIL

Adilson Avansi de Abreu*

O objetivo deste artigo é tentar identificar e procurar contribuir


para uma avaliação da situação em que se encontra este problema,
tópico fundamental para o avan ço no campo da reflexão geomorfológi
ca , na medida que ele interfere de maneira decisiva no progresso da
-
pesquisa , interessando ao conhecimento das formas de relevo
Devido às limitações inevitá veis a este tipo de comunicação não
.
serão revistas detidamente todas as fontes de consulta para se traçar
um quadro do estado atual desta questão no contexto da ciê ncia em
geral e da geomorfologia em particular . Após o registro dos principais
autores que fornecem subsídios ao tema proposto serão destacados os
que foram mais significativos para a compreensão da óptica através da
qual este problema foi encarado no Brasil at é a ú ltima década .
Pelo que representam em rela çãoà temá tica proposta são dignos de
destaque os seguintes autores: Gilbert (1886), Richthofen (1886) ,
Chamberlin (1897) , Davis (1899) , Johnson (1933 , 1938-1941 ) , Penck
( 1924) , Bubnoff ( 1931 , 1954), Engeln (1940 , 1942), Bucher (1941) ,‘
Horton (1945), Gerassimov (1946), Martonne (19.48), Leuzinger (1948),
Cholley ( 1950) , Strahler (1954), Birot (1955) , Cailleux e Tricart (1956) ,
Wernli ( 1958) , Allbritton ( 1963) , Howard (1965) , Schumm e Lichty
( 1965), Tricart (1965), King (1966), Neef (1967, 1969), Enzmann (1968),
Gerassimov e Mescherikov (1968), Fyodorov ( 1968) , Ignatov (1968) ,
Kedrov (1968) , Novik ( 1968) , Mescerjakov ( 1968), Ab’Sá ber (1969),
Shantser (1970) , Basenina e Treskov ( 1972), Chorley (1972), Gruza e
Romanovskiy (1974), Kugler ( 1975 , 1976) , Basenina , Aristarchova e
Lukasov (1976) , Demek (1976), Mosley e Zimpfer (1976) e Thornes e
Brunsden (1977) .
Esta relação evidencia que o problema interessa nã o apenas ao
dom ínio específico da geomorfologia , mas se vincula també m ao
campo de estudo tanto da geologia como da geografia , o que se deve,
particularmente, às considerações de natureza metodológica feitas
pelos diferentes autores , que demonstram ser o mé todo considerado
,

hoje como largamente transcendente a uma determinada disciplina. A


an álise destes autores revela, entre as questões fundamentais para que
a geomorfologia continue avançando , aquela relacionada com a classi
ficação das formas de relevo.
-
Este problema é básico , uma vez que a sistematização dos fenô me
nos que interessam ao objeto de estudo de uma ciê ncia revela a teoria e
-

-
Professor Adjunto do Departamento de Geografia , FFLCH USP. Cx . Postal 8105
01000 SÃO PAULO (SP) (BRASIL)
-

49
a filosofia que servem de suporte para suas observa çõ es , permitindo-
nos avaliar a coerência dos estudos desenvolvidos e o significado dos
resultados alcan çados .
Ao lado destas observa ções vale a pena registrar també m a presen-
ça de apenas duas referências de autores brasileiros com contribui ções
expressivas neste contexto ( Lauzinger , 1948, e Ab’ Sá ber, 1969) , o que
atesta a pouca atençã o que, em nosso meio, esta temá tica tem desper-
tado. Acrescente-se a isto que , desses autores todos , menos de uma
dezena contribu íram de maneira significativa para a forma çã o do
pensamento geomorfológico dominante atualmente em nosso meio , o
que pode ser facilmente constatado pela an á lise da produ çã o geomor-
fológica nacional . Na realidade , com raras exce ções , representadas
principalmente pelos trabalhos que se apoiaram metodologicamente na
proposta sisté mica , desenvolvida através de par â metros de an álise
morfomé trica de bacias de drenagem , o grosso da produ ção geomorfo-
lógica brasileira tem privilegiado nos ú ltimos tempos uma linha de
pesquisa que valoriza o eixo Birot -Cailleux & Tricart , através da
postura de Ab’ Sá ber .
Evidentemente esta constata ção se prende a uma simplificação da
realidade ; parece contudo inconteste que a produ ção geomorfológica
brasileira dos ú ltimos vinte e cinco arios reflete uma forte influ ê ncia de
Tricart , particularmente de seus " Prí ncipes et méthodes de la Géomor-
phologie" , ao que se somou , nos ú ltimos 15 anos principalmente , a
ó ptica exposta por Ab’ Sá ber em " Um conceito de geomorfologia à
serviço das pesquisas sobre o Quaternário" ,
Destaquemos , poré m , algumas id é ias que parecem significativas
para a discussão do problema básico lembrado: o da classificaçã o dos
fatos geomorfológicos.
Quatro obras sã o fundamentais para a compreensão do moderno
pensamento geomorfológico nacional : Birot ( 1955), Cailleux e Tricart
( 1956 ), Tricart ( 1965) e Ab' S á ber ( 1969).
Uma análise mais detalhada poderia incluir ainda Martonne ( 1948)
e Cholley ( 1950), al é m de alguns outros de menor expressão ; no
momento , todavia , isto parece desnecesá rio, na medida que estes
autores estão incorporados nas referê ncias anteriores.
Uma aná lise da obra de Birot ( 1955), tendo por objeto ressaltar sua
perspectiva em relaçã o à classificação dos fatos geomorfol ógicos
permite que logo no in ício do primeiro cap ítulo ( “ Le té moignage des
formes. Les méthodes qualitatives e í quantitatives de 1’analyse cycli-
que ” ) se localize o critério básico para classificar as formas e que ,
subseq ú entemente , dará a t ô nica ao texto desenvolvido :

“ L *analyse des formes ne prend quelque signification que dans


une confrontation entre la carte topographique (ou le relief r é el) et la
structure géologique. Elle permet de distinguer 3 catégories:

a ) Les formes banales résultant de 1’action du dernier cycle d ’érosion sur


un matérie) homogè ne ;
b) les formes singulieres cycliques, aplanissements et abrupts qui les
séparent , independentes de la structure ;
c) Les formes singulières , abrupts , ruptures de pente et surfaces plane
-
s 'expliquant par la structure, c ‘est à-dire par la ré/ partition des roches
dures et des roches tendres et par le plan de leur nise en place ” (p. 7) .

50
1

També m o trecho do cap ítulo terceiro ( “ Equisse d ’ un programme


pratique de recharches ” ), no qual sugere uma triagem preliminar das
formas através do confronto das cartas topográficas e geológicas »
quando da confecção de uma monografia regional , permite compreen-
der sua ó ptica em face das formas identificadas:
” La confrontation des cartes géologiques et topographiques per-
met d ’opérer un premier tri dans Tensemble des formes à etudier:

a) Les formes qiTon peut appeler “ banales ” , systèmes de versants plus ou


moins symetriques sans ruptures de pente et qui sont gé néralement
Fouvre du cycle d *érosion en cours ;
b) Les formes structurales ;
c) Les formes d ’ accumulation ;
d ) Les formes d ’aplanissement cycliques.

Les formes banales ne seront étudiées de façon aprofondie , que si l’on


se propose non pas de reconstituer 1’é volution du relief , mais d ’ analyser les
processus actuels d ’ é rosion et d 'accumulation ” (p .124)

E uma perspectiva de classificação que se mostra claramente


comprometida com a gé nese das formas em um contexto teórico
indiscutivelmente davisiano , daí um certo desprezo at é pelas formas
“ banales ” resultantes dos processos em operação no ciclo geomórfico
.
em curso Evidencia uma forma de classificar at é certo ponto pouco
elaborada , o que acontecia aliás com bastante frequ ê ncia em relação a
muitos autores mencionados, e que reflete uma preocupação mais
centrada no mé todo do que na essê ncia do objeto a ser desvendado
pela disciplina. A dicotomia estrutural-processual já revela a emergên-
cia de uma crítica à postura davisiana ainda n ã o-incorporada , e que
resultou em um aparente antagonismo interno na essência da forma do
relevo.
Este ú ltimo fato é corroborado pela antinomia entre a abordagem
regional proposta e os estudos sobre os processos atuais de erosão e
aluvionamento , que o autor desenvolve entre as p . 132 e 145, embora
na conclusão ele sublinhe que “ II ne convient pas evidemment de
creuser un fossé entre les deux ordres de recherches que nous avons
distingu és , ni de subordonner Tun à Tautre ” (p. 146).
Se é verdade que do ponto de vista empírico da realidade estudada
Birot representa um avanço em relação à classificação jovem -maduro
senil da postura davisiana clássica , ele será superado já no ano -
seguinte ao da pubíicação de seu trabalho
referê ncia — —
em nosso contexto de
pelo aparecimento do artigo de Cailleux e Tricart intitula-
do " Le problème de ia classification des faits géomorphologiques ”
Neste artigo seus autores lembram , após algumas considerações
iniciais sobre a situação até então dominante, em um texto que marcou
época entre n ós , que o quadro por eles proposto deveria ser encarado
de maneira provisó ria ; poré m , insistem em sua utilidade na medida em
que “ les classifications sont un instrument de recherche commode .
Elles offrent un cadre ou insérer nos observations Elles attirent
rattention sur les analogies et sur les diff érences entre les phénomènes
.
.
et peuvent suggé rer des recherches nouvelles ” ( p 163) , evidenciando
um grau de consciê ncia mais amadurecida em relação ao problema
proposto e registrando, logo a seguir , sua importâ ncia para a geomor-
fologia aplicada e para o mapeamento geomorfológico.

51
Em três parágrafos curtos Cailleux e Tricart enunciam os critérios
a serem seguidos na classificação dos fatos geomorfológicos:
“ Nous avons été ainsi amenés à distinguer deux pr í ncipes fonda -
mentaux de classement : um pr í ncipe dynamique et un pr í ncipe dimen -
sionnel .
Le prí ncipe dynamique consiste à classer les formes d ’après les
mécanismes que leur ont donné naissance , que ces mécanismes ressor-
tissent. à l ’action prédominante des forces externes , comme un lit
fluvial , une plage marine, un inselberg , ou à celle des forces internes
comme un volcan , um horst , une fosse océanique profonde.
Le pr í ncipe dimensionnel resulte de la prise en consideration d ’ un
autre aspect de la nature: la dimension des formes. II est lie à la notion ,
si é minemment géographique , d ’échelle. Par essence , il est quantitatif ,
tandis que le pr í ncipe dynamique est actuellement qualitatif ” (p . 163) .
Esta óptica registra notá vel avanço em relação à postulada por
Birot (1955) , revelando de um lado uma reflexão mais profunda sobre o
problema e de outro a ado ção de um critério mais objetivo em relaçã o à
classificação das formas de relevo.
A análise do texto subsequente ao enunciado acima transcrito se
faz através de considerações a respeito do papel do qualitativo e do
quantitativo no estudo das formas de relevo (p . 163 a 169) e do
princí pio dinâmico em geomorfologia (p. 169-179) , vindo a seguir o
último capítulo que é a aplicação da noção de escala na taxonomia das
formas de relevo (p. 183-186).
Embora em relação a Birot (1955) haja como elemento comum a
classificação a partir de uma postura gené tica , ela é trabalhada de
maneira bastante diferente , na medida em que o relevo é valorizado
como fenômeno de uma interface que registra forças antagónicas em
sua evolução. Este antagonismo , assinalam os autores, é fundamental
para se avançar no estudo da disciplina , embora aparentemente seja
uma noção elementar.
As considerações e os argumentos arrolados nos dois capítulos que
antecedem a classificação proposta estão permeados dessa noção de
antagonismo entre forças que se opõem , esforçando-se Cailleux e
Tricart para incorporar nesta aná lise a postura de F. Engels , cuja
“ Dialectique de la Nature” é citada na bibliografia e destacada no
texto.
Quando discutem o problema do quantitativo e do qualitativo em
geomorfologia , insistem em que estes não se opõem de maneira
mecâ nica, pois est ão estreitamente ligados (p. 163) e correspondem a
dois aspectos de u ’ a mesma realidade, sendo que a mudança de um
repercute no outro (p. 165) , o que permite introduzir na geomorfologia
a noção de valor cr í tico (" seuil de valeur critique” ), a qual abriria as
portas da disciplina para o uso da quantificação ( p. 166). Entre as
conclusões que destacam no fim desta unidade deve ser sublinhada
aquela que postula ter a geomorfologia objeto pró prio e não lógica
pró pria, o que é fundamental em relação ao problema do método,
lembrando os autores, logo a seguir, que o avanço da disciplina implica
em confrontação permanente entre o qualitativo e o quantitativo (p.
168) pelo que acreditam dever uma classificação geomorfológica “ ré-
poser non sur le degré d *évolution forcément vague et difficile à
préciser , mais sur les processus dans leur combinaison mutuelle , sur la

52
dynamique de la géomorphogé nèse. Une meilleure connaissance des
processus de la dynamique, aboutira nécessairement à des détermina
- -
tions quantitatives. Celles ci à Ieur tour permettront de préciser Fas
pect qualitatif des phé nomè nes , en fixant la valeur numérique des
-
.
seuiles. Mais cette étude dynamique ne saurait être suffisante EUe doit
prendre place à une certaine échelle , caries mécanismes varient suivant
.
1'échelle, comme le montre la physique” (p 169). O grifo é para
destacar que a partir dessa afirmação encontra-se a justificativa para
um certo vié s que a solu ção proposta apresenta, o qual se ampliará na
obra de Tricart (1965).
O capítulo seguinte , destinado a avaliar o princípio dinâ mico em
geomorfologia , aborda a noção de relevo como fenômeno característi-
co de uma interface , no estudo da qual não se deve valorizar , além do
devido , cada um dos dom ínios interagentes nesta superf ície de contac-
to . De início exploram o significado da biosfera na morfogênese, vindo
a seguir ,as considerações sobre o papel do clima e da tectônica
insistindo, poré m , que são as relações entre esses aspectos que devem
ser valorizadas para se classificar as formas (p. 172). Encerram esta
unidade destacando — “ quelques pr í ncipes directeurs qui aident à
systematiser nos connaissances gé omorphologiques ” , que são subse-
.
qiientemente sistematizados : 441 L’opposition de nature dialectique
entre forces internes et forces externes , 2. Le principe de la
zonalit é , appartenant par essence à Ia dynamique externe , 3. La
notion d ’evolution , ... .
4. L *action de Fhomme .” ( p 178- 179).
O ú ltimo capítulo volta-se à aplicação da noção de escala aos fatos
geomorfológicos, registrando , logo de in ício , que ‘Topposition dialec-
tique entre forces internes et forces externes revê t des aspects diff é-
.
rents suivant- I 'échelle envisagée ” ( p 179) ,— idéia que os autores
procuram explorar evidenciando o relevo como resultante de forças
opostas e em contradição aparente. “ Pour lever cette apparente con-
tradiction , le fil directeur est la notion d 'échelle ” (p. 182), concluem
Cailleux e Tricart, que a aplicam, a seguir , obtendo então sete ordens.
de grandeza taxonô mica (p. 183-186) .
Embora a ú ltima frase acima transcrita seja pelo menos discutível ,
é inegável o grande mé rito da classificação das formas de relevo
apresentada neste trabalho, que influenciou de maneira decisiva a
evolu çã o da geomorfologia na Fran ça e , por tabela , no Brasil .
Se a aplicação da noção de escala nã o era novidade (von Engeln
( 1942) , por exemplo , após citar Salisbury (1919), tece considerações
sobre uma classificação apoiada em uma perspectiva têmporo-espacial
igualmente digna de nota e que també m influenciou a geomorfologia
brasileira nos meados do século), a postura de Cailleux e Tricart ( 1956)
trouxe uma nova perspectiva para o problema e parecia superar a
antinomia estrutural-climá tica , no contexto de uma determinada postu-
ra conceituai. Todavia , o tempo tratou de demonstrar , a classificação
proposta esbarrou em sé rias dificuldades de aplica ção e isto parece ter
se originado na própria escala de apoio para se amarrar as formas e os
mecanismos gené ticos identificados para a cacterização das unidades,
que acabaram valorizando de maneira excessiva as condicionantes
estruturais , mesmo quando explicitamente, se insistia no contrá rio .
Um fato que não pode ser desprezado é que a noção de escala ,
fundamental para as ciê ncias que lidam com o espaço, acabou introdu-
zindo uma perspectiva oblíqua e as formas foram classificadas não por

53
"

,
sua essência mas pelo seu tamanho e a partir de uma ó ptica de dif ícil
ajustamento quando transposta para estudos regionais concretos. Seria
enfadonho repetir aqui o testemunho de todos os estudos monográfi -
cos realizados que explicitam , no texto , as dificuldades na aplicação
desta classificação.
A proposição de Cailleux e Tricart (1956) foi retomada por este
ú ltimo autor em 1965 e resumida em forma de tabela, sendo que as 7
ordens de grandeza foram ampliadas para 8, em uma versão mais
.
rígida A postura de 1956 foi trocada por uma que valorizou excessiva-
mente a escala e obscureceu algumas considera ções sobre a essê ncia
do objeto da disciplina.
É preciso sublinhar que não se contesta o valor da escala que é
fundamental como fator de decisão na escolha das técnicas e estraté-
gias de pesquisas. Todavia é como se , guardadas as devidas propor-
ções, a essê ncia do objeto da f ísica se alterasse quando o pesquisador
abandona o microscó pio e se utiliza do telescópio.
Tricart ( 1965) acabou levando o leitor a julgar que a essê ncia do
objeto de estudo da disciplina se alterava com a escala e da í ser
necessá rio adaptar-se o método à escala de abordagem . Isto fica
particularmente n ítido quando ele trata do mapeamento geomorfológi-
.
co, quest ão para a qual a classificação dos fatos é fundamental “ La
conception de la cartographie géomorphologique valable au 1 :20 000 na
peut être intégralement conservée au 1:1 000 000 et inversement ” ,
deixa ele claro à página 90. A rigor , salvo melhor ju ízo , parece que a
concepção deve ser a mesma , apoiada em uma mesma premissa
teórica, poré m trabalhando com técnicas adequadas à escala que se
propõem os problemas , tanto para se identificar como para se repre-
sentar cartograficamente as formas. A quest ão é de método, técnica e
representação gráfica ajustada à escala de abordagem , mas n ã o de
concepção.
.
É significativo que Tricart (1965, p 77 e 78) compare o problema
da classificação dos fatos geomorfológicos com aquele que enfrenta o
histoiogista , o zoólogo, o botâ nico e o biólogo , sem examinar mais
profundamente a questão da forma . e do movimento da matéria que
origina o relevo segundo o ponto de vista da dial ética da natureza , que
ele explicitamente postula. É aliás até contradit ório, na medida em que
a comparação mais pertinente deveria apoiar-se em um eixo que ,
valorizando na origem uma evolução predominantemente inorgânica
dos elementos constituintes da crosta terrestre , passasse posterior-
mente pela qu ímica dos sistemas de componentes m ú ltiplos e se
articulasse com a geoquímica e a geologia , a exemplo do proposto por
Kedrov (1968). Embora a simplificação seja perigosa, a pertinência da
comparação se verifica de um lado com todas as demais geociê ncias ,
particularmente a pedologia , e de outro , com a f ísica. A compara ção
com a histologia , por exemplo , só é válida para se estabelecer um
contraste e é de se admitir, inclusive que esta tenha sido sua intenção.
A seguir passa Tricart ( 1965) a explorar a diferença de escalas com
a qual a geomorfologia se confronta para definir seu objeto , registran-
do que “ Ia dimension des objets de la géomorpholoie — (faits et
phénomè nes) intervient non seulement dans leur classification , mais
dans le choix des méthodes d *étude et dans la nature mê me des liens de
causalité, tant avec les autres objects de la géomorphologie elle-mê me,

54
qu "avec ceux des disciplines connexes ” (p. 79), o que revela uma
perspectiva mais presa ao tamanho das formas de relevo que o artigo
de 1956, pouco avançando em relação a uma postura que valorizasse
realmente a análise dialética da natureza .
Em resumo , a classificação que originariamente (Cailleux e Tri-
cart , 1956) procurou apoiar-se na combinação de dois critérios (o
gené tico e o escalar ), acabou (Tricart , 1965) subordinando o primeiro
princípio ao segundo e lançando uma sombra sobre a essê ncia do fato
em análise, inclusive porque a classificação segundo a génese também
-
pode revelar-se bastante problemática, embora pareça nos que este
princípio seja, no caso da geomorfologia , de substitui ção mais dif ícil.
Como decorrê ncia desta situação muitos esforços posteriores ,
baseados neste quadro de referê ncia taxonômica , acabaram produzin-
do resultados de dif ícil aplicação em estudos regionais específicos. Um
bom exemplo foram as teses propostas por Bertrand (1968) e que se
revelaram de viabilizaçã o problemá tica em diversas experiê ncias
( Abreu , 1982)
Fundamental na produ ção geomorfológica nacional dos últimos
anos foi a contribuição dada por AbfSáber ( 1969) e que incorpora ,
parcialmente , algumas idéias dos autores acima analisados, porém
acaba valorizando també m um quadro de referências mais amplo, não
através da bibliografia citada, mas através dos conceitos incorporados
na ótica proposta para os estudos geomorfológicos .
Em sua proposta , que o autor declara “ tratar-se de uma simbiose
conceituai , através da qual são reunidos os principais objetivos e
enfoques que caracterizam a Geomorfologia contemporâ nea * (p. 1), o
1

ordenamento escalar dos fatos estudados , dispostos em três níveis de


abordagem , revela uma flexibilidade que permite um ajustamento mais
satisfatório em relação à essência dos fatos estudados, tanto do ponto
de vista espacial , como temporal.
-
Parece-nos sintomá tico que na primeira parte do trabalho (p. 1 7) o
termo estrutura apareça ligado às formas de jazimentos superficiais de
verdadeiros depósitos correlativos da génese das formas de relevo, no
que é denominado de segundo nível de tratamento (p . 2) , reservando o
autor a expressão bases rochosas da paisagem ao conjunto de influên -
cias tradicionalmente classificadas por outros autores como estrutu
rais. Vale a pena , aliás, transcrever parte de suas palavras a este
-
respeito: “ Na realidade, custou muito para se compreender que as
bases rochosas da paisagè m respondem apenas por uma certa ossatura
topográfica, e , que, na realidade são os processos morfoclimá ticos
sucessivos que realmente modelam e criam feições próprias no relevo * ’
(p. 4).
Emerge neste trabalho um modo de encarar as formas de relevo,
quanto à sua taxonomia , que, incorporando com correção as diferen
ças entre cinemática (p. 2) e dinâmica (p. 5), sublinham a necessidade
-
de “ uma permanente atitude de correlação entre os fatós ditos areola-
res e lineares da dinâmica da paisagem ” , superando uma visão herdada
de uma das linhas de evolu ção do pensamento geomorfológico, na qual
-
a antinomia estrutural processual contínua sendo um empecilho para a
compreensão mais justa do papel da forma e do movimento na essência
dos fatos que interessam ao campo da geomorfologia.

55
1

Concluindo estas observações , vale a pena destacar que a proposta


de Ab’Sá ber ( 1969) avança em rela çã o aos autores anteriormente
analisados e traz para o nosso meio uma ótica muito mais próxima
daquela postulada por Kugler (1976), quando formaliza suas idéias
sobre o geo-relevo e o enquadra no â mbito de interesse da geografia .
-
Parece nos , aliá s, que n ã o é por acaso que Ab’Sá ber retoma o conceito
de fisiologia da paisagem, já explorado no in ício do século por Sieg-
fried Passarge no contexto de sua morfologia fisiológica , indo de
encontro à postura que, nos estudos de geografia f ísica global , acabou
produzindo, no â mbito da Europa Oriental , os estudos de Sotchava
( Abreu , 1985) .
Fica evidente que, embora os autores aqui analisados possam ser
enquadrados , na origem , na linha de evolução epistemol ógica dita
-
anglo americana , o processo de cr ítica à postura clássica deste grupo
levou Ab ’ Sáber (1969) a um avanço conceituai mais significativo em
relação aos demais aqui mencionados ( Abreu , 1983) .
Apesar de a crítica formal feita por Tricart a Davis ter sido , no
conjunto de sua obra, mais destacada que a de Ab’Sáber , este ú ltimo
autor incorpora de maneira mais palpá vel em seus conceitos os postu-
lados que emergem com a evolu ção do pensamento geomorfol ógico do
centro e leste da Europa , daí sua ótica na classificação dos fatos
geomorfológicos , que revela uma proposição mais consequente para o
avanço em relação a este problema , particularmente em um quadro de
refer ê ncias que valorize a perspectiva geogr áfica.

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RESUMO
O autor analisa e discute as bases conceituais das mais importantes
classificações modernas das formas de relevo utilizadas no Brasil , tais
como as propostas por BIROT ( 1955) , CAILLEUX & TRICART
( 1956) , TRICART ( 1965 ) e AB ’ S Á BER ( 1969) .

RESUM É

Les plus importantes et les plus modernes classifications de for-


mes de relief empoyées au Bré sil , telles celles de BIROT ( 1955 )
CAILLEUX , TRICART ( 1956) , TRICART ( 1965 ) et AB ’ S À BER
( 1969) , sont analysées et discutées .

58
I
ABSTRACT
The author identifies and discusses the most important conceptual
basis of modem geomorphological landforms classifications currently
employed in Brazil , namely BIROT (1965) , CAILLEU & TRICART
(1956) , TRICART ( 1965) , and AB ’SÁ BER (1969) .

59
n

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