ENSAIOS SOBRE A GUERRA Russia Ucrania 20
ENSAIOS SOBRE A GUERRA Russia Ucrania 20
ENSAIOS SOBRE A GUERRA Russia Ucrania 20
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Quem quis se alegrar com o mundo
depara com uma tarefa
de execução impossível.1
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A invasão da Ucrânia: evidências e controvérsias
Daniel A A R ÃO R E I S
451 13
A Ucrânia não é o diabo, mas talvez o futuro da
democracia
Yves C O H E N
494 Agradecimentos
Introdução
INTRODUÇÃO
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de locais seguros para si, os filhos, os bichinhos, chocados com as mortes
e os escombros que iam se avolumando rapidamente pelas ruas. Horas
antes o presidente russo, Vladímir Pútin, havia anunciado uma “operação
militar especial” na Ucrânia, expressão que, diante do poder destrutivo da
ofensiva militar russa e da pronta defesa pelo país agredido, foi imediata-
mente lida como um eufemismo para guerra que, de tão afrontoso, acabou
gerando memes que contrapunham a expressão eufemística à paz na capa
do romance de Tolstói. Com velocidade, cartazes negros com as palavras
НЕТ ВОЙНЕ – que em russo quer dizer NÃO À GUERRA –se multiplicaram
nas redes sociais do mundo inteiro.
Jornalistas, artistas e intelectuais começaram a se reunir para bus-
car entender toda a situação, promovendo lives, entrevistas; em vários can-
tos do mundo milhares de pessoas se reuniram para se manifestar contra
a guerra na Ucrânia.
Mesmo para quem, há anos, convive, estuda e acompanha os movi-
mentos políticos e culturais no Leste Europeu, a ofensiva e seus desdobra-
mentos demonstraram-se estarrecedores. Muita gente começou a morrer na
Ucrânia e, de uma hora para outra, famílias não tinham mais casa, prédios
inteiros tombaram em ruínas, crianças ficaram sem os pais, sem os avós. E a
fuga em massa teve início levando ao exílio milhões de pessoas, principal-
mente mulheres e crianças ucranianas. Grande número de russas e russos,
discordantes da "operação militar especial" promovida por Pútin, deixaram a
Rússia, inclusive notáveis nomes da literatura e das artes como LiudmilaU-
lítskaia que, aos 79 anos, trocou Moscou por Berlim, e uma das maiores can-
toras pop vivas, Zemfira, junto a sua companheira, a atriz e cineasta Renata
Litvínova, mudaram-se para Paris. Claramente, trata-se de um cenário que
promete mudanças profundas na ordem mundial, inclusive trazendo à baila
a ameaça nuclear, que muitos erroneamente julgavam superada.
Tão rápidas quanto foram a ação e a reação iniciais neste conflito,
foram também as medidas tomadas pelo governo russo para silenciar as
vozes discordantes. As poucas emissoras de oposição foram fechadas, a
internet foi amordaçada, e uma enxurrada de fakenews tratou de encobrir
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Bruno G O M I D E
Neide J A L LAG E A S
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Em defesa (crítica) do direito
da Ucrânia à autodeterminação
Em defesa (crítica) do direito da
Ucrânia à autodeterminação:
entre a Cila da agressão imperialista
russa e a Caríbdis da marginalização
na Europa1
Svetlana R U S E I S H V I L I
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mais me intrigou foi a revisão da história soviética (manipulativa e instru-
mental, como já é costumeiro no regime de Pútin),2 empreendida para jus-
tificar a conquista neocolonial dos territórios ucranianos pelo Estado russo.
Pútin iniciou o seu discurso criticando a convicção de Vladímir Lênin
em defender o direito à autodeclaração dos povos do antigo Império Russo.
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tivos. Os bolcheviques eram totalmente alienados,
tanto da realidade, quanto da tradição histórica.
[...] É uma pena que dos fundamentos básicos, for-
mais e jurídicos nos quais o nosso Estado foi cons-
truído não tenham sido excluídas essas fantasias
(o direito à autodeterminação dos povos) odiosas,
utópicas, influenciadas pela revolução, e absoluta-
mente destrutivas para qualquer país.4
Introdução
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que omite, quando não mente, confirmando Ésquilo, o pensador grego:
“numa guerra, a verdade é a primeira vítima”.
A guerra suscitada pela invasão dos exércitos russos na Ucrânia,
desde 24 de fevereiro de 2022, não foge ao padrão. Os Estados envolvi-
dos reiteram-no, abusando da imensa força que adquiriram os meios de
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um acordo, em 2010, entre a Rússia e a Ucrânia, pelo qual as bases militares russas
poderiam permanecer até 2042 em troca de vantagens no abastecimento de petró-
leo russo à Ucrânia. A maioria russa (58% da população, segundo o censo de 2001),
porém, incentivada por Moscou, manifestou-se a favor da secessão e incorporação na
Rússia. O desfecho veio entre 23 de fevereiro e 28 de março de 2014, envolvendo
pressões populares e ações militares, resultando num plebiscito que aprovou por
larga maioria a integração da península à Federação Russa. A anexação não foi reco-
nhecida internacionalmente, gerando tensões e sanções econômicas simbólicas da
parte dos Estados Unidos e de Estados europeus.
3 O reconhecimento diplomático por parte da Rússia seria oficializado na vés-
pera da invasão de fevereiro de 2022.
4 Depois que Joe Biden assumiu a presidência da república dos Estados Uni-
dos, em janeiro de 2021, os serviços de inteligência estadunidenses começaram a
divulgar os preparativos de uma iminente invasão. Entretanto, as informações não
alteraram as tendências da opinião pública. A maioria, parecendo anestesiada, conti-
nuou a não acreditar que o conflito fosse começar.
Examinemos agora a guerra, como se processou e seus desdobra-
mentos ao longo de cinco meses.
A invasão russa assumiu, no início, três direções: Kyiv, capital do
país, a oeste; Kharkiv, segunda cidade mais importante, a leste, adossada à
fronteira russa; e uma terceira “frente” no sul/sudeste, envolvendo as duas
referidas repúblicas autoproclamadas (Luhansk e Donetsk) e mais, em dire-
ção oeste, visando as cidades de Kherson e Mariupol.
Nos primeiros dias, parecia que o país seria tomado numa guer-
ra-relâmpago. Como acontecera, em ponto menor, na Crimeia, em 2014.
Russos, europeus, estadunidenses e mesmo não poucos ucranianos ima-
ginavam o pior. Multidões começaram a fugir das zonas de combate e,
quando possível, do país.5 O governo dos Estados Unidos chegou a oferecer
transporte para o exílio ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Entretanto, e mais uma vez, o improvável aconteceu.6
Inesperada, irrompeu a resistência nacional ucraniana. Surpreen-
dente. Milhares e milhares de civis acorreram aos postos de recrutamento
e se integraram em unidades irregulares de defesa, na organização de ser-
viços auxiliares de todo o tipo, incluindo-se aí atividades desempenhadas
por cidadãos comuns que, munidos de aplicativos de celular, informavam
a posição dos invasores, localizando-os no terreno e viabilizando sua des-
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contínua das cercanias de Kharkiv no nordeste às proximidades de Odessa,
no sul, ocupando o litoral do Mar Negro face à península da Crimeia. À
cidade de Kherson, tomada logo no sétimo dia da invasão, seguiu-se a
trabalhosa conquista de Mariupol, em meados de maio, garantindo parte
desses objetivos. No momento atual (fins de julho), sem deixar de bombar-
dear Kharkiv e mesmo Odessa, as tropas russas parecem mais interessa-
das em garantir e ampliar os territórios já conquistados (20% do território
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O sistema de Estados que foi formado na Europa, a partir dos trata-
dos de Westfália, em 1648, se estabeleceu como um modelo internacional,
que, por meio da expansão do colonialismo europeu, levou também o for-
mato do estado nacional que se tornou depois o veículo da descoloniza-
ção, com as independências das nações asiáticas e africanas no segundo
pós-guerra.
Os primeiros Estados-nações foram os mais bem-sucedidos em
se tornarem grandes impérios coloniais e países pioneiros na revolução
industrial, comercial e financeira. Países Baixos, Inglaterra e, especialmente,
a França após a revolução de 1789 vão ser os países centrais no sistema de
Estados europeus, enquanto Alemanha e Itália terão uma unificação tardia
como Estados nacionais centralizados.
Essa tendência, de formação de Estados nacionais, para Lênin, era
intrínseca ao desenvolvimento histórico socioeconômico contemporâ-
neo, “porque são os que melhor satisfazem as exigências do capitalismo
moderno” (LÊNIN, 1980, p. 147). Por isso, “o desenvolvimento do capitalismo
exige que os Estados sejam os maiores e os mais centralizados possíveis.
Em condições idênticas, o proletariado consciente será sempre partidário
de um Estado maior” (LÊNIN, 1980, p. 147).
A luta contra o particularismo medieval indica, dessa forma, uma ten-
dência à compactação de Estados. Isso não significa, entretanto, a recusa ao
direito de existência dos pequenos estados. Nas Américas, os novos países
independentes, especialmente os Estados Unidos, também se formaram como
Estados-nações, mas na Europa subsistiram, além dos Estados nacionais,
alguns grandes impérios plurinacionais, como a Rússia, a Áustria e a Turquia.
Os Estados Unidos colonizaram as regiões norte-americanas oci-
dentais dos indígenas e dos mexicanos, passando a possuir suas colônias
ou semicolônias só após ganhar a guerra contra a Espanha, em 1898, e se
apossar de Porto Rico, Cuba e Filipinas. Durante o entreguerras, os Estados
Unidos se mantiveram em rivalidade com outros imperialismos, como o
alemão e o japonês, mas após a Segunda Guerra Mundial se tornou o impe-
rialismo dominante, numa disputa bipolar com a União Soviética e, depois
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um estado nacional, mas como um Estado de nacionalidades” (1980, p. 185).
Os estudos sobre o nacionalismo constituem uma enorme biblio-
grafia. Muito se destacam as condições conflituosas, híbridas e inviáveis
de reivindicações nacionais em caso de mistura de nacionalidades num
mesmo território, do desafio de se garantir direitos de minorias e das pecu-
liares e estranhas sobreposições de identidades étnicas, religiosas, políticas
e culturais na formação das identidades nacionais. Desde os gregos antigos
com suas noções de autoctonia até as ondas de movimentos nacionalistas
do século XIX, e, depois, com a constituição das Nações Unidas com o atual
número de 193 Estados membros, chegando até os conflitos do século XXI,
como a atual guerra da Rússia contra a Ucrânia, que se debate o signifi-
cado histórico das nações e do nacionalismo. Questões como a comuni-
As contradições nos argumentos
de Pútin para invadir a Ucrânia
As contradições nos argumentos de
Pútin para invadir a Ucrânia: os mitos
da Otan, da proteção de minorias e da
desnazificação
Vicente FERRARO
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tando às tensões geopolíticas da Guerra Fria. Muitos cientistas políticos e
analistas não acreditavam que o Krêmlin fosse incorrer em uma ação tão
custosa e deletéria.
No presente artigo discorro acerca das incoerências nas principais
justificativas de Vladímir Pútin para iniciar a guerra contra a Ucrânia. Exa-
mino discursos presidenciais, declarações oficiais, fatos históricos, dados
estatísticos, pesquisas de opinião pública e relatórios de organizações da
sociedade civil e das Nações Unidas. Dada a proximidade temporal com os
eventos de interesse, também recorro a conteúdo midiático de periódicos
ocidentais, russos e ucranianos.
Três argumentos principais (os casus belli) foram utilizados pelo
Krêmlin para justificar o recurso à guerra, em particular a expansão da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a proteção da população
russófona do leste e da região do Donbas e o combate ao nazismo. Por
mais que o questionamento da diplomacia russa à expansão da Otan tenha
fundamentos legítimos, há diversas evidências que o contradizem como
motivador da ação russa; como esperado, a opção pela invasão veio a forta-
lecer a aliança e aproximá-la ainda mais das fronteiras russas. Contrariando
as pretensas intenções humanitárias do Krêmlin, no sentido de proteger as
minorias étnicas russas e russófonas, quatro meses de invasão levaram a
um número de mortes civis superior a oito anos de guerra no Donbas: a
população russófona do leste foi exatamente a maior vítima até o momento
e apresentou significativa resistência às investidas de “libertação” promo-
vidas pela Rússia. No que concerne ao argumento da desnazificação da
Ucrânia, a despeito de haver grupos neonazistas no país e uma relativa
leniência das autoridades em relação à sua atuação, não há evidências de
que tais grupos contem com significativo apoio social ou influência polí-
tica, além do que, o problema da extrema direita está também presente na
própria Rússia. Ao que tudo indica, a questão do nazismo constituiu uma
estratégia de “demonização” do oponente no conflito, mobilizada inclusive
para questionar o direito de a Ucrânia existir como Estado e nação.
Nas seções finais, discorro brevemente acerca de outros casus
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documentos confirmariam essa promessa (ZAKHAROVA, 2021; AKHTYRKO,
2022). Por outro lado, transcrições de negociações nos diferentes países
envolvidos indicaram que as discussões giraram em torno do status militar
1 A segunda opção mais mencionada, com 25%, foi evitar um ataque / ameaça
à Rússia; proteger suas fronteiras para que a Ucrânia não ataque.
2 WCIOM. Spetsiálnaya voiénnaia operátsiia v Ukraine: otnochenie i tseli [Ope-
ração militar especial na Ucrânia: atitude e objetivos]. 28.02.2022. Disponível em:
<https://wciom.ru/analytical-reviews/analiticheskii-obzor/specialnaja-voen-
naja-operacija-v-ukraine-otnoshenie-i-celi>. Acesso em: 15.07.2022.
3 Tratado Dois-Mais-Quatro ou Tratado sobre a Regulamentação Definitiva
referente à Alemanha (Treaty on the Final Settlement with Respect to Germany).
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da paz, de algum acordo, nem da vitória da resistência ucraniana. Sabemos
que, na Rússia, há apoio massivo à guerra, tudo indica que a populari-
dade de Pútin não cessa de crescer, tanto no país por ele governado há
23 anos, quanto entre amplos setores supostamente de esquerda e pro-
gressistas mundo afora. Num cenário tão assustador e pessimista, lembra-
mos da metáfora dos vaga-lumes (de Pasolini e de Didi-Huberman) que
insistem em emitir lampejos de luz, mesmo em vias de desaparição. Para
Pasolini, no ensaio “O artigo de pirilampos” escrito em fevereiro de 1974,
o sumiço repentino desses seres reluzentes fora o prenúncio e o indício
de instauração de uma forma peculiar do fascismo, o neofascismo, asso-
ciado ao aplacamento da multiplicidade das formas culturais e ao ecocí-
dio. Para Didi-Huberman, no livro Sobrevivência dos vaga-lumes, de 2008,
172
Microarte antimilitarista.
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tica intricada e arrasa, como uma bomba atômica o pensamento complexo
A artista em uma das manifestações antimilitaristas com a tela Não acredite na justiça
da guerra.
São Petersburgo, 15 de março de 2014. Fotografia de Serguei Tchernov.
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ções foram um pouco além e buscaram motivos por trás da tentativa do
presidente russo de ressuscitar não a União Soviética, mas o velho Império
Russo. De Moscou veio também sua própria versão dos fatos: tratava-se de
combater o neonazismo e de reparar um “erro histórico” cometido por Lênin
e pelos bolcheviques, mesmo que as evidências a sustentar qualquer uma
dessas teses fossem pequenas ou praticamente nulas. Um dos argumentos
mais interessantes, no entanto, foi o que levantou a ideia de que os dirigen-
tes russos buscavam restaurar um rússki mir [mundo russo], formado pela
população falante da língua russa que ficou espalhada pelos territórios da
antiga União Soviética depois de sua dissolução, população que o Krêmlin
deveria resgatar e proteger.
Para além das possíveis explicações sobre a invasão, o que a
guerra colocou em evidência foi que a Ucrânia é apenas um elemento
secundário (que pode servir de exemplo) e que o que está realmente em
jogo nessa disputa é uma luta pela hegemonia global em um contexto
de reacomodação das lideranças. Assim, as ações da Rússia se voltaram
a contestar a ordem global multilateral, a por um fim na hegemonia oci-
dental e a propor o país como um líder do novo ordenamento civilizatório,
cujo núcleo conteria uma orientação mais tradicionalista e conserva-
dora. Nesse sentido, seria a expressão particular de um fenômeno mais
geral vinculado ao ressurgimento mundial dos neoconservadorismos
(BRUDAITSKIS, 2020).
Entre as interpretações, no entanto, um aspecto que começou a
crescer com o correr dos meses, que reforça o conflito e que está estreita-
mente vinculado a todos antecedentes acabou ficando em segundo plano.
Trata-se da ideia de que a Rússia deve se separar de uma Europa vacilante
e decadente. Essa postura não é unilateral: uma onda de proibições a artis-
tas e obras emergiu da Europa apenas pelo fato de serem russos. Como
em um diálogo de surdos, a Rússia rechaça a Europa e a Europa cancela a
Rússia sem levar em conta os enormes e estreitos vínculos que as unem,
a tal ponto de não conseguirem pensar nem se compreender mutuamente.
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o evento, e enquanto os nobres deixam o grande salão, há um diálogo
sugestivo. O narrador convida o europeu a seguir “adiante”.1 O aristocrata
se nega e, enquanto olha com doce melancolia ao seu redor, responde
“fico aqui mesmo”. Imediatamente começa-se a ouvir o “Noturno em Fá
menor” (1839) de Mikhail Glinka, também conhecido como “A separação”. É
aí que o narrador conclui o diálogo com uma frase lacônica e contundente:
“Proschai, Evropa” [Adeus, Europa], pressagiando o que, em sua visão, seria
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cerca de 150 mil. Atualmente, considera-se que no Brasil vivem mais de
500 mil descendentes de imigrantes ucranianos, 80% deles no estado do
Paraná: entre as cidades com o maior número de descendentes, destacam-
-se Curitiba com 55 mil descendentes (cerca de 3% da população local) e
Prudentópolis com mais de 38 mil descendentes (cerca de 75% da popula-
ção local) (CZAIKOWSKI, 2022).
O colapso da União Soviética em 1991 induziu grandes ondas de
emigração no espaço pós-soviético, principalmente por razões econômi-
cas (VOROBYEVA; ALESHKOVSKI; GREBENYUK, 2018). Seguindo o relatório
da Organização Internacional para as Migrações (IOM, p. 26) de 2020, em
2019, a Ucrânia já ocupava o oitavo lugar entre os países com o maior
número de cidadãos residentes no exterior, mais de 5 milhões de pessoas.
A Rússia, o núcleo da ex-União Soviética, ocupava o quarto lugar com mais
de 10 milhões. Segundo o relatório do Ministério da Justiça e Segurança
Pública (BRASIL. MJSP, 2022a), de janeiro de 2010 a dezembro de 2021,
3370 cidadãos da Ucrânia solicitaram autorização de residência no Bra-
sil, no entanto, 67% deles eram marinheiros e buscavam o documento
visando a realização de trabalhos temporários. Segundo o mesmo rela-
tório, no mesmo período, cidadãos ucranianos fizeram 74 solicitações de
reconhecimento da condição de refugiados no Brasil. O painel interativo
de decisões sobre refúgio no Brasil (BRASIL. MJSP, 2022b), considerando
decisões de mérito no mesmo período, menciona 15 solicitações deferidas
e 5 indeferidas, com o tempo médio de análise de 4,3 anos. Nos últimos
20 anos, somente no período de 2011 a 2016 foram concedidas mais de
300 autorizações de residência por ano - nos demais, o número de autori-
zações foi inferior (OBSERVATÓRIO DE MIGRAÇÕES EM SÃO PAULO, 2022).
Em 2019, o último ano antes da pandemia de Covid-19, foram concedidas
141 autorizações de residência.
A agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, que começou em 24
de fevereiro de 2022, causou uma das maiores crises de deslocamento for-
çado conhecidas no mundo até hoje: no período até 10 de junho de 2022,
a ACNUR relata cerca de 7,3 milhões de passagens na fronteira a partir da
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residência, muitos não fazem isso logo nas primeiras semanas após a che-
gada e não são contabilizados pela Polícia Federal como residentes recém-
-chegados. Por outro lado, entre aqueles que solicitaram autorização de
residência para fins de acolhida humanitária, alguns já se encontravam no
país antes da guerra. Alguns jornais, no fim de março, anunciaram o número
de ucranianos que atravessaram a fronteira do Brasil após a invasão russa,
como por exemplo: 894 em 19 de março (G1, 2022) e mais de 1100 em 22
de março (FIGUEIREDO, OSORIO, TORTELLA, 2022), com menção ao número
baixíssimo de solicitantes de visto humanitário (28 e 13, respectivamente).
No entanto, ao verificarmos o saldo entre as entradas e saídas de cidadãos
ucranianos do território brasileiro em pontos de fronteira apresentado na
Tabela 1, observamos que o número de saídas é comparável ao número de
entradas (BRASIL. MJSP, 2022c, d). O saldo de março é de 152, enquanto o de
abril é de 297, e o de maio é de -42 cidadãos ucranianos. Os dados de março
a maio de 2021 possuem um perfil parecido: às vezes o saldo é positivo, às
vezes é negativo (Tabela 1). Provavelmente, essa proximidade nos números
de entradas e saídas que passam de um mil por mês é influenciada pela
presença de marinheiros, que são a categoria majoritária a receber autori-
zações de residência (BRASIL. MJSP, 2022a; OBSERVATÓRIO DE MIGRAÇÕES
EM SÃO PAULO, 2022).
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a data inaugurou uma cronologia totalmente nova: o que está sendo con-
tado atualmente são os dias de guerra, então hoje é o dia 47. Durante esses
47 dias de guerra, o mundo testemunhou dor e atrocidades, a destruição
de cidades inteiras e o sofrimento de civis inocentes. Ao mesmo tempo,
também foi testemunha da admirável resiliência dos defensores ucrania-
nos, das mais diversas nacionalidades. São todos cidadãos, lutando brava-
mente pela independência do país e pela própria liberdade. No entanto, as
palavras que estou procurando devem vir do outro lado da trincheira, pois
existe, de fato, um abismo separando Rússia e Ucrânia. Todos sabemos que
vai levar décadas, se não séculos, para corrigir os registros históricos. Não
vou falar de culpa nem (pelo menos não imediatamente) de responsabi-
lidade coletiva. A palavra que me vem à mente parece fraca e, em alguns
aspectos, até mesmo inapropriada se considerarmos o escopo da tragédia
em curso, porém eu não consigo deixar de pensar em piedade, ou no seu
sinônimo, compaixão. Isso requer alguma explicação, e farei o meu melhor
para explicar por que piedade é mais do que um mero sentimento que
consiste em um clássico retorno a si mesmo.
“Não precisamos da sua piedade”. Esse tipo de resposta permeada
por um tom de raiva é a mais frequente quando alguém do lado russo se
aventura a expressar abertamente seus sentimentos de compaixão, como
aconteceu mais de uma vez nas redes sociais ao longo dos últimos 47
dias. Psicologicamente, essa rejeição é bastante compreensível – a com-
paixão parece quase uma zombaria diante da violência perpetrada por
seus próprios compatriotas – e a reação imediata seria um arrebatador
sentimento de culpa. De fato, se você é incapaz de impedir que as tropas
invasoras do seu próprio país causem estragos em uma terra pacífica, que
outra coisa seria possível sentir? Nada além de culpa e uma enorme sen-
sação de desamparo. Não é minha tarefa aqui listar os vários sentimentos
que esta guerra suscitou. Eles são os mais diversos e, obviamente, a raiva
está no topo da lista. No entanto, gostaria de refletir sobre a piedade a
partir de uma perspectiva não psicológica que ainda seja possível ape-
sar da guerra. Em primeiro lugar, pode ser útil olhar para a etimologia da
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No entanto, isso é apenas uma parte da história. A outra tem a ver
com o que levou a essa guerra e porque até mesmo o prefixo syn- foi
comprometido e frustrado. O nome dessa outra realidade, que usurpa a
primeira, é colonialismo. De fato, esta é uma guerra colonial, embora isso
possa soar totalmente absurdo e inconcebível no início do século XXI. No
entanto, o objetivo da Rússia é transformar a Ucrânia em uma província
ou uma periferia da metrópole, o que quer que isso possa significar. O
que me leva a pensar nesses termos são os clichês ideológicos que atu-
almente estão sendo inculcados na mentalidade dos militares russos que
conduzem sua “operação especial”. Basta seguir as notícias das chamadas
cidades liberadas1 para descobrir que os soldados russos (se apresentando
ironicamente como “libertadores”) estão cumprindo uma tarefa tripla: pri-
meiro, esmagando a resistência das autoridades locais; depois, a dos Ban-
derites2 (ou, simplesmente, “nazis”) e, por fim, instalando em seu lugar uma
alternativa, ou seja, governantes pró-Rússia. Resumindo, o expansionismo
se disfarça de limpeza. O que estaria por trás da ideia de derrotar a “junta”
de Kyiv, um parlamento eleito democraticamente, como sabemos, se não a
necessidade de privar a Ucrânia de sua soberania ao transformá-la em uma
província do império? Talvez, a melhor expressão dessa ideologia torta seja
uma publicação recente de Vladislav Surkov, que um dia já foi um potente
ideólogo do Krêmlin. Valendo-se da definição de Lênin sobre o tratado de
Brest-Litovsk, de 1918, que de acordo com ele teria sido “obsceno” (uma
amarga referência às vastas perdas de território, população e recursos
como preço pelo fim da guerra), Surkov lamenta o atual estado das coisas:
a Rússia acabou por ser reduzida novamente à condição de Brest-Litovsk
devido a uma “perestróika ridícula, a uma glásnost duvidosa”. Mas o que
nos espera no futuro? “Bastante geopolítica – prática e aplicada. E talvez,
até mesmo contratual.” A Rússia parece estar “aborrecida” e “superlotada”;
é impossível para o país permanecer “dentro das fronteiras de uma paz
obscena” (SURKOV, 2022).3
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cialista em história da Europa Central e Oriental. Ele vê a Ucrânia como um
modelo de relações coloniais no coração da Europa, que, eu acrescentaria,
talvez tenha sido negligenciado ou um pouco subestimado por outros estu-
diosos da área. Aqui está seu raciocínio, extraído de uma entrevista, que eu
gostaria de reproduzir na íntegra:
309
Ao longo de toda a sua vida, desde os “Contos de Sebastopol”, escri-
tos em 1855 durante a Guerra da Crimeia, até o “Discurso para o Congresso
da Paz em Estocolmo em 1909”, redigido um pouco antes de sua morte,
Liev Tolstói, autor do monumental romance Guerra e paz, foi um dos críticos
mais contundentes dos horrores da guerra. Analisando diferentes verten-
tes do tema da guerra na obra de Tolstói e a lei de não violência vista por
Tolstói como a única possibilidade eficiente para sair do círculo vicioso
bélico, surpreendemo-nos com atualidade impressionante das suas ideias
antimilitaristas nos dias de hoje. Para a nossa análise, escolhemos as obras
e os escritos de Tolstói relacionados ao tema da guerra e, especialmente,
à lei de não violência, ou seja, à importante batalha do escritor em prol de
“não à guerra!” (“niet voinié!”, em russo).
Em 1904, quando a Rússia começou a guerra contra o Japão, Tolstói
escreve em carta a Liev, um de seus filhos, o seguinte:
311
maneira.
O estranhamento tolstoiano ajuda a descrever a guerra como um
“fenômeno incompreensível”, cheio de contradições e paradoxos e, logo,
privado de qualquer auréola romântica. Segundo Eikhenbaum, este é o prin-
cipal procedimento usado por Tolstói com objetivo de destruir o cânone
romântico da batalha, ainda muito popular na época da entrada do escritor
na literatura russa (EIKHENBAUM, 1987, p. 92).
A descrição da guerra feita pelo jovem Tolstói em “A incursão” se
transforma em sua condenação: as terríveis leis do mundo que obrigam
que as pessoas a se matarem, levam à destruição da harmonia interior
tanto do homem quanto da natureza. Essa é a ideia principal que soa em
“A incursão” e que vai percorrer toda a criação do escritor. É também nessa
obra, escrita em meio a exuberante e majestosa beleza das montanhas do
Cáucaso1, que Tolstói formula uma pergunta crucial, que vai ser um fio con-
dutor para toda a sua reflexão filosófica do mundo:
31 3
páginas, o escritor trabalhou nela durante oito anos. O livro foi terminado
em 1904, mas Tolstói não permitiu sua publicação em vida, de modo que
Khadji-Murát saiu apenas em 1912, dois anos após a morte de seu autor.
Para muitos críticos esta novela concorre apenas com A morte de Ivan Ilí-
tch em termos de acabamento formal. Harold Bloom, por exemplo, afirma:
“Minha referência pessoal para o sublime da ficção em prosa, para mim é o
melhor livro do mundo, ou pelo menos o melhor que já li.” A novela apre-
senta um relato verídico sobre a resistência armada dos povos islâmicos à
invasão russa e do líder montanhês Khadji-Murát (1818-1852). Em busca
de vingança contra Chamil, chefe checheno que aprisionara a sua família,
Khadji-Murát passa para o lado inimigo, isto é, o lado russo, e termina sua
vida da maneira trágica: Khadji-Murát é assassinado e degolado. No final
da vida, a arte de Tolstói chega a uma perfeição insuperável, ele usa toda
a força de seu talento para descrever os horrores, mortes e violência cau-
sados pela guerra, que gera uma “crueldade absurda” do exército russo e
“o sentimento natural” que era “mais forte que o ódio” dos chechenos em
relação aos russos:
335
faces. Ela se desenrola nos campos de batalha sob o estrondo dos mís-
seis e metralhadoras, mas também sob a forma da necropolítica promovida
por vários governos, no liberalismo desenfreado que aprofunda o fosso
das discrepâncias econômico-sociais, na devastação ambiental acelerada,
no cinismo aliado à ganância imperialista e à onda antidemocrática que
assola o mundo. Em meio a este cenário desolador, os artistas são ato-
1 Esse poema de Maiakóvski começa e termina com uma referência à novela “Noite
de maio, ou a afogada”, integrante da coletânea “Noites numa fazenda perto de Dikanka”
(1830-1832), de Nikolai Gógol, obra que retrata a Ucrânia, seu povo e seus costumes.
res fundamentais, pois dão voz ao coletivo, elaboram e expressam a nossa
angústia, são a garganta do mundo.
Também é inacreditável que ainda seja preciso reforçar o quão
essencial é a arte para a sociedade. Somente ela é capaz de fazer con-
traponto aos desmandos, de garantir o espaço da liberdade e da loucura
que se permite apontar o dedo para o rei nu. Tal tarefa está longe de ser
fácil. Historicamente sabemos que quem tem essa coragem e ousadia sofre
retaliações, perseguições e censuras. Não é diferente no que tange à guerra
entre Rússia e Ucrânia. Alguns se colocam abertamente contra o conflito,
outros calam, outros ainda demonstram apoio ao Krêmlin. Ondas de boi-
cotes que vão da vodca à arte russa nos mostram o que Platão, por outro
prisma, já apontava na República: poetas não são bem-vindos. Perigosos
hoje não porque nos iludem com cópias da realidade, como acusava o filó-
sofo grego, mas porque elevam a voz acima do burburinho do mundo e
apontam para aquilo que muitos não querem ver (ou não querem que os
outros vejam), num movimento prometeico de iluminação das sombras que,
de outro modo, permaneceriam ocultas. A arte, em suma, nos conduz para
fora da caverna.
Neste ensaio convidamos à reflexão sobre o papel da arte e dos
artistas – em particular da poesia e dos poetas –, por meio da discussão
33 6
337
mente: além do russo, ele falava fluentemente georgiano e há muitos relatos
e poemas – dele e de seus contemporâneos – que atestam a presença das
cores, das montanhas e do sol da primeira infância em sua vida e obra.
– “bato com a bomba das palavras” (MAIAKÓVSKI, 2018, p.54), mas a guerra
que defendiam era, essencialmente, a guerra das palavras contra o sistema
poético tradicional. Assim, o tema da guerra era, segundo o especialista
Bengt Jangfeldt (Imposti, 2018, p. 71), adequado ao movimento: “Para ele
[Maiakóvski] a guerra não era simplesmente o campo de batalha, mas tam-
bém o apelo estético e uma oportunidade”. Era também, segundo a pes-
quisadora Gabriella Imposti, uma forma de afirmar a superioridade da arte
das vanguardas russas em relação à europeia, sobretudo a alemã. Alguns
curtos artigos da época marcam a posição inicial de Maiakóvski quanto
ao conflito mundial. Comentaremos alguns trechos sem a pretensão de
esgotá-los.
Em “Chtatskaia chrapniel” [Estilhaço civil] de 1914, Maiakóvski
comenta a guerra estética e o papel do poeta em contraposição ao do
soldado: “o guerreiro arrogante anseia pela guerra, o poeta anseia por
seus versos. [...] Como um homem da arte, devo pensar que talvez toda
guerra seja inventada apenas para que alguém escreva um bom poema”
(MAIAKÓVSKI, 1914a). Em outro artigo do mesmo ano, “Chtatskaia chrap-
niel’. Poety v fugasakh” [Estilhaço civil. Poetas em pedaços] (MAIAKÓVSKI,
1914b), ele fala da “cacofonia da guerra” que envolve “famílias, irmãos,
maridos”, mas aqui o foco ainda não está na crítica à violência da guerra,
mas em como as palavras podem superar o sistema vigente. A guerra seria,
portanto, um “pretexto”, uma “âncora” na conjuntura, que inspira e inflama
a arte. Percebe-se que neste momento a visão é ingênua, alienada, e até
mesmo egoísta. A perspectiva muda quando ele se depara com a terrível
realidade da guerra.
Sua intenção principal num primeiro momento é discutir a lingua-
gem poética. No mesmo artigo, Maiakóvski critica a uniformidade das ima-
gens da guerra materializadas na poesia da época, e o fato de a poesia
não ser tratada como um objetivo, mas como um meio, como “um animal
de carga” que transporta “o conhecimento”. Ele condena os que escrevem
sobre a guerra acreditando que basta inserir as palavras “metralhadora” e
339
“canhão” no “metro certo” para entrar para a história “como o bardo do dia”
(MAIAKÓVSKI, 1914b). Num terceiro texto de 1914, “Chtatskaia chrapniel’.
Vravchim kist’iu” [Estilhaço civil. Como um pincel de má-fé], ele convoca os
poetas a buscarem novas formas de expressão em dias de guerra: “não se
deve escrever sobre a guerra, mas se deve escrever violentamente” (MAIAKÓ-
VSKI, 1914c).
Ainda sobre o assunto, em “Voiná i iazik” [Guerra e linguagem], tam-
bém de 1914, ele se concentra na inadequação e no anacronismo das pala-
vras empregadas para descrever a guerra. “Lembrem-se! Cada sentimento,
cada objeto cresce das roupas da palavra” (MAIAKÓVSKI, 1914d). Segundo
ele, palavras muito repetidas ficam desgastadas e perdem o elo com a vida
real, deixam de causar a impressão de outrora, é preciso, portanto, outro
E se não for sobre o Ocidente?
E se não for sobre o Ocidente?
Determinação e pavor na invasão russa da
Ucrânia1
Omar Ribeiro T H O M AZ
369
estendia do Muro até o mar Ártico.
Imre Kertész2
1 Uma primeira versão deste ensaio foi discutida com Piero Lerner em finais
de abril de 2022 num seminário sobre a guerra na Ucrânia organizado pelo Programa
de Pós-Graduação de Antropologia Social da Unicamp. Sou grato a Piero pela opor-
tunidade da divergência. Agradeço especialmente aos alunos da disciplina de Antro-
pologia e História do 1º semestre de 2022 do curso de Ciências Sociais da Unicamp
que, com empenho e entusiasmo, enfrentaram a leitura de textos que se debruçavam,
inicialmente, numa realidade tão distante: com eles pude discutir algumas das ideias
elaboradas no calor da hora.
2 Kertész (2004, p. 195).
I
371
2022 foi chamada de “missão de paz” por Vladímir Pútin, enquanto que a
marcha de tropas russas em larga escala por diferentes regiões da Ucrâ-
nia iniciada dois dias depois, os bombardeios aéreos ou os mísseis lança-
dos a partir do território russo, tem sido denominados por meios oficiais
373
inflação generalizada. Assim, pouco a pouco se debate menos a guerra, tragicamente
rotinizada, e mais seus efeitos fora do território conflagrado; em outros termos, os
grãos e a inflação são os protagonistas, e o drama do refúgio e do deslocamento
forçado, os ataques a populações civis, a separação de famílias e amigos, a desarticu-
lação dos sistemas de saúde e educação ucranianos passam a segundo plano. Quanto
ao impacto das sanções na Rússia, devemos enfrentar a falta de informação: no país,
a imprensa e as mídias são controladas, qualquer um que divulgue indicadores que
escapem do esquadro oficial pode ser preso, julgado ou mesmo assassinado, e a
movimentação de jornalistas estrangeiros é cuidadosamente vigiada, um passo para
além do tolerado pelo Estado e é obrigado a deixar o país. Ao mesmo tempo, vale
a pena ressaltar, a economia russa gira em direção a outros grandes países, como
aqueles que outrora fizeram parte da União Soviética e claramente se encontram sob
sua órbita (como o Azerbaijão ou o Uzbequistão), o Irã e, sobretudo, a China.
8 Foram incorporados pela União Europeia e pela Otan a Lituânia (parte da
União Soviética até 1990), a Letônia e a Estônia (também parte da União Soviética até
1991); até a queda do muro de Berlim, faziam parte da “Cortina de Ferro” a Alemanha
A Guerra na Ucrânia
A Guerra na Ucrânia:
alguns elementos explicativos
(ensaio impressionístico)
Angelo SEGRILLO1
4 03
crever o que estava acontecendo etc.).
O propósito deste texto é fornecer alguns elementos (especial-
mente em áreas menos exploradas e entendidas pelo público) que ajudem
a compreender o fenômeno em sua complexidade. Alguns desses elemen-
tos envolvem aspectos das realidades russa e ucraniana que são específi-
cos daqueles países e pouco conhecidos fora deles; daí a dificuldade em
sua compreensão adequada.
4 05
da narrativa de Pútin para justificar a invasão de 2022: a defesa da parte da
3 Para mais detalhes sobre o problema das nacionalidades nos Estados multi-
nacionais do espaço ex-soviético, ver o capítulo “O Problema das Nacionalidades na
URSS” nas páginas 112-136 de minha tese de doutorado (SEGRILLO, 1999).
bou um presidente ucraniano (de origem étnica russa) constitucionalmente
eleito; 2) a questão da expansão da Otan em direção à Rússia.
Quanto ao primeiro ponto, sabemos que Viktor Yanukovych (um
cidadão ucraniano de nacionalidade ou etnia russa), eleito democrati-
camente em 2010 na Ucrânia, foi derrubado do poder por uma rebelião
popular (chamada de Revolução Maidan) em 2014. Isso resultou em uma
cisão no país. A maioria dos cidadãos ucranianos de nacionalidade (etnia)
ucraniana apoiaram a derrubada do impopular presidente. Mas a maioria
dos cidadãos ucranianos de nacionalidade (etnia) russa não aceitaram tal
derrubada, dizendo que isso havia sido uma jogada suja, fora das regras
do jogo democrático. Mais ainda, as províncias a leste, onde estes esta-
vam majoritariamente concentrados (Crimeia, Donetsk e Luhansk), não
aceitaram a legitimidade do novo governo e decretaram em rebelião. Ou
seja, iniciou-se uma guerra civil que perdura até hoje. Após um referendo
local, a Rússia anexou a Crimeia (onde se concentrava sua marinha de água
quente) e passou a dar apoio logístico às repúblicas de Donetsk e Luhansk
em sua luta contra o governo central.
A legitimidade de uma revolução é sempre assunto controverso,
pois implica em uma quebra (geralmente violenta) de regras do regime
anterior. Se o regime posterior será ou não legítimo é um debate que
4 07
geralmente perdura por um longo tempo, como mostra o exemplo das
principais revoluções, como a Francesa e a Russa. Este é o caso da cha-
mada Revolução Maidan, em que o país se dividiu em linhas étnicas a
respeito de sua avaliação.
O segundo ponto de Vladímir Pútin, que considero que deve ser
levado em conta, pois expressa preocupações legítimas, é a expansão da
Otan em direção à Rússia. A Otan é uma aliança militar da Guerra Fria
voltada contra a União Soviética. Como não existe mais Guerra Fria ou
União Soviética, a lógica diria que tal aliança militar tenderia a diminuir de
importância ou desaparecer. Porém, o contrário ocorreu: a Otan não apenas
não diminuiu ou desapareceu, como se expandiu (e coincidentemente em
direção à Rússia)! E isso nada tem a ver com Pútin. A expansão da Otan
a leste se iniciou ainda nos anos 1990, sob o presidente Iéltsin, que era
bastante pró-ocidental e buscava uma integração entre Rússia e Ocidente.
Assim, a expansão da Otan em direção à União Soviética já desapontava os
russos sob Iéltsin, bem antes de Pútin chegar ao poder.
Grandes potências não aceitam alianças militares chegando a suas
fronteiras ou cercando-as. Durante a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962,
os Estados Unidos, por exemplo, arriscaram o mundo com uma guerra
nuclear para evitar a existência de um aliado nuclear da União Soviética
em sua vizinhança.
E não é válido o argumento de que a Otan é uma aliança militar
“defensiva”. Todas as alianças militares se dizem defensivas. As alianças
militares que conduziram à Primeira Guerra Mundial, por exemplo, eram
todas alianças militares defensivas. E isso não impediu que contribuíssem
para a eclosão de um conflito de escala mundial.
É preciso que haja outro esquema de segurança para a Eurásia
pós-Guerra Fria que não seja baseado em alianças militares ainda do
tempo da Guerra Fria.
Um país inventado
427
são televisiva exibida em todo o país — e, através da internet, em todo
o mundo —, um discurso que decerto já adquiriu caráter histórico. Para
justificar aquilo que chamou de “operação militar especial”, mas que a opi-
nião pública internacional classificou como uma invasão ao país vizinho, o
governante russo traçou um panorama histórico da região, das condições
em que se deu a formação dos Estados ali existentes e das relações entre
a Rússia e a Otan. O texto — lido, aliás, na costumeira voz maquinal do
presidente, porém lançando mão de um tom que se pretendia mais direto e
menos formal — dedicou-se ainda a uma paradoxal análise da constituição
da classe política da Ucrânia pós-soviética, com seus oligarcas corruptos e
seus flertes com movimentos de extrema-direita. Para este ensaio, porém,
não interessa a extensa fala de Vladímir Vladímirovitch em sua totalidade,
mas, sobretudo, o trecho que, quase de imediato, tornou-se alvo de zom-
baria e até memes nas redes sociais; a saber, a afirmação de que a Ucrâ-
nia, como país independente, foi inteiramente inventada pela Rússia, mais
precisamente pela “Rússia bolchevique”, mais precisamente por Vladímir
Ilitch Lênin.
A despeito do sarcasmo com que as palavras de Pútin foram rece-
bidas, há por detrás delas um pensamento de grande relevância, profun-
damente arraigado no debate político russo e, aliás, reiterado pelo próprio
presidente em sua fala: a ideia de que a Ucrânia, historicamente, nunca
teria possuído uma tradição de independência política e, por conseguinte,
deveria ser considerada um Estado artificial, cuja existência só pode ser
defendida por delirantes e perigosos radicais nacionalistas e, de modo
oportunista, por potências estrangeiras, em sua incansável tentativa de
desestabilizar estrategicamente a Rússia. Para Pútin, a Ucrânia faz parte do
que ele define como “territórios históricos russos”, faz parte de um mesmo
“espaço espiritual” — expressão que ressoa lugubremente o Lebensraum
evocado pelos alemães até a Segunda Guerra Mundial. No mundo todo, e
até mesmo no Brasil, houve vozes ávidas por ratificar a asserção putinista,
vozes que buscaram de imediato ecoar mecanicamente os argumentos que
comprovavam a tese da artificialidade da Ucrânia como Estado-nação. Ten-
428
42 9
geralmente afirmam ser o oposto do novo, ou seja,
estar enraizadas na mais remota antiguidade, e o
oposto do construído, ou seja, ser comunidades
humanas, “naturais” o bastante para não necessita-
rem de definições que não a defesa dos próprios
interesses. Sejam quais forem as continuidades
históricas ou não envolvidas no conceito moderno
da “França” e dos “franceses” — que ninguém pro-
curaria negar —, estes mesmos conceitos devem
incluir um componente construído ou “inventado”.
E é exatamente porque grande parte dos consti-
tuintes subjetivos da “nação” moderna consiste de
tais construções, estando associada a símbolos ade-
quados e, em geral, bastante recentes ou a um dis-
curso elaborado a propósito (tal como o da “história
nacional”), que o fenômeno nacional não pode ser
adequadamente investigado sem dar-se a atenção
devida à “invenção das tradições”. (HOBSBAWM;
RANGER; 1997; 22-23)
431
e cujos sucessores desceram o rio Dnipro para conquistar a estratégica Kyiv.
Esta última, ainda de acordo com o informe do cronista, fora fundada muito
antes, por um certo Kyi e seus irmãos, Khóriv e Chtchek — aparentemente
eslavos polianos.
Assim, essa confederação de povos eslavos e finos sob domínio pre-
tensamente escandinavo, a que se atribui relativa coesão política, cultural
e econômica do fim do século X até meados do século XII, foi denominada
Rus kyivana pela contemporaneidade e, também por ela, fortemente ide-
alizada. Teria sido uma sociedade complexa e sofisticada, com comércio,
letramento abrangente, leis e até uma espécie de protodemocracia, simbo-
lizada pelo sino do věče — a assembleia popular que talvez tenha existido
em Nóvgorod, Kyiv, Pskov e outros aglomerados urbanos daquele reino. Não
ZALIZNIAK, Andrei Anatólievitch. Drevnenovgoródski dialiekt. Moscou:
Iazykí Slaviánskoi Kultury, 2004.
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448
A Ucrânia não é o diabo, mas
talvez o futuro da democracia
A Ucrânia não é o diabo, mas talvez o
futuro da democracia
Yves CO H E N
Tradução: Letícia M E I
453
Vladímir Pútin assumiu à sua maneira.2 Outro ponto cego de tal postura é
a ausência do principal interessado entre os atores em cena: a Ucrânia. A
guerra seria inteligível apenas como a vontade de um imperialismo singu-
lar, o americano, apoiado pela Otan, ou somente como um confronto entre
grandes potências, que não sofrem com a perda de seus vizinhos próximos,
3 Único exemplo: “Why John Mearsheimer Blames the U.S. for the Crisis in
Ukraine” [Por que John Mearsheimer culpa os EUA pela crise na Ucrânia], New Yorker,
1o de março de 2022. Disponível em: https://www.newyorker.com/news/q-and-
-a/why-john-mearsheimer-blames-the-us-for-the-crisis-in-ukraine. Acesso em:
20.07.2022).
nome da Euromaidan – da guerra de Pútin. Após 2014, e até a guerra pro-
priamente dita, há na combinação da ação do Estado com a iniciativa popu-
lar um fenômeno muito original que chama a atenção para o alcance da
experiência democrática em jogo para além da Ucrânia. Esses aspectos
organizam o texto a seguir.
455
segredo estava nas pessoas muito diversas que a frequentavam e no con-
junto das atividades que ela sediava: alimentação para todos, saúde, deli-
beração, autodefesa, cultura, religião, leitura, correio, arte, música... A utopia
estava na praça quando ela nem tinha sido convocada. Tais fatos convi-
davam a uma postura investigativa que poderia ser definida a posteriori
como pragmática, no sentido de que talvez o fenômeno possa ser pensado
457
uma de judeus, uma não violenta (que não participou menos das operações
mais delicadas e arriscadas) e a do Setor civil (uma organização ad hoc
da praça que se atribuíra a tarefa de oferecer um apoio para os proble-
mas logísticos do cotidiano) (SHUKAN, 2016, p. 33). Os sotni (“centúrias”)
também tinham suas tendas. Promoviam atividades de defesa, tais como
a fabricação dos coquetéis molotov (cuja receita e manual de instruções
eram, aliás, fornecidas nas redes sociais) e das barricadas.
A assembleia dos estudantes que se instalou na Casa da Ucrânia,
no limite da praça Maidan, também chama a atenção. Tratava-se de uma
“praça pública” foi convidada para as praças reais em muitos países, como a
praça Tahrir no Cairo, a praça da Kasbah em Túnis, a praça Taksim em Istam-
bul ou a Maidan em Kyiv. Foi justamente o que os “coletes amarelos” fize-
ram com as rotatórias, reinventando-as, contra todas as expectativas, como
lugar democrático, ou ainda os manifestantes belarussos com os pátios dos
prédios em 2020.11 Ainda que esses movimentos tenham, cada um deles,
4 85
política e historia de Rusia en las óperas de Musorgsky y Rimsky-Korsakov
(editora Gourmet Musical), entre outros.
4 87
Anna Smirnova Henriques é professora de russo, aplicadora do teste
de proficiência em russo autorizada pela Universidade de São Petersburgo
e professora de português como língua estrangeira para russófonos. Rea-
liza estágio de pós-doutorado em linguística aplicada e estudos da lingua-
gem na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui publicações
nas áreas de fonética experimental, sociolinguística, linguística de corpus,
ensino de segunda língua e estudos de migração. Em 2022, envolveu-se
com o acolhimento de refugiados ucranianos no Brasil.
Neide Jallageas é editora da Kinoruss, especializada em livros
sobre arte e cinema russos, áreas nas quais é doutora e realizou estágio
de pós-doutorado pela Universidade de São Paulo, com estágio no Museu
de Cinema Russo, em Moscou, focado no cinema de Andrei Tarkóvski. Com
Celso Lima assina o livro Vkhutemas, desenho de uma revolução (Kinoruss,
2020) e a curadoria da mostra Vkhutemas, o futuro em construção (SESC
Pompeia, 2018), premiada pela APCA (2018). Em 2020, recebeu o prêmio
Biéli Slon (Elefante Branco) da Guilda dos Historiadores e Críticos de
Cinema da Federação Russa.
489
no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de
São Carlos. Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, mestre
em ciências sociais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales e
graduada em sociologia pela Universidade Estatal de Moscou Lomonóssov.
Em suas pesquisas, investiga regimes globais da mobilidade internacional
históricos e contemporâneos, com foco nas migrações do Império Russo,
URSS e os países pós-soviéticos.
Angelo Segrillo é professor de história contemporânea na Universi-
dade de São Paulo. Doutor pela Universidade Federal Fluminense, mestre
em língua e literatura russa pelo Instituto Púchkin e graduado pela Uni-
versidade do Estado de Missouri. É autor de vários livros sobre a Rússia e
ex-União Soviética, dentre eles O Declínio da União Soviética: um estudo
das causas (editora Record), De Gorbachev a Putin (editora Prismas) e Os
Russos (editora Contexto). Traduziu do russo o livro Que Fazer?, de Nikolai
Tchernichevski (editora Prismas).
dade Federal do ABC, entre 2016 e 2020, e é responsável pela revista Ukrai-
nian Mathematical Journal de Kyiv. Doutor em matemática pelo Instituto de
Matemática da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia e graduado em
matemática pela Universidade Nacional de Chernihiv Shevchenko. Desde o
início da guerra, tem ajudado ucranianos no Brasil. Criou o site bilíngue de
apoio e orientação “Visto Humanitário para Ucranianos”.
Omar Ribeiro Thomaz é professor do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social e do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual de Campinas. Trabalhando na intersecção entre
pós-colonialismo e pós-socialismo e atento às profundas transformações
contemporâneas de uma perspectiva etnográfica e histórica, pesquisa e
orienta trabalhos sobre distintos contextos africanos, Caribe e Europa Cen-
tral e Oriental. Entre suas publicações, destacam-se Ecos do Atlântico Sul;
Os outros da colonização; Da crise às ruínas; O tempo e o medo (no prelo).
491
Notas da editora
493
de texto e diante do livro em processo de produção, optamos por conser-
var a transliteração que Lucas sugere apenas para o texto dele e manter
os textos anteriormente revisados com a transliteração elaborada pelo
governo ucraniano. O que nos moveu foi pensar na dinâmica de se produzir
um livro de forma ágil enquanto a dita “ordem mundial” se transforma à
revelia de nossas frágeis certezas. A Rússia luta por alargar suas fronteiras,
a Ucrânia defende sua autonomia e o resultado humano imediato desse
conflito armado é a perda inestimável de milhões de vidas. Traduzir, ágil e
talvez imperfeitamente, essa tragédia humana em termos científicos, filo-
sóficos e artísticos fez parte do esforço coletivo de dar materialidade a este
livro. Transliterar faz parte desse empenho de traduzir.
COORDENAÇÃO EDITORIAL Neide Jallageas
Ao Pedro Fratino pela cessão dos retratos das ucraninas, presentes no projeto Vozes e a elas: Olga
Dvorova, Olha Kucher, Oksana Nikolayenko, Olga Nikolayenko e Iryna Moroz, por cederem suas imagens
para publicação neste livro.
À Marina F. Bykova (North Carolina State University), editora da revista Studies in East European
Thought que viabilizou a cessão dos direitos da tradução para o português e publicação do texto de
Helen Petrovsky junto à Springer Nature.
J26 Jallageas. Neide, Org.; Gomide, Bruno, Org. Ensaios Sobre a Guerra Rússia Ucrânia
2022. / Organização de Neide Jallageas e Bruno Gomide. – São Paulo: Kinoruss,
2022. 496 p. Il. P&B
ISBN 978-65-992062-5-2
495
Catalogação elaborada por Regina Simão Paulino – CRB 6/1154
НЕТ
496
ВОЙНЕ
Omar Ribeiro T H O M A Z
Cristina D U N Á E V A
e Fernando Bomfim M A R I A N A
Mar tín B A Ñ A
Anna S M I R N O V A
Elena V Á S S I N A
Helen P E T R O V S K Y
Svetlana R U S E I S H V I L I
Daniel A A R Ã O R E I S
Henrique S. C A R N E I R O
Vicente F E R R A R O
e Volodymyr T E S K O
Pedro F R AT I N O
Letícia M E I
Angelo S E G R I L LO
Lucas S I M O N E
Yves C O H E N
Em 24 de fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia. Começou a guerra. A partir daquele
momento, todo dia nos chegam notícias sobre mortes, bombardeios, destruições: uma avalanche
pesarosa e viscosa de informações mórbidas e trágicas. Fomos tomados pela escuridão e pelo
desespero a partir daquele momento. Por ora, não há qualquer indício da proximidade da paz,
de algum acordo, nem da vitória da resistência ucraniana. Sabemos que, na Rússia, há apoio
massivo à guerra, tudo indica que a popularidade de Pútin não cessa de crescer, tanto no
país por ele governado há 23 anos, quanto entre amplos setores supostamente de esquerda e
progressistas mundo afora. Num cenário tão assustador e pessimista, lembramos da metáfora
dos vaga-lumes (de Pasolini e de Didi-Huberman) que insistem em emitir lampejos de luz,
mesmo em vias de desaparição. (Cristina DUNÁEVA e Fernando Bomfim MARIANA, julho, 2022)
Kinoruss