O Experimento Do Amor Verdadeiro - Christina Lauren

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Sumário

1. Capa

2. Folha de rosto

3. Sumário

4. Prólogo

5. Um

6. Dois

7. Três

8. Quatro

9. Cinco

10. Seis

11. Sete

12. Oito

13. Nove

14. Dez

15. Onze

16. Doze

17. Treze

18. Catorze

19. Quinze
20. Dezesseis

21. Dezessete

22. Dezoito

23. Dezenove

24. Vinte

25. Vinte e um

26. Vinte e dois

27. Vinte e três

28. Vinte e quatro

29. Vinte e cinco

30. Vinte e seis

31. Vinte e sete

32. Vinte e oito

33. Vinte e nove

34. Trinta

35. Trinta e um

36. Trinta e dois

37. Trinta e três

38. Trinta e quatro

39. Trinta e cinco


40. Trinta e seis

41. Trinta e sete

42. Trinta e oito

43. Trinta e nove

44. Quarenta

45. Quarenta e um

46. Quarenta e dois

47. Quarenta e três

48. Quarenta e quatro

49. Quarenta e cinco

50. Quarenta e seis

51. Quarenta e sete

52. Quarenta e oito

53. Quarenta e nove

54. Cinquenta

55. Cinquenta e um

56. Agradecimentos

57. Sobre a autora

58. Créditos

Landmarks
1. Cover

2. Title Page

3. Dedication

4. Table of Contents

5. Prologue

6. Acknowledgments

7. Copyright Page

Este livro é uma carta de amor escancarada ao nosso gênero de


escrita.

Há romance nestas páginas.

E para Jennifer Yuen, Patty Lai, Eileen Ho, Kayla Lee e Sandria
Wong:

há um pouco de cada uma de vocês aqui.

Somos muito gratas pelo que vocês compartilharam e esperamos tê-


las deixado orgulhosas.

Prólogo

FIZZY

“Eu sou a mais velha de três irmãos, mas costumo brincar que sou
como a primeira panqueca feita na frigideira.” Risadas se espalham
pela plateia, e eu sorrio. “Vocês sabem como é, né? Aquela que sai
meio errada, um pouco crua, mas mesmo assim é gostosa.”

As risadas se intensificam, mas agora misturadas com alguns


gritinhos e assobios, e eu caio na gargalhada quando me dou conta.
“Estão vendo? E nem era minha intenção dizer nada sugestivo!
Estou tentando ser profissional aqui, mas mesmo assim dou bola
fora.” Olho por cima do ombro e sorrio para a dra. Leila Nguyen,
minha antiga professora de escrita criativa e pró-reitora do Revelle
College, no campus de San Diego da Universidade da Califórnia.
“Acho que é isso que dá convidar uma autora de livros de romance
para fazer um discurso de formatura.”

Ao lado da dra. Nguyen há outra pessoa tentando conter o sorriso. O

dr. River Peña — um amigo próximo, lindo e genial, e talvez um


vampiro

— também é um dos convidados especiais de hoje; acho que ele


está recebendo outro título honorário por ser uma espécie de
prodígio sexy.

Ele parece estar no lugar certo: colarinho engomado, calça social


impecável visível sob a bainha da beca de doutor, sapato engraxado
e um ar de austeridade que eu nunca consegui demonstrar. Daqui
consigo ver a diversão por trás de seus olhos de cílios grossos e
cheios de si.

Quando recebi o convite para discursar nesta cerimônia, River jogou


na mesma hora uma nota de vinte dólares sobre a mesa e declarou:

“Isso vai dar completamente errado, Fizzy. Me convença do


contrário”.

Com certeza ele e minha melhor amiga, Jess — sua mulher —,


imaginavam que eu ia subir no palco e recitar Os monólogos da
vagina para a massa acadêmica, ou que ia colocar uma camisinha
em uma banana enquanto lembrava a todos que sexo seguro ainda
é importante neste ano de nosso senhor Harry Styles — mas juro
que sei fazer o papel de uma literata comportada quando a situação
exige.
Pelo menos pensei que fosse conseguir passar da primeira frase do
meu discurso sem soltar alguma coisa com duplo sentido — aquilo
não foi nem intencional.

Quando me viro de novo para o mar de formandos vestidos de


preto, azul e amarelo que se estende até onde a vista alcança no
estádio da universidade, sinto uma onda de expectativa vinda
daqueles jovens prestes a voar para a vida. Com muitas
oportunidades pela frente. Com muita dor de cabeça para pagar o
financiamento estudantil. Mas também com muito sexo gostoso.

“Minha irmã mais nova é neurocirurgiã”, digo a eles. “E o meu irmão


mais novo? Pois é, o sócio mais jovem da história do escritório de
advocacia onde trabalha. Um dos meus melhores amigos, sentado
aqui atrás de mim, é um geneticista famoso mundialmente.” O astro
da biotecnologia recebe uma sincera salva de palmas, e, quando a
plateia volta a ficar em silêncio, eu arremato: “Mas querem saber de
uma coisa? Apesar de tudo isso, nenhum deles jamais escreveu um
livro chamado Luxúria secreta, então acho que a verdadeira história
de sucesso está bem aqui, diante de vocês”.

Sorrindo ao ouvir mais aplausos e gritinhos, eu continuo. “Então


escutem só. Um discurso em um momento como este é uma coisa
importante. A maioria das pessoas convidadas para soltar no mundo
um grupo de jovens incríveis como vocês daria conselhos concretos
sobre como encontrar seu lugar em uma cultura em constante
transformação, ou recomendaria que amplificassem seu impacto no
planeta reduzindo a pegada de carbono. Vocês ouviriam que devem
sair daqui e mudar o mundo, e, claro — façam isso. Dou o maior
apoio a esse tipo de ambição. Cidadão global: ótimo. Ecoterrorista:
péssimo. Mas a dra.

Nguyen não convidou um cientista inspirador que pesquisa


mudanças climáticas nem um político carismático e cuidadosamente
neutro. Ela convidou Felicity Chen, autora de livros cheios de amor,
responsabilidade afetiva e positividade sexual, e sinceramente o
único conselho profissional que sou qualificada a dar sobre
consciência ecológica é frequentar a biblioteca do seu bairro.” Mais
uma onda de risadinhas. “Na verdade, a única coisa que me importa
— a coisa mais importante no mundo para mim — é que, quando
cada um de vocês chegar ao fim dessa jornada maluca, possa olhar
para trás e afirmar com propriedade que foram felizes.”

É um dia perfeito: ensolarado e de céu aberto. Os eucaliptos


balançam do outro lado do campo e, respirando fundo no momento
certo, na brisa quente e agradável de San Diego, é possível sentir o
cheiro do mar a menos de um quilômetro e meio de distância. Eu
passei a maior parte da minha vida adulta tentando valorizar a
minha profissão, e a última coisa que quero é dar a impressão de
que estou na defensiva. Estou aqui de beca e capelo lendo um
discurso que digitei e imprimi para não começar a improvisar e fazer
a coisa descambar para uma sessão de piadas sobre pintos,
exatamente como River espera que aconteça. Quero que as pessoas
sintam sinceridade nas minhas palavras.

“O que eu vou dizer a vocês é que vivam sua vida como se


estivessem em um livro de romance.” Levanto a mão quando os
jovens formandos começam a rir, mas eu entendo que eles possam
pensar que é uma piada, que estou só fazendo graça. “Escutem só.”
Faço uma pausa para criar um efeito dramático e espero os risos se
calarem e a curiosidade tomar conta da plateia. “Um livro de
romance não se resume a paixões desenfreadas. Até pode ser esse
o tema, e não tem nenhum problema que seja, mas, no fim das
contas, um romance não é só uma fantasia sobre ser rica ou linda,
ou sobre ser amarrada na cama.” Eu volto a ouvir as risadas, mas
agora sei que capturei a atenção deles. “A grande questão é colocar
as histórias felizes acima das histórias dolorosas. É se ver como
protagonista de uma vida interessantíssima — ou talvez bem
tranquila —, mas que está totalmente sob seu controle. A verdadeira
fantasia, meus amigos, é a relevância.” Faço outra pausa,
exatamente como ensaiei, porque essa garotada foi criada sob a
triste sombra do patriarcado, e considero minha missão neste
planeta destruir essa instituição a marretadas. Essa verdade, a de
que todos nós merecemos ser relevantes, precisa de tempo para ser
absorvida.

Mas a pausa acaba se estendendo por mais tempo do que o


planejado.

Porque eu não esperava que o meu próprio argumento me atingisse


como um raio bem no centro do peito. Eu de fato vivi a minha vida
adulta como se estivesse em um romance romântico. Gosto de sexo,
dou todo apoio às mulheres que fazem parte da minha vida, tento
pensar em formas de tornar o mundo ao meu redor um lugar
melhor.

Estou cercada de familiares e amigos próximos. Mas a minha


relevância aparece principalmente no papel de melhor amiga, de
filha dedicada, de uma transa casual inesquecível. O filé da minha
história — a trama romântica, que inclui o amor e a felicidade — é
um vazio. Estou de saco cheio de estar sempre me preparando para
um primeiro encontro, e de repente me sinto tão cansada que minha
vontade é me deitar aqui mesmo neste palco. Acabei de perceber,
com uma força tremenda, que perdi minha alegria.

Observo o mar de rostos virados para mim, com os olhos bem


abertos e atentos, e sinto vontade de admitir a parte mais triste de
tudo isso: eu nunca passei do primeiro ato da minha própria história.
Não sei qual é a sensação de ser relevante em todos os sentidos.
Como posso aconselhar esses jovenzinhos a encarar a vida com
otimismo porque vai ficar tudo bem? O mundo parece determinado a
nos jogar para baixo, e eu nem me lembro da última vez que me
senti feliz de verdade. Tudo o que estou dizendo a eles — todas as
palavras esperançosas do meu discurso — de repente me parecem
uma mentira.

De alguma forma, consigo vestir a máscara da Fizzy animadinha e


dizer a esses formandos que a melhor coisa que eles podem fazer
pelo seu futuro é escolher a comunidade certa. Digo que, se eles
encararem o futuro com o otimismo de Ted Lasso, o mais novo
namoradinho do mundo, vai ficar tudo bem. Digo que, se eles se
esforçarem, se estiverem conscientes de que vão existir pontos
cegos e altos e baixos, se admitirem suas vulnerabilidades, se
aceitarem o amor das pessoas que são importantes na vida e as
tratarem com sinceridade e honestidade, vai ficar tudo muito bem.

E quando desço do palco e me sento ao lado de River, ele põe


alguma coisa na minha mão e a aperta. “Você arrasou.”

Fico olhando por um tempo para aquela nota de vinte novinha e a


devolvo discretamente para ele. Mantendo o sorriso no rosto, ciente
de que ainda estou sendo observada por milhares de pessoas, eu
pergunto: “Mas e se tudo isso for só papo furado?”.

Um

FIZZY

APROXIMADAMENTE UM ANO DEPOIS

“Se você não estiver fantasiando com aquele barman gostosão,


então não tem nenhuma justificativa para ignorar o que eu acabei
de dizer.”

Piscando algumas vezes, olho para Jess, minha melhor amiga, do


outro lado da mesa e me dou conta de que estou hipnotizando a
mim mesma girando a azeitona do meu martíni sem parar.

“Merda, desculpa. Eu dei uma viajada aqui. Fala de novo.”

“Não.” Ela ergue a taça de vinho com um gesto todo afetado. “Agora
você vai ter que adivinhar.”

“Adivinhar o que você planejou para a sua viagem à Costa Rica?”


Ela assente enquanto toma um gole.

Fico só olhando para ela. Jess e seu marido, o já citado River Peña,
parecem estar sempre conectados por um raio laser sexual em
constante vibração. A resposta aqui é bem óbvia. “Fazer sexo em
todas as superfícies possíveis no quarto do hotel.”

“Isso eu não preciso nem dizer.”

“Um passeio entre felinos selvagens?”

Jess ainda está com a taça próxima aos lábios. “Que interessante o
seu segundo palpite ser esse. Mas não.”

“Um piquenique em uma casa na árvore?”

Ela demonstra imediatamente sua repulsa. “Comer no meio de um


monte de aranhas? Sem chance.”

“Surfe no casco de tartarugas?”

“Totalmente antiético.”

Me sentindo culpada, eu faço uma careta. Até minhas conversas


espirituosas com Jess estão perdendo o vigor. “Certo. Eu desisto.”

Ela me observa por um instante antes de dizer: “Bichos-preguiça.

Vamos visitar um santuário de bichos-preguiça”.

Solto um suspiro de inveja e tento encontrar energia para expressar


quanto essa viagem vai ser incrível, mas Jess estende o braço sobre
a mesa e põe a mão sobre o meu braço para me interromper.
“Fizzy.”

Olho para o meu martíni pela metade para evitar seu olhar de
preocupação maternal. Jess tem uma cara de mãe que sempre me
faz sentir que preciso escrever imediatamente um pedido de
desculpas, não importa o que eu tenha aprontado.

“Jessica”, eu murmuro em resposta.

“O que está acontecendo aqui?”

“Como assim?”, pergunto, apesar de saber exatamente do que ela


está falando.

“Esse clima.” Ela levanta a taça de vinho com a mão livre. “Eu pedi
um vinho da Vinícola Tora, e você não fez nenhuma piada sobre
parreiras grossas e compridas.”

Eu faço uma careta. Nem me dei conta. “Admito que foi uma bela
oportunidade perdida.”

“O barman está te olhando desde que a gente chegou, e ainda não


vi você passar seu contato pra ele pelo AirDrop.”

Eu encolho os ombros. “Ele raspa a sobrancelha, faz aqueles riscos.”

Assim que termino de dizer essas palavras, nós trocamos um olhar


de puro choque. A voz de Jess sai em um sussurro dramático: “Sério
mesmo que você está sendo…?”

“Exigente?”, completo, com um suspiro.

O sorriso no rosto dela ameniza um pouco a preocupação em seus


olhos. “Essa é a amiga que eu conheço.” Dando um último apertão,
ela solta minha mão e se recosta na cadeira. “Você teve um dia
difícil?”

“Só andei pensando um pouco sobre umas coisas”, admito. “Ou


pensando demais.”

“Você foi ver a Kim hoje, imagino.”


Kim, minha terapeuta há dez meses e a mulher que espero que
possa me ajudar a conseguir escrever, a construir uma relação com
alguém e a voltar a me sentir eu mesma. Kim, que ouve todas as
minhas angústias sobre amor e relacionamentos e inspiração
porque, de verdade, eu não quero despejar todo o meu estresse no
colo de Jess (ela e River estão casados há relativamente pouco
tempo) nem da minha irmã Alice (que está grávida e já tem
aborrecimento de sobra com seu marido, um obstetra
superprotetor), nem da minha mãe (ela já

se preocupa demais com os meus relacionamentos; não quero fazê-


la precisar de terapia também).

Antes, quando eu sentia um descontentamento desse tipo, sabia que


com o tempo ia acabar passando. A vida tem seus altos e baixos; a
felicidade não é uma coisa constante nem garantida. Mas esse
sentimento já vem se arrastando há quase um ano. É um cinismo
que agora parece uma característica permanente da minha
personalidade.

Passei boa parte da minha vida escrevendo histórias de amor com o


otimismo ilimitado de que a minha própria história de amor
começaria na página seguinte, mas e se esse otimismo tiver
desaparecido de vez?

E se as minhas páginas tiverem acabado?

“Eu fui ver a Kim mesmo”, falei, “e ela me passou uma lição de
casa.”

Tirei meu Moleskine da bolsa e o sacudi, desanimada. Durante anos,


esses diários coloridos foram meus companheiros constantes. Eu os
levava para todo lugar que ia, escrevendo enredos de livros, trechos
de diálogos divertidos, imagens que surgiam na minha cabeça em
momentos aleatórios. Eu os chamava de cadernos de ideias e
escrevia vinte, trinta, quarenta vezes por dia neles. Essas anotações
eram a minha fonte de ideias. Por alguns meses depois que o meu
cérebro de escritora de livros de romance travou na frente de
milhares de universitários recém-formados, eu continuei carregando
um caderno na esperança de que a inspiração viria. Mas, no fim das
contas, vê-los na minha bolsa começou a me estressar, então deixei
todos no meu escritório em casa, juntando poeira com o laptop e o
computador de mesa. “Ela me falou que eu preciso voltar a andar
com os cadernos”, digo para Jess. “Que eu estou pronta para essa
leve pressão de carregar um comigo e que só escrever uma única
frase ou fazer um desenho já ajuda.”

Ela demora um pouco para absorver a informação. Essa coisa de


escrever uma única frase fica pairando entre nós. “Eu sabia que você
não estava conseguindo ser produtiva”, Jess comenta, “mas não
imaginava que estivesse nesse ponto.”

“Bom, não é uma coisa que acontece de uma hora para a outra.

Durante um tempo, continuei escrevendo, mas não saiu nada de


bom. E

então comecei a me preocupar que pudesse ser uma coisa grave, e


isso me fez pensar que eu tinha perdido minha chama criativa. E
então

pensar que talvez possa ter perdido minha chama criativa me fez
pensar que talvez isso tenha acontecido porque parei de acreditar no
amor.”

Ela franze ainda mais a testa, e eu continuo falando. “Não é que eu


tenha acordado um dia e pensado: ‘Uau, o amor é uma mentira’.”

Espeto a azeitona do meu drinque, depois uso o palito para apontar


na direção dela. “Obviamente, você é uma prova de que não é isso.
Mas quando vai ser a hora de admitir que talvez a minha vida
amorosa não será como eu imagino?”

“Fizz…”
“Acho que eu posso ter passado do ponto do amadurecimento.”

“Quê? Isso é…” Ela pisca algumas vezes, e seu argumento fica pela
metade. “Bom, na verdade é uma metáfora muito boa.”

“É o clássico dilema do ovo e da galinha. O bloqueio de escrita


matou meu tesão pelo romance ou perder o tesão pelo romance me
fez perder meu tesão pelo sexo?”

“Tem bastante tesão envolvido nessa situação.”

“Quem dera! E, depois que você fica solteira por tanto tempo, nem
sabe mais se tem condições de manter um relacionamento.”

“Mas não é como se você quisesse um relacionamento”, ela me


lembra. “Eu não reconheceria Felicity Chen se ela deixasse de tratar
sua vida sexual como um esporte radical.”

Apontei para ela de novo, me sentindo energizada. “Exatamente!


Esse é outro medo que eu tenho! E se eu já tiver esgotado os
recursos locais?”

“Recursos… locais?”

“Eu brinco que já saí com todos os homens solteiros do Condado de


San Diego — e talvez, sem saber, com alguns casados —, mas acho
que tem um quê de verdade nisso.”

Jess dá uma risadinha de deboche com a taça de vinho na boca.

“Qual é.”

“Lembra do Leon? O cara que eu conheci quando ele derrubou uma


travessa enorme de salada grega no meu pé no estacionamento do
Whole Foods?”

Ela assente, dando um gole na bebida. “O cara de Santa Fe?”


“E o Nathan, que eu conheci num encontro às cegas?”

Ela estreita os olhos. “Acho que lembro de ter ouvido esse nome.”

“Eles são irmãos. Gêmeos. Se mudaram para cá juntos, para ficar


mais perto da família. Eu saí com os dois num intervalo de duas
semanas.” Jess leva a mão à boca, segurando o riso. “Quando
Nathan entrou no restaurante e se aproximou da mesa, eu falei: ‘Ai,
meu Deus, o que você está fazendo aqui?’.”

Ela não consegue mais segurar a risada. “Mas com certeza isso deve
acontecer com ele e com o Leon o tempo todo.”

“Claro, mas aí no mês passado eu saí com um cara chamado Hector.”

Faço uma pausa para dar mais peso ao que vou dizer em seguida.
“Ele é o primo de quem os gêmeos vieram morar mais perto.”

Preciso admitir que a risada dela agora foi mais parecida com um
grunhido. Esse tipo de coisa costumava ser divertido. A gente morria
de rir — ter uma vida sexual dessas era demais. As Aventuras da
Fizzy eram uma inspiração constante para mim — mesmo que um
encontro fosse um desastre, eu ainda poderia transformá-lo em algo
engraçado ou pelo menos em uma ideia para um diálogo. Mas, a
essa altura, tenho seis livros parcialmente escritos sobre pessoas
que se conhecem numa situação superbonitinha e então… nada.
Tem uma pedra no caminho do

“eu te amo” agora, um aviso de ACESSO PROIBIDO no meu cérebro.


E estou começando a entender por quê. Porque, quando vejo os
olhos de Jess brilharem toda vez que ela vê River, sou obrigada a
admitir que nunca senti esse tipo de alegria reverberante com
ninguém. E isso vem tornando cada vez mais difícil escrever sobre
amor com alguma autenticidade.

Acho que nem sei qual é a sensação de ter um amor verdadeiro.


O celular de Jess vibra sobre a mesa. “É a Juno”, ela diz, se referindo
a sua filha de dez anos, a herdeira do posto de minha melhor amiga
e uma das pessoinhas mais charmosas que já conheci. As crianças
costumam ser um mistério para mim, mas meu cérebro por algum
motivo insere Juno no mundo dos adultos — provavelmente porque
ela é mais inteligente do que eu.

Faço um gesto para Jess atender a ligação enquanto meu olhar


cruza com o de um homem do outro lado do bar. É um cara com
uma beleza fácil e imediatamente reconhecível: cabelos escuros
bagunçadinhos e caídos sobre um par de olhos claros e penetrantes,
um maxilar tão afiado que poderia até cortar as minhas roupas
enquanto ele beija o meu corpo todo. O paletó deixado sobre a
cadeira, a camisa social

esticada nos ombros largos e desabotoada no pescoço — ele tem a


aparência desarrumada de um homem que teve um dia de merda, e
a maneira como me olha me diz que está disposto a me usar para
esquecer tudo isso. Os caras que lançam esse tipo de olhar
costumavam ser meu ponto fraco. A Fizzy do Passado já estaria
quase chegando na mesa dele neste momento.

Mas a Fizzy do Presente só consegue ser indiferente. Será que o


meu barômetro interno de tesão pifou de vez? Dou uma porrada
nele com uma marreta mental, imaginando que estou puxando pelo
colarinho e arrastando corredor adentro o CEO Gostosão do balcão
do bar.

Nada.

Olha só essa boca! Tão carnuda! Tão petulante!

Ainda nada.

Desvio o olhar e volto a me concentrar em Jess quando ela encerra


a chamada. “Está tudo bem?”
“Preciso coordenar as aulas de dança e de futebol”, ela responde,
encolhendo os ombros. “Eu até falaria mais sobre isso, mas a gente
cairia no sono antes da segunda frase. Mas, voltando ao Hector, o
primo dos…”

“Eu não dormi com nenhum deles”, vou logo dizendo. “Não vou para
a cama com ninguém há um ano.” Eu fiz as contas alguns dias atrás.
É

esquisito dizer isso em voz alta.

E deve ser esquisito ouvir isso também, porque Jess fica


boquiaberta.

“Uau.”

“Um monte de gente fica um ano sem sexo!”, protesto. “Isso é


realmente tão chocante assim?”

“Pra você, sim, Fizzy. Fala sério!”

“Vi um filme pornô outro dia e não senti praticamente nada.” Eu olho
para o meu colo. “Acho que os meus nervos lá embaixo pifaram.”

A preocupação dela se intensifica. “Fizz, querida, eu…”

“Na semana passada eu pensei em correr de chinelos, só para


lembrar como é o barulho do sexo.” Jess franze a testa de
preocupação, e mudo de assunto na hora. “A resposta aqui é bem
óbvia. Está na hora de apelar para a franja.”

Por uma fração de segundo, percebo que ela está pensando em não
me deixar alterar o rumo da conversa, mas acaba embarcando na
minha. “Nós chegamos a um acordo bem claro de que crise
nenhuma
justifica uma franja. Me desculpa, mas o comitê das melhores
amigas vetou.”

“Mas imagina como eu vou parecer jovem. Descolada e disposta a


tudo.”

“Não.”

Solto um grunhido e volto minha atenção para o outro lado, para a


televisão do bar, onde a competição esportiva que estava passando
acabou e o noticiário local está exibindo suas manchetes. Eu aponto
para a tela. “O seu marido tá na tevê.”

Ela dá um gole no vinho, olhando para a versão bidimensional de


River. “Isso nunca vai deixar de ser esquisito.”

“A parte do marido ou a da tevê?”

Ela dá risada. “A da tevê.”

E uma coisa fica bem clara pela expressão dela: a parte do marido já
é tão natural quanto respirar. Isso porque a ciência, ou mais
especificamente a invenção de River — um teste de DNA que
classifica casais em níveis de compatibilidade Básico, Prata, Ouro,
Platina, Titânio e Diamante, de acordo com toda uma série de
padrões genéticos complexos e testes de personalidade —, mostrou
que eles combinavam um com o outro tanto quanto era
humanamente possível.

E eu fico mais do que feliz em admitir minha participação nisso. Jess


só fez o teste que determinou a compatibilidade dos dois — o
DNADuo —

porque eu fiz uma versão inicial chegar às mãos dela. Onde está o
carma positivo que eu mereço por isso? River transformou sua
pesquisa de décadas sobre padrões genéticos e compatibilidade
romântica no aplicativo DNADuo e na empresa bilionária GeneticAlly.
Hoje a GeneticAlly é a galinha de ovos de ouro da indústria de
biotecnologia e de aplicativos de relacionamento. A empresa de
River não sai do noticiário desde seu lançamento.

Quando ele fala sobre a ciência envolvida soa como um tremendo


blá-blá-blá, mas sua invenção realmente mudou a forma como as
pessoas encontram alguém para amar. Desde que o DNADuo foi
lançado, uns três anos atrás, já superou o Tinder em número de
usuários. Alguns analistas esperam que suas ações ultrapassem o
valor do Facebook, agora que a rede social associada ao aplicativo,
uma plataforma chamada Paire, foi lançada. Todo mundo conhece
alguém que conheceu seu par através de um match na GeneticAlly.

Tudo isso é incrível, mas, para alguém como River, que prefere
passar o tempo trancado no laboratório a ficar presidindo reuniões
com investidores ou respondendo a perguntas de jornalistas, acho
que todo esse frenesi deve ser um pé no saco.

Mas, como o noticiário faz questão de lembrar, a Genetic-Ally não vai


continuar sendo um problema para River por muito mais tempo. A
empresa está sendo vendida.

“Quando o negócio vai ser fechado?”, pergunto.

Jess dá um gole no vinho, com os olhos ainda voltados para a


televisão. “A previsão é segunda de manhã.”

Eu não consigo nem imaginar como deve ser isso. O conselho diretor
da GeneticAlly aceitou a proposta, mas tem um monte de outros
acordos envolvendo direitos subsidiários que eu simplesmente não
entendo. Só o que sei é que eles vão ficar tão ricos que Jess com
certeza vai ser a encarregada de pagar os drinques esta noite.

“Como você tá se sentindo com isso?”

Ela dá risada. “Completamente despreparada pra como a vida vai ser


daqui pra frente.”
Fico olhando para ela, absorvendo a simplicidade dessa resposta. Em
seguida, estendo o braço sobre a mesa e seguro sua mão. Seu pulso
direito tem a outra metade da tatuagem que eu fiz — totalmente
bêbada — de um verso de uma música do Fleetwood Mac, com uma
grafia toda errada: Thunner only happens e wen it’s raining é o que
nos une para sempre. “Eu te amo”, digo, agora bem séria. “E estou
aqui pra te ajudar a comprar sua girafa particular.”

“Eu prefiro uma alpaca.”

“Você precisa pensar grande, Peña. Compra duas alpacas.”

Jess sorri para mim, mas seu sorriso desaparece logo em seguida.

“Você sabe que a Fizzy de sempre vai voltar, né?”, ela pergunta.
“Acho que você está numa fase de transição, e descobrir o que vem
a seguir vai levar algum tempo.”

Olho para o outro lado do bar outra vez, para o gostosão com o
colarinho da camisa aberta. Procuro por alguma vibração no meu
sangue, no mínimo uma leve empolgação. Nada. Desviando o olhar
de novo, solto o ar bem devagar. “Espero de verdade que você
esteja certa.”

Dois

CONNOR

Um cara em um podcast chegou à conclusão de que o dia perfeito é


composto de dez horas de cafeína e quatro horas de álcool. Eu
posso até concordar com a parte da cafeína, mas a cerveja medíocre
na minha frente parece mais uma tristeza líquida do que uma forma
de escape. O

que é estranhamente adequado para o dia que tive.


“Passar a fazer reality shows pode ser divertido”, meu amigo Ash
comenta distraidamente, com os olhos vidrados no jogo de basquete
na tevê acima do balcão. “É meio o que você já faz, só que mais
sexy.”

“Ash”, digo, fazendo uma careta e esfregando as têmporas. “Eu faço


séries documentais sobre mamíferos marinhos.”

“E programas de namoro são séries documentais sobre mamíferos


terrestres.” Ele sorri com a própria gracinha, olhando para mim e
balançando a cabeça. “É ou não é?”

Solto um grunhido, e ficamos em silêncio de novo, voltando nossa


atenção mais uma vez para a surra que os Warriors estão dando nos
Clippers.

É raro eu ter um dia tão horrível no trabalho. Depois de ter


começado de baixo no vespeiro que é Hollywood, sei que tenho
sorte por trabalhar em uma produtora relativamente pequena de San
Diego, a North Star Media. Obviamente, existem as frustrações
inerentes a trabalhar longe do topo da pirâmide da indústria do
entretenimento — os orçamentos pequenos, as dificuldades de
distribuição e o simples fato de estar a quase duzentos quilômetros
de Los Angeles —, mas, por outro lado, tenho autonomia nos meus
projetos.

Ou pelo menos tinha até hoje, quando meu chefe, o tal Blaine
Harrison Byron — um homem com um escritório cuja decoração
inclui um pedaço de laje de concreto grafitado, uma estátua em
tamanho real de uma mulher nua e, a aquisição mais recente, uma
sela de couro novinha —, me disse que a empresa estava dando
uma guinada importante, saindo do ramo das produções de
conscientização social

para fazer reality shows televisivos. Mas, também, é possível que um


homem chamado Blaine Harrison Byron seja alguma coisa além de
um grande e pretensioso imbecil?
(Eu até entendo que estou exposto a uma resposta nessa mesma
linha — que um homem chamado Connor Fredrick Prince III não
deveria se sentir no direito de atirar pedras em ninguém por causa
de um nome pomposo —, mas não fui eu quem estragou a vida da
minha equipe inteira por um mero capricho, então defendo
firmemente o que disse.)

“Vamos falar mais sobre isso”, Ash diz quando um comercial das
lanchonetes Jack in the Box começa a passar na tevê. “O que foi que
o seu chefe disse especificamente?”

Eu fecho os olhos, tentando me lembrar das palavras exatas de


Blaine. “Ele disse que a empresa é pequena demais para ter
consciência social.”

“Em voz alta?”

“Em voz alta”, confirmo. “Disse que as pessoas não estão a fim de se
sentar no sofá depois de um dia duro de trabalho e se sentir mal por
causa da embalagem plástica do sanduíche que comeram na hora do
almoço, ou por causa de toda a água que é desperdiçada para gerar
eletricidade para recarregar seus iPhones.”

Ash fica de queixo caído. “Uau.”

“Ele disse que quer que eu mire no público feminino.” Dou um gole
na minha cerveja e abaixo o copo, com os olhos fixos na mesa.
“Falou que o Bravo é o canal a cabo número um do horário nobre
entre as mulheres de dezoito a quarenta e nove anos por causa de
dois reality shows famosos, e que essa faixa de público é a que mais
gasta dinheiro. Por isso, os executivos podem aumentar o preço de
exibição dos comerciais. Eles já colocaram o Trent, um dos meus
colegas, para trabalhar em uma mistura de Amazing Race e
American Gladiators que estão chamando de Smash Course. E agora
querem que eu produza um programa de namoro.”
“Tipo, mulheres competindo pra ver quem é a escolhida de um
bombado besuntado de óleo”, Ash comenta.

“Exatamente.”

“Um bando de jovens da Geração Z seminus trancados numa


mansão tentando transar.”

“Sim, mas…”

“Mulheres lindas casando com um cara qualquer que nunca


conheceram pessoalmente.”

“Ash, não vou fazer isso de jeito nenhum.”

Ele ri. “É só deixar o seu pudor britânico de lado. Finge que você é
americano.” Quando ele põe a cerveja na mesa de novo, percebo
que abotoou errado sua camisa. Ashkan Maleki está com os
cadarços desamarrados, com o zíper aberto ou mostrando algum
outro tipo de desleixo pelo menos cinquenta por cento do tempo. É
uma coisa cativante, mas não faço ideia de como ele faz para
sobreviver todos os dias a uma sala cheia de crianças de seis anos
sem papas na língua.

“Todo trabalho tem seu lado negativo. A gente precisa respirar fundo
e aguentar firme.”

Eu conheci Ash quando Stevie, minha filha, estava no primeiro ano e


ele virou o professor da turma dela no segundo semestre letivo. No
fim, nós também frequentávamos a mesma academia e vivíamos nos
encontrando nos lugares. Nos demos bem logo de cara, mas virar
amigo dele foi um pouco como namorar escondido a professora da
minha filha.

Por sorte, quando o ano letivo acabou, Stevie foi para outra sala e
minha amizade com Ash se manteve.
“Você adora dar aula”, respondo.

“Na maior parte dos dias. As crianças são ótimas”, ele explica. “São
os pais que dão dor de cabeça.”

Olho feio para ele, mas só de brincadeira.

Ash abre um sorriso e enfia uma batata frita na boca. “Não, você e a
Nat eram legais. Stevie me contou umas fofoquinhas, mas nada de
mais.” Ele se inclina para a frente e baixa o tom de voz. “Você não ia
acreditar nas coisas que as crianças me contam. Tem pais que são
completamente malucos. Um deles chegou a ameaçar me bater
porque o filho perdeu o concurso de soletrar da escola. Os pais
estavam preocupados com a carreira acadêmica da criança.”

“Que carreira acadêmica? Ele tem seis anos.”

“A palavra era hirsuto.”

“Nem eu sei soletrar isso.”

“Pois é.” A atenção dele se volta para a tevê de novo quando o


pessoal ao nosso redor começa a xingar alguma coisa que aconteceu
no jogo, e meu mal-estar profissional volta a se instalar.

Quando Natalia e eu nos divorciamos, oito anos atrás, concordamos


em manter a guarda compartilhada da nossa filha. Isso significa que
Stevie, agora com dez anos, passa os dias de semana na casa da
mãe e os fins de semana e a maior parte das férias escolares
comigo. Isso não costuma ser um problema, mas, por causa dessa
reunião desastrosa com Blaine no fim da tarde, perdi a hora de ir
buscá-la. Em determinado momento, fiz o típico cálculo do sul da
Califórnia: (hora do dia) × (obra na via expressa)sexta-feira E então
avisei Nat que não chegaria a tempo.

Ela teve que levar Stevie junto para resolver umas coisas na rua e só
voltaria para casa em algumas horas. Agora, além de uma carreira
indo para o buraco, eu estava perdendo um tempo precioso com a
minha pessoa favorita no mundo.

Inquieto, espio ao redor do bar e meus olhos se voltam para as duas


mulheres que vi antes. Uma delas está de costas para mim, mas a
outra, aquela com quem fiz contato visual logo depois de chegar
aqui, é tão maravilhosa que não consigo parar de encará-la.
Pequena, com cabelos bem escuros e reluzentes sob a luz acima da
sua mesa, está usando um vestido preto justo, com as pernas
cruzadas e um salto fino apoiado sobre a perna da banqueta do bar.
Tudo nela tem um ar cool, o que é uma forma bem estranha de uma
pessoa adulta se referir a outra, mas é a verdade. Ela fica toda
animada quando fala, fazendo a amiga rir com bastante frequência.
Eu deveria parar de ficar olhando, mas é melhor me distrair com
uma mulher linda do que ficar obcecado por causa do trabalho.

Se eu fosse diferente, talvez a abordasse e propusesse a ideia de


nos distrairmos juntos em algum outro lugar esta noite. Mas acabo
sendo arrancado do meu devaneio por Ash, que me puxa
distraidamente pelo colarinho por causa de alguma coisa que viu na
tevê.

“Mas o que… Ash.”

“Vai lá… Acerta essa!”, ele grita. Mas sua expressão logo dá lugar ao
desânimo. “Nããão.”

Ele desaba de novo no assento.

“Acabei de perder cinco dólares.” Ele leva a mão ao bolso em busca


do celular.

“Cinco dólares americanos?”, pergunto com um sorriso. “É melhor


você parar com esse vício da jogatina.”

“Não sei como, mas a Ella é muito fera. Não perde nunca.”
“Você perdeu para a sua mulher?”

Ele ergue os olhos para mim enquanto digita uma mensagem. “Tô
pensando em ir com ela pra Las Vegas.”

“É melhor fazer isso antes de o bebê nascer — mulheres grávidas


adoram cassinos enfumaçados.”

Ele me ignora e põe o telefone sobre a mesa. “Vamos voltar para a


sua crise profissional, pra eu poder ir pra casa. Sei que isso vai doer
na sua alma bem-intencionada, mas acho que você precisa engolir
esse sapo e fazer o reality show que o Blaine quer. Passar o resto do
ano fazendo o bolo crescer, ou seja lá como ele tenha dito isso, e se
der certo você vai poder pegar a sua fatia e fazer o que você quiser
mais tarde.”

Eu faço menção de protestar, e ele levanta a mão.

“Eu sei que você odeia isso. Sei quanto considera seu trabalho
importante. Graças a você, faz dois anos que não jogo no lixo
comum as embalagens de chiclete e as garrafas plásticas usadas.
Nós vamos usar fraldas de pano, cara.”

“Eu devo ser um amigo muito divertido.”

Ash apoia os dedos sob o queixo. “Tô falando isso porque sei que
você quer se manter fiel aos seus princípios. Quer fazer coisas
importantes. Mas eu também sei que você não pode perder esse
emprego. Hoje você perdeu só algumas horas com a Stevie. Imagina
como seria se precisasse se mudar de volta pra Los Angeles.”

Eu volto meu olhar para a minha cerveja. Só de pensar isso, meu


estômago já revira. “Pois é.”

“Então aceita e segue em frente.”

“Não sei se é tão fácil assim.”


“Qual é. Nós somos caras inteligentes. Vamos pensar em ideias para
um programa bem sexy.”

Eu pressiono as têmporas com os dedos, tentando tirar da cartola


uma ideia brilhante. “Esse é o problema, eu não tenho nenhuma. E
com certeza o mundo não precisa de mais programas como esse.”

“Bom, o mundo pode não precisar, mas com certeza vai querer mais
um: a Ella assiste a todos esses programas. O que você precisa é de

uma nova abordagem.” Ash se vira para olhar ao redor do bar e,


quando faz isso, vejo a etiqueta da lavanderia ainda presa ao
colarinho da camisa dele. Será que ele passou o dia todo assim?
Com um suspiro, estendo a mão para arrancá-la. “Humm”, ele diz,
dando uma olhada na etiqueta antes de colocá-la sobre a mesa e
voltar a atenção de novo para a tevê.

Eu sigo seu olhar e vejo que o jogo terminou e que o noticiário da


noite já começou. O barulho do bar me impede de ouvir o que está
sendo dito, mas as legendas informam que a GeneticAlly, a maior
empresa de aplicativos de relacionamentos do mundo no momento,
foi comprada pela farmacêutica Roche.

“Puta merda”, Ash murmura, estreitando os olhos para ler alguma


coisa na tela. “Isso é uma quantidade absurda de dinheiro.”

Eu fico de queixo caído. “Nem me fala.” Lembrando de uma coisa, eu


me viro para Ash. “GeneticAlly… não foi assim que você e a Ella se
conheceram?”

Ele assente. “Nós somos um match Ouro.”

Um casal à nossa direita acaba de se acomodar em seus assentos. O

clima entre eles é de decepção pesada. Um primeiro encontro


fracassado. Eles se entreolham apenas quando pensam que o outro
não está olhando, e um toque acidental de mãos leva a pedidos
exagerados de desculpas, mas não a sorrisos tímidos. Nenhuma
faísca de interesse.

Pode parecer presunçoso da minha parte, mas eu poderia ir até lá


agora mesmo sem medo de errar e dizer que eles não têm química
nenhuma, sem chance. Qualquer um diria. Não conheço muito bem
a GeneticAlly, mas sei que eles desenvolveram uma avaliação de
compatibilidade que leva em conta as sequências presentes no DNA
das pessoas. Eu diria que esse casal tem compatibilidade zero.

Erguendo o queixo, pergunto para Ash: “Você acha que aqueles dois
são um match Ouro?”.

Ele olha para eles por alguns segundos e leva sua bebida à boca.

“Não. Não mesmo.”

Olho de novo para a tevê, e uma ideia começa a surgir no fundo da


minha mente. Preciso dar alguns telefonemas. Talvez ter um tempo
livre seja uma coisa boa no fim das contas.

Três

CONNOR

Duas horas depois, estaciono na frente da casa de Natalia. É um


belo imóvel — mas isso eu sei bem; sou um dos signatários do
financiamento. Segundo o corretor, a arquitetura é uma releitura do
estilo colonial espanhol, com paredes revestidas de estuque, telhado
baixo e um pátio cercado com grades que Nat sempre deixa muito
bem decorado para o Halloween. Mas onde antes havia apenas um
triciclo e alguns desenhos a giz no cimento, agora há uma bicicleta
de dez marchas e uma fileira de vasos com orquídeas que leva até a
porta da frente. Natalia começou a se dedicar à jardinagem depois
do nosso divórcio. Após a separação, ela desabrochou, assim como
as orquídeas.
Esperando por mim na porta da frente está Baxter, o labradoodle
chocolate de Stevie. Sim, nós somos o tipo de pais que compram um
cachorro como um presente de consolação pelo divórcio. Ele late
animadamente para alertar que um intruso entrou na casa e, ainda
abanando o rabo, se deita para pedir carinho na barriga.

“Um dinheirão gasto em adestramento e você ainda é um péssimo


cão de guarda”, digo quando me abaixo para acariciá-lo. “Onde está
todo mundo? E a Stevie? Você pode ir lá chamá-la?”

A porta está entreaberta, Baxter a empurra com o focinho e sobe a


escada.

“Olá?”, eu chamo. Está frio e silencioso lá dentro. A lição de casa de


Stevie está espalhada na mesa de centro e há um cesto de roupas
lavadas em cima do sofá. As paredes são cobertas de fotografias,
algumas de Stevie e Natalia, umas poucas comigo. Tiramos fotos de
Stevie no mesmo lugar e fazendo a mesma pose todo ano no
aniversário dela, e vê-las todas agrupadas é como uma linha do
tempo da sua infância. Ela é alta para uma menina de dez anos e
bem magrinha. Tem a pele morena e os cabelos escuros da mãe,
mas os olhos — que saíram a mim — estão mais verdes do que
nunca.

Escuto passos na escada e, um instante depois, um corpo colide


com o meu e dois bracinhos finos me envolvem pela cintura. Baxter
está logo atrás dela. “Finalmente”, diz Stevie, com a boca colada à
minha barriga.

Eu me curvo para a frente e dou um beijo em seus cabelos.

“Desculpa, chefe. Minha reunião atrasou. Você se divertiu com a sua


mãe?”

Ela desaba no sofá de um jeito dramático. “A gente rodou a cidade


inteira. Primeiro fomos na lavanderia, depois no correio, para
mandar umas coisas para a abuelita, e depois no shopping, onde a
mamãe foi fazer as unhas. Eu esqueci meu livro, então ela me
deixou ficar vendo vídeos no celular, e a gente pediu comida
chinesa.”

Me sinto tomado pela culpa — minha constante companheira como


pai de fim de semana.

“Desculpa, malandrinha.”

“Tudo bem. Eu pintei as unhas.” Ela mostra as mãos e balança os


dedos com as pontas cor-de-rosa. Stevie não recusa nada que seja
corde-rosa. “E eu sei que você é superimportante lá no seu
trabalho.”

Eu me sento na mesa de centro de frente para ela. “Tinha algumas


coisas que não podiam esperar até segunda-feira.”

“Aposto que era uma coisa incrível”, ela diz, toda ardilosa. “Você tem
as melhores ideias e faz os melhores documentários.”

Eu fico desconfiado. Assim como a mãe, Stevie é uma ótima


negociadora. O problema é que eu quase sempre só descubro que
estou negociando quando já dei minha aprovação para alguma
coisa.

“Qual é a pegadinha?”

“Pegadinha nenhuma. É que você é incrível mesmo, só isso.” Ela faz


uma pausa. “Ah, eu quase esqueci!” Ela se inclina para a frente,
milagrosamente rejuvenescida. “O Wonderland vai vir pra cá!”

Wonderland, a atual obsessão de Stevie, é um grupo de música pop


que conquistou todas as paradas de sucessos e premiações musicais
do país. Nos aniversários, Natais e outras ocasiões que exigiam
algum presente, Stevie pediu coisas relacionadas ao Wonderland. O
rosto dos membros da banda está em tantas de suas camisetas que
eu poderia reconhecê-los no meio de uma multidão sem nenhuma
dificuldade.

“Vai vir se apresentar aqui, é o que você está dizendo?”

“Sim! A gente pode ir no show? Por favor?” Ela segura as minhas


duas mãos e faz seus olhos parecerem duas luas cheias. “Pode ser
meu presente de aniversário.”

“Seu aniversário foi em janeiro. Estamos em maio.”

“Humm”, ela diz, recalibrando o discurso. “E se eu virar uma aluna


nota dez?”

“Você já é uma aluna nota dez.”

Sua expressão de espertinha diz com clareza: Exatamente. Como o


otário que sou, pego meu celular. “Certo. Onde eles vão tocar?”

A intensidade vibrante de Stevie cresce ainda mais. “No Open Air!”

“Calma”, eu digo com delicadeza. “Estou só olhando. Você conversou


com a sua mãe sobre isso?”

“Ela disse que tudo bem se você me levar.”

“Claro que disse.” Quando o site carrega, um banner gigante


aparece no alto da página: WONDERLAND: A TURNÊ DE
FORBIDDEN GAME. “Um título como

‘Forbidden Game’ dá margem a muitos questionamentos.”

Stevie revira os olhos. “Pai.”

Rolo a tela até as datas de San Diego e vejo o aviso vermelho de


ESGOTADO por cima do link para a compra. Viro o celular para ela,
que fica desanimada na hora.
“Sinto muito, malandrinha. Talvez da próxima vez, né? Além disso, o
show começa às oito, e a sua hora de dormir é oito e meia.” Ela faz
bico, e eu me abaixo para olhá-la nos olhos. “Vamos ver se alguém
vai transmitir por streaming, assim podemos ver juntos.”

Ela fica decepcionada, mas reage bem. “Podemos comprar as


camisetas da turnê e pedir pizza?”

“Claro. Agora pegue as suas coisas e vamos lá.”

Ela pula do sofá e sobe a escada com suas pernas compridas ainda
meio desengonçadas. Juro que está mais alta do que quando a vi no
domingo. O cachorro vai correndo atrás.

“Onde está a sua mãe, aliás?”, eu grito atrás dela.

“Está lá fora. O Insu está construindo um galpão no jardim do


quintal, e ela está lá assistindo.” Ela olha para mim do alto da
escada. “Ele é bem forte.”

“Eu percebi.”

Insu é o namorado de Natalia. Ele tem vinte e seis anos… sim, isso
mesmo. Nós demoramos alguns anos para deixar de cair nas
armadilhas

da guarda compartilhada, mas agora nos tratamos com mais carinho


e respeito do que em nossa época de casados. Ver Nat se apaixonar
de novo aliviou um peso que eu nem sabia ao certo que estava
carregando. O fato de a pessoa em questão ser quase um
adolescente (sei que é exagero, mas quem ficou sem ninguém aqui
fui eu, então mereço poder dar umas alfinetadas) me trouxe um tipo
de alegria inesperada.

Ouço os passos de Stevie no andar de cima, e então ela fica em


silêncio, provavelmente arrumando as coisas para ir comigo.
Sozinho, começo a caminhar de um lado para o outro na sala de
estar, e minha mente acaba voltando ao meu dilema profissional.

Eu poderia fazer uma mistura de programa de conscientização


ecológica e reality show, mas a verdade é que quero que meus
colegas documentaristas fiquem bem longe de tudo isso. Demorei
anos para ganhar a reputação que tenho e desconfio que uma
corrida de aventura pela selva seja capaz de pôr tudo por água
abaixo em dois tempos. Isso sem contar que Blaine quer fazer uma
coisa lasciva e sexy, e nada no meu repertório atual pode ser
definido nesses termos.

Vou ter que pensar fora da minha caixinha habitual. Programas de


namoro já foram explorados ad nauseam, então um novo reality
show precisaria de um belo chamariz para se destacar em meio a
todos os outros. Eu sou um amador entrando em uma trilha já
bastante percorrida, só que, quanto mais penso a respeito, mais
interessante me parece a ideia que tive no bar depois de ouvir a
notícia sobre a GeneticAlly. Meu instinto me diz que existe potencial
ali, mas ainda falta alguma coisa…

De repente me vejo diante de uma das várias estantes de livros de


Nat. Sem dúvida, Stevie herdou esse gene de fangirl da mãe, mas,
enquanto minha filha é fanática por estrelas do pop, Natalia é uma
leitora ávida de livros de romance. Logo à primeira vista, percebo
que a estante na minha frente tem mais de duas dúzias de livros da
mesma autora. Eu pego um deles.

Volúpia em alto mar, de Felicity Chen.

A capa mostra duas pessoas muito bonitas abraçadas no convés do


que parece ser um navio pirata. É uma ótima foto — chamativa,
sexy, cenográfica —, e, quando abro o livro, encontro uma versão
ainda mais detalhada da imagem reproduzida no miolo. Passo os
olhos pela
sinopse: um herdeiro perdido, uma heroína brandindo uma espada,
um país à beira da guerra e um tesouro escondido que pode salvar
todos.

Quando vejo a orelha do livro, fico paralisado. A foto da autora é a


da mulher maravilhosa do bar.

No computador da família, faço o login com a senha e digito Felicity


Chen no mecanismo de busca. A tela imediatamente se enche de
resultados. Entrevistas publicadas, fanfics, contas em redes sociais,
anúncios de sites de varejo e a página da sua editora. Clico em um
dos resultados mais recentes e vejo um discurso de formatura do
Revelle College da UCSD.

Quando passos se aproximam pelo piso de madeira atrás de mim, já


vi o discurso e meia dúzia de trechos de entrevistas, li três resenhas
da Entertainment Weekly sobre as obras dela e conferi boa parte de
seu feed no Instagram. Felicity Chen é engraçada, carismática,
inteligente e fala muito bem em público. Com certeza ficaria bem à
vontade diante das câmeras de tevê…

Natalia fica desconfiada. “Por que a minha autora favorita está por
toda parte nessa tela?”

Eu viro a cadeira na direção da minha ex. “O que você sabe sobre


ela?” As minibiografias de Felicity têm uma ausência frustrante de
detalhes pessoais, e a Wikipédia também não ajuda muito. “Ela é
solteira?”

“Se vocês saírem e você ousar bagunçar a cabeça dela de alguma


forma e o novo livro não sair, posso ser obrigada a te matar.”

“Eu não quero sair com ela, Nat.”

“E você quer sair com alguém, por falar nisso? Você sabe que não
precisa virar monge, né?”
“De novo essa conversa.”

“Aquilo que a Stevie viu…”

Eu enfio dois dedos na boca e solto um assobio estridente. “Cartão


amarelo, Garcia.”

Nat cai na risada. A sem-vergonha sabe muito bem que eu fiquei


traumatizado quando Stevie, aos quatro anos, me pegou no flagra
com os tornozelos de uma garota apoiado nos meus ombros. Foi a
primeira e última vez que convidei alguém para ir à minha casa
quando Stevie estava lá, e não sei se algum dia vou me recuperar
daquilo. Juro que ainda vivo esperando pelo dia em que essa
memória reprimida vai vir à

tona e a minha filha nunca mais vai conseguir olhar na minha cara
de novo.

“Eu sinto muito”, Nat diz, apesar de não parecer sentir coisa
nenhuma. “É só pôr uma sineta na porta do quarto dela. Funciona
direitinho.”

Aponto com o polegar para o monitor do computador. “Vamos nos


concentrar aqui?”

Os olhos dela se voltam para o rosto de Felicity na tela. “Ah, sim,


tenho quase certeza de que ela é solteira. Ela já falou sobre isso em
entrevistas. Por quê?”

“Eu queria a participação dela em um programa.”

Nat levanta as sobrancelhas. “Para um documentário sobre livros de


romance e feminismo ou alguma coisa assim?”

Eu dou risada. “Não.”

“Do que você está rindo?”, ela pergunta, fechando a cara.


Cuidado, eu penso comigo mesmo. Nat já brigou comigo no passado
porque eu falei mal do tipo de livro que ela lia. Não quero entrar em
um campo minado quando na verdade só preciso de uma ajuda.
“Desculpa, não é nada com você. É que talvez eu faça um programa
de namoro.”

Os olhos dela se arregalam. “Um… o quê? Qual é o foco da North


Star? Primeiro foram os seriados e os filmes para a tevê, depois os
documentários sobre ecologia, e agora programas de namoro?”

“É o Blaine”, eu explico, e para Natalia isso já basta. Blaine está


sempre pulando de um projeto para outro, a depender de para
quem anda dando ouvidos, que, no momento —
compreensivelmente —, são os executivos que pagam nossos
salários. Existe uma boa chance de eu ter sido contratado porque
uma certa (agora ex) esposa estava preocupada com os mamíferos
marinhos. “Ainda não é nada certo, só estou explorando umas
possibilidades.” Eu não quero deixar mais uma pessoa preocupada
com isso, então mudo de assunto. “Como está o Insu?”

“Ótimo”, ela diz, se jogando no sofá exatamente como nossa filha


faria. “Ele vai me levar pra jantar amanhã, que é nosso aniversário
de namoro.”

“Ah, legal, então ele tirou a carteira de motorista?” Eu abro um


sorriso. “Nossa, como eles crescem rápido.” Na verdade, eu gosto de
Insu — ele é bem mais maduro do que eu era na sua idade, adora

Natalia, e Stevie gosta dele também —, mas não vou perder a


chance de tirar um sarrinho.

“Ele é só sete anos mais novo que você.”

“Então é oito mais novo que você. Espero que você mantenha o
armário de bebidas trancado.”
Uma almofada acerta minha cabeça bem no momento em que
Stevie aparece com suas coisas, com Baxter e sua bolsa de roupas
para o fim de semana a tiracolo.

“Está pronta, malandrinha?”

“Estou. Eu te mandei o link das camisetas da turnê”, Stevie avisa. “É

melhor não demorar muito, porque pode acabar.”

Pego meu celular de novo. “Sim, senhora.”

“Isso por acaso tem a ver com o Wonderland?”, Nat pergunta.

“Infelizmente, os ingressos do show já esgotaram, mas vamos


comprar umas coisinhas pra compensar.”

Nat me lança um olhar de que alívio, né? por cima da cabeça de


Stevie enquanto se despede dela com um abraço. E, por alguns
segundos, o arrependimento toma conta de mim. Com certeza eu
perco milhares de momentos adoráveis e corriqueiros como esse
todos os dias. Eu poderia estar vivendo essa vida com elas. Seria
uma coisa platônica e sem nenhuma paixão, é verdade, mas haveria
estabilidade e amor. Eu achei que devia ter outras coisas me
esperando pela vida afora, mas, na verdade, minha vida amorosa
não está muito diferente da que eu tinha na minha época de casado.

Mas agora é tarde demais para recomeçar, e a verdade é que vou


perder isso e muito mais se não arrumar um jeito de fazer essa
porra de trabalho.

Quatro

FIZZY

Na primeira vez que me reuni com um produtor para discutir a


adaptação de um dos meus livros para o cinema, fiquei tão
empolgada que mal dormi na noite anterior. Passei horas decidindo o
que vestir.

Contei para todo mundo que uma obra minha ia virar filme. Separei
cinco horas para percorrer os quase duzentos quilômetros entre San
Diego e Los Angeles e depois tive que pagar quarenta dólares de
estacionamento para ter um lugar onde esperar, porque cheguei três
horas adiantada. Fiquei sentada no carro imaginando o que usaria
no tapete vermelho, quem poderia ser escalado como meu
protagonista e como seria vê-lo na telona pela primeira vez. Cheguei
com um sorriso aberto, muitos planos e grandes esperanças.

A parceria não foi a lugar nenhum, nem a reunião seguinte ou a


outra depois dessa, e até as conversas que foram produtivas
acabaram encalhadas na fase de pré-produção durante anos.
Aprendi da maneira mais difícil que todo mundo em Hollywood está
sempre muito empolgado com novos projetos, mas só até a hora em
que é preciso pôr a mão no bolso. Agora já conheço a rotina de cor;
a reunião que a agente que cuida dos meus direitos para produções
audiovisuais marcou para mim esta manhã na North Star Media,
uma produtora que nem conheço, não me provoca a menor
descarga de adrenalina.

A assistente administrativa da North Star é uma moça boazinha e


bonita de vinte e poucos anos que me oferece café e um donut de
uma pequena loja local, que está disposto em uma caixa cor-de-rosa
sobre sua mesa quando chego. Penso em responder a algumas
mensagens nas redes sociais enquanto espero, mas só o que as
leitoras querem são notícias sobre o livro novo, e não tenho nada a
dizer sobre isso. Acabo guardando o celular e me ocupo com um
donut em vez disso.

Olhando ao redor, sou obrigada a admitir que a vibe em uma


pequena produtora de San Diego é bem mais praiana e tranquila do
que as paredes de vidro ou o estilo propositalmente industrial dos
escritórios
de LA. Mas, quando o cara com quem vou fazer a reunião sai do
escritório, lembro que Hollywood é Hollywood, mesmo em San
Diego.

Tenho a impressão de que o conheço de algum lugar, mas não sei de


onde — não é o tipo de cara que frequentaria os meus cafés ou
bares favoritos. O cabelo dele está tão bem penteado que de longe
parece até uma peruca de boneco de Lego. Acabo me distraindo
com sua altura, então não ouço seu nome, mas sorrio como se
tivesse escutado. Dentes brancos e perfeitos, olhos com o tipo de
brilho que ganharia um efeito sonoro em um desenho animado e
músculos bem definidos e flexionados sob a camisa social branca. A
beleza dele é óbvia demais.

Se estivesse escrevendo um livro, eu imediatamente o colocaria na


categoria Executivo Milionário Gostosão. Infelizmente, meu catálogo
mental me alerta sobre três coisas importantes sobre esse arquétipo
de herói romântico: ele vai ficar um tempão falando sobre o esporte
que praticava na faculdade, seja lá qual for. Ele é, na melhor das
hipóteses, um feminista de fachada. E, seguindo nessa linha, ele não
gosta de fazer sexo oral em mulheres.

Mas eu o acompanho até seu escritório mesmo assim, porque, se


continuar na recepção, vou acabar comendo mais um donut.

A sala do Executivo Milionário Gostosão é organizada e minimalista.

Ao contrário dos escritórios de outros executivos da indústria


cinematográfica, não tem quadrinhos raros autografados e
emoldurados nas paredes, um livro de fotos de tênis vintage ou uma
parede da vaidade com pôsteres de suas produções. Ele tem
algumas fotos em preto e branco do que parece ser o litoral da
região central da Califórnia e alguns porta-retratos virados para o
seu lado na mesa, e fora isso todas as paredes e superfícies são lisas
e limpas.
O gostosão entediante faz um gesto para eu me sentar em uma das
cadeiras de couro caríssimas agrupadas ao redor de uma mesa de
centro baixinha, e eu tento ser discreta ao fazer isso, mas o rasgo da
minha calça jeans acaba ficando na pior posição possível no joelho,
e o som do tecido cedendo domina o ambiente. Durante um
momento, percebo que ele está tentando decidir se deve fazer
algum comentário a respeito.

Ao que parece, escolhe ficar quieto e se contenta em sorrir.

Acrescento o item sorriso simpático à descrição de seu personagem.

“Obrigado por ter vindo aqui hoje, Felicity.”

“Ah. Um britânico.” Sinto a primeira cosquinha lá embaixo em muito


tempo e atualizo meu arquivo mental.

“Nascido e criado em Blackpool.”

“Eu não sei onde fica, mas é um belo nome para um covil de
piratas.”

Ele solta uma risada grave e retumbante. “Fica no noroeste da


Inglaterra.”

Eu assinto com a cabeça, olhando ao redor, tentando entender por


que um homem como esse largou sua cidade natal de piratas e
acabou em uma sala tão sem graça e interessado nos meus livros.
Uma jornada e tanto. Quando os meus olhos encontram o rosto dele
de novo, não consigo afastar a sensação de que já o vi antes. “A
gente se conhece de algum lugar?”

Ele fica hesitante, e sua boca começa a formar uma palavra, mas sai
outra, com um formato diferente. “Acho que não. Mas minha ex-
mulher é uma grande fã sua.”
Acabo soltando uma risada involuntária e indelicada. “Olha, preciso
admitir que esse é o elogio mais esquisito que já ouvi na vida.”

Até mesmo a careta que ele faz parece perfeita demais para ser
verdadeira. “Desculpa. Acho que foi um jeito estranho de dizer que
fiquei bem impressionado com você. Natalia é bem exigente com
seus gostos, e ela tem todos os seus livros.”

Sinto uma das minhas sobrancelhas se levantar.

“E eu acabei virando fã também”, ele admite e — ah, não, dessa vez


acabou indo longe demais. Seria bem mais interessante, para variar
um pouco, ouvir de um cara desses: Eu não li seus livros e gosto de
tirar sarro do seu gênero de escrita quando estou com os meus
amigos, mas os livros de romance têm a maior base de
consumidores do mercado editorial, e eu quero faturar em cima
disso.

Eu abro um sorriso de mostrar os dentes. Está na hora de pegá-lo


na mentira. “E qual é o seu favorito?”

“Acho que você deve esperar que eu diga O castelo da guarda ou No


fim da estrada, porque tem bastante ação nos dois, mas para mim é
Parzinho básico.”

Ah, então sua linda assistente é boa em fazer pesquisas no Google.

Deve ser por isso que eu estou aqui. “Parzinho básico, então.”

O Britânico Gostosão abre as mãos em um gesto magnânimo. “É


uma ideia inteligente, Felicity, e apareceu no momento perfeito.”

Talvez ele mesmo não seja muito bom em procurar coisas no


Google: todo mundo que me conhece, seja no nível pessoal ou no
profissional, sabe que na minha vida inteira eu só fui chamada de
Felicity pelos meus antigos professores do colégio, e mesmo assim
só no primeiro dia de aula, ou então quando ia levar bronca.
Enfim, apesar de achar que eu sou tonta, ele tem razão — a história
apareceu mesmo no momento perfeito. Eu escrevi Parzinho básico
bem na época que a GeneticAlly lançou o aplicativo DNADuo, e a
publicação coincidiu perfeitamente com o período em que essa
tecnologia começou a ganhar cada vez mais popularidade. O livro,
sobre dois inimigos jurados que acabam se revelando um match
Diamante, ficou um tempão na lista dos mais vendidos. Mas, depois
que uma pequena produtora não conseguiu emplacar uma série
baseada na história, os direitos de adaptação voltaram para mim no
mês passado.

“Bom, Ted…”

“Connor.”

“… eu vou ser bem sincera”, aviso, ignorando o que ele disse porque
seu nome realmente não faz a menor diferença aqui. “Os direitos
estão disponíveis, e eu não me oponho a trabalhar com quem queira
transformar o livro em um filme ou uma série, mas esse projeto é
especial para mim por uma série de razões, a minha preocupação é
que…”

Ele levanta uma de suas mãos enormes. “Desculpe interromper. Mas


é que… não foi por isso que eu marquei esta reunião.”

Fico confusa no mesmo instante. E talvez um pouco irritada comigo


mesma por não ter lido o e-mail que recebi da minha agente. “Quê?”

“Eu não quero produzir uma adaptação de Parzinho básico.” O

Britânico Gostosão balança a cabeça. “O que eu gostaria de saber é


o que você acharia de ser a protagonista de um novo programa de
tevê.”

Ao ouvir isso, eu enrugo a testa, preocupada. “Eu sou escritora.”

“Eu sei.”
“Pensei que estivéssemos falando a mesma língua aqui.” Eu estendo
um dedo e aponto para ele e para mim. “Mas pelo jeito não estamos
nos entendendo bem.”

Ele ri e, além do som sexy que ressoa em seu peito, revela uma
covinha em uma das bochechas.

Alto, britânico e com uma covinha? Nunca confie em um clichê.

“Nós gostaríamos de oferecer a você o papel de figura central em


um futuro reality show de namoro.”

Eu olho fixo para ele. “Eu?”

“Sim.”

“Em um programa de namoro?”

“Sim.”

“Em que a pessoa que namora sou eu?”

“Sim.”

“Isso é alguma espécie de piada?” Fico imediatamente desconfiada.


E

então tudo se encaixa na minha cabeça. Eu saí algumas vezes no


ano passado com um diretor de teatro comunitário que garantia ter
ótimos contatos no universo do audiovisual. Talvez eu não devesse
ter duvidado tanto dele. “Foi o Steven que pediu para você fazer
isso?”

“Steven?”

“Eu não lembro o sobrenome dele”, admito. “Mas imagine o


arquétipo do universitário bonitão que toca guitarra e acrescente uns
vinte anos à cara dele.”
O Britânico Gostosão franze a testa. “Eu não… É, não mesmo. Não
tem Steven nenhum envolvido em nada disso.”

Ah, sim, claro. “Billy? Ele trabalhava na Paramount.” Imito alguém


musculoso. “Um marombeiro? Que raspa todos os pelos do corpo?”

Ele balança a cabeça, perplexo. “A ideia não…”

“Evan.” Dou um tapa no braço da poltrona. “É claro!” Eu olho para o


Britânico Gostosão. “Ele adorava uma pegadinha. Terminei com ele
porque tinha uma tatuagem do Bart Simpson abaixo do quadril, tipo,
bem abaixo mesmo, e eu não conseguia chupar o cara sem ficar
pensando Ai, caramba. Cortava o clima, sabe.”

“Eu…”

“Tivemos uma discussão séria no fim, mas mesmo assim ele me


lembrou de adiantar o meu relógio em uma hora naquela noite por
causa do horário de verão.” Eu dou risada. “Basicamente falei que
aquela tatuagem horrível estava arruinando a nossa vida sexual, e o
que ele respondeu foi, tipo: Que chato, mas cuidado para não
acordar atrasada amanhã.” Volto minha atenção de novo para o
Britânico Gostosão. “Então, pensando bem, ele é um cara legal
demais pra fazer uma coisa dessas. Você pode me falar se…”

“A ideia não foi de nenhum desses homens”, ele fala em um tom


pausado. “Eu estou mesmo desenvolvendo esse programa, que vai
acontecer de verdade, e você é a primeira pessoa que procurei para
conversar.”

Fico totalmente sem reação.

“Mas… algum desses homens é seu namorado atualmente?”, ele


pergunta.

“Eu nunca sei quando usar essa palavra”, admito, ignorando o leve
tom de desaprovação na voz dele. “Namorado é alguém com quem
você transa mais de uma vez? Existe um namorado de uma noite e
nada mais? Um namorado de fim de semana? Ou é preciso definir
isso depois de um certo tempo saindo juntos? Mas, seja como for,
não. Não estou namorando nenhum desses caras, de jeito nenhum.”

O Britânico Gostosão limpa a garganta e se inclina para a frente para


ajeitar melhor um livro na mesa de centro. “Certo.”

Fico olhando para ele, segurando um sorriso.

“Você estaria interessada em ouvir a premissa do programa?”, ele


pergunta depois de aparentemente terminar de se recompor do
choque.

Resolvo deixá-lo proferir todo seu discurso, já que ele parece ter se
preparado tanto para isso. “Fique à vontade, Colin.”

Ele espera um pouco antes de falar e, quando o encaro, vejo a


decepção em seus olhos. Não sei o que eu fiz, mas fico satisfeita de
qualquer forma. Se eu recebesse um dólar toda vez que decepciono
um homem branco de terno, estaria zilionária.

Ele se recompõe e começa: “Eu sempre achei fascinante a ideia de


casamentos arranjados…”

“Minha nossa.”

“… já que a maioria deles, mesmo hoje, é muito bem-sucedida.”

Certo, isso realmente não era o que eu esperava ouvir.

“Quando nós deixamos as pessoas que conhecemos escolherem


nosso parceiro, elas costumam se sair muito bem. Mas um dia
desses também me dei conta de que, como a maioria de nós já viu
muitas histórias de amor — na vida, nas telas, na literatura —,
devemos ser bons em identificar sentimentos verdadeiros. Você não
acha?”
Eu encolho os ombros. “Na verdade, fico impressionada com a
capacidade de inteligência emocional muitas vezes tão pequena dos
adultos.”

“E se nós colocarmos você em uma casa com doze homens…”

“Agora, sim, você está falando a minha língua.”

“… todos tentando ganhar seu coração…”

“Humm, continua.”

“… mas, em vez de você escolher quem vai ficar na competição a


cada semana, abrirmos uma votação entre os espectadores nas
vinte e quatro horas seguintes à exibição de cada episódio para
definir quem continua e quem sai. Quem for eliminado vai descobrir
no início do episódio seguinte.”

“Então você vai deixar o público votar e escolher com quem eu vou
ficar? A minha opinião não conta nada?”

Ele inclina a cabeça de um lado para o outro. “Não é bem assim. A


audiência vai ter que ler suas reações. Mas eu espero que as opções
sejam ótimas, porque tem uma coisa que pode deixar tudo mais
interessante: vamos escalar os participantes com base nas
pontuações de compatibilidade no DNADuo. Eu imagino que você
saiba o que é isso, não?”

Meu coração quase para de bater. É a tecnologia criada por River.


“Ah, sim, sei bem.”

“Algumas compatibilidades vão ser baixas, e outras mais altas”, ele


explica. “Mas vamos garantir que tenha pelo menos um match Ouro
ou até mais que isso no elenco. A grande sacada é ver quem é
capaz de escolher melhor sua alma gêmea: a tecnologia ou o
público.”
Preciso me segurar para esconder quanto estou chocada. “Você está
falando sério mesmo?”

O Britânico Gostosão faz que sim com a cabeça. “Seus livros são
best-sellers internacionais, Felicity. Você tem leitoras de todas as
idades e condições socioeconômicas — e suas maiores fãs estão
justamente na faixa que é o público-alvo dos reality shows. Essa
confluência pode ser bem vantajosa tanto para a venda dos seus
livros como para os nossos índices de audiência.”

Fico olhando pela janela. Eu estava errada: não foi nem um pouco
agradável ele ter sido tão direto sobre o motivo para me querer
aqui.

Ele está atrás de mim porque a minha especialidade — livros de


romance com final feliz — dá audiência. Esse homem não tem como
saber que eu não acredito mais em romance, mas, considerando o
ramo em que trabalha, ele me diria que isso não faz diferença,
desde que o

programa consiga despertar o interesse do público. Isso me deixa


ainda mais pessimista em relação ao amor.

“Sei que vários desses programas de namoro são cínicos ou


manipulados”, ele continua, parecendo estranhamente ler os meus
pensamentos, “mas acho que esse pode ser diferente. Porque é com
você. Eu já estou bastante intrigado em relação a você, e é a
primeira vez na vida que nós conversamos; os espectadores vão
sentir esse mesmo interesse. E suas leitoras vão querer que você
encontre um amor.”

Isso me atinge como uma flechada no coração. Minhas leitoras


queridas realmente querem que eu encontre um amor, e pelo jeito
essa é a única coisa que não tenho como oferecer a elas. Bom, isso
e um livro novo.
O Britânico Gostosão se inclina para a frente e me encara com seus
olhos verdes sinceros e suaves. “Eu realmente acredito que as
mulheres querem ver outras mulheres encontrando a felicidade.”

Quando me volto de novo para ele, sinto alguma coisa esfriar dentro
de mim. “Isso é uma coisa bem bacana de se dizer, mas por que soa
irônico quando você diz?”

Ele parece perplexo por um instante, e o choque fica estampado em


seu rosto. “Eu… Não, eu estava falando sério.”

Eu me preparo para me levantar. “Obrigada pelo convite. Mas não


estou interessada.”

Cinco

CONNOR

Felicity vai embora de uma forma tão abrupta que o impacto faz
meus pensamentos se chocarem contra o meu crânio e fico
simplesmente com o olhar perdido, mudo. Eu sabia que uma mulher
tão linda e bem-sucedida como ela poderia não se interessar pela
ideia de protagonizar um reality show, mas de forma nenhuma
esperava que a proposta fosse deixá-la revoltada. Se eu não consigo
nem vender a ideia do programa sem me sair terrivelmente — e
misteriosamente — mal, então que chance eu tenho de torná-lo um
sucesso?

“Que porra foi essa?”, pergunto na direção da porta aberta um


instante antes de uma cabeça aparecer e meu chefe me abrir um
sorriso artificialmente branco.

“Você tem um minutinho?”

Olho para o relógio. “Preciso subir pra conversar com a Shazz em


cinco minutos.”
Blaine entra na sala, enfiando a mão no bolso e remexendo em
umas moedas que guarda lá dentro. “Acabei de falar pelo telefone
com o Bill”, ele me conta. Bill Masters é o CFO da empresa, uma das
poucas pessoas de quem Blaine tem medo. “A diretoria realmente
quer fazer esse programa de namoro acontecer.” Ele faz uma pausa
dramática, abrindo um meio-sorriso pretensioso. “Eles vão te dar um
milhão e meio.”

“De dólares?”

“Não, Connor, de garotas de programa. É claro que é de dólares.”

Demoro um pouco para absorver o que está acontecendo. “Eles vão


me dar um milhão e meio pra isso, mas não querem ceder quarenta
mil para o meu documentário sobre biodiversidade?”

Ele respira fundo pelo nariz e solta o ar com força, como se sua
paciência estivesse prestes a se desfazer como uma camada de gelo
perigosamente rachada na superfície de um lago. “Como eu falei,
amigo, todo mundo quer fazer isso acontecer. Por falar nisso, a Barb
da programação deve ter uns belos favores pra cobrar, porque
conseguiu

cavar um espaço no horário nobre da ABC.” E em seguida


acrescenta:

“Aos sábados”.

O horário de sábado à noite na tevê aberta literalmente não tem


nada de nobre.

Ao ver a expressão no meu rosto, Blaine comenta: “Olha, com esse


cronograma, demos sorte de não ter ido parar na sexta-feira. Eles
tiveram um problema de produção com um seriado novo, e nós
conseguimos fechar esse espaço antes que o horário fosse
preenchido com outra coisa. Agora me dá alguma notícia boa. Ouvi
dizer que você estava em reunião com uma possível protagonista…”
“Estava”, digo, indicando a porta com o queixo para mostrar que ela
tinha ido embora. “Ela não se interessou.”

“Por causa da grana?” Ele parece incrédulo. Para Blaine, esse seria o
único motivo lógico para alguém recusar uma proposta assim. “Tem
gente que é burra demais pra reconhecer uma boa oportunidade.”

“Nós nem chegamos a falar sobre dinheiro. Só não era a pessoa


certa, eu acho.” A ficha de ter sido rejeitado finalmente está caindo,
e estou mais decepcionado do que esperava. Por um momento,
enquanto ela estava sentada na minha frente, eu mal conseguia
acreditar que uma reviravolta maluca do destino poderia trazer a
mulher que eu tinha visto no bar na semana passada para o meu
escritório. E, obviamente, foi inevitável pensar no quanto seria
interessante trabalhar com uma escritora sexy e bem-sucedida no
lugar de cientistas desiludidos e mais queimados de sol do que o
que seria aconselhável.

“É sua função encontrar a pessoa certa”, ele avisa, ríspido.

“Eu queria encontrar alguém com uma ligação bem forte com o
público-alvo”, explico, tentando redirecionar minha irritação para
algo mais produtivo, “mas talvez estivesse pensando muito fora da
caixinha.

Talvez precise seguir por outro caminho.”

“É só seguir o caminho de sempre: pernas, peitos, boca.”

Ah, Blaine. O típico representante de uma geração de acéfalos de


terno. Eu me limito a limpar a garganta em resposta.

“Alguém do sexo frágil que esteja disposta.” Ele insiste. “É só disso


que nós precisamos. Me mantenha informado.” Blaine bate com os
nós dos dedos na minha mesa. “Preciso ir.”

E, com a mesma rapidez com que apareceu, ele vai embora.


“Mas que merda de dia”, eu digo na direção da porta aberta, e outra
cabeça aparece, me dando um puta susto. “Meu deus do céu.”

Meu colega produtor Trent Choi estende o braço e me mostra o


relógio. “Nós temos aquela reunião com a Shazz em três minutos.”

Pobre Trent. Sem dúvida, é a única pessoa que leva o horário das
reuniões a sério por aqui. “Certo”, eu digo. “Eu tava falando com o
Blaine.”

“Ah, é?” Ele dá uma olhada rápida por cima do ombro. “Você tem
um minutinho?”

“Claro.”

Entrando na sala, ele encosta a porta até deixar apenas um


pedacinho do corredor visível. “Estou começando a ficar com medo
de ir pra rua se o Smash Course flopar.”

Faço uma careta, lamentando a situação. “O que o Blaine disse?”

“Que se o programa flopar eu estou na rua.”

“Pelo jeito você fez uma leitura correta da situação.” Ele sente o
baque, e eu tento amenizar o impacto. “Se serve de consolo, eu tô
no mesmo barco. Ele me escalou pra fazer um programa de
namoro.”

“Pelo menos essas coisas fazem sucesso. Quem é que assiste a


desafios de esportes radicais?”

“Literalmente todo mundo, Trent.” O coitado é um tremendo nerd.

“Vou passar seis semanas viajando”, ele reclama. “Seis semanas em


um ônibus com um bando de atletas de fim de semana suados e
entupidos de testosterona querendo matar uns aos outros, e depois
vou ter que voltar pra cá e editar o material pra fazer parecer que foi
uma coisa divertida.”

“Sinto muito, cara.” Dou um tapinha no ombro dele. Eu entendo essa


angústia. Esses programas atraem muitos olhares, mas não sei se é
o tipo de atenção com o qual estamos preparados para lidar. Se o
meu programa de namoro for uma bosta, estou fodido. E, se não for
uma bosta, não sei se vou poder voltar a produzir as coisas que
quero. Acho que é um consolo não ser a única pessoa atolada nesse
lamaçal.

“Com certeza vai dar tudo certo. Uma coisa de cada vez, né? O que
eu preciso agora é encontrar alguém” — eu faço sinais de aspas no
ar

— “‘do sexo frágil que esteja disposta’ a fazer logo essa porcaria.”

Seis

FIZZY

Sempre existe o risco de se interpretar mal o que foi dito quando se


ouve apenas o fim de uma conversa, mas, nesse caso, não há
margem para equívocos.

… encontrar alguém do sexo frágil que esteja disposta a fazer logo


essa porcaria.

Eu tinha voltado para carimbar o meu tíquete de estacionamento,


mas acabo me esquecendo de fazer isso de novo quando três
explosões simultâneas ocorrem dentro da minha cabeça. A primeira
é por causa do palavreado, tão absurdo que o Britânico Gostosão
imediatamente deixa de ser um herói romântico de qualquer tipo e
vira um vilão que preciso derrotar. A segunda conclusão é que esse
programa vai existir de qualquer jeito, não importa o que eu faça.
Ele vai usar o aplicativo de River para produzir esse lixo e retratar
com gosto a protagonista como uma mulher desesperada para
encontrar uma alma gêmea, como se fosse impossível que ela
pudesse estar bem sozinha, porque os executivos televisivos se
recusam a atualizar sua visão a respeito das mulheres há quarenta
anos.

A terceira explosão é a mais poderosa. Por menos que eu goste


desse homem, não dá para ignorar que ele me ofereceu um
holofote. Quantas vezes já me peguei pensando por que, se os
homens querem tanto saber o que as mulheres desejam,
simplesmente — hã, sei lá — não perguntam diretamente para elas?
O Britânico Gostosão me deu a chance de garantir que esse
programa não seja um desastre para todas as mulheres que
cometerem a temeridade de apertar o play no episódio um. Eu
posso estabelecer os termos e o formato, e conduzir a discussão
sobre o que significa construir um relacionamento e se apaixonar.

Vou até a sala do produtor, escancaro a porta entreaberta e vejo sua


expressão passar de irritação a horror assim que percebe que
escutei o que ele disse.

“Você quer mesmo que eu faça parte disso?”, pergunto sem rodeios.

Ele engole em seco e olha para o outro cara presente na sala, que
parece querer abrir um buraco no chão e sumir. “Acho que você é a
única pessoa capaz de transformar esse projeto em uma coisa que
valha a pena.”

Não sei se ele está falando isso por pura ignorância ou por
consideração. “No elevador, eu me dei conta de que talvez a minha
resposta tenha sido precipitada demais.”

Ele fica parado me olhando, sem entender nada.

“Eu posso fazer o programa, desde que seja nos meus termos.”

“Termos?”, ele repete. “Por exemplo?”


Eu me esforço para manter o contato visual. Na verdade… não faço
ideia de que termos são esses. “Vou mandar as minhas ideias
através da minha agente. Se quiser que eu participe do programa,
vai ter que concordar com tudo o que ela te passar.”

Ele parece não se sentir desconfortável com o silêncio, prefere


pensar antes de falar, e sou obrigada a admitir que admiro isso,
porque é uma coisa que nunca fui capaz de fazer.

“Posso confiar que os seus termos vão ser razoáveis?”, ele pergunta
por fim. “E que você vai levar o público-alvo em consideração?”

Puta merda, de novo me tratando como uma tonta. “Literalmente a


única coisa que me interessa nisso tudo é o público.” O tom de
irritação na minha voz é mais do que perceptível. “Acho que nós dois
não temos as mesmas prioridades. Além de saber que a maior parte
é do ‘sexo frágil’ — seja lá o que essa merda signifique —, acho que
você não faz ideia de quem é o seu público-alvo.”

“Felicity, isso que você acabou de escutar…”

Eu levanto uma das mãos para calá-lo. Não preciso ouvir seu pedido
de desculpas; afinal, não estou fazendo isso por ele. “O que eu
quero ouvir é um sim ou não, Corey. A escolha é sua.”

Ele vira a cabeça para o outro lado, mostrando seu maxilar bem
definido e seu pescoço comprido. Por fim, se volta de novo para
mim.

“Então vamos nessa.”

Eu estendo o braço para cumprimentá-lo. “Ótimo.” Com uma


compreensível hesitação, ele me oferece um aperto de mão
protocolar tipicamente britânico.

Ajeito a bolsa no ombro e me viro para ir embora, mas ele volta a


falar. “Só mais uma coisa, se você me permite.”
Eu me viro de novo.

“Meu nome é Connor.” Desta vez ele não sorri quando os nossos
olhos se encontram. “Não é Ted, nem Colin, nem Corey. É Connor.”

Esse imbecil acabou de me pôr no comando. E não tem a menor


ideia do que fez. Eu posso chamar esse pobre coitado do que eu
quiser.

No fim das contas, o nome dele é o que menos me interessa. Porque


agora preciso descobrir quais são os meus termos, como arrumar
tempo para esse circo de reality show estando três meses atrasada
na entrega do meu livro novo e como lidar com o fato de que esse
olhar firme, simpático e atencioso dele não parece nem um pouco
com o de um vilão.

Sete

CONNOR

“Alguma notícia sobre o cronograma?”, Natalia pergunta lá da


cozinha.

“Nós já pagamos o aluguel daquele chalé em Yellowstone, mas eu


não quero levar a Stevie pra longe se você tiver tempo livre pra ficar
com ela.”

Ao meu lado, vestindo sua nova camiseta do Wonderland e com uma


tiara rosa na cabeça, a criança em questão vasculha entre dezenas
de peças minúsculas acinzentadas, determinada a encontrar a
curvatura da orelha de um elefante e a ponta da cauda de um leão
no nosso quebra-cabeça com o tema África Selvagem Depois da
Chuva. Fico me perguntando quais são as chances de que um
elefante e um leão adulto fiquem em tamanha proximidade na
natureza, mas isso parece um detalhe irrelevante.
“Infelizmente não”, respondo. Já estamos em junho; as férias de
verão deveriam estar programadas e definidas a essa altura, mas,
com meu cronograma de filmagens ainda incerto, tudo permanece
em aberto. “Desculpa, Nat, eu sei que isso é um saco. Estou
negociando com os agentes da Felicity há semanas. Pode fazer seus
planos que eu me viro.”

Nat cruza a sala e serve nosso almoço antes de se sentar no chão à


minha frente. Normalmente, minha filha e eu ficamos na minha casa
no fim de semana, mas o círculo social de Stevie está em um
momento de expansão contínua, com uma festa de aniversário hoje
à noite e outra amanhã de manhã. Guarda compartilhada significa
fazer concessões, e eu não me incomodo de ficar aqui se for para
passar um tempo com ela.A comida também não é nada mal. O
cheiro está ótimo; nos dois anos que Nat e eu passamos casados,
fiquei extremamente mal-acostumado a ter comida caseira
disponível sem nenhum esforço.

Quando nos separamos, tive que aprender a me virar — não podia


alimentar uma criança só com miojo e fast food todo fim de semana.

Quando não sou eu mesmo que preciso preparar, aprecio ainda mais
o valor de uma refeição.

“Como estão as coisas com ela?”, Nat pergunta, desviando minha


atenção da tigela de pozole fumegante.

Não compartilhei muita coisa com Nat porque na verdade não tenho
muito para contar. Felicity só se comunica comigo através de
intermediários — advogados e agentes. Ela está pegando pesado
comigo, e claramente de propósito.

Ponho um bocado de comida quente demais na boca e faço uma


careta. “Ela aceitou com relutância.”

“E quais são as condições dela?”


“A agente dela ficou de me mandar.”

“Nossa, que empolgação a sua.”

Limpo a boca com um guardanapo. “Queria perguntar uma coisa pra


você. Eu fiz essa proposta pra ela umas semanas atrás. Foi só uma
sondagem — ela poderia ter recusado, mas não fez isso. Não é
estranho que ela ainda pareça estar… meio que… querendo me
testar?”

Com uma risadinha, Nat põe um pouco de comida na boca e remexe


em sua tigela com a colher. “Não sei muita coisa sobre a vida dela…

Tipo, ela só mostra o que quer que as pessoas saibam. Parece ser
uma pessoa brincalhona, divertida e aventureira, mas um reality
show não parece ser a praia dela. Deve ter algum motivo para ela
estar com o pé atrás, e, se ela acha que você não está
entusiasmado com o projeto, é melhor você ir mudando de atitude.”
Natalia olha bem para mim. “Você é um cara maravilhoso, Conn,
mas está dando uma de esnobe, como se estivesse se rebaixando
por fazer isso.”

Volto minha atenção para o quebra-cabeça. “Como pode ser


esnobismo se é a mais pura verdade? Eu jamais faria isso se o
Blaine não tivesse me forçado.”

Reconheço meu erro assim que essas palavras saem da minha boca.

Até Stevie solta um assobio sombrio por entre os dentes.

Natalia me dá uma encarada. “Connor, você me acha burra?”

“Quê?”, retruco, horrorizado. “Claro que não. Você é a pessoa mais


inteligente que eu conheço.”

“Bom, eu assisto a reality shows. E leio livros de romance. E, quando


você fala esse tipo de coisa, parece que está me diminuindo.” Ela
aponta com o queixo para Stevie, e eu percebo que o recado é:
Principalmente quando faz isso na frente da nossa filha.

“Só estou dizendo que isso não é do meu gosto. Não tem problema
nenhum você gostar.”

Ela arregala os olhos. “Nossa. Obrigada, hein?”

“Não foi isso que eu quis…”

Ela faz um gesto com a mão. “Você já assistiu a algum programa de


namoro ou leu algum livro dela desde que assumiu esse projeto?”

“Eu comprei os livros.”

Isso não parece impressioná-la.

“E também”, continuo, todo orgulhoso, “pedi pra Brenna fazer um


relatório sobre os cinco títulos mais vendidos da Felicity.”

Stevie balança a cabeça de novo. Natalie fecha a cara,


decepcionada.

“Certo, agora entendi o que está parecendo”, digo. “Eu sou o


executivo babaca que empurra todo o trabalho para a assistente, o
que é uma atitude de merda. Mas, Nat, o programa não é sobre os
livros da Felicity. É sobre ela. O que importa aqui é o carisma que ela
tem, essa capacidade de cativar as pessoas. É o público torcer por
ela.”

“Sério mesmo que você não percebe que ela só tem um público que
torce por ela por causa do conteúdo desses livros?”

Antes que eu possa responder, ela continua: “Se você me dissesse


que não gosta das músicas do Wonderland, eu diria: ‘Tudo bem,
cada um na sua’. Você já ouviu todas elas um monte de vezes, então
seria uma opinião embasada. Mas, como nunca leu um livro de
romance nem assistiu a um reality show, só tem uma opinião
baseada no que você acha que essas coisas são”.

Eu encaixo mais uma peça do quebra-cabeça, juntando a orelha do


elefante com sua cabeça. “Ora, Nat, você é obrigada a admitir que
esses livros são um tanto previsíveis.”

“Por quê? Só porque o casal sempre termina junto?”

“Exatamente.”

“Essa é uma convenção do gênero, Connor”, ela responde. “Você


saberia disso se tivesse se dado ao trabalho de pelo menos fazer
uma pesquisa no Google.”

Eu a incentivo a continuar falando quando percebo que ela tem mais


a desabafar sobre isso. “Vai em frente. Pode falar tudo o que pensa.”

“Você se refere a esses livros como o meu ‘prazer vergonhoso’. Não


percebe quanto isso é condescendente?”

“Sim, mas você não sente prazer lendo esses livros?”, pergunto,
confuso. “Onde está a condescendência nisso?”

“Sim, mas por que eu sentiria vergonha de ler uma coisa que me dá
prazer?”

Quando abro a boca para responder, ela me lança um olhar que


equivale a um tiro de advertência para o alto.

“Você trata as coisas de que eu gosto como bobagens ou como um


passatempo qualquer”, ela continua. “O que eu estou querendo dizer
é o seguinte, Conn: você me perguntou por que ela está em dúvida
quanto à sua postura. Mas, se até eu consigo ver essa
condescendência
— mesmo sendo alguém que conhece todas as suas outras
qualidades e que sabe que você é uma ótima pessoa —, como você
pode esperar que alguém que nem te conhece e que tem uma
carreira construída em torno de uma coisa que você despreza veja
você de outra forma?”

Eu fecho os olhos enquanto absorvo o recado. Uma vez trabalhei em


um projeto em que uma das pessoas entrevistadas afirmou que a
intolerância é uma consequência da falta de curiosidade, e isso ficou
gravado para sempre dentro de mim. E mesmo assim estou julgando
coisas de que não sei quase nada a respeito? “Ok, você tem razão.”

“Leia um dos livros dela.” Nat pega sua colher de novo. “Se você
tiver a mente aberta, pode até acabar gostando.”

Eu sei que ela tem razão, e quando estou prestes a dizer isso meu
celular vibra em cima da mesa com a chegada de um e-mail. Assim
que abro a mensagem, minha mente aberta vai para o espaço. “Mas
que porra é essa?”

“Pai.” Stevie olha feio para mim.

“Desculpa, mas…” Eu aponto para o telefone. “É a lista de condições


da Felicity.” Dou uma olhada rápida no texto. “Ela quer que as
filmagens se limitem a quatro dias por semana.” Levanto os olhos da
tela. “Pensei que fosse um padrão as pessoas ficarem isoladas
enquanto gravam esses programas. Pros resultados não vazarem.”

“É assim no The Bachelor”, Stevie confirma.

Nat estende a mão para ajeitar a tiara de Stevie. “Quem diria que
saber como esses programas funcionam poderia facilitar o trabalho
dele?”

Stevie dá uma risadinha.

“Podem parar, vocês duas”, respondo, e continuo lendo o e-mail.


Imediatamente percebo que seria bem mais fácil escalar uma
protagonista interessada apenas em fama e exposição. Mas estou
decidido a fazer isso com alguém que tenha algo a dizer.

Me dou conta de que estava esperando que os termos dela fossem


coisas corriqueiras na indústria do entretenimento — a possibilidade
de passar um tempo longe das câmeras, uma lista de exigências
nutricionais, uma verba de marketing, um figurino com peças de
estilistas específicos, a máxima exposição possível de seus livros —,
mas não tem nada disso aqui. As exigências dela parecem uma
espécie de desafio. “Ela passou uma lista bem específica para a
escalação do elenco.” Eu olho para Nat. “Superbonzinho?”

“Ah”, Natalia diz, com uma empolgação contida. “Ah, Fizzy Chen,
puta que pariu, você é a minha heroína.”

“Mãe. Olha a boca.”

Eu enrugo a testa diante do telefone. “‘Gostoso e burro’? É


adequado dizer isso?”

Nat cai na gargalhada, quase perdendo o fôlego de tanto rir.

“E vai demorar um século para discutirmos esses pontos todos. Eu


só posso falar com a agen…” Eu me interrompo quando chego ao
fim do PDF escaneado e vejo um recado escrito à mão por Felicity
no fim da página:

Me manda uma mensagem se tiver alguma

dúvida. Boa sorte! Acho que você vai precisar.

Oito

FIZZY
“Sinceramente”, diz Jess, sentada à minha frente no Twiggs, “se
quem estivesse com o nariz enfiado no celular fosse eu, você ia me
pedir pra ver a putaria também ou então pra largar isso.”

Nos velhos tempos, tínhamos o costume de nos encontrar no café


Twiggs algumas vezes por semana para trabalhar. Eu escrevia feito
uma louca, e Jess se ocupava com seus números. Nós conseguíamos
ser (na maioria das vezes) muito produtivas. Hoje em dia, essas
sessões são mais cerimoniais: Jess está tirando o verão de folga, e é
mais fácil eu parir uma zebra do que escrever uma cena de beijo
arrebatadora. Mas, embora a vibe seja mais casual do que
profissional, as palavras de Jess são a deixa para eu guardar o
celular na bolsa e voltar a desfrutar do tempo que tenho com a
minha melhor amiga. Infelizmente, porém, mesmo que Oscar Isaac
estivesse pelado aqui ao nosso lado, eu não sei se conseguiria
desviar os olhos dessa troca de mensagens. É como ver em tempo
real Connor Prince III mergulhando em uma espiral de insanidade.

Darcy?, ele escreve. Não sei nem o que isso quer dizer.

Eu escondo a risada com a mão e digito: Pense em alguém


taciturno.

“Felicity.”

Balançando a cabeça, eu digo para Jess: “Acho que você não vai
querer saber o que eu estou fazendo.” Meu celular vibra de novo.

“Sexo por telefone?”

“Ainda melhor.”

O que você quer dizer com nerd gato?

Sério mesmo que eu preciso explicar isso pra você?

Certo. Coroa charmosão?


Questões paternas mal resolvidas.

Vampiro?

Deixo escapar uma gargalhada, e alguns dos outros clientes


habituais me olham feio. Tinha até me esquecido dessa pérola. Mas
dessa vez cheguei tão perto de cuspir meu café para o outro lado da
mesa em cima de Jess que ela finalmente tenta tomar o telefone da
minha mão, e preciso me esquivar para terminar de digitar a minha
resposta.

Use a criatividade.

Ponho o meu celular cuidadosamente sobre a mesa. “Oi, amiga.”

“Não vamos nem fingir que estamos trabalhando hoje?”

Olho para a cadeira onde deixei todas as minhas coisas quando


cheguei, meia hora atrás. Nem me dei ao trabalho de tirar o
notebook da capa. Não é à toa que não estou conseguindo produzir
nada.

Sorrindo para ela, digo: “Juro que é coisa de trabalho”.

“Ã-ham.”

Jess sabe que estou evitando as redes sociais e os e-mails de


trabalho como o diabo foge da cruz, então seu ceticismo é
compreensível. Eu explico melhor: “O Britânico Gostosão recebeu os
meus termos para participar do reality show hoje, e ele tem algumas
dúvidas”.

Jess franze a testa. “O que foi que você fez?”

“Como assim o que foi que eu fiz? Por que você vai logo presumindo
que eu aprontei alguma coisa?”
“Vejamos”, Jess responde, segurando sua xícara com as duas mãos e
se inclinando para a frente. “Teve uma vez que você me convenceu
a ir a uma praia de nudismo no seu aniversário e, quando vi,
estávamos andando peladas em uma área privativa.”

“A culpa foi do GPS, não minha.”

“Você me algemou na cama pra fazer uma pesquisa para um livro e


só depois se deu conta de que tinha esquecido a chave em casa.”

“Você só ficou sozinha por, tipo, meia hora, e mesmo assim eu fiz
questão de garantir que estivesse muito bem hidratada!”

“Certo, e quando você me fez sair com um cara que estava em


liberdade condicional?”

“Por fraude fiscal! Não era um assassino nem nada do tipo.”

“Sério mesmo, Fizzy?”

“Bom, quando você junta tudo desse jeito fica parecendo que eu sou
terrível de verdade!”

Ela não diz nada, só fica me olhando.

Por fim, eu assinto com a cabeça, porque afinal é justo. “Eu só estou
tentando deixar o programa mais legal.” Ela se mostra ainda mais
cética, então eu lembro: “Você é que não quis saber mais sobre esse
reality show pra não precisar esconder nenhuma informação do
River”.

Previsivelmente, ele surtou quando, algumas semanas atrás,


enquanto comíamos um hambúrguer, eu comentei que tinha sido
convidada para protagonizar um programa de namoro baseado em
sua pesquisa científica seríssima. Ele ficou olhando fixo para o prato
e depois começou a andar de um lado para o outro. Eu garanti que
não havia a menor possibilidade de que a North Star Media aceitasse
as minhas condições, e River ficou um pouco mais tranquilo. Mas
também me pediu que não tocasse mais nesse assunto.

Isso significa que não posso contar nada para Jess também, ou ela
vai entrar em combustão espontânea por estar escondendo alguma
coisa do marido. É só por isso que ela está fingindo que não está
interessada.

A verdade é que, se você perguntar para Jessica Marie Davis Peña


qual é seu programa de tevê favorito de todos os tempos, ela vai
dizer Breaking Bad ou Downton Abbey, porque são respostas
socialmente aceitáveis. Ninguém diz que seu programa favorito é
Casamento à Primeira Vista, assim como ninguém admite que seu
restaurante predileto é o McDonald’s. Mas tem alguém consumindo
os 550 milhões de Big Macs que eles vendem por ano. Jess devora
esse tipo de reality show e se entretém com uma taça de vinho na
mão no sofá gigantesco na sala de sua casa. Não importa o que
River queira que aconteça, Jess não tem como não se interessar por
esse assunto. Ouso dizer até que ela está animadíssima, apesar de
fingir que não.

O que significa que não vai demorar muito para ela ceder.

Em três… dois…

“Estou quase com medo de perguntar quais são os seus termos”, ela
comenta, batendo com o dedo casualmente na lateral do notebook
sobre a mesa. “Se eu conheço bem você, deve ser uma loucura.”

Quando levo a xícara à boca, percebo que meu café já esfriou. “Isso
foi uma pergunta?”

Ela ajusta os óculos de leitura. “Não.”

“Então tá.”

Olho para o meu celular e vejo que chegaram mais mensagens.


Você quer que pelo menos dois pretendentes tenham experiência
com tricô?

Eu não entendi esse termo de rescisão unilateral: poetas.

Felicity, pensei que você fosse fazer exigências razoáveis nesta


negociação.

Você pode conversar agora?

Dou uma risadinha, digitando como se estivesse trocando


mensagens sexuais.

Desculpa. Estou bem ocupada agora.

Quando fica bom pra você?

Depende. Você tá dentro ou vai desistir?

Ouço um barulho quando Jess joga os óculos na mesa, aceitando a


derrota. “Me conta tudo logo, vai.”

“Mas é sobre o programa de namoro. River pode não gostar.”

“Ele pode chorar em cima das pilhas de dinheiro que vai ganhar.”

“Tem razão”, eu digo, dando uma gargalhada. “Bom, caso você já


não tenha percebido: eu sou uma gênia.”

“E muito modesta também.”

“Escuta só”, digo a ela. “Quanto mais penso nessa ideia, mais eu
gosto dela. O executivo Britânico Gostosão quer que eu participe de
um reality show de namoro, certo? Quer me enfiar em uma casa
com doze caras, me deixar toda gostosa e pedir para o público
decidir a cada semana quem deve ser eliminado.”

“Certo”, Jess responde, balançando a cabeça.


“A grande sacada, claro, é usar o DNADuo pra encontrar vários tipos
de matches pra mim”, explico.

Ela se recosta na cadeira, cruzando os braços. “Três semanas atrás,


você não queria sair com cara nenhum. Agora vai morar em uma
casa com doze?”

“Doze picas no auge da virilidade atrás de uma Fizzy? Eu sou de


carne e osso, Jess. Como posso dizer não pra isso?”

Ela balança negativamente a cabeça e me encara por cima da xícara


de café. “Você já prestou atenção nas coisas que fala? Tipo, pelo
menos uma vez?”

Eu ignoro esse comentário. “Falando sério agora: doze homens


podem ser um exagero. Até mesmo pra mim.” Faço uma pausa.
“Nem acredito que estou dizendo isso. Mas estou. Então vou sugerir
que cortem pra oito. Também não gosto da ideia de ficar presa em
uma casa durante todo o período de filmagens, então avisei o
Britânico Gostosão que daria quatro dias da semana pra isso, e
durante esses dias os heróis românticos e eu vamos só… sair juntos.
A cada semana a plateia vai eliminar alguns deles, e eu vou
aprofundando a relação com os que sobrarem. Vamos nos conhecer
como se fosse na vida real, com as coisas do dia a dia acontecendo
ao nosso redor.”

Jess franze a testa. “Eles vão topar uma coisa dessas? O objetivo
desses programas não é criar uma experiência mais intensa, de
proximidade forçada? Voltando pra vida real vocês não iam acabar
conversando com as suas famílias sobre o programa pra ouvir
conselhos e opiniões?”

“Sim, mas é assim que as coisas funcionam! Se eu saísse com algum


deles na vida real, nós dois voltaríamos pra casa e conversaríamos
com as pessoas sobre o encontro. Principalmente se for legal, vamos
querer falar a respeito e incluir nosso círculo mais próximo nessa
empolgação.
Estou cansada dessa coisa de um romance acontecendo em um
vácuo, dessa ideia de que, se você encontrar seu par ideal, não
precisa de mais nada na vida. Isso não é um jeito saudável de viver
um amor! Quero namorar um cara que tenha o apoio da família e
dos amigos dele, e não alguém que diga que todo mundo na sua
vida precisa aceitar essa pessoa nova que ninguém faz ideia de
quem é, mas que ele jura que é sua cara-metade depois de três
semanas de convívio. Essa gente nunca leu um livro de romance? O
apoio do círculo mais próximo de convívio é, tipo, no mínimo meio
caminho andado para um final feliz!”

“Minha nossa, Fizzy, respira um pouco.”

Faço uma pausa e dou um gole no meu latte de baunilha morno


para me acalmar. “Mas isso… essa coisa de estruturar os encontros é
fácil.

Quer ouvir a melhor parte?”

“Não, claro que não. Só os detalhes sem graça, por favor.”

“Eu mandei uma lista de arquétipos de heróis românticos que o


Britânico Gostosão precisa colocar no elenco do programa se quiser
que eu participe.”

Ela fica bem séria. “Como é que é?”

“Eu mandei uma lista de vinte arquétipos: nerd gato, professor, astro
do rock, militar de elite etc. Ele vai escalar oito heróis românticos
que se encaixem nessas categorias.” Diante da expressão de
descrença dela, eu acrescento: “Não é tão difícil assim”.

Jess estende a mão para mim. “Me deixa ver essa lista.”

Pego meu celular e o passo para o outro lado da mesa. Os olhos


azuis de Jessica esquadrinham a lista, e então ela recomeça do
início, lendo alguns em voz alta. “Um príncipe?”
“Ou alguém da realeza de alguma forma”, respondo, enquanto
examino casualmente uma das minhas unhas. “Eu não sou tão
exigente.”

Depois de uma pausa, ela solta um risinho de deboche. “Rebelde


escocês. Minha nossa, Fizzy.”

“Continua lendo.”

“‘Alguém do passado?” Ela cai na risada. “Isso é que é ser


específica.

Sério que é isso mesmo que você quer?”

“Sinceramente, não quero nada disso, mas, se eles conseguissem


fazer isso acontecer, seria ótimo. Não estou conseguindo escrever
uma palavra sequer ultimamente, o que significa que a seção de ‘Em
breve’

do meu site está recebendo tantos visitantes quanto a minha


periquita.

Mas se eu puder atingir o público das histórias românticas com esse


programa, minhas leitoras — e a Amaya — vão ficar contentes.”
Minha agente literária, Amaya Ellis, é uma mulher incrível, que vale
mais do que seu peso em ouro, e simplesmente não merece a dor
de cabeça que eu virei para ela neste último ano.

“A Amaya acha que isso é uma boa ideia?”, Jess questiona, sem
acreditar.

“Eu não diria isso, mas ela e a minha agente de direitos audiovisuais
acham que seria uma ótima exposição. E, como literalmente não
tenho mais nada rolando, fui aconselhada a ‘levar a hipótese em
consideração’. Ela também me lembrou que o motivo que me levou a
fazer o DNADuo, pra começo de conversa, foi pesquisar para um
livro e que o programa também poderia servir pra isso.”

Ela ergue os olhos por um instante. “E também tem a coisa de


encontrar a sua alma gêmea…”

“Ah, sim, claro”, respondo, observando enquanto ela examina a lista


e vai ficando um pouco mais tranquila. “E então, o que você acha?
Eu pensei bastante sobre isso.”

“Isso está na cara.” O olhar dela se detém em um item. “Um


vampiro? Você acha mesmo que eles vão conseguir um vampiro?”

“O Britânico Gostosão também implicou com esse. Mas isso é


problema deles, né?”

Ela levanta as sobrancelhas e me encara por cima do celular. “Um


dominador?”

“É preciso respeitar as convenções do gênero.”

Ela lê mais um pouco, escondendo o sorriso com a mão. “Vinte por


cento ou mais precisam ter feito terapia, e trinta por cento precisam
ter uma amiga mulher com quem nunca transou? Fizzy, você é uma
troll.”

Ela dá uma risadinha. “Nada de poetas.”

“Essa pode ser a melhor ideia que eu já tive. Mas, infelizmente,


nunca vai rolar.”

Ela inclina a cabeça de um lado para o outro, em um gesto que diz


talvez sim, talvez não. “E o que vai fazer se ele concordar com os
seus termos?”

Eu minimizo essa possibilidade, acenando com a mão. “Não vou


alimentar muitas esperanças, não. Mas, se rolasse, eu ia ter que me
preparar e mergulhar nessa de cabeça.” Fico pensando no que
acabei de falar. Na verdade, eu nem tinha imaginado a possibilidade
de que o Britânico Gostosão pudesse aceitar esses termos ridículos.
Eu estava segura atrás das minhas exigências absurdas; escalar
qualquer outra mulher no planeta Terra tornaria o programa bem
mais simples e fácil de fazer. Pensar na hipótese de participar
mesmo de um programa como esse, ainda que só por um instante,
faz meu estômago se revirar.

Eu teria que ser engraçada, cativante e — puta merda —

deliberadamente falsa sobre a intenção de estar aberta para um


amor.

“Não existe a menor chance de que ele me queira tanto assim pra
aceitar tudo isso.”

“Eu até concordaria com você.” Jess me devolve meu celular,


apontando com o queixo para uma mensagem de texto que acabou
de chegar do contato cadastrado como McGato Britânico. “Mas
parece que ele acabou de topar.”

Nove

CONNOR

Quando Felicity Chen volta ao meu escritório para uma nova reunião,
parece bem mais disposta a entrar no jogo. Em vez de botas e calça
jeans rasgada, está com um terninho preto feito sob medida e uma
expressão que deixa claro que sem dúvida pretende discutir questão
por questão daqui em diante. Ela recusa educadamente o café que
Brenna oferece e vem até a minha mesa, onde estou de pé para
cumprimentá-la.“Felicity, que bom ver você.”

Ela me oferece um aperto de mão e um sorriso largo. Incrivelmente,


ela é capaz de fazer esse jogo de negociações absurdas parecer uma
coisa divertida. “Pode me chamar de Fizzy. Ninguém me chama de
Felicity, a não ser o cara do Departamento de Trânsito.”

Eu dou risada. “Muito bem, Fizzy.”

Em vez de se sentar em uma cadeira diante da minha mesa, ela se


acomoda em um dos pequenos sofás de couro ao redor da mesa de
centro. Lembro de ter lido uma vez que pessoas confiantes não
usam os móveis da forma mais convencional. Elas se sentam de lado
e passam o braço por cima da cadeira mais próxima ou se sentam
na beirada de uma mesa. Fizzy não está fazendo nada disso, mas
ainda assim é a confiança em pessoa. Sua postura é tranquila, uma
perna está cruzada sobre a outra, as mãos cruzadas casualmente na
altura do pulso, e ela batuca com o indicador e com o polegar como
se estivesse fazendo algum tipo de contagem regressiva. Seus
sapatos são de camurça, de um tom chamativo de azul, com saltos
de no mínimo doze centímetros.

Preciso me esforçar mais do que gostaria para não fixar meus olhos
em seus tornozelos expostos.

“Como você está?”, pergunto, afastando os olhos daquele ponto de


atração.

“Estou ótima.”

Me sento diante dela, tentando transmitir a mesma confiança


despreocupada. Em geral, sou confiante. Em geral, não é fácil me
constranger. Mas a dualidade da intensidade do seu comportamento
com a naturalidade com que conduz o próprio corpo é uma distração
bem forte.

“Obrigada por aceitar conversar”, ela diz. Seus cabelos estão presos
em um coque; algumas pequenas mechas se soltaram, caindo
suavemente sobre o pescoço comprido e delicado. Ela está com
pouca maquiagem, eu acho, mas seus lábios são de um vermelho
suave e perfeito. Mesmo que o programa acabe virando um circo,
essa mulher vai ficar linda na tela.

“Imagina, claro.” Eu engulo em seco, tentando disfarçar a tensão na


voz. “Ainda temos muito que definir.” Um eufemismo. Os termos que
recebi da agente não fizeram o menor sentido para mim, mas Nat
me disse para confiar nela, então aqui estamos nós. Sinto que estou
entrando em um beco escuro e enevoado, contando apenas com um
jornal enrolado para me proteger de ataques surpresa à mão
armada.

Ou vai ser um projeto inconveniente mas de curta duração que vai


me abrir o caminho com Blaine, ou o maior erro da minha carreira.
“Mas, antes de entrarmos em detalhes”, eu proponho, “queria
perguntar se você tem alguma experiência com o DNADuo. Os perfis
dos usuários são confidenciais, claro, mas nosso departamento
jurídico precisa saber se existe algum match Ouro anterior que deve
ser excluído ou acrescentado à categoria de ‘alguém do passado’.”

“Eu conheço bem o aplicativo”, ela responde, passando a mão na


coxa para ajeitar um pequeno amarrotado na calça. “E, hã, eu parei
de conferir meus matches antes que aparecesse um Ouro.”

“Certo.” Faço as minhas anotações, sentindo que existe algo além


aqui, mas ela não parece disposta a dizer mais. Fechando meu
caderno, encontro os olhos dela do outro lado da mesa. “Bom, se
você acha que existe alguma coisa que vale a pena mencionar, me
avise. Nós não precisamos conhecer todo o seu histórico de
relacionamentos, mas também não quero deixar você em uma
posição constrangedora com alguém que já conheceu e de quem
não gostou.”

“Obrigada.” Ela assente com a cabeça, mas sem deixar de me


encarar.

Sentindo uma necessidade de fazer alguma coisa diante daquele


escrutínio, eu me sento mais para a frente no sofá e estendo a mão
para servir um copo d’água para cada um de nós da jarra deixada na
mesa de centro. “Tem alguma coisa que você queira discutir?”,
pergunto.

“Não consigo sacar você.”

“O que você gostaria de saber?”

“Qual é a sua história?” Ela leva um dedo pensativamente aos lábios


cheios. “O site da North Star não diz muita coisa. No Google não tem
muita coisa sobre você. Só sei que você fazia documentários e foi
criado como um jovem pirata no norte da Inglaterra.”

Eu dou risada ao me lembrar da nossa primeira conversa.


“Blackpool.

Isso mesmo. Precisei sair do ramo da pirataria e da pilhagem aos


quinze anos, quando meu pai americano me trouxe para os Estados
Unidos.”

“Aos quinze anos.” Ela faz uma careta. “Que dureza.”

Foi mesmo, mas não vejo por que nos estendermos sobre isso.

“Estudei cinema na USC e acabei aqui. E, sim, até recentemente eu


fazia documentários. Sobre mudanças climáticas oceânicas, fauna
marinha, essas coisas.”

“Estudou cinema na USC e acabou em uma pequena produtora em


San Diego”, ela comenta. “Ou você não é muito bom no que faz, ou
tem um motivo pessoal para estar aqui. Parece uma questão
importante se vamos trabalhar juntos.”

Eu abro um sorriso e me recuso a aceitar a provocação. “Eu tinha


um ótimo cargo na Sony, em LA. Me mudei pra cá porque minha ex-
mulher arrumou um emprego, e eu queria ficar mais perto da nossa
filha.”
Sua expressão muda — se ameniza —, e ela pega o copo d’água
sobre a mesa. “Por que você concordou em fazer esse programa? De
mudanças climáticas oceânicas para um reality show de namoro?
Não é uma transição das mais naturais.”

“Eu fui incumbido dessa produção.”

“Então está sendo obrigado a fazer o programa.”

Decido ser sincero. Nós mal nos conhecemos, mas já percebi que
não quero que essa mulher me pegue mentindo. “Realmente, não
teria sido a minha primeira escolha.”

“E você está pelo menos um pouco empolgado com esse trabalho?”

Pego a minha água e dou um gole enquanto formulo uma resposta


que seja ao mesmo tempo sincera e animadora: “Vamos dizer o
seguinte: estou realmente feliz por você ter topado”.

Isso a faz abrir um sorriso enorme e radiante. “Disso eu sei. Você


aceitou todas as minhas exigências absurdas.”

“Se você acha que são absurdas”, respondo, colocando o copo de


novo sobre a mesa, “por que fez essas exigências?”

“Porque são engraçadas. Vão deixar o programa diferente.

Engraçado. Todo mundo precisa rir um pouco.” Disso eu não


discordo.

“Na reunião anterior você disse que um dos motivos pra me convidar
era nosso público-alvo, que é praticamente o mesmo. Me fala um
pouco mais sobre isso.”

“Mais ou menos oitenta por cento das pessoas que assistem a


programas de namoro se identificam como mulheres entre dezoito e
cinquenta e cinco anos, mas metade delas tem por volta de
quarenta e cinco. É um perfil parecido com o das leitoras de livros
de romance. As histórias românticas são responsáveis por um terço
das vendas de ficção, e mais ou menos quarenta por cento desse
mercado é composto por mulheres com mais de quarenta e cinco
anos, o que significa que nada menos que doze por cento dos livros
de ficção são comprados por mulheres com mais de quarenta e
cinco anos que consomem romances.” Faço uma pausa, me
perguntando o que mais ela poderia querer que eu dissesse. “Esse
não é o público-alvo dos meus trabalhos anteriores, mas estou aqui
para aprender.”

O olhar de Fizzy tem uma intensidade que só vi antes nos executivos


mais poderosos de Hollywood. “E o que isso significa?”

Ela não está sendo grosseira, mas não gosto de ficar na defensiva,
de ter que tomar cuidado com o que falo porque ainda não temos
um contrato assinado, e preciso disso antes do fim desta reunião.
Depois de analisar as ideias de Fizzy, Blaine me deu dois meses de
pré-produção e cinco semanas de filmagens, com episódios
finalizados indo ao ar ao fim de cada semana. Isso significa um
trabalho insano de edição a cada poucos dias. Nunca encarei esse
tipo de pressão antes. Já perdemos muito tempo esperando as
exigências dela e esperando a aprovação do nosso departamento
jurídico. Não tenho mais prazo para recomeçar do zero.

“Significa que estou me dedicando a estudar esse público-alvo como


faria com qualquer outro”, digo a ela. “Com pesquisa de mercado.
Nesse caso, estudando as outras coisas que esse grupo de pessoas
faz em seu tempo livre.”

Ela segura um risinho, e eu me recosto no assento, respirando fundo


e me preparando para o que vem pela frente. “Me pergunte o que
você realmente quer saber, Fizzy.”

“Eu não quero fazer parte disso se a única pesquisa que você faz é
ler relatórios da Nielsen. Os seus documentários ajudaram a me
convencer da sua seriedade, mas por que você? Por que isso? Por
que você nisso?”

“Ao que parece, a produtora está em um momento de transição.” Eu


encolho os ombros, decidindo pela transparência. “Somos uma
empresa pequena. Não tem muita gente trabalhando aqui.
Provavelmente foi por isso que me escolheram.”

“Você leu alguma coisa que eu escrevi ou me convidou porque viu


alguns livros meus na prateleira da sua ex-mulher?”

“Eu estou acabando de ler Parzinho básico. É divertido, sexy, criativo


e…” Eu me interrompo, tentando encontrar uma palavra que parecia
estar na ponta da língua. Comecei a ler porque Nat me aconselhou,
para entender por que ela gosta tanto de livros de romance, para
tentar captar o motivo de Fizzy ter um público leitor tão grande. Se
eu conseguir entender isso, pensei, vou conseguir encontrar a
essência de que precisamos para fazer desse programa um sucesso.

“E?”, Fizzy insiste, com um ar de sarcasmo, como se estivesse à


espera de um insulto para concluir a minha lista.

“Alegre.” Isso me sai naturalmente. “Sua escrita transmite muita


alegria.”

Percebo que toquei em um ponto importante. Ela se inclina para a


frente, parecendo mais satisfeita. “Pois é. Agora estamos chegando
a algum lugar. Um romance romântico é uma forma de alegria. E o
que traz alegria pra você?”

“Minha filha. Meu trabalho em geral.” Eu procuro alguma coisa mais


ampla, mas conversar com uma escritora de sucesso sobre alegria e
coisas significativas me dá a sensação de que a minha vida é uma
rotina sem fim. “Futebol. Pedalar na montanha. Praticar esportes.”

Enquanto digo essas coisas, entendo o motivo da pergunta: na


prática, nada disso me qualifica para falar especificamente com esse
público. É verdade que, além do tempo que passo com Stevie, nada
mais na minha vida me traz alegria. A maior parte do que faço,
percebo agora, é só uma forma de passar o tempo quando estou
sozinho e não envolve buscar uma conexão significativa.

Penso no capítulo do livro de Fizzy que li ontem à noite. Era uma


cena de amor em que a heroína romântica acabava admitindo que
estava assustada com a rapidez com que as coisas estavam
acontecendo. Não que esse tipo de conflito seja inovador, mas foi
escrito demonstrando tamanha vulnerabilidade e autoconsciência,
depois da cena de sexo mais quente que já li na vida, que me deixou
pensativo a noite inteira.

Fizzy é seu alter ego, sua face brincalhona e sarcástica, mas estou
começando a ver que Felicity Chen é inteligentíssima — brilhante,
aliás, sem dúvida — e preciso oferecer a ela mais do que um sorriso
confiante e respostas comedidas. Ela sabe como ler as pessoas e, no
momento, precisa ser convencida de que não vai trabalhar com um
estereótipo bidimensional da indústria do entretenimento de
Hollywood.

“Sei que pareço ser um tédio.” Eu dou risada. “Ler seu livro me fez
tomar consciência da banalidade estéril que se tornou a minha vida.

Sou um pouco workaholic”, admito, escolhendo as palavras, porque


raramente converso sobre coisas pessoais com desconhecidos, e
nunca com colegas de trabalho. “Mas não sou um ególatra. Convidei
você porque sei da sua conexão — literal e figurativa — com esse
público.

Quero que esse trabalho seja um sucesso.”

“Eu também quero.” A postura de Fizzy relaxa, e ela se recosta no


assento. “Escuta só, Papai Gostosão. Eu preciso confessar uma
coisa.
Sou muito amiga de uma pessoa envolvida no desenvolvimento da
tecnologia do DNADuo. Ele não ficou muito contente com a ideia
desse programa, mas, pela maneira como o negócio foi estruturado,
não tem nenhum poder de veto em relação ao seu uso pela mídia.”

“Isso vai ser um problema?”, pergunto, ignorando por ora que ela
acabou de me chamar de Papai Gostosão e o fato de que até
algumas semanas atrás eu teria me espantado com esses termos.

“Não. Mas esse programa precisa ser inteligente. Precisa ser


interessante. Precisa ser irreverente. Precisa ser sexy, e real, e
cativante.”

“Concordo.”

Um indício de vulnerabilidade transparece nas palavras que ela diz a


seguir: “O problema é que, apesar de ter acabado de interrogar
você, sou obrigada a admitir que não sei nem se eu sou a pessoa
certa pra fazer isso”.

Ah.

A sensação de poder que sua postura transmite, o brilho em seus


olhos — tudo isso tinha diminuído sem que eu me desse conta.
Repasso aquelas palavras na minha mente. “Eu entendo
perfeitamente que você queira fazer um bom uso dessa tecnologia,
considerando sua relação pessoal com os criadores, e jamais jogaria
nas suas costas toda a responsabilidade pelo sucesso do programa.
Mas, pelo pouquinho que te conheço, sei que você vai agradar em
cheio aos espectadores. Você tem essa qualidade mágica que é uma
coisa rara, Fizzy. Com certeza você sabe disso — é algo que está na
sua escrita, e está na sua forma de se comunicar com as pessoas
também.”

“Bom, obrigada. Mas não.” Ela leva as mãos aos olhos. “Eu já fui
divertida. Tinha sempre um milhão de ideias. Era espontânea, e
brincalhona, e sexy, e inspirada. Só que não me sinto nada disso há
um tempão.”

Minha pulsação desacelera e, em seguida, dispara como um foguete


pela minha garganta. “Sei… E o que você quer dizer com isso?”

Eu realmente fiz todo esse esforço para ela desistir na última hora?

“Alegria”, ela diz, ainda escondida atrás das mãos, que em seguida
põe sobre o colo.

“Quê?”

Fizzy respira fundo e solta o ar bem devagar. “Eu assino esse


contrato que está na sua mesa com uma única condição.”

“Qual?”

“Nos dois meses que temos antes do início das filmagens, nós dois
vamos sair deste escritório, manter distância dos nossos
computadores e redescobrir a nossa alegria.”

Dez

FIZZY

Por enquanto, nem sombra de alegria. Pego uma blusa listrada em


preto e cinza e a atiro com um gesto um tanto raivoso na montanha
de roupas que está se formando sobre a minha cama.

“Eu devo estar maluca.” Estou indo à minha primeira sessão de


autógrafos em meses. Não estou me sentindo eu mesma, estou com
medo de que os meus talentos tenham me abandonado de vez, vou
ter que encarar minhas leitoras e parecer feliz e animada com o meu
próximo (e inexistente) livro o máximo que puder, e, em um
momento de fraqueza, convidei o Papai Gostosão Britânico para uma
busca impulsiva por alegria. Como se fôssemos bons amigos.
“Deus do céu. Me diz por que eu fui falar pra esse executivo de tevê
vir me buscar pra essa noite de autógrafos se eu poderia muito bem
ir com o meu próprio carro.”

Na porta do meu quarto, minha irmã mais nova põe mais um


punhado de batata chips na boca e mastiga ruidosamente antes de
responder. “Porque você vive entrando em disputas de poder com os
homens pra não parecer vulnerável?”

“Uau, obrigada, Alice.” Pego um vestido preto com mangas


transparentes no meu closet.

“Eu tô errada?”

Minha resposta sai abafada enquanto eu luto para entrar no vestido.

“Não.”

“Ah, e a Amaya ligou de novo enquanto você tava no banho.”

Fazendo uma careta, me preparo para o pior. “Você atendeu?”

“Claro que não. Eu é que não quero ouvir gritos na minha orelha.”

Entro de novo no closet para procurar um sapato. “Ela não foi contra
a minha participação no programa, e nós conseguimos um
adiamento do prazo de entrega do livro novo, mas preciso montar
um cronograma de escrita mais concreto, e ainda não sei como fazer
isso.”

“Sério mesmo que você vai fazer esse negócio de reality show?”,
Alice pergunta, tentando fingir um tom casual. Minha irmã grávida e
supercompetente foi orientada a pegar mais leve no trabalho e já
está mais do que entediada. É por isso que está me seguindo pela
minha casa em vez de relaxar com os pés para cima na dela. E
desconfio que ela está menos interessada no sucesso desse
programa do que no fato de que vai ser a maior oportunidade de
xeretar de sua vida.

“Eu assinei o contrato, então sim.”

“A mamãe e o papai sabem que…”

Eu saio do closet a tempo de interrompê-la. “Não, e pode deixar que


eu conto.”

Sinto minhas entranhas se contraírem só de pensar nessa conversa.

Trinta e sete anos e ainda com medo de decepcionar os pais. Eles


vieram de Hong Kong no início dos anos 1980, então obviamente já
viveram tempo suficiente nos Estados Unidos para se sentir à
vontade com boa parte dos valores ocidentais. Mas, considerando
que minha mãe ainda acha que meus romances são apenas um
ensaio para uma obra-prima literária que tem certeza de que ainda
vou produzir, na verdade não imagino como ela vai reagir à notícia
de que vou sair com oito homens num reality show. Apontando para
a cama, digo para Alice:

“Você prometeu que ia relaxar”.

Ela encontra uma parte do colchão sem nada em cima e se


acomoda.

“O papai não vai estar no evento de hoje?”

Eu interrompo minha luta para encontrar o puxador do zíper, que me


faz lembrar que é por isso que não uso este vestido há tanto tempo.
“Ai, é verdade.”

“Então deixa o tal produtor contar pra ele”, ela sugere. “E ele que
conte pra mamãe.”
Ninguém seria capaz de prever que um homem cuja única
orientação sexual que deu para as filhas adolescentes foi, enquanto
estávamos lavando a louça certa noite, colocar uma mão no ombro
de cada uma e dizer, todo constrangido, “sua virgindade é sagrada”,
algum dia seria o pai orgulhosíssimo de uma autora de livros de
romance dos mais picantes. Ele se aposentou dois anos atrás e —
assim como Alice com sua orientação do médico para pegar leve —
imediatamente ficou entediado até os ossos. Workaholic que era, em
vez de passar setenta horas semanais em seu laboratório no
instituto Scripps, meu pai agora

passa o tempo lendo três livros por semana, caminhando um total


de quase cinquenta quilômetros, ajudando Peter, meu irmão mais
novo, a restaurar seu Karmann Ghia antigo, jogando xadrez com os
amigos e mantendo o jardim de sua casa impecável. Isso sem falar
nos deslocamentos até a casa de Alice para entregar os chás de
gravidez que minha mãe descobre na feira, e a qualquer um dos três
filhos para levar refeições que sua mulher decide preparar quando
entra em um frenesi culinário.

Meu pai também é uma figura querida em todas as minhas sessões


de autógrafo no sudoeste americano. As leitoras adoram tirar fotos
com ele e pedir que assine os livros também. Algumas imagens em
que ele finge ler O desejo mais obscuro do pirata ou Trabalho
obsceno em alto-mar chegaram a viralizar na internet.

Portanto, a ideia de Alice faz sentido: apresentar meu pai ao


Britânico Gostosão, deixar que ele venda seu peixe e que a minha
mãe receba a informação da boca do marido. Bum, genial.

“Me conta mais sobre esse cara”, Alice pede, me vendo pelejar com
o zíper quebrado. “Como ele é?”

“Alto.” Tento pensar em mais detalhes. “Hã. Cabelo escuro. Bem-


vestido.”

“Estou perguntando se ele é legal”, ela diz, aos risos.


“Hã, acho que sim…”

“Ele está empolgado com o programa?”

“Não é o que parece.”

“Quanto tempo vão durar as filmagens”, ela pergunta.

“Cinco ou seis semanas, e depois eu escolho com quem quero fazer


uma viagem para algum lugar caríssimo no final.”

“Ai, meu Deus, e o casamento do Peter? Você vai conseguir ir?”

Nosso irmão mais novo vai se casar em algumas semanas, e ao que


tudo indica vai ser um grande circo de opulência com um dos
cardápios mais absurdos que já vi na vida. Sendo da família ou não,
eu não perderia um jantar de oito pratos por nada.

“Eu vou estar lá, ah mui. Esse negócio não vai interferir em nada
disso.”

Paro diante do espelho para uma avaliação rápida. O vestido está


ótimo — dá uma boa levantada nos peitos e é confortável. Mas o
problema não é exatamente a roupa. É saber que se trata da minha

primeira aparição pública em seis meses, que preciso encarar


minhas leitoras e sorrir e fingir que está tudo bem e que o
lançamento do próximo livro está logo ali, e que o tal produtor vai
ver tudo isso, e que foi minha ideia pedir para ele me levar.

Foi estranho eu ter feito isso. Ele vai vir à minha casa. Eu preciso
convidá-lo para entrar? Não é necessário, né? Faz séculos que
alguém que não seja Jess, Juno ou um parente põe os pés aqui.

“Mui mui, a minha casa parece a de alguém que deixa o gato subir
em cima das bancadas da cozinha?”

Alice se senta na cama. “Você tem um gato agora?”


“Estou falando sobre a vibe do lugar.”

“Hã… não?” Alice volta a deitar sobre as almofadas decorativas e a


comer suas batatinhas. “Mas nós podemos conversar sobre esse
programa? Como é essa coisa?”

“Eu vou sair com uns caras que eles escolheram usando a tecnologia
do DNADuo, e os espectadores vão votar para decidir com quem eu
sou mais compatível… Quer parar de comer isso na minha cama?”

Ela me ignora e pega mais algumas, falando de boca cheia. “Mas por
que você precisa participar de um programa de namoro?”

“Eu não preciso. É que…” Eu me interrompo, sem saber como


explicar para a mulher mais competente que conheço que estou
empacada com a minha escrita e com a minha vida sexual, e que a
minha única certeza na vida é que amo as minhas leitoras, a minha
família e os meus amigos, e que fazer esse programa é uma forma
de lidar com duas dessas questões. Eu sou como a biruta de vento
em uma família de bússolas hipermodernas.

Minha irmã e sua linda barriga de grávida me seguem até a cozinha,


onde abro o pesadelo que é a minha gaveta de tralhas velhas para
encontrar um alfinete com o qual consiga puxar o zíper quebrado.
Vejo o canto reluzente de uma embalagem lacrada de camisinha e a
puxo de baixo de uma avalanche de clipes de papel e lápis
quebrados.

Esse momento parece uma metáfora perfeita.

“Você guarda camisinha na sua gaveta de tralhas velhas?”

“Repete essa pergunta e presta atenção na ironia”, eu respondo.

Ela dá uma risadinha atrás de mim, e me sinto invadida por uma


onda de orgulho. A vida de Alice nunca saiu dos trilhos, nem por um
segundo. Aos quinze anos, ela fez uma lista de realizações que
incluía objetivos, idades e às vezes até locais específicos.

… Entrar em Stanford aos dezoito, formatura aos vinte e dois, depois


medicina na Johns Hopkins, residência médica em San Diego,
casamento aos trinta, primeiro filho aos trinta e cinco…

Por enquanto todos os itens foram cumpridos à risca, menos


madrinha de casamento de Fizzy aos vinte e oito. (Ela riscou esse
com um marcador permanente preto alguns anos atrás, e nós
comemoramos a chegada do meu livro à lista de best-sellers do New
York Times em vez disso.) Mas a gravidez não tem sido uma de suas
melhores experiências, e me pergunto se ela não está se sentindo
um pouco como eu neste momento, diante de um futuro de uma
complexidade imprevisível, cheio de pontos cegos e incertezas
assustadoras.

“Você já se sentiu meio perdida na vida?”

Ela aponta para o barrigão de gestante. “Essa criança ainda nem


chegou, e não lembro mais quem eu era seis meses atrás. Sério
mesmo que eu corria todo dia de manhã? Por diversão?”

“Eu ando meio sem rumo ultimamente”, admito, e com certeza é


estranho para ela ouvir isso. “Acho que esse programa pode ser uma
forma de voltar a me encontrar. Mesmo que seja um fiasco
gigantesco, pelo menos é uma coisa diferente.”

“Eu te entendo”, ela diz, pensativa. “Ando sonhando com saltos de


paraquedas ultimamente.”

“Você?”

Ela assente com a cabeça. “Às vezes eu salto em cima de um mar de


Oreos. Na noite passada foi cerveja.”
Isso me faz rir, e eu me viro para envolvê-la com os braços. “Me diz
que eu não estou cometendo um grande erro.”

“Não está, não. Na verdade, eu escrevi isso na minha lista, sabia?

Fizzy participa de um reality show maluco de namoro aos trinta e


sete e se diverte como nunca.”

Onze

FIZZY

Uma vantagem inesperada de levar um Papai Gostosão para a minha


primeira sessão de autógrafo em vários meses é que as leitoras
ficam bem menos preocupadas em saber quando meu próximo livro
vai ser publicado e muito mais interessadas em saber quem é aquele
homem enorme me rondando. Percebo alguns murmúrios e olhares
na parte de perguntas da plateia do evento, mas, quando os livros
começam a ser assinados, todo mundo na fila só quer saber de
tentar entender quem é o bonitão de quase dois metros de altura
que está conversando com meu pai.

Sei disso porque todos os pescoços estão se virando na direção dele


enquanto a fila vai serpenteando em meio às prateleiras da livraria.

Várias pessoas chegaram inclusive a me perguntar. Minhas


respostam foram desde “É o meu guarda-costas” até “É o meu noivo
por correspondência”.

Mas eu entendo, sério mesmo. A visão do Papai Gostosão Casual


que bateu na minha porta hoje mais cedo me pegou de surpresa
também.

Não era o mesmo cara de camisa engomada e escritório


arrumadinho.
Essa versão do Britânico Gostosão está mais para lenhador
gostosão, com uma camisa de flanela ligeiramente desbotada, jeans
gastos e tênis nos pés, um detalhe muito apreciado. Os cabelos
estão caídos sobre a testa; os olhos parecem inacreditavelmente
radiantes para alguém que está parado em um canto de uma livraria
sem fazer nada. Em Para viagem, eu descrevi os olhos do herói
romântico, Jack Sparling, dessa maneira — “iluminados de dentro
para fora”, acho que foi isso —, mas nunca tinha visto algo assim
pessoalmente.

A não ser quando…

Minha mente é empurrada de volta para o passado e cai no


momento com Jess, alguns meses atrás no bar, quando olhei para o
outro lado do salão e o meu olhar cruzou com um cara de terno,
cabelos bagunçados,

um queixo com ângulos bem marcados. Ele me olhava como se


quisesse me pegar no corredor e me comer até o mês seguinte.

Será possível que é o mesmo cara? Não acredito que havia tudo isso
escondido debaixo daquela maçaroca de cabelo empastado de gel,
sorriso de comercial de pasta de dentes e terno preto impecável.

Olho para o meu colo, querendo que essa sensação dure um pouco
mais. Mas ela passa, e estou de volta ao presente, com uma leitora
me perguntando se está tudo bem.

“São gases”, digo com um sorriso, e ela dá aquela risada típica de


Ah, Fizzy, e pega seus livros autografados. Mas ainda estou sentindo
o eco do interesse na parte inferior do meu corpo. Esse arrepiozinho
no meio das pernas foi porque eu estava pensando em Jack
Sparling? Algumas das cenas de sexo mais divertidas que já escrevi
foram mesmo com ele, aquele safado, sem-vergonha.

Ou será que foi… por causa dele? Intrigada, olho para Connor mais
uma vez.
Ele está tão entretido com o meu pai que mal parece perceber que a
minha salivação mental está voltada na sua direção. Eu sabia que
ele se daria bem com o intrépido dr. Ming Chen. Meu pai é um
homem inegavelmente carismático com um milhão de histórias para
contar em qualquer situação e com a risada mais contagiante que
alguém pode ouvir na vida — é meio que uma gargalhada que vem
da barriga e, sendo bem sincera, deveria ser gravada e registrada
com a marca Felicidade©. Mas o que me surpreende é quanto
Connor está falando.

Não vejo meu pai em um arroubo poético, contando piadas nem


precisando conduzir a conversa. Quando dou umas espiadas rápidas
e furtivas, vejo Connor tagarelando na maior parte do tempo e meu
pai caindo na risada. É quase como se Connor tivesse histórias para
contar.

Quase como se ele fosse… interessante.

Ele também está sorrindo, e a forma como isso acentua as linhas de


expressão ao redor dos seus olhos e ameniza os ângulos do seu
rosto faz o arrepiozinho subir para mais perto do meu peito também.

Mas a palpitação no coração é abafada por uma frieza que, por


reflexo, se espalha pela minha pele, em uma mistura de pânico e
choque. Espera aí, meu cérebro interrompe. Eu não quero gostar
dele.

“Quem é aquele cara ali com o papai Chen?”, uma leitora pergunta,
colocando uma considerável pilha de livros sobre a mesa. Uma
rápida

olhada me diz que os únicos que faltam são os da série Alto Mar,
que, eu reconheço, é cheio de piratas fantasticamente obscenos, e é
uma verdade universalmente reconhecida que piratas não são para
qualquer gosto. Eu consigo entender o lado dela.
“É o namoradinho novo do meu pai”, respondo, o que me rende
outra risada de Ah, Fizzy, ainda mais porque é bem esse momento
que o meu pai escolhe para vir me dar um beijo e dizer que está
indo para casa.

Está na cara que me ouviu falar que ele tem um namorado novo, e
sabe que é melhor ignorar isso. Depois de receber aplausos
entusiasmados, ele sai da livraria.

“Falando sério, quem é ele?”, a leitora insiste, se inclinando para que


eu possa fazer uma confissão sussurrada.

Nós ainda não fizemos nenhum anúncio sobre o programa, então


não posso ser muito específica. Mas só falar que é um amigo geraria
muito burburinho.

“Ele é da equipe da editora.” Encolho os ombros, sabendo que ela


queria uma resposta mais suculenta. Durante o tempo que levo para
autografar a pilha de livros, tenho a oportunidade perfeita de
superar meu momento de argh, sentimentos.

Isso é bom, na verdade, tento me convencer, enquanto faço minha


assinatura cheia de floreios. A questão aqui não são os sentimentos!

Você está vivenciando um redespertar da Fizzgina, e já estava na


hora.

Você precisa voltar a sentir esses arrepiozinhos se quiser ter algum


sucesso com esse programa. Precisa disso se quiser ter a esperança
de escrever um livro de romance de novo! Tudo bem reconhecer que
Connor é bonitão. O fato de reconhecer isso significa que está um
passo mais perto de voltar a ser a Fizzy de sempre!

O estímulo mental funciona. Quando devolvo a pilha de livros, sinto


o brilho de um sorriso sincero no rosto.
Quando o número de pessoas presentes diminui, volto a encontrar
Connor, sozinho na seção de livros de terror, com uma expressão de
fascínio enquanto folheia um livro de capa dura. Parece prestes a
lamber a página.

“Vamos precisar fazer um teste de compatibilidade de DNA entre


você e essa edição especial de Salem?”

“Eu não sabia que isso tinha sido lançado”, ele responde, passando
um dedo comprido pela lombada. “Esse foi um dos primeiros livros
que me lembro de não conseguir largar. Essa edição é maravilhosa.”

Por que é tão sexy quando ele diz maravilhosa desse jeito? Como se
estivesse olhando para uma amante, encantado? Eu esperava
encontrar mais de perto alguma coisa que fizesse a atratividade
diminuir — pele maltratada, cheiro esquisito, dentes amarelados que
por algum motivo deixei passar —, mas, para a minha irritação, nada
disso é verdade. Ele tem cheiro de homem gostoso com um vestígio
do desodorante que está usando, seja qual for. Aposto que se chama
Ice Zone ou Sports Hero ou Silver Blade, e me sinto enojada comigo
mesma por ter gostado. Não consigo nem mais ver o arquétipo do
Executivo Milionário Gostosão em Connor. Ele é pura gentileza e
músculos. Lenhador Gentil é o novo nome dele. Por que colocar uma
gota de gel nesses cabelos? Eu deveria fazer um favor à humanidade
e fingir que o conheço bem o suficiente para dar uns conselhos
sobre estilo para ele.

Só por diversão, fico me perguntando se, em uma escala de Vai


fundo, garota, a Só se você nunca mais quiser arrumar trabalho de
novo, seria tão ruim assim se eu fosse para a cama com o produtor
do meu reality show de namoro. Para voltar à velha forma, essas
coisas.

Fechando os olhos com força, faço uma reformatação mental. Fico


feliz em ver a velha Fizzy colocando a cabeça para fora da toca de
novo, mas ela é mandona e até eu sei que transar com Connor
Prince III seria não só catastrófico em termos profissionais, mas
provavelmente uma experiência surpreendentemente medíocre. Só
pode ser, né? Essa vibe de lenhador gostosão de hoje é uma coisa
inédita, mas os ternos e o cabelo de Lego estão lá no dia a dia.
Minha primeira trepada depois de um período de seca deveria me
deixar mancando e em período de recuperação por um fim de
semana inteiro, com uma garrafa tamanho família de Gatorade e os
filmes da Nancy Meyers como companhia.

“Por que você está me olhando assim?”

“Assim como?”, pergunto, imediatamente mudando a minha


expressão, fosse qual fosse, e abrindo um sorriso tranquilo.

Ele franze a testa e percorre rapidamente o meu rosto com os olhos


à procura do que tinha visto um instante atrás. “Esquece.”

É hora de redirecionar a conversa: “Se divertiu hoje?”.

“Sim”, ele admite. “Você é divertida. Suas leitoras são muito


animadas. Dá pra ver que gostam de você de verdade.”

Ele tem razão, e, olhando para trás, fico irritada comigo mesma por
ter me sentido tão apreensiva antes de vir. Mãos suadas, respostas
estridentes demais para as perguntas que ele fez por educação no
carro, exagerando nas explicações enquanto entrávamos na livraria.

Connor estava calmo e à vontade ao meu lado, uma presença


estável e impassível contrastando com o meu estresse agitado. Mas,
assim que a livraria ficou lotada, minha pulsação desacelerou e me
senti em casa.

“As leitoras de livros de romance são o meu tipo de pessoa favorito


no mundo.” Eu sorrio para ele. “Dá pra ver quanto elas amam as
coisas que amam. Elas demonstram isso — é segunda-feira, e veja
só quanta gente resolveu sair de casa, encarar o trânsito, talvez
tendo que pagar alguém pra ficar com os filhos, só pra vir aqui?”
Faço um gesto ao meu redor, com a livraria agora vazia. “Tinha de
tudo aqui hoje. Donas de casa, advogadas, freelancers, cientistas,
aposentadas, estudantes.”

Ele solta um assobio, olhando para o caixa como se tivesse se


lembrado de alguma coisa. “Eu vi uma pessoa com dois exemplares
de cada livro seu.”

“E eu já tinha assinado todos três vezes antes, mas ela continua


aparecendo em todos os eventos locais pra dar um oi e pegar mais
um autógrafo.”

“Ela não comprou nenhum livro?”

“Ela comprou um livro hoje, mas não um dos meus.” Ao ver sua
expressão de surpresa, eu acrescento: “As fangirls marcam
presença, Connor. Elas são fiéis.”

Ele assente, enquanto me observa. “Deu pra ver.”

Com um sorriso, digo: “Que bom que você interrompeu por um


tempinho o seu flerte com o meu pai pra estudar o público-alvo do
programa.”

O nível de animação de Connor parece subir um pouquinho. “Pois é,


mas foi difícil. Seu pai é formidável.”

“Literalmente o ser humano mais fofo que já existiu no mundo.”

“Aliás, eu não sabia que você ainda não tinha contado pra ele sobre
o programa. Espero não ter criado um constrangimento entre você e
os seus pais.”

“Não, na verdade eu estava usando você como escudo mesmo.”

Ele me lança um olhar de falsa reprimenda que me agrada mais do


que deveria. “Ele gostou da ideia”, Connor conta. “Mas já avisou que
não vai contar pra sua mãe.”

“Merda.”

Connor dá risada. “Precisamos arrumar um jeito de trazer ele.”

Um calafrio se espalha pelos meus braços. “Para… para o programa


de namoro? Meu pai?”

Ele assente com a cabeça, pensativo. “Visitas à família com os


finalistas, talvez.”

Meu estômago se revira. “Ei, isso…” Estou prestes a dizer isso é


assustador, porque a ideia de submeter vários homens ao escrutínio
da minha mãe me dá vontade de me jogar embaixo de um ônibus.
Mas, pela primeira vez desde que começamos a conversar sobre
isso, existe um brilho nos olhos de Connor que parece autêntico e,
se passar um tempo com meu pai fez isso com ele, eu é que não
vou jogar o balde de água fria. “Que ótima ideia”, respondo com um
sorriso amarelo.

Connor ri. “Não se preocupe, nós vamos pensar em alguma coisa.


No momento, estamos só especulando um monte de ideias pra ver o
que pode dar certo.”

A adrenalina parece se dissipar toda de uma vez na minha corrente


sanguínea, então eu me encosto em uma prateleira, soltando o ar
devagar. Sessões de autógrafo são um paradoxo: a mais energizante
e gratificante das experiências, mas também a mais exaustiva.
Quero que todo mundo que vem até a mesa se sinta a pessoa mais
importante na minha vida porque, por esses poucos minutos, elas
são. Mas manter esse nível de energia pode ser cansativo. E o
estresse de não saber se algum dia vou lançar um livro novo só
colabora para me deixar acabada.

E morrendo de fome.
Levo as mãos aos olhos e sinto a aproximação dele. “Está tudo
bem?”

Respirando fundo para me recompor, eu… Puta merda. Eu realmente


gosto muito do cheiro desse desodorante Ice Zone Sports Hero
Silver Blade.

“Tudo ótimo.” Quando abaixo as mãos, umas luzinhas começam a


piscar na periferia do meu campo de visão. O único sinal de
adrenalina que resta é o que sinto quando olho bem para ele, todo
altão, lenhador e com aqueles olhos reluzentes. “Mas prestes a ficar
ainda melhor.”

Penso comigo mesma para não parecer interessada demais quando


ele levanta uma sobrancelha e diz: “Fale mais sobre isso”.

“Se você confia em mim, vamos nessa.”

Doze

CONNOR

Tenho a forte impressão de que o tipo de instruções que Fizzy passa


são aquelas que avisamos para as crianças não seguirem
cegamente: confie em mim, assine aqui, coma isto. Mesmo assim,
aqui estou eu, saindo com ela da livraria e entrando no carro, com o
qual ela vai me levando na direção sul até um lugar que vende taco
em San Ysidro, bem na fronteira com o México.

Num estacionamento qualquer na frente de um edifício qualquer, ela


desce, se alonga, soltando um gemido de alegria, e abre um sorriso
malicioso para mim. “Está pronto para ter uma experiência que vai
mudar a sua vida?”

“Hã… sim?”
Enquanto a vejo andando tranquilamente na direção do edifício em
seu vestido preto e sapatos de salto, sinto algo avassalador nela. Em
termos objetivos, Fizzy é uma mulher miudinha, mas tem a
habilidade de marcar sua presença como eu nunca fui capaz de
aprender a fazer.

Sempre fui mais alto que os outros garotos da minha idade, mas,
por ter sido criado só pela minha mãe, sentia medo de parecer
impositivo demais em qualquer sentido. Era uma tendência minha
que deixava meu pai maluco nas raras ocasiões em que ele vinha
me visitar. Ele vivia me dando sermões sobre entrar nos lugares
como se fosse o dono do pedaço, sobre a importância de não passar
despercebido. Quando eu fiz catorze anos, já tinha bem mais de um
metro e oitenta e a questão de não passar despercebido deixou de
fazer sentido, ele resolveu começar a criticar outras coisas: minha
falta de ambição, meu respeito absoluto pelos outros, meu lado
protetor em relação à minha mãe. Mais tarde, foi minha carreira,
meu casamento às pressas, meu emprego.

Só que, por mais que meu pai seja cansativo, tenho quase certeza
de que a admiração por Fizzy seria uma das poucas coisas que
poderíamos ter em comum.

“Eu vou fazer nossos pedidos”, ela avisa, falando por cima do ombro.

“Vou levar alegria à sua boca, Lenhador Sexy. Confie em mim.”

“É uma situação que pede confiança?”

Ela ignora meu comentário e, enquanto vai fazer nosso pedido, eu


olho para as minhas roupas. Passei de Britânico para Papai Gostosão
e, agora, para Lenhador Sexy. Não sei ao certo se essa transição de
apelidos sinaliza uma boa decisão em termos de visual, mas me
troquei três vezes antes de ir buscá-la hoje, o que levou Stevie a me
perguntar se eu tinha um encontro.
Não é um encontro. Lógico que não. Mas essa proximidade com
Fizzy me faz querer impressioná-la como se fosse.

Enquanto ela pede, escuto as palavras lengua, cabeza, buche e tripa


e me dou conta de que vou comer coisas que nunca coloquei na
boca antes. Com um saco de papel bem cheio em uma das mãos e
uma bandeja de papelão com dois copos na outra — além de um
leve aceno de cabeça me dizendo mais uma vez para confiar nela —,
voltamos para o carro e rodamos alguns minutos por uma estradinha
que nos leva até uma área de reserva de vida selvagem à beira-mar.

Na mesa de metal desgastada com vista para uma praia vazia, Fizzy
abre o saco e vai tirando uma variedade enorme de tacos. “Pode
escolher.” Ela aponta para cada um para descrever o recheio — vai
de carne com cacto e barriga de porco a tripas, cabeça e língua de
vaca.

Quando dou a primeira mordida no de barriga de porco, ela me


observa cheia de expectativa, esperando uma reação.

Soltando um grunhido involuntário baixinho, sinto os meus olhos se


fecharem. O gosto inconfundível do queijo cotija e do limão, com
pedaços crocantes de carne e uma tortilha caseira e macia — esse é
de longe o melhor taco que já comi na vida.

Meus sentidos demoram um pouco para se reajustarem, e percebo


que ela ainda está me olhando.

“Gostou?”, ela pergunta, abrindo um sorriso de alegria.

“Bom pra caramba.” Eu limpo a boca. “Você vai ficar só olhando?”

Fizzy desvia os olhos para a seleção diante de si, escolhendo o que


tem a língua. “Eu gostei de ver você assim. Fora daquele escritório,
sem aquele terno. Essa é uma vibe bem melhor.” Ela aponta para as
minhas roupas. “Ainda é o Papai Gostosão, mas sem aquele lance de
CEO
empertigado.”

“Não sei se algum colega já me chamou de Papai Gostosão alguma


vez.”

Ela dá de ombros. “Você não me escolheu por causa das minhas


boas maneiras.”

“É verdade.” Eu abro um sorriso, bebendo um gole do refrigerante.

“Mas você parece sempre disposta a pegar no meu saco.”

Ela cai na risada. “Não sei se era exatamente isso que você queria
dizer.”

“Pelo amor de Deus.” Eu olho para cima, fingindo irritação, e então


termino meu taco, que não é muito grande. “Você entendeu o que
eu quis dizer.”

Preciso me segurar para não ficar olhando vidrado enquanto ela


come. Fizzy solta gemidinhos de satisfação enquanto mastiga, lambe
um pouco de molho do canto da boca e observa a comida que tem
nas mãos com os olhos cheios de prazer. Só nessa primeira vez que
passamos um tempo juntos, eu já vi dois lados diferentes de Fizzy:
efusiva e simpática em público, e essa versão ainda brincalhona,
mas de um jeito mais íntimo e menos escandaloso. As duas versões
são carismáticas, sensuais, hipnotizantes. No começo, eu estava
ressentido por ter sido escalado para esse programa, e depois
resignado. Agora estou sentindo uma pontinha de empolgação com
o desafio de capturar nas câmeras esse tipo de magia que ela
demonstra.

Você vai fazê-la sair com outros homens.

Esse lembrete esmaga todos os demais pensamentos, e eu pisco


algumas vezes para afastá-lo da cabeça. “Eu andei pensando em
uma coisa para o programa.”
Ela me olha e dá risada. “Espero que tenha sido mais de uma.”

“Essa é mais especificamente sobre o título. O que você acha de O

Experimento do Amor Verdadeiro?”

“Acho que estou brava por não ter tido essa ideia antes.”

Uma explosão de orgulho se espalha pelo meu peito. “Ótimo.” Pego


um taco que não sei do que é. “Então, recapitulando: vamos escalar
oito arquétipos de heróis românticos. As filmagens vão ser de
segunda a quinta, com a sexta reservada para a edição, e
transmissão no sábado. A votação vai ficar aberta por vinte e quatro
horas depois de o episódio ir ao ar, e na segunda-feira vamos revelar
para o elenco quem conseguiu passar para a rodada seguinte.”

Ela solta um gemido satisfeito enquanto dá mais uma mordida.

“E”, eu continuo, “acho que precisamos deixar claro desde já que o


programa não vai ter muita produção. Não estou falando da parte
estética, mas de linhas narrativas mesmo. Ando pensando bastante
sobre isso e quero fazer uma coisa diferente mesmo, na medida do
possível. Pelo que eu entendi, alguns desses programas são
roteirizados desde o primeiro episódio, o que me faz duvidar da
sinceridade do relacionamento que nasce ali. Como os espectadores
vão decidir o resultado, precisamos dar a eles a narrativa mais
honesta que pudermos.”

Ela assente, lambendo os lábios de novo, e isso faz meu foco se


dissipar um pouco. Fecho os olhos com força por um instante para
recuperar o fio da meada. “Como não vai ser um programa muito
extenso, você só vai ficar presa mesmo por umas cinco semanas.”

“Presa, é?” Fizzy abre um sorriso. “Parece divertido.”

“Você é um caso sério mesmo.”


Ela ri. “Acho que foi por isso que você me escolheu.”

“Eu te escolhi porque suas fãs te amam. Mas, sim, estou animado
pra fazer isso em parte por causa dessa sua ousadia.”

“Animado?” Ela larga o guardanapo amassado e apoia os cotovelos


na mesa. “Isso é novidade.”

Eu dou uma mordida, mastigo. “Pois é, fazer o quê? Estou cada vez
mais envolvido.”

“Estou vendo.”

“Eu sei que isso é importante pra você”, digo a ela. “Quero que você
saiba que pra mim também é.”

Fizzy respira fundo, abre a boca para falar, mas depois parece mudar
de ideia. “Você disse que se mudou pra cá aos quinze anos, é isso?”

Uma certa inquietação começa a se espalhar pela minha corrente


sanguínea, e dou uma mordida no taco para adiar o que desconfio
que vai ser um interrogatório gentil, mas bastante cirúrgico. “Sim, é
isso mesmo.”

“E sua mãe é que é britânica?”

Eu assinto com a cabeça. “Ela mora com meus avós agora, perto de
Blackpool, mas conheceu meu pai quando veio estudar nos Estados
Unidos. Ela engravidou, mas ele ainda não estava muito interessado
em

ser pai. Visitava mais ou menos uma vez por ano só pra dar as caras
e apontar o que ela estava fazendo de errado.”

“Uau, parece ser um cara legal, hein?”

“Uma mistura de insuportavelmente egoísta com incansavelmente


zeloso.”
Ela ri ao ouvir isso. “Por que você foi morar com ele?” Eu estreito os
olhos, pensando se quero me aprofundar nessa questão, e ela abre
um sorriso ao se sentir observada. “Que foi?”, Fizzy pergunta. “É
uma história de escândalo?”

“Um pouco, talvez.”

“Ah, agora você precisa me contar.”

“Minha mãe e eu sofremos um acidente de carro sério quando eu


tinha doze anos. Nos recuperamos bem, mas a coisa toda deixou a
minha mãe muito abalada.”

A expressão de Fizzy fica séria. “Ai, não.”

“Por… alguns anos”, eu explico, “minha mãe não saiu de casa. Eu


precisava ir pra escola, claro, e peguei um trabalho ou outro. Mas ela
estava sofrendo de um caso grave de ansiedade. Foi nessa época
que me interessei por cinema, então não fico ressentido por causa
da solidão, mas olhando pra trás percebo que perdi muita coisa na
minha adolescência.” Antes que a conversa fique deprimente demais,
decido encerrar o assunto: “Enfim, meu pai apareceu por lá quando
eu tinha quinze anos e não gostou do que viu. A essa altura ele
estava casado e tinha filhos com a minha madrasta, mas no fim
minha mãe acabou concordando que eu precisava de uma mudança
de ares e me deixou morar com ele até ter idade para ir para a
universidade.”

“Você ainda vai para a Inglaterra?”

“Claro”, respondo. “Passo alguns Natais por lá. Sempre converso


com a minha mãe. Ia voltar de vez depois que me formei na
faculdade, mas a vida tinha outros planos.”

“E como estão as coisas hoje?”, ela pergunta. “Você casou de novo?

Ou está saindo toda noite, curtindo a vida de solteiro gostosão?”


Eu limpo a garganta, franzindo o rosto enquanto ajeito o
guardanapo no meu colo. “Eu… não. Nenhuma das duas coisas”,
admito. “Minha filha ainda é pequena. Só fico com ela nos fins de
semana e trabalho até tarde na maioria das noites, então… não.
Quer dizer, não saio

muito.” Percebo que estou tropeçando nas palavras, então direciono


meu olhar para um bando de pássaros bicando alguma coisa na
areia.

“Qual é o nome dela?”

Fico feliz que ela me deixe mudar de assunto. “Stefania Elena Garcia
Prince.” Fizzy segura o sorriso, e eu dou risada. “Pois é, eu sei. Meu
sobrenome parece sempre um penetra na festa. Mas ela é uma
figura.

Meio princesa, meio gênio do mal.”

“Parece ser o meu tipo de garota.”

“De verdade, eu tenho medo do dia em que vocês se conhecerem.

Acho que Nostradamus escreveu algo a respeito.”

Quando a olho, percebo que ela está me avaliando. Seus olhos


escuros estão arregalados e cravados no meu rosto.

“Enfim, acho que a gente devia falar mais sobre você, e não sobre
mim.”

Ela não desvia o olhar quando os meus olhos encontram os dela.

Além disso, sua voz fica um pouco rouca quando ela diz: “Eu conto
qualquer coisa que você quiser saber”. Isso me faz desconfiar de
que estou absolutamente, irrevogavelmente e inegavelmente
encrencado.
Treze

FIZZY

Imagino que todo mundo tenha o anjinho em um ombro e o


diabinho no outro, mas, no meu caso, eles são bem reais, e o
diabinho adora aparecer.

Eu sei que é uma estupidez flertar com Connor. Sei que é absurdo
ter desejos sexuais por esse homem em particular, mas faz tanto
tempo que ninguém me atrai que me sinto como um cachorro
faminto vendo um pedaço de carne suculento.

Connor passa a língua nos lábios, que aperta entre os dentes, e


percebo que está reagindo ao peso do meu olhar. Pisco e direciono
minha atenção para as ondas quebrando na areia lisa.

Preciso me controlar. Por mais que esteja contente de sentir um


friozinho na barriga em meio a uma estagnação sexual cristalizada,
provavelmente não é uma boa ideia reagir a esse primeiro impulso.

Principalmente se for com alguém cujo objetivo profissional é


encontrar minha alma gêmea.

“Bom”, ele diz depois da estranha e prolongada troca de olhares,

“vamos começar pela parte mais fácil.”

Eu me alongo e finjo que estou estalando o pescoço.

“Me conta o que você procura em um cara.”

Respirando fundo, eu olho para as ondas à distância, pensativa.


“Você já entrou num supermercado com fome?”

Connor dá uma risada, entendendo do que estou falando. “Já.”


“Tábua de queijos, cenouras, batatinhas, molho, cereais de
chocolate, biscoitos. O que apetecer no momento.”

“Entendi.”

“Eu descreveria a minha energia em termos de relacionamentos


assim. Não tenho um tipo específico, mas talvez isso seja parte do
problema.”

Ele assente com a cabeça, mas resolve ficar em silêncio. Mais uma
vez: sexy.

“No começo, eu fiz o teste do DNADuo só por diversão”, conto.


“Sabe como é, testar uma nova tecnologia da perspectiva de uma
autora de livros de romance. Dei alguns matches e saí com todos
eles. Queria ver se um match Básico era muito diferente de um Prata
na prática.”

“E era?”, ele pergunta.

“Era, sim, mas, nos romances, o amor costuma desafiar e superar as


nossas ideias preconcebidas. Então, se alguém me dissesse que eu
tinha um match Titânio, será que eu não ia acabar
subconscientemente me esforçando mais pra fazer a coisa dar certo
do que com um Básico?

Esse sempre foi o meu maior problema com essa tecnologia.”

Ele balança a cabeça e solta um ruído, concordando. “Faz sentido.”

“Acho que esse programa é a forma perfeita de me recolocar na


busca por alguém. Não vou saber que tipo de compatibilidade tenho
com os candidatos. Isso não vai ficar na minha cabeça.
Simplesmente vou deixar rolar, e o público que se preocupe com o
resto. Quer dizer, se não estou conseguindo fazer a coisa acontecer
sozinha, por que não aceitar a ajuda de um bando de
desconhecidos?”
“E você nunca mais deu uma chance para o aplicativo? Não usou
nenhuma vez nos últimos anos?”

“Ah, eu andei um tempo sem muito interesse em sair com alguém.

Meu desejo de encontrar um parceiro foi pelo ralo mais ou menos na


mesma época dessa leva de encontros marcados pelo DNADuo…
mas não teve nada a ver com o app, na verdade.”

Ele parece refletir um pouco sobre essas últimas palavras antes de


finalmente questionar: “E teve a ver com o quê?”. Connor abre um
sorriso. “Se não for perguntar demais.”

“Ah. Bom…” Existem poucas coisas que eu detesto, mas no topo da


lista estão dizer a palavra úmida em voz alta, pessoas que falam
coisas como fds e sdds em conversas de verdade e meu
relacionamento breve, mas intenso, com um homem chamado Rob.
“Mais ou menos na época em que o DNADuo foi lançado, fui a uma
festa com uma amiga e conheci um cara. Ficamos juntos por um
tempo, e achei que estivesse tudo bem, até que descobri que ele era
casado.”

A expressão de curiosidade dele desmorona. “Ah.”

“Foi horrível. Eu fiquei arrasada e tudo o mais que se pode se


esperar de uma situação dessas. Mas aí, pouco mais de um ano
atrás, a esposa dele veio tirar satisfações comigo.”

Connor faz uma careta. “O que aconteceu?”

“Não foi de propósito… quer dizer, ela não estava me investigando


nem nada do tipo. Só calhou de eu ter um encontro no mesmo lugar
onde ela estava. Ela me reconheceu de umas fotos no celular do
Rob, eu acho, veio até a minha mesa, contou que os dois estavam
divorciados e que eu estava livre pra ficar com ele se quisesse.”

“Puta merda”, ele murmura.


“Em qualquer outra situação, eu teria dito que não, que não queria
saber dele de jeito nenhum, que nem sabia que o Rob era casado
quando saía com ele… mas fiquei completamente travada. Uma
coisa é cometer um erro e conviver com isso de uma forma abstrata.
Ver as consequências dele bem diante dos seus olhos é outra
completamente diferente.”

“Deve ter sido uma situação horrível. Eu lamento muito que isso
tenha acontecido com você, Fizzy.”

“Eu tinha passado um tempão me perguntando o que poderia ter


acontecido com os dois. Ela perdoou o cara? Eles se separaram?
Pelo menos essas respostas eu tive. Mas enfim…” Pego meu copo, e
o gelo balança contra o isopor quando proponho um brinde. “Minha
terapeuta conseguiu reformar a cozinha dela com a grana que eu
gastei pra processar tudo isso, então também teve um lado bom.”

Connor abre um sorriso ao ouvir isso. “Dá pra entender por que você
não quis saber de homens por um tempo, então. Mas e agora? Você
está pronta para um relacionamento?”

Um longo silêncio se segue a essas palavras, e eu me sinto


encurralada por essa pergunta como se estivesse diante de um beco
sem saída. Sei que encontrar alguém para mim é o objetivo do
programa, mas ainda não internalizei tudo isso. Se Connor e eu
formos bem-sucedidos nessa empreitada, vai ser mais do que um
mero entretenimento para o nosso público-alvo. Eu posso acabar
encontrando um amante, um namorado, um companheiro de vida.
Sinto um calafrio subir pela minha espinha, e Connor percebe
quando estremeço.

“Acho que sim”, respondo, desejando que seja verdade.

Connor amassa a última embalagem de taco e a joga no saco de


papel. “Quando você conheceu esses matches Básico e Prata, me diz
o que estava procurando. O que deu certo? O que não rolou? Enfim,
quem eu preciso procurar quando começar a seleção de elenco
amanhã?”

“Bom, eu quero saber em quem eles votaram e a opinião deles


sobre diversas questões políticas e sociais. Sei que deveria dizer que
preciso aprender a ir além disso, mas sei que não é assim que a
minha cabeça funciona. Tem coisas que são inegociáveis pra mim, e
assuntos abertamente políticos não estão nos questionários do
DNADuo.”

Ele pega o celular e começa a digitar no bloco de anotações. “Eu


concordo.”

“E acho que eu quero o mesmo que a maioria das mulheres: alguém


que me faça rir e que não se leve tão a sério. Alguém que seja
ambicioso, mas gente boa, que me apoie e me incentive a fazer o
que gosto. Mas, acima de tudo, quero que um seja completamente
louco pelo outro.”

Olho para o mar e penso no rosto de Jess quando vê River. É a


mesma forma como os olhos do meu pai se iluminam quando ele vê
minha mãe; e como meu cunhado se derrete todo por Alice. Eu sei
reconhecer o amor — e já escrevi a respeito muitas vezes —, só
nunca o senti de verdade.

Ele me encara do outro lado da mesa. Não há nenhum tipo de


julgamento ou pena em seus olhos, só empatia e compaixão. “Acho
que são pedidos bastante razoáveis.”

“Eu não faço ideia de como vai ser, mas espero atender às suas
expectativas para o programa. Eu tinha começado a me perguntar
se talvez ficar sozinha não fosse o melhor pra mim. Estava mais
inclinada nesse sentido naquele primeiro dia que conversamos no
seu escritório, sabe?”

“Ah, sim”, ele responde, compreensivo.


“E também acho que nós dois topamos entrar no projeto por
motivos que iam além de nós mesmos.”

Ele me olha nos olhos, e percebo sua confirmação silenciosa.

“Eu fiquei com medo de que a North Star não tivesse a menor ideia
do que estava prestes a fazer”, complementei. “E achei que você era
um babaca.”

Dessa vez o “ah, sim” dele vem acompanhado de uma risada.

Eu sorrio para ele. “Está vendo? Ideias preconcebidas. Não acho


mais isso, se você quer saber.”

Connor abre um sorriso. “É bom saber, sim, obrigado.”

Só não digo o restante em voz alta: que, além de não achá-lo um


babaca, na verdade estou me sentindo profundamente atraída por
ele e me perguntando se vou conseguir ignorar isso pelo bem do
programa.

Eu me conheço. É bem pouco provável.

Nós recolhemos nossas coisas, e eu uso o banheiro público


enquanto ele me espera ali perto. Quando volto, ele está encerrando
uma ligação no celular. “Tudo certo?”, pergunto.

“Só estava dando boa-noite pra minha filha.” Ele faz um gesto para
voltarmos ao carro. Acho que é uma das noites mais bonitas de que
me lembro nos últimos tempos. O ar está quente e úmido; a brisa
salgada nos envolve como uma capa gentil.

“O tempo tá perfeito”, comento, aproveitando esse último momento


para absorver tudo. Finalmente estou voltando a ser eu mesma, e a
minha parte mais instintiva sente vontade de me jogar nos braços
dele e de agradecer, dizer que ele nem imagina quanto me ajudou
simplesmente sendo atraente e tranquilo e um bom ouvinte. Mas
consigo conter o impulso e digo apenas: “Quero rechear uma torta
com essa felicidade e comer com sorvete”. Fecho os olhos e finjo
pegar pedacinhos do céu. “Nham, nham, nham.”

Quando o encaro, percebo que ele está me olhando com uma


expressão indecifrável.

Uma névoa carregada de eletricidade se estabelece ao nosso redor,


e não sei para onde olhar. Meus olhos continuam atraídos para ele,
para seu pescoço ou para seus lábios, para seus ombros ou para
aquelas mãos enormes. Não estou acostumada com essa zona
nebulosa, em que eu sinto atração por ele e acho que ele sente por
mim — ainda que eu não tenha certeza —, mas não podemos fazer
nada a respeito.

Minha vida romântica, eu me dou conta, sempre foi muito preto no


branco. Aceitar ou recusar. Ir para a cama ou não ir. Sem sutileza,
nada de nuances.

Quando chegamos ao carro, ele estende o braço na minha direção, e


só depois de eu inclinar o rosto percebo que ele não está vindo me
beijar. Está abrindo a porta para mim. Mas não se afasta
imediatamente. Fica me olhando, parecendo um pouco perdido.

“Hora de ir pra casa?”, ele pergunta.

“Acho que sim.”

Mesmo voltando de San Ysidro, o trajeto parece curto demais, e olho


pela janela quando o carro para diante da minha casa. Connor me
olha do assento do motorista, e de repente parece haver um convite
para uns amassos, esse contato visual, esse olhar que se suaviza e
analisa os contornos do meu rosto. Mas então ele respira fundo, se
vira para o outro lado e sai do carro.

Certo.
Eu saio também, e nós fazemos uma longa e infeliz caminhada até a
porta da frente. “Está tudo bem?”, pergunto.

“Tudo ótimo.”

“Foi uma noite e tanto, hein?”

Ele ri, mas não diz nada.

Já estamos na minha varanda. “Vamos fingir mesmo que não teve


um clima de encontro?”

Ele se vira para mim. “Um bom treino pra você” é sua péssima
resposta.

Eu estendo o braço, desafiando-o a recusar meu toque, mas isso


não acontece. Ele me deixa afastar seus cabelos da testa. “Você
devia deixar assim mais vezes.”

“Tá bagunçado.”

“Tá ótimo.”

“Fica entrando nos meus olhos”, ele diz, falando mais baixo.

“É sexy.”

Ele fecha os olhos. “Fizzy.”

“Entra comigo.”

Lentamente, ele abre os olhos e se fixa na minha boca. “Pra quê?”

“Você sabe pra quê.”

Ele ri, mas não por diversão ou deboche. É um riso de derrota. De


concordância. E por um instante fico eufórica.
Mas então ele diz: “Você sabe que não dá”.

“Tecnicamente dá, sim. Meu contrato me proíbe de sair com outras


pessoas ou ter qualquer tipo de envolvimento romântico com
alguém só durante as filmagens. Eu verifiquei.”

“Fizzy. Nós não podemos, de jeito nenhum.”

Ele enfia as mãos nos bolsos. Apesar de estarem escondidas, é


como se estivessem estampadas nas minhas retinas, e só consigo
pensar naquelas mãos grandes me agarrando, me empurrando para
trás,

impositivas e seguras, me pressionando contra uma parede ou me


jogando em uma cama. Seus braços fortes me envolvendo, aqueles
dedos compridos explorando meu corpo. Quero senti-lo em cima de
mim, bloqueando toda luz. Só quero sentir o calor e o cheiro da pele
dele e ouvir o ruído áspero que ele solta quando goza.

“Por que não?” Observo sua garganta enquanto ele engole em seco.

“Você sabe por que não. Nosso objetivo é encontrar a sua alma
gêmea. Eu já…” Ele se interrompe. “Não dá.”

“O programa ainda nem começou. Você pode considerar isso um


dever de casa.” Eu ponho uma das mãos na cintura dele. Nossa, ele
é todo durinho. “Redescobrir a alegria. Prometo que você vai gostar.”

“Não é essa a minha preocupação.”

“Já faz tempo de mais”, eu admito. “Estou tão aliviada por querer
isso. Eu…”

“Fizzy.”

“Confia em mim. Eu sei muito bem separar as coisas.”


“Aí é que está”, ele fala, e se inclina para me dar um beijo suave e
ao mesmo tempo definitivo no rosto. “Eu não.”

Catorze

CONNOR

O que um homem pode fazer depois de receber uma proposta


sedutora de uma das mulheres mais bonitas de San Diego e recusá-
la?

1. Bater a cabeça na parede porque é um idiota por achar que sexo


casual não é para ele.

2. Se masturbar tantas vezes imaginando como poderia ter sido que


acorda no dia seguinte um pouco esfolado.

3. Ir para o trabalho — onde sua missão é encontrar a alma gêmea


da mulher que ele deseja, e aparentemente esse desejo é mútuo —

porque seu sustento e estar próximo de sua filha dependem disso.

4. Lembrar-se de encher a cara depois.

E planejar uma bebedeira para mais tarde é aconselhável,


considerando que o meu antes familiar local de trabalho agora
parece um clube da cueca.

Os caras estão por toda parte: no saguão, nas salas de reuniões e


casualmente — ainda que de um modo deliberadamente sensual —

recostados nas divisórias dos cubículos. Diante de mim estão todos


os possíveis fenótipos masculinos — engravatados de terno, surfistas
de bermuda, tatuados de calça jeans rasgada, caras fofos de
macacão — e todos eles têm potencial para a ser a alma gêmea de
Fizzy. Que maravilha.
Meu celular toca quando estou quase chegando à minha sala.
Respiro fundo para me acalmar, ainda sem saber se vou ser capaz
de apagar algum incêndio esta manhã, mas relaxo quando vejo a
foto de Nat e Stevie na tela.

“Alô…”

“Eu preciso te pedir um favor”, Nat diz sem rodeios.

“Diga lá.”

“O Insu foi convidado pra dar uma palestra em uma convenção em


Las Vegas no fim de semana e me chamou pra ir junto. Eu teria que
ir na quinta-feira, então queria saber se…”

“Claro. Você sabe que eu posso buscar a Stevie mais cedo sempre
que precisar.”

“Obrigada”, Nat diz com um suspiro de alívio. “Ela contou que você
tinha um encontro ontem à noite, então achei melhor perguntar.”

“Eu disse pra ela que não era um encontro.” Enfatizei isso várias
vezes, inclusive. Talvez eu devesse estar preocupado por minha filha
de dez anos estar tão interessada na minha vida amorosa, mas
estou atolado até o pescoço com um monte de solteiros entre vinte
e seis e quarenta e oito anos para entrevistar, então não tenho
tempo para isso.

“Foi uma coisa de trabalho”, eu explico. “Com a Fizzy”, acrescento.

Ela fica em silêncio. Quase consigo ouvir o sorriso de Nat e me


arrependo na mesma hora de ter entrado em detalhes.

“Ah”, ela comenta. “Então ela já virou a Fizzy.”

Meu primeiro instinto é dizer para Nat que não foi nada de mais, só
que nunca fui capaz de esconder nada dela. Nós viramos adultos
juntos.

E nossa vida está interligada para sempre, por causa da Stevie. Ela
já viu o que tenho de melhor e de pior, me conhece mais do que
ninguém e me ama mesmo assim. Entro em uma sala vazia e fecho
a porta atrás de mim.

“Não é bem o que parece.” Mas então por que meu coração está
batendo como se eu tivesse subido os oito andares até aqui de
escada, e não de elevador? “Certo, talvez seja, mas não pode ser.
Nós saímos depois da sessão de autógrafos dela e conversamos
sobre o programa durante o jantar. Depois ela, hã… me convidou pra
dormir na casa dela.”

“Está me dizendo que você e Felicity Chen…”

“Eu disse que não, Nat.” E isso soa tão estúpido quanto da primeira
vez. “Falei que não dava. Sou o produtor do programa de namoro do
qual ela vai participar.”

“Certo”, ela diz, processando a informação. “Tudo bem, eu entendo,


mas…”

“Não tem nenhum ‘mas’. Mesmo que eu quisesse, não posso.”

“E você quer?”

“A resposta mais fácil é sim. A resposta mais realista, assim como a


minha situação no momento… é bem mais complicada.”

“E como ela reagiu? Ficou chateada?”

Eu não tenho a pretensão de achar que a proposta de Fizzy foi algo


mais que um lance momentâneo de atração mútua e vontade de
resolver uma questão incômoda para ela. Mas é bom saber que não
foi só a minha imaginação. “Não acho que ela tenha ficado muito
chateada, não.” Fizzy pode ter o homem que quiser. Não vou me
iludir — nem me torturar — pensando que foi algo além disso.
“Enfim”, eu digo, mudando de assunto, “claro que posso ficar com a
Stevie quanto for preciso. Passar mais tempo com ela é sempre
bom. E com certeza vou precisar de uns favores quando o programa
começar. Por falar nisso”, eu olho no relógio, “preciso desligar.”

“Obrigada, Conn. Essa palestra é importante para o Insu. E é em


Vegas! Vai ter compradores do país inteiro por lá.”

“Mande os meus parabéns pra ele.” Insu e um amigo abriram uma


pequena empresa de desenvolvimento de software alguns anos atrás
e estão trabalhando em um jogo que usa realidade virtual. Ele deve
estar empolgadíssimo com a oportunidade. “Não sei se ele tem
idade pra jogar no cassino, mas divirtam-se mesmo assim.”

“Você não disse que precisava trabalhar?”

Nós desligamos, e eu vou para a minha sala, parando diante da


porta.

Minha assistente eficientíssima, nascida e criada no Kansas, está


com dois homens em excelente forma física movendo sua mesa para
o outro canto de seu espaço de trabalho.

“Bom dia, Brenna”, eu digo.

Ela se vira, com o rosto vermelho. “É um bom dia mesmo!”

Trent aparece com uma pasta e a chave do carro ainda na mão.

Parece tão cansado quanto eu.

Confuso, ele observa o caos ao nosso redor. “Que diabos está


acontecendo?”

“Testes de elenco”, eu explico. “Estamos escolhendo os participantes


do meu programa de namoro, O Experimento do Amor Verdadeiro.”
Ele continua olhando ao redor, e imagino que sua expressão
perplexa seja bem parecida com a que estava estampada no meu
rosto dez minutos atrás.

“O que você está fazendo aqui, hein?”, pergunto. “Pensei que fosse
passar seis semanas em um ônibus.”

Ele passa uma das mãos no rosto cansado. “Tenho uma reunião com
o departamento jurídico e volto hoje mesmo. Estou sem dormir há
quatro dias; os participantes nunca calam a boca, e são tantas
regras!

Você sabia que o seguro pra esse tipo de programa tem cláusulas
até sobre os diferentes níveis de eficiência dos protetores genitais?”

Brenna inclina a cabeça, confusa. “Diferentes níveis… ah.”

“Pois é.” Ele balança a cabeça. “Eu nunca vou perdoar o Blaine por
acrescentar expressões como ‘luxação testicular’ ao meu
vocabulário.”

Diante de nossas expressões horrorizadas, ele acrescenta: “É tão


assustador quanto parece. Aprendam com os meus erros e não
pesquisem sobre isso no Google”.

Brenna empurra Trent suavemente na direção da cozinha. “Por que


você não toma um cafezinho antes da sua reunião?” Trent continua
resmungando sobre fraturas penianas enquanto eles seguem pelo
corredor.

“Agradeça por estar fazendo um programa de namoro, Connor”, ele


diz por cima do ombro.

Mais tarde naquela manhã, estou reunido com Brenna, Kathy — a


produtora de elenco — e Rory — a diretora do programa — na maior
sala de reuniões da North Star. Conseguimos contratar uma
celebridade do YouTube chamada Lanelle Turner para ser a
apresentadora do programa — um trabalho intermitente que só
exige que ela apareça no começo e no fim de cada episódio —, mas
ainda temos o grosso do trabalho do dia pela frente, incluindo uma
lista de marmanjos com aproximadamente setenta nomes.

Fizzy fez questão de dizer que não tem um tipo físico favorito, mas,
andando pelos corredores da North Star Media hoje, acho que dá
para dizer que esses caras fazem o tipo de todo mundo.

Nosso primeiro herói romântico em potencial é Isaac Moore. Alto e


forte, negro, com cabelos bem curtos e um sorriso tão cativante que
deixa Brenna vermelha da cabeça aos pés quando a cumprimenta.
Isaac tem duas irmãs, coleciona jogos de tabuleiro antigos e
trabalha com programação e desenvolvimento de IA.

Eu faço uma anotação, marcando o item “nerd gato”.

“O que isso significa exatamente?”, Kathy pergunta, olhando-o por


cima de seus óculos com aros de tartaruga. Ela tem cinquenta e
poucos anos, cabelos ruivos cacheados e um diamante tão grande
no dedo anelar que imagino que seu braço esquerdo seja bem mais
forte que o direito. Kathy foi contratada como consultora; ela não faz
seleção de elenco para o tipo de filmagens que costumo fazer — o
que é óbvio, aliás, já que as coisas que faço geralmente só envolvem
mamíferos marinhos —, então nunca trabalhamos juntos antes.
“Programação e desenvolvimento de IA?”

“Eu trabalho com sistemas de inteligência artificial que criam e


implementam algoritmos de engajamento. Mais especificamente, eu
programo as questões de ética e responsabilização associadas a
esses sistemas.”

“Então, é tipo… lidar com trolls no Twitter?”, Kathy pergunta.

“Exatamente.” O sorriso dele vira uma risada discreta. “É.”

Brenna dá mais uma risadinha, e eu olho para ela. Segura a onda.


Até Rory, que quase nunca sorri, levanta os olhos de suas
anotações. Eu também nunca tinha trabalhado com Rory, mas já a
conhecia de nome.

Ela dirigiu alguns dos programas não roteirizados mais populares dos
últimos anos e parece ser legal, apesar de um tanto intensa. Tem
fama de ser meio temperamental no set de filmagens, mas, quando
seu nome foi citado, Blaine se agarrou à ideia como um cachorro
que encontra um osso e só sossegou quando ela assinou o contrato.
Que, aliás, não foi nada barato, mas, graças à nova mania da North
Star de esbanjar dinheiro, isso não foi um problema.

Nós fazemos juntos a entrevista com Isaac, perguntando sobre sua


família, seus motivos para querer entrar no programa, suas
inclinações políticas — essa parte a pedido de Fizzy. Eu escuto tudo,
fazendo anotações e perguntas adicionais enquanto a câmera filma
ao fundo.

“Isaac, o que você acha que os homens procuram em alguém?”,


pergunto.

Ele inclina a cabeça, pensativo, apoiando as mãos na mesa. “Acho


que a maioria dos homens quer uma pessoa que seja inteligente,
carinhosa e gentil. Aberta a aventuras. O que eu quero é uma
companheira. Alguém com quem dividir as coisas boas e ruins, pra
dar risada e curtir, pra respeitar e apoiar, e pra compartilhar as
coisas que são importantes pra nós.”

Ele é perfeito. Charmoso, interessante, atencioso e solícito.


Consegue até usar um colete de lã sem parecer ridículo. Fizzy vai
adorá-lo.

Sei que é irracional, mas já odeio esse cara. Ele está dentro.

O candidato número dois está com uma calça jeans escura e justa,
uma camiseta de banda preta e desbotada e um tênis All Star velho.
É
isso que Fizzy considera um “vampiro”? Por algum motivo, acho que
não. Assim que ele sai, escrevo não ao lado de seu nome.

Durante as horas seguintes, o processo basicamente se repete —


um monte de caricaturas com um ou outro que vale a pena no meio.
Alguns são descartados logo de cara: o potencial “bad boy tatuado”
que obviamente só está aqui para aparecer na televisão; um Darcy
que tem cem por cento de probabilidade de aparecer em uma
passeata de supremacistas brancos; um “CEO milionário”
terrivelmente clichê que parece ter passado pó branco embaixo do
nariz de propósito para encarnar o personagem.

Estou bem interessado nos nomes que Fizzy nos passou para a cota
de “alguém do passado”. Gostaria de dizer que meus motivos para
isso são altruístas, mas nem minha mãe acreditaria nisso. No fim,
porém, essas entrevistas se revelam as mais frustrantes. Não existe
um fio condutor ou uma característica em comum que eu possa
estabelecer entre os homens dessa lista que se apresentaram.
Alguns são boa-pinta, outros não. Alguns têm dinheiro, outros não.
A maioria deles é simpática o suficiente. Nenhum grande mistério
sobre Fizzy é revelado, e continuo tão perplexo e fascinado por ela
quanto no começo. Mas acabamos colocando um tal de Evan Young
entre os favoritos, e não demoro nem dois minutos para sacar que
foi o sujeito que Fizzy mencionou na nossa primeira conversa.
Aquele com a tatuagem ridícula do Bart Simpson.

Ele aparentemente juntou os cacos de sua vida sem Fizzy: voltou a


estudar para se formar em engenharia e, quando não está na
faculdade, tem um emprego de meio período como barista em uma
pequena cafeteria. Evan também é atraente e charmoso e, como
Fizzy falou, muito gente boa. Não tem nada além de coisas boas
para dizer sobre a ex-namorada.

Mal consigo esperar para ver a cara dela quando ele aparecer. Vou
ficar tentado a murmurar um Ai, caramba no ponto eletrônico.
No fim do dia, já reduzimos nossas principais escolhas a sete, com
todos os principais arquétipos de Fizzy contemplados, menos um: o

“superbonzinho”.

O último entrevistado é Nick Wright. Depois de um longo dia de


espera, ele deve estar tão cansado quanto nós, mas entra na sala
com um sorriso largo e inabalável no rosto. Segundo a ficha, tem um
metro e noventa de altura, oitenta e três quilos, gosta de beisebol e
tem uma pequena clínica veterinária em Orange County. Na verdade,
parece ter saído de uma das páginas dos livros de Fizzy. Vimos
vários homens bonitões hoje, mas Brenna e Kathy soltam um suspiro
audível quando Nick entra na sala. Fazemos as perguntas de
sempre, e ele tem todas as respostas certas. Já ficou noivo, mas o
relacionamento terminou quando ela precisou se mudar para o
exterior e, por comprometimento com seus funcionários e seus
clientes, ele decidiu ficar. É o mais velho de cinco filhos, sente que
casamento é a única coisa que está faltando em sua vida e faz tricô
enquanto vê séries policiais da BBC para aliviar o estresse de um
longo dia de trabalho. Sim, encontramos nosso

“superbonzinho”.

“Nick, o que você acha que os homens procuram em alguém?”, eu


pergunto, chegando à última pergunta.

Ele abaixa os olhos e sorri, parecendo paradoxalmente um cara


tímido e um híbrido criado em laboratório de Chris Evans com o
James Bond da era Pierce Brosnan. “Acho que a maioria das pessoas
diria que os homens querem alguém que faça eles se sentirem bem
consigo mesmos”, ele começa. “Mas eu quero alguém que me
desafie.” Em seguida, apoia os braços bronzeados e bem torneados
sobre a mesa.

“Meus avós são casados há sessenta anos e, quando meu avô vê


minha avó, fica parecendo um adolescente tentando entender como
foi que a menina mais bonita da escola deu bola pra ele.” Nick ri. “É
isso o que eu quero. Continuar tão perdidamente apaixonado aos
oitenta quanto era aos trinta. Estar com quem eu amo e
simplesmente… sentir alegria.”

Eu me pergunto como é possível que justamente esse seja o


momento em que tudo finalmente parece real. O programa vai
começar, Fizzy vai conhecer e sair com esses caras e, se nossos
esforços derem certo, vai ser um sucesso. Fizzy vai se apaixonar, e
eu vou conseguir manter o meu emprego e continuar em San Diego.

Quando volto para o momento presente, todo mundo está se


levantando. Kathy acompanha Nick até o corredor e fecha a porta
atrás dele. “Puta merda”, ela diz, com os olhos arregalados,
chocada. “Isso foi ótimo, né? Ele foi tão bem assim mesmo?”

“Eu nem pisquei enquanto ele falava.” Brenna fica de pé e dá uma


volta ao redor da mesa. “Imaginem quando ele estiver na tela com a
Fizzy!”

“Imaginem quando ela estiver com o Dax! Ou com o Evan! Ou com


o Isaac!”, continua Kathy. “Eu nunca vi um elenco de reality show
como esse.” Ela se vira para Rory. “E já fizemos o teste de todos eles
no DNADuo?”

Rory assente com a cabeça. “Todos eles têm compatibilidade. Temos


uma boa margem para trabalhar.”

“Todos eles são tão… reais”, comenta Kathy. “Autênticos, é o que eu


quero dizer.”

“Se a Fizzy não se casar com nenhum deles, eu caso.” Brenna se vira
para mim. “Connor, esse programa vai bombar.”

Rory ainda está olhando para a porta por onde Nick acabou de sair.

“Eu tinha as minhas dúvidas, mas… acho que pode rolar.”


Elas têm razão, penso. As peças estão se encaixando, e, se meu
instinto não estiver errado, talvez dê certo mesmo.

Consegui exatamente o que eu queria. E não tenho ninguém em


quem botar a culpa além de mim mesmo.

Quinze

FIZZY

Se vou ter filhos ou não é uma coisa que ainda está em aberto, mas
o que já pode ser afirmado sem sombra de dúvidas é que eu sou a
pessoa adulta mais constrangedora que já pôs os pés em um jogo
de futebol de crianças.

Nem mesmo Jess e River querem ser vistos comigo. Eles avançam
para mais adiante no campo, arrastando cadeiras, um cooler e uma
tenda de praia até o local mais distante possível de onde nós
estacionamos. Sei que não é porque eu me declarei a FÃ NÚMERO
UM DA JUNO

em letras pretas enormes em uma camiseta rosa-choque, pois se


trata de uma verdade objetivamente comprovável — só mesmo a fã
número um dela usaria isso em público. Mas minha pequena
dançarina decidiu experimentar uma coisa nova e, apesar de ser
firme o bastante para não tremer de medo, segundo boatos ela não
conseguiu dormir direito nas noites anteriores ao seu primeiro jogo
de futebol. Então, se eu puder ser a pessoa mais idiota por aqui,
talvez Juno não se preocupe demais se pisar na bola. Tenho uns
pompons na minha bolsa de lona também, mas só para o caso de
emergência. Espero que não seja preciso apelar para isso.

Mas quando todo mundo se ajeita na lateral do campo, percebo que


posso ter exagerado na dose. A coisa toda não parece ser tão séria
assim. Como seria de esperar, tem uma menina parecendo uma
profissional, com chuteiras brilhando de novas e os cabelos presos
com fitas que combinam com o uniforme. Os pais dela também são
fáceis de identificar — o casal que fica tirando um milhão de fotos do
aquecimento e gritando palavras de incentivo e instruções do outro
lado do campo. Mas, no fim das contas, é só um grupo de meninas
de dez anos, então também tem a garota que obviamente pegou
emprestado o short do irmão mais velho, que está amarrado com
toda força na cintura e vai até bem abaixo dos joelhos, e a menina
cujos pais devem

entender tanto de esportes quanto eu, porque levaram a filha para


jogar futebol usando calça jeans.

Vejo Juno no meio de um grupinho de garotas reunidas perto de um


homem enorme, que está agachado, desenhando alguma coisa em
uma prancheta. Ele está distante demais para eu poder vê-lo direito,
mas tem cabelos escuros e braços que parecem pôr à prova a
elasticidade da camiseta nas mangas.

“Eita, olá.” Faço binóculos com as mãos e finjo dar um zoom. “Uh-lá-
lá.”Eu estou desse jeito desde aquele jantar com Connor. Como uma
cadela no cio. Não falei nada a respeito com Jess porque acho que
ela ficou tão desconcertada quando admiti minha falta de libido e
inspiração que corre o risco de me fazer entrar em uma roubada.
Está sendo difícil me controlar e não mandar todo dia para Connor
uma mensagem do tipo E agora, rola?. A última coisa de que preciso
é de Jess praticamente berrando “Você merece uma bela transa!”
todo dia na minha orelha.

“Aquele é o treinador”, Jess explica, puxando e prendendo um dos


pés da tenda de praia no gancho.

“Vou te dizer uma coisa, uma filha minha jamais faltaria a um jogo
sequer.”

Ela ri. “Ele é um dos pais, na verdade. O pai da Stevie.”

Stevie é uma das novas amigas da Juno e, apesar de só tê-la visto


algumas vezes, sei que as duas se divertem muito juntas. São
inteligentes, muito fofas e uma companhia mais legal do que a
maioria dos adultos que conheço. Quem diria que tinha gente
fazendo crianças tão incríveis ultimamente?

Eu ajusto meus binóculos imaginários. “Bom, o pai da Stevie é um


partidão.”

“É mesmo.”

River entra debaixo da tenda de praia com três cadeiras dobráveis


em uma das mãos. “Quem é um partidão?”

“Você.” Jess se inclina para beijá-lo. “E o Connor.”

Acho que River também está avaliando a afirmação. E acho que ele
diz: “O pai da Stevie? Concordo com vocês”. Mas não tenho certeza,
porque meus neurônios pararam de funcionar.

“Você disse Connor?”, pergunto, com um frio na barriga.

Jess está distraída tentando abrir uma cadeira que parece


emperrada.

“Isso, Connor Prince. É ele o treinador em quem você está de olho.”

“Não.”

Jess levanta os olhos lentamente para mim, pressentindo o perigo.

“Hã… sim?”

“Não pode ser.” Eu trato de dar um sumiço nos meus binóculos


imaginários.

“O que está acontecendo com você?”, River me pergunta, aos risos.

“Aquele… aquele ali é o pai da Stevie?” Aponto à distância para o


gigante cuja sombra agora sou obrigada a admitir que lembra muito
a silhueta do homem que eu queria que me pegasse em cima da
bancada da cozinha naquela noite. “Aquela Stevie encantadora, que
me contou uma tremenda história triste sobre aquecimento global e
tartarugas marinhas, o que me fez doar uma boa grana pra Oceanic
Society?” Puta merda, as informações batem mesmo.

Solto um grunhido e me sento na cadeira que Jess acabou de


conseguir abrir.

“Fica à vontade”, ela me diz, sarcástica, abrindo a outra e se


sentando ao meu lado.

“Eu devia ter imaginado essa reviravolta”, resmungo. “Eu sou o quê,
uma escritora ou uma porta?”

“Alguém pode me dizer o que tá acontecendo?”, River pergunta.

Jess encolhe os ombros. “Não olha pra mim.”

“Vocês sabem o que esse Connor faz da vida?”, pergunto a eles.

Franzindo o rosto, Jess admite: “Acho que a Juno falou alguma coisa
sobre ecologia…”.

Olho para River. “E você?”

Ele leva a mão ao peito, surpreso. “Eu?”

“Sim. Você mesmo.”

“Como assim, eu mesmo?”

“Connor Prince III é o criador e produtor-executivo do meu


programa de namoro, aquele que usa a maior obra da sua vida
como principal gancho.”

Jess leva a mão à boca quando diz: “Ai, meu Deus, você tem
transado com o Connor esse tempo todo?”.
“Eu ando me comportando melhor ultimamente. Só convidei o cara
pra entrar depois da sessão de autógrafos.”

A expressão no rosto de Jess mostra que ela entendeu muito bem o


que eu quis dizer, mas ela tenta me ajudar. “Por favor, me diz que foi
pra entrar e tomar um café.”

“Não, pra entrar na minha vagina.”

River se engasga com a água que está bebendo.

“Mas, para o azar dele, ele recusou.”

O assobio baixo e prolongado de River diz algo como Que


constrangedor.

“Mas tudo bem”, eu digo. “Sinceramente, foi até bom que um de nós
estivesse com a cabeça no lugar. Eu estava me sentindo sexy pela
primeira vez depois de muito tempo e ele estava por perto, só isso.”

Boa tentativa, Pinóquio.

Minha melhor amiga balança a cabeça com um ar de dúvida. “Sei,


ele só estava por perto, um Adônis musculoso por quem você se
deixou atrair só porque sua seca se estendeu por tempo de mais.”

“Que bom que você me entende”, eu digo, fingindo gratidão.

“Espera aí, me desculpa, mas só agora estou me dando conta de


uma coisa.” Jess leva os dedos das mãos à testa. “Você chamou para
a sua cama o cara que comanda o programa que vai servir para
encontrar a sua alma gêmea?”

“Foi só uma coisa do momento”, eu garanto. “Uma noite e nada


mais.”

“Eu interajo mais com a Natalia, porque é ela que fica com a Stevie
durante a semana”, Jess comenta. “Mas Connor parece ser um cara
muito legal. Não parece do tipo ‘uma noite e nada mais’.”

“Você está tentando me dizer que caras legais não se deixam levar
pelo momento?” Dirijo meu olhar irônico para River. “Porque isso
acontece, sim. Não é, Gênio Gostosão?”

Ele trata de se ocupar abrindo o cooler e dizendo, distraidamente:

“Desculpa, só um minutinho”.

“Eu só estou dizendo”, Jess continua, “que você achava o cara um


babaca. Se referia a ele como Milionário Gostosão, depois Britânico
Gostosão…” Ela se interrompe, estreitando os olhos para mim. “Você
tentou encaixar o Connor em um estereótipo, não tentou?”

“Em minha defesa, ele não é uma pessoa fácil de sacar logo de cara.

Antes ele tinha uma vibe diferente… com certeza era um Executivo
Milionário Gostosão quando conversamos pela primeira vez.”

“Connor? Duvido”, ela protesta.

“Bom, está na cara que eu não vou ganhar essa discussão hoje,
quando ele está mostrando as pernas musculosas num short e
usando uma camiseta uns quatro tamanhos menor, mas você precisa
acreditar em mim quando digo que a primeira impressão que Connor
me passou foi de uma mistura de Kendall Roy com boneco de Lego,
inclusive o cabelo.”

Como sempre, minha boca grande acaba falando demais. Quando


acabo de dizer essas últimas palavras, percebo que a sombra
enorme diante de nós não é da tenda de praia.

“Bom”, Connor diz, “pelo menos me diz que eu sou o Lego Batman
ou o Salva-Vidas Gostosão.”

Dezesseis
CONNOR

Tenho certeza de que só pode ser imaginação minha quando a vejo


do outro lado do campo. Mas lá está ela, às dez da manhã em um
sábado: Felicity Chen, falando sobre a minha camiseta ser muito
justa e as minhas coxas muito… expostas. Prefiro ignorar a
comparação com Kendall Roy, mas esse comentário sobre as pernas
musculosas vou levar comigo para o túmulo.

Antes de hoje, pensei que fosse impossível constrangê-la. Fizzy fala


o que pensa, pega o que quer e sem pedir desculpas por nenhuma
das duas coisas. Mas quando enfim se vira na minha direção, está
visivelmente sem jeito.

“O Batman tem uma masculinidade meio tóxica demais pra mim”, ela
responde, afastando os cabelos do rosto. Parece um gesto casual e
despreocupado, mas lembro que ela fez isso no bar naquela primeira
noite e me pergunto se não pode ser uma demonstração de
ansiedade.

“Mas Lego Salva-Vidas pode ser”, ela continua, o olhar percorrendo o


meu peitoral. “Os dois são trabalhadores dedicados e claramente
têm braços fortes.”

“Obrigado… eu acho. E, só para constar, esta camiseta não é


pequena demais.”

Os cantos da boca de Fizzy se curvam para cima, e todos os sinais


de constrangimento desaparecem e são substituídos por uma
expressão de desafio. “Não foi uma reclamação.”

“Tecnicamente não tem nada inapropriado acontecendo aqui”,


alguém diz, “mas acho que seria mais seguro tapar os olhos das
meninas.” Sigo aquela voz feminina e só então percebo o casal de
espectadores logo ao lado: Jess e River, os pais de Juno. Leio as
palavras na camiseta de Fizzy, e de repente tudo faz sentido.
“Espera aí, você conhece a Juno?”

“Conheço.” Ela lança um olhar acusador para Jess antes de se virar


para mim. “O que eu não sabia era que você conhecia ela.”

“Ela e Stevie jogam no mesmo time de futebol.” Mostro o apito


pendurado no meu pescoço. “Eu sou o treinador.”

“Oi, Connor”, Jess me diz, sem se preocupar em fingir que não


estava escutando e vindo direto até nós.

“Oi, Jess.” Então me dou conta. “Ah, o River deve ser o amigo que a
Fizzy falou que estava envolvido com a tecnologia do DNADuo.
Agora entendi.”

“E você deve ser o gostosão da tevê de quem a Felicity não para de


falar.” Jess se vira para Fizzy com um sorriso exagerado. “Agora
entendi.”

Eu seguro o sorriso, pressentindo que tem alguma história rolando


aqui e que Jess está executando uma desejada vingança.

“Tá bom, Jessica”, Fizzy diz. “Agora pega o seu marido bonitão e vai
se sentar pra lá.”

Ainda sorrindo, Jess se despede com um aceno e volta para a


sombra.

River estende a mão e trocamos um rápido cumprimento. “Connor”,


ele diz.

“River.”

Ele abre a boca, mas, depois de uma rápida olhada na direção de


Fizzy, parece mudar de ideia sobre o que falar. “Boa sorte com o
jogo”, ele diz, antes de ir se juntar à esposa. Não conheço bem
nenhum dos dois; Jess sempre foi simpática e sempre é a primeira a
se oferecer para dar caronas e lanches para as meninas. Só vi River
uma ou duas vezes, e nunca conversamos direito.

Quando voltamos a ficar sozinhos, o silêncio parece pesar entre nós.

“Você disse que o nome dela era Stefania”, Fizzy diz com um tom
acusador.

“Stevie é o apelido dela”, eu explico. “Ficar gritando ‘Stefania Elena


Garcia Prince’ pela casa seria meio cansativo, você não acha?”

O silêncio volta a se instalar. Não é exatamente constrangedor, mas


é impossível de ignorar. Eu posso ter dito não para Fizzy na frente da
casa dela, mas nós dois sabíamos que minha vontade era entrar.
Como seguir em frente depois daquilo?

Uma brisa sopra sobre o campo, sacudindo as folhas das árvores e


arrastando sombrinhas e cobertores para a grama. Quando levanto a
mão para afastar os cabelos da testa, Fizzy segue meu movimento
com

os olhos. Lembro que ela falou que eu deveria deixar mais desse
jeito, que ela gosta assim.

Limpo a garganta para conduzir a conversa para uma direção menos


perigosa. “Eu esqueci de te contar: o casting foi ótimo. Acho que
encontramos nossos heróis românticos.”

O rosto dela se ilumina. “Ai, meu Deus, me conta tudo. Espera,


primeiro me diz que todos são absurdamente gatos.”

Fico um tanto perplexo com esse entusiasmo todo e com quanto isso
me desagrada.

“Mais do que o suficiente para fazer a audiência bombar”, eu


respondo. “Não posso contar muito, porque os contratos não estão
fechados, mas selecionamos oito participantes. Todos eles
arquétipos aprovados.”

Ela está prestes a responder quando vejo um vulto e dois pequenos


tornados colidem contra nossos corpos. Stevie olha para mim, com
os braços envolvendo a minha cintura. Juno está abraçando Fizzy.

“A gente pode ir tomar sorvete depois do jogo?”, Stevie pergunta.

Eu me abaixo para beijá-la na cabeça. “Claro. Que tal você


cumprimentar a Fizzy primeiro? Ela vai ser a estrela do programa em
que eu estou trabalhando.”

Eu a viro, e Stevie inclina a cabeça para me olhar. “Eu já conheço a


Fizzy”, diz Stevie. “Ela já levou a gente pra casa algumas vezes.”

Fizzy estende o braço para enrolar com o dedo a ponta dos cabelos
compridos de Stevie. “Às vezes nós paramos no caminho pra tomar
um chocolate quente. E às vezes para uns drinques. Depende do
dia.”

As duas meninas dão risadinhas, mas então algo chama a atenção


de Stevie — um adesivo colado na parte de trás do celular de Fizzy
— e ela se aproxima para ver mais de perto. “Você nunca me disse
que gostava do Wonderland!”

“Ela adooooora eles”, Juno responde.

“Como assim, nós nunca falamos sobre isso?”, Fizzy pergunta. “Essa
banda é uma das minhas alegrias na vida!”

Olho mais de perto para o pequeno logo holográfico e me pergunto


como deixei aquilo passar, já que é a mesma imagem que estampa
mais ou menos metade dos pertences de Stevie. Provavelmente
porque, quando estou com Fizzy, a última coisa em que presto
atenção é no celular dela.
“Você já viu um show deles ao vivo?”, Fizzy pergunta.

Stevie faz que não com a cabeça. “Eu nunca fui num show na minha
vida.”

“Eles vêm pra cá em duas semanas! Você devia ir!”

“Os ingressos estão esgotados”, eu respondo.

Fizzy afasta esse detalhe fazendo um gesto com a mão. “Eu posso
arrumar ingressos pra gente. Já saí com um executivo da
administração do estádio e vou dizer uma coisa pra você…” Ela se
interrompe, notando a minha apreensão com o que vai sair da sua
boca a seguir, então se limita a dizer: “Enfim, eu tenho um contato”.

“Vai ser bem tarde da noite.” Já consigo me imaginar carregando


Juno e Stevie dormindo no meu colo pelo estacionamento
gigantesco.

“Elas vão estar exaustas no dia seguinte.”

Ela solta um risinho de deboche. “Já é verão! Além disso, ficar


exausta depois de passar uma noite berrando até não aguentar mais
é um rito de passagem para uma fangirl.” Ela me lança um olhar
silencioso de súplica e acrescenta baixinho: “Alegria, lembra?”.

Suspiro, incapaz de resistir a todas essas garotas e seu poder de


persuasão. “Se a Fizzy diz que tem um contato…” Eu hesito por
tempo suficiente para o meu bom senso me tirar dessa. O que não
acontece.

“Acho que vamos ver o Wonderland.”

“Vamos mesmo?”, Stevie e Juno gritam em uníssono, já começando


a pular.

“Vamos, sim!”
“Você é o melhor pai do mundo”, Stevie diz, me abraçando.

“Agradeça à Fizzy, não tenho nada a ver com isso, meu amor.”

E, enquanto vejo Stevie abraçando Fizzy, não consigo evitar a


sensação de que isso é uma péssima ideia por um milhão de razões.
A última coisa de que preciso é passar mais tempo com Fizzy.
Momentos felizes, cheios de alegria e empolgação, com Fizzy. Sinto
um calafrio só de pensar.

“Vai ser o máximo”, ela diz, enquanto as meninas cantam e dançam


ao nosso redor. Ela abre um sorriso enorme para mim, o que me faz
pensar em efervescência, empolgação e alegria de sobra.

Dezessete

FIZZY

Não posso nem reclamar com Jess que essa situação toda acabou
caindo no meu colo, já que ela estava lá quando eu claramente me
ofereci para levar duas meninas de dez anos e um Papai Gostosão
Treinador Sexy a um show do Wonderland. Mas as filas de pessoas
esperando para entrar são tão absurdas que eu bem que gostaria de
ter em quem jogar a culpa. Confiro meu Instagram enquanto
esperamos.

Respondo mensagens de leitoras e nem penso em abrir meu e-mail.


A cada segundo que passa, o número de corpos ao nosso redor só
cresce.

Só há oito portões, e trinta mil pessoas tentam entrar ao mesmo


tempo.

Sem grades de separação nem um esboço de sinalização para


mostrar onde a fila começa e termina, as pessoas simplesmente vão
se enfileirando, contornando postes e fazendo caminhos sinuosos
com base na confiança de que a pessoa na frente acha que a pessoa
à sua frente está no lugar certo.

E totalmente desconfortável, com os dentes cerrados, Connor está


pensando a mesma coisa. Com certeza ele consegue enxergar por
cima da cabeça de todo mundo na multidão, mas eu não, e Stevie e
Juno, minúsculas em meio à massa gigantesca de corpos, estão com
os olhos arregalados, confusas. À medida que o tempo passa, vai se
instalando um pânico, como se a multidão sentisse que o
Wonderland estava prestes a subir no palco e corrêssemos o risco de
perder tudo.

Puxo a manga da blusa de Connor pedindo para ele se agachar e me


ouvir. “Me coloca em cima dos seus ombros.”

Ele se inclina para mais perto, sem me entender. “Desculpa, não


entendi.”

“Pra eu poder ver onde a fila termina. Estou com medo de que tenha
um monte de gente furando fila, e eu não vou deixar as meninas
perderem o show.”

Ele não pensa duas vezes e se agacha. Com Juno e Stevie me


ajudando, aos risos, eu subo naqueles ombros largos e musculosos.

Connor fica de pé aparentemente sem esforço, me levantando a


quase dois metros do chão.

Solto um gritinho apavorado, me segurando ao seu queixo com as


duas mãos. “Eu retiro tudo o que já disse na vida sobre querer ser
alta.”

Connor ri. “Fica tranquila, eu tô te segurando.” Ele agarra as minhas


panturrilhas, me ajeitando gentilmente para apoiar as minhas pernas
sob seus braços. Além do caos diante de nós, presto atenção no
pescoço forte de Connor entre as minhas pernas e na incrível
estabilidade que seus ombros me proporcionam. Fico me
perguntando se ele sente o meu calor também e se está pensando
no mesmo que eu, em como é gostoso ter sua cabeça no meio das
minhas pernas.

Eu poderia ficar aqui a noite inteira, mas o dever me chama. “Certo,


já entendi tudo. Pode me pôr no chão.”

Ele faz isso, mas me lança um olhar de interrogação quando ficamos


os dois de pé de novo. “Ajudou?”

“Muito.” Ponho a mão sobre a cabeça de Juno e me abaixo para ficar


na altura dos olhos dela. “Eu já volto.”

E então me embrenho no meio da multidão.

Vinte minutos depois, estamos do lado de dentro, com cervejas na


mão, no pequeno camarote que o executivo que uma vez pediu para
ser chamado de “doutor” na cama reservou para nós, e vendo June
e Stevie dançarem encantadas na parte externa com divisórias de
vidro ao som da música que sai dos alto-falantes enquanto o show
não começa.

Connor está sorrindo para mim como se eu fosse uma super-


heroína, mas na verdade só precisei levar a sobrecarregada equipe
de segurança até o portão de entrada, onde um monte de gente
estava furando a fila e entrando na frente de todo mundo. Quando
eles resolveram o problema, a fila começou a andar, e a entrada foi
tranquila e organizada.

“Você poderia ter sido pisoteada”, ele comenta.

“Era bem pouco provável.” Dou um gole na minha cerveja e limpo a


espuma da boca. “Quando estou em uma missão, eu fico bem maior.

Aposto que eu parecia ter um metro e noventa enquanto


atravessava aquela multidão.”
“Você não tem medo de nada?”

Eu rio quando Juno e Stevie ensaiam um rebolado. Aquelas


bobinhas.

“Não.” Mas, reconsiderando, olho bem para ele. “Espera, tenho, sim.

Tenho medo de em algum momento ter feito sem querer uma


chamada pelo FaceTime para alguém enquanto me masturbava e a
pessoa do outro lado, por motivos de perplexidade e educação, não
ter me contado, então posso viver o resto da vida sem saber se isso
já aconteceu, mas sempre suspeitando que sim, isso pode ter
acontecido.”

Connor fica só me olhando.

“Que foi?”, pergunto. “Você nunca se preocupou com isso?”

Ele sorri, balançando a cabeça e levando o copo plástico à boca.

Uma rara onda de vergonha me invade. Sei que não sou uma pessoa
fácil de lidar, mas acho que, mesmo que Connor me achasse
insuportável, não deixaria isso transparecer. Ele não poderia.

Simplesmente abriria um sorriso e aguentaria firme, como talvez


esteja fazendo agora mesmo. Ele precisa me aguentar porque quer
que o programa dê certo. Caso contrário, vai perder o emprego e
provavelmente vai ter que se mudar para longe e ficar a duas horas
de viagem da filha, aquela pequena concentração de energia
acumulada que está pulando, pipocando como fogos de artifício em
noite de Ano-Novo.

“Desculpa”, eu resmungo com a boca no copo.

“Pelo quê?”
“Pelo lance da masturbação”, murmuro, e então acrescento com um
sorriso: “E pela piadinha sobre o Kendall Roy no jogo de futebol.
Você não é nem de longe tão problemático”.

Isso o faz cair na risada. “Não tenha tanta certeza assim. E agora eu
é que estou preocupado de ter feito uma chamada no FaceTime sem
querer para alguém no meio de uma punheta.”

Fico só olhando para ele, me sentindo grata por essa tentativa de


aliviar a tensão, mas emocionalmente obliterada pela imagem
mental que agora está rodando no HD do meu cérebro.

Connor encolhe os ombros, dando mais um gole na cerveja, e uma


onda de afeto me invade quando mais uma vez percebo quanto é
tranquilo conviver com ele e quanto gosto de verdade desse cara.

As palavras saem da minha boca antes que eu possa pensar muito


no que estou dizendo: “Desculpa por aquela noite também”.

“Aquela noi… ah.” Uma tensão se instala imediatamente. Connor


olha para longe, espremendo os olhos. “Ah, não. Você não precisa se
desculpar por aquilo.”

“Preciso, sim.”

Me esforço ao máximo para não preencher o silêncio com piadas,


gracinhas e até comentários sobre o tempo. Deixo o
constrangimento se instalar, desejando que ele veja que também
consigo ser séria e sincera, apesar de aparentemente ser péssima
nas duas coisas.

“Eu recusei por várias razões”, ele diz, por fim, e a minha vergonha
chega a níveis abissais.

“Por favor, não se sinta obrigado a listar item por item.”


Ele se vira para mim com uma expressão bem séria. “Mas nenhum
desses motivos tem a ver com falta de interesse. Me desculpe se
não deixei isso claro.”

“Ah.” Sou obrigada a interromper o contato com aqueles olhos


hipnóticos. De repente, não resta nada no meu cérebro além do
ruído estático de milhares de músicas sensuais se sobrepondo umas
às outras. Connor não faz ideia de que está brincando com um fogo
difícil de conter, de que o flerte é a minha linguagem do amor e de
que eu não transo há muito, muito tempo. Sinceramente, eu só me
desculpei para ser educada.

“Me conta mais sobre Jess e River”, ele diz, mudando de assunto na
hora certa. “De onde você conhece eles?”

“Jess é minha amiga da vida toda. River frequentava a mesma


cafeteria que a gente toda manhã, e os dois ficavam naquele vai-
não-vai estilo Orgulho e preconceito. Eu forcei a barra pra ela fazer o
teste do DNADuo. Juro pra você, se não fosse por mim, ela ainda
estaria solteira. Eu devia ganhar honorários pelo trabalho de
casamenteira.”

“Eu ainda não estava prestando muita atenção nessa tecnologia


quando a empresa surgiu”, ele comenta, “mas eles têm uma
compatibilidade bem alta, não?”

“Diamante. Uma pontuação de noventa e nove, pra ser mais exata,


a mais alta da história da empresa. Os executivos até pagaram pra
ela conhecer ele. Sinceramente, nem eu teria conseguido escrever
um final feliz melhor.”

Cometo o erro de deixar meus olhos percorrerem seu corpo inteiro.

Ele parece estranhamente agitado e, quando tira o suéter por cima


da
cabeça e o dobra sobre as costas do assento, meu cérebro entra em
curto-circuito por um instante.

Um novo sentimento invade minha corrente sanguínea: afeto. Pisco


várias vezes enquanto vejo no peito dele vários rostos masculinos
sorridentes sob a palavra WONDERLAND escrita de forma estilizada.
“Você está usando uma camiseta do Wonderland?”

“Stevie e eu passamos na banquinha enquanto você e Juno estavam


naquela fila gigantesca do banheiro.”

Eu dou uma risadinha. “Banquinha. Quem vê pensa que não é um


negócio milionário.”

Ele sorri. “Nós não estamos em uma busca? Em uma busca por
alegria? Tô fazendo um esforço aqui.”

Por um instante, fico sem palavras. Sinto um aperto no peito, como


se tivesse uma corda comprimindo os meus pulmões, ao vê-lo
usando essa camiseta. E não só usando, mas fazendo isso com
orgulho. Eu sempre concordei com Jess que é o máximo River ser
um pai tão bom para Juno, mas a verdade é que eu não sei como é
realmente sentir isso. Eu fico feliz por ela, assistindo de lado. Quero
ter uma família, claro, mas não sei como isso pode acontecer. A
equação conhecer alguém + se apaixonar + ficar juntos por tempo
suficiente para ter filhos não parece uma matemática aplicável a
mim. Talvez meu papel seja o da tia que todo mundo procura
quando precisa aprender a aplicar delineador nos olhos, esconder
uma ressaca dos pais ou chorar pela primeira decepção amorosa.
Acho que toda criança precisa de alguém que as ama
incondicionalmente, mas não tem nenhuma obrigação biológica de
fazer isso. Sentir atração por um pai orgulhoso está provocando
reações estranhas e dolorosas no meu corpo.

É só atração, lembro a mim mesma. Não é nada de mais.


“Eu não sabia que a ‘banquinha’ tinha tanta variedade de tamanhos”,
comento, forçando minha voz a atravessar o nó na garganta.
Cometo o erro de passar distraidamente a mão na camiseta, movida
pela curiosidade, e noto como seu corpo é durinho sob o tecido.
“Pelo menos assim não fica parecendo que você acabou de sair de
uma loja de roupas infantis.” Santo bíceps. Eu afasto os dedos como
se tivesse encostado no fogo.

“Essa questão dos tamanhos é bem confusa”, ele admite.

Dou um pequeno passo para trás, esperando que a minha pele


esfrie um pouco. “Eu comprei uma camiseta G feminina um tempo
atrás, pensando em usar para dormir. Fica parecendo uma roupa de
mergulho em mim.”

Ele ri. “Deve ser por isso que essa aqui estava sobrando. A
vendedora disse que é o último tamanho a esgotar. A maioria das
fãs…” Ele ergue a mão para me poupar do trabalho de corrigi-lo. “Ou
melhor, eu pensei que as fãs eram todas meninas da idade da Stevie
e da Juno.” Connor faz um gesto para eu segui-lo até onde as
garotas estão, na beirada do camarote, com vista para a plateia.
Vemos um grupo de mulheres vestidas dos pés à cabeça com artigos
do Wonderland mais abaixo. No camarote à nossa esquerda, estão
uns casais de trinta e poucos anos, recostados no gradil como nós,
rindo e bebendo seus drinques. O da direita tem um grupo de
garotas adolescentes e um pai solitário mexendo no celular. E
quando olho mais longe vejo mulheres de todas as idades, um grupo
de homens com colares de LED cantando junto com a playlist pré-
show, além de duas senhoras de cabelos brancos tirando fotos
diante dos telões. “É como uma sessão de autógrafos sua”, Connor
comenta.

“Só que com um pouquinho mais de gente”, eu respondo aos risos.

“Por enquanto.” Ele se vira para mim, e seus olhos se fixam por um
breve momento na minha boca. “Quando o mundo conhecer você,
Fizzy, as pessoas vão se apaixonar.”

Dezoito

CONNOR

Stevie sempre foi uma criança espontânea, movida pelas emoções.


Ela está sempre dançando pela casa, vira estrelinhas nos corredores
do supermercado e ficou tão emocionada quando trouxemos Baxter
para casa que o abraçou e chorou sobre seu pelo macio de filhote
por uma hora. Estou acostumado com seus gritos de alegria nos
passeios de montanha-russa na Disneylândia e com as risadinhas
incessantes em seu quarto quando chama uma amiga para dormir.
Mas nunca vi minha filha desse jeito.

O show ainda nem começou, mas Stevie e Juno já estão de pé,


dançando e cantando com o restante da plateia ao som dos
videoclipes exibidos no telão. Fizzy estava falando sério quando disse
que tinha contatos. Estamos em um camarote, em um lugar alto o
bastante para ver toda a arena, mas não muito distante do palco.
Também temos comida grátis, bebidas — inclusive alcoólicas — e um
banheiro privativo.

Daria até para morar aqui.

E Fizzy… Eu não consigo tirar os olhos dela. Racionalmente, sei que


é um ato de autossabotagem ficar pensando em como ela está linda
ou em como seu pescoço fica tentador com os cabelos presos desse
jeito, mas meu cérebro não parece estar nem aí para isso.

Quando ela subiu nos meus ombros do lado de fora, foi como tirar o
pino de uma granada. Eu conseguia sentir seu calor através do
tecido do short; a força de suas coxas comprimindo meu pescoço
desencadeou uma onda de desejo no meu corpo, algo que eu
preferiria não sentir na frente de milhares de pessoas. Queria estar
sozinho com ela, passar os dedos pelo interior das suas coxas, sentir
aquele calor com a minha mão. Queria me ajoelhar e mostrar com a
minha boca quanto me arrependi de ter ido para casa sozinho
naquela noite. Emprego? Quem precisa de um emprego?

Mas, obviamente, não estávamos sozinhos. Bastou olhar para Stevie

— com os olhos cravados em Fizzy e faiscando de admiração — para


a

realidade voltar a se impor.

Por sorte, os gritos estridentes interrompem meus pensamentos, as


luzes se apagam e a arena explode em um ruído inacreditável. É
quase alto demais para suportar. Sei que o som não tem cor, mas,
quando fecho os olhos, vejo estrelas amarelas e vermelhas por trás
das pálpebras. É ensurdecedor, um trovão tangível que se move pelo
meu peito, fazendo o chão tremer. Stevie e Juno estão pulando sem
parar junto a um coro que grita o nome do grupo.

Fizzy me puxa mais para perto, me segurando pelo antebraço. Vejo


seus lábios se moverem, mas é impossível ouvir em meio à
cacofonia enquanto ela aponta o queixo para as meninas. Balanço
negativamente a cabeça, ela fica na ponta dos pés e eu me abaixo,
sentindo sua boca se mexer perto da minha orelha: “Que bom que
você está aqui pra ver isso”.

“Eu queria poder pôr um pedômetro nelas e medir quantas calorias


vão ter queimado no fim disso aqui.”

“Espera só até o show começar.”

Ela está tão perto que me pergunto como vou conseguir pensar em
outra coisa além disso, mas, quando a primeira nota ressoa em meio
à escuridão, minha atenção é facilmente atraída. Eu nunca escutei
uma música do Wonderland por iniciativa própria, mas é impossível
estar aqui e não se deixar levar pela ansiedade coletiva que nos
cerca. Essa é a alegria de que Fizzy estava falando. A adrenalina
compartilhada, toda essa gente reunida pelo mesmo motivo. Até os
pais perto de nós ficaram de pé para ver, alguns procurando a
melhor posição para enxergar melhor, curiosos para ver o motivo de
tanta comoção.

Efeitos pirotécnicos explodem no palco, e o grupo aparece em meio


a uma reação retumbante da plateia. Quando a música começa,
Fizzy, Juno e Stevie conhecem as letras do começo ao fim. E fico
surpreso ao constatar que eu também conheço a maioria. As
meninas se deixam contagiar pela música e pela euforia do
ambiente. Fizzy dança sem o menor constrangimento. De alguma
forma, Stevie parece prever toda a sequência do show. Conhece o
set list, sabe quando os músicos vão se aventurar no meio da plateia
e o momento exato em que vão passar na nossa frente. Fico tão
animado que, quando ela pega seu pequeno cartaz, eu me ofereço
para segurá-lo para deixá-lo mais alto.

Durante o intervalo antes do bis, suado e surpreendentemente


exausto, volto para a parte interna do camarote e vou ao banheiro.

Quando saio de novo, Fizzy está preparando uma bebida. Ainda é


possível ver as meninas, mas estamos separados delas por uma
divisória de vidro que abafa um pouco o ruído do show.

Eu me junto a Fizzy no bar, encho minha garrafa de água e fecho os


olhos enquanto dou um gole longo e gelado.

Quando volto a abri-los, ela está me observando de novo. “E então?”

Ela se recosta casualmente no balcão. “Qual é o veredicto?”

“Pra ser sincero, eu esperava muito barulho, trânsito e duas meninas


de dez anos cansadas e ranzinzas — o que com certeza vamos ter
que encarar —, mas também pensei que fosse detestar tudo. Eu
estava errado. Já pode se gabar agora.”

“Você estava dançando”, ela diz com um sorriso.


“Estava só me balançando um pouco.”

Ela deixa essa passar. “Eu sou bem seletiva com as pessoas que
trago para um show, mas você se saiu bem, Papai Gostosão. Talvez
seja convidado de novo, se eu precisar de companhia algum dia.
Mas costuma ter menos meninas de dez anos, mais bebida alcoólica
e às vezes uma tatuagem absurda no fim da noite.”

“Eu mal posso esperar”, respondo, e olho de novo para as meninas,


sentindo o impacto inesperado do elogio de Fizzy. O grupo volta para
cantar mais uma música, e Stevie olha para trás, procurando por
mim.

Essa é a favorita dela, a que ouço no meu caminho para o trabalho


toda segunda-feira por ter sido a última que ela ouviu no domingo à
noite.

Ela aponta para o palco, empolgadíssima, antes de se virar de novo


para a banda.

“Ela é louca por você”, Fizzy comenta.

Não sei por que essa palavra faz meus olhos arderem. A maioria dos
filhos ama seus pais. Eu não gosto do meu pai, mas o amo mesmo
assim, do meu jeito. É um amor misturado com decepção e mágoa e
mais um monte de sentimentos complicados, mas ele existe. Ser
louca por alguém significa amar incondicionalmente, e saber que é
perceptível que Stevie sente isso por mim apesar de todas as minhas
falhas me deixa tão orgulhoso que fico até sem fôlego.

Se Fizzy percebe isso, faz a gentileza de não comentar nada.

“Obrigado por ter me forçado a vir junto”, eu digo. “Nunca tinha


visto a

Stevie desse jeito.”


Fizzy lança um olhar carinhoso para as meninas. “Sem dúvida ela
está feliz.”

“Como ela sabia tudo o que ia acontecer? O set list, o que cada um
ia estar usando? Onde ela aprendeu tudo isso?”

“As fangirls são assim mesmo”, Fizzy responde, encolhendo os


ombros. “É do mesmo jeito que você descobre quando a Shimano
vai lançar um câmbio novo para a sua mountain bike toda equipada.”

Minha atenção se volta para ela e abro um sorriso. “Olha só você,


falando de bicicletas.”

Ela pega um cookie, parte em dois e me entrega metade. “Dá pra


dizer que sou uma especialista em digitar coisas no mecanismo de
busca do Google.” Ela olha para o cookie. “Até fui atrás de fotos
suas.”

“Minhas?”

“Sim, tipo no set, praticando mountain bike.” Ela faz uma pausa,
encolhendo os ombros de leve. “Com namoradas.”

“E então?” Eu me inclino sobre o outro lado do balcão, segurando o


sorriso. Ela é tão transparente. “O que foi que encontrou?”

Um dos lados de sua boca se contrai, formando uma covinha em sua


bochecha esquerda. “Nada. Seu nome no Instagram é um monte de
letras e números aleatórios que eu só consegui encontrar porque sei
que Jess conhece Natalia, que marcou você em uma postagem, tipo,
cinco anos atrás. Você tem quatro seguidores e duas publicações.
Foi ao mesmo tempo um alívio e uma decepção.”

“A questão aqui deveria ser a sua vida amorosa, Fizzy.”

“Isso é injusto”, ela diz, com um sorriso fácil, mas seus olhos estão
bem sérios quando me encaram. “Agora que estamos ficando
amigos, não é certo pensar só em encontrar alguém pra mim e não
pra você.”

Olho para o palco. O show está terminando, e o Wonderland está se


despedindo. Nada de bom pode sair disso. Nós dois sabemos, mas
mesmo assim estamos aqui. “Bom, eu ficaria surpreso se existissem
fotos minhas com mulheres em algum lugar. Eu não tenho saído
muito ultimamente.”

“Você já tentou o DNADuo?”

“Eu? Não mesmo”, respondo, balançando a cabeça. “Não porque não


acredito nem nada do tipo. É que… se eu encontrasse um match, iria
querer levar a sério, o que não estou em condições de fazer agora.”

“Jess estava na mesma situação. Com a Juno”, ela responde,


esclarecendo melhor. “Não estava interessada em se envolver com
ninguém antes que ela entrasse na faculdade.”

“Sei bem como é.”

“Vou dizer pra você o que disse pra ela: isso daria um livro chato pra
caralho.”

“Bom, quem sabe um dia”, respondo. “Tentei sair algumas vezes


quando Stevie era mais nova, mas qualquer mulher que valha a
pena vai querer mais do que passar uma ou outra noite juntos no
meio da semana. Além disso, a pessoa com quem eu me envolver
ganha de brinde Stevie e Nat.”

“Faz quanto tempo que vocês se divorciaram?”

“A Stevie tinha dois anos.”

“Ah, nossa. Ela era bem pequena.”


Houve um tempo em que, quando ouvia um comentário assim —
por mais que não tivesse maldade nenhuma —, eu mergulhava em
uma espiral de culpa. Stevie era mesmo bem pequena, e o divórcio
foi a coisa mais difícil que já fiz na vida, mas isso não significa que
não era também a coisa certa a fazer. “Pequena mesmo.”

“Mas você e a Nat se dão bem hoje? Ouvi a Stevie falar com a mãe
algumas vezes, e acho que já nos encontramos na saída da escola.
Ela é bem gata.”

Eu dou risada. “É mesmo. E tem um namorado bonitão e muito,


muito jovem que deve estar prestes a pedi-la em casamento a
qualquer momento.”

“Que bom pra ela.” Esse momento se estende, tenso e carregado.

Fico esperando que ela desvie o olhar. Isso não acontece. Em vez
disso, ela estala a língua em um gesto de solidariedade. “Pena que
você não é bom em separar as coisas.”

Eu decido que está na hora de ser mais direto. “Na verdade, eu não
sou bom nessa coisa de sexo casual.”

A palavra sexo se acende como um lança-chamas entre nós, e ela


sorri. “Bom, eu quis dizer que pena pra mim que você não sabe
separar as coisas.”

Eu dou risada. “Você é mesmo um perigo, Felicity.”

“E você gosta disso.”

Finjo pensar a respeito, e ela fica na ponta dos pés, rugindo bem na
minha cara.

Por fim, resolvo ceder. “Você é ok.”

Ela volta à posição normal e se recosta no balcão ao meu lado.


“Quanta simpatia”, ela comenta.

“Suportável.”

“Talentosa e carismática.”

“Mandona e cheia de opiniões.”

“Sua nova melhor amiga. Pode admitir.”

Ela põe a mão ao lado da minha. Meu dedo mindinho começa a


formigar ao sentir a proximidade do dela. Se eu me afastar agora,
posso tentar fingir que foi por acaso. Mas não vai colar, então em
vez disso ponho meu dedo sobre o dela.

Fizzy envolve meu dedo com o dela. Um calor se espalha por mim,
assim como uma vontade de me virar para ela, prensá-la contra o
balcão, levantá-la, me colocar entre suas pernas e…

Eu respiro fundo. “Minha nova melhor amiga.”

Dezenove

FIZZY

Juno não é mais uma criancinha.

Isso significa que, quando paramos o carro na frente da casa de Jess


e River com as duas meninas largadas como sacos de batatas no
banco traseiro, eu não tenho como carregar Juno até a porta.

Na verdade, não sei nem se consigo me arrastar até a porta no


momento. Sem querer me gabar demais, já escrevi cenas com uma
tensão sexual tão intensa que era capaz de fazer o ar fumegar, mas
nada se compara aos últimos vinte minutos do trajeto de volta no
carro com Connor.
“Deixa comigo.” Connor está do meu lado e se inclina para soltar o
cinto de segurança de Juno.

Suas coxas se flexionam sob a calça jeans, e seu ombro se tensiona


contra o algodão macio da camiseta novinha enquanto ele levanta
com facilidade a criança adormecida do assento. “Desse jeito eu vou
acabar literalmente ovulando”, resmungo.

Ele se vira, ajustando o peso dela sobre o ombro. “O quê?”

Dou uma leve tossida, cobrindo a boca. “Eu sabia que elas iam
acabar literalmente desmaiando.”

Connor me olha com ceticismo, mas parece acreditar que, se estou


me controlando, é melhor assim. Ele se vira e segue para a entrada
da casa quando faço um gesto para que vá na frente.

A porta se abre quando estamos quase chegando. Jess aparece,


iluminada por uma luz quente e dourada, e ao que parece não nota
que estou prestes a subir pelas paredes. River surge atrás dela e
estende os braços para pegar Juno do colo de Connor, que murmura
um “Está firme aí?” antes de soltá-la.

Meu coração quase pula para fora da boca.

A garotinha demonstra algum nível de consciência ao enlaçar o


pescoço do pai com os braços e murmurar: “Obrigada, tio Connor”.

Eu me recomponho o suficiente para me fingir de ofendida. “Ei, e


eu?

Alô, quem foi que descolou os ingressos?”

Ela responde com um grunhido sonolento enquanto é carregada


para o quarto.
Com Juno entregue e Stevie dormindo no carro, Connor desce
alguns dos degraus da frente da casa e olha para mim por cima do
ombro.

“Vamos?”

Eu começo a segui-lo, como se houvesse um cordão invisível nos


atando, mas então fico hesitante. Penso no calor do interior do carro
e no clima relaxante criado pela música. Penso nas mãos grandes de
Connor segurando o volante com força, como se estivesse agarrado
a um cipó pendurado na beira de um abismo. Penso em seus
antebraços musculosos e percebo que quando ele está dois degraus
abaixo de mim ficamos da mesma altura. Penso nos seus olhos
brilhando de alegria ao ver a filha tão contente e na sensação dos
seus ombros sob as minhas pernas quando ele me levantou. Penso
no grunhido de derrota que ele soltou antes de dizer Minha nova
melhor amiga e na possibilidade de não conseguir me segurar se
tiver que passar mais um segundo que seja ao seu lado no carro.
Sou uma mulher de carne e osso, afinal de contas, e quero Connor
Prince III me esmagando como se eu fosse uma flor delicada sob
uma árvore caída.

Mas de um jeito sexy.

“Acho que vou dormir aqui mesmo hoje”, digo para ele.

“Sua casa fica no meu caminho”, ele me garante. “Não me custa


nada.”

“Não é isso.”

Ele estreita os olhos. E entende tudo: estou deixando claro que o


motivo para recusar a carona é que não é esse tipo de rolê que
desejo fazer com ele.

Em vez disso, prefiro conversar com a minha melhor amiga sobre


essa química sufocante que existe entre nós.
“Tem certeza?”, ele diz, com um sorrisinho.

“Ah, tenho”, respondo. “Pode acreditar que sim.”

Com os olhos ainda sorridentes, ele diz boa-noite para Jess e leva
seu corpo gostoso correndo pelo restante dos degraus na direção do
carro.

Nós ficamos olhando para ele, sem nem piscar, como se fosse o
último episódio de Round 6, e então finalmente consigo expelir umas

quinze toneladas de ar dos pulmões. “Minha nossa.”

“Você está enrascada.”

Eu a sigo para dentro da casa, tirando os sapatos. “Não estou


enrascada. Estou desperta. Revitalizada.”

“Ah, claro.”

“Jessica, escuta bem o que eu vou te dizer: Connor é um catalisador.

Uma faísca. Um aperitivo pra minha libido. Você não está contente?
Eu tinha virado um robô sem emoções. Isso não dá um programa de
tevê muito interessante.”

Jess se joga no sofá. “Lembra quando eu tive aquele namoro falso


com o River?”

“Claro que sim. Toda vez que ele entrava no Twiggs, parecia que
você ia comer o cara com os olhos.”

“E, mesmo assim, eu jurava que não estava a fim dele.”

Entendo o que ela está querendo dizer, mas não concordo com a
comparação. “Sim, mas você estava só se iludindo. Já estava
começando a se apaixonar por ele.”
“Assim como você com o Connor.”

“De jeito nenhum”, retruco. “Você estava se apaixonando pelo River.

Eu só quero um livre acesso ao pau do produtor gostosão.”

River, que estava entrando na sala naquele momento, dá meia-volta


e desaparece no corredor. “Boa noite”, ele grita.

“Volta aqui! Eu valorizo a sua opinião!” A única resposta que recebo


é o som dos passos dele se afastando. Abro um sorriso para Jess.
“Ops.”

Ela balança a cabeça, irritada. “Por que você continua insistindo que
tudo se resume a sexo casual?”

“Será que é porque o meu último relacionamento de verdade foi


com um cretino e porque nos últimos três anos eu estive decidida a
fazer literalmente qualquer coisa pra não correr o risco de destruir
outro casamento?”

“Você pode até achar que está brincando, mas é verdade. Rob era
mesmo um cretino. O vilão era ele. Você não fez nada de errado.”

É verdade. Teoricamente eu sei, apesar de ter demorado todo esse


tempo para realmente acreditar nisso. Finalmente consegui superar
a dor provocada pela mentira dele (mesmo que sempre haja um
asterisco furioso junto ao nome dele). Me sento ao lado dela no
sofá. “Eu sei.”

“Nem todo cara é um Rob.”

“Bom, é o que eu espero, porque preciso manter o otimismo com a


ideia de que vou conhecer a minha alma gêmea diante das câmeras
em breve.”
Ela se levanta, atravessa a sala até o carrinho de bebidas todo
ornamentado e serve uma dose pequena de uísque para cada uma.

“Então você está confiante de que a equipe do Connor fez um bom


trabalho na escolha do elenco?”

“Acho que sim.” Pego o copo com um sorriso e dou um gole,


sentindo o calor descer pela garganta e se alojar suavemente no
meu estômago.

“Fiquei com a impressão de que ele foi muito, muito exigente.”

“Isso é bom.” Ela gira a bebida na mão. “Ele parece ser um cara bem
atencioso.” Jess faz uma longa pausa. “Imagino como deve estar
sendo pra ele. Hoje fiquei com a nítida impressão de que ele está a
fim de você também.”

“É, eu acho que ele sente uma atração por mim.” Inclino o copo e
observo a luz batendo no líquido cor de âmbar. “Ele admitiu que o
motivo pra ter recusado minha proposta não foi falta de interesse.”

“Claro que não, olha só pra você.”

“Agora que estou respirando em uma atmosfera sem o Connor e


consigo pensar direito, acho que talvez fosse melhor não saber”,
confesso. “Saber que ele também sente uma atração por mim me
transformou em um demônio. Eu quero arrancar as calças dele.”

Ela balança a cabeça para mim. “Se concentra no programa. Quando


as filmagens começam?”

“Daqui a cinco semanas.”

“E o cronograma já está definido?”

Assentindo, dou mais um gole na minha bebida antes de responder.


“Ele me mandou hoje de manhã, pra saber se eu tinha alguma
observação a fazer. Na primeira semana, vou sair pra tomar café
com os caras. Nós vamos gravar depoimentos sobre como foi, depois
o programa vai ao ar e o público vota pra eliminar dois deles,
considerando com quem rolou a melhor vibe, e assim por diante. Os
dois últimos participantes vão conhecer a minha família. Estou
preferindo fingir que essa parte não vai acontecer.” Jess me lança
um olhar solidário, de quem me deseja boa sorte. “Depois disso vem
a final, quando vamos descobrir se a plateia vai escolher a alma
gêmea prevista pelo teste do DNADuo. O vencedor pela votação
popular ganha cem mil

dólares, e eu vou poder escolher com qual dos dois vou fazer uma
viagem pra Fiji. U-hu!”

“Que engraçado, não estou sentindo essa empolgação na sua voz.”

Eu cavo a minha mente e as minhas entranhas procurando uma


resposta. “Eu estou empolgada, sim, claro.”

“Fizzy, isso que você vai fazer é uma coisa incrível! Oito heróis
românticos competindo pelo seu coração!”

“Pois é, eu sei”, resmungo. “Mas a minha cabeça está presa entre as


coxas do Connor. É isso o que eu quero, pelo menos uma vez, antes
de conhecer outro tipo de príncipe.” Jess dá risada, e eu apoio a
cabeça no encosto do sofá, com um suspiro. “Eu juro. Só preciso
matar essa curiosidade pra poder parar de pensar nisso.”

“Esse é literalmente o papo furado que você mais despreza em um


romance.”

Levantando a cabeça de novo, eu lamento: “Sim, mas quem podia


imaginar que isso acontece na vida real?”.

“Ninguém!”, ela retruca com um grito. “Porque não acontece!” Jess


joga as mãos para o alto. “Certo, falando sério agora. Chega de
encontros com ele.”

“Mas não são encontros”, eu argumento. “São excursões da alegria.”

“Fizzy, fala sério.”

“Que foi? É sério! O cara trabalha com documentários sobre


preservação da natureza. Eu queria que ele conhecesse o meu
público.”

“E você acha que agora ele já conhece?”

Um calafrio se espalha pelo meu corpo. É quente, mas mesmo assim


inquietante. “Conhece, e acompanhar ele abrindo os olhos pra esse
outro lado da indústria do entretenimento e gostando foi… Enfim, foi
legal. Não só porque ele é um gato. Eu gosto da companhia dele.
Ele é divertido. É engraçado. E acho que a minha parte favorita é
que ele não se deixa intimidar por mim. Ouso dizer que ele até gosta
desse meu jeito.”

Eca. Sentimentos.

“Isso também é importante para um produtor”, Jess comenta.

Com um grunhido, eu me deito de lado no sofá ao lado dela. “Se ele


me comesse logo de uma vez, eu já teria desencanado dessa
história.”

Jess passa os dedos pelos meus cabelos, arranhando bem de levinho


meu couro cabeludo. “Aí é que está. Acho que não teria, não.”

Vinte

CONNOR

Eu deveria ter previsto que os extremos para Fizzy são a regra, e


não a exceção, e que o tempo que passaríamos juntos seria
divertidíssimo, mas também torturante. Ao longo de várias semanas,
enquanto O

Experimento do Amor Verdadeiro começava a tomar forma, Fizzy e


eu saímos toda sexta-feira em nossa busca contínua por alegria.
Pegamos um trem para ir até o Broad Museum e falar sobre uma
alegria mais tranquila e introspectiva. Visitamos a Last Bookstore ali
perto, onde ela me compra uma edição de colecionador de Salem, e
eu compro para ela uma capa emoldurada de um de seus livros de
romance favoritos. Na semana seguinte, ela arruma ingressos para a
equipe toda ir assistir a uma apresentação ao vivo de The Rocky
Horror Picture Show. Chego em casa naquela noite e bebo um pouco
mais do que deveria, em um esforço para não ficar pensando em
como ela se ilumina quando se solta; em como ela canta mal, mas
faz isso com tanto gosto que eu adoro ver; em como ela retribui o
carinho da equipe, sempre em dobro; e em como estou começando
a achar abominável a perspectiva de que ela encontre um amor
verdadeiro daqui a algumas semanas.

As filmagens têm início oficialmente amanhã, mas, mesmo sabendo


que meu dia de trabalho começa antes mesmo de amanhecer, tenho
um último lugar que quero visitar com ela.

Fizzy e eu estamos na via expressa, com as janelas abertas,


sentindo o vento quente bater. Um sol alaranjado e enorme começa
a descer no horizonte. É nossa última saída em busca de alegria —
pelo menos a última que planejamos, e tenho certeza de que a ideia
que tive na verdade é bem estúpida. Vamos estar sozinhos, no cair
da noite, só com os sons das ondas ao nosso redor. Já consigo até
imaginar Fizzy correndo descalça na areia, dando o bote, forçando a
barreira patética que coloquei entre nós.

Torrey Pines é uma faixa de areia de pouco mais de sete quilômetros


na costa entre Del Mar e La Jolla. O trânsito está estranhamente
tranquilo, e chegamos ao estacionamento quando o sol começa a
mergulhar na água. Quando estaciono e encontro Fizzy na frente do
carro, mais uma vez me surpreendo com sua beleza ao vê-la com
uma calça jeans simples, camiseta, tênis e uma blusa de lã felpuda
no braço.

Tem muita coisa rolando no programa, mas tem momentos como


este, em que a vejo andando na direção da areia e esqueço todo o
resto. Quando ela fala sobre alguma coisa que adora ou quando cai
na risada, quando discute com alguém ou quando deixa
transparecer suas pequenas brechas de vulnerabilidade, eu me pego
pensando nos motivos para desistir e ceder. Talvez seja inevitável.
Talvez ninguém precise saber. Talvez eu esteja me preocupando
demais e isso não estrague tudo. Nós dois somos adultos; já
transamos com outras pessoas antes e não passou disso. Talvez eu
consiga, sim, separar as coisas.

Durante o dia, as pessoas pulam de parapente e asa-delta das


falésias de areia à distância, e banhistas, surfistas e nadadores lotam
a praia. Agora ela está quase vazia, com apenas alguns gatos-
pingados espalhados pela areia ou sentados sobre as pranchas no
mar, oscilando com a maré. A luminosidade parece mudar a cada
segundo, como uma tela que vai do azul para o roxo e então para o
vermelho e para o laranja.

“Certo.” Fizzy se espreguiça, deixando aparecer a pele entre a


camiseta que sobe e a cintura da calça jeans. “Uma praia.”

Eu sorrio ao ouvir o desdém em sua voz. “Não é muito fã, então?”

“Ah, não, eu entendo, é lindo.” Ela se senta na areia. “Mas é meio


como fazer sexo menstruada. Dá muito trabalho, e não é uma coisa
que você queira fazer todo dia, mas, enquanto está rolando, você
pensa: ‘Ei, até que não é tão ruim assim’.”

“Minha nossa, Fizzy”, eu digo com uma risadinha.


Ela olha para mim. “Que foi?”

Me sento ao lado dela, tentando controlar o afeto que sobe como


uma onda pelo meu peito. “Acho melhor nem entrar nesse assunto.”

Ela dá risada, tira os tênis e afunda os dedos na areia fria e úmida.

“Agora que já sabemos o que eu acho da praia, explica o que


estamos fazendo aqui.”

“Bom, eu cresci à beira-mar, então trouxe você aqui porque me sinto


totalmente em paz quando estou no litoral, mas hoje a questão não
é

bem a praia. É o momento.”

Ela apoia o queixo nos joelhos e abraça as pernas enquanto escuta.

Ao nosso redor, o sol já mergulhou no horizonte, e o céu escurece


como um hematoma.

“Meus fins de semana com a Stevie são meio que iguais”, explico.

“Nós andamos de bicicleta, levamos o Baxter ao parque ou a um


lugar onde ele possa correr e brincar, vemos filmes, fazemos os
trabalhos da escola e cozinhamos juntos. O básico. Quando ela tinha
uns seis anos, o Baxter precisou fazer uma cirurgia e não pôde vir
com ela no fim de semana. Decidimos tentar uma coisa diferente.
Montamos um piquenique, viemos ver os surfistas e acabamos
ficando quase o dia todo. Devíamos ter ido embora quando o sol se
pôs — estava esfriando, e eu sabia que a Stevie ia estar da pá virada
no dia seguinte —, mas ela estava se divertindo tanto, correndo e
virando estrelinhas na beira do mar, que eu decidi ficar mais um
pouco. Depois que anoiteceu e estávamos juntando tudo para ir
embora, eu vi um brilho azulado na água, e depois mais outro.
Quando as ondas quebravam, parecia que havia centenas de
vagalumes nas ondas.”
“Ah, eu sei o que é.” Ela estala os dedos, tentando lembrar a
palavra.

“Bioluminescência. São algas, certo?”

“Isso. Alguns tipos de algas usam a bioluminescência para se


proteger dos predadores. Então, quando alguma coisa se move na
água ou se aproxima demais, elas acendem esse brilho azulado para
assustar.” Eu aponto. “Olha ali.”

Ela se inclina para a frente e segue meu olhar até o local onde um
surfista está voltando sem pressa para a areia, deixando um rastro
azulado atrás de si. “Parece até que é de mentira”, ela diz.

“Eu lembro do deslumbramento da Stevie e da minha vontade de


guardar o momento num potinho pra reviver tudo aquilo quantas
vezes quisesse.”

Fizzy se vira para mim. “Essa é a resposta que você devia ter me
dado lá no seu escritório.”

“Que resposta?”

“Quando eu perguntei o que te traz alegria.”

Meus olhos se voltam como ímã para sua boca. “Mas, nesse caso,
como eu teria conseguido monopolizar você por todas essas
semanas?”

Ela ri.

“Além disso”, continuo, “eu nunca perguntei o que traz alegria pra
você.”

Fizzy se inclina na minha direção e esbarra o ombro no meu. “Isto


aqui. Passar esse tempo com você.”
“Mas e antes que eu virasse a melhor coisa que aconteceu na sua
vida?”

“Jess e Juno. Minha família. Viagens.” Ela respira fundo. “Sexo.

Escrita.”

“Ainda está empacada?”

Ela assente com a cabeça. “Nem lembro da última vez que abri um
arquivo no Word.”

“Sendo justo, você andou ocupada. Nós tínhamos um reality show


inteiro pra planejar.”

“Mas talvez isso seja só uma desculpinha conveniente.” Ela pega um


pedaço de alga marinha e o arrasta na areia. “Toda ideia que eu
tenho acaba perdendo força antes mesmo de eu começar a
escrever.”

“Não posso falar que entendo como é, mas não é algo que dê pra
resolver com terapia?”

“Ah, sim, claro”, ela responde. “Mas já estou cansada de falar as


mesmas coisas o tempo todo na terapia e não chegar a lugar
nenhum.

Eu faço uns exercícios de escrita, mas fico com a sensação de que é


uma coisa tão inútil.” Ela fica olhando para a água por um bom
tempo.

“Eu sei que vou ficar bem se não voltar a escrever. Sei que a morte
da minha escrita não significa a minha morte. Mas sinto falta dessa
parte de mim. Eu gostava dela, e não sei mais se vou conseguir
encontrá-la de novo. E levar isso pra terapia só piorou tudo, se é que
isso faz sentido.”
“Faz, sim.”

“Eu geralmente consigo lidar com a maioria das coisas, mas isso…”

Ela balança a cabeça. “Nessa eu me dei mal. Tinha perdido interesse


por todo e qualquer homem até vo…” Ela se interrompe e estreita os
olhos na direção do mar. “Até, sabe como é, aparecer o lance do
programa.”

Até você, era o que ela ia dizer. Sinto um aperto desconfortável no


coração.

Ela limpa a garganta. “Mas, sim, histórias de amor. Meu bloqueio


atual se resume a isso.”

“Talvez sua mente precise viver uma, em vez de escrever a respeito.”

“Olha só você, produtor.” Ela sorri para mim. “Trazendo a solução


ideal pra nós dois.”

Fico observando enquanto ela vira o rosto para o céu, de olhos


fechados, e respira fundo. Finalmente, nesta última noite juntos
antes da minha empreitada de encontrar alguém para ela amar, eu
consigo admitir.

Estou me apaixonando por ela.

“O que eu posso dizer?”, murmuro. “Estou aqui pra isso.”

Vinte e um

FIZZY

Eu admito sem problemas que sou tagarela, mas também lido bem
com o silêncio. Jess e eu já passamos vários dias de trabalho
sentadas uma diante da outra sem falar nada, só produzindo. Adoro
os momentos tranquilos com Juno no meu sofá, com a cabecinha
dela no meu colo enquanto lê. Adoro a serenidade a céu aberto em
uma trilha com o meu irmão Peter ou a paz nos momentos de lazer
jogando majong com a minha mãe. A verdade é que você nunca vai
conhecer alguém que adora livros e odeia silêncio.

Mas, depois do fluxo tranquilo e intimista da nossa conversa de hoje


à noite, o silêncio com Connor pesa. Estamos lado a lado na areia,
com as pernas estendidas e os dedões do pé apontados para o céu.
Ele dobrou a barra da calça, expondo os pés, os tornozelos e a parte
inferior das panturrilhas. Suas pernas são bronzeadas e musculosas,
sem muitos pelos. Ele está recostado nas mãos, com o rosto erguido
para sentir a brisa do mar… É como se estivesse oferecendo o corpo
para ser admirado. O peito geométrico de super-herói. O pescoço
comprido e com tendões salientes, os ombros largos e firmes. Sinto
meu cérebro gritar pensamentos desesperados, do tipo Seu corpo é
surreal, e Quero suas mãos em mim, e Me come aqui na areia.

Mas o que me surpreende é que o silêncio também traz


pensamentos mais suaves. Coisas como Eu gosto de verdade de
você, e Você é meio que a minha pessoa favorita no mundo
ultimamente, e Eu queria estar empolgada para amanhã, mas só
consigo desejar que esta noite não acabe.

Esse último pensamento, claro, surge bem no momento em que


Connor tosse discretamente, quebrando o silêncio. “Então”, ele diz,
abrindo um sorriso tímido para mim, mostrando que percebe quanto
a atmosfera ficou carregada, que existe algo quente e tangível entre
nós no ar, mas que talvez, se ignorarmos, isso vai acabar se
dissipando.

“Pronta pra amanhã?”

Respirando fundo, ajeito a minha postura. Certo. Recomponha-se,


Fizzy. “Estou. Espero conseguir dormir hoje à noite. Não quero de
jeito nenhum aparecer inchada e com olheiras amanhã.”

“Eu ia dizer”, ele continua, com um sorriso, “que você estava calma
demais para alguém prestes a protagonizar um programa de
televisão.”

“Não vou negar que venho fazendo limpezas de pele regulares desde
que concordei em participar disso e que investi uma boa grana em
sutiãs levanta-peito.” Ele ri. “Mas já fiz tantas sessões de autógrafos
em que as pessoas postam fotos minhas dos piores ângulos
possíveis que não faz sentido querer fingir que sou uma
supermodelo agora.”

“Você não precisa fingir”, ele responde. “Ver você é sempre de tirar o
fôlego.”

Nós dois ficamos imóveis, apenas olhando o movimento das ondas


enquanto o eco dessas palavras paira ao nosso redor. Minha
pulsação para por um instante e então dispara, fazendo a veia do
meu pescoço saltar. Quase consigo sentir nele a vontade de que as
ondas cheguem até aqui e levem esse momento embora.

“Enfim.” A voz dele parece retumbante neste momento, me


distraindo dos meus pensamentos. “Você parece mais animada para
o primeiro dia de filmagens, pelo menos. Isso é bom.”

Ainda estou abalada pela declaração que ele fez. Connor é firme
como uma rocha, e quanto mais tempo passo com ele, mais percebo
quantas vezes me sinto como uma folha soprada ao sabor do vento
das minhas decisões impulsivas, da minha inconstância no trabalho e
até dos meus estados de ânimo. Ver você é sempre de tirar o fôlego,
foi o que ele disse. E não faz sexo casual, não é bom nisso. Claro
que não.

Infelizmente, essa é uma parte do que me faz gostar dele. Ele


encara o mundo com firmeza, com convicção. Estou tão atraída por
ele que parece que existe um campo magnético ao seu redor.

“Estou animada”, admito, cautelosa. “E sei que você fez um trabalho


impecável na escolha do elenco. Dito isso, espero que algum
participante desse grupo me desperte pelo menos uma fração do
que estou sentindo hoje.”

Mantenho os olhos voltados para a água, mas sinto quando ele se


vira para mim.

“Como assim?”, ele pergunta.

Em vez de responder, eu me ajeito e, me movendo devagar o


bastante para ele me impedir se quiser, monto em cima dele, me
acomodando na parte superior de suas coxas. “É que, tipo, eu sinto
uma atração insana por você.”

Com Connor, sinto uma coisa que não quero rotular ainda, mas que
já estou morrendo de medo de perder.

“Fizzy.”

“Diga.”

Ele me olha com os olhos semicerrados e então se ajeita para


colocar a mão quente no meu quadril. “Nós já não decidimos que
isso não é uma boa ideia?”

Seu tom de voz não é acusatório. É gentil, movido pela curiosidade e


talvez até por um pouquinho de desejo.

“Sim.” Eu engulo em seco, tentando controlar a minha vontade. “Mas


eu estava aqui pensando na vontade que sinto de te tocar e no
medo que eu tenho de voltar pra casa hoje à noite e nunca mais
voltar a me sentir assim.”

Connor se inclina para a frente, ficando a milímetros do meu rosto.

“Você acha mesmo que isso pode acontecer?”

“Não sei”, admito. “Antes eu me sentia atraída pelas pessoas o


tempo todo. Adorava sexo. Gostava muito desse meu lado divertido
e aventureiro. Mas com você… estou me sentindo eu mesma, só que
em uma versão mais centrada.”

“Isso é bom, querida”, ele responde, com gentileza. “E acho que


talvez eu possa acrescentar que isso também é uma forma de
crescimento pessoal.” O vento sopra mais uma mecha de cabelos
sobre o meu rosto, e ele a prende atrás da minha orelha em um
gesto carinhoso. “Você é muito mais do que a sua persona de
escritora brincalhona, sexy e aventureira. É tudo isso, claro, mas
também é uma mulher profunda e sensível em muitos níveis, e eu
me pergunto se o que você anda sentindo ultimamente tem menos a
ver comigo e mais com entrar em contato com esse seu outro lado.”

Não consigo nem piscar, capturada pelo seu olhar. Meu sangue
parece vibrar com o que ele acabou de me dizer. “Essa
provavelmente é a coisa mais profunda que alguém já me falou.”

Ele ri. “De qualquer forma, fico feliz por você ter lembrado que é
uma pessoa sexual antes que o programa comece. Por saber que
você

consegue se conectar com alguém dessa maneira.”

“E aqui estou eu”, digo, com um sorriso. “Me conectando com você.”

Seu olhar procura o meu por um instante, e sua expressão se


suaviza. “Uh-hum.”

“Não estou pedindo pra você me beijar nem nada disso. Só queria
sentir essa proximidade com você pelo menos uma vez.” Estendo o
braço e traço o contorno de sua orelha com a ponta do dedo. “Eu
vou sentir sua falta a partir de amanhã.”

Isso o faz sorrir, mas ele dirige o olhar para a minha boca. “Mas a
partir de amanhã nós vamos nos ver mais ainda.”

“Você entendeu o que eu quis dizer.”


“Sim, entendi.”

“Eu vou ter que compartilhar você”, digo. “Vai ser esquisito.”

É a maneira como ele inclina o queixo, eu acho. Só o suficiente, um


pequeno gesto como quem diz vamos lá, então.

Eu me aproximo lentamente, dando a ele a oportunidade de se


afastar. Ele não faz isso e, no segundo em que nossos lábios se
encontram, fico com a desnorteante sensação de nunca ter beijado
antes. Connor é um homem enorme, quente e forte, sólido como
uma rocha sob mim. Sua boca é suave e firme, decidida e flexível. O
prazer se espalha como uma flecha cravada no meu peito, e em um
instante nosso simples beijo se incendeia, e todos os sentimentos
reprimidos se expressam através do movimento das nossas bocas.

Minha nossa.

É o melhor beijo da minha vida.

Ele inclina a cabeça, deixando tudo ainda melhor, mais profundo,


afastando os lábios para envolver os meus, com uma das mãos no
meu quadril para me puxar mais para perto e outra subindo pelo
meu pescoço e segurando meu rosto.

Eu sei reconhecer um momento passional — já houve ocasiões em


que saí esbarrando em paredes e quebrando móveis —, mas isso é
diferente. É mais do que desejo e instinto; é conexão e anseio
escancarados. Sentindo o corpo de Connor sob mim, confirmo que
sem dúvida nós seríamos capazes de quebrar minha casa inteira,
mas essa vontade é mais íntima também, mais preciosa; um fogo
que vem das profundezas do meu ser. Eu me derreto toda ao sentir
sua respiração trêmula contra a minha boca e os grunhidos
silenciosos que ele sufoca

quando passo a minha língua na sua, quando envolvo seu pescoço


com os braços, enfiando as mãos nos seus cabelos. Sinto meu peito
se contrair quando sua mão abandona meu quadril e começa a subir
por dentro da minha blusa, com sua palma enorme alisando minhas
costelas, segurando meu peito e puxando meu sutiã para baixo
enquanto ele me beija com tanta vontade com aquela boca
tentadora.

Imagino que, se é para fazermos isso só uma vez, ele queira me


sentir por inteiro. Eu também quero, e pressiono sua mão, solto
gemidos encorajadores, mordo de leve seu lábio inferior, seu queixo,
seu pescoço.

O mar continua rugindo atrás de nós, as ondas quebrando na areia.

Minhas mãos passeiam pela largura dos seus ombros até seu
abdome liso e plano. O rosto dele está vermelho sob a luz da lua, os
lábios inchados e mordidos, os olhos carregados de luxúria. Uma
marca surge na pele de seu pescoço, vívida como se eu tivesse
pichado meu nome ali. Este lugar aqui pertence a Felicity Chen.
Quero deixar a minha marca no seu corpo todo, torná-lo meu.
Estendo a mão para o espaço entre nós, sentindo seu formato
sólido, e minha mente enlouquece quando percebo o que estou
apalpando. Ele é grande, e meu corpo se contrai de repente, sinto
um vazio dentro de mim.

Começo a remexer os quadris, me esfregando nele, mas, em vez de


aliviar um pouco a vontade, isso me deixa ainda mais louca. Sua
boca procura pelo meu beijo, engolindo o som que emito quando ele
se ergue um pouco mais, e o formato grosso do seu pau faz a
pressão exata no lugar onde mais preciso. Suas mãos agarram a
minha bunda, me empurrando para mais longe e depois puxando
para mais perto, para trás e para a frente, sem parar. Sei que eu
poderia até gozar assim. E nesse momento, no limiar do prazer, fico
dividida entre deixar meu corpo ávido fazer o que quer ou arrastá-lo
para o carro e prolongar essa sensação, fazendo tudo com mais
calma.
Mas, antes que eu possa desabotoar sua calça, ele afasta minha
mão e me puxa pelos quadris de novo, arqueando o corpo na minha
direção.

“Me leva pra casa”, eu peço. “Eu te quero demais, Connor. Só uma
vez.”

Ele respira fundo contra o meu pescoço, de boca aberta, com a


marca do meu nome estampada na sua pele. Ele parece fazer um
esforço monumental para se afastar de mim só o suficiente para
conseguir me

olhar, a poucos centímetros do meu rosto, mas isso basta para o


vento frio e úmido que sopra do mar ocupar esse espaço. Seus olhos
se tornam mais lúcidos, e ele respira fundo antes de encostar a
cabeça no meu ombro e soltar um suspiro trêmulo.

E, por fim, ele diz simplesmente: “Não”.

Por dentro eu me sinto como uma fera com dentes afiados. Minhas
mãos com garras enormes agarram as grades, sacudindo a minha
jaula.

“Por quê?”

“Fizzy. Não dá.” Mesmo assim, ele não me solta. Me puxa para junto
de si e me abraça. Connor respira devagar, e sinto seu corpo se
expandir junto ao meu, mas em seguida ele parece murchar.

“Simplesmente não tem como.”

Em seus braços, com sua respiração profunda estabelecendo um


ritmo também para mim, meu desejo febril se acalma.

“Não precisa ser nada mais do que dois amigos matando uma
vontade e uma curiosidade”, eu murmuro.
“Infelizmente, acho que seria muito mais que isso.”

Fico paralisada, me sentindo impactada por aquelas palavras.

“Fizzy.” Um sentimento de resignação nos envolve. “Eu realmente


preciso que esse programa dê certo”, ele diz baixinho. “Não me
arrependo de nada do que aconteceu aqui, mas isso não pode
continuar.”

Me inclinando para trás, eu fecho a cara, contornando com o dedo


sua testa, seu nariz reto, seus lábios, e solto um grunhido. “Tudo
bem.

Só me leva pra casa que vou revirar a minha gaveta pra encontrar o
maior vibrador que eu tiver.”

Ele dá risada, e eu o abraço de novo, tentando expressar toda a


minha gratidão. Connor é incrível. Penso nesse amigo que tenho
agora, esse homem receptivo, curioso e estável. Eu posso não tê-lo,
mas pelo menos não vou perdê-lo.

“Eu me diverti na nossa busca por alegria”, digo com a boca colada
ao seu pescoço.

“É”, ele responde. “Eu também.”

“Mas foi você que encerrou uma pegação absurdamente gostosa,


então tem a obrigação de me carregar até o carro.”

“Ah, é mesmo?”

“Não sou eu que faço as regras. Eu só obedeço.”

Consigo sentir o alívio na risada quente que ele solta junto aos meus
cabelos. “Tudo bem, então.”

Depois de alguns movimentos desajeitados, roçando em partes


sensíveis e encostando o rosto nos meus peitos, ele consegue ficar
de pé com as minhas pernas envolvendo sua cintura e meus braços
enroscados em seu pescoço. Com um último beijo no meu rosto,
Connor carrega nossos corpos superestimulados de volta para o
estacionamento.

Vinte e dois

CONNOR

Eu não dormi nada ontem à noite. E com isso não quero dizer que
fiquei rolando na cama e acabei cochilando já quase na hora de
acordar.

Deixei Fizzy em casa, senti uma crise interna terrível quando ela
entrou e fechou a porta, dirigi direto para casa, tentei ler algumas
coisas para o trabalho, não consegui me concentrar, fui para a cama,
repassei todos os detalhes do momento em que ela montou em cima
de mim, bati uma punheta — e depois outra debaixo do chuveiro —
e em nenhum momento entre o instante em que pisei em casa até a
hora em que coloquei a chaleira para esquentar de manhã consegui
pregar os olhos.

São só seis da manhã, mas a sensação é de que o dia já tem umas


cem horas.

Graças a nosso orçamento ridiculamente alto, nosso set de filmagens


para os próximos dias é um café aconchegante no Gaslamp Quarter.

Temos o lugar inteiro à disposição, mas pagamos os funcionários


para cuidar do serviço de buffet e contratamos atores para ficarem
conversando discretamente nas outras mesas. É um lugar simpático,
com um toldo verde na frente, obras de artistas locais nas paredes e
mesas e cadeiras propositalmente diferentes umas das outras
espalhadas pelo salão. O balcão é de madeira, bonito e antigo, e
tem uma vitrine com doces de dar água na boca. Os baristas estão
ganhando um bom dinheiro para manter todo mundo cafeinado, e o
cheiro de café e açúcar — além dos três espressos que já tomei
desde que cheguei — quase basta para me fazer esquecer que eu
poderia ter transado com Fizzy em uma praia californiana ontem à
noite.

Enfim, agora é hora de encontrar a alma gêmea dela, vamos lá?

Ela está absurdamente linda hoje, claro. Quando a vejo entrar, meu
coração despenca do meu corpo e escorre pelas tábuas do assoalho.

Fico aliviado ao constatar que ela seguiu as instruções que demos —

com Fizzy, nunca se sabe — e chegou com roupas confortáveis, sem


maquiagem. Mas, por algum motivo, vê-la assim charmosamente

despojada, com a cara lavada, revigorada e animada, torna as coisas


mil vezes mais difíceis para mim.

A equipe a aplaude enquanto ela é conduzida para os fundos, onde


as pessoas que vão cuidar de seu visual montaram uma pequena
estação de trabalho. Três mulheres a rodeiam, uma concentrada na
maquiagem, outra escovando seus cabelos e a terceira mostrando as
opções de figurino. Tudo ao meu redor vibra com uma energia lá no
alto, mas eu me sinto como uma pedra estagnada no meio de uma
correnteza, sem sair do lugar.

Porque, em meio ao caos, existe outra observação a ser feita: ela


ainda não olhou para mim. Além de um aceno casual quando
chegou, não houve mais nada. Obviamente, precisamos de um bom
clima de trabalho no set. A última coisa que queremos é que alguém
sinta a tensão criada depois de tudo o que aconteceu nas últimas
semanas.

Mas o que talvez seja ainda mais importante é que eu gosto dela.
Mais do que isso, até. Não quero que as coisas fiquem estranhas
entre nós.
Contornando o balcão, peço duas bebidas e vou até onde ela está,
olhando para a tela do celular com a testa franzida.

“Está tudo bem?”, pergunto.

Ela fecha o aplicativo do e-mail e guarda o celular na bolsa. “Por


acaso você tem um livro inédito bem sexy, prontinho e à mão? Eu só
preciso pegar emprestado, humm, pra sempre, e de uma permissão
pra publicar com o meu nome.”

Dissipando o constrangimento com humor. Isso é a cara dela.

“Não tenho, desculpa.” Estendo um café para ela. “Mas isto eu


tenho.”

Ela inclina o copo e vê as palavras latte de baunilha escritas com


uma bela caligrafia na lateral. “Como você sabe o que eu gosto de
tomar?”, ela pergunta.

“Foi o que você pediu depois do Broad.”

Ao ouvirem isso, as pessoas da equipe de beleza se afastam — fico


me perguntando se surgiu um clima de Mais privacidade, por favor
entre nós — e dou um gole no meu cappuccino. Apesar de saber
que mais cafeína é a última coisa de que eu preciso agora.

Um dos caras da equipe de som chega com o pequeno microfone de


lapela de Fizzy na mão. “Pronta?”, ele pergunta.

Ela assente, ele estende a mão na direção da camisa de seda de


Fizzy, e as palavras simplesmente saem da minha boca: “Pode deixar

que eu faço isso, amigo”.

Ele me entrega o equipamento sem dar a menor indicação de ter


captado o som de irritação na minha voz. Mas Fizzy percebeu. Seu
sorrisinho é mais sonoro do que qualquer gargalhada poderia ser.
“Não começa”, eu resmungo com um sorriso, entregando o fio. Faço
um gesto para ela passá-lo por baixo da blusa e tirá-lo pelo decote.

Uma sensação reverbera no meu braço, enviando impulsos elétricos


para as pontas dos meus dedos. Lembro do seu seio preenchendo a
minha mão, a respiração ofegante que ela soltou quando segurei seu
mamilo duro entre o polegar e o indicador.

Ela pega a ponta do fio pela abertura da camisa e o estende para


mim.

Eu prendo o clipe do microfone na parte da frente da sua camisa da


forma menos invasiva possível. Sem levantar os olhos, pergunto:
“Como você está, Fizzy?”.

“Estou bem, Connor”, ela responde como um robô, e quando olho


para o seu rosto percebo que está sorrindo para mim.

“Ainda continua um perigo, pelo que estou vendo.” O dorso da


minha mão roça sem querer em seu pescoço e em sua clavícula, o
que a faz respirar fundo. “Desculpa”, murmuro.

“Tudo bem”, ela sussurra de volta em um tom brincalhão, enquanto


eu prendo o fio ao microfone.

A tensão pulsa entre nós. Sua pele tão macia e suave, lisinha, dá
vontade de beijar. Assim de perto, sinto o cheiro sutil de seu xampu
e creme corporal. Fico até zonzo. Me recompondo, ajusto a gola da
camisa dela para esconder o microfone.

“Você não vai querer falar sobre ontem à noite?”, ela pergunta do
nada.

Atrás de mim, ouço uma tossida, um suspiro de susto, uma risada


abafada e um pigarro. Uma olhada por cima do ombro confirma que
todos os membros da equipe com fones de ouvido estão ouvindo
tudo o que falamos. “Sobre as orientações que eu passei sobre a
programação de hoje?”, pergunto.

Quando se dá conta do que está acontecendo, Fizzy assente de leve


com a cabeça e, então, com mais convicção na voz, diz: “É! Sobre
isso, claro! Do que mais eu poderia estar falando?”.

Olho para ela segurando o riso e me inclino para desligar o


microfone.

“Acho que não vamos nem precisar ajustar o volume.”

Ela faz uma careta. “Você precisa me dar um sinal ou coisa do tipo
quando quiser que eu me comporte. Sutileza nunca foi meu ponto
forte.”

“Acho que seria melhor se comportar o tempo todo quando estamos


no set de filmagem do seu programa de namoro.”

Ela estala os dedos e aponta para mim. “Boa ideia. É por isso que
você é o chefe.”

Na parte da frente da camisa de Fizzy tem uma espécie de crachá


personalizado com a logomarca de O Experimento do Amor
Verdadeiro e o nome dela acima da inscrição HEROÍNA. Os heróis
vão usar um desses também, com seu nome e seu arquétipo. É só
uma forma divertida de fazer o programa chamar atenção, mas
também serve como um lembrete de quem eu devo ser. Na verdade,
não haveria espaço suficiente para tudo o que eu preciso lembrar:
CONNOR PRINCE III, PAPAI GOSTOSÃO

SÓ EM MOMENTOS DE DESCONTRAÇÃO, PRODUTOR-EXECUTIVO, E


NÃO NAMORADO, NEM MESMO AMANTE, ENTÃO NADA DE
COBIÇAR A HEROÍNA.

“Mas então. Sobre ontem à noite”, eu começo, e o rosto dela fica


sério, com uma ruga de preocupação se formando em sua testa. As
palavras simplesmente evaporam do meu cérebro. “O que significa…

quer dizer, foi incrível, e sei que você sabe disso, estou só
confirmando…” Ela me encara, cheia de expectativa, e seu olhar se
ameniza ao me ver tropeçando nas palavras. “Só que é melhor que
não aconteça de novo.”

Fizzy assente com a cabeça. “Concordo totalmente. Inclusive, fui


para casa e não pensei mais nisso, nem uma vez. Muito menos duas
vezes seguidas.”

Eu olho feio para ela. “Será que podemos pelo menos levar a sério o
que estamos fazendo aqui?”

Rory dá um aviso de dois minutos para a filmagem, e Fizzy faz


algum tipo de gesto de escoteira.

“Estou levando a sério, prometo. Melhores amigos e mais nada. Mas


posso dizer só mais uma coisa antes de você ir?”

“Claro.”

Ela aponta para o microfone. “Tem certeza de que essa coisa está
desligada?”

Com um olhar de aborrecimento, pego o fio solto no colarinho da


camisa para mostrar para ela. “Está desconectado.”

“Eu prometo que vou fazer o meu melhor. Não precisa se preocupar
com o meu comprometimento com esse projeto.” Um sorrisinho
sedutor se desenha nos seus lábios. “Mas uma coisa eu preciso
dizer…” Seus olhos passeiam pelo meu corpo, se detendo no zíper da
calça antes de voltarem lentamente para o meu rosto. “Meus
parabéns.”

Ela bate de leve e amigavelmente no meu peito, sorri e vai para a


sua posição, me deixando sem reação.
Será que… ela acabou de elogiar o meu pau?

É estranho o meu rosto estar todo quente, já que sei muito bem que
a maior parte do sangue do meu corpo acabou de fluir na direção
oposta. Desconcertado, aproveito para jogar meu copo na lixeira,
que um barista esvazia de bom grado. Por mais surpreendente que
Fizzy possa ser, é sempre interessante conviver com alguém que fala
o que pensa. As coisas estão estranhas? Vamos falar sobre isso.
Queremos transar e não podemos? Vamos aceitar isso e seguir em
frente. Nunca tinha conhecido ninguém como ela.

Enquanto Rory grita suas ordens e passa instruções para Fizzy,


mostrando a ela suas posições, uma movimentação intensa se inicia
no set. O pessoal do cabelo e da maquiagem se apressa para fazer
os retoques finais, o microfone de Fizzy é testado mais uma vez, e
os figurantes vão para seus lugares. Existe uma vibração no ar, uma
expectativa pulsante. Vai dar tudo certo. O programa vai ser um
sucesso, eu sinto isso no fundo do meu ser. Vai ser difícil abrir mão
de Fizzy, mas vou conseguir.

Eu me sinto tranquilo, no controle da situação, criativamente vivo.

Respirando fundo, reservo um momento para apreciar todo o


trabalho que nos trouxe até aqui e para me orgulhar de ter
assumido esse desafio. E, porra, me sinto bem com isso.

Então a porta do café se abre, e o primeiro herói romântico de Fizzy


entra.

Vinte e três

FIZZY

Eu sou bem versada na arte da negação. Por exemplo, fico sempre


surpresa quando chega a época de declarar e pagar os impostos.
Quando canto no caraoquê com Jess e Juno tenho certeza de que
minha voz soa como a da Adele. Acredito firmemente que, se ando
quatro quarteirões para comprar meu café matinal, fiz por merecer
um cookie.

E hoje também. Eu sabia fazia tempo que ia participar desse


programa, mas é só quando a maquiadora, Liz, chega para dar os
retoques, as luzes aquecem minha pele e o falatório no set vira um
murmúrio que me dou conta: Puta merda, talvez eu pareça ridícula
na tevê. Talvez eu não recupere meu charme natural. Talvez eu seja
sem graça ou chata ou velha demais para esse tipo de coisa.

Liz se afasta um pouco, examinando a maquiagem que aplicou com


um olho tão clínico que começo a me sentir uma parede que está
recebendo uma camada de reboco. Logo atrás dela vejo Connor, que
está com a atenção fixa em uma das câmeras enquanto conversa
baixinho com a diretora. Ele parece bem tranquilo, pronto para o
trabalho. Deve estar pensando sobre este momento há semanas,
criando uma estratégia para todo o período de filmagens, e aqui
estou eu, só agora me dando conta de que estou prestes a participar
de um programa de tevê.

“Sério mesmo que estou fazendo isso?”, pergunto a Liz, que está
acocorada diante de mim com vários pincéis entre os dedos. “Este
programa? Hoje mesmo?”

“Hã… sim?”

“Certo”, murmuro, atordoada. “Legal, legal.”

Sinto que ela está me observando enquanto meu olhar está fixo em
um padrão bem interessante na madeira do piso. “Está tudo bem,
Fizzy?”

“Não.” Olho para seu rosto apavorado e me dou conta do que acabei
de dizer. “Ou melhor, sim. Estou ótima.”
Ela desaparece em seguida, ainda com uma expressão desconfiada.

Ai, meu Deus. Eu estou em um programa de televisão. Por que não


usei uma máscara facial ontem à noite? Por que deixei que me
vestissem com essa calça tão justa? Por que beijei Connor? Por que
estou olhando para ele agora? Tem câmeras apontadas para mim,
para capturar minha reação ao primeiro herói romântico que vai
passar por aquela porta. Eu deveria estar ofegante de expectativa,
mas estou com os olhos grudados no perfil de Connor, fascinada
com como ele fica lindo quando está todo concentrado.

Ai, meu Deus, isso vai ser um desastre completo. Foco, Fizzy.

A diretora me chama até sua cadeira, próxima de uma das câmeras


maiores. Já conversei com Rory várias vezes, mas aqui, cercada de
câmeras e luzes, fico impressionada mais uma vez com quanto ela
parece jovem. Não deve ter mais de trinta anos e, com sua calça
jeans rasgada, a camiseta preta do Black Keys e os cachos
compridos e escuros escondidos sob um boné desbotado, é a
encarnação da vibe relax de Hollywood. Mas o que eu mais gosto
nela — e o que mais parece irritar Connor — é que ela chama ele de
bróder o tempo inteiro sem a menor intenção de ser irônica.

“Certo, Fizzy”, ela diz. “É só fazer o que você normalmente faz em


um primeiro encontro que já está ótimo.”

Nada seria capaz de me impedir de observar a reação de Connor a


esse conselho potencialmente escandaloso, e, exatamente como eu
esperava, ele está segurando um sorriso. Em seguida, ele fala ao
microfone: “Siga esse conselho com bom senso e moderação”.

Minha gargalhada explode no momento em que alguém pede


silêncio e ecoa um pouco antes de todos se calarem. Estou em uma
mesa para dois no centro do salão, toda arrumada e pronta para os
primeiros três encontros do dia. As luzes portáteis são ajustadas
perto de mim, mas fora do enquadramento, e o calor já está
sufocante, mas é intensificado pela pressão provocada pelas
expectativas de todos. Quer dizer, eu já fui o centro das atenções
antes. E geralmente me saio bem. Já dei palestras e participei de
mesas-redondas em várias convenções, fiz aparições em programas
de tevê locais e discursei diante de plateias no mundo todo. Mas isto
aqui é diferente. É uma megaprodução televisiva,

um mundo de fantasia. É o tipo de programa que muitas pessoas


implicantes e intolerantes consomem e criticam e julgam e
questionam: Por que ela?. Assumi uma responsabilidade imensa e
agora que já é tarde demais para desistir… de repente não me sinto
preparada.

Com um esforço, viro o rosto para a entrada do café quando um


homem lindo de ascendência asiática abre a porta e entra com um
sorriso de tirar o fôlego. Seus olhos encontram os meus, e seu
sorriso se torna ainda mais largo e sincero.

Ele está usando calça jeans preta, uma camiseta também preta, e
seus braços estão cobertos de tatuagens que sobem até seu
pescoço, passando a gola da camiseta. Quando ele se aproxima,
vejo que em seu crachá está escrito:

DAX: O BAD BOY TATUADO

Eu engulo a risada, mas um sorriso surge no meu rosto. Preciso me


controlar com todas as forças para não me virar para Connor,
deixando-o ver no meu rosto quanto isso me agrada e vendo quanto
ele deve estar orgulhoso de ter acertado em cheio. Connor trabalhou
bastante por isso. Realmente me ouviu.

E, por falar em ouvir, Dax está aqui, então me levanto, o


cumprimento com um abraço discreto e recebo em troca um beijo
de leve no rosto.

Com um compreensível constrangimento, nós nos acomodamos cada


um de um lado da mesa e estendemos a mão para pegar nossa
água ao mesmo tempo. O gelo tilinta no vidro do copo quando o
erguemos para dar um gole. Mais do que cientes da presença das
câmeras, e da equipe técnica, e das luzes, e do espetáculo
totalmente antinatural que é tudo aquilo, Dax e eu rimos enquanto
bebemos.

Eu não queria seguir nenhum script, mas agora me arrependo de


não ter ensaiado alguma coisa — literalmente qualquer coisa — para
dar início a esse primeiro encontro. No sábado, milhões de pessoas
vão se sentar diante da tevê e me ver toda sem graça neste
momento.

Mas, se existe uma pessoa no mundo que é uma expert em


encontros, essa pessoa é Fizzy Chen. Então eu deixo de lado esse
pequeno instinto apavorado e olho bem nos olhos de Dax. “Eles
capricharam na escolha, pelo que estou vendo.”

Ele ri e me olha rapidamente de cima a baixo. “Eu que o diga.”

Estendo a mão por cima da mesa. “Prazer em conhecê-lo, Dax.”

“O prazer é meu, Felicity.”

Ele segura minha mão por um tempinho a mais, com um ar de


flerte.

Sua voz é naturalmente grave e um pouco rouca, os dedos grossos e


ásperos, a palma calejada. Tudo nele sugere que se trata de um cara
durão, e eu gosto disso. É um equilíbrio perfeito entre o atraente e o
pecaminoso. Muito bem, Connor.

Mas será que peço para Dax me chamar de Fizzy? Gostei de ouvir o
nome Felicity na voz dele. Parece uma coisa safada e brincalhona ao
mesmo tempo, e é esse o papel atribuído a ele, que parece tê-lo
incorporado direitinho. E penso no público que vai assistir, que só
tem acesso aos meus pensamentos se eu os expressar em voz alta,
e não quero que ninguém pense que a formalidade é um sinal de
desinteresse.
“Todo mundo me chama de Fizzy”, digo a ele, encerrando o aperto
de mãos. “Mas gostei do jeito como você falou Felicity.”

“Felicity, então.”

Abro um sorriso de concordância. “Então você é o bad boy


tatuado…”

Ele assente com a cabeça.

“A parte das tatuagens é autoexplicativa. Mas por que bad boy?”

“Vamos ver se você consegue adivinhar.”

Eu me inclino para a frente, observando-o bem. Seu olhar tem uma


certa ousadia, uma confiança indisfarçável. Levo em conta as mãos
calejadas. “Por ser destemido, talvez? Aposto que você curte
esportes radicais.”

Dax dá risada. “Paraquedismo, escalada, eu topo tudo.”

“Puta merda.” Dou um tapa na mesa. “Eu sou boa nisso.”

Um assistente de produção mostra um cartão vermelho por cima do


ombro de Dax, um artifício que Connor criou para me lembrar de
não sair falando palavrões como um caminhoneiro. Isso também me
lembra que Connor está bem aqui vendo tudo, que as mãos dele são
enormes e quentes, e que ele enfiou uma delas por baixo da minha
blusa ontem à noite, apertando meu peito, passando o polegar em
torno do meu mamilo enquanto seus beijos se tornavam mais
urgentes e menos suaves.

Foco, Fizzy.

“Eu queria saber uma coisa”, eu digo, me inclinando mais para perto
no intuito de tirar da mente a imagem dos ombros largos de Connor.

Dax se inclina para a frente também, abrindo um sorriso malicioso.


“Manda ver.”

“Qual é a sua tatuagem mais feia?”

Quando ele inclina a cabeça para trás e cai na risada, surpreso, me


dou conta de que a antiga Fizzy repararia em seu pescoço comprido,
no toque masculino do pomo de adão pronunciado e em mais uma
centena de coisas, porque ele é muito gato. A antiga Fizzy mandaria
as regras para o espaço, planejando encontros clandestinos com
esses participantes depois das filmagens. Meu trailer no beco ao
lado do café viria bem a calhar.

Agora, não importa quanto ele seja carismático ou quanto eu aprecie


seu sex appeal, a ideia de ver Dax mais tarde não me anima nem
um pouco. Só o que consigo fazer é me esforçar para não olhar para
Connor para ver a expressão em seu rosto enquanto prosseguimos
com nosso flerte.

Mas, no fim, em termos objetivos, o encontro com Dax acaba sendo


ótimo. O bom humor com que ele me mostra uma tatuagem
realmente horrível de uma sereia no ombro me diz muita coisa sobre
seu senso de humor e sua disposição para ficar de boa diante das
câmeras, o que torna a conversa genuinamente agradável. Ele é da
terceira geração de uma família de imigrantes coreanos, já ganhou
uma porção de competições de BMX (o que com certeza vai
impressionar as pessoas que, ao contrário de mim, entendem
alguma coisa de BMX) e, para minha surpresa, se revela um
gourmand que tem amigos no ramo dos restaurantes na cidade
toda.

O próximo herói romântico, como se isso fosse possível, é ainda


melhor.

ISAAC: O NERD GATO

Ele entra no café — um homem negro de mais de um metro e


noventa usando óculos —, e murmúrios de admiração ecoam pelo
salão.

Ele se senta à minha frente, com seu crachá de herói romântico


preso a um peitoral claramente bem delineado sob a camiseta
branca lisa, e consegue falar sobre inteligência artificial de um modo
que faz essa tecnologia parecer só um pouquinho assustadora antes
de voltar sua atenção para mim de forma sincera e genuína. Quando
enfim recupero minha capacidade de falar, conversamos sobre livros,
brigas entre irmãos, memes favoritos e nosso incômodo
compartilhado por ainda precisarmos resolver coisas pessoalmente
no banco ou no correio. Pela primeira vez em mais de uma hora,
esqueço que as câmeras estão registrando cada expressão que
aparece no meu rosto. Gostei dele e, no fim do nosso tempo juntos,
lamento de verdade que ele precise ir embora.

O terceiro encontro é o primeiro fiasco.

BENJI: O CAUBÓI

Em termos de aparência, Benji — que prefere ser chamado de Tex


é uma boa escolha, mas a energia entre nós flui de um jeito todo
errado. Vejo Connor andando nervosamente de um lado para o outro
atrás de uma pilha de monitores enquanto lutamos para estabelecer
um diálogo, interrompendo um ao outro, fazendo tentativas
simultâneas de preencher o silêncio. Quando ele me pergunta o que
meu pai acha da minha profissão de autora de livros de romance,
respondo questionando o que sua mãe acha de ele ganhar a vida
montando em cavalos e percebo a expressão confusa que aparece
em seu rosto.

Quando felizmente o tempo termina e Tex vai embora, já estou no


piloto automático. Sem pensar, vou direto até Connor, que está
diante do monitor, analisando as filmagens. Ele se vira ao sentir
minha mão sobre seu braço e me segue até um canto mais
escondido do café.
“O que foi?”, ele pergunta, preocupado, e se abaixa um pouco para
me olhar nos olhos. “Está tudo bem?”

Percebo que na verdade não preciso de nada. Estava só seguindo


um instinto de me aproximar dele, de alimentar esse monstrinho
dentro de mim que só se acalma na presença dele. Eu só quero que
ele me acalme.

E dessa vez eu tomo o cuidado de desligar o microfone. “Eu só


queria dar um oi.”

Ele sorri. “Oi.”

“E com você, está tudo bem?”

“Ah, sim”, ele responde. “Por quê?”

Vejo a mentira estampada em seu rosto, na testa franzida, mas


talvez esteja imaginando coisas e o problema não seja ele me
observar em encontros com outros caras depois da nossa pegação
que quase entrou em combustão, e sim a pressão de seu ganha-pão
estar em perigo e dependendo do sucesso deste projeto.

“Nada, não. Então tá.” Olho para além dele, pela janela do café para
a rua, onde algumas pessoas se aglomeram, curiosas com o que
está acontecendo aqui dentro, com o motivo para haver todas
aquelas câmeras em posição. “Você pareceu um pouco estressado
quando a conversa com o Tex não engrenava de jeito nenhum.”

A risada grave de Connor provoca um arrepio no meu braço. “Estava


ficando meio constrangedor mesmo, o que não é bom para a
televisão.

Mas quando você começou a explicar para ele o que era BDSM,
voltamos ao terreno do bom entretenimento.”
Fico toda envaidecida com o elogio. “Então acho que é uma boa ter
alguns tapados, né?”

“Com certeza. Se a química for boa com todo mundo, ninguém se


destaca.” Ele coça o queixo. “Você pareceu ter se dado muito bem
com o Isaac.”

“Claro que sim. Você fez um trabalho incrível na escolha do elenco.”

Ele abre um sorriso tenso. “Que bom.”

“Mas”, eu complemento, “sabe o que me ocorreu hoje?”

“O quê?”

“Você deve saber com quem eu tenho o melhor match no teste do


DNADuo.”

Ele balança a cabeça. “Não.”

“Sério?” Eu fico aliviada. Porque eu iria atormentá-lo sem parar para


descobrir. O tempo todo mesmo.

Connor ri. “É sério, sim. Eu sei a faixa de porcentagem, e sei que


temos compatibilidades promissoras aqui, mas só Rory sabe quem
tem a pontuação mais alta.” Nós dois olhamos para a diretora, que
parece estar usando essa pausa para falar um monte de coisas para
Brenna.

Connor volta sua atenção para mim. “Mas você pode ficar à vontade
para especular nos seus depoimentos confessionais.”

“Quando vai ser isso?”

“Vamos gravar o primeiro amanhã à noite, depois do último


encontro.

Pode ser?”
“É você que vai conduzir essas entrevistas?”

“Eu?” Em um gesto adorável, ele aponta para o próprio peito. “Por


quê?”

“Porque você é bonitão e tem sotaque britânico. Não sei se você


sabe, mas as garotas adoram essas duas coisas.”

“Mas eu sou um produtor.”

“Não, você jura?”, eu retruco, sarcástica.

Ele ri. “Você vai fazer esses depoimentos sozinha no trailer. Só


precisa dar uma recapitulada em cada encontro. Vamos ajudar
fazendo umas perguntas pelo ponto eletrônico e…”

“Vocês vão me colocar sozinha em um lugar com uma câmera e


simplesmente presumir que vai dar tudo certo?”

Connor fica imóvel e solta o ar com força pelo nariz. Ele levanta a
mão e acena para Brenna, que vem correndo. “O que você acha da
nossa apresentadora, Lanelle, entrevistar a Fizz…”

“Eu quero você, Connor.” Olhando para Brenna, eu me apresso em


dizer: “Isso soou meio estranho. Estou falando em termos
estritamente profissionais”.

“Eu não faço a menor ideia do que está acontecendo aqui”, ela
responde, “mas vocês acabaram de interromper uma conversa em
que Rory estava me contando que perdeu um papel com o telefone
de alguém importante na boca do palco em um show do Social
Distortion e a plateia inteira parou para ajudá-la a procurar. Eu estou
tão feliz por estar aqui.”

Connor e eu fazemos um silêncio solidário, como a ocasião merece,


e então ele abre um sorriso de quem pede desculpas. “Fizzy, eu não
posso aparecer no programa. Você já conheceu a Lanelle?”
“Sim, e ela é ótima. Mas conheço melhor você. E isso vai
transparecer na tela.”

“Eu não sou ator”, ele responde.

“E eu não sou atriz.” Estendo a mão, apontando para o topo da sua


cabeça e passando por todo seu corpo firme e durinho. “E está
enganando a si mesmo se acha que isso tudo não foi feito para
aparecer diante das câmeras.” Eu me viro para Brenna. “O que você
acha? Imagina a reação do público feminino.”

Sem perceber que estava sendo chamada como mediadora, Brenna


parece mais interessada em ouvir um pouco mais sobre as aventuras
de Rory nos shows de rock.

“Bom”, ela responde, franzindo o rosto, “errada a Fizzy não está.


Você é tão gato quanto qualquer um dos heróis românticos — e
estou falando isso com base em uma avaliação totalmente objetiva e
respeitosa do meu chefe, claro. E vocês dois têm uma boa química.”

Eu aponto para ela. “Dê um aumento para essa mulher.”

“Eu…” Connor diz, mas eu ataco de novo, desta vez de forma


decisiva.

“Você mesmo disse que quer um programa mais espontâneo. Onde


é que inserir depoimentos editados para fazer parecer que estou
falando com o público, sendo que não estou, se encaixaria nesse
conceito?

Vamos conversar de verdade! Os espectadores deveriam me ver


ouvindo as perguntas e reagindo em tempo real.”

Connor passa a mão no rosto, incomodado, e então volta seus olhos


verdes para mim. “Tudo bem, então. Mas eu tenho uma condição.”

“Uma negociação. Gostei disso.”


“Eu estava pensando em uma coisa. Seria ótimo se o River
aparecesse no primeiro episódio para explicar ao público a ciência
por trás do teste.”

Eu solto uma gargalhada. Quanta ingenuidade. “Você não conhece


River Peña. Ele iria preferir morrer a fazer isso.”

“Foi o que imaginei”, ele responde. “Mas também sei quanto você
pode ser persuasiva.”

Um momento de silêncio desconfortável se estabelece entre nós.

“Eu só vou ali rapidinho…”, Brenna aponta para trás de si antes de


seguir na direção oposta.

Eu volto a encarar Connor. “O River prefere fingir que isto não está
nem acontecendo. Ninguém consegue ser tão persuasiva assim.”

“Por experiência própria, sou obrigado a discordar.”

Connor abre um sorriso malicioso e, apesar de não haver nada que


eu gostaria mais de fazer do que ficar aqui flertando com ele o dia
todo, sou obrigada a admitir que o homem tem razão. “Não sei se
consigo convencer o River a fazer alguma coisa, mas essa é
realmente uma boa ideia, sem dúvida. Não prometo nada, mas vou
tentar.”

“O mesmo vale para o depoimento. Não prometo nada”, ele diz,


estendendo a mão para mim, “mas vou tentar.”

Connor segura a minha mão, e as balançamos uma vez… duas


vezes… e, com certa relutância, as soltamos. Ele olha rapidamente
para trás e então de novo para mim. “Tudo bem com você?”

Faço que sim com a cabeça e observo enquanto ele vai conversar
com Rory. Liz me encontra e me pergunta se eu preciso de mais
alguma coisa. Respondo que não, mas isso não é exatamente
verdade. Preciso dar um jeito de fazer Connor Prince III parar de me
fazer querer ficar perto dele o dia todo, e preciso disso para ontem.

Vinte e quatro

CONNOR

Acordo antes do nascer do sol na terça-feira e tenho um breve


momento de alegria profissional antes que o medo se instale sobre
mim como uma nuvem negra. As filmagens de ontem foram ótimas

excelentes, na verdade —, mas, se eu achava que ver Fizzy flertando


com um monte de bonitões interessantes na minha frente seria
difícil, estava subestimando a situação. Foi insuportável. E nós só
estamos começando.

A verdade é que, se achamos que tínhamos feito boas escolhas


durante a seleção do elenco, essa percepção foi multiplicada por dez
ao vê-los diante das câmeras com Fizzy. Houve alguns momentos de
constrangimento, e ela não se deu bem com todos eles, mas sua
química com alguns foi surpreendente, palpável o suficiente para
transparecer na sala de controle, onde os mandachuvas viam tudo
pelos monitores. Eles me parabenizaram no fim do dia com cifrões
estampados no rosto, pressentindo que vem coisa boa pela frente.
Eu deveria estar empolgadíssimo, estimulado pelo entusiasmo deles
e tramando uma forma de capitalizar em cima disso. E até estou.

Mas também estou um tanto enciumado.

Fazer exercício é a melhor forma de distrair a minha mente das


coisas. E acordei tão cedo que tenho um tempinho para matar
inclusive depois da minha corrida matinal. Ligo para Stevie para ver
se ela está bem preparada e para desejar boa sorte na prova sobre
as capitais dos estados. Acabo de desligar e estou saindo pela porta
quando meu telefone toca. Achando que é Stevie de novo, atendo
sem pensar.
Não é ela.

“Oi, pai.” Eu desço os degraus da frente já correndo. “Estou indo


para o trabalho. Posso ligar para você mais tarde?”

“É rapidinho.”

Detenho o passo na entrada para carros na frente da casa,


respirando fundo para me acalmar. É sempre a mesma merda: o
tempo dele vale

mais que o meu; a ligação é sempre urgente. E até já sei o que vem
pela frente. Entro no carro, o celular se conecta ao bluetooth, e a
voz do meu pai sai pelos alto-falantes do carro. “Eu conversei com a
Stefania na semana passada, e ela comentou que você está fazendo
um reality show para a tevê. É isso mesmo?” Não preciso contar
mais nada para ninguém na minha vida, porque a minha filha se
encarrega disso para mim. Também não sei o que me irrita mais: ele
ter ficado remoendo isso por uma semana ou a última vez que nos
falamos ter sido mais de quatro meses atrás. Fico contente por ele
ter uma relação melhor com Stevie do que comigo — mas nem
tanto, porque sei que no caso do meu pai tudo sempre tem um
preço. “Quando conversamos, você disse que estava trabalhando em
outro documentário sobre conservação de espécies.”

Esse é o tipo de conversa que prefiro não ter com meu pai em
momento nenhum, menos ainda hoje. “A empresa está tentando
diversificar este ano. E eu faço parte desse projeto.”

“Em LA tem lugares bem melhores para trabalhar, Connor.”

Eu olho pelo para-brisa. “Pai, pode esquecer. Eu não vou morar em


LA.

Eu veria a Stevie uma vez por mês, e olhe lá.”


“As crianças são bastante adaptáveis”, ele diz e, como não respondo
nada, continua: “Escuta só, eu sei como você está se sentindo. Você
poderia ter vindo trabalhar comigo desde o início, começando em
cargo de executivo logo de cara, com um salário de sete dígitos por
ano, mas tudo bem. Você estava fazendo um trabalho importante”.
Consigo até ouvir as aspas que ele faz no ar ao dizer isso e sufoco o
palavrão que sinto vontade de soltar. Essa conversa nunca dá certo.
“E agora preciso engolir a ideia de que o meu filho deixou uns
duzentos mil na universidade só para poder filmar um bando de
donas de casa?”

Eu seguro o discurso furioso que já está na ponta da minha língua,


sabendo que isso não faria a menor diferença. “Não são donas de
casa, pai. Além disso, é o único projeto desse tipo em que vou me
envolver. A companhia estava em busca de colocação em outros
segmentos, e eu fui escalado para ajudar nisso. É uma produção de
alto orçamento, e eu já tenho sinal verde para fazer meu próximo
documentário quando o programa terminar.”

Faço uma careta ao ouvir o tom orgulhoso na minha voz, uma


tentativa patética de ganhar a aprovação dele.

“E depois? Você continua aí disponível para a próxima vez que eles


quiserem…”

“Pai. Assunto encerrado.”

Ele se cala imediatamente. Eu quase nunca levanto o tom de voz


com meu pai.

Não muito depois do lance ocasional com a minha mãe, ele se casou
com a namorada com quem vivia terminando e reatando durante os
anos de faculdade, e eles tiveram filhos. Quando eu vim para os
Estados Unidos, morei com eles por dois anos. Meu pai é
multimilionário, dono de uma das maiores construtoras do país, e,
para mim, um adolescente criado por uma mãe solteira e sem grana,
dinheiro era sinônimo de poder. Ele era intimidador e bem rígido;
meu pai e eu nunca brigamos porque, assim como meus dois meios-
irmãos, nunca tive coragem de responder para ele, que ficava lá nos
dando sermão da mesa do jantar enquanto fingíamos comer um
macarrão que sempre tinha passado do ponto. Saí de lá assim que
pude, quando consegui uma bolsa parcial na UCLA e fui trabalhar de
garçom para pagar o restante das anuidades, e depois fiz minha
pós-graduação em cinema na USC.

Pensei que, quando Stevie nascesse, ele fosse ver aquela garotinha
perfeita e magicamente se transformar em um ser humano decente,
mas é claro que não foi isso o que aconteceu. Ele ama a neta da
maneira que é capaz de amar, mas a única vez que me elogiou por
alguma coisa foi quando Nat e eu nos separamos, e até isso foi pelo
ralo quando vim morar em San Diego para ficar perto delas. Nas
palavras dele: que tipo de homem faz isso?

“Tudo bem”, ele responde. “Que programa é esse? The Bachelor


versão 10.0?”

Será que Fizzy também passa por esse tipo de coisa quando
descobrem que ela é uma autora de livros de romance? Vem logo
uma comparação com o nome mais famoso que as pessoas
conhecem nesse ramo? “É, pai. Mais ou menos isso. Escuta, eu
preciso desligar. Estou entrando em Mission Hills, e aqui o sinal do
celular não é muito bo…”

Eu encerro a ligação, fingindo que a linha caiu.

Quando chego ao set, minha pressão arterial já está de volta ao


nível mais normal ao qual vai ser possível chegar hoje. E fico
surpreso porque sinto que minha pulsação está se estabilizando por
outro motivo: Fizzy está aqui.

Não seria certo dizer que o set está bem parecido com o de ontem
porque na verdade está exatamente igual. Queremos fazer parecer
que os encontros aconteceram todos no mesmo dia, então os doces
no balcão foram repostos por outros idênticos, as pilhas de xícaras
foram arranjadas da mesma forma e os atores estão nos mesmos
lugares que estavam quando encerramos os trabalhos. Até Fizzy está
com a mesma roupa, a blusa macia de seda e a calça preta justa —
e ainda mais bonita, como se isso fosse possível.

Apesar do começo de manhã que tive, estou só um pouco


hipercafeinado quando o primeiro herói romântico do dia entra no
set.

EVAN: ALGUÉM DO PASSADO

Se tem uma coisa que dá para dizer sobre Felicity Chen é que ela
não decepciona. Quando Evan põe o pé dentro do café, o olhar de
Fizzy vai direto para a região da virilha de Evan antes de se virar
para mim. Eu consigo segurar o riso, mas Fizzy não tem a mesma
sorte. Ela solta o que só pode ser descrito como uma gargalhada
vigorosa que literalmente faz Evan deter o passo. Um burburinho de
risos se espalha pela equipe, e Fizzy leva a mão à boca. Rory olha
para mim, claramente querendo saber se deve refazer a cena de
entrada de Evan. Faço que não com a cabeça, confiante de que Fizzy
consegue contornar a situação com uma piada e criar um ambiente
de leveza entre os dois.

Mas é Evan que me surpreende, continuando a andar até ela,


parando diante da mesa e abrindo um sorriso divertido.

“Não se preocupe”, ele diz, rindo de si mesmo, apontando para o


próprio quadril. “Aquilo já era. Bart Simpson não mora mais aqui.”

Ela cai na risada. “Melhor assim, pode acreditar.” Fizzy fica de pé e


contorna a mesa para abraçá-lo. “Deve ter um monte de gente
vendo isso sem entender nada”, ela comenta quando os dois se
acomodam de frente um para o outro.

Evan abre um sorriso tímido e baixa os olhos para a mesa, vermelho


de vergonha. A alguns passos de mim, uma das moças da equipe
suspira.
Levantando os olhos de novo, ele sorri para Fizzy. “Então essas
pessoas precisam saber que eu tinha uma tatuagem de péssimo
gosto no pior lugar possível, e Fizzy foi a única pessoa sincera o
bastante para me dizer isso. Inclusive, eu deveria agradecer a ela
pelos comentários que recebi noventa por cento das vezes em que
fiz sexo depois que nós terminamos.”

Fizzy dá risada, levando a mão à boca. “Eu fico contente por todas
as pessoas envolvidas.”

“Por falar nisso…” Ele aponta para as luzes e câmeras voltadas para
os dois. “Como está sendo esse lance de ter virado celebridade?”

“Sabe como é”, ela responde, “eu só venho aqui para ser
embelezada por profissionais do ramo enquanto me trazem um
pretendente atrás do outro. Já estive em situações piores.” Ela sorri,
já bem mais calma a essa altura. Não percebo nenhuma faísca de
paixão entre os dois, apesar de eles se sentirem bem à vontade um
com o outro, o que o público com certeza vai adorar. “E você, o que
anda fazendo ultimamente?”

“Depois que nós terminamos eu resolvi pôr a minha vida em ordem”,


ele conta com um sorriso. “Fui trabalhar como barista em meio
período e me aprimorar como pessoa indo estudar na UCSD. Já
estou lá há oito anos.”

“Oito anos é bastante tempo de aprimoramento pessoal.”

“Tem um monte de gente que faz oito anos de faculdade”, ele


retruca.

“O tipo de gente que tem vaga exclusiva no estacionamento com a


palavra doutor na frente do nome.”

Evan se inclina para a frente. “Por acaso você andou conversando


com a minha mãe?”
A equipe precisa se esforçar para segurar o riso, e eu solto um longo
suspiro de alívio. Fizzy é sem dúvida nenhuma uma estrela.

ARJUN: O SR. DARCY

O segundo pretendente do dia aparece com um terno Gucci sob


medida e sapatos de couro de crocodilo que custam mais do que o
primeiro carro da maioria das pessoas. Fizzy visivelmente não fica
nem um pouco impressionada. No fim do encontro, ela me lança um
olhar que a essa altura eu já sei reconhecer como algo tipo: O sr.
Darcy era antipático, mas uma boa pessoa. Esse cara é um
egomaníaco.

O pretendente número três é promissor.

COLBY : O MILITAR DE ELITE

Colby tem bem mais de um metro e oitenta e é uma massa


compacta de puro músculo. Seus cabelos pretos estão cortados bem
curtos, e seu bronzeado é uma mistura de pele naturalmente
morena e manhãs passadas encarando o mar agitado em Breakers
Beach. Quando ele se senta diante de Fizzy, preciso engolir a
irritação que sinto ao ver quanto os dois ficam bem juntos. Mas a
conversa entre eles é… bom, sendo bem sincero, um tédio. Fizzy se
esforça para tentar conduzir algo que vá além de perguntas e
respostas mornas, mas não consegue superar o suspiro de susto
quando ouve que ele não leu nenhum livro desde o lançamento de O
Código Da Vinci, em 2003.

O produtor dentro de mim precisa que esse seja o próximo cara a


ser chutado.

Mas o cara que beijou Fizzy duas noites atrás secretamente deseja
que o set inteiro arda em chamas. Infelizmente, isso não acontece. E

entra em cena:
NICK: O SUPERBONZINHO

Nick é exatamente como se mostrou na entrevista e, quando entra,


traz consigo uma aura de simpatia e sensualidade que parece
irradiar pelo salão. Fizzy começa a se levantar, aparentemente sem
sequer se dar conta, assim que o vê. Eles se cumprimentam com um
longo abraço, e fico com a sensação de que estou testemunhando
uma conexão imediata. É o tipo de intimidade que me faz querer ver
os dois transando, mas os meus instintos logo repreendem
duramente a minha mente.

A equipe está encantada. Em determinado momento, Nick conta


sobre uma ninhada de cachorrinhos que estão à sua espera no
consultório, e Fizzy o faz prometer que vai mantê-la atualizada sobre
o estado de saúde dos bichinhos.

Em um ato de autopreservação, eu me desligo do restante do


encontro.

Em seguida, quem vem é:

JUDE: O VAMPIRO

Ainda não sei ao certo o que Fizzy estava esperando quando pôs
vampiro na lista de arquétipos, mas espero que Jude cumpra bem o
papel. Acho que ele pode inclusive surpreendê-la. Jude entra e
chega até ela com poucas passadas. Com um sorriso, Fizzy se
levanta e o cumprimenta com um abraço. As orelhas dele brilham
com brincos prateados, ele tem um piercing no lábio e no nariz, e
está vestido de preto da cabeça aos pés. Ele tem o mesmo jeito
descolado de Fizzy.

Jude puxa a cadeira para Fizzy antes de se acomodar na dele, e fico


observando a situação, cheio de expectativa.

“Então você é o meu vampiro.” Fizzy dá uma boa olhada nele. Uma
das câmeras dá um zoom para mostrar quando ela cruza as pernas
sob a mesa, com o sapato de salto alto casualmente encostando na
perna dele. Ótimo para a audiência, péssimo para a minha saúde
mental.

“Pelo jeito é isso mesmo”, ele diz com um sorrisinho. “Que bom
finalmente conhecer você, Fizzy. Estava ficando nervoso. Não dá pra
acreditar, mas você é ainda mais bonita pessoalmente.”

Não é possível detectar nem um pingo de falsidade nessa


declaração.

Observando tudo ao meu lado, Brenna solta um gemidinho de


encantamento antes de cobrir a boca. Por fora, permaneço
totalmente impassível. Por dentro, estou mandando o vampiro Jude
para aquele lugar.

Ele levanta o café em um brinde. “Que seja o primeiro de muitos


encontros.”

Visivelmente encantada, Fizzy bate a caneca na dele, e os dois


bebem.

“Me conte mais sobre você, Jude. O que exatamente um vampiro faz
da vida hoje em dia?”

“Eu sou flebotomista, acredite se quiser”, ele diz com um sorriso


presunçoso.

E aí está. Nossa, como eu vinha esperando por esse momento.

Fizzy dá um tapa na mesa e solta uma risada escandalosa de


surpresa. Seus olhos se desprendem só um pouco de Jude e se
voltam para mim do outro lado do café.

Essa risada é só para mim.

Vinte e cinco
Transcrição do depoimento confessional do episódio um
Connor Prince: Fizzy. Como você está?

Fizzy Chen: Melhor agora, que você está aqui.

Connor: [risos] Como é o nosso primeiro programa, precisamos


explicar para os telespectadores o que estamos fazendo aqui. Meu
nome é Connor Prince e sou um dos produtores de O Experimento
do Amor Verdadeiro. Me perdoem se pareço um pouco nervoso. Não
estou acostumado a aparecer diante das câmeras.

Fizzy: Um erro que eu fico muito feliz por ter corrigido.

Connor: Como alguns de vocês que estão assistindo já devem ter


descoberto a essa altura, Fizzy pode ser bastante persuasiva.

Fizzy: Você não é a primeira pessoa a dizer isso.

Connor: Claro que não. Agora que você já conheceu todos os


nossos heróis românticos, como está se sentindo?

Fizzy: Como eu estou me sentindo? Vejamos. No meu livro Sonhos


no paraíso, a protagonista, Jacqueline, está presa em uma ilha há
três anos, depois de um naufrágio. Ela é durona, então consegue
aguentar firme, mas quando é resgatada e se encontra em
segurança na cabine do capitão do navio, está tão faminta e
enlouquecida pelas delícias que encontra a bordo que se entope de
comer a ponto de esquecer o próprio nome. Eu estou me sentindo
um pouco assim.

Connor: Bom demais pra ser verdade?

Fizzy: Talvez.

Connor: O herói romântico desse livro não é o médico do navio?


Fizzy: Isso mesmo! Ele fica ao lado dela a noite inteira e oferece
seus cuidados-barra-transas para ajudar em sua recuperação.

Connor: [risos] Essa história é a sua cara, Fizzy.

Fizzy: Vou encarar isso como um elogio.

Connor: Ótimo, porque é mesmo. Nós não queremos influenciar


nossos telespectadores, que vão começar a votar assim que o
episódio terminar. Mas me conte suas primeiras impressões sobre os
heróis.

Vamos começar por Dax, nosso bad boy tatuado.

Fizzy: Ah, coitado do Dax. Por ser o primeiro, ficou com a Fizzy
mais tensa e perdida.

Connor: Você não aparentou estar nem um pouco nervosa. Eu diria


que vocês dois se conectaram bem.

Fizzy: Eu também acho. Não vou pular de paraquedas, fazer


escaladas nem praticar luta livre com ursos, mas ele foi ótimo.

Connor: Em seguida veio Isaac, o nerd gato.

Fizzy: Também foi ótimo. Você reparou naqueles braços?

Connor: Acho que o país inteiro reparou naqueles braços.

Fizzy: Então o país inteiro tem muita sorte. Seria demais pedir que
ele venha sem camisa da próxima vez?

Connor: Acho que um pouco. Vocês pareceram se entender muito


bem.

Fizzy: Também achei.


Connor: E depois foi a vez do herói número três, Benji, mais
conhecido como Tex, o nosso caubói.

Fizzy: Sei que não posso tentar influenciar o voto do público, então
podem cortar esta parte se quiserem, mas ele perguntou o que o
meu pai acha de eu ser uma autora de livros de romance. Foi meio
inadequado, e esquisito.

Connor: Seguindo em frente! Depois veio Evan, alguém do


passado, e o único dos nossos heróis que você já conhecia antes do
programa.

Fizzy: Isso mesmo. Nós namoramos por alguns meses quando


tínhamos vinte e tantos anos. É um cara muito gente boa.

Connor: Mas que tinha uma tatuagem bem vergonhosa.

Fizzy: “Ai, caramba.”

Connor: Pois é. Mas ele pareceu grato pelo feedback que recebeu
de você.

Fizzy: [risos] É porque o Evan é muito de boa. Ele vê o copo


sempre meio cheio.

Connor: Eu diria que você também.

Fizzy: Depende do que tiver no copo…

Connor: Muito engraçadinha. E teve também Arjun, nosso sr. Darcy.

Comentários?

Fizzy: Só que eu aposto que ele separa as meias em gavetas de


acordo com a cor.

Connor: [risos] E quanto a Nick, o superbonzinho?


Fizzy: Esse arquétipo pode passar a impressão errada, de que se
trata de uma pessoa que é um capacho, então é bom explicar que
não é nada disso. O superbonzinho é um herói romântico que é
gentil e companheiro. Ele prioriza sempre o que é melhor para a
heroína.

Connor: Certo.

Fizzy: E, quer saber, por trás desse seu terno, você tem algumas
dessas tendências também. São muitas camadas aí, Connor Prince
III.

Eu diria que tenho dificuldade de categorizar você.

Connor: Você já me conhece. Eu sou como uma cebola.

Fizzy: Ou um bolo. Mas, voltando ao Nick, gostei dele.

Connor: Isso é bom, e tenho certeza de que o público percebeu.


Agora me fale um pouco sobre Colby, o militar de elite.

Fizzy: Eu realmente gostaria que ele tivesse um repertório um


pouco maior de leitura.

Connor: [risos] Com certeza ele ia se beneficiar disso também. E

depois tivemos Jude.

Fizzy: O vampiro. Ele foi bem divertido.

Connor: Senso de humor é importante pra você?

Fizzy: Ah, com certeza. Preciso de alguém que não se leve tão a
sério, que consiga se divertir mesmo fora de sua zona de conforto.

Connor: Dançar como se ninguém estivesse olhando?


Fizzy: Ou cantar em um show de uma boy band como se ninguém
estivesse ouvindo.

[risos dos dois]

Vinte e seis

FIZZY

Pelos vinte primeiros minutos depois de chegar à casa de Jess na


sexta à noite, vou descarregando sem parar todos os detalhes que
consigo recordar dos oito encontros. O rosto, as roupas, a voz, o
trabalho de cada um dos heróis românticos, se gostei deles, sobre o
que falamos, que tipo de piadinhas eles fizeram.

Quando descrevo o momento hilário em que o meu ex entrou no


café, com um sorriso presunçoso naquele rosto bonito — e um ainda
maior no de Connor —, Jess balança a cabeça, reconhecendo que
sabe de quem estou falando.

“Evan era aquele com a tatuagem que você detestava?”, ela


pergunta. “O que tem uma risada gostosa?”

“Uma atualização, ele era o cara da tatuagem. Já se livrou daquilo.


E, sim, é aquele sino-americano que jogava softball com o meu
irmão.

Incluí o nome dele na lista porque os meus relacionamentos


passados são um campo minado e o Evan é gente boa, apesar de
não fazer muito meu gosto em termos sexuais. Mas agora estou
agradecendo a mim mesma pela ideia de colocá-lo no jogo”, explico.
“Ele é ótimo e, se os outros caras se revelarem uns imprestáveis,
pelo menos o Evan e eu podemos passar umas férias divertidas em
Fiji.”

“Ou até fazer algo mais sem a presença do Bart Simpson pesando
entre vocês.”
“Talvez.”

“Certo, um ranking, então. Quem é o seu favorito até agora?”

“Isaac, provavelmente. Ele era…” Faço uma pausa dramática e


balanço a cabeça como que para clarear os pensamentos. “Ele é tão
gostoso, Jess. E tão interessante.”

“Entendiiiii.” Ela se inclina para a frente, devorando a fofoca. “E rolou


um clima? Uma fagulha? Sinos tocando?”

“Sei lá. Isso é o público que vai decidir, eu acho.” Se Jess captou o
subtexto aqui — de que mesmo após a primeira rodada de
encontros

não estou acreditando muito que posso me apaixonar por um desses


fantásticos heróis românticos porque não consigo parar de pensar no
produtor-executivo que está vendo tudo dos bastidores —, ela não
demonstrou nada. Está ocupada demais se divertindo com as
minhas aventuras amorosas. Como nos velhos tempos.

“Então nós vamos ver o primeiro episódio juntas amanhã?”

“Preciso checar com o Connor se ele não estava planejando ver


comigo, mas, se não, sim.”

Jess estreita os olhos. “Juntos, só vocês dois?”

“Não”, eu respondo, mas com um tom de incerteza, como se fosse


um talvez.

“Fizz”, ela diz em tom de alerta.

“Ei, ele pode ter planejado alguma coisa!”

“Por que ele iria querer assistir só com você?”


“Não, não, é que…” Solto o ar com força e faço uma careta. “Certo,
eu tenho que te contar uma coisa, mas você não pode ficar brava
comigo, de jeito nenhum.”

“Com esse tipo de aviso, fica difícil fazer alguma promessa.”

“Então eu não vou contar.”

“Então tá.”

“Então tá.”

Nós nos encaramos e ficamos nesse impasse até eu desviar o olhar


e fingir que estou examinando o esmalte das unhas. Em geral, a
chance de cada uma ceder é meio a meio, mas, considerando que
sou eu quem detém a informação — e sei que ela passou as últimas
oito horas fazendo um cansativo trabalho de analisar estatísticas
envolvendo números gigantescos —, estou confiante de que posso
ganhar essa.

O silêncio que nos cerca parece vibrar na frequência de algum som


espectral. A planilha de hoje deve ter sido dureza, porque ela desiste
bem antes do que eu esperava. “Tá, eu não vou ficar brava, só me
conta logo.”

“No domingo à noite”, eu começo, me inclinando para a frente, “na


noite anterior ao início das filmagens, Connor e eu fizemos nossa
última excursão em busca de alegria.”

“Encontro, você quer dizer.”

“Excursão. Fomos até Torrey Pines ver as ondas bioluminescentes.”

O humm que ela faz é de pura desconfiança. Jess sabe exatamente


onde isso vai parar.

“Bom, sem querer dar spoilers, a coisa terminou em beijos.”


Jess leva as mãos ao rosto. “Fizzy.”

Eu aponto um dedo acusador para ela. “Nós fizemos um acordo, e


você prometeu não ficar brava!” Ela tira a mão da frente do rosto,
revelando um sorriso amarelo. “Como eu ia dizendo, o beijo virou
pegação, eu estava no colo dele e…” Arregalo os olhos e baixo meu
tom de voz. “Jessica Marie, não posso dizer com certeza porque não
vi, mas acho que Connor pode ter o maior pau que eu já conheci.”

Depois de um silêncio, ela fica séria.

“Espera. Preciso de um vinho para ouvir isso.” Ela desaparece por


um instante e, quando volta, deixa duas taças de vinho tinto na
mesa de centro e se senta diante de mim. “Eu não quero incentivar
nada disso nem que você pense que não reprovo isso em todos os
sentidos, mas de que tamanho estamos falando?”

Olho para trás para ver se não tem nenhuma menina impressionável
de dez anos escutando.

Jess dá um gole apressado no vinho e balança a cabeça. “A Juno


está na casa dos avós.”

Mais tranquila por termos privacidade, estendo os indicadores e os


afasto a uma distância significativa — mas precisa — e em seguida
faço um círculo com os dedos das duas mãos para fazer uma
estimativa da circunferência. “Hã… mais ou menos assim?”

Ela assobia. “Fizz, esse é o diâmetro do seu punho.”

“Eu sei!” Dou um tapa na mesa. “Seria como enfiar o meu braço
inteiro em mim!”

Jess apoia a testa na mão, com um suspiro, e só então percebo que


River tinha acabado de entrar na sala com uma bandeja de petiscos
para nós. Ele dá meia-volta sem deter o passo e se retira em
silêncio.
“Espera, eu preciso falar com você”, grito para as costas de River. “O

timing dele é sempre preciso.”

“Boa sorte em tentar trazer ele de volta pra cá depois dessa.”

“Ah, qual é, como se ele ainda ficasse chocado com alguma coisa
que eu digo ou faço. Lembra de quando ele teve que tirar a minha
roupa?”

Na nossa viagem para a Escócia, Jess estava entrando no chuveiro


e, em resposta a uma mensagem minha dizendo Socorro, mandou
River,

sem se dar conta de que a minha emergência era que eu não


conseguia tirar o vestido. Preciso admitir que River teve um
comportamento impecável — entrou no quarto, tirou a peça de
roupa teimosa por cima da minha cabeça sem hesitação e se retirou
imediatamente depois. Esse homem é inabalável. “Enfim”, eu
continuo. “Como você pode imaginar, não vou conseguir pensar em
mais nada enquanto não conseguir pegar ali de novo.”

Ela começa a protestar antes mesmo de eu terminar de falar. “Mas


agora o programa já começou!”

“Sim, mas isso não vai afetar o programa! Não tem nada a ver com
sentimentos, é só uma distração. Eu peguei gosto por ele agora.”

Suspiro. “Eu sou uma caçadora.”

Jess balança a cabeça. “Como James, em Crepúsculo.”

“Exatamente como James em Crepúsculo”, confirmo.

“Só que a Alice arrancou a cabeça dele.”

Dou um tapa na mesa. “Por que você sempre desvirtua a questão?”


“Porque a questão é que isso vai ser um desastre!”

“Eu não acho, não mesmo. É um lance puramente sexual. Nós não
vamos ficar apaixonados nem nada. Eu sou uma autora de livros de
romance desbocada, aventureira e de personalidade forte. Ele é um
homem branco, alto e atlético chamado Connor Prince III. É só
questão de tempo até eu fazer alguma coisa escandalizadora demais
ou até que ele faça alguma coisa que me irrite e/ou me deixe
entediada.”

Meu celular vibra sobre a mesinha entre nós. O rosto de Connor


aparece na tela, e Jess consegue ver antes que eu possa pegar o
aparelho e fingir que é meu irmão ligando.

“Você pôs até a foto dele nos contatos?” Essa indignação dela é
totalmente fingida. Por baixo da blusa de moletom larga e dos
sapatos confortáveis, está a rainha do drama. Jess adora esse tipo
de babado.

Com um sorriso aberto, atendo. “Oi, chefe!”

“Olá. Você tem alguns minutos para uma dissecação?”

“Depende. O cadáver sou eu?” Diante de mim, Jess faz uma careta
de reprovação. Bato com o dedo na testa para lembrá-la que esse
tipo de coisa provoca rugas. Sou uma ótima amiga, e ela nunca me
agradece por esse tipo de coisa.

A risada de Connor reverbera nas minhas partes íntimas. “É só um


jeito de dizer, Fizzy.”

Aperto o botão de emudecer a chamada e murmuro para Jess: “A


voz dele é tão grossa. Será que eu nunca reparei nisso antes?”.
Voltando à chamada, digo: “Sim, tô brincando. E estou sempre
disposta a dissecar o que quer que seja”.

Ele ri de novo. “Legal. Você está em casa? Eu posso te buscar.”


“Chego lá em dez minutos.”

“Ótimo”, ele diz baixinho, e então desliga.

Puta merda. Excluindo a possibilidade de que estou ansiosa para ver


Connor, não existe uma explicação para a pressa com que começo a
recolher as minhas coisas.

Jess me acompanha até a porta. “O que está acontecendo?”

“Ele está indo me encontrar lá em casa para uma reunião de


produção.” Eu enfio o celular na bolsa.

“Isso é uma boa ideia?”

“Nós discutirmos o trabalho que estamos fazendo juntos?” Finjo que


estou refletindo a respeito. “É, acho que sim.”

“Fazer isso na sua casa”, ela retruca.

Abro a porta enquanto calço os sapatos. “É isso que nós vamos


descobrir.” A testa dela se franze ainda mais, então acrescento:
“Certo.

Eu prometo que não vou chegar nem perto do quarto”.

“Como se você precisasse de um quarto pra isso”, ela comenta.

Eu paro um pouco, com a mão ainda na maçaneta. “Isso é verdade.

Bom, eu preciso ir!”

“O diâmetro do seu pulso!”, ela grita enquanto eu desço correndo os


degraus da frente da casa.

“Não preciso caminhar amanhã mesmo!”

“E a escrita, como anda, Felicity?”


“Esta é a minha fase de pesquisa!”, grito de volta.

Quase consigo escutar o grunhido contrariado de Jess enquanto ela


acena da porta da frente.

Vinte e sete

FIZZY

Connor chega antes de mim e está me esperando na varanda, com


um dos ombros largos recostado em uma coluna no alto dos
degraus da frente. Está com outra roupa, deixou de lado o estilo
social e veio na minha versão favorita, o Connor tranquilão: camiseta
mais velhinha, jeans gasto e tênis velhos. Sob a luz da lua e da
lâmpada fraca da minha varanda, parece uma imagem de cinema.

“Como é que você está?”, ele pergunta enquanto me aproximo.

“Estou ótima.” Fico na ponta dos pés para beijá-lo no rosto e só


então me dou conta de que não é isso que devo fazer com meu
produtor e melhor amigo, com quem só posso ter uma relação
platônica. A expressão dele quando me afasto é uma mistura de
divertimento e preocupação.

“Desculpa”, eu digo. Aliás, por que não ser sincera? “Fiquei feliz de
ver você e infelizmente não consegui acionar o meu filtro a tempo.”

O rosto dele assume uma expressão meio bugada entre o riso e a


careta até se definir pela impassividade. “Sem problemas.” O Connor
tranquilão agora está rígido como uma tábua. “Eu só queria
conversar com você sobre como foi a primeira semana de filmagem
e saber se você precisa de alguma coisa.”

“Eu?”, pergunto, destrancando a porta da frente. Ele entra comigo.

“Por mim está tudo certo.”


“Da sua parte, correu tudo incrivelmente bem”, ele continua, tirando
os Vans dos pés. “Você tem um talento natural para as câmeras,
Fizz.

Hoje nós editamos o que queremos usar dos encontros, e agora à


noite vamos terminar de montar as apresentações de cada um e os
depoimentos.”

“Então o episódio está pronto?”

“Praticamente. Vai ficar ótimo, e o mérito é todo seu.”

Me viro para ele depois de guardar a bolsa e percebo como seus


olhos se iluminaram. “Na verdade, é seu”, eu insisto. “Foi você que

aceitou o desafio dos arquétipos de heróis românticos e montou


tudo em torno disso. O elenco é perfeito. Eles são perfeitos.” Dou
um soquinho de leve em seu ombro. “E bem gatinhos. Parabéns. Um
verdadeiro banquete para os olhos.”

Digo isso principalmente para elogiar Connor e seu trabalho, claro,


mas minhas palavras acabam tirando o brilho dos seus olhos. “Bom”,
ele diz, com um tom mais sério. “Ótimo. Você gostaria de ver a
estreia lá em casa? Com a equipe toda, não só comigo.”

“Claro! Estou animada pra ver como a coisa ficou na tela. Não acho
que tive muita química com o Arjun ou com o Tex…”

“Acho que a plateia vai notar isso também.”

“… mas acho que com os outros foi legal. E um deles vai poder
embarcar no Expresso Fizzy.” Abro um sorriso e faço um gesto
ridículo de apito de trem. “Vai ser divertido.”

Connor desvia o olhar para seus tênis perto da porta, o que me


permite observá-lo. Estou me sentindo leve, contente pelo sucesso
da primeira semana de filmagens e excitada por estar sozinha com
ele. O

pensamento mais sorrateiro possível consegue se infiltrar na minha


mente: Por melhores que sejam esses heróis românticos, nenhum é
ele.

“Quer uma cerveja ou outra coisa?”, ofereço, para me distrair dessa


voz terrivelmente sincera na minha cabeça.

Ele assente de leve. “Pode ser.”

Ele me segue até a cozinha, onde eu pego uma long neck para cada
um e me recosto no balcão. “Quem é o seu favorito?”, pergunto para
ele.“Meu herói romântico favorito?” Ele dá um gole na cerveja
quando confirmo com a cabeça. “Eu não tenho nenhum.”

“Qual é!” Faço um som de vaia para ele. “Sério mesmo? Eu imagino
você como um fã do Isaac.”

“São todos bons sujeitos. Foi por isso que foram escolhidos.”

“Bom, até agora gostei do Nick, do Dax e do Isaac. O Jude é legal,


mas não sei se deu liga.”

“E o Evan?”

“Da primeira vez não deu certo, mas quem sabe?”

“Isso mesmo. É preciso manter a mente aberta.”

“Ah, com certeza”, eu digo, sem querer me prolongar muito. “Mas se


está me perguntando por quem senti mais atração, a resposta é
essa.

Só isso.”
Connor parece indeciso, até que enfim volta a abrir a boca. “Isso nos
leva ao meu único porém, que é talvez maneirar um pouco nos
olhares de vamos-para-a-cama.”

O sorriso desaparece do meu rosto. “O… o quê?”

“Os espectadores querem ver você criando uma conexão de


verdade.”

“E por acaso isso não começa com o flerte? Então tenho feito isso
errado a vida toda!”

“Estou falando da forma como você flerta”, ele responde, ignorando


a minha tentativa de deixar a conversa mais divertida.

“A maneira como eu flerto”, repito, e deixo a minha cerveja a uma


distância mais segura. Posso ter que usar as duas mãos para
estrangulá-lo.

“Só trinta e três por cento dos espectadores de The Bachelor


acompanham The Bachelorette. Sabe por quê?”

Ah, essa eu sei, sim. “Patriarcado.”

“Pois é. O público aceita muito melhor um homem saindo com várias


mulheres do que uma mulher saindo com vários homens. Não estou
falando que isso é certo, só que é assim que as coisas funcionam.”

“Olha só quem de repente virou um especialista em cultura pop


televisiva.”

“Eu avisei que ia levar esse trabalho a sério.”

“Então você quer que eu me faça de difícil? Os romances precisaram


evoluir muito pra se afastar do ideal da heroína virginal, e essa luta
não foi nada fácil. Se você acha que eu vou me encaixar nesse
estereótipo no programa, está muito enganado.”
“Não foi isso que eu disse.”

“Então o que foi que você disse?”

Ele fica inquieto, com o pescoço vermelho. “Não estou dizendo que
você não pode… Certo, escuta só”, Connor tenta recomeçar.
“Esquece.

Está ótimo do jeito que está.”

“Ah, sei. Obrigada.”

Um silêncio recai sobre nós, e, como um fósforo que se apaga, a


energia da conversa se esvai.

“Por que você ficou bravo comigo assim do nada?”, questiono. “O


que foi que eu fiz?”

“Eu não estou bravo.” Ele balança a cabeça e, por um instante,


parece bem infeliz. “Desculpa.”

“Eu topei fazer o programa pensando no público, pra não deixar


tudo nas suas mãos desajeitadas…”

Ele solta uma risada sarcástica. “Isso você deixou bem claro.”

“… mas só é divertido porque é com você”, complemento,


estendendo o braço para segurar sua mão.

Por fim, ele ergue os olhos. E acho que entendo o que está
acontecendo. Nossa, eu sou muito burra às vezes.

“Eu curto muito estar com você”, digo para ele, puxando-o mais para
perto. “A primeira semana no set foi ótima porque me sinto à
vontade com você. Insisti pra gravarmos os depoimentos juntos
porque gosto de conversar com você. Arrisquei a vida me dispondo a
falar com o River porque acredito nas suas ideias incríveis. Você está
fazendo muito bem o seu trabalho, e me desculpa se…”
Minhas palavras são interrompidas quando Connor dá um passo à
frente e segura meu rosto entre as mãos. Sua boca encontra a
minha, e, em um instante, todos os meus pensamentos se
dissolvem.

É um beijo simples, lábios macios, pressão firme, e então ele me


beija de um ângulo diferente antes de enfim se afastar. Os olhos
verdes de Connor procuram os meus num movimento rápido em
busca de uma resposta. Meus pensamentos gritam para eu não
deixá-lo se afastar de novo, mas, antes que eu possa fazer qualquer
menção de puxá-lo de volta para mim, ele já tomou essa decisão, se
aproximando e dominando meu espaço. Fico na ponta dos pés
quando ele flexiona os joelhos para chegar até mim, com a boca
mais macia e faminta agora, buscando os ângulos que encontramos
da última vez, mais profundos, com sua língua quente e tentadora.
Connor solta um gemido, um som que faz com que eu me derreta
toda de desejo, e só consigo pensar em ir mais fundo e tentar
descobrir quanto mais dessa vontade em estado bruto ele está
escondendo. Fico esperando que ele interrompa o beijo, que se
afaste e se desculpe, que me lembre que não podemos fazer isso de
novo, só que, quanto mais nos beijamos, mais a intensidade
aumenta.

Connor me levanta, me coloca diante dele no balcão da cozinha e


abre minhas pernas para poder se posicionar entre elas. Uma de
suas mãos sobe pelas minhas costas, contorna minhas costelas e
agarra meu

peito enquanto a outra puxa meu quadril para si e cola meu corpo
no seu. Sou recompensada com outro gemido, e com mais um
quando me esfrego contra ele. Connor não faz nada para me impedir
quando desabotoo sua camisa e a deixo toda aberta, colocando a
mão em seu peitoral largo e firme.

A boca de Connor está no meu pescoço, e seus dedos se enroscam


na alça da minha blusa, puxando-a para baixo do meu ombro,
esgarçando o tecido e levando o sutiã junto para me expor a sua
boca e seus dentes. A sensação da mordida e do beijo no meu
mamilo é de prazer em alta concentração e faz a minha visão
escurecer enquanto meu corpo suga para dentro cada molécula de
oxigênio disponível.

Seu cabelo tem um toque macio nas minhas mãos, e ele parece
gostar quando eu o puxo, me mordendo em uma retaliação deliciosa
quando sou mais bruta. Quando puxo com ainda mais força, ele
acompanha o meu gesto, fica de pé de novo e vem se concentrar na
minha boca. Quero beijá-lo por horas. Nunca fui beijada desse jeito
antes, com tanta iniciativa e confiança, com tanta energia que chega
a ser uma coisa quase furiosa. Ele não mostra sinais de que vai
parar esta noite, e a adrenalina faz um calor se espalhar pela minha
corrente sanguínea.

Os dentes de Connor estão escancarados contra o meu queixo, e


suas mãos sobem pelas minhas coxas para arrancar a minha
calcinha.

“Tá tudo bem?”, ele pergunta com uma voz áspera contra o meu
pescoço, e faço que sim com a cabeça várias vezes, porque, sendo
bem sincera, ele tem permissão para fazer o que quiser comigo.
Tento articular um pensamento coerente sobre a sensação que estou
experimentando, com aquelas mãos colocadas de forma tão
impositiva nas minhas coxas, com o calor e esse roçar dos seus
dentes sobre a minha pele, mas só mais tarde vou conseguir
processar de fato alguma coisa que não seja essa sobrecarga dos
sentidos, a sensação de ser completamente consumida pelo meu
desejo por ele. Somos como fios desencapados, nervos expostos, e
nos movemos por instinto.

Suas palmas deslizam pelas minhas coxas, me provocando de leve,


mas o beijo continua intenso e instigante, e ele prende meu lábio
inferior entre seus dentes. Então as pontas dos dedos de Connor
encontram a parte que já estava quente e umedecida para ele. Seus
lábios amolecem junto aos meus antes de ele se afastar só um
pouco,

equilibrando o cuidado e o domínio sobre mim, me observando


enquanto enfia um dedo, depois dois, entrando e saindo em um
ritmo enlouquecedoramente lento. Fico olhando para sua boca, que
parece formar palavras pela metade, para seus dentes, que ele crava
no próprio lábio enquanto pressiona o polegar contra mim, fazendo
movimento circulares, e o sorriso presunçoso que se abre em seu
rosto quando solto um gemido involuntário.

Sob meus dedos impacientes, sua calça logo cai até os joelhos, e
aquele lindo pau finalmente vem para as minhas mãos, e o puxo
para perto de mim, provocando e subindo a temperatura até não
aguentarmos mais, trocando beijos molhados e mordidas com a
cabeça dele me pressionando e…

Nós fazemos uma pausa, em um momento de sensatez, procurando


aquela camisinha perdida na gaveta de tralhas, rindo em meio a um
beijo sobre a conveniência daquilo, sobre como ser bagunceira às
vezes pode ser útil. É ele quem procura, porque as minhas mãos
estão trêmulas e as suas, firmes, mas fico só olhando também
porque sou esperta: Connor sem roupa é a coisa mais sexy que já vi
na vida.

E, quando ele se aproxima de novo, digo seu nome com um ponto


de interrogação na voz, mas Connor me beija e diz “Não”, com a
boca colada na minha. “Eu não vou recusar mais nada.” E, com isso,
ele entra em mim.

É como uma tortura, lenta e perfeita. A sanidade é tão frágil, eu


penso, bastam alguns centímetros para me fazer perder a cabeça,
um após o outro enquanto ele vai se ajeitando dentro de mim,
cuidadoso, focado nas minhas expressões e nos ruídos que eu faço.
Mas então ele passa de cuidadoso a faminto assim que entra por
inteiro, como uma pedra deslizando sobre seda, e me torno um túnel
de vento de pensamentos, com pequenas partículas e fragmentos
voando depressa demais para que eu possa processá-los. Viro um
monstro egoísta querendo sempre mais. Sou uma feiticeira
manipulando o tempo para essa transa durar uma eternidade. Sou a
primeira mulher a ter essa intimidade com um homem. Tenho
certeza disso.

Ainda estou sentada sobre o balcão da cozinha, mas isso é só uma


formalidade. As mãos dele estão sob a minha bunda, e seus braços
me suspendem, me deixando no ângulo certo para ele conseguir se
mover de um modo que deixa os dois ofegantes. Cada estocada vem
com

força, impulsionada por todo o desejo reprimido que se acumulou


em nós dois. Apesar de gostar de falar sobre sexo, nunca fui
escandalosa na hora do vamos ver, mas Connor está dominando as
ações, e a inundação de sensações que me invade, poderosa demais
para ser contida dentro de mim, precisa sair de alguma forma.
Respirações rasas e ritmadas. Gritos de surpresa. O som da nossa
pele suada grudando.

Eu me ouço e fico impressionada, sentindo que estou perdendo o


controle do meu corpo. Talvez esteja mesmo, e não estou nem aí.
Não estou preocupada com nada, nem parando para me perguntar
se está sendo bom para ele, porque a resposta está estampada em
seu rosto contorcido. Com a boca entreaberta e os olhos voltados
para o que está acontecendo entre nós, ele diminui o ritmo para
desfrutar melhor da visão, estendendo o braço na minha direção, me
acariciando com o polegar.

“Tá bom assim?”, ele pergunta baixinho.

Faço que sim com a cabeça e murmuro “Vem aqui”, colando seu
rosto no meu.

Deveríamos ir mais devagar, mas é difícil quando tudo parece muito


apertado aqui dentro de mim, pronto para estourar. Ele estende a
mão, pressionando a palma no armário ao lado da minha cabeça,
me aperta e me observa enquanto eu busco seu toque. Quase
imediatamente, eu me entrego.

Eu deveria me segurar, mas já é tarde demais. O prazer chega como


uma onda de euforia devastadora. Pensei que fosse ser só dessa
vez; afinal, era o que eu achava que precisava. Só para tirá-lo da
cabeça.

Mas isso foi antes. Já tive vários tipos de transa na vida. Essa foi
diferente de tudo. Bem que eu gostaria de entender o que foi isso.

Vinte e oito

CONNOR

Uma análise do meu histórico de pesquisas no Google no sábado de


manhã revela o seguinte:

• Por que sexo com colegas de trabalho é ruim

• O que fazer se tiver dormido com alguém com quem não deveria e
tiver sido ótimo

• Como evitar dormir com alguém por quem você sente atração

• Como evitar transar com alguém de novo

• Como funcionam as rescisões de contrato de trabalho na Califórnia

• Empregos de produtor em San Diego

• Empregos de produtor perto de San Diego

• Empregos em San Diego

• Efeito da ausência da figura paterna em filhas


• Máquinas do tempo

Como era previsível, nada disso se revela muito útil.

Eu não fui à casa de Fizzy com a intenção de transar. Fui até lá


porque queria celebrar uma ótima primeira semana de filmagens,
para ver em que poderíamos melhorar, como tornar as coisas mais
confortáveis para ela. Mas também fui até lá sabendo que, se a
beijasse, meu gesto seria retribuído. E fui até lá ciente de que a
desejava demais, que estava um pouco apaixonado por ela e que
não sabia lidar muito bem com o ciúme. Eu queria tê-la para mim, é
isso.

Ela estava certa naquele dia na praia; eu não tinha me dado conta
do quanto seria difícil compartilhá-la com alguém quando o
programa começasse.

Olhando para trás, percebo que era inevitável que acabássemos


transando. E que a transa seria inevitavelmente intensa, forte,
carinhosa

e espetacular. E agora estou fodido de vez, porque não consigo


pensar em mais nada que não seja repetir a dose.

Algumas horas antes da estreia, encontro Nat na minha cozinha,


onde ela está abrindo uma garrafa de vinho. Nenhum dos heróis
românticos vai se juntar a nós hoje — eles não podem ter nenhum
contato com Fizzy longe das câmeras —, mas a maior parte da
equipe está aqui.

Alguns já começaram a atacar a mesa repleta de comida trazida pelo


serviço de buffet (mais um benefício de um orçamento generoso), e
o restante do pessoal está conversando, na expectativa de saber se
nosso programa vai ser um sucesso ou se todo mundo vai precisar
procurar outro trabalho a partir de amanhã. Muito dinheiro foi
investido nessa produção, então, sendo um sucesso ou um fracasso,
as repercussões vão ser igualmente imensas.
Fizzy deve chegar a qualquer momento, e é por isso que estou
impaciente, rondando a cozinha feito um maluco.

Nat deve ter sentido a minha presença, porque olha para trás. “E aí”,
ela diz, tirando a rolha de uma garrafa.

Vou para perto do fogão, sem saber ao certo se devo ter essa
conversa, mas com a consciência de que vou acabar enlouquecendo
se não contar para alguém. “E aí.”

Ela pega uma taça no armário. “Onde está a menina?”

“No quarto.” Stevie queria ficar esperando no jardim da frente até


Fizzy aparecer, mas consegui convencê-la de que o trânsito na
Ocean Beach sempre fica carregado a esta hora da noite,
principalmente nos fins de semana. Ela cedeu, mas só depois que eu
prometi que iria avisá-la assim que Fizzy chegasse. “Quem diria que
uma visita de Felicity Chen era o que ia fazer ela arrumar aquela
bagunça?”

Nat solta uma risadinha enquanto enche a taça de vinho. “Fizzy é


ótima. E a idolatria a heróis e heroínas é uma tendência forte na
nossa cria.”

Esse lembrete me revira o estômago, porque não é só a minha vida


que vai ser afetada se tudo der errado — a de Stevie também vai, e
até a de Nat. Isso é uma novidade para nós, porque eu nunca me
envolvi com outra pessoa antes. Não que seja um envolvimento
sério, lembro a mim mesmo. Foi só uma transa. As pessoas transam
todos os dias.

Mas… uma transa como aquela não acontece todo dia.

Meu silêncio rende mais um olhar na minha direção. “Está tudo


bem?”
“Sim, sim.” Mais um momento se passa, e eu mudo de ideia pelo
menos cinco vezes antes de me virar e soltar a bomba. “Eu transei
com a Fizzy ontem à noite.”

Nat abre a boca; pisca algumas vezes. “Peraí, o quê?”

“Eu preciso mesmo repetir?”

“É que…”, ela começa, mas fica compreensivelmente sem palavras.

“Até onde eu sabia, você tinha rejeitado ela porque não ia dar certo.
E

isso foi semanas atrás.” Eu faço uma careta, porque não contei para
Nat sobre a praia. “Pensei que você tinha dito que ia ser uma
relação exclusivamente profissional.”

“E era.” Isso não é exatamente verdade. Nossa relação foi


profissional por mais ou menos um milésimo de segundo; os limites
ultrapassados formam uma pilha gigantesca atrás de mim. “Só que
deixou de ser.”

Levanto os olhos quando escuto a voz de Ash, meu melhor amigo,


retumbar no corredor. “Podem ficar tranquilos, os nachos chegaram!”

Solto um grunhido quando Ash e Ella entram na cozinha com pelo


menos uma dúzia de pacotes de nachos. Ele também está usando o
suéter do avesso, mas no momento estou ansioso demais para achar
graça no que quer que seja.

“Vocês sabem que só vão ser umas quinze pessoas, né?”, pergunto.

“Incluindo vocês dois.”

“Eu estava tão empolgada que não lembro nem de ter passado no
mercado!”, Ella responde. “Saímos pegando o que víamos pela
frente…”
Ela faz de conta que está pegando tudo de uma prateleira. “Jogando
tudo no carrinho!”

Ignorando a conversa que eles interromperam, ela larga os pacotes


sobre a bancada da cozinha.

Mas, embora Ash seja incapaz de perceber os detalhes de um


ambiente mesmo que seja uma questão de vida ou morte, é um
exímio observador no que diz respeito às pessoas. Ele fica imóvel ao
lado de Ella, olhando para mim e para Nat. “O que está acontecendo
aqui? Nós interrompemos alguma coisa?”

Nat me olha de um jeito que me diz que a decisão é minha. Não era
assim que eu pretendia fazer isso, mas eles vão acabar descobrindo
de qualquer forma. Depois de uma rápida olhada para garantir que
não

havia ninguém por perto, murmuro: “Eu estava contando pra Nat
que eu e a Fizzy transamos ontem à noite”. O silêncio que se segue
é tão prolongado e carregado que sou obrigado a pedir: “Alguém
fala alguma coisa, por favor”.

“Fizzy?”, questiona Ella. “Tipo, a protagonista do programa de


namoro a que nós viemos assistir aqui?”

Ash fala em seguida, sem rodeios: “Isso me parece uma péssima


ideia, Connor”.

“Não foi uma coisa intencional”, explico.

Ele franze a testa. “Estou tentando imaginar como seria uma transa
acidental, mas está difícil.”

“Certo, vamos com calma”, Nat diz. “Você é a pessoa menos


impulsiva que eu conheço. E era totalmente contrário a essa ideia. O
que foi que aconteceu?”
“Ainda não entendi direito”, respondo. Foi como tirar a tampa de um
ralo e, de repente, toda a minha objetividade e a minha sensatez
foram por água abaixo. Eu não tinha nenhum direito de criticar o
comportamento dela; Fizzy foi fantástica. Também não tinha o
menor direito de sentir ciúme, e ainda não tenho. “Fiquei meio
incomodado quando começamos a falar sobre os outros caras, e…”

“Os outros caras por acaso são os heróis românticos que você
escolheu para o programa?”, Ash pergunta com um tom de você
está sendo um puta de um babaca perceptível na voz.

“Beleza, foda-se essa parte, a questão é que ela pareceu entender”,


eu respondo. “Sério, acho que ela consegue ler meus pensamentos.”

Nat solta uma risadinha, e eu aponto o dedo para ela. “Isso não
ajuda em nada.”

“Desculpa, mas gostei dessa ideia de ela ler seus pensamentos.”

“Bom, mas no fim isso acabou nos metendo numa puta de uma
encrenca, né?”

“Não é possível que você esteja dizendo que enfiou seu pau na Fizzy
só porque ela é uma pessoa perceptiva”, Ash comenta, e Ella dá um
soco no ombro dele.

“Não. Foi porque…” Eu não encontro as palavras. “A Fizzy é tão…”


Sou obrigado a me interromper com um grunhido. “Fizzy.”

“Connor”, Natalia diz com um tom gentil. “Você gosta dela. E

bastante.”

“É isso.” Meus ombros se encolhem como se eu tivesse levado um


soco no estômago, porque agora a verdade veio à tona: meus
sentimentos estão causando um problema e tanto, e simplesmente
não tenho como me livrar deles de uma hora para outra. “E ainda
por cima preciso encontrar a alma gêmea dela.”

“O que você vai fazer?”, Ella pergunta.

“O meu trabalho, ora”, respondo, encolhendo os ombros. “Que


escolha eu tenho? De jeito nenhum vou transar com ela de novo.”

“A não ser que aconteça outro acidente”, comenta Ash.

“Vai se foder.”

Ele ri. “Bom, também tem chance de o programa ser um fracasso.”

Ella dá outro soco no ombro dele. “Não vai fracassar nada”, ela
garante. “Pra que falar uma coisa dessas?”

“Porque pode ser a única escapatória para o Connor! Ele não queria
fazer isso. Foi uma ideia da chefia. Se for um fracasso, é porque não
era uma boa ideia, então a culpa não é dele, é do Blaine!”

“Blaine deixou bem claro o que eu preciso fazer. E eles investiram


uma fortuna nisso, então não tenho nenhuma desculpa. Precisa dar
certo.”

Quando a campainha toca, todos ficam imóveis.

“Lá vamos nós”, eu digo, me afastando da bancada da cozinha. Paro


na porta e me viro para eles. “Por favor, não fiquem olhando pra nós
o tempo todo. O clima já vai estar esquisito o suficiente.”

“Claro, claro”, responde Nat.

“Nem fiquem fazendo muitas perguntas”, acrescento. “Fora tudo o


que está acontecendo, ela também deve estar bem ansiosa.”

“Você é que parece estar bem ansioso”, Ash comenta.


“Vai à merda”, eu murmuro.

Enquanto atravesso a casa, faço uma breve preparação mental.

Tenho trinta e três anos. Sou produtor de um programa que está


prestes a estrear em horário nobre em rede nacional. Já fui
responsável por produções filmadas nas piores condições possíveis
nos lugares mais inóspitos do planeta. Ajudei a manter uma criança
viva por dez anos e não a perdi nem a deixei se machucar
seriamente nem uma vez. Eu consigo fazer isso. Consigo controlar
meus sentimentos por Felicity Chen.

Quando abro a porta, percebo de imediato que estou só enganando


a mim mesmo. Ela está linda — como sempre —, mas me dou conta
de que agora o mundo se divide entre pessoas que sabem qual é a
sensação de fazer amor com Felicity Chen e outras que nem
imaginam.

Eu faço parte do primeiro grupo, o dos condenados a saber. Sei qual


é o gosto de sua pele e como é beijá-la até fazê-la se derreter toda.
Sei os ruídos que ela faz e a maneira como revira os olhos quando
está prestes a gozar. Só não sei como vou viver o resto da vida
fingindo que não a desejo com uma intensidade comparável à força
das marés.

Ontem à noite, depois que nos vestimos, ela me acompanhou até a


porta. Ficamos um de frente para o outro, como agora. Seus lábios
estavam inchados, e o rosto, ainda vermelho. Eu me inclinei para a
frente, e o que seria um selinho de despedida acabou virando uma
coisa bem mais calorosa e sedenta. Foi como recuar no tempo.

Imediatamente senti vontade de tê-la de novo, bem ali contra a


parede, ou talvez no sofá, com as pernas dela envolvendo a minha
cintura. Eu nem tinha ido embora ainda, a bobagem já tinha sido
feita, então o que importava?
Mas importa, sim. Não existe espaço na minha vida — pessoal ou
profissional — para um casinho. E Fizzy nunca deu a menor
indicação de que quer alguma coisa além disso. Porra, eu mesmo
não estaria envolvido com esse programa se Blaine não tivesse me
obrigado, e ele só pôde fazer isso porque preciso muito desse
emprego. Meus sentimentos por ela não mudam isso.

Segurando seu queixo com a mão, eu levei a boca até seu pescoço e
subi até seu rosto para beijá-la. Depois me endireitei para olhá-la
nos olhos e vi os mesmos sentimentos de desejo e incerteza que eu
sentia.

Nenhum de nós sabia o que dizer, então não dissemos nada. Em vez
disso, eu fui para o meu carro, sabendo que, se não fosse embora
naquele exato momento, não iria nunca mais.

“Oi”, eu digo, dando um passo para trás e abrindo o caminho para


ela entrar.

“Oi.” Os cabelos dela estão presos em um rabo de cavalo, e sua


calça curta e sua blusa são pretas, mas os pés estão calçando um
sapato laranja de salto alto que a aproxima alguns centímetros da
minha altura. Ela está usando delineador nos olhos e um batom de
um

vermelho vivo na boca. Minha vontade é ver essa cor espalhada pelo
meu corpo todo.

Fico contente por estarmos sozinhos no hall de entrada, porque o ar


por aqui está pulsando de desejo.

“Vamos falar logo sobre o que aconteceu ou deixar esse clima


estranho continuar até chegar ao auge do desconforto mais tarde?”,
eu pergunto.

Ela solta uma risadinha de alívio. “Pelo bem de todo mundo, vamos
expulsar o elefante da sala.” Fizzy respira fundo. “Eu até ensaiei esse
discurso.”

“Então, por favor, eu quero ouvir.”

“Ontem à noite foi uma maneira e tanto de encerrar um período de


seca.” Ela está perto o bastante de mim para ninguém na sala
escutar o que estamos conversando, e os olhos dela exalam pura
intimidade.

“Mas também é uma complicação e tanto. Acho que nós dois


sabemos disso.”

Eu assinto com a cabeça. Ela está me dando uma brecha para sair
dessa situação, e eu vou aproveitar. Vou agarrar essa oportunidade
com todas as forças e enterrar a cabeça na areia, fazendo de tudo
para ignorar quanto fomos ingênuos. “Com certeza.”

“Nós íamos acabar deixando todo mundo louco com toda essa
tensão sexual mal resolvida.” Ela abre um sorriso. “Eu já escrevi
sobre isso. Sou uma especialista, né?”

“Eu sei muito bem como esse tipo de livro termina.”

“Então vamos considerar que é uma comédia sobre situações


constrangedoras entre amigos, e não um romance.” Com uma
piscadinha e um leve aperto no meu braço, ela passa por mim.
Percebo seus olhos percorrerem o ambiente e tento adivinhar o que
ela está vendo. A casa é bacana, tem pé-direito alto, vigas de
madeira aparentes no teto, jardim na frente e quintal grandes para
os padrões do bairro, e uma ótima cozinha. Comprei o imóvel faz
uns três anos e, apesar de não ter sentido necessidade ou vontade
de decorar tudo, fiz um esforço para transformá-lo em um lar
aconchegante para Stevie.

Fizzy para diante de uma foto minha aos vinte e três anos, com
Stevie recém-nascida no colo. “Ah, assim é covardia”, ela comenta,
pegando o porta-retratos.
Eu pareço exausto e bem jovem, além de estúpida e ingenuamente
feliz. Não tinha ideia do que estava fazendo nem do que significava
ser pai, mas amei aquela garotinha no mesmo instante em que pus
os olhos nela e de um jeito que nem sequer sabia que era possível.
Meu relacionamento com Nat já estava dando sinais de desgaste,
mas eu achava que ainda tinha solução. Que eu ia encontrar um
jeito.

“Ninguém me avisou que a Fizzy já estava aqui!” Stevie aparece


correndo de meias e dá um abraço apertado em Fizzy.

“Acabei de chegar!”, ela responde. “E trouxe uma coisa pra você.”

Stevie se afasta só o suficiente para Fizzy enfiar a mão na bolsa e


pegar um pacotinho com a logo do Wonderland em letras brilhantes.
Stevie rasga o embrulho e constata que é o único DVD ao vivo do
grupo que ela não tem.

“Obrigada!” Ela fecha os olhos com força e abraça Fizzy de novo.

“É pra assistir com o seu pai. Ele precisa ensaiar melhor alguns
passos antes da próxima turnê.” Fizzy olha para mim por cima da
cabeça de Stevie e dá uma piscadinha.

“Pronto, já deu. Agora vamos lá.” Pego Stevie e a jogo por cima do
ombro, tentando controlar a estranha mistura de expectativa e
temor que sinto em relação às próximas horas. Stevie solta um
gritinho, eu olho para trás e vejo que Fizzy está rindo e vindo atrás
de nós. “Vai começar daqui a pouco, e eu quero apresentar algumas
pessoas pra você antes.”

Assim que Fizzy entra na cozinha, fica claro que Nat e Ella não vão
conseguir se controlar. Nat começa a falar sem parar sobre os livros
de Fizzy, diz que já leu absolutamente todos eles e que mal pode
esperar para saber o que vem a seguir. De uma forma gentil e
casual, pergunta quando chega o próximo, e Fizzy dá uma resposta
que claramente já usou várias vezes antes, um equilíbrio entre “vai
demorar um pouco” e

“estou bem empolgada com o que estou fazendo”. Nat também


conta que me pegou no flagra pesquisando sobre Fizzy no Google,
mas nesse momento Ella interrompe para falar, mal parando para
respirar, e diz que não é muito de ler, mas sabe cada detalhe de
todos os programas de namoro que já passaram na televisão e que
está ansiosa para ver o

nosso. Ash basicamente mantém distância, recostado na bancada da


cozinha, sorrindo e tentando não fazer contato visual.

Me deixei levar a tal ponto por toda essa situação com Fizzy que mal
parei para pensar no programa. Mas, quando chega a hora e vão
todos para a sala, o nervosismo finalmente se instala. E para Fizzy
também, que recusa a comida e a taça de vinho, justificando que
pode acabar pondo tudo para fora. Todo mundo se movimenta para
acomodar Fizzy no sofá bem no centro do cômodo — ela é a
protagonista, afinal de contas —, mas ela explica que isso só vai
deixá-la ainda mais ansiosa.

Ela precisa de espaço para se movimentar e fugir se for preciso.


Todo mundo dá risada, e é assim que Fizzy acaba de pé atrás de
todo mundo, ao meu lado.

A sala fica em silêncio quando os primeiros acordes da música de


abertura começam a tocar. A logomarca vistosa de O Experimento
do Amor Verdadeiro aparece na tela e, logo em seguida, nossa
apresentadora. Como esperávamos, Lanelle Turner demonstra a
mistura perfeita de humor e carisma quando se apresenta e explica
a premissa do programa. Vamos conhecer nossa heroína romântica e
seus oito heróis. Além de Fizzy, cada um dos pretendentes se
submeteu ao famoso teste do DNADuo, e os resultados estão
guardados em envelopes lacrados. Nem mesmo os produtores do
programa sabem o resultado.
Cabe ao público acompanhar todos os encontros e votar em quem
considera ser a alma gêmea de Fizzy. A cada semana, os votos são
apurados e dois heróis são eliminados. No episódio final, as
compatibilidades apuradas pelo DNADuo serão reveladas e vamos
descobrir se foi a plateia ou a ciência que fez a melhor previsão
sobre quem é a alma gêmea de Fizzy. O herói escolhido pela votação
do público vai ganhar um prêmio de cem mil dólares e, depois que
os resultados forem revelados, Fizzy vai escolher com quem quer
fazer uma viagem com todas as despesas pagas para Fiji. Se a
experiência der certo, o público vai acertar na escolha sobre seu
amor verdadeiro e os dois vão viver felizes para sempre.

Mas, primeiro, o público precisa conhecer River. Quando Lanelle


menciona seu nome, todo mundo na sala aplaude, principalmente —

com direito a gritinhos e assobios — Nat e Fizzy. Quando pergunto a


Fizzy como conseguiu convencê-lo, ela me diz que usou seu cartão
de crédito natural. Depois de esclarecer o que isso queria dizer —
Sexo,

Connor. Ai, meu Deus, uma piada obscena não tem a menor graça
se eu tiver que explicar! —, ela me contou que seu argumento foi
que, se explicasse a base científica do teste pessoalmente, ele teria
controle sobre a narrativa e, portanto, sobre como as pessoas a
enxergariam.

Não seria necessariamente um endosso ao programa, e sim uma


apresentação bem-feita de sua tecnologia.

Em seguida aparecem imagens de River circulando pelos corredores


do Instituto Salk e processando os testes em um laboratório, com
uma narração em off explicando a ideia inicial e os anos e anos de
pesquisa despendidos no desenvolvimento da tecnologia. Ele toma o
cuidado de explicar que a ideia não é encontrar pessoas com DNA
parecido. É o contrário: trata-se de uma previsão de compatibilidade
calculada com base em centenas de avaliações genéticas e
psicológicas de eficácia comprovada. Apesar da hesitação, ele se
mostra atencioso, simpático e não emite opinião nenhuma sobre a
ideia por trás do programa. Sua participação é perfeita.

Depois de esclarecido o formato, Fizzy é apresentada e, mais uma


vez, a sala irrompe em aplausos, ainda mais ruidosos dessa vez. O

programa exibe uma montagem que inclui seu discurso para os


formandos da UCSD, um breve resumo de sua notável carreira
literária e, então, uma entrevista com Fizzy no sofá de sua casa.

“Eu fui atrás do meu sucesso e da minha felicidade sozinha”, Fizzy


explica para a câmera. “Acho que o que estou procurando é alguém
para ser meu melhor amigo e meu amor. Alguém com quem até as
coisas mais bobas sejam divertidas, porque estamos fazendo elas
juntos.”

Ao meu lado, Fizzy solta um grunhido e cobre o rosto com as mãos.

Quando se inclina para a frente, vejo uma leve marca de chupão


atrás de sua orelha. Essa visão me deixa completamente excitado.
“Fala sério!” Eu a cutuco para que olhe de novo para a tevê. “Olha
só você.

Está perfeita.”

Na tela, os heróis românticos estão sendo apresentados. Como Fizzy


não simpatizou muito com Arjun e Tex, os dois tiveram menos
destaque na exibição de suas histórias de vida e de seus encontros
com ela. Nem sempre vamos ser tão óbvios, mas com oito caras
para mostrar para o público e um tempo limitado para isso, levamos
as preferências de Fizzy em conta ao tomar a decisão. Aparecem
rápidas imagens dos caras em

casa e fotos de seu passado. Vemos Isaac com a mãe e a avó, e


depois comandando uma reunião de especialistas em uma sala com
paredes de vidro. Stevie logo anuncia que quer que Isaac seja o
vencedor. A maior parte da apresentação de Nick acontece em sua
clínica veterinária.

Aparecem fotos dele com cachorrinhos e gatinhos, com a previsível


reação de um ahhhhhhh de quase todo mundo na sala. Dax é
mostrado pulando de um avião, pendurado em um penhasco em
algum lugar no Arizona e, então, à mesa na casa dos pais, falando
sobre o que espera do programa. Depois vemos Evan no campus da
UCSD, subindo correndo as escadas do prédio da faculdade de
engenharia. Em seguida ele aparece no café onde trabalha em meio
período, rindo com os colegas que pegam no seu pé por ele
participar de um programa de namoro.

Com apenas alguns minutos na tela, já ficou claro que todo mundo
gostou dele.

Ao meu lado, Fizzy passa o programa todo com uma cara de quem
está passando mal, mas, no terceiro intervalo, já relaxou o bastante
para aceitar um pouco de vinho. É um bom sinal.

Ela me segue até a cozinha durante os comerciais. Na sala de estar


só se ouve um vozerio danado, com todos gritando suas opiniões e
mostrando sua empolgação com o programa. As dúvidas que eu
tinha sobre o fator entretenimento e as possibilidades de sucesso
são deixadas de lado à medida que o tempo vai passando e fica
evidente que é um programa divertido. Brenna está monitorando as
redes sociais e diz que as pessoas estão adorando. As hashtags
citando o programa estão bombando. Posso respirar aliviado pela
primeira vez depois de uma puta eternidade.

Fizzy se recosta na bancada enquanto abro uma garrafa de vinho.

“Como você está se sentindo?”, pergunto.

“Melhor do que esperava. Ficou muito bom, Connor.”

“Graças a você.”
“É sério. Você pegou minhas sugestões — que, vamos ser sinceros,
foram mais um teste pra ver se você ia levar essa ideia adiante — e
criou uma coisa única. As pessoas vão assistir e vão adorar. Porra,
até eu assistiria. Se outra pessoa fosse a protagonista, claro.”

“Isso é um puta alívio, sério mesmo.”

Lembrando que estou com uma garrafa de vinho na mão, estendo a


mão para pegar uma taça atrás dela e fico paralisado. É um
momento

parecido demais com a noite passada: nossos corpos tão próximos,


respirando o mesmo ar, minha mão no armário para me apoiar
enquanto avançava com estocadas cada vez mais fortes.

A respiração de Fizzy acelera, e vejo que seu pescoço está


arrepiado.

Eu poderia beijá-la agora, e acho que o gesto seria retribuído. Se eu


a convidasse para ficar depois que todos fossem embora, acho que
ela aceitaria também.

Na sala de estar, a música reverbera no ar, sinalizando o fim do


intervalo comercial. Eu vou com ela para lá no momento em que
começam os depoimentos confessionais. Os caras fazem os seus
sozinhos, e todos eles conseguem se mostrar simpáticos e
obviamente interessados em Fizzy. Para ser bem sincero, a ideia de
que qualquer um deles não ficasse louco por ela é absurda, mas
nossa equipe de edição — incluindo eu mesmo — fez um belo
trabalho para dar uma quebrada no entusiasmo de Tex e Arjun para
ninguém se sentir muito mal quando eles forem eliminados pela
votação do público nas próximas vinte e quatro horas.

E então começa a passar minha conversa com Fizzy, em que ela dá


seu depoimento.
Eu não mencionei essa parte para ninguém da família, e quando
meu rosto aparece na tela, a sala explode em ruídos de surpresa.
Nat acha o máximo. Stevie começa a dançar no sofá e gritar que
aquele é seu pai.

E Ash avisa todo mundo que acabou de ganhar passe livre para me
zoar à vontade por um bom tempo.

Ao meu lado, Fizzy está com uma expressão mais pretensiosa do


que nunca. “Estão vendo esse carisma?”, ela fala para todo mundo
na sala, vidrada na tela. “Hollywood, por favor me contrate como
diretora de elenco.”

Quando todos ficam em silêncio, ela me dá um tapinha no ombro e


aponta para a tevê. “É agora ou mais tarde que você me diz que eu
estava certa?”

“Vamos devagar com as expectativas.” A sala se esvaziou bastante


durante o intervalo, e estão quase todos na fila do banheiro ou na
cozinha, pegando mais bebida. “Os números de audiência chegam
amanhã. Seu telefone deve estar bombando de tantas mensagens.
O

que as pessoas estão dizendo?”

Fizzy esvazia sua taça e se recosta no sofá. “Ainda não estou pronta
pra esse choque de realidade. Quero ficar com esse sentimento de
entusiasmo pelo menos até amanhã, quando acordar. Depois vou
começar a colher uma opinião ou outra. Mas por agora” — ela
aponta para a tevê — “o que importa é que eu estava certa sobre
você. Pode admitir.”

“Às vezes você acerta.”

“Sempre.”

“Na média.”
“Pode falar que eu sou o máximo.”

Eu abro um sorriso. “Fizzy, você é o máximo.”

“Ai, obrigada. Eu não esperava um elogio desses, isso significa muito


pra mim.” Ela me entrega a taça vazia. “Agora mais vinho, por favor.”

Vinte e nove

FIZZY

Entro no carro e ligo o motor, mas continuo estacionada junto ao


meio-fio, olhando para a rua escura. Essa sensação que está me
tomando agora — uma inquietação agitada e cheia de adrenalina —
é a reação que a maioria das pessoas teria depois de se ver em um
programa de namoro na tevê, de constatar que o trabalho de edição
foi primoroso e, ao final da noite, receber uma ligação dizendo que
aquilo que você fez está prestes a se tornar o grande sucesso da
década entre os novos reality shows televisivos.

Mas eu me conheço, e sei que o motivo para essas palpitações no


meu coração é o mesmo que me fez virar uma escritora: meu amor
por histórias românticas. Adoro sentir aquele quentinho dentro do
peito quando leio sobre um beijo gostoso, a respiração ofegante nas
partes mais angustiantes e a alegria explosiva de um final feliz.
Acabei de ver oito homens perfeitos disputando o meu coração, e
não é por isso que estou com esse frio na barriga. É porque eu pude
rever a minha pessoa favorita no mundo esta noite.

Me alongando um pouco, encontro o meu reflexo no retrovisor e


olho feio para a vaca que está me encarando do outro lado do
espelho.

“Escuta só”, eu digo a ela com um tom bem sério. “Foi pura sorte
não ter dado uma merda muito, muito grande por você ter transado
com o seu produtor. Agradeça por ter conseguido voltar a sentir
atração por alguém. Agora isso já é página virada. Trate de tomar
jeito e pare de ficar pensando nos olhos dele, no sorriso dele e no
pau dele.”

Me dando por satisfeita, arranco com o carro e vou para casa.

Não importa quanto você seja confiante, ninguém quer encontrar


um conhecido quando está sem sutiã e de calça de pijama
comprando vinho em lata em uma loja de conveniência. Mas quando
saio do

corredor de fermentados e destilados em um horário respeitável


como o meio-dia de domingo, dou de cara com um peitoral largo e
mais do que firme.

“Me desculpa”, eu digo, me abaixando para recolher do chão minhas


latas de vinho rosé.

“Fizzy?”

Olho para cima e, depois de percorrer quilômetros de pernas bem


torneadas — interrompidas pela obstrução de um short de corrida
preto

—, meus olhos encontram um dos sorrisos mais bonitos que já vi na


vida. “Isaac?”

Ele se ajoelha para me ajudar a recolher meu tesouro espalhado


pelo chão, e fico meio sem graça com a quantidade de bebida que
estou levando. Não sei nem como consegui equilibrar tudo isso no
braço, aliás.

“Estou me abastecendo pra hibernar”, brinco quando nos


levantamos.

Até eu sou capaz de reconhecer o desperdício de combinar um


espécime masculino desse tamanho com uma mulher em tamanho
de bolso, mas quem sou eu para questionar o universo?
Isaac abre um sorriso lindo. “Rosé: o melhor vinho para o inverno.”

Ele coloca cuidadosamente a última lata sobre o restante da


periclitante pirâmide. “Qual era a possibilidade de nos encontrarmos
justo aqui?”

“Com certeza você consegue calcular isso, Nerd Gato.”

“Touché.” Ele ri e examina a minha carga. “Abastecimento de


bebidas de qualidade para um dia de diversão?”

Olho para a garrafa solitária de Gatorade em sua mão esquerda.

“Cada um tem seu jeito de se hidratar.” Ele ri de novo, e eu


acrescento:

“E pelo jeito você não está sofrendo da mesma forma, mas eu me


senti mentalmente esgotada depois que o episódio foi ao ar ontem à
noite.

Estou um trapo hoje o dia todo”.

Isaac assente com a cabeça. “Pois é, eu também me senti assim.

Resolvi sair pra correr um pouco pra ficar bem longe de qualquer
parente em um raio de oitenta quilômetros que resolvesse aparecer
na minha casa hoje de manhã pra falar sobre o programa.”

Eu solto um grunhido. “A minha mãe está me ligando sem parar


desde ontem à noite. Esquecer deliberadamente o telefone em casa
enquanto me abasteço de vinho foi como matar dois coelhos com
uma cajadada só.”

Ele ri de novo, mas desta vez de forma mais discreta e mais grave,
como quem compartilha uma piada interna. Esse som faz um calor
descer para a minha barriga e… é isso mesmo? Para o meio das
pernas?
Por causa de alguém que não é Connor? No meio de uma farmácia-
barra-loja-de-conveniência? Puta merda. Eu estou de volta ao jogo
mesmo!

“Esta foi a melhor parte de um dia completamente bizarro”, ele diz


com um sorriso. “E com certeza estamos quebrando um monte de
cláusulas contratuais só por estarmos falando um com o outro.”

“Ai, merda, você tem razão.” Olho para os dois lados do corredor.
Nós assinamos um contrato que estipula, entre outras coisas, que é
expressamente proibida qualquer confraternização entre os
participantes fora do âmbito do programa. Podemos ser multados,
expulsos da produção ou até processados judicialmente. Mas mesmo
assim eu continuo onde estou. “Eu meio que esperava que um
alarme tocasse e Connor aparecesse com uma daquelas redes de
caçador de desenho animado.”

“Acho que eu conseguiria fugir”, Isaac responde com um sorriso,


dando um passinho para trás. “Estou com os meus melhores tênis
de corrida.”

“Não me subestime”, eu aviso. “Sou mais ágil do que pareço.”

“Eu aposto que é mesmo.” Ele me olha de cima a baixo, sem a


menor pressa. “Será que eu ganho alguma vantagem com você por
frequentarmos a mesma loja de conveniência?”

“Não sou eu que vou decidir nada, esqueceu?”

Ele estala os dedos. “É mesmo. Certo, então é melhor eu cair fora


daqui.” Com uma piscadinha sexy, ele se vira e acena por cima do
ombro. “Até amanhã.”

Fico observando Isaac até ele ficar fora da minha vista, ainda com
aquela sensaçãozinha por baixo das calças. “Como uma escritora
profissional”, eu murmuro para a bela parte posterior de seu corpo,
cada vez mais distante, “eu gastaria todo verbo, adjetivo e
substantivo que conheço com ele.”

“Você é a Felicity Chen?”

Tenho um sobressalto ao ouvir uma voz à minha esquerda, onde


duas meninas já no final da adolescência estão levando seus
salgadinhos e Red Bulls. Agarro minhas latas de vinho junto ao peito
e respiro fundo

para acalmar meu coração. Já fui reconhecida antes, mas


geralmente em um contexto mais relacionado ao universo editorial,
como na livraria independente que frequento perto de casa, não
quando estou vestida como uma escritora com um prazo quase
estourando e comprando vinho suficiente para um time de futebol
inteiro.

E é então que me dou conta. Será que elas me ouviram falando


sozinha? Será que estou parecendo uma bebum tarada?

Um pensamento ainda mais inquietante me aflige: será que elas me


viram falando com Isaac? Puta merda.

“Sou eu mesma!”, enfim consigo responder.

Elas trocam um olhar de pura animação antes de se voltarem de


novo para mim, com os olhos brilhando de alegria incontida. “Ai,
meu Deus”, as duas dizem em uníssono, e uma delas acrescenta
com uma voz estridente: “Você foi tão incrível ontem à noite!”.

A menina que disse isso é mais alta, usa um hijab verde-esmeralda e


uma maquiagem tão impecável que transforma seu agasalho de
ginástica preto e branco em uma peça de alta-costura.

“Você sabe se todos os episódios vão ficar disponíveis para


streaming?”, ela comenta. “Eu já vi o primeiro duas vezes e acho
que vou morrer se precisar esperar mais uma semana.”
“Vai ser só um por semana mesmo”, respondo, não muito contente
por ser a pessoa a acabar com a alegria delas. “Estamos gravando à
medida que os episódios vão ao ar.”

Ela solta um grunhido em tom de brincadeira, mas sua amiga, que


está usando um moletom da UCSD, prolonga um pouco mais a
conversa.

“Eu adoro seus livros e fiquei de cara quando vi que você ia fazer
esse programa. Já li Parzinho básico quatro vezes.” Antes que eu
possa dizer o que quer que seja, ela acrescenta rapidamente: “A
gente pode perguntar uma coisa? Eu sei que você é superocupada”.

“Foi a calça de pijama ou a pilha de latas de vinho no meu braço que


denunciou a minha agenda caótica? Pode falar.”

Ela ri, vira o celular para mim e aponta para a tela. “Você sabe se
esse é mesmo o Instagram do Connor Prince?”

O assunto Connor aparece várias vezes naquele dia: à tarde, quando


minha mãe me arrasta até um H Mart e uma mulher me reconhece
no

corredor de congelados e me elogia por um brevíssimo momento


antes de perguntar se ele já fez alguma outra coisa na tevê, e de
novo no início da noite, quando outra mãe pira completamente
diante de mim e de Jess diante da apresentação de balé da Juno.
Nas duas vezes, sinto vontade de mandar mensagem para ele e me
gabar do quanto sou genial.

Acabo resistindo, mas dou uma espiada no Instagram dele mesmo


assim. Na segunda-feira de manhã, sua quantidade de seguidores
passou de sua mãe, Nat, Ash e um cara aleatório para vinte e duas
mil pessoas. Aposto minha coleção de latas de vinho rosé que ele
nem pensou em dar uma verificada no seu perfil.
Depois de fazer o cabelo e a maquiagem na segunda-feira, sou
levada até uma cozinha industrial do hotel Hilton Bayfront. Gravamos
a má notícia primeiro: conforme previsto, Arjun e Tex foram
eliminados pela votação do público. Em seguida, os seis restantes —
Dax, Isaac, Evan, Jude, Colby e Nick — são chamados um a um,
com roupas casuais e sorriso no rosto para combinar.

Isaac me dá uma piscadinha, e preciso morder a parte interna da


bochecha para não retribuir o gesto.

Lanelle apresenta as atividades da semana: eu posso escolher com


quais heróis românticos vou fazer as atividades programadas, que
incluem preparar uma refeição gourmet para minha irmã, que está
em repouso na cama por indicação médica, plantar árvores no
Balboa Park, ter uma aula de coquetelaria, pescar em alto-mar, fazer
uma sessão de beleza com direito a manicure e pedicure, e um
passeio de bicicleta em Coronado. O público vai ver uma compilação
desses encontros na sequência em que aconteceram, claro — mas
tudo vai ter que rolar nos próximos três dias, com os depoimentos
confessionais e as entrevistas marcadas para quarta-feira.

O primeiro encontro, obviamente, é o que inclui a parte de cozinhar.

Tenho dez minutos para planejar tudo antes que as câmeras sejam
ligadas de novo para me filmar “pensando a respeito” e
comunicando minhas decisões de forma bem espontânea. O clima,
claro, é de aula de educação física — as pessoas vão achar que
quem eu escolher primeiro é meu preferido —, mas também preciso
ser estratégica para determinar qual é a melhor forma de conhecer
cada um deles fora de sua zona de conforto.

Escolho Colby, o militar de unidade de elite, para cozinhar comigo.


Em parte porque gosto da ideia de ver aqueles antebraços
flexionados enquanto ele pica legumes para o almoço que vamos
preparar para Alice, mas também porque em nosso encontro da
semana passada ele me contou que sua mãe é dona da Querida,
uma das minhas lanchonetes de comida mexicana preferidas no
condado de San Diego.

Aposto que ele sabe se virar bem em uma cozinha.

E sabe mesmo, mas infelizmente seu conhecimento se traduz em


uma interminável explanação de macho palestrinha sobre como
empunhar uma faca — uma habilidade condizente com o que o cara
faz da vida, imagino — e como desossar um peixe inteiro. Eu fico
flertando, fazendo piadinhas e dando indiretas para ele o tempo
todo para ajudá-lo, porque tenho certeza de que boa parte dessa
bravata toda se deve ao nervosismo, mas ele continua tagarelando e
não me deixando falar.

Nenhuma equipe de edição no mundo faria esse tipo de coisa pegar


bem.

Jude e eu plantamos árvores naquela tarde no Balboa Park, e eu


brinco que estou decepcionada por descobrir que ele não brilha no
sol.

Seu senso de humor deve ter tirado o dia de folga, porque o que ele
faz em resposta é um longo monólogo sobre o efeito provocado por
Crepúsculo na “literatura séria sobre vampiros”. Fico me
perguntando se, na hora de montar o episódio, Connor vai manter o
olhar de tédio que eu lancei para a câmera.

Por falar em Connor, ele está aqui. Nossa, e como está. Todo alto e
forte nos bastidores, ajudando a carregar equipamentos pesados
com aqueles braços estupidamente musculosos. Soltando aquela
risada grave quando eu seguro uma abobrinha e dou uma
piscadinha para a câmera. Balançando a cabeça quando eu digo a
Jude que nosso próximo encontro deveria ser em Volterra e ele
concorda na mesma hora, claramente sem entender a referência.

Pelo menos Connor sabe que Volterra é onde vivem os vampiros que
brilham no sol.
Durante a aula de coquetelaria com Nick — um desastre total que
incluiu uma tentativa de jogar uma garrafa para o alto e um monte
de caretas quando exagero no limão —, só Connor, Rory e um
cinegrafista estão presentes. Sua presença faz o bar charmoso,
cheio de vitrais coloridos, parecer ficar do tamanho de um armário
de produtos de

limpeza. Quando Nick me dá uma cereja na boca, em vez de olhar


nos olhos dele, eu me viro por instinto para onde está Connor, atrás
da câmera. Eles nos fazem repetir a cena.

Como se isso fosse possível, a questão da proximidade se torna


ainda pior na pescaria em alto-mar com Evan. Connor está sentado
bem abaixo dos meus pés, segurando o equipamento de captação
de áudio, enquanto Rory vomita pela lateral do outro lado do convés
e dois cinegrafistas tentam se manter de pé em meio a um mar mais
agitado do que o esperado. Em determinado momento, Connor
estende os braços para me equilibrar pondo as mãos nas minhas
coxas, me segurando enquanto tento inutilmente puxar um atum
enorme para bordo.

Evan percebe, tenho certeza, mas não tem tempo de questionar


porque, assim que sente o cheiro de peixe aos seus pés, também
põe para fora tudo o que comeu no almoço pela lateral do barco — o
que, para minha diversão, foi captado pelas câmeras.

Quando Evan se recupera, nos sentamos lado a lado no barco, que


agora está apenas oscilando suavemente enquanto a equipe troca as
baterias do equipamento. A questão é que, quanto mais tempo
passo com Evan, mais me lembro do quanto nos divertíamos juntos,
do quanto nosso convívio era tranquilo, com piadinhas e
provocações o tempo todo. Mas eu também me lembro que, com
Bart Simpson ou não, nossa química era suficiente para provocar só
fagulhas, e não explosões.
Só namoramos alguns meses, mas Evan jogou softball no time do
meu irmão e chegou até a conhecer minha família. É uma loucura
que, depois de tantos anos saindo com uma quantidade prodigiosa
de homens, apenas alguns tenham chegado a esse ponto.

“Recebi o convite do casamento do Peter”, ele conta. “Espero que


ele saiba que tive que recursar porque fui obrigado, né” — ele faz
um gesto ao nosso redor, indicando a participação no programa —,
“e não porque não quis ir.”

“Não esquenta, ele sabe, sim.”

“Você gosta da Kailey?”

“Acho que ele só pode ter usado algum tipo de feitiço, porque ela é
incrível.”

Evan dá risada. “Ouvi dizer que a lista de convidados tem setecentas


pessoas.”

Eu confirmo com a cabeça. “Acho que eu nem cheguei a conhecer


setecentas pessoas na minha vida toda.”

Ele põe sua vara de pesca no suporte e inclina a cabeça para olhar
para o céu. “Parece que a comida vai ser sensacional.”

“Foi por isso que eu perguntei se poderia usar uma calça de elástico
em vez do vestido de madrinha.”

Ele baixa o tom de voz. “Será que eu posso admitir que as coisas
ficaram meio estranhas na minha vida desde que isso começou? Ser
reconhecido na rua é um lance surreal.”

“Estou só esperando pelas perguntas da minha família sobre o


motivo de eu precisar participar de um programa de tevê para
arrumar um marido.”
“E com quem você vai? Imagino que não possa levar alguém do
programa, mas é o casamento do seu irmão mais novo.” Ele faz uma
careta. “Você vai chamar bastante atenção lá, e por várias razões.”

Eu encolho os ombros. Normalmente chamaria Jess, mas ela vai


estar na Costa Rica com River para merecidas férias. Obviamente,
não vejo problemas em ir sozinha a eventos familiares, mas Evan
tem razão: esse casamento é diferente. Vão vir amigos e parentes
até de Hong Kong para a ocasião. Alice vai estar em uma poltrona
confortável, absurdamente grávida e muito bem casada. A noiva de
Peter é uma dermatologista famosa na cidade que por acaso
também é filha do maior cirurgião plástico de San Diego. Por mais
que eu me sinta à vontade indo sem um par, as festas de casamento
existem para agradar às famílias, e eu sei que a minha mãe gostaria
de me ver com alguém.

“Acho que vou ter que encarar essa desacompanhada mesmo”,


respondo.

“Encarar o quê?”

Evan e eu nos viramos ao ouvir a voz de Connor, que me


surpreendeu no único momento em que meus olhos não estavam
grudados nele. “O

casamento do meu irmão.”

“É neste fim de semana, né?”, Connor pergunta.

“É, sim”, Evan responde. “Eu conheci a Fizzy por meio dele. Mas não
vou, não, pode ficar tranquilo.”

Connor olha por cima do ombro antes de se agachar e baixar o tom


de voz. “Eu disse para Rory que não vamos fazer nenhuma filmagem
no casamento, então nem toquem nesse assunto.”

Bato continência para ele. “Entendido, chefe.”


“Você não pode levar a Jess?”, ele me pergunta.

“Ela está de férias.” Faço um gesto com a mão, como quem diz que
isso não é importante. “Não esquenta comigo. Eu posso muito bem
ir sozinha. Sei que vou estar em um ninho de cobras, mas eu
também sei ser uma.”

Com a popularidade do primeiro episódio, sei que não vou passar


despercebida. Nos últimos dois dias, fui abordada pelo menos umas
oito vezes. Em sua maior parte, as interações foram legais. Algumas
eram leitoras minhas, mas a maioria não. Algumas pessoas me
perguntaram sobre os caras, sobre o DNADuo, ou só queriam
alguma fofoca sobre alguma coisa que não foi ao ar, mas todo
mundo, sem exceção, perguntou sobre Connor.

Inclusive, de acordo com o que Jess disse que Stevie disse para
Juno, Connor está sendo bombardeado. Meninas de dez anos têm
uma clara tendência ao exagero, mas, se está acontecendo comigo
no banheiro da Barnes & Noble, deve estar rolando com ele
também. E o tema é sempre o mesmo: a maioria quer saber como
chegar até aquele pedaço de mau caminho.

A atenção de Connor me provoca um calor equivalente ao das


lâmpadas de estúdio, e fico aliviada quando a filmagem recomeça.

Prefiro ver Evan vomitando em um barco de novo a ter que


continuar pensando no casamento de Peter.

Eu meio que esperava que, quando Dax tirasse as meias no spa, um


dedo estivesse faltando ou que aparecesse uma tatuagem de mulher
pelada — as duas coisas seriam intrigantes, mas por motivos bem
diferentes —, só que infelizmente seus pés estão intactos e
imaculados.

Apesar da minha preocupação de que ele fosse ficar entediado ou


inquieto, Dax se sai muito bem no nosso dia de beleza. Decide pintar
as unhas de amarelo, sente cócegas quando a pedicure começa a
alisar seus calos com a pedra-pomes e flerta descaradamente com a
manicure

— mas de um jeito fofo, porque ela tem idade para ser sua avó.

Quando Connor me disse ontem à noite na marina que passaria a


manhã na sala de edição e que o diretor de fotografia comandaria a
produção por algumas horas, senti uma onda de alívio, como se
finalmente fosse conseguir respirar.

Mas estava enganada. Meu cérebro sabe que ele não está aqui, mas
meus reflexos não. Fico olhando toda hora para o lugar vazio que ele
normalmente ocuparia e me pego esquadrinhando os arredores com
os olhos. É uma forma bem desagradável de me dar conta de que
venho observando as reações dele o tempo todo.

“Está tudo certo?”, Dax pergunta quando ainda estamos com os pés
e as mãos para cima, esperando o esmalte secar. A equipe está
recolhendo o equipamento, depois de filmar tudo o que era
necessário, acho. Mas ainda nada de Connor.

Ele vai estar em Coronado quando eu for até lá para o meu passeio
de bicicleta com Isaac? Ou vai passar o dia todo editando imagens?

“Quê?”, eu pergunto, distraída.

“Está tudo bem com você?”, ele repete, com um sorriso simpático.

“Está com pressa para ir embora?”

“Não, não.” Eu devo estar olhando ao redor o tempo todo de novo,


sem perceber. Por que eu não estou conseguindo entrar no jogo? Eu
já fiz isso antes — dormir com alguém e depois sair com outro na
mesma semana! É só sexo, não devia ter tanta importância!

Por outro lado, também não é uma coisa sem importância nenhuma.
Merda.

“Desculpa”, respondo. “Só estou com sede.”

Dax levanta a mão e acena para sua melhor amiga vovó. “Alguém
pode trazer um copo d’água pra ela, por favor?”

A velhinha adorável traz um copo plástico com água, e Dax observa


tudo, preocupado.

“Melhor agora?”

Faço que sim com a cabeça. “Obrigada.”

“É muita pressão, né?”

“É mesmo.”

“Eu tenho, tipo, um milhão de perguntas para fazer”, ele diz, “sobre
o seu trabalho, sobre a sua vida.”

“Ah, é?” Eu sorrio para ele. É um cara atencioso e divertido. E um


pensamento me atinge como uma porta repentinamente
escancarada.

Dax poderia muito bem ser minha alma gêmea.

Mesmo com as câmeras desligadas, ele abre um sorriso


absurdamente gentil para mim. “Estou torcendo muito pra ter a
chance de um terceiro encontro.”

Connor não está em Coronado à nossa espera. Mas a bicicleta dupla


está, assim como Isaac, com seu sorriso de enrugar os olhos e sua
risada contagiante. Pedalamos pela ilha com câmeras montadas no
quadro da bicicleta e um cinegrafista à nossa frente, sentado de
costas na garupa de uma Vespa. Isaac é claramente um gênio e me
faz rir o tempo todo com aquele tipo de humor improvisado, afiado e
perspicaz que considero tão sexy. É impossível ignorar que existe
algo entre nós e, quando ele sai do roteiro e sugere uma parada
para um milkshake, concordo na mesma hora. Quero mais tempo
com ele, cara a cara, de perto. Lado a lado em uma mesa de
piquenique diante do mar, contamos histórias da nossa infância e,
pela primeira vez em qualquer um desses encontros, esqueço que as
câmeras estão apontadas para nós.

Também percebo, quando chego ao fundo do copo de milkshake


cheio de bolhas e Connor finalmente aparece, todo suado e
ofegante, como se tivesse vindo correndo até aqui, que não pensei
nele durante meu encontro com Isaac.

Isaac pode ser minha alma gêmea.

Mesmo assim, ainda quero Connor.

Se controla, Fizzy, penso, e volto minha atenção para Isaac, seu


milkshake de caramelo e a cereja que ele está me oferecendo. Sem
dúvida os espectadores vão comparar este momento com o que tive
com Nick ontem. Fecho os olhos e como a fruta com um sorriso.
Faço um nó no caule usando apenas a língua e abro a boca de um
jeito provocante para mostrar o que fiz. A reação esperada vem em
seguida

— Isaac bate palmas e comenta: “Uau, gata” —, só que preciso me


esforçar demais para não olhar para Connor para ver o que ele acha
disso e para não imaginar se ele está pensando nessa língua
deslizando em seu pescoço, em seu lábio inferior, em seu queixo.

Vamos fazer nosso depoimento confessional mais tarde, e minha


ideia é dar no pé assim que Rory gritar “corta”. Minha cabeça está
uma

bagunça e preciso refletir sobre os meus sentimentos: a atração por


Isaac e a estranha sensação de que isso é uma traição a Connor,
embora a ideia do programa seja literalmente criar uma conexão
significativa com outro homem. Mas, depois que os depoimentos
acabam e Isaac — que me esperou terminar — me dá um abraço
carinhoso de despedida e um beijo suave no rosto (calafrio entre as
pernas, que bom que você está de volta), a mão de Connor segura
meu braço.

Acho que ele vai me perguntar por Isaac, me explicar por que
chegou atrasado ou qualquer outra coisa.

O que eu não esperava era que ele discretamente se aproximasse de


mim e dissesse: “Eu posso ir com você ao casamento do seu irmão.

Seria mais fácil explicar a minha presença lá. Não quero que você
tenha que encarar tudo isso sozinha”.

Trinta

Transcrição do depoimento confessional do episódio dois


Connor Prince: Muito bem, aqui estamos nós de novo.

Fizzy Chen: Olá, Connor Prince. Você se ausentou de algumas das


filmagens da semana. Foi meio esquisito.

Connor: Sim, eu sei, e peço desculpas. Infelizmente para mim, tive


alguns assuntos relacionados ao programa para tratar. E, felizmente
pra você e para os telespectadores, havia seis belos homens pra
fazer companhia.

Fizzy: Será que posso dizer que senti sua falta? Porque eu senti,
sim.

Connor: É muita gentileza sua.

Fizzy: Foi um dia de calor, e você é um cara bem alto. Nós bem que
precisávamos de um pouco de sombra.

Connor: Ah, entendi. Brenna, por favor me lembre de pôr um som


de bateria depois desse comentário na edição.
Fizzy: Não, então, espera. Na verdade, o que eu mais queria era
uma trilha sonora glamorosa para anunciar a minha entrada em
todos os lugares. Se eu soubesse que nós podíamos acrescentar
efeitos sonoros, já teria feito todo tipo de loucura naquela cabine de
edição.

Connor: É exatamente por isso que você não tem permissão para
entrar na cabine de edição. Que tal falarmos sobre os encontros? Foi
uma semana bem agitada.

Fizzy: Foi uma loucura, mas os heróis foram ótimos. E espero que
vocês cortem a cena em que eu escorreguei na escada do Balboa
Park e meu vestido foi parar no pescoço e todo mundo viu a minha
bunda, mas desconfio que vocês pretendem incluir essa.

Connor: Sua desconfiança tem fundamento. Mas não tenha medo,


Felicity, nós podemos inserir alguns elementos para proteger sua boa
reputação. Você prefere um emoji de pêssego ou de uma mão
acenando sobre o seu traseiro?

Fizzy: [fica de pé e olha diretamente para a câmera] Vocês estão


vendo o que ele faz comigo?

Connor: [aos risos, puxa-a de volta para a cadeira] Vamos


conversar um pouco mais sobre os encontros, que tal?

Trinta e um

CONNOR

Pode subir. Quarto 1402.

Meu cérebro trava.

Quando mandei uma mensagem para Fizzy avisando que tinha


chegado, pensei que ela fosse descer para me encontrar no saguão
ou me mandar esperá-la no salão de eventos. Mas ir até seu quarto
é exatamente o tipo de problema para o qual me preparei quando
passei um sermão para mim mesmo diante do espelho em casa.

“Seu papel é acompanhá-la”, eu falei para o meu reflexo. “Você está


cumprindo um papel, é o executivo responsável por ela. Não é um
namorado. Não é um amante. Só está fazendo seu trabalho.”

Eu posso esperar você aqui, digito, mas, se ela está lá em cima e me


pedindo para subir, pode ser porque precisa de ajuda com alguma
coisa.

Eu apago o que escrevi e digito um Tem alguém aí com você?, mas


fica parecendo uma coisa possessiva e esquisita, então apago
também.

Estou vendo você digitar, ela escreve para mim. Para de bobagem.
Eu preciso da sua ajuda.

Aos risos, apago tudo de novo e digito apenas um Estou indo.

Aperto o botão para chamar o elevador e respiro fundo; minha


pulsação está acelerada e parece que meu coração vai sair pela
boca. O

ideal era que o elevador demorasse meia hora até chegar ao andar
de Fizzy. Para minha infelicidade, desconfio que hoje vou receber
uma série de lembretes dos motivos pelos quais não deveria ter me
oferecido para acompanhá-la no evento, porque não estou em
condições de ficar sozinho com ela.

Quando me aproximo, vejo que a porta está destrancada, mas bato


mesmo assim. Um “Pode entrar” animado vem de lá de dentro.

Empurrando a porta só o suficiente para enfiar a cabeça na


abertura, digo: “Poderia ser qualquer um, e você já vai mandando
entrar sem nem ver quem é?”.
“É estatisticamente improvável que você seja um criminoso.” A voz
dela vem do banheiro. “Você acabou de me escrever avisando que
estava vindo e, além disso, pelo menos metade das pessoas
hospedadas neste andar é de amigos ou parentes meus.”

“Bom, fico contente em saber que a chance de alguém me ver


entrando no seu quarto é consideravelmente expressiva.”

A voz dela fica mais alta quando sai do banheiro. “Eu posso dizer
que você estava entregando o serviço de quar…”

Ela se interrompe para respirar fundo quando me vê, mas as


palavras seguintes se perdem no vazio que se instala no meu crânio
quando vejo o vestido tomara que caia que cobre seu corpo. É
dourado, coberto com um intricado bordado com pedraria e justo
até a cintura, onde se espalha em uma onda de tecido esvoaçante
até seus pés. Os cabelos estão presos em um penteado todo
trabalhado, com algumas mechas escuras soltas, roçando os ombros
descobertos.

“Connor?”

Tenho um sobressalto, sem fazer a menor ideia de quanto tempo


fiquei mudo. “Sim… é… estou aqui.”

Quando com muito custo volto meu olhar para seu rosto, ela está
segurando um sorriso. “Eu pedi pra você me ajudar.”

“Hã, certo… com o quê, exatamente?”

“Meu vestido?”

Ela se vira para me mostrar do que está falando. Eu me dou conta


do que está acontecendo, e essa visão é infinitamente mais
perigosa. Um decote em V mostra uma enorme porção de pele cor
de mel no espaço onde os botões estão abertos. Tento suprimir um
grunhido, mas não tenho muito sucesso e solto um resmungo que
preciso reclassificar como uma manifestação de caráter não sexual:
“Uma primeira contagem está me dizendo que tem pelo menos
oitenta mil botões aí”.

“São quarenta”, ela responde. “Eu deveria ter chamado alguma tia
minha antes de você chegar, mas infelizmente agora está todo
mundo ocupado, então aqui estamos nós. Por motivos óbvios —
sendo o principal deles que mal consigo mexer a bunda com esta
coisa, muito menos fechar os botões sozinha —, preciso de um outro
par de mãos.”

As palavras mexer a bunda atingem meus pensamentos com um


impacto equivalente a um choque entre dois trens. Ponho a culpa
nessa

imagem evocada por estar com a voz trêmula quando me aproximo


e digo em um tom causal: “Sim, claro”.

Mas então faço uma coisa de que só me dou conta quando vejo um
arrepio subir pelas costas dela — passo o nó de um dedo de leve por
toda a extensão da sua coluna.

“Se for para fazer isso, é melhor nem fechar o vestido.” Ela se vira e
olha para mim por cima do ombro. “E eu sei o que você pensa a
respeito de limites.”

“É realmente exaustivo ser o único interessado em mantê-los de pé”,


resmungo.

Fizzy ri com gosto e vira a cabeça para a frente de novo.

“Chega a ser tranquilizador saber quanto você é previsível”, digo.

“Bom, foi você que começou a me acariciar e a falar sobre manter as


coisas de pé.”
Eu solto um suspiro dramático. “Foi sem querer, e eu só rocei em
você.”

“Estou começando a me perguntar se deixar o vestido desabotoado


foi um descuido lamentável ou um acaso feliz.”

O primeiro botão não é fácil. As casas são bem justas, e os botões


são minúsculos e forrados de cetim, o que os torna extremamente
escorregadios. Mas, quando chego ao terceiro, meio que já peguei o
jeito. Ficamos em silêncio enquanto vou manobrando com cuidado
da curvatura da lombar até o espaço mais largo e macio das costas,
entre as escápulas. E, pouco antes de fechar o último botão, ainda
preciso me controlar para não beijar a pele que está sob os meus
dedos.

Depois de finalizar o serviço, me permito um leve prazer, apoiando a


mão em sua nuca e me inclinando para olhá-la. Ela está com as
bochechas vermelhas e as pupilas dilatadas.

Minha nossa, ela está tão excitada quanto eu.

“Sua castidade está garantida”, digo a ela. “Porque nós não vamos
fazer aquilo de novo.”

Fizzy sorri e limpa a garganta antes de se virar por inteiro e me


olhar dos pés à cabeça. “Você está um gato.”

“Obrigado. Você…” Eu engulo em seco, sentindo a minha voz um


tanto estrangulada. “Você está maravilhosa.”

Ela estende a mão para a minha gravata-borboleta. “Pensei que você


fosse chegar todo atrapalhado, sem saber como amarrar isso, pra eu

poder ajudar.”

Com um sorriso, levo a mão à gravata e dou um puxão na ponta,


desfazendo o nó.
O sorriso que Fizzy dá em resposta me aquece como um raio de sol.

“Achei que você me devia uma depois de todo o esforço que fiz pra
te apertar inteira.”

O duplo sentido não intencional na minha frase paira pesado no ar


entre nós. Ela dá um passo na minha direção, ainda sorrindo, pega a
gravata e a puxa para alinhar as duas pontas ao redor do meu
pescoço.

“Não fiquei com a impressão de que foi um sacrifício assim tão


grande.”

“Depois eu te mando a conta da medicação pra artrite.”

“Humm”, ela faz, e seu sorriso se suaviza. “Pronto pra hoje? Talvez
seja uma experiência meio intensa demais.”

“Espero que esteja. Já faz um tempo que não vou a um casamento


chique.”

“Desde o seu?”

Eu rio. “Não. Eu fui como acompanhante de uma pessoa depois


disso.”

“E nessa noite a sua castidade foi preservada?”

Solto uma boa risada. “Ah, sim. Era uma amiga de um colega de
trabalho e tinha acabado de chegar aqui, transferida do Arizona.
Percebi logo no momento em que fui buscá-la que tinha alguma
coisa errada, mas ela garantiu que estava tudo bem.”

“Ai, não.”

“Pois é. Ela chorou durante a cerimônia…”

“O que é compreensível.”
“Com certeza, mas também chorou no jantar e na primeira dança.

Quando insisti e perguntei se estava tudo bem mesmo, ela me


contou que tinha sido abandonada pelo marido, trocada pela
assistente dele e pedido transferência no trabalho para ficar mais
perto dos pais.” A testa de Fizzy se enruga ainda mais enquanto ela
se mantém concentrada na gravata. “Quando as pessoas foram
convidadas a fazer brindes, ela levantou a taça e disse ao feliz casal
para eles aproveitarem bem aquela noite, porque o amor é uma
ilusão e os homens são incapazes de controlar o próprio pau.”

“Você sabe que eu vou roubar essa história, né?”

Faço que sim com a cabeça. “Então as expectativas já são baixas,


mas acho que, aconteça o que acontecer hoje à noite, vai ser
melhor do que aquilo.

Fizzy dá risada. “O copo meio cheio, gosto disso. Mas você não faz
ideia do tamanho da minha família. Estatisticamente falando, tem
muita gente louca.”

Com Fizzy ainda ocupada com a gravata-borboleta, aproveito a


oportunidade para olhar à vontade para ela. “Evan me puxou de lado
e me deu umas dicas.”

As mãos dela param de trabalhar. “É mesmo?”

“O que dar de presente, as coisas que acontecem de manhã, como a


cerimônia do chá…”

A gargalhada dela me interrompe. “Ele contou que o Peter ia


participar de uma espécie de caça ao tesouro maluca?”

Faço que não com a cabeça, hipnotizado pelo modo como os lábios
dela se franzem enquanto pensa em como me explicar tudo. “Na
nossa comunidade, a cerimônia do chá é uma coisa importantíssima.
Costuma acontecer de manhã, e o noivo e a noiva são separados um
do outro. O

noivo recebe uma lista de tarefas para executar e assim provar seu
amor pela noiva antes de ter a aprovação total da família. É só um
jogo, mas foram as três irmãs da Kailey que armaram a coisa toda, e
nós tivemos que jogar beer pong às sete da manhã…”

“Com cerveja?”

Ela assente com a cabeça e sorrindo. “Depois ele foi obrigado a


beber um negócio feito de coisas aleatórias tiradas da geladeira e
batidas no liquidificador — todo mundo ficou com o estômago
embrulhado. Ele precisou responder a um quiz sobre a Kailey e
depois dançar e cantar para todo mundo.”

“Essa parte de cantar e dançar na frente de todo mundo…”

“Estou descrevendo seu pior pesadelo?”

Quando estou abrindo a boca para responder que sim, em um


impulso febril imagino um universo alternativo em que estou
participando dessa cerimônia, provando meu valor para esta mulher
que está aqui comigo. Minha hesitação desaparece. “Não”, é o que
digo em vez disso. “Se estivesse apaixonado, eu faria tudo isso.”

“Transportar mais de trinta litros de água por meio quarteirão


usando só baldes furados?”

Eu estendo a mão e afasto uma mecha de cabelo do lábio dela.

“Claro.”

“Beber uma batida de restos de geladeira?”

“Moleza.”
“Moleza?” Ela estreita os olhos para mim. “Molho de hoisin,
maionese, vinagre de arroz, leite de amêndoas, pasta de alho e suco
de manga.”

“Quem vê pensa que você está falando de cianeto.” Eu dou risada.

“Você acha que um homem que ama uma mulher perderia a chance
de vê-la no altar só para não ter que beber uma coisa nojenta?”

Ela levanta a cabeça e me encara. Seu olho direito tem uma mancha
dourada, como se ela tivesse olhado direto para o sol e um
pedacinho de luz tivesse ficado preso ali. Mas logo essa mancha se
torna menor, porque sua pupila se dilata.

Puta merda.

Ela desvia o olhar, piscando algumas vezes. “Você correria cinco


quilômetros no meio da noite por essa mulher hipotética também?”

“Só cinco?” O sorriso dela desaparece, e olho para suas mãos. Ela
não parece ter feito muito progresso com o nó da gravata. “Você
sabe mesmo fazer isso?”

“Estou em um ângulo esquisito, porque você é um viking gigante.”

“Na verdade, acho que você nunca fez isso antes.”

“Você pode até ter razão”, ela diz, franzindo a testa. “Mas eu não
sou de desistir fácil.”

Eu levanto o queixo para facilitar seu acesso, sentindo que passaria


a noite inteira aqui de bom grado. “Certo, parece que isso vai
demorar um pouco. Me conta mais sobre a cerimônia do chá.”

“Bom”, ela começa, desfazendo seu progresso anterior, fosse qual


fosse, para recomeçar. “Depois de provar seu valor, o noivo recebe
permissão para ver a noiva. Os dois vestem umas roupas tradicionais
lindas, e o casal presta seu respeito aos membros da família — dos
mais velhos aos mais novos —, e uma xícara de chá é oferecida para
cada um deles. A família entrega os lai see, que são envelopes
vermelhos com dinheiro, e os mais velhos dão seus conselhos…” Ela
se interrompe.

Inclinando a cabeça, Fizzy respira fundo. “Na verdade, eu adoro a


cerimônia do chá.”

Sinto um aperto no peito ao ouvir o tom desejoso em sua voz. Ela


raramente se mostra vulnerável, então é ao mesmo tempo
maravilhoso

e devastador ver surgir aquela pequena fratura em sua armadura.

“Estou vendo.”

“Enfim”, ela continua, endireitando-se com uma inspiração rápida,

“nós fizemos isso na casa dos pais da Kailey hoje de manhã e


viemos para cá correndo para trocar de roupa, e foi só então que me
lembrei dos oitenta mil botões do meu vestido.” Ela dá um passo
para trás, analisa seu trabalho e franze o rosto. “Sendo bem sincera,
a execução não ficou das melhores.”

Olho para baixo, desfaço aquele nó torto e frouxo, e Fizzy me olha


feio enquanto o arrumo com a maior facilidade. “Não precisa se
exibir, seu grandalhão metido a besta.”

“Eu estava tentando fazer você se sentir útil, mas acabei de ouvir
que estamos sem tempo.”

Ela passa a mão pelo meu peito, espalhando um calor sob a minha
pele. Sua mão para no meu bolso, que ela apalpa. “Isso é o que eu
estou pensando?”
Enfio a mão dentro do paletó e pego o envelope com dinheiro.
“Como eu disse, Evan me deu uns toques sobre o que dar de
presente.”

Ela me encara. “Que amor.”

“Eu gosto dele”, admito a contragosto. “É um cara legal.”

“É mesmo, mas eu estava falando de você. Você é um amor.”

Eu faço uma careta ao ouvir isso. “Eu não sou um amor.”

Fizzy estende a mão e belisca de leve a minha bochecha. “O pior é


que você é, sim.”

Trinta e dois

CONNOR

No tempo que levei para abotoar o vestido e ela para fingir que
sabia o que estava fazendo com a minha gravata, o saguão do hotel
virou uma loucura. Os convidados em black tie estão por toda parte,
se abraçando, se apresentando uns aos outros e até chorando ao se
cumprimentarem.

Vendo a opulência que se espalhou do salão de eventos para o


saguão, fico com a impressão de que a família da noiva é dona de
uma fortuna difícil de estimar para nós, simples mortais.

“Setecentos convidados”, Fizzy me diz baixinho, me conduzindo pelo


meio da multidão. “Peter falou que reservaram vários andares do
hotel para parentes das duas famílias, que estão vindo do mundo
inteiro.”

Solto um leve assobio ao ver a decoração feita no corredor de


acesso ao salão principal — mesinhas com arranjos florais elegantes,
tigelas de vidro cheias de chocolates e folhetos com a programação
impressa do evento —, e do lado de dentro quase tropeço nos meus
próprios pés, porque é uma coisa de uma magnitude que nunca vi
antes: sedas cor de creme penduradas nas paredes; pelo menos
setenta mesas, todas adornadas com vasos cheios de flores
vermelhas e alaranjadas. Nosso destino é o lado de fora, onde a
cerimônia vai ser realizada antes do que Fizzy promete ser uma
noite de muita comida, bebida, dança e diversão. Mas somos
parados a cada poucos passos por alguém que Fizzy conhece e
cumprimenta de forma efusiva. As mulheres são abraçadas com
gritos de alegria; os homens são recebidos com provocações e
gracinhas. Sou apresentado a pelo menos cinquenta pessoas cujos
nomes esqueço imediatamente, porque estou impressionado demais
ao ver Fizzy em seu habitat: calorosa, amorosa, com histórias e
piadas sempre na ponta da língua.

Algumas poucas pessoas comentam sobre a minha aparição no


programa, e trato de direcionar a atenção de volta para Fizzy
quando isso acontece. Ser abordado por desconhecidos e elogiado
apenas por aparecer diante das câmeras é uma coisa a que ainda
não me

acostumei. Não que não goste de fazer as entrevistas; eu gosto.


Esse pingue-pongue verbal com Fizzy se tornou rapidamente uma
das minhas três atividades favoritas, e até eu consigo ver que somos
bons nisso. Só não estava preparado para receber esse
reconhecimento público.

Enquanto atravessamos a multidão, a impressão que Fizzy transmite


é a de que cada pessoa com quem falamos é a mais admirável,
interessante, aventureira ou criativa de todos os tempos. E então,
quando saímos para o enorme gramado repleto de flores e laços de
cetim, lá estão os pais dela, cumprimentando os convidados à
medida que saem.

Ela me pega pelo ombro e me conduz até lá. “Connor, esta é a


minha mãe, Lányῑng Chen.” Se eu tivesse que chutar, diria que ela
tem sessenta e poucos anos, mas sua pele é iluminada e tem
apenas algumas linhas de expressão ao redor dos olhos.

A mudança no comportamento de Fizzy é sutil, mas perceptível para


alguém que não consegue tirar os olhos dela: perto dos pais, ela se
torna mais atenciosa, assumindo mais o papel de filha do que o de
centro das atenções, é mais uma cuidadora do que uma baladeira, e
estende a mão para ajeitar o pingente do colar da mãe.

Fico esperando por um aperto de mãos, mas em vez disso recebo


um abraço, que retribuo de forma cautelosa — ela é ainda mais
miudinha que a filha. Quando me afasto e olho nos olhos sorridentes
da sra.

Chen, penso na minha mãe lá na Inglaterra, que parece sempre


exausta e que sem dúvida se sentiria em pânico e desconfortável em
um evento social como este.

Ao lado da sra. Chen está seu marido, Ming, o homem esguio e


cheio de vitalidade que conheci na sessão de autógrafos de Fizzy,
com o sorriso malicioso que pelo menos uma de suas filhas com
certeza herdou. “Aqui está o meu novo amigo, que vai transformar
minha filha em uma estrela.”

Nós trocamos um aperto de mãos, e Fizzy se aproxima, fingindo


uma cara de ofendida. “Alô, pai, eu já sou uma estrela.”

“Quando eu vou andar no tapete vermelho com você, então?”

Os dois continuam se provocando enquanto a sra. Chen passa uma


das mãos elegantes ao redor do meu antebraço. “Eu gosto do seu
programa”, ela me diz. “Você fica muito bonito na tevê.”

“Obrigado”, respondo com um sorriso. “Estou surpreso que Fizzy


deixe a senhora assistir.”
Felizmente, ela acha graça no comentário. “Você entende bem quem
ela é, e eu sou grata por isso.”

Fico momentaneamente sem reação. “Acho que a maior parte do


crédito é da sua filha. É difícil encontrar alguém que se comporte de
forma tão espontânea e natural diante das câmeras. Estou
começando a achar que não existe nada que ela não seja capaz de
fazer.”

“Quando ela escrever um livro de verdade, você pode transformar


em um filme, certo?”

Agora estou confuso por outro motivo. “Um livro…”

Fizzy faz um gesto para eu ignorá-la e entra na conversa. “Quando


ele não está ocupado encontrando uma alma gêmea pra mim, está
salvando o planeta, mãe! Não tem tempo pra adaptar romances!”

Uma mulher que parece ser a organizadora do evento olha para


Fizzy e aponta para o relógio.

“Acho que está na hora”, Fizzy me avisa.

Nós tomamos o caminho das fileiras intermináveis de cadeiras


brancas com laços vermelhos. Quando uma mecha dos cabelos de
Fizzy voa sobre sua testa, eu estendo a mão e a afasto sem nem
pensar.

Nossos olhares se encontram, e sinto um aperto no coração ainda


maior nesse lugar tão bonito e acolhedor.

“O que a sua mãe quis dizer com um livro ‘de verdade’?”

Ela encolhe os ombros e se vira para ver enquanto os convidados se


dirigem em grandes grupos para os assentos. “Um livro cheio de
reflexões e sofrimentos.”
“Interessante.”

“Muita gente encara os livros de romance como uma espécie de


hobby”, ela explica, voltando o rosto para mim, sem nenhuma
tensão, sem ressentimento. “Com certeza ela acha que eu estou só
matando o tempo enquanto preparo a minha obra-prima.”

Agora poderia ser um bom momento para admitir que eu era uma
dessas pessoas ou então para refletir sobre essa coisa que temos
em comum — a diferença entre a forma como encaramos a carreira
versus aquilo que nossos pais acham que deveríamos fazer. Mas o
primeiro pensamento que me vem à mente é: “Pra mim, você é a
obra-prima”.

Ela abre a boca, dando a impressão de que vai dar uma resposta
engraçadinha, mas nada acontece. Contorcendo os lábios, ela
balança a cabeça para mim. “Você não existe.”

“Ah, existo, sim.”

Ela aponta para as cadeiras. “O lado do noivo é o esquerdo. É onde


você vai ficar. Pode ir pra lá fazer novas amizades.”

“Certo.”

“Vejo você depois da cerimônia.” Ela ajeita o vestido e volta para


dentro para se juntar ao restante das pessoas que vão subir no altar.
“E

trate de sentir a minha falta”, ela grita por cima do ombro.

Enquanto a vejo se afastar, admito baixinho: “Já estou sentindo”.

Trinta e três

FIZZY
Eu já estive em um número incontável de casamentos na vida. Fui
madrinha duas vezes (Alice e Jess) e dama de honra outras catorze,
oficiei três matrimônios e em duas ocasiões fiz leituras durante a
cerimônia (em uma delas, um trecho de um livro meu, o que foi bem
esquisito). Tenho certeza de que algumas pessoas vão a esses
eventos só para ver o que dá certo e para dizer o que fariam
diferente. Examinar a decoração, avaliar a comida, estimar o número
de convidados.

Sussurram entre si que jamais teriam colocado fulano e sicrano na


mesma mesa. Podem inclusive pegar cartões de visita dos
prestadores de serviço durante a festa.

Não é o meu caso. É bem possível que o brilho dos casamentos


tenha se perdido depois de eu ter tido tantas experiências
diferentes, mas a verdade é que acho a festa de casamento a parte
menos romântica de um romance. Tem muito brilho, comida, bebida
e a oportunidade de usar roupas extravagantes, claro. Mas também
tem as intrigas familiares, estresse e o fato de que muita gente
desembolsa o equivalente à entrada do financiamento de uma casa
para uma celebração que dura um único dia. O amor não está em
um arranjo floral de mesa de mais de um metro de altura nem em
um bolo de chocolate de sete andares. O romance está nos detalhes
mais discretos.

Quem pede a mão de quem, e como. O jeito como o casal se olha


quando um está longe do outro. A expectativa pela vida de casado,
pelas noites passadas lado a lado, moldando a vida um do outro
para sempre. O primeiro momento a sós depois que o compromisso
é firmado. O dia seguinte, quando o casal finalmente embarca nessa
aventura. E, obviamente, todas as trepadas que vêm pela frente.

Mas esse é o tipo de coisa em que é melhor não pensar quando o


noivo é seu irmão. Eca.
Afasto os olhos de Peter e me volto para sua recém-declarada
esposa, Kailey, no momento em que ela é beijada pela versão adulta
de uma

pessoa que mais de uma vez me imobilizou no chão e peidou na


minha cara.

Ele se afasta com um sorriso e ali está — bem ali — o que eu queria
ver: o olhar indisfarçável de fascínio. Aquele primeiro contato visual,
que silenciosamente grita Sério mesmo que estamos casados? Peter
muitas vezes se mostrou um babaca egoísta, e nunca vou perdoá-lo
por ter cortado meu rabo de cavalo quando eu tinha treze anos, mas
ele ama Kailey. Vai ser um bom marido para ela.

E com sorte vai engravidá-la rápido, mantendo o foco de todos longe


de mim e do meu status permanente de solteira. Isto é, lembro a
mim mesma, a não ser que eu acabe vivendo feliz para sempre com
um dos meus heróis românticos.

Esse pensamento reverbera na minha mente, mas como uma bola


de tênis quicando em paredes vazias. Vejo a multidão animada de
convidados e meus olhos se cravam em Connor no meio de toda
aquela gente, ele parece um arranha-céu no centro de um bairro
residencial. E

quem poderia imaginar? Ele também está olhando para mim.

Demoro dez minutos para atravessar a multidão e chegar até ele,


nesse meio-tempo conversando com familiares, sendo parada para
tirar fotografias e uma vez para indicar onde ficava o banheiro mais
próximo.

Consigo ver que ele está conversando com as pessoas ao redor.


Nossa, adoro isso de poder encontrá-lo assim com tanta facilidade,
de ele ficar tão bem em um smoking justinho e de seus cabelos
estarem macios e soltos em vez de meticulosamente penteados com
gel. Mas a aparência já deixou de ser a coisa mais interessante em
Connor. Ele é muito caloroso no trato pessoal, tem um olhar muito
sincero. Adorei vê-lo interagir com a minha mãe e a simpatia que
demonstrou ao ser apresentado às pessoas que nos pararam no
caminho até o jardim. Isso sem falar de seu jeito de se colocar por
inteiro nas coisas que faz e de se permitir ser emotivo quando fala
da filha. Connor Prince III deveria receber uma medalha de ouro em
Escuta Ativa nas Olimpíadas do Romance. É até difícil acreditar que,
meses atrás, olhei para ele e só vi um arquétipo artificial. Ele não é
mais o Executivo Milionário Gostosão nem o Britânico Gostosão, nem
o Lenhador Gentil, nem mesmo o Papai Gostosão… é apenas Connor.

Como eu pude considerá-lo tedioso e desagradável e clichê? Agora o


meu maior problema é tentar não pensar nele como candidato a
alma gêmea.

E que bom que estou conseguindo, porque, quando o encontro, ele


está conversando com uma das amigas de Peter dos tempos de
colégio, uma loira baixinha chamada — juro por Deus — Ashley
Simpson. E, quando digo que Ashley está grudada em Connor, o que
quero dizer é o seguinte: imagine um rochedo gigante, e então uma
craca presa em sua superfície. Eu até gosto de Ashley — apesar de
ter feito Peter de gato e sapato durante anos na época em que ele
acreditava que a aparência era mais importante que a inteligência, e
então começou a vir atrás dele quando o meu irmão finalmente
entendeu que o conteúdo conta muito mais do que aparência —,
mas acabo me aproximando por trás dos dois bem no momento em
que ela pergunta se Connor lhe cederia a primeira dança, e minhas
entranhas se reviram com uma raiva fervilhante.

Eu detenho o passo. Ele não me viu. E deveria aceitar. Sei que não
vou gostar, mas seria uma boa forma de interromper essa coisa
estranha, inapropriada e inviável que está rolando entre nós. Eu
deveria gostar de Isaac, ou de Dax, ou de Nick. (Talvez de Jude.
Acho que já dá para dizer que com Evan não vai rolar. Mas Connor
definitivamente não está no jogo.)
Mas então ele diz, todo gentil: “Desculpa, mas esta noite estes pés
de valsa estão à disposição da Fizzy”, e sinto meu coração palpitar e
um frio na barriga de congelar o estômago.

Na despedida de solteira de Jess, no meio da bebedeira, nós


estávamos nos derretendo falando sobre todos os diversos motivos
pelos quais River era perfeito para ela. Como todas as outras
mulheres eram casadas, inevitavelmente o tema da conversa em um
determinado momento acabou sendo eu e meu caso desastroso com
Rob. Era um grupo pequeno — só meia dúzia de amigas —, mas
todas fizeram questão de me garantir que eu era incrível, que
merecia o melhor homem do mundo e que, fosse lá quem fosse esse
ser humano mítico, ele está em algum lugar esperando por mim.

Naquela época não acreditei e, apesar de estar participando de um


programa justamente com esse tema, ainda não me deixei
convencer por completo. Nas últimas décadas, saí com um monte de
gente. Nunca

me considerei uma pessoa exigente; sempre me gabei de não ter


um tipo. Foram vários primeiros encontros excelentes e alguns
segundos encontros divertidos. E aí, fim de papo. Sinto atração por
muita gente, mas quase nunca me envolvo emocionalmente.
Olhando para trás, vejo que o que senti por Rob foi influenciado pelo
encantamento residual que vivi ao acompanhar tão de perto a
história de amor de Jess e River.

Mas, na verdade, foi um relacionamento ridículo de tão superficial.


Eu não sabia nada sobre a vida de Rob, não preciso nem dizer, e ele
nunca me fez sentir nada sequer parecido com isto.

Puta merda, essa é uma boa reflexão. Abro minha bolsa de festa
para pegar meu caderno, mas não encontro nada. Mesmo que eu
tivesse voltado a andar com papel e caneta, nesta bolsa não caberia
nada maior que uma barrinha de cereal.
Parada logo atrás de Connor, vendo ele rejeitar gentilmente, mas
com firmeza, uma mulher sem dúvida maravilhosa, sabendo que ele
não curte transas casuais e que me entende e admira o bastante
para pôr sua carreira nas minhas mãos, e que, mesmo que sinta por
mim só uma fração do que sinto por ele, também está se arriscando
a uma desilusão amorosa fazendo esse programa comigo, percebo
que aquilo que disse semanas atrás é mesmo verdade — eu não
tenho um tipo.

Mas talvez eu tenha, sim.

Quem já cuspiu para cima e acabou levando na testa sabe como é


essa sensação. Fecho os olhos, apertando-os com força, e torço para
que o pânico vá embora. Se estivesse escrevendo esta cena,
descreveria a percepção de que os sentimentos que eu vinha
ignorando estavam aqui o tempo todo. Talvez eu fizesse a heroína
tropeçar ou pegar uma taça de champanhe e virá-la de uma vez
para aliviar um pouco o súbito ataque de ansiedade. Mas, na
verdade, as epifanias são mais como a alma abrindo a boca e
lamentando: “Ai, como eu sou burra”.

Vou até os dois e engulo em seco por cima do nó na minha


garganta.

“E aí, vocês dois?”

Connor se vira, livra seu braço do toque de Ashley e põe a mão


quente na parte inferior das minhas costas. Sua resposta, um
simples

“Ei”, é baixa, calorosa e carrega milhares de significados. Olho em


seus olhos e percebo que não pode ser minha imaginação. Com uma
única palavra, ele diz: Ei, aí está você, e Ei, você ouviu o que eu
acabei de

dizer?, e Ei, eu senti sua falta, e Ei, lembra quando a gente se pegou
gostoso e transou até enlouquecer?
Ashley aparece do outro lado dele, sorrindo para mim. “Oi, Fizzy.”

Eu desvio os olhos de Connor. “Oi, Ashley. Obrigada por ter vindo.”

“Aimeudeus, claro que eu viria. Acabei de conhecer seu produtor.

Será que eu posso fazer um programa de namoro também, e com


ele?”

Abro um sorriso amarelo e olho para Connor como quem diz: E aí,
vai responder o quê?

Ele olha para mim com uma expressão divertida. “Eu já falei pra ela
que me sinto mais à vontade atrás das câmeras, e que foi você que
me obrigou a fazer essas entrevistas.”

Ashley entra na conversa: “Não dá pra acreditar que você está


fazendo isso, Fizzy. Eu tinha ouvido falar, mas não sabia que ia ser
um negócio dessa dimensão. Connor falou que o segundo episódio
vai ao ar hoje à noite.”

“A coisa só ganhou essa dimensão porque o Connor está fazendo um


trabalho incrível.”

“Mas é engraçado.” A risada dela é estridente como várias pequenas


sinetas tocando ao mesmo tempo. “A gente estava comentando mais
cedo que, como você escreve livros de romance, já deveria conhecer
todos os lugares e as melhores formas de conhecer pessoas, não?
Se justo você não consegue encontrar alguém pelos meios
convencionais, então literalmente não existe esperança para o resto
de nós, não é mesmo?”

Sinto meu sorriso murchando e não posso fazer nada para impedir.

Deixo escapar uma risadinha constrangida. Em geral, sei muito bem


como lidar com esses insultos disfarçados de elogios. E costumo ter
uma resposta espertinha bem na ponta da língua.
Como uma especialista em romance como você ainda é solteira?

Eu preciso continuar disponível para fazer pesquisas de mercado,


sabe como é.

É difícil encontrar o homem certo depois de criar o herói romântico


perfeito.

Nem mesmo um simples “Eu não tenho tempo para me dedicar a


relacionamentos” me vem à mente. Estou me sentindo paralisada
diante dos holofotes em meio ao coquetel servido logo após o
casamento do meu irmão mais novo. Com este vestido que Connor
abotoou com tanto

cuidado, e com a minha família inteira ao meu redor, e


sobrecarregada por esses sentimentos novos e avassaladores, eu
teria tudo para me sentir inabalável, mas… ah, é. Eu sou a irmã
solteirona. Como é fácil derrubar e redefinir uma pessoa com apenas
algumas palavras.

“Acho que não deve ser fácil para uma pessoa pública encontrar
alguém”, Connor intervém, sempre tranquilo. “É compreensível que
Fizzy seja cautelosa.”

Ashley solta um risinho de deboche. “Ai, meu Deus, você é tão fofo.

Mas, tipo, a Fizzy já saiu com literalmente todo mundo.”

“Claro”, ele responde, com uma risada gostosa. “Quem não quer sair
com ela?”

O rosto de Ashley se contorce em uma expressão mal disfarçada de


Hã, então tá, amigão. Uma forma menos descarada de escárnio.

Connor continua sorrindo, mas agora não parece tão natural. “Você
lê os livros dela?”
Ashley faz que não com a cabeça. “Ah, eu não leio livros que só
tenham romance. Preciso de um bom enredo para me cativar
também.”

Ele fica bem sério. “Mas tem enredo de sobra também. E os da Fizzy
são de primeira linha.” Eu olho para ele com uma expressão
carinhosa.

Esse cara de pau continua fingindo que leu os meus livros.

“Ah, sim, claro…”

Ele continua falando, e de algum jeito consegue interrompê-la sem


deixar aquela sensação de insulto no ar. “As pessoas acham que os
livros de romance só têm sexo — e alguns são assim mesmo, e tá
tudo bem —, mas eles também promovem transformações sociais e
desafiam o statu quo, como a opinião das pessoas sobre quem
merece, ou não, um final feliz.”

“E piratas”, eu acrescento, sentindo meu coração se acender como


um letreiro de neon de Las Vegas dentro do meu peito. “Não vai
esquecer dos piratas.”

“E às vezes tem piratas também.” Ele sorri para mim antes de se


virar de novo para Ashley. “Fizzy é uma das melhores escritoras que
já li, e tem milhões de leitoras.” Sua mão acaricia de leve as minhas
costas em movimentos circulares. Será que ele percebe que está
fazendo isso?

Está me deixando louca de vontade. “Foi uma sorte para a produtora


poder contar com ela. Nossos índices de audiência estão altos por
causa do carisma da Fizzy na tela com cada um dos participantes.”
Ele ri antes

de complementar: “Nossa, eu estou falando como um produtor, né?”.


Em seguida, faz um gesto de desdém com a mão e sorri. “Enfim,
vou parar de me gabar dela agora. Foi um prazer conhecer você,
Amy.”

Com uma mão firme, ele me conduz para longe dela.

Eu me deixo levar para dentro de novo, onde a banda está tocando


enquanto o coquetel é servido. Connor pega duas taças de
champanhe de uma bandeja que passa por nós e me entrega uma.

“Estou impressionada”, digo a ele.

“Eu só peguei uma bebida de uma bandeja. Você poderia esperar


um pouquinho mais de mim, não acha? Pra não se deixar
impressionar por tão pouco?”

Dou um soco no ombro forte dele com a minha mão livre. “Não é
isso. Estou falando daquela sua forma educadíssima de acabar com
ela lá fora.”

Connor dá um gole no champanhe sem tirar os olhos de mim. “Eu


entendo essas ideias preconcebidas, porque também pensava assim.
Só que não com base em fatos — eu nunca tinha lido um livro de
romance.

E imagino que ela também não.”

“E o que aconteceu pra você mudar de ideia?”

“Nat me deu um puxão de orelha, e eu li os seus livros.”

“Sim, mas, tipo, só um.”

“Eu li quase todos.” Ele sorri para mim. “E olha que não são poucos.”

Fico parada, com a taça encostada nos lábios. As bolhas de


champanhe pinicam minha pele. “O quê?”
“Eu disse que ia ler.”

“Sim, mas as pessoas falam só por falar.”

Ele balança a cabeça. “Eu não.”

“E as suas ideias preconcebidas?”

Ele dá mais um gole, inclinando a cabeça e flexionando o pescoço.

Depois de baixar a taça, volta a me encarar. “Eu sei admitir quando


estou errado.”

Minha pulsação ecoa nos meus ouvidos. É esse o tipo de coisa que
faz com que a Fizzy de trinta e sete anos se atraia por um cara? Ser
sincero, assumir os próprios erros e saber se comunicar? “Sabe
aquela mulher lá de fora? O nome dela é Ashley, não Amy.”

Ele abre um sorriso malicioso. “Eu sei.”

Fico sem reação diante do calor que se espalha pelo meu peito. Essa
bolha de alegria vai me arrebatar e me jogar no chão se eu não
puder me agarrar a ele de alguma forma. Peter e Kailey ainda estão
do lado de fora, tirando as fotos de casal pós-cerimônia. Temos uma
longa noite pela frente, com o jantar e os brindes e as danças e o
bolo, mas por ora vou tirar vantagem deste momento de
tranquilidade. Pego a taça de Connor e a coloco sobre uma mesinha
alta, e então o conduzo até a pequena pista de dança, onde alguns
casais se balançam suavemente ao som da música.

Ele me encara com uma expressão de interrogação, mas seus braços


enlaçam minha cintura quando subo com as mãos pelo seu peito e
as posiciono atrás de seu pescoço. “Essa é uma posição meio sexy
pra dançar”, ele diz no meu ouvido.

“Bom, eu costumo pensar em coisas sexy quando estou com você.”


“Mas em público?”, ele pergunta.

“Dança só essa música comigo, seu Papai Gostosão.”

Ele relaxa um pouco, suas mãos se acomodam na parte inferior das


minhas costas, e eu apoio o rosto em seu peito. “Belos músculos.”

“Obrigado.”

“É como um muro de tijolos elegante.”

Uma risada baixinha reverbera contra a minha têmpora.

Eu fecho os olhos. “Você torna bem difícil essa minha tarefa de me


apaixonar por outra pessoa.”

O peso dessa verdade me puxa para baixo, como uma âncora.

Ele não diz nada, nem depois de cinco, dez ou trinta segundos. Fico
esperando que o remorso bata ou que eu me sinta rejeitada por
esse silêncio, mas em vez disso parece que estamos concordando.
Ele está me abraçando bem forte.

“De repente podemos dar uma escapadinha mais tarde pra ver o
programa,” sugiro.

“Eu bem que gostaria.”

“Mas nada de gracinhas”, acrescento. “Apesar do que eu acabei de


dizer, sei que podemos nos comportar como dois amigos vendo
juntos a exibição do nosso trabalho.” Percebo que ele não diz nada
sobre isso também. E então me dou conta. “Espera aí. Você não
devia estar na produtora ou, sei lá, disponível para o pessoal do
programa hoje?”

“Não”, ele responde. “Blaine está a cargo de tudo. Ele sabe que
acompanhar você hoje era um trabalho importante.”
“Um trabalho, é?”

“Eu finjo que você me dá um trabalhão. Pega bem com o chefe.”

“Mas eu dou mesmo um trabalhão.”

Isso o faz rir. “Felicity, você é a pessoa mais fácil que já conheci na
vida.” Eu olho para ele, esperando que se dê conta do que acabou
de dizer. Uma vermelhidão sobe por seu pescoço e deixa as pontas
de suas orelhas coradas. “Você entendeu o que eu quis dizer.”

“Eu entendi, mas também sei que é mentira. Objetivamente falando,


eu sou um tremendo abacaxi.”

Ele me puxa para si e apoia o queixo na minha cabeça. “Não se


subestime.”

Eu rio com a boca colada à sua camisa e fecho os olhos. Porra, ele é
perfeito. E isso é terrível.

Trinta e quatro

CONNOR

A dança com Fizzy é o último instante de sossego que temos nas


próximas quatro horas, porque o que vem a seguir é o evento mais
luxuoso e impecavelmente planejado do qual já participei. Há um
opulento jantar com oito pratos, discursos surpreendentemente
carinhosos, uma pista de dança animada, o corte do bolo, tudo isso
em meio a uma procissão de pessoas querendo ver Fizzy, abraçá-la,
tirar fotos com ela. Fizzy costumava se descrever em tom de piada
como a ovelha negra da família, mas sempre pareceu que havia um
fundo de verdade nessa brincadeira. Nesta noite, porém, essa
autoimagem desconectada da realidade me deixa perplexo. Fica
claro, enquanto a observo, que todo mundo a adora demais e,
embora não seja seu casamento, a atenção que ela recebe faz
parecer que existe um holofote andando atrás dela discretamente
pelo salão.

Ou talvez seja só o meu olhar.

A verdade é que não consigo tirar os olhos de Fizzy. E, quando ela


vem até mim mais tarde, com uma garrafa de champanhe ainda
fechada e sinalizando com a cabeça o local para onde quer escapar,
meu coração se comprime com força dentro do peito. Apenas
quando a oportunidade surgiu eu me dei conta do quanto queria
passar mais um tempo a sós com ela antes do fim da noite.

“Você tem que ir embora ou pode subir comigo pra ver o episódio de
hoje à noite?”

Sei que a resposta deve ser que preciso ir para casa. E também sei
que, quando o assunto é essa mulher, sempre existe a possibilidade
de ir além dos limites, e que meus sentimentos por ela estão
contidos atrás de uma barreira muito frágil. Eu deveria proteger
melhor o meu coração.

Mas, com duas taças de vinho na cabeça e me sentindo inebriado


por sua proximidade a noite toda, a resposta errada vem com a
maior

facilidade: “Eu não tenho mais nenhum outro compromisso hoje à


noite.

A Stevie está com a Nat”.

As pessoas continuam em nosso encalço, e a conversa incessante no


saguão nos envolve em uma bolha ecoante. Fizzy estende a mão
para chamar o elevador, e nós olhamos ao mesmo tempo para a
seta que aponta para cima se acendendo no alto da porta.

“Sua família é incrível.”


Ela ri. “O mais engraçado é que eu acho que você está falando
sério.”

“Estou mesmo.”

“Bom, se estiver procurando uma esposa, a minha tia Cindy está


disponível, caso as trezentas vezes que ela disse isso não tenham
sido suficientes para deixar essa questão bem clara.”

Quando ela fala nisso, tiro do bolso um guardanapo com um número


que imagino ter sido escrito com batom e o jogo na lixeira. “Não,
obrigado.”

“Esse era o telefone da Ashley?”

“Era.”

Fizzy abre um sorriso, e, nesse momento, o elevador chega e nós


entramos. “Você é a minha pessoa favorita.”

“Acho bom mesmo.”

“Já viu o episódio de hoje?”, ela pergunta.

Eu olho para ela sem entender o motivo da pergunta. “Fui eu que


editei a melhor parte.”

“Ficou bom?”

“Ora essa.”

“Vou precisar que você abra os botões agora”, ela diz, apontando
casualmente para o vestido como se estivesse me pedindo para tirar
um fiapo da roupa ou para buscar uma encomenda na lavanderia.

Minha boca fica seca. “Imaginei.”

“Eu vou me comportar.”


“Não vai, não”, eu digo, aos risos.

“Prometo tentar, que tal?”

“Uma promessa vazia, mas eu aprecio o gesto.”

As portas se abrem, e, ainda sorrindo, Fizzy me conduz pelo


corredor até o quarto, passando o cartão na porta. O silêncio nos
envolve quando ela larga a bolsa e a chave na mesa, e sou
consumido por uma onda de pânico. Não sou idiota; sei que é
exatamente assim que o sexo

começa. Já transei com ela antes, já estou meio apaixonado a essa


altura, e o champanhe e a animação da festa já subiram à nossa
cabeça. Vir aqui foi uma péssima ideia.

Fizzy se vira de costas para mim. “Ao trabalho.”

Por sorte — ou azar, dependendo do ponto de vista —, abrir o


vestido é infinitamente mais rápido do que abotoá-lo. Mas, para o
meu alívio, ela cumpre sua palavra e não o deixa cair imediatamente
no chão para me encarar com a lingerie chique de seda que está
escondendo ali embaixo. Ela se afasta segurando a frente do vestido
e sorrindo por cima do ombro. “Vou me trocar no banheiro; você vai
colocando o episódio.”

Encontro o controle remoto, abro o aplicativo e deixo o programa


aberto, só esperando para dar o play. Com Fizzy ainda se trocando,
vou até a varanda e ligo para Stevie. A brisa fresca do mar bate na
minha pele quente, e respiro fundo antes de tirar o celular do bolso.

Quando Nat atende, ouço outra voz ofegante e carregada de


adrenalina falando sem parar ao fundo.

“É da sede do fã-clube”, Nat explica.


“De novo?”, pergunto, aos risos. Não sabia se Stevie estaria
acordada, mas deveria ter imaginado. O DVD ao vivo do Wonderland
que ela ganhou de Fizzy já foi visto nada menos que dez vezes ao
longo da semana.

“Ela está assistindo com o Insu e contando com detalhes o show que
viu com você e a Fizzy. Você vai ganhar de lavada o prêmio de pai
do ano com essa, seu babaca. Como está o casamento?”

“Incrível.”

“E a Fizzy?”

Ah, chegamos à verdadeira pergunta. “Igualmente incrível”,


respondo com um suspiro doloroso.

“Entendi.”

“Estamos no quarto dela no hotel pra ver o programa. Ela está se


trocando.”

Quase consigo ver as sobrancelhas de Nat se erguerem do outro


lado da linha. “Entendiiiiii.”

Afasto a imagem das costas nuas de Fizzy antes de ela pegar o


pijama da gaveta da cômoda e ir para o banheiro.

“Está tudo sob controle”, digo para Nat. O que não conto é que
guardei umas camisinhas na carteira hoje de manhã. Eu não vou
transar com Fizzy. Não vou. Mas a minha lição sobre nunca ser pego
desprevenido nessas situações faz onze anos em janeiro. Esse risco
eu não corro nunca mais.

Me aproximo do gradil da varanda. Durante o dia, o quarto de Fizzy


deve ter uma vista maravilhosa para o mar. Dá para ver um pouco
agora, ainda que seja só uma massa escura de água se
movimentando à distância. A proximidade é ressaltada pelo som
estrondoso das ondas quebrando na praia. Essa turbulência
incessante é um lembrete do que está acontecendo dentro do meu
peito. “Enfim, liguei para dar boa-noite pra Stevie, mas, se ela está
ocupada, posso falar com ela amanhã cedo.”

“Tem certeza? Eu posso chamá-la.”

“Não, não precisa interromper a aula do Insu. Ele precisa ver


direitinho onde está se metendo.” Eu me viro quando escuto Fizzy se
movimentando pelo quarto atrás de mim. “Preciso desligar, aliás. E
vê se assiste ao programa hoje. Eu preciso da sua audiência.”

“Ela é toda sua!”

Eu sorrio, porque é verdade. “Diz pra pequena que papai ama ela e
que desejo uma boa noite, Nat.”

“Pode deixar. Te amo.”

“Eu também te amo.”

Começo a entrar no quarto e detenho o passo, com um pé para


dentro e outro para fora. Fizzy falou que iria vestir uma coisa
confortável. Na minha inocência, pensei que estivesse falando de um
pijama de flanela de manga comprida, não um shortinho minúsculo
e um moletom cropped. Isso é… muita pele exposta.

“Que porra é essa que você está vestindo?”, eu pergunto, com meu
sotaque britânico se acentuando ainda mais por causa do susto.

“É o meu pijama. Quer que eu durma de casaco?”

“Quero.”

Ela aponta com o queixo para a varanda. “Está tudo bem?”

Eu consigo recompor meus pensamentos. “Ah, sim. Só liguei pra dar


boa-noite pra Stevie.”
“Ela deve ter sentido falta de passar o sábado com você.”

“Na verdade, não.” Ponho o telefone sobre a cômoda, solto o nó da


gravata e o botão do colarinho, e então me dou conta do que disse.

“Quer dizer, não é bem assim, nós nos divertimos juntos, mas ela
não está sozinha, sofrendo. Está vendo o show do Wonderland com
o Insu.”

“O sonho de qualquer menina.”

“Pois é.” Jogando a gravata sobre uma cadeira, eu admito: “Todo


mundo teve que se adaptar quando o meu cronograma de trabalho
virou uma loucura. É muita sorte minha a Nat ter sido tão
compreensiva e flexível, principalmente nos últimos meses.”

Fizzy pega a garrafa de champanhe, tira a rolha com um estouro


alto e sobe na cama, onde se senta com as pernas cruzadas. “Vocês
são o casal divorciado mais bem resolvido que eu conheço.” Ela dá
um gole na bebida. “Tenho uma amiga que só fala com o ex através
da advogada.”

“Nós tivemos que aprender a conviver assim, para o bem de todos.”

Olho ao redor do quarto. Além da cama e da cômoda, só tem uma


cadeira chique e de aparência nada confortável encostada em um
canto.

Eu vou ter que me sentar na cama com ela. Puta que pariu.

Fizzy deve ter notado minha hesitação, porque logo em seguida dá


um tapinha no colchão. “Vem cá”, ela chama. “Vamos assistir.”

Mantenho a maior distância possível entre nós quando me sento — o


que não é muita coisa, considerando que ela se acomodou bem no
meio da cama. Com um brilho de divertimento nos olhos, ela me
entrega o champanhe. Minha sensação é a de que sou a caça aqui.
Dou um longo gole.

As bolhas aquecem meu estômago enquanto Fizzy aperta o play e a


abertura do programa começa. A música é cativante, bem chiclete,
sendo sincero, mas isso é um ponto a nosso favor. A melodia foi
usada em diversos vídeos e memes publicados nas redes sociais —
pelo menos é o que Brenna me diz. Fizzy se agita quando Lanelle
aparece. “Porra, eu adoro essa mulher.”

“Ela é ótima mesmo.” Nossa, como eu adoro essa energia. Só nós


dois, vendo uma coisa que criamos juntos.

Lanelle faz uma breve recapitulação do que aconteceu até aqui e


vemos trechinhos curtos da participação dos pretendentes agora
eliminados. Com uma transição sutil, Fizzy e os demais heróis
românticos aparecem na cozinha industrial. Lanelle explica as
atividades da semana, e a câmera dá um zoom em Fizzy enquanto
ela decide qual

herói vai participar de cada encontro. Ela é divertida, sexy e emana


carisma.

“Você foi feita pra aparecer na televisão.”

“É muito difícil não ser crítica demais comigo mesma”, ela admite.

“Eu percebi.” Antes de poder falar mais algumas palavras de


incentivo, Colby aparece, amarrando o avental para a atividade de
preparar uma refeição. Fica bem claro logo de cara que a química
criada entre ele e Fizzy no primeiro encontro não se repetiu no
segundo, mas fizemos um bom trabalho de edição para tornar o
tempo que os dois passaram juntos menos desagradável do que na
verdade foi.

O primeiro intervalo começa, e Fizzy pega a garrafa da minha mão


para dar um gole. “Qual você acha que seria a reação de todo
mundo se eu desse um soco na cara desse macho palestrinha?”

“Como seu produtor, eu não aconselharia isso.”

“E como amigo?”

Pego a garrafa e sorrio ao levá-la à boca. “Diria que um soco é


pouco.”

Ela ri e se ajeita na cama, deitando de bruços com os pés apoiados


na cabeceira da cama. Eu aprecio a visão daquelas pernas
totalmente descobertas. Vê-la participar de encontros com outros
homens na tevê com essa bundinha perfeita, pulando para fora do
short, bem na minha cara, vai ser uma tortura.

Então faço a mesma coisa e me deito ao seu lado na mesma


posição.

“Aposto que o Colby não passa desta semana.”

“Ou o Jude.” Ela ergue o queixo apontando para a tela quando ele
entra andando em sua direção no parque onde plantaram árvores
juntos. “Sinceramente, fico impressionada com quanto você é bom
no que faz.”

“Como assim?”

“Esse encontro”, ela diz, olhando para a televisão. “Parece uma coisa
tão íntima, como se nós estivéssemos completamente sozinhos
nesse parque. Você capturou as minhas expressões de um jeito que
dá a entender que estou encantada por ele. E o Jude… olha só pra
ele. Que filtro é esse? Preciso disso no meu rosto o tempo todo. Ele
está um gato e não parece nem um pouco um bobalhão.” Ela ri. “Na
verdade, estava um calor de mais de trinta graus, um dia suarento e
úmido, e o parque, lotado.” Fizzy aponta para a tela. “Eu estava
olhando pra ele ou pra
você? Sou capaz de jurar que passei esse encontro inteiro olhando
pra você.”

“Acho que precisamos conversar sobre isso também”, eu digo,


batendo o meu ombro no dela. “Eu até gosto dessa levantada no
meu ego, mas o público precisa acreditar que você está se
apaixonando por um deles.”

Fizzy revira os olhos voltados para a tevê. “Ninguém ia acreditar que


eu estou gostando de alguém que usa sem ironia a expressão
literatura séria sobre vampiros.”

“Qualquer especialista em vampiros que se preze teria entendido sua


piada sobre Volterra.”

Fizzy se senta na cama e se vira para mim. “Eu sabia que você ia
sacar essa!”

“Só os filmes faturaram mais de três bilhões de dólares no mundo


inteiro. E a Nat arrastou nossa sala inteira na faculdade pra ver Lua
nova.”

Fizzy volta a se acomodar na cama quando o programa é retomado.

Fico me perguntando o que a audiência deve ter pensado depois de


ver Jude se sair quase tão mal quanto Colby. Mas então Isaac
aparece na tela.

Eu perdi boa parte desse encontro, então fiquei surpreso na cabine


de edição ao ver as filmagens. Mesmo antes de serem editadas, as
imagens dos dois juntos exalam tensão sexual. Quando Fizzy perde
o sapato no meio do passeio, a coisa toda vira uma comédia, com os
dois tentando recuperá-lo sem descer da bicicleta dupla, rindo o
tempo todo.

Em todos os closes no rosto de Isaac enquanto a ouve falar, ele


parece hipnotizado. Fizzy também parece estar se divertindo, e não
foi necessário nenhum truque de edição para isso. Ela está divertida,
engraçada e parece genuinamente interessada em agradar-lhe.
Como nunca tinha visto Fizzy tentar impressionar alguém antes, isso
me atinge como um tapa na cara.

“Vocês dois ficam bem juntos”, comento.

“Eu gosto dele.”

Fico incomodado com o tom de afeto na voz dela. Claro que ela
gosta dele, é um cara comprovadamente fantástico e, além de
interessado, está disponível. Eu deveria incentivá-la, e não sentir
essa vontade de gritar “Corta!” toda vez que ele a faz sorrir.

Tenho um sobressalto quando ela me cutuca com o indicador. “Você


está parecendo meio emburrado agora.”

“De jeito nenhum. Só estou assistindo tranquilamente a esse


episódio muito bem editado.”

“Ã-ham.”

Meu olhar se volta para seus lábios depois de um gole de


champanhe, e ela os limpa com o dorso da mão. Fico encantado
com a gargalhada que ela solta quando se vê fazendo alguma coisa
embaraçosa na tela.

Sua total falta de inibição e pretensão acaba comigo. Assim como a


forma distraída com que ela mexe os pés atrás de nós, com as
pernas expostas roçando uma na outra, visivelmente macias e
flexíveis.

Fizzy se vira de novo na minha direção depois de dar uma espiada


rápida no que estou fazendo. “Você não para de me olhar.”

“Porque você não desgruda do champanhe.” Sei que é melhor pegar


leve, mas agora já é tarde demais. “Passa pra cá.”
Ela me entrega a garrafa com um sorrisinho malicioso e ajusta sua
posição, apoiando o queixo sobre as mãos dobradas enquanto vê o
depoimento confessional de Isaac, já perto do fim do programa,
quando ele admite que Fizzy o deixa intimidado, mas que considera
isso bom quando um homem gosta de verdade de uma mulher. “Ele
é um cara legal.”

O fogo volta a queimar dentro do meu peito. “É mesmo.”

Ela olha para mim por cima do ombro. “Uau, você teve que pensar
umas três vezes antes de admitir isso, hein?”

Aponto para a minha garganta. “Era o champanhe. Eu estava


engolindo.”

“Por que será que eu acho essas suas mentiras tão charmosas?”

Ignoro o comentário quando ela se deita de barriga para cima, com


o rosto virado para mim e iluminado pela luz da tela da televisão.
“Quem você acha que vai ganhar?”

“Não tenho a menor ideia.”

“Alguma ideia você deve ter. Já vamos entrar na quarta semana.”

“Acho que o Issac tem grandes chances. A Brenna me disse que a


internet inteira adora o cara.”

“A Brenna te disse? Você não fica on-line nunca?”

“Eu estou sempre on-line. Mas não entro em redes sociais, se é isso
que você está querendo dizer.”

“Isso explica muita coisa.” Ela pega a garrafa da minha mão de


novo.

“Eu dei uma espiada no seu Insta. Tem uma foto dos pezinhos da
Stevie no pedal da bicicleta e outra de um cachorro de, sei lá, quatro
anos atrás. E mais nada.”

Eu dou risada. “Eu não preciso mostrar pra todo mundo o que estou
fazendo vinte e quatro horas por dia.”

“Interessante.” Ela me observa melhor. “Mas, como produtor, você


não precisa saber o que está bombando e o que não está?”

“Nós precisamos de alguém que seja capaz de ver só o programa


em si, isolado de todo esse contexto, pra que o arco narrativo de
encontrar uma alma gêmea pra você continue sendo uma coisa
consistente e verdadeira.” Ela ergue as sobrancelhas como se eu
tivesse acabado de confessar que sou vegano por uma questão de
princípios. “Fizzy, eu não faço isso por altruísmo. Tem outras pessoas
na equipe monitorando a votação. Eu só tenho acesso aos números
finais. A coisa fica um caos até a hora do encerramento, e eu não
gosto de ficar acompanhando isso em tempo real.”

Ela se vira de lado, de frente para mim. “Então você quer que o
Isaac ganhe?”

Não tenho como responder a essa pergunta com sinceridade sem


soar possessivo, ciumento ou paranoico. “Acho que ele é o melhor
entre os participantes que sobraram.”

“Isso não responde à minha pergunta.”

“Que pena, porque essa é a única resposta que você vai ter.”

“Tem alguém que você não queira que seja eliminado?”

“O Jude — supondo que ele sobreviva a esta semana —, e só pelo


fator cômico da coisa.” Bato com o dedo na ponta do nariz dela. “E o
Colby, porque gosto de ver você bravinha.”

“O Jude não tem a menor ideia do que fazer comigo.”


“Querida, nenhum desses pobres coitados tem a menor ideia do que
fazer com você, e isso inclui até o sujeito que já teve uma chance
antes.”

Ela dá risada ao ouvir isso. “Mas você, sim.”

“Claro que sim.” Pego o champanhe e viro tudo até terminar. “Te
aceitar do jeitinho que você é de dia e te comer até acabar com
você de noite.” Limpo a boca com a mão e estendo o braço para pôr
a garrafa vazia em cima da mesinha de cabeceira.

Ao meu lado, Fizzy está em silêncio. É minha vez de olhar bem para
ela; seus olhos estão semicerrados, e a boca, entreaberta. “Que foi?
Eu disse alguma coisa errada?”

“Não.”

Ela parece prestes a me devorar, e eu rio. “Não é possível que eu


seja o primeiro a ter visto quem você realmente é por trás de todas
as piadinhas e discursos fervorosos, Fizzy. Você iria gostar de um
homem capaz de entender que você só quer alguém que seja como
um melhor amigo que te faz rir e gozar com a mesma intensidade.
Sendo bem sincero, não é tão difícil assim.”

Ela se deita de barriga para cima, olhando para o teto.

“Que foi?” Eu me inclino na direção dela. “Eu fui desrespeitoso?

Ofendi as profundezas ocultas do seu ser?”

“Gostar”, ela diz.

“Como?”

Ela vira os olhos na minha direção. “Você disse gostar. ‘Você iria
gostar de um homem’ assim. E não que eu quero, ou preciso, ou até
mereço um homem assim.” Em seguida, volta de novo sua atenção
para o teto e sorri. “Você tem razão. Porra, eu iria gostar muito de
ter um homem assim. Adorei esse jeito de colocar as coisas.”

“Por que você se acha tão complicada, então?”

“Porque todas as outras pessoas acham.”

Eu balanço negativamente a cabeça, me viro de lado e apoio a


cabeça na mão. “Eu não. Para mim, você é um cubo mágico dois por
dois.”

Ela dá risada, se inclinando na minha direção para dar um tapa no


meu peito. “Ei.”

“Um labirinto com uma linha reta até o centro. O problema é que os
homens são muito burros.”

Percebo que ela quer ficar brava, mas o deleite em seus olhos é
evidente. Fizzy estende a mão para afastar os cabelos do meu rosto.

“Cuidado”, ela diz.

“Cuidado com o quê?” Seus lábios macios estão úmidos, seu


pescoço exposto parece estar todo estendido para receber a minha
boca.

Consigo ver o sangue dela pulsando sob seu maxilar e sinto vontade
de colar o rosto ali e me deixar levar pela sensação de acender seu
fogo

com meu toque. “Vai brigar comigo só por ser sincero e dizer que
você é a maior coração mole?”

Ela passa os dedos pela minha têmpora, descendo até o queixo.


“Está tentando me fazer querer você?”

“Acho que o problema é esse”, respondo, ajeitando melhor a cabeça


sobre a mão. “Pelo jeito, não preciso nem tentar.”
Fizzy abre um sorriso. “Porque você é assim tão sexy?”

“Obviamente.”

Ela se vira de lado também, passando o polegar pelo meu lábio


inferior, e nem mesmo diante de um perigo desses eu recuso seu
toque.

Também consigo ver em seus olhos que ela entendeu o que eu quis
dizer com isso. Eu não preciso tentar porque tudo entre nós é fácil e
tranquilo demais. Escancarado demais. Bom demais. A ideia de que
ela possa acabar ficando com um Jude ou até mesmo com um Nick
chega a parecer risível agora.

Mas a ideia de que possa acabar ficando comigo também.

Tentando dissipar da mente a névoa do álcool e do desejo, eu me


afasto do toque dela. Seus olhos entram em foco, e ela pisca
algumas vezes, deixando de olhar para os meus lábios.

“Ô-ou”, ela murmura. “O feitiço se quebrou.”

“Não é isso, é que já está tarde. Com certeza as celebrações do


casamento vão continuar amanhã bem cedo. É melhor eu ir pra
casa.”

Fizzy franze a testa. “Vamos pôr um filme ou alguma coisa assim.

Você estava bebendo.”

“Eu chamo um carro.” Faço menção de me levantar da cama, mas


ela me segura pelo antebraço e não permite.

“Connor. Fica aqui. Eu sei me comportar. Prometo.”

Eu dou risada. “Você não é a única que precisaria se comportar,


querida. Normalmente, tenho mais autocontrole. Mas hoje acho que
não.”
Ela respira fundo e solta um suspiro trêmulo. “Eu me comporto por
nós dois, então. Sei que não podemos dar bobeira.”

“Por centenas de razões”, eu continuo. “O programa é só a mais


óbvia. A segunda, igualmente importante, é que pra você pode ser
só uma transa, mas pra mim precisa ter algo mais. Não quero uma
coisa sem a outra e, infelizmente, o ‘algo mais’ parece fora de
questão.”

“Será mesmo?”, ela pergunta baixinho.

Fico olhando para ela, para sua expressão pensativa, vendo seus
cílios descendo quando seus olhos se fecham, e ela suspira de novo.
“O

que você quer dizer com isso?”, questiono.

“Eu não acho que tenha sido só um redespertar sexual.”

“Ah, não?”

Ela balança a cabeça. “Acho que tenho sentimentos com S maiúsculo


por você.”

O efeito do vinho e do champanhe reverbera dentro do meu crânio,


transformando meus pensamentos em um borrão, deixando meu
sangue mais espesso. Ah, caralho. Caralho, caralho, caralho.

“É mesmo?”, pergunto.

Fizzy assente. “Sabe na praia, quando eu falei que estava me


sentindo reconectada com uma parte de mim que estava me
fazendo falta?”

“Sim…”

“É por sua causa. A pessoa que a heroína escolhe é sempre aquela


que a faz se sentir a melhor versão de si mesma. E eu me sinto
assim com você.”

“Mas isso não implica necessariamente uma relação romântica,


Fizzy”, digo com um nó na garganta. “Eu quero continuar seu amigo
depois que tudo isso acabar.”

“E se eu quiser que você seja o meu melhor amigo? Com quem


também dou uns beijos?”, ela pergunta baixinho.

Talvez o champanhe tenha obliterado minha inibição, mas fora isso


nunca me senti mais sóbrio na vida. De repente, tudo me parece
inevitável. Não consigo me lembrar nem de querer resistir a ela. “É
só pedir.”

Ela baixa os olhos para os meus lábios, e sua boca se torna mais
descontraída e faminta. “Me beija.”

Segurando meu rosto com as mãos, ela me guia suavemente até


colar minha boca na sua em um gesto demorado. Então eu me
afasto.

“Mais”, ela resmunga de um jeito adorável, e seu sorriso se torna


malicioso. “De língua.”

Eu dou risada ao ouvir isso. “Tem certeza de que é uma boa ideia?”

“Não, é uma péssima ideia, mas essa é a minha especialidade.” Fizzy


se espicha para o meu lado e passa os lábios no meu pescoço. “Puta
merda, seu gosto é muito bom.” Seus dentes roçam meus músculos,
e

ela chega mais perto, pressionando o corpo contra o meu. “Eu quero
você o tempo todo, Connor.”

Um fogo se espalha pela minha corrente sanguínea, e uma pressão


se instala na região da minha virilha. Eu me rendo e deixo minha
mão fazer o que quiser — passear por aquela coxa quente cor de
mel, pela curvatura do quadril, sob o elástico do short
inacreditavelmente curto e macio, e pela pele ainda mais macia logo
abaixo. O tipo de sexo que temos a chance de fazer aqui leva minha
imaginação a se perder em meio a um ruído branco.

“Escuta o meu plano”, ela diz, mordendo de leve meu pescoço. “O

que acontece neste quarto fica neste quarto.”

“Acho que já ouvi isso antes.” Minha voz está carregada de desejo.

Meus dedos encontram a curvatura deliciosa da bunda dela.

“Nós começamos com uns beijos”, ela continua, usando a perna para
puxar uma das minhas para mais perto. Ela se esfrega em mim,
prendendo minha coxa entre as suas. “Se estiver gostoso, de
repente podemos tirar a roupa. Se não quiser transar comigo, tudo
bem.”

Recuando um pouco, Fizzy sorri. “Você pode só me chupar e ir pra


casa, e assim todo mundo fica contente.”

Deixo uma risada escapar. Eu não conseguiria resistir a ela nem se


estivesse acorrentado à parede pelos pulsos e tornozelos. Estou
totalmente perdido nas mãos dessa mulher. Então faço a única coisa
que me passa pela cabeça: resolvo ceder, virando meu rosto para ela
e deixando a noite se dissolver entre nós.

Trinta e cinco

FIZZY

Eu costumava achar que o primeiro beijo era o mais poderoso de


todos.

Aquele primeiro contato, com todos os sentidos em alerta, com a


pele suave reativa ao toque. A descoberta dos sons e sabores e
desejos de outra pessoa. A revelação definitiva: tem paixão de
verdade aqui?

Mas eu estava enganada. Primeiros beijos são ótimos, mas os


centésimos e os milésimos são melhores. Existem uma familiaridade
e um conforto, a sensação de saciar uma necessidade, mas sabendo
como provocar e brincar. A pessoa que inventou o beijo é a minha
figura histórica favorita de todos os tempos.

“Eu quero beijar você pelo resto do fim de semana”, resmungo com
a boca colada à dele.

Com uma risada ele sobe em cima de mim, e sua mão desliza pela
minha coxa, me apalpando e acariciando até eu me arquear ao seu
toque, sentindo seus dedos no meu quadril, nas minhas costelas, no
meu peito.

Eu poderia me satisfazer só com os beijos, mas quero todo o resto.

Estar com Connor é como uma inevitabilidade arrebatadora. Tenho


uma necessidade profunda de algo que não seja rápido e
satisfatório, e sim demorado e pleno. Sinto esse mesmo tipo de
entrega nele também.

Está na forma como ele me beija, lenta e profunda, mapeando com


as mãos o meu corpo, por cima das roupas, antes de arrancar uma
peça de cada vez por cima da minha cabeça ou pelas minhas pernas
com uma paciência deliberada.

“Você é tão linda”, ele fala junto à pele sensível logo abaixo da
minha orelha, e então repete baixinho junto ao meu pescoço, ao
meu ombro, aos meus peitos.

Não é uma preliminar apressada. É como se o mundo todo tivesse


sido pausado. Sinto seu corpo sólido e forte sobre o meu e me torno
um aglomerado flexível e lânguido de membros e pele sob sua
atenção.
Seus lábios se detêm nos meus peitos, com a língua e os dentes me

provocando com habilidade, me sugando. Isso me atinge como um


raio: só alguém que me conhece por dentro e por fora pode me
satisfazer e me torturar assim na mesma medida.

Nunca senti tanto desejo de ser de alguém como com Connor. Quero
me alimentar de seus beijos possessivos e intensos. Quero que ele
se lembre de ter beijado cada parte do meu corpo. Quero que as
minhas mãos saibam moldar instintivamente o seu corpo. Quero que
ele saiba pelo calor da minha pele e pelo tom dos meus gemidos
quanto estou perto de chegar lá.

Connor me diz que não consegue parar de pensar em mim, que tudo
o que quer é me tocar. Ele beija meu corpo e se acomoda no meio
das minhas pernas, estendendo a mão e passando o polegar pelos
meus grandes lábios, sentindo a forma dos meus ruídos à medida
que me explora com a língua. Quero poder jogar a cabeça para trás
sentindo os rodopios de sua língua enquanto ele me chupa, com
firmeza e determinação, mas tenho medo de perder qualquer
sensação que seja.

Quando olho para baixo, vejo o topo da sua cabeça, os seus olhos
fechados em êxtase. Agarro os seus cabelos macios com as mãos, e,
quando seu nome escapa da minha boca em um suspiro, ele olha
para cima, ainda com a boca em mim, com os dedos lá dentro,
emitindo sons que fazem minha espinha vibrar. Digo seu nome,
querendo gravar na memória que é Connor quem está me
provocando essa sensação, que deve ser ele a me conduzir ao limiar,
cada vez mais perto, e mais perto, até a queda. Quando estou toda
mole e exaurida, ele me vira e contorna cada curva minha com os
dedos e os dentes, mordendo de leve as minhas pernas, a minha
bunda, subindo pelas minhas costas e me provocando um calafrio.
Com uma lenta esfregada na minha coxa, sinto quanto ele está
duro, com a respiração trêmula contra a minha pele.
Olho por cima do ombro para ele, me sentindo inebriada pelos
beijos.

“Você por acaso tem camisinha?”

“Tenho, sim”, ele sussurra em resposta, com a boca colada nas


minhas costas, e fica de pé. “Na carteira.”

“Por favor, me diz que não estão lá desde o seu divórcio.”

Ele ri. “Só desde hoje de manhã.”

“Quanta confiança.”

“É o ABC da vida”, ele responde, rasgando a embalagem. “Ande


sempre preparado.”

“É o ASP da vida, então.”

Connor solta uma risada distraída. “Não tem muito sangue irrigando
o meu cérebro no momento”, ele comenta, e nós dois ficamos
observando enquanto ele desenrola lentamente o preservativo,
centímetro por centímetro.

“Estou percebendo.”

Ele me puxa para me colocar de pé, se inclinando para me beijar, e


consigo sentir a urgência com que as suas mãos apertam as minhas
costelas e o autocontrole que precisa exercer quando me vira e se
senta em um mesmo movimento, me puxando para o seu colo.

“Quero você no comando.” Connor me puxa para mais perto. “Vai


devagar.”

Mas ir devagar parece uma péssima ideia. Quero empalar a mim


mesma e ter uma morte feliz.
Ele acalma minha impaciência, e não sei como, porque parece tão
ansioso quanto eu, todo vermelho e tenso. Quero ferir suas coxas,
devorá-lo por inteiro. A galáxia dentro de mim se expande depressa
demais, na velocidade do fim do mundo. Sentir Connor — suas mãos
pacientes e trêmulas na minha cintura e sua boca escancarada nos
meus peitos e seu corpo cheio de urgência me preenchendo — me
leva a um transe eufórico. Começo devagar, mas com o tempo o
instinto animal vai tomando conta, escorregadio e selvagem. Está
tão bom que vira um sexo silencioso e ofegante. Que se espalha por
toda a cama, com a cabeça pendendo da beirada, com os lençóis se
soltando nas pontas do colchão. Com gritos na orelha dele, com
beijos misturados com risos quando desaceleramos para conferir
como o outro está. Com movimentos lentos, respirações
sincronizadas, movimentos mínimos e também estocadas pesadas
que fazem a cabeceira da cama tremer.

Quando ele finalmente goza — atrás de mim, debruçado sobre as


minhas costas e me prendendo em uma jaula feita de sua carne
tenra

—, o quarto volta a ficar imóvel depois de uma eternidade. Seu


corpo enorme está ofegante, com os punhos trêmulos sobre o
colchão, ao lado dos meus.

“Puta merda”, ele murmura, com a boca colada às minhas costas.


Sua testa está suada quando ele a apoia entre os meus ombros.
“Puta

merda.”

Meus ouvidos estão zunindo, e minha pele, arrepiada pela


consciência de que assumi uma nova forma. Consigo sentir minha
pulsação no pescoço; meus pensamentos estão perdidos em uma
onda de euforia, prazer e percepção aguda de que o quero perto de
mim a cada segundo a partir de agora. Quero tatuar meu nome na
pele dele e gritar o seu centenas de vezes até me certificar de que
todo mundo ouviu.

Ele se afasta e fica de pé na beirada da cama. Nunca tinha me


sentido assim, fisicamente exaurida e emocionalmente plena ao
mesmo tempo. Desmorono sobre o colchão quente e me deito de
barriga para cima, olhando para o teto.

Connor analisa o cenário ao meu redor. “Essa cama está um


desastre.”

“Vamos arrumar só pra desfazer tudo de novo.”

Ele dá risada. “Acho que preciso de um minutinho.”

“Certo.” Eu cubro meu rosto com o braço. “Mas só um.”

Ele vai descalço até o banheiro. Escuto um farfalhar silencioso. E

depois a torneira ligada.

Me sinto como se estivesse flutuando.

Connor volta e toca de leve com a ponta dos dedos a parte interna
da minha coxa antes de colocar um pano quente e molhado ali,
levando-o até onde estou latejando de prazer e me limpando com
gestos lentos e cuidadosos.

“Está pronta?”, pergunta.

Eu me apoio sobre um cotovelo. “Estou. E você?”

Ele faz que não com a cabeça, mas me beija, me distraindo com o já
familiar roçar dos dentes no meu lábio inferior, e então põe outro
pano molhado, mais frio, no meio das minhas pernas. O choque
térmico traz uma deliciosa sensação de alívio.
“Nós ficamos na cama um bom tempo. Achei que você pudesse
estar dolorida.”

Eu dou um beijo em sua boca, soltando um gemido. “É uma


dorzinha gostosa.”

A luz do banheiro lança um brilho dourado sobre seus braços e


dedos, e a sensação que tenho é a de que ele está me pintando com
a luz das estrelas. É loucura, mas quero ele de novo. É como uma
sensação sufocante de pânico. Estou encantada, impressionada com
tudo o que

ele faz. Quando ele se levanta para levar as toalhas de mão de volta
para o banheiro, eu o agarro pelo braço, tirando tudo da mão dele e
jogando de lado, para longe da nossa vista.

“Não vai embora.”

“Eu só estava…”

“Não importa. Eu não quero que você saia da minha vista.”

Com um sorriso, ele sobe de novo em cima de mim.

“Olha só você”, ele murmura junto ao meu pescoço. “Toda carente.

Quem diria?”

“Geralmente eu não sou assim.”

“Ah, não?”

“O que você fez comigo, Connor Prince III?”

Ele ajeita o corpo ao lado do meu, me puxando para si, passando a


perna por cima do meu quadril. “Só uma fração do que pretendia.”

“Você pensa em mim quando está sozinho?”, pergunto.


Connor confirma com um gemido grave e rouco. “O tempo todo.”

“Eu também.”

Ele se afasta um pouco, sorrindo para mim. “Ah, é?”

“Claro que sim”, admito, e ele prende uma mecha dos meus cabelos
bagunçados atrás da minha orelha. “Às vezes são coisas sexy, mas
tem horas que eu só queria a sua companhia. Eu gosto de você.”

“Eu também gosto de você.” Sua mão acaricia a lateral do meu


corpo até a coxa. “Nossa, como você é macia.”

Parece absurdo que eu nunca tivesse vivenciado um elemento tão


básico da intimidade — esse ficar à toa depois do sexo, com beijos e
toques sem pressa, que, de alguma forma, consegue despertar
ainda mais os sentidos e ser ainda mais inebriante —, mas agora
estou percebendo quanto fui babaca por nunca ter permitido
nenhum tipo de conexão pós-coito. Esses beijos mais suaves que
não levam a nada, as palavras ditas com a boca colada à pele,
falando sobre a transa que acabou de acontecer com vulnerabilidade
e sinceridade e leveza.

Alguma coisa se abre dentro de mim, uma porta para um lugar


secreto.

“Foi a melhor transa da minha vida”, digo.

Ele não parece surpreso nem desconfiado. Ele diz apenas “Pra mim
também”, em meio a uma trilha de beijos no meu pescoço.

“Eu quero de novo.”

Ele ri. “Você não tá vendo como estou suado?”

“Humm, sim.” Eu passo as mãos pelos seus ombros. “Vamos tomar


banho juntos.”
Nós nos levantamos, e eu vejo que ele estava certo: a cama está
mesmo um desastre. Connor me leva pela mão até o banheiro,
apesar de ser do lado, e é bom que ele faça isso, porque minhas
pernas estão surpreendentemente bambas. Ele me protege com o
corpo enquanto esperamos a água esquentar, envolvendo minha
cintura com os braços.

Ele é como um planeta atrás de mim, um sol.

Debaixo do chuveiro, trocamos beijos molhados e carícias


espumadas, e não demora muito para ele ficar inquieto também. Ele
deixa marcas de pés molhados no piso do banheiro quando vai
correndo buscar a segunda camisinha. Fico impressionada com a
confiança desse homem, que resolveu vir prevenido para cá hoje.

Desta vez estou com a parede fria do boxe às minhas costas e a


pele quente dele à minha frente. Tudo começa lento e cuidadoso e
depois se torna frenético, com seus dedos encravados na minha
coxa deixando marcas e estocadas tão fortes que sufocam qualquer
outra sensação que eu pudesse ter. Não respondo por mim se
precisar sair deste quarto e agir normalmente depois disso. Não sei
como vou fingir que não sinto um desejo febril por ele toda vez que
nos encontrarmos.

Faço ele gozar na cama, com as minhas mãos e a minha boca, os


dedos dele no meio dos meus cabelos bagunçados e molhados.
Connor solta palavras roucas e sujas que reverberam pela parede
enquanto ele goza. Em seguida há um longa e silenciosa pausa, com
o meu rosto encostado em seu abdome e o seu coração disparado
sacudindo todo o seu tronco.

“Sou louca por você”, digo.

A voz dele sai como uma vibração grave que ressoa por todo o
corpo.

“Eu perdi totalmente o juízo.”


“Vou querer você amanhã, e no dia seguinte também, e literalmente
todos os dias depois disso.”

Connor fica em silêncio por tanto tempo que chego a achar que ele
cochilou, mas então sua voz se eleva na escuridão.

“Nós vamos conseguir fingir?”, ele pergunta, por fim. “Estou deitado
aqui me perguntando se vamos conseguir fazer as duas coisas, isto
aqui e aquilo lá.”

“Eu prometo a melhor atuação da minha vida, e fui o sol na peça de


teatro do quinto ano, então posso garantir que sou boa.”

Aos risos, ele se apoia sobre o cotovelo, olhando para mim inebriado
de prazer. “O sol?”

“Eu só fiquei lá parada.” Dou um beijo em seu umbigo. “Você me


conhece. Pode acreditar em mim, tive que me segurar com todas as
forças pra não entrar na dança da órbita.”

Ele sorri, mas não com o divertimento que eu esperava. “Vou ter que
esconder o meu ciúme.”

Ah.

“Eu não vou me apaixonar por nenhum deles, Connor.”

Ele me puxa para junto dele na cama. Nossos corações batem em


sincronia, acalmando-se. “E se for preciso, para o programa não
virar um fiasco? É com isso que eu me preocupo o tempo todo. Sua
química com Isaac. Eu deveria incentivar isso. Essa coisa entre nós
dois parece uma péssima ideia, mas eu te quero demais. Não
consigo dizer não pra você.”

“Vamos pensar em um dia de cada vez, certo?”


Eu nunca senti isso antes. É uma declaração bem simples, mas que
neste momento só consigo fazer para mim mesma. Todas as
mentiras que falei sobre levar tudo numa boa, sobre ser capaz de
me concentrar só no programa, viraram pó. Tem um universo se
expandindo dentro do meu peito, estrelas e planetas e todos os
tipos de detritos perigosos que podem acabar me destruindo. Estou
sendo consumida por uma necessidade, um desejo agudo, um
desespero por isso tudo que já tenho nas mãos. E sei bem o que é,
apesar de nunca ter sentido antes.

Eu estou me apaixonando.

Trinta e seis

FIZZY

Estou me apaixonando, mas também estou caindo no sono, no calor


de seus braços, com a rigidez de seu corpo de alguma maneira
formando um colchão perfeito. Acordamos com um sobressalto
quando alguém que bebeu bem mais do que deveria bate em uma
porta do outro lado do corredor.

Me sentindo quente demais, me desencosto do corpo de Connor e


deslizo para os lençóis frios e desarrumados. Ele solta um grunhido,
se vira para pegar uma garrafa de água e me oferece um pouco
antes de dar um longo gole.

“Que horas são?”, eu pergunto.

“Umas três.”

Dormimos menos de vinte minutos, mas parece que foram horas, de


tão profundo que foi o sono.

“Será que alguém reparou que nós sumimos?”, questiono.

“Com certeza.”
“Vão me encher de perguntas no brunch de amanhã.”

“Principalmente sua irmã”, ele diz, e dou risada. Connor se vira para
pôr a garrafa de volta na mesinha de cabeceira e aproveito a
oportunidade para acariciar suas costas, mapeando sua larga
extensão.

Ele se volta para mim, e, de bom grado, passo as mãos também


pela parte da frente do seu corpo. “A resposta é bem simples, né?”,
ele diz.

“Nós viemos ver o episódio da semana juntos.”

“Humm, eu sei que você está falando alguma coisa”, respondo,


traçando o contorno das suas costelas, “mas só consigo ver você
pelado.”

Ele põe o dedo sob o meu queixo, inclinando meu rosto para me
obrigar a olhá-lo nos olhos. “Eu ia perguntar como foi o casamento
pra você, mas acabamos nos distraindo.”

Meu primeiro instinto é desviar o olhar e fazer uma piadinha sobre


encontrar alegria arruinando as expectativas da família, mas um
novo

instinto, mais forte, me leva a ser sincera com ele. “Não foi tão difícil
quanto o da Alice”, admito. “No casamento dela, ficou todo mundo
com pena de mim, o que me pegou totalmente de surpresa, porque
eu estava lá para comemorar e só o que recebi foram olhares de
preocupação e pena porque a irmã mais nova estava se casando
primeiro. Pelo menos ontem o fato de eu ser solteira foi tratado mais
como um meme do que como uma fofoca.”

Ele observa minha expressão por alguns instantes silenciosos antes


de fazer um “Humm” baixinho.
“Pode ser que eu me case, pode ser que não”, digo a ele. “Isso não
deveria fazer diferença para a vida de ninguém. Mas eu sei que não
é assim tão simples. Os meus pais se preocupam porque me amam.

Querem que eu me case porque eles têm um casamento feliz;


querem que eu tenha filhos porque adoraram ter os deles. Apesar de
me incomodar, no fundo eu sei que minha mãe vive falando sobre eu
escrever um ‘livro de verdade’ porque me considera a melhor
escritora do mundo e sabe que os livros de romance são vistos com
preconceito pelas pessoas. Ela não quer me ver em uma posição em
que não sou valorizada pelo que faço. Não é porque ela não valoriza
meu talento, e sim porque entende que a ficção literária é a forma
mais ambiciosa de mostrar do que sou capaz.”

“Sei lá”, Connor diz baixinho. “Pra mim parece bem difícil escrever
um livro envolvente quando a pessoa já sabe como vai terminar.”

Ele é perfeito, penso. Perfeito. Preciso mudar de assunto ou vou


acabar montando em cima dele de novo, e acho que não tinha mais
de duas camisinhas naquela carteira.

“E o seu pai?”, pergunto. “Agora ele já deve saber a respeito do


programa, não?”

“Ele conversou com a Stevie. Ela contou.”

“E então? Ele ficou impressionado por ter um filho que está sendo
stalkeado nas redes sociais?”

“Não exatamente.” Ele pega uma mecha dos meus cabelos e começa
a enrolar distraidamente no dedo. “Sua mãe pode não entender a
relevância dos livros de romance, mas tem orgulho de você. A
preocupação dela é por amor, com uma boa intenção por trás. O

problema é que eu não sou o que o meu pai quer que eu seja.”

“Isso não pode ser verdade.”


“Eu pensei que fosse uma coisa mais profunda, uma questão não
resolvida dentro dele, mas, na verdade, pra ser bem sincero, acho
que ele é só uma pessoa de merda mesmo.” Ele franze a testa, eu
abaixo sua cabeça e a beijo até dissipar sua tensão. Só de pensar
que alguém é capaz de olhar para ele e não ver todas essas
qualidades maravilhosas sinto as minhas entranhas ferverem. “Mas
eu tenho a Natalia e a Stevie”, ele diz com um sorriso. “Isso dá e
sobra.”

“Como foi o seu casamento?”

“Com a Natalia?”

“Hã… sim?”, eu digo com um sorriso. “A não ser que você tenha
outra mulher escondida no sótão.”

Ele ri. “Foi no fórum. Tudo bem simples.”

“Quantos anos vocês tinham?”

“Quando nos casamos? Vinte e dois.”

“Ah. Eram bebês.

“Pois é. E com um bebê.” Ele sorri para mim. “Ela tava grávida.”

“Ah.”

Connor balança a cabeça, deitando-se de barriga para cima e


apoiando a cabeça sobre um dos braços. Um bíceps aparece, e finjo
que não estou morrendo de vontade de tocá-lo, porque estamos
tendo uma conversa séria. “Nós éramos bons amigos fazia alguns
anos, mas namorados mesmo fazia só uns seis meses. Acho que eu
até sabia que não combinávamos muito em termos românticos, mas
nossa relação era divertida e descomplicada. Eu sabia que ela era a
fim de mim praticamente desde que nos conhecemos. Pensando
bem, acho que eu tinha medo de cagar toda a dinâmica do nosso
grupo de amigos se terminasse com ela.”

“Que situação.”

“Então ela descobriu que estava grávida e resolveu ter a criança — o


que, aliás, era uma escolha dela, eu jamais questionaria a decisão
que a Nat achasse que era a melhor pra ela. Mas, como meu pai foi
um cara ausente e” — ele suspira — “um tremendo filho da puta,
pra dizer a verdade, eu quis fazer a coisa certa e pedi a Nat em
casamento.”

“Ah”, eu digo.

Ele se vira de lado e começa a mexer nos meus cabelos de novo.

“Pois é.” Sinto que é uma história que ele não costuma contar com
muita frequência, porque está escolhendo as palavras com mais
cuidado

do que o habitual. “No começo foi bom. A Stevie foi uma bebê bem
tranquila. Eu amava a família que a Nat e eu tínhamos construído
juntos. Sabia que nós seríamos bons pais.”

Faço um ruído de compreensão.

“Mas eu não era apaixonado por ela de verdade, e foi ficando cada
vez mais difícil fingir que era. Ter que decidir se era melhor ficar ou
ir embora e correr o risco de cometer os mesmos erros do meu pai
foi uma coisa que me deixou doente. Eu nunca quis que a Stevie se
sentisse como eu me senti.”

“Entendi.”

“Bem que eu queria dizer que conversamos sobre tudo isso”, ele
continua, “mas não foi bem assim. Eu amava a Nat, mas não era
apaixonado por ela e, olhando pra trás, percebo que só estava
procurando uma forma de fazer ela parar de me amar. Eu era
imaturo e um tanto distante.”

Quando ele diz isso, acho que entendo. Mas o calor de seu corpo e a
sensação de seus dedos passeando pelo meu ombro fazem parecer
que suas próximas palavras foram ditas com uma espécie de tinta
invisível.

“Eu traí ela.”

Ele deixa essa frase pairando no ar, e meu corpo reage a essa
informação como se fosse um veneno, primeiro com um ardor na
pele e depois com uma queimação que se instala dentro de mim
como uma úlcera.

“Nada justifica o que eu fiz.” Sinto seu olhar sobre o meu rosto, mas
não consigo retribuí-lo e me concentro na pequena cicatriz que ele
tem no ombro. Meu coração está tão apertado que mal consigo
engolir.

Estou toda travada por dentro. “Nós brigamos quando eu estava no


trabalho e simplesmente… não voltei pra casa. Saí, conheci uma
mulher em um bar… enfim, é aquela velha história. Eu sabia que, se
passasse a noite toda fora, não teria como me justificar na manhã
seguinte. Fiquei sentado no carro até amanhecer. A Nat soube assim
que bateu os olhos em mim. E, sim”, ele complementa baixinho,
“esse foi o fim.”

Ainda não consigo recuperar a voz. Balanço a cabeça me sentindo


entorpecida.

“Talvez tivesse acontecido de qualquer jeito, em algum momento.

Não dá pra saber. Foi a pior coisa que eu fiz na vida”, ele continua.

“Precisei me esforçar pra aprender a ser uma pessoa melhor. Fui


fazer
terapia. A Nat me perdoou, mas levou um bom tempo.” O ombro
para o qual estou olhando se encolhe. “Acho que é por isso que não
tolero mais envolvimentos casuais. Tipo, eu não me lembro nem do
nome ou do rosto daquela mulher. Que coisa mais podre.” Ele solta
um suspiro.

“Esse sentimento nunca saiu de mim.”

Eu escuto o que ele está dizendo; consigo escutar até o peso


emocional dessas palavras, o arrependimento e a autorrecriminação
e a sinceridade. Mas a contradição entre a ideia de ele se casar com
Nat para fazer a coisa certa e depois terminar tudo fazendo a coisa
mais cruel possível parece estrangular minha garganta como uma
corda.

De repente eu me sento, então fico de pé e começo a vasculhar


minha bolsa atrás de roupas.

Calcinha, calça de moletom, camiseta. Minhas articulações se


movem por memória muscular, como se estivessem pré-
programadas para encontrar tudo no escuro e me vestir de forma
automática.

Connor se levanta. “Fizzy.”

“Acabei de me dar conta de que ainda deve ter gente lá no bar.” Eu


rio, como quem diz: Dã, como eu sou tonta!

Seu breve silêncio parece profundo como um abismo. “São três


horas da manhã.”

“Eu sei, mas sou a irmã mais velha e fui embora do casamento sem
me despedir da minha família.”

“Você se despediu.”

“Não de todo mundo!”


Ele fica calado, e não consigo nem olhar para a sua cara. Meus
pensamentos são um emaranhado confuso de confiança traída e
medo e raiva e tristeza. Estou me sentindo nauseada e agitada, mas
consigo ver também a maluquice que isso deve estar parecendo. O

estranhamento que meu comportamento deve estar causando nele.

A voz de Connor se mantém firme. “Isso é por causa do que eu


acabei de contar, eu sei. E entendo totalmente por que você está
chateada. Mas preciso que você volte aqui e converse comigo sobre
isso.”

Eu tropeço quando calço o sapato. “Juro pra você que não tem nada
a ver com isso. E sei que deve ter sido superdifícil se abrir desse
jeito.

Me desculpa por fazer isso justo agora, mas preciso ver se ainda tem
alguém lá embaixo pra quem eu talvez precise fazer sala.”

O cartão que abre a porta do quarto está sobre a cômoda, e eu o


pego e enfio no bolso da blusa de moletom que visto.

“Fizzy. Para com isso, por favor.”

Respiro fundo para encará-lo. Connor está sentado, coberto até a


cintura com um lençol. Seu cabelo está um desastre, mas o brilho
nos olhos é perceptível mesmo no quarto quase às escuras. Ele está
devastadoramente lindo. E acho que estou apaixonada. Mas também
acho que, se alguém consegue se convencer a trair uma vez, pode
muito bem fazer isso de novo. Ou você é do tipo que trai ou não é.

“Fizzy. Volta aqui.”

“Não posso.”

“Fala comigo sobre o que você está pensando. Eu era um moleque


idiota. Não sou mais aquela pessoa.”
“Tudo bem. Não é essa a questão.”

“É, sim. E tudo bem. Eu também não aprovo o que fiz, mas quero
poder assumir minhas cagadas pra você e que você se sinta à
vontade pra fazer a mesma coisa. Quero que a gente possa ter esse
tipo de conversa.”

Eu desvio os olhos para o papel de parede horroroso com estampa


de bambu, mas sinto como se não estivesse mais no quarto com ele.

Estou em um restaurante lotado com a mulher de Rob olhando feio


para mim. Estou notando a confusão do meu acompanhante naquela
noite enquanto monta as peças do quebra-cabeça do outro lado da
mesa. Estou de volta à minha casa, sozinha, arrasada por descobrir
que sou o pior tipo de pessoa: uma destruidora de lares.

Antes de Rob, eu me considerava invencível. Achava que sempre


seria autossuficiente, que homem nenhum seria capaz de abalar
minha autoestima. E então a situação com Rob me fez questionar
tudo.

Prometi a mim mesma que jamais me sentiria assim novamente.

E agora vejo que Rob deixou só uma ferida superficial. Connor seria
capaz de me aniquilar por dentro, e sem nem ao menos precisar de
algo tão drástico como uma traição.

Eu olho para ele. “Quer que eu seja bem sincera?”

Ele assente com a cabeça em um gesto firme. “Sempre.”

“Então tá”, eu digo, cerrando os dentes e falando a primeira mentira


que me vem à mente. “Acho que estamos os dois inebriados pelo
sexo e

pela bebida, e acabamos indo longe demais. Eu não sei onde estava
com a cabeça. Nós mal nos conhecemos.”
Connor solta um suspiro de incredulidade. “Nós nos conhecemos,
sim.

Esse foi o nosso foco principal durante meses.”

As palavras saem da minha boca antes de que eu me dê conta:

“Então me enganei a seu respeito. Você não é o homem que eu


pensava que fosse”.

Ele não responde nada, e eu viro as costas e vou embora.

Trinta e sete

CONNOR

Fico olhando para a porta, esperando ouvir o som do cartão


acionando a fechadura e Fizzy voltando com a cabeça mais fria para
conversar e resolver as coisas. Mas o hotel está tão silencioso que os
únicos sons que escuto são do elevador apitando no corredor e o
som mecânico da descida.

Que porra foi essa que acabou de acontecer?

Desabo de novo na cama, olhando para o teto. Sei que Fizzy pode
ser muita coisa — impulsiva, corajosa, confiante, assertiva, intensa
—, mas não sabia que também era evasiva dessa maneira. Ela é a
heroína romântica que enfrenta o perigo de peito aberto. Não é a
mulher que dá desculpinhas esfarrapadas antes de escapulir porta
afora. Agora estou sozinho e totalmente despido em uma cama toda
bagunçada pelo sexo, ainda ouvindo o eco do que fizemos entre
essas quatro paredes.

Eu me sento e afasto os lençóis. O lembrete da época de terapia


ressoa na minha mente: Você não precisa resolver isso neste exato
momento, mas precisa resolver, sim. Vou estender a Felicity Chen
essa mesma cortesia. Ela não precisa se resolver comigo agora, mas
em algum momento vamos ter que encarar essa questão.

Com uma paciência deliberada, tomo outro banho e me visto. Na


medida do possível, deixo o quarto arrumado, ignorando as imagens
que surgem na minha cabeça enquanto estico os lençóis — seu
pescoço comprido quando ela joga a cabeça para trás e solta um
gemido —, enquanto penduro as toalhas — a água escorrendo de
seus lábios quando ela olha para o espaço entre nós enquanto
transamos no chuveiro —, enquanto jogo a garrafa de champanhe
na lixeira de material reciclável — a visão de seus lábios passando
por toda a extensão do meu pau.

E então me sento na cadeira junto à janela e conto lentamente até


cem, e depois de volta até um. Durante todo esse tempo, imagino
que ela esteja voltando.

Deve estar chegando aqui — agora mesmo.

Ou talvez agora. Ela vai entrar, eu vou deixar de lado essa raiva e
vamos esclarecer tudo, tim-tim por tim-tim.

Mas quando saio, pouco depois das quatro da manhã, os corredores


estão vazios; o bar lá embaixo está previsivelmente apagado e
silencioso. Não tenho ideia de onde ela possa estar, mas não vou
procurá-la, mandar mensagem nem ligar. Foda-se. O sonolento
manobrista pega meu canhoto e traz meu carro. Que situação de
merda.

Trinta e oito

FIZZY

“Quero que você me conte tudo de novo”, Jess me pede, segurando


a caneca de chá quente e enfiando os pés sob o cobertor. “Preciso
que você escute a loucura do que está dizendo.”
“Eu admito que tenho sentimentos por ele”, repito roboticamente,
andando de um lado para o outro pela sala. “Nós fizemos o melhor
sexo da minha vida. Durante horas. Duas vezes. Depois ele me
contou que seu casamento acabou porque traiu a mulher. Então eu
caí fora.”

“Certo, mais especificamente a próxima parte.”

“A parte em que eu fiquei sentada no chão do salão de eventos


vazio do hotel por uma hora?”

Ela assente e então leva o chá até os lábios para dar um gole,
deixando minhas palavras ricochetearem no silêncio da sala de estar.
Foi isso mesmo que fiz. Deixei Connor nu na minha cama no hotel
enquanto desci correndo e me escondi no salão às escuras por uma
hora, com os pensamentos girando a mil.

Mandei um bat-sinal-de-melhores-amigas às cinco da manhã,


pedindo para Jess vir me ver assim que voltasse da Costa Rica e eu
retornasse do brunch do domingo. Mas, por causa da quantidade de
coisas que era preciso guardar nos carros, da quantidade de
prestadores de serviços a pagar, além da quantidade de parentes
precisando de carona para o aeroporto, agora já são quase dez da
noite. Estou me sentindo nauseada e em pânico, mas não sei se é
arrependimento, resignação ou exaustão pela falta de sono.

“Ele tentou resolver as coisas conversando com você”, ela diz em


meio à névoa que sai da caneca.

Não preciso que ela me lembre disso. Cada segundo lamentável e


dramático da minha reação desproporcional está gravado na minha
mente como uma tatuagem horrorosa feita em uma bebedeira.

Chego até a extremidade da minha sala de estar e começo a andar


na outra direção pela milésima vez. “Eu sei que sim. E sei que tudo
isso
aconteceu oito anos atrás, e que ele ficou magoado, e que está mais
velho e mais maduro, mas ter decidido não só acabar com o
casamento, mas implodir a relação desse jeito…”

“Fizzy, todo mundo faz bobagem quando é jovem. Vamos fazer um


paralelo aqui: eu engravidei por transar sem proteção com o Alec no
banheiro de uma festa. O Connor pisou na bola, mas depois
compensou a cagada. Foi fazer terapia; se mudou pra cá pra
continuar presente na vida delas. A Juno mal e mal vê o Alec uma
vez por ano.”

Uma sensação dolorosa me atravessa, paro de andar e me viro para


ela com uma careta. “Puta merda. Eu sei. Como eu sou idiota... Fui
querer falar disso logo com você.”

“Não, qual é, eu sou a pessoa certa pra falar sobre isso. Ser
magoada, se sentir traída? Isso provoca reações estranhas em nós.
Sei que esse é o seu gatilho e que não é culpa sua ter reagido
assim.”

Eu volto a andar de um lado para o outro, dando meia-volta na


ponta da sala, sentindo seu olhar sobre mim.

“Mas nós precisamos acreditar que as pessoas que fazem parte da


nossa vida são conscientes e responsáveis”, ela continua. “O fato de
ele ter contado e de ter se esforçado pra ser alguém melhor… A
maioria dos homens não tem essa maturidade aos trinta e três anos,
vamos ser sinceras.”

Solto um grunhido, me virando para andar na direção oposta de


novo. “Eu sei.”

“Se você fosse quem era aos vinte e quatro, estaria saindo com um
cara diferente a cada semana e não teria o menor interesse em
encontrar uma alma gêmea — nem em um programa de tevê, nem
na vida real.”
“Nem toda semana.”

“Agora para de andar de um lado pro outro e me conta o que


aconteceu depois.”

Eu detenho o passo de forma abrupta, desabando na outra ponta do


sofá. “Quando me acalmei, disse pra mim mesma que, se ele
estivesse no quarto quando eu subisse, ia me desculpar e
conversar.”

Ela se ajeita no assento. “E?”

“Ele não estava mais lá.” Jess murcha. “Foi embora antes de eu
voltar.

E talvez tenha sido melhor assim”, eu explico, “porque a outra parte


do trato que fiz comigo mesma dizia que, se o Connor não estivesse
lá me

esperando, seria um sinal de que ele não é o cara certo pra mim e
que era melhor seguir em frente.”

“Você não acredita em sinais.”

“Acredito, sim.”

“Lembra quando tinha um gato preto sentado no capô do seu carro


quando você tava saindo do Twiggs e, uns dois segundos depois de
pôr o bicho pra dentro, você leu aquela resenha horrorosa no New
York Times?”

“Eu realmente não estou gostando do rumo dessa conversa.”

“Depois de levar o gato pra casa, você me ligou pra reclamar, toda
chocada e indignada porque aquele arauto da desgraça ainda
destruiu suas cortinas em, tipo, meia hora?”
“Acho que…”, começo a dizer, levantando um dedo como se estivesse
auferindo a direção do vento. “Sim, acho que está na hora de
encontrar uma nova melhor amiga.”

Ela ri. “E será que eu posso perguntar sobre o Isaac? Você disse que
talvez ali tivesse um futuro.”

“Você sabe que triângulo amoroso não é a minha!” Eu olho para o


teto. “Parece até que não me conhece.”

Ela se estende para o meu lado do sofá e me puxa para junto de si.

“O Connor fez uma bobagem aos vinte e poucos anos. Você deveria
entender isso melhor do que ninguém, Fizzy.”

Jess não diz isso como uma provocação. É um reconhecimento das


minhas cicatrizes de guerra, das minhas medalhas de honra ao
mérito pelas minhas aventuras, do meu repertório de vivências
sexuais. E eu relembrei tudo isso também, quando estava lá,
sentada no escuro.

Primeiro fiquei indignada e em pânico porque o cara por quem eu


sentia tanto afeto e tesão revelou sua infidelidade. Mas então meu
sangue esfriou e as outras coisas que ele disse começaram a ecoar
mais alto.

Que aquela foi a pior coisa que fez na vida. Que se esforçou para ser
uma pessoa melhor, fez terapia. Que Nat o perdoou.

Mas, apesar de conseguir enxergar o passado dele sob outra


perspectiva, meu instinto de fugir me deixou insegura, arrependida e
ansiosa. Como as heroínas românticas dos meus livros conseguem
confiar com tanta convicção nas pessoas por quem se apaixonam? É

tudo tão arriscado. Quem tem coragem de mergulhar seu coração


em
um abismo de incerteza, na esperança cega de que alguém vai estar
lá para não deixá-lo se estilhaçar em mil pedaços?

“A questão é a seguinte”, eu digo, apoiada no ombro dela. “Eu


assinei um contrato me comprometendo a não sair com ninguém
durante o programa. E estão me pagando uma bela grana pra isso.
Então não é uma mentirinha qualquer. Se fosse pega com ele, eu
poderia ser acionada na Justiça por quebra de contrato. Tipo, um
litígio judicial sério. Ele poderia ser demitido. Eu não escrevo um
livro há mais de um ano, estou fugindo dos telefonemas da minha
agente como se estivesse me escondendo da máfia e estou
começando a achar que nem esse lance casual de sair com os caras
eu consigo fazer direito. Mas nada disso me importava, porque tudo
o que eu queria era ficar com ele.”

“Humm”, ela faz, escutando.

“Eu nunca senti isso… essa vontade insaciável, sabe? Quero estar
com ele o tempo todo. Se como alguma coisa gostosa, quero
oferecer um pedaço pra ele. Se vejo alguma coisa bonita, quero
mostrar pra ele.

Se escuto alguma coisa engraçada, imediatamente quero ligar pra


ele e contar tudo.”

“Ah, querida.”

“Mas se eu saísse do programa ou não conseguisse fazer meu papel


direito, isso bagunçaria a vida dele, e a minha também.” Eu engulo
em seco ao chegar à pior parte. “Eu sei de tudo isso, e mesmo assim
não fez a menor diferença.”

“Todo mundo faz loucuras quando se apaixona, Fizz.”

“Sim, mas sabe o que foi que me deixou assustada a ponto de


simplesmente não aguentar ficar naquele quarto?”
“O quê?”

“Saber que, mesmo que por algum milagre tudo dê certo, eu posso
acabar magoada de qualquer jeito.”

Ela solta um suspiro.

“E, se o Connor me magoar, não sei se vou conseguir escrever outra


história de amor algum dia na vida.”

Fico à espera da piada. Uma de nós precisa fazer isso; o clima está
pesado demais.

Acho que você estava falando sério mesmo quando mencionou que
o pau dele é mágico.

Eu levantei a bola, e agora ela só precisa cortar.

Mas Jess diz a última coisa que eu esperava ouvir: “Essa é a maior
prova de que ele é o cara certo pra você, Fizzy”.

Eu pego no sono, e Jess deve ter se retirado discretamente, porque


não é ela se erguendo debaixo da minha cabeça que me acorda, sou
eu caindo do sofá e me esborrachando no chão.

Não me mexo imediatamente porque quero que o sonho que eu


estava tendo se prolongue só mais um pouquinho. Os braços de
Connor estavam bem aqui, me envolvendo no sofá. Eu estava me
sentindo quentinha, contente. Estávamos respirando juntos, sem
fazer nada, só conversando e rindo e desfrutando de um silêncio
tranquilo. Enquanto meu corpo desperta lentamente, os vestígios de
uma sensação profunda de conexão e intimidade permanecem até a
névoa do sono se dissipar e eu me dar conta do que estava
acontecendo nesse sonho: Connor e eu morávamos juntos.

Essa é a maior prova de que ele é o cara certo pra você.


Eu nunca quis morar com ninguém. Será que Jess tem razão? Será
que isso resume tudo? Essa sensação de ser compreendida, de ser
amada, de me sentir segura nesses momentos de tranquilidade com
ele? Mas por que esse sentimento de segurança e conexão precisa
ser permeado pelo terror absoluto de me entregar de uma forma tão
absoluta, de deixar meu coração e meu bem-estar nas mãos dele?

Penso em como seria se eu nunca mais pudesse tocá-lo, e uma


pontada aguda atinge meu peito. Suas mãos, seus lábios, seu riso,
seu peso, sua voz grave e melodiosa, seu olhar intenso e — claro —
sua magnífica… presença. Sinto vontade de cravar as unhas na
madeira do piso só de imaginar a ideia de abrir mão disso.

É meia-noite, mas as minhas veias são invadidas por uma sensação


de urgência quando pego o celular na mesinha de centro. Nenhuma
chamada perdida nem mensagens dele. Eu vou em frente para não
ficar pensando muito no que isso pode significar.

Você tá acordado?, escrevo para ele. Espero que sim, porque estou
indo aí.

Não espero por uma resposta. Não paro para pensar. Enfio o celular
na bolsa, os pés nos sapatos e não me dou ao trabalho nem de
trancar a porta.

Diante da casa dele, desço do carro e vejo a varanda e as janelas às


escuras.

Tô aqui, escrevo.

Nada.

Eu ligo, mas a chamada cai na caixa de mensagens depois de vários


toques.

Só então tenho um breve colapso mental. É domingo à noite. Acho


que Stevie está com Nat, porque Connor foi ao casamento comigo,
mas e se ele tiver passado lá para buscá-la hoje? Não quero acordá-
la com o meu lance de heroína-romântica-batendo-à-porta, mas se o
celular dele simplesmente estiver no silencioso posso passar a noite
inteira plantada na frente da casa dele que Connor jamais vai saber
que estive aqui.

Como as pessoas nos livros e nos filmes são capazes de fazer suas
declarações de amor grandiosas no meio da noite quando existe a
possibilidade de haver crianças dormindo em casa?

Olho para o céu, gemendo. A vida real é muito mais difícil!

Não me resta nada a fazer a não ser mandar outra mensagem. Oi.

Sim, eu realmente vim até aqui no meio da noite. Por favor me diz
que você tá acordado.

Finalmente, depois que passo uns bons trinta segundos sem tirar os
olhos da tela do celular, os três pontinhos aparecem. Meu coração
vai parar na boca.

Só vi suas mensagens agora. Tô acordado.

A luz da varanda se acende, e atravesso correndo o jardim até a


casa.

Connor abre a porta e apoia o ombro no batente. Como é que ele


sabe que é tão bom nisso? Ninguém se recosta em uma porta como
ele: sem pressa e com confiança, uma das mãos enfiadas no bolso,
um pé cruzado na frente do outro.

Ele está com os cabelos caídos sobre a testa, do jeito que eu gosto,
uma blusa cinza de gola careca, calça jeans gasta e desbotada e pés
descalços. Mas, acima de tudo, o que importa é ele, o pacote inteiro:
o corpo volumoso e forte, e os olhos gentis, e os lábios cheios, e o
nariz reto. Nossos olhares se encontram, e, apesar de notar uma
certa cautela nele, acho que seria preciso aparecer um caminhão
sem freio invadindo a calçada para me fazer desviar o olhar.

Connor diz um “Oi” baixinho antes de dar um passo para trás e me


deixar entrar.

“Oi”, eu digo quando ele se vira para mim, fechando a porta atrás de
nós. O ar ao nosso redor parece carregado de calor. Sinto vontade
de ficar de joelhos e mostrar minha idolatria por ele. Nunca tinha
sentido tamanha atração ou devoção na vida.

“Que bom que você está acordado”, digo, ofegante — e espero que
seja de emoção, e não por ter subido correndo os oito degraus de
entrada da varanda.

“Desculpa, meu celular estava no silencioso.”

“Tudo bem.” Não consigo recuperar o fôlego. Me curvando para a


frente, ponho as mãos nos joelhos e tento respirar mais fundo.

“Desculpa, acho que estou meio nervosa.” Fico de pé, finalmente me


recompondo. Escrevi cenas como essa mil vezes, mas, uau, é bem
mais assustador quando a protagonista sou eu. “Queria dizer só
duas coisinhas”, aviso.

“Tudo bem.” Ele engole em seco e ergue o queixo. “Vamos nos


sentar.”

Um plano excelente: primeiro um pedido de desculpas, depois uma


declaração e, por último, sexo.

Vou até a sala de estar e me sento no meio do sofá, dando um


tapinha no lugar ao meu lado. Ele fica parado por um momento
antes de se sentar, mas fica claro que está tentando manter o maior
distanciamento possível entre nós.
“Desculpa pelo jeito que eu fui embora”, digo imediatamente. Fico
ainda mais desesperada para tirar esse assunto da frente por causa
da sua linguagem corporal toda tensa. Connor é alto e musculoso,
mas sempre se porta como se fosse bem menor. E eu nunca estive
mais consciente do seu tamanho do que agora.

Bom, agora e quando ele estava em cima de mim com seu


gigantesco…

Foco, Fizzy. “Eu surtei”, digo quando me recomponho. “Você viu,


você entendeu. A infidelidade é uma questão difícil pra mim.”

Só tem um abajur aceso na sala, atrás dele, projetando uma sombra


sobre seu rosto. “Eu sei.”

“Mas eu não devia ter ido embora daquele jeito. Devia ter ficado e
pensado em uma forma de dizer o que queria, que é o seguinte: eu
fiquei me sentindo muito mal pela Natalia. Mas também por essa
mulher desconhecida que nem sabia que estava fazendo parte da

missão camicase de um cara. E que provavelmente achou que tinha


tirado a sorte grande naquela noite.”

“Eu penso bastante sobre ela.”

Meu coração se derrete um pouco. “Eu fui essa mulher um dia, e


isso não só me deixou com o coração partido, mas também me
tornou responsável pelo sofrimento de outra mulher.”

Ele poderia dizer Só para deixar claro, ela não sabia que eu era
casado, mas não faz isso. E, mesmo se for esse o caso, eu até
prefiro que ele nem tente se defender. Connor se limita a ouvir,
absorvendo o que tenho para falar.

“Me desculpa por ter reagido daquele jeito”, eu digo.


Connor assente com a cabeça. “Eu não sou mais aquela pessoa,
Fizzy.

Estou quase uma década mais velho. A infidelidade virou uma


questão delicada pra mim também.”

“Eu sei. E queria não ter fugido daquele jeito. Me desculpa por ter
feito isso depois do que você fez. Depois de ter se aberto comigo.”
Eu respiro fundo. “Passei um bom tempo lá embaixo, pensando.”

Connor se limita a um “Humm”, me incentivando a continuar a falar.

“No início, eu estava em pânico”, eu conto, sentindo minha


ansiedade aumentar por causa do silêncio dele. Em qualquer outra
situação, Connor, sempre paciente e comedido, diria alguma coisa
para amenizar a situação, para facilitar as coisas para mim, mas ele
permanece calado, como se estivesse se preparando para sofrer um
baque. “Mas então processei melhor o que você me disse e me dei
conta de uma coisa. Do que eu sinto por você.”

Ele olha para o chão e fico observando aquele rosto lindo, esperando
alguns instantes para me acalmar. Dizer essas palavras é como
espremer meu corpo inteiro a ponto de poder passá-lo por um
canudo.

E a parte seguinte é algo que nunca falei. “Eu fui volúvel a minha
vida toda”, admito. “Nunca fui capaz de fechar os olhos e me
imaginar vivendo com uma pessoa pra sempre. Pensei que estava
agindo como de costume quando saí daquele quarto no meio da
madrugada, mas…”

“Fizzy…”

“Não, me deixa dizer isso.”

“Eu acho melhor…”


“Prometo que não vou agir assim de novo.”

“Não, a questão não é…”

“Eu me dei conta de uma coisa importante hoje.”

“Fizzy, escuta só…”

Eu sei como esse diálogo seria marcado em uma transcrição. Falas


simultâneas. Palavras se embolando umas nas outras, preenchendo
o ar e nos envolvendo em um ruído quase ininteligível. Eu rio,
ignorando o fato de que ele não quer ouvir o que tenho a dizer.

Então falo logo de uma vez, e em alto e bom som para me fazer
ouvir: “Eu tô apaixonada por você”.

E só um instante depois eu percebo que as minhas palavras saíram


junto com as dele: “Eu não posso continuar com isso”.

O silêncio que se instala é como o de um inverno nuclear. A


imobilidade no ambiente é absoluta. E então o som que ele faz para
limpar a garganta parece ensurdecedor.

“Ai, meu Deus”, digo com uma risada constrangida, mas por dentro
estou me contorcendo de humilhação. “Você acabou de dizer o que
eu estou pensando que disse?”

Seu olhar se suaviza, mas sem deixar de ser firme. “Eu sinto muito.”

“Se é por causa do programa”, eu me apresso em dizer, “nós


podemos voltar pro nosso plano original. Podemos manter tudo em
segredo se for preciso.” O desespero vai tomando cada vez mais
conta de mim diante dessa versão fria e impassível de Connor. “Não
vou deixar que nada atrapalhe se você estiver disposto a tentar.
Lembra o que eu falei no hotel sobre ser louca por você? É verdade.
E tô nessa pra valer. Nós podemos fazer tudo às escondidas. Eu sou
pequena; e sei ser discreta. Na verdade, minha orientadora
vocacional na época do colégio me indicou duas possíveis carreiras:
autora de livros de romance ou agente secreta.”

Espero ver um sorriso, mas não obtenho nenhuma reação. Em vez


disso, ele interrompe o contato visual e se volta para a lareira
apagada.

Com seu perfil agora iluminado pelo abajur, percebo quanto ele
parece cansado. Seu rosto de feições marcantes parece emaciado, e
percebo que é porque não há um sorriso em seus olhos.

O medo faz meu estômago se contrair. É óbvio. Eu acabei com tudo.

A maneira como saí do quarto de hotel, como revelei meu lado


volúvel e impossível… foi exatamente o que eu não poderia ter feito
com Connor.

Eu sabia que ele era uma pessoa cautelosa, que só fazia as coisas
depois de refletir bastante. Ele confiou em mim para revelar algo
que

não deve ter contado para muita gente, e eu destruí a marretadas


essa intimidade conquistada a duras penas.

“Eu estraguei tudo, né?”, digo baixinho. “Ter deixado você falando
sozinho ontem à noite mandou tudo pro espaço.”

Ele solta um suspiro profundo. “Eu falei desde o início”, Connor


responde, olhando para baixo, “que não queria uma coisa que fosse
só sexo.”

“Eu sei.”

Quando ele levanta o rosto para mim, o distanciamento em seu


olhar me provoca um calafrio.
“O que nós tínhamos parecia bem mais profundo do que só sexo,
Felicity, mas ao primeiro sinal de que nem tudo era perfeito você
fugiu.

Passei as últimas vinte e quatro horas sentindo raiva e mágoa, me


achando um tremendo idiota por ter confiado em você. Isso torna
bem difícil acreditar no que você está me dizendo agora.”

O sentimento de derrota não chega como um soco no estômago; é


como uma lenta injeção de água fria nas veias. Não consigo
imaginar qual é a opinião de Connor sobre mim nesse momento —
me pergunto se ele está arrependido de ter feito os heróis do
programa terem aberto seu coração para mim, e ainda mais o seu.
Concordei em participar desse reality show no meio do pior e mais
intenso bloqueio de escrita que já tive, sob a justificativa de que
estava fazendo isso para o público.

E agora estou pedindo para ele namorar comigo em segredo,


colocando seu emprego e sua possibilidade de continuar vivendo
perto da filha em risco, depois de ter fugido de um quarto de hotel
como uma idiota por ele ter confessado que não era um ser humano
perfeito. Era para sermos nós contra o mundo, e eu estraguei tudo.

Nunca na minha vida me senti tão fracassada.

Trinta e nove

CONNOR

Dessa vez, quando Fizzy vai embora, sinto apenas um vazio por
dentro.

Queria me agarrar a essa raiva — depois de passar o dia alternando


entre indignação, mágoa e decepção —, mas, quando vi a expressão
de empolgação desaparecer de seu rosto e a esperança de tirar o
fôlego ser substituída por uma dura compreensão, toda a minha
fúria se foi, e eu só me senti… exaurido. Agora meus pensamentos
são só silêncio, ecoando o som seco da porta se fechando — literal e
metaforicamente.

Eu deveria sentir alívio por tudo ter finalmente acabado e eu poder


me concentrar no que me trouxe até aqui para começo de conversa

meu emprego e minha família. Mas não consigo. Estou me sentindo


um merda.

E ela me disse que está apaixonada por mim.

Blaine é a última pessoa que quero ver na segunda de manhã, mas


ele entra na minha sala bem na hora em que estou recolhendo tudo
o que preciso para ir para o set.

“Estou vendo que você está de saída, mas nós precisamos


conversar”, ele avisa, fechando a porta.

“Os números da audiência chegaram?” A mensagem de texto que


recebi de Brenna mais ou menos às seis da manhã mostrava
números melhores que os da primeira semana, rumo a um novo
recorde.

“Foda-se a audiência”, ele responde. “O que eu quero saber é se vou


ter que lidar com algum escândalo relacionado à sua produção.”

Eu fico imóvel, deixando a chave do carro sobre a mesa. A


possibilidade de que tenham vazado fotos minhas e de Fizzy juntos…

“Do que você está falando?”

“A equipe do Trent e o Smash Course estão sendo detonados nas


redes sociais por causa daquela porra de história de doping.”

Minha primeira reação é de alívio. Então enrugo a testa, me


inclinando para a frente como se tivesse que ficar mais próximo das
palavras dele para conseguir entendê-las. Eu estava tão envolvido
com meu drama com Fizzy no fim de semana que não pensei em
mais nada além dela, e de nós, e d’O Experimento do Amor
Verdadeiro. “Que história de doping? Trent jamais faria uma coisa
dessas.” Porra, o cara trabalhava com documentários sobre
bibliotecas e seriados de baixo orçamento.

“Como assim, que conversa de…?”, Blaine questiona, se


interrompendo no meio da pergunta, incrédulo. “Connor, o cara está
afundado até o pescoço em conversas com o departamento jurídico
há semanas. Essa merda de história está em todo lugar da internet.”

Direciono meu olhar para um ponto mais distante, tentando lembrar.

Trent veio a San Diego para uma reunião com o jurídico. Nem me
passou pela cabeça perguntar o motivo. “Eu ainda não entrei na
internet”, respondo. “Só estou aqui de passagem antes de ir para o
set.”

Blaine me faz um resumo da situação: a gerência de um dos locais


usados pelo programa de Trent exibiu um vídeo em que duas
pessoas da produção do programa davam anabolizantes para um
participante.

“É, isso é foda, uma merda mesmo”, comento. “Mas é um programa


de entretenimento, não são as Olimpíadas.”

“Ah, é? Não são as Olimpíadas? É isso o que vamos dizer para os


executivos da SuperHuman e da Rocket Fuel? Eu vou ligar para os
nossos dois principais patrocinadores e dizer que estamos recebendo
um dinheirão pra promover os suplementos deles durante os
intervalos comerciais, mas dopando os participantes por baixo dos
panos? Tá bom pra você?” Ele não me deixa responder a sua
pergunta retórica, e eu também não diria nada, de qualquer forma.
“Pois bem, ainda tem mais: uma pessoa da produção também
andava trepando com esse participante no banheiro do ônibus da
turnê, então me diga você se isso é um problema qualquer.”
Sinto um frio na barriga. “Minha nossa.”

“Você é a galinha dos ovos de ouro, Conn, mas o programa do Trent


é líder de audiência no horário dele. E você sabe como o público leva
a sério esse tipo de reality show. As pessoas se envolvem e, quando
têm direito a votar, se sentem as donas da porra toda. Com todo
esse poder nas mãos dos espectadores, basta um deslize que a
coisa toda já era.

Nós investimos tudo nesse maldito programa e não podemos perder


público porque a equipe do Trent tá infringindo a lei e transando
com os participantes.”

“Certo.” Eu me recosto na mesa, levando a mão à nuca. “E o que


você quer que eu faça?”

“Quero que você me garanta que a sua produção está em ordem.

Quero ouvir que esses heróis românticos do elenco são cavalheiros


de conduta impecável. E que Fizzy pode se candidatar até à
presidência da República se quiser. Quero ouvir que ninguém da sua
equipe tem mão boba, nem mania de bater punheta à vista de
todos.” O medo pesa no meu estômago como se fosse chumbo.
“Quero uma garantia de que a única coisa que vai acontecer daqui
até o final dessa porra é a Felicity Chen fazer essa porra dessa
viagem a Fiji que vai custar uma puta de uma grana pra nós!”

Com um sentimento pesado de derrota, solto uma risadinha. No fim,


foi bom termos terminado tudo; eu ia ter que fazer isso agora de
qualquer forma. Como eu odeio essa merda toda.

Blaine dá um passo à frente, com uma expressão irada. “Connor? Eu


preciso de uma resposta.”

Eu passo a mão no rosto. “Sim. Está tudo sob controle.”

“Isso é sério, Connor”, ele complementa, recobrando a compostura.


“Você é tudo o que nos resta agora, e, se o seu programa der
errado, nós estamos ferrados. E acho que não preciso nem dizer, né?
Você também vai estar ferrado.”

Quarenta

CONNOR

Ash se inclina sobre a mesa e ajeita meu colarinho. “Você tá


parecendo comigo hoje.”

Olho para baixo para entender do que ele está falando. O suéter que
vesti quando saí do escritório está ao contrário, com a etiqueta
aparecendo na parte da frente do meu pescoço. E as duas mulheres
que me abordaram para pedir uma foto comigo antes de Ash chegar
não fizeram nem a gentileza de me avisar. Tiro o suéter por cima da
cabeça e o visto do lado certo desta vez. “Eu ando meio aéreo.”

“Dá pra imaginar.” Ele fica me observando por um instante. “Não foi
pro set hoje?”

Eu encolho os ombros, remexendo a comida no prato. “Estava indo


quando o Blaine me abordou. Eu só precisava colocar os
pensamentos em ordem. Vou pra lá daqui a pouco. A filmagem
começa lá pelas três.

A Rory e a Brenna têm tudo sob controle.”

“Ah. Você está evitando encontrar com ela.”

Dou uma mordida no meu melão em vez de responder.

“O melhor que você pode fazer é ir pra casa e dormir um pouco.


Você está um trapo.”

Solto um grunhido em resposta, apesar de saber que deveria tratá-lo


melhor. Ash ganhou um dia de folga para um treinamento voltado a
professores que só começa à tarde e, em vez de ficar na cama com
a mulher, veio aqui me encontrar para um brunch, para me ouvir
mais uma vez reclamar que a minha vida está indo por água abaixo.

Eu sei que foi melhor ter rompido minha relação com Fizzy, mas uma
parte de mim meio que torcia para que Ash dissesse o que no fundo
eu também já sei — que era preciso ter pegado mais leve e dado
mais um tempo para ela se preparar para a coisa mais difícil que
poderia ouvir da minha boca. Infelizmente, depois de escutar a
história toda — o drama no hotel, a declaração de Fizzy e a situação
do programa produzido por Trent —, Ash concorda que eu fiz o que
tinha que fazer.

Mas nunca, nenhuma vez na minha vida, eu me senti assim, nunca


estive tão envolvido com uma mulher a ponto de arriscar meu
ganha-pão para ficar com ela. E detestei o que aconteceu ontem à
noite, que agora Fizzy não se abra mais comigo sem entrar em
pânico, que ela sinta que não tem o direito de pisar na bola
também. E, acima de tudo, o que mais me irrita é que nada disso
importa agora, depois do ultimato que recebi de Blaine.

Ash se agacha na cadeira, tentando chamar minha atenção. “Conn.”

“O quê?”, eu digo baixinho, olhando para ele.

“Sabe o que a Fizzy diria neste momento?”

“É o que eu mais gostaria de saber.”

“Que só é bonitinho o herói romântico ficar sofrendo por, tipo, no


máximo uns três quartos do livro.”

Eu caio na risada. “É exatamente isso o que ela diria.”

Ele sorri ao ouvir o elogio. “E você está ignorando o lado bom da


situação, que aliás é bem óbvio.”
“E qual seria?”

“Agora você tem certeza de que está pronto para um novo


relacionamento.”

Solto outra risada, mas desta vez de sarcasmo. Eu entendo o que


ele quer dizer. Conhecer Ella foi a melhor coisa que já aconteceu
com Ash.

“Não dá pra dizer que existem provas disso, Ash. Fizzy e eu tivemos
um lance ocasional que durou só algumas semanas e terminou antes
mesmo de começar.”

“Mas você estava disposto a tentar.”

Levo a colher à boca. “Eu gostei dela apesar de não querer”,


murmuro antes de levar a comida à boca. “Mas é, acho que sim.”

“De repente desta vez você pode usar o DNADuo”, ele sugere,
cortando sua omelete em pedaços simétricos. “O sistema tem muito
mais usuários agora, e parece que as pessoas então encontrando
uns níveis de compatibilidade bem altos. Um match Ouro não é mais
uma raridade

— um professor lá da escola teve dois desses! Ele pode conhecer as


duas e ver com quem se dá melhor. Dá pra imaginar ter uma lista?”
Ash leva um pedaço da comida à boca e me olha com uma
curiosidade indisfarçável. “Eu adoraria conhecer alguém que tem
uma compatibilidade perfeita com você.”

Afasto a imagem de Fizzy dos meus pensamentos e solto um ruído


de concordância sem muita convicção. Alguns meses atrás, eu a
descreveria como uma pessoa tagarela e implacável. Agora não
consigo ver nenhuma das duas coisas como um defeito.

“Além disso, você é famoso agora, Connor.” Ele dá mais uma garfada
e mastiga.
Ainda estou devaneando sobre a tagarelice de Fizzy e sobre como
ela usa isso a seu favor, então demoro alguns segundos para
registrar o que ele está dizendo. “Você tá falando dos depoimentos
confessionais?

Ah, aquilo não é nada.”

“Esse nada é provavelmente o motivo para Blaine querer meter


medo em você.”

Fico imóvel olhando para ele. “Do que você tá falando?”

Ash parece fazer todo um malabarismo mental antes de baixar o


garfo e a faca. Ele leva o guardanapo à boca, batendo de leve nos
lábios. “Você não tá sabendo do que tá rolando na internet?”

“Você tá falando da nossa audiência?” Eu balanço positivamente a


cabeça, porque Brenna me manda os números todas as manhãs.
“Está ótima mesmo.”

“Não, tô falando das suas fãs.”

“Algumas pessoas já me pararam na rua, mas isso acontece com


todo mundo que aparece na tevê.”

“Algumas?”, ele retruca, e eu sigo seu olhar para um grupo de


mulheres sentadas a uma mesa do outro lado do restaurante. Assim
que me veem, elas voltam seu olhar de volta para a comida às
pressas.

“Estou falando de um fã-clube inteiro.”

Eu faço que não com a cabeça. “Não tem nada disso.”

Com uma risadinha condescendente, ele pega o celular,


resmungando consigo mesmo: “Eu falo que o celular não serve só
pra mandar mensagens e ler notícias, mas você me escuta? Não”.
Ash dá alguns toques na tela e a vira para mim. “Em primeiro lugar,
o seu Instagram.

Você tem quase trezentos mil seguidores.”

Eu pisco algumas vezes, confuso. Não posto nada ali há anos.


“Quê?”

Ele solta um suspiro de irritação e mexe mais um pouco no celular


antes de colocá-lo de novo na minha frente sobre a mesa. “Olha aí.”

Começo a rolar a tela, tentando me orientar. “O que é isso aqui?”

“É o Twitter.” O dedo dele aparece no meu campo de visão,


apontando para um monte de letras aglomeradas. “O que essa
hashtag diz?”

“Ela diz…” Demoro um tempo para decifrar as palavras, porque estão


todas coladas umas às outras, sem espaço. “‘Papai Prince O

Experimento do Amor Verdadeiro’?” Eu olho para ele. “Quem é Papai


Prince?”

“Você. É assim que o fandom do Experimento te chama.”

“O… fandom…?” Eu me interrompo, cada vez mais confuso. “Papai


Prince?”

“O Twitter vai à loucura sempre que começam os depoimentos


confessionais.”

“Eu nem apareço tanto na tela. O programa tem homens mais bem-
sucedidos, mais bonitos e, sendo bem sincero, mais agradáveis do
que eu para as pessoas se empolgarem.”

“Isso eu não discuto”, ele diz com um sorriso. “Mas as pessoas estão
elegendo você de qualquer maneira. Pelo jeito, Papai Prince, elas
adoram sua voz grave e seu sotaque sexy, além das suas interações
brincalhonas com a Fizzy.” Ele levanta os olhos ao ouvir meu som de
choque. “Ah, qual é, não precisa ficar horrorizado também. ‘Papai
Prince’ é até bonitinho perto de outras coisas que tem aqui.”
Enquanto Ash continua rolando a tela, seu sorriso se torna uma
testa franzida e ele pergunta em voz alta: “Eu nem imaginava que
‘me engravida’ fosse uma frase tão comum”.

Eu ignoro este último comentário. “Como assim, me elegendo? O

público só pode votar nos participantes, certo?”

“Você não teria como saber porque é um analfabeto em redes


sociais, mas não é bem assim. Pelo jeito como sua equipe
configurou a coisa, se a hashtag do programa é marcada, o
mecanismo de rastreamento considera isso como um voto e soma à
votação. Pode ser uma coisa tipo

‘#PauGigante_OExperimentoDoAmorVerdadeiro’, e o Pau Gigante


ganha um voto.”

Fico olhando para Ash, incrédulo. “Como é que é?”

“Não esquenta com isso. A maioria leva a coisa a sério. Marcam


Colby ou Isaac ou sei lá quem. É uma forma inteligente de fazer a
coisa, na verdade; várias premiações musicais fazem isso. Acho que
até o Oscar começou a fazer, pra determinar qual é o filme favorito
dos

espectadores ou a cena favorita em um filme. É uma ótima maneira


de criar engajamento, porque as hashtags ficam visíveis pra todo
mundo, você pode tuitar — ou seja, votar — quantas vezes quiser, o
que significa que os tuítes e retuítes aparecem no feed de todo
mundo. Não tem dinheiro que pague uma exposição desse tamanho.
Tá tudo aí no aparelhinho no seu bolso se quiser se dignar a
acompanhar.”
Me sinto cada vez mais desnorteado enquanto absorvo o que Ash
está me falando. O público está votando em mim? Blaine pelo jeito
não está tão inteirado das coisas quanto deu a entender, já que, se
ele soubesse alguma coisa sobre isso — ou pior, sobre meu lance
com Fizzy

—, teria mencionado na nossa conversa, certo? De qualquer forma,


eu preciso ser muito, muito cauteloso nas próximas semanas.

“Tem gente escrevendo tudo quanto é tipo de coisas, claro”, Ash


complementa. “Um monte de Sua Mãe e outros negócios aleatórios.

Acho que o Capitão América teve uma bela votação em uma dessas
semanas.”

“Que ótimo”, eu comento em um tom irônico. “Um sistema à prova


de falhas.”

“Existem idiotas em todo lugar”, Ash responde, empurrando o prato


de lado e se inclinando sobre a mesa. “Por enquanto, Isaac é o mais
votado toda semana. Mas você está ganhando terreno.”

Eu me recosto na cadeira, soltando o ar com força e sentindo a


atenção de Ash concentrada em mim enquanto processo todas essas
informações. “Com certeza a Brenna sabe disso. Por que ninguém
me contou?”

“Acho que o pessoal preferiu ignorar essa parte.” Ele pega o copo
d’água e dá um gole. “Afinal, você não tem como ser o vencedor
dessa coisa.”

Essas palavras ficam martelando a minha cabeça.

Afinal, você não tem como ser o vencedor dessa coisa.

Ele tem razão, claro. Não sou um participante. Mas mesmo assim me
bate um pouco de tristeza. Eu não tenho como ser o vencedor.
Acabo preso em um estado mental em que tenho muitas coisas para
pensar e pouco tempo para isso. Poderia passar uma semana inteira
refletindo sobre a sensação de chegar de braço dado com Fizzy ao

casamento do irmão dela, isso sem falar do que aconteceu mais


tarde naquela noite. Mas acrescentando a isso a declaração de Fizzy,
a conversa com Blaine na minha sala e tudo o que Ash me contou
sobre a votação… minha mente virou um borrão.

Mas tudo isso precisa ser deixado de lado, porque tenho um trabalho
a fazer. E, de alguma forma, Fizzy e eu conseguimos manter o
profissionalismo. Depois da somatória dos votos do fim de semana,
restam quatro heróis românticos: Isaac, Nick, Dax e Evan. Não sei se
é um alívio ou uma tortura o fato de estar correndo tudo bem com a
produção e minha presença não ser necessária nos jantares íntimos
de Fizzy com seus heróis, seguidos de longas caminhadas na praia,
de encontros no boliche e da saída para colher maçãs e fazer aulas
de surfe, mas aproveito para manter esse distanciamento, porque
provavelmente é uma coisa de que nós dois precisamos. A única vez
que a vejo na semana é para a gravação de um depoimento
confessional esquisito e forçado. Fora isso, fico entocado na sala de
edição e crio uma narrativa para cada possível casal, ouvindo música
nos fones de ouvido em todos os momentos de folga para me livrar
do eco de Fizzy me dizendo que está apaixonada por mim. Consigo
montar o episódio mais instigante até aqui, a maior audiência da
emissora na semana. Mas, para mim, é uma conquista vazia.

Depois de um muito necessário fim de semana com Stevie, volto ao


set para as gravações do episódio seguinte. Eu esperava que fosse
ser mais fácil ver Fizzy, mas não é. Na segunda-feira ocorre a
eliminação de Dax e Nick, e Fizzy reaparece depois de passar o fim
de semana fazendo sabe-se lá o quê e sabe-se lá com quem. Não
acho que ela tenha ido para a cama com o primeiro que viu na
frente —
principalmente porque acredito nos seus sentimentos por mim, mas
também por causa da proibição contratual —, só que a parte
racional do meu cérebro não consegue falar mais alto quando a vejo
entrar no restaurante para a filmagem da manhã. Fico
extremamente possessivo ao vê-la com um short jeans apertado e
um top branco de tecido fino.

Minha vontade é de sentir seu corpo com as mãos e sua pele com a
boca, imprensada contra uma parede, arrancando dela mais uma
declaração de amor.

Mas eu mantenho minha máscara firme no lugar. Os últimos dois


encontros vão servir para os espectadores elegerem um vencedor, e
hoje à noite Isaac vai jantar com Fizzy e os pais dela. Eu estava com
ela ao lado dos dois uma semana atrás, com o orgulho correndo nas
minhas veias. Agora estou atrás de uma câmera, vendo Liz passar
pó na testa da sra. Chen, vendo o sr. Chen brincar com Rory sobre
seus melhores ângulos e ciente de que os pais de Fizzy vão
conhecer o homem bonito, bem-sucedido e merecedor que
provavelmente vai ser o eleito. Se eu bem conheço Fizzy — e de
verdade sinto que sim —, ela vai se resignar com a minha rejeição e
fazer de tudo para seguir em frente. Vai fazer a viagem com Isaac e
se esforçar para desfrutar o máximo que puder. Quando os dois
estiverem sozinhos em Fiji, será que ela vai se esquecer da sensação
de estar nos meus braços? Será que vai dormir com ele
simplesmente porque ele vai estar lá, ao seu lado? Ou a conexão
dos dois vai se aprofundar e se fortalecer até se tornar maior do que
a que existiu entre nós dois?

As duas alternativas são igualmente detestáveis, mas, para ser


sincero, não consigo imaginar algo mais forte do que isso que existiu
entre nós. Quando vejo Fizzy com esses homens, preciso reprimir o
tempo todo o instinto de mostrar que ela é minha com gestos sutis e
também intensos. E esse instinto está de volta agora, em outra
configuração, mas mesmo assim inegável, enquanto vejo as duas
pessoas que quero que sejam os meus sogros se preparando para
conhecer outro homem.

“Está tudo bem?”, Rory pergunta ao voltar para onde as câmeras


estão posicionadas.

O não já está se formando nos meus lábios quando caio em mim,


piscando várias vezes, com força. “Ah, sim. Tudo ótimo.”

Me levanto da mesa no momento em que Fizzy sai do camarim


improvisado nos fundos da casa e entra na sala de jantar. Seus
cabelos estão presos em dois coques, com algumas mechas soltas
emoldurando seu rosto. Seus olhos estão escurecidos com um
delineador preto, e ela veste uma camiseta cortada e uma calça
jeans rasgada, além de botas pesadas nos pés. Hoje, Fizzy veio
preparada para a batalha. Por uma fração de segundo, em uma
vibração febril, sinto que nunca desejei nada da forma como a
desejo. E essa sensação não vai embora, nem mesmo depois de eu
sair por um bom tempo para tomar um ar fresco.

Quarenta e um

FIZZY

Como o universo é um gato entediado e eu sou apenas um ratinho


indefeso, Connor não está com o habitual terno impecável hoje, e
sim com uma camiseta preta justa e calça jeans. Apesar de ter
colocado toda essa armadura para tentar esconder minha fragilidade
interior, só o que posso fazer é não atravessar a sala e atacá-lo. Eu
mal o vi durante a semana passada e senti tanto a sua falta que
passei o fim de semana inteiro de pijama assistindo aos três
primeiros episódios de O

Experimento do Amor Verdadeiro várias vezes só para ver os


depoimentos confessionais com ele. Agora seus cabelos
despenteados, seus bíceps e seu peitoral marcado pelo contorno da
malha macia da camiseta estão bem diante de mim. Connor exala a
paciência e a tranquilidade que são sua marca registrada enquanto
conversa alguma coisa com Rory e… Ai, minha nossa, olha só pra
ele. Estou apaixonada, e isso dói demais, demais mesmo.

Portanto, cheguei à conclusão de que odeio o amor.

Esbocei a ideia para um livro novo ontem à noite. É basicamente


sobre uma mulher que se apaixona por um homem, mas ela é
encrenca certa, e ele a rejeita, o que a leva a pular de um penhasco.
Só que no fundo do penhasco tem um colchão cheio de travesseiros
— porque o meu lance não é ficção literária nem terror —, e então
ela tenta se sufocar com os travesseiros. Mas não consegue, só fica
rolando na cama sentindo pena de si mesma até o Uber Eats chegar
com seu pedido de donuts da Krispy Kreme.

Esse esboço também foi parar no lixo.

E então tentei dormir, porque esta semana talvez seja a mais


importante das filmagens, mas “dormir” praticamente se resumiu a
ficar deitada de bruços na cama chorando com a cara enterrada no
travesseiro.

Quero ir até ele, puxá-lo de lado e dizer que nunca mais vou fazer
aquilo, que nunca mais vou fugir daquele jeito. Será que ele sabe

quanto admiro esse seu lado cauteloso? Ele é a calmaria da minha


tempestade, a sombra do meu sol intenso, o Styles do meu Harry.

O encontro com Isaac sai às mil maravilhas. Ao menos vendo de


fora, claro. Por dentro, me sinto como uma marionete que só é
capaz de emitir discursos motivacionais. Meu pai faz suas piadas
bobas e incríveis; Isaac fala sobre seu trabalho com pesquisa em IA,
e vejo minha mãe surtando por dentro ao imaginar um trio de netos
superinteligentes. Dou um gole na minha Perrier com limão. O

programa está fazendo merchandising de um monte de coisas,


desde água com gás e protetor solar até lojas de roupas, então
tomo o cuidado de manter o rótulo virado para a câmera. Está
vendo, Connor?

Eu sei jogar em equipe também.

Meus pais falam sobre como foi se mudar de Hong Kong para os
Estados Unidos aos vinte anos e sobre as dificuldades de criar três
filhos com personalidades tão diferentes. Material incrível e
autêntico, perfeito para a televisão. Em meus momentos discretos
de dissociação, consigo ver a coisa à distância e sei que estamos
todos fazendo um ótimo trabalho.

Me sinto satisfeita em fazer pelo menos uma coisa direito, acho —

estou fingindo como uma profissional enquanto ignoro o gigante


gostosão atrás das câmeras. Isaac é maravilhoso e inteligentíssimo

minha mãe está quase apaixonada por ele antes mesmo de servirem
os pratos principais, e meu pai está me lançando aquele olhar como
quem diz E então? Ele é incrível, hein?, o que significa que vai ficar
me perguntando sobre Isaac por vários meses. É exatamente por
isso que nunca apresentei meus pais para nenhum cara antes.
Bastaria um encontro para motivar seis meses de questionamentos
sobre quando eu acho que vai vir o pedido de casamento. Fico com
medo de que eles não tenham entendido ao certo a premissa do
programa — que estamos só encenando um encontro, que não é
uma apresentação formal à família —, mas não posso me preocupar
muito com isso porque já me sinto triste demais e estou dedicando
todas as minhas energias a sobreviver a esta noite.

“Gostei dele”, minha mãe pronuncia diante do microfone ainda


ligado assim que nos levantamos. “É quem você deveria escolher.
Imagina que filhos lindos e inteligentes vocês teriam.” Eu sabia.

Ouço os risos da equipe ao fundo e estendo o braço para remover


cuidadosamente o microfone da gola de sua blusa. “É a audiência
que decide o vencedor, mãe.”

“Mas ele deveria ser seu namorado”, ela continua, sem perceber que
estou me enrolando para desligar o equipamento. “Vocês ficam
muito bem juntos.”

Por instinto, meus olhos se voltam para as câmeras. Connor tira os


fones da cabeça e os põe na cadeira ao seu lado antes de pegar
uma prancheta e anotar alguma coisa com o gesto mais casual do
mundo.

Nenhuma reação, e com certeza nenhum tipo de incômodo. Ele nem


ergue a cabeça como costuma fazer, com o ciúme faiscando nos
olhos.

Agora é só o Connor tranquilão, sem a menor preocupação com a


perspectiva de outro cara virar meu namorado.

Tudo bem. Eu não ligo.

Eu sempre posso me jogar de um penhasco sobre uma cama cheia


de travesseiros.

Dou um abraço nos meus pais, observo quando os levam para o


trailer dos depoimentos confessionais com Connor e me sento para
esperar a minha vez.

Meia hora depois, meus pais vêm se despedir de mim.

“Nós dissemos para o Connor que achamos que você deveria se


casar com o Isaac!”, meu pai murmura em um tom nada discreto e
me dá um beijo no rosto.

Ofereço para eles o melhor sorriso de que sou capaz. “Que ótimo.

Aposto que ele adorou ouvir isso.”


Isaac vai dar seu depoimento, e, sinceramente, eu pagaria uma boa
grana para ser uma mosquinha voando ali dentro. Aposto que o
trailer deve estar parecendo minúsculo com a combinação de dois
corpos volumosos, com a intensidade silenciosa de Connor e o
charme encantador de Isaac.

Ou talvez esteja tudo bem. Talvez não haja frieza nenhuma e Connor
não seja nem um pouco esquisito com Isaac, apesar de uma das
minhas partes preferidas do corpo dele ter estado dentro do meu
corpo há uma semana e quarenta e oito horas e de um observador
casual talvez poder afirmar que estamos sendo dramáticos demais
em relação a nossos sentimentos. Só que, assim como nunca me
apaixonei antes, também não sei como é me desapaixonar. Talvez
aconteça em um

estalar de dedos com algumas pessoas — como um interruptor que


é desligado, um palito de fósforo que se apaga.

Sinto uma movimentação atrás de mim e percebo que a equipe está


começando a recolher o equipamento. Meu coração golpeia meu
peito como uma marreta. A qualquer instante uma das pessoas tão
queridas da equipe de assistentes de produção vai me chamar para
a minha entrevista. Vou recapitular o encontro, falar do que gostei,
do que me pareceu meio estranho — apesar de mal me lembrar e de
ter certeza de que vou falar um monte de coisas monótonas e
confusas, mas não estou nem aí, pelo menos vou estar perto dele.
Essa foi a única coisa que tornou a semana passada minimamente
suportável, apesar de termos feito contato visual por no máximo
cinquenta milésimos de segundo durante os dez minutos de
conversa. Estou sofrendo de abstinência; quero tanto ficar a sós com
Connor que parece que uma planta espinhosa está envolvendo e
comprimindo o meu coração.

É Brenna quem vem falar comigo, com os olhos voltados para a tela
do celular. “Ao que parece, você está liberada!”
Eu balanço negativamente a cabeça. “Ainda não gravei meu
depoimento.”

Ela lê em voz alta a mensagem que recebeu no celular: “Connor está


dizendo que vamos liberar você hoje e conversar sobre os dois
encontros de uma vez amanhã”.

“Espera aí… por que isso?” No meu cronograma está previsto um


depoimento confessional para cada noite da semana.

Ela simplesmente dá de ombros. “Foi o que ele me disse.” Ela lê


mais algumas mensagens. “Parece que ele até já foi embora.”

O sono é um amante volúvel. E o fato de eu ter passado a maior


parte da noite traindo-o com uma neurose chamada Mil Coisas que
Eu Fiz para Foder Tudo também não ajuda muito. Esqueço de
programar o despertador, então foi bom ter dormido com o celular
debaixo do travesseiro (para o caso de Connor me ligar no meio da
noite dizendo que mudou de ideia e que me ama também), e é isso
que começa a vibrar sob a minha cabeça.

É Jess. Eu atendo com o som aleatório que minha boca emite


quando se aproxima do receptor de voz.

“Ora, bom dia”, ela responde.

“Que horas são?”

“Oito e pouco.”

Me sento na cama e olho ao redor do meu quarto todo iluminado.

Nem me dei ao trabalho de fechar a cortina ontem à noite, e o sol


entra pelas janelas como se houvesse alguma coisa para celebrar
aqui.

“Merda.”
“A que horas você precisa estar no set hoje?”

Espremo os olhos voltados para a parede, tentando pensar. “Às dez,


eu acho.”

“Você ainda tem bastante tempo.”

“Eu sei.” Estendo o braço e esfrego o rosto. “O que eu quis dizer foi
Merda, vou precisar passar mais um dia fingindo que tá tudo bem.”

“Você tá esquecendo de uma coisa.”

“O quê?”

Jess fala em um murmúrio eufórico ao telefone: “Quem é que vai te


acompanhar no seu encontro com o Evan?”.

Com um grunhido de alívio, eu me jogo de novo na cama. “Ah, é,


graças a Deus.” Apesar da nuvem negra que anda me seguindo por
toda parte, dou uma risadinha. O encontro com Evan originalmente
seria com o meu irmão e a mulher dele, mas ao analisar o
cronograma nos demos conta de que eles estariam em lua de mel.
Minha irmã era a segunda opção mais óbvia, mas sua orientação
médica passou de

“pegar leve” para não sair mais da cama. Tenho mais ou menos um
zilhão de tias que poderia escolher, mas sinceramente isso
transformaria a coisa toda em um circo e, apesar da raiva que estou
sentindo de mim mesma no momento, eu não me odeio tanto assim.

“O que o River está achando de aparecer na tevê de novo?”

“Está resmungão, mas estoicamente resignado.”

“Minha versão favorita dele.”

Jess dá risada. “Até daqui a pouco. Bora pra cima deles, gata.”
Eu solto um miado patético em resposta.

Obviamente, a primeira coisa que acontece quando saio do ambiente


ensolarado da rua para a elegância à meia-luz do restaurante é dar
de cara com o paredão de músculos chamado Connor Prince III. E
não é

muito diferente de dar de cara com um muro — em termos físicos,


emocionais e espirituais.

Nós fazemos aquela dança constrangedora em que os dois tentam


se esquivar para o mesmo lado antes de seguir cada um em sua
direção: eu para a estação de cabelo e maquiagem nos fundos, e ele
para trás das câmeras que estão sendo montadas para o dia de
filmagens.

O restaurante está em silêncio; sou a primeira a chegar. No salão, só


estão Connor e Rory, debruçados sobre as câmeras. Juro que sou
capaz de ouvir cada murmúrio grave de sua voz, que parece
reverberar pela minha espinha. Liz precisa pedir o tempo todo para
eu levantar o queixo e virar o rosto em sua direção, porque, sem me
dar conta, fico me voltando o tempo todo para a frente do
restaurante, atraída por ele de uma forma inconsciente e dolorosa.

Durante a vida toda, meu ponto de equilíbrio sempre foi quem eu


sou e o que quero ser, mas ultimamente… nessas últimas semanas
parece que não tenho mais uma identidade. Não sou uma escritora,
não sou uma mulher divertida com quem sair, não sou nem uma
melhor amiga pentelha ou uma tia desbocada. E, em meio ao
silêncio da minha mente, é esse quem eu sou de verdade? que grita
mais alto. Uma das minhas coisas favoritas em Connor era que ele
não precisava que eu fosse coisa nenhuma. Podia ser tonta e
escandalosa ou reflexiva e contemplativa que tudo isso era
simplesmente… eu. Ele me disse que eu era mais do que minha
persona brincalhona, sexy e aventureira.

Disse que eu tinha profundidade e várias camadas de sensibilidade.


Parecia que ele tinha um abridor portátil de Fizzy (e não estou
falando do pau dele).

(Mas o pau ajudou também, claro.)

Evan chega de terno e gravata, e é inegável que está bonito. Estou


no meio de um tremendo conflito interno. Por um lado, eu poderia
escolhê-lo para a viagem. Não vai rolar nada entre nós — acho que
os dois sabem disso — e talvez uma viagem com um ex-que-virou-
amigo para Fiji seja do que eu preciso. Mas, por outro, considerando
o sucesso do programa, não quero ser a “corta-barato” do público,
não quero ter que fingir que me apaixonei e me desapaixonei em
seguida.

Mas, se eu escolher Isaac, farei um desserviço para nós dois. Isaac é


exatamente aquele por quem eu esperaria me apaixonar, mas, na
realidade nua e crua, só tenho sentimentos platônicos por ele. E os

dele, será que são realmente românticos? Uma viagem com ele não
significaria dez dias de constrangimento e desconforto? Será que eu
conseguiria aprender a gostar dele?

Solto um grunhido, e Liz me belisca bem de leve, só para me


lembrar de ficar imóvel enquanto ela aplica o delineador.

“O que tá acontecendo?”, ela pergunta, com seu hálito doce e


mentolado bem próximo do meu rosto. “Você parece estressada.”

“E estou.”

“Você tá com medo de que o público não escolha quem você quer?”

Liz nunca me perguntou nada sobre o programa. Eu sempre presumi


que houvesse uma diretriz do tipo não-pergunte-e-não-conte-nada,
mas talvez nem todo mundo seja uma intrometida como eu. Uma
mulher inteligente diria que sim. Uma estúpida — no caso, eu —
responde:
“Acho que não quero nenhum dos dois”.

Ela fica imóvel, e sua voz sai em um sussurro: “De qual você gosta
mais?”.

Resolvo abrir o jogo: “O que tem dois metros de altura e uma


estrutura óssea digna de um deus”.

Ela dá risada, mas não parece nem um pouco surpresa. “Pois é,


vocês dois são uma coisa.”

A princípio não entendo muito bem o que ela quer dizer com isso,
mas fico vermelha de vergonha. Porque então me dou conta. Ela
está se referindo ao que eu também sinto, que a verdadeira história
aqui é a amizade que surgiu entre mim e seu chefe, Connor Prince.
As câmeras não capturaram o mais lindo dos arcos narrativos: como
esse homem enorme vindo de outro país e uma mulher baixinha e
caótica em um primeiro momento entraram em atrito, mas depois
desenvolveram uma admiração mútua que evoluiu para algo muito
parecido com amor. Havia uma história real acontecendo o tempo
todo diante de mim, e eu estraguei tudo.

“Ele anda tão pra baixo”, Liz comenta, interrompendo os meus


pensamentos. “Todo mundo percebeu.”

Estas últimas palavras me trazem de volta para a superfície com


uma atenção redobrada. “Como assim?”

Ela encolhe os ombros, passando uma última pincelada de blush no


alto das minhas bochechas. “Ah, você sabe.” Não posso continuar
insistindo no assunto sem que pareça esquisito demais.

Liz dá um passo para trás, avalia seu trabalho e tira o avental que
protege a minha roupa. “Você está pronta”, ela avisa. Em seguida,
aponta com o queixo na direção de um assistente de produção que
está a postos.
“Vamos lá?”, ele pergunta, apontando para o trailer do lado de fora.
O

pânico se espalha pelas minhas veias. “Rory quer fazer um


depoimento confessional primeiro. Você já pode ir. Connor está lá te
esperando.”

Quarenta e dois

FIZZY

Estive neste trailer mais de uma dezena de vezes nas últimas


semanas, e até hoje era o meu lugar favorito. É pequeno mas
confortável, e equipado com câmeras posicionadas de forma a
garantir a consistência da gravação das entrevistas, não importa
onde seja montado o set do dia. Há dois sofás: um para Connor,
outro para quem ele vai entrevistar.

As cortinas estão fechadas, e a iluminação é suave e projetada para


criar um ambiente privativo e íntimo. Garrafas de água (com rótulos
voltados para as lentes!) e uma caixa de lenços de papel estão
sempre à mão. É aqui que eu expresso minhas impressões sobre
como estão indo as coisas, como estou me sentindo, o que penso
sobre os heróis românticos. Também é o único momento em que o
público pode ver Connor, enquanto conversamos sobre os encontros
da semana. Não sigo as hashtags relacionadas ao programa, porque
não sou masoquista (e, além disso, faz parte de um código de honra
implícito não acompanhar a votação para saber quem está
ganhando), mas Jess me disse mais uma vez outro dia que Juno
contou que Stevie disse que as pessoas estão adorando Connor.
Nossas meninas têm a eficiência de um serviço de entregas
expresso, só que de fofocas.

E eu entendo a mulherada da internet. Quem conseguiria ver um


homem como esse na tevê e não se interessar por ele? Na melhor
das hipóteses, isso serve para mostrar a Blaine que Connor é um
ativo valioso, o que pela primeira vez pode dar a Connor um pouco
de vantagem na negociação com a chefia.

Quando me acomodo no sofá, Connor entra, abaixando a cabeça.


Sua presença faz o espaço parecer diminuto e claustrofóbico.

Ele não diz oi nem olá. Apenas: “Teste seu microfone, por favor”.

Então hoje não vamos ser amiguinhos. Entendi.

Connor vai para o seu assento e alisa a calça social. É necessário um


esforço realmente hercúleo para não me jogar de cabeça em seu
colo.

“Um, dois. Um, dois. Abaixo o patriarcado, viva o romance, que as


mulheres possam amar quem e aquilo que amam.”

Ele faz uma pausa enquanto aguarda a confirmação em seu fone de


ouvido. “Seu som está bom.”

Demora um tempo para nossos olhares se encontrarem e ele


assumir uma expressão mais agradável — mas não muito. “Como
está se sentindo hoje para seu último encontro?”

“Não vai me perguntar sobre ontem à noite?”

Ele faz uma pausa e limpa a garganta. “Ah, sim. Certo. Vamos
começar por aí. Como foi a noite passada para você?”

“Bem difícil”, respondo.

Ele fica à espera de que eu diga algo mais, apreensivo por saber que
eu sou um fio desencapado. Eu deveria começar a tagarelar sobre o
meu encontro de ontem; essa é a minha função, falar. Mas me sinto
vazia por dentro.

Por fim: “Difícil por quê?”.


Sinto vontade de dar risada. Ora, Connor, ontem à noite foi difícil
porque você quase não olhou pra mim, e eu quero que esse
programa seja incrível, pra fazer a sua carreira decolar e você voltar
a se apaixonar por mim. Mas a tristeza é uma dor que estou tendo
que engolir o tempo todo, e isso dificulta um pouco as coisas.

Pego uma garrafa de água, tiro a tampa e dou um gole. Conte até
dez, dê mais um gole e faça a porcaria do seu trabalho, Fizzy.

“Ontem à noite foi difícil porque pode ter sido meu último encontro
com Isaac.”

Pronto. Ali está. Um leve tique no queixo de Connor. “A não ser que
ele vença, e ao que parece seus pais iriam gostar muito disso.” Ele
está falando com um tom de voz caloroso e amigável, se valendo do
sotaque e da simpatia, mas eu o conheço. Estou vendo a tensão em
sua expressão.

A gente realmente se conhece, foi o que ele me disse. Esse foi o


nosso foco principal durante meses.

Tento abrir um sorriso natural. “Sim, meus pais gostaram muito


dele.”

Connor engole em seco. “Nós tivemos uma longa conversa ontem à


noite sobre Isaac ser a pessoa perfeita pra você.”

“É mesmo?”

Connor pega sua água, tentando esconder uma expressão


indecifrável. “Eles já conheciam o Evan, não é?” Fico sinceramente
impressionada — e irritada — por ele ter inserido isso na conversa
tão depressa. Mas na verdade desejo esse ciúme. Quero senti-lo até
os ossos.

“Sim”, eu respondo. “Ele é amigo do meu irmão.”


“E o que acharam dele?”

“Acho que ele não causou uma boa impressão na época. Mas é com
certeza um cara incrível. E um gato.”

“Bom, como produtor do programa e parte da equipe que o escalou


para o elenco, eu encaro isso como um elogio, e agradeço”, Connor
fala sem se alterar, com um brilho nos olhos que me diz que entende
exatamente o que estou fazendo. “Como ‘alguém do passado’, ele
vai participar de um jantar com a Jessica, sua melhor amiga, e o
marido dela, River Peña, que por acaso também é o inventor da
tecnologia do DNADuo.”

“Isso mesmo. E vê se trata de mencionar isso várias vezes. River


adora esse tipo de atenção.”

Connor ri, e seus ombros relaxam. “Você está afiada hoje, pelo que
estou vendo.”

“É a noite do meu último encontro. Não seria uma decepção pra


todo mundo se eu fosse contida e bem-comportada?”

“Todos nós ficaríamos bem decepcionados.” Seu sorriso me esquenta


por dentro até a medula. Será que ele não vê quanto nos damos
bem juntos? “Como está se sentindo antes do início do seu último
encontro?”

“Aliviada.”

“Aliviada por quê?”

“Porque em breve vou poder parar de fingir que quero alguma outra
pessoa que não seja você.”

Connor fica em silêncio, olhando ao redor, para as câmeras voltadas


para nós. “Fizzy… você não pode dizer isso.”
“É só cortar na edição, então.”

Ele se inclina para a frente e desliga discretamente uma câmera,


depois a outra. Nós dois levantamos os braços e desligamos nossos
microfones. Ele tira o retorno do ouvido e solta um longo suspiro.
“Puta merda.”

“Estou sentindo sua falta”, digo quando me certifico de que estamos


realmente a sós. “Queria dizer quanto sinto muito. Sei que falei que
você não é o homem que eu pensava ser, mas foi porque fiquei
assustada.”

“Eu sei.”

“Você é exatamente quem preciso.”

Ele não diz nada, mas a luz bate nos seus cabelos quando ele apoia
o rosto nas mãos.

“Que raiva de tudo isso”, eu digo, respirando fundo. “Que raiva


pensar em ter que ficar com alguém que não seja você. Eu sou
volúvel em tudo, menos nisso, Connor. Me desculpa por ter te
magoado. Eu fui sincera quando falei que…”

“Eu sei.” Seu tom de voz é tranquilo, mas resoluto, e percebo o que
vem pela frente quando ele me olha nos olhos. Ele vai arrumar outra
maneira gentil de me dispensar. Quantas vezes eu vou pedir para
esse homem me rejeitar? “Me desculpa por ter colocado você nessa
posição”, ele diz. “Me desculpa por ter agravado o seu sofrimento.
Me desculpa por obrigar você a fingir que tem interesse nesses
participantes que restaram. Mas você se saiu muito bem nesse
programa, Fizzy. Todos os dias eu me sinto o homem mais
inteligente do mundo por ter escalado você pra isso.” Nós nos
encaramos por um bom tempo. Em silêncio, repito sem parar que o
amo. Estou compensando uma vida inteira sem nunca ter dito essa
frase, e, mesmo que ele não sinta a mesma coisa, é muito bom
poder gritá-la através do meu olhar.
Por fim, ele suspira. “Se você quer saber, tá sendo difícil pra mim
também.”

Um silêncio estranho me toma. Não sei por que ter ouvido ele dizer
isso me ajuda a seguir em frente, mas é isso o que acontece. “Eu
precisava ouvir isso. Você parecia tão tranquilo. Parecia… ter
desencanado de mim.”

“Eu não…” Ele se interrompe. “Não estou nada tranquilo.” Connor


fecha os olhos e engole em seco. “Eu não sou feito de pedra.” Ele
estende a mão, hesitando por um momento antes de ligar a câmera,
como se estivesse pedindo minha permissão, que eu concedo.

“Pode ligar. Desculpa a interrupção. Estou pronta.”

O rosto carrancudo de River quando chega e é abordado por um


pincel de maquiagem e pela bajulação do restante da equipe ajuda a
melhorar o meu humor. Quando Brenna pede um autógrafo na
palma da mão, a risada que solto ao ver a expressão horrorizada
dele ecoa pelo salão, tornando a atmosfera mais leve de alguma
forma. O que você vai fazer com uma mão autografada?, sua
expressão parecia perguntar silenciosamente. Tirar um molde?
Tatuar? Nunca mais lavar? River não parece gostar de nenhuma das
hipóteses, então em vez disso assina seu nome em guardanapos e
porta-copos e cartões de visita para os figurantes e membros da
equipe, enquanto Jess e eu colocamos a conversa em dia, aos
cochichos.

“Nós estávamos no trailer dos depoimentos agora mesmo”, digo no


ouvido dela. “Foi perfeito — só nós dois juntos —, e começamos a
relaxar um pouco, e eu falei que sinto falta dele e que ia detestar
ficar com outra pessoa, e ele admitiu que está sofrendo também!”

Ela solta um suspiro de susto. “Quê?”

“Pois é!” Eu cochicho quase gritando. “Ele falou: ‘Eu não sou feito de
pedra’.”
Jess solta um assobio. “Uau.”

Infelizmente, não temos mais tempo para discutir o que isso


significa, porque Brenna vem nos chamar, levando também Evan e
River para uma mesa no centro do salão, que está com uma
iluminação perfeita.

Que sensação mais estranha: estar empacada em todos os outros


aspectos da vida e ainda assim sentir que existe essa coisa que está
se movendo rápido demais ao meu redor.

Quando encontro o olhar da minha melhor amiga, sinto o nó de


tristeza e arrependimento se aliviar na minha garganta.

Eu tô do seu lado pro que der e vier, seus olhos dizem.

Eu sei, e amo você, os meus respondem.

É sério, os dela dizem, eu tô aqui só pra esse lance do seu jantar,


você tá me devendo uma.

Seu marido é uma figura.

Ela estreita os olhos. Ele reclamou o dia todo.

River reclamando por ter que ir a um evento social? Não acredito!

River limpa a garganta. “Parem com isso.”

“Isso o quê?”, Jess questiona.

“Esse negócio de ficar conversando sem dizer nada”, ele murmura.

Jogo meu guardanapo na direção dele quando, por trás das


câmeras, Connor pigarreia para chamar nossa atenção. “Estamos
gravando.”
Uma parte da conversa é roteirizada e nos obriga a falar sobre a
aparição anterior de River no programa, sobre a GeneticAlly e sobre
a tecnologia envolvida, e a lembrar os espectadores do envolvimento
dele na concepção da coisa toda. Mas então o jantar engrena e vira
uma coisa tranquila, em que esquecemos por alguns momentos que
estamos sendo filmados e contamos histórias do passado que já
devemos ter contado uma centena de vezes antes — e tudo bem;
mesmo não tendo nenhum interesse romântico em Evan, eu gosto
dele. Sei que as câmeras estão captando essa intimidade tranquila
que existe entre nós.

Se pega bem para Evan, Connor vai gostar também.

Mas, nossa, como eu queria que fosse Connor aqui do meu lado.

Quarenta e três

CONNOR

A mensagem de Natalia é simples e direta, mas fico olhando para


cada palavra por uns bons dez segundos.

“Caralho”, eu digo em voz alta no silêncio confinado do meu carro,


estacionado diante da casa dela.

Ela está com a Juno na Fizzy.

No meio da loucura da produção do programa, meus fins de semana


com Stevie se tornaram esporádicos, para dizer o mínimo. Hoje era a
noite perfeita para levá-la para passar um tempo tranquilo e
relaxante comigo em casa. Mas não existe nada de relaxante na
perspectiva de ir até a casa de Fizzy. Sei que provavelmente não é
esse o caso — e que não é justo pensar assim —, só que parece que
minha ex-mulher está me forçando a encontrar Fizzy quando não
tenho certeza de que as minhas barreiras emocionais são fortes o
bastante para suportar a turbulência que mais um tempo a sós com
ela significaria. Hoje foi um dia difícil. O depoimento confessional foi
torturante, e ver aquele jantar de casais com outro cara no lugar
que eu gostaria de ocupar foi ainda pior.

Mas Nat não tinha como saber de nada disso, claro.

Mesmo assim, não desço do carro para dizer um oi para ela, apesar
de saber que seria ótimo desabafar com alguém que sabe tão bem
quanto eu o que está em jogo aqui. Em vez disso, dou meia-volta
com o carro no fim da rua e tomo o caminho da casa florida pintada
de bege e azul a pouco mais de três quilômetros dali. E, quando
paro no meio-fio, me sinto travado de novo, apesar de a minha filha
estar lá dentro.

Inclusive, o que eu mais quero no mundo é pegar Stevie, comprar


uma pizza, construir um forte de travesseiros no sofá e ficar vendo
tevê com ela. Não quero pensar no programa, na mulher que não
sai dos meus pensamentos nem no olhar dela hoje mais cedo,
quando declarou seus sentimentos de novo. Eu cheguei bem perto
de desmoronar. Nunca senti isso antes, meu coração pesado e ao
mesmo tempo flutuando

dentro do peito. Porra, estou tão apaixonado que não consigo nem
respirar direito.

Desço do carro e subo os degraus da frente da casa. Fecho os olhos


diante da porta e respiro profundamente para me acalmar antes de
bater, cumprimentar todo mundo, pegar minha filha e ir para casa.

Proteger meu coração. Proteger Stevie. Seguir em frente.

Depois da minha batida, três vozes gritam alegremente “Pode


entrar!”, eu abro a porta e as encontro no sofá sob uma montanha
de cobertores felpudos.

“Eu poderia ser um bandido”, digo, franzindo a testa.

“Nós vimos sua sombra na varanda pela janela”, Stevie justifica.


Juno balança a cabeça. “Você é mais alto que qualquer um.”

Fizzy faz uma cara de quem diz Erradas elas não estão, mas não
posso entrar nesse jogo. Percebo isso assim que ponho os olhos
nela.

Existe tanto desejo reprimido no meu peito que, se eu falar mais


alguma coisa, vai acabar saindo como um berro. E, se der mais um
passo para dentro desta casa, vou querer arrastá-la para o quarto,
trancar a porta e transar no chão mesmo.

“Pega as suas coisas, querida.” Aponto com o queixo para onde está
a mochila dela no chão, com papéis, lápis de cor e borrachas
coloridas espalhadas por toda parte.

A sala fica em silêncio; toda aquela energia murcha. Que ótimo,


agora eu sou o babaca mal-humorado que estragou a festa.

“Tá tudo bem, pai?”, Stevie pergunta, saindo cautelosamente do


emaranhado de corpos e cobertas. “Você tá bravo com alguém?”

Eu finjo estar tranquilo, mas exausto, passando a mão no rosto.


“Não, malandrinha, só tô cansado.”

“Tem certeza?” Ela fica me olhando. “Você tá com aquela cara que a
Fizzy diz que vai precisar de Botox mais tarde.”

Eu ignoro o comentário e tento me concentrar na tarefa que tenho


em mãos. “Você pega as suas coisas?”

“Porque, se você estiver bravo”, ela continua, “não esquece do que


me disse, que as pessoas não são que nem frutas. Você não sai
procurando outra se aquela que escolheu primeiro não estiver
perfeita.”

Eu já pedi centenas de vezes para essa menina recolher as toalhas


molhadas do chão e parar de usar glitter na minha cama, mas é
disso que ela se lembra?

Juno franze o nariz. “Eu não gosto de banana quando a casca fica
escura e cheia de manchas”, ela comenta.

“Bom, agora estou cansado e com fome”, eu digo, colocando as


mãos nos ombros de Stevie e tentando puxá-la para a porta. “Vamos
lá comer alguma coisa.”

“A Fizzy comprou pizza!”, Stevie exclama, apontando toda animada


para a cozinha. “E sobrou um monte, porque ela sempre pede mais
do que precisa.”

“Esse é um dos meus superpoderes”, confirma Fizzy, e, pela maneira


como está me olhando, sinto que está desejando atrair meu olhar,
mas não posso fazer isso. Não depois do soco no estômago que foi o
depoimento confessional de hoje.

“Não precisa, obrigado.” Eu balanço as chaves no bolso. “Vamos lá,


malandrinha.”

“Connor”, Fizzy diz naquela voz mais grave que parece uma tentativa
de sedução. É um tom familiar e íntimo demais. “Não precisa sair
correndo assim. Tem bastante comida. Vem se sentar um pouco,
você teve um dia cansativo.”

“Obrigado, mas não precisa”, repito.

Juno fica de pé e vai com Stevie até onde ela está, enfiando as
coisas em sua bolsa. Sua vozinha rouca é comicamente incompatível
com um sussurro: “Seu pai é um dos caras que estão saindo com a
minha tia Fizzy no programa?”.

Preciso me segurar para não soltar um grunhido e finjo que não


ouvi.
Com os olhos de Fizzy sobre mim, pego o celular do bolso e abro o
primeiro aplicativo que meu dedo encontra na tela inicial, apenas
para fazer alguma coisa. É a calculadora. Digito alguns números
aleatórios e divido tudo por dois.

“Não.” Minha nossa. A tentativa de sussurro de Stevie também é


péssima. Em qualquer outra situação, Fizzy e eu trocaríamos olhares
e cairíamos na gargalhada. “Ele é o produtor.”

“O que isso quer dizer?”, Juno questiona.

Tentando parecer preocupado, multiplico tudo aleatoriamente por


quatro e subtraio quinze.

“Ele faz o programa”, ela cochicha quase gritando. “É o chefe.”

Obrigado, Stevie, mas não me sinto o chefe de absolutamente nada


neste momento. É como se eu estivesse no meio de uma
tempestade

em formação, sentindo a pressão subir e prestes a desmoronar.

“Eles se gostam ou se odeiam?”, Juno pergunta, e eu sinto um frio


na barriga.

Antes que Stevie possa responder, eu a chamo da porta. “Vamos lá,


baixinha.”

Finalmente, Fizzy se levanta do sofá e resolve vir até mim. Está de


calça de moletom, uma blusa de capuz do Wonderland e parece um
brunch, um feriado e uma sensação de euforia pós-sexo em forma
de ser humano. Meu corpo e meu cérebro já tinham começado a
pavimentar o caminho que tínhamos pela frente, e é muito difícil
reverter a operação a essa altura. Eu já estou comprometido demais.

Ela inclina a cabeça para me olhar e, depois de um breve contato


visual preocupante, volto minha atenção para a tela.
“Você tá…” Fizzy vem até o meu lado e olha para o meu celular. “Por
que você tá fazendo contas?”

Com uma careta, guardo o celular de volta no bolso. “Só precisava


ocupar os dedos.”

“Você chega aqui todo mal-humorado e do nada começa a fazer


contas”, ela comenta, e o divertimento em sua voz me faz querer
beijá-la e lamber seus lábios doces.

Finalmente, Stevie vem correndo até mim, sorrindo. Vejo o


questionamento em seus olhos e tento colocar todo meu amor no
sorriso que abro para mostrar que estou bem. “Agradeça à Fizzy.”

“Brigada, tia Fizzy.”

Tia Fizzy.

Eu sorrio para Juno enquanto Fizzy beija a testa de Stevie e conduzo


minha filha porta afora. A má notícia: essa dor no coração parece
ser uma sombra nublando permanentemente meus pensamentos. A
boa notícia: só mais alguns dias e nunca mais vou precisar ver Fizzy
de novo.

Quarenta e quatro

FIZZY

Fico olhando para Connor e Stevie enquanto eles entram no carro,


me perguntando se esse silêncio tenso vai ser a nossa nova vibe
daqui em diante. Sou obrigada a admitir que isso não me agrada
nem um pouco.

Eu me viro, fecho e tranco a porta antes de encarar a bagunça que


fiz com as meninas. Sei que tem um par de olhos me acompanhando
quando começo a dobrar as cobertas. A maioria das crianças nem
sequer repara nos adultos ao seu redor, muito menos no clima que
existe entre eles. Mas Juno Merriam é uma criança incrivelmente
perspicaz. De jeito nenhum vou conseguir encerrar esta noite sem
algum tipo de interrogatório.

“A mamãe me disse que vai me deixar ver seu programa de tevê


quando terminar”, ela comenta, espremendo os olhos para uma
borracha colorida em sua mão, como se precisasse examiná-la
criteriosamente.

Lá vamos nós.

“Ah, é?” Faço um sinal com a cabeça para ela me acompanhar até a
cozinha. “É uma coisa bem-comportada. A Stevie assiste. Por que ela
pediu pra você esperar o final?”

Ela corre atrás de mim e pega um cookie antes que eu possa


guardar a caixa no armário. “Ela quer saber como vai acabar
primeiro.”

“Eu também queria saber, lindinha.”

Juno dá uma mordida e mastiga, esperando como um velocirraptor.

“Então, quem ganhar este fim de semana vai ser seu namorado?”

“Só se ele e eu quisermos isso.” Puxo uma cadeira da pequena mesa


da cozinha e praticamente desmorono. De repente percebo quanto
estou exausta.

Ela se senta diante de mim e começa a traçar espirais sobre a mesa


com a ponta do dedo. “Você gosta dos meninos que sobraram?”

“Gosto…” Minha voz falha, e o Mas não nesse sentido que vem a
seguir acaba saindo como pouco mais que um eco.

Juno assente e espera mais alguns longos segundos. “Como eles se


chamam?”
“Evan e Isaac.”

“Você gosta mais de um do que do outro?”

Sua pergunta totalmente normal me deixa triste de novo. “Do Isaac,


eu acho.”

“Como ele é?”

“Legal”, respondo, olhando para o teto e pensando. “Bonito.” Minha


nossa, se liga, Felicity. Isaac é um homem incrível, e você está
descrevendo o cara como se ele fosse um sofá novo. Olho para Juno
e respiro fundo, tentando infundir algum entusiasmo nas minhas
palavras.

“Ele é um cientista, como o seu pai.”

“Ele é geneticista também?”, ela pergunta, espremendo os olhos, um


tanto cética.

Essa menina é mais esperta do que eu. “Não, acho que ele faz robôs
ou garante que os robôs não dominem o mundo, ou alguma coisa do
tipo que me faz sentir que preciso tratar bem a minha Alexa.”

Juno dá risada. “Isso não é a mesma coisa que genética, tia Fizzy.”

Jogo um guardanapo amassado nela. Juno consegue se esquivar e,


no meio da risada, faz sua próxima pergunta, totalmente traiçoeira:

“Você acha que o pai da Stevie quer que o Isaac ganhe?”.

Eu seguro meu sorriso, me aproximando dela. Juno é uma


interrogadora habilidosa. Um orgulho e um desconforto se espalham
pelas minhas veias. “Eu não acho que o pai da Stevie se importe
com isso, desde que o programa seja um sucesso.”

“Acho que ele se importa, sim, com quem vai ganhar.” Ela resolve
abrir o jogo: “Acho que ele gosta de você”.
“Ah, é?”

“Ã-ham. Sabe lá no show? Deu pra perceber que ele gosta de você.

Ficou te olhando o tempo todo.”

“É porque eu sou uma pessoa fascinante, Juno. Presta atenção.”

Ela dá uma risadinha. “Aposto que ele não gosta de ver esses outros
meninos saindo com você.”

“Humm.” Eu olho bem para ela, que não pisca e nem recua um
milímetro.

“E… hã, você conhece o Aiden R.?”, ela continua. Faço que sim com
a cabeça, porque existem, tipo, uns quatro Aidens na sala dela. “Ele
gosta

da Stevie, e eles sempre se sentam juntos no almoço, mas hoje ela


foi escolhida para representar a Indonésia na Feira das Nações com
o Eric, e o Aiden ficou todo triste e sério, igualzinho o pai da Stevie
estava hoje.”

“Ah, é? Como assim?”

Ela aponta para o próprio rosto. “Sabe quando os meninos apertam


os dentes assim?” Juno faz uma imitação bem convincente. “Ele
estava fazendo isso e, tipo, ignorando a Stevie no almoço. Mas ela
não tinha escolha, porque era a Feira das Nações. Não foi ela que
escolheu a dupla.”

“Entendi”, digo, compreensiva. Argh, essa metáfora na verdade é


ótima. Decido mudar de assunto. “E quem foi sua dupla?”

“Kyle Pyun”, ela responde, com uma careta. “Ele é todo hiperativo,
mas pelo menos tira notas boas.”
“Isso é bom.” Eu me inclino para a frente com um sorriso. “Ele é
gatinho?”

Juno faz uma cara de nojo genuíno. “Tia Fizzy, a gente está no
quinto ano.”

“Não estou perguntando se você quer se casar com ele, querida. Só


quero saber se o garoto tem potencial.”

“Minha mãe diz que até o ensino médio os meninos são uns tontos.”

“Uau, até que ela foi generosa.”

“Então, se o Isaac ganhar”, Juno retoma, tomando ela mesma a


iniciativa de mudar de assunto, “ele recebe algum dinheiro ou coisa
do tipo?”

“Em tese, ele fica comigo.”

Ela ri como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. “Sim, mas…

sabe como é. Estou falando de um prêmio de verdade.”

Eu contraio os lábios e respondo apenas: “Eu posso escolher quem


vai viajar para Fiji comigo, e tem um prêmio em dinheiro para o
herói romântico escolhido pela votação popular, se é disso que você
está falando.”

Os olhos dela se arregalam. “Uma viagem juntos?” Eu faço que sim


com a cabeça. “Dormindo no mesmo quarto?”

“Nós podemos pedir quartos separados sem problemas.”

Juno abre um sorrisinho. “Você ia querer dividir um quarto com ele?”

“Eu não tenho nada contra dividir um quarto, mas ainda não sei se
quero isso com ele. Só vamos decidir quando chegarmos lá.”
Ela balança a cabeça, olhando para o lado, pensativa. Olho para o
meu celular. São quase nove horas. Daqui a pouco River chega para
buscá-la e para me salvar desse interrogatório.

“E se o Lucas Ayad fosse um dos participantes?”, ela pergunta.

Eu finjo que fecho a cara ao ouvir o nome do meu membro favorito


do Wonderland. “Obviamente, se o Lucas fosse um participante e
não conseguisse ganhar dentro das regras, eu inventaria uma
máquina do tempo para voltar ao começo e falsificar os resultados.”

“A gente devia fazer um abaixo-assinado pra ele se inscrever”, ela


sugere. “E dizer pra todo mundo começar a marcar o Lucas Ayad
nas hashtags com os votos.”

“Você só quer garantir que eu não roube o Suchin de você.”

Juno abre um sorriso. “O Suchin é meu, só não sabe disso ainda.”

Essa menina me mata de rir. “Por que você consegue falar do Suchin
desse jeito, mas se recusa a me contar se o Kyle da Feira das
Nações é gatinho?”

“Porque eu conheço o Kyle da vida real, e ele é… nojento.” Ela se


inclina mais para a frente. “Mas e se a gente votar no pai da
Stevie?”

Eu sabia que o xeque-mate estava próximo, mas mesmo assim sou


pega de surpresa.

“Eu sabia que você estava armando alguma pra cima de mim, sua
mer…” Eu me interrompo bem a tempo e digo “menina danada”, mas
não tem jeito. Juno dá uma risadinha toda alegre e estende a mão.

“Um dólar, por favor.”


Eu me recosto na cadeira, abro a gaveta de tralhas e busco uns
trocados. Depois de colocar quatro moedas de vinte e cinco
centavos em sua mão, comento: “Prefiro falar sobre o Lucas e o
Suchin”.

“Porque você também gosta do pai da Stevie?”

“Juno Merriam, cuida da sua vida.”

“Algumas meninas da minha classe e as mães delas gostam do pai


da Stevie.”

Para o fim da fila, mulherada.

Faço um som de concordância e uma nota mental para usar essa


informação para atormentá-lo, e então lembro que na verdade ele
não quer ouvir mais nada de mim. E fico triste de novo.

“Meu pai diz que, se você quiser uma coisa, por mais que esteja com
medo, precisa tentar.”

Fico olhando para ela, admirada pela centésima vez com a esperteza
dessa menina. “Seu pai disse isso, é?”

Ela assente com a cabeça. “Ele disse que no começo a minha mãe
metia medo nele. Mas que depois ele ficou com ainda mais medo de
nunca mais poder falar com ela.” Juno sorri para mim de novo.
“Então, se é assim que você se sente sobre o pai da Stevie ou…
como é o nome dele mesmo?”

Eu me limito a encará-la. Juno nunca se esquece de nada. Essa


garota sorrateira é uma bela de uma espertinha. “Isaac?”

“Ah, é”, ela fala, com um tom de malícia. Juno está ficando cada vez
mais parecida com a mãe. “Se é assim que você se sente sobre o
Isaac, então não deixa o medo atrapalhar as coisas entre vocês.”
Ouço três batidas na porta na hora certa. Abrindo um sorriso
sarcástico para Juno, me levanto e vou para a sala de estar.

“Você não poderia ter chegado três minutos antes e me salvado da


Inquisição Espanhola?”, pergunto.

River dá risada. “Ah, nossa. Antes você do que eu.”

“Quando elas começam a ficar mais espertas que eu, passo a cobrar
quarenta e cinco dólares a hora pelo serviço de babá.”

Com a mochila apoiada em um dos ombros, Juno se junta ao pai na


porta. “Obrigada pelo jantar, tia Fizzy.”

“Tá bom, tá bom, eu te amo, agora dá o fora daqui.”

Ela ri e me dá um abraço, e eu fico observando enquanto eles vão


embora.

Mas River para antes de descer da varanda. “Ei”, ele diz,


estranhamente inseguro. “Eu queria perguntar uma coisa pra você.”

“Isso não me parece um bom sinal.” E essa impressão só se


intensifica quando ele se inclina para perto do ouvido de Juno e
pede para ela esperá-la perto do carro.

“Foi tudo bem lá no programa hoje? Com o Connor?”, ele esclarece.

“Como assim?”

“Com o outro programa da North Star indo por água abaixo na


semana passada por causa do escândalo de doping, com a demissão
do produtor e…”

“Espera aí. Que outro programa?”

Ele franze a testa. “Eu não assisto, mas ao que parece a produtora
tem um outro programa baseado em desafios atléticos.”
Tenho uma vaga lembrança de Connor mencionando outro programa
voltado para um público mais jovem e masculino. “Ah, é. Big Mouth,
ou Smash Face, sei lá.”

“Smash Course”, ele corrige. “Acho que a produção estava dando


anabolizantes para o principal competidor. E ao que parece uma
pessoa da equipe estava transando com ele na turnê também, e a
coisa vazou na internet.”

“Puta merda.”

“Pois é. O programa foi cancelado.” River estende a mão para coçar


o pescoço, adoravelmente constrangido por estar se metendo nos
assuntos dos outros. “Considerando tudo o que aconteceu entre
você e o Connor, eu só queria saber se estava tudo bem.”

Foi como se uma névoa tivesse se dissipado e agora eu conseguisse


ver claramente tudo o que aconteceu desde a minha declaração na
casa de Connor. Se a North Star perdeu uma de suas galinhas dos
ovos de ouro por causa de um escândalo, deve estar pressionando
Connor para garantir que está tudo sob controle. Se a história de
que estávamos juntos vazasse, o que transformaria o nosso
programa basicamente em uma farsa, isso não só arruinaria sua
carreira, mas também poderia quebrar a produtora.

E Connor ainda levaria a culpa.

Quarenta e cinco

CONNOR

O penúltimo episódio de O Experimento do Amor Verdadeiro


consegue a maior audiência em horário nobre para qualquer reality
show em mais de uma década. Em uma reunião preliminar com a
equipe inteira, fica claro que são números inacreditáveis. Se
tivéssemos uma garrafa de champanhe no escritório às nove da
manhã, com certeza a estouraríamos.
Enquanto volto para a minha sala, Brenna vem correndo atrás de
mim toda empolgada, falando sobre as tendências no TikTok, os
trechos editados e os cortes que viralizaram — e me manda alguns,
mas acho que a essa altura ela sabe que ver as evidências de uma
verdadeira histeria na internet só vai servir para intensificar ainda
mais a pressão para o episódio final. E o fato de o furor em torno de
Smash Course ainda não ter passado também não ajuda muito. O
ciclo ininterrupto de notícias de hoje em dia significa que a memória
das pessoas é muito curta para esse tipo de coisa, mas parece que o
tempo inteiro surgem novos detalhes para deixá-las exaltadas outra
vez. Tudo isso é tão próximo da situação que vivi com Fizzy que
poderia me servir como um consolo de que estou fazendo a coisa
certa e ainda tornar o fato de estar longe dela mais fácil de suportar.
Mas não.

Quando Blaine chega, pouco depois das dez, parece um cachorro


hiperestimulado, andando em círculos sem parar, passando de sala
em sala. Está se gabando do fato de as pequenas produtoras
independentes estarem mostrando a Hollywood como é que se faz,
sobre sua escolha inteligente de ter me escalado para isso e sobre
ser preciso confiar nele sem hesitação da próxima vez. Essa
adulação toda não tem só um lado bom: claro que estou
contentíssimo por ter criado com Fizzy algo que repercutiu tão bem
entre os espectadores, mas o óbvio conflito causado por ter me
apaixonado por ela é uma sombra que paira sobre a minha sensação
de triunfo. Meu casamento fracassado foi uma relação fácil de
manter viva — uma coisa sem

paixão, mas conveniente e amigável —, mas construir algo sólido


com a mulher que realmente amo se mostrou impossível.

Talvez, em alguns meses, depois que os holofotes apontarem para


outra coisa e o mundo se interessar pela novidade da vez, a gente
possa tentar. Mas não é assim que uma história de amor funciona.
Não importa o que os poetas digam, o amor nem sempre é
paciente; é urgente, faminto e ocupa todo o espaço disponível
dentro da minha cabeça.

Meu refúgio é a sala de edição, onde, na esperança de deixar de


lado todo o resto, passo o dia montando as retrospectivas de todos
os heróis românticos do programa na recapitulação a ser exibida no
episódio final ao vivo no fim de semana. Mas é nesse retiro tranquilo
que Blaine me encontra e põe um pedaço de papel sobre a ilha de
edição.

“Blaine…”

“Desde que você não faça nenhuma cagada até o fim da semana”,
ele diz, sem perceber que acabou de apagar a montagem em que
estávamos trabalhando, “aqui está o seu contrato para produzir e
apresentar a segunda temporada de O Experimento do Amor
Verdadeiro.”

Sentindo a tensão que se forma no ar, Pat, nosso produtor de


edição, se afasta do computador e sai de fininho. “Acho que vou lá
pegar um café.”

A porta se fecha atrás dele, e eu olho para o papel.

Eu sabia que isso iria acontecer — sendo bem sincero, seria uma
estupidez da nossa parte não pensar em uma nova temporada —,
mas ver tudo daquele jeito, preto no branco, me deixa
momentaneamente sem reação. Tenho certeza de que, com a
estrutura e a equipe que montamos, eu conseguiria repetir a dose
com outro herói ou heroína como protagonista e, mesmo que só
faça metade do sucesso da primeira temporada, renderia um bom
dinheiro para a produtora. E para mim.

Só não consigo imaginar como fazer isso sem Fizzy ao meu lado.
Isso sem contar que uma nova temporada me manteria sob os olhos
do público e tornaria a possibilidade de um relacionamento entre nós
ainda mais distante.
“Posso pensar a respeito?”, pergunto.

“Pensar a respeito?” Blaine bate várias vezes com o dedo no terceiro


parágrafo, apertando um monte de botões no painel logo abaixo.

“Rapaz, você não está vendo o que está sendo oferecido aqui? Mais
dinheiro, mais tempo de exibição, mais gente na equipe, mais verba
de produção.”

Eu estou vendo, sim. E isso é mais um motivo para encarar esse


contrato com muita cautela.

Com cuidado, afasto sua mão do equipamento e giro minha cadeira


para encará-lo. “O incentivo financeiro é óbvio, e sei que seria
possível repetir a fórmula do programa sem problemas. Mas, por
mais que isso possa parecer loucura — porque eu sei que somos o
maior sucesso televisivo do momento —, o dinheiro não é a única
coisa que me interessa. Eu gostava do que fazia antes. Não sei se
estou disposto a abandonar de vez a produção de documentários.”

Ele faz um gesto de desdém com a mão. “Tudo bem. Nós podemos
dar quarenta mil dólares para o seu lance da vida marinha. Você
pode fazer um filme e uma temporada do programa a cada ano. É
essa a sua condição para assinar?”

“Não era esse o nosso acordo, Blaine.”

“Estou te oferecendo uma oportunidade e tanto. Você tem um


talento natural para esse tipo de programa.”

“Eu só preciso pensar um pouco”, respondo. “Não é um não e nem


um sim, é um ‘vamos conversar sobre isso depois do episódio final’.”

Blaine solta uma risadinha e estreita os olhos na minha direção.

“Entendi. Tudo bem. Você está tentando arrancar o máximo possível


de nós. Eu respeito isso, inclusive.”
“Não é isso. É que…”

Ele dá uma piscadinha e um tapa no meu ombro. “Vou ver o que


posso fazer por você.”

Preciso me esforçar para me livrar dos pensamentos sobre dinheiro,


pressão, Blaine, minha carreira, minha família e — acima de tudo —

Fizzy, para me concentrar apenas na tarefa que tenho em mãos.

Somando todas as tomadas de câmeras, temos mais de duzentas


horas de filmagens para produzir as sequências e as retrospectivas
de que vamos precisar para o episódio final. É o tipo de situação que
exige a

convocação de todas as tropas. Queremos exibir imagens de todos


os heróis como são na vida real — sem pose, sem filtros e
mostrando o que têm de melhor. Sinto que capturamos a essência
de algumas pessoas realmente interessantes — e sem nenhuma
intenção irônica ou zombeteira da nossa parte —, e isso parece uma
realização monumental. Talvez seja esse o elemento que mais
agradou a tanta gente, a autenticidade da coisa toda. Quero que
esse último episódio seja emocionante e divertido, genuíno e
inspirador.

Mas, como estamos editando trechos de filmagens com Fizzy ou


sobre ela, é impossível escapar de sua presença. E, o que é ainda
pior, tenho horas e horas de evidências inegáveis de que ela estava
falando a verdade: Fizzy não quer nada com nenhum desse caras. A
essa altura, já conheço seus sorrisos, e os que aparecem na tela são
simpáticos e sinceros, mas transmitem apenas um sentimento
platônico. Conheço suas risadas e sei que não são fingidas, mas os
heróis do programa não conseguem extrair aquelas que vêm das
profundezas do seu ser, as gargalhadas que a fazem se entregar ao
momento. Conheço seus toques também — puta que pariu, e como
— e, embora ela seja afetuosa, não há fogo em seus olhos ou na
ponta de seus dedos. Não há nada minimamente sexual aqui.
Precisamos editar um monte de sequências, mas, puta merda, a
única coisa que vejo aqui é Fizzy se apaixonando por mim. Seus
olhos buscam as câmeras a todo momento — para ver minha
reação, para fazer uma alusão silenciosa a uma piada interna nossa
ou, de forma involuntária, quando seus pensamentos voam longe e
se deixam levar naturalmente até mim. Mas isso também é o que eu
quero ver.

Não tenho mais como fazer esse trabalho. Perdi a minha condição de
observador imparcial.

Tiro os fones de ouvido e os jogo em cima da ilha de edição. E justo


neste momento Rory aparece.

“Está tudo bem aqui?”

Esfrego o rosto com as mãos antes de assentir com a cabeça.


“Porra, eu perdi completamente a objetividade. Já editamos os
segmentos de Arjun, Tex, Colby e Dax para a retrospectiva. E
ficaram bons. Mas estou empacado com Nick, Isaac e Evan. Sério
mesmo, Ror, estou começando a duvidar de que vamos conseguir
criar um final aceitável. Fizzy é

ótima, mas eu estou maluco ou não existe nenhuma história de


amor aqui?”

Rory me encara por um longo instante. “Sério mesmo que você não
está vendo?”

“É sério.”

Ela olha para a imagem pausada de Isaac sorrindo na tela. “Não


esquenta, bróder, está tudo aí nas filmagens.”

“Eu não quero cagar tudo logo agora no final.”

Ela dá risada. “Porra, isso seria impossível.”


“Que bom que você tá tão confiante.”

“Acho que o problema é que você tá vendo a coisa sem o devido


distanciamento.”

Ora, Rory, não me diga.

Quarenta e seis

FIZZY

Na quinta-feira à tarde, a sineta da porta do Twiggs toca e tudo — a


altura do toque da sineta, os passos que se seguem, o som de um
molho de chaves balançando em uma bolsa — é tão familiar que não
preciso nem erguer os olhos para saber quem chegou.

“Fizzy?”, Jess pergunta.

Eu entendo o motivo de tanta surpresa em sua voz; eu também


estou surpresa.

Digito o fim da frase e só então olho para ela, estendendo a mão


para pegar meu latte. “Oi, amiga.”

“Oi. O que eu estou vendo aqui? Um notebook? Cadernos cheios de


anotações?” As sobrancelhas dela vão parar no meio da testa. “Você
está… escrevendo?”

“Tive uma ideia hoje de manhã.” Na verdade, acordei com uma cena
de sexo ardente na cabeça e pensei que… poderia ser bom registrar
por escrito. Para ser bem sincera, é uma fantasia obscena
envolvendo a boca de Connor, mas a inspiração surgiu da mesma
forma que antigamente — como uma espécie de excitação febril —,
e eu não queria deixar esse momento passar.

Peguei meu notebook, vim para cá e, obviamente, o que estava tão


claro e perfeito na minha mente se tornou uma maçaroca de
palavras na página, mas estou me esforçando para lembrar que não
tem problema nenhum o primeiro esboço sair uma porcaria. É
melhor do que nada, e já estou cansada de não ter nada. Um texto
ruim pode ser retrabalhado.

Jess se senta à minha frente. “Que maravilha.”

“Na verdade, está um lixo”, eu respondo, “mas estou feliz só de


conseguir digitar palavras que não sejam um monte de ofensas a
mim mesma.” Eu encolho os ombros e então me lembro de uma
coisa. “Ai, meu Deus, eu escutei uma conversa incrível aqui hoje.”

Ela se inclina mais para a frente. “Então me conta logo, que estou
seca por uma boa fofoca.”

“Tinha duas mulheres sentadas nessa mesa aí da frente que tem a


perna bamba…”

“Eu detesto essa mesa.”

“… e uma delas contou que o marido demitiu a babá porque viu uma
foto dela em um site de acompanhantes.”

“Espera aí”, diz Jess. “Ele estava fuçando em um site de


acompanhantes?”

“Pois é! Isso não seria uma ótima abertura de livro? Um marido


canalha vê um rosto conhecido em um site de acompanhantes e é
tão burro que nem se dá conta de que não pode comentar a
respeito com a própria esposa? A mulher dá um pé na bunda dele e
se apaixona pelo homem que vem dar um jeito na privada que o ex
nunca quis saber de consertar.” Bato com o dedo no queixo,
refletindo sobre a ideia. “Ou melhor, ele conserta o telhado, porque
assim pode trabalhar sem camisa.”

Estendo a mão para anotar a ideia no caderno antes que acabe


esquecendo.
Quando me dou por satisfeita, me volto para Jess. “E o que você
está fazendo aqui, afinal?”

“Trabalhando.” Ela faz uma careta. “Estou entediada demais em


casa.

O River está planejando uma nova startup com o Sanjeev e… eu


senti falta de ter o que fazer. A ideia de parar de trabalhar é meio
deprimente pra mim. Não escolhi a matemática porque dá dinheiro,
mas porque é uma coisa divertida.”

“Será que estamos recuperando nossa inspiração?”

Ela sorri. “Porra, espero que sim.” Nossos olhares se cruzam, e o


sorriso de Jess vai se desfazendo, pelo que percebo, quando ela
nota o toque de tristeza nos meus olhos. “Ei.” Ela estende o braço
para segurar a minha mão. “Eu sinto muito que as coisas não
tenham dado certo com o Connor. Que merda aquele outro
programa ter ido pelo ralo justo agora.”

Eu balanço a cabeça, porque não tenho nada a acrescentar.

Realmente, que merda.

“Mas não é melhor saber que não foi por causa do que aconteceu no
hotel, e sim porque tinha outras coisas envolvidas?”, ela pergunta.

“Acho que ele não tinha muita escolha, né?”

“É, né?” Eu solto uma risada que sai meio chorosa; não tinha
percebido que estava com lágrimas nos olhos. “Eu sei que a situação
dele é complicada. Que ele tem outras responsabilidades e está
sendo pressionado. Coisas mais importantes do que eu e os meus
sentimentos.”

“Olha só o amadurecimento dessa personagem. Cinco estrelas por


isso”, ela diz com um sorriso. Jess se levanta e me diz: “Vou pegar
um café. Quer alguma coisa?”.

“Não, obrigada.” Estou prestes a encerrar esse documento horroroso


que estou escrevendo. Provavelmente nunca vou mostrar para
ninguém, mas a questão não é nem essa.

Duas horas atrás, minha agente ligou e contou que vários dos meus
livros devem aparecer na lista de mais vendidos da semana. Ao que
parece, tem gente nova descobrindo os meus livros, e postando
fotos, e desafios divertidos, e vídeos, e resenhas. Ela me mandou
algumas coisas do tipo, e eu ri muito enquanto via, com os olhos
marejados.

Quem escreve nunca sabe quando uma história vai encontrar seu
público. Saber que as minhas palavras exercem um efeito real sobre
as pessoas me fez querer retomar a escrita imediatamente. As
pessoas que leem são as melhores, eu garanto. E ela também me
deu uma bronca (com razão) por não atender suas ligações, mas
disse que se importa acima de tudo comigo e que, se eu nunca mais
escrever um livro, não tem problema. Eu não vou decepcioná-la por
isso, e ela não vai levar a coisa para o lado pessoal. Só preciso fazer
o que é melhor para mim. Quatro meses atrás, ouvir isso teria sido
um alívio, um peso tirado dos meus ombros, mas, assim que Amaya
disse que eu poderia desistir da minha carreira se quisesse, a única
coisa que senti foi uma sensação de desolação devastadora.

Isso me fez perceber que não estou disposta a desistir da escrita.

Participei desse programa para me encontrar, não para ficar famosa,


e, já que preciso abrir mão de Connor, quero pelo menos manter
aquilo que define o que eu sou. E eu sou uma escritora. Mesmo que
todas as palavras desse documento aberto na minha tela sejam um
lixo, eu não vou parar de escrever.

E amanhã vou ignorar todo o resto e me sentar para trabalhar e


tentar transformar um pedaço de carvão em um diamante. Porque
amanhã vou fazer tudo o que for possível para não pensar em
Connor, no programa e no fato de que daqui a quatro dias vou
embarcar em uma viagem com um homem que não é o que eu
gostaria que fosse comigo.

Quando meu telefone vibra sobre a mesa, minha primeira esperança


é que seja ele. Preciso parar com isso. Mas então o aparelho vibra
de novo. E de novo. Eu viro a tela para cima, e meu coração dispara
por um motivo bem diferente. As mensagens são de Alice.

Fizzy

Fizzy ai meu deus

Vem pro hospital

Estou em trabalho de parto

Todo mundo diz que recém-nascidos são feios, que parecem


velhinhos ranzinzas ou que têm cara de joelho. Que são umas
coisinhas enrugadas e inchadas; resmungões e peludos. Que não
fazem nada além de dormir e mamar e chorar e cagar.

Isso pode ser verdade para todos os outros bebês, mas, com apenas
seis horas de vida, Helena Ying Kwok já é de longe o ser humaninho
mais lindo e divertido a aparecer neste planeta. A bebê Lena — eu
escolhi o apelido — tem o nariz arrebitado da mãe e a testa sempre
franzida do pai. Tem os lábios cheios da avó materna, o pescoço
comprido do avô paterno e a flatulência do avô materno. Mas a
covinha na bochecha esquerda é toda minha. Essa aí vai ser da pá
virada. Deste momento em diante, não tenho escolha a não ser me
dispor até a morrer por ela se for preciso.

Acariciando sua mãozinha fechada, abro com cuidado seus dedinhos


e beijo cada um deles. O formato de lua crescente de suas unhas
minúsculas é como um milagre. Meu coração não dá conta de tantos
sentimentos; a sensação sufocante de felicidade, de mal conseguir
respirar, se torna perceptível em cada respiração minha. “Eu sou a
titia Fizzy”, murmuro. “Nunca vou deixar você sofrer com um sutiã
apertado.

Vou avisar quando você estiver com comida no dente. Vou ser quem
você vai procurar quando precisar de conselhos sobre moda ou
dinheiro

para gastar com porcarias. Só o que peço em troca é que você me


deixe entrevistar todas as pessoas que quiser namorar.”

“Certo, certo. Já deu.”

Solto um ruído de irritação quando devolvo a bebê para os braços


estendidos de Alice. Estou neste quarto há mais de quarenta e oito
horas e dormi no máximo três, mas nunca me senti mais energizada
na vida. Alice, por sua vez, parece prestes a desmoronar. O processo
do parto foi uma coisa intensa. Minha irmã mais nova passou vinte e
seis horas andando de um lado para o outro em dilatação, depois
mais quinze em trabalho de parto ativo, e a anestesia peridural não
pegou.

Seu marido, Henry, que é obstetra, estava prestes a sugerir uma


cesariana para a equipe médica, mas, como se tivesse ouvido seu
pai, a pequena Helena decidiu que já estava na hora de vir ao
mundo e, com mais um empurrãozinho, apareceu com os olhos
abertos e apenas um chorinho discreto de protesto. Ela não tem
nem um dia de vida, mas o quarto já está cheio de gente, flores,
presentes e balões.

Minha mãe se aproxima de mim e me abraça por trás enquanto


observamos a bebê Lena nos braços de Alice.

“Ela é perfeita”, minha mãe murmura.

“Ela deu um novo sentido à palavra perfeição”, eu concordo.


“Lembro de quando peguei você no colo”, ela continua, “e senti uma
sensação diferente de tudo, que me fez esquecer todo o resto.
Naquele momento, eu tinha tudo de que precisava no mundo. E
ainda me sinto assim sempre que olho pra você.”

Um sentimento ambíguo me invade. Me sinto mais amada do que


nunca quando estou com a minha família… mas detesto saber que
talvez nunca proporcione para a minha mãe um presente dessa
magnitude: um neto ou uma neta, mais alguém para amar
incondicionalmente de um jeito que só ela sabe.

Mas, por ser quem é, minha mãe sabe o que estou pensando e me
vira para encará-la. “Você era perfeita quando nasceu e continua
sendo até hoje.”

Lacrimejando, eu rio. “Você é suspeita pra dizer isso.”

“Eu sou a única que pode dizer isso. Conheço você desde o seu
primeiro segundo de vida.”

Não tenho barreiras emocionais para conter mais nada dentro de


mim. Fiquei segurando a mão da minha irmã durante o último dia

inteiro, acompanhando sua experiência de dor brutal e alegria


inigualável. Com quase todo mundo que eu amo apinhado neste
quarto para ver Alice, Henry e Helena, eu sinto tudo à flor da pele.
“Talvez eu nunca consiga fazer o que a Alice acabou de fazer”,
lembro à minha mãe. “Talvez eu nem me case. Talvez eu nunca
escreva o tipo de livro que você quer ler. Talvez continue sendo
sempre exatamente assim.”

“E daí?”

“E daí?”, repito. “E daí que eu não quero decepcionar você.”

Minha mãe segura o meu rosto entre as mãos. “Você se olha no


espelho e só vê o que acha que me decepciona. Eu olho pra você e
vejo tudo o que eu sempre quis que você fosse. É da admiração que
vem todas as expectativas, dai leu, não da decepção. E, se quero
essas coisas pra você, como um casamento ou um bebê, é porque
foi o que me fez feliz mais do que tudo na vida. Você dedica muito
tempo à felicidade dos outros, mas pra mim o que importa é a sua
felicidade.”

Essas palavras trazem o rosto de Connor ao primeiro plano da minha


mente de uma forma até assustadora. Ele é, sem dúvida nenhuma,
a atual base da minha felicidade, e, se tem alguma coisa que me
entristece com o fim desse programa, é o fato de que não vou mais
vê-lo todos os dias.

E nesse momento outro pensamento me atropela.

“Mãe, que dia é hoje?”, pergunto.

Ela me encara, piscando algumas vezes, confusa. “Quinta-feira.”

Olho para o relógio. São quinze para as cinco da tarde e, se for


mesmo quinta-feira, estou a uma hora de distância da festa de
encerramento do programa, que começa em quinze minutos.

Me curvo sobre Alice e beijo sua testa. “Eu volto mais tarde.”

“Aonde você vai?”, ela pergunta, sem tirar os olhos da recém-


nascida.

“À festa de encerramento.”

Por fim, ela volta os olhos escuros e cansados para mim. “Fala logo
que você é apaixonada por ele.”

Estava começando a me virar para ir embora, mas paro ao ouvir


isso.

“Quê?”
“Você sabe do que eu tô falando.”

Olho para ela. Não comentei sobre Connor com ninguém além de
Jess por medo de que a informação vazasse, por medo de deixar
minha irmã gestante preocupada, por medo de que o programa já
estivesse

distraindo demais a atenção de todos do casamento do meu irmão,


por medo de que isso se tornasse mais uma mancha vergonhosa no
meu currículo, na visão da minha família. Mas, no fim, as pessoas
que nos amam são capazes de enxergar tudo o que existe por trás
dos nossos subterfúgios.

“Não é assim tão simples”, digo a ela. “Bem que eu queria que fosse,
mas é uma coisa que vai muito além de mim.”

“Mesmo assim.” Minha irmã exausta ergue a mão. Eu me inclino


para a frente, esperando um carinho no rosto, mas, em vez disso,
recebo um tapinha de leve. “Você precisa falar do mesmo jeito.”

Quarenta e sete

CONNOR

Embora seja imprevisível, Fizzy nunca se atrasa. Inclusive, sua


pontualidade foi o primeiro indício de que sua persona “caótica” era
só uma encenação. O segundo foi a lista de exigências bastante
detalhada que sua equipe me mandou, e desde então ela tem se
mostrado totalmente confiável. Por isso, o fato de Fizzy estar
quarenta e cinco minutos atrasada para a festa de encerramento me
preocupa.

E, pelo jeito, não sou o único. Brenna se materializa ao meu lado


com os olhos fixos nas escadas que levam ao espaço que
reservamos na Stone Brewery para o evento de hoje à noite. A
equipe circula pelo local, bebendo, comendo e conversando. Mas,
apesar de já estarmos aqui há tempo suficiente para que a conversa
seja barulhenta e agitada, existe uma percepção inegável de que a
festa ainda não começou.

“Cadê ela?”

Eu balanço a cabeça. “Sei lá.”

“Você mandou mensagem?”

“Não”, respondo. E não mesmo, mas sem nenhum bom motivo para
isso. Pelo menos, não um motivo que eu possa revelar para a minha
assistente. Não escrevi para Fizzy porque, quanto mais ela demora
para aparecer, mais preocupado eu fico que possa ter acontecido
alguma coisa com ela e, quanto mais tempo eu fico sem saber
exatamente o que é, mais sou capaz de manter minha sanidade
intacta.

Percebo que Brenna se aproximou para dar uma boa olhada em mim
no momento em que estou vigiando a escada que leva ao espaço da
festa como um sniper em busca de um alvo. Respirando fundo, levo
meu copo de cerveja aos lábios.

“Está tudo bem?”, ela pergunta.

“Tudo.”

“Você parece meio tenso.”

“Não.”

“Tem certeza?”

“Sim.”

“Então tá, porque acho que acabei de ver ela entrando no


restaurante.”
Eu chego ao gradil em dois passos, agarrando o ferro fundido com
uma das mãos e observando o salão movimentado. Quase
imediatamente, vejo seus cabelos presos em um coque e seu sorriso
aberto enquanto ela passa pela aglomeração perto do bar. Tudo
dentro de mim relaxa; a adrenalina me invade, quente e frenética.
Enquanto Fizzy atravessa o salão, é abordada por uma mulher que
quer tirar uma foto com ela.

“Ela está bem”, Brenna comenta, mais uma vez se materializando


em silêncio do meu lado.

“Como assim? Claro que está”, eu resmungo, distraído, fechando a


cara quando dois homens aparecem, esperando sua vez. Eles
chegam perto demais.

“É que”, ela comenta, batendo no dorso da minha mão com a ponta


do dedo, “você vai acabar quebrando o gradil.”

Eu afrouxo o aperto, mas não tiro os olhos do que está acontecendo


lá embaixo no bar. Não que esteja preocupado; Fizzy sabe se virar
muito bem sozinha. Quando eles conseguem atrair sua atenção, ela
permite que tirem uma foto, mas depois balança a cabeça para o
que perguntam a seguir e aponta para a escada. Não tiro os olhos
dela enquanto a vejo correndo até nós.

Quando Fizzy aparece, todo mundo se vira para ela, um aplauso


ruidoso começa e então meio que… vai perdendo força quando
reparamos em sua aparência. Não é uma festa formal — não é
aquele tipo de evento com taças de champanhe servidas em um
coquetel elegante. Mesmo assim, Fizzy costuma andar mais
arrumada do que qualquer um de nós. Hoje seus cabelos, além de
presos em um coque improvisado, também parecem embaraçados.
As roupas parecem ser as mesmas que ela usou para dormir. Seu
rosto está pálido e cansado.

Murmúrios de preocupação começam a se espalhar pelo grupo.


Pelo menos até ela abrir um sorriso que ilumina o ambiente como o
sol e gritar: “Agora eu sou tia!”.

Os aplausos são retomados, uma gritaria, na verdade, e todo mundo


corre para cercá-la. Fizzy desaparece no meio de um monte de
gente, e tento absorver este momento porque estou neste ramo há
tempo

suficiente para saber que nem toda equipe é assim tão unida, nem
todo projeto tem esse clima tão mágico e, quando esse tipo de
química surge, é preciso saber valorizar. Além disso, eu sei que essa
magia toda se deve a ela, que transformou um grupo de pessoas
desconhecidas em uma família. Isaac está aqui, Evan também, é
verdade — mas também Dax, Nick, Jude e Colby. Os participantes
eliminados decidiram comparecer porque, apesar de não estarem
mais no programa, ainda fazem parte de tudo isso que nós criamos.

Vejo Fizzy abraçar todo mundo e mostrar uma foto da criança


recém-nascida no celular, e o impulso de me enfiar lá no meio e
monopolizar seu tempo se transforma em uma vontade de curtir o
orgulho que sinto ao vê-la se tornar o centro das atenções e ser tão
adorada. Talvez a gente encontre um jeito depois que tudo terminar.
Talvez não seja um escândalo se aparecermos juntos daqui a alguns
meses; talvez o fato de termos nos apaixonado não prejudique a
credibilidade de uma eventual segunda temporada. Sei que nada
disso é verdade, mas meu desejo por ela chega a ser doloroso —
por essa mulher pequena, teimosa e birrenta que dominou
completamente meu coração, minha mente e o meu corpo inteiro.

Quarenta e oito

FIZZY

Sei que Connor está logo ali. Consigo sentir seus olhos em cima de
mim, como um pai orgulhoso que observa tudo de longe, e não
como o criador dessa coisa toda. Quero que ele se aproxime, que
assuma seu lugar nessa aglomeração carinhosa. Ele não sabe que o
único motivo para tudo ter funcionado tão bem foi ele mesmo? Foi
sua visão. Sua competência enérgica e sua presença relaxante, seu
gerenciamento ativo de toda a equipe, sua escalação precisa do
elenco. Isso sem mencionar sua aparência tentadora e o impacto
inesperado provocado por sua condução das entrevistas no trailer
dos depoimentos confessionais.

Mas, com as minhas emoções exaltadas como estão e minha


adrenalina a mil, talvez não seja o melhor momento para Connor se
aproximar. Acho que Alice tem razão, e esta pode ser minha última
chance de declarar meu amor, seja qual for o resultado no sábado,
mas eu me conheço. No meu estado emocional atual, eu perderia as
estribeiras e falaria tudo o que sei sobre a North Star e mandaria à
merda todo mundo que acha que tem direito de se meter na nossa
vida.

E é justamente por isso que ele não me contou nada.

Mas há duas conversas importantes que eu sei que preciso ter esta
noite, e ambas são com homens com quem não posso ter contato
até sábado. Um deles vai sair vencedor, e suspeito que será Isaac,
mas, se não for, preciso deixar tudo bem claro para Evan também.
Eu topo fazer a viagem para Fiji com qualquer um dos dois, mas,
seja quem for meu acompanhante, não vai dormir comigo.

Se eu fosse direto falar com cada um deles, acabaria chamando


muita atenção, então passo um tempo conversando com todo
mundo. Dax e eu fazemos planos para jantar um dia desses — só
por diversão, ele garante, um lance totalmente platônico —, quando
a poeira tiver

baixado. Jude me diz que entendeu a piada sobre Volterra, mas que
simplesmente não achou graça.

“Tudo bem, Jude”, respondo com um sorriso. “Gosto não se discute.”


Colby volta a dar uma de macho palestrinha para dizer que não
estava palestrando para mim na cozinha, mas, depois que rimos da
situação, sinto que, longe das câmeras, ele é um cara bem mais
tranquilo. Todo mundo tem seu palpite sobre quem vai vencer, sobre
quem deveria vencer e sobre um dos dois participantes que
restaram ser meu verdadeiro match Ouro.

É uma noite mais fria que o normal para esta época do ano, então
todo mundo permanece dentro do restaurante, bebendo sem parar,
e o clima vai ficando cada vez mais barulhento, nostálgico e
sentimental.

Sei que é contra as regras chamar Isaac para uma conversa a sós no
pátio, mas ele aceita de bom grado e com uma expressão de certo
alívio no rosto.

“Quer minha jaqueta?”, ele oferece, fazendo menção de tirá-la.

Faço que não com a cabeça, fechando o zíper da minha blusa com
capuz. “Mas obrigada. Eu ainda estou surfando na empolgação de
ter sido coroada a melhor tia do mundo.”

“Eu imagino”, ele diz, aos risos, apoiando os braços no gradil e


olhando para a parte externa do bar. “Lembro quando minha irmã
mais nova teve o primeiro bebê. Eu nunca tinha convivido com
bebês antes, sabe?” Isaac olha para mim. “Não entendia qual era a
graça. Mas é diferente quando eles são da família.”

“Eu sempre adorei crianças, mas essa sensação é outra história. É

uma loucura ter uma pessoinha tão pequena ligada a mim dessa
forma.

Eu não quero estragar tudo.”

Ele ri. “Você não vai.”


O silêncio se instala e percebo quanto é estranho estar a sós com
ele.

Fora nossa conversa casual na loja de conveniência, nunca tivemos a


chance de ficar sozinhos; na verdade, nós nem nos conhecemos
direito.

Existem programas que colocam os participantes para morar juntos,


submetendo-os a horas e horas de proximidade forçada. E alguns
até proporcionam privacidade suficiente para que as pessoas
durmam juntas. Eu gosto do fato de este programa ser diferente,
gosto que trate as questões de personalidade e energia de uma
forma parecida com a do mundo real, mas também acho que é
preciso conhecer a pessoa a

portas fechadas para que uma química de verdade se estabeleça.


Fico me perguntando se Isaac e eu teríamos conseguido nos
entender nesse sentido se tivéssemos nos conhecido por acaso.

Ele vira a cabeça e apoia o queixo no ombro para olhar para mim.
“Eu sei por que você me chamou aqui fora, aliás.”

Imitando sua postura corporal, pergunto: “Ah, sabe?”.

“Ã-ham.” Ele sorri. “E já digo pra você: sem problemas.”

“Como assim?”

“Tudo bem as coisas não terem dado certo entre nós, mesmo se eu
ganhar.”

“Por que você acha que era isso que eu ia dizer?”

Ele se vira e se recosta no gradil, virado para mim. “Qual é, Fiz. Está
na cara que você não está me dando nenhuma abertura.”
Eu concordo balançando a cabeça e olho bem para ele. “E por que
eu tenho a sensação de que isso vale pra você também?”

Isaac respira bem fundo e olha para o céu. “Uns três dias depois que
gravamos nosso primeiro encontro, recebi uma mensagem da minha
namorada da época do colégio. Ela se mudou de volta pra cá.”

Um alívio tremendo toma conta do meu corpo. “Ah.”

“Nós ainda não nos vimos. Eu não vou desrespeitar as regras.” Ele ri.

“Mas estamos conversando por mensagens e… pois é. Acho que


pode rolar, sabe?”

“Que incrível, Isaac.”

“Então, se eu estiver certo e você não estiver mesmo me dando


nenhuma abertura, eu queria dizer que não tem problema.” Eu faço
que sim com a cabeça. “E, se eu estiver errado e houver algum
sentimento da sua parte, é bom colocar tudo em pratos limpos. Não
quero magoar ninguém.” Ele estende a mão e passa o polegar no
meu rosto.

“Sinceramente, você é uma das pessoas mais legais que eu já


conheci na vida. Essa é talvez a única mulher no mundo inteiro que
me faria desistir de tentar de tudo pra te conquistar.”

Ele explica tudo de um jeito perfeito. Eu gosto muito de Isaac. Em


um universo paralelo onde Connor não existisse, ele poderia ser
perfeito para mim. “Eu entendo totalmente”, respondo.

“Eu sei que sim.”

“O que está pegando aqui, amizades?”

Isaac e eu nos viramos e vemos Evan chegando com três copos


cheios equilibrados nas mãos. Ele entrega um para Isaac, um para
mim e faz um brinde. “À minha chance remota de ganhar essa coisa,
e à mulher mais linda com quem já saí.”

Nós caímos na risada, batemos nossos copos e damos um gole. Em


seguida, limpo a espuma que fica na minha boca. “Acho que a
disputa entre os dois está pau a pau.”

“Sem chance.” Evan dá um gole apressado na cerveja. “Ele vai


ganhar, e eu queria te dizer que, por mim, tudo bem.”

“Evan…”

“Não, é sério mesmo, Fizzy. Nós já tentamos uma vez e não rolou.

Estou contente por ter você de volta na minha vida. E por ter
removido a laser aquela tatuagem horrenda. Goldschläger é a
ferramenta do diabo”, ele se explica, erguendo o copo para mais um
brinde. “Aconteça o que acontecer, foi uma loucura bem divertida.”

Quando volto para dentro, não é difícil localizar Connor, um gigante


cercado por seu fã-clube — estou falando da equipe técnica, mas,
sendo bem sincera, sei que todo mundo está pelo menos oitenta por
cento apaixonado por ele. Como se ele sentisse que eu voltei, seus
olhos encontram os meus do outro lado do salão. É impossível
ignorar o alívio na expressão dele, é como se ele não gostasse de
me perder de vista.

Mas talvez isso seja só minha esperança falando mais alto.

E estou fazendo o possível para manter essa esperança sob controle.

Eu o magoei, e, mesmo que Connor decida confiar em mim de novo,


meu lado racional sabe que isso não muda nada. Se ele foi advertido
a não correr nenhum risco de estragar tudo, isso vai continuar
valendo amanhã, e depois de amanhã, e na semana que vem, e
daqui a três meses, porque os holofotes lançados sobre nós pela
popularidade do programa não parecem estar nem perto de nos
deixar em paz. No fim, eu preciso me conformar com a ideia de que
talvez tenha sido melhor não termos ido para a cama de novo,
porque provavelmente eu teria arranjado um jeito de arrastar seu
pau grande para Las Vegas e de enfiar uma aliança no dedo de
Connor para oficializar a coisa.

Ajeitando a minha postura, me preparo para uma conversa que tem


tudo para ser difícil e faço um gesto com a cabeça para chamá-lo
para um bate-papo a sós. Com um leve aceno de cabeça, ele se
inclina para murmurar alguma coisa para as duas mulheres com
quem está falando e acompanha com os olhos meu movimento pelo
salão até um canto mais isolado onde há uma mesa vazia quase
perdida nas sombras.

Me sento de costas para a parede e o observo enquanto ele caminha


na minha direção. É tão estranho eu só ter experimentado esses
sentimentos escrevendo a respeito deles, e nunca na vida real.
Quando digo que meu coração está apertando e parece estar sendo
puxado em diferentes direções por dois punhos fechados, constato
que não é só uma hipérbole. Amar dói.

Ele se senta à minha frente, colocando o copo de cerveja pela


metade sobre a mesa. “Oi.”

Fico em silêncio por um momento, hesitante em responder ao


cumprimento porque existem muitas outras palavras querendo vir à
tona. No fim, devolvo outro “Oi”.

“E aí?”

Decido ir direto ao assunto. “Eu ouvi falar sobre o que aconteceu no


Smash Course.”

Suas pálpebras tremem, e vejo um espasmo em seu maxilar. “Ah,


é?”
“É. Eu sinto muito. O clima deve estar bem estressante pra todo
mundo lá na North Star.”

Ele assente com a cabeça, levantando o copo de cerveja e franzindo


a testa. “Pois é, a coisa tá feia mesmo.” Connor dá um longo gole.

“Como não vamos nos ver muito mais, e provavelmente não seria
uma atitude muito profissional ligar pra você depois do fim do
programa, eu queria dizer algumas coisas.”

“Fizzy”, ele começa, se apoiando sobre os antebraços.

Mas eu levanto a mão para interrompê-lo. “Não vou pedir pra você
mudar de ideia. Eu entendo. Só que nunca tinha me declarado pra
ninguém antes e, quando tentei — lá na sua casa —, fui
interrompida pela sua rejeição. Então só queria desabafar tudo isso
que está preso no meu peito, porque acho que vai me fazer bem.”
Eu levanto as sobrancelhas. “Tudo bem pra você?”

Ele assente com a cabeça, fazendo força para engolir. Isso atrai meu
foco para seu pescoço comprido, e vejo a vermelhidão subindo sob o

colarinho da camisa até seu maxilar.

“Eu te amo”, digo para seu pescoço, e enfim crio coragem para
procurar seu olhar. Seus olhos verdes estão escondidos na sombra;
ele está iluminado por uma luz que vem de trás, mas, mesmo assim,
sinto que posso vê-los brilhar, à procura de algo nos meus. “Nunca
senti isso antes na minha vida. Por ninguém. Na época da escalação
do elenco do programa, você perguntou o que eu buscava em um
parceiro, e falei que queria alguém que valorizasse as coisas que
valem a pena, que fosse gente boa, reconhecesse o valor do
trabalho e que não se levasse muito a sério. Você se encaixa em
tudo isso e muito mais. É gentil e esforçado. É paciente e sincero. E
fiel. Eu te admiro demais.”
Seu olhar sobre mim é intenso, e eu o conheço bem o bastante para
saber que ele não vai me interromper, não vai se inclinar sobre a
mesa para me dar um beijo enlouquecedor, apesar de secretamente
ser isso o que eu desejo. Adoro o fato de ele ser respeitoso mesmo
quando isso é a última coisa que quero da sua parte.

“Eu também disse que teria que ser alguém por quem eu fosse
completamente louca”, lembro, “e nunca quis ninguém da mesma
forma que quero você.”

Ele engole a cerveja de novo, só que desta vez interrompendo o


contato visual e olhando para o copo.

“Não vou entrar em detalhes sobre isso”, digo a ele, “porque


estamos em um lugar público e também sei que não tem nada a ver
tentar engatar um sexo verbal com alguém que já deixou bem claro
que não quer nada comigo.”

Connor ri um pouco com isso, voltando seu olhar intenso para o


meu.

Percebo uma expressão de desafio ali. E espero que signifique algo


como Eu não me lembro de ter dito que não queria nada com você.

“Mas estou dizendo que te amo”, continuo, “porque às vezes acho


que nós, como sociedade, somos reprimidos demais. Temos medo
da rejeição, ou de parecer vulneráveis, ou de parecer esquisitos, ou
de dizer alguma coisa que ninguém mais pensa. E tudo bem. Mas,
com você, eu não tenho medo de nada disso. Eu sei que estou
sendo rejeitada, sei que estou sendo esquisita e tenho certeza de
que ninguém concordaria exatamente com o que estou dizendo
agora, porque ninguém te conhece como eu. E ninguém te ama
desse mesmo jeito perfeito e intenso.”

“Fizzy”, ele diz baixinho, contorcendo os dedos sobre a mesa. Com


cautela, ele estende uma das mãos e roça as pontas dos dedos no
dorso da minha.
“Então, quando você chegar em casa mais tarde e pensar sobre essa
conversa — seja lá o que for, se sentindo incomodado, feliz, triste ou
confuso —, quero que saiba que existe uma pessoa neste planeta
que te ama profundamente de forma incondicional por você ser
quem é, da forma como você é. Fico muito feliz de ter te conhecido,
Connor.”

Ele baixa os olhos de novo e respira bem fundo. “Eu não sei o que
dizer.”

“Eu sei. O que eu falei não foi pouca coisa. Você não precisa…”

“Não”, ele se apressa em dizer. “Quer dizer, eu tenho muita coisa pra
dizer, mas acho que não sei como.”

Eu mordo o lábio, me esforçando para não interrompê-lo.

“Se você sabe o que aconteceu no Smash Course”, ele começa,


inseguro, “então imagino que entenda por que eu precisei me
afastar.”

A esperança ressurge, quente e agitada sob as minhas costelas. “Ah,


sim.”

Connor me lança um olhar confuso. “Pensei que você fosse dizer que
isso é bobagem.”

“Mas é bobagem”, respondo. “Só que não sou eu quem tem que
dizer como você deve lidar com as coisas. Você sabia que eu não
daria a mínima para o que o Blaine ou qualquer outra pessoa
dissesse e tomou sua decisão de acordo com a sua consciência. Por
que eu ficaria chateada com isso?”

Ele me encara, surpreso.

“Você não entendeu, Connor?”, eu questiono. “Estou dizendo que te


amo. Quero o que for melhor pra você, mesmo que isso signifique
não ficar comigo.”

Connor abre a boca para responder, mas Brenna aparece atrás dele.

Eu o interrompo. “Brenna está vindo pra cá.”

Connor se vira na cadeira e sorri para ela. “Pois não?”

Ela parece abalada. “Você tem um minutinho?”

“Senta aqui com a gente.” Eu dou um tapinha no lugar ao meu lado.

Mas ela balança a cabeça. “Desculpa, eu… eu acho que preciso


tratar disso com o Connor a sós.” Ela abaixa o tom de voz. “O
resultado chegou.”

Eu me inclino para a frente. “O meu resultado?”

Nenhum dos dois olha para mim, mas Brenna confirma com a
cabeça para ele. “Eu queria…”, ela começa, mas então abre um
sorriso inseguro. “Você e a Rory vão ter que rever a estratégia de
edição, só isso.”

“Ah, tudo bem.” Connor se volta de novo para mim.

Tento ler em sua expressão o que vem pela frente. “Tá tudo bem?”

“Tudo ótimo.” Seu sorriso é apenas um lampejo em seus lábios.

“Vamos precisar interromper essa conversa agora, mas podemos


fazer isso em outro momento?”

Essa mudança brusca de clima me deixa toda tensa e


desconfortável.

“Ah, sim, claro.” Eu fico de pé.

“Fizzy”, diz Connor.


“Tudo bem.” Eu passo por ele, que me segura pelo antebraço.

“É sério. Nós precisamos terminar essa conversa.”

Faço que sim com a cabeça, mas não digo mais nada. Sairia tudo
torto e engasgado de qualquer jeito. Fico contente por já ter dito
tudo o que queria, mas não estou me sentindo melhor como eu
esperava. Na verdade, estou me sentindo ainda pior, principalmente
com a perspectiva de terminar de vez a conversa.

Quarenta e nove

FIZZY

Não estou nada surpresa por não ter recebido nenhum contato de
Connor até o episódio final ao vivo, mas estaria mentindo se
dissesse que o último dia e meio não foi solitário e estressante. Todo
mundo que faz parte da minha vida presumiu que eu estaria
ocupada com alguma coisa ou alguém, mas na verdade fiquei
fechada no meu quarto, tomando sorvete direto do pote, repassando
a conversa com Connor na Stone sem parar na minha mente e
vendo reprises de episódios de Breaking Bad para me sentir melhor
com a minha vida. Declarei meu amor por um homem sem obter
nenhuma resposta pela terceira vez, é verdade, mas pelo menos não
tenho um cadáver na banheira para desovar.

No sábado ao meio-dia, na hora marcada, apareço no estúdio para


fazer o cabelo e a maquiagem, me agarrando à esperança de que
pelo menos vou conseguir ver Connor em algum momento —
mesmo que do outro lado do estúdio, sem a ambição de um contato
mais próximo e muito menos de uma conversa a sós. Mas, se ele
está presente, não dá as caras em nenhum momento.

Só vejo Brenna, Liz, Isaac, Evan e todos os outros heróis românticos


que foram eliminados, mas que vão aparecer na parte da
retrospectiva do programa. Somos levados de uma sala a outra para
fazer maquiagem e cabelo e para receber instruções sobre as
entrevistas.

Estar no estúdio faz a coisa parecer mais importante; os dias de


cafeteria aconchegante, de passeios no parque e de ilusão de que
estávamos participando de uma pequena produção independente
ficaram para trás. O programa é uma grande atração. De alguma
forma, mesmo com todos os novos seguidores nas redes, com as
abordagens em público, com as listas de livros mais vendidos e os
pedidos de entrevistas, eu nunca tinha me dado conta da dimensão
que a coisa tinha tomado. Somos acompanhados por seguranças ao
passar de um estúdio para o outro. A energia no ar é palpável, e a
fila de pessoas

tentando conseguir ingressos para a grande final ao vivo se estende


por vários quarteirões.

Tenho quatro escolhas de figurino, mas a verdade é que não estou


nem aí para o que vou usar. Estou me sentindo estranhamente
entorpecida quando entro no camarim e escolho um vestido evasê
vermelho que sei que minha mãe vai adorar, porque me dou conta
de que encarar a minha vida depois de tudo isso não vai ser fácil.
Participei desse programa como uma espécie de tratamento de
choque, em busca de inspiração e de uma mudança de perspectiva.
Encontrei algo novo dentro de mim — um sentimento de paixão e
amor genuíno —, mas, sem ser correspondida, sinto que isso está se
transformando em uma coisa dolorosa que vai atormentar meus
pensamentos. Em nenhuma das formas como imaginei que o
programa seria me vi saindo ainda mais triste do que antes.

Quando recebemos as instruções, somos informados de que o


programa vai ser mais ou menos assim: os heróis vão ser
entrevistados em conjunto, depois da exibição de alguns vídeos
curtos de cada um.
Em seguida, eu vou ser chamada para falar das minhas experiências
com eles. Por fim, o voto do público vai ser revelado, assim como as
pontuações no DNADuo. O vencedor será coroado e me levará do
estúdio nos ombros para pegarmos um avião para Fiji.

Ok, esta última parte eu posso ter ficcionalizado um pouco.

Brenna me posiciona na lateral do palco para eu poder ver a


primeira parte dos bastidores através de um monitor montado ali
perto. Do outro lado do set, os participantes entram sob aplausos
ruidosos, e Lanelle faz uma breve apresentação do programa,
explicando como começou e como ganhou uma popularidade que
jamais esperávamos.

Dentro do meu peito, meu coração parece um brinquedo de corda


com o mecanismo forçado para além de sua capacidade máxima.

Nick, Dax, Colby, June, Arjun e Tex estão sentados em sofás


posicionados em ambos os lados de Lanelle, com Isaac e Evan nas
posições mais próximas dela.

“Nossos oito heróis românticos foram convidados a participar do


programa para estabelecer uma conexão com a popularíssima autora
de histórias de amor Felicity Chen.” Os aplausos recomeçam, e dou
uma espiada na plateia e vejo Jess, River, Juno e toda minha família
em meio à massa de corpos. “O objetivo não era tirar ninguém de
sua rotina, e

sim ver quem se dava bem com ela, quem estabelecia uma
conexão… e com quem a coisa não iria para a frente. Toda semana,
vocês — os espectadores — votaram em qual herói parecia ser a
alma gêmea da Fizzy. E hoje reunimos o elenco inteiro para discutir
suas experiências, suas esperanças e, principalmente, suas
impressões sobre O

Experimento do Amor Verdadeiro!”


A música de abertura começa, há um show de luzes meio brega, e o
programa vai para o intervalo comercial. Quando voltamos, o
segundo segmento começa com uma montagem apresentando todos
os arquétipos de heróis românticos e mostrando os participantes em
seu dia a dia, no programa, e falando sobre mim. Ouço assobios
quando Colby aparece se exercitando sem camisa, algumas risadas
quando Arjun é mostrado usando os serviços de um engraxate na
rua, gritos femininos quando Dax se joga de um avião e sons
estridentes quando o vídeo mostra Isaac atravessando um corredor
com um equipamento robótico na mão que provavelmente é só
acessório de cena para acentuar seu lado nerd gato.

A plateia ri quando Dax sai do café depois do nosso primeiro


encontro e solta um “[bipe], como ela é sexy.”

Eu levo a mão à boca para conter a gargalhada.

“Fizzy tem uma certa aura, sabe?”, Nick diz no vídeo. “Confiante,
forte, centrada. Mas [bipe prolongado] como é gostosa.”

Mais risos, e depois ainda mais quando Arjun comenta: “É, acho que
não rolou uma conexão entre nós”.

A plateia aplaude quando Isaac aparece. “Fizzy é o tipo de mulher


que um homem passa a vida toda esperando conhecer. Você olha
pra ela e pensa ‘Nossa, que gata’, e quando começa a conversar
percebe que está totalmente envolvido e nem se deu conta disso.”

“Eu sabia já da primeira vez que namoramos que ela era especial”,
Evan declara. “Mas um conselho: não faça uma tatuagem do Bart
Simpson.”

A plateia gargalha. Esse vídeo me deixa com um nó na garganta, um


emaranhado de diferentes sensações. Por que não me apaixonei por
nenhum deles?
Quando a exibição termina, Lanelle espera o fim dos aplausos para
abordar a parte mais suculenta do programa.

Com um sorriso no rosto, ela faz algumas perguntas um tanto


constrangedoras aos primeiros heróis eliminados — Tex não achava
um tanto machista ter me perguntado o que meu pai pensava de eu
ser uma autora de livros de romance? Por que Colby achava que
tinha sido eliminado? Arjun tinha visto seu episódio? E como achava
que havia se saído?

Mas em seguida ela começa a jogar seu charme sobre Dax e Nick,
flertando descaradamente enquanto pergunta se mudariam alguma
coisa que fizeram ou falaram no programa e se participariam de um
reality show como esse de novo no futuro. E então vem o anúncio
surpresa: tanto Dax como Nick vão voltar como os protagonistas na
segunda temporada.

“Puta merda”, murmuro para mim mesma. “Puta merda!”

Fico me perguntando se o produtor vai ser Connor, ou se ele está


livre a partir de hoje. Se vai poder fazer o que quiser sem medo de
perder o emprego e a vida que tem em San Diego. Sinto vontade de
perguntar para ele, mas não faço ideia de como vão ser as coisas
entre nós depois de hoje à noite.

“Oi”, uma voz grave murmura à minha direita e tomo um susto,


levando a mão à boca antes de me virar. Tinha desistido por
completo de pensar em Connor nesta noite, imaginando que ele
estaria vendo tudo lá de cima, da sala de controle. O instinto de
lançar os braços em torno de seu pescoço é forte, mas o desejo de
devorá-lo inteiro com os olhos é ainda mais. Ele está com os cabelos
soltos, caídos sobre a testa, mas com um terno preto impecável e
uma gravata preta fina. Parece ao mesmo tempo tranquilo e
diabólico, gentil e poderoso. É tudo em um único homem, todos os
arquétipos reunidos bem diante de mim, e preciso me valer de toda
a minha força de vontade para não declarar inutilmente meu amor
pela quarta vez.

“Que notícia incrível essa do Dax e do Nick.”

Ele assente com a cabeça. “Eu também acho.”

“Você vai ser o produtor-executivo de novo?”

“Ainda não decidi.” Sua voz é firme, mas percebo algo nos seus
olhos, uma tensão que nunca vi nele antes.

Chego um pouco mais perto. “Tá tudo bem?”

“Tá, sim.” Ele puxa a manga do paletó, alisa o peito e depois os


cabelos. Ver Connor inquieto é um tanto surreal. Seu olhar pousa

rapidamente sobre mim antes de se desviar de novo. “E com você?”

“Eu diria que estou relativamente calma. O que está acontecendo


com você?”

“É o episódio final”, ele se limita a dizer. “Só estou nervoso.”

“Está todo mundo se saindo muito bem”, digo a ele. “Você não
estava assistindo?”

“Estava… é que…” Connor respira fundo e solta um suspiro trêmulo.

“A parte mais difícil vem agora.”

Eu me viro para ele e ponho a mão em seu peito. De uma coisa


tenho certeza: “Vai dar tudo certo”, garanto. “Você não tem com o
que se preocupar. Eu não vou te decepcionar.”

Ele assente, e seu olhar se volta para a minha boca, vagando sem
foco.
Meu coração decide evaporar de dentro do meu corpo.

“Aconteça o que acontecer”, murmuro, me forçando a conseguir


falar,

“nós fizemos uma coisa espetacular, brilhante e única juntos, e eu


nunca vou me arrepender disso. Nunca vou me arrepender de você.”

Antes mesmo de eu terminar de falar, ele já está se abaixando e


colando os lábios aos meus em um beijo caloroso e urgente,
segurando o meu rosto entre as mãos. A surpresa faz um gritinho
escapar da minha garganta, mas então o instinto toma conta, eu
agarro as lapelas de seu paletó e fico na ponta dos pés, sedenta por
sua boca, desesperada pelo equilíbrio viciante de dominação e
ternura de seu toque. Não sei o que está acontecendo, mas também
não sou tonta.

Vou aproveitar tudo o que esse homem quiser me dar.

Com um grunhido discreto, Connor inclina a cabeça, aprofundando o


contato em um deslizar sensual da língua e passando uma mão
cobiçosa pelo meu corpo, agarrando a minha bunda e me puxando
com força para perto de si. Seus outros dedos passam pelos meus
cabelos até encontrarem a minha nuca, que ele segura enquanto me
beija com tudo o que tem. É o equilíbrio perfeito de suavidade e
força, com lambidas e sucções quentes e molhadas. Ele prende
meus lábios inferiores entre os dentes e se afasta devagar. Eu busco
mais contato, mas ele me impede, levando o polegar aos meus
lábios.

Ele fica olhando para o próprio dedo, com um ar de indecisão, antes


de retirá-lo para um último e longo beijo.

“Connor.”

“Você está certa”, ele me diz.


“Sobre o quê?”

Mas os aplausos explodem logo atrás de mim. O programa voltou


dos comerciais, e a luz que avisa o momento da minha entrada se
acende.

Connor vira meu corpo e me empurra de leve para a frente.

Atordoada, eu entro no palco — com os cabelos bagunçados, o


batom retirado da boca — para descobrir com quem estou destinada
a passar o resto da minha vida.

Cinquenta

FIZZY

O rugido da plateia reverbera como um enxame de abelhas dentro


da minha cabeça. Olho para fora, tentando estimar quanta gente
tem aqui, mas as luzes do palco são ofuscantes demais. Não consigo
enxergar nada.

O que foi que aconteceu?

Connor acabou de me dar um beijo de despedida?

O set foi rearranjado com uma namoradeira colocada ao lado da


poltrona de Lanelle, e os dois sofás com os heróis românticos foram
afastados para os lados, um deles perto do que presumo ser a
minha namoradeira, e o outro atrás, em uma plataforma, para que
eles possam se sentar em duas fileiras de quatro participantes cada.

Acredito que o vencedor pela votação do público venha se sentar ao


meu lado, mas, assim que assumo meu lugar na namoradeira, me
sinto estranhamente exposta e intimidada.

Meus lábios ainda estão formigando por causa dos beijos quentes de
Connor.
Tenho alguns minutos para recobrar a compostura enquanto um
vídeo sobre a minha vida é exibido: no palco às escuras, a equipe de
cabelo e maquiagem entra correndo para consertar o estrago. Na
tela, apareço escrevendo (ha!), correndo (escuto uma gargalhada
solitária na primeira fileira; nós conversaremos mais tarde sobre
isso, Jessica Marie Peña) e pegando onda de bodyboard na Pacific
Beach (ops, meu biquíni acabou mostrando demais nessa cena).
Minha nossa, pensando bem, por que eu topei fazer essas cenas?
Um retrato mais realista da minha vida seria eu enfiando um nacho
em uma tigela gigante de guacamole vendo Pousando no amor na
tevê pela septuagésima vez enquanto meu notebook junta poeira
em um canto. Mas acho que isso não pegaria bem para uma heroína
romântica.

Quando o vídeo termina, falamos sobre o que todo mundo já sabe:


que eu já havia saído com Evan e detestava sua tatuagem; que
Arjun e

eu não tivemos nenhuma química; que Tex e Jude não combinaram


muito comigo; que Dax e eu parecíamos interessadíssimos um no
outro, mas não temos muita coisa em comum; e que me dei muito
bem com Nick, Isaac e Evan.

Todos nós fazemos brincadeiras e provocações inofensivas. Vamos


para os comerciais e, enquanto todo mundo está fazendo piadinhas
e conversando, sinto minha pulsação começar a acelerar. Estamos
quase lá. Quase. Existe uma boa chance de que eu não vomite na
frente das câmeras.

Quero acabar logo com isso, mas ao mesmo tempo quero que nunca
termine. Não sei como vou conseguir manter uma relação com
Connor depois que o programa terminar, nem se devo fazer isso. É
estranho ter trinta e sete anos, mas só agora estar aprendendo a
declarar meus sentimentos, a ir atrás do que e de quem eu quero na
minha vida romântica, a lidar com a rejeição. Eu nunca esperei que
fosse virar o tipo de pessoa que demora para virar a página.
As luzes se acendem, sinalizando que estamos de volta ao ar. Minhas
mãos estão suadas, mas resisto à vontade de secá-las no vestido
porque ficaria óbvio demais que estou surtando no momento. Vamos
ser informados do resultado da votação do público. Vamos descobrir
as nossas porcentagens de compatibilidade. Vamos saber quem é
minha alma gêmea.

Mas então Lanelle me surpreende.

“Na verdade, vocês oito não são os únicos heróis românticos com fãs
entusiasmados”, ela conta. “Também surgiu um queridinho surpresa;
não é mesmo, Fizzy?”

A plateia enlouquece.

Eu pisco algumas vezes, confusa, mas consigo me recuperar da


surpresa. “Imagino que você esteja falando do produtor gostosão,
Connor Prince III.”

Lanelle ri. “Exatamente ele. Antes de fazermos as grandes


revelações, vamos dedicar um tempinho à mente brilhante por trás
do programa.

Connor, pode vir.”

Se eu achava que a plateia estava barulhenta antes, não era nada


em comparação com a saudação que ele recebe. A reação aos heróis
também foi animada; mas agora, além de animada, é acompanhada
por

gritos do público, o tipo de histeria estridente que ouvi pela última


vez no show do Wonderland.

Connor entra no palco com um sorriso tímido, com mais de um


metro e noventa de humildade, e me sinto uma grande idiota,
porque só agora me dou conta de que o lugar na namoradeira é
reservado para ele.
Durante o tempo todo que ele leva para atravessar o palco, seu
olhar está fixo no meu.

Ele se senta e me olha sorrindo. “Olá.”

Sua coxa musculosa está colada à minha, e, sem querer ser


dramática, essa é a sensação mais erótica que já experimentei na
vida.

“Olá pra você também”, eu respondo, mergulhando de cabeça no


contato visual intenso que fazemos. “Eu não sabia que íamos fazer
você passar vergonha em rede nacional.”

Os olhos verdes de Connor brilham. “Eu precisava fazer esse último


agrado pra você antes que a temporada terminasse.”

Lanelle entra na conversa. “É dessa química que estamos falando”,


ela diz, apontando para nós. “Fizzy, ouvi dizer que Connor só fez a
gravação dos depoimentos confessionais por uma exigência
contratual sua?”

“Em certo sentido”, respondo, ainda sorrindo para ele. “No nosso
primeiro dia de filmagens, eu disse que iria embora do programa se
ele não topasse.”

Lanelle franze a testa dramaticamente. “Isso parece bem radical.”

“E também é mentira”, Connor retruca, aos risos. “Ela só está


dizendo isso pra fingir que é durona.”

“E pelo menos isso você podia deixar!” Dou um empurrão de


brincadeira nele, e o público cai na risada. “Ele nunca me deixa fazer
nada do meu jeito.”

“Sendo bem sincero, a lição que aprendi aqui foi nunca duvidar da
Fizzy”, Connor comenta, e a plateia se derrete toda.
“Mas escutem só”, Lanelle diz. “Vocês dois mostraram uma dinâmica
incrível em suas interações na tela.”

Um desconforto se instala sob a minha pele. Não quero expor


Connor dessa maneira. “Até um cadáver conseguiria estabelecer
uma química com esse homem, Lanelle. Fala sério.”

As fãs de Connor na plateia vão à loucura.

“Não, não, isso é diferente, especial. Deem só uma olhada.” Ela


aponta para o telão, onde uma montagem de fotos começa a ser
exibida e me deixa sem fôlego: Connor e eu no set, olhando para o
monitor; nós dois lado a lado no café naquela primeira semana, ele
segurando seu café gelado enquanto eu tomava um gole no
canudinho.

Uma imagem em que ofereço a ele um pouco da minha massa na


pausa para o almoço em uma filmagem; outra em que estou atrás
dele fazendo careta e chifrinhos enquanto Connor e Rory leem
alguma coisa em uma prancheta.

Olho para ele, me perguntando que diabos é isso e o que está


acontecendo aqui, mas ele está sorrindo para a tela e não sente o
meu olhar sobre seu rosto.

Então na tela surge uma foto que pedimos para uma pessoa
desconhecida tirar de nós dois no Broad…

Meu coração rasteja até a minha garganta, procurando algum tipo


de proteção emocional.

E depois vem uma selfie no Rocky Horror Picture Show, e uma foto
minha pendurada na parede de escalada, enquanto Connor cai na
gargalhada com os dois pés firmemente plantados no chão. Então
vem uma imagem do dia em que tentamos comer tacos no set com
uma só mordida (ele ganhou o desafio), e outra de quando ele teve
que me carregar até o trailer dos depoimentos confessionais porque
eu estava envolvida demais em uma conversa com Liz e Brenna. E
outra de um momento que nem lembro, em que estamos vendo as
versões brutas das filmagens do dia e Connor está atrás de mim,
com as duas mãos nos meus ombros. Quando surge na tela uma
foto de nós dois com Juno e Stevie pouco antes do início do show do
Wonderland, os aplausos da plateia ganham outro tom. As pessoas
estão começando a entender o que está acontecendo — e eu
também.

Estão mostrando como nos apaixonamos um pelo outro.

Os rostos das meninas não aparecem borrados, o que significa que


Nat, Jess e River assinaram uma autorização para elas aparecerem
no programa, e sinto minha surpresa mergulhar em um abismo de
confusão dentro de mim. O que é isso? Olho para a plateia,
procurando por eles, que estão nas primeiras fileiras, mas só vejo
uma massa escura. Minha pulsação está disparada como uma
metralhadora no meu pescoço e não dá nenhum sinal de arrefecer.

“Uma amizade de verdade”, Lanelle comenta quando a montagem


para em uma foto em que estou às gargalhadas no Balboa Park e,
ao meu lado, Connor me olha com uma adoração indisfarçável.
“Alguns fãs do programa inclusive acham que temos uma história de
amor de verdade surgindo aqui.”

A plateia irrompe em gritos. A voz de uma mulher se destaca entre


as demais: “Beija ela, Papai Prince!”.

Eu me viro para Connor, que move a cabeça lentamente na direção


do meu olhar.

“Vocês sabem quantos fãs têm na internet?”, Lanelle pergunta.

Demoro um instante para me dar conta de que ela está falando


comigo. Desvio meu olhar do rosto dele, me virando em câmera
lenta para Lanelle, balançando a cabeça. Meu crânio parece pesar
uma tonelada. “O combinado foi que eu não acompanhasse o
burburinho sobre o programa na internet, o que me deu o pretexto
perfeito para não precisar entrar no Twitter.” Risos divertidos se
espalham pela plateia.

“Connor, o que você achou de tudo isso?”

“Bom, obviamente a ideia não era eu aparecer diante das câmeras.”

Ele passa uma das mãos pelos cabelos macios. “E confesso que não
é onde eu me sinto mais confortável.”

Um coro de manifestações solidárias se espalha pela plateia.

“Mas a Fizzy tinha razão”, ele complementa, levantando as mãos


como que para me defender. “Deu certo. E foi divertido, não foi?” Ele
se vira para mim, e seu olhar se volta para a minha boca. “Todo
mundo já percebeu que a Fizzy é inteligente, divertida e faz todo
mundo se sentir à vontade.” Ele suspira. “Ninguém sabe criar um
clima como ela.”

A plateia simplesmente vai à loucura ao ouvir isso, e eu olho para ele


como quem diz: Sério mesmo, o que você está fazendo?

“Eu mal entro nas redes sociais”, ele me diz como se não houvesse
mais ninguém presente no estúdio. “Mas até eu comecei a perceber
que as pessoas estavam gostando da nossa dinâmica.” Connor sorri.
“Eu também gosto.”

Puta que pariu, meu coração.

“E, ao que parece”, Lanelle complementa, “tem um monte de gente


aqui no auditório shippando o casal Cizzy!”

“Cizzy?”, faço com os lábios para Connor, que só encolhe os ombros.

E, no microfone, eu digo: “Eu não fazia nem ideia de que estavam


nos shippando com esse nome, Lanelle”.
“Nós podemos diminuir um pouco as luzes?”, Lanelle pede, o que
nos permite ver a plateia sob uma iluminação suave. “Levante a mão
quem aqui shippa o casal Cizzy”, ela grita.

Surpresa, eu pisco várias vezes ao ver todos os braços que se


erguem e então me viro para uma movimentação ao meu lado. Tex,
Colby e Dax levantam a mão também.

Lanelle se vira para eles, aos risos. “Até vocês três?”

Dax assente com um sorrisão no rosto. “Foi mais fácil aceitar a


derrota sabendo que na verdade nunca tive chance.”

“Eu votei neles”, Tex admite.

“Eu também”, afirma Colby.

“Nós ainda nem sabemos o resultado!”, eu grito, ainda tentando


entender qual é a intenção por trás de tudo aquilo. “O que está
acontecendo aqui?”

Olho para Connor, que segura minha mão entre as suas. Um silêncio
se espalha pelo amplo auditório. “O que está acontecendo é que eu
estou entrando na disputa.”

Um pandemônio se eleva ao nosso redor. A maioria das pessoas nas


primeiras filas inclusive fica de pé.

Nos bastidores ele avisou: A parte mais difícil vem agora. Então
entendo o que isso quer dizer: se colocar sob os holofotes por minha
causa, se apresentando não só como um herói, mas como O Herói,
arriscando tudo por nós. Um sentimento de devoção faz meu
coração se comprimir.

“Isso não vai dar problema?”, pergunto baixinho, me referindo a seu


emprego, sua vida aqui e tudo o mais.
Ele se inclina para a frente e murmura no meu ouvido: “Eu disse lá
nos bastidores que você estava certa”. Connor leu meus
pensamentos e se afasta apenas o suficiente para sorrir para mim.
“E obrigado por me lembrar: vai dar tudo certo mesmo.”

A percepção me atinge como um baque físico: ele confia em mim na


mesma medida que confio nele. Connor me procurou nos bastidores
em busca da confiança que sempre extraí da presença dele. De
alguma

forma, diante de milhões de pessoas, encontramos um porto seguro


um no outro.

Eu acho que não vou aguentar, meu coração não vai aguentar. Se
isso for uma espécie de gesto grandioso, é algo que eu jamais
poderia ter escrito, nunca teria imaginado esse sentimento que me
domina de um jeito que me deixa incapaz de falar e até de pensar.

Connor aperta a minha mão e se vira a para a plateia. “Nós achamos


que eu deveria ter um tempo de exposição equivalente ao dos
demais, mas obviamente isso não é possível. Então eu elaborei uma
coisinha pra vocês.” Ele aponta com o queixo para a tela de novo, e
as luzes voltam a diminuir. A abertura da minha música favorita do
Wonderland,

“Joyful”, começa, e sinto uma onda de emoção que não sei se vou
conseguir conter.

O vídeo mostra nós dois rindo e brincando no set, e eu jogando um


guardanapo amassado nele. Nós almoçando juntos, sempre alguns
metros afastados do restante da equipe; em outra imagem, estamos
sentados à mesa sozinhos, mexendo no celular, mas
inequivocamente juntos. Nós tentando aprender uma dancinha do
TikTok juntos e morrendo de rir, e então uma compilação em cortes
rápidos em que eu o cutuco nas costelas toda vez que passo por ele,
o que faz a plateia rir até não poder mais.
Nas imagens seguintes, Connor passa instruções no set, enquanto
eu o acompanho com os olhos vidrados, assentindo. Meu amor é
sutil como uma tijolada na cara, e eu ficaria envergonhada de me
mostrar tão apaixonada se o sentimento não fosse tão obviamente
recíproco.

Quem capturou a imagem em que ele me vê preparar aquele prato


na cozinha industrial com Jude é um gênio; Connor parece estar
assistindo a seu programa favorito na vida.

A música termina, a tela escurece e penso que esse é o fim do clipe,


mas então sou surpreendida pelo som da minha própria voz: “Você
não vai querer falar sobre ontem à noite?”.

A plateia ri maliciosamente, e ai, meu Deus. Eu sei o que é isso. Foi


no primeiro dia de filmagens, quando o microfone estava ligado. A
vergonha se espalha pelo meu corpo como água gelada. Bato a mão
na testa, e a plateia vibra de empolgação com a expectativa do que
sente que está por vir.

A tela ainda está escura, mas a pausa que Connor faz e a resposta
que ele dá não deixam dúvidas de que ele está tentando acobertar o
verdadeiro assunto: “Sobre as orientações que eu passei sobre a
programação de hoje?”.

E a minha resposta estridente — “É! Sobre isso, claro! Do que mais


eu poderia estar falando?” — faz a plateia cair na risada.

Brenna aparece na tela, sentada ao lado de Rory no sofá do trailer


dos depoimentos confessionais. “Sinceramente, estava na cara
desde o começo que esses dois estavam loucos um pelo outro.”

E Rory complementa: “Nossa. Ela olhava para ele o tempo todo”.

Depois disso, vem uma montagem com cortes rápidos de todas as


vezes em que me voltei para Connor durante as filmagens. Sentada
à mesa do café, na cozinha industrial, no parque, no spa, mesmo
sabendo que ele não estava lá. O vídeo se acelera, mostrando as
dezenas de ocasiões em que espiei por cima do ombro à sua
procura. Isso aconteceu mais do que eu imaginava, e eu sabia que
tinha sido bastante.

É hilário.

Eu me abaixo e escondo o rosto atrás das mãos, e a plateia aplaude.

Quando endireito a minha postura, escuto a voz de Brenna. “Pois é,


mas Connor não era muito diferente.”

Então aparece uma montagem com as reações de Connor toda vez


que um herói do programa encostava em mim, chegava mais perto,
me fazia rir, flertava comigo. A compilação é engraçadíssima — Dax
e eu no primeiro encontro, e um corte rápido para Connor olhando
feio para o monitor; Nick me dando uma cereja, e Connor parecendo
respirar fundo, olhando para o teto; Evan se posicionando atrás de
mim no barco de pesca, e Connor fulminando o cara com o olhar. A
plateia se diverte, e os gritos deixam isso bem claro. Os heróis do
programa também estão às gargalhadas.

Isaac aparece na tela. “Acho que todo mundo percebeu, mas no


começo ninguém achou que rolasse alguma coisa entre eles, só que
eram bons amigos.”

E então Dax: “Esses dois com certeza estão transando”.

A plateia vai ao delírio.

Nick diz: “Acho que ele tentou se segurar, mas está na cara que
gosta dela”. E Colby, ao lado dele em uma noite que não sei quando
foi,

confirma: “E a Fizzy não queria nada com nenhum de nós porque


estava a fim dele. Mas é difícil ficar bravo quando você vê duas
pessoas se apaixonando bem na sua frente”.
Olho para Connor e percebo que ele está me observando. Claro que
sim. Ele mesmo disse que é o autor desse vídeo, não precisa olhar
para a tela para ver o que está acontecendo. E é então que me dou
conta: eu já vi Nick e Colby com essas roupas antes. Eram as que
estavam vestindo na festa de encerramento.

“Foi você que fez isso?”, pergunto baixinho. “Na quinta-feira


mesmo?”

Ele assente, e então aponta com o queixo para a tela, me pedindo


para ver o que vem a seguir.

Estamos no trailer dos depoimentos confessionais, um de frente para


o outro. Os dois parecem tristes, e meu coração se encolhe dentro
do peito. É a primeira parte daquela agoniante entrevista no último
dia de filmagens.

A que nunca foi ao ar.

“Como está se sentindo antes do início do seu último encontro?”,


Connor pergunta.

“Aliviada”, respondo, olhando bem para ele. Eu me lembro de como


estava me sentindo, expondo toda a minha devoção naquele espaço
entre nós, tentando fazer ele entender quanto eu o amava. Está
escrito na minha cara.

A expressão de Connor fica tensa, e seus olhos procuram os meus.

Quando o vejo assim, não sei como consegui me controlar.

Ele volta a pôr sua máscara sobre o rosto. “Aliviada por quê?”

“Porque em breve vou poder parar de fingir que quero alguma outra
pessoa que não seja você.”
“Fizzy”, ele diz, olhando em pânico para a câmera, “você… não pode
dizer isso.”

Eu ergo o queixo. “É só cortar na edição, então.”

Com um longo suspiro, Connor estende a mão para desligar a


câmera. A tela fica escura.

As luzes do estúdio se acendem, e um silêncio mortal se instala


antes de a plateia irromper em aplausos estrondosos, ficando de pé.

Minha mão está tão suada entre as de Connor que sinto vontade de
puxá-la de volta e secá-la, mas não ouso fazer isso; ele a vira

sutilmente, colocando-a sobre sua perna. Os gritos recomeçam


quando o público vê minha mão em sua coxa.

Essas pessoas teriam um ataque cardíaco se vissem do que esse


homem é capaz na cama.

“Bom, Connor, parece que você entrou oficialmente na competição”,


Lanelle diz com um tom malicioso, e meu coração fica apertado
quando volto a me lembrar do motivo por que estamos aqui. “Acho
que está na hora de descobrir em quem os espectadores votaram.”

Ela explica que a votação foi feita pelas redes sociais, onde foi
rastreada por uma empresa independente, e se gaba ao informar
quantos votos foram computados na última semana em relação à
primeira. Os números são impressionantes. As luzes diminuem e vão
assumindo uma coloração vermelha para criar suspense, eu acho. E

então Lanelle anuncia: “Com 41,2 por cento dos votos… o público
escolheu Isaac!”.

Há um instante de silêncio e, em seguida, aplausos — ruidosos, mas


contidos.
“No entanto”, Lanelle continua, sorrindo para a plateia, e percebo
que rumo a coisa vai tomar aqui também. “Nós tivemos uma
surpresinha.

Querem saber qual é?” O público grita centenas de coisas


ininteligíveis ao mesmo tempo antes de ela pedir silêncio e mostrar
que está lendo os cartões em sua mão. “De forma completamente
inesperada, Connor Prince recebeu 38,6 por cento dos votos, apesar
de nem sequer ser um participante.” O caos toma conta do estúdio,
e ela precisa gritar para ser ouvida. Até a equipe atrás das câmeras
está vibrando.

Não preciso da matemática complexa de uma nerd como Jess para


saber que 38,6 por cento dos votos são milhões de pessoas. Milhões
de pessoas querem que Connor fique comigo. Mas a única coisa que
importa é que estamos juntos neste sofá. Eu olho para ele; seu
sorriso é tímido e presunçoso na mesma medida, além de
completamente emocionado.

Eu chego mais perto, o que só faz a barulheira ao nosso redor se


intensificar. “Você sabia disso?”

Connor encolhe um dos ombros, e seu sorriso se amplia. Meu


coração não cabe mais no peito.

“Muito bem, muito bem”, diz Lanelle, tentando impedir que o


programa se transforme em um caos absoluto. “Mas a grande
pergunta

ainda precisa ser respondida: o público — ou seja, todos vocês —

conseguiu acertar quem é a alma gêmea de Fizzy, determinada pelo


método científico do DNADuo?”

Ela informa os resultados por ordem de eliminação. Para a surpresa


de ninguém, Tex é um match Básico. No entanto, Arjun se revela um
Prata. Jude e Colby são um match Básico; Nick e Dax também são
Prata. Infelizmente, Evan é um match Básico, mas a plateia vibra,
porque sabe o que isso significa: Isaac é meu match Ouro. Como
recebeu 41,2 por cento dos votos, isso significa que os espectadores
acertaram.

Lanelle confirma o resultado, e confetes são lançados de canhões de


ar escondidos no palco. As lâmpadas da logomarca em formato retrô
piscam e giram no ritmo da música; a cacofonia de um pequeno
show pirotécnico nos envolve. As câmeras se concentram em Isaac,
cujo rosto bonito aparece na tela. Ele levanta os braços em triunfo,
acena para o público e troca cumprimentos com os demais heróis.
Eu fico de pé para ir abraçá-lo. Até Connor está aplaudindo.

Mas, no meio do caos da comemoração, surge mais uma pergunta.

Connor também fez o teste do DNADuo? Eles sabem a nossa


pontuação?

A plateia volta a se sentar, e um clima de expectativa toma conta do


auditório. Nós reassumimos nossos lugares, e Lanelle se vira para
mim e para Connor no sofá. “Como vocês devem saber, ainda resta
uma questão a ser esclarecida: Connor também forneceu uma
amostra para o teste do DNADuo.”

Meu coração parece que vai saltar pela boca. “Eu bem que
desconfiei que esse era o rumo que as coisas estavam tomando.”

“Então, aqui estamos nós”, ela diz com um sorrisinho. “O momento


da verdade. Como estão se sentindo?”

Minha resposta é simples e dirigida apenas a Connor: “Eu não me


importo com o resultado”.

“Eu também não.” Mas ele sorri depois de dizer isso.

“Você já sabe?”
Ele assente com a cabeça.

“E eu vou querer saber?”

A plateia dá risada.

“Isso eu não tenho como dizer”, ele responde. “A escolha é sua,


querida.” Connor segura minha mão e a põe de novo sobre sua
perna.

“E eu certamente não vou te forçar a descobrir isso ao vivo na


televisão.”

O público protesta com veemência, e sei que, apesar de não ser


obrigada, eu tenho que fazer isso. Não sou idiota. Se insistir em
fazer mistério, corro o risco de ser esfaqueada no beco atrás do
estúdio.

“E se a nossa compatibilidade for baixa?”, eu questiono.

Connor estende o braço e acaricia o meu rosto com o polegar. Ele


sorri, concentrado apenas em mim e em um auditório enorme lotado
de gente, e, em todo gesto grandioso e clímax emocional que já
escrevi nos meus livros, é essa a expressão que tentei descrever no
rosto do herói romântico. Mas ser olhada desse jeito é muito melhor
na vida real.

“Uma mulher muito inteligente me explicou que a probabilidade de


encontrar uma alma gêmea com um match Básico é milhares de
vezes maior do que a de conhecer um match Diamante.”

Percebo que isso significa que ele conversou com Jess, que a
procurou em busca de uma contextualização do resultado ou
simplesmente para se tranquilizar, e sinto uma luz se acender dentro
de mim.
Minha mente se volta para a minha última lista de matches no
DNADuo e lembro como eu tinha certeza de que saber a taxa de
compatibilidade influenciaria a maneira como eu me sentiria. Mas
mesmo que Lanelle me dissesse que nosso resultado foi o único zero
da história do aplicativo, eu ainda escolheria Connor todas as noites
pelo resto da minha vida.

“Sinceramente, qualquer pontuação serve, desde que eu possa ter


você.”

“Isso você já tem.” Ele enfia a mão no bolso do paletó e pega o


envelope. “Quer descobrir?”

Pego o envelope com uma mão que treme feito uma pena em meio
a um furacão.

Connor engole em seco e diz baixinho, mas com um tom fervoroso:

“Seja qual for o resultado, quero deixar bem claro que eu te amo
demais”.

E então, em meio aos gritos enlouquecidos da plateia, ele se


aproxima e cola os lábios aos meus.

É um beijo que começa discreto, já que estamos na televisão,


compartilhando o momento com milhões de pessoas. Mas um
turbilhão de emoções surge dentro de mim — paixão, alívio, euforia
e desejo —, e não consigo me segurar. Levo a mão ao seu pescoço e
sinto minha boca se suavizar junto aos seus lábios cheios, sentindo
um sorriso se formar. Sem sombra de dúvidas, todo mundo que está
vendo vai ter certeza de que já fizemos isso antes.

Assim que abrimos os olhos, um sorriso radiante toma conta do meu


rosto. “Eu também te amo.”

Em seguida, respiro fundo e abro o envelope.


Cinquenta e um

Transcrição do depoimento confessional pós-episódio final


Connor Prince: Muito bem, Felicity Chen. Aqui estamos nós.

Fizzy Chen: Aqui estamos nós.

Connor: Como você está se sentindo?

Fizzy: Estou me sentindo como se tivesse sido obrigada a


atravessar a cidade para gravar um depoimento confessional quando
deveria ter sido levada até sua casa para gravar nosso primeiro filme
pornô caseiro.

Connor: [risos] Estou falando desta noite, do episódio final e da


revelação da nossa compatibilidade, sua boba.

Fizzy: Ah, sim, foi a melhor noite da minha vida. As surpresas, a


celebração com todo mundo no palco, a festa depois.

Connor: Nossa, vai ter gente com uma ressaca forte amanhã de
manhã.

Fizzy: Tex estava bebendo cerveja no chapéu.

Connor: Acho que Nick não conseguiu encontrar os sapatos.

Fizzy: É verdade, algumas pessoas fizeram péssimas escolhas, mas


nós não.

Connor: Com certeza. E a nossa noite só vai melhorar.

Fizzy: Isso é uma promessa?

Connor: Ah, pode acreditar.

Fizzy: Nesse caso, acho bom que a nossa compatibilidade tenha se


encaixado na categoria Titânio [dá uma piscadinha para ele].
Connor: Pelo que entendi, foi uma piada sobre ereção, então é
melhor mudar de assunto.

Fizzy: Você sempre acha que eu estou sendo safada. Pode ser só
uma piada sobre a força dos nossos laços.

Connor: E foi?

Fizzy: Não, foi sobre ereção mesmo.

Connor: Você está fazendo de tudo para que esta entrevista nunca
seja exibida, não é?

Fizzy: Quando isso ia ser exibido, aliás? O episódio final foi ao vivo!

Connor: Acho que existe uma demanda para um episódio de


reencontro ou coisa do tipo. Brenna disse “bombando” e “viral”
umas setecentas vezes hoje.

Fizzy: Certo, então encobre a minha piada sobre pinto na edição


com uns bipes e uns emojis de berinjela; é tão duro assim?

Connor: Preciso lembrar de colocar um som de bateria aqui.

Fizzy: Está vendo, não foi nem um trocadilho proposital! Você é tão
sacana quanto eu.

Connor: Vai ver essa é a maior prova de que o nosso amor é


verdadeiro.

Fizzy: Com uma pontuação de oitenta e oito, acho que existem


muitos motivos para ser um amor verdadeiro.

Connor: Por que você não vem até aqui e me mostra um deles?

[Nota da edição: Os minutos três a vinte e sete da filmagem foram


deliberadamente apagados.]
Connor: Certo. Vamos cortar essa parte.

Fizzy: Você está com uma mancha de batom… isso, bem aí.

Connor: Ah, obrigado. Certo. Onde é que nós estávamos?

Fizzy: Amor verdadeiro.

Connor: Amor verdadeiro.

Fizzy: Nosso final feliz.

Connor: A única coisa que você promete para as leitoras dos seus
livros. Você entende a importância de um final feliz melhor do que a
maioria das pessoas que estão assistindo a isto.

Fizzy: Bom, uma coisa que me deixa meio triste é que todas essas
pessoas que viram o programa e queriam que ficássemos juntos não
vão poder ver como as coisas vão ser daqui pra frente. Nós vamos
ter um futuro incrível [olha para a câmera]. Mas eu não estou me
oferecendo para um outro reality show aqui, Blaine, pode esquecer.

Connor: Bom, você pode contar tudo para os espectadores agora


mesmo.

Fizzy: Sobre o nosso final feliz?

Connor: Claro. Como você imagina que vai ser?

Fizzy: Humm. Certo, primeiro vamos encerrar aqui, ir pra minha


casa e passar as próximas vinte e quatro horas na cama.

Connor: Já estou gostando desse futuro.

Fizzy: A próxima semana nós vamos passar com os amigos e a


família.
Isaac pode curtir seu prêmio em dinheiro, e eu escolho você para a
viagem a Fiji.

Connor: Não sei se a chefia da North Star vai aprovar isso.

Fizzy: Tecnicamente, sou eu quem escolho meu acompanhante.

Connor: Não duvido da sua capacidade de convencer Blaine.

Fizzy: Quando nós voltarmos, vai ser melhor do que poderíamos


imaginar. Vamos ter privacidade e tirar alguns meses de folga antes
de nos prepararmos para a segunda temporada do programa.

Connor: Nos prepararmos?

Fizzy: Eu sou a nova coprodutora, você não sabia?

Connor: Ah, bom saber.

Fizzy: Você vai de Luke Skywalker na próxima Comic-Con, e eu vou


como sua mochilinha de Yoda.

Connor: Parece um sonho virando realidade ter que carregar você


no meio de uma multidão densa e suada.

Fizzy: No próximo verão, nós vamos morar juntos.

Connor: Quando chegar a hora, vou perguntar pra Stevie como ela
se sentiria tendo uma superfã do Wonderland como madrasta.

Fizzy: Eu aceito seu pedido de casamento antes mesmo de você


abrir a boca pra tocar no assunto.

Connor: Nossa festa de casamento vai ser a melhor de todos os


tempos.

Fizzy: Ostentação é minha marca registrada.


Connor: E todos os dias da minha vida, deste momento em diante,
vou poder dizer com toda a sinceridade que vou amar e valorizar
você com todas as fibras do meu ser.

Fizzy: Minha nossa, isso vai ser demais. Podemos começar esse
futuro agora mesmo?

Connor: Sim, amor. Podemos.

Agradecimentos

Quando terminamos de escrever A equação perfeita do amor, em


2022, achávamos que já tínhamos explorado tudo o que queríamos
naquele universo. Jess, River e Juno tiveram seu final feliz e ponto-
final. Mas vocês, queridas leitoras, tinham outros planos. O livro foi
lançado em maio de 2021, e, enquanto fazíamos os eventos
(virtuais) de divulgação, sempre ouvíamos a mesma pergunta:

Fizzy vai ter um livro só dela?

Ficamos um tanto perplexas. Nós criamos personagens secundárias


por uma série de razões — para inserir um elemento de humor em
passagens tensas, para desafiar a heroína romântica em sua jornada
ou para criar um segundo arco narrativo interessante —, mas quase
nunca elas se tornam estrelas por si sós. Nós nunca tivemos uma
boa resposta para essa questão, mas, quanto mais as pessoas
perguntavam, mais percebíamos que precisávamos de uma; dizer
“Nunca diga nunca” não bastava para muitas de vocês. E então, um
dia, a ideia certa apareceu.

Provavelmente não aconteceu como uma luz se acendendo na nossa


cabeça, mas, olhando para trás, é como se tivesse sido, como se o
começo da história de Fizzy tivesse surgido do nada em uma
conversa entre nós duas: ela havia perdido sua alegria e a
reencontra no lugar mais improvável — com um homem que
consegue se esquivar de todas as suas tentativas de rotulá-lo, que é
capaz de enxergar suas muitas camadas de profundidade e que
encontra a própria felicidade através da extravagância contagiante
dela.

Para sermos sinceras, se a ideia fosse criar uma escritora de livros


de romance para ser a protagonista de uma história, é bem provável
que a Fizzy de A equação perfeita do amor fosse um pouco
diferente. Nós, autoras de histórias românticas, sem meias-palavras,
ouvimos muita merda sobre o que fazemos. Em entrevistas,
perguntam se estamos descrevendo nossas fantasias; perguntam o
que nossos pais e maridos pensam a respeito de nossa carreira;
perguntam se já fizemos tudo

aquilo que narramos nos nossos livros. Então, por motivos óbvios,
no começo achamos difícil definir quanto deveríamos nos concentrar
na positividade sexual e na vida amorosa agitada de Fizzy. Não
queríamos validar esses estereótipos sem fundamento. Mas, no fim,
tudo acabou se revelando tão fácil quanto digitar a palavra Prólogo.
Fizzy fluiu de dentro de nós como se estivéssemos soltando o ar dos
pulmões. Ou seja, o verdadeiro problema veio de onde não
esperávamos: que tipo de herói romântico faria por merecer alguém
como ela?

Demoramos um bom tempo para descobrir Connor nestas páginas.

Ele é o tipo de herói silencioso, uma presença firme e constante. Nós


o escrevemos em camadas, inserindo-o com cautela na história a
cada reescrita, até que se tornasse tão plenamente estabelecido e
multidimensional quanto nossa ousada e brilhante Fizzy. E hoje,
quando lemos o livro pela última vez antes de ele ser publicado,
achamos que é a melhor coisa que já escrevemos. O experimento do
amor verdadeiro é o trigésimo livro que escrevemos juntas e nossa
carta de amor para a comunidade de fãs de livros de romance de
todas as partes do mundo.

E, como sempre, apesar de termos sido nós que colocamos as


palavras no papel, foi necessário o esforço de uma enorme equipe
formada por pessoas maravilhosas e seu trabalho incansável nos
bastidores para levar o livro até suas mãos.

Holly Root, nosso match Diamante, você está sempre em primeiro


lugar. Foi você que nos encontrou em meio a uma pilha de
manuscritos esquecidos quase onze anos atrás; vinte e nove livros
depois, nossos olhos ainda têm coraçõezinhos estampados quando
te veem. Você é inteligente e generosa, divertida e intuitiva,
incansável e brilhante —

perfeita para nós em todos os sentidos. Kristin Dwyer é nossa


assessora de relações públicas, nossa Preciosa, nosso porto seguro.
Obrigada por espalhar nossos livros pelo mundo, por usar chapéus
ridículos conosco na Disneylândia e por sempre estar disposta a
encarar o café da manhã dos hotéis nas turnês de lançamento dos
livros. Dracarys.

Jen Prokop é uma das editoras freelancers mais brilhantes com


quem já trabalhamos; ela encontra os pontos fracos em nossos
manuscritos como se isso fosse seu superpoder. Obrigada por suas
leituras cuidadosas, por suas sugestões sensacionais e por sempre
ter à mão as melhores recomendações de livros.

Já dissemos isso antes, mas vamos dizer de novo: a Gallery, da


Simon

& Schuster, se mostrou a melhor casa editorial para todos os nossos


livros. Jen Bergstrom é um tipo raro de editora: consegue equilibrar
o papel de mentora, defensora, conselheira, amiga e executiva sem
perder nada de seu profissionalismo. Sempre ficamos
impressionadas com a equipe que você montou. Hannah Braaten,
pensar em Fizzy junto com você foi mais do que divertido; obrigada
por nos representar com perfeição em todos os lugares e por nos
ajudar a transformar este livro exatamente no que queríamos. Um
enorme agradecimento ao restante da brilhante equipe editorial:
Abby Zidle, Aimée Bell, Andrew Nguyên, Sarah Schlick, Mia
Robertson, Frances Yackel; às incríveis experts em vendas Jen Lon e
Eliza Hanson, e a todos os representantes a quem prometemos
nossos primogênitos — esperamos que eles estejam se comportando
(HAHAHA); à nossa incrível equipe de assessoria de imprensa,
Lauren Carr e Sally Marvin; às gênias do marketing Mackenzie
Hickey e Anabel Jimenez; aos sempre pacientes diretores de arte
Lisa Litwack e Jonh “Bigode” Vairo (você nunca pode raspá-lo; pense
em todos os agradecimentos que precisaríamos corrigir). Nossos
brilhantes preparadores de texto corrigem nossos erros e garantem
que o mundo nunca descubra que não sabemos colocar as vírgulas
no lugar certo e nem mesmo usar um calendário. A coordenadora de
produção Christine Masters é chamada de “a incrível Christine” em
quase todos os nossos e-mails — e merece isso. A equipe da Simon
Audio tem um time de estrelas. Sarah Lieberman, Chris Lynch,
Louisa Solomon, Tom Spain, Desiree Vecchio, Gaby Audet, Taryn
Beato e Sophie Parens. Um agradecimento a todas as pessoas que
trabalham nos nossos livros, seja no computador ou fazendo o
trabalho físico de encaixotá-los e enviá-los para onde precisam ir.

Heather Baror-Shapiro, nosso agradecimento por levar nossas


palavras às mãos de leitoras e leitores do mundo inteiro. Mary
Pender-Coplan, você é pura magia. Suas ligações são as nossas
favoritas. Matt Sugarman, agradecemos por representar nossos
interesses com tanto comprometimento; você é demais. Molly
Mitchell, nosso agradecimento até o fim dos tempos por cuidar da
nossa agenda e manter tudo organizado. Você vale OURO.

Às amigas, colegas e autoras que nos inspiram, compartilham de


nossos gritinhos de fangirls ou nos garantem uma boa exposição na

internet, nós amamos vocês: Erin Service, Katie Lee, Kate Clayborn,
Sarah MacLean, Ali Hazelwood, Susan Lee, Jennifer Carlson, Jessica
McLin, Brie Statham, Amy Schuver, Mae Lopez, Laura Wichems, Kian
Maleki, Bianca Jimenez, Jori Mendivil, Cathryn Carlson, Ysabel
Nakasone, Adriana Herrera, Katherine Center, Jen Frederick, Diane
Park, Kresley Cole, Erin McCarthy, Sally Thorne, Sonali Dev, Alisha
Rai, Christopher Rice, Sarah J. Maas, Sarah Wendell, Tahereh Mafi,
Ransom Riggs, Stephanie Perkins, Helen Hoang, Tessa Bailey, Rachel
Hawkins, Rosie Danan, Rachel Lynn Solomon, Rebekah
Weatherspoon, Leslie Phillips, Alexa Martin, Jillian Stein, Liz Berry,
Brittainy C. Cherry, Andie J.

Christopher, Candice Montgomery e Catherine Lu.

Para as Blue Flowers de Lo: eu adoro todas vocês.

Agradecemos às leitoras beta do Reino Unido que nos ajudaram a


aprimorar a voz e o vocabulário de Connor: Lindsey Kelk, Katy
Wendt, Lia Louis e Paige Thompson. Esperamos que ele soe como
um bom rapaz do norte da Inglaterra, mas, se isso não aconteceu, a
culpa é toda nossa.

Depois de publicar A equação perfeita do amor, ficamos felicíssimas


em saber que tanta gente torceu tanto para que Fizzy ganhasse um
livro próprio e, ao mesmo tempo, temos consciência de que histórias
sobre identidades culturais e jornadas de autodescoberta de pessoas
racializadas devem ser narradas por suas próprias vozes. Para nós, é
de extrema importância que nossos livros reflitam o mundo ao nosso
redor, e esperamos ter sido capazes de equilibrar essas duas
prioridades: contar uma história de amor para Fizzy que parecesse
autêntica, mas não uma apropriação cultural da identidade sino-
americana. Se você é parte dessa comunidade, agradecemos por ter
dado uma oportunidade a nosso livro. Nossa gratidão profunda a
nossas leitoras beta sino-americanas: Jennifer Yuen, Patty Lai, Eileen
Ho, Kayla Lee e Sandria Wong. Elas responderam a todas as
perguntas que tínhamos e leram as diversas versões deste livro.
Compartilharam seu tempo, suas lembranças e, acima de tudo, sua
dedicação. Jen, Patty, Eileen, Kayla e Sandria: somos gratas para
todo o sempre. Esperamos ter deixado vocês orgulhosas. O que quer
que tenha saído errado é culpa nossa.
A essa altura, nossos familiares já conhecem tão bem quanto nós o
processo editorial. Nos viram passar pelo processo de escrita, edição
e publicação de mais de duas dezenas de livros, compareceram a

centenas de eventos e testemunharam inúmeros fracassos e


celebrações. Não conseguiríamos fazer nada sem eles. Agradecemos
muito a vocês, K e R, por celebrarem nossos triunfos com tanto
fervor, por se solidarizarem com nossas dificuldades e por serem
maridos orgulhosos e feministas para suas exuberantes esposas
fangirls. E

também a C, O e V, por serem filhos incríveis, mas principalmente


por saberem quando é necessário preparar o jantar no nosso lugar.
Nós amamos vocês mais do que somos capazes de expressar.

Caso vocês não tenham reparado, Fizzy é apaixonada por suas


leitoras, assim como nós. Nossas personagens quase nunca falam
por nós, mas, quando Fizzy fala do impacto de seus livros sobre as
pessoas, de ver seus posts no TikTok e seus Reels e todas as suas
fotos lindas, está compartilhando a nossa opinião. Nós não somos
nada sem vocês; não importa se você nos descobriu no primeiro ou
no vigésimo nono livro, se é uma leitora, uma blogueira, uma
BookTokker, uma Bookstagrammer ou uma podcaster, ou se
simplesmente adora comentar sobre nossos livros por mensagem:
nós somos gratas do mesmo jeito.

Se você trabalha em uma livraria ou em uma biblioteca, tem nosso


amor eterno. Que sua pele esteja sempre ótima e que você nunca
tenha que perder um tempão na fila virtual da Ticketmaster.
Agradecemos pelo seu trabalho e por ajudarem nossos livros a
chegarem a novas pessoas.

Se você nos segue, nos conhece ou compareceu a algum evento


nosso, sabe que tratamos a tietagem como um esporte profissional.
É
uma coisa que está no nosso sangue, e, quando amamos uma coisa,
fazemos isso com cada fibra do nosso ser. O grupo favorito de Fizzy
e Stevie oficialmente não é o BTS, mas a alegria eufórica que essa
banda leva às pessoas com certeza nos inspirou. Nós já
agradecemos ao BTS

em quatro dos nossos livros, mas a alegria e a inspiração que eles


nos trazem está presente em cada uma destas páginas. Kim
Namjoon, Kim Seokjin, Min Yoongi, Jung Hoseok, Park Jimin, Kim
Taehyung e Jeon Jungkook, vocês nos inspiram a amar mais, a ser
mais gentis, a trabalhar com paixão e a crescer como pessoas.
Nossos agradecimentos por seu trabalho, por se dedicarem uns aos
outros e por compartilharem seus talentos sem limites com o
mundo. O BTS e seu ARMY

podem estar temporariamente separados, mas nós sempre


estaremos aqui, prontas para o que quer que venha a seguir.

Christina, um raio de sol em forma humana. Você é a cobertura do


meu donut, a covinha do meu sorriso, o Namjoon do meu Jungkook,
o ponto de exclamação no fim de cada um dos meus gritos de
fangirl.

Adoro esta vida que criamos juntas, e às vezes ainda nem consigo
acreditar em tudo isso. Trinta livros e ainda somos capazes de
escrever mais um que encheu nosso coração de amor. Que jornada.

Para a minha Lolo, neste último ano você me deu mais orgulho do
que nunca de ser sua melhor amiga. Você lançou um livro seu
(Escandalizados, de Ivy Owens, disponível em todo lugar que venda
livros), e é a melhor coautora/amiga/esposa/filha/BFF que alguém
poderia ter. Dizer que eu te amo não basta para expressar o que
sinto, mas acho que você sabe. Espero escrever outros trinta livros,
ir a mais quinhentos shows e encontrar um total de zero esquilos
sem cabeça com você. IYKYK. Você vai ser para sempre minha
parceira de aspas.
LORI BRYSTAN (BRYSTAN STUDIOS)

CHRISTINA LAUREN é o pseudônimo da dupla de maior sucesso na


literatura, Christina Hobbs e Lauren Billings. Melhores amigas de
longa data, já escreveram juntas mais de uma dezena de livros que
se tornaram best-sellers. Suas obras foram traduzidas para mais de
trinta idiomas. Para saber mais, acesse ChristinaLaurenBooks.com ou
@ChristinaLauren no Twitter e no Instagram.

Copyright © 2023 by Christina Hobbs e Lauren Billings Publicado


mediante acordo com as autoras, aos cuidados de Baror
International, Inc., Armonk, Nova York, Estados Unidos A Editora
Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

TÍTULO ORIGINAL The True Love Experiment

CAPA Faceout Studio/ Tim Green


FOTO DE CAPA Shutterstock

PREPARAÇÃO Marina Waquil

REVISÃO Valquíria Della Pozza e Luiz Felipe Fonseca VERSÃO


DIGITAL Rafael Alt

ISBN 978-85-8439-370-1

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA SCHWARCZ S.A.

Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32

04532-002 — São Paulo — SP

Telefone: (11) 3707-3500

editoraparalela.com.br

[email protected]

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instagram.com/editoraparalela

twitter.com/editoraparalela
Um pouco de aventura

Lauren, Christina

9788584393046

352 páginas

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Um pouco de aventura é um romance ousado e divertido


sobre sonhos, segundas chances e, claro, amor.

Ser filha do famoso caçador de tesouros Duke Wilder deixou Lily sem
paciência para essa profissão — e sem dinheiro no banco. Mas ela é
sagaz e agora usa os mapas do pai para guiar turistas que buscam
"deixar o conforto para trás" e caçar um tesouro de mentirinha no
interior de Utah. Tudo vai bem até que o homem que ela amou um
dia retorna à sua vida, pronto para explorar o deserto.

Quando Leo Grady vê seu primeiro e único amor aparecer diante


dele, pensa que pode ser uma miragem, apesar de mal ter saído da
cidade. Mas Lily é real, e Leo está disposto a esquecer o passado e
se reconectar com ela. Lily, entretanto, deixa bem claro que isso não
vai acontecer.

Porém, quando a viagem dá errado, o grupo é forçado

a se perguntar se os mapas de Duke de fato indicam o caminho para


um tesouro. Só Leo e Lily podem descobrir a verdade. Sozinhos sob
as estrelas nos perigosos labirintos das Canyonlands, eles devem
decidir se querem arriscar a vida e o coração para viver uma
aventura inesquecível.

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Evidências de uma traição

Reid, Taylor Jenkins

9788584393671

160 páginas

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A novela de grande sucesso da autora best-seller Taylor


Jenkins Reid, agora ganha edição atualizada com prefácio
de Pam Gonçalves.

Querido estranho…
Uma jovem desesperada no sul da Califórnia se senta para escrever
uma carta para um homem que ela nunca conheceu — uma escolha
que mudará sua vida para sempre.

Meu coração está com você, David. Apesar de não nos


conhecermos.

Pouco a pouco, a correspondência entre Carrie Allsop e David Mayer


revela os detalhes de um caso devastador entre seus cônjuges. Ao
longo das cartas, eles confessam seus medos e compartilham
sentimentos escondidos no fundo de suas almas, tentando decidir
como seguir em frente.

Contada inteiramente por meio de cartas, Evidências de uma traição


é uma história de decepções, mágoas e

segredos, mas também de perdão e recomeços, e de como, no caso


de algumas pessoas, a dor pode libertar.

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Gay de família

Fagundes, Felipe

9786557826928

272 páginas

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Um romance divertido, ousado e emocionante, que prende o


leitor até o final e continua com ele bem depois de a última
página ser virada.

"De zero a dez na Escala Gay, esse livro é um mil.


Absolutamente hilário" — Pedro Rhuas, autor de Enquanto eu não te
encontro

Diego espera tudo de ruim dos próprios parentes, mas tudo mesmo.
Que o pai tenha uma segunda família.

Que a mãe comande um esquema de tráfico humano.

Que o irmão lave dinheiro. Por serem versados em todos os crimes


do manual da família tóxica, Diego decidiu ser gay bem longe deles.
E tudo vai muitíssimo bem, obrigado.

Porém, às vésperas de uma viagem aguardadíssima com amigos,


seu irmão aparece implorando por um favor: que Diego seja babá
dos três sobrinhos por um final de semana, crianças com as quais
ele nunca

conviveu. De olho na grana que o irmão promete pagar e


acreditando piamente no seu potencial como tio, ele aceita a
proposta sem imaginar que os pequenos são, no mínimo, peculiares.

O que a princípio parece moleza, mesmo envolvendo uma gata


demoníaca, um amigo imaginário e um porteiro potencialmente
sádico, acaba se revelando um desafio quando Diego percebe que
terá que revirar seus sentimentos e provar que pode dar conta do
recado, sem perder o rebolado que apenas um tio gay é capaz de
manter.

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Os sete maridos de Evelyn Hugo Reid, Taylor Jenkins

9788554515737

360 páginas

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Com todo o esplendor que só a Hollywood do século passado


pode oferecer, esta é uma narrativa inesquecível sobre os
sacrifícios que fazemos por amor, o perigo dos segredos e o
preço da fama.

Lendária estrela de Hollywood, Evelyn Hugo sempre esteve sob os


holofotes — seja estrelando uma produção vencedora do Oscar,
protagonizando algum escândalo ou aparecendo com um novo
marido… pela sétima vez. Agora, prestes a completar oitenta anos e
reclusa em seu apartamento no Upper East Side, a famigerada atriz
decide contar a própria história — ou sua "verdadeira história" —,
mas com uma condição: que Monique Grant, jornalista iniciante e
até então desconhecida, seja a entrevistadora. Ao embarcar nessa
misteriosa empreitada, a jovem repórter começa a se dar conta de
que nada é por acaso — e que suas

trajetórias podem estar profunda e irreversivelmente conectadas.

"Evelyn Hugo faz Elizabeth Taylor parecer sem graça.

Você vai rir com ela, chorar, sofrer, e então voltar para a primeira
página e fazer tudo de novo." — Heather Cocks e Jessica Morgan,
autoras de The Royal We

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Daisy Jones and The Six

Reid, Taylor Jenkins

9788554513689

360 páginas

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LIVRO QUE INSPIROU A SÉRIE DO PRIME

VIDEO.

Embalado pelo melhor do rock'n'roll, um romance


inesquecível sobre uma banda dos anos 1970, sua
apaixonante vocalista e o amor à música. Da autora de Em
outra vida, talvez?.

Todo mundo conhece Daisy Jones & The Six. Nos anos setenta,
dominavam as paradas de sucesso, faziam shows para plateias
lotadas e conquistavam milhões de fãs. Eram a voz de uma geração,
e Daisy, a inspiração de toda garota descolada. Mas no dia 12 de
julho de 1979, no último show da turnê Aurora, eles se separaram. E
ninguém nunca soube por quê. Até agora.

Esta é história de uma menina de Los Angeles que sonhava em ser


uma estrela do rock e de uma banda que também almejava seu
lugar ao sol. E de tudo o que aconteceu — o sexo, as drogas, os
conflitos e os dramas — quando um produtor apostou (certo!) que

juntos poderiam se tornar lendas da música.

Neste romance inesquecível narrado a partir de entrevistas, Taylor


Jenkins Reid reconstitui a trajetória de uma banda fictícia com a
intensidade presente nos melhores backstages do rock'n'roll.
"Devorei o livro em um dia e me apaixonei por Daisy e pela banda."
— Reese Witherspoon

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Table of Contents

Folha de rosto

Sumário

Prólogo

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze
Catorze

Quinze

Dezesseis

Dezessete

Dezoito

Dezenove

Vinte

Vinte e um

Vinte e dois

Vinte e três

Vinte e quatro

Vinte e cinco

Vinte e seis

Vinte e sete

Vinte e oito

Vinte e nove

Trinta

Trinta e um

Trinta e dois

Trinta e três
Trinta e quatro

Trinta e cinco

Trinta e seis

Trinta e sete

Trinta e oito

Trinta e nove

Quarenta

Quarenta e um

Quarenta e dois

Quarenta e três

Quarenta e quatro

Quarenta e cinco

Quarenta e seis

Quarenta e sete

Quarenta e oito

Quarenta e nove

Cinquenta

Cinquenta e um

Agradecimentos

Sobre a autora
Créditos
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Folha de rosto
Sumário
Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Catorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Trinta e oito
Trinta e nove
Quarenta
Quarenta e um
Quarenta e dois
Quarenta e três
Quarenta e quatro
Quarenta e cinco
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Quarenta e oito
Quarenta e nove
Cinquenta
Cinquenta e um
Agradecimentos
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