52881-Texto Do Artigo-164330-2-10-20210625
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Resumo: Neste artigo, é nossa intenção apresentar a concepção do filósofo pragmatista John Dewey
acerca da consciência. Tomaremos como guia um de seus trabalhos mais conhecidos, Experiência e
Natureza (1925), uma vez que é neste escrito que o ponto de vista do autor sobre o tema é exposto
de forma minuciosa. Na visão deweyana, a consciência é o ponto de partida de uma ação
transformadora, podendo ser definida a partir das condições psico-físicas do ser vivente; desse modo,
ela não é uma faculdade misteriosa, radicalmente distinta da matéria ou desvinculada da natureza na
qual o ser humano vive e age. Ao contrário, a consciência, para Dewey, está intimamente vinculada à
realidade, às dificuldades práticas da vida, tendo, por isso, um papel adaptativo importante, uma
função indispensável na satisfação das necessidades naturais do organismo vivente.
Palavras-chave: Atividade orgânica. Percepção. Significação. Consciência. John Dewey.
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Introdução
Ao iniciar sua discussão filosófica sobre a consciência, Dewey afirma, no
capítulo oitavo de Experiência e Natureza (1925), que esta palavra não costuma ter
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uma significação fixa, e que não existe acordo acerca do que exatamente ela
denota. Nosso filósofo, no entanto, identifica dois significados para a palavra
consciência, dos quais se vale na exposição de sua teoria naturalista sobre o tema.
Por um lado, a palavra assinala certas qualidades que são diretamente patentes,
qualidades tais como os sentimentos sob o ponto de vista psicológico. Estas
qualidades diretas, presentes também como literais fins ou encerramentos de
processos naturais, constituem a consciência; e este é o caso onde quer que não
haja significações, ou seja, prescindindo-se da existência e emprego dos signos e da
comunicação. Por outro lado, a palavra denota as significações diretamente
percebidas num determinado momento, ou seja, a percepção de objetos presentes,
estando-se, contudo, alerta e atento quanto à sua importância com respeito aos
acontecimentos presentes, passados e futuros. O ponto de partida da consciência
está nas qualidades diretas; as significações estão fundadas em sentimentos
relativos às atividades e receptividades orgânicas. As significações dependem da
linguagem, e esta implica dois “eus” (ou dois seres humanos) envolvidos em uma
empresa conjunta. Este mecanismo direto se funda na capacidade de fonação e de
audição, formando-se, assim, a partir da conduta orgânica geral.
Dewey considera que, a princípio, enquanto se prescinde da linguagem, o que
se tem é um amontoado de seleções e rejeições orgânicas, sem que sejam notadas
muitas de suas qualidades, ou seja, sem que haja a respeito delas qualquer
identificação objetiva. Tais disposições existem como sentimentos e têm influência
forte na conduta, bem como eficácia indiscutível na ação; são elas, acrescenta o
filósofo, a matéria de nossas “intuições”. Por seu turno, as significações que
adquirimos com o uso da linguagem exercem profunda influência sobre estes
sentimentos, e não só nos sentimentos como também nos atos que deles resultam.
COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrônica de Filosofia, ISSN 1809-8428, São Paulo: CEP/PUC-SP, vol. 18, nº.1, janeiro-junho, 2021, p.15-24
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Nossa linguagem faz com que Dewey encontre certa dificuldade em definir a
consciência direta, e é possível perceber que o filósofo em momento algum se
preocupa em exigir da linguagem o que está fora de seu alcance. Em vez disso,
devemos, segundo ele, reconhecer seus limites e nos contentarmos em apontar ou
evocar instâncias de consciência. Assim, Dewey admite ser impossível definir a
consciência,
não porque haja nela, ou por trás dela, algum mistério, senão pela
mesma razão por que tampouco podemos dizer o que é o doce ou o
vermelho no que ambos têm de direto: trata-se de algo tido, não
comunicado nem conhecido. Mas as palavras, enquanto meios que
dirigem a ação, podem evocar uma situação em que se tenha a coisa
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nosso filósofo. James compara o curso da consciência com uma corrente, apesar de
admitir seu caráter intermitente, reconhecendo nela ritmos crescentes e
decrescentes. Para James, aquilo que se experimenta duas vezes ou que se revela
idêntico é só um objeto, e não uma consciência concreta. Lembra Dewey também
que, para James, os movimentos da consciência são uma série de fases transitivas,
“pois as significações se condensam no foco da iminente mudança de direção tão só
para desaparecerem, uma vez feita a reorganização, e reaparecerem em outro
ponto de intensidade e debilidade” (Dewey, 1958, p. 312)1.
Dewey confirma empiricamente este modo de se conceber a consciência
assinalando o fato de que todo objeto percebido (ou de que temos consciência) é
inerentemente instável. Mais precisamente, os caracteres dos objetos naturais e
físicos são instáveis. Assim, as percepções muitas vezes sugerem mudanças de
direção na conduta de adaptação. Qualquer adaptação anterior constitui um certo
estado ou nível, e a percepção ou consciência no instante presente pode significar a
iminente alteração de tal estado, assim como a necessidade de reajuste em outro
nível. É fato que eventos naturais semelhantes podem ser percebidos de maneiras
diferentes. Podem significar, por exemplo, calor num lugar e frio em outro, de acordo
com a direção que toma a readaptação orgânica. Mesmo uma dor de dentes é algo
instável para a consciência, pois pode mudar sua intensidade a qualquer momento
(pode aumentar ou diminuir de repente), pode ainda desaparecer temporariamente e
depois voltar, talvez com maior intensidade.
Dewey constata ainda que qualquer percepção é acompanhada de um
instante de hesitação na ação a ser executada. Uma ação vista apenas como pronta
ratificação das condições orgânico-ambientais já estabelecidas não estimula a
produção de ideias. Somente quando a conduta se encontra dividida, ou seja,
quando alguns de seus fatores respondem a tendências de ação imediata, enquanto
outros respondem a objetos ausentes e remotos, é que a consciência ou percepção
entra em cena realmente, buscando unificar a atividade orgânica e completar a
significação do que já se tem à mão. Segundo Dewey, quanto mais pronta for uma
resposta, menos conterá de consciência ou ideia. “A divisão acarreta a confusão
mental, mas também representa, diante da necessidade de uma mudança de
direção, uma possibilidade de observar, recordar, antecipar” (Dewey, 1958, p. 314).
Aqui, o exemplo dado por Dewey é o do cientista que, ao realizar seus
experimentos, não age simplesmente por agir, não trabalha mecanicamente. Ao
contrário, o cientista está sempre sujeito a incertezas, a vacilações em seus
procedimentos, e isso é justamente o que enriquece seu campo de percepção; é
justamente aquilo que faz com que sua atividade torne-se melhor adaptada à
situação problemática vivenciada.
A mudança de conduta, portanto, tem relação intrínseca com a apreensão de
uma nova significação. Mas é preciso frisar que Dewey não concebe a consciência
ou a percepção como uma entidade misteriosamente capaz de produzir a mudança.
A percepção ou consciência é, literalmente, a modificação mesma sendo produzida.
A desaprovação de algo, por exemplo, já introduz uma mudança na direção da
1
Nos Princípios de Psicologia (1890), diz ainda James que toda “consciência realmente existente
parece, pelo menos para si mesma, uma lutadora por fins, dos quais muitos, sem sua presença, não
chegariam a ser fins. Suas capacidades de cognição estão submetidas principalmente a esses fins,
pois distinguem quais os fatos que os auxiliam e quais os que não o fazem” (James, 1950, p. 141) A
consciência, portanto, é capaz de selecionar o curso da ação, mostrando-se um instrumento
adequado às necessidades de um organismo complexo.
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Dewey salienta que os filósofos muitas vezes têm insistido na certeza daquilo
que é imediatamente “dado” na percepção; têm buscado dados existenciais diretos
indubitáveis com os quais reforçar suas teorias. Dewey, porém, entende que
Conclusão:
Podemos finalizar este estudo afirmando que, para Dewey, quando não existe
um problema, uma indecisão, uma situação problemática em marcha, ou seja,
inacabada na natureza, não podem dar-se acontecimentos tais como as percepções.
Nosso autor entende que o ponto de máxima atenção é o ponto de máximo esforço
e de potencialidade indeterminada. Este ponto é vívido, mas não claro; expressa o
que está por acontecer, mas que não se encontra definido até que a ação o realize e
o faça deixar de ser o foco imediato da consciência. Como realça Hildebrand, “se a
mente é o ‘estoque’ de significados disponíveis, então a consciência é a
compreensão e reconstrução desses significados para que a experiência possa ser
redirecionada, readaptada e reorganizada” (Hildebrand, 2008, p. 34). A tese de
Dewey, portanto, é a de que a consciência é a significação que os objetos possuem
quando submetidos a uma mudança intencional de disposição ou organização por
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Referências:
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Economica, 1948.
DEWEY, J. Reconstruction in Philosophy. Mentor Book, The New American
Library, 1950.
DEWEY, J. Logica: Teoría de la Investigación. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Economica, 1950.
DEWEY, J. Experience and Nature. New York: Dover Publications, 1958.
DEWEY, J. Logic: The Theory of Inquiry. New York: Holt, Rinehart and Winston,
1960.
DEWEY, J. Textos Selecionados. Col. Os Pensadores, v. 40. São Paulo: Abril
Cultural, 1974.
HILDEBRAND, D. L. Dewey: A Beginner’s Guide. Oxford: Oneworld Publications,
2008.
JAMES, W. Principles of Psychology. V. 1. New York: Dover Publications, 1950.
JAMES, W. Textos Selecionados. Col. Os Pensadores, v. 40. São Paulo: Abril
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