LEM AFrev
LEM AFrev
LEM AFrev
Eduardo
Magalhães
uma cidade
feita de pessoas
Luís
Eduardo
Magalhães
uma cidade
feita de pessoas
Essa história começou em 1974, quando Enedino Alves da Paixão (Negão) e sua
esposa Maria Firmino de Jesus chegaram na região com seus oito filhos e abriram
uma pensão no entroncamento das BRs 242 e 020. Em 1982, foi a vez da chegada de
Arnaldo Horácio Ferreira, que comprou uma área equivalente a 182 mil hectares
e abriu o posto de combustíveis Mimoso, que deu nome ao povoado Mimoso do
Oeste até antes de sua emancipação como município de Luís Eduardo Magalhães.
Esta obra foi viabilizada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura (Pronac
20.4741), por meio da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo,
com patrocínio da Galvani e realização do Museu da Pessoa.
Boa leitura!
Museu da Pessoa
Galvani, 30 anos de história
no oeste da Bahia
10 — 11
Ao lado, imagem
aérea de Vespasiano
primeiro mapa Neves da cidade
de Luís Eduardo
Magalhães, em 1987.
E, abaixo, em 2016.
Vespasiano Neves
12 — 13
precisamos progredir Morador de Luís
Eduardo Magalhães.
Irene Pellenz
14 — 15
Celma Pinto dos Santos
Póvoa, em dezembro
de 2007, no auditório
do Hotel Solar, em sua
nova etapa profissional. é só aquilo ali mesmo
16 — 17
Na
memória
As vidas antes de LEM
eu entendi o recado
A gente não precisava de muito motivo para levar uma surra, não.
Minha família era bem rigorosa. A gente tinha um armário e ali estava
um bule de café. Eu era bem baixinho, acho que devia ter uns quatro
para cinco anos, e fui cismar de pegar esse bule. Quando eu peguei,
ele derramou todo em mim. Ali, eu já saí correndo, porque sabia que a
surra ia vir. A gente tinha uma pequena plantação de cana, eu entrei no
meio de uma moita no canavial e fiquei. Os cachorros latindo em volta,
passavam do lado da moita e não me achavam. Já estava escurecendo,
eu lembro de ouvir minha mãe falando “Ronie, se você estiver por
aí, pode sair que você não vai apanhar, não”. Aí, eu não lembro mais
nada. Acho que a surra foi tão grande que apagou a memória.
Irene Pellenz
Vespasiano Neves
24 — 25
Pés
no chão
A cidade vista por
quem mora nela
matava muita gente
Não era cidade quando eu cheguei. Nessa rua que nós moramos, no
Santa Cruz, o povo chamava de Iraque, porque matava muita gente aí
dentro do mato. Matava muita gente nesse Iraque. Era triste, mas depois
foi melhorando mais, mas até hoje ainda mata gente. Quando passou a
ser cidade e botaram o nome de Luís Eduardo, eu me senti muito bem aí.
Barreiras não estava nem aí para aqui, né. No início da década de 1990,
nossa cidade começou a encorpar, mas tudo que a gente conseguia era
em Salvador, através da associação de moradores. Então, começamos a
nos preocupar com a emancipação, começamos a montar o processo,
a cadastrar eleitores, já que a maioria votava nas cidades de origem,
mesmo morando aqui. No final da década, nós já tínhamos quase
tudo que era necessário, inclusive um projeto de implementação
na Assembleia Legislativa pedindo a emancipação da cidade de
Mimoso do Oeste. Mas uma coisa principal que faltava era o apoio
da Assembleia Legislativa. Nessa hora, um senador propôs fazer isso,
mas teria um custo. Teríamos que colocar o nome do filho dele que
havia falecido. O nome Luís Eduardo Magalhães foi uma manobra
necessária para ele fazer frente para conseguir apoio do Legislativo.
Mas ele nunca veio aqui, né. Nem sequer conhecia isso aqui. É uma
página que eu gostaria até de esquecer da história, porque marcou
negativamente muita gente, principalmente os pioneiros, pessoas que
Quintal da frente da deram o sangue, que começaram isso do nada, e viram sua identidade
casa de dona Geru. sendo arrancada. Isso marcou muito a vida do fundador. Eu penso
que contribuiu até para sua enfermidade e de outros, que tiveram
essa coisa empurrada goela abaixo. Acho que adoeceu muita gente.
28 — 29
a primeira escola
Ana Amélia Brugger Junqueira
Lopes e sua primeira professora na
comemoração do dia das mães, em que
Ana entregou uma rosa para sua mãe
A gente assumiu a escola municipal porque o município de Barreiras, e outra para a professora, em 1969.
o qual a gente pertencia, não mandou professor nenhum. Eu, Sergio,
Marcio, Angelica e Bernadete abraçamos a escola e trabalhamos
voluntariamente. A gente trabalhava de manhã e à tarde, de segunda
à sexta-feira. E não nos arrependemos, porque achamos que era uma
coisa importante a ser feita. É muito bom poder doar alguma coisa para
as pessoas. Depois, adquirimos o CMO e montamos a primeira escola
de Luís Eduardo Magalhães, que existe até hoje. A gente acreditava
que, por meio da educação, poderíamos fazer um lugar diferente.
de cima da torre
Vespasiano Neves
30 — 31
Zaqueu da Silva
Celma Pinto dos Santos Póvoa Eu comecei a buscar saber mais sobre de onde eu tinha vindo. Por
que Luís Eduardo? Como foi que surgiu? A maioria sabe uma versão
só, que não é a verdadeira. Porque existem três verdades: a minha, a
que todo mundo conta e a que é verdade mesmo. A forma como Luís
Eduardo foi fundada é morte. O solo dela é morte. E é aí que eu me
sinto mais filho dela ainda. Saber como algumas pessoas cometeram
atrocidades contra outras famílias que chegaram primeiro aqui… Eu
detesto injustiça. Eu queria ter tido a oportunidade de ter conhecido
o Enedino pessoalmente, de saber histórias que talvez só ele soubesse.
Às vezes, me pergunto “Deus, quantos corpos nós temos aqui embaixo?
Por quantos corpos eu passo por cima todos os dias?”. Ninguém sabe
de nada e os que sabem têm medo de acontecer alguma coisa ruim com
eles. Até um ou dois anos atrás, eram os gaúchos. Nada contra, mas não
foram eles que fundaram esse lugar. Eles não são donos nem nunca
Livros e pandeiro serão. Hoje, estamos, de alguma forma, à mercê de algumas pessoas que
de Celma Pinto dos estão no poder e não temos como fugir de certos tipos de sistema. Mas
Santos Póvoa.
quanto mais pudermos viver contra isso, será melhor. Eu nasci aqui,
moro aqui e quero morrer aqui. Esse é o lugar onde me sinto bem.
32 — 33
Zaqueu da Silva Iriqueiro
Mãos
dadas
A união que cresce
junto com a cidade
mandaram me chamar
Era mato, só mato. Não tinha ninguém, não tinha carro, não tinha
nada. Aí, uma comadre minha estava grávida e o marido dela dizia
“oh, meu Deus, o que eu vou fazer? Maria vai ganhar neném e eu não
sei como eu vou fazer para levar para Barreiras”. Porque tudo que a
gente queria era em Barreiras. Eu fui até ela e falei “olha, Maria, eu sou
parteira, eu não queria nem dizer, mas eu sou”. Quando ela sentiu dor
para nascer o neném, mandaram me chamar e eu fui e fiz o parto dela.
Aí, as outras tudo, quando era para ganhar neném, me chamava. Eu fiz
muito parto! Eu tinha tudo escrito o tanto de criança que eu peguei,
mas eu botei o papel no bolso da saia e molhou, aí eu não sei mais a
quantidade de menino que eu peguei aqui em Luís Eduardo. Eu pegava
um menino de noite e, quando eu chegava em casa, que me banhava
para deitar, o povo batia na porta para ir fazer parto de outra mulher.
vocês já sabem
38 — 39
Lágrimas
Que regaram e
marcaram histórias
um sorriso bem
leve de canto
Eu tinha nove anos quando meu irmão Lucas se matou dentro do meu
quarto. Foi num domingo, eu estava indo para a igreja com a minha mãe
Mãos de dona Geru. e, no caminho, ouvimos um barulho, um estalo. A gente não imaginava
que seria um tiro, porque pareceu bomba e na época acontecia muito
isso. De repente, meu irmão Alex veio correndo e gritando “mãe! Mãe!
Mãe! Lucas se matou!”. Voltamos correndo desesperados. No quarto da
frente, que era o quarto que eu dormia com meus irmãos, tinha uma
janela. Eu cheguei nessa janela e ele estava caído. Ele morreu assim,
como se tivesse dando um sorriso bem leve de canto, sabe? Eu parei ali
por uns minutos, dei a volta, entrei no quarto e me ajoelhei perto dele.
A arma estava no chão ainda, o sangue estava escorrendo. Eu peguei na
arma e minha mãe falou para deixar. Eu fiquei ali por alguns minutos
olhando aquela cena. Na minha cabeça, estava só eu e ele, não sei se
meus irmãos estavam lá. Eu vi sangue muito exposto pela primeira
vez e esse dia foi meu primeiro trauma, minha primeira perda.
mãos de gente
desconhecida
42 — 43
o senhor não teve culpa
44 — 45
um palmo de água
Com três semanas que estávamos aqui em uma terra sem água,
morreu a primeira criança em Bela Vista. Tinha um ano e poucos
meses e morreu afogado em um palmo de água. Depois de alguns
meses, meu sobrinho de dezenove anos veio do sul e morreu afogado
na lagoa ali. Em uma terra que não existia água, uma terra árida, já
de cara nós perdemos duas pessoas muito próximas. Em seguida,
teve um conflito de terra e botaram fogo em nossa propriedade,
queimou tudo que meu pai tinha, desde máquina a casa de morar.
Meu pai era uma pessoa muito corajosa e com muita fé em Deus. Ele
disse “isso aí está virado tudo em cinza, mas, trabalhando, tudo se
consegue”. Junto dele, eu e meu marido trabalhamos por oito anos só
em troca de comida para ele poder se levantar de novo. Depois desse
tempo, ele já tinha de tudo de novo. Nós tivemos muitas provações.
Irene Pellenz
46 — 47
Batidas
do coração
Caminhos entrelaçados
por seus encontros
é sempre no amor
Com dezessete anos eu casei com ele. E foi bom! A gente morava num
povoado e fomos casar em outro povoado, tudo montado em animal e
gritando “viva o noivo! Viva o noivo!”. Foi uma alegria! Mas eu chorei
muito nesse dia, chorei muito. Não sei se era de alegria ou se era de
tristeza, mas eu digo que era de alegria, porque eu ia sair do sofrimento.
E sabe quantos anos temos de casados? 69! E sinto muito feliz que
nunca separei do meu marido, nunca brigamos para dizer assim “vamos
separar”. É sempre no amor! E muita gente admira: “a senhora teve
dezessete filhos? E é só do seu Arnaldo?” (risos). “É meu marido, é só
dele, graças a Deus.” Eu tenho um sonho de nós morrer tudo num dia,
nem que um morra de manhã e o outro morra de tarde. Outro dia, um
filho meu chegou da roça, foi lá em casa e voltou. Já era de noite e eu
lembrei que era para ter pegado umas coisas e dado para meu filho.
“Arnaldo, bora levar.” Pegamos tudo e quando a gente sai da porta, que
tem um meio-fio, ele levantou o pé, bateu, caiu pra cima de mim e eu
caí no asfalto. Machuquei minha mão e ele cortou o pé. “Olha aí você
só pedindo para nós morrer tudo num dia e quase que nós morre tudo
numa hora”, ele disse. (risos)
ouvindo e falando
Troca de alianças
de dona Geru e
Irene Pellenz
senhor Arnaldo na
renovação de votos
que aconteceu
em 2003, na
Igreja São José. 50 — 51
em um desses bailes
52 — 53
Ronei de Jesus Pereira e sua
esposa indo ao cinema em
Belo Horizonte, MG, em 1991.
quase caí
de costas
Vespasiano Neves
Meu irmão namorava uma amiga dela, eles iam a uma festinha e ela
queria fazer ciúmes para o ex-namorado. Então, eu fui para fazer
companhia para ela. Só que daí, nessa de fazer ciúmes, a gente já
tá junto há uns 34 anos. Ela brinca que me usou. Não acredito em
almas gêmeas, não, mas a gente tem uma sintonia muito boa, é
uma parceira de vida. Outro dia, a gente tava brincando que, nesses
trinta anos, a não ser quando ela teve que viajar para Minas para
ganhar as gêmeas, a gente se separou um do outro muito pouco.
Todo dia de manhã é café junto, é fazer uma oração junto.
54 — 55
Voz
do peito
Quando a fé
fala mais alto
só tenho a agradecer
Celma Pinto dos
Santos Póvoa com
sua família em sua Eu cheguei sozinho, deixei a família lá em Ponte Alta, e Mimoso
formatura em 2006 do Oeste não chegava a 5 mil pessoas. Eu dormia dentro da sala da
farmácia com um pano forrado. Com o tempo, foi melhorando,
mas eu nunca medi distância para atender as pessoas. Eu ficava de
sete da manhã até nove da noite, almoçava dentro da farmácia e
atendendo. Fechava a farmácia e chegavam as pessoas chamando
“Zezé, pelo amor de Deus, tem um caminhoneiro passando mal e só
tem você”. Eu vinha meia-noite, uma, duas, três, quatro, cinco horas…
Porque só tinha o Zezé. O pessoal fala que eu sou o primeiro médico
de Mimoso. Eu só agradeço primeiramente a Deus pelo dom que
ele me permitiu, pelo trabalho, pela força e pela saúde. Tem muitos
clientes que falam “Zezé, por que você não fez medicina?”. Eu falo
“porque Deus me quis assim, né?”. Talvez eu esteja ajudando mais
do que muitos profissionais. Não estou querendo ser mais do que
ninguém, mas a população me procura e eu só tenho a agradecer.
Quando eu tinha mais ou menos sete anos, minha mãe me levava para
a igreja evangélica e lá eu entendi o que eu vivia, aprendi que eu tinha
uma vida. Aprendi a amar a Deus e princípios, como cuidar do olhinho
com que vê, cuidar da boquinha com que fala, cuidar da mãozinha com
que pega, cuidar do pezinho com que anda e com quem anda. Serviram
de equilíbrio para a vida, para ser a filha que eu sou, a mãe que me
tornei, a esposa e a profissional que sou hoje. Eu trouxe da infância.
58 — 59
Casamento de
Ivan de Souza
tem que ter casa Carvalho e sua
esposa, que
estão ao lado do
Senhor Arnaldo
e da Dona Lilia.
Eu pedi para Deus abençoar essa cidade. A gente vê a história dos judeus:
onde chegavam, eles levantavam um altar e ali Deus abençoava a terra e
a coisa fluía. Então, eu orei e, desde aquela oração, comecei a ver igrejas
de todos os segmentos brotarem na cidade, mais do que soja e qualquer
outro grão. E meu pai dizia “quem quer casar tem que ter casa”. Aí, eu
pensei “vou comprar um lote, construir minha casa e aí Deus vai mandar
uma noiva”. E eu comprei um lote, mas surgiu uma comunidade que
queria muito começar aqui, aí eu dei meu lote. Comprei um segundo,
tive que passar de novo. No terceiro, no quarto… Quando eu achei
a noiva, não tinha lote. Aí, eu comprei um fiado, com a condição de
começar a pagar depois que eu casasse e já tivesse construído. Casei,
construí minha casa e, quando fui pagar, a pessoa que havia me cedido
o lote disse “não, esse é o meu presente de casamento”. “Graças a Deus!”
A gente morava numa roça e eles foram limpar feijão em outra roça.
Cá, eu senti as dores da primeira menina e sem saber que era dor de
ganhar neném. Eu vim e me deitei, as dores vieram mesmo, aquelas
dores de bucho. Aí, eu tive a menina sozinha e Deus. Quando ela tava
acabando de nascer, chegou uma tia dele e disse “como foi que você
teve essa menina, minha filha. Sozinha?”. Eu disse “Deus me ajudou e
eu tive”. Ela cortou o umbigo dela, me ajeitou. Quando saiu a conversa
lá para as outras casas da roça, todo mundo admirou e foi lá olhar,
me visitar, ver a menina. Mas a primeira eu tive sozinha e Deus.
60 — 61
poder de cura
Irene Pellenz
Família de Irene
Pellenz nas
bodas de ouro
de seus sogros,
no Paraguai.
62 — 63
Braços e
abraços
Presenças, ausências
e afetos familiares
viajavam conosco
A gente ia num fusquinha: os cinco irmãos, meu pai e minha mãe. Meu
Boneca de Ana Amélia
pai ia nos mostrando a diferença de vegetação, a diferença do relevo,
Brugger Junqueira Lopes.
toda parte da hidrografia. Automaticamente, ele ia nos ensinando
alguma coisa e a gente ia aprendendo e conhecendo lugares. Meus
pais nunca foram de nos dar muita coisa. Eles davam o estudo e,
uma vez por ano, viajavam conosco. Nos ensinaram que educação se
aprende na escola e que era fundamental, mas que cultura se adquire
viajando. Isso nos trouxe uma experiência muito grande. Tenho
episódios profissionais em que o fato de ter conhecido lugares, mesmo
quando criança, me ajudaram muito, porque na hora de debater
pontos, eu não conhecia só de livro, mas, sim, de ter presenciado.
Eu vivi com a minha mãe por cinquenta anos, ela sempre morou
comigo. Ela era muito apegada a mim, tanto que, quando ela estava
no hospital, eu saí por um momento de perto e ela disse “Irene, você
não pode sair de perto de mim, você é o ar que eu respiro”. Quando
eu perdi minha mãe, não sabia como encarar a vida. Mas em seguida,
minha filha se casou e engravidou de gêmeos e deu aquele tchan.
Não deu nem tempo de ficar chorando. Com seis meses e meio, eles
nasceram. Laurinha, que viveu oito dias, Deus levou, e Geovane está
hoje aí com oito anos, nosso encanto. Daí, tem o Eduardo, o André
e o Arthur também. Todos eles são apaixonados pelo avô e pela avó,
querem ir morar com a gente, querem viajar… Esses dias, até vieram
com um projeto que eles querem criar um clone, para quando eles
viajarem ou nós viajarmos ter sempre um clone de avô e de avó
para não sair de perto deles. São nossa motivação para viver!
Irene Pellenz
66 — 67
por cinco dias
68 — 69
sempre lembranças ruins
Até os meus doze anos, eu frequentava a mesma igreja que minha mãe.
Depois disso, eu passei a frequentar outra, que tinha um grupo de
adolescentes e um grupo de dança. Lá, eu conheci a Marcela porque
ela era a líder do grupo. Ela sempre cuidou de mim, de uma forma
que eu nem consigo explicar, como se fosse um filho, de uma forma
extrema. Depois, ela se casou com o Marcelo, que também conversava
comigo e me aconselhava. Nesse período, eu quase não morava na
casa da minha mãe, porque eu dormia na casa de qualquer um, em
qualquer lugar. Nunca tive problema em dormir na rua, mas voltar
para casa era sempre um problema, eram sempre lembranças ruins.
A rua e a dança me faziam escapar dessas lembranças. Um belo dia,
o Marcelo me disse “você precisa voltar para a casa da sua mãe, você
precisa cuidar dela, fazer companhia para ela”. Eu não falei nada, só
voltei. Ela sempre foi muito calada, eu também e nós conversávamos
na medida do possível. Até hoje, chamo Marcela de mãe e Marcelo
de pai. Eles são muito próximos, mais que os meus pais biológicos.
deixaram só saudades
70 — 71
Celma Pinto dos Santos Póvoa
Viúva, mãe de três filhos, professora e
poetisa, Celma é uma mulher engajada
em questões sociais, que escreve sobre
Luís Eduardo Magalhães e ama sua
família. Nasceu em 19 de junho de
1969 em Ponte Alta de Bom Jesus, no
Ana Amélia Brugger Junqueira Lopes Tocantins, é filha de Adolfa Luiz Pinto e
Professora por influência do pai, Paulo Cícero Tavares de Oliveira e se mudou
Augusto Junqueira, aos nove anos Ana já para Luís Eduardo Magalhães em 1996.
dava aulas particulares para os primos.
É mineira de Além Paraíba, nascida
em 24 de abril de 1964, e participou
da reestruturação e da legalização da
primeira escola de Mimoso do Oeste, o
Colégio Mimoso do Oeste (CMO).
Gerulina Antônia dos Reis
Dona Geru, como é conhecida na
cidade, é uma celebridade na região.
Parteira, ela tem 17 filhos, 51 bisnetos
e quatro tataranetos. Nasceu em 5 de
maio de 1935, em Monte Alto, na Bahia,
onde teve uma infância muito difícil.
É casada com seu Arnaldo há 69 anos
e lamenta não ter tido a oportunidade
de aprender a ler e a escrever.
Arno Eberlein Schlosser
Gaúcho nascido em 21 de junho de
1942 e de descendência alemã, seu pai
veio para o Brasil com quatro anos de
idade após o avô ter participado por
seis anos na Primeira Guerra Mundial.
Músico e gaiteiro desde os catorze anos, Irene Pellenz
casou-se e, pouco tempo depois, trocou
Caçula de dez irmãos, nasceu em Santa
o sul pelas terras do oeste da Bahia.
Catarina em 11 de junho de 1960 e, em
1982, chegou a Bela Vista com mais
onze famílias, onde esteve à frente da
organização da nova comunidade, da
igreja católica, do clube dos moradores
e da escola. Trabalhou na agricultura,
foi voluntária na área da saúde e, hoje, é
mãe de três filhos e avó de cinco netos.
Ivan de Souza Carvalho
Primeiro vendedor de lotes de Luís
Eduardo Magalhães, Ivan recebeu
um convite em 1986 para “vender
uma cidade” quando morava em
Barreiras. Nasceu em São Desidério,
na Bahia, em 12 de novembro de
1962, sendo o décimo terceiro filho Vespasiano Neves
de uma família de lavradores. Um Foi o primeiro fotógrafo de Mimoso
homem de fé, realizou seu sonho de do Oeste, o primeiro a realizar fotos
estudar teologia e se tornar pastor. do alto da cidade, em 1987, quando
subiu na torre de televisão. Nasceu
em Barreiras, na Bahia, em 27 de
maio de 1964 e é filho dos primeiros
professores leigos da comunidade. Foi
também responsável pelo primeiro
José Nascimento Pereira Ramos projeto da vila do loteamento,
feito à mão dura no nanquim.
Natural de Correntinha, na Bahia,
nasceu em 25 de dezembro de 1961.
Começou a trabalhar na farmácia em
que seu irmão trabalhava em Goiânia
em janeiro de 1975 e, hoje, soma mais
de 48 anos de farmácia. É conhecido
por todos os luiseduardenses
como um médico do povo e
reconhecido por seu atendimento
de qualidade e dedicação. Zaqueu da Silva Iriqueiro
Pai de Pietro e marido de Brenda, Zaqueu
nasceu em Luís Eduardo Magalhães em
1996, é dançarino, coreógrafo, personal
trainer e um estudioso do movimento
hip hop. No Santa Cruz, com sua família
Ronei de Jesus Pereira e seus seis irmãos, viveu perdas, violência
e escassez desde muito cedo. Mas
Nascido em Entre Rios, uma cidade
também encontrou a amizade, o amor e
pequena no interior de Minas Gerais, em
a dança como caminho de superação.
2 de setembro de 1970, Ronei cresceu na
capital do estado e, em 1996, se mudou
para Mimoso do Oeste a trabalho. Técnico
em contabilidade, teve sua carteira
assinada pela primeira vez aos dezessete
anos e, hoje, é diretor da Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).
Agradecimentos
especiais
“Um projeto incrível que me possibilitou um aprendizado enorme! “Ouvir história é algo que nos fascina desde crianças. São personagens
E preciso mencionar duas pessoas: Celma, por me convidar a participar, que encantam e, muitas vezes, são reais apenas no pensamento. Para
e Lourdes, por compartilhar tanto conhecimento! Ver as histórias mim, participar deste projeto foi trazer essa lembrança gostosa da
de vida de tantas pessoas que fazem parte da nossa comunidade é infância, mas com um tom de algo novo, pois os personagens são
indescritível! E, finalmente, a Galvani pela iniciativa de desenvolver esse reais e têm histórias vivas, cheias de sentimentos e memórias.”
projeto em Luís Eduardo Magalhães. Fica o sentimento de gratidão.”
Michele Pereira Almeida
Ana Amélia Brugger Junqueira Lopes
“Participar deste projeto como entrevistador foi uma experiência
“Participar foi uma experiência de extrema importância para minha única em que pude exercitar o parar para ouvir o outro sem
vida. Uma conexão natural de sentimentos e emoções, que estimulou interrompê-lo, apenas criando ambiente para extrair a sua história
o imaginário e articulou corpo e pensamento com lembranças de de vida. Gratidão à Galvani, pela oportunidade, à Lourdes, por
infância e acontecimentos marcantes, como a chegada em LEM, cidade nos orientar, e a todos que participaram desta linda iniciativa.”
em que criei meus filhos e que, hoje, todos têm formação superior
concluída. O Museu da Pessoa em Luís Eduardo Magalhães construiu Ronei de Jesus Pereira
história que reforça vínculos entre moradores pioneiros e as novas
gerações e fortalece a identidade da cidade que mais cresce no Brasil.” “Participar desta iniciativa foi uma oportunidade única, fantástica e
inesquecível. Ter a oportunidade de entrevistar minha ‘mãe’, aquela
Celma Pinto dos Santos Póvoa que fez meu parto, saber mais de sua história, de suas dificuldades e
superações me fez sentir um mix de emoções. Poder acompanhar as
“Cada história de vida é única e, por isso, um tesouro, um outras entrevistas e conseguir entender o que as pessoas passaram para
patrimônio! Participar deste projeto com o Museu da hoje estar colhendo frutos, foi inspirador! Agradeço a cada participante,
Pessoa foi, para mim, muito importante. Obrigada, Galvani, à equipe do Museu da Pessoa e à Galvani, por acreditar que vale a pena
Lourdes e todos os amigos pela rica oportunidade.” contar histórias... histórias de gente, de vida, de um lugar, de todos.”
“Estou muito feliz por fazer parte deste lindo projeto. Participar “A experiência foi ímpar, desde a formação às entrevistas e à conclusão
dos encontros com nossa orientadora Lourdes, conhecer pessoas e dos trabalhos em equipe. Ela me remeteu a uma prática não comum
reencontrar outras que estiveram nesta caminhada foi simplesmente para muita gente: escutar. Raramente, estamos dispostos a escutar e o
maravilhoso, uma experiência que levarei para sempre. Para mim, curso me permitiu aguçar essa qualidade adormecida em muitos de
entrevistar a Irene Pellenz, que é uma pessoa que tenho muita nós. Pude também entender a diferença de uma entrevista jornalística
admiração, foi indescritível. Parabenizo a todos que participaram e uma em que o objetivo é registrar a história — e não investigá-la”.
e agradeço especialmente ao Ronei Pereira, por ter me convidado
a fazer parte de tudo isso, e à Galvani, pela oportunidade.” Venâncio Zagi
Participantes da Formação
Ana Amélia Brugger Junqueira Lopes
Celma Pinto dos Santos Póvoa Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Elina Maria Longatti Ferreira Ficha elaborada segundo a AACR2r
Jaíra Vanessa Mariani Passos e Souza
Michele Pereira Almeida B452
Ronei de Jesus Pereira Luis Eduardo Magalhães, uma cidade feita de pessoas / edição e
Sabrina de Lima Carvalho texto Mayara Neves ; pesquisa, entrevista e assistência editorial
Venâncio Ndunduma Zagi Lucas Figueirêdo Torigoe. — São Paulo : Museu da Pessoa, 2022.
80 p. : il. fot. ; 25 cm.
Entrevistados
Ana Amélia Brugger Junqueira Lopes ISBN 978-85-60505-57-9
Arno Eberlein Schlosser
Celma Pinto dos Santos Póvoa 1. Memórias. 2. História cultural. 3. História contemporânea.
Gerulina Antônia dos Reis 4. Cultura brasileira. 5. Bahia. I. Neves, Mayara. II. Torigoe, Lucas
Irene Pellenz Figueirêdo. III. Título.
Ivan de Souza Carvalho CDU 39
José Nascimento Pereira Ramos CDD 306
Ronei de Jesus Pereira
Vespasiano Neves Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Renata
Zaqueu da Silva Iriqueiro Fernandes Veloso Baralle — CRB-8/10366