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O CÓDIGO DOSBUDAS

Fernando Carlos Chamas

RESUMO: Algumas esculturas budistas possuem letras sánscritas inscritas em seus corpos. Estas
marcas enigmáticas são partes da obra-prima e revelam um diálogo muito antigo entre âs linguagens
artística e ideográfica.
Palavras-chave: sánscrito/japonés, shuji, escultura budista, Japão.

ABSTRACT: Some Buddhist sculptures have Sanskrit letters engraved in their bodies. These
enigmatic marks take part in masterpiece and disclose a very ancient dialogue between the artistic
and ideographical languages.
Key words: Sanskrit/Japanese, shuji, Buddhist sculpture, Japan

De todas as características padronizadas da escultura budista, a letra sánscrita


adquiriu o poder de simbolizar os Budas e seus votos. Apenas a letra, por si, constrói a
imagem ou o ideal espiritual na alma do discípulo. Por exemplo, em alguns pedestais
de lótus de estátuas budistas há um disco com inscrições em sánscrito com dois
preceitos místicos: o menor ao centro e o principal ao redor. Um pedestal igual, mas
menor, também pode estar dentro da imagem. Quando um devoto fica de pé em frente
à estátua e recita tais palavras, diz-se que elas são transportadas para o pedestal e as
palavras deste também transferidas para dentro do crente.
Se o budismo é responsável pela transmissão do sánscrito, devemos considerar
três fases dessa transmissão: um pré-Buda, um da época de Buda, e do pós-Buda.
Respectivamente, o primeiro está relacionado com as civilizações indo-arianas. O
segundo, ao conflito budismo X bramanismo e confücionismo, e o terceiro, com o
conhecimento das civilizações por onde o budismo passou, sobretudo no continente
asiático e Japão, que nesse ritmo recebeu um budismo enriquecido por cerca de mil
anos.

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O conhecimento pré-Buda
Comecemos por um dos mais misteriosos começos, os primeiros grandes
ramos lingüísticos de um povo de origem indo-européia (possivelmente das estepes
da Ásia central ou sul da Rússia). Um deles é o ramo indo-ariano1que compreende
dois grupos, o da índia e do Irã, e falavam a “linguagem dos deuses” (devabhasa).
Os arianos introduziram o bramanismo e está fundamentado no Rig Veda (inicio da
tradição védica), o mais antigo dos quatro Vedas2, que menciona os mais antigos e
complexos conceitos cosmogónicos e teológicos. Por exemplo, o deus Indra (jap.
Taishakuten,帝釈天 ) e uma coleção de hinos de louvor aos deuses que contêm
os ensinamentos do Dharma (ordem que rege os seres), do Carma (reação das
ações em vidas anteriores), da Samsara (ciclo de reencamações) e do Nirvana
(sair do Samsara, conseguido por uma vida ascética que desvaloriza os aspectos
corpóreos e sensíveis do homem). E a partir do Rig Veda que o sánscrito arcaico,
também chamado védico, se desenvolveu e será considerada a língua sagrada para
a transmissão dos sutras (escrituras budistas), diferenciando-se do pali (jap. pari 巴
利 ),língua do povo.
Assim, a literatura védica, exercerá grande influência no nascimento da
literatura budista, pois 101, para a época de sua produção, uma grande fonte de
conhecimento da mais profunda e antiga mitologia conhecida, além de sua “perfeição
gramatical jamais superada pelas línguas que dela descenderam” Seus gramáticos
descrevem os fonemas e as regras gramaticais do sánscrito como sendo nomes do
Senhor Vishnu. A própria palavra “veda” significa “conhecimento” O simples ato
de recitar seus versos é sagrado, pois seu som é sagrado e o sánscrito é a linguagem
fundamental desses versos posteriormente denominados mantras, pela ligação
intrínseca do seu valor fonético à prática esotérica para o “despertar espiritual”
Essa situação, onde o valor sonoro, cantado ou recitado dos poemas extrai o seu
valor metafísico de espiritualização daquele que pratica a recitação, é semelhante
às outras escrituras sagradas. Não significa apenas uma valorização do som em
detrimento do significado, mas da inseparabilidade dos dois e da valorização da
caligrafia. Sendo assim, qualquer tentativa de tradução é sempre empobrecedora, o

1_ Melo, Gladstone Chaves de. Iniciação à Filologia e à Lingüística Portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria
Acadêmica, [sd], p. 85〜103. Os outros ramos são: o hitita, o tocário, o grego, o italo-celta, o germânico, o
báltico, o eslavo, o albanês e o armênio. Alguns historiadores acreditam numa civilização muito desenvol-
vida no vale dos rios Indo e do deserto do Rajastão há pelo menos 4500 anos. Porém, em algumas descrições
dos movimentos celestes no Rig Veda, a datação pode pular para 15 a 20 mil a.C. Por volta de 2500 a.C. um
dos povos mais desenvolvidos da antiguidade, hindu ou harappa, tinha cidades planejadas nos vales dos rios
Indo e Ganges (Paquistão e norte da índia), contava com uma estrutura urbana de rede de esgotos, sistema
de fornecimento de água e casas de alvenaria e argila. Praticava intenso comércio com a Mesopotamia e com
os povos do Golfo Pérsico, fabricava diversos utensílios em cerâmica e ferramentas em bronze e cobre. Essa
cultura floresceu por cerca de mil anos, mas foi devastada a partir do séc. XV a.C. quando os povos arianos
invadiram a região e estabeleceram a cultura védica.
2. Os textos sagrados da índia escritos em sánscrito contêm hinos religiosos sacrificiais em linguagem aristo­
crática, orações e fórmulas mágicas. A língua dessas coletâneas é conhecida por sánscrito védico.

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que já seria pelo simples fato da subjetividade, o que não impediu uma interpretação
plástica através do estilo gráfico das próprias letras/palavras/ideogramas e das
esculturas e pinturas budistas, sobretudo as que personificam os mantras, os Myôô.
As divindades budistas j aponesas chamadas myôô ( 明王)surgiram da recitação
dos dharani ( 陀羅尼)3na escola Shingon (真言 )introduzida no Japão por Kükai (空
海 , 774~835) em 806. Shingon-dharani significa “Canção das Palavras Verdadeiras”
No budismo esotérico, versos místicos curtos são chamados de mantra, enquanto
os longos de dharani. Dharani, em sánscrito, literalmente significa “sustentador
(feminino)”,e sinônimo de mantra, e carrega a essência de um ensinamento. Seu
poder mágico é explicado pela eficácia de seus sons e ritmos da Verdade Essencial
do Universo. São palavras místicas em sílabas sánscritas e imbuídas de poder para
proteger os praticantes do Dharma contra toda influência negativa. Foi a língua
espiritual com a qual Buda expressou seu pensamento nirvânico, que não pode ser
ouvido nem compreendido por ninguém, mesmo pelos aspirantes de alto nível. De
acordo com o budismo esotérico, as explicações doutrinárias devem ser leitas em
Dharani. Para compreendê-la, o interessado deve se transformar em pessoa igual
grau de Buda.
O budismo tibetano enfatiza a recitação dos mantras, sendo às vezes chamado
de budismo mantrayana, cujo mantra mais conhecido é o Om Marti Padme Hum
(“Salve A Joia de Lótus"). Om (5®) é a sílaba sagrada, sememe4 de todos os mantras.
O som a-u-m seria o Único Eterno, em que passado, presente e futuro coexistem
e o praticante realiza uma união abstrata com Deus e entre os objetos pessoais ou
símbolos mais importantes do budismo: a flor de lótus (sânsc.: padma). A sílaba OM
e idêntica ao EU. Em sánscrito, a vogal [o] é constitutivamente um ditongo composto
de [a + w]; daí que OM possa também ser escrito ^4Í/M A é o estado de vigília, U éo
do sonho, Mdo sono profimdo e “o quarto” é o silêncio5. Em japonês há o vocábulo
aun (P可P牛)que significa “inspiração e expiração”,a interpretação mais antiga que se
tem notícia sobre a criação e extinção do universo. Enfim, os dois símbolos a seguir
têm precisa relação:
3. Isto faz parte dos Três Mistérios das expressões divinas de Buda (corpo, língua e vontade). Quando Buda
atingiu a “iluminação”,ele podia escolher entre passar para o Nirvana (“morrer para o mundo transitório”)
com um super-conhecimento transcendental intraduzível (uma salvação pessoal) ou compartilhar seu conhe­
cimento da forma mais didática possível com a humanidade para ajudá-la a se livrar do sofrimento. Então
Buda resolveu ficar nesse mundo até a morte física natural.
4. Do inglês sememe (1913) é um termo usado em teorias semânticas para se referir à mínima unidade de
significado que tem por correspondente formal o lexema, consistindo do feixe de semas que compõem o
significado do vocábulo. Para alguns, um sememe é equivalente ao significado de morfema, e para outros, é
um traço do significado, equivalente à noção de “componente semântico” ou “traço semântico” em algumas
teorias. Determinam o seu sentido específico, a classe a que pertence e suas interpretações virtuais. A forma
como as palavras brotam das sememes é remarcável.A raiz verbal é sempre uma única sílaba que contém os
sons ou fonemas básicos, a, i, u^r . Quando da raiz verbal surge uma palavra, o fonema sofre guna, que é
um princípio de transformação qualitativa, para mantê-la ressoando perfeitamente.
5. Zimmer, Henrich Robert. Filosofías da índia. Compilado por Joseph Campbell.São Paulo: Palas Athena,
1986, pp. 271-2.

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承 (do sánscrito) e 阿 (dojaponês)
Por outro lado, os monges-artistas não acreditavam num “eu” real, mas
historicamente, se aceitarmos que a sensibilidade artística nasce antes da exploração
da consciência do “eu” e substancialmente ligada ao sentimento religioso, é natural
pensar nessa arte como uma forma de religião e regrada pela mesma para a sua
manifestação mais religiosa quanto mais e melhor realizada. Um exemplo marcante
disto no budismo é a grande produção de imagens e as numerosas cópias de sutras
como atos de devoção. No cristianismo, islamismo, judaísmo, a linguagem e a grafia
também foram mais importantes em seu início, e mesmo com a mecanização da
escrita, ainda são valorizadas.
Uma das imagens mais assustadoras e realizadas foi as dos Myôô, também
introduzidas no Japão por Kükai. Dharani foi transliterado para Myô ( 明)mais o
sufixo de nobreza ô ( 王),resultando em Myôô. As estátuas Myôô têm uma aparência
feroz que se diz voltada para os inimigos, mas aqui, os “inimigos” não são apenas as
“forças malignas e sobrenaturais” do budismo. Eles também englobam os inimigos
de um povo que adotou o budismo para a sua ideologia social, ou seja, os Myôô
também protegiam a soberania aristocrática. A própria literatura védica não poderia
impedir uma interpretação tendenciosamente “bélica e liderada por deuses e seus
descendentes encarnados”, nada incomuns no início da história humana. Não podemos
ignorar que, na expansão do budismo, também havia um interesse político para obter
o apoio dos governantes locais, característica que se manteve da Coréia para o Japão.
Os defensores do mahayanismo (jap.: Daijôbukkyô, 大乗仏教 ) freqüentemente
acentuavam o sobrenatural e os poderes mágicos que podiam ser alcançados não
só com a fé em Buda, mas também com os mantras, objetivando a prosperidade e a
longevidade dos soberanos, e não exclusivamente a salvação budista.
O sánscrito é chamado de bongo (梵語 )na China e no Japão. É a língua que
o deus criador do universo, Brahma (jap., Bonten,梵天 )6, fez e que foi transmitida
para os arianos na índia Antiga {Tenjiku,天竺 ),e esta língua foi usada em toda a
índia, com uma crescente valorização intelectual e religiosa. É a linguagem dos
documentos imperiais do príncipe Ashoka (263〜 226 a.C., do reino de Maurya7).

6. Esta crença na origem divina da palavra é comum na mitologia de vários povos. Na Grécia, a palavra deriva
do deus grego Hermes, o tradutor da linguagem dos deuses para a linguagem humana.
7. Em 327 a.C” as tropas de Alexandre, O Grande, cruzaram o rio Indo no noroeste da índia e tiveram um
contato mais direto com os indianos descrito por autores em cerca de 300 a.C. As influências gregas e persas
inspiram as idéias de Estado, império, administração de territórios e poder centralizado. Após a partida de
Alexandre, muitas alianças geraram o Império Maurya. Por volta de 274 a.C.,Ashoka se tomou imperador
da dinastia Maurya e amparou o budismo elevado à categoria de religião oficial. Durante seu reinado, a
região de Gandhara (hoje, noroeste do Paquistão e leste do Afeganistão), entre os séculos I a.C. e VII d.C”
tinha se tomado cenário de intensiva atividade de missionários budistas. As primeiras imagens de Buda no
sudeste asiático apareceram por volta do século I, em esculturas e monumentos, mostrando as influências
das etnias locais. “THE BIRTH of Buddhist Images” (“O Nascimento das Imagens Budistas”). The East,
v. 23, n. 5, Tôkyô, novembro, 1987, pp.28-31.A dinastia Maurya entrou em declínio até perder o poder em
185 a.C. e a partir dai, várias dinastias ocuparam a índia. A cultura hindu atingiu o seu auge a partir do séc.

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Nos primeiros séculos d.C., houve um grande movimento de formas
literárias na índia, como o surgimento das epopéias Mahabharata (“O grande Livro
dos Bharatas” 8) e Ramayana compostas em sánscrito clássico. A produção de épicos
históricos e coletânea de poemas legitimavam mitológicamente a aristocracia,
fato que, portanto, não era original apenas das dinastias chinesas que, por sua
vez, influenciaram a literatura japonesa. Cerca de 18 capítulos do Mahabharata se
tomaram outra grande escritura sagrada chamada Bhagavad Gita (“A Canção do
Senhor”). Através do sánscrito, a literatura clássica indiana transmitiu para o oriente,
entre outras coisas, uma concepção de morte e a crença em guerreiros celestiais e
deuses incrivelmente antigos como Agni, deus do fogo, Vayu, do vento. Indra, do
Rig Veda, é modelo de guerreiro heróico e temível adversário, possuidor de umajoia,
vajra, lançadora de raios. Também temos os Asura, originariamente adversários dos
deuses e o Garuda do Ramayana, um ser com cabeça e asas de águia e corpo humano, cujo
bater das asas provoca o barulho de trovão. Esses exemplos demonstram a transmissão da
força cultural da língua sánscrita sendo mantida através do tempo, de modo que podemos
encontrar um Garuda ao lado dos Budas no Templo Sanjüsangendô (三十三間堂)em
Kyôto, Japão.
Apesar de o budismo ir contra o sistema de castas, a admoestação de que
cada um deve cumprir o seu dharma passa a ser relativamente importante na arte
budista, pois no mahayanismo, os guerreiros védicos e muitos outros deuses vedas
se convertem ao budismo como aspirantes e guerreiros protetores. Não há uma
distinção clara entre inimigos religiosos e políticos. Os inimigos encamados também
são tomados como deuses, demônios e feiticeiros.
Enfim, a atividade guerreira não geraria carma negativo, pois não seria uma
ação com desejos de auto-realização. Eles estariam cumprindo o dharma que implica
a não-ação. A ideologia de classes guerreiras no Oriente não deverá somente ao
confücionismo, mas também a interpretação do dharma.

O conhecimento na época de Buda


Os monges budistas logo adotaram o sánscrito como língua das escrituras,
ou passaram a usar simultaneamente com o pali. Chama-se “budismo híbrido com o
sánscrito” {bukkyô konkô bongo,仏教混淆梵語) .A presença do movimento budista
fortaleceu certos padrões de uma linguagem secreta que mantém relações somente
entre membros exclusivos do grupo especial que realiza as cerimônias secretas.

IV com a dinastia Gupta, que unificou o poder e diminuiu a influência do budismo. Nesse período, deuses e
deusas ganharam formas humanas e iniciou-se a construção de grandes templos para âDngar as divindades.
No início do séc. IV, a chegada dos hunos pôs fim à dinastia Gupta.
8 O Mahabharata, poema épico hindu, contém 200.000 linhas, ou seja, cinco vezes mais do que a Eneida,
a Odisséia e a Ilíada reunidas, que como se sabe, não fazem parte da literatura védica, mas exemplifica a
riqueza literária que o vedismo promoveu.

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Contudo, não temos certeza da linguagem usada por Buda. Supõe-se que na
época do Gautama (563〜 483 a.C.) da região de Magda, central da índia, a linguagem
que era usada e que se expandiu na classe dos comerciantes era pali. Como príncipe,
de fato ele deve ter recebido uma instrução superior e, abandonando o palácio, não
só era mais capacitado para receber oralmente os ensinamentos de outros ascetas
como ter acesso aos textos védicos. Então, ele tomou isso público e transformou seus
ensinamentos em conduta, não religião. Não obstante esse seu esforço anti-teológico,
sua elevada instrução e sabedoria levou o povo leigo a imaginar que Buda transmitia
uma mensagem subliminar em mantras que só os iniciados poderiam ouvir, dando
aos seus ensinamentos um caráter tão metafísico e tão metalingüístico que já apontava
para o Zen.
Do ponto de vista atual,o conhecimento pregado por Buda, de nenhum
modo se trata de ocultismo, mas ele tamoem não 10 1 imediatamente escrito, e nem
seriam muito úteis dessa forma, fato que “profissionalizou” os mestres e discípulos
em transmitir tal conhecimento, oralmente ou através de outras linguagens artísticas.
Essa característica é uma das causas de sua popularidade e expansão até os dias de
hoje. Após a morte de Buda, os ensinamentos foram sistematicamente transmitidos
oralmente pelos budistas. Essa transmissão oral tem uma importância histórica não só
para a difusão do budismo como também para o desenvolvimento de uma literatura
de caráter narrativo. Também como uma reação a uma literatura inacessível para a
maioria, isso vai gerar uma cultura popular paralela à cultura aristocrática, rica em
narrativas populares que fizeram surgir, no Japão, o gênero setsuwa (言兑言舌),como a
coletânea Konjaku Monogatari (今昔物語 )no final do século XII, rico em narrativas
pré e pós budistas da índia, China e Japão.
Quando o Budismo se dividiu em duas vertentes principais, Theravada
e Mahayana, o pali foi adotado em escrituras do Theravada (jap. Jôzabu-bukkyô
上J坐部仏教)sendo o Tipitaka o seu Cânon pali, escrito por volta de 25 a.C. e se
refere às três divisões da escritura: vinaya (disciplina), sutta (temas) e abhidhamma
(ensinamentos). Os principais sutras Mahayana são o Tipitaka, o Sutra Diamante, o
Sutra do Coração e o Sutra de Lotus.
Atualmente não ha muitos documentos budistas em sánscrito misturado
com a linguagem coloquial. Nos sutras Hokke-kyó (法華経)e Fuyô-kyô (普曜
経 ),somente uma parte dos versos foi deixada em linguagem coloquial e também
há momentos em que partes da prosa foram reescritas em sánscrito clássico. Esta
ocorrência é chamada de dialeto gãthã {geju-hôgen,俱頌方言 ),provavelmente
porque a poesia é mais difícil de ser reescrita em sánscrito, restando exemplos que
mostram a preocupação de uma classe social no modo de transcrição da linguagem
coloquial para o sánscrito. Contudo, em breve, passaram a aparecer poetas budistas
que publicaram obras literárias que foram tomadas como modelos do fazer poético
da índia em sánscrito genuíno. Já havia os poetas-santos, sobretudo mulheres que
honravam o deus Krishna e seguiam os movimentos Bakti (yoga da devoção e não-

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ação). Soma-se então, aos sutras e à literatura popular narrativa o nascimento de uma
poesia contemplativa não só sobre o observado, mas da própria linguagem/escrita
como parte da natureza contemplada. Certas palavras, como mantras, encabeçarão
versos que preparam o estado emocional do leitor diante do o b je to contemplado.
Durante os séculos IV e V d.C., o hinduísmo ressprgiu ; Corrío uma religião
dominante na índia, depois de vencer os desafios do budismo, que 々ái..até o séc. XII,
e do jainismo9 Nesse mesmo período, o budismo mahayana está entrârido no Japão.
No mahayanismo, Buda é mais um dos numerosos Budas que estâo presentemente
ativos através do cosmos. Isto teve um efeito profundo sobre à arte ?,budista, pois
permitia e estimulava representações de Budas e divindades protetófas do budismo,
assim como deuses secundários, incluindo guardiões da fé, extravasando a poderosa
mitologia hindu e a devoção pela arte realizada com as próprias mãos ou financiada
pela aristocracia. Pela Rota da Seda, por emissários e monges, essa concepção de
arte chega ao Japão na forma de templos e símbolos visuais das imagens religiosas
que, nas culturas em que poucas pessoas sabiam ler, sobretudo numa língua japonesa
embrionária, símbolos ajudavam os leigos a se envolver na mensagem contida nesta
arte. Enquanto isso, a transmissão oral continuava com temáticas que alimentavam
as crenças populares em seres sobrenaturais, seus feitos e milagres sob a fé budista.
Os símbolos dessas crenças formaram um padrão de representação chamado shuji.
Shuji (種子 )é a letra sánscrita que expressa com uma letra (1j i , 字)o nome de
cada Buda. Os tipos de letras que as estátuas budistas mostram foram originariamente
escritos em sememes. Os shuji, no início de pequenas sentenças (makoto, 真言 .
“palavra pura”) do sánscrito, também expressam os votos (seigan, 誓I I ) de cada
Buda, e são muitos os que são constituídos de uma letra final. No inicio havia um
sememe para cada imagem. Posteriormente, um shuji se ligou a vários Budas, e há os
Budas que possuem varios shuji.
As shuji-mandaras (種子曼荼羅 )são as mandalas com shuji, ou seja, numa
Mandala Budista podem estar desenhados apenas as letras sánscritas devido à relação
convencionada. Na ilustração temos uma secção da Kongôkai Mandara (金岡1J界曼
荼羅),à esquerda, e segundo o shuji, acima. Temos as divindades Dainichi Nyorai (
大日如来)no centro, Kongôsatta (金剛薩埵 ) abaixo, Kongôhô (金岡ij宝)à esquerda,
Kongôhô (金剛法)à direita e Kongôgyô (金岡1j業)acima.
Este shuji, tendo a capacidade de manifestação das forças de uma ou mais
divindades, funciona não só como um mantra, mas também como um veículo
determinante de um estado emocional, de um voto, de um verso, isto é, sua presença
exclui ambigüidades, uma vez que os caracteres expressam valores, além de se utilizar
de um estilo de letra para ser apreciado pela técnica e habilidade. Hoje os ideogramas
são bem estilizados, mas é natural que os japoneses daquela época tenham visto

9 O jainismo, surgido na índia entre os séculos VII e V a.C. também tem o seu sutra chamado Kalpa ou “Livro
do Ritual’’,que narra a vida de Mahavira, o 24° mestre jaina.

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essas letras como novos ideogramas importados, mas especiais, que não cairiam no
processo de “desmanche de símbolos” donde nasceram as escritas japonesas.

ぶ:

¿ )

「要
As letras sánscritas deviam manter a mesma multiplicidade de “forças”
que interagiram com deuses nos primórdios da linguagem humana. Podemos
levantar a hipótese de que os ideogramas foram valorizados pelo sánscrito.
Os ideogramas, quando usados em poesia e pintura caligráfica {shodô, 書
道 ),assumem inteiramente a sua natureza artística e revelam a habilidade do
artista. O processo de identidade (do povo japonês e do próprio indivíduo)
através da escrita e literatura se dá ao mesmo tempo em que os escultores de
imagens budistas não são mais apenas monges anônimos que praticam uma
especie de “voto artístico”

O conhecimento pós-Buda
Quando o budismo entrou na China, lá já se acentuava a escrita pictográfica
com mais de 4 mil anos e, por séculos, duas filosofias que marcaram profundamente
a sociedade chinesa pela crença em um modelo de comportamento humano em
que cada pessoa é virtuosa e que a grandeza moral é possível, respectivamente o
confucionismo e o taoísmo. Quando a China traduziu os sutras escritos em sánscritos
para o chinês, naturalmente usaram palavras que já existiam em seu léxico, mas
em ideogramas, e baseado naquelas filosofias. A partir daqui, os ideogramas, então,
também embutiriam a cultura sánscrita, e são esses os ideogramas que passariam para
o japonês.
A qualidade e a quantidade de sutras traduzidos para o chinês deram um
grande salto e durante cerca de mil anos, o empreendimento de tradução dos sutras
continuou, resultando em uma incrível obra de tradução para o chinês.
As traduções do chinês para o japonês foram realizadas ao mesmo tempo
em que nascia a língua japonesa, usando-se os ideogramas chineses com sua leitura
chinesa ON {on-yomi,音 廊 み )e adaptando as palavras nativas japonesas aos
ideogramas chineses, leitura japonesa KUN {ku n -yo m i, 言川読み) . Porém,

68 CHAMAS, Fernando Carlos. O Código dos Budas


relativo aos sutras, predominou a leitura ON e a tendência em tentar
compreender os sutras com palavras próprias dos chineses passou a ocupar
a corrente dominante. Um dos motivos não foi apenas a transmissão de
conceitos filosóficos que os nativos japoneses nem sonhavam, mas também
devido ao fato de se dar importância à transmissão das pronúncias originais
dos dharani. No Japão, porém, devemos lembrar que a importação da escrita
se dá antes da concretização ou conscientização escrita da religião nativa, o
xintoísmo. Isso gerou uma peculiaridade histórica em que a “língua sagrada”
para aquela crença ou praticamente não existe ou foi completamente possuída
pela sociedade aristocrática que explorou sua formalidade e seus valores
estéticos. A literatura inicial japonesa refletiu muito mais as crenças e valores
nativos do que um cânone xintoísta que praticamente nunca existiu.
Outro fato de essencial importância na transmissão do budismo, além dos
sistemas filosóficos sânscrito-chinês, foi a invenção do papel pelos chineses, e
também a impressão xilográfica e por tipos móveis, esta normalmente tida como
uma invenção ocidental10. Neste sentido, o sánscrito não teve a mesma sorte, pois
era escrito em folhagens ou casca de kaba ( 樺,vidoeiro, bétula) de shuro ( 棕欄,
uma especie de palmeira, trachycarpus excelsa) que foi chamada de baiyó ( 貝葉).
Nessas condições, muitos documentos se perderam devido ao clima quente e úmido
do território indiano. Portanto, o seu resgate também se deve ao pioneirismo chinês,
aliado a importância da erudição dentro do confucionismo e do budismo, e formaram
uma rica fonte donde o Japão, aprendendo o chinês, sorverá em abundância. De
qualquer modo, essa mecanização da escrita 10 1 lenta e nunca subtraiu a importância
dos manuscritos e sua caligrafia como atos de devoção e disciplina.
Apesar de usar os ideogramas chineses, o japonês não tem relação com o
chinês (ramo sino-ubetano)11.A sistemática criação de formas cursivas do kanji
(hiragana) e formas de partes do kanji (katakana) para â leitura do chinês e criação
de elementos gramaticais fez desenvolver a língua japonesa. Apesar dessa importação
de ideogramas, a literatura japonesa, buscando sua identidade própria e reconhecendo
o valor simbólico que os ideogramas carregam, criaram também seus uta-makura
(歌枕,“travesseiro de poemas”)para gerar esperados estados de espírito no ouvinte.
Este “valor simbólico” também se deve a um dos encontros culturais mais notáveis e
pouco explorados da história, do budismo com o taoísmo.
Enquanto os seguidores do confucionismo retraduzem o ascetismo
mendicante por um mais politicamente correto, o taoísmo explica a realidade que
age sobre o indivíduo, complementando o budismo onde o observador da realidade

10. Uma pergunta interessante é “Por que a China não passou por uma Revolução Industrial, mesmo sendo a
origem de muitas invenções séculos antes das que brilhariam na Europa?”
1 1 . O ramo sino-tibetano inclui os idiomas Chinês, Tibetano, Bhasa de Nepal e Birmanês. O japonês está in­
cluído no ramo uralo-altaica, relativa aos Montes Urais, Rússia e aos Montes Altai, Asia Central, mas não
existe vestígio de nenhum tipo de escrita no Japão anterior à introdução da escrita chinesa.

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tem um papel central na percepção da realidade, em outras palavras, se no budismo
a realidade sensível é ilusória, o taoísmo afirma que toda matéria é pura energia
manipulável pelo observador e nos atinge constantemente.
TAO significa “caminho” e já existia antes do universo. É o ancestral imutável
de todas as coisas e a fonte original de todas as coisas, semelhante ao Brahman védico.
A existência tem dois aspectos: Yang: ativo, masculino, claro, quente, positivo, leve e
ligado ao céu e Tin: passivo, feminino, escuro, frio, negativo, pesado e ligado à terra.
Os dois são representados pelo famoso símbolo circular com as cores preta e branca
entrelaçadas, originalmente representada por dois dragões. Lao Tse via o TAO como
a mãe do mundo (shakti), assim associando uma feminilidade provedora dos cinco
elementos da natureza cujos encantos simbolizam imortalidade, a longevidade e a
ordem espiritual presente na natureza.
As “forças femininas” já estavam presentes nos Vedas. A tríade divina
védica (trimurti) é constituída por Brahma (criação), Vishnu (conservação) e Shiva
(destruição), todos originários de Brahman, que não é um deus, mas a alma do universo
e a essência da vida. Cada deus tem o seu aspecto feminino (shakii), respectivamente
Sarasvati, Lakshmi e Parvati. Também se diz que foi Sarasvati quem criou o sánscrito.
O hinduísmo tântrico, ramo do hinduísmo baseado em textos tântricos dos dravidianos,
povo que coexistiu com os arianos, também enfatizam o shakti, origem de algumas
deusas budistas. Pelo século II, o taoísmo se tomou mais sobrenatural, repleto de
práticas místicas em busca da imortalidade e as crenças em diversos deuses e demônios
do folclore chinês e num “paraíso dos imortais” (Peng-lai).12
O budismo terá uma visão fantástica desses pares complementares dos
aspectos de yang e yin. O positivo é carregado da presença divina, e o negativo,
do que é proibido ao contato dos homens. A concepção de dois mundos paralelos e
complementares é fundamental na Mandala de Dois Mundos do budismo esotérico
japonês. Diante dos Budas e com uma mandala de cada lado, o crente se coloca entre
os dois mundos: o da Realidade Suprema e o da Ilusão.
Seguir o TAO é seguir a própria natureza e isto é estar em harmonia. Sua
influência parece ter realçado o caráter também influente do budismo esotérico sobre
as crenças nativas, já que combina a idéia de uma divindade suprema com a fé em
muitos deuses intermediários (ネ申道, shintô, xintoísmo, “caminho dos deuses”),com
os quais podemos nos comunicar por uma experiência mística.
Ao longo dos anos o taoísmo praticou experimentos alquímicos para extrair
da natureza o segredo da vida. Embora muitos ensinamentos taoístas sejam articulados
em enigmas, elas estimularam descobertas científicas na química e na medicina.
O corpo é visto não só como um templo, mas também como um “triplo
aquecedor” (cabeça, tórax e abdômen) e cada parte habitada por deuses que

12. O deus japonês Enmaten, Senhor do Inferno, é uma adaptação chinesâ de um deus védico que ganhou acrés­
cimos do taoísmo no final da dinastia Tang (618〜907) para o período da Cinco Dinastias (907-960), sendo
por isso representado usando um manto taoísta.

70 CHAMAS, Fernando Carlos. O Código dos Budas


produzem o elixir da vida para a paz interior e integração da personalidade13
No Tao Te Ching, o livro fimdamental da filosofia taoísta, os ensinamentos
supostamente escritos por Lao Tsé entre os séculos VI e V a.C.,diziam que a
inação (bakti) era o melhor modo de conseguir a paz.

Esse conceito foi uma das bases que


permitiram a criação do Feng Shui.(水風,
em jap. “Água e Vento”),da acupuntura
e do yoga para induzir a energia (chi
気) a se livrar de substâncias tóxicas
do corpo e do ambiente. As imagens
budistas incorporam a concepção dos
pagodes de cinco anéis e expressam os
cinco elementos que representam forças
cósmicas oriundas da união yin-yang.

A tabela mostra a relação dos pagodes com os cinco elementos e as estátuas


budista.

13. O jainismo e hinduísmo tântrico vêem o cosmos como uma gigantesca figura humana, em cuja cabeça estão
os 24 profetas, ou thirthankaras.

Estudos Japoneses, n. 27, p. 61-76, 2007 71


Na China e no Japão, a poesia e a pintura vão expressar essa experiência
mística com a natureza, ou a presença de deuses nos sentidos físicos e no ambiente.
A produção poética tinha uma relação direta com as crenças religiosas nativas e com
a filosofia taoísta de contemplação, de meditação e de não-ação (baktí) associado
a técnicas de cura holístico e higiene pessoal que visavam prolongar a vida. Essa
disposição ao ascetismo e à reclusão impediria a distorção da nossa verdadeira
percepção da realidade, a ilusão, que nos Vedas é a energia criativa dos deuses. Essa
filosofia foi essencial na pintura de paisagens suaves (cachoeiras, vales e vazio),
considerada símbolos de mutação e movimento constantes e também foi a ideologia
literária dominante. Durante o período das Cinco Dinastias (906-960) e Song do Norte
(960-1127) na China, enquanto alguns monges se retiravam espiritualmente para
escrever, os pintores voltaram a sua atenção para os métodos de capturar a aparência
das formas naturais, sob as quais jazia uma realidade imutável. Isso é essencial na
escultura budista.
O Japão, sendo criado por divindades kami, desde o início delega aguda
importância sagrada aos tropos 14 Esta foi a “linguagem sagrada” do xintoísmo.
Lugares famosos foram cantados pelos monges japoneses retirados como Saigyô
(1118-1190) e Kamo-no Chômei (1156?〜1216).
Do budismo esotérico praticado por Kükai aos ensinamentos zen-budistas de
Dôgen (1200-1235), a sacralidade implícita dos tropos naturais convidava os adeptos
religiosos a absorver o seu poder como ajuda à iluminação. Na cultura védica, o território
ocupado era previamente transformado de “caos” em “cosmos”,em razão do rito, e
recebe uma “forma” e se toma “real” (sistema simbólico = a realidade é simbólica e
não a realidade ). Na escultura budista, uma imagem é suficiente para transformar o
lugar em cosmos. Enfim, quais são os nomes dessas estátuas e o que eles revelam?
Embora devamos nos convencer que muitos ideogramas foram usados
apenas fonéticamente para a transcrição de nomes budistas, podemos analisar alguns
em que realmente houve uma preocupação em escolher os ideogramas certos. Será
que eles j a existiam ou foram criados especialmente para aqueles nomes? Devido às
prováveis relações descritas acima, toma-se interessante não descartar tais hipóteses,
sobretudo dentro dos sutras. Dada a infinidade de divindades budistas, limito-me aos
dois exemplos mais comuns, os Budas Amida Nyorai e Dainichi Nyorai.
Amida Nyorai 阿弥陀如来 veio do sânsc. Amitãyus, Amitãbha: 阿 ( a)
é “usado fonéticamente” e também significa a “Unidade do Mundo” no budismo
esotérico;弥 (mi) e 陀 (da) são “usados fonéticamente” O nome “Amida” foi

14. De acordo com a mitologia Xintoísta de século VIII em obras como Kojiki e Nihon shoki, Izanagi e Izanami
estavam em uma Ponte Flutuante no Céu e investigavam o vazio abaixo com uma lança até tocarem a massa
amorfa da matéria. Eles a sacudiram com uma lança e o que pingou de sua ponta se aglutinou em um lugar
chamado Onogorojima. Subseqüentemente, ilhas foram nascendo pelo ritual de cópula ou emergiram de vá­
rias substâncias corporais das divindades. Por exemplo, os 5 deuses das montanhas surgiram quando Izanagi
cortou o deus fogo Kagutsuchi em cinco pedaços.

72 CHAMAS, Fernando Carlos. O Código dos Budas


traduzido para o chinês como O-mi-to com os caracteres 無量寿 que lemos em
japonés como Muryôju, “Aquele que possui virtudes sem limites no espaço (無量 :
muryô, imensurável)e no tempo (寿 :j u , longevidade)’’
Dainichi Nyorai, nos sutras budistas iniciais, tem a sua origem no sánscrito
Vairocana. Essa palavra, Vairocana, tem o significado de “brilhar radiantemente”
No sutra Kegon-kyô, Dainichi é Rushana ou Birushana. No budismo esotérico, tendo
desenvolvido ainda mais o Vairocana, Dainichi adquiriu o grau de nobreza dito
Mahavairocana. Assim, Dainichi Nyorai (大日如来) vem do sânsc. Vairocana:大 (dai):
grande; 日 (nichi): dia, sol; Birushana ( 昆盧舍那)vem do sânsc. Mahavairocana:昆
(hi, bi): de salvar ou claro, evidente; 盧 (ro): eremitério;舎 (sha): casa, cabana; 那
(«úf):“usado fonéticamente”. Para os dois temos 如来 Nyorai:(如, nyó) “como que” e
(来,raí) “vindo”,“Aquele que vem”,que em sánscrito é Tathagata.
A idéia de Deus da cultura védica (deva) já se revelava solidária com a
sacralidade celeste, isto é, com o paradigma de luz e “transcendência” (altura), e, por
extensão da idéia de soberania e de longevidade. Usava-se Tian (天)na dinastia Zhou
(1122-256 a.C.) encontrado nos oráculos escritas em cascas de tartaruga. Na índia
os Tenbu são Deva, do sánscrito e do pali. Literalmente significa “aquele que brilha”
No corpo da estátua de Budas da categoria Nyorai (livres da Samsard) há
marcas com referências indiretas ou explícitas ao sánscrito. Uma das mais notáveis é
o byakugôsô ( 白笔丰目) ,um sinal entre os olhos como um pêlo branco rodando para a
direita. Esse sinal tem uma relação com o manji, símbolo transformado em suástica15.
O termo alemão swástica vem do sánscrito svastikah, significando “ser afortunado”
A raiz da palavra svasti pode ser dividida em su (^v), que significa “bom ou bem”,e
asti (astikah), que significa “ser ou sendo” Esse símbolo foi muito usado no budismo,
no jainísmo e no hinduísmo e originariamente usado pelos arianos. No jainísmo,
os quatro braços da cruz representam os quatro possíveis reinos de renascimento:
animal ou vegetai, inferno, terra e espiritual. No hinduísmo, a suástica, com os braços
voltados para a esquerda , é chamada de sauvastika ou sathio, e simboliza a noite,
a magia, a pureza, e os braços voltados para a direita, o sol,o dia, o masculino.
Acredita-se que se baseia num cabelo espiral {senmô,旋毛) do peito de Vishnu, do
qual Buda seria uma encarnação ilusória. No budismo, este símbolo se chama Manji
( 万字)ou Tokuji (徳字 )e significa “as dez mil virtudes do estado de Buda” por isso
man ( 万,“dez mil”)eji (字, “letra”)ou toku (徳, “virtude”). Este sinal é um dos mais
comuns nas estátuas budistas e pode estar explicitamente no peito, ou indiretamente
na forma dos pelos e do cabelo de Buda16. Símbolo semelhante pode ser encontrado

15. In “Buddhist Comer”. Disponível em www.onmarkproductions.com. Acesso era 2003; In EGAWA, Kiyoshi,
AOKI, Takashi, HIRATA, Yoshio (comps.). Kigô-no Jiten (“Dicionário de Símbolos”). Tôkyô: Sanseidô,
1985, p. 238.
16. A suástica nazista, hakenkreuz (hâkenkuroitsu,ハ一ケンクロイツ)com os braços para a direita e o eixo
inclinado em x, difere do manji cujo eixo é em cruz +. Ainda, enquanto desenho de várias culturas, também
é usada como um tipo de crucifixo (jüjika,十于架).

Estudos Japoneses, n. 27, p. 61-76, 2007 73


nos 8 tambores do deus do trovão, Kaminari, e na energia Kundalini, uma serpente
enrodilhada que permanece adormecida no chacra (centro de força) muladhara,
no plexo nervoso sacral na base da coluna, e simboliza um reservatório de energia
psíquica latente. Nos mapas, marcam os lugares dos templos budistas.

K H ⑨晷
A passagem dos escritos budistas do sánscrito para o chinés foi realmente
um encontro de escritas sofisticadas. Do chinés para o japonés, no mínimo, foi
um desafio compreender a carga milenar de significação dos ideogramas a ponto de
não haver outra maneira senão desmanchá-los e distingui-los, gerando um idioma
próprio, mas sem ignorar valores implícitos, ou seja, embora os japoneses pudessem
colocar todos os nomes próprios sánscritos em katakana, usaram os ideogramas, o
que indica que valores muito antigos foram preservados. Sabe-se que há uma certa
liberdade dos ideogramas em nomes próprios17, mas mesmo assim se procura o status
do ideograma isoladamente. Portanto, seria displicente ignorar que, no caso dos
nomes dos Budas, não pudesse ter ocorrido o mesmo. Se sim, qual seria o critério?
Quais valores lingüísticos foram preservados até hoje graças ao esforço da literatura
budista? Olhando para as imagens, isso é muito claro, e mesmo suas lendas nos
remetem a um passado remotíssimo das crenças autóctones e dos mitos arianos e que
compõem as diversas crenças que compõem o hinduísmo e a religião chinesa.

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17. Para a leitura dos nomes próprios japoneses usa-se o auxílio de dicionários de nomes próprios. Um mesmo
nome pode possuir ideogramas diferentes segundo o valor simbólico dos ideogramas escolhidos cuidado­
samente pelos pais ao dar nomes aos filhos, ja que esse valor poderá refletir na personalidade. É claro que a
escolha de um nome, em qualquer língua, envolve valores culturais que gostaríamos de imprimir, sobretudo
nos filhos, e até nos animais de estimação, mas o ideograma chinês ainda tem um requinte simbólico incom­
parável.

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Estudos Japoneses, n. 27, p. 61-76, 2007 75

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