Roberto Martins de Barro - Derecho Valores y Hermenéutia
Roberto Martins de Barro - Derecho Valores y Hermenéutia
Roberto Martins de Barro - Derecho Valores y Hermenéutia
PUC – SP
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
BANCA EXAMINADORA
______________________________
______________________________
______________________________
DEDICATÓRIA
RESUMO
Tanto a doutrina e a prática demonstram que existe escassez de casos concretos sobre
a aplicação no Direito Penal da analogia in bonam partem, bem como, a interpretação
extensiva.
Assim sendo, a solução para sua aplicação mesmo apesar das idéias inovadoras e
avançadas do início deste século, deve-se ter a máxima cautela para não se causar danos
irreparáveis, uma vez que a história não permite o retrocesso.
8
ABSTRACT
The concept of values in the Criminal Law has evolved to meet the needs of society.
Today in our globalised world finally comes to interference of other cultures in the
concept of values.
In this tuning fork, are difficulties in applying the analogy of confrontation against the
positivists and progressives, given that the best solution is the search for balance, avoiding the
excesses that ultimately distort the Criminal Law, if occurred breadth of application the
analogy in bonam partem, in the face of the principle of legal reserve and taxativity criminal.
Both the doctrine and practice show that there is scarcity of cases on the application in
the Criminal Law of analogy in bonam partem, as well as the broad interpretation.
In this paper seeks to add contribution to addressing the term in question, showing that
while Criminal Law is not static, the excesses of modernity can bring serious consequences to
the right, and as a means of consequence to society itself.
Therefore, the solution to its application even though the innovative ideas and
advanced the beginning of this century we should take the utmost care not to cause irreparable
damage, since the story does not allow the reverse.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1 – AXIOLOGIA JURÍDICA................................................................................................ 13
2 - HERMENÊUTICA JURÍDICA....................................................................................... 40
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 98
BIBIOGRAFIA..................................................................................................................... 102
INTRODUÇÃO
1 – AXIOLOGIA JURÍDICA
A origem latina da palavra valor, encontra sua gênese na expressão latina valor ou
valoris, que faz referencia “a qualidade que revela o préstimo de algo” ou “atribuição
1
MENDONÇA, Jacy de Souza. In: O Curso de Filosofia do Direito do Professor Armando Câmara / Jacy de
Souza Mendonça. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. p. 141.
2
Idem. Op. cit. p. 143. “A palavra axiologia vem do grego, onde axios significa estima, apreciação de alguma
coisa. Axiologia é o estudo das relações que o homem tem em face ao ser, no sentido de apreciá-lo ou não, de
estimá-lo ou não. O significado da palavra axiologia já indica, portanto, que o homem não apreende a realidade
apenas como objeto de estima, não vai ao real apenas para representá-lo intelectualmente, mas reage diante dele
dentro de uma bipolarização, no sentido de considerá-lo bom ou mau, verdadeiro ou desagradável. O valor se
expressa nessa não indiferença do ser.”
14
concedida a algo ou alguém por merecimento ou mérito”3. Dada tal origem etimológica e
ainda, considerando-se as aplicações jurídicas da palavra em tela, conceitua-se valor,
primeiramente, como a ‘não indiferença’ de algo com relação a alguém ou como a
consciência motivada ou incentivada. Podemos considerar ainda “valor” como: a relação, ou
produto, entre o indivíduo titular de uma necessidade qualquer e um objeto, ou algo, que seja
dotado de reais qualidades para satisfazê-lo.
Inegável então, é o fato de que existem valores e que não é possível simplesmente
pensarmos nas coisas sem a elas atribuir um julgamento de valor. Tudo para nós há que
sugerir uma escala de importância segundo seu grau de incidência na vida de cada indivíduo,
inexorável é porém, a certeza de que tal valoração é individual, própria de cada universo
pessoal e somente válida para cada pessoa isoladamente considerada. O grau de importância
que se atribui à saúde, ao dinheiro, a justiça só podem ser exatamente mensurados por quem
as avalia referencialmente para si. Em contrapartida, existem valores que podem designar
avaliações subjetivas de mensurabilidade geral, são valores apreciáveis não apenas para
indivíduos determinados, mas para toda a espécie humana4. Trata-se de coisas, em suma, que
são efetivamente valoradas duma maneira positiva pelas pessoas; por exemplo: os alimentos,
a saúde, o vestuário, etc. São valores que interessam ao homem como ser natural.
3
Vários autores, sem referência específica. In: Grande dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa –
Obra parcialmente derivada da “Grande Enciclopédia Larousse Cultural”, verbete valor. São Paulo : Editora
Nova Cultural, 1999. p. 903.
4
MORENTE, Manuel Garcia. In: Noções Preliminares de Filosofia / Mestre Jou. São Paulo : Mestre Jou, 1980.
p. 294. “[...] os valores não são coisas nem elementos das coisas. E dessa conseqüência primeira tirou-se esta
segunda conseqüência: dado que os valores não são coisas nem elementos das coisas, então os valores são
impressões subjetivas de agrado ou desagrado que as coisas nos produzem e que nós projetamos sobre as coisas.
Recorreu-se então ao mecanismo de uma objetivação e se disse: essas impressões gratas ou ingratas que as coisas
nos produzem, nós as tiramos do nosso eu subjetivo e as projetamos e objetivamos nas coisas mesmas e dizemos
que as coisas mesmas são boas ou más, ou santas ou profanas”.
15
razão, um verdadeiro espelho da razão humana. O jusnaturalismo, então apregoa uma essência
filosófica eterna ao ser humano, consubstanciando-se como produto da razão.
5
GOYARD-FABRE, Simone. In: Os fundamentos da ordem jurídica / Simone Goyard-Fabre; tradução Claudia
Berliner; revisão da tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo : Martins Fontes, 2002. p. XXVII. “Com a
progressiva dissipação das brumas que encobriam a significação própria da esfera jurídica, alguns teóricos
consideraram possível liberar o direito de toda referência ao horizonte metajurídico dos valores”.
16
6
MENDONÇA, Jacy de Souza. In: Introdução ao Estudo do Direito / Jacy de Souza Mendonça. São Paulo :
Saraiva, 2002. p. 32.
17
Incontroverso, seria então, que o valor é uma realidade que se consubstancia a partir
da concepção das qualidades nobres e justas (moralmente aceitas), desejáveis a um ser
humano, quando vivendo em comunidade nos moldes da ordem e justiça. Devemos
corroborar com o fato de que o valor se refere à perfeição do homem em sociedade, a sua
prática desenvolve, no indivíduo, a sua humanidade, ao guindá-lo ao vértice da pirâmide8, ao
considerarmos uma escala comportamental em uma sociedade; ao passo que, o contra-valor
vai despojá-lo dessa qualidade9. A constante e reiterada prática das ações aprovadas pelos
valores, tornar-se-á virtude na sua dimensão moral ou ética, dignificando o homem como
membro da polis onde o império da justiça como valor reina no modo de ser de cada
indivíduo.
O doutrinador portenho Martin Laclau, tem a opinião de que nem sempre os conceitos
de juízos de valor e juízos de existência estiveram distinguidos, sendo que na antiguidade o
ser era identificado com seu valor, tal era a importância e a necessidade de se exercer juízos
de valores de modo a vinculá-los permanentemente aos agentes atores sociais. Explicita o
autor:
Desde la Antiguedad, se habia equiparado el ser con el valor. Para Platon, las ideas
poseian la maxima dignidad y las cosas materiales tendian a la perfeccion de la idea.
Aristoteles, por su parte, entendia la forma, el ειδος, como τέλος10, como finalidad
de todo devenir. Lo que es, vale por el hecho de ser. De esta suerte, si todo lo que es
vale, lo que no es no vale. Los escolasticos expresaban que todo lo que es, es bueno:
omne ens est bonum. Asi se establecia una orrespondencia entre el ente y el valor,
entre la ontologia ya la axiologia. El valor era entificado; su estudio era materia de la
7
PLATÃO. In: A República. São Paulo : Editora Martin Claret, 2006. p. 128 e 129.
8
MENDONÇA, Jacy de Souza. In: Introdução ao Estudo do Direito / Jacy de Souza Mendonça. São Paulo :
Saraiva, 2002. p. 32.
9
FRONDISI, Resieri. In: Que son los valores? México / Bueno Aires : Breviários Del Fondo de Cultura
Econômica, 1958. Tradução livre. p.22. “[...] Nós valoramos até o que nos desagrada. A quem agrada arriscar a
vida para salvar um homem que está se afogando, especialmente se for seu inimigo? Apesar disso, o fazemos no
cumprimento do dever. Pomos o dever acima do agrado ou desagrado. O dever é o objetivo e descansa sobre um
valor moral de igual caráter, que está acima dos vai-e-vens de nossos gostos ou desgostos, de nossos interesses
ou conveniências [...].”
10
ARISTÓTELES. In: Physica II.3, Metaphysica I.3, V.2. O filósofo Aristóteles ensinava que a alma (ψυχη) é
um exemplo de forma (ειδος), enquanto que o corpo (σω∝α) é um exemplo de matéria (υλη). Tal classificação
distintiva baseava-se nos quatro tipos de causas naturais inerentes a todos os tipos de transformações, segundo a
doutrina aristotélica.
18
ontologia. Ahora bien, una consideracion filosofica acerca del valor que no encubra
la naturaleza de este solo se logra al independizarse la axiologia de la ontologia. Ello
acaecio recien en el siglo pasado, dentro del movimiento superador del positivismo.
Como expresara Lotze, se advirtio que los valoes no son, sino que valen; no tienen
ser, sino valer. Un ente es, um valor vale11.
A espécie Homo Sapiens, como o único ser vivente na terra capaz de emitir juízo de
valor, exercita a valoração sobre todas coisas que incidem sobre sua vida. Naturalmente que a
capacidade intelectual ou evolutiva do homem lhe facilita ser mais agudo na percepção,
incorporação e geração de novos valores em harmonia com o contexto social no qual se
encontra inserido. É isso que lhe possibilita elaborar uma escala hierárquica de valores que o
eleva, na sua percepção como ente social, a sacrificar algum “bem” em benefício do bem
maior dentro do contexto social. Porém é justamente a escolha, ou não, dos valores
socialmente mais relevantes que vai diferenciá-lo, nessa sociedade, dos demais indivíduos e
possibilitando também a compreensão dos diferentes grupos sociais.
Nos fica patente quando do estudo da Axiologia que, a aceitação ou não, o julgamento
ou, em resumo, a avaliação de quaisquer objetos, toma o valor como critério subjetivo,
intersubjetivo ou objetivo de avaliação. Em suma, ao utilizarmos o valor como critério de
avaliação de um objeto refletimos, do ponto de vista ideal, a convergência das tendências
históricas, sendo esta a razão pela qual os valores ou, pelo menos, a escala de suas aplicações
preferenciais, mudam com tempo e no espaço, de conformidade com a incidência de fatores
culturais vigentes.
11
LACLAU, Martin. In: Conducta, norma y valor: ideas para uma nueva comcomprensión Del derecho. Buenos
Aires : Editora Abeledo-Perrot, 1999. 73.
19
Já nos diálogos entre Polemarco, Céfalo e Platão, na obra “República”, surgem registros sobre
as discussões acerca das diferentes concepções no que se refere a Justiça12.
12
LUCE, John Victor. In: Curso de Filosofia grega: do século VI a.C. ao século III d.C / J. V. Luce, tradução
Mário de Gama Kury. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1994. p. 104 a 106.
13
REALE, Miguel. In: Filosofia do Direito. 19 ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p.201.
20
Tão importante se faz o real entendimento dos princípios que trata-se de matéria
autônoma: a principiologia é o estudo dos princípios, termo homônimo também é dado ao
conjunto dos princípios estudados. Uma principiologia própria é atribuída a cada ciência, da
mesma forma que, cada uma das disciplinas dentro de suas respectivas ciências também o
devem ser. Doutra forma, um ramo incompleto dessa ciência não seria uma disciplina própria.
14
Vários autores, sem referência específica. In: Grande dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa –
Obra parcialmente derivada da “Grande Enciclopédia Larousse Cultural”, verbete valor. São Paulo : Editora
Nova Cultural, 1999. p. 741.
15
TOMÁS, de Aquino. In: Summa Theologica, I, XLV, 2. Escritos Políticos de Santo Tomás de Aquino.
Petrópolis : Vozes, 1995. Tradução livre: “Princípio é aquilo de que algo, de qualquer maneira, procede ou
resulta.”
16
SILVA, De Plácido e. In: Vocábulo Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de
Janeiro : Editora Forense, 2007. p. 1095. “[...] não se compreendem somente os fundamentos jurídicos,
legalmente instituídos, mas universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmam
as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio
Direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito, são
tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos.”
21
o que pode estar relacionado a um fato concreto. Em suma, enquanto os princípios têm função
deontológica, os valores por sua vez têm aplicação axiológica: se visto pela ótica dos valores,
algo é o “ideal”, pela visão dos princípios este mesmo algo é o “devido”.
Também não podem ser confundidos com regras. Uma vez que, os princípios contém
um elevado grau de abstração, o que lhe proporciona uma incidência mais abrangente do que
a regra; em contrapartida quanto ao grau de determinação, as regras possuem maior
taxatividade e logo, são mais restritivas na sua abrangência. É nítido o fato de que os
princípios se sobrepõem, por ocupar uma posição proeminente no ordenamento jurídico, ora
como Princípios Constitucionais, ora ocupando uma função estruturante, como veremos a
seguir. Princípios, para serem legítimos, são verdadeiros axiomas que derivam do juízo de
justiça, de equidade e de direito, sendo a verdadeira expressão dos anseios da sociedade, logo
legitimadores das ações legais e das políticas administrativas, ao passo que as regras são
conteúdos de execução, de funcionalidade, a transposição daquela pré-disposição de valores.
17
PLATÃO. In: A República. São Paulo : Editora Martin Claret, 2006. Livro III. p. 94.
22
Notamos então o real caráter da natureza que nos leva a renegar a ação de um ser
humano que cometa um homicídio, ou que nos impele a cumprir o prazo para o pagamento
das prestações do veículo financiado, ou mesmo para que se respeite o sinalizado por uma
placa de que é proibido pisar na grama de um parque. O que torna estas ações condenáveis?
Elucidativa então, se faz a lição transmitida há décadas pelo Professor Goffredo Telles
Júnior, aos discentes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Segundo Telles,
não há que se pensar em uma natureza coercitiva para as normas jurídicas, as sanções seriam
apenas “providências prescritas pelas normas jurídicas, para os casos de violação dessas
normas”, ao passo que, o indivíduo coator é o sujeito de direito material cujo interesse
(positivamente tutelado) foi ferido. Tendo seu direito material ofendido, este se utiliza do
Estado, por meio da “Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário”, para requerer “a
aplicação das sanções competentes, que a própria lei estabelece”. Ou segundo as próprias
palavras do grande jurista:
[...] a coação não é exercida, nem o pode ser, pela própria norma jurídica, pela
própria lei. Considerada apenas no que ela é, mera fórmula verbal, simples
enunciado de um modelo de comportamento, a norma jurídica não é coativa. Como
poderia a norma sair do papel em que está escrita, erguer-se, pegar alguém pelo
braço, forçar alguém a fazer isto ou aquilo? A entidade que exerce a coação (que a
requer e providencia a aplicação da sanção) é a pessoa que, eventualmente, tenha
sido prejudicada pela violação da norma [...]18.
18
TELLES JUNIOR, Goffredo. In: Devoção de advogado. Disponível em:
[http://www.goffredotellesjr.com.br/revista.htm]. Acesso em: 19 ago. 2007.
23
Ainda segundo o último autor, a norma em si não teria natureza coercitiva, mas sim
autorizante. Os indivíduos previamente autorizados pelas normas postas, teriam a faculdade
de agir ou não, segundo a vontade de cada um, dentro de uma licitude autorizada pela
respectiva norma. Ora, fica claro que as únicas chaves-mestras capazes de abrir as portas da
aceitação popular (consciente ou automática), de levar um magistrado a decidir por um ou
outro parecer (quando de pretensões eqüitativamente justas e sem orientação normativa clara
que a balize) ou de legitimar ordenamentos legislativos são os princípios jurídicos
amplamente aceitos por uma sociedade.
O Direito é uma ciência, não obstante às dificuldades quanto ao seu método, existe a
busca em se identificar e alcançar os princípios para encontrarmos soluções de cunho
científico, ou seja, as proposições básicas que nos levam às demais são desenvolvidas e
aperfeiçoadas segundo uma hierarquia de princípios. Isto propicia uma forma de forjar um
método que torne claro as preposições que são a alavanca para a solução de novos
questionamentos. Podemos notar, que os princípios podem ser expressos no mundo jurídico
de três formas básicas19:
Esta última forma de expressão que pode aparecer de forma implícita ou explícita,
apesar de assemelhar-se à primeira, é mais importante que aquela uma vez que ditam
princípios constitucionais que orientam todo um sistema jurídico. Muitas vezes servem como
pilar para as garantias individuais ou metaindividuais dos cidadãos de um Estado, e orientam
os critérios de interpretação hermenêutica e unicidade do texto magno.
19
NUCCI, Guilherme de Souza. In: Manual de direito penal : parte especial / Guilherme de Souza Nucci. 2ª. ed.
ver. atual. ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.67.
24
A gênese dos princípios constitucionais tem raiz nos princípios gerais do direito20, que
serviam e servem até nossos dias, como resposta às possíveis lacunas e omissões normativas.
Uma definição literal que buscamos aduzir de per si, remete-nos a idéia de que “princípios
constitucionais”, são os que se originam do sistema constitucional, corroborando então, com
as concepções filosóficas que encontramos nas definições supra argüidas. Como outrora
analisado em item anterior, o grande trunfo dos princípios constitucionais é o de propiciar
maior eficácia das constituições em face da dinâmica das sociedades, uma vez que nos
princípios as discussões geram em torno de valores e, estes são variados de acordo com o
tempo e o espaço. O que confere atemporariedade ao texto constitucional.
No que se possa teorizar sobre a hierarquia dos princípios constitucionais, não há que
se cogitar a hipótese de uma escala axiológica, ou no caso, nem mesmo deontológica entre as
normas constitucionais. Mesmo o positivismo do pensamento kelsiano, tem consciência de
que as constituições nacionais estão no ápice das pirâmides jurídicas que representam seus
respectivos ordenamentos. Tal norma poderá posteriormente, conforme a lição de Norberto
Bobbio22, torna-se consolidada quando ratificada pela vontade de um povo, de determinado
20
Princípios Gerais do Direito são postulados extraídos da cultura jurídica, fundando o próprio sistema da
ciência jurídica. São ideais ligados ao senso de justiça. Emanam do Direito Romano, sintetizados em três
axiomas: honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não lesar ninguém e dar a
cada um aquilo que é seu). Segundo o artigo 4º da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil) “quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
21
SILVA, José Afonso da. In: Curso de Direito Constitucional Positivo / José Afonso da Silva. 21 ed. rev. e
atual. São Paulo : Malheiros Editores, 2002. p. 92.
22
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 6ª ed., 1995.
p. 58 e 59.
25
território que constitui o Estado. Assim sendo, poderemos presumir de que a relação deste
povo (no aspecto específico das necessidades oriundas de sua convivência), determinará o
surgimento dos valores diversos que norteiam a consolidação de um legítimo ordenamento
jurídico.
23
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
1996. p. 224 e 225.
26
Como não podia deixar de ser, os valores também mudam e a essa mudança
denominamos mudança do eixo axiológico. Senão vejamos; o homossexualismo condenado
pelos antigos hebreus em suas sagradas escrituras25, foi incentivado por algumas escolas
acadêmicas gregas antigas, tornandou-se novamente execrado pelo homem da Idade Média
sob o apelo teológico, mas mobiliza agora, no início do século XXI, milhares de pessoas na
“Parada do Orgulho Gay”, em várias cidades do mundo. Não podemos deixar de considerar,
24
THOMAS, Hobbes. In: Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo :
Martin Claret, 2004. p.131-133.
25
LAHAYE, Tim. In: Bíblia de estudo profético / Tim LaHaye editor geral; editores associados Ed Hindson,
James Combs e Thomas Ice; - tradução Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Neyd Siqueira – São Paulo : Hagnos,
2005. p.119. Levítico 20 : 13 “Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher,
ambos fizeram abominação; certamente morrerão, o seu sangue será sobre eles”.
27
Exemplos práticos podem também ser enumerados em vários ramos das Ciências
Jurídicas. A abordagem de cunho patrimonialista que vigorou durante séculos com primazia
absoluta sobre os interesses que compõem a seara do Direito Civil perderam espaço com o
advento do paradigma da valorização da dignidade humana, diplomas legislativos de cunho
internacional, como por exemplo o Pacto de San Jose da Costa Rica27 e outros de mesmo
caráter garantista, proibiram entre outras coisas, o cerceamento da liberdade do indivíduo por
dívidas civis – instituto este amplamente avalizado e defendido pelo Direito Romano e que
previa inclusive, a transmutação da personalidade jurídica de uma pessoa, de titular de direitos
para coisa (res), ou seja, a transformação de um ser humano em patrimônio de seu credor28.
Digno de menção é o parecer do Ministro Gilmar Mendes (RE 466.343-SP, relator ministro
Cezar Peluso, j. 22 de novembro de 2006), reiterado no HC 90.172-SP, em julgado de 5 de
junho de 2007, ao julgar o pedido de Habeas Corpus em lide civil. No exemplo citado, a
obrigação de entregar coisa certa foi inadimplida pelo depositário que teria se desfeito do
bem fungível, em alienação. Porém, teria ofertado numerário em pecúnia ou bem equivalente
e o arrematante teria se negado a receber. Teria sido assim publicado o voto do Ministro
Gilmar Mendes:
26
Art. 235 do Código Penal Militar Brasileiro, sob a denominação “Pederastia ou outro ato de libidinagem”.
27
Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San
José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
28
MARKY, Thomas. In: Curso elementar de Direito Romano / Thomas Marky. 6ª ed – São Paulo : Saraiva,
1992. Direito Romano em seus primórdios, permitia que em casos de inadimplemento obrigacional, respondia o
devedor com seu próprio corpo, podendo ser reduzido à condição de escravo, o que se dava por meio da actio
per manus iniectionem (ação pela qual o credor podia vender o devedor como escravo).
28
29
MENDES, Gilmar Fereira. Voto do Ministro Gilmar Mendes com relação ao HC 90.172-SP, Segunda Turma,
votação unânime, j. 5 de junho de 2007. Trechos do voto. Disponível em
[http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=90172&classe=HC&origem=AP&r
ecurso=0&tipoJulgamento=M], consultado em 04 de março de 2008.
30
Lei das Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688 de 3.10.1941. Art. 64, in verbis: “Tratar animal com
crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa. §
1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou
exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. § 2º Aplica-se a pena com aumento de
metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo
público”.
31
Lei do Meio Ambiente, Lei nº 9.605 de 12.2.1998. Art. 32, in verbis: “Praticar atos de abuso, maus-tratos, ferir
ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é
aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorre morte do animal”.
29
A preocupação com o meio ambiente trouxe a reboque uma necessidade de uma tutela
penal mais pungente contra atos de lesão à natureza, e no caso particular, a fauna. Se
atrocidades sem sentido acontecessem contra animais dentro de recintos fechados não haveria
delito, uma vez que a objetividade jurídica da contravenção estudada era “os bons costumes,
no sentido do sentimento comum de humanidade”32 em face do bem estar dos animais. Ao
contrário, hoje o objeto jurídico penalmente tutelado passou a ser “a preservação do
patrimônio natural, especialmente da fauna silvestre, doméstica ou domesticada, nativa ou
exótica, ameaçada ou não de extinção contra abusos e maus-tratos”33.
Outro exemplo que demonstra a mudança axiológica, com agravamento das penas de
figura delituosa e a multiplicação de possibilidades do tipo objetivo é encontrada nas condutas
anteriormente incriminadas pelo art. 19 da Lei das Contravenções Penais, hoje derrogado
pelos vários artigos da Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003, vulgo “Estatuto do
Desarmamento”. O legislador não alterou muito o foco de objetividade jurídica: na primeira a
lei “visa proteger a vida, a incolumidade física e a saúde dos cidadãos. Nesse sentido: TJSP,
ACrim 84, 840, RT 653:287”34, enquanto no segundo diploma legal a “[...] Objetividade
Jurídica é também a incolumidade pública, no sentido de se evitar a exposição a risco da vida,
32
JESUS, Damásio Evangelista de. 1935 – In: Lei de contravenções penais anotada / Damásio E. de Jesus –
2.ed. atual. – São Paulo : Saraiva, 1944. p. 64.
33
SIRVINSKAS, Luís Paulo. In: Tutela penal do meio ambiente : breves considerações atinentes à Lei nº 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998 / Luís Paulo Sirvinskas. – 2 ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva. p. 125.
34
JESUS, Damásio Evangelista de, 1935 – Lei das Contravenções Penais anotada / Damásio E. de Jesus – 2.ed.
atual – São Paulo : Saraiva, 1994. p.53.
30
35
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. In: Legislação penal especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves. – 2.ed.
rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.127.
36
Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, com redação alterada pela Medida
Provisória nº 417, de 2008, Capítulo IV Dos Crimes e Das Penas, in verbis: Posse irregular de arma de fogo de
uso permitido: Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido,
em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou,
ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Omissão de cautela: Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito)
anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja
de sua propriedade: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas
incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de
registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de
arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de
ocorrido o fato.
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido: Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de
fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste
artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
Disparo de arma de fogo: Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de
outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste
artigo é inafiançável. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito: Art. 16. Possuir, deter, portar,
adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter,
empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos,
e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer
sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a
torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo
induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou
incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir,
adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo,
acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem
autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.
Comércio ilegal de arma de fogo: Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em
depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em
proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou
munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 4
(quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito
deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive
o exercido em residência.
Tráfico internacional de arma de fogo: Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território
nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
31
da população civil, em uma evidente tentativa de minimizar os efeitos da violência por força
da simples publicação de normas. Se não, vejamos:
“[...] o que a Lei pretende proteger é o direito à vida, à integridade corporal, e, com
isso, garantir a segurança do cidadão em todos os aspectos. Para atingir esse
objetivo, o legislador procurou coibir o ataque a tão relevantes interesses de modo
bastante amplo, punindo a conduta perigosa ainda em seu estágio embrionário. Com
efeito, tipifica-se a posse ilegal de arma de fogo, o porte e o transporte dessa arma
em via pública, o disparo, o comércio e o tráfico de tais artefatos, com vistas a
impedir que tais comportamentos, restando impunes, evoluam até se transformar em
efetivos ataques. Em outras palavras, pune-se o perigo, antes que se convole em
dano”38
37
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op.Cit. p.106.
38
CAPEZ, Fernando. In: Curso de direito penal, volume 4 : legislação especial / Fernando Capez. – São Paulo :
Saraiva, 2006. p.325.
32
Não obstante aos clamores de exasperação da pena por parte dos cidadãos e as
respectivas respostas legislativas, há também exemplos históricos de abrandamento penal com
relação a aplicação das penas. Ao tempo do suposto descobrimento destas terras, vigorava na
Metrópole normas penais oriundas das “Ordenações Afonsinas”, editadas em 1446 sob a
égide do Rei D. Afonso V, curiosamente, em território da colônia brasileira a lei penal vigente
era extraída dos 143 títulos do Livro V das “Ordenações Filipinas”, publicadas por D. Filipe
II, em 1603, de feições muito mais severas do que a lei anterior, em relação as penas aplicadas
e que demonstravam a conotação retributiva do direito penal medieval. Dura lex, sed lex; tais
normas prevaleceram durante dois séculos, a codificação Filipina foi ratificada em 1643 por
D. João IV e em 1823 por D. Pedro I e só seria revogado após 16 de dezembro de 1830,
quando entrou em vigor o primeiro Código Penal autônomo da América Latina, seguindo o
projeto apresentado por Bernardo Pereira de Vasconcellos, que sofreu influências européias
vigentes na época39.
39
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, volume 1 / Cezar Roberto Bitencourt. –
11.ed. atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 46. Apud. BRUNO, Aníbal. Direito Pena / Tomo 1. Rio de Janeiro :
Companhia Editora Forense, 1967. p.179.
33
“No Brasil, a pena de morte, no direito comum, só foi afastada pelo Código Penal de
1890, logo após a abolição da escravatura. Sua permanência anterior deveu-se a
interesses da economia escravista, que conferia ao Senhor de engenho o direito de
vida e de morte sobre o elemento servil. Ao contrário do que muitos sustentam, não
foi a possibilidade de erros judiciários a causa principal da comutações da pena de
morte ou da sua abolição, mas sim a comprovação da ausência de seu poder
intimidativo.
Vale ainda citar que, embora o governo de exceção que de 1964 a 1985 não tenha se
utilizado de tal expediente punitivo, os crimes de lesa pátria durante um período específico,
tiveram entre as possibilidades de pena a prisão perpétua “em grau mínimo” e a pena de morte
“em grau máximo”. Em um passado não tão distante, entre 29 de setembro de 1969 a 20 de
dezembro de 1978, vigorou o Decreto-Lei nº 898 que, outorgada por uma junta militar
composta pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica, usando das
atribuições que lhes conferiam o artigo 1º do Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969,
combinado com o parágrafo 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de
1968, institui em seu Capítulo II, sob o título “Dos Crimes e Das Penas” um rol de supostos
crimes contra a segurança nacional. Nesta ocasião, foram restringidas as liberdades
individuais, de imprensa e instituídas penas duríssimas para vários crimes comuns e para
outros tantos específicos41. Acreditamos que, embora o objetivo dos legisladores na ocasião
era o de desestimular insurreições ou conclames populares e para isto estava disposto a tudo,
porém por razões de caráter cultural e religiosa, o Poder Judiciário da época não se utilizou
nem da prisão perpétua e nem da pena capital.
40
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. In: A Pena Capital e o Direito A Vida - Oswaldo Henrique Duek
Marques. – São Paulo : Juarez de Oliveira, 2000. p.78 e 79.
41
Vide Anexo I
34
42
Art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988.
43
Inciso XLVII do Art. 5 da Constituição Federal de 1988.
44
Denominação dos crimes previstos pelos arts. 355 a 397 do Código Penal Militar Brasileiro: traição; tentativa
contra a soberania do Brasil; coação ao comandante; informação ou auxilio ao inimigo; aliciação de militar; ato
prejudicial à eficiência da tropa; traição imprópria; covardia qualificada; espionagem; motim, conspiração ou
revolta; do incitamento na presença do inimigo; rendição; omissão de vigilância; descumprimento de dever
sendo o resultado mais gravoso; separação reprovável; abandono de comboio se resulta mais grave; dano
especial dano em bens de interesse militar; envenenamento; corrupção ou epidemia; crimes de perigo comum;
recusa de obediência; violência contra superior; abandono de posto; deserção em presença de inimigo; libertação
de prisioneiro; evasão de prisioneiro; amotinamento; homicídio qualificado; genocídio; roubo ou extorsão;
saque; rapto se resulta fato mais grave.
45
WACQUANT, Loïc. In: Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2003. p. 8. “O sistema Walfare, estigmatizado por sua vinculação com o negro, é violentamente reduzido
a partir da era Reagan. Uma das perversões da nova ordem econômica é internalizar individualmente o fracasso
da pobreza como responsabilidade pessoal, o que também tange a mão-de-obra no sentido de aceitar cabisbaixa o
emprego precário e sem direitos”. No mesmo sentido, os versos do poeta Zé Dantas interpretados na voz de Luiz
Gonzaga na música Vozes da Seca: “Mas doutô uma esmola a um homem qui é são, ou lhe mata de vergonha ou
vicia o cidadão”.
35
face do teor pétreo da garantia constitucional de defesa da vida. Vez que o poder
constitucional reformador é limitado em sua função de legislar pelo art. 60 § 4º CF46.
a - Art. 219, “deflorar mulher virgem, menor de 17 anos: Pena-desterro para fora da
comarca em que residir a deflorada, por 1 a 3 anos e dotar esta”. Aqui se presumia o
consentimento da vítima;
b - Art. 220, “se o que cometer o estupro tiver em seu poder ou guarda a deflorada.
Pena - de desterro para fora da comarca onde residir a deflorada, por 2 a 6 anos e dotar esta”.
Pretendia-se proteger descendentes, pupilos, tutelados e curatelados da ação de preceptores
algozes;
c - Art. 221, “se o estupro for cometido por parente da deflorada em grau que não
admita casamento. Pena-desterro por 2 a 6 anos para a província mais remota da em que
residir a deflorada e de dotar esta”;
d -Art. 222, “ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer mulher
honesta. Pena-prisão por 3 a 12 anos e de dotar a ofendida. Se a violentada for prostituta. Pena
de prisão por um mês a dois anos”.
46
Art. 60, §4º da Constituição Federal de 1988, in verbis: “ § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III -
a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”.
36
omissos, além de outros defeitos legislativos que, aqui, seriam difíceis de enumerar. Porém,
devemos também considerar que os usos e costumes se alteram nas sociedades em velocidade
de aceleração geométrica, senão vejamos: as “Ordenações Filipinas” foram seguidas
criteriosamente, em âmbito penal, por mais de duzentos anos (de 1603 a meados de 1830); os
artigos do referido capítulo que compunha o diploma penal de 1830 permaneceu em vigor por
quase 60 anos de forma quase que inalterada; já a codificação criminal atual, de 1940, no que
se refere aos crimes contra os costumes não permaneceu sem alterações nem por 40 anos47,
sofrendo ainda quatro alterações em um espaço de tempo de menos de 15 anos48, sem
considerar as súmulas editadas pelo STF e as matérias de ordem processual co-relacionadas.
Tais alterações podem ser atribuídas a vários fatores: liberação política, financeira e sexual
feminina; avanços sociais e econômicos em escala global e; a globalização das informações e
da tecnologia.
Sem dúvida, a alteração mais ampla e que demonstrou maior competência legislativa
ficou por conta da Lei nº 11.106/2005. A ampliação da proteção dos dispositivos penais a um
números maior de pessoas de modo a não distinguir o gênero em tipos penais em que homens
e mulheres podem ser vítimas; a exclusão de expressões anacrônicas e preconceituosas, como
“mulher honesta” de resquício medieval; a revogação de artigos em desuso, conseqüência da
raridade com que ocorriam, e das dificuldades para preencher os requisitos legais
anteriormente previstos nos respectivos tipos penais; além das demais alterações
consubstanciadas com a publicação da referida lei penal alteradora, trouxeram uma maior
coerência e completude ao ordenamento penal brasileiro.
47
Vide Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 “Lei dos Crimes Hediondos”, que aumentou a pena nos casos de
crime de estupro e outros.
48
Vide Lei n.º 9.281, de 4.6.1996; Lei nº 8.072, de 25.7.1990; Lei nº 10.224, de 15 de 2001, e; Lei nº 11.106, de
2005.
37
nos conceitos das palavras, de seus significados, aos quais, passam a ter novos significados e
conteúdos diversos do que tinham em um passado não muito distante. São as mudanças de
valores, mudanças do eixo axiológico. Destarte, os vínculos entre membros de uma
comunidade são mais facilmente afetados pela à evolução dos costumes; conceitos como
moral e pudores de cunho sexual são primeiramente percebidos não como uma revolução
comportamental global, mas como manifestações de dissidência de opinião no seio da família,
da escola ou mesmo no meio profissional de cada indivíduo. As mudanças sociais escapam da
legislação tradicional por imposição da velocidade com que ocorrem.
Várias teorias surgiram no intuito de explicar a natureza dos eixos axiológicos, o que
nos é fundamental para compreendermos suas mudanças, ou seja, uma das mais interessantes
trata do “inconsciente coletivo”. O conceito foi inicialmente teorizado por Sigmund Freud, o
médico neurologista austríaco, acreditava que o “aparelho psíquico” de cada indivíduo era
dividido em consciente e inconsciente, sendo que este último era produto da repressão que a
sociedade fazia sobre instintos de cada pessoa, seria o lugar onde vivem os desejos
reprimidos. Freud não teria se utilizado propriamente da expressão “inconsciente coletivo” no
sentido que é utilizado pela psicanálise moderna, vez que, não vislumbrava lograr descobertas
significativas no aprofundamento do tema; não obstante, aceitava a idéia de um conteúdo
coletivo para o inconsciente49, porém, quem adentrou mais cientificamente no tema foi seu
discípulo, e posteriormente seu rival nas teorias psicanalíticas, o suíço Jung. Ao desenvolver
uma visão que explicava os mecanismos metafísicos que interligavam a vastidão de mentes
humanas, Carl Gustav Jung, foi o primeiro a se referir a “inconsciente coletivo”, tal qual a
ciência o define hoje.
49
FREUD, Sigmund. Moisés e o Monoteísmo. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro : Imago, 1975. p. 156. “Não nos é fácil transferir os conceitos da psicologia individual para a psicologia
de grupo, e não acho que ganhemos alguma coisa, introduzindo o conceito de um inconsciente ‘coletivo’. O
conteúdo do inconsciente, na verdade, é, seja lá como for, uma propriedade universal, coletiva, da humanidade”.
38
50
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. 12.ed . Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1993. p.75 e 76.
39
de uma cobra, especialmente para a cultura judaico-ocidental, pode nos transmitir a idéia de
maldade, insegurança e traição.
Daí se originariam os “valores amplamente aceitos” como bons ou ruins, fruto das
experiências e percepções do ser humano como um todo51. A partir do momento que se
admite a natureza comum entre os valores e o inconsciente coletivo, entende-se um dos
principais fatores dos conflitos de ordem axiológica humana que, ao contrário do que
filosoficamente se pensava (teorias da razão) não se extinguiram com a evolução humana; ao
contrário, os avanços científicos e a constante interação entre indivíduos em uma sociedade,
entre várias sociedades que se co-relacionam em uma nação ou mesmo entre as nações, criam
conflitos de valores. Quando internamente considerados por um grupo social, estes valores
acabam sendo aceitos amplamente, e se tornarem lei; ou serão temas de debates ou
dissidências entre os indivíduos, de forma a serem passíveis ou não de sanção.
51
JUNG, Carl Gustav. Op. Cit. p.67. “Assim, como o nosso corpo é um verdadeiro museu de órgãos, cada um
com a sua longa evolução histórica, devemos esperar encontrar também na mente uma organização análoga.
Nossa mente não poderia jamais ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo em que existe. Por
‘história’ não estou querendo me referir àquela que a mente constrói através de referências conscientes ao
passado, por meio da linguagem e de outras tradições culturais; refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré-
histórico e inconsciente da mente no homem primitivo, cuja psique estava muito próxima à dos animais.
Esta psique, infinitamente antiga, é a base da nossa mente, assim como a estrutura do nosso corpo se fundamenta
no molde anatômico dos mamíferos em geral. O olho treinado do anatomista ou do biólogo encontra nos nossos
corpos muitos traços deste molde original. O pesquisador experiente da mente humana também pode verificar as
analogias existentes entre as imagens oníricas do homem moderno e as expressões da mente primitiva, as suas
‘imagens coletivas’ e os seus motivos mitológicos.
Assim como o biólogo necessita da anatomia comparada, também o psicólogo não pode prescindir da ‘anatomia
comparada da psique’. Em outros termos, o psicólogo precisa, na prática, ter experiência suficiente não só de
sonhos e outras expressões da atividade inconsciente mas também da mitologia no seu sentido mais amplo. Sem
esta bagagem intelectual ninguém pode identificar as analogias mais importantes, não será possível, por
exemplo, verificar a analogia entre um caso de neurose compulsiva e a clássica possessão demoníaca sem um
conhecimento exato de ambos.”
40
2 - HERMENÊUTICA JURÍDICA
52
Em tradução livre: “saber as leis não é conhecer-lhes as palavras, porém a sua força e poder”, no que se refere
ao sentido e o alcance respectivos.
53
KURY, Mário da Gama. In: Dicionário de mititologia grega e romana / Mário da Gama Kury. 7.ed. Rio de
Janeiro : Jorge Zahar Editora, 2003. p.193. “Hermes (G. Hermes) Filho de Zeus (v.) e de Maia (v., (1)), nascido
numa caverna do monte Cilene, na Arcádia. [...] Zeus, orgulhoso com o espírito inventivo e a atuação do filho
mais novo, designou-o para ser seu arauto e prestar o mesmo serviço a Hades e Perséfone (vv.) rei e rainha do
inferno.”
41
54
MAXIMILIANO, Carlos. In: Hermenêutica e aplicação do direito / Carlos Maximiliano. 12 ed. Rio de Janeiro
: Forense, 1992. p.1. “[...]o erro dos que pretendem substituir uma palavra pela outra; almejam, ao invés de
Hermenêutica, - Interpretação. Esta é aplicação daquela; a primeira descobre e fixa os princípios que regem a
segunda. A Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.”
42
Em suas origens ocidentais mais remotas, a atividade interpretativa foi quem primeiro
deu dinamismo e solidez científica ao Direito Romano, antiga herança até hoje utilizada por
nós. Historicamente, foram os jurisconsultos da península itálica, os pioneiros na ciência e na
arte retórica, ao plantar a semente inerte das normas inanimadas e frias no solo fértil de suas
experiências político-sociológicas, adubando-a no debate dos melhores arrazoados e regando-
a com seu apurado senso de compreensão das modificações do espaço e tempo ao seu redor, e
posteriormente ver florescer algo vivo e pungente que foi seu complexo e abrangente sistema
jurídico.
55
Em tradução livre: “preceito comum”, no que se refere a ampla aceitação da norma.
56
SILVA, De Plácido e. In: Vocabulário Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho – Rio de
Janeiro : Editora Forense, 2007. p.1148. “QUOD PLERUNQUE ACCIDIT. O que comumente acontece”. No
sentido que ora estudamos, tradução livre: “a lei consagra o que normalmente ocorre”.
57
Segundo o dicionarista jurídico Deoclesiano Torrieri Guimarães, silogismo é “raciocínio dedutivo que se
forma com três proposições: premissa maior, que é o enunciado de um juízo; premissa menor, que é a
declaração de caso particular contido na premissa maior, e a conclusão, que deriva de maneira lógica e cabal das
duas primeiras. Ex.: todos os homens são mortais (premissa maior); A é homem (premissa menor); logo A é
mortal (conclusão)”. Dicionário técnico jurídico / organização Deoclesiano Torrieri Guimarães, 9.ed. São Paulo :
Rideel, 2007. p. 506.
43
A primeira diz respeito as transições sociais que subvertem o eixo axiológico vigente
em uma determinada época, como observamos no capítulo anterior. Por vezes, surgem casos e
fatos de relevância político-social em que acontecimentos se descortinam à apreciação
jurídica de forma a estarem em clamorosa oposição ao preceito idealizado pelo legislador e a
busca através da interpretação, de seu sentido e alcance vem a revelar que a lei não se aplica
ao referido fato. Nesta hipótese, e principalmente com o desenrolar do tempo, a dicotomia
entre o idealizado originalmente pelo legislador e o preconizado pela norma torna está última
anacrônica. Há casos em que a conduta passa a ser, se penalmente considerada, atividade
atípica e corriqueira, vide o já revogado art. 24058 do Código Penal Brasileiro.
58
O artigo 240 do CP descrevia o crime de adultério e foi revogado pela Lei nº 11.106, de 28-3-2005. Na lição
dos doutrinadores da família Delmanto: “Conforme já assinalávamos na edição na edição anterior deste Código,
em comentários ao revogado art. 240, `o adultério não mais deveria ser tipificado como crime, continuando
apenas na órbita civil, como causa de separação judicial´ (CC, art 1.573, I).” Código penal comentado / Celso
Delmanto... [et al]. – 7.ed atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Renovar, 2007. p. 633.
44
Ribeiro Bastos que nos brinda com uma pérola sobre a aplicabilidade prática de toda a busca
pelo significado das leis e sobre o estado de arte que, na prática jurídica, ela pode nos levar.
Assim como as tintas não dizem onde, como ou em que extensão deverão ser
aplicadas na tela, o mesmo ocorre com os enunciados quando enfrenta-se um caso
concreto. Por isso, não é possível negar, da mesma forma, o caráter evidentemente
artístico da atividade desenvolvida pelo intérprete. A interpretação já tangencia com
a própria retórica. Não é ela neutra e fria como o é a hermenêutica. Ela tem de
persuadir, de convencer. O Direito está constantemente em busca de
reconhecimento. Não se quer que o intérprete coloque sua opinião, mas sim que ele
seja capaz de oferecer o conteúdo da norma jurídica de acordo com enunciados ou
formas de raciocínio explícitos, previamente traçados e aceitos de maneira mais ou
menos geral, advindos de determinada ciência, mas sem necessariamente com isto
estar-se fazendo ciência59
Toda nossa carga de desejos e emoções interferem diretamente com maior ou menor
intensidade quando da necessidade de analisarmos fatos ou dados, sopesarmos seu conteúdo
e baseados neles tomarmos decisões. E principalmente nas frentes de batalhas jurídicas, no
dia-a-dia de tribunais e repartições públicas os casos concretos surgem ao incauto operador do
Direito em uma variedade e quantidade desconcertantes, ocasiões em que o interprete deve
fazer uso das lições de equidade e prudência próprias de quem lida com os bens e a própria
vida alheia. Não há outra palavra mais propícia, ao tratarmos dessa matéria, do que a do
Professor Raimundo Falcão Bezerra que na intenção de definir tal nível de experiência
humana em condição de aplicação factível ao universo jurídico, utiliza o vocábulo:
revivescência.
59
BASTOS, Celso Ribeiro. In: Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor,
1997. p.22.
60
FALCÃO, Raimundo Bezerra. In: Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 46.
45
Eis que urge um oportuno questionamento: Toda a lei deve ser interpretada?
É quase evidente que, em sua grande maioria, as leis não se apresentem claras,
transparentes de modo que interpretatio cessat in claris61, mesmo porque o conceito de
clareza ou transparência de um texto é algo muito relativo e pessoal do intérprete. Podemos
então responder: sim, toda a lei exige sempre de um trabalho de compreensão prévia por
quem a pretende aplicá-la. Não há lei alguma que dispense esta tarefa ou nas sábias palavras
do processualista Júlio Fabbrini Mirabete: “Ao menos para se alcançar o sentido léxico das
palavras utilizadas pelo legislador, a interpretação da lei é indispensável”62.
61
SILVA, De Plácido e. In: op. cit. p.763. “Interpretatio cessat in claris. No que é claro, a interpretação não se
faz necessária”.
62
MIRABETE, Júlio Fabbrini. In: Processo Penal / Júlio Fabbrini Mirabete. 14 ed. rev. e atual. até dezembro de
2002 – São Paulo : Atlas, 2003. p.52.
63
ENCARNAÇÃO, João Bosco da, 1958 - . In: Que é isto, o Direito? : introdução à Filosofia Hermenêutica do
Direito / João Bosco Encarnação. 3d. São José dos Campos, SP : Stiliano, 2001. p. 364. “Essa dimensão do
outro sugere a essencial distância, um obstáculo mesmo, que torna necessária a interpretação. E a interpretação,
por sua vez, e por isso mesmo, exige um distanciamento a fim de preservar tranqüilidade e evitar intromissão.
Essa imparcialidade, porém, esbarra na questão do pré-conceito, da pré-compreensão, que nos faz interpretar
sempre de acordo com a experiência anterior. Somos alguém inserido num determinado contexto histórico de
tempo e lugar. A interpretação deve satisfazer essa condição de `aqui e agora´ em que nos situamos. Não é uma
`explicação´ teórica, mas uma conversão de princípios em atitudes de vida: é visa interpretando a vida; é a vida
alimentando-se de vida.”
46
primaz dos tribunais, não só eles são capazes de fazê-lo: um advogado que procura a linha
argumentação que trará o convencimento do magistrado e a conseqüente decisão judicial
favorável a seu cliente, não deixa de exercer exaustivo exercício de interpretação; o
representante do Ministério Público que recebe o relatório conclusivo de uma autoridade
policial deve enquadrar os fatos supostamente delituosos a tipos penais prévios (princípio da
reserva legal) e específicos (princípio da taxatividade penal). Por este prisma, qualquer
usuário de linguagem é capaz de interpretar, e tanto os atores principais do direito material,
como do Processo Penal, interagem segundo um quadro de interpretações factíveis muito mais
amplos que a moldura dos tribunais, uma vez que tratamos de matéria atinente ao Direito
Público.
Toda a criação humana é sujeita a marcas valorativas impressas pelo trabalho humano.
O processo de elaboração das leis não poderia ser diferente. O Direito tem como orientação
axiológica não só os valores expressos da intenção ou da vontade de quem faz a lei, ao melhor
observá-los notamos também os valores incorporados à tradição histórica na qual surgiu, e é
reflexo imediato. Tal fenômeno pode ser percebido tanto nas manifestações de vontade do
intérprete como nas do autor da norma, e de certo modo, seguem para ambos, uma linha
interpretativa de semelhanças, uma vez que fazem parte de um mesmo contexto histórico.
Problemas de inadequação legislativa começam a surgir quando há uma má técnica legislativa
ou carência de princípios universais contidos na letra da lei, e que fatalmente se agravam ao
longo do inevitável distanciamento histórico.
64
MEAD, George Hebert. In: Mind, Self, Society: From the Standpoint of a Social Behaviorist. In: Works of
George Herbert Mead. v. 1. Chicago : University of Chicago Press, 1967. p.402. George Hebert Mead (1863 -
1931), psicólogo e filósofo norte-americano, pesquisava em várias áreas das ciências sociais, sobretudo como
psicólogo social. Formou, como professor da Universidade de Chicago, várias gerações de antropólogos e
sociólogos que mais tarde formariam a “Escola Criminológica de Chicago”. Aplicou o pragmatismo à
sociologia, criando o chamado “interacionismo simbólico”, escola segundo a qual a interação humana tem,
sobretudo, natureza simbólica, acentuando-se a importância da linguagem na formação da consciência
individual.
47
Ora, a lingüisticidade que nada mais é do que o meio pelo qual ocorre a compreensão,
pois tanto o pensamento como a comunicação são realizados através da linguagem. Aqui
encontramos a contradição de Habermas, pois para o autor, as palavras não são fruto de uma
atribuição intelectiva feita pelo homem às coisas, mas, signos convencionados entre os
homens que refletem a possibilidade de o tema vir à tona. Então, nunca haverá um “diálogo
universal” uma vez que a dinâmica da evolução social baseada no binômio tempo/espaço,
tornam tal teoria inviável.
Ao admitirmos que direito tem seu momento de nascimento formal no ato originário
do legislador ou no ato decisório do juiz, já é fruto dos conceitos (e pré-conceitos) e da
compreensão tanto do primeiro como do segundo. Desta maneira traz em seus genes carga de
natureza volitiva, que precisa ser interpretada, e para tanto se aplica o esforço hermenêutico.
No caso da interpretação da lei, contrariando honorabilíssimos pontos de vista em contrário,
não se resume o trabalho do intérprete em revelar somente a vontade do legislador,
reconstruindo-a.
A vontade do legislador seria um dos pilares para a sólida construção, pelo exegeta, de
um entendimento maior, que revele o sentido e alcance do imperativo atribuído emanado de
forma positiva e solene de uma sociedade política. Porém não constitui essa vontade o escopo
principal do intérprete.
65
HABERMAS, Jürgen. In: Dialética e Hermenêutica – para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto
Alegre. L&PM. 1987. p. 64 e 65. “Verdade é a coação peculiar ao reconhecimento universal isento de coação;
este está, porém, vinculado a uma situação ideal de fala e isto quer dizer uma forma de vida em que é possível o
entendimento universal sem coação. Nesta medida, a compreensão crítica do sentido tem de assumir a
antecipação formal da vida correta. Isto já tinha sido dito por G. H. Mead: `O diálogo universal é, portanto, o
ideal formal da comunicação. Se a comunicação pode ser realizada e aperfeiçoada, então também pode existir
aquela forma de democracia [...], em que cada um traz em si a reação que sabe que provoca na comunidade. Com
isso, a comunicação significante torna-se processo de organização da comunidade´. A idéia de verdade que se
mede no consenso verdadeiro implica a [idéia] de vida verdadeira. Também podemos dizer: ela inclui a idéia da
maturidade. Só a antecipação formal do diálogo idealizado como forma de vida a ser realizada no futuro garante
o último acordo fundamental contra-fático que nos une previamente e no qual cada acordo fático, se for falso,
poderá ser criticado como falsa consciência”.
48
Diametralmente oposta, faz-se notar a hermenêutica aberta, eis que está visa os fins
sociais contidos na norma, em detrimento de sua expressão literal ou da percepção dogmática
tradicionalista. É alias, o parece estar indicado pelo próprio legislador quando da elaboração
da Lei de Introdução ao Código Civil66, essa por ter a conotação de um metadireito ou
supradireito67, na medida em que dispõe sobre a própria estrutura e funcionamento das
normas, coordenando, assim, a aplicação de toda e qualquer lei, e não apenas dos preceitos de
ordem civil. Tão sábio demonstrou-se o legislador que o texto permanece quase imutável a
66
Art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Decreto Lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942, in
verbis: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
67
DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
49
Notadamente, a marca da hermenêutica utilizada por nossos juristas sempre teve viés
positivista, voltada ao patrimonialismo de questões privadas em clara tendência romanista.
Desta feita, a interpretação das lides que careciam de prestação jurisdicional comumente
resultavam em decisões de entendimentos conforme a matriz jurisconsulta romana; de modo
que, por tradição e regra consuetudinária prevaleceu a aplicação de uma dogmática
tradicional, de institutos jurídicos provenientes do direito romano e a jurisprudência firmou-se
dando azo aos objetivos do conservadorismo, seguindo explicitamente os princípios da razão
formalista de gênese filosófica grega.
68
ENCARNAÇÃO, João Bosco da. Op. cit. p.355 a 360.
69
KELSEN, Hans. Op. cit. p.224 e 225.
50
Em razão do pouco exposto, a que entender que o exegeta não pode furtar-se às
exigências da realidade hodierna, vez que também há de conhecê-la, vivê-la e ser-lhe sensível.
Uma vez que a lógica nos leva a certeza de que não pode haver uma interpretação
única ou mesmo de que, não haveria somente uma forma verdadeira e totalmente perfeita de
interpretar, ou nas palavras do romancista e crítico social Nelson Rodrigues: “Toda
unanimidade é burra”71, encontramos a única certeza possível neste tema: qual seja, existiria
uma teia de possibilidades com relação às atividades interpretativas.
70
MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit. p.29.
71
RODRIGUES, Nelson. In: A menina sem estrela - Memórias. 1.ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997. p. 132 e 133. “Na hora de odiar, ou de matar, ou de morrer, ou simplesmente de pensar, os homens
se aglomeram. As unanimidades decidem por nós, berram por nós. Qualquer idiota sobe num pára-lama de
automóvel, esbraveja e faz uma multidão. Um camelô de caneta-tinteiro é mais ouvido do que os profetas
antigos. As maiorias, as unanimidades ululantes, é que dão à nossa covardia um sentimento de onipotência”.
51
72
Vários autores, sem referência específica. In: Grande dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa –
Obra parcialmente derivada da “Grande Enciclopédia Larousse Cultural”. São Paulo : Editora Nova Cultural,
1999. p.410. Verbete EXEGETA: “[...] 2. intérprete de ritos e oráculos. – 3. Escolasta, comentador de grandes
escritores, principalmente na época alexandrina”.
73
LAURENT, Cours. I, p. 9. Citado por BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. Brasília: Ministério
da Justiça, 1972 (1928). p.41.
74
BAUDRY-LACANTINERIE, Traité théorique et pratique de droit civil, t. I, p. 207, 1907. Citado por
SOLER, Sebastián. Interpretación de la ley. Barcelona: Ariel, 1962. p. 20.
52
Tratando de entender tal realidade histórica entre séculos XIII e XIV, basta
abstrairmos que até então os textos romanos eram interpretados como escrituras sagradas
entre os operadores do direito da época. Continham verdades jus-filosóficas sofisticadas para
75
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1995. p.68.
76
MARKY, Thomas. Op. cit. p.9.
53
a época e carregavam o luminoso espectro de uma época áurea do passado, sendo que seus
consultores cultuavam-lhes um respeito cerimonioso, de modo que a Academia de Bolonha
foi o berço dos glosadores. Como o estudo dos códigos romanos era limitado à tradução do
latim e sua posterior explicação, as respectivas anotações eram feitas as margens destes
códigos nas denominadas glosas.
A evolução deste sistema hermenêutico foi progressivamente lenta até idos do século
XVIII. É creditado a Friedrich Carl von Savigny (1779-Berlin, 1861) a fundação do Sistema
Histórico-evolutivo, o qual sustentava no início de seus estudos, que o direito era uma ciência
que se deveria elaborar histórica e filosoficamente. Em um segundo momento o mestre
germânico destingiu os quatro elementos básicos que, segundo ele, seria o melhor caminho na
hermenêutica jurídica:
77
HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. Mem Martins: Europa-
América, 1997. p.129.
54
2º) O elemento gramatical: uma vez que o pensamento utiliza-se da linguagem, e esta
deve ser expressa, se faz necessário normas de linguagem como condição de aplicabilidade ao
elemento lógico;
Uma nova teoria de aplicação do Direito mais arrojada foi concebida e começava a
atuar na última década do séc. XIX, onde somente interpretar os textos antigos não era o
suficiente. Muitos segmentos da sociedade consideravam o tradicionalismo dogmático ou o
histórico-evolutivo muito presa a letra da lei e pouco comprometido com a justiça,
consideravam-nos ineficazes como instrumento de pacificação das lides. À medida em que as
soluções que a teoria tradicional ofereciam aos casos concretos passaram a ser reiteradamente
percebidas como inadequadas, como também foi notada a postura de que alguns magistrados
não levavam em conta as conseqüências sociais de suas decisões. Surgia a necessidade de
reabilitar o compromisso do Direito com a Justiça, e em alguns casos possíveis, até mesmo a
justiça social.
80
Curiosamente, a Lei Penal brasileira, até hoje tipifica a vadiagem como contravenção penal, em seu art. 59 da
Lei de Contravenções Penais (Dec.-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941), in verbis: “Entregar-se alguém
habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de
subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena – prisão simples, de 15 (quinze)
dias a 3 (três) meses. Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios
bastantes de subsistência, extingue a pena”.
57
Vale lembrar que as “Regras legais de Interpretação”, prescritas nos artigos 5º, 6º e 7º
da Lei de Introdução ao Código Civil81, muitas vezes não se aplicam às peculariedades do
Direito Penal. Novamente aqui, esbarramos com os princípios da “Reserva Legal e da
Anterioridade Penal” e o da “Taxatividade Penal”, de modo que, nem os costumes, nem os
princípios gerais do Direito e, de maneira restrita, a analogia podem ser ferramentas úteis
quando adentramos na seara da ciência jus-criminal. Consideramos, porém, a aplicação dos
81
Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Decreto Lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942, in verbis:
“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como
aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de
outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade,
o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às
formalidades da celebração.
§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de
ambos os nubentes.
§ 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro
domicílio conjugal.
§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se
este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge,
requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de
comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.
§ 6º - O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no
Brasil depois de três anos da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separarão judicial por igual
prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a
eficácia das sentenças estrangeiras no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno,
poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de
sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.
§ 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não
emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em
que se encontre”.
58
Acreditamos, todavia, que fins sociais são resultantes das linhas mestras traçadas
pelo ordenamento político e visando ao bem-estar e à prosperidade do indivíduo e da
sociedade. Por seu turno, exigências do bem comum são os elementos que impelem
os homens para um ideal de justiça, aumentando-se a felicidade e contribuindo para
o seu aprimoramento83.
82
BENTHAM, Jeremy. In: MORRIS, Clarence (Org.). Op cit.. p. 262. Em sua “Introdução aos princípios da
Moral e da Legislação” (publicado sob permissão da Bassi Blackwell, Oxford), Bentham descreve em seu
Capitulo 1 - Do princípio da Utilidade - algumas das idéias que seriam a base de sua doutrina, in verbis: “3. Por
utilidade entende-se a propriedade de qualquer objeto, para qual ele tende a produzir benefício, vantagem,
prazer, bem ou felicidade (tudo isto, no caso presente, é a mesma coisa) ou (o que de novo é a mesma coisa) a
impedir que aconteça o dano, a dor, o mal ou a infelicidade para a parte cujo interesse está sendo considerado, se
essa parte for a comunidade geral, então a felicidade da comunidade; se um indivíduo particular, então a
felicidade desse indivíduo.”
83
BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil / Parte Geral - Washington de Barros
Monteiro. 15.ed. São Paulo : Saraiva, 1978. p.37.
59
84
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral : volume 1 / Flávio Augusto Monteiro de
Barros. 2.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2001. p. 33.
85
Tradução livre: “aquele a quem incumbe fazer a lei, também incumbe interpretá-la”.
60
as emitidas por Papiniano, Paulo, Gaio, Ulpiano e Modestino86 tinham peso de quase-lei, e
assim foi até a ab-rogação desta prática por Justiniano.
Mas a busca da ratio contida nas normas e seu entendimento teleológico, fazem valer-
se de ferramentas poderosas, e também, não inéditas em nossa abordagem do tema.
Primeiramente o elemento histórico, que é considerado e ponderado nos termos analisatórios
utilizados pela Escola Histórico-Evolutivo de Friedrich Carl von Savigny, qual seja: entender
o contexto e realidade social da época histórica em que a norma foi redigida, mas com foco na
análise de seu impacto atual e não do pretérito. A segunda ferramenta é a sistematização,
também seguindo a teoria de Savigny, em um papel de integração da norma analisada e o
arcabouço jurídico na qual ela se insere. Em terceiro, faz-se uso do Direito Comparado, é o
86
FERNANDES, Carlos. Disponível em [http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/EreModes.html], site acadêmico
das Universidade Federal de Campina Grande / PB. In verbis: “Erênio Modestino (~ 190 - 244) Jurista romano
nascido em Roma, considerado o último dos grandes juristas clássicos que merece ser citado como tal. Escreveu
em grego e latim de forma simples e clara que queriam os mestres da época, obras elementares destinadas ao
ensino do Direito. Compôs uma série de trabalhos elementares para uso prático, alguns dos quais escrito em
grego, autor de 19 livros de Reponsae, várias monografias sobre diversos temas como, por exemplo,
matrimônios. É o único discípulo de Domício Ulpiano (170-224) conhecido e o último grande jurista clássico de
uma linhagem de outros famosos juristas como Gaio (70-150), Papiniano ( ? - 213), Júlio Paulo (170-240) e o
próprio Ulpiano (170-224). Com ele chegou a seu fim a etapa de maior esplendor do sistema jurídico romano, de
modo que depois dele, praticamente sem transição, iniciou-se um período de obscuridade, onde não se conhece
trabalho importantes de outros jurisconsultos, aparecendo apenas nomes de pouca representatividade como, por
exemplo, Rutílio Máximo e Júlio Áquila”.
87
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. cit. p. 34. [...] “esclarecendo se o termo foi empregado no sentido
vulgar (ex.: animal – art. 164 do CP), jurídico (ex.: cheque – art. 171, § 2º, VI, do CP) ou jurídico-penal (ex.:
funcionário público – art. 327 do CP)”.
61
cotejar do texto examinado em face de leis estrangeiras relativas à mesma matéria. E por
último, mas não menos importante, havemos de nos valer do elemento extrajurídico que só
pode ser percebido ao lançarmos mão de ciências correlatas e auxiliares do direito penal:
como a criminologia, psiquiatria, química e tantas outras.
“[...] podemos citar o art. 141, III do Código Penal, o qual preceitua que as penas
cominadas para os crimes de calúnia, difamação e injúria serão aumentadas de um
terço se qualquer dos crimes for praticado na presença de várias pessoas.
Interpretando o termo várias, chegamos à conclusão de que o Código exige, pelo
menos, três pessoas. Isso porque quando a lei se contenta com apenas duas ela o diz
expressamente, como no caso do art. 155, § 4º, IV, da mesma forma que quando
exige um mínimo de quatro pessoas. Assim, a interpretação dada ao inciso III do art.
141 é meramente declaratória, pois que não ampliamos nem restringimos seu
alcance, mas simplesmente declaramos sua conteúdo real”.
88
GRECCO, Rogério. In: Curso de Direito Penal / Rogério Grcco – 8ª ed. Rio de Janeiro : Impetus, 2007. p. 43.
89
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal / Tradução brasileira e notas do Professor Paulo José da Costa Júnior e
do magistrado Alberto silva Franco. 1.ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1966. p. 137. Tradução livre:
“Disse mais do que queria”.
62
obra de Nelson Hungria90 quando cita os Inciso I e II do artigo 28 do Código Penal, onde
figura como não excludente de imputabilidade “a emoção ou a paixão” e “a embriaguez”, e
afirma que a norma deve ser interpretada restritivamente quando da ocorrência de fatores
patológicos que possam influenciar o autor de delito. Por óbvio, que a norma última aventada
e seus incisos, versam sobre um estado psíquico “não patológico”, vez que, se o fosse, se
enquadraria em outro artigo, qual seja, art. 26 do Código Penal sob a denominação
“Inimputáveis”91.
Do até então exposto, quase não há divergência entre os importantes autores até aqui
citados. Porém, ao tratarmos das formas de interpretação analógica e extensiva, as posições
são divergentes e falta consenso doutrinário. Evidencia-se então a existência duas correntes
distintas na doutrina brasileira:
90
HUNGRIA, Nélson. Comentário ao Código Penal: vol.1 T.1. Op. cit.: p.80.
91
A obra de Hungria cita respectivamente art. 24 e 22 do CP, vez que eram os artigos correspondentes no ano de
1955, quando a obra foi elaborada.
92
BETTIOL, Giuseppe. Op. Cit. p. 137.
93
HUNGRIA, Nélson. Comentário ao Código Penal: vol.1 T.1. Op. cit.: p.73.
63
94
GIACOMOLLI, Nereu José. Função Garantista do Princípio da Legalidade. Revista dos Tribunais, ano 89,
volume 778. São Paulo : RT, 1989. p. 476 a 488.
95
Tradução livre: “Disse menos do que queria”.
96
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. cit. p. 36.
97
Comunga da mesma opinião o doutrinador Ney Mouras Teles: “Melhor pensar que o Direito não pode obrigar
a mulher a continuar uma gravidez que tenha resultado de um ato que o próprio direito considera crime. Dessa
forma, não se pode exigir que a gravidez seja causada exclusivamente por ação violenta, mas qualquer outra ação
proibida pela norma penal. analogicamente, também deve ser permitido o aborto, quando resulatar a gravidez
não só do atentado violento ao pudor, mas também dos crimes dos arts. 215, 216 e 217 do Código Penal”.
64
praticado por vítima gestante como resultado de atentado violento ao pudor nos termos
previstos pelo artigo 128, em seu inciso II, do mesmo diploma legal98; o professor Monteiro
de Barros – em obra já citada neste item – vislumbra no mesmo caso, “interpretação
extensiva, que não se confunde com analogia”99 e ainda acrescenta como exemplo de
interpretação analógica a aplicação das excludentes dos artigos 121, § 5º, e 129, § 8º (perdão
judicial) do Código Penal, que segundo o autor, deveriam também ser aplicadas aos casos
previstos a crimes correlatos do Código de Transito Brasileiro100 101.
a) art. 172 (duplicata simulada), que preceitua ser crime `Emitir fatura, duplicata ou
nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou
qualidade, ou ao serviço prestado.´ Ora, é natural supor que a emissão de duplicata
quando o comerciante não efetuou a venda alguma também é crime, pois seria
logicamente inconsistente punir quem emite o documento em desacordo com a
venda efetiva realizada, mas não quando faz o mesmo, sem nada ter comercializado.
Assim, onde se lê, no tipo penal, ` venda que não corresponda à mercadoria
vendida´, leia-se ainda `venda inexistente;
b) no caso do art. 176 (outras fraudes), pune-se a conduta de quem `tomar refeição
em restaurante (...) sem dispor de recursos para efetuar o pagamento´, ampliando-se
TELES, Ney Moura. In: Direito penal : parte geral : arts. 1º a 120, volume 1 / Ney Moura Teles. São Paulo :
Atlas, 2004. p.147.
98
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal : parte geral : parte especial / Guilherme de Souza
Nucci. – 2.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editota Revista dos Tribunais, 2006. p. 122.
99
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. cit. p. 39.
100
Artigos do Código Penal e Código de Trânsito Brasileiro, respectivamente citados, in verbis:
Art 121 do CP. Matar alguém: [...] § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a
pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária.
Art. 129 do CP. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] § 8º - Aplica-se à lesão culposa o
disposto no § 5º do art. 121.
Art. 302 do CTB. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro
anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 303 do CTB. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis
meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
101
Neste sentido também, podemos nos guiar pela lição de Fernando Capez: “Perdão judicial. Não menciona a
nova lei a possibilidade de aplicação de perdão judicial, sendo certo que o art. 291, caput, refere-se apenas à
possibilidade de aplicação subsidiária das regras gerais do CP, em princípio, não abrangem o perdão judicial. No
entanto, na redação originária constava a possibilidade de sua aplicação, dispositivo que acabou sendo vetado
(art. 300), sob o fundamento de que o CP disciplina o tema de forma mais abrangente. As razões de veto,
portanto, demonstram que o perdão judicial pode ser aplicado também aos delitos da lei especial.” In: CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal, volume 2 : parte especial : dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o
sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. (arts. 121 a 212) / Fernando Capez. 5.ed. rev. e atual. São
Paulo : Editora Saraiva, 2005. p. 79.
65
c) na hipótese do art. 235 (bigamia), até mesmo pela rubrica do crime, percebe-se ser
delituosa a conduta de quem se casa duas vezes. Valendo-se da interpretação
extensiva, por questão lógica, pune-se, ainda, aquele que se casa várias vezes
(poligamia).
1º) Poligamia (vários casamentos), deveria ser abarcado pelo tipo penal incriminador
do delito de bigamia (art. 125 do CP, no texto original de Hungria e hoje art. 235 do CP);
2º) Rapto (art. 219 do CP, no texto original de Hungria, hoje revogado em todas as
suas variações pela lei nº 11.406 de 28-3-2005), “sem outra distinção que a referende aos
meios executivos, compreende não só o rapto per abductionem (com remoção da vítima de
um lugar para outro) como o rapto per obsidionem (com arbitrária retenção da vítima em
lugar onde fora por sua livre vontade)”104;
102
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 121.
103
HUNGRIA, Nélson. Comentário ao Código Penal: vol.1 T.1. Op. cit.: p.81.
104
Idem. Op. cit.: p.81.
66
105
FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. trad.: Manuel Domingues de Andrade. 3. ed.
Coimbra : Armênio Amado, 1978. p. 164 a 174.
106
BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal: Parte Geral. Trad. de Paulo José da Costa Jr. e Ada Pellegrini
Grinover. São. Paulo: Saraiva, 1964. p.61.
107
Matéria não assinada. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal. Universidade do Estado da
Guanabara. Notas e informações. Ano I, nova fase. Rio de Janeiro: 1964. p. 145 a 152.
67
assim o fizermos, corrermos o risco de ignorarmos a inexorável natureza do ser humano pela
busca do conhecimento, da real natureza do que nos cerca.
108
BETTIOL, Giuseppe. Op. Cit. p. 146.
68
Não se diferencia, o Direito Penal, dos demais ramos do direito quando da constatação
da existência de lacunas. Tanto que a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º,
admite, na falha ou omissão da lei, a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios
gerais de direito quando necessário.
Lato senso “lacuna” seria um estado de coisas – situação hipotética -, que não poderia
ser regulada pelo ordenamento, não se podendo afirmar se pertence ou se deve pertencer a ele.
Já em 1956 o jurista alemão Karl Engisch lança sua primeira edição da “Introdução ao
Pensamento Jurídico” e conceitua lacuna normativa como sendo uma “incompletude
insatisfatória no seio do todo jurídico”109. A incompletude é um todo não findo, uma falta,
uma insuficiência que não deveria ocorrer ou ter ocorrido, dentro da totalidade de sistema
positivado.
109
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico / Fundação Calouste Gulbenkian. 3ª ed. Lisboa : Calouste
Gulbenkian, 1964. p.223.
110
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 3ª edição, Coimbra, 1974, p. 341.
111
Kelsen apóia-se no fundamento de que o que não está proibido, é permitido, descrevendo tal situação como
“regra negativa” ou, em outras obras doutrinárias como “liberdade jurídica negativa”. KELSEN, Hans. In: Teoria
Pura do Direito. Op. cit. p. 338 e 339.
69
jurídico positivo. Porém o autor admite a existência do “domínio vazio do Direito”112, onde se
situariam os fatos intencionalmente não regulados pelo legislador. Ao deixar de normatizar
positivamente uma situação hipotética, o Poder legislativo o faria em animus de caráter
proposital, que enceraria em si razões específicas: consciência da deficiência de técnica
legislativa, compreensão de não regular desde logo uma matéria, noção das imprevisibilidades
de todas as situações que envolvam o tema desde a elaboração da lei até possíveis
interpretações ab-rogantes.
Os autores que defendem a existência das lacunas, subdividem-se naqueles que crêem
em lacuna na lei ou lacuna formal e, os que admitem além daquela, lacuna no próprio direito,
ou seja, lacuna material.
Dentre os adeptos unicamente da teoria que admitem a lacuna formal estão Serpa
Lopes113, Karl Engish114 e Karl Larenz115, entre outros. Os autores ora citados acreditam
existir unicamente lacunas formais; vez que a analogia, costumes, eqüidade e princípios gerais
de direito, seriam aptos a regular os casos fáticos não previstos expressamente, e ilidindo a
possibilidade de que de magistrados atuem como legisladores. Crêem também na
impossibilidade humana do legislador de prever todos os fatos concretos da vida, embora isto
não signifique a existência de lacunas no Direito, o que representaria em tese, uma falha na
totalidade jurídica do sistema. O que seria inadmissível. A solução esperada seria a integração
por meio de uma, ou, reiteradas decisões judiciais que a integrem a norma jurídica.
112
KLUG, Ulrich. In: Observations sur le problème des lacunes en Droit, Le Problème des Lacunes en Droit.
Bruxelas : Chaim Perelman, 1968. p. 85 e 86.
113
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. p. 181.
114
ENGISH, Karl. Op. cit. p. 227.
115
LARENZ, Karl. In: ENGISH, Karl. Op. cit. p. 286.
116
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à ciência do direito, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p.143.
70
Na prática forense se um magistrado não alcança, seja pelas normas postas, seja pelos
meios tradicionais de interpretação da lei - inerentes a cada ramo específico de sua matéria-,
uma decisão aceitável ao caso concreto, há que se servir de outros meios para a solução da
ação proposta à apreciação do Judiciário, pois não pode deixar prestar jurisdição legal
alegando inexistência de direito (artigo 4ºde LICC e outras normas correlatas)117. Mas,
especificamente, em matéria penal podemos dizer que a pretensão existe, ou é procedente em
parte, ou simplesmente não existe.
Nisto consiste então o exercício de integração que obraria no sentido sanar a lacuna da
lei. A Integração proposta por von Savigny, nestes moldes, seria a legitimação do Poder
Judiciário em resposta a omissão do poder legislativo, suprindo essa lacuna, e criando uma
“lei” que respeite a constituição (vide capítulo anterior item 3.3.2.1 - Interpretação segundo o
interprete ou quanto ao sujeito). Negamos, categoricamente que haja, nestes casos,
interferência do Poder Judiciário nas atribuições privativas do Poder Legislativo, antes disso,
deve-se ter em mente que a objetividade da prestação jurisdicional exarada pelo magistrado ao
“elaborar” norma para promover a concretização do direito aplicável ao caso concreto, é,
observando, claramente, o respeito ao mandamento magno, de buscar na própria Lei Máxima,
os fundamentos para a concretização de norma que carecia de uma regulamentação.
117
Art. 126 do Código de Processo Civil, redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973; in verbis: “O juiz não se
exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á
aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”; e
Art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal Brasileira de 1988, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiáriolesão ou ameaça de direito;”
71
democrática. É óbvio que tal atitude não é simpática aos inimigos da democracia. A
estes, nada melhor que juízes autômatos, dóceis ou indiferentes aos caprichos e
desmandos deles. Felizmente, a consciência democrática vem produzindo cada vez
mais, dentro e fora da magistratura, uma mentalidade renovadora do papel do juiz na
sociedade e dos relevantes escopos desempenhados no correto exercício do poder
que este exerce. Isso vem ensejando o engrossar das fileiras dos magistrados que,
prudente e inteligentemente, vão abrindo espaços à verdadeira justiça, [...]118.
118
GOMES, Sérgio Alves. Hermenêutica jurídica e constituição no estado de direito democrático. 2.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p.59 e 60.
119
Neste sentido, se faz útil ao estudo hermenêutico do Direito Penal, os critérios constitucionais e tributários
que traduzem a síntese do Direito Público e suas as regras de integração. Nos é novamente conveniente,
relembrarmos o caráter essencialmente patrimonialista da cultura jurídica romana e por conseqüência a luso-
brasileira, de forma que encontramos no artigo 108 do Código Tributário Nacional uma emblemática formula de
aplicação da integração em Direito Público, in verbis: “Na ausência de disposição expressa, a autoridade
competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; II - os
princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade.
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.”
Fica assim estabelecida pelo legislador a “integração da legislação tributária”, que tem lugar quando da
inexistência de norma expressa que verse sobre matéria de lide proposta. Fica patente a significação do vocábulo
“Integrar” em uma acepção cognitiva de compor, completar, tornar inteiro. A percepção do legislador de sua
incapacidade de onisciência para prever todos casos concretos possíveis, faz com que ele abra azo a expedientes
integrativos, o que não seria alcançado por trabalhos intelectivos de simples interpretação extensiva. Deve-se
então, suprir as lacunas mediante a utilização, taxativa e estritamente - numerus clausus - na ordem em que são
descritos pelo art. 108 do CTN, de um dos métodos ali descritos. Em suma, se o operador do direito, vê-se diante
de norma expressa que permita a solução de um caso concreto, mesmo que parcialmente, pode utilizar-se das
interpretações restritivas ou extensivas. Doutra feita, quando está diante de ausência de norma expressa, há que
se utilizar a integração. Obter-se-i-a, mediante o disposto em lei, o seguinte roteiro:
1º – Aplica-se a integração por analogia;
2º – Em seguida tenta-se aplicar os princípios gerais de Direito Tributário;
3º – Os princípios gerais de Direito Público;
4º – Por último recurso, deve-se lançar mão da eqüidade.
72
[...] os princípios gerais de direito não são preceitos de ordem ética, política,
sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor
genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua explicação e
120
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. v. 1 São Paulo: Max Limonad, 1952. p.605 e 606.
121
DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. 4.ed. São Paulo : Editora Saraiva, 1997. p.221.
122
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Op. cit. p.455 e 456.
123
Art. 1º do Código Penal, redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho 1984; in verbis: “Não crime sem lei
anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
124
DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. Op. cit. p. 214 a 217.
73
integração, sendo que algumas são de tamanha importância que são expressamente
contidas em lei125.
125
DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. Op. cit . p.190 e 198.
126
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 7 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1955. p.36.
127
DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. Op. cit . p.202
74
No que tange a matéria, é prudente que nos socorramos à Aristóteles, segundo o qual a
equidade faria parte da idéia de justiça, indo além da letra fria da lei ao procurar assegurar-se
de que o espírito da lei seria aplicado. O filósofo defenderia então, a equidade, como a norma
aplicada pelo julgador quando cotejada em face de um hipotético “caso individual”, ou seja, é
a justiça do caso particular, destinando-se a abrandar, mitigar, o rigor excessivo da lei positiva
através do bom senso. Para tanto, exemplifica a possibilidade de aplicação da equidade,
comparando-a a um engenhoso instrumento de geometria de sua época:
“ [...] o eqüitativo, embora seja melhor que uma simples espécie de justiça, é em si
mesmo justo, e não é por ser especificamente diferente da justiça que ele é melhor
do que o justo. A justiça e a eqüidade são portanto a mesma coisa, embora a
eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas
não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal. A razão é que toda lei
é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta
em relação a certos casos particulares. Nestes casos, então, em que é necessário
estabelecer regras gerais, mas não é possível fazê-lo completamente, a lei leva em
consideração a maioria dos casos, embora não ignore a possibilidade de falha
decorrente desta circunstância. E nem por isto a lei é menos correta, pois a falha não
é da lei nem do legislador, e sim da natureza do caso particular, pois a natureza da
conduta é essencialmente irregular. Quando a lei estabelece uma regra geral, e
aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde
o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão,
dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído
em sua lei se houvesse previsto o caso em questão. Por isso o eqüitativo é justo, e
melhor que uma simples espécie de justiça, embora não seja melhor que a justiça
irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames).
Então o eqüitativo é, por sua natureza, uma correção da lei onde esta é omissa
devido à sua generalidade. De fato, a lei não prevê todas as situações porque é
impossível estabelecer uma lei a propósito de algumas delas, de tal forma que às
vezes se torna necessário recorrer a um decreto. Com efeito, quando uma situação é
indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de
chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e
não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica”129.
128
Dicionário técnico jurídico / organização Deocleciano Torrieri Guimarães. Op. Cit. p.537. [...] É
compreendida como a equidade de que nos falam os romanos: jus esta rs boni et Aequi. E o bom, que vem do
que é direito, está na reta razão ou na razão direita, pode ter complemento na razão absoluta ou no que é
eqüitativo. É um abrandamento ou a benigna e humana interpretação da lei, para sua aplicação.
129
Aristóteles, "Ética a Nicômaco". in: Coleção Os Pensadores, vol. 3, Editora Nova Cultural, São Paulo, 1996.
p.212 e 213.
75
a) art. 1.075, IV, do CPC, ao autorizar aos árbitros para julgarem por equidade;
b) art. 1.100, VI, do CPC, ao cominar nulidade para o laudo arbitral proferido por
equidade sem autorização;
c) art. 1.095, II, do CPC ao erigir como requisito essencial do laudo a menção de que
foi a decisão proferida por equidade;
Torna-se claro do até aqui examinado, que a eqüidade não é somente um simples
método ou técnica de interpretação, mas sim um pressuposto lógico da atividade
interpretativa, haja vista que, se a finalidade do Direito é a realização concreta da Justiça, toda
interpretação de suas normas deve respeitar esse fundamento teleológico, ou seja, ser
130
Art. 127 do Código de Processo Civil, in verbis: “O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”.
131
Art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis: “As autoridades administrativas e a Justiça do
Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por
analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e,
ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de
classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária
do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.”
132
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2004.
p.178.
76
eqüitativa de maneira a tender para o justo e correto. Aequitas sequitur legem133, nunca
contrariando a lei.
133
Dicionário técnico jurídico / organização Deocleciano Torrieri Guimarães. Op. Cit. p.537. [...] A eqüidade
acompanha a lei [...].
134
MENDONÇA, Jacy de Souza. Introdução ao estudo do direito / Jacy de Souza Mendonça. São Paulo : Editora
Saraiva, 2002. p.34. [...] a suprema virtude e a verdadeira sabedoria consistem em obedecer, nas palavras e atos,
a este logos universal, isto é, à natureza.
135
CAVALLIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia. Rio de Janeiro : Forense, 2001. p.1. Ensina-nos o
professor Cavallieri Filho: [...] O direito é um conjunto de idéias ou princípios, eternos, uniformes, permanentes,
imutáveis, ou outorgados ao homem pela divindade, quando da criação, a fim de traçar-lhe o caminho a seguir e
ditar a conduta a ser mantida.
77
A contribuição da Idade Média, neste campo, nos foi ofertada por meio das obras do
frade dominicano e teólogo italiano Tomáz de Aquino, que em sua Summa Theologica136
firmava as bases do Direito Natural consubstanciadas nas seguintes afirmações: I - Lei Eterna:
a lei Eterna é a razão divina que governa o mundo; II - Lei Natural: A lei natural é o modo
como uma ordem cósmica emanada de Deus manifesta-se na criação, que é a criatura dotada
de razão (ou seja, o homem). Há um preceito único e genérico do qual a razão deduz todos os
outros: bonum faciendum, male vitandum (fazer o bem e evitar o mal); III - Lei Humana: A lei
humana abrange todos os preceitos particulares derivados das leis naturais que a razão
humana consegue inferir em diversas circunstâncias, para enfrentar as diversas situações
criadas pelo relacionamento entre pessoas; IV - Lei Divina ou Revelada: A mais alta forma de
participação aos homens. A lei divina, enquanto lei revelada, é expressão da lei eterna, e não
se confunde nem se identifica com esta.
A importância das teorias do Direito Natural são de suma importância quando se lhe
atribuímos sua justa colaboração ao nortear as devidas imposições axiológicas às Ciências
Jurídicas, em especial no que se refere as necessidades humanas dos atores da lide penal. Seus
questionamentos permitiram um sistemático estudo dos valores jurídicos que indicaram um
rumo às discussões atinentes a justiça e aos princípios balizadores de um direito
pretensamente justo138.
Não obstante a suas vitórias, teve também o Jusnaturalismo seus fracassos nesta busca
da delimitação de um Direito justo; não são satisfatórios seus fundamentos e propostas em
fixar as fronteiras entre o que é de direito, o que seria legítimo e o que representaria a
expressão de justiça em face dos dois primeiros valores. Por ser essencialmente ligado ao
mito, ou seja, por lastrear-se em postulados metafísicos sua epistemologia jurídica mostrou-se
136
TOMÁS, de Aquino, Santo. In: Summa Theologica, I, XCVI, 4. Escritos Políticos de Santo Tomás de Aquino.
Petrópolis : Editora Vozes, 1995.
137
LIMA, Hermes. In: Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2000. p.210.
138
CASTRO, Auto de. A ideologia jusnaturalista: dos estóicos à O.N.U. Salvador : S. A. Artes Gráficas, 1954.
p.28.
78
frágil frente aos questionamentos da teoria do conhecimento. E, mesmo que entre seus
defensores hajam ateus declarados, seus alicerces de ordem quase que exclusivamente morais
mostram-se inconsistentes frente a velocidade das inevitáveis mudanças axiológicas inerentes
as civilizações.
O lume humanista libertário de igualdade fraternal, foi o refrão que embalou a luta do
povo francês contra o absolutismo e sua “Declaração dos Direitos do homem e do
Cidadão”139. A mesma retórica foi utilizada por ocasião da Confederação da Filadélfia,
quando da elaboração da Constituição norte-americana. Seguindo a mesma lógica, e
concretizando os anseios da sociedade brasileira que emergia de um “Estado de Exceção”, o
poder constituinte de 1987/88, positivou pensamentos de teor semelhantes e levou ao status
de cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais.
Ora, nos deparamos novamente sob a dúvida do início do item anterior (Poderia a
norma positiva, enquanto pretender-se vigente e eficaz, ir de encontro a própria natureza
humana?). Porém agora, dotados de subsídios importantes, teremos mais embasamento para
respondê-la.
139
Alguns autores afirmam que os revolucionários de 1789 travestiram-se de súditos do Império Romano ao
elaborarem “Os Direitos Universais do Homem e do Cidadão”, pois embora tivessem sido por eles mesmos
redigida, teriam eles mesmos, seus signatários, a ignorado logo após sua formulação – vide o Reino do Terror
instaurado pelos mesmos revolucionários.
79
Vida - Movitae) e a Igreja Católica. Tramita em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510 de 30.05.2005, que questiona o artigo 5º da
Lei 11.105/05, chamada Lei de Biossegurança, in verbis:
Nesta lide, mais que uma questão de divergência de interpretação da lei penal especial
nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (Lei de Biosegurança) ou de constitucionalidade da norma
objeto da ADIN supra citada, estabeleceu-se um debate de valores axiológicos da mesma
grandeza: a vida humana. De um lado pesquisadores, portadores de várias doenças (distrofia
muscular, síndrome pós-pólio, atrofias medulares, esclerose lateral amiotrófica e
traumatismos neurológicos graves, entre outras enfermidades) e seus familiares e, de outros,
segmentos da sociedade que baseiam-se em dogmas morais e religiosos para tornar ilegal a
“utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por
fertilização in vitro”.
140
Art. 15 da Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997; in verbis: “Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou
partes do corpo humano: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Parágrafo único.
Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”.
80
141
FONTELES, Cláudio Lemos. Petição Inicial da ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3510, protocolada
em 30.05.2005 ao Superior Tribunal Federal. Transcrição de trechos: [...] I – Do preceito normativo impugnado:
1. É o que se faz presente no artigo 5º e parágrafos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 [...] II – Dos textos
constitucionais inobservados pelo preceito retro transcrito: 1. Dispõe o artigo 5º, caput, in verbis: Art. 5º Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:; 2. Dispõe o artigo 1º, inciso III, verbis: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: IIII – Dignidade da pessoa humana. III – Da fundamentação por
Inconstitucionalidade material: 1. A tese central desta petição afirma que a vida humana acontece na, e a partir
da, fecundação.
142
D'AGOSTINO, Rosanne. STF decide sobre células-tronco entre a fé e a ciência. Site Ultima Instância, de
04.03.2008. Disponível em [http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/48206.shtml], consultado em 10 de março
de 2008. “Religião. A possibilidade promete incitar os lados emocional e religioso inerentes ao caso. A CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) enviou carta a todos os ministros na qual pede que votem pela
inconstitucionalidade da lei. Este ano, o lema da Campanha da Fraternidade é “Escolhe, pois, a vida” —
referência à luta da entidade contra temas polêmicos como o aborto e a própria utilização de células-tronco em
pesquisas.
A maioria dos 11 ministros do STF é católica, embora nenhum admita que a religião irá influenciar na decisão.
Apenas o ministro Menezes Direito é militante e declaradamente contra a utilização de células-tronco em
pesquisas. Posição resguardada em razões sólidas e técnicas, garantiram juristas quando tomou posse.
O Supremo ainda irá julgar caso semelhante envolvendo o direito à vida, mas alguns ministros já sinalizaram
suas posições sobre o tema ao admitirem, em 2005, a ADPF (argüição de descumprimento de preceito
fundamental) 54. Nela, discute-se a permissão do aborto no caso de anencefalia.
Os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, a atual presidente da Corte, Ellen Gracie, e Carlos Velloso (aposentado)
votaram para que nem o mérito da ação fosse julgado. Para eles, o problema deve ser resolvido pelo Congresso,
já que ainda não há lei vigente sobre a questão”.
143
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico / Genival Veloso de França. – 5.ed. – São Paulo : Fundação
BYK, 1992. p. 345. “A Moral e o Direito não são freios às conquistas da ciência, mas uma forma conciliatória de
harmonizar o progresso tecnológico e científico com os interesses do indivíduo e da comunidade.”
144
FRANÇA, Genival Veloso de. Op. Cit. p. 346. “Não se pode negar que a coletividade esteja diretamente
interessada no progresso das ciências, e que todos devem colocar à disposição da pesquisa científica os meios
que lhe são indispensáveis. No entanto, é necessário saber sempre se esse interesse não se sobrepõe aos
81
Para melhor explanação das teses científicas acerca do início da vida, que é o centro
desta questão, é imperiosa a necessidade de transcrição de trecho do parecer que instrui a
ADIN nº 3510, da lavra de seu propomente o então Subprocurador-Geral da República Lemos
Fonteles, in verbis:
21. A Profª. Flavia Piovesan fez registrar que dessa resposta não se eximiu a
Suprema Corte americana quando, no caso Roe v. Wade, em 1973, a partir do 3º
mês de gestação marcou a existência humana: a vida (fls. 203).
22. Mencionada a profa. Flavia Piovesan reproduzo suas palavras a que possa fazer
necessário registro, verbis:
inconvenientes que certamente tais experiências podem trazer ao homem. Mesmo que a sociedade venha a ter
interesse sobre determinada pesquisa experimental, não se justifica tal procedimento. Devem-se criar situações
em que se equilibrem os interesses da coletividade e do indivíduo em si mesmo”.
82
Do direito brasileiro não se extrai que o embrião seja considerado forma inicial de
vida humana passível de proteção jurídica. O embrião, para o positivismo jurídico
brasileiro, não é considerado pessoa, definindo o Código Civil que a personalidade
civil é dada após o nascimento com vida. Ainda que a lei coloque a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro, faz-se necessário esclarecer que o nascituro é
aquele destinado a nascer, implantado em um útero materno.” (fls. 202/204)
23. É certo que sou, por opção religiosa, católico, como muito provavelmente a
profa. Dra. Mayana Zatz e o advogado-geral adjunto Shalon Eintoss Granado, que a
il. Professora menciona, por mais de uma vez (fls. 236 e 241), devam ter tido
formação judaica que, como disse a profa. Flavia Piovesan, entende a vida só no
acontecer extrauterino (fls. 203), mas, data maxima venia, do que disse a profa.
Flavia Piovesan no trecho retro transcrito, o tema como aqui tratado nada,
absolutamente nada, tem de religioso e, portanto, não há qualquer pertinência na
argumentação sobre a preservação do Estado laico.
24. O que desenvolvo, e o fiz a partir do item 11 e ss. deste parecer é que:
145
FONTELES, Cláudio Lemos. Trecho do parecer que instrui a Petição Inicial da ação Direita de
Inconstitucionalidade nº 3510, protocolada em 30.05.2005 ao Superior Tribunal Federal.
83
“Os judeus acreditam que a vida só começa quando o embrião se agarra ao útero.
Entre os evangélicos, há duas correntes principais: uma apóia as pesquisas com
embriões porque considera que a vida só começa a partir da formação do sistema
nervoso, cerca de duas semanas após a concepção. Outra defende a preservação do
embrião desde o encontro do espermatozóide com o óvulo, posição idêntica à da
Igreja Católica.” (Matéria: “A Guerra das Células-Tronco”, Jornalistas Cristiane
Segatto e Maíra Termero, Revista Época, n° 335, edição de 18/10/2004, p. 103)
Tese: a vida começa com a primeira divisão natural do zigoto, o que ocorre cerca de
01 (uma) hora após a fecundação (a fecundação, por sua vez, ocorre cerca de 02
(duas) horas após o ato sexual).
Tese: a vida começa a partir da 15ª (décima-quinta) semana de gestação, pois até
então ocorrem casos de aborto espontâneo. A propósito, a maioria dos países que
admitem legalmente o aborto adota este parâmetro temporal para autorização da
interrupção do feto.
Em hipótese, uma jovem incauta não se previne adequadamente e, seu namorado – não
menos descuidado – são responsáveis por uma gravidez indesejada. Tomam conhecimento do
fato por meio de um teste de gravidez descartável, adquirido em qualquer farmácia, logo após
os primeiros dias de atraso do ciclo menstrual da jovem e, já tendo a certeza da condição
gestacional, resolvem de comum acordo que a moça aborte e executam. Em tese, ação se
amoldaria, sempre fundamentados no princípio da reserva legal e da taxatividade penal, no
crime previsto pelos arts. 124 e 126 do CP147 sob as nomenclaturas “Aborto provocado pela
gestante ou com seu consentimento” e “Aborto provocado por terceiro”, respectivamente para
a gestante e seu namorado.
146
MORAES OLIVEIRA, Leonardo Henrique Mundim. Trecho do expediente de informações prestadas pelo
Advogado-Geral da União em resposta a solicitação, via ofício nº 2685/R de 14.06.2005, do Ministro Carlos
Ayres Britto, relator da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3510, protocolada em 30.05.2005 ao Superior
Tribunal Federal, Apud: “Fonte dos itens 01.1 a 01.5: matéria publicada na revista Super-Interessante, ano 15, n.º
04, edição de abril/ 2001”.
147
Art. 124 do CP, in verbis: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena -
detenção, de um a três anos”. Art. 126 do CP, in verbis: “Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena
- reclusão, de um a quatro anos”.
85
A lei não faz distinção entre óvulo de fecundado (3 primeiras semanas de gestação),
embrião (3 primeiros meses) ou feto (a partir de 3 meses), pois em qualquer fase da
gravidez estará configurado o delito de aborto, quer dizer, entre a concepção e o
início do parto. [...] Problema interessante é o do embrião conservado fora do útero.
[...] Na hipótese de embriões mantidos fora do útero, em laboratório, há um vácuo na
legislação. [...] Trata-se portanto de fecundação fora do corpo da mulher. Com isso,
opera-se a fecundação, após o que óvulo retirado da mulher. Com isso, opera-se a
fecundação, após o que o óvulo fecundado é recolocado no útero. Trata-se, portanto,
da fecundação fora do corpo da mulher, ou seja, em um recipiente (in vitro). Durante
esse processo, alguns embriões (óvulos fecundados) não são aproveitados e acabam
por não retornar ao ventre feminino, permanecendo armazenados nas clínicas de
reprodução, sem destino certo. Trata-se dos chamados embriões excedentários, quais
sejam, aqueles que são congelados e não utilizados pelo casal no processo de
inseminação artificial, em razão do sucesso da gravidez obtida, ou da desistência do
casal. Pois bem. Nesses casos, sua destruição configuraria o delito de aborto?
Entendemos que sua eliminação não configura aborto, uma vez que não se trata de
vida intra-uterina (o feto está fora de útero) – o Direito Penal não admite analogia
em norma incriminadora – nem homicídio, pois o embrião não pode ser considerado
pessoa humana. Como não se trata de coisa, não se pode falar em crime de dano,
razão pela qual o fato é atípico (pelo mesmo motivo, impossível também o crime de
“furto de embrião”). Finalmente, deve-se consignar que não há que se falar em
gravidez fora do organismo humano, daí porque não existe interrupção da gravidez
e, por conseguinte, aborto, com a destruição de embriões estocados em vidros ou
qualquer outro receptáculo.148
Caso o voto do Ministro Ayres Brito, sui generis, for referendado pelos demais
ministros na votação da ADIN nº 3.510/2005, teremos uma nova referência para o conceito do
início da vida humana, conforme pode se deduzir do teor de seu voto:
Para se ter uma referência jurídica possível destinada a verificar quando a vida humana
tem seu início, basta verificar qual critério normativo e cultural destinado a apontar quando a
148
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2 : parte especial : dos crimes contra a pessoa a dos
crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. (arts. 121 a 212) / Fernando Capez. 5.ed.
rev. e atual. São Paulo : Editora Saraiva, 2005. p. 108 e 109.
86
vida termina. Conforme prescreve o art. 3º caput da Lei 9.434/97, a morte encefálica é
definida por resolução do Conselho Federal de Medicina. Referido conselho, ao estabelecer
que a morte encefálica seja caracterizada através da realização de exames clínicos e
complementares durante intervalos de tempo variáveis, considera que a parada total e
irreversível das funções encefálicas equivale a morte e por via de conseqüência das funções
neurais, assim a vida humana termina. Logo, se a vida humana termina com a cessação da
atividade nervosa, podemos concluir que a mesma começa quando se inicia tal atividade.
Podemos então afirmar, em face da legislação em vigor, que a vida humana inicia-se quando
começa o sistema nervoso, ou seja, a partir do 14º dia de gestação.
149
Art. 17 do CP, in verbis: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossivel consumar-se o crime”.
150
JESUS, Damásio de. In: Crime Impossível e Imputação Objetiva. Site “Complexo Jurídico Damásio de Jesus”
Disponível em: [http://www.damasio.com.br/?page_name=art_005_2001&category_id=35#16t]. Acesso em: 19
ago. 2007.
87
De tal sorte que, dependendo da decisão prolatada pelo STF nesta matéria, as posições
doutrinárias paritárias à ulteriormente mencionadas irão para as calendas gregas.
51. Passa por este ponto de inflexão hermenêutica, certamente, uma das razões pelas
quais o sempre lúcido ministro Celso de Mello assentou que a presente ADIN é a
causa mais importante da história deste Supremo Tribunal Federal (ao que se sabe, é
a primeira vez que um Tribunal Constitucional enfrenta a questão do uso científico-
terapêutico de células-tronco embrionárias). Causa cujo desfecho é de interesse de
toda a humanidade. Causa ou processo que torna, mais que todos os outros, esta
nossa Corte Constitucional uma casa de fazer destino. Pois o que está em debate é
mais que a natureza da concepção ou do biológico início do homo sapiens. Mais do
que a precisa conceituação jurídica de pessoa humana, da procriação responsável e
dos valores constitucionais da saúde e da liberdade de expressão científica. [...]
70. É assim ao influxo desse olhar pós-positivista sobre o Direito brasileiro, olhar
conciliatório do nosso Ordenamento com os imperativos de ética humanista e justiça
material, que chego à fase da definitiva prolação do meu voto. Fazendo-o, acresço às
três sínteses anteriores estes dois outros fundamentos constitucionais do direito à
saúde e à livre expressão da atividade científica para julgar, como de fato julgo,
totalmente improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade. Não sem
antes pedir todas as vênias deste mundo aos que pensam diferentemente, seja por
convicção jurídica, ética, ou filosófica, seja por artigo de fé. É como voto.152
151
Código Penal Comentado / Celso Delmanto [et al]. – 7. ed atual e apl. – Rio de Janeiro : Renovar, 2007.
p.128.
152
AYRES BRITTO, Carlos. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto com relação a ADIN nº 3510/2005. Trechos
do voto. Disponível em [www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510relator.pdf], consultado
em 25 de março de 2008.
88
desta “gestação” com a eliminação do citado produto da concepção. Neste caso formulamos
as seguintes indagações:
2 – Digamos que o citado ser tivesse “nascido artificialmente” com vida e dias depois
fosse morto por um estranho. Teria ocorrido homicídio?
Ambas as situações não estão previstas em nosso código penal, portanto, estamos
diante de uma lacuna da lei, isto porque o “ser” eliminado não estava sendo gerado por
mulher (intra-uterino), razão pela qual não podemos tipificar a conduta como aborto. Deve-
se, também, afastar a hipótese de homicídio doloso, porque nele a ação nuclear é “matar
alguém”, ou seja, o “ser vivo nascido de mulher”.
153
RAVANELLI, Antônio. Latim Vivo: aforismos jurídicos, expressões consagradas, frases célebres,
provérbios, curiosidades. 3.ed. / Antônio Ravanelli. São José dos Campos : UNIVAP, 2005. p. 208. “Onde há
sociedade, há o Direito”.
154
Vários autores, sem referência específica. In: Grande dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa –
Obra parcialmente derivada da “Grande Enciclopédia Larousse Cultural”, verbete evolução. Op. cit. p.408.
155
Seleção natural é um processo da evolução proposto por Charles Darwin e aceito pelo mainstream da
comunidade científica como a melhor explicação para a adaptação e especialização dos seres vivos como
evidenciado pelo registro fóssil. O conceito básico de seleção natural é que características favoráveis que são
hereditárias tornam-se mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se
reproduzem, e que características desfavoráveis que são hereditárias tornam-se menos comuns. Com o passar do
90
preconizava que os indivíduos de uma espécie que apresentam maior adaptação e condições
de sobrevivência em seu habitat têm maiores chances de perpetuar-se. Da mesma maneira o
justo, como sinônimo de correto, na prática pode não ser o mais conveniente, mas pode
perpetuar-se.
tempo, esse processo pode resultar em adaptações que especializarão organismos em nichos ecológicos
particulares e pode eventualmente resultar na emergência de novas espécies.
156
ENCARNAÇÃO, João Bosco da, 1958 - . Que é isto, o Direito? : introdução à Filosofia Hermenêutica do
Direito / João Bosco da Encarnação. 3.ed. São José dos Campos, SP : Stiliano, 2001. p.145 e 146.
91
Por óbvio, na busca de alcançar os melhores valores, busca-se a justiça como ideal do
Direito. Mas justo para quem? A justiça que beneficia um pólo processual quase que
invariavelmente impinge um ônus ao outro litigante, se não, ao menos o ônus de perdedor da
disputa judicial. Apresenta-se então, na prática atual, um Direito conveniente nos moldes
157
SILVA, De Plácido e. Op. cit. p. 402. “[...] Em sentido amplo, significa a mera possibilidade de ser imputável
ao agente a autoria do delito, penal ou civil [...]”.
158
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1 : parte geral : (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. 12.ed.
de acordo com a lei 11.466/2007. São Paulo : Editora Saraiva, 2008. p. 299 e 327.
159
TEIXEIRA, António Braz. Filosofia do Direito. Lisboa: Associação Acadêmica Faculdade de Direito, 1983.
p. 332 e 333. “[...] se a Justiça é o princípio ontológico do Direito, o valor que o fundamenta e o ideal que ele
visa realizar, não é, no entanto, o único valor ou o único fim que o Direito serve ou procura tornar efectivo.
Assim é corrente atribuir-lhe outros fins ou indicar outros valores como jurídicos. É o que acontece com a
ordem, a paz, a liberdade, o respeito pela personalidade individual, a solidariedade ou a cooperação social e a
segurança como fins do Direito ou como valores jurídicos que coexistem com a Justiça no firmamento
axiológico do Direito, conveniente se tornando, por isso, estudar o modo como com ela se articulam e
compatibilizam”.
160
ENCARNAÇÃO, João Bosco da, 1958 - . Op. cit. p.152.
92
“Mas sobre o que não posso silenciar é que os inconvenientes da infração legislativa
não são menores do que os devidos à inflação monetária, são, como todos sabem, os
inconvenientes da desvalorização. Por infelicidade, da mesma forma que nossa lira
(moeda italiana), também nossas leis valem hoje menos do que as de outros tempos.
Por um lado, a produção das leis, como a produção das mercadorias em série,
resolve-se em uma decadência no cuidado em sua construção. Mas o mais grave está
em que, ao crescerem de número, não conseguem mais preencher sua função.
Lembre-se de que esta função consiste em dar aos homens a certeza do direito, ou
seja, em lhes fazer saber o que devem fazer e não fazer e a quais conseqüências se
161
SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Inflação Legislativa por Ives Gandra da Silva Martins. Site:
Juristas.com.br, de 27.10.07. Disponível em [http://juristas.com.br/a_3163~p_1~Infla%C3%A7%C3%A3o-
Legislativa], consultado em 25 de fevereiro de 2008.
93
expõem fazendo ou não fazendo. A este fim é necessário que as leis possam, antes
de tudo, ser conhecidas, mas como faz um cidadão, hoje, para conhecer todas as leis
de seu país? Não mais o homem da rua somente, nem mesmo sequer os juristas, está
hoje em condições de conhecer mais do que uma pequena parte delas. O
ordenamento jurídico, cujo maior mérito deveria ser a simplicidade, veio a ser, por
infelicidade, um complicadíssimo labirinto no qual, freqüentemente, nem aqueles
que deveriam ser os guias conseguem se orientar”162.
Não temos a pretensão de, neste trabalho, explicar o que viria a ser crime organizado;
mesmo porque, não há em todo o arcabouço normativo nacional uma definição do que venha
a ser “organizações criminosas” ou “crime organizado”. Até 11 de abril de 2001, os crimes
desta natureza eram submetidos às penas e regras penais e processuais penais da Lei nº
9.034/95, após aquela data foram inclusas ao referido diploma legal as modificações impostas
pela Lei nº 10.207/2001. Há que se reparar que nem a Lei nº 9.034/95 e muito menos sua
modificadora, Lei nº 10.207/2001, explicam, definem ou mesmo, conceituam o que seja
crime organizado. Ao contrário, tentam equiparar os termos “quadrilha ou bando” (art. 288 do
CP163), “organizações criminosas” (art. 14 e 18, III da Lei nº 6.863/76 “Lei de Tóxicos”164 –
revogada pela Lei nº 10.259/2001) e “associações criminosas” (art. 2º da Lei 2.889/56
“associação para prática de genocídio”165), criando uma confusão sobre vocábulos de
162
CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o direito. 3.ª ed. Belo Horizonte: Cultura Jurídica/Líder, 2003. p. 44
e 45.
163
Art. 288 do CP, com redação alterada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990, in verbis: “Associarem-se mais de três
pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo
único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado”.
164
Art. 14 da Lei nº 6.863 de 21 outubro de 1976, in verbis: “Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim
de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei: Pena - Reclusão,
de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa” e art. 18 do
mesmo diploma legal, verbis: “As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3
(dois terços): III - se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a
quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de
autodeterminação”.
165
Art. 2º da Lei Nº 2.889, de 1 de OUTUBRO de 1956, in verbis: “Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para
prática dos crimes mencionados no artigo anterior: Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos”.
94
Da mesma forma que o item alhures, não existe uma definição jurídica para o que seja
terrorismo, apenas convivem de maneira pouco claras, várias convenções internacionais de
caráter parcial sobre o tema, de modo a não defini-lo em sua plenitude. Doutrinariamente
acredita-se que, tanto no âmbito do Direito Internacional, como no Penal e no Internacional
Penal, o terrorismo seria a “arma do fraco”166, dependendo do ângulo pelo qual se olhe, pode-
se chamar o mesmo movimento de terrorista ou de guerrilha. Mais comuns e notórios são os
atos de terrorismo espetaculosos, onde grupos extremistas cometem homicídios ou genocídios
contra um grande numero de pessoas. Não menos cruel e sanguinário são os denominados
atos de “Terrorismo de Estado”, comuns na recente história da América Latina167 e ao longo
de toda a história da humanidade, ocasiões em que governos espalham o terror entre os
cidadãos com o argumento de manter a estabilidade do regime. Para a consultora jurídica do
Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, a professora francesa Sarah Pellet, a questão do
terrorismo é tratada muitas vezes como uma forma agravada de prática de crimes comuns:
“[...] um estudo rápido mostra que a maior parte das legislações internas considera
que os atos terroristas, na sua maioria, são infrações de direito comum que ganham
uma característica terrorista em razão das motivações de seus autores. Se esta
motivação consiste em atentar gravemente contra as bases e princípios fundamentais
do Estado, destruí-las ou ameaçar a população, trata-se de atentado terrorista”168.
Desta forma, ou seja, seguindo uma tendência ignóbil de caráter mundial, o legislador
brasileiro em momentos diferentes regulou a matéria, mas também não definiu com clareza a
figura delituosa do terrorismo. Várias normas foram editadas e publicadas no na intenção de
coibir os crimes contra a “segurança nacional”, Decreto-Lei nº 431/1938 e Lei nº 1.802/1953.
A primeira vez que a expressão “terrorismo” fez parte da letra da lei foi no art. 25 do Decreto-
166
SILVA MARTINS, Ives Gandra da. O avanço do Terrorismo por Ives Gandra da Silva Martins. Site:
Juristas.com.br, de 12.12.06. Disponível em [http://www.juristas.com.br/a_2250~p_2~O-avan%C3%A7o-do-
terrorismo], consultado em 21 de janeiro de 2008.
167
Vide ANEXO I – Decreto Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969..
168
PELLET, Sarah. In: Terrorismo e Direito, apud: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo / Leonardo
Nemer Caldeira Brant (coord). Rio de Janeiro : Editora Forense, 2003. p.15 e 16.
95
169
Lei nº 314/1967 ; segundo sua ementa, definiria “os crimes contra a segurança nacional, a
ordem política e social”, decreto consignado pelo então presidente Castello Branco. Após a
publicação da última norma citada, com pequenas variações sobre o mesmo tema, outros
diplomas legais trouxeram a famigerada expressão, também sem defini-la: Decreto-Lei nº
510/1969; Decreto-Lei nº 898/1969; Lei nº 6.620/1978 e a que, hoje vigora, Lei nº 7.170 de
14 de dezembro de 1983.
Já em idos de 1958, Nelson Hungria preocupava-se com este fenômeno e tecia sua
críticas contra os expoentes do Direito de sua época. Exageros como as afirmações de
169
Art. 25 do Decreto-Lei nº 314 de 13 março de 1967, in verbis: “Praticar massacre, devastação, saque, roubo,
seqüestro, incêndio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem ou terrorismo; impedir ou dificultar o
funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização: Pena -
reclusão, de 2 a 6 anos. Parágrafo único. É punível a tentativa, inclusive os atos preparatórios, como delitos
autônomos, sempre com redução da têrça parte da pena”.
170
VENCHI, Maria Adelaide Carnevale. In: Contributo Allo Studio della Nozione di Funzione Pubblica, II/20,
Padova, CEDAM, 1974. p. U/4E. Tradução livre: “[...] na antiguidade clássica que se deve buscar a origem do
conceito de função. Com certeza, afirma-se que, como idéia, embora largamente utilizada na Alemanha e na
Itália, mesmo não sendo invenção nem da doutrina alemã, nem da doutrina italiana. Como mostraremos, surge -
de maneira rudimentar é verdade - com os gregos e romanos, só bem posteriormente ganhando maior destaque
na formulação dogmática dos pandectistas”.
171
REALE, Miguel. In: História do Novo Código Civil - Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 56. “Era uma espécie de idolatria do Direito Romano, tal
como se tem as pandectas de Justiniano. Caracteriza-se pela preocupação de dar aos problemas jurídicos um
tratamento estritamente jurídico, visando solucionar seus problemas somente mediante categorias do direito. Era,
de certa maneira, uma sistematização cerrada, fechada em uma compreensão individualista da juridicidade. Ao
contrário, nós, ao concebermos o Direito Civil como matriz do Direito Privado, pensamos em um sistema aberto,
no qual o rigorismo técnico cede lugar a um normativismo plástico e flexível em função da experiência histórico-
social”.
96
Carnelutti que em sua Teoria Generale del Reato, onde entre outras extravagâncias,
“descobre” fundamentos de “legitimação para o crime” e consegue conceituar a pena de morte
como sendo uma “desapropriação por utilidade pública”. Por tratar-se de idéias que captam o
cerne da busca perpetrada pelo Direito Penal172 são lições de extrema lucidez e modernidade
que merecem ser citadas:
172
Assim, utilizando como exemplo as palavras de Hungria, demonstramos que os valores de real importância ao
Direito permanecem imutáveis ao longo dos anos e séculos, da mesma forma que as normas bem formuladas não
são suscetíveis aos desgastes naturais do tempo ou as mudanças do eixo axiológico.
97
173
HUNGRIA, Nelson. "Os Pandectistas do Direito Penal", in "Comentários ao Código Penal", 4ª ed. Rio de
Janeiro : Editora Forense, 1958 - vol. I, t.II, 443 a 445.
98
CONCLUSÃO
Uma escola doutrinária jusfilosófica que, por muito tempo, foi feliz em integrar a
norma por meio da observação das necessidades humanas foi a do Direito Natural. O ritmo
das descobertas científicas e das alterações comportamentais impulsionadas pelas constantes
mudanças do eixo axiológico das sociedades, tem novamente trazido a tona temas dantes
considerados pacíficos. Assim sendo, a questão bioética suscitada pela ADIN nº 3510 de
30.05.2005, é um exemplo claro dessas Encruzilhadas das Ciências Jurídicas. A ação direta
de inconstitucionalidade supra referida, tem como objetivo escolher quais desafortunados
terão de ser sacrificados e privados de seu bem maior, seu direito natural indisponível: a vida.
100
Não obstante as discussões religiosas, éticas e científicas que norteiam o tema, chamamos a
atenção aos efeitos jurisprudenciais resultante da decisão do Excelsior Preator ao Direito
Penal Brasileiro. Qualquer decisão do STF que altere o entendimento sobre qual seria o
começo da vida, que seja divergente do hoje vigente, trará a excludente de tipicidade ao crime
de aborto e correlatos (art. 124 e subseqüentes do Código Penal), por ocorrer o crime
impossível, face a “impropriedade a absoluta do objeto” (art. 17 do mesmo Diploma Legal). A
decisão do STF será a porta aberta para outra forma da legalização do aborto em nosso país
sendo, portanto, um futuro marco histórico no Direito Penal Brasileiro.
bom comportamento. Para os ministros do STF (seis votos contra cinco), a legislação foi
considerada inconstitucional por ferir o princípio da individualização da pena, sendo que cada
caso será analisado separadamente.
• A falta de técnica legislativa, como ocorre com a Lei do Crime Organizado e todo o
conjunto de normas que tentam tipificar o crime de terrorismo.
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107
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de Aquino. Petrópolis : Vozes, 1995.
Vários autores, sem referência específica. In: Grande dicionário Larousse Cultural da
Língua Portuguesa – Obra parcialmente derivada da “Grande Enciclopédia Larousse
Cultural”, verbete valor. São Paulo : Editora Nova Cultural, 1999.
108
ANEXO I
Decretam:
CAPÍTULO I
Art. 1º Tôda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites
definidos em lei.
Art. 4º Êste Decreto-lei se aplica, sem prejuízo de convenções, tratados e regras, de direito
internacional, aos crimes cometidos, no todo ou em parte, em território nacional, ou que nêle,
embora parcialmente, produziram ou deviam produzir seu resultado.
174
Texto integral, inclusive ortografia utilizada na época, do Decreto-Lei nº 898 de 29 de setembro de 1969.
Disponível em [https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0898.htm], consultado em 12
de dezembro de 2007.
109
Art. 6º Aplica-se êste Decreto-lei ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora
do Brasil, ressalvadas as disposições de convenções, tratados e regras de direito internacional.
Art. 7º Na aplicação dêste decreto-lei o juiz, ou Tribunal, levará inspirar-se nos conceitos
básicos da segurança nacional definidos nos artigos anteriores.
CAPÍTULO II
Art. 9º Tentar, com ou sem auxilio estrangeiro, submeter o território nacional, ou parte
dêle, ao domínio ou soberania de outro país, ou suprimir ou pôr em perigo a independência do
Brasil:
Art. 10. Aliciar indivíduos de outra nação para que invadam o território brasileiro, seja qual
fôr o motivo ou pretexto:
Pena: Morte.
Art. 12. Concertarem-se mais de 2 (duas) pessoas para a prática de qualquer dos crimes
previstos nos artigos anteriores:
Art. 14. Formar, filia-se ou manter associação de qualquer titulo, comitê, entidade de classe
ou agrupamento que, sob a orientação ou com o auxílio de govêrno estrangeiro ou
organização internacional, exerça atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional:
§ 1º Obter ou procurar obter, para o fim de espionagem, notícia de fatos ou coisas que, no
interêsse do Estado, devam permanecer secretas, desde que o fato não constitua delito mais
grave:
Art. 16. Divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou
fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as
autoridades constituídas:
Art. 17. Falsificar, suprimir, tornar irreconhecível, subtrair ou desviar de seu destino ou uso
normal algum meio de prova relativo a fato de importância para o interêsse nacional:
Art. 19. Violar neutralidade assumida pelo Brasil em face de países beligerantes:
Art. 20. Destruir ou ultrajar bandeira, emblemas ou escudo de Nação, amiga, quando
expostos em lugar público:
Art. 21. Ofender publicamente, por palavras ou escrito, Chefe de Govêrno de Nação
estrangeira:
Art. 22. Exercer violência de qualquer natureza, contra Chefe de Govêrno estrangeiro,
quando em visita ao Brasil ou de passagem pelo território brasileiro:
Pena: morte.
Art. 23. Tentar subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim
de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo:
Art. 24. Promover insurreição armada ou tentar mudar, por meio violento, a Constituição,
no todo ou em parte, ou a forma de govêrno por ela adotada:
Art. 26. Impedir ou tentar impedir, por meio de violência ou ameaça de violência, o livre
exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados:
Art. 28. Devastar, saquear, assaltar, roubar, sequestrar, incendiar, depredar ou praticar
atentado pessoal, ato de massacre, sabotagem ou terrorismo:
Art. 30. Tentar desmembrar parte do território nacional, para constituir país independente:
Art. 31. Revelar segrêdo obtido em razão de cargo ou função pública que exerça,
relativamente a ações ou operações militares ou qualquer plano contra revolucionários,
insurrectos ou rebeldes:
114
Parágrafo único. Se o segrêdo revelado causar prejuízo às operações militares ou aos planos
aludidos:
Art. 32. Matar, por motivo de facciosismo ou inconformismo político-social, quem exerça
autoridade ou estrangeiro que se encontrar no Brasil, a convite do Govêrno Brasileiro, a
serviço de seu país ou em missão de estudo:
Pena: morte.
Art. 34. Ofender moralmente quem exerça autoridade, por motivos de facciosismo ou
inconformismo político-social:
Parágrafo único. Se o crime fôr cometido por meio de imprensa, radio ou televisão, a pena
é aumentada de metade.
Parágrafo único. Se o crime fôr cometido por meio de imprensa, rádio ou televisão a pena é
aumentada de metade, além da multa de 50 a 100 vêzes o valor do maior salário-mínimo
115
Pena: morte.
§ 1º Se os crimes previstos nos itens I a IV forem praticados por meio de imprensa, rádio
difusão ou televisão:
Pena: morte.
116
Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas o funcionário público que, direta ou
indiretamente, se solidarizar aos atos de cessação ou paralisação de serviço público ou que
contribua para a não execução ou retardamento do mesmo.
Art. 41. Perturbar, mediante o emprêgo de vias de fato, ameaças, tumultos ou arruidos,
sessões legislativas, judiciárias ou conferências internacionais, realizadas no Brasil:
§ 2º Se resultar morte:
Pena: morte.
Art. 42. Constituir, filiar-se ou manter organização de tipo militar, de qualquer forma ou
natureza, armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa:
Art. 43. Reorganizar ou tentar reorganizar de fato ou de direito, ainda que sob falso nome
ou forma simulada, partido político ou associação, dissolvidos por fôrça de disposição legal
ou de decisão judicial, ou que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança
nacional, ou fazê-lo funcionar, nas mesmas condições, quando legalmente suspenso:
Art. 44. Destruir ou ultrajar a bandeira, emblemas ou símbolos nacionais, quando expostos
em lugar público:
Parágrafo único. Se qualquer dos atos especificados neste artigo importar ameaça ou
atentado à segurança nacional:
Art. 46. Importar, fabricar, ter em depósito ou sob sua guarda, comprar, vender, doar ou
ceder, transportar ou trazer consigo armas de fogo ou engenhos privativos das Fôrças
Armadas ou quaisquer instrumentos de destruição ou terror, sem permissão da autoridade
competente:
Art. 47. Incitar à prática de qualquer dos crimes previsto neste Capítulo, ou fazer-lhes a
apologia ou a de seus autores se o fato não constituir crime mais grave.
Art. 48. Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente prêsa, em decorrência da prática
de cries previsto nesta Lei.
II - Ter sido o crime praticado com a ajuda de qualquer espécie ou sob qualquer título,
prestada por Estado ou organização internacional ou estrangeiro;
IV - Ter sido o agente, em época anterior ao delito, atingido por sanção aplicada de acôrdo
com os Atos Institucionais.
Art. 50. Para o efeito de cálculo da pena aplicável à tentativa, a pena de morte ou de prisão
perpétua equipara-se à de reclusão por 30 anos.
Parágrafo único. Quando a tentativa não constitui por si só crime, é punida com a pena
cominada a êste, reduzido de um a dois terços.
Art. 51. Quando ao crime fôr cominada pena de prisão perpétua, poderá o Conselho ou
Tribunal substituí-la pela de reclusão por 30 anos.
Art. 54. Nos crimes definidos nos arts. 16, e seus parágrafos, 34 e seu parágrafo único, 36 e
seu parágrafo único, 39 e seus parágrafos, 45 e seu parágrafo único e 47 e seus parágrafos, o
Ministro de Estado da Justiça, sem prejuízo da ação penal prevista neste Decreto-lei, poderá
determinar a apreensão de jornal, periódico, livro ou qualquer outros impresso, a suspensão de
sua impressão, circulação, distribuição ou venda, no território brasileiro, e, se tratar de,
radiodifusão ou de televisão, representar ao Ministro de Estado das Comunicações, para a
suspensão de seu funcionamento.
119
Parágrafo único. No caso de reincidência, praticada pelo mesmo jornal, periódico, livro ou
qualquer outro impresso ou pela mesma emprêsa ou por periódico de empresas diferentes,
mas que tenham o mesmo diretor ou responsável, ainda, o Ministro de Estado da Justiça
poderá determinar ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Jurídicas competente o
cancelamento do registro respectivo e, em se tratando de radiodifusão ou de televisão,
representar ao Ministro de Estado das Comunicações para a cassação da respectiva concessão
ou permissão, e ulterior cancelamento do registro.
Art. 55. A responsabilidade penal pela propaganda, subversiva independe da civil e não
exclui as decorrentes de outros crimes, na forma dêste Decreto-lei ou de outras Lei.
CAPÍTULO III
Do Processo e Julgamento
Art. 56. Ficam sujeitos ao fôro militar tanto os militares como os civis, na forma do art.
122, parágrafos 1º e 2º da Constituição, com a redação dada pelo Ato Institucional nº 6, de 1º
de fevereiro de 1969, quanto ao processo e julgamento dos crimes definidos neste Decreto-lei,
assim como os perpetrados contra as Instituições Militares.
Parágrafo único. Instituições Militares são as Fôrças Armadas, constituídas pela Marinha de
Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, estruturadas em Ministérios, bem assim os altos
órgãos militares de administração, planejamento e comando.
Art. 57. O fôro especial estabelecido neste Decreto-lei prevalecerá sôbre qualquer outro
ainda que os crimes tenham sido cometidos por meio de imprensa, radiodifusão ou televisão.
Art. 58. Aplica-se, quanto ao processo e julgamento, o Código da Justiça Militar, no que
não colidir com as disposições da Constituição e dêste Decreto-lei.
Art. 59. Durante as investigações policiais o indiciado poderá ser prêso, pelo Encarregado
do Inquérito até trinta dias, comunicando-se a prisão à autoridade judiciária competente. Êste
prazo poderá ser prorrogado uma vez, mediante solicitação fundamentada do Encarregado do
Inquérito à autoridade que o nomeou.
Art. 62. Recebida a denúncia, o Auditor mandará citar o denunciado para se ver processar e
julgar.
120
Parágrafo único. A citação será por edital e com prazo de quinze dias, para os denunciados
que não forem encontrados, e de vinte dias, para os que se tenham ausentado voluntariamente
do país, estejam ou não em lugar sabido.
Art. 63. O acusado que não comparecer aos atos processuais para os quais foi devidamente
citado ou notificado, será considerado revel.
Art. 64. A ausência de qualquer dos acusados não impedirá a realização dos atos do
processo e do julgamento, nem obrigará seu adiamento.
Parágrafo único. Se a ausência fôr do advogado constituído, o acusado será assistido por
defensor designado, na hora, pelo Presidente do Conselho.
Art. 65. A denúncia deverá arrolar até três testemunhas, e, no caso de mais de um
denunciado, poderá ser ouvida mais uma acêrca da responsabilidade daquele a respeito do
qual não houverem depôsto as testemunhas inquiridas.
Art. 66. A defesa, no curso do sumário, poderá indicar duas testemunhas para cada acusado,
as quais deverão ser apresentadas, independentemente de intimação, no dia e hora fixados
para a inquirição.
Art. 67. Preterem a todos os serviços forenses locais as precatórias expedidas pelo Auditor
e deverão ser cumpridas no prazo máximo de quinze dias, da data do seu recebimento, e
devolvidas pelo meio mais rápido e seguro.
Art. 68. O exame de sanidade mental requerido pela defesa, de algum ou alguns dos
acusados, não obstará sejam julgados os demais, se o laudo correspondente não houver sido
remetido ao Conselho até a data marcada para o julgamento. Neste caso, aquêles acusados
serão julgados oportunamente.
Art. 69. Quando o estado de saúde do acusado não permitir sua permanência na sessão do
julgamento, esta prosseguirá com a presença do seu defensor.
Art. 70. A acusação e a defesa terão respectivamente uma hora para a sustentação oral, por
ocasião do julgamento, podendo o procurador e o defensor replicar e treplicar, por tempo não
excedente a trinta minutos.
Parágrafo único. Se forem dois ou mais réus e diversos os defensores, cada um dêles terá
por sua vez e pela metade, os prazos acima estabelecidos.
Art. 71. Quando a sessão de julgamento não puder ser concluída, por motivos justificados e
dentro do próprio trimestre, o Conselho Permanente de Justiça terá sua jurisdição prorrogada
no respectivo processo.
121
a) dar ao fato definição jurídica diversa da que constar na denúncia, ainda que em
conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave, desde que aquela definição haja sido
formulada pelo Ministério Público, em alegações escritas e a defesa tenha tido oportunidade
de examiná-la;
b) proferir sentença condenatória por fato articulado na denúncia, não obstante haver o
Ministério Público opinado pela absolvição, bem como reconhecer circunstância agravante
não argüida, mas referida, na narração do fato criminoso, na denúncia.
Art. 73. Ao Ministério Público cabe recorrer obrigatòriamente, para o Superior Tribunal
Militar:
b) da sentença absolutória.
Art. 74. O condenado à pena de reclusão por mais de dois anos fica sujeito, acessòriamente
à suspensão de direitos políticos, por dois a dez anos.
Art. 75. Não é admissível a suspensão condicional da pena dos crimes previstos neste
decreto-lei.
Art. 76. A pena privativa de liberdade será cumprida em estabelecimento penal, militar ou
civil, sem rigor penitenciário, a critério do juiz, tendo em vista a natureza do crime e a
periculosidade do agente.
Art. 77. O livramento condicional dar-se-á nos têrmos da legislação penal militar.
Art. 79. O Ministro da Justiça, sem prejuízo do disposto em leis especiais, poderá
determinar investigações sôbre a organização e o funcionamento das emprêsas jornalísticas,
de radiodifusão ou de televisão, especialmente quanto à sua contabilidade, receita e despesa,
assim como a existência de quaisquer fatôres ou influência contrárias à Segurança Nacional,
tal como definidos nos artigos 2º e 3º e seus parágrafos deste decreto-lei.
CAPíTULo IV
Art. 81. O prazo para a conclusão do inquérito é de trinta dias, podendo, por motivo
excepcional, ser prorrogado por mais quinze dias.
Art. 82. Recebidos os autos do inquérito, do flagrante, ou documentos, o Auditor dará vista
imediata ao Procurador que, dentro em cinco dias, oferecerá a denúncia, contendo:
122
c) a classificação do crime;
Parágrafo único. A nomeação dos Juízes do Conselho constará dos autos do processo, por
certidão.
Art. 85. Recebida a denúncia, mandará o Auditor citar o acusado e intimar as testemunhas,
nomeando-lhe defensor, se aquêle não o tiver, e lhe abrirá vista dos autos em cartório, pelo
prazo de dez dias, podendo, dentro dêste, oferecer defesa escrita, juntar documentos e arrolar
testemunhas, até o máximo de oito.
Art. 86. Se o Procurador não oferecer denúncia, ou se esta fôr rejeitada, os autos serão
remetidos ao Superior Tribunal Militar, que a seu respeito decidirá de forma definitiva.
Art. 87. Quando, na denúncia, figurarem diversos acusados, poderão ser processados e
julgados em grupos, se assim o aconselhar o interêsse da Justiça, contados os prazos em
dôbro.
Art. 89. A instrução criminal será presidida pelo Oficial-Juiz que funcionar no Conselho,
observada a precedência hierárquica, cabendo ao Auditor relatar os processos para o
julgamento.
Art. 90. O acusado preso será requisitado, para se ver processar e, se ausente, será
processado e julgado à revelia.
Art. 91. A defesa terá vista dos autos em cartório, para alegações escritas.
Art. 93. As questões preliminares e os incidentes, que forem suscitados, serão resolvidos,
conforme o caso, pelo Auditor ou pelo Conselho de Justiça.
Art. 94. A falta do extrato da fé de Ofício ou dos assentamentos do acusado poderá ser
suprida por outros meios informativos.
Art. 95. Os órgãos da Justiça Militar, tanto em primeira como em segunda instância,
poderão alterar a classificação do crime, sem todavia inovar a acusação.
Art. 97. Das sentenças de primeira instância caberá recurso de apelação, com efeito
suspensivo, para o Superior Tribunal Militar.
§ 2º Não caberá recurso de decisões sôbre questões incidentes, que poderão, entretanto, ser
renovadas na apelação.
Art. 98. As razões do recurso serão apresentadas, com a petição, em cartório e, conclusos
os autos ao Auditor, êste os remeterá, incontinente, à instância superior.
Art. 99. Os autos, no Superior Tribunal Militar, serão logo conclusas ao relator, que
mandará abrir vista ao Procurador-Geral, a fim de que emita parecer, no prazo de cinco dias.
Art. 100. Restituídos os autos pelo Procurador-Geral serão eles encaminhados ao relator e
revisor, tendo cada um, sucessivamente, o prazo de 10 dias para seu exame.
Art. 101. Anunciado o julgamento pelo presidente, o relator fará a exposição dos fatos.
§ 4.º O resultado do julgamento constará de ata, que se juntará ao processo e a decisão será
lavrada dentro em cinco dias, salvo motivo de fôrça maior.
Art. 102. A apelação devolve o pleno conhecimento do feito ao Superior Tribunal Militar.
Art. 103. O recurso de embargos, nos processos, seguirá as normas estabelecidas para a
apelação.
Art. 104. A pena de morte somente será executada trinta dias após haver sido comunicada
ao Presidente da República, se êste não a comutar em prisão perpétua, e a sua execução
obedecerá ao disposto no Código de Justiça Militar.
Art. 105. A pena de prisão perpétua será cumprida em estabelecimento penal, militar ou
civil, ficando o condenado sujeito a regime especial e separado dos que estejam cumprindo
outras penas privativas de liberdade.
Art. 106. Nos casos omissos, aplica-se ao processo de que trata êste Capítulo as disposições
do Capítulo, anterior e do Código de Justiça Militar.
Art. 107. Êste decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, revogados os Decretos-
leis números 314, de 13 de março de 1967, e 510, de 20 de março de 1969, e demais
disposições em contrário.
Aurélio de Lyra Tavares; Márcio de Souza e Mello; Luís Antônio da Gama e Silva
102
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3510/2005. Trechos do voto. Disponível em [www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticia
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106
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RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. v. 1 São Paulo: Max Limonad, 1952.
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TELES, Ney Moura. In: Direito penal : parte geral : arts. 1º a 120, volume 1 / Ney Moura
Teles. São Paulo : Atlas, 2004.
107
TOMÁS, de Aquino. In: Summa Theologica, I, XLV, 2. Escritos Políticos de Santo Tomás
de Aquino. Petrópolis : Vozes, 1995.
Vários autores, sem referência específica. In: Grande dicionário Larousse Cultural da
Língua Portuguesa – Obra parcialmente derivada da “Grande Enciclopédia Larousse
Cultural”, verbete valor. São Paulo : Editora Nova Cultural, 1999.
108
ANEXO I
Decretam:
CAPÍTULO I
Art. 1º Tôda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites
definidos em lei.
Art. 4º Êste Decreto-lei se aplica, sem prejuízo de convenções, tratados e regras, de direito
internacional, aos crimes cometidos, no todo ou em parte, em território nacional, ou que nêle,
embora parcialmente, produziram ou deviam produzir seu resultado.
1
Texto integral, inclusive ortografia utilizada na época, do Decreto-Lei nº 898 de 29 de setembro de 1969.
Disponível em [https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0898.htm], consultado em 12
de dezembro de 2007.
109
Art. 6º Aplica-se êste Decreto-lei ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora
do Brasil, ressalvadas as disposições de convenções, tratados e regras de direito internacional.
Art. 7º Na aplicação dêste decreto-lei o juiz, ou Tribunal, levará inspirar-se nos conceitos
básicos da segurança nacional definidos nos artigos anteriores.
CAPÍTULO II
Art. 9º Tentar, com ou sem auxilio estrangeiro, submeter o território nacional, ou parte
dêle, ao domínio ou soberania de outro país, ou suprimir ou pôr em perigo a independência do
Brasil:
Art. 10. Aliciar indivíduos de outra nação para que invadam o território brasileiro, seja qual
fôr o motivo ou pretexto:
Pena: Morte.
Art. 12. Concertarem-se mais de 2 (duas) pessoas para a prática de qualquer dos crimes
previstos nos artigos anteriores:
Art. 14. Formar, filia-se ou manter associação de qualquer titulo, comitê, entidade de classe
ou agrupamento que, sob a orientação ou com o auxílio de govêrno estrangeiro ou
organização internacional, exerça atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional:
§ 1º Obter ou procurar obter, para o fim de espionagem, notícia de fatos ou coisas que, no
interêsse do Estado, devam permanecer secretas, desde que o fato não constitua delito mais
grave:
Art. 16. Divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou
fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as
autoridades constituídas:
Art. 17. Falsificar, suprimir, tornar irreconhecível, subtrair ou desviar de seu destino ou uso
normal algum meio de prova relativo a fato de importância para o interêsse nacional:
Art. 19. Violar neutralidade assumida pelo Brasil em face de países beligerantes:
Art. 20. Destruir ou ultrajar bandeira, emblemas ou escudo de Nação, amiga, quando
expostos em lugar público:
Art. 21. Ofender publicamente, por palavras ou escrito, Chefe de Govêrno de Nação
estrangeira:
Art. 22. Exercer violência de qualquer natureza, contra Chefe de Govêrno estrangeiro,
quando em visita ao Brasil ou de passagem pelo território brasileiro:
Pena: morte.
Art. 23. Tentar subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim
de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo:
Art. 24. Promover insurreição armada ou tentar mudar, por meio violento, a Constituição,
no todo ou em parte, ou a forma de govêrno por ela adotada:
Art. 26. Impedir ou tentar impedir, por meio de violência ou ameaça de violência, o livre
exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados:
Art. 28. Devastar, saquear, assaltar, roubar, sequestrar, incendiar, depredar ou praticar
atentado pessoal, ato de massacre, sabotagem ou terrorismo:
Art. 30. Tentar desmembrar parte do território nacional, para constituir país independente:
Art. 31. Revelar segrêdo obtido em razão de cargo ou função pública que exerça,
relativamente a ações ou operações militares ou qualquer plano contra revolucionários,
insurrectos ou rebeldes:
114
Parágrafo único. Se o segrêdo revelado causar prejuízo às operações militares ou aos planos
aludidos:
Art. 32. Matar, por motivo de facciosismo ou inconformismo político-social, quem exerça
autoridade ou estrangeiro que se encontrar no Brasil, a convite do Govêrno Brasileiro, a
serviço de seu país ou em missão de estudo:
Pena: morte.
Art. 34. Ofender moralmente quem exerça autoridade, por motivos de facciosismo ou
inconformismo político-social:
Parágrafo único. Se o crime fôr cometido por meio de imprensa, radio ou televisão, a pena
é aumentada de metade.
Parágrafo único. Se o crime fôr cometido por meio de imprensa, rádio ou televisão a pena é
aumentada de metade, além da multa de 50 a 100 vêzes o valor do maior salário-mínimo
115
Pena: morte.
§ 1º Se os crimes previstos nos itens I a IV forem praticados por meio de imprensa, rádio
difusão ou televisão:
Pena: morte.
116
Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas o funcionário público que, direta ou
indiretamente, se solidarizar aos atos de cessação ou paralisação de serviço público ou que
contribua para a não execução ou retardamento do mesmo.
Art. 41. Perturbar, mediante o emprêgo de vias de fato, ameaças, tumultos ou arruidos,
sessões legislativas, judiciárias ou conferências internacionais, realizadas no Brasil:
§ 2º Se resultar morte:
Pena: morte.
Art. 42. Constituir, filiar-se ou manter organização de tipo militar, de qualquer forma ou
natureza, armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa:
Art. 43. Reorganizar ou tentar reorganizar de fato ou de direito, ainda que sob falso nome
ou forma simulada, partido político ou associação, dissolvidos por fôrça de disposição legal
ou de decisão judicial, ou que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança
nacional, ou fazê-lo funcionar, nas mesmas condições, quando legalmente suspenso:
Art. 44. Destruir ou ultrajar a bandeira, emblemas ou símbolos nacionais, quando expostos
em lugar público:
Parágrafo único. Se qualquer dos atos especificados neste artigo importar ameaça ou
atentado à segurança nacional:
Art. 46. Importar, fabricar, ter em depósito ou sob sua guarda, comprar, vender, doar ou
ceder, transportar ou trazer consigo armas de fogo ou engenhos privativos das Fôrças
Armadas ou quaisquer instrumentos de destruição ou terror, sem permissão da autoridade
competente:
Art. 47. Incitar à prática de qualquer dos crimes previsto neste Capítulo, ou fazer-lhes a
apologia ou a de seus autores se o fato não constituir crime mais grave.
Art. 48. Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente prêsa, em decorrência da prática
de cries previsto nesta Lei.
II - Ter sido o crime praticado com a ajuda de qualquer espécie ou sob qualquer título,
prestada por Estado ou organização internacional ou estrangeiro;
IV - Ter sido o agente, em época anterior ao delito, atingido por sanção aplicada de acôrdo
com os Atos Institucionais.
Art. 50. Para o efeito de cálculo da pena aplicável à tentativa, a pena de morte ou de prisão
perpétua equipara-se à de reclusão por 30 anos.
Parágrafo único. Quando a tentativa não constitui por si só crime, é punida com a pena
cominada a êste, reduzido de um a dois terços.
Art. 51. Quando ao crime fôr cominada pena de prisão perpétua, poderá o Conselho ou
Tribunal substituí-la pela de reclusão por 30 anos.
Art. 54. Nos crimes definidos nos arts. 16, e seus parágrafos, 34 e seu parágrafo único, 36 e
seu parágrafo único, 39 e seus parágrafos, 45 e seu parágrafo único e 47 e seus parágrafos, o
Ministro de Estado da Justiça, sem prejuízo da ação penal prevista neste Decreto-lei, poderá
determinar a apreensão de jornal, periódico, livro ou qualquer outros impresso, a suspensão de
sua impressão, circulação, distribuição ou venda, no território brasileiro, e, se tratar de,
radiodifusão ou de televisão, representar ao Ministro de Estado das Comunicações, para a
suspensão de seu funcionamento.
119
Parágrafo único. No caso de reincidência, praticada pelo mesmo jornal, periódico, livro ou
qualquer outro impresso ou pela mesma emprêsa ou por periódico de empresas diferentes,
mas que tenham o mesmo diretor ou responsável, ainda, o Ministro de Estado da Justiça
poderá determinar ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Jurídicas competente o
cancelamento do registro respectivo e, em se tratando de radiodifusão ou de televisão,
representar ao Ministro de Estado das Comunicações para a cassação da respectiva concessão
ou permissão, e ulterior cancelamento do registro.
Art. 55. A responsabilidade penal pela propaganda, subversiva independe da civil e não
exclui as decorrentes de outros crimes, na forma dêste Decreto-lei ou de outras Lei.
CAPÍTULO III
Do Processo e Julgamento
Art. 56. Ficam sujeitos ao fôro militar tanto os militares como os civis, na forma do art.
122, parágrafos 1º e 2º da Constituição, com a redação dada pelo Ato Institucional nº 6, de 1º
de fevereiro de 1969, quanto ao processo e julgamento dos crimes definidos neste Decreto-lei,
assim como os perpetrados contra as Instituições Militares.
Parágrafo único. Instituições Militares são as Fôrças Armadas, constituídas pela Marinha de
Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, estruturadas em Ministérios, bem assim os altos
órgãos militares de administração, planejamento e comando.
Art. 57. O fôro especial estabelecido neste Decreto-lei prevalecerá sôbre qualquer outro
ainda que os crimes tenham sido cometidos por meio de imprensa, radiodifusão ou televisão.
Art. 58. Aplica-se, quanto ao processo e julgamento, o Código da Justiça Militar, no que
não colidir com as disposições da Constituição e dêste Decreto-lei.
Art. 59. Durante as investigações policiais o indiciado poderá ser prêso, pelo Encarregado
do Inquérito até trinta dias, comunicando-se a prisão à autoridade judiciária competente. Êste
prazo poderá ser prorrogado uma vez, mediante solicitação fundamentada do Encarregado do
Inquérito à autoridade que o nomeou.
Art. 62. Recebida a denúncia, o Auditor mandará citar o denunciado para se ver processar e
julgar.
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Parágrafo único. A citação será por edital e com prazo de quinze dias, para os denunciados
que não forem encontrados, e de vinte dias, para os que se tenham ausentado voluntariamente
do país, estejam ou não em lugar sabido.
Art. 63. O acusado que não comparecer aos atos processuais para os quais foi devidamente
citado ou notificado, será considerado revel.
Art. 64. A ausência de qualquer dos acusados não impedirá a realização dos atos do
processo e do julgamento, nem obrigará seu adiamento.
Parágrafo único. Se a ausência fôr do advogado constituído, o acusado será assistido por
defensor designado, na hora, pelo Presidente do Conselho.
Art. 65. A denúncia deverá arrolar até três testemunhas, e, no caso de mais de um
denunciado, poderá ser ouvida mais uma acêrca da responsabilidade daquele a respeito do
qual não houverem depôsto as testemunhas inquiridas.
Art. 66. A defesa, no curso do sumário, poderá indicar duas testemunhas para cada acusado,
as quais deverão ser apresentadas, independentemente de intimação, no dia e hora fixados
para a inquirição.
Art. 67. Preterem a todos os serviços forenses locais as precatórias expedidas pelo Auditor
e deverão ser cumpridas no prazo máximo de quinze dias, da data do seu recebimento, e
devolvidas pelo meio mais rápido e seguro.
Art. 68. O exame de sanidade mental requerido pela defesa, de algum ou alguns dos
acusados, não obstará sejam julgados os demais, se o laudo correspondente não houver sido
remetido ao Conselho até a data marcada para o julgamento. Neste caso, aquêles acusados
serão julgados oportunamente.
Art. 69. Quando o estado de saúde do acusado não permitir sua permanência na sessão do
julgamento, esta prosseguirá com a presença do seu defensor.
Art. 70. A acusação e a defesa terão respectivamente uma hora para a sustentação oral, por
ocasião do julgamento, podendo o procurador e o defensor replicar e treplicar, por tempo não
excedente a trinta minutos.
Parágrafo único. Se forem dois ou mais réus e diversos os defensores, cada um dêles terá
por sua vez e pela metade, os prazos acima estabelecidos.
Art. 71. Quando a sessão de julgamento não puder ser concluída, por motivos justificados e
dentro do próprio trimestre, o Conselho Permanente de Justiça terá sua jurisdição prorrogada
no respectivo processo.
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a) dar ao fato definição jurídica diversa da que constar na denúncia, ainda que em
conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave, desde que aquela definição haja sido
formulada pelo Ministério Público, em alegações escritas e a defesa tenha tido oportunidade
de examiná-la;
b) proferir sentença condenatória por fato articulado na denúncia, não obstante haver o
Ministério Público opinado pela absolvição, bem como reconhecer circunstância agravante
não argüida, mas referida, na narração do fato criminoso, na denúncia.
Art. 73. Ao Ministério Público cabe recorrer obrigatòriamente, para o Superior Tribunal
Militar:
b) da sentença absolutória.
Art. 74. O condenado à pena de reclusão por mais de dois anos fica sujeito, acessòriamente
à suspensão de direitos políticos, por dois a dez anos.
Art. 75. Não é admissível a suspensão condicional da pena dos crimes previstos neste
decreto-lei.
Art. 76. A pena privativa de liberdade será cumprida em estabelecimento penal, militar ou
civil, sem rigor penitenciário, a critério do juiz, tendo em vista a natureza do crime e a
periculosidade do agente.
Art. 77. O livramento condicional dar-se-á nos têrmos da legislação penal militar.
Art. 79. O Ministro da Justiça, sem prejuízo do disposto em leis especiais, poderá
determinar investigações sôbre a organização e o funcionamento das emprêsas jornalísticas,
de radiodifusão ou de televisão, especialmente quanto à sua contabilidade, receita e despesa,
assim como a existência de quaisquer fatôres ou influência contrárias à Segurança Nacional,
tal como definidos nos artigos 2º e 3º e seus parágrafos deste decreto-lei.
CAPíTULo IV
Art. 81. O prazo para a conclusão do inquérito é de trinta dias, podendo, por motivo
excepcional, ser prorrogado por mais quinze dias.
Art. 82. Recebidos os autos do inquérito, do flagrante, ou documentos, o Auditor dará vista
imediata ao Procurador que, dentro em cinco dias, oferecerá a denúncia, contendo:
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c) a classificação do crime;
Parágrafo único. A nomeação dos Juízes do Conselho constará dos autos do processo, por
certidão.
Art. 85. Recebida a denúncia, mandará o Auditor citar o acusado e intimar as testemunhas,
nomeando-lhe defensor, se aquêle não o tiver, e lhe abrirá vista dos autos em cartório, pelo
prazo de dez dias, podendo, dentro dêste, oferecer defesa escrita, juntar documentos e arrolar
testemunhas, até o máximo de oito.
Art. 86. Se o Procurador não oferecer denúncia, ou se esta fôr rejeitada, os autos serão
remetidos ao Superior Tribunal Militar, que a seu respeito decidirá de forma definitiva.
Art. 87. Quando, na denúncia, figurarem diversos acusados, poderão ser processados e
julgados em grupos, se assim o aconselhar o interêsse da Justiça, contados os prazos em
dôbro.
Art. 89. A instrução criminal será presidida pelo Oficial-Juiz que funcionar no Conselho,
observada a precedência hierárquica, cabendo ao Auditor relatar os processos para o
julgamento.
Art. 90. O acusado preso será requisitado, para se ver processar e, se ausente, será
processado e julgado à revelia.
Art. 91. A defesa terá vista dos autos em cartório, para alegações escritas.
Art. 93. As questões preliminares e os incidentes, que forem suscitados, serão resolvidos,
conforme o caso, pelo Auditor ou pelo Conselho de Justiça.
Art. 94. A falta do extrato da fé de Ofício ou dos assentamentos do acusado poderá ser
suprida por outros meios informativos.
Art. 95. Os órgãos da Justiça Militar, tanto em primeira como em segunda instância,
poderão alterar a classificação do crime, sem todavia inovar a acusação.
Art. 97. Das sentenças de primeira instância caberá recurso de apelação, com efeito
suspensivo, para o Superior Tribunal Militar.
§ 2º Não caberá recurso de decisões sôbre questões incidentes, que poderão, entretanto, ser
renovadas na apelação.
Art. 98. As razões do recurso serão apresentadas, com a petição, em cartório e, conclusos
os autos ao Auditor, êste os remeterá, incontinente, à instância superior.
Art. 99. Os autos, no Superior Tribunal Militar, serão logo conclusas ao relator, que
mandará abrir vista ao Procurador-Geral, a fim de que emita parecer, no prazo de cinco dias.
Art. 100. Restituídos os autos pelo Procurador-Geral serão eles encaminhados ao relator e
revisor, tendo cada um, sucessivamente, o prazo de 10 dias para seu exame.
Art. 101. Anunciado o julgamento pelo presidente, o relator fará a exposição dos fatos.
§ 4.º O resultado do julgamento constará de ata, que se juntará ao processo e a decisão será
lavrada dentro em cinco dias, salvo motivo de fôrça maior.
Art. 102. A apelação devolve o pleno conhecimento do feito ao Superior Tribunal Militar.
Art. 103. O recurso de embargos, nos processos, seguirá as normas estabelecidas para a
apelação.
Art. 104. A pena de morte somente será executada trinta dias após haver sido comunicada
ao Presidente da República, se êste não a comutar em prisão perpétua, e a sua execução
obedecerá ao disposto no Código de Justiça Militar.
Art. 105. A pena de prisão perpétua será cumprida em estabelecimento penal, militar ou
civil, ficando o condenado sujeito a regime especial e separado dos que estejam cumprindo
outras penas privativas de liberdade.
Art. 106. Nos casos omissos, aplica-se ao processo de que trata êste Capítulo as disposições
do Capítulo, anterior e do Código de Justiça Militar.
Art. 107. Êste decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, revogados os Decretos-
leis números 314, de 13 de março de 1967, e 510, de 20 de março de 1969, e demais
disposições em contrário.
Aurélio de Lyra Tavares; Márcio de Souza e Mello; Luís Antônio da Gama e Silva