Antes de Dizer-te Adeus
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Antes de Dizer-te Adeus - Fábio Teixeira
Agradecimentos
Quando comecei a escrever, há uns dez anos, nunca pensei que um dia iria lançar um livro. Mas a paixão pela escrita e a vontade de partilhar com as pessoas as minhas histórias, trouxeram-me até aqui.
Em primeiro lugar, quero agradecer à editora Cordel d'Prata pela oportunidade que me deu para poder realizar um dos meus maiores sonhos. Um obrigado, a meu ver, nunca será o suficiente.
Em segundo lugar, o meu grande obrigado às minhas melhores amigas: Lena Meireles, Catarina Oliveira e Tânia Esteves. Obrigado pela vossa amizade de sempre e por fazerem parte de todas as histórias da minha vida. Ao vosso lado sou sempre feliz.
Em terceiro lugar, um imenso obrigado aos meus pais, ao meu irmão e à minha família. Foi difícil para eles acreditarem que, um dia, eu poderia mesmo lançar um livro. Mas os impossíveis não existem e as oportunidades sempre chegam para quem nunca deixa de acreditar nelas. Obrigado por me ajudarem a ser quem sou e por me terem sempre respeitado e compreendido.
Em quarto lugar, um obrigado especial à minha prima Sara Teixeira por vibrar, sempre, com todas as minhas vitórias e me apoiar nas minhas loucuras.
Em quinto lugar, quero agradecer à pessoa que me levou a escrever sobre os sentimentos nobres que me fez sentir. Nunca te esquecerei, por tudo o que significaste na minha vida, por tudo o que foste para mim. Não importa o fim, interessa o que foi vivido com verdade. Terás sempre um lugar imenso na minha história e no meu coração. Obrigado por isso. Nunca começaria a escrever se a minha vida não se tivesse cruzado com a tua.
E, por fim, o meu maior obrigado a todos os leitores que me seguem nas redes sociais e que sempre torceram por mim. Mesmo não vos conhecendo pessoalmente, quero que saibam que estão sempre no meu coração. É graças a vocês que estou aqui hoje. É por vocês que conto estar sempre aqui.
PRÓLOGO
Mariana
Abro os olhos lentamente. A luz do sol que trespassa pela janela do quarto ofusca-me a visão. Observo o quarto atentamente. As paredes pintadas de branco e as gaivotas que voam nelas são-me familiares. Conheço este quarto como a palma da minha mão. Foi dentro dele que vivi os momentos mais assustadores da minha vida, que ouvi nomes de exames que eu nem sabia que existiam. Foi dentro destas paredes que amadureci em um ano o que não iria amadurecer numa vida inteira. O cancro é uma aula prática de amadurecimento. Ele obriga-nos a crescer, a ser mais resistentes. O cancro ajuda-nos a redescobrir a força que, tantas vezes, achamos já não ter. Digo isto pela minha própria experiência.
Lá fora o dia está quente. O sol ilumina o quarto com uma luz que me conforta, que me aquece o corpo, a alma e o espírito. Ouço o carrinho das refeições a aproximar-se da porta do quarto. Ajeito-me. É hora do pequeno-almoço.
- Bom dia, menina Mariana! – a voz inconfundível da Jéssica entra pelo quarto dentro como se a sua voz fizesse eco.
- Bom dia, Jéssica! – respondo, com um meio sorriso.
Gostava de estar mais animada, mas há dias em que nem forças tenho para sorrir.
- Aqui está o seu pequeno-almoço! – diz.
- Depois da bateria de exames que fiz ontem, estou mesmo a precisar de um pequeno-almoço reforçado. – pego na bandeja de plástico e coloco-a em cima das minhas pernas cruzadas.
- Mas sente-se melhor?
A sua preocupação comove-me. A Jéssica faz parte da minha vida desde o primeiro dia em que fiquei internada na ala oncológica. É uma senhora iluminada, sempre sorridente. Os seus doces olhos azuis transmitem-me esperança e o seu abraço foi, tantas vezes, o meu maior conforto.
- Com a dose cavalar de comprimidos que tomo, seria muito mau se não me sentisse aliviada. – tento parecer engraçada, mas a minha voz quase sumida não esconde a minha tristeza.
- Vai correr tudo bem, Mariana. Nunca perca a esperança. – a sua mão quente e enrugada aperta a minha.
- É difícil manter a esperança quando vemos a vida escapar-nos sem que possamos fazer nada para impedir. – os olhos ardem-me. Vou começar a chorar, já sei.
- Ai, ai, ai! – repreende-me. – Aqui dentro não existe pessimismo! Olhe o dia lá fora, já viu o sol? Com um dia destes, não pode haver tristeza. Ânimo, Mariana. Vai correr tudo bem. Confie.
- Obrigada, Jéssica. Por tudo. Nunca vou esquecer as conversas que tivemos aqui, as horas que você passou ao meu lado quando tudo à minha volta parecia estar a demolir-se. Tenho que agradecer-lhe as gargalhadas que me roubou e a alegria que me trouxe quando só tinha motivos para chorar. Das coisas boas que a leucemia me trouxe, você foi uma delas. – aperto a sua mão que está pousada na grade da cama. – Obrigada.
- Não tem que agradecer. É o meu trabalho! – o seu sorriso largo transmite uma generosidade sem igual. – Agora, se me dá licença, preciso cuidar dos outros utentes. Se eles não tomam o pequeno-almoço, ficam umas feras.
- Então é melhor ir. – lanço-lhe um meio sorriso.
- Só mais uma coisinha. – a Jéssica coloca a mão esquerda no bolso da sua bata e tira uma pequena tablete de chocolate. – Chocolate suíço, o seu favorito. Tome lá. Mas, por favor, não abuse!
Os meus olhos cobrem-se de lágrimas com este gesto. Hoje sinto-me tão vulnerável. Pareço um vidro frágil prestes a quebrar.
- Eu não abuso. Palavra de escuteira!
A Jéssica olha-me de soslaio enquanto caminha para fora do quarto. Olho para a bandeja de plástico pousada nas minhas pernas; uma sandes de pão de sementes com queijo fresco, um chá de camomila, uma laranja e um rebuçado de mentol. Tenho quase a certeza que o rebuçado é outro presente da Jéssica. Ela mima-me tanto!
Quando dou a primeira dentada na sandes, o meu iPhone vibra debaixo da almofada. Pouso a bandeja ao meu lado e pego no iPhone.
Uma mensagem nova.
Desbloqueio o telemóvel e abro a mensagem.
É da Catarina, a minha melhor amiga.
«Bom-dia, melhor amiga. Não é o fim do mundo passar por uma adversidade, um contratempo, um obstáculo. Às vezes o que parece o fim é apenas um maravilhoso recomeço. Nunca te esqueças disso. Daqui a nada estou aí. Até já. Beijinhos.»
Pouso o telemóvel na cama sem saber o que responder. A doença, às vezes, esgota-me, cansa-me, leva-me a um estado de total apatia. Mas sei que a Catarina me compreende. Somos amigas há mais de dez anos. Conhecemo-nos no secundário e nunca mais nos largámos. Há amizades que permanecem pela vida e que o tempo, felizmente, não nos rouba. Costumo dizer que ter a Catarina na minha vida é uma dádiva de Deus. Ela e a Helena são os meus maiores pilares, a força externa que me acolhe sempre que preciso de me restabelecer.
O telemóvel volta a vibrar. Mais uma mensagem.
Desta vez é da Helena.
«Miúda, Deus só entrega as maiores batalhas aos seus maiores guerreiros. Estamos juntas. Como sempre. E para sempre.»
A Helena trata-me sempre por miúda. Às vezes sinto que ela vê em mim a irmã mais nova que nunca teve. Como temos dezasseis anos de diferença, a Helena sempre foi aquela amiga que me alerta para os caminhos mais duvidosos e me protege das alhadas em que me meto. A Helena é uma força da natureza, uma bênção na vida de quem tem a sorte de a encontrar. Nunca tive muitos amigos, mas as minhas duas melhores amigas valem por todos os outros que perdi ao longo do tempo. As amizades verdadeiras são as que se mantêm e não as que se perdem no tempo ou se escondem na distância.
Outra coisa boa que a leucemia me trouxe: fez-me perceber com quem posso contar. Uniu-me às pessoas essenciais e afastou-me daquelas que só estavam na minha vida para ocupar espaço.
∞
O consultório mantém-se igual à primeira vez que aqui estive. As paredes pintadas de cor-de-rosa claro e a janela com vista para a foz são-me familiares. Foi neste mesmo espaço que descobri que tinha leucemia. Ainda recordo esse dia, do quanto ele mudou toda a minha existência. O cansaço extremo, os sangramentos frequentes, a gengiva que se rompia sucessivas vezes, a apatia, as dores musculares, a falta de apetite, não eram consequência da agitação diária nem da depressão em que vivia desde o dia em que a vida me afastou do Duarte; tudo isto eram sintomas de uma doença que surgiu para mudar a rota da minha vida. Depois de toneladas de exames ao sangue, de uma biopsia à medula e do hemograma que o hematologista pediu que eu fizesse, a sentença foi mais do que clara: leucemia. Lembro-me de ter deixado de ouvir a médica a partir do momento em que ela pronunciou a palavra leucemia. Por momentos, deixei de sentir o coração bater e tudo à minha volta parecia ter parado. Como se alguém tivesse colocado a minha vida em modo pausa. O sangue contaminado que percorria as minhas veias estava congelado. Percebia que a boca da doutora Ana se movia, mas eu não conseguia ouvir uma única palavra. Fiquei surda para o mundo. Dentro da minha cabeça, lembro-me que ecoava um apito assombroso, muito similar ao som de um alarme. Não era o meu carro, nem a minha casa que estavam a ser assaltados; era a minha vida. E eu senti-me tão impotente. Não sabia o que fazer para a salvar…
Quando percebi o que me estava a acontecer, lembro-me de ter sido invadida por um choro compulsivo e copioso capaz de abalar todos à minha volta. A minha mãe parecia incrédula com tudo aquilo. O meu pai, encostado à parede do consultório, petrificara. A minha vida estava terrivelmente ameaçada. Foi nesse exato momento que percebi o que nunca ninguém entende: não temos o tempo todo do mundo à nossa espera. A vida é mais finita do que julgamos e a morte bate à nossa porta a qualquer instante, mesmo quando nos julgamos felizes, com uma saúde de aço. O tempo só é inesgotável para o próprio tempo. Há uma frase muito bonita, não me recordo agora do nome do autor, que diz que não é o tempo que passa por nós, somos nós que passamos por ele. Nada tão verdadeiro. Nada tão certeiro.
A vida dá voltas inesperadas. De um segundo para o outro, a estrada em que seguimos desaparece e só nos resta inverter a marcha e procurar um atalho que nos leve até ao nosso destino. Foi isso que eu fiz no último ano. O tratamento invasivo, exaustivo, corrosivo, foi o único atalho viável para conseguir seguir em frente.
Passei por mais de 30 sessões de quimioterapia até conseguir que a leucemia tivesse uma remissão. No meu corpo foram espetadas milhares e milhares de agulhas. Roubaram-me sangue todos os dias, mas também recebi-o quando precisei. Perdi o cabelo, as pestanas, a cor rosada. A pele ficou flácida e sedosa. O meu corpo duplicou de tamanho devido aos corticoides. Durante semanas, a cadeira de rodas foi o meu meio de transporte devido à forte anemia que insistia em não me largar. A minha casa passou a ser um minúsculo quarto de hospital com vista para o oceano Atlântico e para a Foz do rio Douro. Nunca mais fui ao McDonald’s nem à pizzaria que amo, onde fazem a melhor pizza havaiana que comi em toda a minha vida. Refrigerantes e bebidas com gás foram eliminados. Passei a fazer uma dieta rigorosa que nem nos meus piores pesadelos a imaginava.
A leucemia veio para mudar tudo.
E mudou tudo.
A minha vida, principalmente.
Hoje, não sou mais aquela Mariana que teve um ataque de pânico neste consultório. Já nada me assusta. Nem mesmo a ideia de morrer amanhã. De tão dura, a vida ensinou-me que, se tem que ser, vai ser. Querendo ou não. Resistindo ou não. Quem pensa que controla a vida, ainda não apanhou um susto a sério. A vida é só o que ela quer. E tem um caminho próprio, coberto de neblina, totalmente misterioso, que nós só vamos descobrindo à medida que formos dando mais um passo.
- Bom dia a todos! – a doutora Ana infiltra-se pelo meio dos meus pais, da Catarina e da Helena.
- Olá, doutora. – cumprimento, com a voz ainda meio sumida.
- Já chegaram os resultados dos exames, doutora? – a preocupação na voz da minha mãe é palpável.
- Não me diga que a minha filha teve uma recaída…
Fito a doutora Ana que mantém o olhar estático.
Prevejo más notícias.
- Seja lá o qual for o resultado dos exames, por favor, diga-me a verdade. Pode dizer tudo. Eu estou preparada para ouvir. – garanto sem convicção na voz.
- Mariana, pelo exame anterior, a sua saúde tinha melhorado. Apesar de a leucemia ter entrado em remissão, agora, infelizmente, estes novos exames comprovam o que já suspeitávamos. A leucemia tornou-se mais agressiva.
- Eu vou morrer? – interrogo-a, sem medo da resposta. Ou, então, sou eu que já estou tão anestesiada de químicos e da pancada que a vida me deu que já não consigo temer ou sentir mais nada.
- O seu estado piorou, Mariana. – constata, deixando cair os seus olhos esverdeados para os novos exames que segura nas mãos.
- Quanto tempo me resta? – estou lúcida, preparada para ouvir a minha sentença.
- Se não encontrarmos um doador compatível… - a sua voz encrava. Sei o quanto custa a um médico dizer uma coisa destas a um paciente. – Infelizmente, se isso não acontecer, a Mariana não terá mais que dois, três meses de vida.
Quantas vezes a vida pode acabar durante a própria vida?
Sinto que acabei de morrer agora.
Mas o meu coração ainda bate, as lágrimas ainda não cessaram, nas veias ainda corre o mesmo sangue contaminado. Ainda ouço o choro dos meus pais e ainda sinto o toque carinhoso das minhas amigas. A minha vida ainda não acabou, mas eu já não tenho um futuro à minha espera. Só me resta aproveitar o tempo que tenho e partilhá-lo com as pessoas que nunca me abandonaram, que nunca me deixaram sentir só, que toleraram as minhas crises existenciais e que me ampararam nos dias em que dentro do meu coração havia uma tempestade difícil de suportar. Eu posso morrer mais cedo do que o previsto, mas morrerei feliz ao lado das pessoas que preencheram a minha vida de amor. As lágrimas que me correm pelo rosto não revelam medo da morte; revelam tristeza por ter que deixar as pessoas que sempre estiveram ao meu lado. Esse é o lado mais triste da morte: ter que deixar aqui as pessoas que amamos e que fizeram com que o nosso coração batesse sempre por amor.
∞
A quimioterapia não me deixa tão cansada como antes. Os enjoos são mínimos e as tonturas inexistentes. Tenho passado os últimos dias neste quarto de hospital, deitada, a ver a vida passar pelo outro lado da janela. Às vezes sinto uma vontade incontrolável de sair daqui, de mergulhar na água gelada do mar, de ir para a rua e sentir a chuva e o vento, de me deitar no terraço da casa dos meus pais e apanhar sol e comer tudo o que me apetecer. Mas sei que não posso. Cada dia que passa é uma vitória. E essa vitória é resultado da dieta equilibrada, dos tratamentos rigorosos a que sou submetida, e, também, do meu comportamento exemplar. Neste momento, sou apenas uma menina de 28 anos que luta todos os dias por mais um dia de vida. Agora percebo porque nos chamam de guerreiros. Não é nada fácil passar por esta batalha. Não é fácil vermos a vida fugir e não poder agarrá-la. Não é fácil vermos os nossos familiares e amigos a sofrer com o nosso sofrimento. É insustentável a dor que se sente, todos os dias, na alma. Mas, apesar de tudo, a oncologia tem a sua parte boa. As pessoas que nos rodeiam não podiam ser melhores. Médicos, enfermeiros, auxiliares, meninas da limpeza. Todos eles são profissionais exemplares. Nunca nos deixam perder a esperança, nunca nos deixam sentir sós, nunca permitem que baixemos os braços e que desistamos de lutar. A força que nos transmitem é imensurável. Só quem passa por aqui pode compreender o quanto eles são fulcrais nesta dura batalha.
- Trouxe-lhe mais um miminho. – a Jéssica entra à socapa no meu quarto. – Mais uma tabletezinha do chocolate suíço que a menina ama.
- Ó! Obrigada, Jéssica! Só você para alegrar o meu dia. – esboço-lhe um sorriso largo mas muito amarelo, de tão falso que é.
- Como é que está?
- Adianta alguma coisa dizer que estou péssima?
- Vá, então, ânimo. Não pode deixar-se vencer pela tristeza. Olhe que a tristeza é perigosa. Pode virar um vício como o tabaco.
- Graças a Deus, nunca tive vícios. Nunca fui de beber álcool, nem nunca fumei. Acredita que nunca experimentei um charro? – troço de mim mesma. Sempre fui tão certinha e acabei presenteada com um cancro. – Nunca fiz tanta coisa pelo medo das consequências.
- Não dá para prever o que vai ser a nossa vida daqui a umas horas. Mas nunca duvide da lei divina. Todos nós vamos pagar pelos nossos atos.
- Acredita mesmo na teoria que diz que as pessoas pagam pela merda que fazem?
- Acredito! – assente, firme na sua crença. – Ah se acredito! Às vezes a vida demora a dar o troco. Mas olhe, como dizia a minha mãezinha, ninguém sai da vida sem pagar a sua conta.
- Sinto-me a pagar uma conta que não me pertence. – sussurro.
- Não diga isso. Tem uns pais maravilhosos, duas amigas incansáveis, tantas pessoas a torcer por si.
- Eu sei, eu sei. – anuo.
- Vou fazer a ronda. Tenho que ver se esta maltinha está toda em ordem. Qualquer coisa, já sabe, é só chamar.
- Obrigada.
A Jéssica sai pela porta deixando-a entreaberta. Pego no iPhone, coloco os auscultadores e dou play na música «Someone you loved». As lágrimas inundam os meus olhos ao ouvir «I'm going under and this time I fear there's no one to save me».
Caminho lentamente até à janela do quarto. Lá fora as pessoas caminham apressadas pelo passeio, os carros circulam a mais de 50 quilómetros à hora, ninguém olha ao redor, ninguém vê o mendigo que, acima de dinheiro, deseja receber afeto. Atiro o meu olhar para as águas do rio Douro que deslizam calmamente até à foz. A cidade continua linda e os turistas circulam, apaixonados, com os mapas na mão pela estrada sinuosa que eu conheço desde sempre. Parece que o meu eterno Porto se abriu para acolher o mundo.
A música termina e eu coloco-a num sucessivo replay. Continuo a olhar para as águas do rio Douro que se unem ao oceano e para o sol no seu lusco-fusco. O azul do céu torna-se alaranjado e o meu coração aperta-se perante um dos pores-do-sol mais lindos que já vi.
O meu peito estreita-se ainda mais quando, no vidro da janela, além do meu reflexo, surge a imagem do Duarte. Fico estática, tentando perceber se é uma alucinação ou se é mesmo verdade que o único rapaz que alguma vez amei está aqui, a alguns passos de distância. A taquicardia que sinto sempre que o vejo aproximar-se evolui a um ritmo alucinante. Sou consumida por uma falta de ar estranha e as minhas veias pulsam a um ritmo diferente. Os meus olhos humedecem, a boca treme, a alma contorce-se dentro de mim. Fixo o olhar no reflexo do Duarte. Vejo-o, paralisado, a