A Revolução Quantitativa Da Geografia

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GALVÃO, Marília; FAISSOL, Speridião.

A revolução quantitativa na geografia e seus reflexos no


Brasil. Revista Brasileira de Geografia (RGB) 1970 n. 4. Publicação do IBGE.

1. Introdução

No capítulo que apresenta os objetivos do artigo, os autores introduzem ao leitor os


dois tópicos fundamentais da tese, que elucidam o quão promissor o método
quantitativo viria a ser para consolidar a geografia como ramo científico igualando-a
com os principais campos da ciência.

[...] os métodos quantitativos na geografia representam uma nova e poderosa arma para a análise
dos fenômenos geográficos, capazes de tornar a geografia um ramo do conhecimento humano
igual aos outros de natureza científica, pela sua capacidade de precisar os fenômenos e
estabelecer princípios gerais, segundo os quais os mesmos ocorrem. (p. 5)
[...] além disso, pela natureza dos problemas que tais métodos permitem analisar e pela forma
por que agora se pode analisá-los, alguns conceitos teóricos podem ser questionados ou
reestabelecidos. Este fato é fundamental, pois afeta a própria estrutura do conhecimento
geográfico. (p. 5)
[...] a preocupação com a formulação de conceitos teóricos na geografia está estreitamente
associada à sua matematização, desde as mais simples formas de quantificar os fenômenos até
os mais complexos raciocínios da lógica dos sistemas regionais ou das redes urbanas, na
construção de modelos de organização espacial, enfim na conceitualização do espaço
geográfico. (p. 5)
“O impacto das novas formulações teóricas nos processos de definição da regionalização foi,
talvez, o mais contundente, pois é neste setor que a geografia pode oferecer as contribuições
mais substantivas aos processos de planejamento do desenvolvimento econômico -tão
importantes hoje em dia.” (p. 5)

2. A revolução quantitativa na geografia

Neste capítulo, os autores falam sobre como determinadas invenções da humanidade


podem desencadear quebras de paradigmas num determinado contexto e levarem ao
processo de substituição do homem tanto em tarefas que envolvam força física quanto
em atividades laborais e intelectuais, dando exemplos da maquina a vapor e do
computador, ambas peças fundamentais para o desenvolvimento da Revolução
Industrial e da Revolução Técnico-Científico-Informacional, respectivamente. Tais
fatores, segundo o texto, não deixam de afetar a geografia e o meio científico em
geral, principalmente tratando-se das consequências resultantes de cada processo,
como foi o caso da institucionalização das aplicações tecnológicas-práticas nas
pesquisas científicas do século XX, que fez com que cada vez mais, e mais rápido,
teses acadêmicas fossem submetidas a parâmetros práticos como forma de validação
adicional ao processo puramente acadêmico.

“ A história das invenções humanas, se bem que apoiadas no fluxo contínuo de pesquisas,
produz verdadeiras revoluções não só na tecnologia, mas também e muitas vezes, no próprio
conhecimento científico. A máquina a vapor produziu o que se convencionou chamar de
Revolução Industrial, um dos processos mais importantes do desenvolvimento humano destes
últimos 200 anos. Agora e já de algum tempo, apareceu o computador eletrônico. A única
relação de um com o outro é que muitos comparam o que fez a máquina a vapor com a força
muscular do homem, com o que está fazendo e sobretudo virá a fazer o computador com a
capacidade de elaboração intelectual do homem. A diferença essencial é mais ou menos a
mesma que existe entre a força físico-muscular e a capacidade intelectual.” (p. 6)
“O computador tem sido utilizado em todos os ramos do conhecimento para uma infinidade de
usos e não seria exagero dizer que, de certa forma, tornou possível ao homem ir à lua. A
geografia não podia deixar de ter sido afetada fosse pela possibilidade de usar o computador,
fosse pelas ideias e possibilidades tecnológicas que se foram abrindo aos pesquisadores na era
dos computadores.” (p. 6)
“É notório que o tempo no século XX, que medeia entre a pesquisa científica e a sua aplicação
tecnológica-prática, foi tão encurtado que todos os pesquisadores adquiriram uma consciência
nítida da aplicabilidade de sua pesquisa, a ponto de tornar praticamente inexistente a fronteira
entre pesquisa pura e aplicada. Toda a pesquisa hoje é aplicada e quase que de imediato. Na
geografia esta tendência está tendo um efeito de procurar-se enquadrá-la num contexto
interdisciplinar -sem prejuízo de sua individualidade-com o objetivo de que ela traga a sua
interpretação a um problema de transcendental importância nas sociedades modernas: a
organização do espaço que constitui o próprio objeto das investigações geográficas.” (p. 6)

A partir daqui, o artigo define esse estágio da geografia como “Revolução


Quantitativa”, e aponta como tal corrente tende a sustentar métodos de análise
nomotéticos acima de concepções idiográficas (geralmente sustentadas por geógrafos
denominados de “excepcionalistas”).

“Muitos geógrafos procuraram definir a natureza dos fenômenos geográficos: os


excepcionalistas, que formaram uma longa tradição e neles se incluem geógrafos do tipo de
Hartshone ou Vidal de la Blache, foram os formadores da concepção idiográfica-monográfica,
pela qual os fenômenos geográficos são únicos e excepcionais, tendo em comum apenas a sua
localização.” (p. 7)
“As concepções atuais não são mais excepcionalistas e sim procuram enquadrar os fenômenos
geográficos num contexto geral, formando o que se costuma denominar de disciplinas
nomotéticas, isto é, aquelas que procuram identificar as leis gerais segundo as quais os
fenômenos ocorrem.” (p.7)
“O fundamento da concepção excepcionalista, muito bem apresentado por Hartshorne em seu
"Perspectives on the Nature of Geography" é de que os fenômenos geográficos são únicos e
excepcionais e se cada caso é único, leis genéricas não podem ser estabelecidas, teoria não pode
ser formulada, projeções não podem ser feitas e modelos são concepções inúteis na geografia.
Ackermann chega a dizer que o destino do geógrafo é o da contemplação do único. As
consequências desta concepção influíram na posição da geografia como uma disciplina apenas
de cultura geral, sem maiores chances de contribuir para o bem estar da sociedade, através de
concepções próprias dos problemas que esta mesma sociedade enfrenta quotidianamente. (p. 7)
“Entretanto se os casos estudados na geografia podem se enquadrar dentro de situações
genéricas, leis gerais de estruturação e de organização do espaço podem ser formuladas, teoria
pode ser construída, projeções podem ser feitas e modelos passam a ser concepções úteis na
geografia. (p. 7)
“Existe uma só ilha de Manhattan no mundo inteiro, com aquele conjunto particular de
características, físicas ou humanas, mas se ela se enquadra na teoria geral de ilhas ou se a cidade
de Nova Iorque se enquadra dentro do sistema geral de cidades, então ela não é um caso único,
mas sim parte de um sistema que encontra explicações em teorias, que podem ser ou ainda não
ser conhecidas. Antes de Newton ninguém sabia que a queda de uma maçã ou o movimento da
lua faziam parte de um mesmo processo.” (p.7)

Seguindo mais adiante os autores relacionam o método nomotético de análise com a


teoria da centralidade das cidades, desenvolvida por Christaller, demonstrando como a
observação sistematizada e generalizada contribuem para a consolidação da
geografia como campo científico independente que abrange tanto aspectos sociais e
locais, como também matemáticos e biológicos.

“Os geógrafos que vêm utilizando métodos quantitativos de análise aceitam os fenômenos
geográficos como gerais, modificados por condições particulares, é verdade, mas regidos por
princípios gerais. Outra coisa não é a teoria de Von Thunem sobre organização agrícola e a de
Christaller sobre a centralidade das cidades, entre outras.” (p. 8)
“Brian Berry, em artigo publicado em 1964 nos Anais da Associação dos Geógrafos
Americanos "Approaches to Regional Analysis: A synthesis", utiliza os conceitos da Teoria
Geral dos sistemas para conceber o processo espacial, partindo da noção de que esta análise
espacial, que é o objeto da geografia, está circunscrita ao sistema ecológico de que o homem é a
parte central e dominante. E assim a geografia se diferencia das outras ciências sociais porque
nenhuma delas examina esta mesma parte do sistema ecológico com a visão de sua distribuição
ou integração espacial; e se diferencia das outras ciências espaciais, como a geologia e
meteorologia, etc. porque estuda a perspectiva espacial sob o ângulo da atividade humana.” (p.
8)
“A moderna geografia, ao analisar a região como parte de um sistema aberto, traz a vantagem
de dirigir a atenção para os laços entre processo e forma, e coloca a geografia humana ao lado
das outras ciências sociais e biológicas que estão organizando seu conhecimento por esta
maneira [...] esta atenção dirigida para as relações entre processo e forma são o fundamento de
uma teoria de integração espacial, na qual processo e forma estão ligados e são
interdependentes. (p. 8)
“A utilização de métodos da matemática matricial, escalar e vetorial dá dimensões novas e mais
profundidade à análise que pode ser feita das regiões, e a utilização de conceitos da teoria dos
sistemas gerais permite atacar o problema da regionalização através das idades de estrutura
interna da região, dos fluxos e conexões de uma região com outras e das interdependências entre
estrutura e fluxo, entre forma e processo, entre as características de um espaço e sua dinâmica.”
(p. 8)

4. O problema no Brasil

Nesta parte da obra os autores abordam a prática dos fundamentos elucidados ao


longo do artigo pelo Conselho Nacional de Geografia que, apesar da forte influência
doas acadêmicos franceses, conseguiu aproveitar a onda de uma revolução
quantitativa que ganhava força nos Estados Unidos e na Inglaterra, sempre tomando
como norte, a solução da questão do problema da divisão regional através da análise
fatorial.

“A criação do Conselho Nacional de Geografia agrupou em torno dele uma atividade geográfica
que vinha de longe, porém muito dispersa. Na própria formulação da ideia de uma instituição
deste tipo a influência de geógrafos franceses era preponderante, quase que exclusiva;
consequentemente a formação dos geógrafos brasileiros vinha sendo fortemente afetada pela
escola francesa, com uma tendência regionalista muito marcada, fosse do tipo Vidal de La
Blache, com suas monografias regionais, fosse seguindo conceitos de Gallois, das regiões
naturais. Foi, de certa forma, associada a estes conceitos que surgiram e foram até
incrementadas, pelo antigo CNG, numerosas monografias regionais, inclusive em seus próprios
estudos e publicações.” (p. 15)
“Com a revolução quantitativa ocorrida na Geografia, há cerca de 20 anos, principalmente nos
EE UU, Inglaterra e Suécia, o Departamento de Geografia não poderia ficar à margem do
acontecimento e aproveitando a vinda do Dr. Brian Berry ao Brasil, em 1967, procurou manter
os primeiros contacto com novas técnicas e métodos matemáticos que vinham possibilitando
resultados mais positivos e precisos às pesquisas geográficas [...] desde cedo as primeiras
tentativas neste sentido foram feitas em torno do problema da Divisão Regional. (p. 15)
“Tendo sido ultimada em 1966 a Divisão do País em Microrregiões Homogêneas, o
agrupamento das 361 microrregiões em unidades hierarquicamente maiores, mantidos os
mesmos critérios do primeiro agrupamento, foi então tentado através da Análise Fatorial e a
partir da construção de uma matriz geográfica, em cujas linhas foram colocadas as
microrregiões e nas colunas as variáveis.” (p. 15)
“Este estudo conduzido pelo Dr. Brian Berry, em colaboração com o DEGEO, em março de
1968 era ultimado e constituiu-se de 4 análises: a primeira e a segunda com 80 variáveis (3 de
referência: área, população total e densidade da população e 77 relativas a quantidade e valor da
produção respectivamente). As outras duas análises foram feitas utilizando 28 produtos
agrícolas, para os quais se dispunha de dados adicionais de percentagem da área cultivada
dentro da microrregião e de percentagem relativa ao total produzido no país. Ao todo estas
quatro análises produziram 44 fatores distintos: as duas primeiras 12 fatores cada uma e as duas
segundas 10 fatores cada, indicando, todo o conjunto, as diferentes linhas de variação existentes.
Como estas quatro análises produziram um número elevado de fatores, estes foram de novo
utilizados como dados básicos e uma nova matriz de correlação foi feita, correlacionando os 44
fatores entre si. Em seguida, todos os fatores que tivessem correlações superiores a 0,5 foram
utilizados em um diagrama de ligação que estabelecesse combinações de fatores em cada
análise, oriundas de uma associação espacial significativa.” (p. 15)

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